“Um Divórcio Deixa Profundas Feridas Emocionais”
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BRINDE COM A LUX € nº 711 . semanal . 16 de dezembro de 2013 . 1,40 (Cont.) APENAS + € 5,95 Jornalista regressa de férias com nova imagem e dá entrevista sem tabus JUDITE SOUSA QUEBRA O SILÊNCIO “Um divórcio deixa profundas feridas emocionais” ADEUS A MANDELA MUNDO UNIDO NUMA SÓ VOZ Filha de pai cabo-verdiano e mãe portuguesa, CARLA GALVÃO, de “Belmonte”, assume com orgulho o seu ar exótico “Toda a gente acha que eu sou de todos os sítios do mundo menos de Portugal [risos]„ ra, até à estreia da telenovela “Bel- monte”, uma cara pouco conhecida do público, mas Carla Galvão já é atriz há 16 anos. Fez boa parte do seu percurso em teatro, a que juntou Epequenas participações em séries e telenove- las. Agora, dá vida a Julieta em “Belmonte”, um projeto que diz ter uma aura especial. É atriz mas também cantora sempre que a desafi am. O ar exótico, esse deve-o aos antepassados do pai, natural de Cabo Verde. De voz serena e olhar penetrante, Carla Galvão é mãe de Tomé, de 4 anos, fruto de uma relação estável mas da qual não gosta de falar. Lux – Como é que surgiu a oportunidade de entrar em “Belmonte”? A Carla não faz muita televisão… Carla Galvão – Não. Este é o primeiro projeto com continuidade. Já tinha feito participações pontuais em séries e novelas. A primeira participação em televisão foi, salvo erro, na novela “Amanhecer”, há 13 anos. “Belmonte” tem uma aura gigantesca, muito brilhante. Fui contactada para a novela, fi z o casting Carla Galvão, de 33 anos, é atriz há 16, mas o seu percurso tem sido feito sobretudo em teatro, embora já tenha tido pequenas participações em telenovelas e séries A atriz, que dá vida a Julieta na telenovela “Belmonte”, não poupa elogios ao ator Filipe Duarte. “É um ator top e de uma grande generosidade com toda a equipa”, afi rma “Durante a gravidez fi z digressões de quatro espetáculos diferentes, em que dançava, cantava, pulava... Quando o Tomé chegou, veio literalmente musculado. Tinha uns bíceps [risos]„ e entretanto fui sendo envolvida pelo projeto. tudo em redor. Como se diz no desporto, vestimo-nos todos na Zara, vamos todos ao A direção de atores é composta por três não dá para atrofi ar. Se temos um atleta de Pingo Doce [risos]... No liceu, a Ana Vinagre e a pessoas maravilhosas e por quem eu tenho alta competição, quem está ao lado tem de Paula Sousa, duas professoras de teatro, foram imensa consideração, que são o Adriano Luz, trabalhar para estar ao nível. Por isso não as responsáveis por eu ter experimentado a Teresa Sobral e a Joana Bárcia, que sabem é questão de sobressair mas de sabermos fazer teatro como atividade extracurricular, imenso de fi cção, e fui captada logo por essa que estas pessoas puxam umas pelas outras aos 15 ou 16 anos. Depois a Paula Sousa ideia. Depois fui percebendo quem era o e que estamos todos numa fasquia… Estar tinha uma companhia, o Teatro Esfera, em elenco, que é um elenco de peso no sentido rodeada de um certifi cado de qualidade Queluz, Massamá, e fez-me um convite para da experiência, do bom gosto, do talento. garantido é muito bom para estarmos sempre trabalhar a nível profi ssional. O convite surgiu Sou admiradora de todos. E, por fi m, li os alerta e elevar o nível. um ano antes de eu ter de decidir para que primeiros episódios e senti logo uma pulsação Lux – Vamos voltar atrás no tempo. Como universidade é que ia, porque queria tirar e uma vibração muito fortes em termos é que começou esta vontade de ser atriz? Engenharia Agrónoma. de qualidade. C.G. – Na Escola Secundária Gil Vicente, Lux – Que era sua a opção inicial… Lux – Como é que, com um elenco masculino onde andei, a determinada altura o que tinha C.G. – Sim. Ainda fi z um estágio em hortifruti- tão poderoso, se faz sobressair também pensado para mim tinha muito mais a ver com cultura, de que gostei muito. Candidatei-me o elenco feminino? as ciências. O teatro fascinava-me apenas no mesmo ano ao Conservatório e a C.G. – Acho que só a confi guração de haver porque vivia num bairro que era muito caricato Engenharia Agrónoma, mas nem fui ver os um clã masculino faz com que tudo à volta na altura, em que só havia personagens tipo. resultados. Até hoje não sei se entrei ou não. também sobressaia. Esta aposta qualifi ca Agora isso existe menos, somos todos iguais, Naquela altura os meus pais queriam muito “Nunca me arrependi de ser atriz. Só no início do ano é que pensei que estava na hora de começar a pensar num plano B, porque as coisas fi caram terríveis. Mas não foi preciso„ que eu tirasse um curso superior que fosse reconhecido e que não tivesse um cadastro. O teatro tem o cadastro da boémia, da má vida… E se eu tivesse entrado em Engenharia, os meus pais teriam um argumento muito forte para me dizerem para tirar primeiro aquele e só depois fazer o que quisesse. Vi na tabela que tinha entrado no Conservatório com a melhor nota e, como sou muito sensível a sinais, achei que aquilo queria dizer alguma coisa. E fui para o Conservatório em 1999 e não parei até hoje. Lux – Sem arrependimentos? C.G. – Nunca me arrependi. Neste percurso tenho sido muito bafejada pela sorte. Há uma série de reconhecimentos que me têm acon- tecido, desde as nomeações para os Globos de Ouro em 2004 e 2007 ao Prémio Bernardo Santareno, ao prémio da crítica de teatro, ao prémio de teatro da Time Out de Melhor Ator em 2012... Ser artista em Portugal é muito duro, mas o artista trabalha com uma matéria tão subjetiva e sensível que devia ser mais acarinhado. Sinto que o não arrependimento e a minha força também têm a ver com o facto de eu ter sido acarinhada, além de ter tido a sorte de estar sempre a trabalhar. Para mim isto tem sido muito natural, nunca olhei para trás. Só no início deste ano é que pensei que estava na hora de começar a pensar num plano B, porque as coisas fi caram mesmo terríveis, os subsídios foram cortados, as companhias tiveram de adotar estratégias de contenção... Mas nunca numa perspetiva de desistir ou de me arrepender daquilo que optei por fazer até aqui. Foi mais numa de sobrevivência. Pensei: “Se isto falhar tudo, tenho de encontrar um plano B fora desta área.” Mas não foi preciso. Lux – Quando se tem fi lhos o peso é outro, não é? C.G. – Sim, pensei num plano B também por causa disso. Eu tenho um fi lho e tenho essa responsabilidade. Tenho a escola para pagar, Carla Galvão é mãe de Tomé, de 4 anos, fruto de uma relação estável. ”Ele é super enérgico”, conta Além do trabalho em televisão, como toda a gente, comida para comprar… O meu pai é da Ilha do Fogo e há ali umas a atriz faz ainda espetáculos Há um mínimo que temos de garantir para infl uências que nunca percebemos muito para crianças e bebés. os nossos fi lhos e se percebermos que as bem. O meu bisavô tem um ar mais asiático, Também adora cantar coisas não vão resultar, temos de pensar com os olhos rasgados. Cabo Verde é um e já trabalhou com noutras por antecipação, planear qualquer festival de genética. grandes artistas nacionais coisa que não me coloque numa situação Lux – Perguntam-lhe muitas vezes de onde de afl ição. é que é? Lux – De onde é que vem esse seu ar exótico? C.G. – Quando entrei no Conservatório, tinha C.G. – O meu pai é cabo-verdiano e a minha uma colega que pensava que eu era porto- “‘Belmonte’ tem mãe é portuguesa, de perto de Viseu. -riquenha. Toda a gente acha que eu sou de uma aura gigantesca, Na Beira Alta as mulheres têm os maxilares todos os sítios do mundo menos de Portugal e as maçãs do rosto marcadas, os olhos [risos]. Ou de Porto Rico ou peruana ou indiana... muito brilhante„ grandes e são mulheres com traços fortes. Já fui de todo o lado, mas sou alfacinha. Os Natais de Carla são passados entre Lisboa e Coimbra. A atriz adora festejar as datas importantes Lux – Já foi conhecer as suas raízes cabo- -verdianas? C.G. – Sim. Fui pela primeira vez a Cabo Verde em 1999. Gostaria de ter ido mais cedo, mas foi assim que a vida se organizou. A ida a Cabo Verde foi muito importante, deu-me uma força… Acho que houve uma identifi ca- ção, qualquer coisa que me complementou como pessoa e me ajudou a decidir este lado mais artístico. Foi uma viagem em família. Conheci toda a minha família paterna, vi onde o meu pai nasceu... Em Cabo Verde a tradição oral é muito forte e a dimensão teatral também. Complementei-me como pessoa com aquele imaginário. Era uma coisa que só conhecia contada pelo meu pai ou pela música da Cesária Évora. As letras das músicas cabo- -verdianas são representativas da humani- dade do cabo-verdiano. Lux – Também canta. Como é que começou? C.G. – Comecei a cantar desafi ada pelos meus amigos. Vivia num bairro, ao lado da marcha popular, do fado... E sempre fui muito atenta, sempre gostei muito de fado e lembro-me da Cidália Moreira, com quem me identifi cava. Houve um dia em que decorei a “Rua do Capelão” e uma amiga minha percebeu isso e desafi ava-me a cantar.