UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS – CCH LICENCIATURA EM HISTÓRIA

Monografia

O esporte como ferramenta de contestação e mobilização social e política: A Democracia Corinthiana (1981-1985) e o apoio ao movimento popular “Diretas Já”.

Gabriel José de Assis Farias 15216090286 Polo: Resende

RESENDE 2019

O esporte como ferramenta de contestação e mobilização social e política: A Democracia Corinthiana (1981-1985) e o apoio ao movimento popular “Diretas Já”.

Gabriel José de Assis Farias

Monografia submetida ao corpo docente da Escola de História da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro – UNIRIO, como parte dos requisitos necessários à obtenção do grau de Licenciado em História, sob orientação do Prof. Dr. Carlo Maurizio Romani.

RESENDE 2019 1

O esporte como ferramenta de contestação e mobilização social e política: A Democracia Corinthiana (1981-1985) e o apoio ao movimento popular “Diretas Já”.

Gabriel José de Assis Farias

Aprovado por: Prof. Carlo Maurizio Romani - Orientador (Doutor/UNIRIO) Prof. Flávio Limoncic (Doutor/UNIRIO)

RESENDE 2019 2

DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho ao Paulo e a Nilda, também conhecidos por mim e meu irmão como pai e mãe. Assim como dedico ao meu vô Farias, que por alguns meses não conseguiu ver um dos seus quatro netos se graduando.

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AGRADECIMENTOS Gostaria de agradecer ao meu pai e minha mãe, pois sem eles não teria chegado onde estou agora, sou grato por todo apoio e estrutura, com todo o esforço deles, que me deram para estudar. Certamente sem o amparo deles não conseguiria. Além de tudo isso, são pessoas maravilhosas que tenho enorme orgulho em ser filho. Agradeço meu irmão por todos os momentos que ele ajudou-me a aliviar a tensão causada pela universidade, todos os momentos em que parei e pude conversar sobre futebol ou esportes em geral, que fomos jogar videogame, ver filmes/séries/animes ou apenas um irritar o outro. Agradeço a todos os meus amigos que passaram pela minha e, principalmente, aos que ficaram, aguentaram e entenderam que estava passando por um período tão exaustivo e que demandou muito de mim. No entanto, devo agradecer especialmente alguns amigos que fazem parte da minha vida e que contribuíram de alguma forma nesse período: Vitória “Grandona” – por ter me falado sobre o CEDERJ, ter me incentivado a fazer o vestibular e por ser uma grande amiga; Jordy “Meninão” – por ser um dos meus melhores amigos – um irmão – e sempre me dar tanta força, das caronas para Estágio, além de ser um dos três amigos que trago desde o ensino fundamental; Jhony “Balada” – por ser um cara muito firmeza que me faz refletir, em muitos casos, sobre as minhas próprias crenças filosóficas e políticas e por confiar em mim, também um irmão que levo desde o ensino fundamental; Lucas “bolsominon de estimação” – meu primeiro amigo do fundamental no Sesi, um irmão (apesar do posicionamento político totalmente contrário). Para finalizar, talvez a pessoa que mais me aguentou em todo este período com as reclamações e debates, Júlia “Indiana Julias” – entre piadas, fofocas e debates, apesar da distância que a universidade impôs sem dó, nunca deixou de incentivar e me ajudar, uma futura arqueóloga- problematizadora-debatedora e amiga. A todos, sou muito grato por tudo, por todas as conversas, risadas, estranhezas e por vocês existirem, amo todos vocês. Agradeço a todos os meus professores, desde aqueles do fundamental até os que encontrei na universidade, são parte importante de tudo que estou prestes a conquistar. Agradeço as escolas e os professores que me receberam para cumprir os estágios. Agradeço ao meu orientador, o professor Carlo Romani, pelo apoio e por ter me dado toda a liberdade para que pudesse desenvolver este trabalho e sempre disponível para ajudar-me. Muito obrigado!

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“Ganhar ou perder, mas sempre com Democracia!” 5

RESUMO

Este trabalho tem como proposta analisar a repercussão do fenômeno da “Democracia Corinthiana”, ocorrido no contexto geral da redemocratização pós-anistia, e da atividade de seus líderes no campo esportivo, social e da política nacional. Isto é, quais as consequências fomentadas pela “Democracia Corinthiana” no meio esportivo e a influência sociopolítica do movimento para o período. O trabalho procurará entender como o esporte, neste caso específico o futebol, se insere como uma ferramenta de mobilização política e luta pelos direitos democráticos. Demonstrar que o fenômeno esportivo tem poder de mobilizar as massas através do seu apelo popular e estabelecer uma relação de contestação do poder político, através do apoio aos movimentos sociais do período de redemocratização do Brasil e do debate sobre as eleições diretas. Assim, contribuindo como movimento de massa.

Palavras-chave: Democracia Corinthiana; Diretas Já; Redemocratização. 6

ABSTRACT

This works aims to analyze the impact of the “Corinthian Democracy”, occurred in a general context of post-amnesty redemocratization, and in the activity of its leaders in sports, social and national politics. That is, what are the consequences promoted by the “Corinthian Democracy” in the sporting environment and in the sociopolitical influence of the movement by period. The works will seek to understand how sport, in this specific case or football, is seen as a tool for political mobilization and struggle for democratic rights. Demonstrate that the sporting phenomenon has the power to mobilize as masses through its popular appeal and to establish a contesting relationship of political power, by supporting social movements during Brazil's redemocratization period and debating direct negotiations. Thus contributing as mass movement.

Keywords: Corinthian Democracy; Direct now; Redemocratization.

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LISTA DE ABREVIATURA E SIGLAS

EUA: Estados Unidos da América; URSS: União das Repúblicas Socialistas Soviéticas; SAPESP: Sindicato dos Atletas Profissionais do Estado de São Paulo; MDB: Movimento Democrático Brasileiro; OAB: Ordem dos Advogados do Brasil; EMBRATEL: Empresa Brasileira de Telecomunicações; TELEBRAS: Telecomunicações Brasileiras S/A; AI: Ato Institucional; SCCP: Sport Club Corinthians Paulista; FIFA: Federação Internacional de Futebol; LPF: Liga Paulista de Foot-Ball; APEA: Associação Paulista de Esportes Atléticos; ARENA: Aliança Renovadora Nacional; CBF: Confederação Brasileira de Futebol; PT: Partido dos Trabalhadores; FPF: Federação Paulista de Futebol; SP: São Paulo; RJ: Rio de Janeiro; MG: Minas Gerais; PMDB: Partido do Movimento Democrático Brasileiro; MT: Mato Grosso; PDS: Partido Democrático Social; PTB: Partido Trabalhista Brasileiro; PDT: Partido Democrático Trabalhista; BH: Belo Horizonte; CND: Conselho Nacional de Desportos; CBD: Confederação Brasileira de Desportos; STJD: Superior Tribunal de Justiça Desportiva.

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SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO ...... 9 2. CAPÍTULO I – REVISÃO BIBLIOGRÁFICA ...... 13 2.1. O debate sobre esporte, futebol e a “Democracia Corinthiana” ...... 13 2.2. O período de transição para a democracia (1974-1989) ...... 19 2.2.1. A imprensa na transição: sua relação contraditória com o regime ...... 20 2.2.2. “Diretas Já!” e a Redemocratização do Brasil ...... 24 3. CAPÍTULO II – A DEMOCRACIA CORINTHIANA E A REDEMOCRATIZAÇÃO .... 28 3.1. É o time do povo: a fundação do Corinthians e seu vínculo com as classes populares 28 3.2. Nação Corinthiana: a narrativa e o envolvimento político da torcida do Corinthians .. 32 3.3. Os jogadores também participam: A “Democracia Corinthiana” ...... 37 4. CAPÍTULO III – DEMOCRACIA CORINTHIANA E AS “DIRETAS JÁ!” ...... 48 4.1. A Democracia Corinthiana e o futebol: Contestação da estrutura futebolística ...... 49 4.2. As capitais das “Diretas Já”: As grandes manifestações em SP, RJ e MG ...... 59 4.3. O apoio da Democracia Corinthiana ao movimento popular “Diretas Já” ...... 66 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS ...... 72 FONTES ...... 77 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...... 82 Outras obras consultadas ...... 85

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1. INTRODUÇÃO

O esporte está intimamente ligado à humanidade, isto é, faz parte da vida humana em sociedade e, consequentemente, pode ser utilizado como ferramenta política. Este envolvimento político do esporte é visto desde a Grécia Antiga, com os jogos olímpicos, que antes mesmo do foco estar no culto ao corpo, era um evento de socialização e política. As batalhas de gladiadores em Roma, um evento político criado para o apaziguamento dos ânimos da população. A utilização do futebol como meio de propaganda política pelos regimes totalitários nazifascistas, nas décadas de 1930-1940 é notória. Benito Mussolini, ditador italiano, aproveitou-se do bicampeonato mundial da seleção italiana (1934 e 1938), sendo o título de 1934, disputado e conquistado na própria Itália, como eventos com alta carga de politização que exaltavam o regime. O mesmo ocorreu nos Jogos Olímpicos de 1936, realizados em Berlim, na Alemanha Nazista. Ainda sobre a influência de governos europeus de extrema-direita, é interessante lembrar-se da relação de um dos maiores clubes de futebol do mundo, o Real Madrid, e o ditador espanhol Francisco Franco. Casos semelhantes de aproveitamento de eventos e desempenho esportivos ocorridos nos regimes ditatoriais nazifascistas na Europa, nas décadas de 1930-1940, também ocorreram na América do Sul, no período que compreende os regimes militares – décadas de 1960-1980 – do continente. Um dos casos mais emblemáticos, e que até hoje é alvo de polêmicas e suspeitas – pois não se tem documentos que o comprovam – é o envolvimento do regime ditatorial argentino na classificação da sua seleção nacional de futebol para a final da Copa do Mundo de 1978, naquele país. A ditadura militar argentina é considerada uma das mais violentas do continente, e em 1978 a oportunidade de sediar um evento esportivo de tamanha magnitude, cujo povo tinha enorme paixão, foi visto pelos militares como a chance perfeita de distrair a população, tão afetada com a opressão do regime. A contradição do evento com o regime acontece a partir do momento em que o Estádio Olímpico Monumental de Nuñez, palco da final do torneio entre Argentina e Holanda, localizava-se a algumas quadras da Escola de Mecânica da Armada, local onde vítimas eram torturadas. Os boicotes aos jogos Olímpicos na primeira metade da década de 1980 é outro exemplo. Os EUA e vários países do bloco capitalista boicotaram as olimpíadas de 1980, sediada em Moscou na União Soviética. Em resposta, a URSS, contando com o apoio de grande parte dos países do bloco comunista, boicotaram os jogos Olímpicos de 1984, sediados 10 em Los Angeles nos EUA – tendo como contexto a Guerra Fria. São apenas alguns exemplos, porém claros, da dinâmica de relacionamento entre esporte e política. É nos Jogos Olímpicos de Munique, em 1972, que ocorre um dos eventos mais trágicos e estarrecedores da história do esporte: Onze integrantes da delegação olímpica israelense foram vitimas de um sequestro organizado pelo grupo terrorista Setembro Negro, onde a motivação do ato se encontrava nos conflitos entre árabes-palestinos e Israel. As consequências deste episódio foram violentas e catastróficas, pois houve 17 mortes, entre membros da delegação israelense, terroristas e agentes de segurança alemães. Por ser muito ligado ao esporte – pode-se dizer até um aficionado –, percebi que nos últimos anos vem ocorrendo alguns eventos, no âmbito esportivo, que envolvem manifestações que contestam alguns paradigmas sociopolíticos. Além disso, a partir desses acontecimentos, podem-se estabelecer paralelos com outras manifestações de mesmo cunho político-contestatório em décadas anteriores. Exemplo desses eventos foi quando o então quarterback do San Francisco 49ers, Collin Kaepernick, ajoelhou-se enquanto o hino dos EUA era tocado, em protesto contra a opressão racial sofrida pelos negros nos EUA, em 20161, iniciando assim uma onda de protestos de mesmo tipo dentro da liga. Em paralelo ao protesto de Kaepernick, comparam-se os protestos dos atletas da delegação dos EUA, Tommie Smith e John Carlos, que nas Olimpíadas de 1968 na Cidade do México, protagonizaram um manifesto pela vida do povo negro. Ao tocar o hino do país, ambos os atletas abaixaram suas cabeças e ergueram o punho – saudação do grupo político “Panteras Negras”2. É interessante ressaltar a enorme influência de questões raciais no esporte estadunidense, isto é, nota-se uma forte tendência de que os protestos ocorridos no esporte nos EUA tenha, majoritariamente, como sua reivindicação principal a contestação sobre a realidade sociopolítica do negro na sociedade estadunidense. Além de apresentar alguns casos de segregação racial dentro do esporte do país, que se exemplifica na formação das ligas negras de beisebol – Negro Leagues3 – na década de 1920 – notadamente, momento em que vigorava no país às Jim Crow Laws, isto é, leis de segregação racial. Todavia, a questão de gênero e sexualidade vem ganhando cada vez mais espaço de atuação e voz nas lutas

1 Fotografia disponível em: . 2 Fotografia disponível em: < https://static01.nyt.com/images/2009/11/29/books/review/Marino- t_CA0/popup.jpg>. 3 Para saber mais sobre às Negro Leagues, artigo de Taís Silva de Brito “Rompendo barreiras: o beisebol e a segregação racial.” Disponível em: . 11 reivindicatórias de atletas no país. Um exemplo claro e atual é o processo movido pelas jogadoras de futebol da seleção dos EUA contra a própria federação, sobre discriminação de gênero4, além da atitude da jogadora Megan Rapinoe em não cantar o hino estadunidense antes do início das partidas em forma de protesto5. Outros casos que estão sendo vistos com certa frequência, não são manifestações contestatórias, mas sim reacionárias preconceituosas e muitas vezes violentas, as torcidas organizadas de alguns clubes europeus com posicionamento político de extrema-direita. Um retrato bem recorrente sobre essa questão é a torcida organizada da Lazio, clube de sede na capital italiana, que está envolvida em vários episódios de cantos racistas e de apologia ao fascismo. Desta maneira, considerei que uma pesquisa que seguisse essa linha de analisar o esporte como um fenômeno social e, assim sendo, político, seria interessante, além de agradar-me muito. Acredito que essa relação do esporte com a sociedade e política seja um objeto de estudo muito vasto e que pode ser muito mais explorado. Desde quando iniciei a graduação pensava em unir algumas de minhas paixões para construir o objeto de pesquisa, isto é: a História, o esporte (futebol, neste caso) e o Corinthians. Ao definir uma linha de interesse sobre o que pesquisar, era necessário determinar um recorte temporal e espacial que entrelaçasse a realidade histórica do Brasil. Desta forma, o tema deste trabalho foi definido a partir da “Democracia Corintiana” e a importância do movimento, estabelecido pelos jogadores de futebol do elenco da equipe paulista, no contexto político de abertura do regime civil-militar brasileiro para a democracia, na primeira metade da década de 1980. O período em que a “Democracia Corinthiana” passa a vigorar na equipe de futebol se cruza com o período dos movimentos populares que exigiam através de protestos e passeatas a redemocratização do país, como exemplo a “Diretas Já”. A “Democracia Corinthiana” vigorou entre os meados do ano de 1981 até o ano de 1985. Tendo como principais líderes os jogadores: Sócrates, Casagrande e Wladimir. Os líderes da “Democracia Corinthiana” envolveram-se com os movimentos populares em favor da abertura democrática do país. Há imagens que demonstram a equipe paulista entrando em campo com propaganda nos uniformes convidando o povo para votar e apoiar as “Diretas Já”, como quando a equipe entrou com a camisa da “Democracia

4 Para saber mais sobre o processo movido, reportagem de Andrew Das. Disponível em: < https://oglobo.globo.com/celina/selecao-feminina-dos-eua-processa-federacao-de-futebol-por-discriminar- generos-23508551>. 5 Para saber mais sobre as causas de protesto da atleta, reportagem de Alejandro Prado. Disponível em: < https://brasil.elpais.com/brasil/2019/06/26/deportes/1561568886_352310.html>. 12

Corintiana” e ao lado de Casagrande, Doutor Sócrates realizou seu gesto habitual de punho cerrado após conquista do título de campeão paulista em 1983.6 Ou a imagem de Sócrates em campo com outro modelo de camisa que tinha os dizeres na sua parte de trás “Dia 15 vote” – fazendo alusão ao dia 15 de novembro de 1982, dia em que ocorreu a primeira eleição direta para o governo estadual de São Paulo, desde o golpe de 647. Além destas imagens, tem ainda a de parte da torcida vestindo o uniforme em manifestação nas eleições do clube8, todas as três fotografias demonstram a ligação entre a equipe paulista e o apoio à democracia e ao sentimento democrático que aflorava no contexto político da época. E a participação dos jogadores Sócrates e Casagrande nos grandes eventos populares, como o que ocorreu no dia 16 de abril de 1984, no vale do Anhangabaú, em São Paulo. O trabalho procurará entender como o esporte, neste caso específico o futebol, se insere como uma ferramenta de mobilização política e luta pelos direitos democráticos. Percebendo, a partir do clube de futebol e da imagem dos jogadores, o apelo popular conquistado aos movimentos populares de redemocratização do Brasil. Além de tentar compreender a repercussão do movimento no âmbito esportivo e da política nacional. Propõe- se a análise do evento “Democracia Corinthiana” para o entendimento de que o âmbito esportivo pode ter papel preponderante e influenciar camadas sociais mais populares para manifestar e defenderem seus direitos. Isto é, demonstrar que o fenômeno esportivo e, nesta situação, o futebol, tem poder de mobilizar as massas através do seu apelo popular e estabelecer uma relação de contestação de poder político, através do apoio aos movimentos sociais do período de redemocratização do Brasil e do debate sobre as eleições diretas.

6 Fotografia disponível em: < http://f.i.uol.com.br/fotografia/2015/03/10/491464-970x600-1.jpeg>. 7 Fotografia disponível em: < http://s2.glbimg.com/jWoGPWN1QHO9DRBPzGz- oG0TzFk=/s.glbimg.com/jo/g1/f/original/2014/10/30/democracia-2.jpg>. 8 Fotografia disponível em: < http://f.i.uol.com.br/fotografia/2015/03/10/491461-970x600-1.jpeg>. 13

2. CAPÍTULO I – REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

Este primeiro capítulo tem como objetivo analisar e debater as referências bibliográficas em que a pesquisa se fundamentará. O capítulo se dividirá em dois subtemas, a saber: “O debate sobre o futebol e a Democracia Corinthiana” e “Diretas Já e a redemocratização do Brasil em análise”. A primeira parte do capítulo tratará da bibliografia sobre o movimento “Democracia Corinthiana” e a sua importância tanto na área esportiva quanto no âmbito político. No aspecto político, será investigada a relação criada entre o movimento dos jogadores de futebol do clube paulista com os movimentos populares que reivindicavam seus direitos políticos, isto é, movimentos que lutavam em um cenário político de grandes incertezas, onde o processo de redemocratização do país era a pauta imprescindível, tendo como principal movimento popular reivindicatório o “Diretas Já”. Em um segundo momento, o debate passará a abordar obras que tem como objeto de estudo o período da redemocratização do Brasil e, também, inclui-se nesta lista trabalhos que discutem sobre a realidade do regime civil-militar brasileiro, contextualizando-o para um melhor entendimento do período posterior que se percebe em circunstâncias de efervescência sociopolítica em busca da democracia e das eleições diretas. Portanto, para a construção e contextualização deste trabalho, é indispensável entender a relação que o esporte tem como ferramenta ideológica, neste caso o futebol com a sociedade brasileira e compreender a conjuntura sociopolítica de inserção da “Democracia Corinthiana” e o “Diretas Já” no período de redemocratização do país. Assim sendo, a bibliografia revisada atende estas três características e que serão as bases para o estudo.

2.1. O debate sobre esporte, futebol e a “Democracia Corinthiana”

Como bem exposto e estabelecido anteriormente, este trecho tem como intuito analisar e debater os trabalhos que tem como foco o futebol e, em especifico, a Democracia Corinthiana, e as suas relações com a história e a sociedade brasileira. Isto é, buscar analisar o esporte – futebol, no caso – como um fenômeno que tem ligações com as estruturas sociopolíticas, culturais e econômicas de um determinado povo – neste caso, o povo brasileiro –, demonstrando o seu caráter e dinâmica de poder influenciador de controle ou contestação social. Assim sendo, o futebol será o esporte analisado e, como caso concreto na história 14 brasileira, insere-se o movimento da Democracia Corinthiana e a sua capacidade de mobilização popular, em busca de contestar a ordem vigente. As obras a serem analisadas e debatidas, são as seguintes: A história do uso político do esporte de Mário André Sigoli e Dante de Rose Junior (2004); Cidadania e direitos dos jogadores de futebol na Democracia Corinthiana, Significados de democracia para os sujeitos da Democracia Corinthiana e A Democracia Corinthiana e a ação sindical: a narrativa da integração entre o movimento alvinegro e o sindicato dos jogadores de futebol, todas de autoria de Mariana Zuaneti Martins e Heloisa Helena Baldy dos Reis (2014); Aspectos sociopolíticos do futebol brasileiro de Waldenyr Caldas (1994); o Capítulo 1 - Esporte na sociedade: Um ensaio sobre o futebol brasileiro de Universo do Futebol: Esporte e Sociedade Brasileira, de Roberto DaMatta (1982); Futebol: manifestação cultural e ideologização de Wilson Rinaldi (2000); Preto no Branco: a Democracia Corintiana nas páginas do jornal Folha de São Paulo de Luiz Antonio Dias e Michelle Cuciol da Silva Farina (2016) e Breve introdução ao estudo dos processos de apropriação social do fenômeno esporte de Giovani de Lorenzi Pires (1998). O trabalho de Mário André Sigoli e Dante de Rose Junior A história do uso político do esporte, publicado no ano de 2004, demonstra como o esporte é instrumentalizado em favor de ideais políticos, social ou econômico ao longo de toda a história humana. É interessante notar que, a partir da leitura do trabalho, a argumentação é construída de maneira que busca demonstrar o uso do esporte de forma além da prática corporal, isto é, apresentar a utilização do esporte como ferramenta ideológica ao longo da história. No entanto, apesar do trabalho contribuir com todo o arcabouço teórico, desenvolve os temas superficialmente deixando de lado uma análise sobre o Brasil e as instrumentalizações do esporte existentes no país. O artigo de Sigoli e Junior contribui como bibliografia de apoio a partir do momento que compreende o esporte como uma ferramenta politico ideológica e, ao desenvolver a análise que se propõe a fazer, apresenta o papel atribuído ao esporte nas sociedades de diferentes períodos da humanidade. Assim sendo, estabelece uma boa linha de dialogo e referencia para a pesquisa. Continuando a análise bibliográfica em relação ao esporte como ferramenta ideológica, o trabalho “Breve introdução ao estudo dos processos de apropriação social do fenômeno esporte!, autoria de Giovani de Lorenzi Pires, publicado no ano de 1998, na revista da Educação Física da Universidade Estadual de Maringá (UEM) apresenta a perspectiva crítica sobre os processos sociais, que nos últimos dois séculos passaram a apreender o 15 fenômeno do esporte moderno. A partir dos interesses conjuntos das classes dominantes do período – aristocracia e burguesia –, que atribuíram ao esporte, características em benefício das classes dirigentes, o autor elabora o argumento utilizando-se da percepção de que no esporte, mesmo sendo expressão da sociedade moderna e com isso é delimitado por ela, existe uma ação mútua, isto é, tanto a sociedade influencia o âmbito esportivo quanto o plano esportivo atua na sociedade. É a partir deste entendimento de ação bilateral entre sociedade e esporte, sobre os interesses classistas de utilização do esporte representados de acordo com vários tipos de abordagens – do esporte –, que o trabalho de Pires auxilia na esfera do esporte como ferramenta politico-ideológica. Passado os trabalhos que darão sustentação para a análise do esporte como instrumento político-ideológico, os artigos observados passam a ser sobre o futebol e a relação do mesmo com a sociedade brasileira. O primeiro a ser examinado é “Futebol: manifestação cultural e ideologização”, publicado na revista da Educação Física da UEM, em 2000 do autor Wilson Rinaldi. É no trabalho de Rinaldi que se estrutura o pensamento sobre a participação do futebol na cultura brasileira e, além dessa “apropriação” cultural do país pelo esporte, tem a questão do envolvimento do futebol com os processos de alienação ideológica. A partir deste estudo é possível compreender, de maneira introdutória, as relações que se pode estabelecer entre o futebol e a sociedade brasileira. O processo de entender o futebol brasileiro e sua conexão com as características sociopolíticas do país torna-se o tema de estudo de Waldenir Caldas em seu ensaio: “Aspectos sociopolíticos do futebol brasileiro”, publicado pela revista USP no ano de 1994. O ensaio de Caldas atenta-se em apresentar a realidade social e política do futebol, isto é, as características e apropriações sociopolíticas que o futebol apresenta em toda a sua extensão, demonstrando a inter-relação discutida no trabalho de Lorenzi. Ao estruturar seu estudo nos aspectos sociopolíticos, o autor demonstra o caminho que o futebol percorreu desde a chegada ao Brasil, na adoção dos operários ingleses e na afirmação dos clubes, a luta pelo profissionalismo da classe de jogadores – que só passa a ser regulamentada no pós-1930, ou seja, na Era Vargas – e o jogo de interesses entre dirigentes, tão famoso na história do futebol brasileiro, se viu inserido em toda a dinâmica de luta pelos direitos. A ideia de operário- jogador é uma perspectiva bem interessante exposta no trabalho, pois demonstra certo prestígio do operário que participava dos times em detrimento dos operários “comuns”. No entanto, é sobre a dinâmica de apropriação do futebol como ferramenta ideológica que o trabalho de Waldenir encontra sua análise mais relevante. Ao criticar as 16 visões de outros autores sobre o futebol ser um esporte de massa alienante, que serve como anestesiante popular, o autor demonstra que essas características não são inerentes ao futebol na sociedade brasileira, mas sim um aspecto criado e introduzido por governos e governantes que se utilizam de manifestações de grande apelo popular – neste caso o futebol – como auxílio para o controle ideológico. O último estudo que se encaixa na subcategoria sobre a relação do futebol com a sociedade brasileira, é o emblemático trabalho de Roberto DaMatta Universo do Futebol: Esporte e Sociedade Brasileira e, mais precisamente, o primeiro capítulo “Esporte na sociedade: Um ensaio sobre o futebol brasileiro”. Todavia, antes de começar a tecer uma análise sobre o estudo, endosso o discurso de, essa obra de DaMatta ser imprescindível para qualquer pesquisa da área de ciências humanas e sociais que tem como tema o futebol e a sociedade brasileira. A investigação de DaMatta fornece para as pesquisas futuras sobre o vínculo entre futebol e sociedade – e incluo a minha neste grande pacote – o entendimento de que o futebol é um dos modelos, digamos, narrativo e explicativo sobre a sociedade brasileira. Utilizando- se das palavras do próprio autor: “[...] O Futebol praticado, vivido, discutido e teorizado no Brasil seria um modo específico, entre tantos outros, pelo qual a sociedade brasileira fala, apresenta-se, revela-se, deixando-se, portanto, descobrir.” (DA MATTA, 1982, p. 21). Desta maneira, é no trabalho de DaMatta que percebe-se uma relação, como ele mesmo aborda, instrumentalizada e funcional entre o esporte e a sociedade e, não mais, como é de costume observar, uma relação de contraposição entre as duas esferas. De acordo com a visão instrumentalizada e funcional, os meios se relacionam e interferem nas estruturas um do outro, e no caso do futebol para a sociedade brasileira DaMatta discute a teoria de que o esporte futebol seria “ópio do povo brasileiro”, teoria esta que vai na direção contrária ao trabalho Waldenir Caldas. Por fim, a temática central do estudo – futebol como um drama da vida social – esmiúça a realidade da relação entre o futebol e a sociedade brasileira. Para concluir este tópico de debates bibliográficos sobre esporte, futebol e Democracia Corinthiana, como exposto no início do capítulo, a análise final será sobre os estudos que compreendem o momento sociopolítico em que a “Democracia Corinthiana” e o “Diretas Já” foram organizadas, isto é, período de incertezas em que o país atravessava, onde se reivindicava o fim da ditadura civil-militar e a redemocratização do Brasil. Portanto, os trabalhos que compõe esse grupo de verificação são os que tratam diretamente sobre os movimentos “Democracia Corinthiana” e “Diretas Já”. 17

O conjunto de trabalhos de Mariana Zuaneti Martins e Heloisa Helena Baldy dos Reis sobre a Democracia Corinthiana, são estudos que servem de apoio para pesquisas que abordem este movimento dos jogadores do clube paulista, os três trabalhos foram publicados no ano de 2014 – “Cidadania e direitos dos jogadores de futebol na Democracia Corinthiana”, “A Democracia Corinthiana e a ação sindical: a narrativa da integração entre o movimento alvinegro e o sindicato dos jogadores de futebol” e “Significados de democracia para os sujeitos da Democracia Corinthiana”. O primeiro artigo aborda a realidade do futebol inserida no contexto do regime ditatorial brasileiro, mesmo que no período de distensão e debates para a redemocratização do país, e a contribuição do movimento alvinegro para a construção de uma concepção de cidadania para os jogadores do elenco. Neste aspecto, o trabalho apresenta o progresso dos jogadores atingido a partir do movimento, às conquistas de suas reivindicações e o revés de outras exigências. É a dinâmica de avanços e continuidades apresentadas a partir da Democracia Corinthiana, que o trabalho torna-se útil como ferramenta para desenvolvimento de pesquisa, pois expõe a realidade do movimento. Sobre o segundo trabalho das autoras - “Significados de democracia para os sujeitos da Democracia Corinthiana” – apesar deste trabalho ter sido publicado alguns meses antes, pode gerar uma importante relação entre ambos os estudos. Enquanto o primeiro trabalho tratava sobre as conquistas do movimento para os profissionais e sobre a formação de uma consciência cidadã nos atletas, o segundo trabalho expõe a percepção dos personagens principais do movimento da Democracia Corinthiana sobre o entendimento de democracia para eles. Isto é, demonstram-se a partir de depoimentos, entrevistas e fontes de jornais da época a compreensão sobre democracia dos jogadores – protagonistas do movimento –, comissão técnica e diretoria sobre o movimento. Sendo assim, apresentando uma Democracia Corinthiana com várias interpretações e de múltiplos entendimentos. Assim, resta o último trabalho do conjunto a ser abordado, ou seja, “A Democracia Corinthiana e a ação sindical: a narrativa da integração entre o movimento alvinegro e o sindicato dos jogadores de futebol”. Este último artigo, articula-se de maneira que complementa os estudos sobre a multiplicidade de relações estabelecidas a partir do movimento da democracia Corinthiana. Além de apresentar a realidade do movimento no âmbito do clube, demonstrar como os jogadores compreenderam o movimento e o quão importante para a formação cidadã e de uma nova cultura democrática para os indivíduos envolvidos com o projeto e, por fim, os trabalhos analisam o envolvimento e engajamento dos líderes – neste caso, principalmente, Wladimir, o que não quer dizer que Sócrates, Casagrande e outros atletas envolvidos com a Democracia 18

Corinthiana não atuaram, também, no movimento sindicalista dos atletas – da democracia Corinthiana no sindicato dos atletas profissionais do estado de São Paulo (SAPESP). Deste modo, a intenção de expandir a área de atuação do movimento, englobando junto aos novos movimentos sindicais que estavam em um período de reorganização e reivindicação – que também lutavam pela redemocratização do país – é uma das maneiras que deve ser percebido a Democracia Corinthiana. Portanto, é interessante compreender “[...] a Democracia Corinthiana como um movimento complexo, plural e que carregava uma diversidade de concepções sobre a sua própria existência” (MARTINS; REIS, 2014). Encerrando os trabalhos que tem o foco na Democracia Corinthiana, o estudo de Luiz Antonio Dias e Michelle Cuciol da Silva Farina – “Preto no Branco: a Democracia Corintiana nas páginas do jornal Folha de São Paulo” – se propõe investigar a importância do movimento do clube paulista para o período de redemocratização do país e, sem se esquecer, do próprio ambiente esportivo. A repercussão do movimento na imprensa da época, principalmente no jornal Folha de São Paulo, e da intersecção do movimento corinthiano e da emenda “Dante de Oliveira”, que deu luz ao movimento Diretas Já. A análise se estabelece entre os anos de 1983 e 1984, onde o jornal Folha de São Paulo emitia opiniões contrastantes, isto é, em alguns períodos em favor do movimento alvinegro e, nos períodos conturbados no âmbito esportivo, criticava-o por apresentar divisões dentro da equipe. Portanto, esse conjunto bibliográfico formará o apoio principal para esta narrativa. Dividi-os em subgrupos, já tratados no texto de revisão, para que consiga organizar as ideias da melhor maneira possível e que entenda toda a relação sobre os movimentos democráticos, o contexto do período em que eles foram estabelecidos, as compreensões sobre o esporte como ferramenta político-ideológica e a relação do futebol com a sociedade brasileira. Entender como o esporte, neste caso específico o futebol, se insere como uma ferramenta de mobilização política e luta pelos direitos democráticos. Percebendo, a partir do clube de futebol e da imagem dos jogadores, o apelo popular conquistado aos movimentos populares de redemocratização do Brasil. Além de tentar compreender a repercussão do movimento no âmbito esportivo e da política nacional. Entender o esporte como um fenômeno social e político, assim sendo, a contribuição específica do meu trabalho apresenta- se na linha de compreender as interações sobre os movimentos - Democracia Corinthiana e Diretas Já -, no período de redemocratização do país, demonstrando a importância de ambos no contexto político do país para a época. 19

2.2. O período de transição para a democracia (1974-1989)

Este segundo tópico o assunto a ser abordado na revisão bibliográfica é o período histórico em que o Brasil se encontrava, ou seja, o momento político de efervescência onde vários movimentos populares organizavam-se em busca de reconquistar, para o Brasil, o status de um regime democrático de direito e deixar para trás o regime civil-militar que perdurou no país de 1964 a 1985. Porém, deve-se “[...] ressaltar a ênfase na percepção de que a abertura foi uma decisão deliberada dos militares que dirigiam o Estado [...]” (MARINHO; OLIVEIRA, p. 82). É interessante que seja contextualizado o período, assim sendo, entender o movimento de distensão organizado pelos próprios militares, que se consagra como medida do governo do general Ernesto Geisel (1974-1979) e que também se estende ao governo de, pode-se dizer, transição do general João Figueiredo (1979-1985). Configurando-se a partir de uma política, em certos termos, liberalizante, porém regulada pelo Estado, a consequência desta política implantada no governo Geisel era, a partir de uma “distensão lenta, gradual e segura”, a retirada dos militares do poder, o que não indicaria a confiança dos militares na democracia ou até mesmo uma decisão coesa entre as forças armadas9, era apenas um meio dos grupos militares retirarem-se de maneira segura do poder depois de anos de desgaste. É neste cenário de desgaste dos militares no poder, junto à crise econômica que assolava o país – muito em função da política econômica implantada pelos militares, isto é, o “milagre econômico” –, situações de violência e de violações dos Direitos Humanos – morte do jornalista Vladimir Herzog em 1976, um dos casos mais célebres de abuso do regime. Sendo assim, “a violência do opressor ganhou grande visibilidade na sociedade em geral [...] ações que propiciaram o firme controle da oposição defendido em nome da estabilidade também aumentaram a instabilidade” (SILVA, 2013, p. 247), estabelecendo as condições para a reorganização dos grupos opositores dentro dos círculos políticos – MDB – e uma nova organização e maior voz das oposições de “rua”, isto é, dos movimentos estudantis, setores da Igreja Católica – conhecida como setor progressista –, além da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB. Este é o quadro de crescentes reivindicações e lutas pela democracia, que podem ser entendidos como um período de transição e, de acordo com o historiador Carlos Fico (2011), este momento da história do Brasil seria de certa forma, peculiar. Pois, para ele, a transição aconteceu a partir de uma negociação entre setores da elite política, ou seja, não

9 Lembrando que existiam, desde 1964, dois grupos militares em oposição, a saber: a linha dos moderados, grupo ligado ao general Ernesto Geisel, que era a favor da distensão. E outro grupo, conhecido como “duros”, que eram contra a distensão. 20 foi somente uma transição como também uma transação10. Deste modo, este período turbulento de negociações e reivindicações se estabelece com grande força no Brasil, perdurando de 1974 até, depois de 21 anos de presidentes militares, 1985 quando é escolhido – de maneira indireta – um presidente civil, Tancredo Neves. Os últimos trabalhos a serem analisados tratam sobre o período de transição e redemocratização do país, mas tem como tema principal o movimento popular “Diretas Já” e toda a sua gama de possibilidades a serem examinadas. Deste modo, esse subtítulo será organizado em outras duas linhas de trabalhos, isto é: A linha que analisará a imprensa e sua ação no período e a que abordará as manifestações sobre as “Diretas Já” e a repercussão e consequências do período de transição.

2.2.1. A imprensa na transição: sua relação contraditória com o regime

Continuando o debate, tendo em vista que a maior parte das fontes históricas desta monografia é de publicações de jornais e periódicos da época, também é importante abordar trabalhos que tem como seu tema de investigação as atividades da imprensa e suas rupturas e continuidades, convergências e contradições dentro do regime. Deste modo, destacam-se quatro obras que investigam as relações da imprensa com os governos militares durante o período, são elas: A mídia na transição democrática de Alzira Alves de Abreu (2005); Ditadura, Democracia e Esquecimento: 1964 – o acontecimento recalcado e a ascensão do Jornal Folha de São Paulo como canal da democracia, de autoria de Sônia Meneses (2013); Transição política no Brasil: a grande imprensa e a institucionalização da “abertura” ao final da ditadura militar (Folha de São Paulo e Isto É, 1974-1985) e Um longo presente: O papel da imprensa no processo de redemocratização – a Folha de São Paulo em 1974, ambos os trabalhos de Reinaldo Lindolfo Lohn. (2015, 2013) Como bem exposto, o primeiro trabalho a ser referido é “A mídia na transição democrática”, autoria de Alzira Alves de Abreu. É pertinente ressaltar que em seu trabalho, Abreu (2005) destaca as mudanças ocorridas na mídia dentro do período do regime, ou seja, sua modernização enquanto estrutura jornalística no decorrer dos governos autoritários. Assim, ao abordar a censura sofrida pela imprensa, a autora também apresenta a visão de que certas mudanças ocorridas na mídia no período diz respeito que “Os meios de comunicação de

10 Vídeo disponível em: . 21 massa, ao longo do período autoritário (1964-1985), sofreram forte intervenção dos militares, que adotaram uma política deliberada de modernização do setor.” (ABREU, p. 53). Sendo estes dois aspectos sobre a imprensa – a censura e a modernização –, de acordo com Abreu (2005), estarem ligadas a ideologia de Segurança Nacional, tão bem compreendida no período. Neste cenário de modernizações e de uma ideologia concebida pelos militares que se estruturam os órgãos reguladores e difusores da mídia brasileira, a saber: EMBRATEL, Ministério das Comunicações, ambos de 1965 e a Telebrás, em 1972. Destaca-se, a partir da criação da EMBRATEL e do Ministério da Comunicação, o envolvimento – e consequentemente crescimento – da emissora de televisão a TV Globo, além das estratégias de propaganda de massa do regime, que buscava a mobilização da sociedade em favor “[...] de um projeto nacional de desenvolvimento, projeto esse que daria legitimidade ao regime em nome da racionalidade da administração e da eficácia da economia.” (ABREU, 2005). Desta forma, o trabalho de Alzira destaca essa relação negociada entre o regime e os empresários, donos dos meios de comunicação, onde as duas partes se favoreciam. Portanto, o trabalho de Abreu (2005) destaca a relação contraditória entre imprensa e regime, tendo em vista o favorecimento de algumas instituições durante os governos militares, mesmo tendo a censura como desafio imposto às empresas. E é este ponto – o da censura –, onde ocorre o afastamento e o litígio do ‘acordo’ entre regime e imprensa, isto é, a mídia “[...] foi se afastando do governo à medida que a censura foi se tornando uma prática comum no novo regime, em especial após o Ato Institucional n.° 5” (ABREU, 2005). No entanto é importante ressaltar que este afastamento não leva ao enfrentamento aberto, muito menos que foi uma transformação abrupta, a relação foi se desacreditando aos poucos, se levando pelo contexto de transformações no mercado midiático, além das mudanças ocorridas dentro do próprio regime. Então, é no governo do general Ernesto Geisel (1974- 1979) e com medidas que colocava fim a censura prévia de algumas instituições da imprensa, que a mídia passa a ter papel fundamental no projeto de transição do país. Partindo desta mesma linha de Alzira Alves, sobre a importância de analisar a relação da imprensa no processo de transição e redemocratização do país, também partilhando do mesmo pensamento de Carlos Fico (2011) de que a transição tenha se firmado a partir de um acordo, está o trabalho de Reinaldo Lindolfo Lohn, Transição política no Brasil: a grande imprensa e a institucionalização da “abertura” ao final da ditadura militar (Folha de São Paulo e Isto É, 1974-1985) de 2015. 22

No trabalho de Lohn (2015), em seu princípio já fica evidente o destaque que a sua análise dispensa para com a imprensa no processo de transição do regime. De acordo com Lohn (2015), a imprensa desempenhou trabalho central no que diz respeito à formação de um discurso que se empenhava com a pauta da redemocratização, além de atuar para a construção de uma memória pública em busca da “elaboração de uma narrativa histórica que exerceu influência sobre os agentes políticos e sociais envolvidos na trama que levou à montagem de um sistema político pretensamente democrático no Brasil.” (LOHN, p. 1). Todavia, seu trabalho foca a investigação no Jornal Folha de São Paulo e na revista Isto É, como bem destacados pelo autor: “veículos que ganharam importância ao privilegiarem a análise dos debates políticos que envolveram governo e oposição na virada das décadas de 1970 e 1980.” (LOHN, p. 1). O trabalho destaca esse papel de controle e definidor da memória social da imprensa, isto é, ficaria a cargo da imprensa desenvolver a narrativa sobre os fatos, controlando o que deveria ser esquecido e, talvez o mais importante, o que deveria ser lembrado, “[...] logo, para além de memórias individuais, a memória é social e pode estar a serviço de projetos políticos específicos.” (MARINHO; OLIVEIRA, p. 76). Este papel, para o autor, seria de vital importância para todo o processo de transição. Como bem exposto, a obra tem o Jornal Folha de São Paulo como base de sua análise, assim sendo, demonstra uma relação do jornal com o regime, no mínimo, ambígua. Tendo em vista o apoio do jornal para o regime em seus primeiros anos, há uma mudança nesse cenário de apoio. Assim como apresentado no trabalho de Alzira Alves de Abreu (2005), o trabalho de Lohn (2015), expõe a intrínseca relação da modernização da imprensa e de seu mercado ao apoio das empresas midiáticas ao regime, isto é, “Em paralelo, inovações administrativas e tecnológicas aumentaram a participação da Folha de São Paulo no mercado, o que logo redundaria em maior influência editorial junto ao público” (LOHN, p. 4), essas inovações aconteceriam nas décadas de 1970 e 1980, coincidindo com o momento de debates sobre a abertura política do regime militar. Em consequência do contexto de discussão a respeito da redemocratização, o Jornal Folha de São Paulo passa a dar destaque às matérias políticas. O trabalho publicado por Reinaldo Lindolfo Lohn, no ano de 2013, – “Um longo presente: O papel da imprensa no processo de redemocratização - a Folha de São Paulo em 1974” –, tem sua visão sobre a importância e a ação do jornal Folha de São Paulo no período mais bem detalhada, deste modo é interessante olhar para o trabalho de 2015 de Lohn como 23 uma obra que reafirma a relevância das atividades da imprensa para o período. Portanto, para concluir, Lohn afirma:

“A Folha foi um dos órgãos da grande imprensa que configurou a narrativa que dotou de sentido histórico os eventos e personagens mais destacados do processo de abertura política, ao mesmo tempo em que assegurava a posição de elemento indispensável ao jogo democrático brasileiro. A imprensa é parte do campo político, como um dos agentes a influir sobre as tomadas de posição, por apresentar possibilidades estratégicas submetidas “à escolha dos agentes”.” (LOHN, 2013, p. 102)

Como fechamento para este trecho de análises bibliográficas sobre trabalhos que abordam as atividades da imprensa no período do regime e, mais especificamente, no período de transição, a última obra é de Sônia Meneses “Ditadura, Democracia e Esquecimento: 1964 - o acontecimento recalcado e a ascensão do Jornal Folha de São Paulo como canal da democracia”, publicada no ano de 2013. Este último trabalho se estabelece em concordância com os outros três, isto é, demonstra toda a relação contraditória da imprensa diante de um regime autoritário que, em primeiro momento, é apoiado pela classe e que a partir da decretação do AI-5 (1968) e, desta forma, o recrudescimento da censura e da truculência da ditadura, além dos mesmos atos arbitrários e autoritários apoiados anteriormente, faz com que o regime se desgastasse com a mídia, e mesmo a imprensa tendo interesses no regime a partir da ideia do aparelhamento do Estado, a relação passa a se contestar. Esse cenário, agravado com as modernizações na forma de fazer jornalismo, isto é, na modernização da mídia, ocorre a quebra de prestígio. Portanto, é a partir deste panorama geral, de crises e contestações, que a relação contraditória fica escancarada. E neste caso o jornal que melhor se aproveita desse litígio é a Folha de São Paulo, que antes apoiadora do regime, passa a se firmar como o jornal arauto da democracia, “[...] capturando para si a luta pela democracia e pela abertura política, numa estratégia de esquecimento que priva e controla narrativas autorizadas a partir dos conteúdos divulgados em suas páginas.” (MENESES, 2013, p. 50). Todos os quatro trabalhos que apresentam considerações sobre a imprensa no período da ditadura e, desse modo, nos anos que se configuram a transição, deixa claro o tipo de relação entre mídia e regime, que se contradiz com o decorrer dos anos e das atitudes arbitrárias e autoritárias do governo militar. Isto é, demonstra que a partir do momento em 24 que a forte repressão aplicada pela ditadura torna-se um problema para a imprensa, juntamente com a modernização da mesma, a mídia começa a se afastar do regime e buscar a construção de uma memória social, controlando o que deveria ser lembrado e o que deveria ser esquecido. O caso mais destacado dessa atividade é o do Jornal Folha de São Paulo, que passa de apoiador do golpe civil-militar de 1964 e, consequentemente do regime, a de contestador da ditadura e emissário da democracia no momento de transição.

2.2.2. “Diretas Já!” e a Redemocratização do Brasil

Para concluir o capítulo, os trabalhos a serem considerados tem como seu objetivo de estudo o movimento da “Diretas Já!” e as relações com o período de transição, com toda a sua carga histórica. Assim sendo, o trabalho “Eu quero votar para presidente”: uma análise sobre a Campanha das Diretas, publicado em 2009, autoria de Edison Ricardo Emiliano Bertoncelo, aborda os sentidos e ações do movimento popular Diretas Já. A cruzada pela redemocratização e direito de eleições diretas para presidente que reuniu vários grupos sociais e políticos, expressos em grandes eventos públicos organizados que reivindicavam seus direitos e estavam nas ruas lutando pelo futuro democrático do país. Deste modo, o mesmo trabalho demonstra a preocupação em caracterizar a campanha pelas eleições diretas para presidente como um movimento social, para que possamos “[...] iluminar aspectos que seriam marginalizados caso a tomássemos apenas como uma manobra das oposições partidárias ou como eventos de protesto isolados [...]” (BERTONCELO, 2009, p. 170). Ainda de acordo com Bertoncelo (2009), o movimento ocorreu em um momento crítico para a sociedade brasileira, em um cenário de graves crises, entre elas a política. Por essa perspectiva de crises, a dificuldade em estabelecer um consenso sobre uma candidatura à sucessão pelo, então presidente, Figueiredo, uma grande parcela da oposição partidária do regime enxergou uma possibilidade sobre “[...] à sucessão presidencial e conquistar a Presidência já em 1985.” (BERTONCELO, 2009, p. 175). Neste movimento gestado intrinsecamente a oposição partidária, surgiu uma linha de políticos11 que esperavam a eleição direta para presidente já no ano de 1985. Essa demonstração da oposição partidária apresenta a interessante questão sobre os limites da

11 Liderada pelo deputado federal Ulysses Guimarães. 25 campanha “Diretas Já!” e como foi percebido pelos grupos políticos que debatiam as possibilidades da redemocratização.

“Uma campanha popular por eleições diretas foi vista como um elemento de pressão para angariar votos pedessistas ou simplesmente para forçar o núcleo do regime a negociar em termos melhores para as oposições.” (BARTONCELO, 2009, p. 176)

Deste modo, o trabalho de Bartoncelo (2009) expõe as possibilidades sobre o processo de campanha, desde a contextualização de um período de crises, passando pela percepção dos partidos opositores em conseguirem a sucessão presidencial e o atrito entre grupos a favor e contra as eleições diretas, até os atores centrais no processo que culmina aos movimentos populares. No que diz respeito à outra obra “‘Todo artista tem de ir aonde o povo está’. O movimento político das Diretas Já no Brasil – 1983-1984”, trabalho do autor Vicente Saul Moreira dos Santos e publicado no ano de 2015, tem como seu objetivo investigativo a memória e a história sobre o período dos eventos, no entanto, de acordo com a mídia. Ou seja, o tema central é a investigação dos eventos que apoiaram a emenda “Dante de Oliveira”, o inabalável envolvimento popular que lutava pelos direitos de cidadania e democracia, o jogo político e a cobertura da imprensa no período de rupturas sociais e políticas no Estado brasileiro. Este trabalho apresenta uma visão sobre a Lei da Anistia12 como um dos princípios que possibilitaram as campanhas pelas eleições diretas. Por este cenário de retorno dos exilados, “[...] deve-se destacar que muitos intensificaram seu desempenho ou passaram a atuar ativamente na luta pela redemocratização.” (SANTOS, 2015, p. 298). Interessante ressaltar que o trabalho de Santos destaca o papel central do Jornal Folha de São Paulo, mais uma vez, como principal portador das notícias sobre os debates e ações para a redemocratização do Brasil. A concretização de toda a campanha sobre as eleições diretas tem como fim a derrocada da Emenda Dante de Oliveira no dia 25 de abril de 1984. Portanto:

“Na percepção da imprensa e da opinião pública, pairava um clima de traição, de jogadas políticas e, principalmente, a ideia de que a

12 Assinada no ano de 1979, pelo presidente o general João Batista Figueiredo. 26

vontade popular não tinha sido respeitada. No dia seguinte a Folha de S. Paulo, através do editorial publicado na primeira página, colocou que ‘A emenda Dante de Oliveira está derrotada, não nós. Ainda que já tivéssemos reconquistado as “Diretas” haveria um extenso caminho a percorrer. Continuemos com a mesma intransigência e com a mesma esperança.’ Percebe-se que logo após a frustração da derrota, as “Diretas Já” permaneceram como um exemplo de participação popular em prol da redemocratização, da ampliação do papel da sociedade civil; representou o principal legado deste evento chave da transição à democracia.” (SANTOS, 2015, p. 308)

Para concluir o capítulo, o último trabalho a ser analisado é Diretas Já, um movimento social híbrido, de autoria conjunta de Sonale Diane Pastro Oliveira e Maria Gabriela da Silva Martins da Cunha Marinho, publicado no ano de 2012. Está obra tem como proposta a análise do movimento popular “Diretas Já!”, pensada como fruto dos novos movimentos que se deram a partir de meados da década de 1970 e 1980, no contexto de abertura política e redemocratização do país, com o apogeu de novos atores políticos. Deste modo, busca-se “[...] apreender seu hibridismo à partir do resgate de suas permanências e dos novos elementos que singularizam as mobilizações populares da segunda metade do século XX.” (OLIVEIRA; MARINHO, 2012, p. 129). Ao examinar os movimentos sociais do período, o artigo chega-se a mais um tema já abordado neste trabalho: a peculiaridade da construção do caminho para a transição brasileira para a democracia, isto é, como ela foi negociada entre as elites. Além da particularidade do caso brasileiro, também entende a questão do processo de abertura iniciado no governo do General Geisel, como consequência de um cenário turbulento que gerou um amalgama das crises externas e internas, gerando “um longo período de corrosão do regime militar, que acabou por assumir a retórica da abertura política e postergou o fim da ditadura no Brasil.” (OLIVEIRA; MARINHO, 2012, p. 132)”. Portanto, sobre o movimento das “Diretas Já!”:

“[...] atores sociais tradicionalmente marginalizados da cena política se colocam como protagonistas da mudança, assumindo a convicção de que poderiam promover a reorganização do sistema político e a superação da realidade a partir do restabelecimento das eleições diretas.” (OLIVEIRA; MARINHO, 2012, p. 135)

Desta nova prática, de acordo com Oliveira e Marinho (2012), as manifestações em apoio às eleições diretas criou novos espaços para a ação política, transformando as 27 capitais do país seu principal palanque de promoção e apoio público as diretas para presidente. Portanto, as ruas dos centros urbanos tornaram-se o lugar onde repousava as preocupações dos “grupos dirigentes pela maturidade e envolvimento social inesperados; não se tratava de um movimento desprovido de consciência política.” (OLIVEIRA; MARINHO, 2012, p. 136). No entanto, ao esmiuçar a campanha, o artigo apresenta o questionamento de até que ponto o movimento teve sua autonomia popular colocado à prova, tendo em vista o grande apoio dos governos estaduais, além de que nestes comícios13 de maior expressão, compareceram lideranças políticas de grande prestigio nacional14. Assim:

“Pode-se argumentar que sua forma espetacular colaborou para obscurecer negociações entre grupos da situação e oposição. [...] Contudo, a observação minuciosa demonstra que não se tratava de mobilização personalista e clientelista. Os novos atores incorporavam a si próprios como sujeitos históricos, independentes de um elemento que atuasse como suporte da ação política coletiva.” (OLIVEIRA; MARINHO, 2012, p. 137)

Como é sabido, a Emenda Dante de Oliveira foi derrotada no Congresso. O resultado apresentado demonstrou a discrepância entre o que as ruas reivindicavam com a força do movimento popular das “Diretas Já!” e o que a elite política, personificada na imagem do Congresso, acreditava ser o caminho ideal para a redemocratização do país. Portanto, configurava-se a transição negociada para a democracia do Brasil.

13 Refere-se aos comícios realizados em São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte, no ano de 1984. 14 De acordo com Oliveira e Marinho (2012), são: Ulysses Guimarães, Tancredo Neves, Fernando Henrique Cardoso, Franco Montoro, Lula. 28

3. CAPÍTULO II – A DEMOCRACIA CORINTHIANA E A REDEMOCRATIZAÇÃO

Este segundo capítulo tem como objetivo apresentar e discutir o movimento da Democracia Corinthiana e, dessa forma, todo o contexto histórico e sociocultural do clube paulista que proporcionou as condições para que os jogadores se organizassem e pudessem engendrar o movimento, além de se relacionar com cenário político de transição em que a sociedade brasileira se encontrava. Isto é, o movimento se configura fruto não apenas do contexto sócio histórico do clube, mas também é efeito do período de redemocratização do Brasil, tendo em vista o envolvimento dos atletas em campanhas populares pela democracia. Portanto, este capítulo será subdividido em: apresentar a história do Corinthians e sua relação com as classes populares, ou seja, ser um time de massa; expor o surgimento e a dinâmica do fenômeno da Democracia Corinthiana e, por último, evidenciar a relação com o contexto político e social em que o país se encontrava com a realidade corinthiana, isto é, a ascensão dos movimentos sociais sob a égide de novos atores políticos, além de desenvolver considerações sobre o movimento das Diretas Já.

3.1. É o time do povo: a fundação do Corinthians e seu vínculo com as classes populares

O Sport Club Corinthians Paulista (SCCP) foi fundado no dia 1º de setembro de 1910, como deixa claro seu nome é um clube de futebol paulista, com sede na cidade de São Paulo. É considerado um dos grandes clubes de futebol do Brasil, tendo ao longo dos, quase, 110 anos de história acumulado inúmeros títulos, grandes marcas e jogadores, além de protagonizar episódios marcantes na história do futebol brasileiro, como a famosa invasão corinthiana no Maracanã15, em 1976, avaliada como o maior deslocamento de torcedores da história do Brasil. E, além disso, no ano de 2012, houve outra invasão de sua torcida alvinegra, desta vez no Japão onde a equipe disputava o Campeonato Mundial Interclubes da FIFA, estimasse um número entre 10 a 30 mil16 torcedores foram até o Japão apoiar a equipe.

15 Para saber mais, artigo de Plínio Labriola Negreiros “A invasão corinthiana – Rio, 05 de dezembro de 1976”. Disponível em: . 16 Para saber mais, reportagem de Luís Ferrari “Torcida do Corinthians invade o Japão”. Disponível em: < https://vejasp.abril.com.br/cidades/corinthians-invade-japao/>.

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O Corinthians é o maior campeão do , considerada a competição estadual de maior nível no Brasil, tendo conquistado 30 títulos17; o 3º maior campeão do Campeonato Brasileiro com sete conquistas18; tricampeão da Copa do Brasil19, colocando no posto de, mais uma vez, 3º maior vencedor da competição; Campeão invicto da Copa Libertadores da América20; Campeão da Recopa Sulamericana21 e Bicampeão do Mundial de Clubes da FIFA.22 Estes títulos alçam o Corinthians ao patamar de não somente grande clube do futebol brasileiro, mas também mundial. Sendo o maior sul-americano vencedor do torneio da FIFA e o 2º maior campeão de torneios nacionais23. Todavia, estes são os principais títulos do clube, porém não são os patrimônios mais importantes da equipe, este papel é atribuído a sua torcida. Com seus quase 30,5 milhões de torcedores – equivalente a 14%24 –, o Corinthians tem o segundo maior número de apoiadores do futebol brasileiro. Como disse o jornalista José Roberto de Aquino: “Todo time tem uma torcida. No Corinthians, a torcida tem um time.” (UNZELTE, 2003, p. 8). Exposto de maneira introdutória e breve a relação do clube com sua torcida e, além disso, demonstrando a grandeza do time em cenário regional e nacional – em certos momentos, até mundial –, é interessante abordar sobre a fundação do Corinthians, isto é, sua história de criação e como ela é fundamental para analisarmos essa relação “equipe-povo”. A fundação do Corinthians acontece em um contexto histórico onde o futebol ainda era esporte predominantemente da elite, neste caso, paulista. De acordo com Waldenyr Caldas (1994), é a partir do retorno de Charles Miller da Inglaterra, em 1894, e de seu

17 Lista completa dos campeões do Campeonato Paulista. Disponível em: . 18 Lista completa dos campeões do Campeonato Brasileiro. Disponível em: . 19 Lista completa dos campões da Copa do Brasil. Disponível em: . 20 Lista completa dos campeões da Copa Libertadores da América. Disponível em: . 21 Lista completa dos campeões da Recopa Sulamericana. Disponível em: . 22 Lista completa dos campeões do Mundial de Clubes FIFA. Disponível em: . 23 Lista completa dos maiores campões de campeonatos Nacionais. Disponível em: . 24 Números da última pesquisa Datafolha de 2018. Disponível em: .

30 entusiasmo com o futebol, que o esporte é introduzido no país e, mais precisamente, junto à elite paulistana. Assim, “Charles Miller tratou de difundi-lo entre os ingleses residentes em São Paulo [...] os ingleses, altos funcionários da Companhia de Gás, do Banco de Londres e da São Paulo Railway iriam aderir ao futebol.” (CALDAS, 1994, p. 42). No entanto, é importante salientar que o início do futebol no Brasil estabelecido pela elite, também tinha características de exclusão racial, portanto, nota-se “[...] aparelhamento político-racial do futebol pelas elites brancas” (RIGO, 1996, p. 57). Sendo assim, estruturou-se, em 1903, a primeira equipe de futebol no Brasil a partir dos “[...] aristocratas do café, da Associação Atlhética Ponte Preta” (CALDAS, 1994, p. 42). Na década de 1910, juntamente com a criação de novos clubes – entre eles o Corinthians –, que o futebol passa a ganhar uma roupagem adicional: não era mais um esporte somente da elite, era também do proletário. A partir deste cenário, viu-se “[...] embates ocorridos entre os times da elite e os times populares, pioneiros em aceitar negros em seus planteis” (RIGO, 1996, p. 57). Ao observarmos a conjuntura do início da prática do futebol no Brasil, percebem-se características socioculturais e históricas em contraste, e estes aspectos ficam evidentes se analisarmos a relação de oposição entre as classes sociais – elite e o proletariado – e a perspectiva identitária entre brancos e negros. Além disso, nas décadas de 1920 e, principalmente na década de 1930, após a tomada do poder por Getúlio Vargas, a comunidade do futebol irá debater a profissionalização do esporte, todavia estes aspectos poderão ser tratados em trabalhos futuros, já que não é o foco desta monografia. Portanto, é diante desta realidade histórica em que acontece a origem do Sport Club Corinthians Paulista. O clube foi fundado por cinco jovens operários que trabalhavam na Estrada de Ferro São Paulo Railway25. “São eles: Joaquim Ambrósio e Antônio Pereira (pintores de parede), Rafael Perrone (sapateiro), Anselmo Correa (motorista) e João da Silva (trabalhador braçal).” (UNZELTE, 2003, p. 42). De acordo com o professor Celso Unzelte, a curiosidade do nome fica por conta de:

“O Corinthian (ou Corinthians), da Inglaterra, foi a primeira equipe europeia a excursionar ao Brasil, entre agosto e setembro de 1910. Veio a convite do Fluminense, do Rio de Janeiro, e fez maior sucesso [...] Em São Paulo, derrotou a Associação Atlética das Palmeiras (2x0) [...] impressionaram um grupo de operários que se preparava para fundar um novo time de futebol, inicialmente de várzea, no bairro do Bom Retiro, em São Paulo.

25 Fotografia disponível em: .

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Nas primeiras reuniões, realizadas no salão do barbeiro Salvador Bataglia [...] o clube ainda não tinha nome. Foi quando um dos presentes, chamado Joaquim Ambrósio, sugeriu: “Por que não Corinthians?” Para diferenciar do original, Miguel Bataglia, eleito o primeiro presidente do clube, completou: “Sport Club Corinthians Paulista”. Assim foi batizado o Timão, a 5 de setembro de 1910, quatro dias depois da data oficial de fundação.” (UNZELTE, 2003, p. 41).

Há uma segunda versão sobre a escolha do nome do clube paulista, que também é relatada pelo professor Unzelte. Sobre esta outra história:

“[...] o nome teria sido sugerido a Bataglia por ninguém menos que Charles Miller [...] que, em seus tempos de estudante, defendeu o Corinthians inglês. Quem diz isso é Charles Rule, primo de Charles Miller, no livro Um Jogo Inteiramente Diferente!, do inglês Aidan Hamilton.” (UNZELTE, 2003, p. 41)

Em um período de polarização entre formações dos clubes de futebol, isto é, clubes da elite em contraste com clubes de operários – importante ressaltar que mesmo que estes times estivessem em oposição, muitas equipes de operários tinham sua fundação marcada pela elite, tendo em vista que quem detinha e detém os meios de produção é a classe burguesa –, o Corinthians talvez seja uma das primeiras equipes do Brasil fundada exclusivamente por operários, ou seja, das classes populares, a conquistar relativo sucesso em seus primeiros anos de existência. Considerando o relativo sucesso meteórico da equipe na várzea paulistana (1910-1912), o que conferiu ao Corinthians status de uma das equipes, senão a equipe, mais forte da várzea da cidade de São Paulo. Pelos bons resultados conquistados em seus dois anos iniciais e, além disso, pelo prestígio obtido, a equipe se filiaria a LPF (Liga Paulista de Foot-Ball) em 1913 e que perduraria até o ano de 1916, período este que a equipe conquistou seus primeiros títulos paulistas. Entre os anos de 1917 e 1921, com a extinção da LPF, os clubes a ela filiados partiram para a Associação Paulista de Esportes Atléticos (APEA), concluindo, assim, a jornada da equipe corinthiana para estar entre os grandes times do futebol paulista. Portanto, a relação que podemos perceber entre a equipe do Corinthians com a grande massa, que é a sua torcida, acontece em dois aspectos inerentes aos seus dez anos iniciais (1910-1920): suas raízes populares, isto é, fundado por cinco operários e em um

32 bairro paulistano (Bom Retiro), composto majoritariamente pela classe proletária; ótimo desempenho esportivo em seus anos iniciais, conquistando assim o apoio de seu bairro de origem e arredores, à medida que o time fosse obtendo bons resultados, sua popularidade aumentava, construindo assim um efeito onde a sua popularidade estaria em função de seus bons resultados. Deste modo, pode-se perceber que a grande torcida corinthiana, que hoje se apresenta em forma de uma coletividade democrática, sendo composta por várias identidades sociais, teve sua raiz nas classes populares – o que auxiliou o Corinthians, em 1913, a conseguir filiar-se a LPF, que viu em sua grande torcida possibilidades de lucro com a cobrança de ingressos. Assim, pode-se entender essa relação do Corinthians com sua torcida pelo olhar social e, também, por uma perspectiva esportiva.

3.2. Nação Corinthiana: a narrativa e o envolvimento político da torcida do Corinthians

Exposto e compreendido, no subtítulo anterior, a relação social e histórica entre o Corinthians e a classe popular, é o momento de procurar entender, mesmo que a questão das torcidas não seja o aspecto principal desta pesquisa, acredito que se faça necessário para, a compreensão desta monografia, a análise do envolvimento e as ações da torcida corinthiana – mais precisamente a Gaviões da Fiel – na realidade política e social do Brasil. Na medida do possível, tendo em vista que igualmente a questão sobre a profissionalização do futebol no Brasil, uma pesquisa mais detalhada que tenha como objeto de estudo as torcidas, acarretará como provável tema para discussões futuras. Assim, sobre este tema o autor Thiago José Silva Santana apresenta considerações sobre as torcidas de futebol e relações sociopolíticas intrínsecas ao esporte:

“[...] é bom lembrar que futebol e política continuam andando bem próximos [...] a despeito das tentativas de despolitizar o futebol, as torcidas seguem manifestando e repercutindo questões de ordem mais amplas da sociedade brasileira.” (SANTANA, 2018).

Deste modo, as narrativas de fundação e o modus operandi da agremiação estará constantemente em diálogo contrastante com o período autoritário, tendo como o conjunto de memórias sobre as lideranças da organização diante dos movimentos contestatórios ao cenário

33 social e político da realidade brasileira – de um regime civil-militar ditatorial – além do óbvio envolvimento com o clube paulista. Um destes casos é, evidentemente, o de fundação da primeira e maior torcida organizada26 do Corinthians, em julho de 1969, a Gaviões da Fiel. O contexto político da época da criação da Gaviões da Fiel, é o momento de recrudescimento do regime ditatorial, haja vista que alguns meses antes, em 13 de dezembro de 1968, foi assinado o Ato Institucional de nº 5 (AI-5)27, pelo então presidente-general Costa e Silva. “Definiu o momento mais duro do regime, dando poder de exceção aos governantes para punir arbitrariamente os que fossem inimigos do regime ou como tal considerados.” (D’ARAUJO). Assim, o imaginário sobre o estabelecimento da organizada Gaviões da Fiel é fundamentado em “uma versão heroicizante que salienta a luta simultânea contra duas ditaduras [...] os fundadores narram um nascimento heroico que superpõe o contexto ditatorial pós-AI-5 ao âmbito interno “ditatorial” da política clubística.” (HOLLANDA; CANALE, 2019). Todavia, os autores lembram que:

“[...] desde meados do século XX, o clube é tradicionalmente dominado por presidentes que se prolongam no poder, desde Alfredo Trindade (14 anos) até Wadih Helu (10 anos) e mesmo depois, com Vicente Matheus (18 anos). Configura-se, pois, aquilo que o cientista político Cláudio Couto (2017) chama com propriedade de “oligarquização” das associações desportivas, constitutiva de uma dualidade institucional que atravessa a maioria dos clubes, mas também as torcidas, que são, elas próprias, arremedos de organização clubística. [...] Para além do heroísmo nos discursos retrospectivos dos líderes dos Gaviões, há uma conjuntura concreta da vida do clube que desperta e leva à ação: a penúria de títulos [...] Neste contexto de “humilhação” para os rivais, era necessário da parte dos torcedores agir e pressionar por mudanças. [...] Esta se opõe ao modelo das bandas musicais, contratadas pelos clubes até então – no Rio de Janeiro, conhecidas como charangas. Sem a tutela dos clubes, narra-se a mudança de postura, da passividade ao protagonismo.” (HOLLANDA; CANALE, 2019).

Ainda de acordo com Bernardo de Hollanda e Vitor Canale (2019), o grupo teria como seu lema as palavras “Força Independente”, que caracterizava a posição da Gaviões

26 Sobre as torcidas organizadas do Corinthians, “Torcidas Organizadas do Corinthians”. Disponível em: . 27 Para saber mais sobre o AI-5, texto de Maria Celina D’Araujo. Disponível em: .

34 diante da política interna do Corinthians. Assim sendo, a agremiação seria um ponto de pressão sobre o clube com um ideal fiscalizador, que seria estabelecido das arquibancadas para dentro do clube. Isto é, quando a narrativa sobre a memória da fundação da torcida organizada relata sobre a luta contra duas ditaduras, está falando sobre a realidade brasileira, que estava sendo governado por um regime autoritário e, enquanto a outra ditadura, esta ligada ao clube, com presidentes que passaram muito tempo com o poder em suas mãos, instituindo certo grau patrimonialista em suas gestões. Alicerçada nesta narrativa de luta contra duas ditaduras, a Gaviões da Fiel se coloca como um tipo de órgão autônomo e exterior ao clube que, a partir das arquibancadas, fiscalizará e pressionará os dirigentes do Corinthians por uma melhor gestão. Os relatos sobre a memória da fundação estão intrinsecamente ligados à conjuntura especifica do clube e da nação brasileira. Portanto:

“A partir desse cenário inicial conflitivo e deflagrador, os integrantes dos Gaviões da Fiel entronizam uma gama de mitos fundadores acerca da origem histórica da torcida e, por extensão, da sua relação com o clube. Ao fazer do presidente do clube, Wadi Helu, deputado estadual pela ARENA, seu bode expiatório, símbolo ditadorial no clube e na sociedade – já que era um político pertencente ao partido do governo – , seu discurso originário incorpora, ao menos no nível imaginário e discursivo, o valor da luta pela democracia, arraigando-se ao modo pelo qual seus componentes contam até hoje sua própria história de lutas e sacrifícios. [...] O mito de origem acentua sempre a ditadura vigente no clube e no país, duas faces de uma mesma moeda. [...] Tal luta é reificada e cristalizada na memória de maneira extensiva ao que ocorria na sociedade brasileira, como se o clube paulistano fosse um microcosmo da macro política da época. O fundador número 1 dos Gaviões da Fiel, Flávio La Selva [...] participara das passeatas estudantis em 1968, e atuava junto às Pastorais da Zona Leste de São Paulo. Eleito como o “cabeça pensante” do grupo, o articulador principal, Flávio simboliza para os líderes da agremiação o etos da resistência à ditadura militar nos anos 1960 e 1970. [...] A incorporação do discurso antiditatorial ao seio do grupo atravessa assim a retórica nativa e se estende até hoje na verve de suas lideranças, sendo assimilada, compartilhada e pulverizada entre os demais integrantes. O ideário cultivado internamente vocaliza-se nos lemas, nos símbolos, nos dísticos e nas inscrições presentes em sua sede. A torcida se autorrepresenta como uma “força independente”, “fiscalizadora” do clube. Cabe a ela salvaguardar seus lídimos princípios, populares e democráticos, vigiando de maneira ostensiva o comportamento, via de regra suspeitos, de seus dirigentes.” (HOLLANDA; CANALE, 2019).

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Acerca destes ideais e narrativas democráticas – ou contra os regimes ditatoriais – , o primeiro desafio que a Gaviões da Fiel, como instituição organizada, enfrentou foram as eleições para presidente do clube, em 1971. Os candidatos para o cargo dividiu-se em duas chapas: a primeira, da situação, comandada pelo então presidente Wadi Helu; a segunda chapa, a de oposição, com o nome de “Revolução Corintiana”, apoiada pela Gaviões da Fiel. A relação entre a chapa e a agremiação aconteceu, como os autores esclarecem, a partir de uma base ideológica e em promessas feitas, como “o fim da reeleição à presidência do clube; o término do acúmulo de cargos políticos concomitantes à presidência corintiana; e uma reformulação do Departamento de Futebol.” (HOLLANDA; CANALE, 2019). Este vínculo entre as lideranças da Gaviões da Fiel e Vicente Matheus, o vice-presidente da chapa “Revolução Corintiana” e que no futuro tornar-se-ia presidente do clube, se estende por toda a década de 1970. Esta vinculação entre a agremiação e o poder de Vicente Matheus, renderia alguns questionamentos sobre o ideal democrático que ambos defenderam no momento que levantaram a bandeira de revolução no clube com a candidatura de oposição nas eleições de 1971, pois ao se inserir no jogo de poder institucional dentro do clube apoiando uma das linhas de poder, a narrativa de que a Gaviões da Fiel se portaria como órgão fiscalizador sofreu certo abalo, mas que não colocou em xeque todo o prestígio conquistado pela agremiação em pouco tempo. Todavia, se a imagem de força autônoma e fiscalizadora fragilizou-se quando houve a união entre a diretoria do clube e os líderes da torcida, e no que pesa o tocante a democracia e, com isso, a rotatividade do poder sobre agremiação, Hollanda e Canale explicam:

“Assim, em cinquenta anos de história da agremiação, mais de duas dezenas de nomes diferentes estiveram à testa da entidade. A representação, que hoje se dá por votação direta, já foi também indicação e atribuição do conselho deliberativo, constituído por membros eleitos e permanentes, que têm a incumbência, por sua vez, de votar no candidato à presidência e à vice-presidência da Gaviões, para um mandato com validade de dois anos. Trata-se de um sistema de alternância de poder com duração e longevidade sem precedentes no universo dos torcedores brasileiros. Em particular, quando comparamos o modo tradicional de representatividade das lideranças e de ocupação da presidência em outras torcidas, mais suscetíveis à influência do carisma e à imposição física dos subgrupos mais estruturados à frente da entidade, num jogo de influências entre as bases territoriais torcedores que não eliminam

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disputas corporais, coações e intimidações na busca por supremacia.” (HOLLANDA; CANALE, 2019).

Portanto, toda a ideologia e narrativa estabelecida na fundação da Gaviões da Fiel, é construída a partir da realidade histórica e política do Corinthians e da nação brasileira, sendo assim, justifica-se toda a atuação política que a torcida se engajou a partir de sua criação. Um dos casos mais famosos, nesta perspectiva, é o de apoio ao movimento que reivindicava a Anistia. O manifesto público em apoio a Anistia acontece “em um Morumbi lotado, com mais de cem mil espectadores, no dia 11 de fevereiro de 1979, durante uma partida contra o Santos.” (HOLLANDA; CANALE, 2019), uma grande faixa28 foi aberta onde se encontrava a torcida do Corinthians, nela estava escrito o manifesto em apoio ao movimento: “Anistia Ampla, Geral e Irrestrita.”29 transformando-se em um dos marcos da história política do futebol brasileiro. Não obstante, a relação da Gaviões da Fiel com o movimento da Democracia Corinthiana se desenhou de maneira tão desafiadora e contraditória quanto ao vínculo firmado com as diretorias de Vicente Matheus. Isto é, ao mesmo tempo em que a agremiação estabelecia-se como um centro de poder dentro e paralelo ao clube, no momento que se vinculou com a casta dirigente dominante do Corinthians, teve como consequência o pequeno abalo em sua estrutura ideológica autodenominada de órgão fiscalizador, mas ainda preservou certa margem de atuação nos moldes de seus princípios iniciais. O posicionamento da torcida organizada perante a questão sobre a Democracia Corinthiana era percebido, no mínimo, de maneira dúbia. Pois, “[...] ora apoiando-a de maneira incondicional ora repudiando com veemência o movimento, segundo o lema: “Democracia, sim; bagunça, não”.” (HOLLANDA; CANALE, 2019). Porém, está visão ambígua e crítica sobre a experiência democrática no Corinthians entre os anos de 1981 a 1985, tem sido deixada de lado na memória da agremiação, segundo os autores. Assim sendo, é interessante notar a relação entre torcida e clube de futebol. Isto é, perceber a conexão entre a torcida corinthiana – neste caso, representada pela Gaviões da Fiel – e o Corinthians, demonstrando que esse elo vai muito além de uma estrutura apenas afetiva. Assim:

28 Imagem da faixa “Anistia ampla, geral e irrestrita” e de seus elaboradores: Chico Malfitani (à esquerda), um dos fundadores da Gaviões da Fiel, e Antônio Carlos Fon (à direita), jornalista. Disponível em: . 29 Para saber mais sobre a atuação das torcidas organizadas na campanha sobre a Anistia, trabalho de Isabela Lisboa Berté ““Anistia ampla, geral e irrestrita” – um estudo sobre a relação entre futebol, luta pela anistia e torcidas organizadas.”. Disponível em: .

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“O importante é chamar a atenção para a construção narrativa de um clube, em paralelo à representação de uma de suas torcidas mais antigas e exemplares, que soube se transformar em uma organização popular autônoma, com vida própria, ainda que orbitando em torno do futebol. (HOLLANDA; CANALE, 2019).

Portanto, a história de fundação da Gaviões da Fiel, tem sua narrativa estruturada a partir da ideia de luta contra duas ditaduras, luta contra a opressão e a busca pela democracia. Logo, sua ideologia firma-se em um território de grande atuação sociopolítica, que leva a agremiação a se envolver e posicionar-se – como nas eleições de 201830 –, em diversos momentos, em favor ou contra aspectos políticos tanto do país, quanto do clube. Remetendo, assim, aos seus valores históricos e a sua fundação.

3.3. Os jogadores também participam: A “Democracia Corinthiana”

O último elemento a ser tratado é o fenômeno do movimento da Democracia Corinthiana e suas características. Todo o desenvolvimento deste capítulo dois teve como propósito a preparação de um arcabouço teórico-interpretativo e, além disso, conjuntural do período, tendo em vista as condições em que se encontravam o clube e o país no momento em que o movimento irrompe-se. Assim, fez-se necessário todo o caminho trilhado até aqui, para a abordagem e a compreensão deste tópico, pois se trata do tema mais relevante desta monografia. Por fim, como apresentação da abordagem que será utilizada neste subtema. O entendimento sobre a Democracia Corinthiana será dado à luz da conjuntura dos movimentos sociais emergentes entre as décadas de 1970 e 1980, além de compreender toda a dinâmica intrínseca ao movimento, isto é, entender os avanços e os recuos; os apoios encontrados e as resistências; a luta dos jogadores e, em especial, de suas principais lideranças – os jogadores Sócrates, Casagrande, Wladimir, Zenon e o diretor de futebol, o sociólogo Adilson Monteiro Alves – para conseguir a implantação do que reivindicavam e, em contraste, aqueles que não estavam satisfeitos e se opunham e criticavam o movimento, mesmo compartilhando da mesma profissão, demonstrando a pluralidade de ideias e

30 “[...] Digão, atual presidente dos Gaviões, posicionou-se, em nome dos princípios históricos da torcida, pelo “Ele Não”.” (HOLLANDA; CANALE, 2019). Dizeres que foi o slogan de oposição ao então candidato a presidência, Jair Bolsonaro.

38 concepções, além dos debates dentro do próprio projeto democrático. Portanto, entender os limites no desenvolvimento da proposta do fenômeno da Democracia Corinthiana e demonstrar o quão importante e marcante foi para a história do Corinthians e para a história do futebol brasileiro. Sempre buscando reiterar a dupla condição característica do fenômeno: o âmbito esportivo e o meio sociopolítico, haja vista o grande envolvimento e ativismo dos líderes da Democracia Corinthiana em várias vertentes da vida política do clube e sociopolítica do Brasil, constatando mais uma vez a relação do clube com as classes populares e, mais ainda, desmistificando – em certa medida – o estigma de jogador de futebol ignorante que não se envolve com política, imagem que ainda insiste em se propagar até os dias de hoje – em alguns casos, muito em função da opção e postura dos jogadores de não se posicionarem politicamente, preocupados de que ocorram represálias de clubes, mídia, torcedores e, talvez o mais importante, seus patrocinadores. O fenômeno da Democracia Corinthiana origina-se “[...] a partir da crise instalada no clube alvinegro, em 1981, e posterior eleição de um novo presidente do clube, Waldemar Pires [...]” (MARTINS, 2012, p. 40), sucedendo31 a figura de Vicente Matheus no cargo de presidente do clube. É a partir do resultado das eleições presidenciais, que consagra Waldemar Pires como presidente do Corinthians e, consequentemente, com base em suas escolhas e decisões que se fundamenta o movimento. Em outras palavras:

“Waldemar Pires indicou para diretor de futebol um conselheiro do Corinthians, o sociólogo Adilson Monteiro Alves, que fora responsável por uma série de mudanças na gestão do clube, dentre elas a prática de informar os jogadores das medidas adotadas pelo Departamento de Futebol, permitir que os mesmos decidissem sobre as matérias referentes (incluindo votar sobre a contratação ou saída de algum jogador do elenco, a necessidade de realização de concentração antes do jogo, escolha do técnico, entre outros).” (MARTINS, 2012, p. 40).

Simultaneamente à crise que o clube paulista enfrentava no início dos anos de 1980 em seus bastidores, os eventos que abarcavam o cenário social e político do Brasil também lançavam o país em uma situação de crise e, como resultado, houve a organização de

31 É interessante ressaltar que, de acordo com Mariana Zuaneti Martins (2012), Waldemar Pires fazia parte da chapa de situação, sendo o próprio Vicente Matheus seu vice-presidente. No entanto, a partir da vitória de Waldemar e do isolamento e enfraquecimento de Matheus no centro de poder decisório dentro do clube, Vicente Matheus resolve se afastar de seu cargo, abrindo espaço para as mudanças que viriam à cabo nos anos de administração de Waldemar Pires.

39 novos movimentos sociais e a reorganização de outras organizações mais tradicionais, mas que, devido às arbitrariedades dos governos militares, desarticulou-se. Estes movimentos, passariam a protestar e contestar ainda mais o regime, tendo como demandas principais a abertura política – redemocratização do país – e a exigência de respostas para a crise econômica que devastava o país. Assim sendo, podemos destacar como característica política e social do período em que a Democracia Corinthiana se estabeleceu a “[...] retomada dos movimentos grevistas32, [...] pela emergência dos movimentos sociais no Brasil; [...] conformação de partidos com base sindical e popular [...]” (MARTINS, 2012, p. 41). Conforme apresenta Sonale Oliveira e Maria Marinho (2012), verifica-se o restabelecimento do movimento operário no governo do general Ernesto Geisel (1974-1979), porém com uma nova abordagem política, isto é, “[...] desvinculado do sindicalismo atrelado ao estado populista com origem na década de 1930.” (OLIVEIRA; MARINHO, 2012, p. 134), constituindo assim, o “novo sindicalismo” – como passou a ser chamado –, tendo como a base de suas origens o chão de fábrica. Seriam aspectos importantes deste “novo sindicalismo”:

“[...] independência em relação ao Estado, novas formas de organização e novas lideranças. Sua atuação se sustentava nos debates, nas comissões e comandos de greves desenvolvidas em grandes unidades industriais, em especial na região do ABC paulista [...] Alimentados por um ideal de participação democrática, direta e autônoma, esse novo sindicalismo mobilizou, solidarizou e empolgou o operariado ao recompor sua identidade de classe. Em pouco tempo, o conflito operário supera o movimento sindical e o ambiente da fábrica e diferentes atores sociais vão assumindo a greve como expressão de algo mais abrangente, como expressão da luta democrática em curso.” (OLIVEIRA; MARINHO, 2012, p. 134)

Assim, observaram-se o despertar, a partir da luta operária organizada pelo “novo sindicalismo”, outras demandas:

“No interior desse processo se desenvolveram novas identidades coletivas, pois o movimento operário não era um movimento isolado. As diferentes lutas vivenciadas significavam o aprendizado político na prática social, numa década de efervescência política na cidade e no campo. Reivindicações centradas, num primeiro momento, em questões específicas ou de caráter classista, acabaram por se ampliar de tal forma que dominaram o cenário político nacional, alterando a

32 Destaca-se a série de manifestações organizadas pelos operários do ABC Paulista entre os anos de 1978-1980.

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percepção do grupo e das classes dirigentes acerca da realidade.” (OLIVEIRA; MARINHO, 2012, p. 134)

Considerando a originalidade do movimento operário e sindicalista de meados da década de 1970 e de 1980, que passa a se reorganizar de maneira autônoma ao Estado brasileiro, diferente da tradicional configuração de aparelhamento a partir de políticas cooperativistas de administrações populistas na realidade histórica social brasileira, além disso, se levarmos em conta a estrutura político-econômica estabelecida pelos governos militares, chega-se à conclusão de que a crise deflagrada no período, fosse ela de conjuntura nacional ou internacional, era também da ordem estrutural. Isto é, a política econômica gestada pelos governos do regime era “[...] uma forma de instituir um modelo de desenvolvimento do capitalismo na realidade brasileira.” (MARTINS, 2012, p. 42). Com os abalos na economia mundial e, consequentemente, a interferência da esfera internacional na economia nacional, aliado aos problemas enfrentados dentro do próprio regime – disputa entre correntes opostas dentro das forças armadas e as questões sobre as arbitrariedades e truculências dos governos –, levaram ao esgotamento deste modelo de desenvolvimento capitalista aplicado pelos militares. Sendo assim, a crise afetou duramente o país e, principalmente, as camadas populares nas quais foram inaugurados os movimentos operários e sociais que buscavam a transformação da realidade político-social, dando voz à luta contra as desigualdades e a falta de liberdade dentro do regime militar. Deste modo, como Cátia de Paula (2013) apresenta em sua resenha do livro de Eder Sader33, “[...] como esses movimentos sociais produziram um novo sujeito coletivo. A expressão “novo sujeito” designa um sujeito criado a partir da prática política e social.” (PAULA, 2013, 148), sendo que esta “[...] expressão “novo sujeito” ainda se relaciona ao fato de que embora coletivo, não está preso a organizações ou instituições determinadas que os organizem, como as igrejas, os sindicatos e as esquerdas.” (PAULA, 2013, 148), ou seja, com o processo de derrocada dos regimes ditatoriais marchando em passos largos, era necessário estabelecer uma nova ordem política. É na segunda metade dos anos 1970 e nos anos 1980, com a reorganização dos movimentos sociais, com o surgimento de novos sujeitos políticos desprendidos das amarras associativas e institucionais que, portanto, novos atores políticos surgem no contexto nacional para prensar o regime contra a parede e explorar as possibilidades a partir da conjuntura de

33 “Quando novos personagens entraram em cena: experiências, falas e lutas dos trabalhadores da Grande São Paulo, 1970-80. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 4ª edição 2001”.

41 fragilização e crise dos governos militares. No entanto, a autora ainda nos oferece uma visão ainda mais profunda sobre as circunstâncias dos novos movimentos sociais:

“O autor se referir à igreja, aos sindicatos e as esquerdas, e como precisaram encontrar novas vias para reatar relações com os novos sujeitos, a partir do surgimento de novos discursos e práticas por parte desses. Isso ocorre segundo o autor, devido à falta de representatividade de tais instituições relacionada aos problemas vivenciados pelos sujeitos no período.” (PAULA, 2013, 148)

Há também interpretações que investigam e exploram os verdadeiros limites da autonomia e ineditismo dos novos movimentos gestados no seio da crise do modelo capitalista proposto pelos militares:

“No entanto, Sader discute que a autonomia dos movimentos sociais analisados é limitada tendo em vista que, embora surjam como movimentos independentes, mobilizados, e que possuam um caráter antagônico ao do Estado, em certa medida há certo grau de dependência a ele.” (PAULA, 2013, 148)

Podemos pensar a estrutura do “novo sindicalismo” dos anos 1970-1980, como uma quebra da tradição do movimento operário e sindicalista brasileiro, como dito alguns parágrafos acima, desenvolvidos a partir do aparato estatal. No entanto, como bem sabemos, em História, toda transformação, seja ela de qual âmbito for – social, econômico, político ou os três –, tende a coexistir rupturas com os sistemas tradicionais dominantes e continuidades com estes mesmos sistemas, gerando desta forma uma nova realidade. Portanto, é pertinente a investigação sobre os limites da autonomia dos movimentos sociais do período em questão, pois por mais que estes grupos reivindicassem a democracia – em um segundo momento, de certa forma –, de acordo com a resenha de Cátia de Paula (2013), a independência destes movimentos estava cerceada pela cosmovisão dos indivíduos, isto é, pela sua percepção de mundo. “Pois ao reivindicarem, mesmo se colocando contra a ordem estabelecida, esses movimentos acabam por estabelecer uma relação entre direitos sociais e capitalismo, direitos sociais e Estado, já que em certa medida esses direitos dependem dele.” (PAULA, 2013, 149). Diante deste cenário de crise do regime autoritário, lutas sociais e, consequentemente, processos de transformação das estruturas sociopolíticas e econômicas no

42 período final dos anos 1970 e início dos anos 1980, verifica-se, no Corinthians, o fenômeno da formação do movimento Democracia Corinthiana. Demonstrando que, as condições em que o país se encontrava influenciariam e muito a gestão do clube, tendo também como exemplo desta “intervenção externa” a construção da narrativa de fundação da torcida organizada Gaviões da Fiel – tratado no subtítulo anterior – sobre a luta contra duas ditaduras. Assim sendo, a Democracia Corinthiana se fundamenta a partir da conjuntura dos movimentos sociais e do “novo sindicalismo” daquele período, isto é, o próprio fenômeno dentro do Corinthians corresponderia a um, dos vários movimentos reivindicatórios estabelecidos na realidade daquele momento, conformando-se em uma enorme colcha de retalhos de movimentos que exigiam direitos e respostas para um país cada vez mais afundado em uma crise econômica e dentro de um regime autoritário. Assim, compreendendo a Democracia Corinthiana como fruto do período e, além disso, como mais uma dentre várias expressões fomentadas no momento, Cátia de Paula em sua análise do livro de Sader, nos auxilia com uma compreensão que pode ser aplicada sobre o fenômeno da Democracia Corinthiana. Assim, a Democracia Corinthiana estaria de acordo com:

“[...] o elemento novo que surge com os movimentos sociais nos anos 70, embora esses movimentos já possuíssem uma trajetória histórica, eram seus modelos de organização distintos dos parâmetros tradicionais, o que demonstrava uma ruptura com as formas de organização ligadas aos sindicatos e partidos. Nos anos 70 o que se tem são formas de organizações sociais não institucionalizadas, o que implicou se voltar diretamente ao confronto da institucionalidade. Esse processo por sua vez permitiu a atribuição de novos significados as vivências cotidianas e as formas não institucionalizadas de organização. [...] O fato de esses sujeitos ter iniciado formas de organização e atuação política é apontado pelo autor como uma falta de representação, alguém que pudesse atendê-los em seus direitos e necessidades. Diante disso, a iniciativa de atuação política só é tomada quando precisam reivindicar algo. O fato de necessitarem de determinados benefícios impulsionaram os sujeitos a se organizarem. A necessidade material se colocou como o elo entre os sujeitos que adquiriram consciência sobre suas situações e, a partir daí organizaram-se em torno de suas lutas.” (PAULA, 2013, 150).

Então, mais uma vez, destaca-se a dupla frente de atuação que envolveu toda a dinâmica de poder e ação dentro do Corinthians. Isto é, o movimento da Democracia

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Corinthiana é estabelecido a partir de uma conjuntura de crise esportiva dentro do clube – resultados ruins e a cobrança da torcida com o agravante de um período eleitoral no meio do furacão –, enquanto a sociedade brasileira se via envolta em um momento de ebulição social que se percebia as reivindicações dos indivíduos pelos seus direitos de participação como cidadãos, aproveitando o momento de crise do regime que já estava em seus momentos finais. Deste modo, é “em tal contexto de crise e distensão do regime, o futebol, como parte do terreno cultural, já não podia mais ser instrumentalizado pelo governo militar, cumprindo naquele momento, um papel diverso.” (MARTINS, 2012, p. 69), este era a conjuntura que resultou o fenômeno conhecido como Democracia Corinthiana É importante destacar a conjuntura sociopolítica, econômica e histórica no despertar do movimento, todavia, o ponto crucial talvez seja a participação de suas lideranças no processo. Entender o quão politizado e, de certa forma, bem esclarecidos eram os atletas, fez com que o mito do jogador boçal e desconhecedor de sua realidade tivessem uma ressignificação. Isto é, a partir do novo diretor de futebol Adilson Monteiro Alves – sociólogo – e dos jogadores Sócrates – provavelmente a maior figura de contestação à imagem de “jogador boçal” e maior representante da Democracia Corinthiana, formado em medicina e adepto de leituras de grandes pensadores da causa trabalhadora e social –, Casagrande, Wladimir, Zenon, é a junção dos pensamentos em constante debate entre, principalmente essas cinco lideranças, que vão formar todo o arcabouço teórico e de práticas do movimento, que não ficará restrito somente a realidade do clube, mas também envolverão atividades dentro do sindicato dos jogadores profissionais e apoio declarado as pautas dos movimentos sociais de reivindicação por direitos. Então, como podemos definir o movimento? Contribuindo para caracterizar este movimento, utilizarei as palavras de Mariana Martins sobre o fenômeno democrático que se manifestou no Corinthians na primeira parte dos anos 1980:

“Em 1981, a intensificação dos processos sociais culmina no futebol num projeto de “abertura” no Corinthians, que viria a ser chamado de Democracia Corinthiana. Portanto, é durante dezoito anos da ditadura militar e em meio ao seu esfacelamento que emerge a Democracia Corinthiana; como um momento particular da história do futebol brasileiro, compreendido durante as duas gestões de Waldemar Pires à frente do clube do Corinthians, dos anos de 1981 a 1985.” (MARTINS, 2012, p. 71-72)

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Assim, devemos entender que o fenômeno abarca os dois mandatos de Waldemar Pires (1981-1985) e que teria na figura de Adilson Monteiro não somente um dos líderes do movimento, mas também um grande aliado na administração do clube. Portanto, para Rafaela Martins (2012), o padrão de coordenação que resultou “nas votações, participação dos jogadores na política sindical e nacional e na modernização administrativa” (p. 72) aconteceu a partir da vitória de Waldemar Pires nas eleições de 1981. Se a gestão de Waldemar teria como um de seus principais argumentos o estabelecimento de um projeto de abertura, ela só vai acontecer de fato com a chegada de Adilson Monteiro34, no final do ano de 1981, lembrando que a equipe estava indo mal nos campeonatos em que disputava e o anúncio de Adilson como diretor de futebol é uma das respostas para os péssimos resultados, além de fazer parte das promessas no período eleitoral. Importante apontar a interferência da má campanha no campeonato paulista de 1981, que contribuiu para que ocorressem as mudanças prometidas:

“Ao final de 1981, a campanha ruim no paulista é confirmada com a não classificação do clube para a Taça de Ouro, fazendo com que fosse disputar a Taça de Prata, equivalente à segunda divisão do torneio. Como forma de anunciar que as mudanças iriam acontecer, logo nos primeiros dias do ano de 1982, Adilson Monteiro Alves realizou uma reunião de mais de uma hora e meia entre comissão técnica e jogadores [...].” (MARTINS, 2012, p. 78)

Deste modo, podemos perceber que o meio esportivo interferiu diretamente na velocidade em que as mudanças propostas foram estabelecidas na prática. Ao propor reunir-se com o grupo de jogadores e, a partir desta reunião35, deixar claro como administraria o setor de futebol, Adilson Monteiro abre as portas para o diálogo, isto é, estabelece sua administração a partir da ideia do debate, da troca de ideias e, por consequência, de um ambiente aberto e democrático – na medida do possível. Portanto, pode-se delinear a abertura e a transparência, pleiteadas por Waldemar Pires e que passa a se manifestar - bem lentamente, é verdade – a partir do afastamento de Vicente Matheus da vice-presidência, e

34 De acordo com a autora: “[...] por mais que possamos perceber que o intento de abertura [...] ao menos no interior do departamento de futebol, a partir da posse de Adilson, isso só aconteceria no ano seguinte.” (MARTINS, 2012, p. 78). 35 A reunião ocorreu no início de 1982. Disponível em: . (ARQUIVO DIGITAL FOLHA DE SÃO PAULO, 8/1/1982, p. 32).

45 que se torna atividade concreta e efetiva no momento posterior a essa reunião de “caracterização administrativa” de Adilson Monteiro com o grupo de jogadores. As duas gestões de Pires com a participação direta de Adilson, caracteriza-se por ter “[...] um sentido diferente na forma de se pensar a gestão do clube de futebol, apontando para a especialização, a modernização e profissionalização, no sentido de racionalização da mesma.” (MARTINS, 2012, p. 79). No mesmo sentido que o mau retrospecto dentro de campo influiu nas tomadas de decisões para que as mudanças ocorressem mais rapidamente, no pós-eleição de Waldemar Pires em 1981, o bom momento que o time atravessou nos campeonatos do ano 1982 ofereceram aos administradores do clube um bom respaldo no que se tratava sobre o projeto de modernização de gestão, tendo em alguns momentos recaído a boa campanha na conta de Adilson Monteiro. Todavia, do mesmo modo que a Gaviões da Fiel tratava essa nova política de maneira receosa e com momentos de apoio e outros com críticas ferrenhas, a imprensa – neste caso, destacando o jornal Folha de S. Paulo, pelo motivo de que a maioria das fontes deste trabalho é de matérias da época – iria fazer o mesmo. Destaca-se que o ano esportivo de 1982 não foi feito apenas de bons resultados para o Corinthians, tanto que em outubro deste ano a equipe esteve presa em um momento de crise, com várias derrotas consecutivas que, juntamente com o ambiente político interno, abalaram o comando de Waldemar Pires e, mais importante, colocavam em xeque o modelo de gestão36. “Em novembro, o clube se recuperou dessa má fase e chegou à final do Campeonato Paulista. O enfoque dado pela imprensa paulista [...] era centrada nos aspectos da gestão do clube corintiano” (MARTINS, 2012, p. 81). Assim sendo, corrobora-se o trabalho da imprensa no que tange a uma relação dúbia entre aceitar e criticar a gestão estimulada por Waldemar e Adilson. A gestão tida como moderna para os padrões do futebol – principalmente para o futebol brasileiro –, compreenderia uma dinâmica que engendraria novas relações entre jogadores e a administração do clube. Deste modo:

“[...] no ano de 1982, em que o próprio slogan da Democracia Corinthiana ainda não estava consolidado, mas que estava imerso numa conjuntura em que se discutia a distensão do regime e de ascensão do movimento sindical, o sentido do termo indica um significado de democratização das relações de trabalho. Dessa forma,

36 Este será o padrão que vigorará no clube durante os anos de Democracia Corinthiana, isto é, qualquer sequência de resultados ruins daria margem para que os opositores, imprensa e torcida duvidassem da gestão democrática.

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o sentido da matéria do jornal é que os jogadores estavam tendo voz e suas reivindicações estavam sendo ouvidas pela diretoria. Nesse caso, ao entendermos o Corinthians como uma empresa, podemos vislumbrar uma analogia com os jogadores, como funcionários desta, que reivindicavam melhores condições de trabalho.” (MARTINS, 2012, p. 81).

O abalo dentro do grupo de jogares no que diz respeito ao projeto da Democracia Corinthiana aconteceria no início do ano de 1983, quando o goleiro Leão foi contratado. Pois, ainda que o hábito de organizar pleitos entre todos os jogadores do grupo, isto é, uma prática de democracia direta que buscava ouvir todos os jogadores para que decidissem os rumos a serem tomados pelo clube, no caso da contratação do goleiro, nem todos os membros do elenco foram ouvidos, ou seja, não foram ouvidos ou não votaram a favor da contratação. Assim, com a chegada do jogador – com fama de temperamental e explosivo que o precedia – , ficou claro que sua contratação não respeitava a vontade da maioria do grupo. Juntamente com os rumores de que a contratação “[...] de Leão teria sido decidida com a consulta apenas ao técnico Mário Travaglini, ao preparador físico Hélio Maffia, e aos jogadores Sócrates, Vladimir e Zé Maria.” (MARTINS, 2012, p. 83), destacando os nomes de Sócrates e Vladimir, lideranças37 dentro do grupo e do próprio movimento. É também no ano de 1983, mais precisamente em fevereiro, que vai ocorrer uma nova eleição que seria disputada pelas chapas de Vicente Matheus e a de Waldemar Pires com Adilson Monteiro Alves – chapa esta denominada “Democracia Corinthiana”. Este pleito pode ser caracterizado como:

“Tal processo eleitoral pode ser encarado como uma metáfora política da disputa que viria a se travar na votação da emenda Dante de Oliveira. A chapa de Matheus, intitulada “Ordem e Verdade”, poderia ser identificada como o braço no Corinthians daqueles que defendiam a continuidade da “Revolução” de 196432. Enquanto isso, a chapa da Democracia Corinthiana representava o ideário daqueles que defenderiam a aceleração do processo de reabertura democrática do país. Entretanto, como vimos nas partes anteriores deste capítulo, a polarização “ditadura vs. democracia” tinha peso na realidade, mas ocultava e dissimulava a oposição que existia entre modelos de desenvolvimento e rumos para a transformação social no país. Nesse sentido, a oposição entre os blocos, e as próprias contradições que se manifestavam no interior destes mesmos, também permeava essa disputa interna no Corinthians.” (MARTINS, 2012, p. 84).

37 Lembrando que Casagrande estava afastado do elenco no período em questão.

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Todavia, o mau desempenho na Taça Ouro de 1983, que culminou na saída do técnico Mario Travaglini, impulsionou o clube em uma crise. Os destaques sobre a demissão de Travaglini eram relatados pela visão de que “[...] a equipe estaria passando por uma crise de autoridade e não conseguiria resolver o problema de falta de disciplina dos jogadores e o ápice desse processo cansou Mário Travaglini” (MARTINS, 2012, p. 87), e que este suposto cansaço o levou a não mais colaborar com o projeto de abertura. No lugar do antigo treinador, quem assumiu o grupo foi o ainda jogador Zé Maria38, o que para muitos foi entendido como a radicalização do processo de abertura iniciado na primeira gestão de Waldemar Pires. A experiência com Zé Maria no comando técnico dura até maio do mesmo ano, quando a diretoria corinthiana contrata o técnico Jorge Vieira. De acordo com Mariana Martins (2012), a chegada de Jorge Vieira só ocorreu a partir de certas exigências feitas pelo treinador, a principal seria de que ele teria o poder de decisão e não abriria mão desta prerrogativa. Apesar de alguns enfrentamentos e crise entre Jorge Vieira e lideranças dentro do grupo – em especial, Sócrates –, o Corinthians conquista o título do campeonato paulista de 1983, o que leva a mais uma vez a imprensa saudar a importância da Democracia Corinthiana para o título. Portanto, para encerrar, os anos finais da Democracia Corinthiana (1984-1985) serão tratados no último capítulo, tendo em vista que são os anos em que ocorre o movimento da “Diretas Já”, onde o apoio do elenco corinthiano sobre a questão das eleições diretas e do processo de redemocratização do país é visto de maneira mais nítida e destacada. Assim, este capítulo dois teve como objetivo apresentar as relações entre a política interna do clube e a conexão com a do país, o vínculo entre a modernização da administração do futebol, levada a cabo nas administrações de Waldemar Pires – juntamente com Adilson Monteiro – com a intenção de abertura no processo de gestão, que deu início ao movimento “Democracia Corinthiana”. Demonstrar como a imprensa e a torcida reagiram ao movimento, de maneira dúbia, em vários momentos, além do estabelecimento de novas relações entre jogadores e diretoria. Todo este processo, constituído na conjuntura dos movimentos sociais e do novo sindicalismo que abalavam, ainda mais, o cenário político brasileiro em crise na década de 1980.

38 Vereador da cidade de São Paulo, pelo PMDB, e um dos líderes da Democracia Corinthiana, caracterizando a inserção do movimento no meio político.

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4. CAPÍTULO III – DEMOCRACIA CORINTHIANA E AS “DIRETAS JÁ!”

Este terceiro – e último capítulo – se deterá em investigar as relações entre o fenômeno corinthiano, isto é, a Democracia Corinthiana e o movimento popular que almejava, em meio a mobilizações populares, conquistar o direito ao voto para presidente nas eleições de 1985, conhecido como Diretas Já. Portanto, analisar a relação entre a política e o esporte, no que tange ao uso do esporte como ferramenta político-ideológica para mobilização das massas e compreender a importância do movimento popular “Diretas Já” para o período de redemocratização do país. As fontes para o estudo serão, principalmente, artigos de jornais do período – com atenção principal para a Folha de S. Paulo. Além das matérias dos jornais, também serão utilizados como fontes três filmes que retratam a Democracia Corinthiana, a partir de entrevistas com indivíduos que vivenciaram o movimento. São eles: “Ser campeão é detalhe – Democracia Corinthiana” (2011); “Democracia em preto e branco” (2014) e “Democracia Corinthiana Documentário” (2018). Quanto às fontes sobre o movimento das “Diretas Já”, a atenção estará voltada para reflexões acerca dos discursos de Franco Montoro convocando a população para os comícios em apoio à mobilização popular. Outra fonte de auxílio para a investigação estará presente nas imagens, tanto na questão sobre a Democracia Corinthiana quanto no tocante ao “Diretas Já”. É interessante ressaltar que este capítulo tratará, no desenvolvimento de sua argumentação, sobre a relevância do movimento corinthiano para a contestação da estrutura do futebol paulista e, consequentemente, tendo em vista que o principal polo hegemônico do futebol nacional é o estado de São Paulo, brasileiro – em um primeiro momento – e, a partir desta contestação, estabelece-se uma transformação na pauta do grupo, pois ao ultrapassar o âmbito esportivo a Democracia Corinthiana se envolverá com percepções sociais e políticas. Deste modo, será importante entender a influência do movimento “Democracia Corinthiana” no âmbito esportivo que refletirá na política e na sociedade, juntamente com a ação de seus líderes e a mobilização da massa torcedora, além de apresentar-se como um movimento também classista. Assim, compreender o esporte em sua totalidade como fenômeno social e político.

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4.1. A Democracia Corinthiana e o futebol: Contestação da estrutura futebolística

O primeiro ponto a ser analisado é sobre a contestação da estrutura do futebol paulista e, deste modo, do futebol nacional. É bem notório que o movimento esteve baseado neste ideal de modernização da estrutura do futebol, pelo menos no que tange à administração, pois fica evidente esse processo observando a relação entre o fenômeno da Democracia Corinthiana e, neste caso mais precisamente, a partir de um dos líderes do movimento, Wladimir, presidente do sindicato de atletas profissionais de São Paulo (SAPESP), no biênio de 1984 até 198539. É importante ressaltar a luta deste sindicato desde o início de suas atividades no ano de 1947 ainda como associação dos jogadores de futebol, até 1949 quando é lançada a carta sindical do grupo que os transforma de Associação para Sindicato, sobre a regularização da profissão de jogador de futebol e os seus direitos inerentes à classe. Além deste caso de relação entre a SAPESP com a Democracia Corinthiana, também se fundamenta dentro do clube paulista a participação de alguns jogadores40 no Conselho Deliberativo, reflexo da tentativa de modernização e democratização da gestão, tão caro nas administrações de Waldemar Pires e Adilson Monteiro Alves. Outro ponto que não se pode esquecer é do período em que Zé Maria assumiu o comando técnico do Corinthians interinamente, em 1983, logo após a saída de Mario Travaglini, momento em que o jogador acumulou os cargos de conselheiro deliberativo do clube, lateral direito, técnico e também ocupava a vaga de vereador da cidade de São Paulo. Deste modo, pode-se pensar o fenômeno não apenas de maneira contestatória da estrutura do futebol, mas também como a busca de direitos e a construção e consolidação de um ideal de cidadania dos indivíduos, sendo articulado dentro das esferas institucionais possíveis. O episódio da demissão de Travaglini repercutiu dentro do elenco corinthiano de duas maneiras: em primeiro momento, foi sentida, pois o clube passava por um momento ruim na temporada, contestado por resultados ruins e certa ebulição interna e, em um segundo momento, os líderes do movimento vieram a público defender que a saída de Travaglini não mudaria em nada a dinâmica da Democracia Corinthiana41. Assim:

39 Para saber mais sobre a história da SAPESP, histórico disponível em: . 40 Os jogadores que participaram do Conselho Deliberativo: Zé Maria, Gomes e o próprio Wladimir. 41 Importante ressaltar que Mario Travaglini, analisando as fontes, deixou o clube por vontade própria e que a maioria do elenco não queria sua saída, tanto que houve muitas lamentações pelo ocorrido.

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“A saída do técnico Mario Travaglini não deverá afetar o processo de democratização implantado no Corinthians. A opinião é do jogador Sócrates, para quem o episódio acabou proporcionando, ao contrário, ‘a maior vitória de nosso trabalho até agora: a presença de Zé Maria como treinador.’ Mesmo lamentando a demissão de Travaglini, a maioria dos jogadores acredita que a indicação de Zé Maria assegura a continuidade da ‘nova estrutura implantada no clube.’” (A DEMOCRACIA Corinthiana continua. Folha de S. Paulo, São Paulo, 30 de março de 1983, p. 1.)

Na mesma edição do jornal, há uma reportagem sobre Travaglini, com a análise de pontos sobre a passagem dele no Corinthians, além de em certa resposta, o ex-treinador deixar claro sua posição sobre a democracia, ao tentar não falar ou criticar o movimento:

“E Travaglini se preocupou, nas suas explicações, em não comprometer o projeto corintiano, de democratizar as relações dentro do futebol. [...] ‘E também não aceito que se use a minha saída para denegrir a experiência que se faz no Corinthians. Aliás, essa vivência democrática e aberta que tivemos neste ano e meio não me foi novidade. Sempre agi assim’ [...].” (TRAVAGLINI sai, desanimado e desgastado. Folha de S. Paulo, São Paulo, 30 de março de 1983, p. 28.)

Interessante ressaltar que, por mais que Mario Travaglini não faça críticas ao movimento, ele se expressa de maneira que pode ser entendida a Democracia Corinthiana como mais uma realidade da sua maneira de trabalhar e não um movimento organizado dentro do clube. Todavia, em outro momento de suas declarações, ele se mostra satisfeito com o período e demonstra compreender a realidade em que viveu no clube, deixando para trás a percepção de mais um trabalho para sua resposta anterior. Sendo assim, mais uma vez a Democracia Corinthiana é percebida de maneira ambígua, com momentos de euforia e outros de crítica.

“A minha participação nesse processo está encerrada e, por isso, não vou falar contra a experiência que vivemos. Não vou cuspir no prato em que comi e do qual gostei muito.” (TRAVAGLINI sai, desanimado e desgastado. Folha de S. Paulo, São Paulo, 30 de março de 1983, p. 28.)

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As respostas de Travaglini, buscando se esquivar de polêmicas desnecessárias e, em certos momentos, elogiando o sistema que estava sendo implantado no Corinthians, ajudou para que se afastasse o estigma e os rumores que ele estava deixando o clube por não aceitar certas condições, casos de indisciplina e não concordar com o chamado ‘excesso de democracia’, este excesso talvez seja a maior crítica ao movimento, feita por setores da imprensa e por alguns grupos de torcedores. Este acontecimento, juntamente com a opção de Zé Maria para assumir o posto de treinador, Sócrates enxergou o processo como o ponto determinante do estabelecimento da democracia42. No entanto, sabemos que durante todo o período que vigorou as administrações de Waldemar Pires e Adilson Monteiro, a Democracia Corinthiana esteve em constante movimentação, isto é, avanços e recuos foram atividades características do momento. O fenômeno corinthiano é estruturado em um contexto de efervescência político e social – que já apresentamos e debatemos neste trabalho –, durante este momento de contestação do regime militar e de reestruturação da oposição popular e sindical, é que “[...] se desdobram reflexões acerca de como os jogadores podem se colocar enquanto sujeitos políticos para intervir frente à estrutura do futebol brasileiro, a fim de modificá-la” (REIS; MARTINS, 2014, p. 1352), isto porque até aquele momento o jogador era parte alienada da estrutura do futebol e, assim, qualquer tipo de proposta de mudança “[...] era privilégio apenas de uma elite de dirigentes de clubes e federações, ou até do governo militar, mas não dos principais protagonistas do espetáculo esportivo.” (REIS; MARTINS, 2014, p. 1353). Portanto, devemos observar a importância das estruturas institucionais prévias, isto é, como a infraestrutura de gestão do universo futebolístico – neste caso – era importante para a atuação dos líderes da Democracia Corinthiana, pois é fato que o movimento “[...] declinou logo após a saída de Sócrates e teve seu fim após a derrota de Adilson Monteiro Alves para a presidência do Corinthians, em 1985.” (REIS; MARTINS, 2014, p. 1353). Deste modo, comprova-se que a autossuficiência do fenômeno estava intimamente ligada ao ideal de gestão mais aberta, transparente e democrática, inaugurada por Waldemar Pires e Adilson Monteiro. Assim:

42 “Para Sócrates. a escolha, pelo grupo, do novo ‘representante’ (ele evitou usar a palavra técnico) é a prova mais contundente de que a democracia está instalada [...].” (UMA prova de democracia. Jornal Folha de São Paulo, São Paulo, 30 de março de 1983, p. 28.)

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“Havia uma grande dependência da diretoria para a sustentação do movimento, de modo que, a ameaça à continuidade deste estava sempre condicionada à demissão de Adilson. Para nós, essa é a evidencia de uma fragilidade do movimento, que não guardava em si a autonomia dos jogadores de futebol, fato que poderia ter sido alcançado ou amadurecido com uma atuação mais sólida destes sujeitos no interior do sindicato. [...] essa era uma reflexão então presente entre os próprios sujeitos do movimento e entre os jogadores naquele tempo histórico.” (REIS; MARTINS, 2014, p. 1353).

Desta forma, pode-se analisar não somente a ação dos jogadores dentro do clube, as reações dos atletas diante de uma experiência até certo ponto pioneira, apresentando uma pluralidade de entendimentos sobre o próprio movimento. Todavia, mediante este processo, também compreender a relação e a conexão dos líderes corinthianos com as expoentes pautas das organizações sociais e de classe do período, que pode ser observado, principalmente, a partir da atuação por meio do envolvimento junto às atividades sindicais da SAPESP. Assim, a integração entre o movimento corinthiano e as questões de reivindicação de classe estabelecidas pela SAPESP, desenvolvem um ideal de cidadania e direitos no seio dos atletas de futebol, gerando uma reflexão sobre a profissão e, consequentemente, sobre a realidade. É diante desta ótica que “[...] o movimento atingiu patamares de reconhecimento para além do plantel alvinegro, expandindo-se para diversos clubes, que pretendiam adotar modelos semelhantes.” (REIS; MARTINS, 2014, p. 1355). Na edição do dia 03 de abril de 1983 do jornal Folha de São Paulo, o jornalista Oswaldo Mendes escreve um pequeno artigo sobre o fenômeno corinthiano, demonstrando todo o apoio e resumindo sua visão sobre o movimento para aqueles que o apoiavam, além de criticar parte da sociedade e da torcida que, a partir de uma falsa simetria imposta por parte da imprensa, tinha receio da Democracia Corinthiana. O jornalista também apresenta uma critica à estrutura do futebol brasileiro, tendo como foco principal a exploração dos jogadores pelos cartolas dirigentes do esporte. Articulando seu artigo à realidade histórica em que o Brasil estava inserido, pode-se entender como uma critica geral que apoiava o que estava sendo feito no Corinthians. Assim, conforme escreveu Oswaldo Mendes:

“Ao contrário do que boa parte da crônica esportiva insiste em impingir aos torcedores, o debate não se trava entre democracia e anarquia [...] mas sim entre democracia e autoritarismo, entre um regime de participação e dialogo e um regime fechado [...].

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O que ocorre hoje, no Corinthians, contraria tudo o que caracteriza até aqui o futebol brasileiro, onde a principal estrela, o atleta, tem sido sistematicamente tratado como objeto de fácil manipulação de interesses que nada tem a ver com o esporte [...]. A partir de então, esses jogadores passaram a representar uma séria ameaça aos manipuladores e atravessadores que, imediatamente, trataram de evocar o passado de falsa austeridade, de rigor e escravatura branca. [...] Não há nada de novo, portanto, em toda essa campanha contra a tal democracia corintiana. Devem saber disso os jogadores. E devem saber também da tarefa diria até histórica a que se propuseram, reconhecendo que suas responsabilidades se multiplicaram, como se multiplicaram seus adversários. [...] E sem confundir o resultado de um jogo com a participação democrática que os atletas, também como cidadãos, devem procurar fora do gramado.” (MENDES, Oswaldo. Entre a democracia e o autoritarismo. Folha de S. Paulo, São Paulo, 03 de abril de 1983, p. 09)43

Destacam-se, neste trecho do artigo, as múltiplas interpretações sobre o movimento, sendo que na maioria dos casos as interpretações ocorreram de maneira maniqueísta ou, no mínimo, ambígua. Nesta mesma linha, pode-se perceber como o jornal Folha de S. Paulo se preocupou em reafirmar sua imagem de arauto da democracia no período, no entanto desenvolvendo seu editorial de maneira ainda tímida, demonstrando mais uma vez a relação contrastante do período de avanços e recuos. Quando o debate estabelecido pela Democracia Corinthiana ultrapassou os muros do Parque São Jorge, a ideia era reivindicar os direitos dos jogadores de futebol, classe profissional que dispunha, de acordo com Reis e Martins (2014), de uma frágil regulamentação. A intenção era de usar como suporte para a mudança, muito em função dos líderes politizados que a Democracia Corinthiana possuía, estava ligado ao movimento sindical, ou seja, a SAPESP. O âmago de toda a reivindicação dos jogadores de futebol estava sobre a Lei do Passe, pois:

“[...] Lei nº 6.354, conhecida como Lei do Passe, de 1976. Como o próprio nome dela se refere, era baseada no princípio do “passe”, que estabelecia que o atleta só poderia se transferir para outro clube mediante ao consentimento daquele que detivesse seu vínculo, instituindo um valor de troca para tanto, que se constituía como uma

43 Artigo do Jornal Folha de São Paulo disponível na íntegra em: .

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fonte de receitas ao clube, transformando os jogadores em parte de seu patrimônio líquido. Além disso, tal legislação pouco garantia direitos aos jogadores (BOUDENS, 2002). Pelo contrário, vinculava a vida do jogador à vontade de seu clube, de modo que desafiá-lo poderia ter um impacto negativo sobre toda a sua carreira, o que servia como um sustentáculo ao ideário paternalista do futebol.” (REIS; MARTINS, 2014, p. 1357).

Assim como hoje existem abismos de desigualdade dentro da classe, mesmo com a evolução, até certo ponto da legislação que regulamenta a profissão, nos anos 1980, a degradação era ainda maior. Para se ter uma ideia sobre a desigualdade no futebol brasileiro, a CBF coletou e detalhou dados sobre contratos, tempo de atividade e transações/transferências durante o ano de 2018. Ao analisar os dados44, chega-se a conclusão que as desigualdades são representadas por contratos curtos de trabalho – em muitos casos, apenas para os quatro primeiros meses do ano, tendo em vista que são os meses em que ocorrem os estaduais – além de um alto número de contratos não profissionais, isto é, lançando atletas à informalidade, baixos salários e estabilidade. Demonstrando a precariedade da profissão, onde a parcela de atletas que ganham gordos salários, patrocínios e visibilidade na mídia, não passa de uma minoria, sendo a maioria dos jogadores obrigados a sobreviverem em péssimas condições de emprego. Sobre está realidade que pouco se modificou com o tempo, talvez fosse relevante a união dos atletas e, assim, o fortalecimento da estrutura sindical que não apenas respaldasse de maneira passiva os atletas, mas também que atuassem de modo a proteger e lutar pelos direitos dos jogadores, e é este outro debate levantado pelos líderes da Democracia Corinthiana. A discussão sobre o fortalecimento do sindicato dos atletas ganha força já no ano de 1983, um ano antes do pleito para presidente da SAPESP que estava marcado para 1984. O inicio precoce das conversas ocorre pelo motivo de uma suposta candidatura de Sócrates para o cargo. O jornal Folha de S. Paulo reserva uma página de sua edição do dia 03 de abril destacando as principais argumentações sobre o processo, evidenciando Sócrates e relacionando ao debate a experiência da Democracia Corinthiana, utilizando-se, assim, da popularidade do fenômeno para atribuir peso às declarações. O título da página – “Jogadores

44 Dados disponíveis em: http://cassiozirpoli.com.br/raio-x-dos-22-mil-atletas-profissionais-no-brasil- com-apenas-31-assinando-pela-temporada/>. e também: .

55 discutem sindicalismo mais forte” – e o lide45 – “Sócrates mostra-se disposto a empreender uma ‘luta política’ em benefício da categoria, se chegar à presidência do sindicato paulista” – deixam claro como seria desenvolvido o debate na página do jornal. Deste modo, a possível candidatura de Sócrates para presidente da SAPESP, nas eleições de 1984, de acordo com o jornal:

“[...] fez reavivar a discussão sobre os caminhos a serem seguidos pela categoria, agora num tom mais politizado. [...] fatores como a experiência da ‘democracia corintiana’ apressam o debate sobre a condição do jogador de futebol a partir da análise profunda de seus problemas. [...] Palhinha, ex-presidente do sindicato paulista, fala da criação da Federação Nacional dos Sindicatos dos Atletas Profissionais como esperança de unificação da categoria [...]” (JOGADORES discutem sindicalismo mais forte. Folha de São Paulo, São Paulo, 03 de abril de 1983, p. 10).

Neste excerto da página, apresenta-se resumidamente o debate sobre a estrutura do futebol, tendo nas promessas de Sócrates (1983), se fosse eleito, que lutaria pelos necessitados e não pelos privilegiados, a personificação do entendimento sobre a latente desigualdade no futebol brasileiro – para focarmos apenas em âmbito nacional, pois é o que interessa neste trabalho. No entanto, Sócrates não foi o primeiro membro a participar da Democracia Corinthiana e a se envolver com o movimento sindical, isto é, com a SAPESP, pois essa relação tem início “a partir da participação de Wladimir, que fez parte do Sindicato dos atletas, a partir de 1978, durante a gestão do jogador Palhinha.” (REIS; MARTINS, 2014, p. 1359). Entre o ano de 1978 até 198646, a SAPESP sempre contou em seus cargos diretivos com jogadores47 do Corinthians que participavam do movimento democrático dentro do clube e, caso não fizessem parte da direção48, pelo menos participavam dos debates acerca dos rumos que o sindicalismo no futebol deveria seguir. Ressalta-se também a atividade política de alguns destes atletas, tendo em vista que Casagrande, Wladimir e Juninho membros do Partido dos Trabalhadores (PT), expandiram suas atuações políticas para fora do Corinthians.

45 “Primeiro parágrafo da notícia. No jornalismo impresso, em que as matérias, em geral, são redigidas em pirâmide invertida, o lide apresenta a informação principal e, em seu formato clássico, responde a cinco questões: o que, onde, quando, por que, como. (Agência/Jornal).” Definição disponível em: < https://www12.senado.leg.br/manualdecomunicacao/glossario/lead>. 46 Recorte temporal importante para a analise. 47 Wladimir tesoureiro na gestão de 1980 e presidente em 1984; Juninho e Casagrande diretores sindicais. (REIS; MARTINS, 2014, p. 1359). 48 Sócrates, Daniel Gonzalez e Leão, participaram ativamente dos debates (REIS; MARTINS, 2014, p. 1359).

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Então, pode-se perceber como a Democracia Corinthiana influenciou a gestão da SAPESP e o movimento sindical da classe no estado de São Paulo, na primeira metade dos anos 1980. O debate se pautou a partir da experiência vivida no Corinthians, os líderes do movimento corinthiano estabeleceram o fio de ação e a partir das narrativas desenvolvidas por estes membros que aconteceriam os debates. Importante destacar que além de tudo “os membros da Democracia Corinthiana deram publicidade às discussões sobre os rumos do sindicato.” (REIS; MARTINS, 2014, p. 1360) Isto fica evidente na página do jornal, citada anteriormente neste trabalho. Todavia, vale ressaltar que mesmo que as discussões fossem pautadas pelos atletas que experimentavam a Democracia Corinthiana, Sócrates e os outros líderes que compunham a atividade sindicalista, buscavam estimular o debate sobre os rumos do sindicalismo e como principal reivindicação a supressão da Lei do Passe além da formação de uma federação nacional de sindicatos de atletas, pretendiam a união de classe. Assim, “Sócrates se interessou pela atividade sindical em função do sucesso da Democracia Corinthiana, que tinha feito com que ele vislumbrasse a possibilidade de ampliar este projeto, a partir do sindicato” (REIS; MARTINS, 2014, p. 1360), torna-se evidente este aspecto do interesse de Sócrates pela ação sindical, depois da experiência da Democracia Corinthiana, após o jogador fazer duras críticas à gestão do goleiro Waldir Peres. O cerne de suas contestações se referia à passividade da SAPESP diante de toda a conjuntura social e política do país. Nesta linha de desavenças com a administração do sindicato, o caso mais contundente fica por conta da greve geral do dia 21 de julho de 1983, onde os jogadores de futebol não paralisaram suas atividades, o que gerou duras respostas de Sócrates e Casagrande contra a Federação Paulista de Futebol (FPF) e ao sindicato:

“Sócrates, por exemplo, era favorável à participação dos atletas na ‘greve geral. Nem jogo nem treino. Isso teria de partir do nosso Sindicato, o que não aconteceu’. Casagrande concordava e acrescentava que a iniciativa poderia ser também das federações, não programando futebol para hoje. ‘Nós, jogadores, não podemos tentar a adesão de forma isolada no clube’.” (CORINTHIANS em Campinas, sob protestos. Folha de S. Paulo, São Paulo, 21 de julho de 1983, p. 24).

Deste modo, é perceptível o descontentamento das lideranças do Corinthians com a não adesão da SAPESP a greve geral. Todavia, a resposta de Waldir Peres, publicada na mesma página do jornal, demonstra o contraste de ideias entre os jogadores que participavam

57 da Democracia Corinthiana e, naquele momento, o presidente do Sindicato disse: “Jogador tem de se preocupar só em jogar futebol”. (PERES, Waldir. Folha de São Paulo, São Paulo, 21 de julho de 1983, p. 24). O ápice da relação entre a SAPESP e a Democracia Corinthiana, como já exposto neste trabalho, ocorre na administração de Wladimir (1984-1985), também envolveu Casagrande e Juninho, ambos como diretores do Sindicato. A administração de Wladimir estava alinhada ao movimento do novo sindicalismo, o jogador acreditava que “apesar de ter havido alguma evolução no trato entre o jogador e dirigentes, o paternalismo continuava existindo em larga escala no futebol profissional” (REIS; MARTINS, 2014, p. 1362). Portanto, as intenções de Sócrates de levar o debate e toda a mudança atribuída a Democracia Corinthiana para um espaço e público maior, ou seja, utilizar-se da estrutura sindical como palanque para desenvolver e modificar o futebol brasileiro foi adotado na gestão de Wladimir. A ideia de Wladimir era de “romper com essa cultura política, embate que em alguma medida a Democracia Corinthiana travava ao dar voz ao jogador de futebol e ao participar dos movimentos de democratização brasileira.” (REIS; MARTINS, 2014, p. 1363). Para atingir este objetivo, Wladimir optou pelo projeto de fortalecimento do Sindicato, assim:

“Para fortalecer o sindicato, uma das medidas tomadas na gestão de Wladimir foi fazer uma campanha para aumentar o número de associados. De 600 passaram para 3 mil sócios, algo que era só o primeiro passo para esse fortalecimento, visto que, para ele, além disso, era necessária uma conscientização do jogador. Para avançar nos debates sobre as condições de trabalho e expandir a ação do sindicato, a gestão dele criou um jornal da categoria e pretendia expandir sua ação para fortalecer o jurídico e implantar assistência médica, principalmente para os desempregados”. (REIS; MARTINS, 2014, p. 1363).

Além do aumento de associados ao Sindicato, outro acontecimento que desafiou o projeto sindical estabelecido na gestão de Wladimir foi o caso de dopping do jogador Mário Sérgio, jogador do Palmeiras. A resposta dada por Wladimir foi:

“[...] além de oferecer a estrutura jurídica da entidade para ajudar na defesa do jogador, era também de que se paralisasse o campeonato até que o julgamento ocorresse, uma vez que proceder sem essa interrupção do campeonato, significava não atribuir validade ao exame antidoping e descredibilizar toda a categoria que não fazia uso

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de substâncias ilícitas. Segundo o jogador, ele chegou a ameaçar organizar uma greve dos jogadores, caso o presidente da Federação Paulista não tomasse uma atitude” (REIS; MARTINS, 2014, p. 1365).

Em seu mandato, Wladimir teve que conviver com constantes turbulências que abrangeram não somente a estrutura do esporte. As mais marcantes são as ameaças de demissão de Casagrande49 pela diretoria alvinegra, que gerou debate e apoio entre lideranças políticas e jogadores50, acompanhados pela imprensa, além do caso do julgamento de dopping do jogador Mario Sérgio5152, citado logo acima. Entretanto, de acordo com Reis e Martins (2014), a postura do Sindicato e, consequentemente, o apoio da diretoria corinthiana para que houvesse uma paralização do campeonato paulista pelo caso de Mário Sérgio, fez com que a administração de Wladimir fosse criticada, a argumentação era de que o Sindicato estava favorecendo o Corinthians. Está foi à tônica recorrente e controversa entre a relação da Democracia Corinthiana e a SAPESP. Portanto:

“A Democracia Corinthiana, a um só tempo, incentivava a participação dos jogadores e a limitava, dada a dependência existente entre estes e a diretoria e o projeto de gestão empreendido pelo clube alvinegro. A integração da Democracia Corinthiana ao Sindicato dos Atletas Profissionais apresentava duas possibilidades: estender a todos os jogadores brasileiros as conquistas e os debates políticos empreendidos no Corinthians; e um processo concreto que avançasse para além do que permitiam os limites da gestão corintiana. Para que se concretizassem, era necessário que se fortalecesse o sindicato, colocando-o como interlocutor dos anseios por melhores condições de trabalho, que muitos jogadores viam representadas no movimento corintiano.” (REIS; MARTINS, 2014, p. 1368).

49 Discussão sobre a demissão de Casagrande, disponível em: < https://acervo.folha.com.br/leitor.do?numero=8802&anchor=4189522&origem=busca&pd=bf374967d04fadd20 2737f8820c703a3>. 50 Debate entre Lula e Sócrates sobre a demissão de Casagrande, disponível em: .

51 Corinthians e o Sindicato a favor da paralisação do campeonato paulista, por consequência do caso de dopping do jogador do Palmeiras Mario Sérgio, disponível em: < https://acervo.folha.com.br/leitor.do?numero=8931&anchor=4216330&origem=busca&pd=d193dbca839c163d5 c99e1207e4e8810>. 52 Desdobramentos na justiça do caso Mario Sérgio, disponível em: < https://acervo.folha.com.br/leitor.do?numero=8944&anchor=5403353&origem=busca&_mather=bd17489bbfc8 9af1&pd=2242a1a5ad87e7c860f6f0021eeced9f>.

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Então, deve-se salientar que todo o processo que envolveu o fenômeno da Democracia Corinthiana foi desenvolvido em uma conjuntura marcada, principalmente, pelo contraste de pensamentos e entendimentos, sendo o projeto corinthiano mais um produto deste período histórico brasileiro. Assim, uma analise superficial não compreenderia toda a complexidade e o dinamismo das relações estabelecidas pelos agentes históricos que compuseram a Democracia Corinthiana. É preciso entender que o movimento se constituiu através de pares antagônicos, ou seja, estruturou-se a partir da dialética entre personagens e estruturas, entre o futebol, a imprensa, os jogadores e a sociedade brasileira. O movimento que levantou debates sobre direitos dos jogadores, organização sindical e de classe, cidadania, luta política e, além de tudo, a diretoria se auto afirmou como um novo modelo de gestão, obviamente produziria interpretações e entendimentos múltiplos. É sob está atmosfera de debates, inaugurada pela Democracia Corinthiana, que se contestará a estrutura do futebol e, em alguns casos, social e política do país.

4.2. As capitais das “Diretas Já”: As grandes manifestações em SP, RJ e MG

Para entendermos o processo da ação popular nos protestos, optei por analisar as maiores manifestações que reivindicavam as eleições diretas, ou seja, as manifestações que ocorreram nas capitais de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, grandes centros urbanos do país. Todavia, deve-se ponderar que os atos em rua não foram exclusivos destas cidades, foi um movimento que contagiou os ânimos de todo o Brasil. O movimento suprapartidário e popular das “Diretas Já” está ligado diretamente ao projeto de emenda constitucional, apresentado no ano de 1983, pelo deputado federal Dante de Oliveira (PMDB-MT), que tencionava pelo fim do Colégio Eleitoral e o restabelecimento de eleições diretas para o cargo de presidente e vice-presidente, logo para as próximas eleições que aconteceriam no ano de 1985. Para compreensão da importância, dimensão e significado da proposta, o cidadão brasileiro não participava diretamente do pleito para escolher o representante máximo do Poder Executivo do país desde as eleições que deram a vitória para Jânio Quadros, em 1960. Depois das eleições de 1960, o Brasil sofrera um golpe civil-militar que instauraria o regime ditatorial, em 1964 e, a partir deste ano,

60 através de atos institucionais53 e, depois de 1967, com a carta constitucional, decretava-se que as eleições para presidente da República seria indiretas, ou seja, um Colégio Eleitoral escolheria o chefe de Estado e governo. O projeto de abertura iniciado no governo do general Geisel (1974-1979) e aprofundado no governo do general Figueiredo (1979-1985), além das manifestações populares neste período, possibilitaram que a oposição, grande vencedora das eleições diretas para governadores de 1982, organizasse-se e, assim, a emenda fosse apresentada no Congresso Nacional. A primeira manifestação na cidade de São Paulo54 ocorre no dia 27 de novembro de 1983, reunindo 15 mil pessoas em frente ao Estádio do Pacaembu, ganhando destaque na capa e nas páginas da edição do dia seguinte da Folha de São Paulo. A mobilização, apesar de ter sida a maior até então, gerou certa decepção nos organizadores, pois era esperado um número maior de participantes. Para o jornal, este desempenho abaixo das expectativas era consequência de alguns fatores:

“[...] o viés amadorista e por vezes ainda sectário que persiste no discurso do PT, o que dificulta o entendimento com outras forças oposicionistas; o caráter hesitante e reticente do apoio oferecido pelo PMDB ao evento, o que transforma sua adesão em mero respaldo formal e não em compromisso concreto com o trabalho de base; e o silencio significativo de boa parte da imprensa [...].” (DIRETAS nas ruas. Folha de São Paulo, São Paulo, 28 de novembro de 1983, p. 2).

Apesar do tom critico aos organizadores, destacado no texto, a nota também apresenta considerações sobre a importância do movimento, demonstrando a percepção do jornal sobre o mesmo. Destaca-se também a maneira com que os partidos que não apoiaram o ato – PDS e PTB –, são tratados como “do lado dos que defendem a perpetuação do cada vez mais fantasmagórico Colégio Eleitoral” (DIRETAS, 1983, p. 2). Há observações feitas também sobre o não comparecimento de governadores de estados que compunham a oposição que lançará mão de um manifesto em apoio às diretas e, neste caso, o destaque fica para a não

53 Os Atos Institucionais que trataram sobre eleições antes da Constituição de 1967: “[...] 27 de outubro, finalmente o presidente anunciou a edição do Ato Institucional nº 2 [...] Composto de 33 artigos, o AI-2 redefiniu de forma autoritária os termos do AI-1, estabelecendo a eleição indireta para a presidência da República, a dissolução de todos os partidos políticos então existentes, o aumento do número de ministros do STF de 11 para 16 [...]” e “Em 5 de fevereiro de 1966, o presidente Castelo Branco editou o Ato Institucional nº 3, estabelecendo eleições indiretas para governador e vice-governador e fixando o calendário eleitoral.” Disponível em: . 54 Não é a primeira manifestação do movimento das “Diretas Já”, mas é a que reuniu o maior número de pessoas – até aquele momento – e a primeira de São Paulo.

61 presença de Franco Montoro55 – governador de São Paulo – apoiar a manifestação. Porém, a nota é encerrada com um parágrafo que expõe certo otimismo sobre o futuro do movimento, inaugurando a entrada de São Paulo, evidenciando a importância do estado e da cidade para o fortalecimento do movimento.

“Apesar dos erros e dificuldades, o ato público do Pacaembu representou, sem dúvidas, o marco inicial de uma nova etapa na luta democrática. Que, esperamos, tenha seus devidos desdobramentos.” (DIRETAS nas ruas. Folha de São Paulo, São Paulo, 28 de novembro de 1983, p. 2).

A segunda página do jornal Folha de São Paulo, edição do dia 28 de novembro de 1983, é preenchida totalmente com destaques sobre o apoio às eleições diretas, entre elogios e críticas, o debate é levado a público, sendo que, até aquele momento, o PDS é marcado como a principal oposição a emenda. Outro ponto que se destaca é a variedade de grupos – consequentemente, lideranças – que compareceram neste primeiro evento em São Paulo, além dos principais partidos opositores – PMDB, PT e PDT –, para os representantes destes partidos o ato configurou-se como “a arrancada de um grande movimento nacional pela reconquista da democracia, cujo protagonista é o povo.” (ATO, 1983, p. 4). Assim, define-se como um movimento popular, onde o povo era o personagem principal na busca pela democracia56, ou seja, “Ou o povo se une e vai à praça pública exigir democracia ou ele não conseguirá conquistá-la.” (ATO, 1983, p. 4). Logo em seu primeiro grande ato, a campanha das “Diretas Já”, se insere em um novo grupo de manifestações coletivas, conhecidas como novos movimentos sociais, pois:

“Caracterizados pela ausência de base social demarcada, por novos espaços de conflito e, ainda, por demandas metapolíticas, identidades plurais e um novo ativismo, essas mobilizações ocorrem fora da esfera institucional e buscam sensibilizar e persuadir a sociedade para sua transformação radical com base no diálogo da diversidade.” (OLIVEIRA; MARINHO, 2012, p. 130).

55 Pronunciamento de Franco Montoro em favor das eleições diretas para presidente, em novembro de 1983. Disponível em: . 56 Na conjuntura que se insere os movimentos, tinha-se a tese de que sem a realização das eleições diretas para a escolha do Presidente, não haveria uma democracia de verdade.

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Característica que vai se tornar central em toda a campanha, a multiplicidade de personagens que tem como objetivo final a retomada da democracia, tendo como símbolo máximo dessa retomada a reconquista do direito de votar em Presidente. A segunda manifestação na cidade de São Paulo acontece no dia 25 de janeiro de 1984, aniversário de 430 anos da cidade, reunindo na praça da Sé 300 mil pessoas, elevando a campanha a um novo patamar. Fazendo seu papel de emissário das diretas para o povo brasileiro, a Folha de São Paulo reserva mais que a metade da capa e, além da segunda página com informações sobre o ato do dia anterior, ainda apresenta sete páginas inteiras somente destacando a manifestação. Deste modo, o evento é concebido pelo jornal como: “A monumental demonstração da vontade popular na praça da Sé passa a constar nos anais da história política do Brasil.” (DEPOIS, 1984, p. 2), demonstrando a percepção da grandiosidade e importância da ação no dia anterior. O jornal optou em utilizar-se de símbolos nacionais – neste caso, o Hino Nacional – para criar trocadilhos que alimentavam o imaginário popular57 com um pensamento e sentimento nacional58 que embalariam a campanha. Deslocando-se pelo espaço de análise que estava em São Paulo, a manifestação do dia 24 de fevereiro de 1984 acontece em Belo Horizonte, capital do estado de Minas Gerais. A maior até aquele momento que reuniu mais de 300 mil pessoas, de acordo com a Folha de São Paulo, e seria chamado de “comício-monstro”, destacando a superação dos números do comício da Praça da Sé59. Percebe-se a postura do jornal, através de suas palavras, reforçando a significância que a manifestação de BH trouxe ainda mais para o movimento em prol do pleito direto e da democracia, se o ato no aniversário da cidade de São Paulo foi entendido como a ressignificação da vontade popular, colocando o movimento em um patamar ainda não chegado até aquele momento, à ação na capital mineira fez com que todo o sentimento do dia 25/01/1984 fosse intensificado e despertou no jornal a certeza que era este o caminho certo a ser seguido pelo povo.

57 Semelhante ao acontecido nos protestos contra o governo de Dilma Roussef em 2013 e 2014, além dos protestos pró-impeachment da mesma, em 2016, quando se lia e ouvia “O gigante acordou”, fazendo alusão a um trecho do nosso Hino Nacional. 58 Matérias com os trocadilhos na página 5, disponível em: . 59 A partir deste momento, teremos quatro quebra de recordes de público presente nas manifestações, de acordo com os números divulgados pela Folha de São Paulo, em um intervalo de quatro meses. Isto é, 25/01/1984 – São Paulo-SP, 300 mil pessoas; 24/02/1984 – Belo Horizonte-MG, mais de 300 mil pessoas; 11/04/1984 – Rio de Janeiro-RJ, 1 mi pessoas;16/04/1984 – São Paulo-SP, 1,5 mi pessoas.

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“É muito provável, mesmo, que o comício de Minas, conforme havia assinalado o governador Tancredo Neves, venha sensibilizar parlamentares que ainda se mostram indecisos, embora permeáveis a vontade popular, no sentido de apoiarem, no Congresso, a restauração das diretas. Até alguns dos mandatários que se tem pronunciado contra, poderão, agora, rever essa atitude diante de argumento tão valioso como este – mais uma manifestação grandiosa do eleitorado nas ruas.” (MINAS e o milhão. Folha de São Paulo, São Paulo, 25 de fevereiro de 1984, p. 2).

O trecho demonstra, além de tudo, a expectativa de parte da sociedade civil e da oposição política, que as manifestações gerariam devida reflexão em deputados e senadores que se posicionavam contra as eleições diretas, mas que ainda poderiam mudar seus pensamentos. Isto é, os comícios serviriam para apresentar a vontade popular e convencer os políticos ainda sem convicções a votarem a favor da emenda. Deste modo era de entendimento de todos que a campanha sobre as eleições diretas, depois do ato em Belo Horizonte, se fortalecia ainda mais para empurrar a vontade do povo nos meses que antecediam a votação da emenda no Congresso. Em alguns casos, algumas personalidades políticas que compareceram ao evento como Tancredo Neves e Ulisses Guimarães, se entusiasmaram tanto com o sucesso do comício de BH que produziram falas, no mínimo ufanistas, ao tratarem de Minas Gerais:

‘”Quando Minas se manifesta como fez, mostrando seu entusiasmo cívico, é sinal de que todo o Brasil é um pensamento só, e que estamos dando um passo importantíssimo em busca das diretas”.’ (NEVES, Tancredo. Folha de S. Paulo, São Paulo, 25 de fevereiro de 1984, p. 5)

Entendido a importância do “comício-monstro” da capital de Minas Gerais para a campanha das diretas, o próximo palco a quebrar mais uma vez o recorde de público é a cidade do Rio de Janeiro, no dia 10 de abril de 1984. Deve-se lembrar de que a emenda Dante Oliveira seria votada em 15 dias, ou seja, no dia 25 de abril de 1984 e as duas maiores manifestações em favor às diretas, ocorre neste intervalo de duas semanas que antecedem a votação. A ação em Rio de Janeiro atinge níveis de reunião de cidadãos ainda maior que o comício em Belo Horizonte, chegando a 1 milhão de pessoas. Assim “adquire importância

64 decisiva – por várias razões – nessa caminhada avassaladora da sociedade civil rumo à reconquista do direito de autogoverno.” (APOTEOSE, 1984, p. 2), tendo em vista a proximidade da votação. Era de entendimento de todos que a campanha estava próxima de seu fim, alguns dados começavam a vir a publico, para caracterizar e dar forma a imponência do movimento e o poder de mobilização que o mesmo teve no decorrer dos inúmeros atos realizados pelo país.

“[...] estamos diante da mais numerosa sequência de manifestações em torno de uma mesma bandeira: cálculos moderados e incompletos totalizam, num intervalo aproximado de apenas três meses, um número já superior a 3 milhões de cidadãos que compareceram as ruas de todo o Brasil – de Norte a Sul, nas Capitais e no Interior, das pequenas localidades aos grandes centros – para reafirmar a vontade nacional.” (NO Rio, a apoteose. Folha de São Paulo, São Paulo, 11 de abril de 1984, p. 2)

As manifestações em Rio de Janeiro e São Paulo – as duas que quebraram a barreira do milhão de pessoas reunidas – apresentam o impacto e o apelo que a campanha conquistou no desenrolar dos processos em que se encontrava a sociedade brasileira, todavia fica evidente a preocupação em denotar que a campanha não foi feita apenas nos grandes centros do Sudeste e Sul – apesar de ter sido os lugares onde aconteceram os maiores comícios –, o esforço pelas diretas tem como sua marca a luta do povo pela democracia e, além disso, é essencialmente um movimento de múltiplas identidades que foi gerado no amago do país, espalhando-se por todo o território nacional. Mais uma vez, após o grande ato na cidade do Rio de Janeiro, percebe-se a crescente expectativa da população, lideranças políticas passam a fazer declarações ainda mais esperançosas sobre o iminente resultado positivo da emenda Dante de Oliveira. O otimismo apresentado pelos políticos fica evidente nas falas de Ulisses Guimarães, “O povo não pode ser derrotado. Seria quase como uma invasão do Brasil.” (GUIMARÃES, 1984, p. 4), de Leonel Brizola, “Vamos preparar os nossos títulos.” (BRIZOLA, 1984, p. 5) e a declaração de Tancredo Neves, “Diretas são a única saída para a dignidade nacional” (NEVES, 1984, p. 5). Todavia, o comício do Rio de Janeiro não produziu apenas declarações otimistas, Mário Andreazza, político ligado ao governo60 e ao PDS, partido opositor das diretas, declarou que o “comício do Rio de Janeiro não vai ter consequências nenhuma.”

60 Ministro do Interior.

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(ANDREAZZA, 1984, p. 5), entre outros ataques feitos contra o ato na cidade. Importante notar que a campanha teve que conviver durante toda a sua jornada, com pensamentos contrários e de menosprezo daqueles que se opunham a emenda Dante de Oliveira, mais uma vez, percebe-se a variedade de pensamentos inerentes ao movimento, seja a favor ou contra ele. Todo o caminho percorrido pela campanha “Diretas Já” tem sua conclusão e ápice no dia 16 de abril de 1984, na cidade de São Paulo, uma semana antes da votação no Congresso Nacional da emenda Dante de Oliveira. Conclusão, pois é a última grande mobilização antes de acontecer o pleito no Congresso Nacional, que aconteceu no dia 25 de abril de 1984, e o ápice por ter sido a maior manifestação pública tanto da campanha pelo pleito direto, quanto da história do Brasil, até aquele momento. Por estes fatos, a cobertura feita pela Folha de S. Paulo, além da capa da edição do dia 17 de abril e das duas primeiras páginas com as opiniões do jornal, ainda reserva mais nove páginas para desmiuçar toda a atividade que ocorreu na cidade de São Paulo, levando 1,5 milhões de pessoas as ruas, reivindicando o voto direto para o cargo de Presidente da República para as eleições de 1985. Como ocorreu em todo o período de redemocratização e, mais especificamente, na jornada pelas diretas, a Folha de S. Paulo se portou como o veículo de informação em favor do Brasil democrático, assim o jornal como o povo brasileiro percebia o movimento com grandes expectativas, em todos os editoriais e opiniões do jornal – alguns apresentados como fonte neste trabalho – sobre as grandes manifestações, percebe-se esse sentimento e sobre o comício do dia 16 de abril não foi diferente. Ao fim da campanha, observa-se que a não aprovação da emenda constitucional era algo, no mínimo, impensável a partir daquele momento, isto é, a ideia estabelecida depois do ato no Vale do Anhangabaú era de que “A probabilidade de aprovação da emenda das diretas apoiada nessa extraordinária campanha interclassista, aumenta, portanto, dia-a-dia.” (PEREIRA, 1984, p. 2), expõe o otimismo sobre o destino da votação da emenda, além da percepção de que o movimento se estabelece a partir da variedade de indivíduos que apoiaram. Os diretistas apostavam no argumento em que destacava a atuação do povo brasileiro no processo, sendo o protagonista de toda a campanha, portanto, ainda na manifestação em São Paulo, Ulisses Guimarães com seu otimismo sobre os resultados que a campanha teria conseguido, apresenta essa visão: “A nação não pode ser vencida” (GUIMARÃES, 1984, p. 7). Nesta mesma linha de exaltação da importância da mobilização popular no processo, Tancredo Neves apresenta seu otimismo ao acreditar que a emenda seria

66 aprovada, pois “Essa certeza se baseia na mobilização popular pelas diretas, mas sobretudo pelo que conhecemos do Congresso.” (NEVES, 1984, p. 7). Por fim, a edição do jornal Folha de S. Paulo do dia 26 de abril de 1984, retrata, logo em sua capa, toda a frustração de povo brasileiro que participou da campanha pelas eleições diretas. Na primeira página estava estampada “A nação frustrada!61”, juntamente com a lista de relação votos de todos que participaram do pleito, dando ênfase a pequena margem de votos que faltou para a vitória da emenda Dante de Oliveira.

4.3. O apoio da Democracia Corinthiana ao movimento popular “Diretas Já”

O último subtema deste trabalho abordará a relação de apoio da Democracia Corinthiana para com o movimento popular da “Diretas Já”. Ainda será dada atenção especial para as publicações do jornal Folha de São Paulo, principalmente a edição do dia 17 de abril de 1984, um dia depois do maior protesto que o movimento que reivindicava as eleições diretas para presidente, já em 1985, produziu, além de analisar a multiplicidade de personagens que constituíram o movimento – políticos, celebridades, anônimos –, cada qual com seu entendimento sobre qual plano seria melhor para o Brasil no futuro, com seus anseios e receios, todavia, todos buscando um objetivo em comum, mediante um clamor social, na busca pelo fim do regime ditatorial e pelo direito de votar em presidente da república. Outro ponto importante a ser tratado é da atuação do jogador Sócrates, peça fundamental na organização do fenômeno corinthiano, também será importante personagem e símbolo no apoio aos protestos em favor das diretas. Primeiramente, deve-se destacar que a Democracia Corinthiana tem sua origem a partir do encontro das realidades do clube paulista e da conjuntura política do país, assim como a fundação da torcida organizada da Gaviões da Fiel tem em sua narrativa de fundação o ideal de combate a duas ditaduras – a que supostamente existia dentro do clube e a que vigorava no país –, o fenômeno desenvolvido nas administrações de Waldemar Pires e Adilson Monteiro com o elenco de jogadores segue, basicamente, este mesmo pensamento. A partir de lideranças politizadas dentro do grupo de jogadores – Sócrates, Wladimir, Zé Maria, Casagrande –, uma diretoria disposta a abrir espaço para o diálogo e a participação dos

61 Edição do jornal Folha de São Paulo do dia 26/04/1984, disponível em: < https://acervo.folha.com.br/compartilhar.do?numero=8754&anchor=4183048&pd=0b571e6b6b59666880b2ff1fa 992b723>.

67 jogadores – repensando um modelo de administração do futebol –, em um momento de efervescência popular pedindo pelo fim do regime ditatorial e, consequentemente, pela democracia, era de se esperar que o movimento da Democracia Corinthiana não ficasse restrito ao Parque São Jorge e foi o que aconteceu. Assim, nas palavras de Sócrates (2011)62 ao caracterizar a Democracia Corinthiana, os jogadores discutiam o país a partir da visão do futebol e com uma linguagem acessível. Pelo ponto de vista da administração e do processo de modernização que ocorreu no período entre 1981-1985, destaca-se a nacionalização do Corinthians, isto é, a marca Corinthians passa a ter preponderância nacional, o sociólogo José Paulo Florenzano (2011) e o jornalista Juca Kfouri (2011) definem essa mudança de rumos do Corinthians a partir do bom desempenho e resultados dentro de campo, fazendo com que, nas palavras de Florenzano, o Corinthians passa a ser o time do momento, a equipe da moda. Apoiado nesta nacionalização da marca corinthiana, o destaque da equipe em cenário nacional, o vice- presidente de marketing do clube na época, Washington Olivetto, busca se aproveitar dessa boa imagem estabelecida pelo time dentro de campo e, de acordo com o próprio Olivetto (2011), estabelece um projeto para que o Corinthians ganhasse visibilidade nas classes sociais mais abastadas, pois era onde estava os grandes investidores e anunciantes e, consequentemente, o capital para fazer o clube crescer ainda mais. Portanto, o projeto de modernização da administração do Corinthians, argumento chave de Waldemar Pires, também se referia na capacidade de desenvolvimento e negócios da marca Corinthians, isto é, a Democracia Corinthiana foi um movimento múltiplo, pois abrangeu a esfera política, social, classista e, além de tudo, econômica. Deste modo, Zenon (2011) destaca que o projeto da Democracia Corinthiana abrangia a parte política, demonstrando que os jogadores tinham noção da realidade em que estavam inseridos, além de entenderem que poderiam influenciar ou ao menos estabelecer o debate, a partir do uso de suas imagens, o pensamento político. Está percepção é corroborada por Wladimir (2018)63, pois de acordo com ele, o grupo jogadores do Corinthians era diferenciado visto que tinham consciência de suas cidadanias, tendo o entendimento que poderiam contribuir para a vida pública do país. Neste sentido, as primeiras manifestações públicas de cunho político da equipe do Corinthians acontece em 1982, quando a equipe

62 Documentário “Ser campeão é detalhe: Democracia Corinthiana – OFICIAL”. Disponível em: < https://www.youtube.com/watch?v=MNyRGt95cWw>. 63 Documentário “Democracia Corinthiana | Documentário”. Disponível em: .

68 entrou em campo, em partidas do campeonato paulista daquele ano, com camisas que tinham em suas costas a mensagem “Dia 15 vote”64, fazendo referência ao pleito para governadores estaduais que aconteceriam no dia 15 de novembro de 1982, consequência que fez parte do processo de abertura e redemocratização do Brasil, tendo em vista que a última eleição direta para governador estadual tinha acontecido em 1965. Assim sendo, a mensagem na camisa do clube paulista também tinha a intenção de lembrar ao cidadão paulista a importância de ir votar. Todavia, essa ação só foi possível graças à autorização dada pelo Conselho Nacional de Desportos (CND), alguns meses antes, que passou a aprovar a existência de patrocínios nas camisas dos times de futebol, o que expõe claramente a ligação da Democracia Corinthiana com o marketing, transformando-se em, também, um forte projeto publicitário. Por mais que tenha havido esforços da equipe de marketing em vender os espaços da camisa para anunciantes, a venda não aconteceu logo de início65, o que de acordo com Adilson Monteiro Alves (2018), essa dificuldade de encontrar anunciantes não foi exclusividade do Corinthians. Deste modo, após várias conversas sobre como seria aproveitado os espaços na camisa para patrocinadores, ainda segundo Adilson (2018), pensou-se e foi decidido em utilizar destes espaços para estampar mensagens66 de ordem política – suprapartidárias67 – em apoio ao processo de redemocratização do Brasil. O episódio das mensagens na camisa em alusão ao pleito de 1982 abriu espaço para outras manifestações políticas, o que de fato aconteceu, principalmente com o envolvimento dos jogadores com a campanha das “Diretas Já”, entre os anos de 1983 e 1984. Então, nas finais do campeonato paulista de 1983, mais uma vez enfrentando a equipe do São Paulo, os jogadores do Corinthians entraram em campo carregando uma grande faixa que estava escrito: “Ganhar ou perder mas sempre com democracia”68, lembrando que a primeira manifestação ocorrida na cidade de São Paulo em favor das eleições diretas aconteceu no dia 28/11/1983, o 1º jogo da final do campeonato acontece no dia 11/12/1983, ou seja, a

64 Grupo de jogadores com a camisa “Dia 15 vote”. Disponível em: http://2.bp.blogspot.com/- ObLxk8Atu0A/VeeAuSENQsI/AAAAAAAAAsI/Ck8nv3Xln0E/s1600/dia-15-vote.jpg>. 65 Segundo o jornalista Celso Unzelte (2018), os espaços da camisa só seria vendido nas finais do campeonato paulista, onde Corinthians e São Paulo entraram com anunciantes em seus uniformes. 66 Obviamente que a conjuntura da época leva o Corinthians a sofrer represálias e proibições por conta destas mensagens, de acordo com Juca Kfouri (2018), houve ameaças de punição ao Corinthians por parte do regime militar. 67 Semelhante à campanha das “Diretas Já” que produziu manifestações políticas suprapartidárias, tendo como única intenção pressionar o governo militar no processo de busca pela redemocratização do país. 68 Imagem da entrada em campo dos jogadores com a faixa. Disponível em: .

69 mensagem na faixa era de apoio não só a redemocratização do país, mas também em favor das diretas. Com a conquista do bicampeonato no jogo seguinte, os jogadores comemoraram o título com um modelo de uniforme diferente do que eles utilizaram em jogo, a camisa da comemoração tinha estampado em suas costas a marca da Democracia Corinthiana69, mais uma vez podemos perceber a clara relação entre o apoio às manifestações políticas e sociais além do projeto de publicidade, que faria bem para as economias do clube. As ações políticas corinthiana em favor das “Diretas Já” ganha mais destaque, assim como a própria campanha, no primeiro semestre do ano de 1984. Alguns dos líderes do movimento corinthiano passam a apoiar abertamente as manifestações populares, os mais destacados são: Sócrates, Casagrande e Wladimir70, todos eles sobem em palanques nos comícios da cidade de São Paulo além de usarem suas imagens, assim como tantas outras celebridades, em favor da campanha. Deste modo, podemos entender como as figuras famosas se inseriram no processo a partir de uma ótica em que:

“Os eventos por eleições diretas povoaram ruas, praças, casas, entre outros, de símbolos coletivos fortemente carregados de carga moral e emocional. Ao entoarem o hino nacional ao final das manifestações, ao se vestirem com a indumentária das diretas, ao pintarem suas casas com as cores da campanha (o verde e o amarelo), ao trazerem heróis nacionais (como Tiradentes), artistas, cantores, jogadores de futebol às ruas e praças, os participantes reivindicavam representar a “nação” e seu “centro sagrado” (que ali buscavam reinterpretar e reconstruir).” (BERTONCELO, 2009, p. 190)

Assim, “[...] observa-se um tom cada vez mais ritualístico, cerimonioso e sentimental, como parte de um roteiro cívico: a abertura, a presença de artistas com grande apelo popular, os discursos sucessivos [...]” (OLIVEIRA; MARINHO, 2012, p. 136) e para encerrar, todos os que participavam e testemunhavam os atos, cantavam o Hino Nacional vigorosamente. É nesta estrutura quase ritualística que os comícios assumem que se insere a imagem de Sócrates e sua contribuição para a campanha.

69 Sócrates cercado por jornalistas com a camisa comemorativa da Democracia Corinthiana. Disponível em: . 70 Imagem de Sócrates, Wladimir, Juca Kfouri, Osmar Santos e Adilson Monteiro em um dos palanques na campanha das Diretas Já. Disponível em: .

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Todo o esforço do fenômeno corinthiano em apoiar o movimento das Diretas Já tem seu apogeu no comício do dia 16 de abril de 1984, ou seja, na maior manifestação da campanha e da história do Brasil – até aquele momento – onde um dos líderes e principal astro da Democracia Corinthiana, Sócrates71, sobe ao palanque e assegura os milhares de pessoas reunidas na Praça da Sé que:

“’Se a emenda Dante de Oliveira for aprovada na Câmara e no Senado, não vou embora do meu país’. O locutor Osmar Santos ainda insistiu: ‘O que acontece se ela passar, doutor?’. E Sócrates, inflamado, muito aplaudido, aduziu: ‘Não vou embora do nosso (quase gritando) país.’ [...] ‘Se a emenda passar, não há dinheiro capaz de me tirar deste país. Nada pagará a alegria de poder partilhar as alegrias deste povo.’” (SÓCRATES, 1984, p. 25)

Podemos ver na página da Folha de S. Paulo reservada ao ato de Sócrates, a exaltação do jogador além de um olhar crítico sobre a estrutura do futebol, pois ao mesmo tempo em que admirava as atitudes de Sócrates, declarando o quão reacionário eram os cartolas do futebol e como desunidos era a classe de jogadores, ou seja, destaca não somente a luta de Sócrates pelo futebol, mas da Democracia Corinthiana como um todo. Não obstante, segundo o historiador Plínio Labriola (2011), Sócrates colocou em segundo plano seu projeto pessoal, dando prioridade ao projeto político nacional, o que é confirmado por Adilson Monteiro Alves (2018), o sociólogo e ex-dirigente do Corinthians admite que o jogador já estava negociado com a Fiorentina da Itália quando fez a promessa, todavia, pressupõe que se a emenda passasse, Sócrates cumpriria com a palavra e não deixaria o Corinthians. Neste ponto, o pensamento de Adilson é confirmado por Sócrates (2011), pois segundo ele, o único recurso que dispunha além das participações nas manifestações, que ele acreditava que poderia influenciar alguma coisa na votação era a promessa de permanência no Corinthians. Deste modo, o jogador admite que só saiu do Corinthians em 1984 por consequência da não aprovação da emenda Dante de Oliveira, assim como todo o povo brasileiro, Sócrates fica frustrado com o resultado da votação. Em vista disso, segundo o ex-jogador e integrante do movimento da Democracia Corinthiana, Zenon (2011) e pelo jornalista Juca Kfouri (2018), o movimento corinthiano tem

71 Imagem de Sócrates no palanque do comício em São Paulo. Disponível em: .

71 como o início do seu fim a não aprovação da emenda Dante de Oliveira e, consequentemente, a saída de Sócrates para a Fiorentina em 1984, o vice-campeonato paulista de 1984, que se o Corinthians o conquistasse, se consagraria tricampeão paulista – lembrando que o movimento se sustentava, muitas vezes, a partir dos bons resultados dentro de campo. Para encerrar de vez com a Democracia Corinthiana, as eleições presidenciais do clube acontecem no fim de 1984, o candidato da situação Adilson Monteiro Alves é derrotado por Roberto Pasqua, candidato da oposição. De acordo com Wladimir (2018), Pasqua formaria uma diretoria extremamente conservadora e contrária a todo o movimento estabelecido no clube no período de administração de Waldemar Pires e Adilson Monteiro Alves, essa nova gestão que se iniciaria em 1985 e iria até o ano de 1987, seria a encarregada de colocar fim a Democracia Corinthiana.

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5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O desenvolvimento do esporte profissional no Brasil está intimamente atrelado ao suporte estatal, isto é, desenvolve-se a partir de investimentos advindos da iniciativa pública, muito semelhante ao desenvolvimento da infraestrutura urbana e industrial do país, sendo que os investimentos oriundos da iniciativa privada complementares no processo. Deste modo, não raro podemos perceber que o esporte é instrumentalizado pelos governos de maneira que respalde as ações políticas e a contribuir na imagem da administração diante a população, ou seja, o esporte passa a ser utilizado como ferramenta política e ideológica. Nesse sentido, devemos lembrar-nos do ciclo dos grandes eventos-competições internacionais que o Brasil sediou, entre os anos de 2007 e 201672, e como estes episódios foram influenciados pelas conjunturas político, econômico e social do Brasil, além de como induziram as mesmas estruturas do país. Sendo assim uma via de mão dupla, onde a situação do país teve peso na escolha do Brasil para sediar esses eventos e como o contexto brasileiro foi modificado neste ciclo. Entre os anos de 2003 e 2012, o Brasil constatou um grande crescimento econômico, alcançando em 2011, o 6º lugar entre as maiores economias do planeta73, legando a nação brasileira um enorme otimismo sobre o desenvolvimento do país. Neste contexto de crescimento e otimismo acontece os Jogos Pan-Americanos de 2007, na cidade do Rio de Janeiro, com grandes investimentos para a realização dos jogos, é considerado um sucesso. No mesmo ano, o Brasil é escolhido como sede da Copa do Mundo FIFA de 2014 e, consequentemente, passa a ser sede do, até então, Copa das Confederações FIFA de 2013, evento-teste para o mundial realizado sempre no ano seguinte. Por fim, no ano de 2009 o Rio de Janeiro é escolhido à cidade-sede dos Jogos Olímpicos de 2016, ou seja, em um intervalo de quatro anos – 2013/2016 –, o país receberia três grandes eventos esportivos internacionais. Estes eventos serviriam como a imagem e porta de entrada do Brasil, em passos largos para o desenvolvimento, para o mundo, e os governos petistas utilizaram desses eventos e narrativas para fundamentar sua política internacional. Portanto, em 14 anos entre preparação e concretização destes eventos, o poder público instituiu uma política de investimentos de capital tanto na infraestrutura para receber

72 Jogos Pan-Americanos – 2007; Copa das Confederações – 2013; Copa do Mundo FIFA – 2014 e Jogos Olímpicos – 2016. 73 Lista disponível em: .

73 os jogos quanto na formação de atletas, pois seria necessário preparar os competidores para que o país tivesse grandes resultados. Estes investimentos atingiram o resultado esperado, pois o Brasil teve sua melhor participação em uma edição de Jogos Olímpicos, nas olimpíadas de 2016, no entanto, uma das maiores críticas dos atletas pós-ciclo é que os altos investimentos no esporte olímpico que aconteceram neste intervalo teriam sido diminuídos drasticamente após os jogos de 201674. Se a economia brasileira teve surto de crescimento nos dois governos de Luiz Inácio “Lula” da Silva, entre 2003 e 2010, não se pode dizer o mesmo dos governos sucessores de Lula. A partir de 2012, já nos governos de Dilma Roussef, o cenário econômico brasileiro passa a sofrer com instabilidades e, em consequência dos altos investimentos – alguns superfaturados75– na construção de estádios para a Copa do Mundo, instala-se no Brasil uma crise social e política que leva o povo às ruas, primeiramente em 2013 no período dos jogos da Copa das Confederações, também em 2014 e, para finalizar o ciclo dos eventos- competições, em 2016. Neste período de manifestações populares, houve rejeição em partes da sociedade mediante a estes eventos, manifestos dentro dos estádios contra a presidenta, casos de corrupção expostos, início de um período de recessão econômica e, por fim, o impedimento de Dilma Roussef no ano de 2016. Sendo assim, o esporte esteve envolvido em todo o processo político e social desencadeado no Brasil nos últimos anos, é interessante notar que a mudança de conjuntura do país, transformou as expectativas otimistas do povo transformou-se em um processo de desilusão com os eventos e, mais além, com as instituições políticas. Então, se no início os governos petistas utilizaram as competições de maneira a exaltar o crescimento econômico do país, culminou no processo de desgaste da imagem do partido no cenário político nacional. Recuando algumas décadas no tempo, outro caso de instrumentalização do esporte e, neste caso especificamente, do futebol pelo governo é o da criação do campeonato brasileiro de futebol, em 1971. O torneio nacional foi criado no governo militar do general Emílio Garrastazu Médici (1969-1974), com o intuito de impulsionar sua administração e de consolidar o regime militar. Este aparelhamento do futebol com o Estado no caso da criação do campeonato brasileiro não foi novidade nem para o regime militar, muito menos para o

74 Crítica dos atletas sobre o investimento no esporte olímpico. Disponível em: http://sportv.globo.com/site/programas/giro-sportv/noticia/2017/02/atletas-criticam-pouco-investimento-no- esporte-olimpico-ciclo-comeca-agora.html> e . 75 Estádios superfaturados para a Copa do Mundo de 2014. Disponível em: .

74 próprio Médici, que em 1970 teria influenciado nas decisões da CBD (órgão predecessor da CBF) no que diz respeito à seleção brasileira de futebol76, que se consagraria tricampeã mundial naquele ano. Deste modo, a CBD passou a ser uma das ferramentas do governo Médici, para cooperar no estabelecimento de uma boa imagem do governo e do regime. Portanto, o campeonato brasileiro foi idealizado a partir da narrativa de união nacional, no entanto seu principal objetivo era angariar votos para o partido ARENA, situacional, em regiões onde o MDB, partido de oposição consentida, começava a crescer em apoio. É neste contexto que se origina um dos jargões mais famosos da história do futebol brasileiro: “Onde o ARENA vai mal, mais um time nacional”, pois ao instrumentalizar a CBD e, consequentemente o futebol, o governo militar organizou juntamente com o órgão nacional, e desenvolveram uma estrutura clientelística77, onde era trocado os votos das regiões que o governo tinha interesse, por uma vaga no campeonato nacional. Este modelo de clientelismo vai ter como consequência, no fim da década de 1970, um campeonato brasileiro inflado, com um número elevadíssimo de clubes, o que levaria a uma diminuição do nível técnico da competição. Contudo, o futebol também proporcionou, em alguns casos, ações que colocariam em xeque a estrutura social, política e econômica, além do próprio arranjo paternalista, clientelista e coronelista do futebol, imposta aos jogadores. Neste sentido, devemos lembrar- nos dos embates dos clubes que representavam classes sociais diferentes – clubes da elite contra clubes proletários –, uma excelente metáfora que caracterizaria a luta de classes; Vasco e Bangu, os primeiros clubes brasileiros a aceitarem jogadores de futebol negros; e o emblemático caso de Afonsinho78, um dos temas sobre futebol mais debatido na academia, sendo o primeiro jogador do futebol brasileiro a conseguir o passe livre, por determinação do STJD, em 1971, depois de muita luta. Ainda que o contexto da ditadura militar brasileira o futebol funcione como mais uma instituição aparelhada pelo Estado para ser usada em seu benefício – com consentimento dos clubes –, o caso de Afonsinho e da Democracia Corinthiana não serão os únicos fenômenos de oposição produzida por este esporte no período. Todavia, para não alongar ainda mais estas considerações finais, destaco a ida dos jogadores do Atlético-MG, América- MG e do Cruzeiro – Reinaldo, Dario e Vitor, respectivamente – no comício em favor das

76 Sobre a interferência de Médici na CBD em 1970. Disponível em: < https://aventurasnahistoria.uol.com.br/noticias/reportagem/o-general-medici-e-a-copa-de-1970.phtml>. 77 Pode servir como tema para estudos futuros. 78 Entrevista com Afonsinho. Disponível em: < https://www.ludopedio.com.br/entrevistas/afonsinho/>.

75 eleições diretas em Belo Horizonte, os movimentos similares a Democracia Corinthiana desenvolvidos no Vasco e no Internacional, são alguns dos episódios que valem a pena serem citados. No que tange o momento atual do futebol brasileiro, não vem havendo muitas manifestações de cunho político ou ao menos que busquem opor-se a ordem vigente, mesmo apesar da decadência e precariedade do futebol nacional, com a seleção brasileira colecionando resultados ruins, grandes jogadores saindo cada vez mais cedo do futebol nacional, falta de estrutura em grande parte dos clubes, além das enormes dívidas dessas instituições e, não o bastante, com o alto escalão da CBF envolvido em escândalos de corrupção. No entanto, mesmo em momentos de escassez, destaca-se o movimento do Bom Senso F.C., movimento criado no ano de 2013 por alguns atletas de times das séries A e B do futebol nacional, que procurou pressionar a CBF para que algumas mudanças ocorressem na estrutura do futebol brasileiro, sendo a pauta o: “calendário do futebol nacional, férias dos atletas, período adequado de pré-temporada, fair-play financeiro e participação nos conselhos técnicos das entidades que regem o futebol nacional.” (SUZUKI, 2016)79, porém o movimento foi encerrado em 2016 pela falta de articulação dos atletas. Outros acontecimentos contestatórios que merecem destaque aconteceram no campeonato brasileiro deste ano, ressaltando a postura progressista do EC Bahia, onde seu técnico Roger Machado, após o jogo valido pela 25º rodada do campeonato contra o Fluminense, na coletiva de imprensa pós-jogo expôs e debateu o racismo e a inserção do negro na sociedade brasileira80. O Bahia também entrou em campo com uma camisa que protestava contra a crise das manchas de petróleo nas praias do nordeste81 e a equipe do Santos aderiu uma campanha contra o racismo, onde os números dos jogadores estampado nas costas estaria acompanhado com o símbolo da porcentagem, representando o racismo em inúmeros setores da sociedade82. Por fim, no jogo Vasco x São Paulo válido pela 16º rodada

79 Para saber mais sobre o Bom Senso FC. Disponível em: < https://www.lance.com.br/futebol- nacional/grupo-bom-senso-chega-fim-jogadores-nao-darao-mais-cara.html>. 80 Até aquele momento, entre os 20 clubes que disputavam o campeonato da série A, apenas o Bahia e o Fluminense contavam com técnicos negros. No fim do campeonato, os números sobem para três técnicos negros, pois o Corinthians termina o campeonato com o técnico interino Dyego Coelho. Vídeo da entrevista de Roger Machado, disponível em: < https://twitter.com/globoesportecom/status/1183213357291180033>. 81 Imagem com o modelo da camisa do Bahia, disponível em: < https://brasil.elpais.com/resizer/xseJuHcHVepvJZxIoCI6ApKL5kg=/768x0/smart/arc-anglerfish-eu-central-1- prod-prisa.s3.amazonaws.com/public/KWGSHHR3XHHMCO6NCLFBRX237Q.jpg>. 82 O Santos usou essa camisa no clássico contra o São Paulo no dia 16/11, coincidentemente o jogo teve a presença do atual presidente da República. Imagem da camisa, disponível em: < https://revistaforum.com.br/wp- content/uploads/2019/11/santos-racismo2-e1573933008703.jpg>.

76 do torneio, ficou marcado pela primeira paralisação, na história do Brasileirão, de jogo pelo arbitro, após gritos de homofóbicos vindo das arquibancadas. Desta maneira, podemos perceber como o esporte e, principalmente, o futebol é um fenômeno social, político e econômico que é capaz de contribuir para que possamos compreender a sociedade brasileira em toda a sua complexidade e variedade. Assim, define-se a Democracia Corinthiana como uma das várias expressões desenvolvidas no contexto geral da redemocratização pós-anistia, e da atividade de seus líderes no campo esportivo, social e da política nacional a partir das necessidades imediatas do clube e da conjuntura social e político da nação brasileira.

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FONTES

A DEMOCRACIA Corinthiana continua. Folha de São Paulo, São Paulo, 30 de março de 1983, p. 1. Disponível em: .

AGORA é o Corinthians que quer melar o campeonato. Folha de São Paulo, São Paulo, 20 de outubro de 1984, p. 23. Disponível em: < https://acervo.folha.com.br/leitor.do?numero=8931&anchor=4216330&origem=busca&pd=d 193dbca839c163d5c99e1207e4e8810>.

A NAÇÃO frustrada. Folha de São Paulo, São Paulo, 26 de abril de 1984, p. 1. Disponível em: < https://acervo.folha.com.br/compartilhar.do?numero=8754&anchor=4183048&pd=0b571e6b 6b59666880b2ff1fa992b723>.

A NAÇÃO não pode ser vencida. Folha de São Paulo, São Paulo, 17 de abril de 1984, p. 7. Disponível em: < https://acervo.folha.com.br/leitor.do?numero=8745&anchor=4180461&origem=busca&pd=3 62f9a2ac9d0b2755bd6acab7858c5f2>.

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BRIZOLA e Tancredo comentam entusiasmados. Folha de São Paulo, São Paulo, 17 de abril de 1984, p. 7. Disponível em: < https://acervo.folha.com.br/leitor.do?numero=8745&anchor=4180461&origem=busca&pd=3 62f9a2ac9d0b2755bd6acab7858c5f2>.

CENA do filme 'Democracia em preto e branco'. Disponível em: .

COM a camisa da Democracia Corintiana e ao lado de Casagrande, Doutor Sócrates realiza gesto habitual após conquista do título de campeão paulista em 1983. Folha de São Paulo, F5 – Galeria de fotos. Disponível em: .

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CORINTHIANS em Campinas, sob protestos. Folha de São Paulo, São Paulo, 21 de julho de 1983, p. 24. Disponível em: < https://acervo.folha.com.br/compartilhar.do?numero=8474&anchor=4197820&pd=a3c50df6b a39a0cdd1d4f7b74d855914>.

DEMOCRACIA Corinthiana | Documentário. Edição de Gustavo Saad. Realização de Corinthians TV. São Paulo, 2018. Disponível em: < https://www.youtube.com/watch?v=lbgyHs1PsJI>.

DEMOCRACIA em preto e branco. Direção de Pedro Asbeg. São Paulo, 2014. Disponível em: < https://www.youtube.com/watch?v=sxQ-6wxN308>.

DEPOIS da praça. Folha de São Paulo, São Paulo, 26 de janeiro de 1984, p. 2. Disponível em: < https://acervo.folha.com.br/leitor.do?numero=8663&anchor=4314718&origem=busca&pd=f2 1f85a5baa5b51cc4834608bcb76f4c>.

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GRUPO de jogadores com a camisa “Dia 15 vote”. Disponível em: http://2.bp.blogspot.com/- ObLxk8Atu0A/VeeAuSENQsI/AAAAAAAAAsI/Ck8nv3Xln0E/s1600/dia-15-vote.jpg>.

IMAGEM da entrada em campo dos jogadores com a faixa. Disponível em: .

IMAGEM de Sócrates no palanque do comício em São Paulo. Disponível em: .

IMAGEM de Sócrates, Wladimir, Juca Kfouri, Osmar Santos e Adilson Monteiro em um dos palanques na campanha das Diretas Já. Disponível em:

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