Manuel De Arriaga – Contributo Para a Difusão Das Ideias Republicanas Em Portugal
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MA N U E L D E ARRIAGA – CO N TRIBUTO PARA A DIFUSÃO DAS ID E IAS R E PUBLICA N AS E M PORTUGAL JOA N A GASPAR D E FR E ITAS Freitas, J. G. (2010), Manuel de Arriaga – Contributo para a difusão das ideias republicanas em Portugal. Boletim do Núcleo Cultural da Horta, 19: 123-134. Sumário: Manuel de Arriaga, advogado, deputado, Presidente da República, teve um percurso intelectual e político ímpar, no qual se destacou o seu empenho na difusão das ideias repu- blicanas junto das camadas populares. Neste artigo, procuraremos recordar o seu papel na fundação do Partido Republicano Português, a sua activa participação nas acções de propaganda e a sua actividade como deputado republicano. Analisaremos o seu pensamento e a sua actuação no contexto nacional de finais do século XIX/princípios do século XX, período marcado pela contestação à ordem vigente, pela busca de soluções e pela fé quase absoluta nas capacidades ilimitadas duma República mitificada. Freitas, J. G. (2010), Manuel de Arriaga – Contribution for the diffusion of republican ideas in Portugal. Boletim do Núcleo Cultural da Horta, 19: 123-134. Summary: Manuel de Arriaga, lawyer, parliamentary and President of the Republic, had a unique intellectual and political path, in which stands out his dedication to the diffusion of republican ideas among the general population. In this article, we intend to study the under- takings of a man who played a relevant role on the foundation of the Portuguese Republican Party, who actively participated in the party’s propaganda campaigns and who was one of the first republican parliamentarians. We will simultaneously try to analyse his thought and his actions towards the national context of late XIX/beginning of the XX century, a period shook by the rising opposition to the established order, the seeking of solutions and by the faith in the unlimited capabilities of a mystified republic. Palavras-chave: República, política, ética, propaganda, utopia Key-words: Republic, politics, ethics, propaganda, utopia. IN TRODUÇÃO Manuel de Arriaga tem sido geral- das funções de primeiro Presidente mente recordado pelo desempenho da República Portuguesa. Contudo, 124 Boletim do Núcleo Cultural da Horta os tempos áureos da sua carreira polí- cia da vida de cada um constituía a tica foram aqueles que antecederam melhor garantia do seu carácter. Os os acontecimentos de Outubro de trabalhos que empreendeu em prol 1910, esse período conhecido como do Partido Republicano Português, o “tempo da propaganda”, onde con- a sua dedicação à causa republicana, quistou o prestígio e o renome que a determinação em levar a fé demo- justificariam aliás que fosse esco- crática aos mais humildes, partici- lhido pelos seus pares para a mais alta pando em comícios e promovendo magistratura da Nação. Dotado de conferências e sessões de debate, o um espírito ecléctico e de uma men- seu carácter impoluto e a sua atitude talidade aberta e receptiva às novas de verticalidade moral, valeram-lhe o ideias que vinham de além-fronteiras, reconhecimento dos seus companhei- Manuel de Arriaga construiu o seu ros de luta e fizeram dele uma figura pensamento com base nas influências de consenso dentro do partido. Amado ideológicas do seu tempo. Regido por pela multidão, que acorria às sessões um rigoroso código de conduta moral públicas em que discursava para o e ética, o seu percurso intelectual e ouvir e aplaudir, Manuel de Arriaga político notabilizou-se pela estreita foi um dos principais divulgadores do aliança entre pensamento e acção, ideário republicano durante a Monar- ilustrando com o seu exemplo um quia Constitucional. princípio lhe que era caro: a coerên- O P en SAM en TO QU E en FORMA A ACÇÃO O E CL E CTISMO I N T E L E CTUAL Manuel de Arriaga despontou intelec- bebendo aqui e ali, nas doutrinas dos tualmente no húmus fértil do conví- autores que marcaram a sua época – vio estudantil proporcionado pela fre- Michelet, Quinet, Proudhon, Krause, quência da Universidade de Coimbra. Comte, Littré, Spencer, Renan e mui- Ali se alimentou das teorias e con- tos outros. A partir de uma amálgama cepções sobre o Mundo e o Homem de ideias liberais, democráticas, so- que enformariam o seu ideário, cons- cialistas, positivistas, federalistas e truído ao longo da sua existência e religiosas, pensou o mundo de uma explanado nas suas obras. Espírito forma bela, justa e boa, acreditando aberto e tolerante, Manuel de Arriaga que um dia a utopia seria realidade, elaborou a sua teoria político-social que a miséria e a ignorância seriam Joana Gaspar de Freitas 125 para o homem ridente do futuro não (ARRIAGA , 1911: 8). Mas, como de- mais do que males passados há muito mocrata reconhecia também que a esquecidos. Perante os progressos da autoridade derivava do maior número civilização humana e as conquistas de razões e por conseguinte que o da Ciência no domínio do conheci- indivíduo se devia submeter à von- mento das leis da Vida e da Natureza, tade da maioria. Na fórmula política Arriaga mostrava-se convicto da pro- de Spencer encontrou o modo de gressão gradual da humanidade no conciliar os princípios do liberalismo sentido do seu aperfeiçoamento até (o primado do indivíduo) com os atingir uma etapa final e redentora, ideais da democracia (a afirmação do que se consubstanciaria na realização colectivo). Concebendo a sociedade das aspirações individuais e colecti- à maneira organicista daquele posi- vas do Homem, na resolução dos pro- tivista inglês, Arriaga imaginava que blemas sociais e na formação de uma dentro de cada Estado, os indivíduos, comunidade de proporções ecumé- as famílias, as comunas e as provín- nicas, sob a forma de uma federação cias, actuavam como os órgãos do de todos os povos da Terra. corpo humano, de modo autónomo, À semelhança de tantos outros da sua mas unidos entre si pelo concurso, geração, Manuel de Arriaga tinha mútuo auxílio e solidariedade, de como bandeira política o lema da acordo com as leis da organização. Revolução Francesa – Liberdade, Estas asseguravam o equilíbrio pro- Igualdade e Fraternidade. A sua for- porcional entre o Direito (ou força mação jurídica determinou uma con- social que garantia a lei do egoísmo, vicção profunda na força do Direito inerente ao desenvolvimento de cada e da Lei: influenciado pelas concep- ser) e o Dever (baseado na recíproca ções do iluminismo francês, Arriaga dependência dos indivíduos entre si reconhecia a existência de direitos que os solidarizava a todos), sob a naturais, inerentes à condição humana, tutela da Justiça, que velava para que que cabia ao Estado proteger, através o maior bem de todos fosse o maior da manutenção da vontade impessoal bem de cada um e não apenas o maior da Lei, a quem todos obedeciam, tor- bem do maior número (ME SQUITA , nando-se por isso livres e iguais. Para 2004: IV, II 167). ele o mais sagrado desses direitos era Sob o auspício da filosofia das Luzes o da liberdade individual – «para eu considerava-se então que todos os ser verdadeiramente livre, e como homens porque dotados de Razão tal soberano, careço de ser intan- e espírito crítico eram passíveis de gível na minha integridade pessoal» compreender os assuntos do Estado, 126 Boletim do Núcleo Cultural da Horta possuindo a capacidade de reflectir tração do Estado com o seu trabalho e agir ponderadamente em matéria e de intervir na feitura das leis e no política (GRO E T H UYS en , 1982: 205). pagamento das despesas públicas. Abriam-se, assim, as portas para Esta obrigação cívica resultava da sua a intervenção de qualquer cidadão dívida para com a sociedade que ofe- nas questões públicas. Manuel de recia a todos os benefícios da civiliza- Arriaga, partilhando desta convicção ção para satisfação das necessidades e influenciado pelo positivismo, ia pessoais, exigindo do cidadão, numa mais longe e opinava que o homem lógica de interdependência recíproca, tinha não só o direito, mas também o seu contributo para o bem comum. o dever de concorrer para a adminis- A QU E STÃO DO R E GIM E Quanto à questão do regime, Manuel velho tribuno a República era a solu- de Arriaga afirmava-se como «homem ção que melhor se coadunava com a de futuro, democrata convicto e repu- sua índole romântica e idealista, en- blicano intransigente» (ARRIAGA , tendendo-a como consequência ine- 1884: 1624). Tomando as novas gera- vitável da supremacia da razão, da ções como interlocutores, por consi- ciência, do direito, sobre os abusos, derar que compreenderiam melhor os os preconceitos, os privilégios e as seus princípios do que os seus con- desigualdades mantidas pela monar- temporâneos, anunciava a sua crença quia constitucional. na democracia pura, fórmula política Possuindo uma concepção optimista de raiz moral e ética, entendida como do evoluir histórico, Arriaga conside- um ideal para reger a vida dos homens rava ter chegado o momento de alterar e dos povos, expurgando a sociedade o rumo que levara o povo português a de todos os males e introduzindo nela decaír gradualmente no conceito dos a harmonia resultante da concretiza- demais povos, sendo tempo de Portu- ção efectiva da igualdade e fraterni- gal retomar o seu lugar cimeiro entre dade entre os cidadãos. Assim sendo, as nações civilizadas. Essa viragem o seu republicanismo definia-se por profunda dar-se-ia com a implanta- uma aspiração utópica de constitui- ção da República, já que este novo ção de uma sociedade justa, que regime, especialmente vocacionado seria alcançada de forma messiânica para assumir a vontade colectiva da por via de um regime republicano e nação, trazia no seu cerne um pro- democrático (PIR E S , 2004: 36). Para o jecto de salvação da pátria e de revi- Joana Gaspar de Freitas 127 vificação do ânimo nacional.