Do Romance De Rachel De Queiroz À Minissérie De Televisão
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA CENTRO DE COMUNICAÇÃO E EXPRESSÃO CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LITERATURA Dissertação de Mestrado em Teoria Literária apresentada para aprovação ao Programa de Pós-graduação em Literatura. Mestrando: Ivo Renato D’Ávila França Orientadora: Dr.ª Odília Carreirão Ortiga MARÇO - 2005 1 Memorial de Maria Moura em dupla poética de olhar: do romance de Rachel de Queiroz à minissérie de televisão A sorte minha foi que, mesmo debaixo daquele medo, eu não fiquei sem ação e resolvi me defender. Nas mãos dele eu já estava, e para não ter a sorte de Mãe, tinha que atacar, antes que fosse tarde. Era ou ele, ou eu. Maria Moura 2 Agradeço, em especial, à Dr.ª Odília Carreirão Ortiga a sensibilidade que me proporcionou esta realização de vida e a perseverança e competência na busca de um resultado de qualidade para este estudo. 3 RESUMO O presente estudo tem como objeto uma manifestação particular de intertextualidade que se faz pela transposição de um sistema de linguagem característico da expressão literária, um romance, para outro característico da expressão televisual, uma minissérie de televisão. Assim, o corpus da pesquisa e das leituras procedidas configura duas matérias de substancial diferença: uma é produto de uma arte que se utiliza da palavra, e a outra, de imagens e sons. Para perfazer esse corpus, esta dissertação procede a um duplo olhar sobre a narrativa de Memorial de Maria Moura, o romance e sua adaptação para a televisão, revestindo de três faces o objeto de estudo: o texto original, de Rachel de Queiroz; o roteiro de adaptação, de Jorge Furtado e Carlos Gerbase; e a produção televisual, da Rede Globo de Televisão, em recorte da performance da personagem Maria Moura. Essa dupla vertente de leitura aborda, primeiro, o processo de adaptação do romance ao roteiro e, depois, o recorte da construção da personagem no romance e na minissérie. Como etapas da tarefa de cumprir esse objetivo geral, este estudo assume na qualidade de objetivos complementares a leitura do romance e sua contextualização, em relação aos demais romances da escritora, e à historiografia e à crítica literárias brasileiras; leitura do roteiro de adaptação; fundamentação teórica da adaptação referida e contextualização da teleficção na televisão brasileira; e as leituras da construção da personagem Maria Moura, no romance, e da performance, na televisão, de acordo com a versão apresentada pela emissora em 94. Entre os resultados obtidos a partir da pesquisa e das leituras realizadas, esta dissertação considera que a transposição de linguagem do romance à minissérie justifica a rubrica adaptação, ainda que estabeleça ora aproximações, ora distanciamentos entre as duas obras, os quais são objeto de leitura conclusiva. 4 ABSTRACT The following study has as its object study a peculiar manifestation of intertextuality that is done by the conversion of a characteristic language system of the literary expression, a romance, into a television miniseries. The corpus of the research configure two matters of substantial difference: one is product of an art that makes use of the word itself, and the other, of images and sounds. For the purpose of doing that, this dissertation proceeds to a double look at the narrative of Memorial de Maria Moura, the romance and its adaptation for the television, covering the original text, by Rachel de Queiroz; the adaptation screenplay, by Jorge Furtado and Carlos Gerbase; and the television production, by Rede Globo de Televisão, focusing on the character of Maria Moura. These two readings approach, first of all, the adaptation process of the romance into a screenplay and, then, the character's construction in the romance and in the miniseries. The task of accomplishing that general aim, also includes the complementary objectives of the reading of the romance and its contextualization in relation to the writer's other romances, and the historiography and Brazilian literary criticism; the reading of the adaptation screenplay; a theoretical grounding of the referred adaptation and a contextualization of the “telefiction” in the Brazilian television; and the readings about the construction of the character's Maria Moura, in the romance, and on the screenplay performance, in television, in agreement with the version presented by the broadcasting station in 94. Among the results obtained from the research and the accomplished readings, this dissertation considers that the language conversion of the romance into the miniseries justifies the adaptation although it establishes similarities and differences among the two works. 5 SUMÁRIO 1 Prólogo: intencionalidade, referência teórica e modo de fazer .....................6 2 Rachel de Queiroz – o entrelaçar de vida, ficção e ideologia ....................26 3 A construção de Memorial de Maria Moura, leitura do romance .............51 4 A ficção televisual no Brasil e o recurso da adaptação: um trajeto de intertextualidades ...................................................................70 5 A construção de Memorial de Maria Moura, leitura do roteiro da minissérie .....................................................................95 6 Um duplo olhar sobre Maria Moura: pontos e contrapontos da construção da personagem no romance e da performance na televisão ....125 7 À guisa de leitura conclusiva: aproximações e distanciamentos ...........168 8 Referências bibliográficas .......................................................................194 6 1 Prólogo: intencionalidade, referência teórica e modo de fazer A relação de intertextualidade estabelecida entre a expressão literária e a expressão audiovisual – inclusos o cinema, a televisão e a Internet, caracteriza-se como importante elemento constituinte e determinante dos processos de desenvolvimento e dos destinos da narrativa e do discurso humanos, sobremaneira se observada das óticas de contexto da cultura e da comunicação de massa e da indústria cultural. Mesmo na remota hegemonia das expressões oral e escrita sobre as demais manifestações da expressão humana, quando a palavra falada ou grafada configurava-se de maneira inquestionável como uma das poucas e a mais valorizada entre as formas de extensão objetiva do homem, na origem dessa fala e dessa grafia, esteve sempre o pensamento, que, resultado da percepção e sensibilidade dos sentidos humanos, tem na visão o seu principal canal de recepção do mundo exterior, e, por isso mesmo, se organiza em imagens e a partir de imagens, que se movimentam numa espécie de silenciosa sonoridade em um plasmado estado de contínuo imaginário. Na comunicação oral, essas imagens traduzidas em sons formulam a palavra falada, que, ao ser transposta para a comunicação escrita, é transmudada na significação grafada da forma sonora com que a fala traduz o pensamento. No contexto da cultura de massa, mais especificamente no cinema e na televisão, a comunicação privilegia a imagem como principal extensão da expressão humana, tendo como diferencial em relação ao pensamento a audível 7 sonoridade da palavra falada. Seja na espécie de silenciosa sonoridade do pensamento, seja na audível sonoridade da palavra falada dos meios de comunicação de massa, como nas expressões oral e escrita, co-subsistem o discurso e a forma narrativa sobre a qual são organizadas as imagens e suas traduções implicadas pela especificidade desses sistemas de linguagem de natureza e organização distintas. Se observadas as trajetórias de desenvolvimento das expressões literária, fílmica e televisual,1 verifica-se que não é difícil identificar as interferências, implicações, influências e contribuições mútuas geradas entre essas formas de comunicação humana. É natural que em função da sua solidez de gênero narrativo secular – remissível aos finais do século XV, na hipótese menos polêmica, se tivermos em vista o romance – a expressão literária tenha tido reconhecida por primeiro sua influência sobre os modos de construção do discurso e da narrativa no cinema. Por outro lado, é crescente a tendência de estudos que buscam identificar as implicações da expressão fílmica e audiovisual em geral na expressão literária, estabelecendo uma linha de influências diretas no ir e vir da reorganização de linguagens de um processo de migração de conteúdos e significados, por vezes em sentidos inversos, mas na mesma e sempre única direção de fingir ou imitar a vida como formas possíveis de representar a realidade. A presente dissertação tem como objeto de estudo uma manifestação particular de reorganização de linguagens orientada para transpor significações de um tipo de expressão em outro, com foco específico na migração de significados entre um sistema de linguagem característico da expressão literária para outro característico da expressão televisual. A 1 Embora seja também de uso corrente o vocábulo televisivo para caracterizar obras expressas e construídas a partir da linguagem do meio de comunicação televisão, opta-se neste estudo pela utilização da palavra televisual como decorrência da observação do jornalista e escritor Décio Pignatari, a qual parece assaz pertinente, de que “‘televisivo’ é um italianismo dispensável, ainda mais que nasce de um erro de tradução. Foram de Umberto Eco os primeiros ensaios sobre televisão traduzidos para a nossa língua. Em italiano, assim como se fala em arti visive, fala-se em linguaggio televisivo. Ora, se temos ‘artes visuais’ ou ‘recursos audiovisuais’ – e não ‘artes visivas’ ou ‘recursos audiovisivos’ – por que diabo haveríamos de falar e escrever ‘linguagem televisiva’?