FACULDADE DE LETRAS UNIVERSIDADE DO PORTO

Rita Rodrigues Saraiva

2º Ciclo de Estudos - Mestrado em Arqueologia

Povoamento Proto-Histórico e Romano no Território dos Atuais Concelhos de Gouveia e Seia – Distrito da Guarda

2013

Orientador: Prof. Doutor Carlos Alberto Brochado de Almeida

Classificação: Ciclo de estudos:

Dissertação:

Versão definitiva

Povoamento Proto-Histórico e Romano no Território dos Atuais Concelhos de Gouveia e Seia – Distrito da Guarda

Índice

Agradecimentos………………………………………………………………………….4

Resumo ………………………………………………………………………………….6

Abstrat…………………………………………………………………………………...7

1. Introdução………………………………………………………………………..8

2. Resenha Historiográfica………………………………………………………..11

3. Território: Aspetos Geomorfológicos…………………………………………..16

3.1. Clima……………………………………………………………….17

3.2. Geologia……………………………………………………………18

3.3. Relevo……………………………………………………………...19

3.4 Solos e Vegetação…………………………………………………..20

3.5. Hidrografia…………………………………………………………22

3.6 Recursos…………………………………………………………….23

3.7 Características Agropecuárias………………………………………24

4. Antecedentes: O Povoamento Pré-Histórico…………………………………...26

4.1. Arte Rupestre………………………………………………………26

4.2. Megalitismo………………………………………………………..28

4.3. Idade do Bronze……………………………………………………29

5. Povoamento Proto-Histórico…………………………………………………...32

5.1. Sítios de Implantação………………………………………………34

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5.2. Tipo de Sítios………………………………………………………40

5.3. Recursos e Tipo de Exploração…………………………………….46

6. Povoamento Romano…………………………………………………………...50

6.1. Sítios de Implantação………………………………………………51

6.2 Tipologia de Estruturas……………………………………………..57

6.3 Recursos e Atividades Desenvolvidas……………………………...63

7. Povoamento na Transição para a Alta Idade Média……………………………67

7.1 Sítios de Implantação……………………………………………….68

7.2 Tipologia das Ocupações…………………………………………...71

8. Rede Viária……………………………………………………………………..74

9. Toponímia………………………………………………………………………77

10. Considerações Finais…………………………………………………………...80

Bibliografia……………………………………………………………………………..84

Anexos………………………………………………………………………………….92

Parte I: Catálogo de Sítios Arqueológicos……………………………...93

Parte II: Cartografia…………………………………………………...123

Parte III: Estampas…………………………………………………….130

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Agradecimentos

Ao longo do percurso trilhado na realização da investigação que aqui apresentamos, contámos com a importante e essencial ajuda de pessoas singulares e instituições, que de forma substancial contribuíram para atingir os objetivos a que nos propusemos.

Em primeiro lugar, reconheço e demonstro a minha profunda e sincera gratidão ao Professor Doutor Carlos Alberto Brochado de Almeida, professor do Mestrado de Arqueologia e orientador deste trabalho. Foi com as suas sábias palavras que muitas vezes combatemos as inseguranças e limitações com que nos defrontámos, durante a realização da nossa investigação. Ao Professor Brochado de Almeida, o meu muito obrigada.

De uma forma geral, agradeço a todos os professores do Mestrado de Arqueologia da Faculdade de Letras – UP, designadamente a diretora do mestrado Professora Doutora Teresa Soeiro. A todos bem-haja, pelos ensinamentos e influências académicas durante todo o percurso realizado, que muito cooperaram na construção do “profissional/investigador”, especificamente: O Arqueólogo.

Um agradecimento particular à Professora Doutora Laura Soares, docente da cadeira de SIG – Sistemas de Informação Geográfica, que com a sua pronta disponibilidade, os seus preciosos ensinamentos e colaboração, podemos executar a cartografia integrante neste trabalho. À Professora Laura Soares, muito obrigada.

A todas as instituições que de uma forma acessível e prestável, se disponibilizaram com os meios possíveis, a colaborar na nossa investigação, designadamente as bibliotecas dos municípios alvo do nosso estudo - Seia e Gouveia, o CISE – Centro de Interpretação da e o PNSE - Parque Natural da Serra da Estrela. A todos eles, muito obrigada pela colaboração.

Um sincero agradecimento à professora Maria dos Anjos Poeira, minha antiga professora do ensino secundário, que também partilha do gosto da Arqueologia, com quem também contámos para algumas considerações e estímulo para a nossa pesquisa. Disponibilizou-nos o seu trabalho monográfico sobre a aldeia de Pinhanços, que

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também ele, constituiu um elemento importante para as considerações realizadas sobre o território. Muito obrigada, professora “Manjos”.

Ao Dr. Rui Gouveia, muito obrigada pela tradução do resumo deste trabalho, cuja lacuna em relação ao domínio da língua inglesa preencheu.

Ana Santos, minha amiga e companheira de sempre, com quem já partilhei adversidades, mas principalmente celebrámos muitas conquistas. Sempre contei com as sensatas palavras de incentivo e motivação, assim como a sua companhia e colaboração no levantamento e registo das gravuras rupestres realizado. Muito obrigada pela sua amizade e importante contributo.

A todos os populares das localidades que visitámos, cujos seus ensinamentos e reflexões permitiram a fundamental localização e visita de muitos dos sítios analisados na nossa investigação. Sem o seu contributo e disponibilidade este trabalho estaria substancialmente mais pobre. Um bem-haja a todos.

Ao meu irmão Daniel, agradeço todo o apoio e principalmente as cansativas visitas e prospeções de campo, em que me acompanhou e protegeu dos riscos da montanha. A ele, meu eterno companheiro, muito obrigada.

Assim como a metáfora “copo meio vazio ou meio cheio?”, os últimos serão sempre os primeiros e os essenciais, depende fundamentalmente da perspetiva de análise. Agradeço aos meus pais, eles que com a sua educação e conselhos fizeram de mim a pessoa que sou e principalmente tornaram esta realidade possível, por todo o contributo económico, material e especialmente todo o apoio e estímulo nos momentos bons e menos bons, da etapa que agora finalizo. A eles, muito obrigada por tudo.

Por último, focalizo algumas palavras para todos que de uma forma geral contribuíram e se disponibilizaram para que este trabalho pudesse ser uma realidade. Familiares, amigos e colegas de curso que tantas vezes apoiaram e incentivaram a concretização desta investigação. A todos, bem-haja.

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Resumo

A zona geográfica circunscrita que abrange este trabalho de investigação encontra-se exígua de pesquisa e trabalhos arqueológicos. Ambiciona-se clarificar a ocupação, no que respeita ao povoamento do território dos atuais concelhos de Gouveia e Seia, no período cronológico da Proto-História e Romanização, de forma a contribuir para uma atualização da investigação realizada e procurando novos pontos a desenvolver.

Orientada por um fio condutor sequencial de natureza cronológica, a investigação realizada conta com o contributo da toponímia, análise cartográfica, monografias e resenhas locais para o conhecimento de toda uma realidade patrimonial existente ao longo do território em estudo.

Os atuais concelhos de Gouveia e Seia encontravam-se no período da Romanização na área da designada província da Lusitânia. Segundo vários investigadores citados ao longo deste trabalho, este local era ocupado por vários povos designados de populi , que formavam o conjunto sociológico designado: Os Lusitanos.

Correlação das temáticas de ordem social, como a circulação de pessoas e bens através da rede viária e, por outro lado, de ordem geográfica no que respeita a locais propícios à fixação da população pelas suas características culturais e naturais, que permitem uma análise geográfica a este nível e a resposta a questões como: “De que forma habitou?” e “Porque habitou?”.

Palavras-chave:

Proto-História; Romanização; Lusitânia; Paisagem; Toponímia; Povoamento; População

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Abstract

The geographical area over which focuses this research work, is scarce in archaeological work. Aims to clarify the occupation with regard to the settlement of the territory of the present counties of Gouveia and Seia, in the chronological period of the Proto-History and Romanization, in order to contribute to an update of the investigation, looking for new spots of developing.

Guided by a sequential conducting wire of chronological nature, the research realized has the contribution of toponymy, cartographic analysis, monographs and local reviews, to the knowledge of a whole existing heritage reality throughout the area under study.

The current counties of Gouveia and Seia were in the period of Romanization, in the area designated by province of Lusitania. According to several researchers cited throughout this work, these places were occupied by several people designated "populi", which formed a whole set, sociologically called as the Lusitanians.

The correlation of social themes, such as the movement of people and goods through the roads, and on the other hand, of geographical locations propitious to the population settlement, by their natural and cultural characteristics, allows a geographic analysis at this level and answer questions like: "how they dwelt?" and "why they dwelt?"

Keywords: Proto-History; Romanization; Lusitania; Landscape; Toponymy; Settlement; Population.

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1. Introdução

A região da Serra da Estrela por todas as características naturais e humanas distintas é uma zona da Beira Alta, cuja atenção dos investigadores pouco se tem notado. Estudar o povoamento do período compreendido do Iº milénio a.C. até ao século VIII d.C., cujo fenómeno da romanização se apoderou de muitos aglomerados, tornou-se uma temática na verdade audaz cujo resultado esperamos desenvolver ao longo desta dissertação. Quando em Setembro de 2011 iniciámos todo um percurso que culminaria na realização deste trabalho, não nos passaria pela lembrança abraçar uma temática tão própria e importante para uma região, onde se situa o ponto mais alto de Continental, designadamente os territórios administrativos dos concelhos de Seia e Gouveia, limites considerados para a investigação. A intrínseca ligação à terra e as palavras sábias do orientador deste trabalho, o Professor Doutor Carlos Alberto Brochado de Almeida, na sequência de adversidades decorrentes de outras lutas, foram os motivos principais para a escolha da temática que aqui abordamos. Caracterizada por uma exígua de pesquisa e poucos trabalhos arqueológicos, a área de estudo mostra-se então para a nossa investigação, como um enigma pronto a ser desvendado, em que com a organização de todo um conjunto de pistas ambicionamos obter um resultado coerente para a construção da história do Passado da região, no período da Proto-História e Romanização. Um estudo sobre o povoamento, que consideramos mais um inventário dos dados existentes, dado o período disponível para o desenvolvimento do nosso trabalho, que pudesse envolver a zona do Alto Mondego, nomeadamente a “Plataforma da Beira Alta” sobre a qual se desfralda a montanha serrana, optamos pelos limites administrativos dos concelhos de Seia e Gouveia, dos quais fazem parte as zonas de maior e menor altitude do noroeste do conjunto montanhoso, e onde se encontram as nascentes dos dois rios principais, o Mondego e o Alva. A nossa abordagem a nível do território, embora envolva a área de dois concelhos, incidirá, no que respeita a clarificar vestígios arqueológicos, na zona concernente ao concelho de Seia, cuja análise preliminar já demostrou que esta é, de certa forma, díspar da realidade no que respeita à atividade arqueológica do concelho de Gouveia. Entendemos os dados do concelho de Gouveia, uma vez que possui mais |8

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referências bibliográficas, como um padrão de paralelismo com a realidade ainda não esclarecida do concelho de Seia. Estes dados embora obscuros de evidências arqueológicas, entendemos correlacioná-los, dada a área que este estudo abrange não ser muito extensa e as realidades serem semelhantes, quer do ponto de vista cronológico quer do ponto de vista morfotipológico. Ainda que desafiante o estudo que iniciamos, pela genuinidade arqueológica da área, sabemos à priori que este se irá revelar em alguns momentos frustrante até mesmo desmotivante pelas poucas evidências arqueológicas de que dispomos, nomeadamente no concelho de Seia. A procura de sítios arqueológicos, paralelos à realidade já testemunhada e estudada no concelho de Gouveia, será uma das tarefas principais deste trabalho, de forma a construir uma interpretação a nível local, com um enquadramento à escala regional. Recolha bibliográfica de todos os elementos e recursos, cuja informação por mais singela e descabida de carácter científico, como é o caso de muitas das monografias locais ou indicações populares, irá ser o ponto de partida para o esclarecer da viabilidade arqueológica de muitos locais que indicaremos mais à frente. Se pela leitura dos resultados de Martins Sarmento, a quando da sua visita no âmbito da Expedição Cientifica à Serra da Estrela, desenvolvida pela Sociedade de Geografia de Lisboa, esperamos encontrar alento para iniciar o nosso trabalho, o testemunho deste, mostra-se na realidade como uma forma desmotivadora quando afirma: “ Na serra propriamente dita não há antiguidades, nem as pode haver” – (SARMENTO, 1883). Jorge de Alarcão, em Roman Portugal também mostra o seu desagrado em relação à realidade arqueológica da Beira Alta, nomeadamente da zona que comporta a Serra da Estrela 1. São referências como estas que esperamos, quando tecermos as considerações finais da nossa investigação, ver esclarecidas e proferir uma explicação sobre o que julgamos ser a ocupação e dinâmicas humanas sobre o território em análise. Analisar o povoamento antigo de uma área envolve desde logo uma reflexão do ponto de vista sociológico. Se o aglomerado se implantou em determinada área, as populações teriam um propósito, que está intrinsecamente relacionado com o modus operandi que estas irão desenvolver no território de fixação.

1 “ (…) A Serra da Estrela e o Vale do Zêzere constituem o segundo grande vazio da folha 4. Aqui o vazio corresponde certamente a uma situação real. (…)” ( ALARCÃO, 1988 (b):50) |9

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Os abundantes de testemunhos materiais e toponímicos atestam a importância desempenhada pela região durante o período histórico da Proto-História e Romanização. A carência de estudos monográficos específicos sobre a região e a época alvo de análise mostra-se, desde logo, um entrave à nossa investigação. O concelho de Seia é um caso profusamente redutor, no que toca a arqueologia e estudos arqueológicos, em comparação com a realidade de outros concelhos não distantes, salientamos o caso de Oliveira do Hospital, Nelas, Mangualde, e Covilhã. Desde o inventário realizado por Jorge de Alarcão, em 1993, para o PNSE, não foi realizado qualquer outro trabalho tão consistente sobre a arqueologia do concelho de Seia ou do Parque Natural da Serra da Estrela. O caso de Gouveia é particular pela publicação dos trabalhos realizados por Catarina Tente, nomeadamente a sua tese de mestrado em 2007 e tese de doutoramento em 2010, que se centram na ocupação alto- medieval da zona do alto Mondego. Paralelamente à carência de estudos históricos e monográficos do concelho de Seia está a atividade arqueológica, uma vez que o mesmo apenas assistiu a uma escavação arqueológica estruturada, com um trabalho continuado e publicada, na década de 80 do século XX, com o estudo do povoado do Cabeço do Castro de São Romão , no lugar da Senhora do Desterro, Freguesia de São Romão, concelho de Seia, e o Buraco da Moura de São Romão, na mesma freguesia, ambos escavados e estudados por Senna- Martinez. Este facto acabou por limitar amplamente o nosso trabalho, dado que os resultados das prospeções por nós realizadas serão a base de todo o desenvolvimento da investigação, carregando todas as condicionantes que este método pode ter. Contudo esperamos alcançar resultados inéditos ou outros resultados cuja parca bibliografia pouco nos tem para comprovar. Este trabalho pretende trazer um novo “fôlego” à arqueologia dos concelhos alvo da nossa investigação, na medida em que entendemos que o território que comporta os concelhos de Seia e Gouveia constituem uma área rica em vestígios arqueológicos de ampla diacronia cronológica, desde a Pré-História até à Idade Contemporânea. Torna-se importante a exploração e investigação arqueológica, sobretudo no que a prospeções e escavações respeita, não só para uma construção mais consistente e verdadeira, baseada nos vestígios autênticos da ocupação de antanho, mas também para uma proteção de todo um conjunto de património arqueológico suscetível à ação nociva da atividade humana, decorrente da crescente ocupação do território pelo Homem.

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2. Resenha Historiográfica

A zona geográfica em que se encontra a Serra da Estrela, concretamente o território dos concelhos de Seia e Gouveia, ainda que de forma ténue tem sido alvo de reparo do ponto de vista bibliográfico, o que se reflete na fraca atividade arqueológica desenvolvida. Desde as últimas décadas do seculo XIX, as reflexões dos historiadores e investigadores começaram a recair sobre este território, o que se traduz num alargamento das investigações e referências escritas.

No início do século XIX, mais concretamente em Agosto do ano de 1881, com a realização da Expedição à Serra da Estrela organizada pela Sociedade de Geografia de Lisboa, da qual fez parte o arqueólogo e investigador Francisco Martins Sarmento, agrupado com outros investigadores de várias áreas como a Botânica, a Geografia, entre outras e exploradores entendidos em expedições científicas, como Hermenegildo Brito Capelo, pressupunha-se a exploração de uma área, então desconhecida em Portugal.

Com a expedição Científica à Serra da Estrela, o interesse e redação de trabalhos sobre aspetos naturais e culturais desta região começa a ganhar fôlego. A publicação (SARMENTO,1883) que surge com a expedição apresenta-se como o primeiro estudo integrado da arqueologia da serra. Alerta para locais de interesse arqueológico, nomeadamente em zonas íngremes na montanha serrana, cujos recursos naturais e a própria morfologia do território estimularam a advertência para a falta de locais de permanência ou abrigos de cariz temporário.

Ainda nos finais do século XIX, Martins Sarmento redige uma carta a Leite Vasconcelos, que este publica em O Acheologo Português, nº06, 1901 , (VASCONCELOS,1901: 39-42), onde o autor demostra o seu completo desapontamento em relação às “antiguidades”2 da montanha serrana.

Em 1895 é publicado Serra da Estrela (Guia do Touriste) por Adelino de Abreu (ABREU, 1895) e, mais tarde, já no século XX, António do Prado de Sousa Lacerda no

2 “Na serra propriamente dita não há antiguidades, nem as pode haver: a montanha é inabitável uma parte do ano. A coisa é feia e triste: grandes massas de penedias com alguns covões (pequeníssimos vales) e naves (vales um pouco maiores), onde verdeja o sevúm (espécie de feno miúdo), e que contrasta com a esterilidade do mais. Além do sevúm, algum zimbro (junípero ) e urze. Nem uma árvore.” (SARMENTO, 1881) |11

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publica o Guia do Excursionista, do Alpinista e do Tuberculoso (LACERDA, 1908), contendo ambas as publicações notas arqueológicas da Serra da Estrela.

Leite Vasconcelos, no início do século XX na revista O Acheologo Português 3, publica algumas notas próprias, sobre aspetos consideráveis da arqueologia na Serra da Estrela, a quando dalgumas visitas pontuais à cordilheira central.

Na década de 40 do século XX, foram editadas várias publicações com apontamentos pertinentes. É o caso do Roteiro dos Monumentos Militares Portugueses , em que João de Almeida (ALMEIDA, 1945) situa vários povoados com cronologias próprias da Pré-História. No ano de 1945 o Padre Dr. José Quelhas Bigotte edita a sua Monografia da Vila de Seia – História e Etnografia (BIGOTTE, 1945), onde relata notícias das estações arqueológicas senenses. No concelho vizinho, Tavares Ferreira regista periodicamente vestígios proto-históricos e romanos do concelho de Gouveia no jornal local ( Jornal de Gouveia ). O mesmo autor, Manuel Agosto Tavares Ferreira, na sequência da organização, na então vila de Gouveia, de um pequeno museu arqueológico, edita em 1950, O Elucidário do Pátio do Museu (TAVARES, 1950), onde regista os objetos da simples coleção e sua procedência.

Na década de 80, publicações sobre estações arqueológicas e vestígios diversos ganham novos artigos e maior divulgação. É nos anos 80 que locais de interesse arqueológico no território dos dois concelhos em estudo são objeto de prospeção e escavação arqueológica, sendo esta época determinante para a descoberta e correlação de dados sobre o povoamento de diversas cronologias.

João Luís da Inês Vaz, década de 80, mais concretamente no ano de 1984, desenvolve uma escavação arqueológica no sítio designado Monte Aljão, na freguesia de Rio Torto, concelho de Gouveia, da qual surge um relatório ainda que incipiente (VAZ et alii , 1985) sobre os resultados obtidos sobre uma sondagem e escavação tutelados pela Direção de Cultura do Centro, de um sítio de habitat em plena “Plataforma do Mondego”.

No ano de 1988, Jorge de Alarcão no que se pode considerar um inventário arqueológico nacional de sítios romanos, Roman Portugal (ALARCÃO, 1988 (b))

3 O Archeologo Português – nº 6 (1901); nº 24 (1920); VASCONCELOS, J. Leite de (1917) - “Pela Beira”, O Archeólogo Português , vol. XXII: 293-344

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referenciado no capítulo: 4. Viseu (ALARCÃO, 1988 (b): 50-51), enuncia locais de interesse arqueológico na zona da Serra da Estrela, nomeadamente para os concelhos de Seia e Gouveia, assim como algumas publicações bibliográficas até então editadas, sobre a arqueologia da orla serrana (ALARCÃO, 1988 (b): 63,64,68).

Contribuindo de forma importante para o estudo e divulgação da arqueologia na bacia do Mondego, a Associação para o Estudo Arqueológico da Bacia do Mondego, através da sua revista, possibilitou a investigação e divulgação de muitas estações arqueológicas importantes. Em 1980, Senna-Martinez e Carlos Fabião, no âmbito do Programa de Estudo Arqueológico da Bacia do Médio e Alto Mondego, realizam prospeções e escavações em vários sítios de interesse arqueológico na “Plataforma do Mondego”, entre os quais se destacam, no âmbito do período Proto-Histórico e Romano, o Castro de São Romão e o Buraco da Moura , ambos situados no concelho de Seia, sobre os quais publicaram os resultados e considerações em vários números da Revista Anual da Associação para o Estudo Arqueológico da Bacia do Mondego (E.A.M.). Também António Carlos Varela desenvolveu algumas considerações sobre os trabalhos realizados na década de 90, publicando-os na mesma revista (VARELA, 1993: 37-53).

Em Dezembro do ano de 1993 é editada uma publicação patrocinada pelo Parque Natural da Serra da Estrela (PNSE), organizada e redigida por Jorge de Alarcão intitulada: Arqueologia da Serra da Estrela (ALARCÃO, 1993). Esta publicação é verdadeiramente importante no quadro do estudo da Arqueologia da Serra da Estrela e seu território, porque, desde a Expedição Científica à Serra da Estrela, organizada pela Sociedade de Geografia de Lisboa, não se realizavam considerações técnicas e um inventário arqueológico sobre locais e estações de interesse arqueológico/patrimonial totalmente focalizado nesta unidade geográfica.

A Associação Portuguesa de Investigação Arqueológica – APIA - tem desenvolvido nos últimos anos, desde 2000, uma investigação arqueológica sistemática da zona, na bacia dos rios Alva e Ceira, abrangendo algumas freguesias a Este do concelho de Seia localizadas nas Serras da Estrela e Açor. Esta investigação centra sobretudo a ocupação pré-histórica da zona geográfica, tendo tido vários resultados no que respeita a arte rupestre em suporte de xisto, monumentos funerários e povoamento proto-histórico ligado à exploração mineira das bacias do Alva e Ceira (RIBEIRO [ et al] , 2011). |13

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O investigador e professor universitário Pedro Carvalho tem elaborado alguns apontamentos relativos ao período romano do concelho de Gouveia, sendo mesmo citado por Jorge de Alarcão, enquanto seu aluno, no livro Arqueologia da Serra da Estrela (ALARCAO, 1993: 24), pela recolha de materiais cerâmicos na freguesia de Nabais, concelho de Gouveia. Indicado no sítio eletrónico da DGPC - Direção Geral do Património Cultural: Portal do Arqueólogo , redige o acompanhamento arqueológico realizado na Zona de Intervenção Florestal de Alfátima. Do mesmo autor, notamos a publicação sobre o troço viário Valhelhas-Mangualde (RUIVO e CARVALHO, 1996).

Numa realidade díspar, o concelho de Gouveia apresenta uma bibliografia arqueológica mais coesa desde a década de 90 do século XX, até à atualidade, com a investigação arqueológica decorrente de duas teses: mestrado (TENTE, 2007 (a)) e doutoramento (TENTE, 2010) e posterior publicação e divulgação em encontros da especialidade dos dados adquiridos pela mesma investigadora. Autora de diversas publicações sobre a temática da organização do território e povoamento relativos ao período romano e medieval (TENTE, 2010), caracterizada por uma temática arqueológica genérica, destaca-se a elaboração do levantamento arqueológico do concelho de Gouveia (TENTE e MARTINS, 1994) e posterior coordenação do Roteiro Arqueológico de Gouveia (TENTE, 1999).

Algumas monografias locais, baseadas nos relatos de publicações mais antigas, e realizadas por figuras de distinção local, nomeadamente párocos referem, locais de interesse arqueológico em várias freguesias dos concelhos da unidade territorial em análise. Exemplo disso é a reedição, com novo título, da Monografia da Cidade e Concelho de Seia , pelo Padre Dr. J. Quelhas Bigotte no ano de 1993 em que o autor relata alguns sítios de interesse arqueológico nas freguesias do concelho de Seia e divulga, com algum entusiasmo, o desenvolvimento das escavações desenvolvidas e resultados a publicar relativos ao Monte do Castro , local onde se encontra implantado o sítio arqueológico: Cabeço do Castro de São Romão e o Buraco da Moura de São Romão , e a parceria do então executivo municipal com o Centro Histórico da Universidade de Lisboa e o Instituto de Arqueologia da Faculdade de Letras da Lisboa (BIGOTTE, 1993: 641-644) para o estudo de locais de carácter arqueológico no concelho.

Embora o conhecimento arqueológico do território serrano seja limitado, foram publicados diversos artigos sobre este assunto. Alguns repetem apontamentos já |14

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mencionados ou correspondem a investigações pouco consistentes, contudo, opulentaram a bibliografia arqueológica da Serra da Estrela. Atualmente, fruto de trabalhos decorrentes de medidas de minimização de impactes provocados por empreendimentos de obras públicas e privadas surgem dados importantes, alguns deles demonstrados por relatórios arqueológicos de novos achados que prosperam e valorizam o estudo arqueológico desta zona serrana, permitindo compatibilizar alguns dados e um conhecimento mais rigoroso do passado do território.

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3. Território: Aspetos Geomorfológicos

Qualquer estudo regional tem de começar pela análise dos elementos naturais. Eles constituem o principal fundamento das divisões geográficas e formam o quadro que contém, com seus estímulos e restrições, a labuta dos homens. (RIBEIRO 1987: 75)

O espaço que engloba a área dos concelhos de Seia e Gouveia situa-se na margem esquerda do Rio Mondego, servindo esta linha de água principal de limite natural a Oeste, para os dois concelhos, inseridos administrativamente no distrito da Guarda. O rio Mondego nasce na Serra na Estrela, cordilheira montanhosa com maior altitude em Portugal Continental, limite natural a Este do território em análise.

A unidade territorial, concelhos de Seia e Gouveia correspondem à sub-região (NUTS III) da Serra da Estrela, integrando a escala regional (NUTS II) da zona centro de Portugal. Os concelhos possuem um conjunto administrativo de 51 freguesias no total, Seia com 29 freguesias 4 e o concelho de Gouveia com 22 5.

O concelho de Seia desenvolve-se numa área total de 43.592ha, o concelho de Gouveia encontra-se implantado numa área de 29.331ha, compreendendo uma área total de território de 72.923ha. Encontra-se numa área descrita como geograficamente heterogénea, sobressaindo o ambiente de montanha como ponto imponente no território.

O território dos concelhos de Seia e Gouveia apresenta uma forte ocupação humana (Seia – 24.520 hab. / Gouveia – 13.919 hab.)6, com uma densidade populacional de 56,3 nº/Km² e 46,3 nº/Km², respetivamente para cada um dos concelhos.

4 Alvoco da Serra, Cabeça, Carragosela, Folhadosa, Girabolhos, Lages, Lapa dos Dinheiros, , Paranhos da Beira, Pinhanços, Sabugueiro, Sameice, Sandomil, Santa Comba, Santa Eulália, Santa Marinha, Santiago, São Martinho, São Romão, Sazes da Beira, Seia, Teixeira, Tourais, Torrozelo, Travancinha, Valezim, Várzea de Meruge, Vide, Vila Cova 5 Aldeias, Arcozelo, Cativelos, Figueiró da Serra, Folgosinho, Freixo da Serra, Gouveia (São Julião), Gouveia (São Pedro), Lagarinhos, Mangualde da Serra, Melo, Moimenta da Serra, Nabais, Nespereira, Paços da Serra, Rio Torto, Ribamondego, São Paio, Vila Cortês da Serra, Vila Franca da Serra, Vila Nova de Tazem, Vinhó 6 Dados dos Censos 2011 (INE, 2012) |16

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Insere-se numa região de montanha, em que o profundo modelado do relevo predomina, com montes elevados e vertentes abruptas, desenvolvendo-se para oeste numa planície designada de “Plataforma da Beira Alta” ou “Plataforma do Mondego” (FERREIRA, 1978). Em zonas de montanha em que a implantação das populações é feita de forma condicionada, é desenvolvido o “domínio arcaizante da montanha”, como escreveu o geografo Orlando Ribeiro (RIBEIRO,1967: 167), para caracterizar a capacidade de adaptação ao meio refletida nos povoados construídos do granito, desenvolvidos nas encostas por onde se erguem engenhosamente construídos os socalcos agrícolas. Do ponto de vista climático, o território é predominantemente marcado pelo clima frio e húmido, por vezes, seco, com a ocorrência de invernos bastante rigorosos.

Numa análise socioeconómica, os dois concelhos compreendem as características globais consideradas pelos instrumentos de planeamento territorial 7, dada a especificidade do meio rural em regiões de montanha.

O território pode-se considerar complexo, principalmente pelo panorama natural em que se desenvolve, com uma vasta riqueza cultural e natural (fauna, flora, monumentos históricos e arqueológicos, valores etnográficos endógenos relativos ao quadro geográfico, paisagens, etc), integrando parte do território da maior área protegida nacional – Parque Natural da Serra da Estrela 8.

Resultante da sua inclusão no PNSE, parte do território dos concelhos alvo de análise encontra-se sujeito a políticas de gestão específicas, principalmente vocacionadas para a conservação e valorização dos valores ambientais e para a promoção da melhoria de qualidade de vida das populações residentes, tendo como suporte um modelo de desenvolvimento que se ambiciona sustentável.

3.1. Clima

As características essenciais do clima na Península Ibérica são determinadas pela sua posição geográfica, pelos condicionalismos atmosféricos e pela distribuição dos aglomerados de relevo.

7 Plano de Ordenamento do Parque Natural da Serra da Estrela, Plano Diretor Municipal dos Municípios de Seia e Gouveia 8 Decreto - lei nº 557/76 de 16 de Julho, classificou o maciço da Estrela como Parque Natural expondo tratar-se de "uma região de característica economia de montanha" onde subsistem "refúgios de vida selvagem e formações vegetais endémicas de importância nacional". |17

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O interior centro de Portugal é marcado pelo clima de influência continental com feição atlântica, muito manipulado pelas massas de relevo predominantes. No contexto regional da unidade territorial em estudo, o clima, ao longo do ano, caracteriza-se por uma heterogeneidade constante. Zona climática onde predomina, com particular severidade a época do Inverno, sendo estes muito rigorosos, com ocorrência de queda de neve nos pontos de maior altitude e permanência de grande amplitude térmica em relação a pontos de baixa altitude, onde mesmo no pico mais rigoroso do ano predomina o “frio seco” de feição polar e a precipitação. Território compreendido pela província climática, Província Montanhosa do Norte de Portugal e Província da Beira Interior, cujo Verão é caracterizado de “relativamente quente” (RIBEIRO, 1988: 365-66). Os níveis de precipitação anual rondam os 1000mm nas bacias intra montanhosas, podendo estes valores ultrapassar 3000mm no topo da serra, com frequência de períodos de nevoeiro, principalmente no Inverno. A humidade do ar é relativamente pequena, mesmo no Verão (RIBEIRO, 1988). A altitude determina condicionantes climáticas onde dominam as baixas temperaturas médias anuais, períodos de precipitação frequentes, com a ocorrência de queda de neve durante 6 meses e a situação de geadas praticamente durante todo o ano.

3.2 Geologia

Para o estudo da evolução da paisagem torna-se preponderante o conhecimento das características geológicas de qualquer território. Configurações ligadas à geologia, este em relação com o clima e morfologia, é um dos fatores influentes da oferta de recursos que servem a implantação e dinâmica de comunidades humanas: o solo, a flora, materiais endógenos (FONTES, 2011). A atmosfera geológica da Serra da Estrela mostra-nos uma extensa camada granítica, com a existência de zonas de afloramentos de xisto (rochas do complexo xistograuváquico), tornando-se uma zona de confluência geológica nas zonas de contacto do xisto com o granito. Na área entre Seia e Gouveia encontra-se o designado “Granito de Seia”, cuja principal particularidade são a presença de grandes cristais brancos (feldspatos potássicos), juntamente com as biotites e as moscovites. Integra igualmente cristais de quartzo de aspeto vítreo, e quando decomposto, dá origem a saibros grosseiros (FERREIRA e VIEIRA, 1999: 11-18). As paisagens a que a sua

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desagregação dá origem estão destacadas pelos conjuntos de blocos que geralmente se acumulam nos sopés das vertentes. A paisagem serrana é fortemente marcada por grandes aglomerados de rocha granítica, designados de “cântaros”9. Na parte setentrional da Torre encontram-se as lagoas, sempre envolvidas por “muralhas graníticas”, fragas e fragões. A dinâmica dos agentes externos desenvolve-se sempre à superfície da terra, alterando, decompondo, destruindo e modificando o aspeto da superfície terrestre. De uma maneira geral, é possível verificar o efeito desagregante dos ativos atmosféricos, a nível do aspeto da paisagem natural da Serra da Estrela (MARQUES, 1996). A neve e o gelo são preponderantes, a sua ação é agente para a desagregação das rochas da paisagem da Serra da Estrela. As variações diárias de temperatura e a insolação têm um papel preponderante na desagregação dos grãos minerais. Pequenas camadas das envolventes da rocha desagregam-se e descamam por efeito de altas temperaturas durante o dia e baixas temperaturas durante a noite. A congelação da água produz efeitos físicos de descamação e fragmentação das rochas. A existência de rochas polidas, esbranquiçadas, listradas e de pequenas lagoas, exemplo da “Garganta de Loriga” ou o vale em “U” do Vale do Zêzere, os Covões e as moreias e taludes, são exemplos da paisagem natural da Serra da Estrela que sustentam a tese da origem e sucessão de períodos glaciares. As contínuas alterações climáticas provocaram o recuo e extinção dos glaciares (MARQUES, 1996).

3.3 Relevo

A “Cordilheira Central” é o maior conjunto de serras existente em Portugal da qual faz parte o maciço montanhoso da Serra da Estrela. Este conjunto delimita a Este o território ocupado pelos concelhos de Seia e Gouveia, abarcando a vertente ocidental serrana, funcionando como um limite natural do território. A orientação da Serra da Estrela é ENE-WSW e começa a SW da depressão entre o planalto da Guarda e a Marofa e prolonga-se até Loriga numa extensão aproximada de cinquenta e cinco quilómetros (MARQUES, 1996: 34). É separada da Serra do Caramulo pelo vale do Rio Mondego - Plataforma do Mondego.

9 Cântaros: Magro, Gordo e Raso (MARQUES, 1996) |19

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A orografia do planalto superior é muito modelada por picos, montes, cistas graníticas, colinas, pequenos planaltos, portelas, “vales (Vale Glaciar do Zêzere) e gargantas (Garganta de Loriga) ”, fraturas, contrafortes em todas as direções irradiando desde o planalto da Torre. Para o vale do Mondego vão descendo as colinas em conjunto com as linhas de água que da bacia hidrográfica fazem parte (MARQUES, 1996). É extremamente irregular a distribuição das altitudes da Serra da Estrela em função da também disposição orográfica. Ao traçar cortes transversais da orografia, podemos idealizar a serra cortada em planos a 750m, a 1000m, a 1250m, a 1500m e a 1750m de altitude. Esta última elevação, a área mais reduzida, vai até aos 1991m com o seu território na Torre (MARQUES, 1996). O alto maciço da Serra da Estrela composto de inúmeros vales de origem glaciar, fraturado pelas movimentações tectónicas associadas a fenómenos próprios e subsequentes, é então modelado pela ação abrasiva da erosão, pelo encaixe das linhas de água, que no maciço rochoso têm as suas nascentes, e pela ação do Homem (DAVEAU, 1969). Com origem em vários fenómenos de carácter glaciar, o maciço da Serra da Estrela assume encostas abruptas, desfraldando-se na “Plataforma do Mondego” para Oeste, até ao conjunto montanhoso da Serra do Caramulo. Esta panorâmica “entre montes” é a paisagem dominante, onde a unidade territorial em análise se insere. Em suma, o território apresenta-se, de uma forma geral, com um relevo de vertente montanhosa que se desenvolve para oeste numa plataforma irrigada pelo rio Mondego. Numa panorâmica em altitude, apercebemo-nos do desenvolver abrupto da montanha, que na parte inferior da vertente assume uma inclinação mais suave, com pendor para o “vale do Mondego”.

3.4 Solos e Vegetação

A paisagem serrana caracteriza-se por campos cobertos de erva, efeito da abundante precipitação. Por todo o topo e vertentes são frequentes os blocos de granito, e o predomínio do substrato de natureza granítica, o que não favorece a diversidade da flora, no entanto esta é relativamente profusa. Condicionada pela altitude da Serra da Estrela, uma área bem característica, possui um exclusivo manto vegetal interessante.

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A flora da Serra da Estrela reflete os efeitos glaciares, tornando-a, à escala nacional, particularmente distinta, considerando-se excessivamente rica e própria do ambiente em que se insere (SILVA e TELES, 1999). À medida que subimos em altitude até ao ponto mais elevado, encontramos 3 níveis 10 , em nada iguais quer em altitude quer no coberto vegetal (SILVA e TELES, 1999: 19). As povoações do sopé da serra têm uma condicionante natural que lhes permite realizar um aproveitamento agrícola mais intenso. Nesta zona de menor altitude é frequente o cultivo da oliveira, da vinha, do milho, dos prados, do castanheiro e do pinhal de pinheiro bravo, que se encontra representado até cerca dos 1300 metros de altitude. No ponto mais intermédio são comuns os carvalhais e mato de vária natureza, bem como as parcas searas de centeio, que outrora se encontravam em maior número, fazendo das zonas de altitude da serra áreas de exploração agrícola com resultados importantes para a economia da região. O topo do planalto superior, acima dos 1900 metros, encontra-se forrado de vegetação arborescente. Encontramos zimbro, cervunais, arrelvados, comunidades rupícolas e lacustres. A marca dominante é a ocorrência de áreas cobertas por zimbrais e cervunais e pelos relvados próprios das escarpas e naves de base granítica, invadida por afloramentos rochosos e pela presença de uma lagoa. Na montanha, o granito está observável e os solos quase não existem ou assumem sempre um carácter pouco adensado (TENTE, 2010: 33). Na sequência da fragmentação das rochas, efeito da erosão, os materiais fracionados são transportados e acumulados. A estrutura granulosa das rochas graníticas transforma-se, desta forma, em areias 11 . Os solos da Serra da Estrela não são apenas constituídos por grandes aglomerados graníticos, terrenos graníticos e xistosos resultantes do desgaste, transporte e acumulação dos aglomerados de rochas, pois em locais adequados formam terrenos eluviais, onde há materiais acumulados, resultado da desagregação das rochas e lodo. Outros terrenos ou terras são detritos aluviais de areias grossas, barro, argila e saibro. Terras que a hidrografia da serra, constituída por sucessivas linhas de água que correm

10 1- Andar Basal: Influência mediterrânica (800-900m) 2- Andar Intermédio: Carvalho-pardo [ Quercos Pyrenaica ], (800-1600m) 3- Andar Superior: Zimbro [ Juniperus Communis Alpina ], (+1600m) 11 Fenómeno da arenização (FLEURY,1919) |21

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pela montanha, se encarregaram de transportar, repartir e depositar. A bacia do Mondego possui terrenos mais abundantes e profundos (MARQUES, 1996).

3.5 Hidrografia

Os rios Mondego e Zêzere traçam na Estrela vales longitudinais, seguindo um percurso semelhante, para irrigarem o sopé da montanha do planalto superior. A grande precipitação e os períodos de descongelação, que ocorrem na Serra da Estrela, são escoados pelos rios Mondego, que vai diretamente para o Atlântico na Figueira da Foz, e Zêzere, afluente do Tejo, em Constância. Também o não menos importante é o rio Alva, este afluente do Mondego (MARQUES, 1996:39). O rio Mondego nasce a uma altitude de 1425m, seguindo um leito tortuoso pela serra, alimentado por outros rios, ribeiros e riachos, que formam a sua bacia hidrográfica, que ocupa grande parte da Serra da Estrela e pelas águas da chuva e degelo das neves. O seu caudal é bastante irregular. No Verão, o caudal diminui, drasticamente, pela água que lhe é desviada para a irrigação das margens ou para força motriz de indústrias; no Outono, o seu caudal sobe substancialmente devido às chuvas dos meses de Novembro e Dezembro. No período do Inverno, o caudal volta a diminuir, situação que posteriormente se vai inverter pelos indicies de precipitação da Primavera e a fusão das geleiras e neves do Outono e Inverno (MARQUES, 1996:40). O rio Zêzere nasce a uma altitude de 1640m, no vale glaciar com o mesmo nome, onde se encontra implantada a vila de . A alimentação deste rio é análoga à do Mondego, assim como o seu caudal. O rio Alva é principalmente característico pelo seu sinuoso percurso, com sucessivas cascatas, característica da altitude que lhe confere grande declive e do percurso labiríntico da montanha. Predominantemente um rio de montanha, nasce a 1500m, passa junto ao Sabugueiro e ao lugar da Senhora do Desterro, freguesia de São Romão. O Alva recebe os afluentes das ribeiras de Loriga e Alvoco (MARQUES, 1996). A energia provocada pela altitude e declives abruptos é aproveitada em várias estações hidroelétricas.

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Por todo o território do maciço da Serra da Estrela são frequentes as lagoas e “lagoachos”, existindo 10 lagoas 12 importantes, que constituem únicos ambientes aquáticos com características permanentes. São alimentadas fundamentalmente pela água da precipitação e do degelo da neve, formando lagos de água em encostas naturais. A abundância dos recursos aquíferos e a existência de áreas de ajuntamento natural protagoniza o aproveitamento para a produção de energia elétrica. Muitas lagoas foram objeto de construção de barragens artificiais, das quais existe um aproveitamento da altitude, que através de canais e açudes, que com a energia gerada pelo declive, alimenta centrais hidroelétricas localizadas em zonas de menor altitude.

3.6 Recursos

No território assinalam-se a exploração de recursos minerais, como é o caso da exploração de granitos e transformação de areias. Nas bacias dos rios Alva e Ceira existem vestígios de exploração mineira, designadamente de cobre desde tempos da Proto-História (RIBEIRO [et al] , 2011). Certifica-se a extração de volfrâmio e estanho nas minhas do Olival da Meia Légua e do Malhão, freguesia de Sazes da Beira, estas com alguma importância no período da 1ª Guerra Mundial (POEIRA, 2005: 95), e freguesia de Valezim. A abundância do granito nesta zona permite uma exploração e uma transformação com carácter industrial, material muito utilizado na construção da típica “casa da beira alta”. Em zonas de predominância de xisto encontramos a sua utilização para a construção quer habitacional quer pública, como são exemplo as aldeias de Cabeça e Teixeira, pelo meio geológico em que se inserem, cuja calçada das ruas é de xisto em conformidade com o material utilizado na construção de algumas habitações. As paredes que “harmonizam a montanha” sustentando os socalcos e muros de divisão de propriedade são na grande maioria construídas em granito ou xisto da região. A água é um recurso abundante, mesmo no período da Primavera e Verão em consequência do degelo e das inúmeras nascentes que correm pela montanha serrana. Desviada por açudes, conduzida por levadas, extraída por minas e poços, a água é usada para consumo das populações e regadio dos campos. As várias centrais hidroelétricas, fábricas de lanifícios, no século dezanove e vinte utilizavam a força da água gerada

12 Lagoas: Comprida, Seca, Redonda, Das Favas, Escura, Do Peixão, Lagoacho, Cântaros, Da Clareza e De Loriga. (MARQUES, 1996: 42) |23

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pelas condutas da montanha, que de forma natural produzam a velocidade e força motriz para acionar os mecanismos – turbinas, teares, mós, etc… Existe, relacionado com o recurso da água de nascente, pela sua pureza e leveza, um aproveitamento económico no engarrafamento da água pelas marcas comerciais: Água Serra da Estrela, Serrana e Glaciar .

3.7 Características Agropecuárias

As atividades agropecuárias praticadas nos concelhos alvo desta investigação em todo o momento da História, encontram-se relacionadas com o meio natural em que se inserem. Desde tempos muito remotos que a orla serrana foi utilizada para a prática da pastorícia 13 e atividades relacionas com a criação de gado e produção de seus derivados, o leite utilizado no fabrico do queijo, do tão famoso “Queijo da Serra” 14 e do requeijão. A lã tosquiada no início da Primavera é a matéria-prima de uma atividade de manutenção e transformação, que assumiu, posteriormente, um carácter industrial em grande escala. A exploração agrícola é realizada, de forma mais intensa, em zonas de baixa altitude, o já designado, anteriormente, de andar basal, embora também predominem os socalcos em zonas de montanha, forma artificial construída por meio a combater o natural declive do terreno (MOURA, 1997). Esta configuração parcelada de aproveitamento do terreno da montanha 15 entende-se como uma forma de exploração convicta na ocupação agrícola de uma área maior, num local onde as características e a morfologia do terreno são pobres para a prática da agricultura (MOURA, 1997). Predomina o minifúndio em consequência da situação regional, num cultivo que se assume globalmente de subsistência.

13 “Outrora a Serra da Estrela era o centro de movimentos de transumância de grande amplitude. As ovelhas, que estanciavam na serra no Verão, iam buscar pastos de Inverno nas vertentes abrigadas do Douro, nos restolhos dos Campos do Baixo Mondego ou nas longínquas solidões do Campo de Ourique, ao Sul do Alentejo” (DAVEAU, 1995: 114). 14 “Ferrada, cântaro, pote de barro, moedor de cardo, francela e acincho, cardeira e escumadeira são os instrumentos tradicionalmente usados no fabrico de queijo, actividade que decorre entre o Outono, bem entrado, e a Primavera. Queijo, associa-se a pastores e ovelhas, uma das imagens fortes da Estrela que ainda não passou à memória” (POEIRA, 2005) 15 “Ao longo do século XIX o milho foi-se difundindo pelas encostas cortadas por ribeiras, substituindo em grande parte o centeio. A paisagem envolvente de Loriga e Alvoco sofreu grandes transformações, pois as necessidades de rega que a nova cultura exigia levaram à construção de socalcos, necessários para suster a água e segurar as courelas. Era uma luta desesperada contra a montanha, na conquista de mais um pedaço de terra” (MOURA, 1997: 18). |24

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As populações 16 fixadas em zonas de menor altitude exploram a terra com o predominante cultivo de batata, vinha e árvores de fruto. Esta exploração agrícola é conseguida pela boa irrigação que esta área tem assim como a fácil deslocação aos terrenos e a utilização de mecanismos no auxílio ao trabalho da terra. Em zonas de grande altitude, em que os terrenos são menos férteis pela componente granítica, é realizada uma exploração agrícola que comporta o cultivo dos cereais. Ainda é muito comum, atualmente, encontrar-se, entre o cinzento granítico da montanha, mosaicos dourados de cearas de trigo e centeio.

16 “com o aparecimento do Homem à superfície da Terra inicia-se a transformação, cada vez em maior grau, das paisagens naturais. Com o crescimento da população aceleram-se a formação e transformação dos campos, aldeias, cidades; com o aumento da técnica, e das redes de comunicação que favoreceram os movimentos das populações que com elas transportam os seus modos de pensar e agir; e com estes se vão desenvolver novas transformações espaciais. Sem o conhecimento destes fenómenos, difícil seria a compreensão das paisagens do nosso quotidiano” (BRITO, 1994: 83). |25

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4. Antecedentes: O Povoamento Pré-Histórico

A região da Beira Alta tem desde tempos da Pré-História Antiga vestígios da presença humana, de períodos profundamente arcaicos que vão até ao Paleolítico. Numa escala local, os concelhos sobre os quais se debruça esta investigação são relativamente ricos em vestígios da presença humana neste período cronológico, fruto de várias investigações de carácter regional, como é o caso da publicação “Trabalhos de Arqueologia da EAM – Estudo Arqueológico do Mondego” (SENNA-MARTINEZ, 1999). Se, por um lado, entendemos a orla serrana, marcadamente abrupta e de altitudes muito fortes, com todos os seus condicionalismos físico e climáticos, adversos à fixação de populações, a publicação em 2002 na revista Al-madan de um achado realizado em 1997, a 1430m de altitude, de um machado e um fragmento de machado em pedra polida, um dormente de mó manual e a identificação de possíveis sepulturas cistoides (CARDOSO e GONZALEZ, 2002: 242), comprova a presença humana em zonas de grande altitude, ainda que entendida de carácter sazonal ou com ligações diretas a atividades de montanha a dada altura do ano, como é o caso do cultivo e moagem de cereais. Monumentos megalíticos, suportes de arte rupestre e povoados cuja realidade material atesta a sua cronologia, apresentam-se como testemunhos considerados neste capítulo, certificando a presença humana de antanho na região e época em análise.

4.1. Arte Rupestre

A arte rupestre surge como um património incontornável para o estudo do passado e da realidade sociocultural, abrangendo várias cronologias, tendo como meio várias técnicas a suportes (GOMES, 2002: 139). Assumidamente uma forma de arte de entre todas as primitivas atividades desenvolvidas pelo Homem, a representação gráfica, esquemática ou figurativa de elementos ou pintura de gravuras é um dos sinais evidentes de uma forma de expressão, cuja necessidade de eternizar se desenvolveu em suportes bem fixados, como é o caso das sumptuosas lajes de granito e xisto, muitas vezes escolhidas em locais estratégicos,

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cujo campo de visão é amplo e imponente, incentivando por si só a imaginação e criatividade ao “artista”. Numa escala local, estes sítios de arte rupestre encontram-se bastante circunscritos nos concelhos de Seia e Gouveia. Mais uma vez, a confluência geológica do granito e do xisto, e os locais de envolvência natural, cujas dinâmicas humanas aliadas a períodos concretos do ano, com o intuito do desenvolvimento de atividades próprias, surgem como uma forma importante para a permanência do Homem em abrigos e zonas de habitat e nesses locais mais recessos, onde tem a faculdade para dar largas à sua criatividade. Encontramos nas freguesias de Loriga, Alvoco, Cabeça, Teixeira e Vide pertencentes ao concelho de Seia, um grande conjunto de núcleos de arte rupestre de pertinente importância ao nível da Península Ibérica. Investigações desenvolvidas pela APIA – Associação Portuguesa de Investigação Arqueológica, desde a década de 90 do século XX, têm descoberto, nestas freguesias do concelho pertencentes às bacias dos Rios Alva e Ceira, núcleos de arte rupestre ao ar livre em suporte de xisto, com elementos figurativos em mais de 700 lajes gravadas, remontando a sua antiguidade ao Paleolítico Superior, Idade do Ferro e Bronze até ao período Contemporâneo (RIBEIRO, JOAQUINITO e PEREIRA, 2009). Esta área é particularmente interessante quer pela presença de arte rupestre e sua conexão com os povoados, quer pelas atividades de exploração mineira e monumentos de carácter funerário, quer pela morfologia do território, com a presença de cumeadas de grande altitude, na medida em que é neste ponto do concelho que se encontram os núcleos urbanos mais isolados pelas características geomorfológicas do terreno. Os dados sobre arte rupestre são diminutos ao longo do território em estudo, salvo esta área já referenciada no parágrafo anterior, a Este do concelho de Seia e a referências no concelho de Gouveia de dois locais com indicação de gravuras rupestres, inventariado no DGPC - Portal do Arqueólogo 17 . Referimo-nos ao Penedo do Cavalo Pintado e ao sítio designado “Rotunda das Escolas”. Em relação a este último local, colocamos algumas interrogações pela falta de dados consistentes, já que este apenas foi descoberto na sequência de um acompanhamento arqueológico realizado, em 2004, na variante à EN 232, em Gouveia. Tendo sido documentado um afloramento granítico com duas “covinhas”, muito semelhantes na forma e dimensão.

17 http://arqueologia.igespar.pt/index.php?sid=sitios.resultados&pag=1 |27

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O sítio de arte rupestre designado Penedo do Cavalo Pintado , localizado na freguesia de Arcozelo, Gouveia (RODRIGUES, 1961: 199), é a representação de um cervídeo acompanhado de duas ferraduras, gravado num afloramento granítico, atribuído à Idade do Bronze. Este sítio, localizado em plena plataforma do Mondego, foi alvo de estudo e publicação na revista Zephyrus , publicação pertencente à Universidade de Salamanca (FRANCO GONZÁLEZ, 1991-92: 251-265), e, posteriormente também mereceu uma interpretação por Catarina Tente (TENTE e LOPEZ, 1998: 293-297). Aceitamos, embora apenas a clarificação promovida pela investigação a possa consolidar, a existência de muitos locais de arte rupestre, nomeadamente em esteios de monumentos de carácter funerário na “Plataforma do Mondego”, os quais aguardam um olhar atento e uma interpretação apreciável. Suporta a nossa tese a notícia da descoberta de pinturas rupestres num dos esteios no dólmen do Fontão, freguesia de Paranhos da Beira, Seia (SILVA, 1985: 381-385; GOMES, 2002: 24). Ao nível da arte rupestre no território, apenas evidências arqueológicas realizadas na sequência de uma maior e adensa investigação nos poderiam dar mais algumas certezas, clarificar a presença do Homem e ajudar na perceção das dinâmicas humanas no território, quer a uma escala local quer de âmbito regional sobre esta realidade sociocultural.

4.2. Megalitismo

O território em análise é dominado ao longo dos tempos de forma preponderante por dois elementos naturais: a cordilheira montanhosa da Serra da Estrela e o Rio Mondego, que, de forma substancial, vão condicionar a fixação e dinâmicas humanas na região. As primeiras necrópoles megalíticas surgem na “Plataforma do Mondego”, acerca de 4.000 a.C., em que entre os trilhos hídricos e carreiras de cumeadas, se começam a fixar os primeiros “imóveis”, de uma área crescentemente humanizada (SENNA-MARTINEZ e VENTURA, 2006). No início do fenómeno, numa tentativa de alteração da paisagem, encontramos monumentos megalíticos de pequena dimensão de câmara simples e aberta, dos finais do V milénio e inícios do IV a.C.. A construção de monumentos de carácter funerário, constitui pela sua implantação a estrutura de uma monumentalização do território. A edificação deste tipo de estruturas permitiria uma forma de ligação das populações, |28

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ainda com características nómadas associadas a períodos concretos do ano, a legitimidade para a pose das respetivas áreas e acesso aos recursos endógenos correspondentes (SENNA-MARTINEZ e VENTURA, 2006). Entende-se como segundo momento, uma evolução dos monumentos, já na 2ª metade do IVº milénio a.C., uma expansão do megalitismo regional com uma necessidade mais consistente de monumentalização da paisagem (VENTURA, 1999: 35), com a própria evolução na construção dos monumentos. A tendência é para a “fixação” e construção destes monumentos em zonas de baixa altitude, em que as comunidades tendiam a efetuar a demarcação simbólica de determinados sítios no território, perfeitamente demarcáveis na paisagem. Através do estudo desenvolvido nas décadas de 80 e 90, pela Associação para o Estudo Arqueológico da Bacia do Mondego, foi possível o estudo e escavação de vários monumentos funerários, integrando alguns os limites geográficos da nossa investigação: Anta do Fontão e Anta (I e II) do Chaveiral - freguesia de Paranhos da Beira, e Anta da Mofaina – freguesia de Tourais, concelho de Seia e Anta da Orca – freguesia de Rio Torto, concelho de Gouveia. Atualmente, estes locais encontram-se em perigo, decorrente da ação nociva do Homem ou parcialmente abandonados. Dados recentes, em sequência da investigação da –APIA- nas freguesias de Teixeira e Vide, atestam a existência de monumentos de carácter funerário em zonas de altitudes mais elevadas, embora não tenham sido realizadas escavações arqueológicas, foram identificados locais e relacionados estes com a arte rupestre envolvente, referida no ponto anterior (RIBEIRO e PEREIRA, 2010). Encontramos em ambos os concelhos da unidade de análise uma fraca investigação e registo deste tipo de monumentos da Pré-História, fruto da pouca ou nenhuma atividade arqueológica desenvolvida e pouca valorização dos monumentos existentes.

4.3. Idade do Bronze

Numa reconstituição do passado mais remoto da área em estudo, entendemos as dinâmicas humanas, a dispersão e a implantação dos aglomerados do IIIº ao Iº milénio a.C. (Bronze Antigo Médio e Final), para uma análise à escala local das primeiras sociedades de hierarquização do “poder”.

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Os sítios de fixação para os aglomerados pautam-se pela primordial escolha das zonas de implantação, na sua maioria, em cumeadas de altitude mais elevada, com excelentes posições defensivas que lhes permite alcançar visualmente o amplo território, bem como a vigia de pontos de passagem. A escala local em análise nesta investigação pela sua localização geográfica na zona Centro de Portugal confere aos povoados relacionados com este período cronológico uma ligação morfológica e tipológica geográfica e material com o “sítio padrão” da Beira Alta – Castro de Santa Luzia de Baiões, São Pedro do Sul, Viseu (KALB, 1979). Este sítio com evidências arqueológicas consistentes permite estabelecer paralelismos de ordem cronológica e morfotipológica para um fenómeno do Bronze Final Peninsular (SENNA-MARTINEZ, 1995:118). A Idade do Bronze carateriza-se essencialmente por ser uma época de afirmação do poder, descrita por Susana Oliveira Jorge como uma “ascensão convergente de pequenos chefados, cuja consolidação teria passado a depender da sua inserção em “redes” mais alargadas de trocas de artefactos de luxo” (JORGE S.O., 1991:386). A questão do “poder” sempre patente nesta fase adensa toda uma questão sociológica importante, devido à progressiva hierarquização social e integração sociopolítica (JORGE S.O., 1996: 77). A localização da maioria dos sítios em esporões de altitude considerável, o que lhes confere uma posição geográfica privilegiada, levou a que muitos destes locais tivessem uma ocupação continua Proto-Histórica. Exemplos do povoamento da Idade do Bronze na área geográfica em estudo são o Cabeço do Castro de São Romão (SENNA-MARTINEZ, 1986), pertencente ao concelho de Seia, cujos trabalhos arqueológicos desenvolvidos na década de 80 do século XX atestam a importância do sítio para o estudo do Bronze na Beira Alta. Pertencentes ao concelho de Gouveia são exemplo o Cabeço Redondo (SENNA-MARTINEZ, 1989), o Castelo e o Castelejo (TENTE, 1999). A emergência de locais centrais, estes com uma notável implantação defensiva e distribuídos de forma regular pelo espaço e complementados por locais secundários, surge na área em estudo no período do Bronze Final (SENNA-MARTINEZ, 1995: 119). O Cabeço do Castro de São Romão – Seia - e o Cabeço Redondo – Gouveia - são típicos “sítios de montanha”, com a possibilidade de contacto visual da paisagem envolvente a curta, média e longa distância, possibilitando o controlo de acesso a

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“portelas” e vias antigas de movimento de pessoas e bens (SENNA-MARTINEZ, 1995: 119). A ocupação de grutas e abrigos é outra modalidade de ocupação do território, muitas vezes associada à prática de atividades endógenas de caráter sazonal. É exemplo disso o Buraco da Moura de São Romão . Este abrigo no subsolo é constituído por uma sequência de salas em que o desenvolvimento de trabalhos arqueológicos clarificaram a ocupação deste local. Evidências artefactuais atestam uma ocupação deste espaço desde o Calcolítico (VALERA, 1993) até ao período da Alta Idade Média (VARANDAS, 1993: 155-162). Entendemos a existência, e relacionando em rede, de sítios de menores dimensões de carácter auxiliar a atividades complementares às praticadas nos sítios de maiores dimensões. O Buraco da Moura pela sua dimensão e tipologia e a sua proximidade com o Cabeço do Castro de São Romão, este último com dimensões e importância geográfica mais expressiva, é um exemplo que poderemos ter em análise (SENNA-MARTINEZ, 1995: 119). A clara afirmação da forma de povoamento do Bronze Final, clarificada pelos vários testemunhos, assenta numa evolução das dinâmicas humanas estreitamente ligadas com questões de ordem estratégica 18 .

Mapa 01 – Rede de rotas Pré-históricas das bacias hidrográficas dos Rios Ceira e Alva (Adaptado: RIBEIRO [ et al] , 2011).

18 “As unidades territoriais sustentar-se-iam por uma multiplicidade e complementaridade de estratégias de povoamento e de aproveitamento dos vários recursos económicos do território, de uma forma intensiva e pela integração em cadeias de trocas regionais, quer através da produção de excedentes, quer pela sua posição estratégica na paisagem.” (BETTENCOURT, 1995: 113) |31

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5. Povoamento Proto-Histórico

Contextualizando, de forma particular, do ponto de vista cronológico, os aglomerados populacionais, dinâmicas humanas e zonas de permanência sazonal do período considerado da Proto-História, seguimos, em primeiro lugar, por uma análise do mapa 02, onde podemos observar a área de difusão e influência da cultura castreja, segundo Armando Coelho Ferreira da Silva. Consideramos que a unidade territorial em estudo se encontra na zona de influência, embora já muito deslocalizada a Sul, geograficamente em relação à zona principal de difusão desta cultura, designadamente o Noroeste de Portugal, região da Galiza e Astúrias (SILVA, 2007).

Mapa 02 - Zona de Influência da Cultura Castreja. (Adaptado: SILVA, 1995: 530)

Tendo em conta as características do povoamento da designada “cultura castreja do norte de Portugal e Galiza”, revelando características próprias sobretudo do ponto de vista morfotipológico das estruturas, deste ponto entendemos estas desiguais para o povoamento da mesma natureza para a zona da “Lusitânia”, ocupada em data posterior. Não podemos afirmar convictamente uma designação de “castros”, para aglomerados |32

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populacionais ou de “cultura castreja” propriamente dita para esta unidade geográfica em análise. No entanto, entendemos que a utilização da designação de “castros lusitanos”, será a mais correta e também a mais utlizada na monografia local. Muitos dos povoados foram alvo de romanização posterior, como veremos mais à frente, o que caracteriza a continuidade da ocupação do espaço. A dispersão dos povoados ocorre principalmente em altitudes mais elevadas ou montes destacados na zona de planície. Por sua vez, julgamos a presença dos rios principais (Alva e Mondego) e ribeiras afluentes, como recursos atrativos ao desenvolvimento de áreas de povoamento mais circunscrito e concentrado. O clima agreste e, por vezes, até tempestuoso caracteriza a ausência de aglomerados populacionais de carácter permanente em zonas de grande altitude, sendo caracterizadas estas permanências em espaços de altitude elevada por ocupações sazonais ou de carácter transitório, podendo estas estar relacionadas com atividades próprias do meio ambiente, a certa altura no ano. A característica comum a todos os aglomerados, que está ligada ao sistema defensivo, está relacionada com as suas dimensões e diferentes tipos de defesa. Na falta de dados concretos, que apenas uma intervenção arqueológica nos poderia oferecer, salvo o caso do Cabeço do Castro de São Romão , todos os povoados identificados são considerados aglomerados humanos, pela presença mais percetível do sistema defensivo. Mais do que a questão defensiva, a muralha protagoniza quase sempre um símbolo de poder e monumentalidade na paisagem, utilizado então pelas comunidades (FONTE, 2008:11). Na escrita monográfica local é comum a expressão: “alinhamento de muro” e “vestígios de muros”, para identificar os locais dos considerados povoados que estão na origem de muitas urbes atuais. Foi graças a estes relatos, que em muitos dos factos indeterminados, chegámos até ao sítio arqueológico. Os lugares centrais são sítios com uma boa área de implantação, cujo desenvolvimento foi pensado e cuidado para abranger um considerável número de habitantes e atividades. O caso particular do Cabeço do Castro de São Romão é o que julgamos ser um exemplo de lugar central , cuja área considerável e sistema defensivo assim o comprovam. A tipologia de fixação usada em alguns dos casos alvo de estudo, durante o Iº milénio a.C., precede de uma continuidade, facto que entendemos como uma clara e importante valorização do local ao longo do tempo, na identidade e história dos aglomerados.

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O povoamento destes núcleos habitacionais fortificados teve dois ambientes distintos de ocupação, protagonizados em épocas diferentes. A ocupação autóctone dos aglomerados, cuja implantação e intensificação aos locais foi realizada de forma natural, constitui um primeiro ambiente de ocupação; por sua vez, o segundo ambiente é protagonizado pela chegada dos romanos com intuito de dominar os povos indígenas e naturalmente processarem a aculturação, que os povos tiveram contacto e perfilharam a cultura de Roma, alterando desta forma drasticamente o seu modo de vida.

5.1. Sítios de Implantação

A fixação dos povoados, muitas vezes apropriada para o modo de vida e necessidades de defesa das populações, condiciona a sua implantação e exploração do território. Esta questão é clara e firme do ponto de vista cronológico, cujos locais evidenciam em grande norma uma continuidade na sua ocupação, que mesmo na atualidade a urbe se desenvolve, em muitos dos casos, envolta pelo ambiente dos considerados sítios do povoado primitivo. Numa necessidade de controlo e defesa do território, em sociedades cuja organização social já se encontra bastante hierarquizada e organizada socialmente, tendo em linha de conta a existência de uma classe dominante, cuja ideia de “poder” e domínio é evidente, a implantação em locais proeminentes cujo contacto visual é amplo para controlo de vias, portelas e cumeadas onde outros povoados se localizam, é um fator preponderante quando falamos em povoamento do Iº Milénio a.C. (Idade do Bronze – Final e Idade do Ferro). Os povoados da Idade do Ferro não modificaram a paisagem, antes pelo contrário, houve uma necessidade de construção sustentada, muitas vezes ajustada em conformidade com a orografia do terreno e os elementos que este possui, nomeadamente os afloramentos graníticos. Existe uma preocupação em aglomerados deste período cronológico em ver e controlar, mas ao mesmo tempo não ser visto. Existe então uma relação entre visibilidade e invisibilidade, porque apesar de controlo e domínio de território e vias de circulação, estes, pela forma como se encontram edificados na colina requerem, um bom angulo de visão e, ao mesmo tempo, uma “presença dissimulada” como meio de defesa (DELINDRO, 2012: 82).

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O relevo da Serra da Estrela caracterizado principalmente pelas suas cumeeiras graníticas, cuja observação nos remete diretamente para a ideia de povoados em altitude, os designados “castros”, é uma forma muito clara e objetiva, cuja observação local nos aponta para o facto deste sítios de implantação serem os mais promissores para a prospeção de sítios característicos da Idade do Bronze Final e Ferro. Se nos fundamentássemos unicamente pela observação do território e análise dos recursos locais, poderíamos convictamente afirmar a existência de um povoado em qualquer uma das cumeadas, pelas características morfológicas que estas apresentam. Numa zona onde se encontram povoados de maior destaque, pela morfologia do terreno, o Cabeço de Santo Estevão e Monte de Alfátima (C.M.P 1:25000 – Folha 212), cujo contacto visual é altamente abrangedor por toda a “Plataforma do Mondego” alcançando ao longe e igualmente de grande altitude a Serra do Caramulo, observamos uma série de cumeadas irrigadas por ribeiras mais modestas, afluentes do Rio Mondego. Uma prospeção de campo levada a cabo, na sequência desta investigação, permitiu-nos averiguar que muitos dos locais constantes neste ponto de grande altitude, citados por Martins Sarmento aquando da Expedição Científica à Serra da Estrela (SARMENTO, 1883) e Jorge de Alarcão quando realizava o inventário arqueológico para o Parque Natural da Serra da Estrela (ALARCÃO, 1993), não são locais totalmente descabidos de evidências arqueológicas. Entendemos e apontamos para a existência de uma rede de povoamento de altitude, no desenrolar da montanha até à “Plataforma do Mondego”. Muitos dos locais citados como, por exemplo o Monte de Alfátima – Gouveia, localizado a 1310m de altitude (ALARCÃO, 1993 e SARMENTO, 1883), e Castro do Cabeço Redondo – Gouveia (ALARCÃO, 1993 e SENNA-MARTINEZ, 1989), sítios localizados a grande altitude, cujos vestígios assinalados careciam de presença duvidosa pelos autores, mas que a nossa investigação esclarece com presença de dados materiais, sustentam a tese de ocupação proto-histórica dos locais. A presença do elemento defensivo é em todos eles uma constante, vestígios de muralha que atualmente ainda são visíveis é o vestígio mais exequível cuja ocupação dos locais consideramos. O Monte de Alfátima é um local de grande altitude, cujo campo de visão é amplamente claro e importante. Estas características, em primeira linha, conferem ao local um sítio estratégico e promissor para a implantação de um povoado. Se, por um lado, entendemos as altitudes elevadas como um ponto negativo para a fixação de populações de forma permanente, por outro lado, dados materiais como a presença de estruturas defensivas como são as linhas de muralha, muitas vezes estas são construções

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de bom aparelho sempre que possível aproveitando os afloramentos graníticos das cumeadas, dão nos conta que, quer por uma questão de estratégia defensiva, quer por uma questão de poder territorial, a localização de povoados a grande altitude não se justifica apenas pelos motivos já indicados ou estes podem ser considerados como locais de permanência temporária, aliados à exploração de atividades sazonais da montanha. A permanência a grande altitude de forma sazonal não seria justificada para a construção de uma muralha. Entendemos, portanto, que o poder do território poderia ser o motivo para a construção da estrutura defensiva como marco antrópico do domínio do lugar. A altitude a que se encontram é uma situação constante em todos os povoados desta vertente da Serra da Estrela, cujas cumeadas se encontram irrigadas na sua maioria por modestas ribeiras, afluentes do Rio Mondego (DAVEAU, 1969:40), um recurso importante para a exploração do território. A localização de diversos povoados na vertente Este dos concelhos de Seia e Gouveia leva-nos a apontar para uma possível rede de povoados em altitude, cuja característica principal é o contacto visual com a “Plataforma do Mondego” e a Serra do Caramulo. Bons exemplos deste local são o conjunto do Castro de Baixo e Castro de Cima (ALARCÃO, 1993), Alfátima (ALARCÃO, 1993 e SARMENTO, 1983), Cabeço Redondo (ALARCÃO, 1993 e SENNA-MARTINEZ, 1989 e 1995), Cabeço de São Sebastião e Castelões , estes dois últimos sítios inéditos, resultado de prospeções no âmbito da nossa investigação. O desenvolvimento de uma rede de povoados de altitude, localizados no desfraldar da montanha, leva-nos a entender a utilização desta zona, cujo campo de visão alcança a Serra do Caramulo, como zona de controlo e domínio territorial. Na vertente sul de Seia, na zona mais acidentada do concelho, onde se encontram implantadas algumas das aldeias de montanha 19 , cuja morfologia do terreno obrigou a uma harmonizada implantação do Homem, situam-se locais favoráveis para a implantação de povoados de altitude, em cumeadas acima dos 800m. Ao longo desta orla encontramos alguns povoados, cujas parcas referências eram citadas em dados bibliográficos de monografias locais, e onde a sua localização apenas foi possível, em muitos dos casos, por dados de populares.

19 Aldeias de Montanha do Concelho de Seia: Alvoco da Serra, Cabeça, Lapa dos Dinheiros, Loriga, Senhora do Desterro, Sazes da Beira, Teixeira, Valezim e Vide. |36

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O importante sítio do Bronze Final, Idade do Ferro e Romano para o estudo do povoamento na zona da Beira Alta, Cabeço do Castro de São Romão – Senhora do Desterro, São Romão, encontra-se a uma altitude de 888m nesta faixa de cumeadas, num cume sobranceiro irrigado pelo Rio Alva e a Ribeira da Caniça (SENNA- MARTINEZ, 1989). Este povoado, escavado na década de 80 do século XX e estudado por Senna-Martinez, Carlos Fabião e Amílcar Guerra, no âmbito do programa de investigação PEABMAM - Programa de Estudo Arqueológico da Bacia do Médio e Alto Mondego, é um dos dois locais pertencentes ao concelho de Seia alvo de escavação arqueológica e referencias bibliográficas sólidas, o que permite, num sentido verosímil, dada a índole da nossa investigação, ser um local consistente do ponto de vista arqueológico para um concelho cujas evidências arqueológicas mais concretas, resultado de escavações e estudos de campo, são escassas. Este território de morfologia acidentada, irrigado pelo rio principal, o Rio Alva, é um local favorável à implantação de locais de povoamento permanente. Sublinhamos o exemplo dos sítios: Cabeço do Castro de São Romão , Buraco da Moura de São Romão , Cabeças – Vila Cova e Monte do Castro – Valezim. A localização destes locais, salvo o caso do Buraco da Moura de São Romão , por este se tratar de uma gruta, encontram-se em cumeadas situadas a sul do concelho de Seia, na zona do Alto Alva, irrigadas por este rio e pela Ribeira da Caniça. O Monte do Castro (ALMEIDA, 1945: 335 e ALARCÃO, 1993: 13), em Valezim, localizado num monte sobranceiro, junto à ermida dedicada ao culto da Senhora da Saúde, é um dos sítios dos quais não tínhamos dados concretos, apenas referências bibliográficas e relatos populares. A existência deste local pela sua implantação em altitude e proximidade com uma via antiga ( Calçada de Valezim ) que vem na direção do Cabeço do Castro de São Romão , sempre nos pareceu viável, embora Alarcão a considera-se duvidosa, devido à presença de um outro povoado do mesmo carácter nas proximidades (ALARCÃO, 1993:13). Caminhando mais para sul, atravessando a Portela do Arão, encontramos o sítio: O Castro – Loriga - localizado a 900m de altitude numa zona de relevo bastante acidentado, cujo ambiente é rodeado por montes ingremes de penhas graníticas a 1500m de altitude, irrigado pela ribeira de Loriga. Pertencente à atual vila de Loriga, cuja monografia do concelho de Seia, redigida por Quelhas Bigotte, identifica este local como um “castro lusitano”, onde em 1759 eram visíveis ruinas e alinhamentos de muro.

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Com a romanização, este local foi deslocado para o sítio do Chão do Soito , considerado o povoado primitivo que deu origem à urbe atual (BIGOTTE, 1992:484). Loriga é o resultado do “domínio arcaizante da montanha” como descreve Orlando Ribeiro (RIBEIRO,1967: 167) à forma de adaptação do homem à montanha ingreme de forma a tirar o maior proveito dos seus recursos. A observação panorâmica, em altitude desta vila encaixada entre duas ribeiras, a Ribeira da Nave e a Ribeira de São Bento, da junção destas nasce a ribeira que dá o nome à vila – Ribeira de Loriga afluente do Rio Alva, impressiona pela beleza da sua implantação, cuja urbe se desenvolve desde a cumeada até ao vale nas ribeiras em sucessivos e simétricos socalcos agrícolas, como se se tratasse de uma maquete desenvolvida no esporão. Povoados localizados na “Plataforma do Mondego”, do período cronológico da Proto-História, mesmo localizados na zona de menor altitude, na área dos concelhos alvo da nossa investigação, aproveitam sempre montes dominantes da plataforma irrigada pelo elemento que lhe dá o nome – Rio Mondego - cujos cumes são afáveis para a implantação das populações. O sítio do Castelo , localizado em Arcozelo, concelho de Gouveia, é um bom exemplo de povoado fortificado da Idade do Bronze Final / Idade do Ferro cuja cronologia de ocupação se prolonga até à Alta Idade Média (ALARCÃO, 1993 e TENTE, 1999 e 2010), localizado a poucos quilómetros do Rio Mondego, num monte sobranceiro cujo campo visual é bastante favorável, para um alcance em todas as direções e em contacto com outros povoados do mesmo tipo. A 750m do monte do Castelo encontra-se situado o povoado do Risado . A sua ocupação estende-se até à época medieval (TENTE, 2007 e 2010), pela presença óbvia de uma necrópole de sepulturas escavadas na rocha, contudo uma intervenção no local poderia clarificar a ocupação e funcionalidade do mesmo. A ligação destes dois sítios quer pela proximidade, quer pelas evidências arqueológicas parece evidente e de alguma forma verdadeira (TENTE, 2010: 132). Consideramos que a cronologia mais arcaica deste sítio, assim como Jorge de Alarcão (ALARCÃO, 1993), remonta ao período do Bronze Final, Idade do Ferro. Pelo derrube de pétreo, que observamos no local, parece tratar-se de uma linha de muralha. Os investigadores Jorge de Alarcão e Catarina Tente consideram este local, dada a forte quantidade e dispersão de material cerâmico de construção e comum de época romana, inclusive a recolha de um fragmento de terra sigillata hispânica (ALARCÃO,

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1993:25), como sendo um casal agrícola ou uma villa de médias a grandes dimensões, implantado sobre um povoado anterior (ALACÃO, 1993:25 e TENTE, 2010: 129-137). A localização semelhante, já na área do concelho de Seia, dos aglomerados das freguesias de Torroselo – Outeiro do Castro (SARMENTO, 1883) e Castro de Paranhos da Beira - Paranhos da Beira (ALMEIDA, 1945), apontam para o que julgamos tratar-se de locais da Idade do Bronze Final e Idade do Ferro, já anteriormente referenciados, implantados em plena “Plataforma do Mondego” com as mesmas características e semelhantes realidades de ocupação, dos locais mencionados para o concelho de Gouveia. O Outeiro do Castro , em Torroselo, é referenciado por Martins Sarmento aquando da sua visita no âmbito da Expedição Cientifica à Serra da Estrela (SARMENTO, 1883). O sítio encontra-se implantado num monte destacado a 500m da urbe atual da freguesia de Torroselo, irrigado pelo Rio Cobral, que Jorge de Alarcão refere e localiza na cartografia do seu inventário: Arqueologia da Serra da Estrela (ALARCÃO, 1993:15). O contacto visual deste sítio é totalmente abrangedor, resultante da sua implantação favorável, mantendo contacto com os povoados implantados nas cumeadas da zona do Alto Alva. O povoado Castro de Paranhos da Beira , mencionado por João de Almeida, do qual apresenta fotografias, do que considera ser uma linha de muralha (ALMEIDA, 1945), entendemo-lo pertencente à Idade do Bronze Final / Idade do Ferro, situando-se numa elevação a norte do Santuário religioso dedicado ao culto de Santa Eufémia devido à observação cartográfica, à referência a um povoado proto-histórico num monte sobranceiro ao santuário, referido numa publicação da capela de Santa Eufémia (COELHO, 1993) e prospeções que realizámos no local. Os sítios de Outeiro do Castro e Castro de Paranhos da Beira são locais situados na “Planície da Beira Alta”, em elevações relevantes que lhes conferem paralelismo com os sítios do Castelo e do Risado em Arcozelo, concelho de Gouveia. Evidências arqueológicas poderiam atestar a nossa afirmação de forma mais viável, contudo as certezas já comprovadas para os povoados deste género, do concelho de Gouveia, levam-nos a sopor uma realidade paralela, dada a localização e características dos sítios. A dispersão e implantação dos povoados ocorre principalmente nos montes destacados em altitude ou nos sobranceiros da zona de planície, devido à presença dos

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rios principais (Alva e Mondego) e ribeiras afluentes vistos como um recurso atrativo à concentração de áreas de povoamento mais circunscrito e centralizado. A existência de povoados, na sua maioria implantados em elevações destacadas na paisagem, cujo anglo de visão é claramente abrangedor, é uma constante nos casos referidos para aglomerados da Idade do Bronze Final / Idade do Ferro, não só como sítios de destaque para meios de defesa e controlo de vias e portelas, mas também como uma preocupação em se manifestarem na paisagem, e com propósito de domínio e poder do território, aspetos importantes para uma sociedade que já se deparava com questões de carácter sociológico, como a liderança e hierarquização social.

5.2. Tipo de Sítios

Consideramos os sítios já referidos, cuja cronologia se estabelece no Bronze Final e se prolonga para a Idade do Ferro, como pontos estratégicos, cuja implantação obedece a uma estandardização da morfologia dos sítios de fixação e desenvolvimento, onde nomeadamente a conceção de “poder” e domínio territorial está presente nos propósitos sociológicos e de defesa dos habitantes e seu líder. A problemática coloca-se desde o Bronze Final, cujo contacto com o poder, quer social quer de ordem do domínio territorial, é um fator para a criação da hierarquia social (SILVA, 2010:22). A interpretação do território como uma forma direta de “poder” e domínio de uma área assumem um papel importante, para a organização e desenvolvimento do povoamento. A existência de lugares centrais , que possuem uma característica de agregação do território, pela sua situação geográfica e área útil, contêm mais população e mais atividades económicas, que podem protagonizar uma rede de produção e de trocas comerciais (SILVA, 2007). Numa análise da área que compõem os mais importantes povoados proto- históricos da região da Beira Alta, o povoado de Santa Luzia de Baiões, São Pedro do Sul e Santa Luzia, Viseu, pela sua dimensão e atividades desenvolvidas, designadamente a metalurgia, são considerados como locais centrais, inseridos numa rede de povoamento contemporâneo da Idade do Bronze Final, que abarca as cordilheiras da Estrela e do Caramulo e a “Plataforma do Mondego”, motivando o “Grupo de Baiões/Santa Luzia” para a criação de um padrão cultural e social para a Idade do Bronze na Beira Alta (SENNA-MARTINEZ, 1995: 118-122).

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Os sítios de montanha com forte e importante contacto visual com o meio circundante a curta, média e longa distância são locais em que, pela sua exposição geográfica, o domínio territorial assenta sobretudo na tipologia da sua construção e desenvolvimento, e no desempenho destas funções. É muito vulgar, na observação que realizámos das cumeadas em altitude ou dos montes sobranceiros da “Planície do Mondego”, nos depararmo-nos com grandes afloramentos graníticos, que dada a sua dimensão e elevação consequente da morfologia do terreno são sumptuosos. Estes afloramentos são utilizados na globalidade dos povoados por nós estudados, cuja implantação se apodera dos recursos que estas elevações lhes oferecem, provocando assim um aproveitamento, na grande parte dos aglomerados dos blocos graníticos para a construção ou suporte de estruturas, como são exemplos os sistemas defensivos, as linhas de muralha que circundam a elevação, acompanhando o declive ou a posição geológica dos elementos graníticos, para assim também usufruírem de marcos mais destacados no território, e estruturas, cuja robustez a prováveis ataques e persistência na paisagem, ao longos dos tempos, sejam estáveis e duradouras. O Castro de São Romão , no lugar da Senhora do Desterro, Freguesia de São Romão, concelho de Seia, é um local cuja implantação obedece a todo um conjunto de características aplicadas ao povoamento proto-histórico, confinadas ao propósito do lugar e às suas funções enquanto aglomerado populacional de dimensões consideráveis e estatuto de lugar central . Este local, descoberto por Martins Sarmento, aquando da Expedição Cientifica à Serra da Estrela, em 1881, é um povoado característico do Grupo de Baiões / Santa Luzia no estudo do Bronze Final na zona centro do país. A localização numa elevação sobranceira entre o Rio Alva e a Ribeira da Caniça, cujo contacto visual alcança a Serra do Caramulo, permite uma excelente vigilância e controlo de zonas de passagem, onde destacamos a via, com sucessivos troços de calçada, que liga ao sítio do Buraco da Moura (ALARCÃO, 1993:13), cujo traçado atual apresenta um lajeado cujas características dificilmente são romanas embora, possamos considerar o traçado no trajeto da via antiga, na direção do Monte de Castro localizado em Valezim. O Cabeço do Castro de São Romão , escavado e estudado por Senna-Martinez, na década de 80 do século XX, trata-se de um sítio emblemático para o estudo da Proto- História e Romanização da região Centro de Portugal, nomeadamente da Província da Beira Alta. Martins Sarmento, aquando da sua descoberta compara-o mesmo com os

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“castros” e a cultura castreja do Noroeste Peninsular com os quais este tinha contacto e vivência. Elabora um esboço (SARMENTO, 1883) do que este entende tratar-se de um povoado composto por duas linhas de muralha, facto que posteriormente se confirmou com a realização de escavações arqueológicas no ano de 1985 e seguintes (SENNA- MARTINEZ, 1986:44-46). Este povoado com uma diacronia de ocupação da Idade do Bronze Final, Idade do Ferro e Romano, pela sua notável área útil assume um exemplo correto do que se entende por um povoado fortificado do designado Grupo de Baiões/Santa Luzia, em comparação com outros povoados do mesmo carácter para a zona centro do país, considerando-o como um lugar central numa rede de povoamento, onde outros lugares próximos, constituídos por uma área útil mais diminuta, estariam relacionados com o desenvolvimento de uma atividade ou propósito de vigilância e controlo do território (SENNA-MARTINEZ, 1995: 118-122). Tabela 1: Grupo Baiões/Santa Luzia – Áreas dos Sítios de Habitat (Adaptado: SENNA-MARTINEZ, 1995:118) Sítio Dimensões Aproximadas Área Útil Aproximada C. Sª Guia 165m x 95m 15675m² C. Santa Luzia 160m x 90m 14400m² C C. São Romão 125m x 40m 5000m² C. Sª B. Sucesso 130m x 40m 5200m² C. São Cosme 140m x 40m 5600m² O. Castelos Beijós 140m x 45m 6300m² B. Moura S. Romão 3 “salas” 40m² Cabeço do Cucão 2 x 5m x 3m 30m² Malcata Círculo com raio=4m 50m²

Composto por duas linhas de muralha, correspondentes a ocupações diferentes do sítio, uma exterior, localizada a 60 metros abaixo da cumeada, e outra no nível superior do cabeço granítico, constituída por blocos que formam um “pequeno recinto” (SENNA-MARTINEZ, 1995:61). O sistema defensivo, à semelhança do que acontece em muitos dos sítios arqueológicos abrangidos pela nossa investigação, aproveita sempre que possível a barreira natural proporcionada pelos afloramentos graníticos, cujos intervalos se apresentam muitas vezes preenchidos por muretes, que justificam a

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ação humana reforçando a defesa com as condições naturais de proteção que os locais possibilitam. Localizada no extremo sueste do recinto, integrada no sistema defensivo, uma rampa escarpada cuja ligação é feita de forma abrupta a uma cota inferior onde se encontra uma plataforma. A cerca de 40m abaixo da segunda elevação, desenvolve-se a grande muralha, já identificada por Martins Sarmento. Delimita uma área de 400m a 200m onde se identificaram edificações cronologicamente atribuíveis ao período Romano Imperial (Séculos III-IV) (SENNA-MARTINEZ, 1995:62). A segunda muralha, cujo elemento reaproveitado de uma inscrição dedicada a Aedilis , um magistrado do Castro ou da Civitas de Bobadela, na qual o povoado integrava a área, permite uma datação atribuível ao período romano, designadamente o século III e IV d.C. (ALARCÃO, 1993:14). As campanhas arqueológicas realizadas incidiram sobretudo na área de ocupação mais arcaica do sítio, que remonta ao Bronze Final. As evidências arqueológicas colocaram a descoberto importantes e bem conservados solos de ocupação habitacional, como é o caso descrito de uma “cabana” de planta aproximadamente retangular, limitada a norte por afloramentos graníticos com uma lareira, mais ou menos no ponto central. Os materiais relacionados com o interior são na sua maioria olaria fragmentada, de fabrico manual de forma integrável no grupo “Baiões/Santa Luzia” e ainda a considerada presença de um tear vertical, pela presença de diversos pesos sobre seixos rolados achatados jazidos entre dois buracos de poste (SENNA-MARTINEZ, 1995:62- 63). O Bronze Final é o período, na área que estudamos onde começam a surgir o que se pode entender por uma malha de lugares centrais. Estes caracterizam-se sempre por possuírem dimensões mais prósperas, o que se traduz numa maior configuração em albergar um maior número de habitantes e atividades (SENNA-MARTINEZ, 1995:119). O Cabeço do Castro de São Romão , por todas as características que o constituem, é um bom exemplo do que se pode entender por lugar central inserido numa rede de povoamento mais ou menos densa. O Buraco da Moura de São Romão é entendido por Senna-Martinez como um lugar secundário, e até considerado um local de apoio a atividades desenvolvidas no Castro de São Romão, cuja distância é parca (SENNA-MARTINEZ, 1995:119). Configuração em gruta entre afloramentos graníticos de uma sucessão de “salas”, em que as dimensões modestas concedem a este sítio, o que

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entendemos ser um abrigo de cariz sazonal, relacionado com atividades endógenas ligadas ao ambiente em montanha, como é exemplo a caça, que podemos considerar para um grupo limitado de indivíduos (SENNA-MARTINEZ, 1995:119). Se fizermos o esquema de observação e demarcação de sítios de implantação e de distâncias entre povoados, sejam lugares centrais ou povoados secundários, aplicando o modelo de João Inês Vaz, em que este entende que o distanciamento entre os lugares centrais seja de 33km e a distância dos povoados secundários aos lugares centrais de aproximadamente 11km, com uma distância inferior em relação aos lugares terciários (VAZ, 1988:150), a zona que consideramos por “Rede de Povoamento do Alto Alva”, que compreende os sitos do Cabeço do Castro de São Romão , Buraco da Moura de São Romão , Monte do Castro , em Valezim, e Cabeças , em Vila Cova, são povoados cuja implantação e evidências arqueológicas, ainda que parcas em relação aos povoados situados na área de Valezim e Vila Cova, julgamos oportuno afirmar tratar-se de uma rede de povoamento irrigada pelo Rio Alva, cujos interesses e exploração do território estariam interligados, embora a morfologia do terreno possa de alguma forma ser um entrave à relação, pelos montes abruptos e vales encaixados, a distância não invalida de qualquer forma a exploração “em rede” do território, já que todos eles mantêm contacto visual entre si. O povoado Monte do Castro , situado em Valezim, no topo de um monte sobranceiro à aldeia, cujos vestígios observámos e vimos relatados por Quelhas Bigotte (BIGOTTE, 1993: 678) e populares, aos quais questionamos a exatidão do local. Numa simples análise do terreno, não poderíamos convictamente afirmar que se trate de um sítio do Bronze Final/Idade do Ferro. O denso manto florestal impossibilita os olhares mais distraídos, da perceção do local, contudo, numa análise mais compenetrada, conseguimos localizar o que entendemos tratar-se de duas linhas de muralha, pelo alinhamento e derrube pétreo. Recolhemos fragmentos cerâmicos muito rolados, atribuíveis à Idade do Ferro. No limite sudoeste do concelho de Seia, pertencente à freguesia de Torroselo, a elevação sobranceira irrigada pelo Rio Cobral onde se localiza o Outeiro do Castro (ALARCÃO, 1993: 14 e SARMENTO, 1983: 9), do qual ainda hoje restam vestígios, entendemos tratar-se de um sítio semelhante a outros locais localizados no vale do Mondego, nomeadamente o Castelo , em Arcozelo, concelho de Gouveia. A morfologia do terreno e características materiais assim o denunciam, mas apenas com evidências,

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que uma intervenção arqueológica nos poderia oferecer, poderíamos então avançar com segurança na nossa interpretação. Localizados já na “Plataforma do Mondego” irrigada pelo rio que lhe dá nome, a parcos metros deste, os povoados do Castelo, Risado (ALARCÃO, 1993: 25 e TENTE, 2010: 132 ) e Castelejo (ALARCÃO, 1993: 25 e TENTE, 2010: ) são locais cuja implantação dominante em cumeadas de elevações da Plataforma da Beira Alta, integradas na área do concelho de Gouveia, promovem o que podemos afirmar também tratar-se de uma rede de povoados, a parcos quilómetros de distância entre si. No caso do Castelo e Risado , a cronologia de ocupação dos locais é sincrónica, assim como a distância de 750m que os separa é favorável ao que podemos designar de “intercâmbio social”. Estes dois locais têm contacto visual e a morfologia do terreno é favorável à relação entre os dois aglomerados. O sítio do Castelo encontra-se localizado numa elevação granítica da “Plataforma do Mondego”, pertencente à freguesia de Arcozelo, concelho de Gouveia. Povoado fortificado com ocupação documentada desde o Bronze Final até à Alta Idade Média, ainda que não confirmada, cronologicamente, que esta ocupação seja contínua, a posição estratégica do local com boas condições de defesa e controlo de parte do vale do Mondego, a implantação sobranceira dos terrenos férteis das Ribeiras de São Paio e Gouveia, conferem-lhe uma aparência análoga a outros povoados da mesma índole, da área da “Planície da Beira Alta” (TENTE, 2010: 118-119). A linha da estrutura defensiva delimita a elevação, aproveitando sempre que possível a configuração natural oferecida pelos afloramentos graníticos do sítio. A ocupação do local encontra-se documentada por prospeções e sondagens arqueológicas levadas a cabo por Catarina Tente em 1996, cujos resultados não foram os mais desejados, segundo relato da arqueóloga (TENTE, 2010: 115), contudo esta salienta o facto de o povoado ter uma ocupação mais circunscrita ao espaço central do espaço, pela elevada marca de rolamento dos materiais, então obtidos na campanha de escavação (TENTE,2010: 119). O sítio do Castelejo é outro exemplo de povoado, localizado numa elevação destacada do vale do Mondego, cuja configuração é muito idêntica aos povoados desta área de baixa altitude. Pertencente à freguesia de Vila Cortês da Serra, concelho de Gouveia, o povoado fortificado do Castelejo é composto por três linhas de muralha de aparelho bastante rústico, que circunscrevem a elevação. Encontra-se a parcos quilómetros do povoado já referenciado, o Castelo (Arcozelo), cujo carácter é muito

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idêntico. Foi realizada uma sondagem em 1996, junto às linhas de muralhas, cujos resultados não foram conclusivos, por não terem sido alcançados níveis de ocupação. A ocupação deste povoado é bastante duvidosa devido às poucas evidências arqueológicas, contudo na ficha de sítio integrante na base de dados on-line : Portal do Arqueólogo – DGPC, é referida a cronologia de ocupação do Bronze Final, pelos materiais de natureza lítica, mós manuais e cerâmica comum, recolhidos aquando da sondagem, em 1996. Este local, referenciado por João de Almeida como um “castro” (ALMEIDA, 1945:252), consideração sobre a qual Jorge de Alarcão está em desacordo quando este refere: “ […] presume a existência de um castro do qual não encontrámos vestígios. ” (ALARCÃO, 1993: 27). Uma intervenção no local poderia averiguar com exatidão a tipologia do sítio, assim como materiais atestariam a funcionalidade do local. Localizados numa zona de altitude mais elevada, cujo amplo campo visual e a predominância de estruturas físicas de defesa composto por uma ou mais linhas de muralha, são as grandes características exatas destes povoados. Encontram-se no que julgamos tratar-se de uma rede de povoamento a meia encosta, localizadas numa linha de território onde confluem os limites dos concelhos de Seia e Gouveia. Trata-se dos sítios de Alfátima – Paços da Serra; Campo Redondo – Nabais; Castro de Baixo , Paços da Serra; Cabeço de São Sebastião , Santa Marinha e Castelões ou Crasto , São Martinho. A observação e visitas ao terreno, quando este o possibilitava, que realizámos no âmbito da nossa investigação, permitiu apurarmos, numa primeira análise, o reconhecimento das estruturas pétreas que compõem as estruturas defensivas, que constituem e dão evidência a estes locais, imaculados de intervenção arqueológica, sobre os quais apenas podemos tecer considerações passíveis de alterações futuras, quando surgirem trabalhos mais aprofundados sobre a realidade destes lugares.

5.3. Recursos e Tipo de Exploração

A implantação e desenvolvimento dos aglomerados e as dinâmicas humanas realizadas pelas populações relacionam-se não apenas pelas vivências e estratégias de defesa de ver e não ser visto, mas também com a exploração do território como forma de demostrar o seu domínio e auto-sustentabilidade, sobretudo em atividades promovidas por aglomerados de superiores dimensões, onde o número de habitantes é maior e promove então distintas atividades e engenhos na exploração dos recursos. |46

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Os elementos fornecidos pelas investigações em povoados, na sua relação com atividades desenvolvidas nos aglomerados é o ponto de partida para podermos avançar com um registo de atividades dinamizadas, com um carácter de sustentabilidade local ou comercial com outros aglomerados. Para este ponto da nossa investigação dispomos dos casos investigados e bem documentados dos sítios já analisados anteriormente: Cabeço do Castro de São Romão , concelho de Seia, sítio do Castelo e Castelejo , concelho de Gouveia. Estes locais quando, intervencionados, quer em campanhas ou modestas sondagens arqueológicas, conseguiram clarificar algumas das atividades desenvolvidas nestes povoados, sobretudo pela presença, em níveis de ocupação, de mós manuais, pesos de tear e cossoiros, entre outros objetos. Estes elementos arqueológicos denunciam um claro desenvolvimento de atividades de subsistência ou com vista a trocas económicas, protagonizadas, muitas vezes, com a devida exploração dos recursos endógenos, cujo aproveitamento era relevante para o modo de vida e sustentabilidade do aglomerado. Surgem áreas cujos materiais e vestígios arqueológicos em níveis de ocupação, bem conservados, com configuração bem demarcada ou a clara associação a elementos, designadamente os pesos de tear sobre seixos, situados entre buracos de poste, são interpretáveis como vestígios claros da presença de um tear vertical (SENNA- MARTINEZ, 1995:63), localizados no ambiente interior de uma estrutura tipo “cabana”, descrito pela intervenção realizada no Cabeço do Castro de São Romão . É no Bronze Final para esta zona geográfica da Beira Alta, que dispomos de dados consistentes que atestam a produção local de artefactos metálicos. Os elementos líticos sofrem neste momento, mesmo com a paralela utilização do metal, uma continuidade. Artefactos de pedra lascada e polida continuam a aparecer, em níveis conservados, demonstrando assim a sua funcionalidade ainda em meios da Idade do Bronze Final. Artefactos líticos, designadamente os enxós e machados de pedra polida (SENNA-MARTINEZ, 1995:120), são uma constante em ambientes arqueológicos da Idade do Bronze Final, elementos associados à prática da agricultura. A metalurgia assume sem dúvida um forte dinamismo como atividade para o período do Bronze Final. Depósitos metalúrgicos associados à atividade em aglomerados de índole central, cuja área compreende locais de fundição e transformação do metal, são explorados e atingem até uma escala regional, no que concerne a tipologias e respetivas trocas de materiais. O representativo sítio do Castro de Santa Luzia de Baiões , São Pedro do Sul – Viseu, pela sua dimensão e carácter de lugar

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central possui um bem investigado e documentado depósito metalúrgico, designado por “depósito de Baiões” (SILVA, SILVA & LOPES, 1984). O Cabeço do Castro de São Romão é um sítio que integra a nossa área de estudo que incorpora a tipologia metalúrgica do “depósito de Baiões” cujas peças, designadamente punções e lanças, obedecem a esta tipologia regional. Peças metalúrgicas e estruturas de transformação aparecem neste povoado muitas vezes em contexto habitacional ou numa estrutura de fundição própria e organizada (GIL, et alii , 1989: 236), o que podemos afirmar que seria uma atividade desenvolvida de forma sistemática e em grande escala com fins comerciais, onde também existiam “pequenos fundidores”, produziam suas próprias peças como objeto de poder/prestígio e estatuto social. A presença de uma estrutura de fundição organizada e vocacionada apenas para o desenvolvimento desta atividade é característica para povoados de carácter hegemónico e central. O desenvolvimento da atividade metalúrgica é proporcionada pela assistência relativamente abundante de minérios de laboração antiga de estanho e ouro na região (SENNA-MARTINEZ, GARCIA e ROSA, 1984:117-118), contudo o contacto através de trocas inter-regionais facultou o acesso ao cobre, elemento fundamental para a produção do bronze (SENNA-MARTINEZ, 1995:120). A atividade da transumância desenvolvida intensivamente nas montanhas da Serra da Estrela reforça a presença humana nas cumeadas, onde ainda hoje, no “andar intermédio” (800-1600m) é promovido o cultivo de cearas de centeio. As rotas da transumância, responsáveis pela vigência de grandes vias antigas, utilizadas com a mesma finalidade na atualidade, constituem um marco importante para o que entendemos tratar-se das rotas de trocas comerciais e circulação de pessoas e animais. A presença de estruturas de tecelagem, fundição, armazenamento, moagem e transformação de bolota, denuncia claramente todo um conjunto de atividades desenvolvidas nos povoados, respeitantes a recursos endógenos do meio em que se encontram inseridos. O elemento mais comum, mesmo quando realizadas prospeções de superfície, é o aparecimento de mós manuais ou seus dormentes, que acusam claramente a transformação e moagem de cereais como atividade desenvolvida. São exemplo disso os achados encontrados, em 1997, na barragem Vale do Rossim, a mais de 1400m de altitude, de um machado e um fragmento de machado em pedra polida, um dormente de

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mó manual e a identificação de possíveis sepulturas cistoides (CARDOSO e GONZALEZ, 2002: 242), que comprovam a presença humana em zonas de grande altitude, que entendemos ter um carácter sazonal ou com ligações diretas a atividades de montanha a dada altura do ano, como é o caso do cultivo e moagem de cereais. A sedentarização das sociedades do Bronze Final e Idade do Ferro, sustentada pela prática da agricultura e pastorícia, demonstra uma ligação forte ao espaço e território no qual se firma o povoado e desenvolvem as atividades. A prática da agricultura na zona da “Plataforma do Mondego”, julgamos ter uma relevância mais apropriada, dada a fertilidade e morfologia do vale, irrigado pelo Rio Mondego. Os povoados do Castelo , Arcozelo e Castelejo , Vila Cortês, usufruiriam mais da sua implantação em plena plataforma, com o que julgamos ser favorável a uma prática agrícola e de pastoreio mais intensiva e propicia à orografia do terreno. A caça seria uma outra forma de subsistência dos aglomerados, com especial ocorrência nos povoados de montanha, pelo contacto que estes dispõem com espécies como o javali e o veado. Ligada a esta prática temos a já referida atividade da metalurgia na fabricação das armas de caça.

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6. Povoamento Romano

A História da Península Ibérica e de forma mais particular, da província romana da Lusitânia condicionaram o estabelecimento das comunidades e a sua forma de subsistência, nomeadamente na zona serrana objeto da nossa pesquisa. As comunidades implantadas encontram-se sempre condicionadas pela morfologia do território, modelada pelo intenso isolamento dos seus montes ingremes (SIMÕES, 1979). A paisagem, na Romanidade, das áreas dos concelhos alvo do nosso trabalho de investigação, à semelhança com o que se desenvolvia por toda a região Norte, caracteriza-se por uma disposição Humana muito dispersa associada a áreas com características fortes para o cultivo, estas, por sua vez, também marcadas pela presença de linhas de água para a irrigação, vias de comunicação e áreas de altitude mais elevada (TENTE e LOPEZ, 1998: 293-297). Entre os abruptos montes serranos da Serra da Estrela até à Serra do Caramulo, na designada “Plataforma do Mondego”, desenvolve-se um povoamento mais recente do ponto de vista cronológico (séculos I a VI d.C.), predominando as villae e casais agrícolas com uma organização mais estruturada. O objetivo dos núcleos rurais era a exploração dos campos férteis da planície do Mondego, com vista à sua subsistência e desenvolvimento económico (LOURENÇO, 2007). O declive abrupto da montanha serrana de configuração granítica ainda hoje dificulta a prática agrícola, existindo uma exploração agrícola de subsistência desenvolvida em socalcos. A ocupação e fixação pelo Homem e sua movimentação pelo território sempre condicionada pelos fatores naturais do espaço, caracteriza muitas vezes a forma de vida e vivências, aspeto mais relevante do ponto de vista sociológico, das populações e seus aglomerados. O processo de “Romanização” promoveu a ocupação dos vales férteis, levou à construção das villae e núcleos de casais rurais, que potenciaram núcleos de atração aos habitantes dos povoados fortificados, localizados em zonas de altitude. Consideramos que as populações em busca de uma área mais arável e menos condicionadas pelo relevo escarpado tenham a certa altura procurado a fértil e irrigada “Plataforma do Mondego”, que ainda hoje é muito utilizada para a prática agrícola e estabelecimento das populações, cuja construção em área é mais proveitosa e aprazível.

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A questão do conjunto sociológico dos povos que ocupavam a província romana da Lusitânia, designados frequentemente por lusitanos, é amplamente discutível e colocada por vários investigadores. Quem teria ocupado o território serrano nas idades do Bronze Final, Idade do Ferro e Período Romano? Jorge de Alarcão redige um artigo publicado na Revista Portuguesa de Arqueologia, volume 4 nº2 de 2001 : Novas perspetivas sobre os Lusitanos (e outros mundos) , onde considera os lusitanos como um coletivo social que agrupa vários populi , localizando-os geograficamente (ALARCÃO, 2001: 293- 349). Os Tapori, uma variante do conjunto sociológico, teriam a sua sede na civitas de Bobadela, parte da qual estaria integrada na área do concelho de Seia; os Interanienses , localizados na civitas de Vissaium, atual Viseu, influenciariam a área do concelho de Gouveia, mais pela zona confrontante com Mangualde e (TENTE, 2010:429). O território em análise encontrava-se fortemente influenciado pelas civitas de Bobadela, Viseu (Vissaium) e Idanha-a-Velha (Igaeditanorum), que à maneira romana incutiam hábitos e regras de disposição territorial, como é exemplo a promoção da deslocação das zonas do povoado de montanha para zonas de planície, ação do Império, que a partir da época dos Flávios intensificou mais a descida (MACHADO, 2012: 25). A proximidade com estas cidades influenciou e proporcionou um atrativo à implantação dos sítios de habitat nas áreas adjacentes, onde se integra o território alvo de análise. A falta de investigações na área de estudo sobre temáticas concernentes ao período Romano dificulta em larga medida a nossa investigação, onde apenas poderemos partir das evidências arqueológicas disponíveis, sendo estas escassas. Mais completa e intransigente seria a nossa pesquisa e considerações, se trabalhos arqueológicos sólidos fossem desenvolvidos, designadamente na área de planície do Mondego, onde julgamos ter existido uma rede de núcleos de carácter rural, que exploraram de forma intensa esta área fértil.

6.1 Sítios de Implantação

O processo de “Romanização” promoveu a ocupação dos vales férteis, levou à construção das villae e núcleos de casais rurais, que potenciaram núcleos de atração aos habitantes dos povoados fortificados, localizados em zonas de maior altitude. Estes núcleos desenvolvidos na sua maioria nos terrenos férteis da “Plataforma do Mondego”, tinham um propósito importante no que toca à escolha deste vale fértil e |51

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bem irrigado, cuja potencialidade de um melhor modo de vida, pelas construções que se edificaram e intenção de exploração agrícola seriam o primordial requisito para a fixação e desenvolvimento do que julgamos tratar-se de uma rede de núcleos rurais com aptidão para o desenvolvimento de atividades sólidas, assumindo mesmo carácter económico. O desenvolvimento dos povoados assente verdadeiramente na apropriação e exploração do território, atinge com o “fenómeno da Romanização” uma índole mais vincada, no sentido que a descida das cumeadas é realizada com o intuito do aproveitamento da plataforma fértil e irrigada. Nesta área desenvolveu-se uma substancial rede de vias de apoio à fixação e desenvolvimento aos povoados, cujo traçado, quer principal quer secundário, obedece a uma proximidade com os locais, provendo assim um meio de contacto e circulação de pessoas e bens. Entendemos, dado o exemplo da área correspondente à “Plataforma do Mondego”, a fixação e desenvolvimento dos sítios de ocupação marcadamente romana, como é o caso específico das villae e casais agrícolas, nas zonas periféricas das linhas de água, cuja irrigação proporciona um bom aproveitamento agrícola dos solos e nas imediações dos traçados concernentes a vias principais ou secundárias, pelo bom contacto que estas proporcionam com os núcleos urbanos e a favorável movimentação de pessoas e bens. A questão das vias romanas para a área em estudo é uma tese não clarificada, pelos parcos vestígios romanos da zona, porém, susceptível de considerações por parte de alguns investigadores (ALARCÃO, 1993; CARVALHO e RUIVO, 1996 e TENTE, 2010). A confluência de vias existente na área de estudo potencializou a fixação de núcleos de carácter rural, como por exemplo a villa do Monte Aljão, escavada e bem documentada por Catarina Tente, no prosseguimento da sua dissertação de doutoramento (TENTE, 2010: 53-114) e do casal agrícola do Risado (ALARCÃO, 1993 e TENTE, 2010), localizado em Arcozelo. Estes dois sítios, integrantes na área do concelho de Gouveia, são emblemáticos para o nosso estudo, designadamente no que toca aos núcleos rurais da “Plataforma do Mondego”, pelas evidências materiais e arqueológicas que possuem e particularmente pela única intervenção arqueológica de que dispomos para locais desta índole, para esta área de planície, cujo rigor imprescindível credibiliza a autenticidade e importância do lugar. A localização dos núcleos habitacionais está inerentemente relacionada com as vias de comunicação. Atentemos ao exemplo que o mapa 02 ilustra, cujos locais Monte

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Aljão e Risado se encontram consideravelmente enquadrados no cruzamento das vias principais que originárias da civitas de Viseu atravessariam a Serra da Estrela (TENTE, 2010: 431). Nas freguesias mais a norte do concelho de Gouveia, a julgar pelo traçado da via que viria de Abrunhosa-a-Velha, passava em Gouveia, Folgosinho e seguia para Valhelhas (RUIVO e CARVALHO, 1996:77-88), existiam, adjacentes à via, núcleos urbanos rurais. Jorge de Alarcão referencia alguns achados isolados e locais com possível ocupação romana, nas freguesias de Nespereira, Nabais, Vinhó e Vila Cortês da Serra (ALARCÃO, 1993: 24-27)

1 – Monte Aljão 2 – Risado A – Rio Mondego - - -: Provável rede de caminhos romanos do Alto Mondego ______: Via romana que ligaria Viseu a Idanha, A atravessando a Serra da Estrela

Mapa 03 - Relação dos sítios: 1- Monte Aljão e 2 – Risado , com o traçado da rede viária romana do Alto Mondego (adaptado: TENTE, 2010: 430)

Embora não comprovada a autenticidade da origem romana da via, a atual estrada nacional 17 ou também apelidada de “Estrada da Beira” (ligação Celorico da Beira – Coimbra), cujo traçado presente atravessa os dois concelhos alvo da nossa investigação, é considerada uma via imperial que ligaria a Aeminium , atual cidade de Coimbra, e esta por sua vez a Conímbriga (SAA, 1959 tomo II:295). A consideração desta via é importante na medida que poderemos correlacionar a disposição geográfica |53

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de um número considerável de sítios, localizados na nossa área de análise, a ela adjacentes, que pela sua proximidade com esta via, são locais relevantes. A presença de um marco miliário em Paços da Serra, concelho de Gouveia, surge como um elemento importante, embora atualmente este se encontre descontextualizado, para a correlação geográfica do que seria o traço da rede viária antiga. Este miliário mereceu atenção por parte de alguns investigadores (SAA, 1959; ALARCÃO, 1993 e TENTE, 1998), cujas considerações demostraram uma análise viável sobre a temática da viação de cronologia romana contextualizada com os sítios de habitat. Miliário epigrafado de Paços da Serra, do qual apresentamos uma leitura, faria parte da via que vinda de Viseu seguia para a civitas de Bobadela:

C A I I S M . A V R M A X V M I A N O P . P. A V G .P . M . X X I

Registado por Mário Saa, que o considera como pertencente à via de Talabrica a Lancia Oppidana , cuja leitura registou no tomo II de “ As Grandes Vias da Lusitânia – o itinerário de António Pio ”:

I…P Imperatori

CAIIS Caesari

M. AVR Marco Aulerio

MAXSVM Maximiano

IANO P. P. Pater Patriae,

AVG. P. M. Augustus Pontifex Maximus.

XXI XXI

A freguesia de Paços da Serra, concelho de Gouveia, é relativamente abundante em vestígios materiais, como comprovam os elementos fornecidos, aquando da nossa visita para o registo do marco miliário, pela proprietária do núcleo de turismo de habitação: “Casa Grande”. Neste local suspeitamos da existência de uma villa romana ou casal agrícola, de implantação influenciada pela passagem da via. |54

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A localização geográfica da nossa área de estudo é perfeitamente compatível com a fixação de populações pela proximidade com as civitae de Viseu e Bobadela, polos urbanos atrativos e influentes das áreas adjacentes. Contudo, entendemos a ocupação do território, predominantemente de carácter rural, disposta em pequenos núcleos ou mesmo focos isolados formando um coletivo de locais. A questão da continuidade/descontinuidade na utilização dos povoados de altura é uma temática colocada, que embora enfrente algumas condicionantes pelos poucos exemplos de proximidade, que poderiam estabelecer um padrão de correspondência, ainda se confronta com outra condição que remete para a função desempenhada pelos aglomerados de habitat ao longo das diferentes conjunturas da sua existência (GUERRA e FABIÃO, 1996: 144-146). Podemos considerar como coerente a ocupação, ainda que não de forma tão ativa, de locais em altitudes mais elevadas no período Romano, como é exemplo o Cabeço do Castro de São Romão , integrante na área do concelho de Seia. Este sítio já por nós referenciado no ponto: 5. Povoamento Proto-histórico, é um local bem documentado sobre o impacto do “fenómeno da romanização” (GUERRA e FABIÃO, 1996), em locais com ocupação do Bronze Final e Idade do Ferro. O sítio com ocupação arcaica apresenta evidências, sobretudo materiais na romanização do povoado, pela presença de um elemento reaproveitado na construção da segunda linha de muralha, trata-se de uma ara com inscrição dedicada a aedilis , magistrado do castro ou da civitas de Bobadela, cuja área possivelmente integrava (ALARCÃO, 1993:14). Outra descoberta que demonstra a romanização do sítio é o tesouro constituído por mais de 1000 moedas (denários republicanos) encontrado em 1987, na encosta meridional do castro junto a um grande afloramento granítico (ALARCÃO, 1993:15). Integrante na considerada rede de povoados do Alto Alva, sítio de Cabeças, em Vila Cova, concelho de Seia, é um local sem evidências arqueológicas seguras, contudo os vestígios materiais aquando da nossa prospeção apontam para uma ocupação do local em época romana. Suspeitável de ocupações anteriores, a cronologia Romana/Alta Idade Média deste local de altitude, implantado numa elevação ingreme irrigada pelo rio Alva, comprova a implantação de povoados em zonas cujo terreno apresenta uma orografia mais acidentada. Existem relatos da descoberta de tesouros romanos encontrados sobretudo em locais de grande altitude, como é o exemplo de Alvoco da Serra – concelho de Seia,

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mais concretamente na Quinta do Aguincho . Neste local há referência ao aparecimento de um tesouro de 1000 moedas romanas, designadamente denários republicanos (ALARCÃO, 1988:68 e 1993:12). Um achado semelhante é referenciado por Jorge de Alarcão, para a aldeia de Sandomil, concelho de Seia (ALARCÃO, 1988:68 e 1993:15). Estes achados isolados poderão ser correlacionáveis com a existência de povoados nas proximidades que, num momento de adversidade, teriam guardado os seus bens mais valiosos, contudo não deixam de ser descabidos de contexto arqueológico, comprometendo as considerações que podemos tecer sobre eles. Para o concelho de Seia, a realidade do ponto de vista arqueológico para sítios do período romano é obscura pelos parcos dados que obtemos, contudo submetemo-nos a uma singela consideração e correlação aos dados que adquirimos para a área de Gouveia. Quando Jorge de Alarcão refere que “na baixa entre Pinhanços e Santiago, irrigada pelo rio Seia e pelas ribeiras que nele confluem, tem solos férteis. Surpreende que não tenham encontrado aqui vestígios de villae ou de casais romanos.” (ALARCÃO, 1993:17), gostaríamos de com a nossa investigação poder ter evidências materiais e arqueológicas sólidas, que poderiam confirmar esta reflexão. Contudo, o sítio inédito que julgamos tratar-se de uma villa ou casal agrícola, nas proximidades de Seia, lugar de Vodra, a poucos metros do Rio Seia, por nós prospetado, cujos materiais recolhidos, ainda que muito rolados pela ação antrópica e agrícola, comprovam que se trate de um local que, em conjunto com muitos outros, ainda na profundidade dos solos, incorpore o que julgamos tratar-se de uma rede de casais agrícolas da “Plataforma do Mondego”, os quais teriam de permeio uma ou outra villa localizada nas imediações, como sugerem os vestígios descritos. O sítio da Quinta da Lameira , localizado em Tourais, concelho de Seia, é um local cujas evidências arqueológicas sólidas não existem, à exceção da realidade material de cronologia romana que o sítio oferece. A localização do sítio é sugestiva pela total implantação na fértil e irrigada “Plataforma do Mondego”, a parcos quilómetros do rio que lhe dá nome. A existência por nós comprovada de dois locais (Santo Aleixo e Quinta da Lameira ) na área que integra o concelho de Seia, implantados em zona de baixa altitude, são por nós consideradas como um paralelismo em relação a outros locais da área do concelho de Gouveia, nomeadamente a comprovada villa do Monte Aljão.

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As zonas de meia encosta com pendor para a zona de planície, também propiciam a implantação de locais de habitat de cronologia romana, referindo como os sítios da Quinta da Nogueira , próximo da cidade de Seia, considerado como uma suposta aldeia tardo-romana – vicus (ALARCÃO, LOPES e MOURA, 1985: 190), e o sítio Regadas em Aldeias, concelho de Gouveia, próximo de uma sepultura escavada na rocha, onde surgem fragmentos de cerâmica comum e de construção assim como uma “mó giradeira” recolhida por Tavares Ferreira. Este local já referenciado por Jorge de Alarcão, (ALARCÃO, 1993: 18) é considerado pelo mesmo como um casal agrícola de pequenas dimensões ou uma villa . Estes locais localizados já em zonas próximas da planície obtêm um amplo campo visual e o facto de não se encontrarem em zonas de montanha escarpada possibilita uma exploração regular do território.

6.2 Tipologia de Estruturas

A ocupação romana da área em estudo baseia-se principalmente na ocupação de zonas de baixa altitude, cuja morfologia do terreno atrai e possibilita condições de vida mais salutares. A construção nestes lugares acompanha a benéfica condição que a orografia do terreno proporciona e a intenção estruturada da funcionalidade das estruturas. A “Plataforma do Mondego” constitui um importante espaço natural para o que julgamos tratar-se da fixação de uma rede de aglomerados de caráter rural, com o desenvolvimento de atividades inerentes ao meio. A inexistência de investigação e trabalhos arqueológicos, que com o seu contributo tragam a clareza necessária para a formulação de estudos de natureza tipológica sobre a implantação e configuração do que seriam os sítios de habitat durante o período romano, é uma questão que nos levanta alguns entraves aquando da nossa reflexão sobre o que seriam as estruturas que edificavam os locais da ocupação romana e que funcionalidades teriam ao projeto de vida das populações. A villa romana do Monte Aljão , localizada na freguesia de Rio Torto, concelho de Gouveia, é local intervencionado e bem documentado por Catarina Tente, na sua dissertação de doutoramento (TENTE, 2010: 53-114). Através deste exemplo, único sobre o qual temos dados concretos, vai-nos ser possível realizar uma correlação com outros locais por nós prospetados, que por diversas características apresentam matérias e |57

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semelhanças tipológicas e funcionais. A primeira referência ao sítio arqueológico é realizada por Bernardo Rodrigues, numa carta 20 de 9 de maio de 1904 a Leite de Vasconcelos. Na década de 80 do século XX, na sequência de trabalhos desenvolvidos para o plantio de vinha, expuseram-se vestígios arqueológicos. Para minimizar e combater a destruição do local, foi realizada uma intervenção arqueológica por parte dos Serviços Regionais de Cultura da Zona Centro, de que resultou um relatório onde são descritas, ainda que de forma simples, as ocupações do local intervencionado mas sem referências aos materiais arqueológicos obtidos ou ao paradeiro destes. Foi intervencionada uma área de 45m², onde se descobriram cinco níveis de ocupação. A mais arcaica ocupação do local corresponde à fundação de um edifício romano, sobreposto ao referido edifício correspondem níveis de ocupação de uma necrópole de inumação e um edifício medieval de planta sub-quadrangular. Este sítio, considerado uma villa romana, localizada na planície fértil do Mondego, assume destaque pela implantação próxima da via que ligaria Viseu (Vissaium ) à Bobadela (Oliveira do Hospital), cuja intervenção arqueológica possibilitou o balizamento cronológico de ocupação que remonta ao século II d. C. com materiais de época romana, designadamente um sestércio de Trajano e fragmento de terra sigillata hispânica (TENTE, 2010: 80). Da área intervencionada por Catarina Tente, foi possível certificar através da configuração e tipologia das estruturas, que esta villa se dedicaria a atividades de índole rural, designadamente a exploração agropecuária e atividades ligadas à manutenção e transformação de lã – lanifícios (TENTE, 2010: 81). As estruturas identificadas pela intervenção realizada em 2008 e 2009 revelaram parte da edificação do local, designada de compartimento I, II e III. Esta “divisão” era constituída por vários tanques. Várias pias de granito de grão fino, material escolhido conforme a função que estas iriam desempenhar já que este tipo de granito, ao contrário do que a região possuiu (granito porfiróide), permitia a impermeabilidade destas estruturas que seriam utilizadas para a lavagem e tingimento de lãs, atividade decorrente do meio serrano (TENTE, 2012:80). A intervenção conseguiu ainda apurar o que seria o primeiro piso de circulação do compartimento I, do edifício fundado no final do século II ou princípios do III d.C., constituído por lajes de granito, que desaparecem com a reforma do espaço. A reforma

20 “Numas terras da Câmara de Gouveia que denominam de Aljão há uma fonte dos mouros que ainda está muito bem conservada. Aí próximo também encontrei um pedaço de uma mó circular restos de telha de rebordo também ali encontrei umas pedras enterradas e alinhadas parece-me que não foram p.ª orcas .” BERNARDO RODRIGUES , 9 DE MAIO DE 1904 |58

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julga-se surgir com a necessidade de alteração ou prossecução das funcionalidades da área. Com a nova função da divisão, são reaproveitadas bases e tambores de colunas, que pela sua disposição e relação com os tanques, se pressupõe que serviriam para os operários estarem sentados enquanto laboravam. A reformulação do local implicou a construção ou requalificação de um telheiro que cobria total ou parcialmente o compartimento I, testemunhado pela presença de buracos de poste alinhados e o derrube de imbrices e tegulae (TENTE, 2010: 81). Atendendo à descrição realizada acerca das funcionalidades pela investigadora Catarina Tente e a localização geográfica deste sítio, é relevante a sua importância enquanto propriedade rural durante a época romana, cuja diacronia de ocupação do espaço, enquanto propriedade rural, poderá estender-se até aos séculos V e VI. Vários elementos, designadamente fustes e bases de colunas, mós manuais e um sarcófago, referido por Tavares Ferreira (FERREIRA, 1950), segundo este autor, provenientes da propriedade de Aljão, encontram-se patentes no exterior do Museu Municipal de Gouveia. Os vestígios de que dispomos para a “Plataforma do Mondego”, em nosso entender, obedecem a uma estandardização e configuração próprias, cuja análise nos permite realizar uma matriz de ordem tipológica, para o que seriam os locais de habitat do mundo romano. Os locais por nós prospetados apresentam evidências materiais análogas entre si, o que à falta de dados concretos do ponto de vista estrutural, que apenas uma intervenção arqueológica aos locais poderia oferecer, consideramos os dados de que dispomos para a construção mais viável do povoamento de antanho da área. Desta forma, a villa do Monte Aljão constitui um modelo que consideramos ser viável para a análise de outros locais com evidências materiais na área da planície fértil. É exemplo o sítio do Risado a poucos quilómetros desta villa romana, localizado na freguesia de Arcozelo, concelho de Gouveia. Este local, já referenciado por Jorge de Alarcão como sendo uma villa ou casal agrícola de médias dimensões, dada a dispersão material à superfície, é um local cujas características e funcionalidade poderíamos considerar mais corretas se fosse alvo de uma intervenção arqueológica. Este local, localizado a parcos quilómetros do rio Mondego, situado numa pequena elevação com características ainda hoje vocacionadas para a exploração agrícola, é atrativo para a fixação de um aglomerado rural do período romano. Não sabemos em concreto as características da edificação do local, nem as suas

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funcionalidades enquanto núcleo rural. Na sequência da intervenção realizada sem rigor arqueológico pelo gabinete técnico local, foram revelados alinhamento de muro do que se pensa tratar-se de um compartimento quadrangular (TENTE, 2007: 55). Porém, as evidências materiais à superfície não deixam dúvida da cronologia romana do sítio. A nossa investigação traz um dado inédito sobre este local. Aquando das nossas visitas ao sítio do Risado , para a análise em campo das estruturas e evidências materiais à superfície, deparámo-nos com um conjunto de covinhas , também designadas de fossetes , esculpidas num afloramento granítico a menos de cinco metros de uma das sepulturas, do qual realizamos um registo gráfico e fotográfico. Julgamos tratar-se de um ritual simbólico relacionado com a ocupação do local ou com a necrópole que este possui, ainda que, genericamente, este elemento seja atribuível ao período da Idade do Ferro, pode certamente fornecer-nos um testemunho material anterior à ocupação romana do sítio. Do mesmo carácter consideramos um local em Nespereira, concelho de Gouveia designado de São Pelágio . Este lugar, relativamente próximo de um troço de via, provavelmente de cronologia romana, é abundante em material cerâmico romano, designadamente cerâmica de construção - tegulae . Aqui, entendemos, assim como alguns investigadores (ALARCÃO, 1993:24 e TENTE, 1998:7), a existência de uma villa romana, facto também plausível pelo achado de fragmentos de terra sigillata hispânica tardia em Nespereira (DIOGO, 1982: 269-272), que sugere a ocupação romana da área. A ocupação romana de Paços da Serra é em nosso entender perfeitamente viável, atestada pelos elementos fornecidos pela proprietária do empreendimento turístico “Casa Grande”. Aquando da nossa visita para o registo do marco miliário localizado no jardim da casa de turismo de habitação, deparámo-nos com alguns elementos que adornavam o local, como fustes de colunas romanas em granito, uma base de coluna bem conservada e um tambor de coluna embutido numa parede de construção moderna, correspondente a uma ala de anexos, adossada à casa principal. Mais perplexos ficámos com os elementos fornecidos pela proprietária. Vários fragmentos cerâmicos de época romana, designadamente bordos e panças de dolium bem conservados sem indícios de rolamento, fragmentos de cerâmica comum e de construção de cronologia romana, pesos de tear bem conservados e, por último, mas não menos importante, várias tesselas de mosaico romano (opus tesselatum) bicromado (cinzento e branco). Estes elementos são sem dúvida característicos de um núcleo habitacional de época romana, que

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julgamos encontrar-se nas imediações da aldeia, a estimar a presença de um lagar rupestre de grandes dimensões num sítio propício à implantação de uma villa ou casal agrícola. Esta nossa estimativa apenas seria possível de concretizar com prospeções e uma intervenção levada a cabo no local, mas este encontra-se coberto por um manto vegetal persistente, o que impede a confirmação da nossa suspeita. Um local que também merece uma reflexão distinta é o sítio de Nogueira , localizado na freguesia e concelho de Seia. Este local combate, à sua maneira, as parcas evidências arqueológicas de época romana, de que dispomos para a área integrante do concelho de Seia. Local referenciado por Martins Sarmento, aquando da sua visita no âmbito da Expedição Cientifica à Serra da Estrela (SARMENTO, 1883), é posteriormente referido por Jorge de Alarcão (ALARCÃO, LOPES e MOURA, 1985:184-194 e ALARCÃO, 1993:16) e Padre Quelhas Bigotte (BIGOTTE, 1992). O local não apresenta estruturas visíveis, mas a realidade material é bastante elucidativa. Na observação realizada ao perfil antrópico da estrada nacional 339 (Seia-Covilhã), foi possível recolher fragmentos de cerâmica de construção (tegulae) característica dos séculos III/IV d.C. e alguns fragmentos de cerâmica comum, designadamente a pança de um dolium . Este local é bastante elucidativo de que poderá tratar-se de uma pequena aldeia – vicus , tardo romano. A área de dispersão dos materiais é bastante considerável. A construção de um reservatório de água para abastecer a cidade, localizado atualmente na área adjacente à recolha dos materiais cerâmicos, segundo Quelhas Bigotte na monografia da cidade de Seia, destruiu importantes vestígios, designadamente artefactos cerâmicos 21 . Aquando da construção do campo de futebol de Seia, na terraplanagem de terrenos foram achados alguns fragmentos cerâmicos (Alarcão, 1993:16), a proximidade com o vicus é relevante, contudo não julgamos que se possa tratar de outra estação, mas, na realidade, o prolongamento da área da aldeia tardo-romana de Nogueira. O silhar almofadado patente na edificação da capela românica de São Pedro em Seia, certamente respeitante a um edifício de grandes dimensões de época romana, faz- nos considerar a construção de uma edificação na área da atual urbe ou nas imediações, correlacionável à aldeia tardo romana localizada na elevação sobranceira à área contemporânea da cidade.

21 “Na abertura da estrada para Aldeia da Serra e, ainda mais, nas obras do depósito das águas que abastecem a cidade, foram encontrados muitos vasos de cerâmica que, por desleixo dos operários, desapareceram debaixo das picaretas e das enxadas.” (BIGOTTE, 1992:45) |61

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Uma intervenção arqueológica na área de Nogueira seria esclarecedora e bastante importante para o conhecimento do que se pensa ser a origem da cidade de Seia, antes da transferência deste povoado tardo-romano para o lugar do hoje designado “Castelo”, aquando da conquista de Fernando Magno (civitas Senna ). Atualmente, esta zona encontra-se em perigo pela ação prejudicial da atividade antrópica, onde recentemente foi construída uma estrada na zona arqueológica e pela crescente edificação da urbe da atual cidade. A ocupação de locais de montanha na época romana é discutível pela ponderação da importância que estes locais teriam na época do império. O Cabeço do Castro de São Romão tem uma ocupação romana bem documentada por evidências materiais. Adossados junto da 2ª linha de muralha de cronologia romana, instalaram-se edifícios habitacionais de época imperial (GERRA e FABIÃO, 1996) cujos ambientes arqueológicos se encontravam bem conservados relativos à conjuntura desta ocupação. Nas elevações sobranceiras da “Plataforma do Mondego”, eleitas para a implantação de povoados de destaque, já referidas no ponto do Povoamento Proto- Histórico , em muitos casos, possuem uma continuidade de ocupação durante a época romana. O aparecimento em Paranhos da Beira de uma ara votiva de época romana, datada do século I d.C. (CURADO,1986: nº76), encontrada segundo Jorge de Alarcão (ALARCÃO, 1988:63) no adro da igreja, cujo paradeiro desconhecemos atualmente, é um exemplo material da ocupação da época romana da área que poderá testemunhar a presença quer em aglomerado de grandes dimensões, quer se trate de um modesto núcleo de povoamento. A localização do povoado fortificado, designado de Castro de Paranhos da Beira , nas proximidades da freguesia, poderá ser uma sugestão da origem deste elemento ou a existência em conformidade da implantação de um outro aglomerado que, as populações ao descerem do monte primitivo, procuraram uma zona menos destacada, mais fértil e irrigada por ser mais próxima do Rio Mondego. O sítio do Castelo , integrante na área correspondente ao concelho de Gouveia (Arcozelo), é exemplo da configuração utilizada dos montes sobranceiros da planície do Mondego que registam evidências de ocupação romana, o que comprova o lugar do Castelo com a intervenção de 1996, pela presença material de moedas de bronze e vestígios cerâmicos (TENTE, 2010: 118). A cronologia comprovada da Idade do Bronze julga-se o primeiro momento, contudo o espetro cronológico não evidencia que a ocupação fosse contínua.

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Os parcos trabalhos arqueológicos limitam a nossa investigação, intensifica-se essa dificuldade quando a estruturas nos referimos, porque muitos locais ainda permanecem na escuridão do subsolo. A veracidade dos factos podia surgir se intervenções arqueológicas fossem executadas em muitos locais que acreditamos tratarem-se de locais de ocupação e exploração do território.

6.3 Recursos e Atividades Desenvolvidas

Atraídos pelas características aprazíveis da “Planície do Mondego”, os habitantes dos aglomerados de época romana souberam explorar este vale, bem irrigado pelo rio que lhe dá nome e ribeiras afluentes e pela salutar morfologia dos terenos férteis, tirando o melhor partido dos seus recursos em atividades de carácter endógeno bem estruturadas, assumindo mesmo um carácter de atividades económicas. Os dados de que dispomos para uma reflexão do que seriam as atividades e forma de exploração do meio pelos habitantes dos aglomerados de cronologia romana, para a área de investigação, são diminutos, atendendo à área integrante do concelho de Seia estes nem sequer existem. Dispomos do bem fundamentado conjunto das atividades desenvolvidas pela villa do Monte Aljão em Rio Tinto, concelho de Gouveia, cujo modelo já temos vido a referenciar como exemplo para outros aspetos, no que seriam os recursos locais e técnicas de exploração noutras zonas do território, bem como estruturas de apoio às atividades, como é o caso dos lagares escavados na rocha. Ainda hoje a atividade agrícola desenvolvida no “andar basal”, onde predomina um aproveitamento mais desafogado da zona é realizado com um carácter intensivo. Neste território, em analogia com a área regional, intensificam-se e predominam nos séculos I a V d.C. os casais rurais e as villae cuja implantação na área fértil do Mondego proporciona a criação de uma rede densa de exploração agrícola deste território. A presença dos aglomerados urbanos ( civitaes ) proporcionou a procura de zonas onde de desenvolvessem atividades de apoio às populações urbanas e ao fortalecimento das atividades económicas do império. Dentro da nossa área de estudo, a morfologia quer em planície quer em áreas mais acidentadas, cuja altitude condiciona a ocupação, existem vários contextos que da mesma forma que condicionam a implantação e fixação das populações, também condicionam a exploração que estas fazem do território. O caso comprovado e documentado dos lagares e lagaretas rupestres, designadamente para a área do concelho de Gouveia, é o exemplo de evidência material |63

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que indica a realização de atividades ligadas ao cultivo da vinha e produção de vinho (TENTE, 2007:345-366). Temos associado a vários locais de cronologia romana estruturas de apoio à realização desta atividade, designadamente o caso da villa romana do Monte Aljão e Risado, e outros casos cuja presença da estrutura e testemunhos materiais, designadamente cerâmica comum e de construção de época romana, nos leva a crer que tenha existido nas proximidades uma estrutura habitacional ou de apoio à atividade, como é o caso referido anteriormente da villa que terá existido em Paços da Serra (Gouveia). A construção dos lagares rupestres tinha como suporte os afloramentos graníticos de médias e grandes dimensões, a plataforma do Mondego é rica em elementos desta natureza, pelo que a existência de lagares e lagaretas se regista nesta zona, compatível com o cultivo de vinha em extensão. A zona é hoje inserida numa das mais famosas e representativas zonas vitivinícolas de Portugal (Vinhos do Dão), julgamos que já em época Tardo Romana, transição para Alta Idade Média se tenha intensificado a utilização destas estruturas na sequência de um mais persistente cultivo da vinha. A villa do Monte Aljão possui nas imediações um conjunto de 5 lagares escavados em afloramentos que ocupam cerca de 500m². Pressupõe-se que este local seja propositadamente dedicado a esta atividade agrícola, dada a centralização deste tipo de estruturas (TENTE (b), 2007: 349). O plantio de vinha, causa que aliás permitiu a descoberta deste sítio arqueológico, ainda hoje se regista no local, pelo que o seu desenvolvimento é viável, durante a época tardo romana, de funcionamento das estruturas arqueológicas associadas. Estas estruturas poderiam estar em muitos casos associadas a existência da plantação da vinha nas contiguidades, o que tornava mais fácil o transporte para a transformação da uva, sendo que alguns lagares estariam implantados dentro da própria vinha (TENTE (b), 2007: 345). No sítio do Risado a parcos quilómetros do Monte Aljão também encontramos uma estrutura desta índole, que registamos como sendo um lagar rupestre com canal de escoamento associado ao pio ( lacus ). Neste afloramento temos um buraco de poste (stipites) esculpido que suportaria a estrutura para prensagem (ALMEIDA, ANTUNES e FARIA, 1999: 100). O local já referido de Paços da Serra é um exemplo cuja estrutura não possui evidências arqueológicas concretas do que poderia ter sido o seu contexto, contudo,

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testemunhos materiais, nomeadamente cerâmica comum e de construção, evidenciam o que só uma intervenção arqueológica no local nos poderia confirmar. Este lagar possui dimensões significativas de planta retangular com um canal de escoamento associado bem definido (TENTE (b), 2007: 353). Estas estruturas associadas aos sítios de habitat são testemunhos da realização de uma atividade que se julga ter tido um cariz económico relevante, se entendermos, por exemplo, que um número considerável de núcleos rurais da “Plataforma do Mondego” se dedicava ao cultivo de vinha e à consequente transformação de uva. A villa do Monte Aljão é relativamente abundante em atividades de carácter rural, dada a especificidade do território de exploração. A intervenção realizada em 2008 e 2009 (TENTE, 2010: 55) conseguiu atestar uma zona de compartimentos, pertencente a um edifício, dedicada à lavagem e tingimento de lã. As tarefas relacionadas com a atividade dos lanifícios está intrinsecamente relacionada com a nossa área de estudo. O designado compartimento I possuía no seu interior um tanque/pia, com uma disposição de bases de coluna reaproveitadas, dispostas em semicírculo o que pressupõe a forma como os operários laboravam nos tanques, sentados. O compartimento II de planta quadrangular, contiguo ao compartimento I, continha um tanque e uma zona previamente destinada à colocação de um dolium . A utilização deste tipo de recipiente cerâmico, geralmente de grandes dimensões, pressupõe hábitos de armazenagem (TENTE, 2010: 61), assim como as mós a tarefas relacionadas com o cultivo e moagem de cereais e bolota. Elementos presentes em ambientes cronológicos bem conservados, como os cossoiros e os pesos de tear, relacionam o modo de vida das populações para outras atividades, designadamente a tecelagem. Para este local de Paços da Serra, onde julgamos existir um villa romana, demonstrada pelos elementos fornecidos pela proprietária da “Casa Grande”, a prova dada pelos pesos de tear bem conservados atesta a realização de atividades de tecelagem, do mesmo modo que os fragmentos cerâmicos de dolium certificam a existência de hábitos de armazenagem de bens alimentares, como é exemplo os cereais ou azeite, este último recurso proporcionado pelo decorrente cultivo da oliveira na região, mesmo em altitudes mais significativas (+ 700m). As evidências arqueológicas do Monte Aljão são significativas e certificam o que se entende por núcleo rural romano, cujas atividades desenvolvidas se encontram

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ligadas, entre outras, à agricultura e aos lanifícios. Devido às considerações e aos testemunhos são promovidos, pela intervenção de que foi alvo, esta villa torna-se assim um exemplo do que outros núcleos da “Plataforma do Mondego” poderão possuir, de forma a constituir uma interpretação a uma escala mais ambígua que possibilite estabelecer um padrão cronológico das atividades desenvolvidas. Em altitudes mais elevadas, mesmo no planalto superior da orla serrana, adequado pela decorrente prática da pastorícia, cujos traçados da transumância ainda hoje utilizados, são coincidentes com as vias antigas e portelas, consideramos como viáveis os aglomerados sazonais decorrentes desta prática agropecuária. A subida à montanha seria então protagonizada pela prática de atividades de índole agro-pastoril, realizada quando o ambiente montanhoso assim o permitia, designadamente na época da Primavera e Verão.

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7. Povoamento na Transição para a Alta Idade Média

O conhecimento pouco consistente sobre a realidade da ocupação romana, designadamente para a área integrante da “Plataforma do Mondego, dificulta e adensa o esclarecimento que poderíamos retirar para a reflexão do que aconteceu depois da queda do império romano aos aglomerados ocupados, sobretudo no caso de estes terem sofrido um abandono, que dinâmicas humanas realizaram os seus habitantes. Os problemas já referidos consequentes dos poucos trabalhos e investigações arqueológicas, que não se desenvolvem ativamente na área, são o grande entrave à informação, porém os parcos conhecimentos que temos resultam de levantamentos municipais ou projetos de minimização de impactos resultantes de obras públicas. Com a análise dos aglomerados de época romana, cujos dados por nós correlacionados, resultantes de prospeções arqueológicas, levantam problemas na atribuição cronológica e funcionalidade dos espaços tendo em atenção a análise das evidências materiais de superfície ou os testemunhos seguros isolados mais representativos. Os dados de que dispomos, designadamente para o concelho de Seia, são indicadores proporcionados pela prospeção de superfície por nós executada, cuja interpretação efetuada incorre nos problemas que este tipo de método acarreta, contudo os dados obtidos são correlacionados com testemunhos seguros e bem documentados. A correlação de material cerâmico ou relatos bibliográficos de material recolhido nas proximidades de estruturas, nomeadamente as sepulturas escavadas na rocha, são o testemunho mais viável e cujos resultados são significativos para os sítios estudados no que concerne à relação desta estrutura com vestígios materiais indicadores de ocupação. Mais uma vez, a já referia e descrita villa do Monte Aljão é um importante e bem documentado local que clarifica a ocupação romana na área da planície do Mondego, assim como a continuidade de utilização dos núcleos de habitat de cronologia romana na transição para a Alta Idade Média, ainda que estes relacionados com atividades e especificidades diferentes (TENTE, 2010). As referências que possuímos para este local permitiu-nos realizar um modelo de correspondência com outros sítios do que seria a reocupação dos locais com testemunhos materiais de época romana, conduzindo-nos à ideia de que os locais com

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ocupação antecedente poderiam passar por uma contínua ocupação, reformulada sobre a edificação anterior de maneira a darem novas funcionalidades ao local. Os locais da plataforma fértil tornaram-se aprazíveis pela atratividade que exerceram sobre as populações que em épocas pré-romanas estavam implantadas nas cumeeiras montanhosas. Esta ocupação do vale fértil intensificou-se na época romana com a descida protagonizada pelos aglomerados com o intuito de exploração do vale fértil e bem irrigado, cuja atividade agrícola desenvolvida foi persistente. Com a queda do Império, a lógica de apropriação dos sítios romanos manteve- se. Já na 2ª metade da Alta Idade Média, séculos VIII – X, assistimos a uma destruturação do povoamento anterior na sequência da demorada inexistência do poder central e regional como forma de controlar e organizar a dispersão dos aglomerados. As populações necessitavam de um local de fixação que, por um lado, assegurasse a sua segurança, dado o limite do espaço de fronteira, por outro que respondesse à questão da subsistência dos aglomerados. A subida à montanha serrana foi, neste segundo momento, protagonizada com o reforço da ideia de defesa dos acessos à serra e a construção de estruturas ou manutenção de antigos locais de vigia na zona do vale para controlo do território (TENTE, 2010: 413).

7.1 Sítios de Implantação

A concordância com os sítios de implantação romanos é, de certa forma, constante quando consideramos os sítios escolhidos para a fixação de populações na transição para a Alta Idade Média. A ocupação dos sítios de altitude, da Idade do Ferro, designados “castros lusitanos” em época medieval não se encontra comprovada para a zona da Beira Alta e em específico, para a zona do Alto Mondego. Os povoados com ocupação certificada de presença pré-romana, não apresentam dados consistentes de reocupação medieval significativa (TENTE, 2010:366). Integrantes na nossa área de estudo, possuímos casos de ocupação não certificada pela falta de evidências arqueológicas, de povoados de altitude e do caso particular de uma gruta, ou seja, não se sabe se foi ou não contínua. O caso do Buraco da Moura de São Romão , localizado em São Romão, concelho de Seia, já descrito no ponto desta investigação relativo à Ocupação Proto- histórica, é um exemplo de sítio de montanha, situado na zona do Alto Alva, cuja |68

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ocupação mais arcaica é datada do período do Calcolítico, que se estende sem continuidade até à época Medieval. Este local é constituído por uma sequência de “salas” subterrâneas localizadas entre um enorme conjunto de afloramentos graníticos. A localização deste sítio, pela orografia do terreno bastante acidentado e a qualidade dos solos bastante ácida em detrimento do composto geológico do granito, leva-nos a considerá-lo como um habitat sazonal ou abrigo até com especificidades de ermitério, a julgar pela característica escolha destes locais de montanha para a recolha de monges eremitas. A permanência neste local não é agradável a dada altura do ano pelos invernos rigorosos da região, pelo que a sua ocupação de carácter sazonal possa também estar relacionada com atividades de montanha ou prática da pastorícia. A localização num cruzamento de vias de comunicação relaciona-o com as canadas da transumância, que basicamente assentam sobre antigas vias romanas, vital para a ocupação deste tipo de espaços (VARANDAS, 1993:157). A parcos quilómetros do Buraco da Moura , localizado num monte sobranceiro com o topónimo de Cabeças irrigado pelo Rio Alva, nas proximidades da aldeia de Vila Cova, concelho de Seia, na sequência de uma prospeção realizada pela referência ao sítio no inventário arqueológico do concelho de Seia da DGPC, foi possível a recolha por entre a floresta constante num estradão florestal, de alguns fragmentos de cerâmica de construção e um fragmento de cerâmica cinzenta de cronologia atribuída à Alta Idade Média. Este indicador material surge de forma marcante no meio de toda uma ausência de dados, pelo que podemos julgar que este local teria uma ocupação tardo-romana associada a um período de continuidade para Alta Idade Média. O local de Cabeças , em conjunto com o Buraco da Moura de São Romão pela sua proximidade e cronologia análoga de materiais, sugere o que julgamos integrar uma Rede de Povoados do Alto Alva, com uma longa diacronia de ocupação. A implantação destes locais em altitudes consideráveis é entendida como uma forma de fixação, mesmo na transição para a Alta Idade Média para o controlo e utilização das vias antigas com uma necessidade de defesa do território. Os locais com ocupação romana ou evidências materiais de cronologia romana continuam a ser ocupados na transição para a Alta Idade Média, cujas estruturas designadamente, a presença de sepulturas escavadas na rocha, são um testemunho de continuidade. A presença destes sítios é geograficamente localizada na planície fértil e irrigada do Mondego, onde a procura dos terrenos propícios para a agricultura e

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edificação de construções mais amplas tendo-se continuado a usufruir dos sítios já escolhidos para habitar. A villa do Monte Aljão é exemplo já bastante descrito e referenciado de que evidências seguras apontam para uma reformulação do lugar, adequado às novas funcionalidades, aquando da sua ocupação já na transição para a Alta Idade Média. A intervenção não permitiu estabelecer se havia relação dos edifícios de época romana, abandonados nos finais do século IV princípios do V, com a necrópole de sepulturas escavadas na rocha, que alterou os ambientes de ocupação romana com a sua implantação (TENTE, 2010:430-431). Em conformidade, o sítio do Risado também é exemplo do que se pensa ser uma villa romana de médias dimensões, que tem associada uma necrópole de sepulturas escavadas na rocha de dimensão considerável. A necrópole é composta por 13 sepulturas, distribuídas dispersamente, ainda que se considerem 2 núcleos mais concentrados (TENTE, 2010: 130). A 500m do Risado , na direção do sítio do Castelo , observámos que uma casa de apoio a atividades agrícolas possuí materiais de construção, designadamente silhares de granito, de uma construção com possível origem na Alta Idade Média. Consideramos que nas imediações poderia ter existido um núcleo habitacional no período pós-romano, que deu origem ao núcleo de sepulturas escavadas na rocha, no sítio com ocupação anterior. O sítio do Castelo , a 750m do Risado , já referenciado como povoado com uma longa diacronia de ocupação, ainda que não se considere, pelos parcos dados arqueológicos que se conhecem do local, se a ocupação é contínua ou não e que carácter teria tido, terá sido utilizado na Alta Idade Média como o comprova a presença de sepulturas escavadas na rocha no interior do povoado. A ocupação habitacional em período da Alta Idade Média é considerado não de índole permanente, mas uma ocupação fugaz realizada num período de transformação do poder local ou regional (TENTE, 2010: 420). Para os sítios de montanha da área integrante do concelho de Seia não temos quaisquer dados comprovados sobre a ocupação medieval, apenas poderemos realizar uma correlação com os dados conhecidos do concelho de Gouveia para núcleos de baixa altitude, cuja presença de sepulturas escavadas na rocha e artefactos cerâmicos permitem essa correlação. O lugar da Quinta da Lameira , em Tourais, é um exemplo correlacionável com a villa do Monte Aljão . As características de implantação são

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análogas bem como a presença nas imediações (750m) de uma sepultura escavada na rocha. Outros locais prospetados, o lugar de Santo Aleixo , Vodra (Seia), Paços da Serra e Regadas, em Aldeias (Gouveia), são exemplos de sepulturas escavadas na rocha isoladas ou sarcófagos ( Santo Aleixo ), associados a material cerâmico de época Romana e Tardo-Romana, localizados na “Plataforma do Mondego”.

7.2 Tipologia das Ocupações

A ocupação dos sítios de altitude da Idade do Ferro, designados “castros lusitanos” em época Medieval não se encontra comprovada para a zona da Beira Alta, e, em específico, para a zona do Alto Mondego. Os povoados com ocupação certificada de presença pré-romana não apresentam dados consistentes de reocupação medieval significativa. No caso do Castelo , Arcozelo concelho de Gouveia, povoado de altitude munido de estrutura defensiva, as sepulturas escavadas na rocha são vestígios da Alta Idade Média, mas não denotam a ocupação permanente do local (TENTE, 2010:366). A presença de sepulturas escavadas na rocha isoladas ou agrupadas em necrópoles associadas a vestígios materiais de época romana é um indicador de continuidade da ocupação do sítio. Contudo, entendemos esta alteração de funcionalidades que os lugares tiveram não como um indicador de ocupação de carácter físico e permanente, mas uma forma de continuar a tornar o local como uma referência no espaço. O exemplo da villa do Monte Aljão é testemunho de um local que durante o período romano teve uma estruturação relacionada com as atividades agrícolas e de transformação de lã, plenamente a funcionar, com construções adaptadas que as proporcionavam. Após o abandono, o local foi novamente ocupado, mas ao que tudo indica só para ser utilizado como necrópole, cuja construção afetou os níveis de ocupação do ambiente romano (TENTE, 2010). As atividades deste local não voltaram a ser realizadas, pelo contrário, a construção de um edifício dedicado provavelmente aos rituais de enterramento da necrópole afetou parte da edificação de ocupação romana. Em grande parte dos sítios com evidências materiais à superfície encontramos contíguo ou nas proximidades uma ou mais sepulturas escavadas na rocha. Esta situação leva-nos a julgar que a sua relação está intimamente relacionada com a ideia de continuidade de ocupação do local. Alguns autores avaliaram esta situação (TENTE, 2010 e LOURENÇO, 2007), e através das investigações efetuadas concluíram que |71

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existe uma dependência quase constante com a implantação de sepulturas e materiais cerâmicos de época romana ou tardo-romana, porém é difícil afirmar a contemporaneidade dos testemunhos cerâmicos e das sepulturas assim como a relação que poderá existir entre si. A localização das sepulturas está intimamente relacionada com a dispersão do povoamento. Segundo Catarina Tente, no Alto-Mondego, 40% dos sítios detentores de sepulturas está associado espacialmente a vestígios de cerâmica comum e de construção, indicadores de construções do tipo habitacional (TENTE, 2010: 419). Referenciamos uma situação generalizada na zona da “Plataforma do Mondego”, em que o número de sepulturas é inferior em comparação com outras áreas, encontrando-se estas organizadas em pequenos conjuntos de sepulcros, indiciando-nos um povoamento que se estruturaria em pequenos casais rurais de carácter agrícola ou ligado a outra atividade económica, como por exemplo a transformação de lãs, na villa do Monte Aljão . A villa do Monte Aljão é exemplo já bastante descrito e referenciado de que evidências seguras apontam para uma reformulação do lugar, adequado às novas funcionalidades, aquando da sua ocupação já na transição para a Alta Idade Média. A intervenção não permitiu estabelecer se havia relação dos edifícios de época romana, abandonados nos finais do século IV princípios do V, com a necrópole de sepulturas escavadas na rocha, que alterou os ambientes de ocupação romana com a sua implantação (TENTE, 2010:430-431). Em conformidade, o sítio do Risado também é exemplo do que se pensa ser uma villa tardo-romana de médias dimensões, que tem associada uma necrópole de sepulturas escavadas na rocha de dimensão considerável. A necrópole é composta por 13 sepulturas, distribuídas dispersamente, ainda que se considerem 2 núcleos mais concentrados (TENTE, 2010: 130). O sítio do Castelo, a 750m do Risado , já referenciado como povoado com uma longa diacronia de ocupação, ainda que não se considere, pelos parcos dados arqueológicos que se conhecem do local, se a ocupação é continua ou não e que carácter teria tido. A presença de sepulturas escavadas na rocha no interior do povoado atesta a utilização deste local na Alta Idade Média. A presença de sepulturas escavadas na rocha poderia ajudar-nos a compreender de forma mais segura a dispersão dos aglomerados, se, para a área do concelho de Seia, existisse um estudo/inventário sobre sepulturas escavadas na rocha. Com este

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estudo/inventário muitos locais de ocupação romana ou tardo-romana poderiam ser descobertos e analisados, construindo-se assim uma rede mais densa sobre o povoamento na transição para a Alta Idade Média para aquela área. Com a queda do Império Romano, a partir do seculo V d.C, julgamos que a questão da descontinuidade de ocupação não é tão intensa, a julgar por muitos locais ainda ocupados com os mesmos desígnios até ao século VIII d.C.. A ruptura com o modelo urbano rural romano ter-se-á intensificado mais nos séculos seguintes em virtude da ausência do poder local e regional e com o inconstante domínio territorial (TENTE, 2010).

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8. Rede Viária

Na análise realizada sobre o povoamento antigo e vestígios materiais da área em estudo, uma reflexão sobre a rede viária antiga torna-se importante na medida em que este é um fator que está intrinsecamente relacionado com os sítios de implantação e tipologia dos núcleos assim como a sua importância enquanto locais de ocupação. A questão das vias para o território analisado é de alguma forma uma questão que levanta algumas dúvidas, seguindo as parcas informações arqueológicas de que dispomos. A carência de um estudo coeso e detalhado sobre o traçado viário antigo da região da Serra da Estrela realça a dificuldade da nossa investigação na medida em que nos vemos constrangidos ao realizar uma consideração firme desta índole. Nos territórios integrantes no Império Romano, a rede viária antiga construída que integrava um sistema de afirmação política e económica, designado pelo império, caracterizava-se fundamentalmente por uma estratégia de ordenamento territorial. O papel das vias, designadamente o seu traçado, incentivava a definição de unidades político-administrativas e a ligação contínua entre os principais centros urbanos e populacionais. O investimento realizado na rede viária foi considerável ainda que muitos traçados tenham seguido o lineado de caminhos pré-romanos. O território analisado é considerado por vários autores (ALARCÃO, 1992 e TENTE, 2010) como um local de confluência de vias pela presença, nas proximidades, das civitae de Bobadela, Viseu e Idanha, e num ponto mais distante as civitae de Aeminium e Conímbriga, que originaram vários traçados de ligação entre si, que proporcionaram a circulação de pessoas e bens, oferecendo dinamismo cultural e económico ao território. Quando falamos em traçados viários antigos asseguramos a presença de testemunhos materiais mais vulgares (calçadas/lajeados e marcos miliários) que nos conduzam às evidências necessárias, do ponto de vista tipológico e material, para a datação segura dos traçados. A existência de lajeados cujo aspeto não nos remete para a época romana, quer por uma questão de conservação quer pela própria largura da via, leva-nos a afirmar que pela existência de sítios de habitat nas imediações, o traçado antigo da via seria possível pelo percurso do atual lajeado, mas este é cronologicamente posterior. São exemplos as calçadas da Caniça , Valezim A e B e de Loriga . A falta de

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marcas dos rolados dos carros e a própria configuração da via sãos elementos que nos levam a considerar o lajeamento do traçado em época posterior. Esta via é referida por Mário Saa como correspondente a uma via romana que atravessava a Serra da Estrela em direção à Cova da Beira, onde se encontrava a civitas de Igaeditanorum (SAA, 1959 tomo III: 296). Os troços por nós analisados desta via correspondentes à Caniça , Valezim e Loriga são relacionáveis com este traçado, embora o lajeado atual não corresponda à tipologia de época romana. Esta via, segundo Mário Saa e Jorge de Alarcão, vinha de Viseu em direção a Mangualde e perto de Gouveia dirigia-se para Este, passando entre Pinhanços e Paços da Serra até Seia, onde passava adjacente ao sítio da Quinta da Nogueira , referido por Jorge de Alarcão como um vicus tardo-romano (ALARCÃO, LOPES e MOURA, 1985). Daí seguiria para São Romão, Valezim, Loriga e Alvoco, dirigindo-se por Unhais até à Covilhã. O traçado e a existência de um miliário epigrafado em Paços da Serra - Gouveia, anteriormente registado, certificam e manifestam a importância deste sítio em época romana. Os materiais que encontrámos no local, em relação a outros sítios referidos, certificam a veracidade e a importância da passagem do traçado viário. A via seguiria para Seia e passaria muito perto de Nogueira - Seia em direção ao Cabeço do Castro de São Romão – São Romão, cuja cronologia e importância são evidentes e certificadas, continuando a meia encosta até à Cova da Beira. Outro troço significativo para a exploração da existência de outros lugares seria o troço Valhelhas-Mangualde, o qual faz parte da via que viria de Viseu e se dirigia para a Guarda ( villa do Mileu) e Cova da Beira, atravessando a Serra da Estrela pela encosta Nordeste. Os sítios do Risado , Castelo e Monte Aljão localizavam-se nas imediações desta via que seguia perto de Melo, Nabais, São Paio e Nespereira, entroncando com a via de Bobadela (RUIVO e CARVALHO,1996:85). Em Nespereira existe um pequeno troço de calçada atribuível à época romana bem como vestígios materiais de uma villa ou casal agrícola. Faz parte desta via o troço bem conservado de calçada, designado de Calçada dos Galhardos , com cerca de 1km de comprimento e 3 metros de largura, construída em agger devido à morfologia do terreno, desenvolvendo-se em zona de meia encosta na direção de Folgosinho (RUIVO e CARVALHO,1996:84). Em direção à civitas de Bobadela seguia outra via que partia do tracado que vinha de Viseu, cujos troços viários se desconhecem assim como um miliário referido por Jorge de Alarcão, localizado em Arrifana, concelho de Seia, que se efetivamente

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este elemento tivesse existido fazia parte da via que seguia para a Splendidíssima Civitas (ALARCÃO, 1988:64). A Estrada Nacional nº 17 ou apelidada de “Estrada da Beira”, que atualmente faz a ligação de Celorico da Beira a Coimbra, desenvolve-se no que seria o traçado de uma via imperial (SAA, 1959 tomo II: 295). Esta via atravessa transversalmente a área de estudo e a correlação de locais com a dinâmica que esta poderia surtir na circulação de pessoas e bens é pertinente para o desenvolvimento da região. Na zona do vale do Alva também em consequência de muitos povoados neste território localizados, Jorge de Alarcão refere a existência de uma via, que vinda de Arganil e Serra da Lousã, entroncaria na via que seguia para Idanha (ALARCÃO, LOPES e MOURA, 1985 e ALARCÃO, 1988: 68). Contamos com elementos da rede viária descontextualizados que documentam a nossa investigação de forma inédita. Dois miliários anepígrafos descontextualizados, dum deles apenas resta um fragmento de pequenas dimensões, cuja proveniência é desconhecida.

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9. Toponímia

Neste ponto que dedicamos à toponímia, é bastante pertinente na investigação realizada por tantas vezes ser o testemunho fundamental para que a nossa pesquisa pudesse seguir um indício coerente na prospeção e localização de sítios analisados. Os nomes dos lugares e localidades, com origem e evolução ao longo dos tempos potenciam a relação que os sítios têm no meio e com o Homem. A toponímia tem ligações coesas com a História, Arqueologia e Geografia, determinando muitas vezes o propósito dos locais e a sua importância para as populações. Muitos dos locais analisados, cuja relação ainda hoje com as populações está ligada à utilização de outrora, facto que prova a importância que estes ainda surtem na identificação do território. A análise realizada à toponímia das cartas militares 22 (1:25000 - Carta Militar de Portugal: IGEOE) permitiu numa primeira abordagem, correlacionar muitos locais já reconhecidos como possuidores de evidências arqueológicas, cujo topónimo remete totalmente para a autenticidade arqueológica/histórica do lugar. A utilização dos topónimos Castelo, Castelejo , Crestelo , Castro , Crasto é bastante popular em locais alvo de análise na nossa investigação. Aos povoados atribuíveis ao período da Idade do Bronze, Ferro e Romano também designados “Castros Lusitanos”, cujo propósito do lugar está relacionado com fortificação, controlo e defesa, é atribuível esta designação. São exemplo os sítios: Castelo – Loriga, Monte do Castro – Valezim, Cabeço do Castro de São Romão – São Romão, Crestelo – Seia, Outeiro do Castro – Torrozelo e Crasto ou Castelões – São Matinho, pertencentes ao concelho de Seia, e Castelo – Arcozelo, Castelejo – Vila Cortês da Serra, pertencentes ao concelho de Gouveia.

Castro: Do latim castrum , 'fortificação'. Castelo: Do latim vulgar castellum , 'castelo'. Derivado – Castelejo Crestelo : Forma popular de crastelo , 'pequeno castro'. Derivado - Cristelos Adaptado: Dicionário de Toponímia da Língua Portuguesa , Porto Editora

22 Cartas Militares de Portugal (1:25000) Folhas nº: 190/191/200/201/202/211/212/213/222/223/233/234. Instituto Geográfico do Exercito. |77

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O topónimo “cabeço” ou “monte”, que muitas vezes aparece associado ao “castro”, como são exemplos o Cabeço do Castro de São Romão – São Romão, Seia, e o Castro do Cabeço Redondo – Nabais, Gouveia, cujo predomínio de implantação do povoado em altitude é desenvolvido na cumeeira do monte, podendo-se afirmar que o mesmo acontece com o sítio designado com o topónimo Cabeças em Vila Cova – Seia. A análise de topónimos como Carreira, Carreira Velha e Portela remetem frequentemente para a presença de uma via, zona de passagem ou porta. A localização deste tipo de locais é correlacionada muitas vezes com o traçado de itinerários antigos ou “portas” de passagem para o território, geralmente de caráter natural que trespassam a vertente da montanha abrupta. São exemplos a Portela do Arão e a Portela Selada em Loriga, concelho de Seia.

Carreira: de carreira, “caminho”, “estrada”, vindo do latim carraria , “caminho de carros” Portela: do latim vulgar portella , “portinha” Adaptado: Dicionário de Toponímia da Língua Portuguesa , Porto Editora

Os topónimos “lameiro” ou seu derivado “lameira” utilizados para sítios com boa irrigação ou propícios ao cultivo de pastagens, seriam locais favoráveis à prática da agricultura, como por exemplo a Quinta da Lameira , localizada em plena “Plataforma do Mondego”, a parcos quilómetros do rio que lhe dá nome.

Lameira/Lameiro: De lameiro , “terra húmida onde cresce muito pasto”. Derivado: Lameira . Adaptado: Dicionário de Toponímia da Língua Portuguesa , Porto Editora

“Regada” é um topónimo também ele relacionado com a prática de agricultura ou cultivo de pastos. O sítio de Regadas , com uma ocupação relacionada com a prática agrícola e implantação do que julgamos tratar-se de um núcleo rural, correlaciona-se ao topónimo e morfologia do lugar.

Regada/Regadas: De regada , 'terra de cultura que é regada por um sulco'. Derivado: Regadas . Adaptado: Dicionário de Toponímia da Língua Portuguesa , Porto Editora |78

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A área de estudo é relativamente profusa de referências toponímicas que atestam a importância desempenhada pela região durante o período cronológico da Proto- História e Romanização. A análise toponímia passa sem dúvida pelas características e propósitos de exploração dos sítios pelo Homem, sendo um bom testemunho à atividade de investigação e análise do território, compreendendo a relação das dinâmicas humanas e sítios de fixação dos aglomerados populacionais.

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9. Considerações Finais

Este ponto irá ajudar, fundamentalmente, para enfatizar alguns factos mais importantes já considerados ao logo da nossa investigação, aos quais já nos referimos efetivamente em pontos anteriores. Chegados a este ponto do nosso trabalho, entendemo-lo claramente não como um ponto de chegada, mas certamente como um contributo para que muitos outros trabalhos em prol do conhecimento, do Passado desta região beirã sejam realizados, passando claramente pelo contributo da Arqueologia. Optámos por não designar este ponto de “conclusão” pelo significado drástico que este pode ter, na medida em que as nossas considerações foram moderadas, de forma nítida e não completamente conclusivas, dada a audácia que este trabalho requer. As nossas considerações são perfeitamente suscetíveis de alteração com dados mais concretos que futuros trabalhos, da mesma índole, poderão clarificar. Condicionados em muitos momentos da nossa investigação pelas limitações já referidas no que respeita a evidências arqueológicas e aspetos objetivos para o estudo da História dos concelhos de Seia a Gouveia, este trabalho representa uma abordagem histórica e arqueológica precursora de todo um conjunto de temáticas que poderão ser abordadas em trabalhos futuros e atividades de intervenção arqueológica consistente para a descoberta de testemunhos arcaicos que permitam a construção do Passado da região. Na análise comparativa das áreas administrativas consideradas, verificam-se características comuns, nomeadamente de natureza cronológica e tipológica dos sítios de implantação e tipos de sítios. Sem dúvida que a nossa investigação foi muito compensadora, na medida em que muitos locais que apenas pensávamos nem sequer existirem, revelaram-se bons exemplos, cujos testemunhos materiais surtiram para a nossa investigação ter o carácter rigoroso que se pretendia. Devido a diversos fatores, designadamente o tempo disponível para a nossa pesquisa, dada a dimensão considerável do território de estudo, não nos foi possível realizar uma prospeção intensiva. Limitadora surge também a morfologia do terreno serrano que assim como condicionou o modo de vida das populações de antanho também determinou a nossa investigação, pois muitos locais localizados em sítios ingremes, sem acessibilidade ou com os meios de que dispomos não os pudemos visitar.

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As características geográficas constituíram desde sempre referências importantes na circunscrição das fronteiras territoriais; os meios físicos do território (rio ou montanha) permitiram abranger de forma concreta o espaço, numa área em que o Rio Mondego e a orla montanhosa da Serra da Estrela marcam verdadeiramente o território. A escolha dos limites administrativos revelou-se bastante eficaz, embora no inicio pudéssemos achar que as parcas evidências arqueológicas para a área podiam não englobar o que seria o número ideal de estudos de caso. Porém, foi possível analisar uma área com morfologias de terreno bem características do ambiente serrano integrando os cursos de água que o irrigam, marcando de forma substancial o território, concebendo assim vários ambientes de ocupação bem distintos com desígnios de fixação e exploração bem fundamentados. Relatos anteriores, baseados em investigações realizadas no âmbito de expedições e prospeções à área da Serra da Estrela, proferem a pequena ou em alguns casos exígua existência de vestígios arqueológicos, que poderiam dar conta da presença do Homem neste território de forma permanente ou sazonal ao longo dos tempos. Para alguns investigadores a tese de que a serra só pode ser habitada num período específico do ano, devido às condições climáticas adversas, Invernos muito rigorosos, é colocada primeiramente quando nos referimos a habitats permanentes ou zonas de abrigo, ainda que estes tenham um carácter sazonal (Primavera-Verão). A questão das condições climáticas do ambiente serrano não poderá ser completamente deixada de lado, embora não possamos afirmar convictamente, que no Passado “nunca” as zonas de grande altitude (planalto superior) tivessem sido habitadas por este ou outros condicionalismos de ordem natural: fauna, flora, terrenos graníticos, etc… Poderia ser uma área herma e fria para habitar, contudo entendemo-lo como um território oportuno para condições de abrigo, defesa, reflexão, no caso de comunidades eremíticas, desenvolvimento de atividades endógenas, como a pastorícia, a caça que ainda atualmente são realizadas, assim como a utilização dos vales glaciares como pontos de acesso naturais aos territórios. O território alvo da nossa investigação teve vários momentos distintos de ocupação espacial de cronologia variável. A área e recursos naturais tiveram um papel determinante nas dinâmicas e fixação das populações de antanho na região. A orla de altitudes elevadas, cuja morfologia do terreno era desenvolvida na montanha granítica escarpada, foi aproveitada por aglomerados que pretendiam uma dupla função de sobrevivência, que se prendia com a visibilidade/invisibilidade do local. As populações

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da Proto-História, obcecadas com a ideia de luta e ocupação do território como forma de poder e controlo da região, souberam tirar o maior partido da montanha serrana, fixando-se ao longo das vertentes em locais propícios, cujo campo de visão a curta, média e longa distância era realizado naturalmente e em que o testemunho material protagonizado pela estrutura defensiva é uma constante. Na “Plataforma do Mondego”, designadamente em elevações sobranceiras a fixação proto-histórica também se desenvolveu com o mesmo propósito, ainda que a sua implantação seja em área de planície, existindo algumas elevações a 400 a 500m, destacadas na paisagem. A nossa investigação permitiu estabelecer através da análise dos vários povoados, uma rede de aglomerados de alguma forma consistente do período Proto-Histórico que maioritariamente se encontra nas zonas de montanha. O segundo ambiente de ocupação do território foi a manifesta descida da montanha e ocupação da “Plataforma do Mondego”, com o atrativo de terrenos mais aráveis e irrigados, propícios ao estabelecimento de núcleos rurais, com vista à exploração do vale fértil. No período Romano, o aproveitamento do vale do Mondego foi intensamente praticado, sobretudo no que toca à implantação do que consideramos tratar-se de uma rede densa de núcleos ruais, com vista à exploração e desenvolvimento de atividades ligadas à agricultura e pastorícia, bem como ao tratamento e transformação de lãs - Lanifícios, considerando mesmo o assumido carácter económico que estas ações poderiam ter dada a densidade dos locais e investimento nas estruturas de apoio. O modelo de implantação e produtividade de que a área irrigada do Mondego facultava foi mantido na transição para a Alta Idade Média. Esta continuidade na utilização dos núcleos rurais está em muitos casos associada à presença de sepulturas escavadas na rocha nas imediações dos aglomerados. A rede viária impulsionou a fixação dos aglomerados pelo território ao longo dos tempos, correspondendo a um meio importante de transporte e desenvolvimento das populações e bens. A confluência de vias existente na área de estudo impulsionou o povoamento, já que as populações teriam uma forma acessível de contacto com os núcleos urbanos – civitae , quer para transporte de pessoas e bens, quer para a facultada convivência com modos de vida mais urbanos. Reconhecemos que muito ficou por dizer e analisar sobre os vestígios arqueológicos e materiais do território. No entanto, foi nosso desígnio ter contribuído de forma positiva para o conhecimento do Passado dos concelhos de Gouveia e Seia,

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territórios concelhios que em nosso entender, do ponto de vista histórico e arqueológico, não são desagregáveis. É necessária e urgente a sensibilização, nomeadamente do poder local, para questões relacionadas com a valorização, conservação e promoção do património histórico e arqueológico que em conjugação com outras áreas poderia constituir uma forma de atração local de novos públicos. No futuro são indispensáveis mais estudos de investigação e considerações, tendo em vista a construção do conhecimento mais sólido e coeso da região, atentando a uma ampla diacronia cronológica.

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Povoamento Proto-Histórico e Romano no Território dos Atuais Concelhos de Gouveia e Seia – Distrito da Guarda

Bibliografia

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