(In)Visibilidade No Brasil Contemporâneo

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(In)Visibilidade No Brasil Contemporâneo TANTAS PERFORMANCES, OUTRAS ERÓTICAS E SUA (IN)VISIBILIDADE NO BRASIL CONTEMPORÂNEO Miguel Rodrigues de Sousa Neto1 RESUMO: As eróticas e performances de gênero que destoaram/destoam daquelas moldadas pela heterossexualidade tornada compulsória têm sido historicamente subalternizadas. Compreender tal processo no Brasil contemporâneo mostra-se tarefa relevante para compreendermos a construção histórica das diferenças e os embates atuais da população formada por lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transgêneros. PALAVRAS-CHAVE: Homossexualidades; LGBTfobia; Movimentos Sociais contemporâneos. ABSTRACT: As eróticas e performances de gênero que destoaram/destoam daquelas moldadas pela heterossexualidade tornada compulsória têm sido historicamente subalternizadas. Compreender tal processo no Brasil contemporâneo mostra-se tarefa relevante para compreendermos a construção histórica das diferenças e os embates atuais da população formada por lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transgêneros. KEYWORDS: Homossexualidades; LGBTfobia; Movimentos Sociais contemporâneos. ESTRATÉGIAS E ASTÚCIAS NO MUNDO DA INVISIBILIDADE GAY Em 26 de abril de 1989, a revista Veja estampava em sua capa a matéria “Cazuza – uma vítima da Aids agoniza em praça pública”, trazendo a foto do rosto de Cazuza, esquálido em função do agravamento de seu estado de saúde em decorrência da presença do HIV em seu organismo. O tratamento dado pela revista ao ídolo do rock nacional que viria a falecer no início do ano seguinte foi alvo, à época, de inúmeras críticas. O que não se pode contrariar é que, na segunda metade dos anos 1980, a AIDS trouxe visibilidade aos homossexuais, levando, inclusive, que figuras célebres fossem retiradas “do armário” em razão da infecção pelo HIV. Retomaremos o tema mais adiante. O ano de 1995 foi paradigmático para os movimentos de afirmação gay e lésbico brasileiros. É daquele ano a primeira “parada” gay realizada na cidade de São Paulo, o que, 1 Docente do Curso de História do Campus de Aquidauana da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, coordenador do LabDiS – Laboratório de Estudos em Cultura & Diversidade, Política & Sexualidade. Doutor em História Social pela Universidade Federal de Uberlândia. 2 mesmo contando com um restrito número de participantes, configuraria um novo modelo de militância que se instalaria, qual seja, o de grandes eventos que trariam visibilidade para a comunidade LGBT. Concomitantemente, a então deputada federal eleita pelo Partido dos Trabalhadores do estado de São Paulo Marta Suplicy apresentava ao Congresso Nacional o Projeto de Lei número 1.151/95 que buscava garantir a Parceria Civil entre pessoas do mesmo sexo. A apresentação de tal projeto levou a deputada, que tinha vasta experiência na mídia, para as capas dos veículos de circulação nacional e, por conseguinte, aqueles que se beneficiariam caso o projeto de lei fosse aprovado, os homossexuais. Em algumas oportunidades políticos como Marta Suplicy compareceram às paradas e fizeram coro às reivindicações da comunidade LGBT: Cerca de 20 mil pessoas, segundo cálculos da PM, acompanharam ontem a 3ª Parada do Orgulho GLBT (dos gays, lésbicas, bissexuais e transgêneros), que saiu da avenida Paulista por volta das 15h e chegou na praça da República às 18h. É quase três vezes o público que acompanhou a parada no ano passado. A passeata foi animada por sete carros alegóricos, uma bandeira de 50 metros de comprimento com as cores do arco íris, símbolo do movimento gay em todo o mundo, e centenas de balões coloridos. A parada contou com a presença da deputada federal Marta Suplicy (PT-SP), autora do projeto de lei que estabelece a união civil entre homossexuais, e do deputado estadual Paulo Teixeira (PT). Em seguida, a deputada vestiu a camisa da passeata, mandou beijos e acenou para a multidão. “Não é fácil uma passeata reunir 20, 30 mil pessoas dessa forma pacífica, civilizada. Está cheio de gente que não é gay aqui, e todo mundo convive na maior harmonia. Acho que é uma oportunidade de o público gay se mostrar com dignidade e alegria para a população”, disse. (Parada Gay, FSP, 2009) As paradas do orgulho LGBT têm se tornado muito rapidamente eventos de grande magnitude, concentrando milhares de pessoas por todo o país. Em São Paulo, a maior parada do orgulho LGBT concentra cerca de 3,5 milhões de pessoas em suas últimas edições. Na mídia, sobretudo na televisão, o espaço também tem aumentado. Uálber e Edilberto na novela das oito. Teletubbies pela manhã. Vera Verão na “Praça é Nossa”. E “Will & Grace” na TV paga. Ícones gays aparecem cada vez mais na programação das emissoras. Para engrossar o coro, a TV Freguesia dedicou dez minutos de seu programa semanal para o programa “Blue Space TV”, exibido no Canal Comunitário (canal 14 da Net). Segundo Robson Cerqueira, 42, produtor do TV Freguesia, o objetivo é criar um espaço para denúncias, críticas e festas da comunidade. “O programa tem shows de humor que acontecem na casa noturna de São Paulo que dá nome ao programa.” O próximo grande evento do programa será a cobertura da parada gay que acontecerá na avenida Paulista (São Paulo), no próximo dia 3 27. O programa é exibido sempre aos sábados, às 23h30. “Hoje temos dez minutos, mas o “Blue Space TV” pode passar para 25 minutos.” Apesar de educativa, a série inglesa “Teletubbies”, direcionada a crianças de 2 a 5 anos, causa polêmica. No Brasil, ninguém levantou bandeira contra o personagem Tinky Winky, mas em vários países alguns pais acusam o teletubbie roxo de ser gay e servir de má influência às crianças. Jerry Falwell, um reverendo televisivo dos EUA, criticou o personagem estar em um programa infantil e o acusou de ser um símbolo gay. Tinky Winky é roxo, tem uma antena triangular na cabeça e ainda usa uma bolsa cor-de- rosa. A cor roxa e o triângulo são símbolos da militância gay. Apesar da controvérsia, o sucesso dos bonequinhos naquele país não é abalado. A rede de lanchonetes Burger King acaba de lançar o Tubby Custard, um mingau que eles comem no desenho. (Sordili, 2009) As personagens gays permanecem presentes nas telenovelas brasileiras. Ao que tudo indica, é quase conditio sine qua non que estejam ali. Imagino que seja um ar “moderno” transmitido por suas presenças. Os canais da rede de TV paga exibem séries com personagens majoritariamente gays ou que os apresentam cotidianamente. Os Teletubbies já deixaram a grade de programação da TV aberta, mas, sobretudo, pelo esgotamento de um formato deveras lento em um momento em que a celeridade tem-se tornado a tônica, até para as crianças. Bonecos ingênuos se mantêm com alguma dificuldade em um ou outro canal de TV pago. Percebemos, com certa clareza, que o movimento de afirmação LGBT, ou ainda, a comunidade LGBT, tem angariado visibilidade nos últimos anos. Podemos fazer alguns recuos para interpretarmos tal mudança. Volveríamos aos anos 1960/1970, mas encontraríamos ali as limitações impostas pela Ditadura Militar (instaurada a partir de 1964 e apenas encerrada vinte e um anos depois) no que concerne às liberdades de expressão e agremiação, impedindo que grupos fossem formados, bem como pela moral conservadora concernente aos grupos reacionários que, à época, encontravam-se naqueles governos ou eram por eles representados. Encontraremos alguma visibilidade na segunda metade dos anos 1980, mas mediados pelo estigma da AIDS. Nos anos 1990, deparamos com uma dada junção de elementos capaz de nos auxiliar de forma mais concreta à compreensão do processo que levará à visibilidade da comunidade gay no Brasil dos últimos vinte anos. Devemos, inicialmente, refletirmos sobre esta “visibilidade”. Em primeiro lugar, cumpre colocá-la em relação ao seu oposto, a invisibilidade. João Silvério Trevisan, prolífico escritor paulista e ativista dos direitos dos homossexuais, ao publicar, em 1976, seu primeiro livro intitulado “Testamento de Jônatas 4 deixado a David”, o compõe com a seguinte epígrafe: “Así se crearon zonas crepusculares, habitadas por semirrealidades: La poesía, la mujer, el homosexual, los proletarios, los pueblos coloniales, las razas de color. Todos esos purgatorios e infiernos en ebulición clandestina.” (p. 76). Existiria, assim entendemos, um espaço destinado aos integrantes de uma ampla marginalidade constituída como contraponto àqueles ocupantes do centro hegemônico de nossas sociedades: purgatórios e infernos que, porém, viviam em ebulição clandestina. No Brasil, essa clandestinidade compõe nossa história. Se retornarmos aos tempos da colônia, esta foi a terra destinada ao degredo. Dentre as infrações que traziam para cá portugueses nos mil e quinhentos ou seiscentos, estava a sodomia. Aqui, por vezes, esses sodomitas voltavam à nefanda prática e buscavam refúgio nos sertões, nos espaços afastados dos tentáculos do Estado. (Ver. MOTT, 1988; AMADO, 1995) Já na belle époque tupiniquim, em fins do século XIX e início do seguinte, os homossexuais buscavam o refúgio dos parques ou lugares ermos para seus encontros, bem como as rudes pensões da periferia de cidades como São Paulo ou Rio de Janeiro, instados pelo perigo de serem presos e acabarem instalados em prisões ou manicômios judiciários, segundo a tradição médico legal que se consolidava a partir do jurista Viveiros de Castro. (Ver: MARTINS Jr, 2009; CASTRO, 1895) Trevisan aponta que, na segunda metade do século XIX, antes que os juristas começassem a fazê-lo, os médicos-higienistas já prescreviam uma nova ordem moral que excluía os homossexuais (TREVISAN, 2000, p. 171-175). O autor reflete sobre o amplo processo de modernização por que passa o Brasil no período, sendo que a ideia de modernidade esteve, à época, atrelada àquela, ainda incipiente, de nação. Sob esse prisma, aqueles que negavam a paternidade – o pai é o tipo idealizado de homem que delineava a família, célula mater da sociedade, sua figura mais importante, a “cabeça” do casal, aquele que exercia/detinha o pater famílias –, os celibatários, os que maculavam a família pelo seu desregramento sexual – os promíscuos – e aqueles que traíam a pátria adotando posturas efeminadas – os pederastas – eram condenados pela medicina, ciência que se queria neutra.
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