UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI DOUGLAS DOMINGUES

ACREDITE NO MANJUBA!

ESTRATÉGIAS EM REDE NO CINEMA PERIFÉRICO DE BORDAS

SÃO PAULO 2014

DOUGLAS DOMINGUES

ACREDITE NO MANJUBA!

ESTRATÉGIAS EM REDE NO CINEMA PERIFÉRICO DE BORDAS

Dissertação de Mestrado apresentada à Banca Examinadora, como exigência parcial para a obtenção do título de Mestre do Programa de Mestrado em Comunicação, área de concentração em Comunicação Contemporânea da Universidade Anhembi Morumbi, sob a orientação do Prof. Dr. Gelson Santana.

SÃO PAULO 2014

DOUGLAS DOMINGUES

ACREDITE NO MANJUBA!

ESTRATÉGIAS EM REDE NO CINEMA PERIFÉRICO DE BORDAS

Dissertação de Mestrado apresentada à Banca Examinadora, como exigência parcial para a obtenção do título de Mestre do Programa de Mestrado em Comunicação, área de concentração em Comunicação Contemporânea da Universidade Anhembi Morumbi, sob a orientação do Prof. Dr. Gelson Santana.

Aprovado em 28/03/2014

______Prof. Dr. Gelson Santana Penha

______Profª. Drª. Maria Bernadette Cunha de Lyra

______Profª. Drª. Zuleika de Paula Bueno

AGRADECIMENTOS

Primeiramente, agradeço à minha família pelo apoio e amor incondicional em todos os momentos da minha vida, pelo incentivo em continuar meus estudos e pelos sacrifícios decorrentes dessa ajuda, que sei que não foram poucos. Agradeço em especial e faço questão de citar meu pai, Fernando Soares Domingues, minha mãe, Márcia Cristina

Batista da Silva, meu irmão, Emmanuel Domingues, minha irmã Fernanda Gama Domingues, minha avó Geny da Silva Batista e meu sobrinho Caio Cheim de Figueiredo Domingues.

Dedico um agradecimento especial e carinhoso para minha esposa Verônica

D'Agostino Piqueira, pelo encorajamento e incontáveis sugestões e ajudas, e para meu filho que ela carrega em seu ventre, Emanuel Piqueira Domingues, que tanto me motivou a me dedicar ainda mais desde que a notícia de sua existência iluminou minha vida.

Agradeço a meu orientador, prof. dr. Gelson Santana Penha, pela atenta dedicação, pela extraordinária sabedoria compartilhada e também pela paciência; e à profa. dra. Bernadette Lyra, pelo encorajamento e disposição em ajudar sempre.

Meus respeitosos agradecimentos a todo o corpo docente e alunos do mestrado em comunicação pelas substanciosas contribuições e conversas, que tanto me ajudaram.

Manifesto também minha gratidão à Coordenação de Aperfeiçoamento de

Pessoal de Nível Superior (Capes) pelo imprescindível apoio, através da bolsa de estudos.

Agradeço, também, a todos que de alguma forma contribuíram para a conclusão desse trabalho, mas que não foram aqui citados.

RESUMO

O objetivo desta pesquisa é estudar as estratégias adotadas pelas redes de produção do cinema periférico de bordas. No sentido de entender a conceituação de cinema de bordas e sua influência na configuração das redes, foi feito um levantamento de sua trajetória desde seu surgimento até os dias atuais. O termo expressa um tipo de cinema produzido por realizadores autodidatas, moradores de cidades pequenas ou de arredores das grandes capitais, com filmes que visam o entretenimento, misturando as particularidades de imaginários populares com imagens já vistas em um imaginário global. No esforço de um conjunto de pesquisadores em estudar e divulgar essas obras, foi articulada a Mostra Itaú Cultural Cinema de Bordas, com sua primeira edição em 2009. A emergência desse espaço ocasionou encontros de grupos isolados de realizadores desse tipo de cinema, criando uma sociabilidade pautada em consumo de produtos midiáticos. A análise dessas reuniões é feita através das estruturas das tribos. As diversas interações e o surgimento de novas obras colaborativas nesse contexto são investigados através da disposição de redes sociais, objetivando entender sua estrutura organizacional. Por meio do exame dessas redes, é evidenciado o surgimento de uma nova territorialidade, onde mesmo misturados, os regionalismos e sotaques não são homogeneizados. Através de um recorte de filmes exibidos na Mostra, foram esquematizados gráficos onde se pode perceber o comportamento reticular, onde sub-redes densamente conectadas se ligam formando redes esparsamente conectadas. As trocas também foram interpretadas de maneira a expor como realizadores que se encontram se beneficiam mutuamente, ajudando a divulgar suas obras. Por fim, foi levantada uma possível emancipação das redes de produção em relação à academia e a mostra em evidência, expondo a importância desses espaços para agregar realizadores isolados. Mas o surgimento de novos espaços de troca e novos filmes, articulados através das redes de produção, mostram uma possibilidade de independência e da continuidade das trocas, que não aparentam estar se esgotando.

PALAVRAS-CHAVE: Cinema de bordas. Redes sociais. Cultura midiática. Consumo. Territorialidade.

ABSTRACT

The aim of this research is to study the strategies adopted by production networks at peripheral cinema de bordas. In order to understand the definition of cinema de bordas and its influence on the configuration of these networks, a survey around the term’s conceptual trajectory since its inception to the present day was made. The term encompasses a type of film produced by self-taught filmmakers, residents of small towns or the surroundings near the big capitals, for entertainment purposes, mixing the particularities of popular imaginaries with images already seen in a global imaginary. In the effort of an assemble of researchers in studying and disseminating these works, the exhibition Mostra Itaú Cultural Cinema de Bordas was jointed, with its first edition in 2009. The emergence of this space resulted in meetings where isolated groups of filmmakers attached to this kind of film, creating a sociability grounded in consumption of media products. The analysis of these reunions is made through the structures of the tribes. The diverse interactions and the emergence of new collaborative works in that context are investigated through the disposal of social networks, aiming to understand their organizational structure. Through the exam of these networks, is made evident the emergence of a new territoriality, where even mixed, regionalisms and accents are not homogenized. Through a cut-out of films shown at the highlighted exhibition, graphics were outlined to understand the reticular behavior, in which densely connected subnets bind forming sparsely connected networks. The exchanges were also interpreted to expose the interaction strategies with the purpose of showing how filmmakers that met benefit mutually, helping to broadcast their works. Finally, a possible emancipation of production networks in relation to the academy and the exhibition were suggested in order to make evident the importance of these areas to aggregate isolated filmmakers. But the emergence of new spaces of exchange and new movies, articulated through these production networks show a possibility of independence and continuity of trades, and it doesn’t seem to be running out.

KEY-WORDS: Cinema de bordas. Social networks. Mediatic culture. Consumption. Territoriality.

LISTA DE FIGURAS

Figura 1: Exemplo de filme de bordas, cena do filme de bordas Um Vinchester para três tumbas, do realizador Arlindo Filho ...... 20 Figura 2: Cena do filme de bordas Gato, da Recurso Zero Produções, do realizador Joel Caetano, apresentado na II Mostra Itaú Cultural Cinema de Bordas (2010), assim como na XI Mostra do Filme Livre (2012) ...... 24 Figura 3: Cartaz de As sete vampiras, do cineasta Ivan Cardoso ...... 30 Figura 4: Cena prólogo do filme Jerônimo, o herói do sertão, apresentada pelo realizador David Rangel ...... 35 Figura 5: Cena do filme Rambú III: O rapto do jaraqui dourado ...... 39 Figura 6: Cartaz do filme Minha esposa é um zumbi, da Recurso Zero Produções, do realizador Joel Caetano ...... 42 Figura 7: Cartaz do filme Entrei em pânico ao saber o que vocês fizeram na sexta-feira 13 do verão passado, da Necróflio Produções Artísticas, do realizador Felipe Guerra ...... 44 Figura 8: Aldenir Coti (Rambú) e Seu Manoelzinho ...... 45 Figura 9: Filipeta digital da Mostra Itaú Cultural Cinema de Bordas (2009) ...... 56 Figura 10: Cena do filme Patrícia Gennice, da Necrófilo Produções Artísticas, do realizador Felipe Guerra ...... 59 Figura 11: Capa da programação da II Mostra Itaú Cultural Cinema de Bordas (2010) ...... 60 Figura 12: Cena do filme Afrodite, da Recurso Zero Produções, do realizador Joel Caetano, apresentado na faculdade ...... 65 Figura 13: Cena do filme O rico pobre, do realizador Manoel Loreno ...... 73 Figura 14: Imagem de divulgação do filme O tormento de Mathias, com a presença de, da esquerda para a direita, Joel Caetano, Augusto Servano e Felipe Guerra ...... 80 Figura 15: Cartaz do filme Estranha, da Recurso Zero Produções, do cineasta Joel Caetano 81 Figura 16: Cartaz do filme DR, coprodução entre a Recurso Zero Produções, do cineasta Joel Caetano, e a Necrófilos Produções Artísticas, do cineasta Felipe Guerra ...... 82 Figura 17: Cena do filme O beijo na morte, de Renato Ramos Batarce e Magnum Borges Borini 83 Figura 18: Cena do filme Patricia Gennice, que faz uso de imagens do software Google Earth para localizar um percurso na cidade de Carlos Barbosa (RS) ...... 90 Figura 19: Cena do filme DR, com a participação de Mariana Zani e Joel Caetano, de São Paulo, e Oldina do Monte, de Carlos Barbosa (RS) ...... 94 Figura 20: Cena do filme O tormento de Mathias, com Augusto Servano interpretando Mathias (em pé) e Felipe Guerra interpretando o Enfermeiro Gaúcho (deitado) ...... 95 Figura 21: Cena do filme A noite do Chupacabras, com a participação de Joel Caetano, em primeiro plano ...... 97 Figura 22: Cenas do filme Estranha. Em cima, Mariana Zani contracena com Kika Oliveira. Embaixo, Walderrama dos Santos contracena com Mariana Zani ...... 98 Figura 23: Exemplo de rede de mundo pequeno ...... 112 Figura 24: Programação do Cine Terror na Praia: Parte 4...... 117 Figura 25: Cena do trailer do filme O estripador da rua Augusta...... 118 Figura 26 Cena do trailer do filme Enigmas do além ...... 119

LISTA DE TABELAS

Tabela 1: Recorte de filmes de bordas com interação entre bordeiros ...... 86

LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1: Número de filmes exibidos sobreposto pelo número de filmes com interação entre bordeiros ...... 101 Gráfico 2: Número de filmes do recorte produzidos em cada estado (mapa) ...... 103 Gráfico 3: Número de bordeiros do recorte em cada estado (mapa) ...... 104 Gráfico 4: Fluxo de troca entre estados (mapa)...... 105 Gráfico 5: Fluxo de troca entre estados (diagrama) ...... 105 Gráfico 6: Redes de trocas no estado de São Paulo ...... 107 Gráfico 7: Redes de trocas em todos os estados, com a presença das produtoras . 108 Gráfico 8: Redes de trocas em todos os estados, com a presença das produtoras, excluindo SP ...... 109 Gráfico 9: Redes de troca, incluindo bordeiros e filmes ...... 111 Gráfico 10: Redes de troca, incluindo bordeiros e filmes, com excessão de Joel Caetano e Felipe Guerra ...... 113 Gráfico 11: Redes de troca, incluindo bordeiros e filmes, com excessão de RZP Filmes e Necrófilos Produções Artísticas ...... 114

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...... 09 1. CINEMA DE BORDAS ...... 16 1.1 SURGIMENTO DO TERMO ...... 16 1.2 TRAJETÓRIAS DO TERMO...... 24 1.3 CINEMA PERIFÉRICO DE BORDAS, CULTURA MIDIÁTICA E CULTURA POPULAR ...... 29 1.4 IMAGENS DO BRASIL NO CINEMA DE BORDAS ...... 48 2. LAÇOS SOCIAIS NO CINEMA DE BORDAS ...... 54 2.1 MOSTRA ITAÚ CULTURAL CINEMA DE BORDAS ...... 54 2.2 ESPAÇO E SOCIABILIDADE ...... 58 2.3 TRIBOS E CONSUMO ...... 67 2.4 ARTICULANDO REDES ...... 74 3. MISTURAS, TERRITORIALIDADES E ESTRATÉGIAS EM REDE ...... 85 3.1 HIBRIDISMO ...... 86 3.1.1 Sotaques ...... 91 3.1.2 Territórios ...... 96 3.2 MAPEANDO AS ESTRATÉGIAS EM REDE ...... 100 3.3 EMANCIPAÇÃO ...... 115 CONCLUSÃO ...... 121 BIBLIOGRAFIA ...... 124 ANEXOS ...... 131

INTRODUÇÃO

Em 1996, aos doze anos de idade, eu assistia à série Movie magic, exibida no

Brasil pelo Discovery Channel, fascinado com a documentação dos aspectos que envolvem a produção de efeitos especiais em filmes, tanto de grande quanto de baixo orçamento. A oportunidade de conhecer ainda novo o cinema não somente como texto, mas como técnica e contexto, despertaram a vontade de produzir meus próprios filmes. Nos anos seguintes, realizei alguns filmes totalmente despretensiosos com a participação de família e amigos, que infelizmente se perderam. Mas a vontade de aprender mais me fez conhecer e, em alguns casos, inclusive entrar em contato com outras pessoas com o mesmo interesse.

Através de contato pela internet e fanzines, consegui cópias de filmes de algumas dessas pessoas, por diversas vezes, gravadas em fitas VHS reutilizadas, com trechos de novelas, videoclipes e todo tipo de programação de TV sobreposta por realizações amadoras.

Desde o início dos anos 2000 até 2008, participei de uma lista de discussões por e-mail chamado [cineamador]1, criado pelo produtor independente Pedro Daldegan, reunindo diversos realizadores do território nacional, promovendo a troca de informações técnicas, divulgação de filmes e discussão a respeito da natureza de suas realizações. Dessa forma, ampliei meus contatos, conhecendo novos realizadores que atuam às margens do centro de realização e tendo acesso a novos filmes da mesma natureza.

1 O grupo ainda existe, embora suas atividades tenham caído drasticamente desde 2008, e pode ser acessado, inclusive as mensagens antigas, em http://br.groups.yahoo.com/group/cineamador/. A descrição mais atual, no site de cadastro, é “Um grupo dedicado a pessoas interessadas em cinema amador, para a troca de idéias, experiências, informações e dúvidas - independente do formato ser Super8, 16mm, VHS, video digital em D8, MiniDV ou DV profissional, e independente do gênero (comédia, trash, terror, suspense, drama, musical, experimental, etc.). Os objetivos do grupo são o intercâmbio de conhecimento, tanto teórico e conceitual quanto prático e técnico, além da promoção de projetos conjuntos, trocas de trabalhos, participações mais ativas e freqüentes em festivais, além é claro de boas amizades virtuais entre pessoas com interesses comuns”. 10

Não me chamava a atenção apenas o texto e a trama, mas, de uma forma especial, elementos contextuais e extra-diegéticos, como as soluções formais inusitadas encontradas para driblar o baixo orçamento. Ao mesmo tempo, me divertia observando os efeitos especiais mal feitos, as atuações exageradas, os cenários improvisados nada convincentes, entre outros.

Me mudei para São Paulo para estudar2 em fevereiro de 2010. Já em abril, descobri que aconteceria no Instituto Itaú Cultural a segunda edição da Mostra Itaú Cultural

Cinema de Bordas, cuja programação era formada por filmes como os que eu gostava de descobrir e assistir. Durante a mostra, foram exibidos filmes que eu já conhecia3, e notei que os participantes interagiam assim como nas listas de discussão e fanzines, só que pessoalmente. Tive facilidade de me enturmar, comecei amizades e mantive contato com alguns realizadores e espectadores.

Me chamou a atenção o fato que, durante a mostra, algumas pessoas repetiam a frase “Acredite no Manjuba!”. De princípio não entendi, mas fui explicado que se tratava de um diálogo de um filme exibido no ano anterior, A dama da lagoa. Depois, soube que o filme, uma história de assombração, foi produzido em uma pequena cidade no interior de

Minas Gerais, Pedralva, com menos de 12 mil habitantes, e que havia custado cerca de R$

400 e foi produzido com uma câmera VHS alugada do cunhado do diretor. Essa intimidade dos participantes com o filme me despertou interesse, e descobri que um dos realizadores

2 Cursei a especialização Cinema, vídeo e fotografia – Criação em multimeios, da Universidade Anhembi Morumbi 3 Nessa edição, foram exibidos dois filmes capixabas, sendo um deles Mangue Negro, cujo diretor eu já conhecia pessoalmente e havia assistido a uma prévia do filme enquanto ainda morava em Vitória. Além desses filmes, também foram exibidos Coronel Cabelinho vs. Grajaú Soldiaz, da produtora carioca Pepa Filmes, criada pelo realizador Luis Felipe Pepa, com quem mantive contato por carta e e- mail durante o final dos anos 1990 e começo dos anos 2000, e Entrei em pânico ao saber o que vocês fizeram na sexta-feira 13 do verão passado, da produtora gaúcha Necrófilo Produções Artísticas, criada pelo realizador Felipe do Monte Guerra, filme que ainda não tinha tido a oportunidade de assistir, mas já conhecia através da internet e fanzines. 11 que participou da mostra havia escrito um artigo em seu blog citando esse e vários outros filmes exibidos, chamado Filmes que você infelizmente NÃO vai ver num cinema perto de você. Sobre A dama da lagoa, ele diz:

Ah, esses diretores-amadores maravilhosos e seus fantásticos filmes toscos... O diretor, roteirista e "astro" Francisco Caldas de Abreu Jr. foi o responsável por uma das grandes surpresas da mostra, um filme simplesmente divertidíssimo em seus defeitos e na sua ingenuidade. Trata-se de uma história de crime e vingança sobrenatural, realizada de maneira inclassificável. Francisco aparece como um agricultor chamado "Manjuba", e simplesmente rouba o filme ao repetir, a cada cinco minutos, todos os acontecimentos que se desenrolaram até então (ele faz isso umas quatro vezes). E ele ainda tem ataques de gagueira que foram mantidos na edição, como quando Manjuba alega que um amigo teve uma "alu... aluci... aluci... alucinação". "A dama da lagoa" é aquele tipo de filme feito mais no improviso do que com preocupações técnicas ou narrativas. Por exemplo, quando uma atriz coadjuvante entrega um diário à polícia, e esquece o único texto que deveria falar no filme inteiro, simplesmente dá uma risadinha sem jeito e espera muda até que o outro ator a ajude, improvisando o restante do diálogo. E é justamente por momentos como estes que o curta-metragem (de apenas 20 minutos) é tão divertido, valorizando sotaques e pessoas que jamais teriam chance no "cinemão" oficial. (GUERRA, 2009)

A repetição da frase “Acredite no Manjuba!” me fez começar a notar uma sociabilidade crescente entre os participantes da mostra, que atestei com a minha presença durante a duração do evento e nas edições posteriores. Essa sociabilidade ficou ainda mais evidente quando comecei a descobrir filmes onde realizadores e atores participantes da mostra, de diferentes grupos de produção e mesmo diferentes locais no Brasil, se juntavam e se articulavam.

Ingressei no mestrado em comunicação, em 2012, já com a proposta de estudar esses encontros que estavam acontecendo no cinema de bordas. A presença, no corpo docente, de vários pesquisadores responsáveis pela documentação dessa temática, foi essencial para a consolidação do tema e confirmação de sua importância. Uma vez

12 consultada tanto a bibliografia quanto pesquisadores ligados à investigação do tema, notei que esse aspecto social do cinema de bordas ainda era pouco estudado. Esse fenômeno social, ainda recente e em constante expansão, não conta com as facilidades que o distanciamento temporal proporcionaria, mas a proximidade com o objeto de pesquisa facilita o acesso a esse contexto, desde o seu surgimento até os dias atuais.

Este trabalho pretende investigar as origens e estratégias de sociabilidade que se estabelecem entre realizadores cinematográficos no universo do cinema de bordas, e como essas redes sociais criadas a partir de espaços de exibição de filmes produzem novas obras colaborativas.

O conceito de cinema de bordas surgiu numa tentativa de um grupo de pesquisadores de cinema em dar visibilidade a produções cinematográficas esquecidas e às bordas da historiografia oficial do cinema brasileiro. Produções de baixo orçamento, feitas por realizadores amadores, espalhadas por todo o território nacional, com sotaques e regionalismos, mas influenciados pela cultura midiática. Esses pesquisadores fizeram um levantamento de filmes que se adequassem ao conceito, e, na tentativa de divulgar essas obras, foram criados espaços de exibição onde circulavam cineastas de origens diversas, mas gostos e vontades similares. A partir da recorrência desses espaços, foram criados laços sociais que não só se tornaram permanentes, mas acabaram por influenciar as obras desses cineastas, juntando-os em novas realizações conjuntas. As bordas se juntaram.

No primeiro capítulo, o estudo se orienta por meio da trajetória do conceito de cinema de bordas, analisando o contexto de seu surgimento, durante a primeira aparição oficial no IX Encontro da Sociedade Brasileira de Estudos de Cinema e Audiovisual (Socine), em 2005. Fazendo um levantamento da publicação de artigos em revistas e encontros, dos livros organizados pelos pesquisadores do tema, dos textos da curadoria dos festivais e 13 demais aparições do termo, a pesquisa espera compreender as trajetórias dessa conceituação até o presente.

Identificando os conceitos elencados pelos pesquisadores para definir esse tipo de cinema, o questionamento girou em torno dos parâmetros estabelecidos pela academia que possibilitaram abranger filmes tão diversos e, ao mesmo tempo, que comportam uma série de semelhanças. A proximidade e a apropriação que esses filmes fazem com os gêneros cinematográficos e com a cultura pop possibilita enxergar, em sua diversidade, similaridades. São justamente essas paridades que permitem, através do contato social, a facilitação da formação de redes sociais entre realizadores e espectadores. O foco se dará especificamente no cinema periférico de bordas, realizações amadoras que muitas vezes enfrentam dificuldades de exibição e ficam relegadas a um público local.

Outras definições importantes de se elencar são cultura midiática, mainstream e imaginário, e seus desdobramentos no campo social.

O conceito de imaginário tratado nesse trabalho se aproxima da visão exposta por Gilbert Durand, que o entende como um “conjunto das imagens e das relações de imagens que constitui o capital pensado do homo sapiens” (DURAND, 1997, p. 14). Então, imaginário, aqui, é entendido como um repositório de imagens, visuais e sonoras, já vistas, e, algumas vezes, saturadas. Ao tratar de um imaginário compartilhado, então, o entendimento está ligado a uma iconografia partilhada.

As obras abordadas pelo cinema de bordas, apesar de sempre apresentarem um discurso local, regionalidades e sotaques, apresentam facetas que permitem seu entendimento por um público não-local. Sinalizando a necessidade de um estudo dentro do contexto do conceito de imaginário, é possível observar um discurso midiático global

14 presente em todas essas obras, que se apropriam e remixam ideias já vistas em filmes de

Hollywood, quadrinhos, televisão e por todo imaginário pop.

A partir desses conceitos e suas expressões materializadas, será evidenciada a existência de um universo informacional estético compartilhado que dá condições de representação para essa produção ganhar sentido global. A midiatização dos estilos de vida, dominando a prática social, forma uma sociabilidade de consumo comum a todos realizadores, aparente em seus modos de representação e suas obras.

Também será investigado como a formação de um imaginário e de uma identidade brasileira através do cinema influencia o cinema de bordas. Mesmo agindo de forma paralela à cinematografia oficial do cinema brasileiro, esses filmes refletem aspectos da brasilidade, nos modos de fazer e representar.

O segundo capítulo espera analisar a sociabilidade entre realizadores e espectadores. Vale ressaltar que antes do surgimento da Mostra Itaú Cultural Cinema de

Bordas, principal ponto de encontro dos filmes e realizadores aqui abordados, foram organizadas outras mostras onde figuraram alguns dos filmes estudados pelo grupo de pesquisadores vinculados ao tema.

A recorrência de espaços de trocas sociais, tanto nas mostras organizadas pela academia quanto em outros locais que servem de veículo para a exibição para filmes inseridos no conceito, criaram uma familiaridade entre realizadores, atores e mesmo espectadores, num jogo de representação, conhecimento e reconhecimento. A troca social facilitada pelo imaginário global compartilhado entre essas pessoas articula redes que se mantém mesmo fora desses locais.

Nesse ponto, se examinará as formas estruturais e particularidades dessas trocas sociais. Para apoiar essa análise, serão investigadas as estruturas de tribos, conforme 15 propostas por Michel Maffesoli, e sua relação com o consumo; e também as estruturas das redes sociais e suas particularidades. Esse esforço busca compreender como esses grupos se criam, estabelecem limites, se organizam e como lidam com as identidades de seus membros. Ao mesmo tempo, será analisado como o corpo de conhecimento compartilhado por esses grupos age em sua configuração da identidade, e como novas obras são criadas a partir desses encontros.

O terceiro capítulo será uma tentativa de entender como esse comportamento social está opera no cinema periférico de bordas, fazendo uso de um recorte dentro do universo dos filmes estudados. Apesar das misturas, essas novas obras não aparentam interesse em unificar ou neutralizar os regionalismos e sotaques. Esses diretores, atores e demais envolvidos, ao se encontrarem, estão configurando uma territorialidade que se expande além do conceito original de cinema de bordas e além das fronteiras da geografia do mundo material. Através de gráfico e esquemas, espera-se levantar novas análises sobre as estratégias das redes de produção do cinema periférico de bordas.

Por fim, será feita uma tentativa de se entender as consequências práticas dessa sociabilidade, questionando o papel das trocas sociais e seus efeitos, a importância da academia na configuração das relações e a continuidade dessas transações.

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1. CINEMA DE BORDAS

1.1 SURGIMENTO DO TERMO

A Socine, Sociedade Brasileira de Estudos de Cinema e Audiovisual, foi criada em novembro de 1996 com o objetivo de promover a realização e o intercâmbio de pesquisas e estudos de cinema em suas mais diferentes manifestações. Incentivando a reflexão e a troca de ideias sobre cinema e audiovisual no Brasil, promove encontros anuais para a divulgação e debate de estudos e pesquisas voltados para o cinema e áreas afins. Nesses espaços são criadas interfaces de interação entre os profissionais, produtores, críticos, pesquisadores, professores e estudantes do campo do audiovisual das diferentes regiões do Brasil, somando-se atualmente mais de mil e trezentos sócios, a maioria professores e alunos de pós-graduação.

Em depoimento ao programa de TV Metrópolis4, exibido no canal aberto TV

Cultura em abril de 2011, a pesquisadora Maria Bernadette Cunha de Lyra5, mais conhecida por Bernadette Lyra, uma das sócias-fundadoras da Socine, relata que, no decorrer dos

4 Metrópolis é um programa produzido e exibido pela TV Cultura desde abril de 1998, cobrindo diariamente assuntos relacionados à arte e à cultura em geral. Entre os assuntos tratados estão música, cinema, teatro, artes plásticas, moda, games e comportamento. 5 Bernadette Lyra é graduada em Letras pela Universidade Federal do Espírito Santo/ UFES (1972), mestre em Comunicação pela Universidade Federal do / UFRJ (1981) e doutora em Cinema pela Universidade de São Paulo / USP(1988). Tem pós-doutorado na Université René Descartes/ Sorbonne (Paris V). Foi coordenadora do Mestrado em Comunicação da Universidade Anhembi Morumbi. Atualmente é professora titular no mesmo PPGCom. Foi coordenadora do GT Cinema, Fotografia e Video da Associação de Programas de Pós-Graduação em Comunicação / Compós. Sócia-fundadora e atual membro do Conselho Científico da Sociedade Brasileira de Pesquisadores de Cinema e Audiovisual / Socine. Professora visitante da Universidade do Algarve, Portugal. Tem experiência na área de comunicação, com ênfase em cinema, atuando principalmente nos seguintes temas: cinema, audiovisual, cinema brasileiro, cinema periférico, comunicação. É autora de livros e artigos sobre cinema e audiovisual, bem como autora várias vezes premiada de livros de ficção, com publicações no Brasil e no exterior. É curadora de Mostras de Cinema de Bordas Periférico junto ao Instituto Itaú Cultural, São Paulo / SP (informações retiradas do site http://lattes.cnpq.br/8148037951352662). 17 encontros anuais da Socine, observou que os estudos apresentados privilegiavam o cinema institucionalizado, tanto artístico quanto autoral, e essa ausência de um cinema que estava

às bordas dessa produção começou a causar interesse acadêmico. Em depoimento a outro programa de TV, nesse caso o Trash!6, exibido em 2012 no Canal Brasil, Lyra reitera essa afirmação, dizendo que:

O que a gente começou a descobrir e a ter interesse, numa época, inclusive, que a Socine tinha ideias diferentes, que tava muito voltada pra essa ideia do autoral, essa ideia do artístico, foi que havia todo um universo de filmes que ficava fora, tanto que uma das nossas mesas na Socine nós chamamos de, é, Me inclua fora disso, por que era exatamente a ideia de que há todo um outro universo, palpitante, que tá por aí e que não era abordado. São historiografias paralelas, uma era privilegiada como a oficial, e as outras ficavam perdidas, esparsas, é, pesquisadores aqui e ali iriam estudando toda essa filmografia. [...] Então essa ideia de explorar todo esse universo que não era explorado. (CASELLI, 2012)7

Em entrevista concedida para a revista eletrônica Zingu!8, de maio de 2009, o jornalista e editor-chefe Gabriel Carneiro indaga sobre a origem do interesse pelo cinema de bordas. Lyra recorda o ano 2000, momento em que deu início às suas pesquisas em torno da temática das chanchadas. Para a pesquisadora, o menosprezo dos críticos e pesquisadores acadêmicos causava estranhamento, observando que esses filmes atraiam um grande público. Essa observação de Lyra está de acordo com o teórico de cinema Jean Claude

Bernadet, quando afirma que “considera-se que o público menospreza os filmes brasileiros,

6 O programa foi dirigido e apresentado por Christian Caselli, com pesquisas de Géssica Santiago e Yasmin Scali, produção de Yasmin Scali, produção executiva de Patrizia Landi e supervisão geral de Nelson Hoineff e foi exibido na emissora paga Canal Brasil, às sextas-feiras, com estreia no dia 28 de agosto de 2012 e duração de cinco episódios. 7 Esse depoimento foi dado no prédio sede do Mestrado em comunicação da Universidade Anhembi Morumbi. O trecho citado foi retirado não do programa que foi exibido na TV, mas de uma gravação paralela da entrevista, gravada e editada pelo técnico de vídeo da universidade e aluno do mestrado Rodrigo Terplak. 8 Entrevista presente na edição 31. A revista Zingu! foi uma publicação digital editada em formato de blog, mas que seguia os modelos de uma revista: publicação periódica, colunas, artigos, entrevistas, entre outros. Durou 54 edições, de outubro de 2006 até setembro de 2012. 18 com exceção de algumas faixas de audiência, em alguns momentos e com relação a alguns gêneros, como a chanchada”, e uma justificativa possível é que “tradicionalmente, o trabalho de história volta-se para a produção e menospreza a exibição” (BERNADET, 2008, p.

56). Ao mesmo tempo, o pesquisador Gelson Santana Penha9, em depoimento ao programa

Trash!, reforça essa visão excludente mencionada por Lyra:

Eu cansei de ver livros de história do cinema brasileiro que pulava a pornochanchada, por exemplo, como se não existisse a pornochanchada como movimento, ou como forma de produção no Brasil. E a, a partir de, da, dessa... dessa cons... dessas constatações a gente começou a apresentar trabalhos na Socine, é, voltados exatamente para esses cinemas excluídos, para essas produções, para essas cinematografias excluídas. (CASELLI, 2012) 10

Em 2004, no VIII Encontro Socine11, essa vontade de estudar esse tipo de produções cinematográficas deu origem ao seminário intitulado Me inclua fora disso: horror e riso nas margens do cinema brasileiro, coordenada por Rubens Arnaldo Rewald, da

Universidade de São Paulo. Além da presença de Lyra, o seminário contou com a participação de outros pesquisadores, que também decidiram investir em pesquisas relativas

9 Gelson Santana Penha é formado em Comunicação Social (cinema) pela Universidade Federal Fluminense (1987), mestrado em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo (1999) e doutorado em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo (2003) sob a orientação do Prof. Dr. Marcello G. Tassara. Atualmente é professor titular do Mestrado em Comunicação da Universidade Anhembi Morumbi. Publicou em 2009 o livro "O prazer trivial: cultura midiática, gênero e pornochanchada", em segunda edição. Autor de diversos artigos científicos, resenhas e capítulos de livros nas áreas de Comunicação e Artes com ênfase em Cinema e Audiovisual. Membro da comissão editorial da revista eletrônica E-COMPÓS. Professor de Análise da Imagem no curso de Extensão em TV para a Televisão Pública de Angola (TPA), em Luanda, Angola. Editor e organizador de livros de comunicação, cinema e audiovisual. Membro da Sociedade Brasileira de Estudos de Cinema e Audiovisual (SOCINE). Tem experiência na área de Comunicação, atuando principalmente nos seguintes temas: cinema, cinema brasileiro, games, cultura pop, novas tecnologias e literatura massiva (informações retiradas do site http://lattes.cnpq.br/2975129034302290). 10 Novamente, o trecho citado foi retirado da gravação paralela já citada. 11 O VIII Encontro Socine aconteceu entre os dias 3 e 6 de novembro de 2004, nas dependências da Universidade Católica de 19 ao tema12. O trabalho apresentado por Lyra, O terrir, tratava do imaginário sociocultural brasileiro revisitado nas formas do horror e do riso em filmes até então considerados irrelevantes pela crítica cinematográfica, abordando o terrir, gênero B inventado pelo cineasta Ivan Cardoso. Lyra, ainda em entrevista para a edição 31 da revista digital Zingu!, aponta ter uma predileção pelos filmes desse cineasta, em especial as ficções que misturam horror, humor e sexo:

Na busca por bibliografia para tais estudos, achei um artigo esplêndido de Jerusa Pires Ferreira: Heterônimos e cultura das bordas, que foi publicado em 1990, em uma revista da USP. O artigo era sobre a literatura de Rubens Francisco Lucchetti, o parceiro mais pontual de Ivan. (LYRA, 2009b)

Dessa forma, a elaboração do termo cinema de bordas surgiu, de acordo com

Santana, das propostas de Lyra.

A ideia do, do cinema de bordas, quer dizer, o nome, ele nasceu de uma proposição da Bernadette, que tem, é, na verdade, tem, é um termo antropológico, né, que foi transformado em um termo de... existe uma cultura de bordas, no mundo, no Brasil principalmente. E existe uma cultura de bordas. Só que essa cultura de bordas não contempla o chamado cinema. Aí nós criamos um conceito voltado exatamente para a produção cinematográfica, é... pra essa produção cinematográfica. (CASELLI, 2012)

Segundo Gelson Santana, foi em 2004 que os pesquisadores envolvidos começaram a identificar uma série de produções sem registro nos meios de comunicação, invisíveis aos estudos e crítica, tornando possível um levantamento de obras. No contato com pessoas envolvidas em diferentes estados do Brasil, os pesquisadores iniciaram seus estudos e, em 2005, inseriram suas investigações críticas dentro do espaço acadêmico.

12 As comunicações que participaram do seminário temático foram: O terrir, de Bernadette Lyra, Imagens estigmatizadas, de Rosana de Lima Soares, Zé do Caixão, um vampiro de capa e , de Diogo Julien Miranda e O surto de horror da Boca do Lixo, de Laura Cánepa. 20

Figura 1: Exemplo de filme de bordas, cena do filme de bordas Um Vinchester para três tumbas, do realizador Arlindo Filho Fonte: YouTube

Lyra, em entrevista ao programa de TV Metrópolis em 2011, afirma que o termo foi consolidado em uma pizza cultural, uma reunião informal de pesquisadores, aceito com entusiasmo pelos demais presentes. Mas foi em 2005, no IX Encontro da Socine13, no seminário temático chamado Juntando os cacos, reciclando o lixo: nas bordas do cinema brasileiro, que Lyra apresenta formalmente a fundamentação teórica do termo dentro do contexto acadêmico, acompanhada por outros pesquisadores participantes do evento:

Alfredo Suppia, Diogo Miranda, Gelson Santana, Laura Cánepa, Rogério Ferraraz, Rosana

Soares e Zuleika Bueno14. Essa origem é confirmada e registrada no livro Cinema de bordas

3, onde na introdução se lê que:

13 O encontro foi sediado em São Leopolodo, Rio Grande do Sul, pela universidade , de 19 a 22 de outubro de 2005. 14 As comunicações que participaram do seminário temático foram: Ficção científica no Brasil: que bicho é esse?, de Alfredo Suppia, O cinema de bordas: pragas e maldições - a carnavalização do terror nos filmes de Zé do Caixão, de Diogo Miranda, Filmes bricolados, de Gelson Santana, Horror, de Laura 21

Em sua gênese, o termo cinema de bordas foi proposto por Bernadette Lyra, em 2005, na comunicação feita à mesa “Juntando os cacos, reciclando o lixo: nas bordas do cinema brasileiro”, no IX Encontro da Sociedade Brasileira de Estudos de Cinema e Audiovisual (Socine). (SANTANA, 2012, p. 5)

Ainda, em nota de rodapé, é citada a publicação dessa comunicação com o título

“Horror, humor e sexo no cinema de bordas”, na revista Ilha do Desterro, número 51, em

2006, da página 131 a 146.

Nesse mesmo ano é criado um grupo de pesquisas, por necessidade do mestrado, chamado Formas e imagens na comunicação contemporânea, cadastrado junto ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). O grupo é formado pela maior parte dos pesquisadores envolvidos no seminário, sediado na

Universidade Anhembi Morumbi, em São Paulo, instituição que abriga a maior parte do grupo. Além disso, este também é o ano da publicação do primeiro livro sobre o tema,

Cinema de bordas, organizado por Bernadette Lyra e Gelson Santana.

O prestígio acadêmico não só dos membros do grupo de pesquisa, como dos demais pesquisadores que se propuseram a estudar o conceito, ajudou na aceitação e respaldo do termo. Na entrevista concedida por Lyra ao programa Metrópolis em 2011, o entrevistador Cadão Volpato se fascina com a presença de três doutores na curadoria da mostra divulgada, devido à precariedade dos filmes exibidos, em contrapartida, Lyra argumenta que o grupo é composto por oito doutores, induzindo o apresentador a exclamar: “Oito doutores!

Adorei!”. É provável que o espanto de Volpato esteja ligada à postura da academia, que sempre privilegiou o cinema de autor. Graeme Turner afirma que “Como era de se esperar, a

Cánepa, O (des)arranjo da ficção científica, de Rogério Ferraraz, Essa não é mais uma história de amor, de Rosana Soares e Leia o livro, veja o filme, compre o disco - o cinema juvenil brasileiro, de Zuleika Bueno (MASCARELLO, 2005). 22 evolução do conhecimento sobre o cinema e o aumento das publicações acompanham a chegada gradual das instituições acadêmicas no estudo do cinema”, com departamentos de cinema emergindo nas universidades nos anos de 1960 e 1970, “com predomínio de pessoas jovens teoricamente vinculadas ao cinema de autor que preferem os filmes europeus aos de

Hollywood” (TURNER, 1997, p. 47). Para Turner, o fato dos departamentos de cinema terem surgido muitas vezes como uma ramificação do departamento de línguas, eles herdaram um ponto de vista estabelecido que combinava com a ideia de cinema de autor, enfatizando filmes que faziam uso de simbolismo e reflexão, tratando os filmes como literatura em imagens. Para Lyra e Santana, o primeiro livro Cinema de bordas (2006) é uma tentativa justamente de superar as “dicotomias valorativas que privilegiam os jogos do espírito em detrimento dos jogos do corpo” (LYRA & SANTANA, 2006a, p. 15), onde “jogos do espírito” seriam uma forma de interpretar os filmes como literatura.

Logo o conceito de cinema de bordas se populariza, registrando na introdução dos três livros lançados pelo grupo a aceitação acadêmica do termo. Na introdução do primeiro livro, Cinema de bordas, se lê que “Tais questões, que, em boa hora, vêm sendo externadas por muitos estudiosos em congressos, debates e seminários da área, estão dirigidos a um cinema que, em geral, permanecia às bordas dos estudos acadêmicos [...]”

(LYRA & SANTANA, 2006a). Esse respaldo é confirmado no segundo livro, publicado dois anos depois, Cinema de bordas 2, quando, na introdução, o autor convidado, Marcius

Freire15 fala que “[...] tenho acompanhado com grande interesse o trabalho do grupo,

15 Marcius Cesar Soares Freire é graduado em "Études Cinématographiques et Audiovisuelles" - Université Paris VIII (1978), e em "Arts Plastiques" - Université Paris VIII (1979), mestre em "Cinéma" - Université Paris VIII (1980), doutor em "Cinématographie" - Université Paris X-Nanterre (1985) e pós- doutor pela New York University (1997-1999). Atualmente é Professor livre-docente do Departamento de Cinema da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Tem experiência na área de Comunicação, com ênfase em Comunicação audiovisual, atuando principalmente nos 23 assistindo aos filmes estudados, lendo os artigos escritos sobre eles e frequentado os seminários, palestras e mesas redondas em que o tema está em pauta” (FREIRE, 2008, p. 5) .

No terceiro livro dedicado ao tema, lançado em 2012, Santana reitera que “O termo cinema de bordas foi desde logo aceito e adotado por um grupo de pesquisadores independentes, sediados nas mais diversas Universidades do país e interessados em examinar, catalogar e tornar visível essa espécie de produção [...]” (SANTANA, 2012, p. 6).

No ano de 2012, aconteceu em São Paulo a XI Mostra do Filme Livre, privilegiando obras audiovisuais sem apoio estatal e fora dos circuitos comerciais. Um dos curadores, Christian Caselli, programou uma sessão chamada Bordas ou trash, discutindo as interlocuções entre as duas denominações. Caselli considera o termo trash depreciativo, diferente de cinema de bordas, “cunhado de intelectuais vindos de São Paulo, sendo muito mais respeitoso”, talvez até respeitoso demais, “por ter um excesso de zelo” (CCBB-SP, 2012, p. 120).

seguintes temas: cinema, documentário, antropologia fílmica, antropologia visual e fotografia (informações retiradas do site http://lattes.cnpq.br/8148037951352662). 24

Figura 2: Cena do filme de bordas Gato, da Recurso Zero Produções, do realizador Joel Caetano, apresentado na II Mostra Itaú Cultural Cinema de Bordas (2010), assim como na XI Mostra do Filme Livre (2012) Fonte: YouTube

1.2 TRAJETÓRIAS DO TERMO

Devido à ausência de estudos acadêmicos sobre esse tipo de cinema, a criação de um novo termo foi importante para demarcar um fenômeno difuso e filmes heterogêneos. Conforme já citado por Santana, a ideia de uma cultura de bordas não é inédita e emprestando o conceito da área das ciências sociais, em especial, da antropologia.

O termo foi notado por Lyra na busca por obras a respeito do cineasta Ivan Cardoso, ao encontrar um estudo sobre seu colaborador como roteirista, Rubens Francisco Lucchetti. Em

2005, no IX Encontro da Socine, no seminário temático chamado Juntando os cacos, reciclando o lixo..., Lyra explica a origem dessa denominação “de bordas”:

25

O termo “cinema de bordas” não é nosso, o termo nós tiramos, o termo aplicado ao cinema é nosso, mas nós tiramos de um conceito de “cultura de bordas”, ou “cultura das bordas”, que a professora Jerusa Pires, quando entrevista Rubens Luchetti, que é um ídolo do nosso cinema de bordas. Então por aí, por via tais destas, nós aproveitamos o termo para “cinema de bordas”, que foi aquele que se encaixou como uma luva no que nós, é, estamos pensando sobre esse tipo de cinema, né? (LYRA, 2005)

O artigo que inspirou o conceito, escrito por Jerusa Pires Ferreira em 1990, determina a posição da cultura das bordas:

Com bordas quero enfatizar a exclusão do centro, aquilo que fica numa faixa de transição entre uns e outros, entre as culturas tradicionais reconhecidas como folclore e a daqueles que detém maior atualização e prestígio, uma produção que se dirige, por exemplo, a públicos populares de vários tipos, inclusive àqueles das periferias urbanas (FERREIRA, 1990:171).

Em outro artigo, intitulado “Cinema periférico de bordas”16, Lyra explica que entende que é possível estender o conceito aos domínios dos estudos da comunicação “por vias dos fenômenos midiáticos de produção e consumo que envolvem a modalidade de cinema aqui enfocado” (LYRA, 2009a, p. 33).

Na apresentação oficial do termo, Lyra se preocupa com esse posicionamento teórico, e em um primeiro momento parece mais interessada em dizer o que não é cinema de bordas, construindo aos poucos o lugar desses filmes, para só no final de sua comunicação apontar de forma organizada as estratégias que permeiam esse tipo de cinema. No início, ela posiciona a produção estudada por ela e pelos outros participantes do seminário teórico como “uma ala de trabalhos que não é aquele dito ‘cinema oficial’, ou

16 Publicado na revista Comunicação, mídia e consumo, volume 6, número 15, de 2009. 26 melhor, não é o cinema institucionalizado” (LYRA, 2005), se opondo à historiografia do cinema brasileiro presente em obras como as de Alex Viany e Glauber Rocha17.

Ao situar o posicionamento político do cinema de bordas, Lyra responde a questionamentos levantados enquanto testava ideias relacionadas ao conceito em outras apresentações acadêmicas. Acreditando que essa produção se faz política em sua maneira de se constituir, nega um posicionamento propositadamente manifesto, sustentando o seguinte posicionamento:

Não que assuma uma posição ostensiva, de frente ou de margem, como era a posição, por exemplo, do, do cinema não-oficial experimental, do cinema do Bressane, que é realmente uma posição tomada de vanguarda. (LYRA, 2005)

Desclassificando o cinema de bordas como cinema de oposição, a pesquisadora afasta o novo termo de comparações com o cinema marginal, do udigrudi de Glauber Rocha e do cinema de invenção. Para Marcius Freire, “em quase sua totalidade esses filmes pedirem emprestado ao produto industrial seu modelo narrativo – raras são as propostas que enveredam pelas trilhas da vanguarda, do experimental ou, mesmo, do documental”

(FREIRE, 2008, p. 9). Lyra comenta que as vanguardas são modernas, e os filmes do cinema de bordas, embora não sejam pós-modernos, tem um modo de encarar é pós-moderno

(LYRA, 2005). Embora esteja às bordas do cinema oficial, o cinema de bordas não tem essa posição propositadamente. Para Lyra:

[...] do nosso ponto de vista, o cinema de bordas, ele não se opõe ao cinema oficial: pelo contrário. É, ele não está fora dessas formas hegemônicas do cinema oficial. Ele não é oposição, ele não faz citação, ele

17 Por exemplo, os livros Introdução ao cinema brasileiro, de Alex Viany, publicado em 1959 e Revolução do Cinema Novo, de Glauber Rocha, publicado em 1981. 27

é, na verdade, um tipo de cinema que rouba, que aproveita, vai e volta, é, onde as bordas estão no lugar que o filme as coloca, e não onde a historiografia oficial as coloca. (LYRA, 2005)

Assim como nas diversas produções da cultura de bordas expostas pelo escritor

Rubens Lucchetti por meio de um refinado conhecimento literário dialogando com um interesse paralitetário18, esse mesmo tipo de troca ocorre no cinema de bordas.

As ideias apresentadas por Lyra na Socine foram publicadas no artigo “Horror, humor e sexo no cinema de bordas”, na revista Ilha do desterro19, número 51, em 2006. Uma versão modificada deste artigo aparece no livro Cinema de bordas, publicado no mesmo ano, sob o título “A parte maldita”.

Tomando a introdução do primeiro livro como base para a definição oficial do termo, temos Lyra e Santana posicionando o cinema de bordas como parte do regime trivial do lazer, mais ligados ao corpo (produção de presença) que à produção de sentido e ao intelecto, tomando emprestadas ideias do autor Hans Ulrich Gumbrecht. Gumbrecth aponta a onipresença de esforços interpretativos e buscas por sentido nos textos analisados pelas ciências humanas (GUMBRECHT, 2010). Como contrapartida, o autor sugere uma outra forma de abordagem, ligada à materialidade da comunicação

Em outras palavras, falar de “produção de presença” implica que o efeito de tangibilidade (espacial) surgido com os meios de comunicação está sujeito, no espaço, a movimentos de maior ou menor proximidade e de maior ou menor intensidade. Pode ser mais ou menos banal observar que qualquer forma de comunicação, com seus elementos materiais, “tocará” os corpos das pessoas que estão em comunicação de modos específicos e variados – mas não deixa de ser verdade que isso havia sido obliterado (ou

18 Definição de paraliteratura: conjunto dos textos que não se enquadram no consenso literário social propriamente dito (p.ex., as revistas sensacionalistas, as letras de música, as novelas e fotonovelas, as histórias em quadrinhos etc.) 19 Ilha do Desterro é um periódico do Programa de Pós-Graduação em Letras: Inglês e Literatura Correspondente da UFSC, publicado uma vez a cada semestre. Sua maior missão é circular os resultados de pesquisas acadêmicas nas áreas de Inglês, Literatura e Estudos Culturais. 28

progressivamente esquecido) pelo edifício teórico do Ocidente desde que o cogito cartesiano fez a ontologia da existência humana depender exclusivamente dos movimentos do pensamento humano. (GUMBRECHT, 2010, p. 38-39)

Daí derivam os dois modos de fruição do lazer apontados por Lyra e Santana, o regime sério, ligado à cognição e interpretação, e o regime trivial, ligado ao corpo, ao espetáculo e ao divertimento. O cinema de bordas, como pertencente ao regime trivial, tem um alto grau de envolvimento do corpo: gritos de horror, risadas, lágrimas, suor, assovios, suspiros, entre outros.

Com relação ao conteúdo dos filmes, os autores apontam o uso indiscriminado de fragmentos da cultura pop, como filmes, quadrinhos, música brega, e assim por diante.

Essa reutilização de pedaços já vistos condiz com outro ponto apontado: uma conformidade com os gêneros cinematográficos – policial, comédia, ficção científica, horror, entre outros.

Isso faz com que os filmes de bordas sejam marcados por uma alta carga de repetição e previsibilidade. Ao contrário de uma busca pela originalidade, o que existe é uma alta estereotipagem que garante a adesão de uma grande massa de espectadores, mais preocupados com a diversão. Para Edward Buscombe:

[...] um filme de gênero depende de uma combinação de novidade e familiaridade. As convenções do gênero são conhecidas e reconhecidas pelo público, e tal reconhecimento já é, por si só, um prazer estético. (BUSCOMBE, 2005, p. 315)

É importante deixar claro que o autor, ao usar a palavra novidade, não tem a intenção de significar inovação ou ineditismo, mas sim se referir a algo recente, fresco.

Essas definições de cinema de bordas são a base intelectual para as investigações presentes tanto no primeiro livro quanto nos dois seguintes. Apesar de todos os autores se

29 debruçarem em investigações que estejam em acordo com o conceito de cinema de bordas, a presença do termo nos artigos é mínima no primeiro livro, aparecendo somente, além da introdução, no artigo de Bernadette Lyra e Rosana Soares.

No segundo livro, além da introdução escrita por Marcius Freire, o termo aparece citado em três dos dez artigos presentes, sendo mencionado nos artigos de

Bernadette Lyra, Rosana Soares e Zuleika Bueno.

Mas, no terceiro livro, o termo aparece, além da introdução, escrita por Santana, o termo aparece citado em sete dos dez artigos presentes, sendo mencionado nos artigos de

Alfredo Suppia, Bernadette Lyra, Carlos Primati, Laura Cánepa, Lucio Reis, Rosana Soares e

Zuleika Bueno. Em três artigos, ele é mencionado não somente como referencial teórico, mas o próprio conceito em si é estudado, nos casos de Suppia, Cánepa e Soares.

1.3 CINEMA PERIFÉRICO DE BORDAS, CULTURA MIDIÁTICA E CULTURA POPULAR

Na introdução do segundo livro, de 2008, Marcius Freire, ao comentar o cinema de bordas, diz que “é necessário observar que uma das particularidades dessas realizações é o fato de as mesmas serem gestadas por amadores, não por profissionais” (p. 6), mas logo em seguida aponta que “este conceito também acolhe produções perfeitamente inseridas no contexto do cinema industrial” (p. 6).

30

Figura 3: Cartaz de As sete vampiras, do cineasta Ivan Cardoso Fonte: http://revistazingu.blogspot.com.br/2006/12/dic-assetevampiras.html

Lyra publica em 2009 o artigo Cinema periférico de bordas20, onde, dentro da heterogeneidade do conceito, define três estratos. No primeiro, ela posiciona os filmes mainstream, com a única finalidade de atingir o mercado em larga escala, como os filmes dos Trapalhões e da Xuxa. No segundo, filmes que mostram uma intenção proposital de parecer subculturais, com apelo às estratégias dos gêneros comerciais, do trash e outras categorias menosprezadas pela academia, que muitas vezes exibem um conhecimento cinéfilo do realizador, como os filmes de Ivan Cardoso. No terceiro, filmes realizados por autodidatas, moradores de pequenas cidades ou arredores das grandes capitais, com estruturas de produção que fogem ao padrão, articuladas sobre modos de produção artesanais e independentes, com orçamento e recursos escassos e precários, uso de atores não profissionais, cenários toscos e naturais, além da exibição caseira ou em locais

20 Revista Comunicação, mídia e consumo, volume 6, número 15, maio de 2009, páginas 31 a 47. 31 improvisados. Mas, para Lyra, esses três estratos se intercambiam e se comunicam, e essa divisão existe apenas para efeito didático, já que:

[...] na maioria das vezes, nenhum dos tipos de filmes que enunciei existe em “estado puro”. No entanto, todos são perpassados por uma estética de subculturas, ou seja, de culturas “não autorizadas” de maneira institucional. Nesse sentido, eles se aproximam daquilo que se chama hoje de paracinema, ou seja, um outro cinema, que corre paralelo àquele valorizado institucionalmente. (LYRA, 2009a, p. 35)

Em 2011, no texto curatorial da III Mostra Itaú Cultural Cinema de Bordas, assinado pelos três curadores, Bernadette Lyra, Gelson Santana e Laura Cánepa, uma nova tripartição é apontada nos filmes de bordas, usando uma metáfora de ondas, organizando os tipos de produções em ordem tecnológica e cronológica. Como se pode notar no texto, essa nova divisão diz respeito principalmente ao segundo e ao terceiro estrato.

A cinematografia periférica das bordas pauta-se em três ondas que fluem, refluem e, por fim, se misturam. A primeira origina-se em realizadores quase sempre autodidatas que tiveram acesso às câmeras VHS do final dos anos 1970 e que fizeram cinema em torno de suas comunidades. A segunda localiza-se na geração que viveu a época de ouro dos fanzines, donde ela retirava o espírito anárquico usual na cena underground dos anos 1980 enquanto cultuava filmes de humor sinistro, horror debochado e sangue em excesso. A terceira decorre de cinéfilos apaixonados por produções baratas das décadas de 1970 e 1980, para quem o uso de câmeras digitais mais acessíveis e portáteis permite que cada um faça o seu próprio cinema e transforme a internet numa sala virtual. (INSTITUTO ITAÚ CULTURAL, p. 5, 2011)

Cada uma dessas ondas cria um público próprio. Os cineastas da primeira onda, chamados por Lyra de “dinossauros sagrados” (LYRA, 2012, p. 39), muitas vezes contentavam-se em criar para um público local. Já os cineastas da segunda onda tentam aumentar sua audiência através da difusão através de fanzines, trocando fitas VHS por

32 correspondência e, mais tardiamente, a troca de DVDs. Já a terceira consegue difundir suas obras para um público mais amplo e diversificado através da internet, o que não necessariamente significa um número maior de espectadores, mas uma maior facilidade de divulgação.

É importante notar que, apesar de muitos dos filmes de bordas inicialmente somente encontrarem condições de exibição ou distribuição em seus locais de produção, vários dos realizadores buscam não só a notoriedade local, mas ampliar suas possibilidades de reconhecimento.

Como um primeiro exemplo, Simião Martiniano, que trabalha vendendo DVDs e vinis antigos, além de cópias de seus próprios filmes, feitos artesanalmente e com baixíssimo orçamento, em uma banca de rua no centro do , o que o tornou conhecido como cineasta-camelô. FIGUEIROA nos conta que Simião Martiniano foi autor de um romance e de uma rádio-novela antes de se dedicar a fazer filmes. Além disso, em 1974, fez um curso de cinema com o diretor pernambucano Pedro Teófilo Batista, que estava filmando em Recife.

Sobre ele, Filho & Vaz nos diz que “Martiniano desconhece a sua própria condição de subalterno, ele desautoriza qualquer versão autocomplacente de mundo (do seu mundo) e talvez, mesmo inadvertidamente, esteja desestabilizando o próprio conceito de subalternidade” (FILHO & VAZ, 2006, p. 97). Um dos indícios dessa postura é o fato de que mesmo com a precariedade dos filmes e os acabamentos modestos, Simião e toda a equipe que atua junto a ele são devidamente registrados na Agência Nacional do Cinema (Ancine).

Um indício de sua vontade de ser visto é seu próprio depoimento: “Eu faço a cultura do estado. Pela cultura que eu fiz, talvez eu merecesse mais reconhecimento. Até no Canadá eu sou conhecido. Sou um dos melhores cineastas de Pernambuco” (FIGUEIROA).

33

Outro exemplo é o cineasta capixaba Rodrigo Aragão. Diretor de três longas- metragens, considerados caros para o padrão periférico das bordas, com orçamentos estimados entre R$ 50 mil e R$ 200 mil, conseguiu financiar seus filmes com a ajuda de seu amigo Hermann Pidner, empresário no Espírito Santo. Em 2008, funda oficialmente sua produtora Fábulas Negras, em sociedade com a atriz e produtora Kika Oliveira. A empresa, para divulgação de seus trabalhos, conta com site, blog e presença nas redes sociais. Em todos seus filmes, busca distribuição comercial, tendo seu primeiro longa-metragem

Mangue Negro sido distribuído na Europa antes mesmo que no Brasil21.

Um indício da sua busca de notoriedade é o fato de Aragão ter se candidato, em

2011, da quarta edição do concurso Capixabas do ano, promovido pelo jornal A Gazeta, com sede em Vitória. O cineasta concorreu na categoria Artista ou intelectual, não vencendo.

Apesar de ser um importante realizador de bordas, tendo exibido todos seus filmes anteriores na mostra, seu último longa-metragem, Mar negro, embora já estivesse pronto e já tivesse sido exibido antes em 2013 no festival Fantaspoa, de Porto Alegre, não submeteu seu filme à Mostra Itaú Cultural Cinema de Bordas. O festival gaúcho tem sido plataforma para o lançamento de diversos filmes de gênero nacionais e internacionais.

Um terceiro exemplo é o cineasta paulistano Joel Caetano. Apesar de ter começado fazendo um filme para exibição em sua faculdade, Caetano ganhou destaque, sendo recentemente capa da revista especializada em cinema Video Zoom Magazine. Sua produtora RZP Filmes, embora não exista formalmente como no caso da Fábulas Negras, de

Rodrigo Aragão, conta com um site de registro próprio em formato de blog, onde divulga as novidades sobre seus filmes (http://www.rzpfilmes.com/).

21 Sobre a distribuição internacional dos filmes de Aragão, consultar o artigo disponível em http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrada/138352-o-sucessor.shtml. 34

O site conta, inclusive, com uma seção dedicada a festivais e prêmios, e outra dedicada a clipping. Na primeira seção, encontra-se os nove filmes da produtora, que somam quase 100 participações em festivais pelo Brasil e pelo mundo, sendo o mais recente, Encosto, tendo 38 participações. Além disso, várias de suas produções foram premiadas. Na segunda seção, o site disponibiliza diversos vídeos de entrevistas, além de publicações em revistas e jornais nacionais, além de sites nacionais e internacionais.

No começo das pesquisas sobre cinema de bordas, os pesquisadores estudavam, principalmente, filmes ligados ao primeiro estrato e filmes esquecidos, anteriores à década de 1960. Nesse livro aparecem estudos acerca de grandes produções, para os padrões brasileiros, tais como Houve uma vez dois verões (2002) e O homem que copiava (2003), dirigidos por Jorge Furtado, e Como fazer um filme de amor (2004), dirigido por José Roberto

Torero. Também aparecem estudos sobre filmes mais antigos, como O jovem tataravô

(1936), dirigido por Luiz de Barros, O homem do Sputnik (1951), dirigido por , e

Alegria de viver (1958), dirigido por Watson Macedo. A quase totalidade dos filmes abordados no primeiro livro estão presentes na historiografia oficial do cinema brasileiro, embora alguns sejam menos conhecidos que outros. Ao caminharem com os estudos e conhecerem novas obras, pode se observar um direcionamento ao segundo e terceiro estratos, como se nota nos artigos do segundo e terceiro livros. Diferente do primeiro livro, agora se apresentam um grande número de cineastas amadores, sem registros na historiografia oficial, como é o caso de Seu Manoelzinho, realizador analfabeto morador do interior do Espírito Santo, ou David Rangel, um cinéfilo carioca e bancário aposentado. Esse novo direcionamento nos estudos do grupo está registrado por Santana, na introdução de

Cinema de bordas 3, onde diz que:

35

Não se pode dizer que as questões aqui tratadas são as mesmas de antes ou que guardam as mesmas características. Até porque, de lá pra cá, não foram poucos os debates as polêmicas, os livros, artigos, conferências, mostras e muitos outros modos de investigação e expansão que se articularam em torno do termo “cinema de bordas”, ampliaram-no, desdobraram-no e o fizeram se clarificar. (SANTANA, 2012, p. 5)

Figura 4: Cena prólogo do filme Jerônimo, o herói do sertão, apresentada pelo realizador David Rangel Fonte: YouTube

Ainda nesse texto, Santana diz que o termo “ganhou vida própria e se intensificou”, indo de um conceito inicial de exclusão e marginalidade para uma concepção de alteridade e paralelismo (p. 6). Ele ainda aponta “sinais evidentes de maturidade, sem que isso represente acomodação” (p. 10). No primeiro livro, mais focado em filmes do primeiro estrato, nota-se nos filmes características de exclusão, enquanto no segundo livro, mais focado nos outros dois estratos, nota-se características de um cinema paralelo. Para

Santana, as investigações do terceiro livro “já partem de um campo cinematograficamente pré-estabelecido, ao invés de ainda buscarem justificativas para sedimentá-los” (p. 10).

O enfoque por filmes do terceiro estrato pode ser apontado pela forma como

Lyra se dirige a essas produções, cinema periférico de bordas, no lugar de apenas cinema de

36 bordas. Esse termo aparece não só no artigo de 2009, mas em projetos de pesquisa, cadastrados no currículo Lattes da pesquisadora no CNPq22, sob o título O cinema periférico de bordas no Brasil, com duração de 2008 a 2010, e Cinema de bordas: na periferia do cinema brasileiro, com início em 2012. No artigo, Lyra explica o terceiro estrato como “filmes periféricos de bordas produzidos por sujeitos autodidatas e moradores de cidades pequenas ou de arredores das grandes capitais” (LYRA, 2009a, p. 41).

Estudar os filmes periféricos de bordas apresenta uma dificuldade, pois este fenômeno é difuso, distribuído por todo o Brasil, sem registros oficiais e, apesar do esforço recente de levantamento, são esparsos os pesquisadores se dedicando a essa cinematografia brasileira paralela. A academia conseguiu alinhar características formais e conteudísticas dessas produções, apesar da heterogeneidade e dos traços regionais, demandas muito locais, sotaques e regionalidades. Para Lyra:

O dado regional, no entanto, não significa regionalismo, uma vez que esse conceito foi abalado desde as suas raízes pela instalação da cultura de massa tributária dos meios de comunicação atuais. É justamente dentro desse contexto de adequações e trocas, simbolizações e ressimbolizações entre o regional e o global que se dá, nesse tipo de cinema, o fenômeno que estamos chamando de singularidades dos gêneros. (LYRA, 2009a, p. 42)

Apesar de traços locais e regionalismos, existe todo um universo informacional estético compartilhado pelos filmes de bordas. A intensa midiatização da sociedade está ligada a uma prática de consumo que permeia toda a vida do homem contemporâneo, numa dominação dos meios de comunicação sobre a cultura. Para Durand:

22 Curriculum Lattes é um currículo elaborado nos padrões da Plataforma Lattes, gerida pelo CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico). O Curriculum Lattes se tornou um padrão nacional no registro do percurso acadêmico de estudantes e pesquisadores do Brasil. Atualmente é adotado pela maioria das instituições de fomento, universidades e institutos de pesquisa do país. 37

A enorme produção obsessiva de imagens encontra-se delimitada ao campo do "distrair". Todavia, as difusoras de imagens – digamos a "mídia" – encontram-se onipresentes em todos os níveis de representação e da psique do homem ocidental ou ocidentalizado. A imagem mediática está presente desde o berço até o túmulo, ditando as intenções de produtores anônimos ou ocultos: No despertar pedagógico da criança, nas escolhas econômicas e profissionais do adolescente, nas escolhas tipológicas (a aparência) de cada pessoa, até nos usos e costumes públicos ou privados [...]” (DURAND, 2011, p. 33)

De acordo com Peter Burke, o termo cultura é problemático, sendo muitas vezes usado para se referir a uma alta cultura, costumando se referir apenas às artes e às ciências, sendo só recentemente seu sentido estendido para incluir a baixa cultura, ou cultura popular

(BURKE, 2008, p. 43). Mas aqui estamos falando de uma cultural globalizada, difundida de maneira igualitária, que, como indica Kellner, as “narrativas e imagens veiculadas pela mídia fornecem os símbolos, os mitos e os recursos que ajudam a constituir uma cultura comum para a maioria dos indivíduos em muitas regiões do mundo hoje” (KELLNER, 1995, p. 9).

Kellner aponta, ainda, a diferença entre a criação do jovem em outros tempos e em nossa

época, em que os meios de comunicação centralizaram funções de diversos atores sociais:

As pessoas jovens eram, tradicionalmente, educadas através de contos de fadas, tradições populares e literatura infantil, tanto quanto por instituições como família, escola e Igreja. Em nossa época, a cultura de mídia tomou o lugar das instituições tradicionais como instrumentos principais da socialização e os jovens recebem muitas vezes das corporações de mídia papéis e elementos formadores de identidade, em vez de recebê-los de seus pais ou professores. (KELLNER, 2001, p. 135)

Em sua análise da cultura da mídia, Kellner recorre a Guy Debord e sua ideia de sociedade do espetáculo, em que, segundo o autor, "o espetáculo constitui um conceito abrangente para descrever a mídia e a sociedade de consumo, incluindo produção,

38 promoção exibição de mercadorias e produção, e seus efeitos", descrevendo “uma mídia e uma sociedade de consumo organizadas em torno da produção e consumo de imagens mercadorias e eventos culturais" (KELLNER, 2006, p. 121). Debord fala de como essa cultura se espalha e predomina em locais menos industrializados:

O espetáculo é o momento em que a mercadoria ocupou totalmente a vida social. Não apenas a relação com a mercadoria é visível mas não se consegue ver nada além dela: o mundo que se vê é o seu mundo. A produção econômica moderna espalha, extensa e intensivamente, sua ditadura. Nos lugares menos industrializados, seu reino já está presente em algumas mercadorias célebres e sob a forma de dominação imperialista pelas zonas que lideram o desenvolvimento da produtividade. (DEBORD, 2000, p. 30-31)

Santana vê no cinema produzido em países de pouca industrialização um espaço de sobrevida das culturas populares:

Devido às características especiais do cinema – mescla de indústria de filmes com a arte de modelar o tempo, o espaço e o movimento, entre imagens e sons – isso ocorre de tal modo que em países fracamente industrializados, como o Brasil e vários da América Latina, o fantasma do “popular” sobrevive rondando o campo cinematográfico, agitando-se continuamente sob a capa ilusória da industrialização. Nesse cenário, certas produções culturais jamais se concretizam unilateralmente. Elas se movem e oscilam entre o popularesco e o midiatizado. É o que acontece nos filmes a que denominamos “de bordas”. (SANTANA, 2012, p. 8-9)

39

Figura 5: Cena do filme Rambú III: O rapto do jaraqui dourado Fonte: YouTube

Os filmes do cinema de bordas, que tem como marcante a característica de promover um reprocessamento das imagens da cultura midiática em diálogo com a cultura popular, são uma instância desse fenômeno. Os filmes de Rambú23, personagem vivido pelo serralheiro Aldenir Coti, não reencenam os filmes de Rambo, vivido por Sylvester Stallone, mas atualizam a identidade do herói para uma versão amazônica, em um contexto regional e com temáticas locais, como a defesa da natureza. Nesse sentido, cabe lembrar a reflexão de

Alex Viany24:

23 Jhon Rambú é um personagem de quatro filmes amadores realizados em Manaus, Amazonas, imitando o personagem John Rambo, vivido pelo ator Sylvester Stallone, da série de filmes hollywoodianos Rambo. Ele é interpretado pelo serralheiro Aldenyr Trindade Fortes (Aldenir Coti), e foi tema do documentário A incrível história de Coti: Rambo do São Jorge (2007), dirigido por Anderson Mendes. Além disso, mais recentemente, Coti interpretou em dois filmes amadores o personagem Roquí, imitando o personagem Rocky Balboa, também vivido pelo ator Sylvester Stallone. 24 Cabe lembrar que Alex Viany,cineasta, produtor, roteirista, autor, jornalista e ator brasileiro, era, também, nacionalista. Essa reflexão é também uma crítica ao sufocamento do cinema estrangeiro, principalmente americano, sobre o cinema brasileiro. 40

É que, como espectadores, submetidos a uma longa dieta predominantemente estrangeira, temos uma espécie de falso “depósito folclórico” internacional na cabeça, e, quando nos sentamos para escrever uma história cinematográfica, inevitavelmente recorremos a essas lembranças, que se impõem como realidade. Assim, construímos personagens, alinhavamos situações, compomos argumentos; muito mais difícil é partir da realidade que nos cerca, e muito cômodo é, consciente ou inconscientemente, apor fórmulas e estereótipos, adquiridos através da saturação de filmes estrangeiros, à realidade brasileira que pretendemos mostrar. (VIANY, 1965, p. 132)

Para Toynbee, essa dominação cultural não toma cuidados ou abre concessões, ultrapassando ideias locais e mesmo levando a um “pânico da globalização” (TOYNBEE,

2000, p. 270).

O imperialismo cultural ocidental atinge diretamente os corações e as almas, o comportamento sexual, o espírito, a religião, a política e o sentimento nacional do mundo todo. Acontece ao acaso, sem plano diretor ou planta para a construção do império, mas com uma indiferença vaga e casual que leva ao desespero de seus detratores. (TOYNBEE, 2000, p. 272)

Essa suposta capacidade que a cultura midiática tem de suplantar manifestações culturais locais, criando demandas globais, tem seus pontos de negação. Kellner acredita que apesar da cultura midiática induzir os indivíduos a um conformismo com as instituições e práticas vigentes, “o público pode resistir aos significados e mensagens dominantes, criar sua própria leitura e seu próprio modo de apropriar-se da cultura de massa, usando a sua cultura como recurso para fortalecer-se e inventar significados, identidade e forma de vidas próprios” (KELLNER, 2001, p. 11).

Embora o cinema de bordas aja em conformidade com a cultura das mídias, é na apropriação e mistura entre a cultura popular, local, e a cultura pop, global, que ele consegue se adaptar e manter suas idiossincrasias.

Lyra comenta como os cineastas de bordas se apropriam das imagens e modos dessa cultura midiática para naturalizar a própria identidade regional:

41

A questão da identidade regional que permanece nos filmes pode ser examinada como uma estratégia de fixação e naturalização de características particularizadas, em meio à profusão de recortes de características alheias, devidamente filtradas pelos meios audiovisuais, o que resulta em curiosa mistura de imagens de heróis, hábitos, músicas e um sem-número de referências que foram atualizadas para as representações expressivas locais pelas mãos de realizadores. Estes são moradores da mesma comunidade e partilhantes dos mesmos anseios sociais culturais e imaginários daqueles que partilham a experiência das produções, transformando-se em participantes “autorizados” a falar por meio de seus filmes. Como tal, eles obtêm respaldo do público. (LYRA, 2009a, p. 42)

Apesar da criação recente de espaços de exibição que reúnem filmes de bordas, assunto que tratarei no próximo capítulo, eles são originalmente criados para serem exibidos em sua zona de produção e para um consumo das pessoas envolvidas e adjacentes, onde a interpretação depende, em parte, do imaginário local.

No cinema de bordas, a criação de identidades está ligada a um jogo lúdico de figuração, onde todo mundo pode representar. Usando amigos e parentes como elenco, os realizadores trabalham ludicamente identidades midiáticas através de seus filmes. Dessa maneira, a capacidade dramática pouco importa, já que os realizadores exploram as similaridades e ambiguidades entre identidade real e os personagens que eles interpretam.

Como exemplo, podemos citar o comentário do diretor Joel Caetano, paulistano que trabalha como editor de vídeos, sobre o processo de direção de Minha esposa é um zumbi, presente no artigo de Rogério Ferraraz:

Eu aproveitei as características de cada um, mesmo porque quase ninguém é ator profissional. Se nós tentássemos atuar não ficaria interessante. Pedi que todos fizessem uma espécie de caricatura de si mesmo pensando no personagem. Pedi também que falassem o texto como suas palavras, nós líamos na hora, ensaiávamos ali mesmo, e depois gravávamos. Todo o filme foi feito dessa maneira, por isso saíram gírias e expressões comuns do dia- a-dia, erros de português e até alguns palavrões. É claro que expliquei para 42

cada um o seu personagem, as suas intenções e o que a cena representava no contexto geral da história. (FERRARAZ, 2008, p. 173)

Figura 6: Cartaz do filme Minha esposa é um zumbi, da Recurso Zero Produções, do realizador Joel Caetano Fonte: http://www.rzpfilmes.com/2013/03/making-of-de-minha-esposa-e-um-zumbi.html

A presença não só de família e amigos como elenco, mas de representações baseadas nas características dessas pessoas, aproxima o cinema de bordas do filme de família. Por essa razão, para Suppia:

(...) “cinema de bordas” sugere parentesco com os “filmes de família” e se presta a um duplo objetivo: (1) relembra experiências dos envolvidos na produção e filmagem e (2) se abre para a espectadorialidade alheia, com trânsito fluido entre a esfera doméstica e a esfera pública. (SUPPIA, 2012, p. 18)

Suppia comenta a importância do papel do espectador nos estudos do cinema de bordas, por sua apreciação ser tão contexto-dependente. Ao apontar as similaridades entre os filmes de família (home movies) e o cinema de bordas, Suppia comenta algumas 43 particularidades na recepção desses filmes, como a percepção de um público outsider (não- membros da família) de narrativas fragmentadas. É importante fazer um paralelo entre o outsider, como posto por Suppia, e a figura do outsider na cultura americana dos anos 1960:

Os brancos de classe média norte-americanos imaginavam pessoas vivendo à margem, sem privilégios econômicos ou políticos ou sociais, como possuindo algo vital, uma qualidade essencial que de alguma forma tinha sido perdido de suas próprias vidas. Eles frequentemente encontram esta profundidade de significado e sentimento de que eles acreditavam ser a cultura expressiva do povo negro, mas outros outsiders também serviam. No entanto, as margens e o centro estavam definidos, o ato chave criativo foi a "descoberta" da diferença. Estes encontros com outsiders permitiram que alguns brancos de classe média livrar-se de suas próprias origens sociais e suas próprias histórias e na identificação com esses outros para recuperar imaginativamente o que entendiam como valores e sentimentos anteriormente perdidos. Eles se recriaram. Eles também se tornaram outsiders. (HALE, 2011, p. 3)25

Os filmes periféricos de bordas, ao serem exibidos em um contexto exterior ao seu local de criação, como mostras universitárias ou festivais em grandes centros urbanos, acabam por criar, em alguns espectadores, essa mesma sensação de descobrimento de uma comunidade unida em torno de valores sociais esquecidos. Mas diferente do contexto norte- americano, que via nos outsiders uma fuga da cultura de massa vigente, aqui, a cultura midiática preenche as ausências das narrativas locais com o imaginário global. Muitos realizadores de bordas são pertencentes a uma pequena comunidade, como Felipe Guerra, que realiza seus filmes com família e amigos na pequena cidade de Carlos Barbosa, município com pouco mais de vinte e cinco mil habitantes no interior do Rio Grande do Sul.

25 White middle-class Americans imagined people living on the margins, without economic or political or social privilege, as possessing something vital, some essential quality that had somehow been lost from their own lives. They often found this depth of meaning and feeling in what they took to be the expressive culture of black people, but other outsiders served as well. However the margins and center were defined, the key imaginative act was the "discovery" of difference. These encounters with outsiders enabled some middle-class whites to cut themselves free of their own social origins and their own histories and in identifying with these others to imaginatively regain what they understood as previously lost values and feelings. They remade themselves. They became outsiders too. (tradução do autor) 44

Mas, como no caso de Guerra, o apoio na cultura pop é tão grande que não prejudica a apreciação de espectadores não-locais. O próprio título de um de seus filmes, Entrei em pânico ao saber o que vocês fizeram na sexta-feira 13 do verão passado (2001), não é sutil a fazer referências a filmes de terror com ampla distribuição internacional e sucesso comercial26.

Figura 7: Cartaz do filme Entrei em pânico ao saber o que vocês fizeram na sexta-feira 13 do verão passado, da Necróflio Produções Artísticas, do realizador Felipe Guerra Fonte: http://revistazingu.blogspot.com.br/2009/05/dcb-entreiempanicoaosaberoquevocesfizer.html

26 Filmes: Pânico (1996), Sexta-Feira 13 (1980), Eu sei o que vocês fizeram no verão passado (1997) 45

Mesmo em casos não tão óbvios, como o caso citado de Guerra, ou o espelhamento de Rambú em Rambo, a presença de elementos midiáticos ajuda nessa leitura. Lyra, ao descrever a produção de Seu Manoelzinho, nos diz que:

Seu Manoelzinho realiza filmes de ficção e puro entretenimento em excepcionais condições que juntam um processo de consumo de produtos midiáticos, sobretudo, de velhos filmes e de modelos veiculados pela televisão, com as histórias populares correntes na comunidade interiorana da cidade em que habita, evidenciando os modos de trocas e interações que coexistem entre o realizador e seus parceiros sociais que, além do mais, se constituem em seus atores e espectadores. Desse modo, os saberes industrializados a que ele e os demais moradores de Mantenópolis passaram a ter acesso com as facilidades de consumo dos produtos audiovisuais convivem com os saberes tradicionais daquela região. Assim, as imagens, os sons e as narrativas que se apresentam nos filmes reproduzem um imaginário construído tanto pela apropriação massiva da produção audiovisual quanto pelos elementos da chamada “cultura popular” que circulam na cidade do realizador. (LYRA, 2008, p. 43-44)

Figura 8: Aldenir Coti (Rambú) e Seu Manoelzinho Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/1129208-diretor-analfabeto-e-destaque-de-mostra.shtml

Ainda sobre a produção de Seu Manoelzinho, Lyra conta que, apesar de produções baseada em diversos gêneros, esse realizador tem uma predileção por faroestes, um reflexo da região que vive:

46

Assim, ele passou a filmar faroestes nas paisagens rurais de Mantenópolis, tendo a si próprio como herói e seus parentes e amigos como atores, imitando tudo que já tinha visto na tela e aproveitando, inclusive, os temas sonoros recheados de galopes de cavalo, assovios e gaitas que reproduzia em fitas de um velho gravador. O passado do noroeste do Espírito Santo, lugar envolvido diretamente na disputa por fronteiras desse Estado com Minas Gerais, também favorecia os chamados “crimes de mando”, as emboscadas e o uso de espingardas e outras armas de fogo, situações bastante propícias ao tema. É desse jeito, à maneira das vivências de seu círculo comum e das narrativas que circulam em sua cidade, que Seu Manoelzinho reproduz a atmosfera dos filmes de oeste americanos e italianos, em um arco temporal que vai de A Vingança de Loreno (1989) até O Homem sem Lei (2006). (LYRA, 2012, p. 41)

Embora, como aponta Suppia (SUPPIA, 2012, p. 22), muitos filmes do cinema de bordas exibam características dos filmes domésticos27, eles podem apresentar um grau de hibridismo devido às características peculiares de sua produção, mas são, em essência, filmes de ficção. Conforme Santana:

A marca mais evidente do cinema de bordas, aqui examinada, é que dele resultam filmes concentrados de modo específico em narrativas ficcionais que vão e vem também pelas bordas dos múltiplos imaginários de que se constituem. (SANTANA, 2012, p. 7)

A convivência de um imaginário midiático com um imaginário local, conforme citado por Gelson, embora não seja exclusividade do cinema de bordas, não se faz presente no cinema industrial.

A sociedade de consumo não se resume, pois, aos diversos dispositivos de produção e circulação de mercadorias; ela se caracteriza, antes, por um pensamento mágico que cerca sua apropriação, uma mentalidade

27 Suppia aponta oito características presentes nas pesquisas de Roger Odin, em seu estudo Rhétorique du film de famille: (1) ausência de closure (“fechamento”), (2) temporalidade linear descontínua, (3) indeterminação especial, (4) narrativa dispersa, (5) saltos, (6) imagens borradas, movimentos bruscos de câmera, panorâmicas hesitantes, e assim por diante, (7) remissão à câmera e, finalmente, (8) o som de um filme doméstico pode ser inaudível, irregular ou completamente ausente (BUCKLAND, 2000, p. 102-103). 47

miraculosa na qual a vida corrente é fundada sobre a crença toda poderosa dos signos, dos objetos simulacros. (LEGROS et al., 2007, p. 98)

Embora nesse cinema, como o de Hollywood, se trabalhem temas de um imaginário compartilhado por toda a civilização ocidental, existe uma preocupação mercadológica em tornar ampla a absorção dos conteúdos dos filmes, que são feitos para exibição internacional28. Através do conceito de mainstream, conforme definido por Frédéric

Martel, podemos ter uma ideia de quão abrangente essa cultura global tenta ser:

A palavra, de difícil tradução, significa literalmente "dominante" ou "grande público", sendo usada em geral para se referir a um meio de comunicação, um programa de televisão ou um produto cultural que vise um público amplo. Mainstream é o inverso da contracultura, da subcultura, dos nichos; para muitos, é o contrário da arte. Por extensão, a palavra também remete a uma ideia, um movimento ou um partido político (a corrente dominante) que tem o objetivo de seduzir todo mundo. [...] E por sinal a expressão "cultura mainstream" pode ter uma conotação positiva e não elitista, no sentido de "cultura para todos", ou mais negativa, no sentido de "cultura de mercado", comercial, ou de cultura formatada e uniformizada. (MARTEL, 2012, p. 20-21)

Apesar de Martel apontar uma conotação positiva, de uma “cultura para todos”, numa tentativa de ligar o conceito à democratização dos conteúdos, o efeito da dominação de uma cultura é notadamente prejudicial à democratização dos temas, rejeitando as vozes locais. Conforme já apontado, nesse aspecto, o cinema de bordas pode ser entendido como uma forma de resistência à cultura global invasiva, adaptando conteúdos midiáticos à sua realidade local.

28 Apesar disso, a cultura norte-americana predomina no cinema irrestritamente, mas já é tida como conhecida por todo o público mundial, considerada por muitos como fator cultural aviltante. Toynbee escreve que “Pelo ponto de vista do pânico, o declínio cultural, intelectual e moral espalhou-se como uma praga pelo Atlântico em grande parte a partir dos norte-americanos, sem rigor intelectual nem fibra moral. [...] Quando os EUA são vistos principalmente como local de vulgaridade e avareza, sensibilidade grosseira e desregrada ambição global, o destino do mundo é de arrepiar. Boa parte do debate sobre a globalização cultural é um substituto do debate sobre os Estados Unidos e o valor do dano causado por sua influência crescente”. (TOYNBEE, 2000, p. 271-273) 48

Mas é justamente pelo aspecto homogeneizante do mainstream, chegando desde grandes centros urbanos até pequenas comunidades locais, difundidos principalmente pela televisão, é que a cultura midiática permite diferentes públicos a leitura de obras de bordas, apesar da frequente codificação precária. O conhecimento prévio das obras, gêneros e convenções que esse tipo de produção toma emprestado do mainstream facilita ao espectador não-local preencher as lacunas de entendimento.

1.4 IMAGENS DO BRASIL NO CINEMA DE BORDAS

Esse aspecto de precariedade configura um caráter de não acabado nesses filmes, característica não só do cinema de bordas, mas também notada em toda produção audiovisual brasileira, conforme aponta Santana:

No imaginário da comunicação contemporânea brasileira intensamente marcada pelos processos midiáticos o inacabado se “naturalizou” ao transformar-se em um elemento configurado dos meios audiovisuais. (SANTANA, 2007, p. 15).

Como aponta Suppia, o fenômeno conhecido como cinema de bordas “não é exclusividade nacional, encontra paralelos em diversas regiões do mundo e pode receber outras denominações” (SUPPIA, 2012, p. 26). Mas, aqui, estamos tratando de sua instância no Brasil, e o imaginário brasileiro também é importante no entendimento desses filmes.

Santana aponta que:

Ninguém ignora a transformação gradativa sofridas por certas categorias ligadas à ideia de “agreste”, “da terra”, do “tudo vem da terra”, do “plantando tudo dá”, que costumavam povoar o imaginário popular 49

brasileiro. Essas categorias acabaram migrando para as formas de outro imaginário decorrente de uma pretensa inserção do país no espaço industrial, ou seja, no espaço que atualizou entre nós o fenômeno que os teóricos costumam chamar de culturas de massa. (SANTANA, 2012, p. 7-8)

Identificar aspectos de uma brasilidade junto a temas oriundos do mainstream pode ser parte da diversão que o cinema de bordas propicia. Para Graeme Turner, “a identificação com a nação geralmente é fonte também de orgulho e prazer” (TURNER, 1997, p. 132). Segundo o autor:

Representações da nação tornam-se particularmente importantes, já que tanto produzem quanto reproduzem os pontos de vista dominantes, o que não significa que tenhamos apenas uma versão da nação – embora idealmente seja o que a hegemonia pode significar. O que ela significa, sim, é que as várias representações gozarão de diferentes status e terão significados diferentes. (TURNER, 1997, p. 133)

Segundo José Carlos Reis (2007, p. xvii), a vastidão e complexidade do Brasil impedem que exista uma identidade nacional homogênea e consensual, mas existem versões do Brasil. Cada grupo, seja ele burguês, camponês, paulista, mineiro, urbano, caipira, entre outros, se sente brasileiro de um modo particular, e expressa esse sentimento através de seus costumes, da arte, tradições orais, entre outros. Uma síntese global só é possível atrelada a quem sintetiza. Para o autor:

Há representações de identidade brasileira que são hegemônicas, oficiais, mas revelam apenas a força do sujeito que as articula. Não falam de uma identidade brasileira em si, de uma brasilidade enquanto tal, essencial. Quando se discutem as identidades nacionais do Brasil há “discursos” “representações”, que emergem de sujeitos brasileiros particulares e que pretendem valer para todos os brasileiros. Estes discursos e representações usam a história dita “científica” para legitimar seus interesses e paixões. Imaginários, mitologias, ideologias e reabertura de arquivos se confundem. Seria possível produzir um discurso sobre o Brasil desapaixonado, científico, “verdadeiro”? Dificilmente. É por isso que todas as representações do Brasil são relevantes, pois, juntas, revelam uma ideia do Brasil complexa, 50

poliédrica; uma ideia composta de ideias, de projetos, um polígono de múltiplas faces ao mesmo tempo opostas e interligadas em uma mesma figura. Pensar o Brasil como um todo é “pôr junto”, confrontadas, contrastadas, as múltiplas representações que os diversos sujeitos históricos produziram para se localizar na trajetória brasileira e escolher uma direção para a construção do futuro. A identidade nacional não é uma ontologia, que só seria o congelamento do passado em uma homogeneidade artificial. A identidade nacional brasileira é “histórica”, isto é, (re)construída em cada presente, em uma relação de recepção e recusa de passados e de abertura e fechamento aos futuros. E cada brasileiro continua a “reconhecer” em sua diferença a identidade história brasileira, apesar de reconstruída, heterogênea, contraditória, plural e múltipla. (REIS, 2007, p. xviii)

Essa busca por uma identidade nacional é também encontrada na própria história do cinema brasileiro. Conforme aponta Bernadet (2008), existe uma busca por um nascimento do cinema brasileiro em oposição a um nascimento do cinema.

Enquanto os europeus falam no nascimento do cinema, os historiadores brasileiros falam do nascimento do cinema brasileiro. O acréscimo do adjetivo não se limita a restringir o âmbito do nascimento e a adaptar para dentro das fronteiras essa concepção de história. A insistência sobre um marco inaugural adquire outra tonalidade. Sociedades de origem colonial manifestam inquietação quanto à sua identidade, assunto de constante indagação: a busca de raízes “autênticas” responde ao caráter exterior do aparecimento dessas sociedades. Encontrar o nascimento “verdadeiro” seria uma afirmação de autenticidade que se contraporia ao nascimento “outorgado” pelos colonizadores, a essas falsas “certidões de nascimento como a carta de Pero Vaz de Caminha e suas equivalentes”, no dizer de (1979; 1972). (BERNADET, 2008, p. 22).

Ainda é importante citar o discurso proferido por Getúlio Vargas na manifestação promovida pelos cinematografistas, em 25 de julho de 1934:

Sanear a terra, polir a inteligência e temperar o caráter do cidadão adaptando-o às necessidades do seu habitat, é o primeiro dever do Estado. Ora, entre os mais úteis fatores de instrução de que dispõe o Estado moderno, inscreve-se o cinema. [...] O papel do cinema, nesse particular, pode ser verdadeiramente essencial. Ele aproximará, pela visão incisiva dos fatos, os diferentes núcleos humanos, dispersos no território vasto da República. O caucheiro 51

amazônico, o pescador nordestino, o pastor dos vales do Jaguaribe ou do São Francisco, os senhores de engenho pernambucanos, os plantadores de cacau da Baía, seguirão de perto a existência de fazendeiros de São Paulo e de Minas Gerais, dos criadores do Rio Grande do Sul, dos industriais dos centros urbanos; os sertanejos verão as metrópoles, onde se elabora o nosso progresso, e os citadinos os campos e os planaltos do interior, onde se caldeia a nacionalidade do porvir. A propaganda do Brasil não deve cifrar-se, como até agora acontece, aos setores estrangeiros. Faz-se também, mister, para nos unirmos cada vez mais, que nos conheçamos profundamente, a fim de avaliarmos a riqueza das nossas possibilidades e estudarmos os meios seguros de aproveitá-las em benefício da comunhão. O cinema será, assim, o livro de imagens luminosas, no qual as nossas populações praieiras e rurais aprenderão a amar o Brasil, acrescentando a confiança nos destinos da Pátria. [...] (SCHVARZMAN, 2004, p. 134-135)

Vargas, porém, tentava construir um controle ideológico, estimulando um sentimento nacionalista diante da ameaça do comunismo, que justificava sua permanência no governo com um apoio popular massivo.

Esta perspectiva pedagógico propagandística marcaria os rumos do cinema brasileiro no período Vargas, orientando não apenas a produção de filmes educativos e cine-jornais de órgãos estatais (como o Instituto Nacional de Cinema Educativo e o Departamento de Imprensa e Propaganda), mas também a produção de filmes de longa-metragem de diversas empresas privadas (como a Brasil Vita Filmes e a Cinédia). (ALMEIDA, 1999, p. 121)

Apesar dos esforços industrializantes do governo Vargas que aceleravam o desenvolvimento econômico e a entrada do Brasil no contexto internacional, a industrialização do Brasil aconteceu tardiamente. Stuart Hall (2011, p. 74) nos diz que “à medida em que as culturas nacionais tornam-se mais expostas a influências externas, é difícil conservar as identidades culturais intactas ou impedir que elas se tornem enfraquecidas através do bombardeamento e da infiltração cultural”. Então, aparentemente, foi a exposição tardia a uma cultura de industrialização que permitiu a persistência do aspecto oral na cultura nacional brasileira, mesmo na apropriação das novas tecnologias de

52 comunicação, como o cinema e mais tarde o vídeo, conforme pode ser observado nos filmes periféricos de bordas, que coincide com o comentário de Hall:

Por outro lado, as sociedades da periferia têm estado sempre abertas às influências culturais ocidentais e, agora, mais do que nunca. A ideia de que esses são lugares “fechados” – etnicamente puros, culturalmente tradicionais e intocados até ontem pelas rupturas da modernidade – é uma fantasia ocidental sobre a “alteridade”: uma “fantasia colonial” sobre a periferia, mantida pelo Ocidente, que tende a gostar de seus nativos apenas como “puros” e de seus lugares exóticos apenas como “intocados". Entretanto, as evidências sugerem que a globalização está tendo efeitos em toda parte, incluindo o Ocidente, e a “periferia” também está vivendo seu efeito pluralizador, embora num ritmo mais lento e desigual. (HALL, 2011, p. 80)

Roberto DaMatta acredita que o brasileiro divide sua identidade, dependendo do espaço que ocupa. Para ele:

[...] o Brasil é uma sociedade interessante. Ela é moderna e tradicional. Combinou, no seu curso histórico e social, o indivíduo e a pessoa, a família e a classe social, a religião e as formas econômicas mais modernas. Tudo isso faz surgir um sistema com espaços internos muito bem divididos e que, por isso mesmo, não permitem qualquer código hegemônico ou dominante. Assim, conforme tive que repetir inúmeras vezes, somos uma pessoa em casa, outra na rua e ainda outra no mundo. Mudamos nesses espaços de modo obrigatório por que em cada um deles somos submetidos a valores e visões de mundo diferenciados que permitem uma leitura especial do Brasil como um todo. A esfera da casa inventa uma leitura pessoal; a da rua, uma leitura universal. Já a visão pelo outro mundo é um discurso conciliador e fundamentalmente moralista e esperançoso. Entre essas três esferas, colocamos um mundo de relações e situações formais. São as nossas festas e a nossa moralidade, que, como eu disse, se fundam na verdadeira obsessão pela ligação. E não poderia deixar de ser assim nua sociedade tão tematizada pela divisão interna. (DAMATTA, 1984, p. 120)

Os filmes do cinema de bordas são construídos justamente nesse diálogo conciliador entre a casa e a rua, não permitindo que nem o aspecto popular, folclórico, nem o discurso midiático, pop, se apoderem por completo de suas narrativas, característica da

53 brasilidade. Por esse motivo, por exemplo, Rambú não é Rambo, mas também não é somente um personagem folclórico da Amazônia, como o brasileiríssimo boto cor-de-rosa.

Rambú é um diálogo entre a casa, a rua e o mundo. Os filmes de bordas são obras de culturas híbridas, mas onde se pode perceber a distinção dos espaços, do local e do global, e suas respectivas identidades, apesar da convivência entre os dois. Cinema de bordas não é somente imitação, nem somente o exotismo dos Brasis.

Por outro lado, penso que, justamente pelo fato de termos boas razões para desconfiar da idéia de um “autor” como indivíduo atomizado que impõe ao filme sua própria visão de mundo, isto é, pela idéia de não podermos entender o cineasta como alguém isolado de sua cultura, é que podemos dizer que, tomando decisões próprias relativas ao olhar, buscando exercer o direito à experiência estética na realização do filme, o cineasta está necessariamente colocando em seu trabalho algo dos valores da cultura em que vive e, conscientemente ou não, mobilizando esses valores, questionando-os ou legitimando-os. Daí que seu filme terá mais chances de nos dizer algo próximo (o “local” num sentido positivo que resiste e rearticula o global) e, mesmo assim, não ser apenas algo “exótico” (“local” num sentido pejorativo, que absorve os imperativos do mercado global). (ALVARENGA, 2006, p. 11-12)

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2. LAÇOS SOCIAIS NO CINEMA DE BORDAS

2.1 MOSTRA ITAÚ CULTURAL CINEMA DE BORDAS

No capítulo anterior procuramos estabelecer o surgimento do termo cinema de bordas, seu estabelecimento e sua difusão como conceito no meio acadêmico. Neste capítulo, iremos investigar como novos espaços de exibição, criados para difundir os filmes periféricos de bordas fora de seu local de criação ajudaram a criar uma rede social entre diversos realizadores e espectadores desse tipo de cinema.

A primeira mostra onde o conceito de cinema de bordas foi usado como critério para seleção de filmes foi a II Mostra Produção Independente, realizada pela Associação

Brasileira de Documentaristas e Curtas-Metragistas do Espírito Santo (ABD&C/ES). O subtítulo da mostra era Transborda, e o evento dava destaque para esse tipo de produção e contava com a presença da profa. Dra. Bernadette Lyra, pesquisadora capixaba que havia cunhado o termo, além do prof. Dr. Vicente Gosciola, também pesquisador do cinema de bordas.

A mostra aconteceu entre os dias 3 e 7 de outubro de 2006 no Cine Metrópolis, no campus da Universidade Federal do Espírito Santo. Durante os cinco dias, aconteceram debates, mesas-redondas e a exibição de mais de 30 filmes (Anexo 1). Também foi o evento de lançamento do primeiro livro Cinema de bordas.

O evento foi o segundo organizado por uma associação de cineastas capixabas, para a divulgação de filmes exclusivamente do estado. Embora tenha servido de plataforma para o grupo das bordas, como é conhecido o grupo de pesquisadores que investiga o

55 assunto, não era um evento exclusivo do tema29. Os filmes exibidos não eram necessariamente de bordas, embora a mostra contasse com a presença de dois capixabas que figuram ainda hoje nos principais realizadores estudados: Seu Manoelzinho, de

Mantenópolis, e Rodrigo Aragão, de Guarapari.

O próximo evento a acontecer foi I Mostra Universitária Nas Bordas do Cinema

Brasileiro, em 2008, organizada pelos pesquisadores da Universidade Anhembi Morumbi.

Dessa vez, foi um evento organizado pelo grupo Formas e imagens na comunicação contemporânea, e aconteceu dentro do campus da universidade citada. No ano seguinte aconteceria uma nova edição, a II Mostra Universitária Nas Bordas do Cinema Brasileiro, em novembro nas dependências da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC/MG)

(Anexo 2).

Embora agora esses eventos tenham exibido exclusivamente filmes de bordas, eles acontecerem em campus universitários, sempre dentro do contexto acadêmico.

O segundo livro foi lançado em 2008, mesmo ano da primeira mostra universitária. Desde o surgimento oficial do termo, em 2005, os pesquisadores dos filmes de bordas foram angariando novos filmes para seu repertório, e se focando cada vez menos nos filmes mainstream e cada vez mais nos filmes periféricos de bordas.

Marisa Forghieri, chefe da Diretoria de Pós-Graduação e Pesquisa da

Universidade Anhembi Morumbi entre 2004 e 2008, levou Bernadette Lyra para um encontro em 2008 com o diretor do Instituto Itaú Cultural, Eduardo Saron Nunes, onde foi apresentado o conceito de cinema de bordas e começou a articulação da mostra, que teria sua primeira edição no ano seguinte.

29 O grupo das bordas é uma associação livre, e não deve ser confundido com o grupo de estudos institucional, Formas e imagens na comunicação contemporânea, cadastrado no CNPq, citado no primeiro capítulo, embora vários dos membros pertençam a ambos os grupos. 56

Segundo seu estatuto de criação, o Instituto Itaú Cultural “tem o objetivo de incentivar, promover e pesquisar linguagens artísticas e eventos culturais, além de trabalhar pela preservação do patrimônio cultural do país, de forma direta ou indireta”30. Devido ao caráter do próprio conceito de cinema de bordas e aos objetivos do instituto, essa aproximação entre o grupo de pesquisa já estabelecido na academia e o Itaú Cultural foi facilitada e surgiu a Mostra Itaú Cultural Cinema de Bordas.

Figura 9: Filipeta digital da Mostra Itaú Cultural Cinema de Bordas (2009) Fonte: http://www.maissoma.com/2009/4/22/cinema-de-bordas-no-itau-cultural

Conforme já dito no primeiro capítulo, os realizadores do cinema periférico de bordas não são profissionais de cinema, mas sim apaixonados por filmes, que acabam por representar sua comunidade, sua família, seus amigos, sempre remixando ideias já vistas.

Nesses filmes, de realização amadora, o propósito, diferente do cinema comercial, não é o

30 Disponível em http://novo.itaucultural.org.br/conheca/sobre-o-itau-cultural/historico/ 57 lucro. Durante a realização desses filmes, os envolvidos estão a fortalecer relações, o que está de acordo com as ideias de Clay Shirky, em seu livro A cultura da participação:

Seres humanos valorizam, intrinsecamente, um sentido de conexão. [...] Amadores não são apenas profissionais de tamanho reduzido; às vezes, as pessoas ficam felizes ao fazer coisas por razões incompatíveis com o fato de serem pagas. A mídia amadora é diferente da mídia profissional. (SHIRKY, 2012a, pos. 831-834)

Embora alguns realizadores admitam e mostrem vontade de se profissionalizar, essa produção ocorre independente dessa vontade, sempre usando quaisquer tecnologias disponíveis para tal. Essa produção geralmente surge de uma organização espontânea dentro de um grupo social pré-existente, como amigos e família, e de uma vontade de se reproduzir sua realidade através do uso do cinema, sempre se apoiando em ideias já vistas, remixando imagens do imaginário midiático. Esses filmes se alojam foram dos sistemas oficiais de distribuição e exibição, pois geralmente tem dificuldades em serem exibidos fora de seu contexto de criação, muitas vezes ficando relegados a reuniões de amigos, em um trabalho de faculdade ou disponível na locadora da região. Alguns desses realizadores divulgavam seus filmes na internet, outros enviavam seus filmes para mostras, e por esse motivo, alguns deles já conheciam o trabalho um dos outros, embora não houvesse uma troca social tão intensa entre eles.

O surgimento, em 2009, da Mostra Itaú Cultura Cinema de Bordas, em São Paulo, acabou gerando um espaço de encontro entre realizadores e pessoas que apreciam esse tipo de filmes. A mostra serviu para apresentar e começar a consolidar o conceito aos espectadores, uma vez que já havia se estabelecido na academia.

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A mostra, que teve sua quinta edição em 2013, sempre acontece por cinco dias, de quarta a domingo, contando com debates e vernissages, espaços que criam proximidade entre os presentes. A programação das mostras se encontra nos anexos de 3 a 7.

2.2 ESPAÇO E SOCIABILIDADE

As obras existentes de bordas, conforme já dito, tem dificuldades em serem exibidas fora de seu local de criação. Por isso, existe um público inicial local.

Dessa forma, seu público inicial geralmente são amigos, família e pessoas das proximidades. Como exemplo, os filmes de Felipe Guerra têm várias menções que só são entendidas por moradores de sua cidade natal, Carlos Barbosa, e podiam ser achadas nas locadoras locais. Cánepa (2008) exemplifica essa comunicação com um público imediato local (jovens “barbosenses”) ao falar do filme Patrícia Gennice, lançado em 1998 por Guerra:

Mas há ainda outro aspecto evidente que marca Patrícia Gennice: o destaque à cidade de Carlos Barbosa, aos seus costumes, ao seu sotaque e aos seus habitantes. Afinal, mesmo captado inteiramente durante a noite, o filme permite ao espectador conhecer o centro da cidade, alguns de seus bares, escadarias, vistas e casas, o que parece ser um dos motivos do apreço dos jovens barbosenses pelo filme, pois trata-se de um legitimo teenpic filmado em sua cidade e estrelado pelos próprios moradores. (CÁNEPA, 2008, p. 85)

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Figura 10: Cena do filme Patrícia Gennice, da Necrófilo Produções Artísticas, do realizador Felipe Guerra Fonte: YouTube

Já exibir um filme para um público mais amplo apresenta novas dificuldades e custos. E, na maior parte do século XX, estes custos eram enormes. Os realizadores de bordas criavam maneiras improvisadas de serem exibidos, seja juntando amigos em torno de uma televisão e um vídeo-cassete, seja deixando seus filmes disponíveis em vídeo-locadoras que os apoiassem. As tecnologias como videocassetes, projetores digitais e a internet diminuíram esses custos, embora cada uma delas tenha um alcance particular. Sobre esse assunto, Shirky diz que:

Do mesmo modo, quando a publicação – o fato de tornar algo público – deixa de ser difícil para ser praticamente fácil, as pessoas acostumadas ao antigo sistema muitas vezes consideram frívola a publicação por amadores, como se publicar fosse uma atividade intrinsecamente séria. Mas nunca foi. Publicar era algo que precisava ser levado a sério quando seu custo e esforço faziam com que as pessoas o levassem a sério – se você cometesse erros demais, estaria fora do negócio. (SHIRKY, 2012a, pos. 695-698)

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Figura 11: Capa da programação da II Mostra Itaú Cultural Cinema de Bordas (2010) Fonte: http://sites.itaucultural.org.br/cinemadebordas/admitau/uploads/cinema_de_bordas_2.pdf

A mostra não cobra pelo ingresso, já que o Instituto Itaú Cultural é vinculado a uma instituição financeira, o Banco Itaú, que tem interesse em valorizar a imagem corporativa através do instituto. No caso da mostra, o custo é arcado pelo Instituto Itaú

Cultural, e a exibição se dá em uma sala de cinema profissional, e conta com arte de divulgação, site, divulgação na mídia, entre outros. Em contrapartida, Shirky nos lembra que amadores não dependem mais de profissionais para tornar algo público:

E a revolução está, hoje, centrada no choque da inclusão de amadores como produtores, em que não precisamos mais pedir ajuda ou permissão a profissionais para dizer as coisas em público. (SHIRKY, 2012a, pos. 718-719)

Embora seja verdade que nos tempos atuais realizadores amadores possam divulgar seus filmes sem a ajuda de instituições ou profissionais, as boas condições de exibição e o vínculo com uma instituição de prestígio ajuda a validar e valorizar as obras,

61 além de criar um espaço de encontro social, apreciado por realizadores e espectadores. Fora desses espaços, ainda se trata os amadores com estranheza.

Mandar mensagens para o público não era algo para o próprio público fazer, e, na impossibilidade de nos conectarmos com facilidade uns aos outros, nossa motivação para criar ficou atrofiada. Era tão restrito o acesso à transmissão e à mídia impressa que os amadores que tentavam produzi-la eram vistos com desconfiança ou pena. (SHIRKY, 2012a, pos. 853-856)

Na participação de Seu Manoelzinho no Programa do Jô, exibido pela Rede

Globo de Televisão em 20 de abril de 2011, é possível perceber tanto nas perguntas perniciosas do apresentador, Jô Soares, quanto nas risadas e suspiros da plateia um misto de pena e escárnio31. Manoelzinho ainda conta que após aparecer “nas mídias”, os amigos, que antes não cobravam para participar dos filmes, passaram a pedir pagamento. Apesar da posição prepotente dos meios de comunicação profissionais, se impondo como única fonte válida para a publicação, e mesmo do consumo exagerado de produtos midiáticos que esses meios oferecem pelos realizadores de bordas, a motivação para produzir sempre existiu.

A mídia no século XX voltava-se para um único enfoque: consumo. A pergunta estimulante da mídia nessa época era: Se produzirmos mais, vocês consumirão mais? A resposta a essa pergunta foi em geral positiva, já que o indivíduo médio consumia mais TV a cada ano. Mas a mídia é na verdade como um triatlo, com três enfoques diferentes: as pessoas gostam de consumir, mas também gostam de produzir e de compartilhar. Sempre gostamos dessas três atividades, mas até há pouco tempo a mídia tradicional premiava apenas uma delas. (SHIRKY, 2012a, pos. 321-324)

Mas amadores tem motivações diferentes. Shirky (2012a) diferença motivações intrínsecas e extrínsecas como diferenciação entre amadores e profissionais. De acordo com

31 A entrevista está disponível em http://www.youtube.com/watch?v=doJuzn_w_6U 62 o autor, uma motivação intrínseca é aquela em que a própria atividade é a recompensa, enquanto uma motivação extrínseca a recompensa por fazer algo é externa à atividade, e não a atividade em si, por exemplo, recompensa financeira.

A exibição de filmes em salas de cinema ainda é, de fato, muito cara para amadores, e devido ao alto investimento necessário, seria preciso público pagante suficiente para cobrir os custos, que faz necessário divulgação midiática, que envolve novos custos, também altos, e impraticáveis para amadores. Portanto, as estratégias de distribuição mais comuns no cinema de bordas, atualmente, são a venda ou troca de DVDs, para exibição particular, ou a improvisação de espaços, como as exibições públicas com televisão feitas em

Mantenópolis por Seu Manoelzinho, conforme citado por Lyra (2008, p. 48), onde ele está

“agenciando a roteirização, produção e exibição de seus próprios filmes que são gravados em fitas VHS, mostrado quase sempre na quadra de esportes da cidade e posto para locação com grande sucesso de público”. Estas ideias estão de acordo com Shirky (2012a), que estabelece uma diferenciação entre espaços privados, usados por amadores, e espaços públicos, usados por profissionais:

Pessoas que fazem algo por amor, seja coletar doações, fazer música ou dedicar-se a um hobby, em geral o fazem em relativa obscuridade; porões de igrejas, bibliotecas públicas, salas de gravação e garagens tendem a abrigar grupos amadores. [...] Isso nos acostumou a dois tipos de comportamento: pessoas que agem a partir de motivações intrínsecas – amadores – operam em circunstâncias relativamente privadas, ao passo que pessoas que agem a partir de motivações extrínsecas operam de forma mais pública. (SHIRKY, 2012a, pos. 1156-1160)

Obviamente, filmes comerciais também têm motivações intrínsecas, mas como necessitam de imissão de grandes somas de dinheiro, são necessárias exibições públicas e pagas para retornar o investimento, independente das motivações pessoais e autorais de

63 diretores, roteiristas e outros membros da equipe necessária para se fazer um filme. Porém, uma obra produzida por motivação intrínseca tem incentivos diferentes ao ser exibidas.

Shirky comenta que:

Amadores geralmente usam o acesso público não para alcançar a mais ampla audiência possível, mas para alcançar pessoas como eles mesmos. [...] Essa estratégia de “torne-se público para encontrar pessoas que pensam como você” originou um aumento sem precedentes na quantidade de material disponível para o público, mas não projetado para o público – a intenção dos criadores não é alcançar qualquer audiência genérica, e sim comunicar-se com suas almas gêmeas, muitas vezes no âmbito de normas culturais compartilhadas que diferem das que estão em uso no mundo externo. (SHIRKY, 2012a, pos. 1251-1259)

Enquanto a exibição dos filmes de bordas em torno de seu local de produção serve para reforçar laços afetivos e criar um senso de comunidade, a exibição fora desse contexto acaba por juntar realizadores de diferentes regiões, mas com interesses em comum, como o de produzir filmes e seus gostos por cultura pop.

Conforme já citado, existem alternativas à exibição em salas de cinema, como fitas VHS, DVDs e a internet, estratégias de divulgação usadas pelos cineastas de bordas32.

Mas o obscurantismo dessas produções dificulta o conhecimento dessas obras. No espaço da Mostra Itaú Cultura Cinema de Bordas é comum ver realizadores vendendo ou trocando

DVDs de seus filmes, mesmo aqueles que estão participando na ocasião apenas como espectadores.

Devido à ausência de divulgação nas mídias tradicionais, sempre foi difícil para realizadores periféricos se articular em mostras conjuntas. Mas alguns esforços existiram,

32 Cada onda (ver primeiro capítulo) do cinema de bordas parece estar mais acostumada a usar estratégias de divulgação e distribuição distintas. A primeira, dos dinossauros das bordas, estão mais ligadas a exibições públicas em locais improvisados, enquanto a segunda onda, do underground, está mais ligada à troca de filmes por correspondência e fanzines, enquanto a terceira onda faz uso também da internet. É importante lembrar que essas ondas não são limites e se misturam, assim como suas estratégias de divulgação. 64 como a Trash – Mostra Goiania de Filmes Independentes, organizada por Márcio Mário da

Paixão Jr., com sete edições, que ocorreram nos anos de 1999, 2005, 2006, 2008, 2011, 2012 e 2013.

A raridade dos filmes exibidos na Mostra Itaú Cultural acaba por definir também o espaço da mostra. Não o espaço do Instituto Itaú Cultural, mas sua configuração temporária na duração da mostra. Essa configuração temporária se enquadra no conceito de circuito, conforme exposto por José Guilherme Cantor Magnani.

Há, por fim, a noção de circuito. Trata-se de uma categoria que descreve o exercício de uma prática ou a oferta de determinado serviço por meio de estabelecimentos, equipamentos e espaços que não mantêm entre si uma relação de contigüidade espacial, sendo reconhecido em seu conjunto pelos usuários habituais: por exemplo, o circuito gay, o circuito dos cinemas de arte, o circuito neo-esotérico, dos salões de dança e shows black, do povo- de-santo, dos antiquários, dos clubblers e tantos outros. [...] A noção de circuito também designa um uso do espaço e de equipamentos urbanos – possibilitando, por conseguinte, o exercício da sociabilidade por meio de encontros, comunicação, manejo de códigos –, porém de forma mais independente com relação ao espaço, sem se ater à contigüidade, como ocorre na mancha ou no pedaço. Mas tem, igualmente, existência objetiva e observável: pode ser levantado, descrito e localizado. (MAGNANI, 2002)

Embora sejam evidentes os laços sociais que se criaram a partir da mostra, não se trata de uma associação de fato, com organização hierárquica e nome, se aproximando mais do conceito de circuito apresentado acima.

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Figura 12: Cena do filme Afrodite, da Recurso Zero Produções, do realizador Joel Caetano, apresentado na faculdade Fonte: YouTube

Mesmo realizadores de bordas residentes em grandes centros urbanos, como é o caso de Joel Caetano, morador da cidade de São Paulo, sempre tiveram seu espaço de exibição restrito, em comunidades pequenas e locais sem acesso a um grande público. Joel, por exemplo, começou fazendo filmes para serem exibidos na faculdade. Esse caráter periférico dos filmes de bordas causa estranhamento tanto aos realizadores quanto aos espectadores ao serem exibidos em locais de acesso aberto, em grandes centros urbanos.

Nesse aspecto, é possível fazer um paralelo com o que fala sobre a chegada à cidade grande:

Vir para a cidade grande é certamente, deixar atrás uma cultura herdada para se defrontar com uma outra. O fato de que como homem, viva um permanente processo de mudança e de adaptação é que vai permitir aos recém-chegados participarem como ator, e não apenas passivamente, do seu novo quadro de vida, graças às novas incitações às suas capacidades e ao seu gênio criativo. A desculturização é perda, mas também é doação. O novo meio ambiente opera como uma espécie de detonador. Sua relação 66

com o novo morador se manifesta dialeticamente como territorialidade nova e cultura nova, que interferem reciprocamente, mudando-se paralelamente territorialidade e cultura e mudando o homem. Quando essa síntese é percebida, o processo de alienação vai cedendo espaço ao processo de integração e de entendimento, e o indivíduo recupera a parte do seu ser que parecia perdida. (SANTOS, 1987, p. 62-63)

Como um dos traços distintivos do cinema de bordas é justamente remixar elementos da cultura midiática, elaborados com objetivos mercadológicos, o espaço da mostra indiretamente dialoga com o espaço do mercado audiovisual, facilitando o entendimento de um público que não está acostumado com os espaços regionais exibidos nos filmes, inclusive entre realizadores periféricos com as obras outros realizadores periféricos. Os filmes exibidos, por carregarem idiossincrasias de seus locais de produção, não fazem parte de uma cultura midiática, e muitos deles tiveram sua primeira exibição fora do contexto original no espaço das mostras. Esse fato dá aos filmes uma característica de raridade. De acordo com Milton Santos,

O espaço tem muito de parecido com o mercado. Ambos, através do trabalho de todos, contribuem para a construção de uma contrafinalidade que a todos contém funcionalmente e, malgrado eles, os define. Mercado e espaço, forças modeladoras da sociedade como um todo, são conjuntos de pontos que asseguram e enquadram diferenciações desigualizadoras, na medida em que são, ambos, criadores de raridade. E como “o mercado é cego para os fins intrínsecos das coisas”, o espaço assim construído é. Igualmente, um espaço cego para os fins intrínsecos dos homens. Daí a relação íntima e indissociável entre alienação moderna e o espaço. (SANTOS, 1987, p. 60)

Essa raridade dos filmes do cinema de bordas foi uma das características motivadoras para o Formas e imagens na comunicação contemporânea se propor a estudar o tema. A exibição pública e aberta desses filmes é uma tentativa de minar essa raridade. Ao

67 juntar filmes diversos e reunir seus realizadores e espectadores interessados, laços sociais foram se formando entre essas pessoas, através desse espaço.

2.3 TRIBOS E CONSUMO

Os filmes exibidos nos festivais acabam por compartilhar as particularidades locais dos realizadores, como espaços de convívio, amigos e família, fazendo com que essas localidades se tornem conhecidas também pelos espectadores da mostra, embora fossem destinadas inicialmente ao consumo somente dentro de um espaço social restrito. Gustavo

Lins Ribeiro aponta para essa possibilidade:

Ainda que os particularismos locais sejam meios simbólicos à disposição das populações locais, também podem disseminar-se para outras pessoas. Isso é especialmente verdade em uma era de globalização caracterizada pela existência de diversos fluxos desterritorializados de bens, informações e pessoas. (RIBEIRO, p. 14)

A globalização aqui está presente nos conhecimentos de cultura midiática pop

(cinema de gênero, quadrinhos, música pop, entre outros), compartilhado pelos realizadores e presente em citações e referências nos filmes. Mas com a recorrência não somente da mostra, mas de realizadores que tem a possibilidade de voltar em novas edições para exibir seus filmes, suas particularidades locais também passaram a ser identificadas e capazes de ser interpretadas por espectadores fiéis.

Aos poucos, a participação nos grupos sociais do cinema de bordas, que começou mais aberta, dependendo somente de conhecimento de cultura pop, foi se reconfigurando e se fechando, exigindo também conhecimentos específicos relacionados

68 aos próprios filmes exibidos e pessoas relacionadas. Um reflexo disso é que alguns dos filmes começam a citar não só um imaginário local misturado com um imaginário midiático, mas também imagens já vistas em outras realizações de bordas. Hoje em dia, parece ser um símbolo de status ter um diretor ou um ator que já foi visto em outras mostras, e isso parece ter criado até mesmo um star system do cinema de bordas.

No texto curatorial da quarta edição da Mostra Itaú Cultural Cinema de Bordas, esse caráter colaborativo é evidenciado:

Esta quarta edição da mostra Cinema de Bordas realizada pelo Itaú Cultural se faz primordialmente em torno de um fenômeno cinematográfico de caráter tribal que agrupa atores e atrizes, produtores e realizadores dos mais diferentes lugares do país, com a especial relevância para o fato de que alguns se conheceram, se aproximaram ou se juntaram por ocasião das outras três mostras realizadas pelo instituto. Os espectadores podem entrar no delicioso jogo de descobri-los nos créditos e nas narrativas dos filmes, uma vez que muitos deles participam, atuam e colaboram em conjunto, uns nas produções dos outros. Pode-se mesmo afirmar que se trata de um verdadeiro movimento de comunidade que começa a percorrer o rico e quase desconhecido universo periférico do cinema de bordas no Brasil. (INSTITUTO ITAÚ CULTURAL, 2012, p. 5)

É importante notar o caráter da ligação da cultura das bordas, aqui estudada em seu aspecto cinematográfico, com os produtos midiáticos, independente que seja mainstream ou de bordas. Essa ligação se manifesta de uma forma que pode ser entendida como consumo. Colin Campbell destaca a importância do consumo na criação e recriação constantes das identidades na contemporaneidade.

A sugestão é que o próprio consumo pode propiciar a significância e a identidade que os seres humanos modernos tanto desejam, e que é em grande parte através dessa atividade que os indivíduos podem descobrir quem são, e conseguir combater seu senso de insegurança ontológica. Por conseguinte, é exatamente nesse aspecto de suas vidas que a maioria das pessoas encontra as bases sólidas sobre as quais assentar sua percepção do real e da verdade, e também de onde extrair seu objetivo de vida. 69

Portanto é com base nesse diagnóstico que, a meu ver, é justificável afirmar não só que vivemos numa sociedade de consumo, ou somos socializados numa cultura de consumo, mas que a nossa, num sentido bem fundamental, é uma civilização de consumo. (CAMPBELL, 2007, p. 63-64)

Participando de um consumo em grupo, que afeta as identidades, o cinema de bordas não escapa dessa lógica. A apreciação de produtos midiáticos pop é um dos principais pontos em comum dos participantes das redes sociais do cinema periférico de bordas. E, ainda mais, é importante na criação de suas próprias obras, já que os cineastas usam fragmentos desses produtos na criação de obras audiovisuais onde trabalham suas identidades, conforme visto no primeiro capítulo. Embora Campbell esteja falando do consumo como significante em um nível individual, ele reconhece a importância do aspecto tribal:

Também não estou sugerindo que o que chamamos de identidade tribal tenha deixado de ser significante. É evidente que essa identidade ainda importa [...] (CAMPBELL, 2007, p. 52)

Numa sociedade de consumo, conforme apontado por Campbell, a identidade tribal encontra seu espaço, reunindo pessoas com gostos e hábitos parecidos. Michel

Maffesoli foi o responsável por botar em evidência o conceito de tribos urbanas, que aparece no texto curatorial da quarta mostra, nos anos 1980 e 1990. Para ele:

A metáfora da tribo, por sua vez, permite dar conta do processo de desindividualização, da saturação da função que lhe é inerente, e da valorização do papel que cada pessoa (persona) é chamada a representar dentro dela. Está claro que, como as massas em permanente agitação, as tribos que nelas se cristalizam tampouco são estáveis. As pessoas que compõem essas tribos podem evoluir de uma para outra. (MAFFESOLI, 2010, p. 31)

70

Enquanto para Cambpell a escolha e o consumo são processos individualizantes,

Maffesoli, ao falar da metáfora das tribos, destaca, por outro lado, seus processos desinvidualizantes: “O tribalismo lembra, empiricamente, a importância do sentimento de pertencimento, a um lugar, a um grupo, como fundamento essencial de toda vida social”

(MAFFESOLI, 2010, p. 11). Mas, se olharmos o cinema de bordas e seu caráter tribal sob a luz do comentário de Zygmunt Bauman sobre nossa relação com os outros, podemos reafirmar o caráter consumista na criação das identidades:

[...] quanto aos outros que conhecemos, e especialmente pessoas de que sabemos – “vistas à distância, [sua] existência parece ter uma coerência e uma unidade que na verdade não pode ter, mas que parece evidente ao espectador”. Isso é uma ilusão de ótica. A distância (quer dizer, a pobreza de nosso conhecimento) borra os detalhes e apaga tudo o que não se encaixa na Gestalt. Ilusão ou não, tendemos a ver as vidas dos outros como obras de arte. E tendo-as visto assim, lutamos para fazer o mesmo: “Todo o mundo tenta fazer de sua vida uma obra de arte. (BAUMAN, 2001, p. 97)

É importante deixar claro que, no cinema de bordas, o conhecimento dos outros muitas vezes vem, de fato, de obras de artes – os filmes exibidos – onde os cineastas tem a possibilidade de trabalhar uma versão midiática de sua identidade, seja idealizada ou com propósitos sociais ligados à sua localidade. Nesse caso, o outro tem menos chance ainda de parecer incoerente, e a angústia da busca de identidade se torna maior. Isso parece levar a uma vontade de também produzir filmes, também trabalhar a própria identidade, e ao se associar com um cineasta ou parte de seu elenco já visto na mostra, existe uma possibilidade maior de alcançar a coerência. Mas novas obras são exibidas, desestabilizando a coerência ilusória. Para Campbell,

Mas, como os pós-modernos gostam de salientar, na sociedade contemporânea, os indivíduos mudam de gostos e preferências à medida 71

que, seja por seguirem a moda, seja por buscarem um status mais elevado, passam pelo processo de se recriarem. Isso parece contrariar a hipótese de que o consumo permite que as pessoas descubram quem elas realmente são; se já descobriram a resposta para essa pergunta, por que deveriam trocar uma identidade específica por outra? Na verdade por que deveriam continuar participando tão entusiasticamente quanto antes da busca de novos produtos e serviços, se já resolveram a questão de sua identidade pessoal? Creio que as respostas para essas perguntas podem ser encontradas na compreensão da função ontológica que o atual consumismo moderno preenche. (CAMPBELL, 2007, p. 56)

O caráter individual da busca pela identidade faz impossível um equilíbrio das identidades nas tribos, afetando todos seus participantes. Além disso, Campbell nota a importância do tédio na busca por uma concordância, que nunca acaba:

Conseqüentemente, é preciso haver exposições regulares a estímulos novos para evitar o tédio e satisfazer a contínua busca pela reafirmação ontológica. Nesse aspecto, o tédio é visto como uma ameaça porque destrói pouco a pouco nosso senso de identidade - corremos o risco de perder a noção de quem somos quando ele se instala - e, portanto, nossa apreensão de realidade falseia. Por isso é constante a nossa necessidade de novos estímulos, daqueles que produzem em nós forte reação. (CAMPBELL, 2007, p. 58)

Assim, surge um ciclo de consumo e produção incessante, onde a busca por identidade de um se espalha para outros, e quanto mais a tribalização vigora, maior a inconstância e maior a busca.

Sendo assim, podemos entender que a recente tribalização do cinema de bordas, conforme apontado por Santana, pode se manter reforçada por conta de dois aspectos.

Primeiro, o mercado constantemente lança novos produtos (filmes, quadrinhos, músicas, entre outros) de interesse dos participantes, e a frequência incessante de lançamentos leva a uma possibilidade constante de atualização das identidades. Segundo, por novas edições

72 da Mostra Itaú Cultural Cinema de Bordas, onde realizadores tem a possibilidade de lançar, ano a ano, novas obras.

Como exemplo, podemos citar que o cineasta Joel Caetano, da Recurso Zero

Produções, esteve presente na primeira edição da mostra, em 2009, com seu filme O assassinato da Mulher Mental, na segunda edição da mostra, em 2010, com seu filme Gato, além de participar de um bate-papo mediado pela pesquisadora Laura Cánepa, na terceira edição da mostra, em 2011, com seu filme Estranha, além de aparecer como ator no filme O tormento de Mathias, de Sandro Debiazzi, na quarta edição da mostra, em 2012, com o filme

DR, coprodução com Felipe Guerra, da Necrófilo Produções Artísticas, e na quinta edição da mostra, em 2013, com seu filme Encosto, além de aparecer como ator no filme Roquí Son contra o extermínio ambiental, de Renato Dib. Além disso, desde 2011 ministra uma oficina intitulada Produzindo com Recurso Zero, onde ensina táticas de produção sem orçamento e junto com os alunos produz um curta, que sempre é exibido no último dia da mostra.

Também presente desde a primeira edição da mostra está Manoel Loreno, conhecido por Seu Manoelzinho, em 2009 com seu filme O rico pobre, não participou da segunda edição dda mostra, em 2010, mas na terceira edição da mostra, em 2011 foi o realizador homenageado e esteve presente com seu filme A gripe do frango, além de participar de um bate-papo mediado pela pesquisadora Bernadette Lyra, em 2012 com seu filme A maudição da casa de Vanirim, além de ser entrevistado no programa Jogo de ideias, gravado durante a mostra, e na quinta edição da mostra, em 2013, com seu filme Loreno contra o espantalho assassino.

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Figura 13: Cena do filme O rico pobre, do realizador Manoel Loreno Fonte: YouTube

Entendendo a socialidade do cinema de bordas sob a visão das estruturas das tribos, o ato de consumir pode ser entendido como uma atitude de grupo, mas manifesta nos indivíduos. Maffesoli (2010, p. 132) ao falar do comportamento tribal uníssono, cita o sociólogo francês Maurice Halbwachs, que nomeia de “interferências coletivas” quando o que nos parece ser uma experiência individual é, de fato, a opinião de um grupo a qual pertençamos. Essa sincronia do consumo, então, se dá de forma inconsciente.

Para Maffesoli, no estar-junto contemporâneo, onde os indivíduos se agrupam de acordo com afinidades e interesses dentro de tribos ou comunidades emocionais, o elo agora são o afeto e a emoção. Mas, afeto e emoção hoje se tornam explícitas através do consumo, conforme aponta Campbell. Dessa forma, as tribos do cinema de bordas, mais que tribos de afeto, se constituem tribos baseadas em consumo.

Embora Maffesoli acredite que nos tempos atuais haja uma saturação e uma superação do princípio de individualização, esse não parece ser o caso no cinema de bordas.

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Existe, sim, uma superação das estruturas sociais racionais da modernidade, que pode ser notado nas várias tribos que se articulam no cinema de bordas, cujas estruturas coincidem com a visão de Maffesoli, que diz que “[...] parece-me que à estrutura patriarcal, vertical, está sucedendo uma estrutura horizontal, fraternal” (MAFFESOLI, 2010, p. 9).

Algumas dessas microtribos já existiam antes da mostra, sendo formadas pelos realizadores e demais pessoas envolvidas, de maneira local, e a estrutura topológica parece sim ser horizontal. Além disso, novas tribos surgiram nos bastidores da mostra, conectando espectadores e realizadores. Mas o conceito de tribos, exposto por Maffesoli é insuficiente para entender o funcionamento dos grupos sociais articulados a partir das mostras.

2.4 ARTICULANDO REDES

Desde a primeira edição da Mostra Itaú Cultura Cinema de Bordas, a aproximação social entre os diversos realizadores com outros realizadores e também com espectadores foi facilitada devido ao fato dessas pessoas compartilharem um gosto parecido de filmes e um imaginário midiático amplamente compartilhado.

Como a mostra ganhou novas edições, uma a cada ano a partir da primeira, ocorreu uma recorrência de contatos, seja de um público cativo, seja de realizadores com uma produção mais constante. Suas comunicações e trocas fortaleceram seus laços sociais e construíram um espaço de familiaridade abrangendo tanto realizadores e público, ou entre tribos já estabelecidas umas com as outras, ou ainda com tribos formadas a partir desse espaço. A relação que se articula entre as diversas tribos e demais atores sociais acabou por criar uma estrutura social orgânica, com vida própria e que existe mesmo fora desses espaços. Essa estrutura, parece se encaixar no que Jean Baechler chama de rede: 75

Designamos, de um modo geral, por redes os laços, mais ou menos sólidos e exclusivos, que cada ator social estabelece com outros atores, os quais estão também em relação com outros atores, e assim por diante. A priori, podemos pressentir que a amplitude, a exclusividade e a densidade da trama das redes variará inteiramente conforme se tenha em consideração as redes de parentesco, de vizinhança, de classe... Uma segunda categoria poderia ser definida por redes de algum modo deliberadas, no sentido de que são definidos espaços sociais, onde se encontram, por opção, atores sociais que têm prazer e interesse em ser sociáveis uns com os outros. Os salões, os círculos, os clubes, os cafés são exemplos disso. (BAECHLER, 1996, p. 78)

Assim como a metáfora das tribos, nesse caso também temos uma estrutura não hierárquica e não autoritária e que não pertence aos modelos racionais da modernidade.

Para Manuel Castells:

Redes são estruturas abertas capazes de expandir de forma ilimitada [...]. Mas a morfologia das redes também é uma fonte de drástica reorganização das relações de poder. As conexões que ligam as redes [...] representam os instrumentos privilegiados do poder. Assim, os códigos interoperacionais e as conexões entre redes tornam-se as fontes fundamentais da formação, orientação e desorientação das sociedades. (CASTELLS, 2000, p. 498-499)

Essas redes formadas a partir do cinema de bordas podem ser entendidas como redes sociais, paradigma que tem sido evocado como explicação estrutural para muitos fenômenos comunicacionais, políticos, organizacionais e sociais de nosso tempo. Fritjof

Capra (2002) evoca o conceito de rede viva, pois “uma vez que os sistemas sociais envolvem não só seres humanos vivos como também a linguagem, a consciência e a cultura, é evidente que são sistemas cognitivos – parece estranho pensar que não sejam vivos”.

Para Capra (2008), é importante perceber que essas redes vivas, diferente de organismos vivos, não são redes materiais, mas sim redes funcionais, envolvendo relacionamentos, comunicações e processos. Outra característica importante apontada pelo

76 autor é o fato de serem redes autogenerativas, se criando e recriando continuamente, enquanto preservam seu padrão de organização similar a uma rede.

Os limites de identidade das redes sociais do cinema periférico de bordas obedecem às características do próprio conceito, como o gosto por cultura pop, em especial cinema de gênero. Os participantes das mostras e festivais de nicho33 reconhecem entre si o imaginário compartilhado, gerando uma espécie de “membrana” dessa rede viva. Capra indica como a cultura acaba por funcionar como limite de identidade de uma rede:

A cultura se insere e permanece profundamente entranhada no modo de vida das pessoas e essa inserção tende a ser tão profunda que até escapa à nossa consciência durante a maior parte do tempo. A identidade cultural também reforça o fechamento da rede, na medida em que cria um limite feito de significados e exigências que não permite que quaisquer pessoas e informações entrem na rede. Assim, a rede social intercambia suas comunicações dentro de um determinado limite cultural, o qual é continuamente recriado e renegociado por seus membros. (CAPRA, 2002, p. 99)

Aos poucos, os próprios realizadores e espectadores da Mostra Itaú Cultural

Cinema de Bordas e outras mostras de nicho começaram a reconhecer em si mesmo e em pessoas que conheceram nesses espaços, seja pessoalmente ou através de filmes, uma rede em formação, e suas regras de participação e convivência parecem surgir para todos de forma espontânea. É através do contato recorrente, seja nesses espaços ou fora deles, que a rede se fortalece e se regenera, renegociando seus limites e valores, conforme aponta

Capra:

33 Mostras e festivais organizados em torno de conceitos que delimitam a seleção dos filmes, por exemplo, gêneros (ficção-científica, horror, entre outros), estética trash, entre outros. O público, por conseguinte, é formado principalmente por apreciadores dos objetos culturais ligados ao conceito definido. 77

Cada comunicação cria pensamentos e um significado que dão origem a outras comunicações, e assim a rede inteira se regenera – é autopoiética. Como as comunicações se dão de modo recorrente em múltiplos anéis de realimentação (feedback loops), produzem um sistema comum de crenças, explicações e valores – um contexto comum de significado – que é continuamente sustentado por novas comunicações. Através desse contexto comum de significado, cada indivíduo adquire a sua identidade como membro da rede social, e assim a rede gera seu próprio limite externo. Não se trata de um limite físico, mas de um limite feito de pressupostos, de identidade e de lealdade – um limite continuamente conservado e renegociado pela rede de comunicações. (CAPRA, 2002, p. 95)

Manuel Castells adiciona o conceito de nó ao explicar a estrutura das redes. Para esse autor,

Rede é um conjunto de nós interconectados. Nó é o ponto no qual uma curva se entrecorta. Concretamente, o que é um nó depende do tipo de redes concretas de que falamos. São mercados de bolsas de valores e suas centrais de serviços auxiliares avançados na rede dos fluxos financeiros globais. São conselhos nacionais de ministros e comissários europeus da rede política que governa a União Européia. São campos de coca e papoula, laboratórios clandestinos, pistas de aterrisagem secretas, gangues de rua e instituições financeiras para lavagem de dinheiro na rede de tráfico de drogas que invade as economias, sociedades e Estados do mundo inteiro. São sistemas de televisão, estúdios de entretenimento, meios de computação gráfica, equipes para cobertura jornalística e equipamentos móveis gerando, transmitindo e recebendo sinais na rede global da nova mídia no âmago da expressão cultural e da opinião pública, na era da informação. (CASTELLS, 2000, p. 498)

Desse modo, no caso aqui estudado, podemos entender como nós não somente cada pessoa que participa da rede social, como cineastas, atores, atrizes, operadores de câmera, espectadores, entre outros, mas também instituições, tais como o grupo das bordas, o Instituto Itaú Cultural, as diversas produtoras informais, entre outros.

Estratégias em rede estão presentes desde o princípio do cinema de bordas. Na contemporaneidade, as identidades se fragmentam e se atualizam constantemente, permitindo que um nó esteja ligado a mais de uma rede. A partir do surgimento e nomeação

78 do conceito, ele foi apresentado em espaços acadêmicos, atraindo a atenção de novos pesquisadores, que se ligam a essa rede. Os pesquisadores envolvidos acionaram pessoas conhecidas em seus círculos sociais para angariar informações sobre obras espalhadas pelo

Brasil que estivessem dentro dos limites teóricos do conceito, conforme dito no primeiro capítulo. Desse modo, cineastas e produtoras de bordas se ligaram à rede, criando fluxos entre a academia e os realizadores, adicionando também os fluxos entre os bordeiros e sua realidade local. Mas, na configuração morfológica da rede nesse instante, os fluxos entre cineastas com outros cineastas, de diferentes localidades, necessitava passar pelos nós acadêmicos. Com a criação da Mostra Itaú Cultural Cinema de Bordas, o espaço do instituto foi adicionado à rede, os filmes foram exibidos, aproximando os realizadores e espectadores num espaço físico, criando novos nós, fluxos e conexões. Duarte & Frey comentam essa tendência:

O padrão de organização de um grande pólo induzindo o estabelecimento de redes de relacionamentos não contidas em seu plano de origem, formando sub-redes que se tornam interdependentes pode ser observado em vários sistemas complexos. São as “redes de escala livre” que, longe de uma distribuição equilibrada de nós e ligações que poderia ser esperar em um modelo hierarquizado ou aleatório, originam-se pela força catalisadora de um determinado nó que estimula outros nós a ligarem-se a ele, ou criando sub-redes que se estabelecem em dependência do nó ou rede principal. (DUARTE & FREY, 2008, p. 163)

O surgimento do termo se deu no ambiente acadêmico que, devido a regulamentações oficiais e uma organização mais racional, ainda ligada aos ideais de progresso e uma mentalidade moderna, tem seus fluxos de comunicação mais moderados, embora também se articulem em forma de rede. Mas foi justamente a academia que desencadeou a ampliação da rede, embora não de forma deliberada. Já foi dito que uma das propostas desses estudos era justamente tornar pública toda uma produção periférica, 79 ignorada pela historiografia oficial. Mas os meios encontrados para tal é que estimularam a formação de novos nós. Com a exibição pública dos filmes, a escala da rede teve um grande crescimento, e os novos atores sociais envolvidos, livres das regulamentações da academia, demonstraram um comportamento pós-moderno, não hierárquico, que passou a concentrar grande parte dos fluxos de comunicação e reformular a identidade da própria rede.

A própria academia, em contato com o restante da rede, identificou as reformulações de identidade, e, conforme pudemos ver no primeiro capítulo, os interesses de pesquisa acabaram se voltando para o estrato mais periférico desse tipo de cinema. Aos poucos, os limites de identidade da rede foram atualizados, passando a comportar e exigir conhecimentos específicos das atividades da própria rede. Um reflexo disso é que alguns dos filmes começam a citar não só um imaginário local misturado com um imaginário midiático, mas também imagens já vistas em outras realizações de bordas.

Figura 14: Imagem de divulgação do filme O tormento de Mathias, com a presença de, da esquerda para a direita, Joel Caetano, Augusto Servano e Felipe Guerra Fonte: http://www.rzpfilmes.com/2010/11/participacao-de-joel-caetano-no-filme-o.html

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Para ilustrar essa tendência, é importante citar o filme O tormento de Mathias, de 2011, dirigido por Sandro Debiazzi Baldi. O filme conta com a participação de outros dois diretores de bordas no elenco, Felipe Guerra e Joel Caetano, ambos figuras recorrentes da mostra do Itaú Cultural, além da presença da profª. drª. Bernadette Lyra, responsável por cunhar o termo cinema de bordas, dar início à produção acadêmica sobre o tema e articular a mostra. É importante notar que o diretor desse filme está presente também no universo acadêmico, e obteve grau de mestre sob orientação da profª. drª. Laura Loguercio Cánepa, pesquisadora de cinema de bordas e uma das curadora das mostras.

Figura 15: Cartaz do filme Estranha, da Recurso Zero Produções, do cineasta Joel Caetano Fonte: http://www.rzpfilmes.com/2011/10/estranha-selecionado-para-ii-mostra.html

O filme Estranha, dirigido por Joel Caetano, mostra outro tipo de colaboração, convidando dessa parte do elenco de outro realizador. Joel convidou Kika Oliveira e

Walderrama dos Santos, ambos atores de mais de um filme de Rodrigo Aragão, inclusive de

A noite do chupacabras, que contou com a participação de Joel Caetano no elenco.

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Ainda falando de Joel Caetano, ele se juntou com Felipe do Monte Guerra para dirigirem juntos DR, lançado em 2012. O filme tem no elenco o próprio Joel, além Mariana

Zani, sua esposa e atriz recorrente; assim como também Oldina do Monte, avó e atriz recorrente de Felipe Guerra.

Figura 16: Cartaz do filme DR, coprodução entre a Recurso Zero Produções, do cineasta Joel Caetano, e a Necrófilos Produções Artísticas, do cineasta Felipe Guerra Fonte: http://www.rzpfilmes.com/2012/05/dr-poster-sinopse-e-ficha-tecnica-do.html

A cultura compartilhada pelas redes sociais do cinema de bordas parece estar criando novos grupos e influenciando e aprimorando as estratégias de produção de filmes.

As pessoas que fazem parte de uma rede em que se tornam melhores naquilo que amam tendem a permanecer nessa rede. À medida que a capacidade do grupo de aprender e trabalhar junto se fortalece, ele atrai mais participantes. Os novatos que não se tornam parte do grupo central frequentemente levam as ideias para o mundo. (SHIRKY, 2012a, pos. 1436- 1438)

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Como exemplo dessa tendência, podemos citar o filme O beijo na morte, de

Renato Ramos Batarce e Magnum Borges Borini, que se conheceram durante a terceira edição da mostra, em 2011, e produziram o filme que foi exibido na quinta edição da mostra, em 2013.

Figura 17: Cena do filme O beijo na morte, de Renato Ramos Batarce e Magnum Borges Borini Fonte: http://sites.itaucultural.org.br/cinemadebordas/index.php?area=home

A exibição em salas de cinema ainda é cara para os realizadores de bordas, e os subsídios que a Mostra Itaú Cultural Cinema de Bordas fornece ainda são de suma importância para essa sociabilidade. Outras mostras de nicho são realizadas, seja por realizadores ou por entusiastas desse tipo de filmes, sempre com algum tipo de subsídio, seja de centros culturais, de universidades, etc., como a mostra Guaru Fantástico, atualmente em sua segunda edição, realizada em Guarulhos pelo realizador Rubens Mello; e a mostra EspantoMania, realizada em São Paulo, atualmente em sua terceira edição, organizada em por Ivandro Godoy, que não produz filmes, mas é entusiasta das bordas.

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Além desses festivais, outros eventos anteriores à mostra do Itaú Cultural começaram a abrir espaço para os filmes de bordas, como o festival CineFantasy, em São Paulo, e o festival

FantasPOA, em Porto Alegre.

Por mais que a rede social tenha se ampliado largamente em um espaço físico real, a rede formada parece já conseguir existir sem os espaços de exibição. Ela já estabeleceu relações de amizade, de reconhecimento e até mesmo um star stystem. Os eventos são importantes para o crescimento e divulgação dos filmes e pessoas envolvidas, validando o conhecimento compartilhado nas redes.

Henry Jenkins cita Nicholas Negroponte, que diz que “Os impérios monolíticos de meios de comunicação de massa estão se dissolvendo numa série de indústrias de fundo de quintal...” (p. 30). De certa forma, isso ocorre no contexto aqui estudado, sendo que parte da produção do cinema de bordas se direciona para consumo dessa própria rede, não numa indústria de fato, mas num nicho de consumo de produtos midiáticos.

Por mais que tenha surgido como um conceito acadêmico, é inegável a articulação de um sistema social em forma de rede emergente desse meio, com seus próprios valores, comportamentos e significados, constantemente se regenerando e gerando novas ideias e contextos, regras de comportamento ou, no jargão dos teóricos da sociedade, estruturas sociais.

A academia criou o termo cinema de bordas, mas as redes sociais do cinema de bordas ganharam vida própria e realimentou a academia com novas informações, e esse loop conceitual parece estar em desenvolvimento constante.

Se por um lado o cinema de bordas surgiu para dar visibilidade a filmes esquecidos pela historiografia oficial do cinema brasileiro, hoje esses filmes pertencem a uma cultura compartilhada por pesquisadores acadêmicos, realizadores cinematográficos e 84 suas equipes e pessoas interessadas por esse tipo de realização. Independente de sua importância para os registros oficiais, realizadores e filmes antes isolados agora ganham visibilidade e valor em uma rede social crescente. Além disso, estão modificando comportamentos e as estratégias de produção de novos filmes dentro da rede.

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3. MISTURAS, TERRITORIALIDADES E ESTRATÉGIAS EM REDE

No capítulo anterior, procuramos estabelecer como alguns realizadores do cinema de bordas, de diversos locais do Brasil, através de espaços de contato, compondo entre si redes de produção, criando novos produtos audiovisuais. Neste capítulo, tentaremos entender os resultados dessas misturas.

Para se referir aos participantes das redes sociais de produção do cinema de bordas, usaremos o termo bordeiros, de uso já difundido entre os pesquisadores desses filmes.

Devido à grande abrangência que o termo cinema de bordas configura, é importante estabelecer um novo recorte. Entrarão, aqui, os filmes e bordeiros que se apresentaram nas edições da Mostra Itaú Cultura Cinema de Bordas, em obras com a participação de convidados que também fossem bordeiros, que se conheceram ou fortaleceram laços sociais em decorrência da mostra. Estão inclusos, neste recorte, oito filmes e quatorze bordeiros.

Alguns filmes apresentados na mostra não integram essa lista, pois os realizadores já se conheciam e produziram filmes juntos antes do surgimento da mostra, como Fatman & Robada, por exemplo. Lua perversa 2 foi produzido depois do surgimento da mostra, mas os bordeiros já se conheciam e haviam trabalhado juntos anteriormente.

Outras conexões existem, mas também não fazem parte desta lista, como o filme

O beijo na morte, de Renato Ramos Batarce e Magnum Borini, que se conheceram através da mostra e foram exibidos em uma edição posterior, mas que não tem ligação com outros filmes ou bordeiros somente usando os filmes exibidos no Instituto Itaú Cultural.

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Outras possibilidades de novas conexões ainda existem, se fossem levadas em consideração laços de amizade ou familiares. O beijo na morte, por exemplo, tem narração de José Mojica Marins (Zé do Caixão), pai de Liz Marins (Liz Vamp), que teve seu filme

Aparências exibido na mostra.

Como o foco desse estudo são as redes de produção, as conexões entre a academia e os bordeiros também não estão sendo levadas em consideração. Mesmo assim, essas redes se confundem, como no caso de O tormento de Mathias, que conta com a participação de Bernadette Lyra no elenco.

Muitas outras conexões apareceriam, se fossem levados em consideração filmes de bordeiros que não foram exibidos na mostra. O cinema de bordas configura uma rede viva, extensa e em constante expansão.

Ano de Filme Diretor Convidados Afiliação exibição O tormento de Sandro Felipe Guerra Necrófilos Produções Artísticas Mathias Debiazzi Joel Caetano RZP Filmes 2011 Walderrama dos Joel Estranha Santos Fábulas Negras Caetano Kika Oliveira Rubens Felipe Guerra Necrófilos Produções Artísticas Vermibus Mello Ivete Zani RZP Filmes Joel Caetano Morte e morte de Gabriel RZP Filmes Mariana Zani Johnny Zombie Carneiro Felipe Guerra Necrófilos Produções Artísticas Joel Oldina do Monte Necrófilos Produções Artísticas 2012 Caetano, Joel Caetano DR Felipe RZP Filmes Mariana Zani Guerra Joel Caetano RZP Filmes A noite do Rodrigo Petter Baiestorff Canibal Filmes Chupacabras Aragão Christian Verardi Roquí Son Contra o Joel Caetano Renato Dib RZP Filmes Extermínio Ambiental Mariana Zani 2013 Petter Felipe Guerra Necrófilos Produções Artísticas Zombio 2 Baiestorff Christian Verardi Tabela 1: Recorte de filmes de bordas com interação entre bordeiros.

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3.1 HIBRIDISMO

Este trabalho pauta o entendimento de hibridismo de acordo com a definição de

Néstor García Canclini, que define por hibridação “processos socioculturais nos quais estruturas ou práticas discretas, que existiam de forma separada, se combinam para gerar novas estruturas, objetos e práticas” (CANCLINI, 2003, p. XIX). O autor, de forma distinta de outros34, enxerga o hibridismo através de uma perspectiva positiva, entendendo o multiculturalismo como um espaço que possibilita o diálogo entre as culturas, um fator novo que resulta do encontro entre duas culturas diferentes. Nessa visão, há espaço para uma espécie de tolerância às diferenças culturais.

Outros autores observam o hibridismo cultural sob um prisma do embate entre culturas dominantes, hegemônicas, e culturas subordinadas, locais. Embora, de certa forma, esse encontro aconteça no cinema de bordas, que utiliza fragmentos da cultura pop misturado com elementos idiossincráticos locais, o que se pretende entender aqui é o encontro de culturas locais, por isso a escolha do autor.

O cinema periférico de bordas abrange filmes realizados em diferentes locais do

Brasil, retratando peculiaridades locais distintas. Um filme comercial, normalmente, somente mostrará alguma particularidade relativa a uma região ou grupo social caso haja interesse para a trama, pois como tem objetivo comercial, existe a necessidade de se fazer entender por um público heterogêneo. No cinema periférico de bordas, as idiossincrasias locais estão sempre apresentadas, seja de maneira proposital, seja pela impossibilidade de adequar a mise em scène à trama ou por ambos os motivos.

34 Como, por exemplo, Homi K. Bhabha, Robert J. C. Young, Ulf Hannerz, James Clifford, Román de la Campa, Stuart Hall, Jesús Martín-Barbero e Nikos Papastergiadis. 88

Mas o cinema de bordas, conforme já vimos, apresenta filmes híbridos, onde essas realidades locais se misturam com elementos já conhecidos da cultura pop. Burke

(2003, p. 19) nos diz que “O preço da hibridização, especialmente naquela forma inusitadamente rápida que é característica de nossa época, inclui a perda de tradições regionais e de raízes locais”. Vimos anteriormente como o cinema de bordas consegue criar um hibridismo onde convivem os imaginários global e local, facilitado pela uniformização do consumo de bens culturais.

Por um lado, o hibridismo funciona como forma de conceder ainda mais visibilidade às culturas hegemônicas, mascarada pela quebra da divisão entre cultura global e culturas locais. Mas por mais que a criação no cinema de bordas seja pautada pelo consumo de bens culturais, é importante e imprescindível a presença de traços característicos locais. O hibridismo, nesse caso, não é homogeneizante, sendo possível facilmente se enxergar a distinção entre elementos globais e locais.

Apresentados fora de contexto, esses filmes são comumente entendidos como deficientes de qualidade e recursos. Mas é importante notar que, no cinema de bordas, assim como no primeiro cinema, raramente uma apresentação não é contextualizada, seja em uma exibição restrita ao ambiente social onde o filme foi produzido, seja em um festival ou mostra de nicho. Os termos usados para descrever alguns desses filmes, como trash ou amador, facilitam essa apresentação. Existe uma narrativa que precede esses filmes, que acabam por justificar suas falhas e criar um pacto de colaboração com os espectadores, para que esses suspendam a descrença a fim de apreciar as obras.

Mas embora esse hibridismo seja evidente, é importante se perguntar se, nos novos filmes produzidos a partir dos encontros entre bordeiros, existe um hibridismo de suas culturas locais. 89

Apresentados fora de seus locais de criação, em espaços onde outros bordeiros e demais espectadores tem contato com esses filmes, suas influências globais são facilmente entendíveis, devido ao conhecimento compartilhado de cultura pop; e seus traços regionais e comportamentos tribais são geralmente vistos como exotismo. Comportamento tribal, aqui, deve entendido como os costumes distintivos de uma tribo, conforme conceito de

Maffesoli apresentado no segundo capítulo.

Conforme já explicado, uma das características que podem ser facilmente vistas nos filmes de bordas é a presença de particularidades relativas ao local e ao contexto social de sua produção, como sotaques, informações sobre pessoas e costumes que só fazem sentido no ambiente de produção, entre outros.

Nem sempre esses traços idiossincráticos são elucidados para um público não- local nesses filmes. Em alguns casos, por que o filme não tinha uma pretensão de ser exibido fora de seu local de criação, em outros, por falta de conhecimento das estratégias de codificação do cinema.

O realizador Felipe do Monte Guerra, ao ganhar notoriedade em festivais e mostras de nicho, preocupou-se em fazer uma nova edição de alguns de seus filmes. Seu filme Entrei em pânico ao saber o que vocês fizeram na sexta-feira 13 do verão passado

(2001), com duração de 120 minutos, foi reeditado e encurtado para 75 minutos, fruto tanto de um amadurecimento do diretor quanto de sua preocupação em tornar o filme mais acessível fora de sua cidade natal. Outro exemplo é que em seu filme Patrícia Gennice

(1998), um dos personagens cita um percurso percorrido na cidade de Carlos Barbosa. Os espectadores da cidade conseguem identificar a grande distância facilmente, entendendo as dificuldades que o personagem teve no deslocamento. Guerra, porém, decidiu adicionar posteriormente ao filme um mapa da cidade com o trajeto em vermelho, usando imagens do 90 software Google Earth, na tentativa de explicar para um público de fora a longitude do percurso. O filme também foi reeditado e encurtado, diminuindo de 80 minutos para 58 minutos de duração.

Figura 18: Cena do filme Patricia Gennice, que faz uso de imagens do software Google Earth para localizar um percurso na cidade de Carlos Barbosa (RS) Fonte: YouTube

Investigar o aspecto oral desses filmes, por meio dos sotaques, ajuda a elucidar como, aos se juntarem, os bordeiros misturam suas diferenças, já que pessoas de diferentes regiões do Brasil, com características peculiares no falar, se juntam para produzir novas obras.

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3.1.1 Sotaques

Em seu livro Sotaques na TV, Ana Lúcia Medeiros abre o capítulo Como tudo começou explicando:

No começo de tudo, a percepção de que os diversos sotaques do Brasil não estão na televisão. Há uma tendência generalizada dos repórteres de emissoras distantes do eixo Rio-São Paulo modificarem a forma de falar cotidiana, no momento em que pegam o microfone e se posicionam diante de uma câmera de tv. [...] Sendo a televisão um veículo de grande alcance, e não difunde as variações de sotaque, de certa forma contribui para que o Brasil não conheça o Brasil. As falas, as culturas locais são pouco divulgadas. (MEDEIROS, 2006, p. 13)

O caráter local das manifestações populares é muitas vezes incompatível com a pretensão globalizadora do mercado. Esses traços locais costumam ser apresentados somente quando tomados como um adereço exótico.

Como exemplo, podemos citar o programa de TV Escolinha do Professor

Raimundo, apresentado na emissora Rede Globo, onde figuram personagens como o índio

Suppapau Uaçu, o mineiro contador de casos Joselino Barbacena, mineiro caipira Nerso da

Capitinga, o judeu avarento Samuel Blaustein, o nordestino Bertoldo Brecha, a cangaceira

Maria Bonita, entre outros.

Uma necessidade específica relacionada à expressividade oral no cinema profissional é a caracterização de sotaques e regionalismos. Um dos trabalhos de um ator profissional é fazer sua voz ser compatível com a personalidade de seu personagem, evitando efeitos indesejados, como sotaques caricatos e engraçados em uma situação onde esse não é o objetivo.

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Sabemos que a fala pode localizar as pessoas em um espaço social. Esse espaço é per se multidimensional e, sendo assim, pode ser analisado sob várias coordenadas. O falante e o ouvinte são duas coordenadas essenciais na análise de uma interação verbal fixada em algum ponto deste espaço social. O discurso é revelador do ponto de vista do falante. Através de seu discurso, o falante conta a respeito de si, comunicando o tipo de pessoa que é ou apresentando a personagem que gostaria de ser. O ouvinte entende e avalia o falante, tecendo considerações, consciente ou não, sobre seu interlocutor. O modo de falar de uma pessoa pode influenciar o julgamento interno que o ouvinte faz dela. Em sua perspectiva, ele tece conclusões sobre as características de seu interlocutor conforme sua fala, que ele pode vir a associar com o prestígio ou desprestígio social. (CUNHA et al., 1994, p. 127)

No cinema de bordas, os realizadores lançam mão de amigos e parentes como elenco que, tirando raras exceções, não tem treinamento para atuar. Assim, em muitos casos, não existe um trabalho de articulação vocal para fazer coincidir o acento do ator com a personalidade do personagem. Como exemplo, podemos observar em Um Vinchester para três tumbas (2011), faroeste do diretor Arlindo Filho. O filme se passa no México, fazendo alusão ao período de expansão das fronteiras dos Estados Unidos da América, e o protagonista, o personagem Jack Coller, busca vingança para seus pais. Gravado na região rural da cidade paulista de Presidente Prudente, o filme se preocupa em imitar formas recorrentes do gênero western, como figurinos, objetos de cena e trilha sonora. Até mesmo os diálogos obedecem às convenções do gênero, sendo curtos e concisos. Mas é justamente ao ouvir a voz dos atores que o sotaque do interior paulista aparece.

Para Cunha,

No caso de um ator, a adaptação da fala é um pré-requisito de trabalho. De acordo com o papel a ser desempenhado, o ator conscientemente altera registros e estilos de fala, ou até adiciona sotaques. Para um falante comum, omitir seu próprio sotaque, conscientemente, pode significar negar sua origem, mesmo que por 93

uma necessidade de acomodação, de adaptação social a seus ouvintes. Para o ator, a acomodação é uma necessidade cênica, um desafio técnico. (CUNHA et al., 1994, p. 128)

Um dos traços importantes dos filmes aqui estudados é justamente o jogo de representação, conhecimento e reconhecimento. Assim, um bordeiro ao convidar outro para participação em seu filme conta com o conhecimento prévio dos espectadores para identificar a figura ali presente. A participação de um convidado, nos filmes da Mostra, parece mais importante que a necessidade de adequar os trejeitos de fala. A presença de um convidado não necessariamente acontece devido à sua capacidade de atuação, mas pelo seu caráter icônico de figura já vista. Para Cunha,

Expressar sentimentos nas palavras e na entonação de uma língua estrangeira requer maior concentração, racionalização por parte do falante, fato este que o próprio momento rejeita. É em sua língua materna que, inconscientemente, as pessoas expressam os eus mais íntimos sentimentos. É nela que as pessoas amam, oram, expressam terror, brincam. (CUNHA et al., 1994, p. 129)

Adequar os sotaques poderia trazer dois problemas. O primeiro, sendo que a maior parte dos bordeiros não são atores profissionais, é a dificuldade de se conseguir a conformação dos sotaques. O segundo surge devido ao jogo de identificação. Como em muitos dos filmes trabalham com uma aproximação entre as personalidades do ator e personagem, existe uma expectativa de repetição de certas características. Como esses filmes estão mais ligados ao regime trivial do lazer, existe, de certa maneira, um pacto velado com o público de suspensão da descrença, abrandando quaisquer problemas decorrentes seja da falta de treinamento da equipe e elenco ou da falta de recursos que esses filmes tem.

94

Para ilustrar, usaremos como exemplo o curta-metragem já citado DR (2012, 10 minutos), coprodução da Necrófilo Produções Artísticas, de Felipe Guerra, e RZP Filmes, de

Joel Caetano. Guerra e Caetano dividem a direção. O elenco do filme é composto por Joel

Caetano, sua esposa Mariana Zani e Oldina do Monte, avó de Guerra. Mariana também trabalha como produtora e é conhecida por atuar em todos os filmes da RZP, representando personagens femininas fortes, nunca disfarçando seu sotaque paulistano. Já Oldina atuou em diversos filmes do neto, sendo seu sotaque típico de Carlos Barbosa, cidade do interior do Rio Grande do Sul com imigração alemã e italiana. Oldina interpreta a mãe de Zani, e suas pronúncias distintas não são explicadas.

Figura 19: Cena do filme DR, com a participação de Mariana Zani e Joel Caetano, de São Paulo, e Oldina do Monte, de Carlos Barbosa (RS) Fonte: YouTube

Outro exemplo é o filme O tormento de Mathias (2011, 51 minutos), do bordeiro

Sandro Debiazzi. O filme conta com três participantes do universo do cinema de bordas:

Bernadette Lyra e os bordeiros Joel Caetano e Felipe Guerra. No filme, Guerra interpreta o

95 personagem creditado como Enfermeiro Augusto, mas, no filme, os outros enfermeiros se referem a ele como Enfermeiro Gaúcho. Apesar de morar estar morando em São Paulo na

época da produção do filme, Guerra manteve seu sotaque, perceptível no filme.

Assim como vimos no primeiro capítulo que nos filmes de bordas se pode perceber a distinção dos espaços local e global e suas respectivas identidades, apesar da convivência dos dois, essa distinção também pode ser vista ao se misturar traços regionais distintos. A mistura existe, mas não é homogeneizante, já que é importante que se mantenham os aspectos identitários dos bordeiros.

Figura 20: Cena do filme O tormento de Mathias, com Augusto Servano interpretando Mathias (em pé) e Felipe Guerra interpretando o Enfermeiro Gaúcho (deitado) Fonte: YouTube

3.1.2 Territórios

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Anteriormente, já vimos como novas tecnologias de produção e circulação simbólica, assim como o espaço urbano (no caso, São Paulo, onde acontece a Mostra), ajudaram a formação das redes de produção do cinema de bordas. Canclini aponta os mesmos fatores como importante nos processos de hibridação das culturas:

Perceber que as transformações culturais geradas pelas últimas tecnologias e por mudanças na produção e circulação simbólica não eram responsabilidade exclusiva dos meios comunicacionais induziu a procurar noções mais abrangentes. Como os novos processos estavam associados ao crescimento urbano, pensou-se que a cidade podia transformar-se na unidade que daria coerência e consistência analítica aos estudos. Sem dúvida, a expansão urbana é uma das causas que intensificaram a hibridação cultural. (CANCLINI, 2003, p. 284-285).

A mostra, que acontece em São Paulo, mostra que o hibridismo é bem parecido com o que acontece nessa cidade: um convívio heterogêneo de pessoas de diferentes lugares, mas onde não se perdem as particularidades. O nordestino trabalha com o sulista e ambos mantém seus traços, unidos pelo jeito paulistano.

Outro ponto já visto, também apontado como importante no surgimento das redes, foi a recorrência dos encontros. Burke também aponta esse fator como importante na hibridação:

[...] devemos ver as formas híbridas como o resultado de encontros múltiplos e não como o resultado de um único encontro, quer encontros sucessivos adicionem novos elementos à mistura, quer reforcem os antigos elementos [...] (BURKE, 2003, p. 31)

Para o geógrafo Rogério Haesbaert (2004, p. 3), a noção de territorialidade é mais ampla do que a de território: a todo o território corresponde uma territorialidade, mas nem toda a territorialidade implica a existência de um território, já que o território necessita

97 de uma base material, concreta, enquanto que a territorialidade pode ser a dimensão simbólica, um referencial territorial (simbólico) para a construção de um território que não exige obrigatoriamente uma forma concreta (suporte espacial).

Figura 21: Cena do filme A noite do Chupacabras, com a participação de Joel Caetano, em primeiro plano. Fonte: YouTube

No cinema de bordas, o território de cada realizador é sempre visível, já que existe uma escassez de recursos que dificulta adaptar o local à mise-em-scène, e, muitas vezes, o desejo de mostrar a realidade local também está presente. Os filmes do realizador da produtora Fábulas Negras, de Rodrigo Aragão, por exemplo, se passam nos arredores de sua residência, nos mangues da cidade de Guarapari, no Espírito Santo. Em quase todos os filmes de Joel Caetano, seu apartamento em São Paulo serve de locação principal. É a trama que se adapta ao local, e não o contrário. A presença do espaço está diretamente ligada à identidade do realizador, presente em seus filmes.

98

Figura 22: Cenas do filme Estranha. Em cima, Mariana Zani contracena com Kika Oliveira. Embaixo, Walderrama dos Santos contracena com Mariana Zani. Fonte: YouTube

Mas, conforme vimos no segundo capítulo, com o surgimento de redes de produção no cinema periférico de bordas, onde bordeiros, sejam eles diretores, atores ou, ainda, equipe técnica, os territórios e as pessoas que neles habitam estão se misturando.

Joel Caetano é assistente de direção e ator principal do filme A noite do Chupacabras, da produtora Fábulas Negras, totalmente rodado na cidade de Guarapari. Já em Estranha, da

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RZP Filmes, de Joel Caetano, conta com a presença de Walderrama dos Santos e Kika

Oliveira, atores da produtora Fábulas Negras.

Maffesoli nos fala de uma provável instabilidade das tribos, devido ao vaivém de participações:

Daí a instabilidade aparente das tribos: o coeficiente de pertença não é absoluto, e cada um pode participar de uma infinidade de grupos, investindo em cada um deles uma parte importante de si. [...] determinado por seu território, sua tribo, sua ideologia, cada um pode, igualmente, e em um lapso de tempo muito curto, irromper em outro território, em outra tribo, em outra ideologia. (MAFFESOLI, 2010, p. 233)

No cinema de bordas, essas participações acontecem de uma forma particular.

Primeiro, por que existe uma facilidade de locomoção, já que os filmes de bordas compartilham um imaginário baseado na cultura pop, mas também porque um bordeiro, ao participar de um filme de outro, leva consigo parte de sua territorialidade, já que o jogo de reconhecimento das identidades é importante nesses cruzamentos. Para Hall,

Todas as identidades estão localizadas no tempo e no espaço simbólicos. Elas têm aquilo que Edward Said chama de suas “geografias imaginárias”: suas “paisagens” características, seu senso de “lugar”, de casa / lar, de heimat, bem como suas localizações no tempo – nas tradições inventadas que ligam passado e presente. (HALL, 2011, p. 71-72)

As particularidades dos grupos se encontram e, conforme vimos, coexistem de maneira heterogênea. É possível configurar essa convivência justamente pela estratégia de redes do cinema de bordas. Maffesoli (2010, p. 234), nos diz que:

A organização social induzida por esse paradigma pode chocar nossas representações por demais mecanistas, mas nem por isso ela é menos operatória. Ela estrutura. [...] Assim, é por contaminações sucessivas que se cria aquilo que é chamado de realidade social. Através de uma seqüência de

100

cruzamentos e de entrecruzamentos múltiplos se constituiu uma rede das redes. (MAFFESOLI, 2010, p. 234)

Como as redes sociais do cinema de bordas se caracterizam como redes de produção, criando novos encontros, novos filmes, o resultado é a criação de uma nova territorialidade das redes, por onde os bordeiros transitam. As imagens já vistas, sejam elas atores ou locações, são o referencial simbólico para identificar esse território.

3.2 MAPEANDO AS ESTRATÉGIAS EM REDE

As comunicações das redes de produção do cinema periférico de bordas não são determinadas no espaço e na geografia do mundo material. A geografia influencia essas relações, mas a configuração e as estratégias em rede criam uma dinâmica própria.

Para auxiliar a análise serão usados gráficos, com representações visuais de dados numéricos, geográficos e das relações em rede no cinema de bordas. Esses gráficos buscam facilitar a análise e a interpretação de um conjunto de dados e de estabelecimento de relações entre as informações coletadas. Através da visualização, novas questões e associações vêm à tona através do exame da disposição visual das informações e suas dinâmicas. A formatação dos esquemas, porém, não deve ser a conclusão em si, mas sim suscitar novos questionamentos e levantar novas interpretações.

Franco Moretti (2003, p. 14), que se dedicou a estruturar mapas e gráficos para analisar a literatura europeia, descreve os mapas e diagramas como ferramentas intelectuais, e cita Charles Sanders Peirce que diz que

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“[...] é possível fazer experimentos exatos sobre diagramas uniformes, e, quando o fazemos, devemos estar atentos às mudanças não intencionais e inesperadas que se operam nas relações de diferentes partes significativas do diagramas umas com as outras”. (MORETTI, 2003, p. 14)

Dessa forma, através dos esquemas apresentados a seguir, o que se pretende evidenciar são as fronteiras, as rotas e a lógica interna do recorte estudado.

É importante explicar que, nos gráficos que seguem, o bordeiro Felipe Guerra foi considerado sempre ligado a seu estado natal, Rio Grande do Sul, apesar de residir em São

Paulo durante a realização de alguns dos filmes. Isto foi feito por que os filmes de Guerra, conforme já vimos, estão muito atrelados à realidade de sua cidade natal, Carlos Barbosa.

Gráfico 1: Número de filmes exibidos sobreposto pelo número de filmes com interação entre bordeiros.

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O primeiro gráfico (Gráfico 1) mostra, dentro do recorte proposto, o número de filmes exibidos sobreposto pelo número de filmes onde existe interação entre bordeiros. As barras em laranja mostram o total de filmes exibidos, sem contar as projeções repetidas. As barras em azul mostram a quantidade de filmes do recorte.

A primeira informação visível é a quantidade de filmes exibidos por ano, que, apesar de decrescer da primeira para a segunda edição da mostra, aumentou ano após ano.

Esse número depende de dois fatores: disponibilidade do espaço de exibição e escolha da curadoria.

A segunda informação visível é o número de filmes no recorte. É importante lembrar duas coisas. Primeiro que a quarta edição da mostra, em 2012, teve como tema escolhido pela curadoria a tribalização das bordas. Segundo, que nem todos os filmes em que ocorrem interação estão inseridos no recorte, conforme explicado no começo desse capítulo.

Outra informação que se faz visível é que a exibição de filmes com interações entre bordeiros, depois de sua primeira aparição em 2011, continuou presente nas duas mostras seguintes.

Os próximos gráficos usam como base o mapa do Brasil. No gráfico a seguir

(Gráfico 2), temos quantificado o número de filmes do recorte por estado.

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Gráfico 2: Número de filmes do recorte produzidos em cada estado (mapa).

São Paulo, estado onde acontece a mostra, concentra a maior parte desses filmes. O único filme produzido no estado de São Paulo que não é originário da capital é

Vermibus, realizado na cidade de Guarulhos, que faz parte da Região Metropolitana de São

Paulo (Grande São Paulo). Mais da metade dos filmes estão concentrados nesse estado.

No gráfico abaixo (Gráfico 3), temos o número de bordeiros do recorte distribuídos por estado. São Paulo continua sendo a maior concentração, mas existe uma maior distribuição. Cabe notar uma maior participação das regiões Sudeste e Sul do Brasil, com a presença sutil do Norte e a ausência do Centro-Oeste e Nordeste.

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Gráfico 3: Número de bordeiros do recorte em cada estado (mapa).

O próximo gráfico (Gráfico 4) mostra o fluxo de trocas do recorte entre os estados, mas não leva em consideração a quantidade de trocas. As setas apontam a direção das trocas. Por exemplo, temos uma seta saindo de São Paulo em direção ao Amazonas, que representa a participação de Joel Caetano e Mariana Zani no filme Roqui Son contra o exterminio ambiental, de Renato Dib. A única troca bilateral acontece entre São Paulo e

Espírito Santo, representando a participação de Joel Caetano, paulistano, no filme capixaba

A noite do chupacabras, e a participação dos capixabas Walderrama dos Santos e Kika

Oliveira no filme Estranha, de Joel Caetano.

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Gráfico 4: Fluxo de troca entre estados (mapa).

O gráfico seguinte (Gráfico 5) também mostra o fluxo de trocas do recorte entre os estados, onde cada seta representa uma troca entre um bordeiro de um estado com outro estado. Por exemplo, Felipe Guerra, do Rio Grande do Sul, participa de quatro filmes em São

Paulo, representado em uma única seta. Já Joel Caetano, de São Paulo, participa de um filme no Amazonas e outro no Espírito Santo, cada um representado por uma seta diferente.

Gráfico 5: Fluxo de troca entre estados (diagrama).

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São Paulo novamente concentra a maioria das trocas, com sete setas, mas o

Espírito Santo se aproxima, com cinco setas.

Os próximos três gráficos apresentam formato de rede. Eles seguem uma notação cromática que representa o caráter dos nós e das ligações.

Cada círculo é um nó na rede. Os filmes aparecem em verde e os estados em azul. Os bordeiros aparecem em cinza, sendo que os diretores tem contorno vermelho, e os diretores que também atuam aparecem com o contorno pontilhado. Cada produtora aparece em amarelo.

Cada linha é uma ligação na rede. As linhas em azul claro denominam uma ligação de um filme com um estado, as em azul escuro a ligação de um bordeiro com um estado. Já as linha em verde claro denominam a ligação de um bordeiro com um filme, as em verde escuro denominam a ligação de um diretor com um filme que dirigiu, que aparecem pontilhadas quando o diretor também atuou. As linhas em amarelo denominam a ligação de um bordeiro com uma produtora, e as linhas em laranja, de um filme com uma produtora. Já as linhas em lilás representam a ligação de um estado com uma produtora.

O próximo gráfico (Gráfico 6), epresenta somente às trocas feitas dentro do estado de São Paulo.

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Gráfico 6: Redes de trocas no estado de São Paulo.

No Gráfico 6, podemos notar, através da densidade das conexões, a importância das trocas somente no estado de São Paulo. No próximo gráfico (Gráfico 7), expandimos essa visualização para todo o recorte, incluindo a presença das produtoras como nós.

Dessa forma, temos como visualizar o cruzamento dos territórios do mundo material e a territorialidade do cinema de bordas.

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Gráfico 7: Redes de trocas em todos os estados, com a presença das produtoras.

Assim, fica mais evidente a mistura dos estados, sendo possível notar como as redes de produção do cinema periférico de bordas criam obras que operam em uma territorialidade mista.

O gráfico abaixo (Gráfico 8) foi feito com o propósito de mostrar a rede suprimindo o estados mais densamente conectado, São Paulo.

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Gráfico 8: Redes de trocas em todos os estados, com a presença das produtoras, excluindo SP.

Apesar da territorialidade do recorte estudado permitir uma comunicação eficiente entre seus nós, São Paulo facilita essa coesão.

No território do mundo material, os dois maiores polos de produção de cinema comercial do Brasil são Rio de Janeiro e São Paulo. Mas o cinema de bordas opera às margens da indústria, e a facilidade que as novas tecnologias de produção e distribuição audiovisual trouxeram fazem novos produtores surgirem em todos os lugares. O Espírito Santo, com uma população menos de 10% da população de São Paulo, é que ajuda a manter a coesão do

110 grupo. Vale lembrar duas informações: primeiro, é São Paulo que sedia a mostra, e segundo,

Bernadette Lyra, responsável por articular a mostra com o Instituto Itaú Cultural, é capixaba.

Os próximos gráficos também apresentam formato de rede. Com eles, podemos visualizar as ligações entre bordeiros e filmes e entre bordeiros e bordeiros. Eles seguem uma notação cromática que representa o caráter dos nós e das ligações.

Cada círculo é um nó na rede. Os filmes aparecem em verde, os bordeiros aparecem em amarelo, sendo que os diretores tem contorno vermelho.

Cada linha é uma ligação na rede. As linhas em verde claro denominam uma ligação de um bordeiro com um filme. As linhas em verde escuro, a ligação de um diretor com o filme dirigido, e aparecem pontilhadas quando o diretor também atuou. As setas em vermelho, um diretor que dirigiu um ator, e aparecem pontilhadas quando o diretor também atuou com o outro bordeiro. As linhas em amarelo, quando dois bordeiros atuaram juntos.

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Gráfico 9: Redes de troca, incluindo bordeiros e filmes.

Podemos ver, no gráfico acima, que apesar do pequeno recorte, a rede em estudo é densamente conectada. Shirky (2012b, pos. 2774-2782) conta sobre um padrão de rede descrito em 1998 por Duncan Watts e Steve Strogatz chamado de redes de mundo pequeno. Essas redes que têm duas características que, quando devidamente equilibradas, permitem a circulação eficiente de mensagens. A primeira é que grupos pequenos são densamente conectados, e a segunda é que nessas redes os grupos grandes são esparsamente conectados.

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Figura 23: Exemplo de rede de mundo pequeno. Fonte: SHIRKY, 2012b, pos. 2817

Como podemos ver nos gráficos acima, as redes de produção do cinema de bordas adotam ambas as estratégias. Os pequenos grupos densamente conectados correspondem aos bordeiros de uma mesma produtora ou grupo de produção. As conexões esparsas são vistas através de figuras-chave, que conectam esses pequenos grupos a outros pequenos grupos. Para Shirky,

Um punhado de pessoas é extremamente decisivo para manter toda a rede, porque, à medida que ela cresce, a existência de um pequeno número de indivíduos extremamente conectados permite o próprio equilíbrio entre conectividade e eficácia que faz o padrão de Mundo Pequeno funcionar. (SHIRKY, 2012b, pos. 2799-2801)

Grupos não tem como se conectar sozinhos, é preciso que pessoas se conectem.

São esses nós que funcionam como figuras-chave. Shirky (2012b, pos. 2804-2806) cita o livro de Malcolm Gladwell, O ponto da virada, onde o autor chama essas pessoas de conectores, figuras que funcionam como embaixadores, criando vínculos entre populações diversas em redes mais amplas. Como exemplo, podemos citar a participação de Joel Caetano ou Felipe

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Guerra, nós que concentram o maior número de conexões. Para ilustrar, o gráfico abaixo

(Gráfico 10) exclui ambos os conectores.

Gráfico 10: Redes de troca, incluindo bordeiros e filmes, com excessão de Joel Caetano e Felipe Guerra.

Como podemos notar no gráfico acima, dois pequenos grupos ficam órfãos de conexões sem a presença dos dois bordeiros. Apesar da ausência dos conectores, a rede ainda mantem alguma coesão, devido à presença de pessoas ligadas às suas sub-redes, no caso, suas produtoras. Para deixar ainda mais evidente, o próximo gráfico (Gráfico 11) exclui por completo todos os nós relacionados à RZP Filmes e à Necrófilos Produções Artísticas. 114

Gráfico 11: Redes de troca, incluindo bordeiros e filmes, com excessão de RZP Filmes e Necrófilos Produções Artísticas.

Como podemos ver, agora, quatro pequenos grupos ficam órfãos de conexões. A coesão do grupo é altamente dependente dos conectores e suas sub-redes (produtoras).

Para Shirky “quanto maior é a rede, mais os indivíduos muito relacionados são importantes para manter toda a estrutura” (SHIRKY, 2012b, pos. 2845-2849).

115

3.4 EMANCIPANDO

Conforme vimos durante o trabalho, as pessoas relacionadas ao universo do cinema de bordas se articularam, formando redes de redes, que interligam a academia, os bordeiros, espectadores e espaços de divulgação, criando uma territorialidade própria. Essas redes se estabelecem e se reconfiguram, e partes dela adotam estratégias para a produção de novos filmes. Dentro de um recorte estabelecido, foram elaborados gráficos para entender as dinâmicas dessas redes.

No cinema periférico de bordas, como já foi dito, muitas vezes os filmes produzidos ficam exilados em seus locais de produção devido às dificuldades de divulgação encontradas. Mesmo com as facilidades de tornar um filme público na internet, exige empenho angariar pessoas interessadas em assisti-los.

O que se torna evidente após analisar as estratégias em rede é que elas podem facilitar a circulação desses filmes. As redes aqui estudadas são configuradas no que foi chamado de redes de mundo pequeno, onde pequenas redes se formam no âmbito de uma rede maior, permite, de acordo com Shirky (2012b, pos. 3819-3820) “que alguns indivíduos muito conectados fornecem a cola social que liga milhares”.

Apesar do manifesto prazer em se conectar com pessoas com gostos similares, essas redes se articulam, também, para desfrutar da divulgação decorrente dessas trocas.

No que concerne o convite de um bordeiro a outros para participação em seu filme, todos desfrutam não somente da convivência social, mas também expandem suas comunicações, alcançando cada sub-rede envolvida, com possibilidades de expansão para o resto da rede.

Além disso, membros da rede com conhecimentos especializados são convidados para ajudar em aspectos da produção que dominam. Joel Caetano, além de atuar em A noite 116 do Chupacabras, de Rodrigo Aragão, foi também assistente de direção, e pode contribuir com sua experiência em trabalhar no ramo de vídeo e cinema desde 2005, como editor, assistente de direção e roteirista para vídeos institucionais e publicidade.

Retomando a metáfora biológica das redes vivas, exposta no segundo capítulo, podemos entender essas relações como simbióticas, onde organismos diferentes são beneficiados por uma associação. Os bordeiros, ao interagirem em novas obras, acabam por estabelecer uma relação de mutualismo que ajuda seja na dispersão de suas obras, abrindo caminhos para a conquista de novos espaços de divulgação, seja aprimorando a qualidade técnica de seus filmes.

A mostra que acontece no Instituto Itaú Cultural age não somente na divulgação das obras, mas também é o ambiente propício para uma grande expansão das redes envolvidas. Mas os esforços em rede não produzem somente novos filmes. Novos espaços de exibição também surgiram, como o evento já citado Guaru Fantástico, organizado pelo bordeiro Rubens Mello, que contou com a presença de diversos realizadores das bordas.

Outro exemplo é a mostra Cine Terror na Praia, que acontece na cidade de Guarapari,

Espírito Santo, sede da produtora Fábulas Negras, do bordeiro Rodrigo Aragão. Kika Oliveira, sócia de Aragão, descreve o evento:

[...] é mais que um evento cultural, somos, a primeira Mostra Capixaba de Cinema Fantástico. [...] Estamos empolgados com a oportunidade de a população local conhecer, discutir e projetar filmes que, por questões mercadológicas não têm acesso ao circuito comercial, porém, movimentam o setor em aberto crescimento: a cultura universal do cinema. (OLIVEIRA, 2012).

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Não só a temática e a abordagem evidenciam a influência da Mostra Itaú Cultural

Cinema de Bordas. No evento Cine Terror na Praia: Parte 4, que aconteceu em novembro de

2012, dez dos dezoito filmes exibidos também estiveram presentes na mostra estudada.

Figura 24: Programação do Cine Terror na Praia: Parte 4. Fonte: OLIVEIRA, 2012

Mesmo que a academia perca o interesse por estudar o cinema de bordas, atualmente, as estratégias em rede permitem a manutenção da coesão do grupo.

Vale lembrar que, embora as redes de produção do cinema periférico de bordas tenham criado raízes na academia, essa relação não foi nem é sempre tranquila. Muitos realizadores não acatam o termo, mas fazem uso da ancoragem para proveito próprio, tanto para divulgação de suas obras em espaços e meios antes inacessíveis, que pode facilitar o acesso ao mercado profissional, quanto pela possibilidade de permanência de seus filmes.

Nesse caso, embora esses realizadores tivessem a possibilidade de exibição em outras

118 mostras e espaços, a diferença para a Mostra Itaú Cultural Cinema de Bordas é a possibilidade de institucionalização que a fortuna crítica acadêmica consegue concedê-los.

Também é importante lembrar que o esforço inicial da academia foi justamente dar visibilidade a realizadores isolados, utilizando também de estratégias em rede para tal finalidade. Esse esforço de pesquisadores em descobrir e divulgar filmes e realizadores remotos foi e continua sendo de muita importância para a expansão da territorialidade das bordas.

As redes de produção também exibem essa capacidade, como no caso do Cine

Terror na Praia, que divulga diversos realizadores capixabas, alguns não exibidos no Instituo

Itaú Cultural. Mas existe uma possibilidade de acomodação das redes já estabelecidas, sendo importante a interação com a academia para tornar evidente novos casos remotos e adicioná-los à rede.

Também é importante notar que não existem indícios de um esgotamento dessas interações. Diversos novos filmes estão sendo produzidos e lançados. Um exemplo é o filme O estripador da rua Augusta, co-dirigido por dois bordeiros com presença na mostra,

Felipe Guerra e Geisla Fernandes.

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Figura 25: Cena do trailer do filme O estripador da rua Augusta. Fonte: YouTube

Um exemplo peculiar é o filme Enigmas do além. A direção do filme fica a cargo de Igor Simões Alonso, que já exibiu na Mostra seus filmes Cyberdoom e Black Power Jones, e o roteiro foi escrito por Lúcio Reis Piedade, um dos pesquisadores do grupo das bordas.

Juntos, Alonso e Piedade produziram também outro filme, ainda não lançado, com a presença do bordeiro Renato Dib como ator.

Figura 26: Cena do trailer do filme Enigmas do além. Fonte: YouTube

A produção das bordas acontece pautada em sociabilidades locais, mas através do enlace entre bordeiros está expandindo suas operações a novos territórios e aumentando sua visibilidade. Os filmes desse universo, antes ignorados pela historiografia oficial, ajudados por um esforço de um grupo de pesquisadores, se fizeram notar e ganharam novos espaços de divulgação. O canal Arte 1, operado pelo Grupo Bandeirantes de Comunicação,

120 exibiu em março de 2013 um episódio de seu programa No cinema chamado Histórias regionais, dedicado ao tema35. Já o Canal Brasil, operado pelo grupo Globosat, exibiu entre setembro e outubro de 2013 uma série chamada Cinema de Bordas36. Além disso, diversos jornais, revistas e sites tem dedicado atenção aos filmes e aos bordeiros.

Com a expansão das redes das bordas, seus participantes e seus filmes estão em constante movimento, e apesar de operarem em paralelo ao mainstream, suas territorialidades ocasionalmente se cruzam. A ideia inicial de um grupo de pesquisadores em dar visibilidade a filmes obscuros e isolados obteve um êxito que ainda está em curso, e só é possível devido à mistura entre academia, bordeiros e diferentes espaços atuando juntos.

35 Mais informações em http://arte1.band.uol.com.br/historias-regionais/ 36 Mais informações em http://canalbrasil.globo.com/programas/cinema-de- bordas/materias/cinema-de-bordas-estreia-nesta-quarta-as-23h30.html 121

CONCLUSÃO

A articulação de pesquisadores com interesse em estudar um tipo de filmes não abordados pela historiografia oficial do cinema brasileiro fez surgir o termo cinema de bordas. O prestígio acadêmico desses pesquisadores ajudou na disseminação do termo, e conforme seus estudos prosseguiam e se levantavam novas obras, o próprio conceito ganhou uma trajetória própria.

De uma concepção inicial de marginalidade e exclusão até uma compreensão de alteridade e paralelismo, em filmes ligados ao regime trivial do lazer, os estudos se guiaram para um tipo de cinema feitos com baixíssimo orçamento, fora do sistema oficial de produção, fundamentado nos gêneros cinematográficos e que reprocessam um imaginário midiático. Também, houve um deslocamento nas pesquisas de um estrato mais ligado a filmes do mainstream para filmes periféricos, carregados de particularidades locais misturadas com imagens já vistas na cultura pop. Essa mistura de traços locais e globais, porém, não é homogeneizante, sendo possível distinguir esses aspectos em cada obra. Esses filmes, muitas vezes, por dificuldades de exibição, ficavam relegados a uma exibição nos locais onde eram criados.

Com a articulação da Mostra Itaú Cultural Cinema de Bordas para a exibição dos filmes estudados, o termo se consolida também fora da academia e cria um importante espaço de interação entre produtores e espectadores. O universo informacional estético baseado no consumo de produtos midiáticos compartilhado pelas bordas acaba por facilitar a criação de uma comunidade emocional, onde pequenos grupos se articulam e estruturam redes. O comportamento dessas redes pode ser entendido como vivas e funcionais, que se

122 reconfiguram, onde as realidades locais são compartilhadas, criando um conhecimento próprio delas. Na necessidade constante de se atualizarem as identidades, agora com um sentimento de pertencimento às redes, novas obras surgem, juntando integrantes de grupos distintos. Esse comportamento realimentou a academia com novas informações, e influenciou o próprio entendimento sobre o cinema de bordas.

Ao se juntarem, os bordeiros não têm intenções de homogeneizar ou conformar suas realidades locais e sotaques, devido à importância do jogo de identificação de figuras recorrentes em filmes apresentados em espaços de exibição.

Através de um recorte de obras participantes das mostras do Instituto Itaú

Cultural, foi evidenciado que as redes de produção do cinema periférico de bordas configuram uma territorialidade em constante modificação, que ultrapassa as definições do território e geografia do mundo material.

Com a esquematização de gráficos reunindo informações sobre as redes sociais de produção abordadas pelo recorte, foi possível entender algumas dinâmicas das territorialidades e as estratégias de operação das redes configuradas. Comparando com o modelo de redes de mundo pequeno, onde sub-redes densamente conectadas foram grandes redes com conexões mais esparsas, foi possível entender a importância de nós conectores que concentram grandes fluxos de trocas, como por exemplo a importância do estado de São Paulo e de alguns bordeiros essenciais para a coesão do recorte estudado, como Joel Caetano.

Foi possível também enxergar como as redes operam estratégias de difusão e divulgação, e como a interação com nós com várias conexões ajuda a abrir e consolidar novos espaços de exibição para grupos isolados.

123

Novamente, foi exposta a importância da Mostra Itaú Cultural Cinema de Bordas e da atuação da academia para a expansão da territorialidade das bordas, mas também como a criação de novas mostras de nicho surgidas das interações nas redes pode mantê-la coesa, independente da mostra do Instituto Itaú Cultural. Foram mostrados também exemplo de novos filmes produzidos, evidenciando a continuidade das trocas, que não mostram sinais de esgotamento.

Apesar da pequena dimensão do recorte em evidência, pode-se notar que os nós efetuam densas e numerosas ligações. Vale lembrar que as redes de produção do cinema de bordas são bem mais amplas, incluindo diversos outros bordeiros, filmes, mostras e festivais, além da academia e de outros espaços, que configuram uma rede grande e em constante reconfiguração e expansão.

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BIBLIOGRAFIA

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PROGRAMAS DE TELEVISÃO

Metrópolis – TV Cultura, 22 de abril de 2011 Trash! – Canal Brasil, 28 de agosto de 2012 Trash! – Canal Brasil, 04 de setembro de 2012 Trash! – Canal Brasil, 11 de setembro de 2012 Trash! – Canal Brasil, 18 de setembro de 2012 Trash! – Canal Brasil, 25 de setembro de 2012

WEBGRAFIA – FILMES

Afrodite http://www.youtube.com/watch?v=_mHIiAMEHsA

A noite do Chupacabras (trailer) http://www.youtube.com/watch?v=Kl37i38SVMY

DR http://www.youtube.com/watch?v=bcRjwQ2LfYo

Enigmas do além (trailer) http://www.youtube.com/watch?v=uKNPoY6vy1U

Estranha http://www.youtube.com/watch?v=4s1C4IejbOw

Gato http://www.youtube.com/watch?v=Ur2TrMmF7aI

Jerônimo, o herói do sertão (trecho) http://www.youtube.com/watch?v=nKq--4srkP8

O estripador da rua Augusta (trailer) http://www.youtube.com/watch?v=X4dk75WFMsA

O rico pobre (trecho) http://www.youtube.com/watch?v=ICD4oj77ANg 130

O tormento de Mathias (trecho) http://www.youtube.com/watch?v=IFo4-_01rys

Patrícia Gennice http://www.youtube.com/watch?v=y8OL6t38Qqw

Rambú III: O rapto do jaraqui dourado http://www.youtube.com/watch?v=NFMVDs8wJWI

Um Vinchester para três tumbas (trecho) http://www.youtube.com/watch?v=KgEeR8UOsFE

131

ANEXOS

ANEXO 1 – Programação II Mostra de Produção Independente - Transborda

II Mostra de Produção Independente - Transborda Programa e lista de selecionados

Retirado de http://www.taru.art.br/selecionadostransborda.html

TERÇA-FEIRA 19h: Lançamento dos livros Cinema de bordas, de Bernadette Lyra e Gelson Santana, e Roteiro para as novas mídias, de Vicente Gosciola 21h: Lançamento do filme O homem sem lei, de Seu Manoelzinho

QUARTA-FEIRA 8h: Oficinas Os filmes de borda e o espaço do trivial no cinema, com Bernadette Lyra, Rogério Ferraraz e Vicente Gosciola, e Fazendo filme com Seu Manoelzinho, no Centro de Artes da Ufes 19h: Debate Os filmes de bordas, no auditório do IC IV, Ufes 21h: Mostra competitiva capixaba e mostra de vídeos convidados, no Cine Metrópolis

QUINTA-FEIRA 8h: Oficinas Os filmes de borda e o espaço do trivial no cinema, com Bernadette Lyra, Rogério Ferraraz e Vicente Gosciola, e Fazendo filme com Seu Manoelzinho, no Centro de Artes da Ufes 19h: Debate A estética do cinema de borda capixaba, com a participação de seu Manoelzinho e realizadores locais, no Auditório do IC II, Ufes 21h: Mostra competitiva capixaba e mostra de vídeos convidados, no Cine Metrópolis, Ufes

SEXTA-FEIRA 8h: Oficina Fazendo Filme com Seu Manoelzinho, no Centro de Artes, Ufes 19h: Debate Produção e difusão do cinema na borda, com Saskia Sá (ABD C/ES), Claudino de Jesus (Conselho Nacional de Cineclubes), Alexandre Curtiss (Grav), Fabricio Noronha (Cine Falcatrua) e Rosana Paste (secretária de Produção e Difusão Cultural da Ufes), no Auditório do IC II, Ufes 21h: Mostra competitiva capixaba e mostra de vídeos convidados, no Cine Metrópolis, Ufes

SÁBADO 8h: Oficina Fazendo Filme com Seu Manoelzinho, no Centro de Artes, Ufes 17h: Esbarrão – Encontro entre Realizadores da Mostra, no Auditório do Projeto Conexões, Centro de Vivência 21h: Premiação, no Cine Metrópolis

FILMES E REALIZADORES 1 - Rodrigo, Gustavo e Marcelo - Vítor Lopes 2 – Xiclet demais faz mal à saúde - Veruska Almeida 3 - Sem Medo do Escuro - Thiago Moulin/ Guilherme Valentim 4 – Todavia, contudo, entretanto, embora - Veruska Almeida 5 - Tô - Felipe Mattar, Lucas Falcão 6 - Transversal - Paulo Gois, Priscilla Thompson e Vitor Graize

132

7 - Sal Grosso - Ana Cristina Murta, André Amparo 8 - Zé Cornélio - Thiago Moulin 9 - Brilhantino - Ériton Berçaco 10 - Acho que é isso - Anderson Moreira, Carlos Calenti, Kênia Freitas, Luisa Torre, Maria Ines Dieuzeide 11 - Seu Bené - Felipe Campo Dall´orto 12 - Caso Araceli: A cobertura da imprensa - Tatiana Beling, Diego Herzog 13 - Quer Gravar, só com requisição - Yuri Iglézias Viana 14 - Quem sabe - Daniel Abreu, Ébano Pimentel 15 - Classe Média Urbana Brasileira - Gustavo Moraes 16 - Salon de la Paix - Bob Redins 17 – PS - Pecados Castigados - Jefinho Pinheiro 18 - Contos de Veríssimo - Yuri Iglézias Viana 19 - Short Becket - Anderson Café 20 – Concurso de dança - Yuri Iglézias Viana 21 - Observador - Alexandre Serafini 22 - Grinalda - Erly Vieira Jr 23 – O eterno conflito entre pais e filhos - Interrogações filmes e Tubarão em Chamas 24 - Chupa Cabras - Rodrigo Aragão 25 – Em busca da Glamourância II - Bob Redins 26 - O filho da pauta - Hectoplasma Filmes 27 - Procurando Juarez - Felipe Mattar, Lucas Falcão 28 - O gordo Jack - Fernando Rosetti 29 - O beijo de Amanda - William Sossai 30 - Só mais cinco minutinhos - Letícia Orlandi, Luana Laux, Marianna Aguiar, Raquel Machado

133

ANEXO 2 – Programação da II Mostra Universitária Nas Bordas do Cinema Brasileiro

II MOSTRA UNIVERSITÁRIA “NAS BORDAS DO CINEMA BRASILEIRO”

PUC/MG - Campus Coração Eucarístico - auditório II do Prédio 5 (Prédio da Faculdade Mineira de Direito).

Quinta-feira – 19h às 22h, dia 19 de novembro de 2009 ABERTURA 1. Apresentação “O Cinema Periférico de Bordas no Brasil” GP. Formas e imagens na comunicação contemporânea: Profa. Dra. Bernadette Lyra Prof. Dr. Gelson Santana Prof. Dr. Rogério Ferraraz

2. Programa 1: total 54 min. 1) Horror capiau (2007), de Dimitri Kozma – 9 min. São Paulo (SP). Sinopse: Um exercício de improvisação sobre os temas do horror e do caipira. Ficha técnica: Elenco: Rubens Mello (Cego), Raphael Borghi (Capiau), Geisla Fernandes (Vítima 1), Caio Marins (Vítima 2), Renato Siqueira (Vítima 3), Lenny Dark (Vítima 4). Fotografia, câmera, efeitos sonoros e edição: Dimitri Kozma. Efeitos especiais: Rubens Mello. Roteiro: Rubens Mello, Raphael Borghi, Geisla Fernandes, Dimitri Kozma.

2)A dama da lagoa (1997), de Francisco Caldas de Abreu Jr. – 20 min. Pedralva (MG). Sinopse: Uma história envolvendo crime e vingança sobrenatural em uma pequena cidade do interior mineiro que tem como cenário uma lagoa. Ficha técnica: Elenco: Francisco Caldas de Abreu Jr., Marcos Batista, Reginaldo de Castro e Silva, Mônica da Rosa Bustamonte, Francisco Caldas de Abreu. Roteiro: Francisco Caldas de Abreu Jr. 3)

3) Minha esposa é um zumbi (2006), de Joel Caetano - 25 min. São Paulo (SP). Sinopse: Tonho vive problemas conjugais por causa de seu mau desempenho com a esposa. A coisa fica pior quando ela acidentalmente se transforma num Zumbi. Agora Tonho tem que lutar contra o tempo para conseguir o antídoto, se livrar dos amigos curiosos e resolver essa baita confusão. Ficha técnica: Produtora: Recurso Zero Produções, Elenco: Joel Caetano, Mariana Zani, Danilo Baia, Ivete Zani, Luis Carlos Batista, Adriana Raposo, Henrique Zani.

3) Debates

Sexta-feira, dia 20 de novembro de 2009 19h às 22h

Programa 2: total 173 min. 1) O rico pobre (2002), de Manoel Loreno (Seu Manoelzinho) – 56 min. Mantenópolis (ES). Sinopse: Um homem do interior vê sua vida se transformar quando ganha 10 milhões de reais na loteria. Decidido a mudar de vida ele coloca fogo em todos os seus pertences, inclusive no próprio bilhete premiado, que estava no bolso do casaco. Ficha técnica: Produção: Loreno. Elenco: Seu Manoelzinho, Antônio Luiz de Oliveira, Alcendino Joaquim, Divino Martins, João Grilo, Vanirin, Flaviane. Roteiro: Manoel Loreno (Seu Manoelzinho). 2) Rambú III, o rapto do Jaraqui Dourado (2007), de Manoel Freitas, Junior Castro & Adilamar Halley, Manaus/AM, 32 min. 134

Um grupo comandado por Pablo Papapó rouba o Jaraqui Dourado, mas não sabe como usá-lo. O Pajé, guardião do amuleto sagrado, convoca Jhon Rambú para recuperá-lo. Em suas peripécias para reaver o amuleto, Rambú é seqüestrado por um bando de drag queens, comandada por Put Laine e Put Lene, que também querem conhecer o segredo do Jaraqui Dourado. Rambú passa por uma série de peripécias para recuperar o amuleto que, se for usado para fazer o mal, poderá significar o fim do planeta.

3) A capital dos mortos (2008), de Tiago Belotti – 85 min. Brasília (DF). Sinopse: Um grupo de amigos luta desesperadamente pela sobrevivência, ao constatar que Brasília, a Capital Federal, foi invadida por Zumbis. Ficha técnica: Elenco: Yan Klier (Crístofer), Pablo Peixoto (André), Gustavo Serrate (Lucas), Laura Moreira (Pâmela), Jean Carlo (Tio), Luísa Viotti (Ângela), Angélica Ribeiro (Tatiana), Gino Evangelisti (Padre Dom bosco), Alice Stamato (Namorada A), Yana Borém (Namorada B), George Duarte (Profeta), Diana Carneiro (Âncora), Juliana Gregoratto (Repórter), Lucas Pimenta (Funcionário público), Irani Martins (Mãe do Jôsefer), Luis Machado (Médico). Edição: Fábio Rafael, Tiago Belotti. Efeitos especiais: Fábio Rafael. Efeitos técnicos: Tiago Belotti, Rodrigo Luiz Martins.

135

ANEXO 3 – Programação da I Mostra Itaú Cultural Cinema de Bordas – Abril de 2009

QUARTA 22

20h Debate com os curadores Bernadette Lyra e Gelson Santana, seguido de exibição de filmes Horror Capiau, de Dimitri Kozmam A Dama da Lagoa, de Francisco Caldas de Abreu Jr

QUINTA 23

17h Insector Sun: O Guardião da Terra/A Hora da Verdade, de Chris Lee Cocô Preto, de Marcos Bertoni Era dos Mortos, de Rodrigo Brandão

20h O Assassinato da Mulher Mental, de Joel Caetano A Capital dos Mortos, de Tiago Belotti

SEXTA 24

17h Aventuras de um Caçador, de José Manoel O Rico Pobre, de Manoel Loreno (Seu Manoelzinho)

20h O Soco Silencioso, de Lucas Moreira Rambú IV: O Clone, de Júnior Castro

SÁBADO 25

17h Desaparecidos, de Antonio Marcos Ferreira Zombio, de Petter Baiestorf

20h A Valize Foi Trocada, de Simião Martiniano

DOMINGO 26

17h O Farol, de Francisco Caldas de Abreu Jr Patrícia Gennice, de Felipe M. Guerra

20h Mangue Negro, de Rodrigo Aragão

136

ANEXO 4 – Programação da II Mostra Itaú Cultural Cinema de Bordas – Abril de 2010

QUARTA 21

16h Gato, de Joel Caetano (SP) A Bruxa do Cemitério 2, de Semi Salomão (PR)

18h Bate-papo com o diretor Rodrigo Aragão e a pesquisadora Laura Cánepa

18h30 Chupa-Cabras, de Rodrigo Aragão (ES) Morgue Story – Sangue, Baiacu e Quadrinhos, de Paulo Biscaia Filho (PR)

QUINTA 22

18h Doutor Ekard, de Marcos Bertoni (SP) Coronel Cabelinho vs. Grajaú Soldiaz, de Pepa Filmes (RJ)

20h Bate-papo com a diretora Liz Marins e a pesquisadora Laura Cánepa

20h30 Aparências, de Liz Marins (SP) Entrei em Pânico ao Saber o que Vocês Fizeram na Sexta-Feira 13 do Verão Passado, de Felipe M. Guerra (RS)

SEXTA 23

18h O Massacre da Espada Elétrica, de Gerson Castilho, Lucio Gaigher, Merielli Campi e Rodolfo Arrivabene (ES) O Show Variado, de Simião Martiniano (PE) Cyberdoom, de Igor Simões Alonso (SP)

20h bate-papo com o diretor Joel Caetano e a pesquisadora Laura Cánepa

20h30 Gato, de Joel Caetano (SP) A Bruxa do Cemitério 2, de Semi Salomão (PR)

SÁBADO 24

16h Chupa-Cabras, de Rodrigo Aragão (ES) Morgue Story – Sangue, Baiacu e Quadrinhos, de Paulo Biscaia Filho (PR)

137

18h Doutor Ekard, de Marcos Bertoni (SP) Coronel Cabelinho vs. Grajaú Soldiaz, de Pepa Filmes (RJ)

DOMINGO 25

16h Aparências, de Liz Marins (SP) Entrei em Pânico ao Saber o que Vocês Fizeram na Sexta-Feira 13 do Verão Passado, de Felipe M. Guerra (RS)

18h O Massacre da Espada Elétrica, de Gerson Castilho, Lucio Gaigher, Merielli Campi e Rodolfo Arrivabene (ES) O Show Variado, de Simião Martiniano (PE) Cyberdoom, de Igor Simões Alonso (SP)

138

ANEXO 5 – Programação da III Mostra Itaú Cultural Cinema de Bordas – Abril de 2011

QUARTA 20

18h Museu de Cera, de Pedro Daldegan Roquí – o Boxeador da Amazônia, de Renato Dib A Ida de Quem Não Foi, de Jussan Silva e Silva Os Clubbers Também Comem, de Lufe Steffen O Sacrifício – Noite Maldita do Vinil 2007, de Rubens Mello

20h O Galo da Madrugada, de Sandra Ribeiro A Gripe do Frango, de Manoel Loreno (Seu Manoelzinho)

Debate com Seu Manoelzinho, mediado pela curadora Bernadette Lyra

QUINTA 21

18h BBZ, de Filipe Ferreira A Novilha Rebelde (The Sound of Mu), de Elisa Queiroz e Erly Vieira Jr. Adventure Island, de Bruno Garcia

20h Extrema-Unção, de Felipe Guerra O Doce Avanço da Faca, de Petter Baiestorf

Bate-papo com os diretores Petter Baiestorf e Felipe Guerra, mediado por Lúcio Reis

SEXTA 22

18h O Lobisomem da Pedra Branca, de José Denísio Pereira A Maleta, de Rodrigo Brandão O Tormento de Mathias, de Sandro Debiazzi

20h Museu de Cera, de Pedro Daldegan Roquí – o Boxeador da Amazônia, de Renato Dib A Ida de Quem Não Foi, de Jussan Silva e Silva Os Clubbers Também Comem, de Lufe Steffen O Sacrifício – Noite Maldita do Vinil 2007, de Rubens Mello

Bate-papo com o diretor Pedro Daldegan, mediado pela curadora Laura Cánepa

SÁBADO 23

16h O Galo da Madrugada, de Sandra Ribeiro A Gripe do Frango, de Manoel Loreno (Seu Manoelzinho) 139

18h BBZ, de Filipe Ferreira A Novilha Rebelde (The Sound of Mu), de Elisa Queiroz e Erly Vieira Jr. Adventure Island, de Bruno Garcia

DOMINGO 24

16h Extrema-Unção, de Felipe Guerra O Doce Avanço da Faca, de Petter Baiestorf

18h O Lobisomem da Pedra Branca, de José Denísio Pereira A Maleta, de Rodrigo Brandão O Tormento de Mathias, de Sandro Debiazzi

140

ANEXO 6 – Programação da IV Mostra Itaú Cultural Cinema de Bordas – Agosto de 2012

QUARTA 1

20h Conversa com os curadores Bernadette Lyra, Gelson Santana e Laura Cánepa e exibição de uma seleção especial de filmes Onde Está Meu Rim?, de Renato Dib [indicado para maiores de 14 anos]

Roqui Son Contra O Extermínio Ambiental, de Renato Dib [indicado para maiores de 14 anos]

DR, de Felipe Guerra e Joel Caetano Vermibus, de Rubens Mello [indicado para maiores de 14 anos]

QUINTA 2

18h Morte e Morte de Johnny Zombie, de Gabriel Carneiro [indicado para maiores de 12 anos]

Entrega Especial, de Rodrigo Brandão [indicado para maiores de 14 anos]

Fatman & Robada, de Rogério Baldino [indicado para maiores de 14 anos]

Brasil, Um País de 5%, de Nerivaldo Ferreira e Johel Alvez Bright [indicado para todas as idades]

20h Hipnose Para Leigos, de Chico Lacerda [indicado para maiores de 14 anos]

Como Irritar Dandies do Hardcore, de Gurcius Gewdner [indicado para maiores de 16 anos]

Mais Denso Que Sangue, de Ian Abé [indicado para maiores de 14 anos]

Jerônimo, O Herói do Sertão, de David Rangel [indicado para maiores de 16 anos]

Bate-papo com David Rangel, um dos precursores da realização dos filmes de bordas no Brasil. A conversa será mediada por Rogério Ferraraz, pesquisador e coordenador do mestrado em comunicação da Universidade Anhembi Morumbi.

141

SEXTA 3

18h Antes/Depois, de Christian Caselli [indicado para maiores de 16 anos]

Bastar, de Gustavo Serrate [indicado para maiores de 14 anos]

Black Power Jones, de Igor Simões Alonso [indicado para maiores de 14 anos]

O Cabrabode, de Milton Santos [indicado para maiores de 16 anos]

20h Necrochorume, de Geisla Fernandes [indicado para maiores de 16 anos]

Lua Perversa 2, de André Bozzetto Jr. [indicado para maiores de 14 anos]

A Lenda da Lagoa Vermelha II − A Vingança, de Eutímio Carvalho [indicado para maiores de 16 anos]

A Maudição da Casa de Vanirim, de Manoel Loreno (Seu Manoelzinho) [indicado para maiores de 14 anos]

Bate-papo entre os curadores e realizadores presentes.

SÁBADO 4

18h A Lenda da Lagoa Vermelha II − A Vingança, de Eutímio Carvalho [indicado para maiores de 16 anos]

Uma Vinchester Para Três Tumbas, de Arlindo Filho [indicado para maiores de 14 anos]

20h Lua Perversa 2, de André Bozzetto [indicado para maiores de 14 anos]

Flor de Abril, de Cícero Filho [indicado para maiores de 16 anos]

DOMINGO 5

16h Jerônimo, O Herói do Sertão, de David Rangel [indicado para maiores de 16 anos]

142

A Maudição da Casa de Vanirim, de Manoel Loreno (Seu Manoelzinho) [indicado para maiores de 14 anos]

Black Power Jones, de Igor Simões Alonso [indicado para maiores de 14 anos]

DR, de Felipe Guerra e Joel Caetano [indicado para maiores de 16 anos]

Bate-papo entre os curadores e realizadores presentes.

18h Vermibus, de Rubens Mello [indicado para maiores de 16 anos]

A Noite dos Chupacabras, de Rodrigo Aragão [indicado para maiores de 16 anos]

Oficina Produzindo com Recurso Zero quinta 2 a sábado 4 - 14h às 18h Roteiro, pré-produção, captação de imagens e finalização. Todas as etapas de realização de um filme serão abordadas nesta oficina tendo como referência o trabalho feito pela produtora paulista de filmes Recursos Zero Produções. Criada há 11 anos pelos cineastas Joel Caetano, Mariana Zani e Danilo Baia, a Recurso Zero já realizou 13 curtas-metragens. Alguns deles, a exemplo de Minha Esposa É um Zumbi (2006), Junho Sangrento (2007) e Gato (2009), receberam prêmios importantes, como o de Melhor Filme pelo Júri Popular do Cinefantasy.

A idéia do curso é passar parte dessa experiência aos participantes de forma teórica e principalmente prática, estimulando a criatividade dos alunos e mostrando que podemos produzir bons filmes com poucos recursos, apenas com o que temos nas mãos.

Como meta, os alunos devem concluir o curso com pelo menos um curta produzido pela turma.

15 vagas [inscrições para a oficina até 25 de julho pelo telefone 11 2168 1779] Sala Itaú Cultural (247 lugares) [indicado para maiores de 18 anos]

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ANEXO 7 – Programação da V Mostra Itaú Cultural Cinema de Bordas – Agosto de 2013

QUINTA 20

18h programa 1 Tropa Zumbite – A Dengue Zumbi, de Michel Anthony Klafke [indicado para maiores de 12 anos]

Contágio, de Rafael Nani [indicado para maiores de 14 anos]

Lambari, de Márcio Soares [livre para todos os públicos]

Capitão Márvel 2 – A Maldição de Adão Negro, de Valter N. Santos [indicado para maiores de 10 anos]

Linguinha, the Killer, de Mauricio Junior [indicado para maiores de 10 anos]

20h programa 2 O Beijo na Morte, de Magnum Borini e Renato Batarce [livre para todos os públicos]

Nervo Craniano Zero, de Paulo Biscaia Filho [indicado para maiores de 14 anos]

SEXTA 21

18h programa 3 Tropa Zumbite 2 – Horror no Miguel Couto, de Michel Anthony Klafke [indicado para maiores de 12 anos]

A Coveira das Almas, de Sandro Debiazzi [indicado para maiores de 14 anos]

Kinólatras, de Gustavo Serrate, Rodrigo Huagha e Tiago Belotti [indicado para maiores de 12 anos]

O Ninja do Gueto Contra o Coronel Mané, de Nerivaldo Ferreira e Herondi Souza [indicado para maiores de 10 anos]

20h programa 4 Black Power Jones, de Igor Simões [indicado para maiores de 12 anos]

Desalmados: Um Filme de Humor Negro Romântico, de Geisla Fernandes [indicado para maiores de 14 anos]

Loreno Contra o Espantalho Assassino, de Manoel Loreno [indicado para maiores de 12 anos] 144

SÁBADO 22

16h programa 5 Na Sombra do Colt, de Arlindo Filho [indicado para maiores de 16 anos]

18h programa 6 Tropa Zumbite 3 – Fuga de Copacabana, de Michel Anthony Klafke [indicado para maiores de 12 anos]

Zazá: o Artista, o Mito, de Marc Breton e Alfred Smith (Marcos Bertoni & Alfredo Suppia) [indicado para maiores de 16 anos]

Roquí Son Contra o Extermínio Ambiental, de Renato Dib [exibição em 3D] [indicado para maiores de 14 anos]

20h programa 7 O Sacrifício de Julia Fake, de Gabriel Netto e Luciana Ramin [livre para todos os públicos]

Entrei em Pânico ao Saber o que Vocês Fizeram na Sexta-Feira 13 do Verão Passado – Parte 2, de Felipe M. Guerra [indicado para maiores de 16 anos]

DOMINGO 23

16h programa 8 Tropa Zumbite 4 – A Última Cagada, de Michel Anthony Klafke [indicado para maiores de 12 anos]

Um de Nós Morre Hoje, de Weiller Vilela e Gabriel de Almeida [indicado para maiores de 14 anos]

Dizem Que os Cães Veem Coisas, de Guto Parente [indicado para maiores de 12 anos]

Tatúrula, a História de Lia, de Rubens Mello [indicado para maiores de 18 anos]

A Testemunha, de Milton Santos Jr. [indicado para maiores de 12 anos]

18h programa 9 Encosto, de Joel Caetano [indicado para maiores de 12 anos]

Expresso Terminal, de Tony de Luc [indicado para maiores de 12 anos]

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Zombio 2 – Chimarrão Zombies, de Peter Baiestorff [indicado para maiores de 18 anos]

Oficina Produzindo com Recurso Zero quinta 20 a sábado 22 [20 e 21 de junho, das 14h às 18h, e 22 de junho, das 14h às 20h]

Roteiro, pré-produção, captação de imagens e finalização. Todas as etapas de realização de um filme são abordadas durante os encontros, que têm como referência os trabalhos da produtora paulista Recursos Zero Produções – que, criada em 2001 pelos cineastas Joel Caetano, Mariana Zani e Danilo Baia, já lançou 15 curtas-metragens, alguns deles premiados em festivais como o Cinefantasy e o Montevideo Fantástico.

A ideia do curso é transmitir essa experiência aos participantes de forma teórica e, principalmente, prática – estimulando a criatividade dos alunos e mostrando que podemos fazer bons filmes com poucos recursos.

Como meta, a turma deve produzir pelo menos um curta – que será exibido no encerramento da mostra – ao longo da oficina.

20 vagas [inscrições a partir do dia 6 de junho pelos fones 11 2168 1876 ou 11 2168 1779, de terça a sexta, das 10h às 18h] [indicado para maiores de 18 anos, principalmente iniciantes ou estudantes de cinema e RTV] [serão oferecidos certificados àqueles que tiverem 75% de presença]

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