NOVOS SIGNIFICADOS AOS MANANCIAIS DO EXTREMO SUL DA METRÓPOLE DE : OS DISTRITOS DE PARELHEIROS E

Léia Chrif de Almeida Mestranda em Geografia Humana Universidade de São Paulo [email protected]

A proposta deste trabalho consiste em trazer alguns elementos para a discussão em torno das áreas verdes no extremo sul da região metropolitana de São Paulo1. O principal objetivo é situar o debate para as transformações de paradigmas que a “natureza”- recortada e formada- passou a obter nas políticas urbanas. Este esforço em pontuarmos os momentos dessa transformação, nos permite compreender a reprodução do espaço em um momento em que, o espaço urbano torna-se eixo central nas economias mundiais. Na segunda parte do texto a proposta é compreender o significado dessas mudanças de paradigmas, em resumo, se na primeira parte do texto o objetivo é demonstrar que existe, na segunda parte demonstrar-se os significados destas mudanças no seio das políticas urbanas, especialmente nos planos diretores do Município de São Paulo. Ao retomarmos escritos e pesquisas que dissertaram sobre o modelo, ou melhor, dizendo, a interpretação da urbanização da cidade São Paulo, é possível encontrar consensos na maneira de “ler e interpretar” o espaço. Principalmente no que diz respeito, ao padrão de crescimento, a dinâmica do mercado de terras e a maneira de construções das habitações. Em linhas bem gerais, visto que não é o objetivo deste trabalho, e entendendo sua limitação, não retomaremos com minúcias a urbanização de São Paulo. E sim, alguns “momentos” importantes nos mananciais do extremo sul a partir da década de

1 O extremo sul que nos referimos é a região administrada pela Subprefeitura de Parelheiros; que é composta pelos Distritos de Parelheiros e Marsilac. Com aproximadamente cento e cinquenta mil moradores, e setenta por cento das ocupações irregulares, estão entre os distritos mais pobres do Município de São Paulo.

setenta à década de noventa, por conseguinte, até os anos dois mil, neste caso o marco será o segundo plano diretor de 2014. Um dos fatores determinante para a expansão urbana em direção a zona sul de São Paulo, consiste na construção do distrito industrial de Santo Amaro, que por sua vez ramificava-se até as margens do Rio Jurubatuba ou Rio Grande. Continuação da expansão das atividades industriais, carro chefe naquele momento na Cidade de São Paulo. Esse eixo industrial inicia-se na década de cinquenta, estendendo-se até início da década de oitenta, possível pela então retificação do Rio e Tietê no início do século XX. Posteriormente, essas áreas de várzeas foram integradas as diferentes fases econômicas, como espaços produtivos no seio da metrópole paulistana.2 Antecedente a esse período de expansão industrial, a zona sul guardava características da ruralidade, do isolamento junto ao restante da cidade3. Esse fragmento da metrópole que estamos pesquisando, até meados do século XX não existia nos registros cartográficos na Cidade. Ou seja, os limites urbanos a que se tem registro até a década de sessenta do século XX consistiam no distrito industrial de Santo Amaro, seguido por Socorro e Jurubatuba. A década de cinquenta do século vinte foi um momento bastante importante, pois foi neste período que se implementa a fase das indústrias de base. Os “50 anos em 5” de Jucelino Kubistchek abre uma nova etapa na industrialização brasileira. Como todo o processo de reprodução capitalista traz no bojo a multiplicação das contradições nos países subdesenvolvidos. A industrialização não acontece homogeneamente pelo território, e sim pela fragmentação territorial.

2 Odette Carvalho de Seabra aprofunda o tema em sua tese de doutorado: Os meandros dos rios nos meandros do poder. Tietê e Pinheiros: valorização dos rios e das várzeas na cidade de São Paulo. 3 Importante mencionar que, o contexto desse artigo é demarcar um determinado momento para analisarmos as mudanças em relação as políticas ambientais. Isso não quer dizer que os recônditos da zona sul eram vazios ou desocupados, muito pelo contrário. No bairro do Barragem em Parelheiros, existem hoje duas aldeias indígenas Guaranis, a Tenondé Porã e a Krukutu. Relatos dos indígenas indicam que foi a partir da década de setenta que muitas famílias migraram para estas aldeias, algumas famílias saíram de Peruíbe, litoral sul paulistano, e outras, inclusive, vindas do estado do Paraná. Mas, é de se destacar também que, a presença indígena na zona sul sempre existiu, fato este que explica os diferentes nomes indígenas que se tem respeito: Birapuera. Virapuera, Ibirapuera, Geribativa, Jeribatiba, Santo Amaro de Virapuera, Santo Amaro de Ibirapuera, até que se delimitou de Santo Amaro. Também em relação a ocupação dos recônditos da zona sul, em 1829 por determinação da Coroa, 94 famílias alemãs receberam lotes de terras em um bairro hoje conhecido por Colônia.

Nesse contexto o distrito de Santo Amaro, se constrói como industrial a partir da década de cinquenta,

[...] com as condições propiciadas pelo poder público em suas várias esferas, articulado à empresa Light e com a implementação do Plano de Metas, retificada e drenada a várzea do Rio Pinheiros, Santo Amaro se torna um dos principais assentamentos industriais da cidade de São Paulo, intensificando sua urbanização. (PÁDUA, p.35, 2008)

O distrito de Santo Amaro concentrava grandes empresas metalúrgicas, farmacêuticas, automobilística, químicas, etc., foi considerado entre as décadas de sessenta, setenta e oitenta o maior distrito industrial de São Paulo. Fatores como a construção (1927) da Usina de Parnaíba e Henry Borden em Cubatão para a geração de energia na Cidade, foram determinantes para a construção e instalação dessas industrias. E que para tal feito, foi preciso promover a produção de duas represas4. Juntamente a esses fatores, soma-se a construção da ponte sob o Rio Pinheiros, e as retificações dos canais deste Rio e do Rio Grande (Jurubatuba), juntos, foram de fundamental importância para a constituição desse espaço industrial na zona sul; e a reboque a direcionará o crescimento urbano e a paulatina ampliação da mancha urbana em direção a “zona sul”. É preciso abrir um parênteses e fazermos uma observação importante, referente a denominação “zonal sul” do município de São Paulo. Neste trabalho, falar em “zona sul” mesmo que seja apenas para localização, torna-se bastante nebuloso. Porque essa zona é a maior de São Paulo, e composta por vários bairros com distintas faixas de rendas.5 Portanto, à medida que se desloca dentro da zona sul mais em direção ao sul, ou seja, aos bairros, maior é a composição de bairros cuja renda é extremamente baixa. Assim, a partir da década de setenta, quando Grajaú, Parelheiros e Marsilac, passam a ser o destino da população para (re)existir na cidade, é que denominaremos estes

4 Para a realização da Usina de Henry Borden (nome advindo do Engenheiro idealizador da obra) foi necessário a construção da represa Billings (1925) que por sua vez, precisou-se reverter e represar as águas do Rio Jurubatuba ou Rio Grande. A presença de outra represa na região sul do município de São Paulo, a Guarapiranga, também se deve pela construção da Usina de Parnaíba em 1906, com o barramento das águas do Rio Guarapiranga (conhecido como Rio Embu-Guaçu, afluente do Rio Pinheiros). 5 http://politica.estadao.com.br/noticias/eleicoes,sp-desigual-de-r-600-a-r-5-mil-imp-,799349

espaços não mais como “zona sul” e sim como “extremo sul”, cujo limite são os planaltos cristalinos da Serra do Mar ao sul. Observação feita, retornemos a discussão. Os limites urbanos da zona sul iam até Santo Amaro, embora predominasse uma vida mais próxima da ruralidade a primeira década do século vinte. Por conseguinte, com a implantação do polo industrial de Santo Amaro, o bairro vizinho Capela do Socorro6, torna se porta de entrada para expandir ocupações induzidas pela industrialização. Tínhamos naquele momento dois fatores estruturantes para a reprodução da vida, um referente aos postos de trabalho, e o outro a “disponibilidade de terras” pela presença da zona rural, caracterização que se dava ás áreas mais ao sul, a partir da Capela do Socorro. A década de setenta é marcada pela expansão da mancha metropolitana em direção aos mananciais. Não por acaso que a lei dos Mananciais é de 19757, norma que objetivava conter a expansão urbana, e, no entanto, promoveu a disponibilidade de terras a baixo custo. Isso porque, a medida que se colocam restrições as ocupações do solo nos mananciais, o mecanismo que responderá a esse processo é a desvalorização da terra. E a terra desvalorizada, os preços caem, atraindo a parcela da população excluída do mercado formal de terras.

O descontrole fundiário das ocupações urbanas e rurais, não é, e nunca foi, um problema técnico relativo às instituições formais de regulação do solo urbano, mas sim, em sua essência, uma opção política da omissão Estado em controlar o solo, e que foi construída historicamente desde a Lei de Terras de 1850. Esta é a questão que deve ser entendida e discutida quando se analisa a formação dos loteamentos clandestinos. (SCHLOGI p.66, 2006)

Posteriormente, embora sejam fatores distintos, esses processos caminharam pareados. É preciso separar esses elementos históricos fundamentais para compreendermos a formação dos mananciais. O esforço aqui consiste em desnaturalizar o caos aparente, ou melhor, dizendo, inverter o raciocínio de culpabilização da “urbanização descontrolada” promovida pela população de baixa renda rumo as áreas de proteção ambiental.

6 Hoje está como: Distrito de Socorro, margeado pelo Rio Jurubatuba e pela represa Guarapiranga. 7 Lei 898/75 - Disciplina o Uso do Solo para a proteção dos mananciais, cursos e reservatórios de água e demais recursos hídricos de interesse da RMSP.

Parte da década de setenta, oitenta e noventa conformariam o movimento de saída das unidades produtivas dos centros e imediações da metrópole paulistana para o interior do estado ou para fora do estado. Essa demanda8 de migração de parte das unidades produtivas dos antigos polos industriais no seio da metrópole veio combinada com as transformações no mundo do trabalho, ingredientes esses que aprofundaram as contradições espaciais. Desta maneira, estavam dadas as condições que colocariam o extremo sul como o novo front de expansão urbana periférica. Uma das vertentes de reflexão proposta neste trabalho está em pontuar a indústria como vetor no processo de ocupação em direção aos Mananciais na zona sul, e a partir da década de noventa a desindustrialização como vetor na expansão da ocupação para o extremo sul.

A formação da periferia foi, portanto, um fenômeno correlato primeiro à fase do industrialismo, na perspectiva do desenvolvimento. Agora, o seu espraiamento, caracterizando o fenômeno da periurbanização parece corresponder melhor uma urbanização sem indústria, mas também sem cidade. (SEABRA, 2011, p.60)

Temos assim num primeiro momento, a localização das indústrias em Santo Amaro instaladas nos limites territoriais com os mananciais sul de São Paulo, o que induziu a ocupação de bairros como Socorro, , Interlagos etc. Depois num segundo momento, -já implantada a Lei dos Mananciais- o processo de desindustrialização: perda de empregos formais, migração das indústrias para outras localidades, contexto de crise econômica. Contendo como um dos desdobramentos espaciais, a expansão para os mananciais no extremo sul da metrópole de São Paulo: Grajaú, Parelheiros e Marsilac. Em resumo, a formação dos mananciais, nesta interpretação, está inserida dentro de uma totalidade, em um esforço de afastar as leituras reduzidas e fragmentárias tão comumente realizadas. Nesse sentido, entendemos que a reprodução do espaço urbano, apartado das grandes indústrias, configura-se hoje, como elemento dinamizador que

8 Demanda essa imposta pelo capital. Os anos setenta contexto de crise do capital nos países centrais. Os países centrais impuseram as economias e ao mundo do trabalho uma convergência de reestruturações. Com o propósito de redimensionar a acumulação capitalista, vários eixos de expansão e reprodução são mobilizados na sociedade para orientar uma nova escalada acumulativa de capital. A maneira que esse processo acontece necessariamente produzirá contradições.

mobilizará o aprofundamento dos conteúdos contraditórios dentro das periferias do extremo da zona sul, foco deste trabalho. Assim, o primeiro avanço da produção urbana rumo ao manancial sul de São Paulo, estava orientado pelo processo produtivo de bases industriais. No momento de transição em que as indústrias saem dos centros urbanos, expandem-se as ocupações irregulares9 e precárias rumo ao extremo sul. Neste trabalho, investiga-se os indícios das ressignificações dos mananciais dentro da metrópole, associada as políticas de proteção ambiental. Isso quer dizer que, espaço urbano produtivo (sem indústria) reproduz-se sobre os mananciais, numa eminente ação em integrá-los a “indústria sem chaminé”, como bem designou Santana (1999; 2008). O turismo ecológico é, portanto, no processo de produção e reprodução do espaço urbano

[...] um produto da formação de uma chamada consciência ecológica. O consumo da natureza explorada com o ecoturismo é visto através da “paisagem natural intocada”. Esta última é definida por um interesse biocêntrico estabelecido pela ecologia profunda. A natureza ganha valor intrínseco ficando “personificada” por sua diversidade animal e vegetal. (SANTANA, p.179,1999)

DA PRODUÇÃO DA DETERIORAÇÃO À RESIGNIFICAÇÃO DOS MANANCIAS

O mito da dualidade dos setores econômicos brasileiros, tradicionalmente pautados pela oposição Indústria Moderna versus Campo Arcaico, compôs parte da ideologia das falaciosas diretrizes econômicas brasileiras, assentadas nos ideários desenvolvimentistas. De tal maneira que, estes ideários estarão presentes nos espaços urbanos, viabilizados por modelos urbanísticos que terão como mote a construção de grandes avenidas, aterros de nascentes e margens dos rios, altera-se o curso, retifica, esconde-os dos traçados urbanos.

9 A legislação urbanística foi pensada para a cidade considerada formal, e uma vez que se reconhece apenas uma parcela da cidade, a outra não existe, porque dentro da lei e das normas ela não cabe. Desta maneira, além de ser qualificada como irregular, clandestina ou ilegal, essas áreas acabam sofrendo mais um tipo de segregação que é a falta de acesso a serviços básicos porque a legislação ambiental não permite.

Os símbolos da modernização brasileira na década de 1970, como o crescimento urbano, grandes hidrelétricas e a ponte Rio-Niterói são reverenciados como atestado de bom encaminhamento dos rumos da nação. Enquanto que nossa natureza esconde monstros disformes e acessos perigosos. [...] Todos esses elementos concatenados instituíram um olhar agressivo sobre a natureza brasileira, plenamente integrado ao momento político e ao estágio de aprimoramento tecnológico que o país atravessava, na época. (ANDRADE, 2004, p.4)

Neste trabalho Andrade apanha uma série de reportagens de um determinado programa brasileiro, cujo objetivo era retratar o quadro natural brasileiro na década de setenta. O autor expõe com detalhes a maneira como a natureza e seus fenômenos eram transmitidos aos telespectadores: ameaçadora, hostil e que, portanto, precisava ser dominada, pelas autoridades. “A imagem de natureza dos anos setenta traz em si parte das tensões vividas no campo social, em que os grandes projetos tecnológicos representam o futuro, enquanto a natureza é o grotesco, a anomalia.” (ANDRADE, p.5, 2004). A presença desses elementos, tidos e lidos como barreira ao desenvolvimento, sofrem direta ou indiretamente10 a ação da racionalidade instrumental, projetando o espaço, alçando-o para outros planos, para outras relações. Não mais aquela de uso ou de identidade com o lugar. Da mesma maneira, esse ideário progressista urbano, a partir da década de setenta foi construindo a metrópole moderna, concentradora de capital. Destacando-se nesse processo, hoje, o quadrante sudoeste da metrópole paulistana. Eixo de expansão do capital coorporativo e financeiro, que atrai todas as benesses de um espaço que fora construído socialmente e neste instante, apropriado por uma pequena parcela da população. É esse o eixo magnetizador de capital, produtor de descontinuidades e responsável pelos aprofundamentos das contradições espaciais: as reproduções das periferias, e nesse caso, a formação dos mananciais do extremo sul. Simultaneamente, no mesmo sentido em que as torres metalizadas insurgem nos espaços margeados pelo

10 Importante discernirmos o que estamos chamando de ação indireta e direta para esses espaços contenedores de alguns atributos “naturais”: rios, córregos, resíduo de mata. Isso porque em muitas ações interviu-se diretamente na área arrasando todo o desenho hídrico, haja vista a obra de retificação do Rio Tietê e Tamanduateí. Já as ações indiretas, temos como um dos exemplos mais expoentes a Operação Berrine Fariam Lima, que deslocou centenas de pessoas em direção aos Mananciais Sul.

rio Pinheiros, novas periferias são formadas na metrópole. Mas, ao mesmo tempo, essas mesmas negam o processo de homogeneização do espaço. É possível de se notar que historicamente as implementações dos projetos urbanísticos não pautavam a questão ambiental e, muito menos a preocupação com a população de baixa renda. Inclusive, eram os lugares com restrições ambientais que a população de baixa renda era destinada a ir quando expulsa de algum lugar dos centros das grandes metrópoles.

À medida que áreas ocupadas informalmente por favelas adquirem valor para o mercado imobiliário formal, elas tendem a se deslocar total ou parcialmente para áreas até então desvalorizadas, quer sob a ótica econômica, quer sob as óticas ambiental, cultural ou simbólica, ou seja, as favelas sempre se formaram nas áreas menosprezadas pela totalidade social. (SILVA, 2013, p.107-108)

Como bem coloca a autora, essas áreas dentro das grandes metrópoles estavam associadas às áreas comumente desvalorizadas e desinteressantes para o mercado. No entanto, essa perspectiva muda a partir da década de setenta como discurso mundial e aqui no Brasil na década de noventa. O meio ambiente é incorporado à ideia de “qualidade de vida” e esta por sua vez irá se expressar espacialmente nas áreas próximas aos fragmentos de mata, que iremos nos reportá-los como espaços verdes. Isso porque, todo esse ideário que sustenta o discurso ambiental, não só produz nichos de mercados, como também produzem espaços. Fundamentados pela falsa ideia de natureza pura, ritualizada e intocada. Dentro dessa perspectiva temos um processo de valorização desses espaços dentro da metrópole, anteriormente reduto dos despejos e remoções das pessoas que ali moravam. Causados pelos eixos de valorização e expansão pelo próprio processo de reprodução do espaço. Hoje esses espaços tornam-se potencialmente apropriáveis para o turismo, por exemplo. “O espaço onde é possível encontrar a “paisagem natural intocada” é transformado para ganhar outro uso e ser consumido como sendo extensão do urbano.” (SANTANA, p.179, 2008) A água, as florestas, o ar, os rios, as “paisagens naturais” (praias, cachoeiras, grandes montanhas) foram incorporadas em algum tipo de administração/planejamento (comitês, pastas ministeriais, secretaria, institutos etc.) sob a responsabilidade do Estado

em gerir tais elementos. Estes apontamentos não reivindicam a participação do mercado ao criticar a tutela do Estado sob essas áreas. No entanto, é preciso desmistificar a neutralidade que é reproduzida na formação destes “espaços verdes” nas metrópoles, neste caso na periferia da metrópole de São Paulo. Euclydes entende que

Na atual fase ecológica do capitalismo, muitos governos têm buscado construir imagens vinculadas a temas ambientais, aliando modernização ecológica e empreendedorismo urbano. Na associação com o capital, esse processo pode repercutir no planejamento estratégico de determinadas regiões da cidade, cuja incorporação/construção se reverta lucrativa para o capital. (2014, p.44)

Os movimentos de mudanças nesses espaços do extremo sul de São Paulo são bastante proeminentes. Uma vez que, são várias as ações por parte do Estado que nos fornecem indícios de esforços em tornar esses espaços produtivos, tanto sob o ponto de vista da produção espacial, quanto do consumo propriamente dito. Desta maneira, o planejamento será submetido aos projetos futuros, que por sua vez estarão articulados aos eixos condutores de cada lugar, neste caso preservação ambiental e turismo. O espaço instrumental, racionalizado, isto é, projetado para ser funcional, está amparado pela representação da proteção da natureza. Seguindo o raciocínio traçado, não por acaso que, no Plano Diretor de 2014, o Município de São Paulo foi dividido em duas Macrozonas, a de Estruturação e Qualificação Urbana e a Macrozona de Proteção e Recuperação Ambiental, e dentro desta foi definido que 29,3% retornassem a ser delimitada como zona rural da Cidade. Desta forma, algumas áreas da Região Administrativa da Subprefeitura de Parelheiros voltam a ser zona rural. Segundo as publicações oficiais11 referentes ao novo plano, essa “zona rural” será reconfigurada. Trazendo a acepção de “multifuncional”, sendo área de produção do alimento e da água do abastecimento, do lazer e do ecoturismo. Comportará três objetivos: contenção a expansão urbana, incentivos a usos sustentáveis e preservação dos ecossistemas naturais. CONSIDERAÇÕES FINAIS

11 http://gestaourbana.prefeitura.sp.gov.br/wp-content/uploads/2015/01/inf_ambiental1.pdf

Diante das exposições, é inegável que o discurso ambiental está mobilizando várias dimensões do cotidiano, dentre elas o urbano, a produção do urbano. Visto que, este discurso foi germinado e reproduzido no tecido urbano. Frente a isso, os mananciais, espaços periféricos, produzidos sob os desígnios da indústria, hoje são reproduzidos por meio do urbano, submetido agora a mais uma nova forma de alienação do lugar: a subordinação do discurso ambiental. Em entrevista concedida ao Jornal Folha de São Paulo, o sociólogo Kenneth Gould diz sobre os novos processos vividos em determinados pontos de Nova York. São lugares onde pessoas da classe menos abastadas conseguiam viver, e que no geral, eram lugares desvalorizados. Agora, esses locais estão passando por um processo de “esverdeação” nas palavras de Gould. O autor denomina esse processo como “gentrificação verde”. “A ironia é que a indústria ecológica cria espaços urbanos sustentáveis e é socialmente insustentável.”12 De forma nenhuma podemos implantar interpretações e teorias de países com formações socioespaciais distintas, principalmente quando se trata de países com indicadores sociais, em alguma medida, mais elevados, para países como o Brasil. Porém, não há como negar os efeitos que os ditames da “qualidade de vida” associados ao meio ambiente, estão promovendo nos espaços urbanos. De maneira tal que, as contradições nas grandes periferias se ampliam, a medida que apartam os mais próximos e aproximam as pessoas que moram longe à procura de sossego e tranquilidade

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12 Trecho retirado do Jornal Folha de São Paulo, publicado no dia 05/07/2017. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2016/06/1780795industriaverdeexpulsamoradormaispobredizsoci ologo.shtml

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