Repercussões Do Caso Lysenko No Brasil Por Meio Da Análise Da Mídia Impressa No Brasil (1940
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Anais Eletrônicos do 14º Seminário Nacional de História da Ciência e da Tecnologia – 14º SNHCT REPERCUSSÕES DO CASO LYSENKO NO BRASIL Marcelo Lima Loreto* Luisa Medeiros Massarani** Ildeu de Castro Moreira*** 1 INTRODUÇÃO O caso Lysenko foi emblemático na História da Ciência e ocorreu no cenário de profundas disputas ideológicas e políticas que dividiam o mundo em capitalismo e comunismo, período denominado Guerra Fria. Em 7 de agosto de 1948, em uma sessão ocorrida na Academia de Ciências da União Soviética, que ficou conhecida como Conferência de VASKhNIL, o biólogo e agrônomo ucraniano Trofim Denisovič Lysenko (1898-1976) declarou que contava com o apoio do Partido Comunista da União Soviética (PCUS), dirigido por Josef V. Stalin, para sustentar a teoria michurinista na Biologia, elaborada originalmente pelo médico e pesquisador russo Ivan Vladimirovich Michurin (1855-1935). O Michurinismo consistiu em uma variedade de experiências e iniciativas agrícolas baseadas na teoria lamarckista da hereditariedade. Defendia a ideia de que os organismos vivos poderiam ser condicionados para sobreviverem em qualquer tipo de ambiente, passando às gerações seguintes as novas características adquiridas, diferente do que afirmavam os darwinistas, que falavam em seleção natural do mais apto, sem a possibilidade de condicionamento do genótipo. Estas e outras ideias foram amplamente desenvolvidas na URSS, na época de Lysenko, especialmente a partir do Plano de Stálin para a Transformação da Natureza1, lançado em 1949, que tinha o objetivo de combater a seca e aumentar a produção de cereais na URSS, que passava por um período de fome extrema. Lysenko retratou a Genética ocidental como sendo “burguesa”, “fascista” e que fornecia uma justificativa para o racismo e a colonização pelos países capitalistas. Na ocasião da conferência (1948), o governo soviético decidiu também censurar a pesquisa em Genética 1 Para saber mais sobre o plano ver: <http://www.hist-socialismo.com/docs/PlanoAgricola.pdf>. Acesso 03/08/2014. Belo Horizonte, Campus Pampulha da Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG 08 a 11 de outubro de 2014 | ISBN: 978-85-62707-62-9 Anais Eletrônicos do 14º Seminário Nacional de História da Ciência e da Tecnologia – 14º SNHCT mendeliana por durante aproximadamente dez anos. Em seu discurso, convocou os cientistas e trabalhadores do campo a somarem esforços à teoria de Michurin, rumo à construção de “uma biologia materialista avançada”: I call upon all Academicians, scientific workers, agronomists, and animal breeders to bend all their efforts and work in close unity with the foremost men and women in socialist farming to achieve these great and noble aims. Progressive biological science owes it to the geniuses of humankind, Lenin and Stalin, that the teaching of I. V. Michurin has been added to the treasure house of our knowledge, has become part of the gold fund of our science. Long live the Michurin teaching, which shows how to transform living nature for the benefit of the Soviet people! Long live the Party of Lenin and Stalin, which discovered Michurin for the world and created all the conditions for the progress of advanced materialist biology in our country. Glory to the great friend and protagonist of science, our leader and teacher, Comrade Stalin! (LYSENKO, 1948, Marxists Internet Archive. Disponível em <http://www.marxists.org/reference/archive/lysenko/works/1940s/report.htm>. Acesso em: 07/11/2013). Suas teorias e políticas deram origem à corrente de pensamento denominada Lysenkoísmo ou Lysenkismo, que teve repercussões em diversos países no mundo (DEJONG- LAMBERT, 2013:78). O objetivo principal do nosso trabalho é analisar as repercussões do caso Lysenko no Brasil, em particular por meio da análise de alguns dos principais jornais e revistas nacionais, bem como de documentos de pesquisadores e intelectuais brasileiros, no período de maior atividade do cientista soviético (décadas de 1940 a 1970). Lysenko nasceu na Ucrânia, em 1898, em uma família de origem camponesa. Entre 1921 e 1925 fez o curso por correspondência em Agronomia no Instituto Agrícola de Kiev. Em 1922, foi Assistente de Engenheiro Agrônomo, na Estação de Melhoramento de Plantas Belaya Tserkov. Em 1929 tornou-se pesquisador sênior do Instituto de Genética de Odessa, sendo diretor científico deste em 1934. Em 1935 foi nomeado pelo governo como membro da Academia de Ciências Agrícolas (VASKhNIL) e eleito Vice-Presidente do Conselho Soviético Supremo da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS). Em 1938, presidiu a VASKhNIL e, em 1939, foi eleito para a Academia de Ciências da URSS e para membro de sua direção, tornando-se, no ano seguinte, diretor do Instituto de Genética dessa academia. Em 1948, foi nomeado chefe do Departamento de Grãos da Academia Agrícola de Moscou. Após a morte de Stalin (1953), que o favorecia, seu poder decaiu bastante (SOYFER, 2001). No início governo de Nikita Khrushchov (de 1953 a 1964), secretário geral do PCUS, Lysenko foi afastado de vários de seus cargos de confiança. Contudo, em 1958, Lysenko Belo Horizonte, Campus Pampulha da Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG 08 a 11 de outubro de 2014 | ISBN: 978-85-62707-62-9 Anais Eletrônicos do 14º Seminário Nacional de História da Ciência e da Tecnologia – 14º SNHCT aproximou-se de Khrushchov, que compartilhava mesma origem ucraniana e rural, e convenceu-o de que o insucesso na agricultura soviética havia ocorrido devido à oposição de poderosos burocratas em academias e ministérios. Nos anos seguintes, o programa agrícola de Khrushchov voltou a conter formulações lysenkoístas, e em 1961/62 Lysenko retomou a presidência da VASKhNIL. Em 1963, Khrushchov estava em conflito aberto com a Academia de Ciências da URSS sobre o Lysenkoísmo, e sua saída do poder, em outubro de 1964, gerou um movimento que excluiu novamente Lysenko. No final de 1965, um relatório de uma comissão do Ministério da Agricultura e das academias teria demonstrado que os trabalhos experimentais de Lysenko foram realizados e testados de forma inadequada, e que todas as suas técnicas agrícolas eram ineficazes ou prejudiciais. Neste ano, Lysenko foi removido como diretor do Instituto de Genética, tendo falecido em 20 de novembro de 1976. Como vimos, Lysenko possuiu durante muito tempo um prestígio elevado na URSS. No Ocidente, o Lysenkoísmo foi apresentado como um dos eventos negativos mais importantes da Ciência soviética2. Sua influência estendeu-se em biólogos, cientistas e intelectuais do mundo inteiro. Em países soviéticos, como Polônia, Tchecoslováquia, Alemanha Oriental, e na Hungria, o Michurinismo foi inclusive adotado como teoria oficial. Na URSS, os cientistas que eram contrários à teoria foram perseguidos, demitidos ou mesmo assassinados, como ocorreu com um de seus principais rivais, o destacado pesquisador darwinista Nikolai Vavilov (1887-1943) (DEJONG-LAMBERT, 2013)3. No início da década de 1940, os biólogos ligados à pesquisa agrícola, chamados agrobiólogos, especialidade de Lysenko, haviam tomado quase todas as instituições de pesquisa em Genética, expulsando os geneticistas da Academia de Ciências Agrícolas e da Academia de Ciências da URSS. Para Gaglioti (1996), a análise da crise na agricultura soviética (década de 1930), ajuda na compreensão do contexto do surgimento de Lysenko. Desde o início da década de 1920, Leon Trotsky e a Oposição de Esquerda já alertavam sobre a política da promoção do crescimento de uma camada de camponeses ricos (Kulaks) em detrimento da agricultura 2 Esta argumentação é usada, por exemplo, por N. ROLL-HANSEN em The Lysenko effect: undermining the autonomy of science. Endeavour, v. 29, n. 4, p. 143-147, 2005. 3 Segundo Krementsov (1996), entre 1930 e 1940, vários cientistas que eram referências em estudos de Genética na URSS - como Isaak Agol, Solomon Levit, Grigori Levitskii e Georgii Karpechenko - foram presos e executados sob várias acusações, principalmente, por “afiliação como um inimigo do povo’’ (idem: 231) ou como, segundo Gaglioti (1996), "agentes trotskistas do fascismo internacional", demonstrando como a discussão Belo Horizonte, Campus Pampulha da Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG 08 a 11 de outubro de 2014 | ISBN: 978-85-62707-62-9 Anais Eletrônicos do 14º Seminário Nacional de História da Ciência e da Tecnologia – 14º SNHCT estatal planificada e do desenvolvimento industrial. Ao final da década, o governo se defrontou com a retenção da produção agrícola pelos Kulaks, e uma série de revoltas armadas no campo. Stálin aplicou então uma política brutal de coletivização forçada e os camponeses, em reação, queimaram suas colheitas e mataram seus animais. A produção agrícola despencou e iniciou-se um período de grande fome em extensas regiões da URSS4. Em resposta à crise, Stalin teria exigido que os geneticistas desenvolvessem mais rapidamente plantas de cultivo eficientes para a resolução da questão da fome. Porém, impacientes com os métodos penosos e lentos da criação científica naquela ocasião, os dirigentes soviéticos apostaram em alternativas aos métodos tradicionais. Lysenko prometeu um rápido aumento no rendimento das culturas através do processo que chamou de "vernalização"5. O pesquisador afirmava também que uma espécie poderia ser convertida diretamente em outra, submetendo-a a influências externas, possibilitando, consequentemente, uma maior versatilidade na produção de grãos6. Nesse contexto, o então cultivador de plantas em Odessa, foi promovido para os cargos mais elevados da administração do campo. As posições de Lysenko