Fernando Tetsuo Venueza Miyahira

Construindo a Padroeira: Aproximações entre Igreja e Estado em Nossa Senhora da Conceição Aparecida

MESTRADO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO

Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Ciências da Religião sob a orientação da Profª. Drª. Maria José Fontelas Rosado-Nunes.

SÃO PAULO

2011

BANCA EXAMINADORA

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Resumo

Nesta monografia, temos a intenção de estudar a devoção à Nossa Senhora da Conceição Aparecida e suas interações com a política brasileira, tal como momentos-chave da qual a Igreja passava em finais do século XIX e a primeira metade do século XX. O estudo de dissertações, artigos e obras voltadas à política brasileira e História da Igreja no Brasil foram essenciais para esta pesquisa, tal como o estudo de documentos encontrados na “Torre do Relógio” da Basílica de Nossa Senhora Aparecida. Entendemos que, ao final da pesquisa, Política e Religião puderam abraçar uma devoção popular fortíssima na região brasileira mais importante política e economicamente, para atender aos seus fins, a Região Sul. Sem dúvida, percebemos que estas três forças puderam, juntas, construir o que hoje é a Padroeira do Brasil, a Virgem Nossa Senhora da Conceição Aparecida.

Palavras-chave: Nossa Senhora da Conceição Aparecida, Política brasileira, Basílica de Aparecida do Norte, História da Igreja, Igreja no Brasil, Brasil Contemporâneo.

Abstract

In this monograph, we intend to study the devotion to Our Lady Aparecida and their interactions with Brazilian politics, as Church’s key moments in the late nineteenth century and first half of the twentieth century. The study of essays, articles and works focused on Brazilian politics and history of the Church in Brazil have been essential to this research as the study of documents found in the "Clock Tower" of the Basilica of Our Lady Aparecida. We understand that at the end of the research, politics and religion could hold a very strong popular devotion in the Brazilian South Region. Certainly, we realize that these three forces could together build what is now the patron saint of Brazil, the Virgin Our Lady of Aparecida.

Keywords: Our Lady of Aparecida, Brazil politics, Basilica of Aparecida do Norte, Church History, Church in Brazil, Contemporary Brazil.

Sumário Introdução...... Erro! Indicador não definido.

1 Uma breve história do início de uma Devoção ...... Erro! Indicador não definido.

1.1 A Imagem de terracota de Nossa Senhora da Conceição ...... Erro! Indicador não definido.

1.2 Encontrada a Imagem de Nossa Senhora da Conceição na Vila de Guaratinguetá ...... Erro! Indicador não definido.

1.3 Documentos oficiais sobre a descoberta nas águas do Paraíba do Sul Erro! Indicador não definido.

1.4 O início de uma devoção no Vale do Paraíba...... Erro! Indicador não definido.

1.5 Restaurações da Imagem ...... Erro! Indicador não definido.

2 Mil Novecentos e Quatro, o ano da Coroação da Virgem...... Erro! Indicador não definido.

2.1 Uma nova ordem Política...... Erro! Indicador não definido.

2.1.2 A importância da província de São Paulo...... Erro! Indicador não definido.

2.1.3 A necessidade paulista de uma Identidade...... Erro! Indicador não definido.

2.1.4 Nossa Senhora da Conceição Aparecida como símbolo católico...... Erro! Indicador não definido.

2.2 Antecedentes Institucionais da Coroação...... Erro! Indicador não definido.

2.2.1 O Ultramontanismo...... Erro! Indicador não definido.

2.2.2 A Reforma na Igreja Paulista ...... Erro! Indicador não definido.

2.3 Os Redentoristas e Aparecida ...... Erro! Indicador não definido.

3 Mil Novecentos e Trinta, a década da Padroeira e Mãe Aparecida...... Erro! Indicador não definido.

3.1 O Estado Varguista ...... Erro! Indicador não definido.

3.2 A Igreja da Neocristandade ...... Erro! Indicador não definido.

3.2.1 A Linha de Pensamento da Igreja da Neocristandade...... Erro! Indicador não definido.

3.3 Apoio mútuo entre Igreja e Vargas ...... Erro! Indicador não definido.

3.4 A devoção á Virgem Aparecida atrai atenção ...... Erro! Indicador não definido.

Considerações Finais ...... Erro! Indicador não definido. Referências Bibliográficas ...... Erro! Indicador não definido.

Imagens ...... Erro! Indicador não definido.

Introdução

O trabalho apresentado a seguir tem a intenção de estudar a devoção à Nossa Senhora da Conceição Aparecida e suas interações com a política brasileira, tal como momentos-chave da qual a Igreja passava em finais do século XIX e a primeira metade do século XX. Antes de qualquer coisa, vemos a devoção à santa como uma devoção basicamente popular, fundada em uma religiosidade popular intensa, presente nos setores mais humildes da sociedade brasileira do século XVIII. Entendemos então que a eleição de Nossa Senhora da Conceição Aparecida como símbolo nacional é devida a sua devoção se apresentar como uma construção coletiva, possibilitada pela identificação do povo com a santa e pela contribuição de setores distintos da sociedade brasileira. Este jogo entre popular e oficial pode ser entendido pelo fato de que, segundo Jean-Pierre Bastián 1, toda manifestação do catolicismo popular principalmente na América latina, passa pela regulamentação institucional da Igreja em alguma medida. No caso de Aparecida, podemos identificar este momento como a instituição de sua devoção pela congregação religiosa católica dos Redentoristas, em meados do século XIX.

Enxergamos também que esta devoção serviu como um suporte legítimo de uma identidade nacional católica brasileira, pois possibilitou a criação de um discurso, da parte dos setores dominantes da sociedade brasileira em determinados momentos, de homogeneização da sociedade a partir desta identidade nacional católica. Este discurso foi extremamente necessário, uma vez que se visava a consolidação da unidade nacional brasileira em um momento crítico de sua história, ou seja, a busca por um sentimento de pertencimento, de o que é ser nacional, e mais ainda, do que é ser brasileiro.

1 BASTIAN, Jean‐Pierre. La mutación religiosa de América Latina: para uma sociologia Del cambio social em La modernidad periférica. 6

Para que este estudo tome forma, escolhemos um período chave, que pode ser dividido em dois. Estes momentos ajudam a mostrar o processo de construção político-religioso da devoção à santa. O momento escolhido é a Primeira República brasileira, compreendendo a república oligárquica centrada na imagem de São Paulo e também Minas Gerais e seu fim, com a eleição de Getúlio Vargas como presidente do Brasil após a Revolução de 1930. Dentro destes períodos, temos dois momentos distintos: primeiro, em 1909, com a coroação de Nossa Senhora da Conceição Aparecida, fazendo dela uma das inúmeras aparições marianas reconhecidas pelo Vaticano; e o segundo, em 1930, com a proclamação da mesma como “padroeira do Brasil” durante o governo de Vargas.

O culto á Nossa Senhora Aparecida é tão importante para a população, que se chegou ao ponto de ser criada uma igreja para os devotos, que aumentavam consideravelmente ao longo do tempo. Devido a isso, após reformas e construção de uma nova basílica, foi fundada uma cidade inteiramente dedicada á santa. Aparecida do Norte é um município do estado de São Paulo, na microrregião de Guaratinguetá. É também um dos 29 municípios paulistas considerados “estâncias turísticas” pelo Estado de São Paulo, mostrando que o culto á Virgem Aparecida foi difundida por todo o território brasileiro, e até no exterior

A imagem de Nossa Senhora da Conceição Aparecida é uma estátua de terra-cota revestida de um manto azul e com uma coroa dourada pressupõe ser o objeto material da pesquisa. Sua história tem início em 1717. Desejando obter a melhor pescaria que pudessem os pescadores Domingos Garcia, Filipe Pedroso e João Alves lançaram as suas redes no rio Paraíba do Sul. Depois de muitas tentativas infrutíferas, descendo o curso do rio chegaram a Porto Itaguaçu, em 12 de outubro. Já sem esperança, João Alves lançou a sua rede nas águas e apanhou o corpo de uma imagem de Nossa Senhora da Conceição sem a cabeça. Em nova tentativa, apanhou a cabeça da imagem, Envolvendo então o achado em um lenço. Daí em diante, contam as narrativas locais que os peixes chegaram em abundância para os três pescadores. 7

A bibliografia sobre o assunto em específico é vasta. Somado com o fato de que o campo de estudos sobre religião vem crescendo bastante ultimamente, justifica-se a importância desta pesquisa com o argumento de que poderá servir como auxilio e referência bibliográfica na produção sobre o assunto ou algo relacionado ao mesmo, tal como uma tentativa de uma nova leitura da história da devoção á Nossa Senhor da Conceição Aparecida.

Também, a pesquisa oferecerá uma análise sobre a relação religião X sociedade X política, podendo levar a uma reflexão sobre o lugar do culto á Aparecida nos dias de hoje, e se o fato de ser a “padroeira do Brasil” ainda pode ser justificado em uma sociedade pluralista, apresentada pelo Brasil nos dias de hoje. Por fim, tem-se o intuito de instigar a pesquisa sobre Aparecida através de uma abordagem crítica, fazendo com que outras pesquisas dêem continuidade ao assunto e ampliando o campo abordado.

Agora, gostaríamos de apresentar para o leitor a pergunta chave que move a pesquisa: Como ocorreu a construção deste discurso nas mãos dos setores dominantes da sociedade brasileira? E, principalmente, a devoção à santa realmente apresenta conexões com estratégias políticas utilizadas durante, respectivamente, 1909 e 1930? Sabemos que, a priori, não houve uma apropriação propriamente dita da imagem e devoção á Nossa Senhora da Conceição Aparecida pelo Estado, pois se observa ainda hoje que esta devoção é de caráter predominantemente popular. Mas sim, recebeu contribuições destes setores dominantes para a criação de um discurso que possibilitou a construção de um sentimento nacionalista e uma unidade nacional brasileira.

Ainda são pertinentes outras perguntas paralelas ao objetivo principal da pesquisa: é possível identificar, através da história de Nossa Senhora da Conceição Aparecida, diferentes momentos políticos que se fizeram presente na história do Brasil? Tanto a coroação, quanto a proclamação da virgem como padroeira do Brasil, podem identificar a intenção de certos setores da sociedade brasileira na criação de uma identidade nacional brasileira? A religião pode realmente ser um veículo de interesse para os setores políticos do país?

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Isso acaba nos trazendo algumas hipóteses antes de entrar na pesquisa em si. Com isso, tem-se a seguinte afirmação: a formação da devoção à Nossa Senhora da Conceição Aparecida revela-se como uma construção coletiva, da parte de vários setores da sociedade, tal como sendo também política e não só religiosa, dando-se através da construção de imagens, narrativas, homenagens, etc. Sendo assim, é possível afirmar que esta devoção foi responsável pelo surgimento de uma identidade regional focada no imaginário coletivo, inicialmente da região sudeste, sendo responsável pela criação de um discurso que auxiliou o processo de formação de uma unidade nacional durante os séculos XIX e XX. Houve uma construção da história da devoção á santa de acordo com os momentos políticos do país durante os três períodos, tal como interesses da parte do Estado. Mais do que isso, entendemos que esta construção coletiva da história e devoção á santa teve por objetivo a conscientização e construção de uma identidade nacional fundada na fé católica, necessária para a formação de uma unidade nacional brasileira. Para isso, houve a necessidade da tomada do controle da devoção á santa, considerada popular até então, pela parte da Ordem dos Redentoristas no século XIX, que acabou por institucionalizar o culto e administração do santuário de Aparecida.

Mais do que isso, o que pode ser visto através da pesquisa, é que o substrato religioso brasileiro encontra-se nas raízes cristãs. Podemos afirmar que, a religiosidade mínima brasileira é o cristianismo, porém seu desdobramento mais marcante é o catolicismo popular, com berço nas tradições rurais do Brasil colonial. Portanto, um catolicismo popular que pode ser visto presente nas maiorias das religiões brasileiras. Esta afirmação é importante, pois hoje em dia não podemos afirmar que o Brasil é um “país católico” devido á sua grande heterogeneidade religiosa, porém sua base encontra-se ainda hoje na religião católica. Isso pode ser visto no fato de que, até o século XX, o Brasil se apresentar como um país predominantemente, se não completamente católico, não apenas na questão de devoções, mas em toda sua cultura e mentalidade mergulhada em um pensamento católico trazido pelos portugueses desde os primeiros anos de colonização efetiva do território nacional.

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Enfim, o objetivo principal desta pesquisa será de tratar da devoção á Nossa Senhora Aparecida como uma construção político-religiosa coletiva, a fim de, através de interesses do Estado e da elite eclesiástica, criar uma identidade nacional que abriria caminho á uma formação da unidade nacional brasileira. Para isso, será necessário realizar um resgate da história da santa e mostrar a importância político-social da religião e seu impacto na sociedade, tal como sua leitura crítica e analítica.

Igualmente, tem-se por objetivo com esta pesquisa tratar da devoção á Nossa Senhora Aparecida não apenas como fatos político-religiosos isolados, mas sim como uma memória popular de construção coletiva. Tratando então a memória construída, através de narrativas sobre a história da santa, como de grande importância para o Estado no sentido de ostentação da “história oficial”, temos a intenção de estudar o processo de construção de uma memória coletiva que tem a intenção de criar uma unidade nacional fundada na fé católica, como será mostrado nos diferentes períodos estudados. Para isso, serão utilizados documentos procurados na biblioteca da Basílica de Aparecida, segundo a teoria de que a memória coletiva aplica-se sobre os documentos/monumentos 2.

Sobre a metodologia básica, esta consistirá em estudos e interpretações de leituras de documentos, primários ou não, sobre o assunto escolhido. Pretende-se também algumas pesquisas empíricas na cidade de Aparecida do Norte, em observação da imagem e pesquisa ainda bibliográfica no acervo disponibilizado pela Basílica.

Serão ainda utilizados nesta pesquisa, como referenciais teóricos, muitos renomados autores. Scott Mainwaring, “A Igreja Católica e Política no Brasil”. Nesta obra, Mainwaring analisa a Igreja Católica no contexto político da época de 1916 até 1985 na América Latina, dando ênfase ao caso da Igreja Católica brasileira. Descreve-se aqui em poucas palavras a intenção de Mainwaring em seu livro: tratando a Igreja como “instituição”, o autor analisa a Igreja Católica brasileira como vinculada ao Estado e ás classes dominantes até 1964, quando

2LE GOFF, Jacques. História e Memória, p. 525. 10

entrou em sérios atritos com o Estado durante a época do Governo Militar. Principalmente durante o pontificado de João Paulo II, a Igreja esforçou-se em se tornar relevante para o mundo, e com isso, tentou atingir as classes populares. Esta obra, então, poderá ser usada como base para a pesquisa aqui apresentada, pois tenta analisar discursos políticos usados pela Igreja em relação ao Estado, tanto nas classes populares como nas classes dominantes 3.

A base histórica do primeiro capítulo será dada pela obra do padre Júlio J. Brustoloni, historiador da basílica de Aparecida, e membro da ordem dos redentoristas. Apesar da presença de muita confessionalidade, a leitura será guiada a partir de uma visão científica e histórica, aproveitando muitos documentos oficiais apresentados pelo autor.

Pretendo tratar de memória e Documentos, tal como Jacques Le Goff, que refletiu muito sobre o assunto em um de seus livros 4. A memória é conceituada pelo historiador como um fenômeno individual e psicológico, porém que liga-se á vida social. Sua apreensão depende do modo do ambiente social e político onde é construída. Sua importância vem do fato de que, através dela, é possível a conservação de acontecimentos que ocorreram no passado, a produção de diversos documentos e, principalmente, faz escrever a história. Já o conceito de construção de memória é colocado por Le Goff como essencial para o homem sistematizar sua história. Ou seja, para escrever uma “narrativa que procura as ações realizadas pelas pessoas que as escrevem”, manter uma memória é importantíssimo, seja esta memória documentada ou não. A memória coletiva, mesmo sendo, segundo Le Goff, essencialmente mística, deformada e anacrônica, constitui o que foi vivido pelos homens através do tempo. Aqui então, sublinhamos o interesse de certos setores sociais pelo controle da memória coletiva, tanto para construí-la quanto para apagá-la, pois isso significa um grande interesse na luta das forças sociais pelo poder.

3 MAINWARING, Scott. A Igreja Católica e Política no Brasil, p. 9‐13. 4 LE GOFF, Jacques. História e Memória, p. 419‐425. 11

Sobre os conceitos de documento, Le Goff constrói uma reflexão sobre os documentos/monumentos 5. A partir do momento em que serão utilizados documentos primários ao longo da pesquisa, será importante debruçar-se sobre esta reflexão. O que é deixado como vestígios do passado não representa exatamente aquilo que existiu, pois é fruto de uma escolha feita por aqueles que viviam o desenvolvimento temporal e humano do que se trata, ou por aqueles que, segundo Le Goff, se dedicam à ciência do passado (historiadores). O documento, inicialmente, remete a idéia de “papel”, ou seja, apenas os documentos escritos. Temos que tomar um conceito mais amplo de documento seja ele escrito ou não. Um documento seria, então, qualquer fonte ou testemunho histórico que o pesquisador possa ter acesso que disserte sobre determinado assunto e sirva de material para que sua pesquisa possa fluir. Já o monumento é descrito por Le Goff como um “sinal do passado” 6, ou tudo aquilo que possa relembrar o passado e perpetuar sua recordação. Neste sentido, um documento/monumento trata-se de tudo aquilo que, no sentido de relatos e/ou fontes históricas que assumem um papel decisivo para a pesquisa, e intervêm para orientar uma apreensão.

Ainda conceituando memória, utilizaremos muito do refletido por Mario Souto Maior em seu artigo “Cultura popular: memória e perspectiva” 7. Nele, o autor julga que o “fazer memória” é uma ação de combater o esquecimento, um vazio indesejado, uma vez que a memória se configura como uma voz do conhecimento e da auto-identificação fazendo com que os indivíduos e coisas na vida se situem na história. A memória em si é reproduzida pelos homens que desejam registrar algum acontecimento importante ou relevante para sua história e vida, por isso ela (na memória) é carregada de responsabilidade individual, coletiva e institucional.

5 LE GOFF, Jacques. História e Memória, p. 526. 6 Ibid. 7 MAIOR, Mario Souto. Cultura popular: memória e perspectiva in “Espaços”, p. 153. 12

A nosso ver, a uma das maiores dificuldades da pesquisa seria debate sobre o conceito de “identidade nacional”. Sobre isto, o artigo de Eloísa Martín8 é bem esclarecedor. Nele, a socióloga dialoga com muitos autores sobre o conceito de identidade nacional. Primeiro, temos Gilberto Giménez 9, que enxerga a Nação como cumpridora de duas funções básicas; uma psicossocial e uma política. A primeira desperta a identificação nacional no povo em questão, enquanto a segunda ocorre ao se converter na principal referência para a legitimidade do Estado, enquanto representa uma garantia de homogeneidade cultural e quase étnica da população. Porém, Martín considera esta explicação insuficiente para entender a construção da nacionalidade nos países da América Latina, sobretudo o Brasil, devido á pluralidade cultural presente na sociedade brasileira, recorrendo á idéia de Rita Laura Segato 10 de que a identidade nacional acaba por se construir e reconstruir historicamente, sem se configurar como um processo acabado, nem exprimindo a idéia de um resultado final. Portanto, para Martín a identidade nacional resultará de um processo de homogeneização estatal, de “assimilação” cultural e institucional desde o Estado á grupos marginais e regionais periféricos. A socióloga afirma que uma identidade nacional não é a tomada de consciência de uma homogeneidade preexistente. Não é possível a construção de uma nação sobre um deserto, nem se inscreve no começo dos tempos. Entendemos aqui que a construção de um imaginário coletivo é o ponto de partida para apoiar uma identidade nacional. Para isso, recorremos á Serge Gruzinski com o conceito de “imaginário coletivo”. Em poucas palavras, o Imaginário Coletivo pode ser entendido como um conjunto de símbolos e conceitos de memória e imaginação em uma variedade de indivíduos que pertencem a uma comunidade específica, ou ainda uma

8 MARTÍN, Eloísa. Aparecida, Guadalupe y Luján como símbolos religiosos y nacionales: um análisis comparativo. Trabalho apresentado no seminário temático ST05 “Os Católicos” na VIII Jornada sobre Alternativas religiosas na América Latina, São Paulo, 22 á 25 de setembro de 1998. 9 GIMÉNEZ, Gilberto. Apuntes para uma teoria de La identidad nacional, op. cit. 10 SEGATO, Rita Laura. Formação de diversidade: nação e opções religiosas no contexto da globalização. Op. cit. 13

sensibilização de todas essas pessoas, para compartilhar esses símbolos, que reforçam o sentido de comunidade 11.

Outra afirmação da autora nos chama a atenção. Martín diz que o momento da universalidade e da homogeneidade total de uma comunidade apenas é possível como utopia, ou seja, apenas alcança a presença discursiva e através de um conteúdo particular. Neste ponto então percebemos a necessidade da criação de discursos apoiados em uma memória coletiva, que foi construída pelas muitas narrativas que temos sobre a história de Nossa Senhora da Conceição Aparecida e relatos sobre o ocorrido. Finalmente, Martín afirma que os símbolos, no sentido geral da palavra, que são utilizados para aludir à nação não se apresentam como sedimentos de ima corrente única. Muito pelo contrário, se configuram como fruto de um processo pelo qual um projeto de identidade particular se impõe como válido em cima de outros projetos, remetendo á idéia de que cada identidade é o que é através das observâncias de suas diferenças com . Porém este conceito teórico será deixado de lado nesta pesquisa para, talvez, ser assunto para outro trabalho.

Pierre Sanchis também reflete sobre a “identidade nacional” em seu artigo intitulado “A identidade nacional brasileira”. Indo de encontro com as observações de Martín, Sanchis diz inicialmente que é relativamente fácil para nós afirmarmos que a identidade brasileira consta como um atributo, uma etiqueta das pessoas que vivem dentro de uma “nação brasileira”, porém o problema é aceitar o fato de que há, ou houve um consenso geral em torno de certos valores, tal como uma diferença entre este consenso com outros tipos de consenso 12. Então, como poderia haver um consenso de base em um país como o Brasil, caracterizado historicamente como um país heterogêneo, com consideráveis desigualdades econômicas, sociais, culturais e políticas?

Ainda mais, como poderia haver um consenso em nível nacional sobre estes valores específicos, se o que presenciamos ao longo de sua história é o

11 Cf. GRUZINSKI, Serge. Colonização do Imaginário. 12 Cf. SANCHIS, Pierre. A Identidade nacional brasileira. 14

surgimento de diferentes identidades e características locais, como o próprio objeto de nossa pesquisa, a devoção á Nossa Senhora da Conceição Aparecida, que contém toda a sua base e força devocional inicial na região sudeste do país? A confluência nas idéias da socióloga e do teólogo está no ponto da afirmação, da parte de Sanchis, de que 1) Não há como negar a existência de um discurso criado por classes dominante, ou no caso de nossa pesquisa pelo Estado, que tem como objetivo fazer com que os brasileiros, ou muitos deles, se imaginem portadores de uma identidade nacional, e 2) que para isso é necessária a existência de um imaginário simbólico que faz com que a nacionalidade brasileira seja moeda corrente entre a população, mesmo que a referência não seja algo palpável. Com estas duas afirmações, temos o ponto de partida para discutir uma imagem muito interessante, que será analizada nos capítulos posteriores: a presença da bandeira brasileira no manto azul de Nossa Senhora da Conceição Aparecida. De qualquer forma, Sanchis nos chama á atenção para o uso histórico do termo “nação”. Não devemos nos esquecer de que, através da história, a invenção das nações se deve precisamente á esta necessidade de criar uma ligação forte entre elementos muito diferentes, ou muito heterogêneos.

Para isso, realmente há a necessidade de uma ligação real entre o nacional e o popular, para haver certa identificação entre estes elementos heterogêneos, porém presentes na vida da população. Sua tese dá certa importância para os fatores econômicos, tratando-os como responsáveis pela origem da Nação com “n” maiúsculo a partir do século XVI na medida em que a criação de um espaço econômico unificado ia além de barreiras e limitações impostas pela complexidade das sociedades ocidentais em termos de regiões, etnias, estamentos e classes, podendo então levar ao consenso de outras especificidades. Seguindo esta linha de raciocínio, podemos identificar, como será mostrado logo no primeiro capítulo, a importância econômica da área em que a devoção á santa originou-se, a região da cidade de Guaratinguetá, disposta no centro do eixo econômico brasileiro desde o século XVI até o século XX.

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Independente das suas causas originais, o autor nos chama atenção á um último ponto que vai de encontro com os interesses da presente pesquisa. Segundo Sanchis, a transformação de um espaço político já circunscrito pelos acasos da história militar, dinástica, etc. se dá sob impulso inicial do Estado. Neste sentido, a identidade nacional toma forma através de discursos e práticas diversas, apresentando-se em uma esfera pública na qual ou em torno da qual são tratados, hierarquizados ou reestruturados os interesses de várias categorias de participantes, a fim de se chegar à definição de um interesse geral.

Já Renato Ortiz, em “Cultura brasileira e Identidade nacional” afirma que toda identidade se define em relação a algo exterior, ou seja, como uma caracterização dentro do “estranho”, “outro”, “de fora”. Desta forma, há uma busca de identidade da parte do povo brasileiro que se contraponha ao estrangeiro. Este aspecto se reflete também na devoção á Nossa Senhora da Conceição Aparecida13. A santa se constitui de uma aura inteiramente nacional, sendo assim uma forma de diferenciação do nacional brasileiro com o estrangeiro. Porém, ainda segundo o antropólogo e sociólogo, a identidade nacional ainda conta com outra dimensão, a interna, mostrando que o povo se identifica entre si.

Para isso, há uma necessidade de reinterpretação do próprio “popular” contido na mentalidade do povo pelos grupos sociais e pelo próprio Estado para fins diversos. Reinterpretação esta que atenda á pelo menos grande parcela da população, pois a dificuldade é grande em achar um consenso entre tantas pessoas em um território tão grande. É aqui que propomos encaixar a devoção á Aparecida, como fomento para a construção de uma identidade nacional que faça parte da vida de grande parte dos brasileiros. Por fim, Ortiz pontua que toda a identidade é uma construção simbólica, eliminando então todo caráter de veracidade ou falsidade do que é produzido. Igualmente, esta construção simbólica se constitui como um tipo de política que procura se impor como legítima, possibilitando que afirmemos que existe uma história da identidade e da

13 Cf. ORTIZ, Renato. Cultura brasileira e Identidade Nacional. 16

cultura brasileira que corresponde aos interesses dos diferentes grupos sociais na sua relação com o Estado.

Por sua vez, Carlos Rodrigues Brandão em seu artigo “Ser católico: dimensões brasileiras. Um estudo sobre atribuição através da religião” afirma que a “identidade” em si é uma estratégia simbólica de se lidar com o poder através da diferença e, como tais, só dizem alguma coisa à compreensão da cultura nacional na medida em que se explicam como elas próprias são historicamente construídas, e como participam deste universo de símbolos. O antropólogo então parte do princípio de que o Brasil se encontra em uma situação semelhante á alguns países árabes com seu predomínio religioso demográfico e a liberdade religiosa observada nos Estados Unidos e Inglaterra, pois enxerga o Brasil como um país que defende a liberdade religiosa. Porém por volta da década de 80 o Brasil ainda poderia ser considerado um “país católico”, ou seja, de maioria pertencente á religião católica. Este fato pode ser observado pelo Brasil ser conhecido como “o maior país católico do mundo”. Esta identificação entre “brasileiro” e “católico” pode ser explicada, por sua vez, pelo fato de que o catolicismo era a religião do poder de Estado até a proclamação da república, fazendo com que o domínio do universo religioso no país viesse da parte da Igreja por quase 400 anos. Até meados da década de 80 e início da década de 90, segundo Brandão, pesquisas de campo mostraram que mais de 805 da população brasileira se intitulavam católicos, e menos de 2% afirmavam não possuir religião14. E isso apenas há 30 anos.

Desde a nossa colonização, claro, o predomínio católico na sociedade brasileira acabou por originar, segundo Brandão, dois tipos de catolicismo: o “oficial”, ou “eclesiástico” e o “popular”. Enquanto o primeiro é regido pelas leis da Igreja diretamente, o segundo consistiria em um sistema comunitário de organização do trabalho religioso católico em lugares longínquos de nosso país que fugia do controle da instituição. Podemos achar, em Brandão, os motivos principais sobre a homogeneidade católica na sociedade brasileira até meados

14 Cf. BRANDÃO, Carlos Rodrigues. Ser católico: dimensões brasileiras. Um estudo sobre atribuição através da religião in SACHS, Viola. “Brasil & EUA: Religião e Identidade Nacional”. 17

da década de 80, que estava em dois fatores: o primeiro seria a grande reprodução de bens simbólicos da parte da Igreja, que garantia a unidade de oposição entre ideais católicos e outras religiões; e o segundo seria o ecumenismo e ideais católicos, que como uma religião universal abrangia todos e realizava um trabalho de salvação pelo mundo todo. Com isso, o autor muito bem observa quando diz: “(...) o catolicismo foi e ainda é, no país, a religião de todos. Atenção: isto não significa apenas que ele é demograficamente uma religião de uma maioria uniforme de iguais praticantes; significa, antes, que o catolicismo é socialmente a possibilidade de todas as categorias de sujeitos sociais possuírem uma mesma religião e diferenciarem, no seu interior, modalidades próprias de sua religiosidade” 15.

A grande aceitação do catolicismo na sociedade, então, estaria no fato de que no catolicismo há uma grande diversidade de modos de “ser”, que por sua vez configuram uma pluralidade relativa com as maneiras de “participar”. Ou seja, o catolicismo brasileiro tem uma capacidade sincrética tão grande a tal ponto que o indivíduo pode ser católico “praticante”, “não-praticante” e até “ser católico á sua maneira”, que muitas vezes faz com que estes católicos freqüentem outras religiões ou religiosidades. Em suma, através do simples ato de batismo, os brasileiros que querem, podem e se identificam como católicas.

Podemos refletir em cima do artigo de Maria Izaura Pereira de Queiroz, “Identidade nacional, religião, expressões populares: a criação religiosa no Brasil”. Nele, a autora discute a composição do “caráter brasileiro”, ou seja, o que faz do brasileiro ser brasileiro como um entrave de traços culturais de três origens diferentes: a portuguesa, a africana e a “aborígene”, ou indígena. Portanto, utilizando a noção de “identidade nacional como diferenciação”, o que distinguia o “ser brasileiro” do “ser europeu” estava no fato de que as maneiras de pensar e de agir dos brasileiros apresentavam sempre uma mistura de elementos culturais de origens diversas, colocando em evidência o caráter plural

15 Ibid, p. 47. 18

da sociedade e do indivíduo brasileiro16. Este modo de encarar a sociedade brasileira, segundo a autora, é presente desde o final do século XIX, coisa que preocupava muito os intelectuais da época. Estes viam a pluralidade da cultura brasileira como um “obstáculo” ao desenvolvimento do país, admitindo, portanto, que a base da identidade nacional seria a homogeneidade cultural, condição para o progresso sócio-cultural. Esta pluralidade pode ser vista também no campo religioso. Queiroz afirma que até mesmo as visitas do Santo ofício ao Brasil, nos finais do século XVI até o século XVIII registravam o aparecimento de “seitas pagãs” e “idólatras”, pois as crenças e ritos do catolicismo estavam estreitamente ligados a práticas indígenas. Isso fez com que o mapa religioso brasileiro fosse traçado de forma que se tornou possível a localização do catolicismo como a base da religiosidade brasileira, mais ou menos em cada parte do território nacional.

O contato da grande corrente de colonos portugueses com os indígenas durante os primeiros séculos de colonização, e depois com a chegada maciça e contínua de africanos ao Brasil fez com que surgisse uma religiosidade singular, e ao mesmo tempo plural no Brasil. Isso foi possível, pois o caráter fundamental do catolicismo, seu universalismo, favorecia a aproximação das etnias e dos cultos. Desta forma, este encontro de povos e culturas distintas acabou criando uma verdadeira religiosidade espontânea, a dos cultos sincréticos surgidos através de impulsos. Afinal, mesmo assimilando muitos elementos católicos, as religiões de origem africana ou indígena se viam em processo de desaparecimento, daí a necessidade de incorporar elementos africanos e/ou indígenas em ritos católicos, surgindo assim uma espécie popular de catolicismo. Isto incomodava muito as elites intelectuais brasileiras durante o século XIX, pois entendiam, como dito anteriormente, tal variedade de cultos e culturas como prova do baixo desenvolvimento cultural brasileiro. Isto por que, para eles, afirma Queiroz, nas sociedades progressistas (tomando a Europa como exemplo) não existiam tal cultos bárbaros e rituais arcaicos como os que eram encontrados no Brasil. Ou seja, a maior preocupação das elites era a carência de uma identidade

16 Cf. QUEIROZ, Maria Izaura P. Identidade nacional, religião, expressões populares: a criação religiosa no Brasil in SACHS, Viola. “Brasil & EUA: Religião e Identidade Nacional”. 19

nacional não definida ainda. Só se podia falar em identidades fragmentadas em nossa cultura.

Esta situação mudou, segundo Queiroz, durante a década de 1920. Os intelectuais da época, muitos ligados á “Semana de Arte Moderna”, consideravam a identidade brasileira justamente como a integração de elementos originários de três fontes culturais diversas (branca, negra e indígena). Tal raciocínio ganhou mais força na década seguinte, com a publicação de Casa Grande e Senzala, de Gilberto Freyre. O que podemos concluir aqui é que a conveniência desta idéia poderia ser aproveitada posteriormente para o delineamento da “real” identidade brasileira, ou seja, a mistura de três culturas principais ao longo de nossa história: a trazida pelos colonos portugueses durante início da colonização brasileira, a trazida pelos escravos negros africanos, da qual o fluxo foi muito intenso durante os séculos XVI e XIX, e os nativos indígenas que já estavam aqui antes da chegada dos colonos portugueses, e que tiveram integração cultural através de seus posteriores contatos. Mais do que isso, Queiroz afirma que este sincretismo cultural dava ao mundo uma lição de “democracia” racial, cultural e até mesmo religiosa, compondo uma espécie de ecumenismo e diferenciando realmente o que é ser brasileiro do que é ser um “não-brasileiro”.

Ao que nos parece, estes estudos nos levam á uma questão interessante: se a presença do catolicismo é tão grande, então ele deve estar, de alguma forma, impregnada na nossa cultura, como uma espécie de “base” religiosa desta cultura sincrética e que faz parte de todas, ou na maioria, das religiosidades brasileiras. Este seria um conceito essencial que ajudaria entender o por que de Nossa Senhora da Conceição Aparecida ser escolhida para tal tarefa, de organizar uma identidade nacional religiosa no Brasil, intimamente ligada ao catolicismo popular.

Mas, afinal, o que seria um “catolicismo popular” e seu contraste com o “catolicismo oficial”? Esta é uma questão muitíssimo discutida em ambiente acadêmico até os dias de hoje. Há uma vasta bibliografia sobre o assunto, e uma

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série de inúmeras teses, hipóteses e discussões sobre o catolicismo popular brasileiro. Por isso, escolhemos referências pontuais, que, após várias leituras, julgamos mais de acordo com a proposta dada á nossa pesquisa.

Podemos inicialmente esboçar algumas características do “catolicismo popular”. Normalmente, pode ser tratado como um tipo de catolicismo, trazido por portugueses pobres e começou a penetrar no Brasil a partir da colonização do território. Teve presença significativa na zona rural, em terras camponesas. Na época da primeira onda colonizadora portuguesa ao Brasil, havia pouca presença de cidades e a população colonial brasileira ainda era muito pequena. Inicialmente, não tinha ligações com o poder político, nem se beneficiava de auxílios econômicos.

Analisando o modelo da colonização do Brasil, observamos que a colonização era principalmente voltada ás áreas da costa brasileira, ou seja, do litoral do nosso território. Isso fez com que a concentração populacional e administrativa ficasse, inicialmente, centrada nestas áreas litorâneas. Consequentemente, os colonos que partiam para a interiorização do território normalmente construíam vilarejos auto-suficientes, com pouca comunicação com as áreas litorâneas mais povoadas. Então não é de se admirar que a população interiorana ao longo do tempo criasse seu próprio modo de vida, com algumas diferenças em relação à população litorânea: a religiosidade não foi diferente. Devido á falta de presença do clero oficial nos territórios do interior brasileiro, foi- se criando uma espécie de “catolicismo próprio”, com ritos e interpretações religiosas próprias, onde o próprio leigo ocupa papel central na organização de cultos e festas populares. Isso fez com que o papel da manipulação do sagrado com finalidades pragmáticas se tornasse visível, fazendo com que o catolicismo popular independesse de Igreja Católica Apostólica Romana.

O santo é um dos elementos fundamentais desse catolicismo. Tudo parece girar ao redor dele. É objeto de devoção pessoal do pequeno núcleo familiar (oratório), dos pequenos povoados (capela) ou das grandes massas (santuário). O fiel relaciona-se o tempo todo e a vida toda com o santo. Conversa

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com ele, pede-lhe proteção, agradece pelo bem recebido, podendo até ficar zangado e virar a imagem de costas quando não for atendido.

Pedro Assis Ribeiro de Oliveira possibilita uma análise comparativa do “catolicismo popular” com a “religiosidade popular”, e com isso acabou criando uma tipologia baseada em quatro núcleos que compõem o catolicismo popular, sendo que cada núcleo se mostra como um agrupamento de atos semelhantes entre si para que seja concretizada a relação entre o homem e o sagrado 17. Aqui, nos interessa o terceiro e quarto núcleos, que são nomeados por Oliveira, respectivamente, de núcleos “devocionais” e “protetores”. O núcleo devocional caracteriza-se pelo relacionamento do fiel, ou do homem comum, com o sagrado sem a interferência nem intermediação de outro ser humano nesta relação, ou sem a intermediação do sacerdote ou padre. Esta relação pode acontecer de forma pessoal, privada. É aqui que voltamos á atenção ao caráter eminentemente religioso do santo, como foi dito acima. No caso de esta relação ocorrer em caráter coletivo, temos as romarias, festas populares, procissões, entre outros. Então, o caráter principal deste núcleo descrito por Oliveira seria a obtenção de uma aliança direta com os santos, ou com o sagrado. Aliança esta que traz benefícios físicos através da comunicação sobrenatural, mostrando o caráter pragmático do catolicismo popular.

Já o “núcleo protetor” também se define pelas relações diretas e sem intermediação do sacerdote entre o homem e o sagrado. Desta vez, a obtenção de benefícios concretos aparece na forma de intercessões de proteção para o fiel em questão através de “promessas”, em troca de curas de doenças, melhoras nas condições financeiras, obtenção de empregos, obtenção de graça quando há dificuldades em engravidar e muitas outras.

Oliveira afirma ainda que o catolicismo popular consta como a inversão dos valores do catolicismo oficial 18, caracterizando uma disparidade entre eles. O catolicismo oficial tratado por Oliveira tem como características o primeiro e

17 OLIVEIRA, P. A. R. Religiosidade popular na América latina. Revista Eclesiástica Brasileira, v. 32, fasc. 126, Jun/1972. P. 350‐358. 18 Ibid, p. 354. 22

segundo núcleos citados por ele no mesmo referido artigo. Portanto, o primeiro núcleo seria a participação do sacerdote, ou padre, nas relações entre o homem e o sagrado, além da total subordinação do crente à Igreja e não trata desta relação como um caráter utilitário nem pragmático. Este núcleo Oliveira nomeou de “núcleo sacramental”. Já o segundo núcleo, ou “núcleo evangélico” consta como a inefabilidade do sacerdote e de sua interpretação das sagradas escrituras, ou seja, da Bíblia. Tanto no primeiro quanto no segundo núcleo podemos observar a permanência e a importância do sacerdote como instrumento importantíssimo para a relação entre o fiel e o mundo sobrenatural, coisa que, na maioria das vezes, não é observada no catolicismo popular.

Maria Aparecida Junqueira Veiga Gaeta também traz um estudo interessante sobre catolicismo popular e catolicismo oficial, ou segundo a historiadora, “catolicismo clerical”. Em seu artigo A cultura clerical e a folia popular, Gaeta afirma que a cultura popular é ligada ás culturas das quais ela se insere, sendo impossível a dissociação entre ambas, pois a primeira é produto da segunda. Ainda mais, diz que esta religiosidade popular, de herança colonial é muitas vezes colocada como “degradante” pelo campo religioso oficial, que muitas vezes insiste em apontar a religiosidade popular como “herética” e “suja”. Aqui, o aspecto que de sua leitura de catolicismo oficial que nos interessa é o modelo eclesial católico que foi implantado no Brasil a partir do século XIX: o ultramontanismo.

Apesar de tratarmos ele ao decorrer do capítulo 1, é importante dizer que esta tendência ultraconservadora da Igreja tem suas raízes na contra-reforma européia. Tinha a intenção de reforçar a fé católica em todos os lugares do mundo onde a Igreja exercia influência e principalmente reforçar seus ideais e força após as tendências estatais de separação entre Igreja e Estado. Buscam, enfim, uma consolidação doutrinária teológica segundo Gaeta, por isso estrutura- se em torno de algumas rejeições, como a rejeição à ciência, à filosofia e às artes modernas. Condena também o capitalismo burguês e vai contra os

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princípios liberais e democráticos, e também contra os preceitos socialistas 19. Portanto, a partir do século XIX, o catolicismo no Brasil passou por uma grande mudança, principalmente o catolicismo dito oficial, ou o que era presente em grandes centros urbanos e o praticado, obviamente, dentro das igrejas, catedrais, ou algumas manifestações públicas.

Durante o levantamento bibliográfico inicial, foram recolhidos alguns aspectos já formulados sobre o tema escolhido, portanto, todo o material aqui apresentado obviamente necessita de grande aprofundamento e estudo posteriores.

A importância da devoção mariana é citada, por Sylvie Barnay 20, datando do Concílio de Trento. Após este, segundo a autora, a imagem da virgem acaba se tornando o baluarte do cristianismo frente às idéias da Reforma. Com isso, a Contra-reforma católica dá ao culto mariano mais visibilidade, principalmente nas missões católicas no Novo Mundo e associando o fato de que estas terras eram “virgens” do catolicismo. Igualmente, é dada notoriedade às aparições marianas por todo o mundo, principalmente com Guadalupe nas terras mexicanas. Notadamente, as imagens marianas têm sua importância revigorada durante o século XIX. Barnay afirma que, após a Revolução Francesa, a Virgem acaba por recuperar sua visibilidade, desta vez sob a forma de uma estátua vestida em branco e azul, cores também pertencentes à causa revolucionária. O ápice de importância da figura mariana é a definição da Imaculada Conceição de Maria, pelo papa Pio IX na bula Ineffabilis Deus (8 de dezembro de 1854). Barnay ainda coloca a proclamação do novo dogma se inscreve em um “(...) contexto de afirmação papal” 21.

Eduardo Hoornaert, em sua “História da Igreja no Brasil” revela duas características do Brasil Colonial: a forte presença negra nas terras brasileiras, revelando o excessivo tráfico negreiro ocorrido durante três séculos; e a

19 Cf. GAETA, M. A. J. V. Cultura clerical e folia popular. 20 BARNAY, Sylvie. A renovação da teologia e cultos marianos, in CORBAIN, Alan. “História do Cristianismo”, p. 386. 21 Ibid, p. 387. 24

identificação com o poder eclesiástico, logo dominante, dos europeus, pois eram imagens marianas e católicas muito bem conhecidas e difundidas desde o período colonial. Hoornaert também chama atenção para o surgimento do culto á Nossa Senhora Aparecida aos moldes de Nossa Senhora de Guadalupe, padroeira do México e surgida no século XVI, dois antes do surgimento de Aparecida, no XVIII. O autor afirma que Nossa Senhora Aparecida representa a tradição de Guadalupe, difundida no Brasil durante a União Ibérica.22 Após 1640, houve um movimento de “descastelhanização”, e Guadalupe foi substituída por Conceição, mas a imagem e significados permaneceram.

Tal afirmação associa a devoção á Nossa Senhora Aparecida ao sincretismo de dois cultos católicos 23, o de Nossa Senhora da Conceição e a de Nossa Senhora do Rosário, sendo a primeira a imagem de devoção dos portugueses quando desembarcaram em terras brasileiras e servindo como “agradecimento” por terem atravessado o mar; e a segunda a imagem presente nos navios negreiros, portanto, sofrendo um processo de bricolagem quando foi incorporada á cultura africana dos negros traficados para o Brasil. É interessante analisar a história de Nossa Senhora do Rosário com os negros, pois acabou sendo um dos primeiros desdobramentos da fé católica negra, sendo esta introduzida aos africanos logo em sua catequização em terras natais pelos portugueses. Em sua chegada ao Brasil, os negros desenvolveram esta devoção, construindo a Igreja de Nossa Senhora do Rosário como uma obra da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos do Pelourinho.

Riolando Azzi, em seu “O Catolicismo popular no Brasil” trabalha, entre outras questões, a do “catolicismo tradicional” vinculado á cultura do povo brasileiro durante todo o Período Colonial, dando um caráter popular ao futuro culto de Nossa Senhora Aparecida. Azzi ainda diz que quando a imagem foi achada, era o mesmo momento em que o Conde de Assumar, D. Pedro de Almeida, governador da província de São Paulo e Minas Gerais passava por Guaratinguetá, local onde foi achada, em direção das Minas, revelando a

22 HOORNAERT, Eduardo. História da Igreja no Brasil, p. 346. 23 Ibid., p.347. 25

importância que o ciclo de mineração tinha para a política metropolitana, e revelando também o ponto estratégico onde fica localizada a cidade de Guaratinguetá, ou seja, no centro da principal rota econômica brasileira na época, que ficava entre São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro.24

Este aspecto é estudado também por Emerson José Sena da Silva e seu artigo “Turismo e Consumo: a religião como lazer em Aparecida”, localizado no livro organizado por Edin Sued Abumanssur, “Turismo Religioso: ensaios antropológicos sobre religião e turismo”. Aqui, Silveira retoma o fato de que Aparecida surge em 1717, no corredor econômico entre interior e litoral, apresentando sua importância de escoamento de produtos sentido interior-litoral, e argumentando que desde 1717, ano em que a imagem de Aparecida foi encontrada até meados de 1894 os arredores de Guaratinguetá são alvos de crescente peregrinação, culminando no que hoje é a cidade de Aparecida do Norte, perto de Guaratinguetá. 25

Temos também Rubem Cesar Fernandes, em seu artigo “Aparecida: nossa rainha, senhora, mãe, sarava!” 26, da qual o autor justifica tal afirmação apontando o cruzamento entre São Paulo e Rio de Janeiro, em um eixo, e o litoral e Minas Gerais, em outro eixo, como localização do palco sobre o aparecimento da Imagem da virgem, tal como o local de início de sua devoção. Portanto, esta região tem assistido a um tráfego expressivo ao longo de todo esse tempo, sendo eles o de ouro no século XVIII, da cana de açúcar mais tarde, e do café durante os séculos XIX e XX.

Finalmente, esperamos que, com este trabalho, contribuamos para posteriores pesquisas sobre o assunto e que o leitor aprecie as próximas páginas, escritas com muito trabalho intelectual e carinho pelo tema escolhido.

24 AZZI, Riolando. O Catolicismo Popular no Brasil, p. 143. 25 SILVA, Emerson José Sena. “Turismo e Consumo: a religião como lazer em Aparecida”. In Turismo e Consumo: a religião como lazer em Aparecida, p. 264. 26 FERNANDES, Rubem César. “Aparecida: nossa rainha, senhora, mãe, sarava!”. In SACHS, Viola. “Brasil e EUA: Religião e Identidade Nacional”, Ed. Graal, 1988, Rio de Janeiro – RJ, pag. 88. 26

1 Uma breve história do início de uma Devoção

1.1 A Imagem de terracota de Nossa Senhora da Conceição

O fundo e embasamento histórico sobre a história inicial da devoção á Nossa Senhora Aparecida, ou seja, o momento em que a imagem de terra-cota foi achada pelos pescadores Filipe Pedroso, Domingos Martins Garcia e João Alves e os anos subseqüentes vem da obra do Pe. Júlio J. Brustoloni, História de Nossa Senhora da Conceição Aparecida: a Imagem, o Santuário e as Romarias. Justifica-se aqui a escolha deste autor por este se tratar de um historiador redentorista com mais de 35 anos de experiência em estudos sobre Nossa Senhora da Conceição Aparecida.

O Pe. Júlio J. Brustoloni é missionário redentorista, nascido em 18 de julho de 1926. Foi professor na Congregação Redentorista em 1947 e ordenou- se sacerdote quatro anos depois. Sua atuação apostólica mais longa foi em Aparecida do Norte, trabalhando com os peregrinos que iam até a cidade prestar homenagem á santa. Desde 1978 já publicou 3 livros sobre o assunto, sendo um deles este que será estudado. Escreveu também a História da Missão Redentorista de São Paulo e Goiás em parceria com o Pe. João P. Gomes, e tal obra está intimamente ligada ao Santuário de Aparecida, por este fazer parte da área estudada neste último livro citado.

Antes da descrição da a imagem de Nossa Senhora da Imaculada Conceição achada ás margens do Rio Paraíba do Sul, devemos esclarecer o fato de a devoção á mesma santa ser muito comum no Brasil do século XVIII. Brustoloni afirma que “os colonizadores portugueses legaram aos brasileiros especial devoção a Nossa Senhora da Conceição” 1. Deve-se deixar claro aqui que, em 1717, a imagem mariana era a de Nossa Senhora da Imaculada Conceição, divulgada pelos portugueses desde os tempos de colonização, e não a imagem de Nossa Senhora da Conceição Aparecida que hoje conhecemos. Na verdade, na época não existia uma “Nossa Senhora

1 BRUSTOLONI, Júlio J. “História de Nossa Senhora da Conceição Aparecida”, p. 17. 27

Aparecida”, mas somente após o encontro da imagem que citamos, de uma “Nossa Senhora da Conceição ‘Aparecida’”, pois ela “apareceu” no Rio Paraíba do Sul. Estas considerações são importantes a fim de evitar futuras confusões entre as duas imagens marianas, esclarecer a visão de momento da época.

Escultura contemporânea de Nossa Senhora da Imaculada Conceição. Foto: Roberta Oiwo. Arquivo pessoal.

A partir destas informações, o que podemos perceber é que era de grande importância a veneração á Nossa Senhora da Conceição, reminiscência da cultura portuguesa no Brasil. Havia, também, a celebração do dia da santa em questão, que era celebrada no dia 8 de dezembro, mesma data da festa de Nossa Senhora da Conceição. É sabido também, mostrando a importância e a divulgação da veneração á santa, que a festa era celebrada solenemente em

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terras brasileiras ás custas do governo português, e tal ocorrência era de total responsabilidade do mesmo governo, determinados desde o ano de 1646. Este ano foi quando o rei português Dom João IV proclamou a Nossa Senhora da Conceição como padroeira não só das terras portuguesas na Europa, mas também toda a extensão além-mar do império, ou seja, todas as suas colônias. Foi feita uma cerimônia solene, em Vila Viçosa em Portugal, para agradecer a Nossa Senhora a restauração da Independência de Portugal em relação a Espanha, pois desde o ano de 1580 Portugal se via comandado pela dinastia filipina espanhola, encabeçada por Filipe II da Espanha. Isto deve-se á crise de sucessão de seu trono quando deu-se a morte de Dom Sebastião de Portugal na batalha de Alcácer-Quibir, não deixando nenhum descendente apto á subir ao trono de Portugal. A partir daí, o culto á Nossa Senhora da Conceição no Brasil acabou por tomando seu próprio curso, criando características próprias.

Nossa Senhora da Conceição Aparecida. Foto: Dario Pedrosa, arquivo pessoal.

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De acordo com informações do próprio Santuário de Aparecida, a pequena imagem de Nossa Senhora da Conceição, mais tarde transformada em Nossa Senhora da Conceição Aparecida, mede apenas 36 cm de altura sem o pedestal que a sustenta, e pesa apenas 2.550 quilos. Seu material é a terracota, um material constituído por argila cozida no forno, que é utilizada em cerâmica e construção, mas também se refere a objetos e artefatos feitos deste material, como a própria imagem, e a sua cor natural é o laranja-acastanhado. A argila utilizada para a confecção da imagem é oriunda da região de Santana do Parnaíba, na Grande São Paulo, e muito conhecida à época e até hoje pelo seu conjunto arquitetônico colonial e pela argila de boa qualidade usada tanto em esculturas e estátuas quanto em construções civis. Quando foi recolhida pelos pescadores, o corpo estava separado da cabeça e, muito provavelmente, sem a policromia original, devido ao período em que esteve submersa nas águas do rio. Suas colorações seguiam de acordo com o protocolo determinado por Dom João IV, ou seja, tinha um manto de cor azul e um forro da cor vermelha, sendo as cores oficiais da santa no ano de 1646. Brustoloni ainda afirma em seu livro que, segundo o Dr. Pedro de Oliveira Ribeiro Neto, juntamente com os peritos do Museu de Arte Moderna de São Paulo (MASP) Dr. Pietro Maria Bardi, Dr. João Marino e a restauradora Maria Helena Chartuani, “(...) pelo fato de ficar por muitos anos submersa no lodo das águas, e posteriormente exposta ao lume e à fumaça dos candeeiros, velas e tochas, quando ainda se encontrava em oratório particular dos pescadores e na capelinha do Itaguaçu, a Imagem de Nossa Senhora Aparecida adquiriu a cor que hoje conserva: castanho brilhante” 2.

Só posteriormente, na época em que o culto à esta imagem de Nossa Senhora da Conceição tomou um caráter mais amplo, foram colocados na mesma um manto feito á mão e uma coroa igualmente feita á mão. Esteticamente, o manto ainda escondia a quebra que havia entre a cabeça e o resto to corpo da imagem, uma vez que ambas foram achadas em momentos diferentes, sendo o corpo achado primeiro, e instantes depois, a cabeça. De acordo com a mitologia corrente sobre o ocorrido, a cabeça da santa se uniu

2 BRUSTOLONI, Júlio J. “História de Nossa Senhora da Conceição Aparecida”, p. 18. 30

milagrosamente ao corpo assim que foram colocados juntos, porém infelizmente não foi encontrado nenhum registro sobre se as partes da imagem foram consertadas de alguma outra forma. Havia também um pedestal de prata que sustentava a imagem quando esta se tornou de conhecimento público, que foi mandado fazer e colocado pelo pároco local (da cidade de Guaratinguetá), o Cônego Benedito Teixeira da Silva Pinto 3.

Embora não seja possível determinar o autor ou a data da confecção da imagem, através de estudos comparativos concluiu-se que ela pode ser atribuída a um dos discípulos do monge beneditino e santeiro baiano, Frei Agostinho da Piedade. Tal afirmação é dada pelo Dr. Pedro de Oliveira Neto, conhecedor das imagens e artes brasileiras do período “seiscentista”: “A Imagem de Nossa Senhora Aparecida é paulista, de arte erudita, feita provavelmente na primeira metade de 1600, por discípulo, mas não pelo próprio mestre, do beneditino Frei Agostinho da Piedade” 4.

Com um estudo estilístico da imagem por especialistas, algumas características da mesma possibilitaram a aproximação da data, autor e escola artística da qual a escultura pertencia: forma sorridente dos lábios, queixo encastoado, tendo, ao centro, uma covinha, penteado e flores nos cabelos em relevo, broche de três pérolas na testa e porte corporal empinado para trás 5. Ainda, os especialistas afirmam, a partir destas características de estilo, que o autor certo é o Frei Agostinho de Jesus, realmente discípulo do monge beneditino Frei Agostinho da Piedade 6. Ao contrário de Frei Agostinho da Piedade, que assinava as suas obras, identificando-as, seu discípulo Frei Agostinho de Jesus não identificava as suas, porém este costumava imprimir nelas traços bem característicos que acabavam por distinguir suas obras das de seu mestre. O Dr. Pedro de Oliveira Neto ainda afirma que “(...) notamos na

3 Aqui, vale salientar o significado do título de Cônego, estranho para alguns. O Cônego (ás vezes também chamado de Cânon) é o presbítero que vive sob uma regra que o obriga a realizar as funções litúrgicas mais solenes na Igreja Sede ou Colegiada. (JOÃO PAULO II, Papa. "Código de Direito Canônico") 4 BRUSTOLONI, Júlio J. “História de Nossa Senhora da Conceição Aparecida”, p. 21. 5 ACMA – Relatório do Trabalho de Resturação da Imagem de Nossa Senhora Aparecida no Museu de Arte Moderna de São Paulo, 1978. 6 NIGRA, D. Clemente da Silva. “Os dois escultores Frei Agostinho da Piedade e frei Agostinho de Jesus e o Arquiteto Macário de São João”, p. 58. 31

imagem de Nossa Senhora Aparecida a perfeição das mãos postas, pequeninas e afiladas como as de uma menina, e as mangas simples e justas, de muito requinte, terminando no punho esquerdo dobrado à maneira dos mestres seiscentistas do barro paulista” 7, sustentando ainda mais a suspeita de que o mestre, escola artística e datação são estas descritas há pouco.

1.2 Encontrada a Imagem de Nossa Senhora da Conceição na Vila de Guaratinguetá

A cidade de Guaratinguetá acabou se consagrando por ser o palco do início da história de Nossa Senhora aparecida, principalmente o Rio Paraíba do Sul, em cujas margens foi literalmente pescada a imagem da santa, como dito anteriormente. Guaratinguetá é um município brasileiro do estado de São Paulo, localizada na região do Vale do Paraíba, que abrange parte do leste do estado de São Paulo e oeste do estado do Rio de Janeiro. Segundo Brustoloni, mesmo antes de 1717 e o episódio de Aparecida acontecer, o Vale do Paraíba em si já havia experimentado um pouco do “sagrado”; o vale era habitado, antes da chegada dos portugueses, por tribos nativas das quais se destacavam, por exemplo, as dos Tapuias, dos tupis, dos Guaranis e dos Maromomis 8, onde ao pé da colina de Aparecida houve indícios de que era presente na região culto aos deuses e aos mortos da parte dos nativos do Vale.

Desde os tempos das primeiras Entradas e Bandeiras para o reconhecimento de terras, busca de riquezas e busca de mão-de-obra indígena, a Vila de Guaratinguetá já se mostrou muito importante economicamente. Principalmente a partir de 1685, durante o início da “”, Guaratinguetá era ponto de passagem para as Minas Gerais e para as vilas de Taubaté e São Paulo, além de ser ponto de partida para Parati, principal porto de exportação da Colônia. Durante as primeiras décadas do século XVIII, Guaratinguetá teve importante participação no ciclo do ouro em

7 BRUSTOLONI, Júlio J. “História de Nossa Senhora da Conceição Aparecida”, p. 23. 8 BRUSTOLONI, Júlio J. “História de Nossa Senhora da Conceição Aparecida”, p. 25. 32

Minas Gerais, sendo o principal centro abastecedor do território mineiro, e para lá mandou vários bandeirantes, juntamente com os bandeirantes de Taubaté e de Pindamonhangaba. Nessa época a cidade recebeu uma Casa de Fundição de Ouro, que mais tarde foi transferida para Parati. A economia não era desenvolvida, e estava voltada para o comércio de beira de estrada. Porém, por estar localizada no centro do eixo econômico colonial Minas Gerais – São Paulo – Rio de Janeiro, entende-se a importância da cidade na época e também o por quê de ser uma cidade bem conhecida e de parada obrigatória par aos viajantes e comerciantes.

Segundo o Pe. Ivanir Antônio Rodrighero, em seu artigo Mãe Aparecida no embate entre ciclo do Açúcar e do Ouro, a descoberta de ouro na região não foi resultado do acaso. A idéia de corrida do ouro se espalhou rápido pelo país, devido a dois fatos segundo o autor: 1- o preço desestimulante do açúcar devido ao aparecimento, nas Antilhas, de açúcar com preços mais acessíveis, e 2- pela escassez de metais na Europa seguida pelo esgotamento de minas da América Espanhola 9. Sendo assim, a notícia se espalhou nas capitanias da colônia, exaltando os ânimos de setores da população que “(...) menos se haviam acomodado ao mercantilismo” 10, ou seja, aos setores mais pobres da sociedade colonial brasileira, como pequenos agricultores, pequenos comerciantes e sertanejos de toda a parte do Brasil. Foi exatamente nesta época do início do século XVIII, mais precisamente em 1709, que houve a criação da Capitania de São Paulo e Minas, antiga Capitania de São Vicente fundida com a antiga Capitania de Itanhaém.

Em meados do ano de 1710, a Vila de Guaratinguetá entrou em um período de recessão devido á certa escassez de minérios preciosos na região das Minas, na época unida com a capitania de São Paulo e tendo o mesmo governador, fazendo com que culturas de subsistência fossem feitas na cidade 11. Entre estas podem ser citadas a cultura do milho, da mandioca, do feijão e da criação de animais de porte doméstico. Esta situação de escassez

9 RODRIGHERO, Pe. Ivanir Antônio. Mãe Aparecida no embate entre ciclo do açúcar e do ouro, in “Revista Eclesiástica Brasileira, nº 222, p. 366. 10 Idem. 11 MOURA, Carlos Eugenio M. "Visconde de Guaratinguetá", p. 54‐55. 33

econômica fez com que viajasse até as Minas Dom Pedro de Almeida e Portugal, o Conde de Assumar e governador-geral da capitania de São Paulo.

Localização da Cidade de Guaratinguetá. Fonte: Wikipedia.com.br.

A situação econômica da capitania de Minas Gerais fez com que a situação se agravasse cada vez mais. À época, mais precisamente no ano de 1711, foi criada a Superintendência das Minas de Ouro do Serro Frio, em Minas Gerais, para a qual foi nomeado o Sargento-mor Lourenço Carlos Mascarenhas. Esta criação foi feita por causa de levantes populares ocorridos na região das Minas, causados justamente pela situação de escassez econômica, como citado anteriormente. Um destes levantes populares, por exemplo, foi a Guerra dos Emboabas, um confronto travado de 1707 a 1709, pelo direito de exploração das recém-descobertas jazidas de ouro, na região das Minas Gerais, no Brasil. O conflito contrapôs, de um lado, os desbravadores vicentinos, grupo formado pelos bandeirantes paulistas, que haviam descoberto a região das minas e que por esta razão reclamavam a

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exclusividade de explorá-las; e de outro lado um grupo heterogêneo composto de portugueses e imigrantes das demais partes do Brasil, sobretudo da Bahia, liderados por Manuel Nunes Viana – pejorativamente apelidados de “emboabas” pelos habitantes da Capitania de São Paulo e Minas –, todos atraídos à região pela febre do ouro. Por causa da situação, o governador da capitania de São Paulo residia, na época, segundo Brustoloni, na região de Ribeira do Carmo, hoje a atual Mariana e governava a região de Vila Rica, hoje a atual Ouro Preto 12.

Rodrighero nos chama a atenção para a situação de pobreza pós-guerra da região: após a Guerra dos emboabas, as tropas que uniam as minas de ouro ao litoral acabaram por deixar de fazer o percurso que passava pela cidade de Guaratinguetá, e a cidade ficaram com poucas ou nenhumas opções de comércio. O garimpo excessivo nos mananciais fez com que a quantidade de peixes caísse drasticamente, e o alimento, muitas vezes, ficava restrito à banana e ao pinhão 13.

Em 22 de Dezembro de 1716 foi nomeado Dom Pedro de Almeida e Portugal, posteriormente Conde de Assumar, como governador-geral da capitania de São Paulo. Devido aos recentes ocorridos na capitania de Minas Gerais (principalmente a situação de escassez), que na época via-se unida à capitania de São Paulo, portanto estando sob o comando do Conde de Assumar, o mesmo pôs-se a caminho de Minas Gerais para tentar colocar ordem na situação. Segundo o “Diário da Jornada” 14, Dom Pedro de Almeida e Portugal iniciou sua viagem em setembro de 1717, saindo de São Paulo em direção das Minas, chegando á Pindamonhangaba no dia 13 de Outubro. Após permanecer na cidade por um dia, em 17 de Outubro chega na cidade de Guaratinguetá, um Domingo, na altura do meio-dia. No dia seguinte, logo se prontificou em nomear ofícios e postos de governança na cidade, procedimento este que ocorria durante todo o trajeto de São Paulo á Guaratinguetá, pois por

12 BRUSTOLONI, Júlio J. “História de Nossa Senhora da Conceição Aparecida”, p. 29. 13 RODRIGHERO, Pe. Ivanir Antônio. Op. Cit, p. 370. 14 Diário da Jornada, que fez o Exmo. Senhor Dom Pedro desde o Rio de janeiro até a cidade de São Paulo, e desta até as Minas, no ano de 1717, in “Revista do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico de Lisboa”, nº 3, p. 295 a 316. 35

cada cidade que passava organizava a “vida administrativa” das mesmas e até mesmo castigando funcionários ditos “preguiçosos” e punindo rebeldes e criminosos. De acordo com o registro, se escrito com fidelidade apesar de ser um documento oficial, percebe-se o caráter forte do Conde de Assumar e a seriedade que levava sua vida política, ou talvez a necessidade de uma personalidade enérgica para lidar com a situação de instabilidade político- econômica da região na determinada época. Fora isso, sua fama parece ter sido construída em cima de receio da parte de seus subordinados, mas não nos cabe aqui discutir os aspectos íntimos da vida (política ou pessoal) do Governador, e sim as motivações que o levaram á dirigir-se até a vila de Guaratinguetá e sua ligação com o achado da imagem de Nossa Senhora da Conceição em terra-cota.

Vale ainda recitar as palavras do cronista da Jornada, infelizmente desconhecido, em que retrata a realidade de rivalidade e criminalidade não só na vila de Guaratinguetá, mas em toda a região em volta, devido á situação: “Os naturais são tão violentos e assassinos, que raro é o que não tenha feito morte, alguns sete e oito, e no ano de 1716, se mataram 17 pessoas” 15. A estadia do Conde de Assumar na cidade ficou muito marcada na vida das pessoas locais, pois não era sempre (quase nunca, deve-se dizer) que recebiam alguém de suma importância por lá. Então, até o esforço para a alimentação do governador e sua comitiva era organizada com precisão e visto com importância pelos locais e organizadores da viagem, por isso que foi ordenado aos locais que “apanhassem uma boa quantidade de peixes” 16 para o Conde e sua comitiva. Finalmente, ao que parece, analisando as fontes oficiais a que se tem contato, a visita do Conde de Assumar á vila de Guaratinguetá foi o que ocasionou a pesca da imagem de terra-cota por três pescadores locais, apesar de nada sobre a pesca da imagem em si ter sido relatada em documento oficial, ou seja, no Diário da Jornada.

15 Ibid. 16 BRUSTOLONI, Júlio J. “História de Nossa Senhora da Conceição Aparecida”, p. 31. 36

Como já é conhecido, e também descrito em “Nossa Senhora Aparecida: padroeira do Brasil” 17 era três os pescadores que, á pedido da comitiva e organizadores da mesma que levava o Conde de Assumar ás Minas, dirigiram- se até o conhecido Rio Paraíba do Sul a sim de trazer peixes para a alimentação do Conde e sua comitiva. Os moradores ribeirinhos que foram convocados para apanhar certa quantidade de peixes foram Domingos Martins Garcia, João Alves e Filipe Pedroso. Brustoloni afiram ainda que os “(...) personagens (...) são reais, e não imaginários (...) 18. Confirmando sua afirmação, Brustoloni busca nos livros de batizados e casamentos da paróquia de Santo Antônio de Guaratinguetá os registros de batismo dos “protagonistas” do evento: o Pe. José Alves Vilela anotou, no dia 2 de Maio de 1745 o termo de batismo de um neto de Filipe Pedroso: “ Aos dois dias do mês de maio de mil setecentos e quarenta e cinco batizei e pus os santos óleos a José, filho de Anastácio Pedroso e de sua mulher Maria Siqueira, neto paterno de Filipe Pedroso e de sua mulher Verônica da Silva, já falecida 19”. Já João Alves e Domingos Martins Garcia aparecem, respectivamente, como testemunha de casamento e recenseado do Bairro do Itaguaçu nas Companhias de Ordenanças, em 1765 20. Sobre a data exata do achado da Imagem de Nossa Senhora da Conceição, não é possível determinar, pois a falta de documentos que comprovem o dia exato do achado é um empecilho para a pesquisa. O período mais próximo que podemos propor, de acordo com o Diário da Jornada, é o período entre 17 e 30 de outubro de 1717, pois corresponde ao tempo em que o Conde de Assumar permaneceu na vila de Guaratinguetá.

Durante quinze anos a imagem permaneceu na residência de Filipe Pedroso, onde as pessoas da vizinhança se reuniam para orar. Segundo a narrativa local, diversas vezes as pessoas que à noite faziam diante dela as suas orações, viam luzes de repente apagadas e depois de um pouco reacendidas sem nenhuma intervenção humana. Logo, já não eram somente os pescadores os que vinham rezar diante da imagem, mas também muitas

17 MACCA, Marcelo. "Nossa Senhora Aparecida, padroeira do Brasil", p. 21. 18 BRUSTOLONI, Júlio J. “História de Nossa Senhora da Conceição Aparecida”, p. 31. 19 I Livro de batizados da Paróquia de Santo Antônio de Guaratinguetá, in “BRUSTOLONI, Júlio J. ‘História de Nossa Senhora da Conceição Aparecida’”, p. 32. 20 Ibid. 37

outras pessoas das vizinhanças. A família de Filipe Pedroso construiu um oratório no Porto de Itaguaçu, que logo foi substituído por uma pequena igreja, visto o alcance da devoção á santa. Esta primeira igreja foi construída á pedido do Padre José Alves Vilella, “(...) que assumiu o comando da Paróquia de Santo Antônio de Guaratinguetá, em novembro de 1725 (...)”21 sendo assim o primeiro a elaborar os acontecimentos do porto de Itaguaçu, porém infelizmente este relato foi perdido. No mais, o que se sabe hoje é que o Padre Vilella, assumindo suas funções de Vigário paroquial de Guaratinguetá 22, pediu ao Bispo do Rio de janeiro a aprovação do culto á Nossa Senhora da Conceição Aparecida e a licença para a construção da primeira igreja, que contava como um lugar onde a imagem pudesse ser pública.

1.3 Documentos oficiais sobre a descoberta nas águas do Paraíba do Sul

Alguns especialistas na história de Nossa Senhora Aparecida defendem a idéia de que o achado da imagem de terra-cota foi real, e não apenas uma lenda pertencente à cultura popular tradicional. Brustoloni, por exemplo, busca em dois documentos oficiais eclesiásticos registros que comprovem o episódio do achado da imagem como um fato real, e não apenas folclore de época 23. É pertinente aqui lembrar o seguinte; não é preocupação aqui discutir a veracidade do mito de Nossa Senhora Aparecida, e sim tentar apontar os fatos ocorridos em Guaratinguetá durante o século XVIII o mais fiel possível das fontes históricas nesta primeira parte do trabalho. Também os documentos apresentados a seguir não se supõem tratar da “verdade absoluta”, e sim, novamente, o mais próximo que temos sobre relatos do ocorrido que não fazem parte da narrativa local propriamente dita, respeitando então a devida distância com esta última.

21 BRUSTOLONI, Júlio J. “História de Nossa Senhora da Conceição Aparecida”, p. 40. 22 Sacerdote que o bispo diocesano nomeia para coadjuvar um pároco no exercício do seu ministério pastoral. A área da sua competência pode ser restringida ou ampliada a várias paróquias. No caso do pároco faltar, o Vigário paroquial assume as suas funções até solução. 23 BRUSTOLONI, Júlio J. “História de Nossa Senhora da Conceição Aparecida”, p. 39‐48. 38

Temos o conhecimento de dois documentos oficiais eclesiásticos que narram o episódio: o primeiro seria o “I Livro do Tombo da paróquia de Santo Antônio de Guaratinguetá”, e o outro, as “Ânuas da Província Brasileira dos Padres Jesuítas”. Ambos foram escritos um em 1757 e outro em 1750.

O primeiro consta em um livro de registro que é usado até os dias atuais em muitas das paróquias existentes no Brasil, tendo por finalidade a narração de fatos importantes e notícias pertinentes á paróquia em questão e servindo de documento de registro para as autoridades eclesiásticas. Este livro em questão, na verdade, relata o histórico e dados históricos de capelas locais, com uma parte dedicada ao histórico da Capela de Aparecida. Segundo estudiosos, o livro foi escrito pelo Senhor João de Morais e Aguiar, pároco de Guaratinguetá em meados de 1757. Foi traduzido direto do latim pelo Pe. Brustoloni, e parte dele foi publicado em seu livro 24:

““Notícia da Aparição da Imagem da Senhora No ano de 1719, pouco mais ou menos, passando por esta Vila para as Minas, o Governador delas e de São Paulo, o Conde de Assumar, Dom Pedro de Almeida e Portugal, foram notificadas pela Câmara os pescadores para apresentarem todo o peixe que pudessem haver para o dito Governador. Entre muitos foram a pescar Domingos Martins Garcia, João Alves e Filipe Pedroso com suas canosa. E principiando a lançar suas redes no Porto de José Corrêa Leite, continuaram até o Porto de Itaguassu, distância bastante, sem tirar peixe algum. E lançando neste porto, João Alves a sua rede de rasto, tirou o corpo da Senhora, sem cabeça; lançando mais abaixo outra vez a rede tirou a cabeça da mesma senhora, não se sabendo nunca quem ali a lançasse. Guardou o inventor esta imagem em um tal ou qual pano, e continuando apescaria, não tendo até então tomando peixe algum, dali por diante foi tão copiosa a pescaria em poucos lanços, que receoso, e os companheiros de naufragarem pelo muito peixe tinham nas canoas, se retiraram a suas vivendas, admirados deste sucesso.

24 BRUSTOLONI, Júlio J. “História de Nossa Senhora da Conceição Aparecida”, p. 44‐47. 39

Filipe Pedroso conservou esta Imagem seis anos pouco mais ou menos em sua casa junto a Lourenço de Sá; e passando para a Ponte Alta, ali a conservou em sua casa nove anos pouco mais ou menos. Daqui se passou a morar em Itaguassu, onde deu a Imagem ao seu filho Atanásio pedroso, o qual lhe fez um oratório tal e qual, e, em um altar de paus, colocou a Senhora, onde todos os sábados de ajuntava a vizinhança a cantar o terço e mais devoções. Em uma dessas ocasiões se apagaram duas luzes de cera de terra repentinamente, que aluminavam a Senhora, estando a noite serena, e querendo logo Silvana Rocha acender as luzes apagadas também se viram logo de repente acesas sem intervir diligência alguma: foi este o primeiro prodígio, e depois, em outra semelhante ocasião, viram muitos tremores no nicho e no altar da Senhora, que parecia cair a Senhora, e as luzes trêmulas, estando a noite serena. Em outra semelhante ocasião, em uma sexta-feira para o sábado (o que sucedeu várias vezes), juntando-se algumas pessoas para cantarem o terço, estando a senhora no poder da Mão Silvana da Rocha, guardada em uma caixa ou baú velho, ouviram dentro da caixa muito estrondo, muitas pessoas, das quais se foi dilatando a fama, até que, patenteando-se muitos prodígios que a Senhora fazia, foi rescendo a fé e dilatando-se a notícia, e, chegando ao R. Vigário José Alves Vilella, este e outros devotos lhe edificaram uma capelinha e depois, demolida esta, edificaram no lugar em que hoje está com grandeza e fervor dos devotos, com cujas esmolas tem chegado ao estado em que de presente está. Os prodígios desta Imagem foram autenticados por testemunhas que se acham no Sumário sem Sentença, e ainda continua a Senhora com seus prodígios, acudindo à sua Santa Casa romeiros de partes muitos distantes a gratificar os benefícios recebidos desta Senhora.” 25

O documento é bem simples, de linguagem e escrita de época. O relato de João de Morais e Aguiar começa com a notícia de que o Conde de Assumar, Dom Pedro de Almeida passava pela Vila de Guaratinguetá em caminho ás Minas, como dito anteriormente, e assim sendo, os pescadores locais foram notificados pelas autoridades para que pescassem o maior

25 BRUSTOLONI, Júlio J. “História de Nossa Senhora da Conceição Aparecida”, p. 44‐45. 40

número de peixes possível, para alimentar o governador e sua comitiva. O documento ainda cita o nome dos três pescadores, Domingos Martins Garcia, João Alves e Filipe Pedroso. Em um segundo momento, o relato trata do episódio da pescaria, em que as redes foram jogadas desde o Porto José Corrêa Leite até o Porto de Itaguaçu, sem retirarem nenhuma pesca das águas. Neste ponto, é escrito que João Alves lançou a rede ao rio, porém desta vez retirou uma imagem de Nossa Senhora da Conceição, ainda que desprovida da cabeça. Jogando mais uma vez a rede ao rio, segundo o relato, João Alves retirou a cabeça que faltava na imagem. Logo, o mesmo pescador guardou corpo e cabeça da imagem da santa em um pano, para continuar com a pescaria.

Rio Paraíba do Sul hoje. Foto: IBGE.

A partir deste momento, diz o relato, “(...) dali por diante foi tão copiosa a pescaria em poucos lances, que receoso, e os companheiros de naufragarem 41

pelo muito peixe que tinham nas canoas, se retiraram a suas vivendas, admirados deste sucesso”. Em uma terceira parte do documento, são tratados os momentos de conservação da imagem da santa e alguns de seus primeiros milagres. O relato continua, então, apontando Filipe Pedroso como conservador da imagem achada, guardando esta em sua casa “(...) junto a Lourenço de Sá (...)” por seis anos, e “(...) passando para a Ponte Alta (...)” guardou a imagem por pouco mais de nove anos. Posteriormente, segundo o documento, mudou sua residência para Itaguaçu, passando a imagem para seu filho, Atanásio Pedroso, que acabou construindo um oratório de madeira para que a imagem pudesse repousar, fazendo com que a vizinhança se reunisse todos os sábados para cantar o terço, entre outras devoções. A próxima parte do relato trata sobre alguns ditos “milagres” ocorridos pela santa. O primeiro deles seria testemunhado pelos moradores locais em uma noite de sábado durante a oração do terço. Como “(...) a noite estava serena (...)”, foi de estranhamento geral que as luzes das velas que estavam ao lado da imagem apagassem.

Logo em seguida, em uma tentativa de Silvana da Rocha em acender as velas que haviam se apagado misteriosamente, segundo o documento, estas mesmas se acendem sozinhas, sem intervenção humana. Logo após, foram testemunhados também pela vizinhança, diz o documento, alguns tremores no altar de madeira da qual repousava a imagem da santa, e as luzes das velas ficavam extremamente trêmulas durante o episódio. O terceiro e último relato milagroso narrado por João de Morais e Aguiar trata-se de tremores vindos de dentro de um baú de madeira que abrigava a imagem da santa, quando este estava sendo carregado, novamente, por Silvana da Rocha em uma madrugada de sexta-feira para sábado durante a já comum reza do terço diante do altar da imagem. Finalmente, o relato cita o nome do Vigário José Alves Vilella, em que “(...) junto com alguns outros devotos (...)” edificou uma capelinha que recebia “prodígios” de Nossa Senhora que vinham ao local cultuar ou apenas ver a santa.

Após a divulgação da notícia e da devoção, o documento termina seu relato com a notícia de que esta capelinha havia sido demolida para dar lugar à 42

construção de uma igreja voltada á devoção a Nossa Senhora “Aparecida” (por esta ter “aparecido” do meio do rio) 26. A capela em questão estaria de pé durante a data de quando o documento foi escrito.

Porto de Itaguaçu. Foto: Amyra El Khalili. Arquivo pessoal.

O segundo documento consta em uma compilação das “Ânuas da Província Brasileira dos padres Jesuítas” de 1750. Uma ânua consiste em uma carta-relatório do período de um ano, sendo assim um relatório que províncias de uma determinada Ordem religiosa ou Congregação enviam aos seus respectivos superiores na sede de Roma. Estes relatos contém a vida e atividade religiosa da província em questão, principalmente das pessoas simples e leigos. Algumas vezes, relatam sobre padres ou irmãos falecidos, atividades científicas (nos dias atuais) e sociais e atividades apostólicas. Como estas ânuas em específico contêm também “(...) santas missões pregadas por

26 Toda esta descrição de idéias está contida em “Notícia da Aparição da Imagem da Senhora”, in “I Livro do Tombo da paróquia de Santo Antônio de Guaratinguetá”. 43

padres jesuítas” 27, há uma crônica da santa missão pregada no recém fundado povoado de Aparecida, chamado naquela época de “Capela de Nossa Senhora da Conceição Aparecida”, tratando então do achado da imagem.

Escrita em latim, estas ânuas consistem em uma notícia muito concisa e breve, porém nos interessa para o decorrer da pesquisa. Toda esta notícia, na íntegra, foi transcrita por Brustoloni do texto original em latim “E Collegio Apulopolitano progressi sunt sacerdotes duo ad Parochias usquae quinquaginta lecarum semotas”, fotocopiada e presente no Arquivo da Província Redentorista de São Paulo (APR):

“Da residência de São Paulo, saíram dois sacerdotes dos nossos para pregar as Santas Missões em paróquias na distância de até 50 léguas. Para atender os pedidos insistentes do Sr. Bispo, as Missões foram iniciadas na cidade de São Paulo. (...) Aqueles dois missionários dos nossos, percorreram doze paróquias, além de outras capelas particulares dos povoados, nos quais permaneceram por alguns dias, a fim de atender o mais possível o bem espiritual do povo. Chegaram finalmente à Capela da Virgem da Conceição Aparecida, situada na Vila de Guaratinguetá, que os moradores chamam ‘Aparecida’ porque, tendo os pescadores lançado suas redes no rio, recolheram, primeiro, o corpo, depois, sem lugar distante, a cabeça (sic). Aquela imagem foi moldada em argila; sua cor é escura, mas famosa pelos muitos milagres realizados.Muitos afluem de lugares afastados, pedindo ajuda para suas próprias necessidades. A Capela recebe muitas esmolas pecuniárias, doadas por devoção e gratidão, lucrando todos os meses mais de cem mil réis. Aí, por especial patrocínio da Mãe de Deus, foi mais frutuosa a missão. Esse povoado se consumia em acirradas inimizades, que todos, porém, desfizeram retomando

27 BRUSTOLONI, Júlio J. “História de Nossa Senhora da Conceição Aparecida”, p. 41. 44

publicamente a amizade, após o sermão que fizemos sobre a concórdia com o próximo.” 28

O relato começa com a notícia de que dois sacerdotes acabam por sair da paróquia de São Paulo para pregar “santas missões” em paróquias distantes em até 50 léguas, o que daria por volta de 330 kilômetros. Estes missionários percorrem, segundo o documento, doze paróquias, além de outras capelas particulares ao longo do caminho, parando para descansarem em povoados pequenos e permanecendo por no máximo dois dias. O motivo seria “(...) a fim de atender o mais possível o bem espiritual do povo”. Não há data precisa, mas acabam por chegar à Capela da Virgem da Conceição Aparecida. Aqui, o documento explica o porquê deste nome: “(...) ‘Aparecida’ porque, tendo os pescadores lançado suas redes no rio, recolheram, primeiro, o corpo, depois, em lugar distante, a cabeça”. A notícia continua explicando que a imagem teria sido moldada em argila, e teria uma cor escura, mostrando que desde meados da década de 50, a imagem já apresentava uma cor escurecida, mesmo antes da exposição às velas; então provavelmente escurecida pelo tempo que ficou sob as águas do Rio Paraíba do Sul.

Também são descritas na notícia os milagres realizados desde então, porém infelizmente não foram transcritas por Brustoloni. O relato termina com uma descrição breve sobre a capela, que sabemos ter sido construída pela família Pedroso como dito anteriormente, e dizendo que a mesma recebe esmolas “(...) doadas por devoção e gratidão (...)” e “(...) lucrando todos os meses mais de cem mil réis”. A última notícia relatada no documento diz que a vila era consumida por muitas inimizades, apesar de não ser explicitado que tipo e por quem era esta inimizade, mas os moradores a desfizeram após um sermão feito pelos dois missionários que por lá pararam. Porém, o próprio Brustoloni afirma que a importância deste documento “(...) está mais no seu

28 ACMA – “Arquivos da Cúria Metropolitana de Aparecida” ‐ I Livro do Tombo da paróquia de Santo Antônio de Guaratinguetá, in BRUSTOLONI, Júlio J. História de Nossa Senhora da Conceição Aparecida, p. 47‐48. 45

conteúdo teológico do que no histórico 29”, portanto, consideraremos aqui de maior importância o primeiro documento.

1.4 O início de uma devoção no Vale do Paraíba

Conforme dito anteriormente, podemos considerar o início do culto á Nossa Senhora da Conceição Aparecida na casa de um dos pescadores, Filipe Pedroso, da qual tinha residência na época no sítio de nome Ribeirão do Sá, mudando-se posteriormente para Ponte Alta 30. O início de tal devoção, em primeira análise, pode ser justificado pela simples fé do povo humilde que compartilhou com o fato do aparecimento da imagem no rio durante aquela pescaria. Em certa parte de sua obra, Brustoloni lança uma questão: depois de achada, a imagem quebrada poderia simplesmente ser lançada de volta ao rio. “Por que não o fizeram?”. Para responder á esta questão, o autor recorre ao que entendemos por ser o imaginário coletivo. Afirmando que “certamente (não o fizeram) porque viram na pesca milagrosa (...) um sinal da Proteção da Mãe de Deus 31”, Brustoloni ilustra uma das muitas idéias que Benedict Anderson e Serge Gruzinski trazem em seus livros Comunidades Imaginadas e Colonização do Imaginário, respectivamente.

Em poucas palavras, o Imaginário Coletivo pode ser entendido como um conjunto de símbolos e conceitos de memória e imaginação em uma variedade de indivíduos que pertencem a uma comunidade específica, ou ainda uma sensibilização de todas essas pessoas para compartilhar esses símbolos, fazendo com que se reforce o sentido de comunidade 32. Isso pode ser ilustrado pelo simples fato de, após a cabeça ser consertada (não há registros oficiais que digam, através de análise, como que a cabeça juntou-se ao corpo da imagem, mas a teoria mais aceita é de que foi colada com “cera preta de arapuá”, substância oriunda de abelhas arapuá, pegajosa e usada para colar

29 BRUSTOLONI, Júlio J. “História de Nossa Senhora da Conceição Aparecida”, p. 48. 30 Narrativa do Livro do Tombo, já citada. 31 BRUSTOLONI, Júlio J. “História de Nossa Senhora da Conceição Aparecida”, p. 50. 32 Idéias contidas em ANDERSON, Benedict. “Comunidades Imaginadas” e GRUZINSKI, Serge. “Colonização do Imaginário”. 46

33), os fiéis reuniam-se para orar e rezar o “terço”, em um dia próprio estipulado, os sábados. Isso acabou fazendo com que o culto se expandisse rapidamente, fazendo com que apenas vinte anos após o aparecimento da imagem a devoção já houvesse se espalhado até as províncias de Minas Gerais, São Paulo e Paraná, aproximadamente, e alguma parte bem pulverizada do centro-oeste.

Por receber uma quantidade significativa de fiéis, logo a fama da imagem se espalhou com relatos sobre graças alcançadas e alguns milagres concedidos. A posição da primeira capela, principalmente, foi algo importante para a expansão da fama de Aparecida, tal como a migração de famílias entre estas províncias (estados) e o intercâmbio comercial, da qual o fluxo ia de Sorocaba para a região Sul, pelos tropeiros da Feira de Muares; das minas até Cuiabá pelos mineradores, e de Guaratinguetá para Goiás, através de sertanistas viajantes. Segundo Rubem César Fernandes, “(...) (sic) Aparecida é bem situada aos papéis a que foi chamada a desempenhar 34”. Fernandes justifica tal afirmação apontando o cruzamento entre São Paulo e Rio de Janeiro, em um eixo, e o litoral e Minas Gerais, em outro eixo, como localização do palco sobre o aparecimento da Imagem da virgem, tal como o local de início de sua devoção. Portanto, esta região tem assistido a um tráfego expressivo ao longo de todo esse tempo, sendo eles o de ouro no século XVIII, da cana de açúcar mais tarde, e do café durante os séculos XIX e XX.

33 BRUSTOLONI, Júlio J. “História de Nossa Senhora da Conceição Aparecida”, p. 50. 34 FERNANDES, Rubem César. “Aparecida: nossa rainha, senhora, mãe, sarava!”. In SACHS, Viola. “Brasil e EUA: Religião e Identidade Nacional”, Ed. Graal, 1988, Rio de Janeiro – RJ, pag. 88. 47

Gravura do século XVIII de tropeiros e bandeirantes às margens do Tietê. Artista desconhecido.

Podemos encontrar também em Rubem César Fernandes outro aspecto da história brasileira que pode, com efeito, dar alguma luz sobre os motivos pelos quais a devoção à Aparecida se espalhou consideravelmente rápido entre a população principalmente da região Sudeste. Segundo o autor, durante o final do século XIX, a “(...) hierarquia católica brasileira (...) realizou uma profunda reforma interna 35” com o episódio da expulsão da ordem dos Jesuítas no ano de 1759, pelo então secretário do estado do Reino de Portugal Sebastião José de Carvalho e Melo, o primeiro Marquês de Pombal. Este pode ser considerado o representante do Despotismo esclarecido em Portugal no século XVIII, e que viveu num período da história marcado pelo iluminismo. O Marquês de Pombal é conhecido historicamente por ter desempenhando um papel crucial na aproximação de Portugal à realidade econômica e social dos países do Norte da Europa, mais dinâmica do que a portuguesa. Com a expulsão violenta dos jesuítas do império português, o Marquês de Pombal determinou que a educação na colônia passasse a ser transmitida por leigos nas chamadas Aulas Régias. Até então, o ensino formal estivera a cargo da

35 Ibid, pag. 92. 48

Igreja. O ministro regulamentou ainda o funcionamento das missões, afastando os padres de sua administração, e criou, em 1757, o Diretório, órgão composto por homens de confiança do governo português, cuja função era gerir os antigos aldeamentos36.

Sendo a primeira série de derrotas institucionais que acabaram por enfraquecer severamente o poder da Igreja no Brasil até o século seguinte, era quase que esperada pela Igreja a resposta da religiosidade popular em torno destes assuntos. O episcopado, então, decidiu por investir nas peregrinações populares já existentes, e a peregrinação à Aparecida não foi menos influenciada por causa disto. Muito pelo contrário, segundo Fernandes, “(...) Aparecida foi destacada para receber uma atenção especial (...) 37” em meio ás outras peregrinações já existentes, em que podemos citar, por exemplo, Nossa Senhora de Nazaré, Bom Jesus da Lapa ou Senhor do Bonfim.

Tal influência, segundo Brustoloni, pode ser explicada pelo fato da identificação não só da capela despida da riqueza do ouro, mas da própria recente história até então conhecida do aparecimento da imagem de terra cota por pessoas simples e comuns de um vilarejo humilde 38. Ainda, Brustoloni afirma que a devoção á Nossa Senhora da Conceição Aparecida “(...) se sobrepõe a todas [outras devoções marianas] atraindo todos os fiéis, ricos e pobres, negros e brancos, escravos e livres (...) 39” criando, portanto, características próprias.

Cerca de quinze anos após o aparecimento da imagem, em 1732 e após a mudança de local de repouso da imagem para o altar de Itaguaçu, já era cogitada a idéia da construção de uma igreja. Mas o que impedia tal feito era a necessidade de aprovação do culto à Aparecida pelas autoridades eclesiásticas, pois na época se via em vigor as “Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia”, que tratava de leis e condutas para o padroado e

36 FRASCHINI Neto, M.. O Marquês de Pombal e o Brasil: contribuições às comemorações do 2 °Centenário da morte do Marquês de Pombal. Lisboa: Tipografia Minerva do Comércio, 1981, pag. 114. 37 FERNANDES, Rubem César. “Aparecida: nossa rainha, senhora, mãe, sarava!”. In SACHS, Viola. “Brasil e EUA: Religião e Identidade Nacional”, Ed. Graal, 1988, Rio de Janeiro – RJ, pag. 88. 38 BRUSTOLONI, Júlio J. “História de Nossa Senhora da Conceição Aparecida”, p. 73. 39 Ibid. 49

ordem eclesiástica brasileira em geral. Estas, exigiam uma certa relação de graças alcançadas e os dados principais do aparecimento da imagem da virgem, como condições necessárias para se poder construir uma nova igreja e “nela ser celebrada a eucaristia 40”.

Então, ficou a cargo do Padre José Alves Vilella o pedido para a construção da igreja, oficialização do culto nomeado “Aparecida”, e, conforme as leis vigentes nas “Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia”, e também a aprovação para esta ser benzida de acordo com o ritual romano. Como o culto já havia sido aprovado, em caráter particular (o culto familiar), pelas autoridades locais, não foi muito difícil conseguir a aprovação dos cargos superiores eclesiásticos do Brasil.

Então, em meados de 1743 já estava pronta a documentação que seria enviada ao Arcebispado da Bahia, contendo necessariamente um relatório sobre os fatos “milagrosos” ocorridos em torno da imagem, da qual reservamos uma parte posterior deste capítulo para sua descrição. No mesmo ano, estava pronta a concessão para construir a igreja que abrigaria a imagem de terra cota, tal como a aprovação do culto sob o título de “Aparecida”. Já com o título de “Aparecida” escolhido para a igreja, em 1743, coube ao próprio padre Vilella cumprir as duas primeiras condições: a escolha do local apropriado para a construção da igreja, e também receber a doação do determinado terreno para que a construção do edifício fosse iniciada.

À época, segundo Brustoloni, o terreno deveria servir como patrimônio da Capela em questão 41, pois mesmo de acordo com as “Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia”, durante o regime do Padroado 42, para se difundir uma capela ou igreja era necessário doar uma boa porção de terras que eram divididas em lotes. Sua renda, então, era destinada a sustentar o culto e mais despesas do recém-fundado povoado. Este era um costume e

40 BRUSTOLONI, Júlio J. “História de Nossa Senhora da Conceição Aparecida”, p. 62. 41 BRUSTOLONI, Júlio J. “História de Nossa Senhora da Conceição Aparecida”, p. 157. 42 O Padroado foi criado através de um tratado entre a Igreja Católica e os Reinos de Portugal e de Espanha. A Igreja delegava aos monarcas destes reinos ibéricos a administração e organização da Igreja Católica em seus domínios. O rei mandava construir igrejas, nomeava os padres e os bispos, sendo estes depois aprovados pelo Papa. 50

assim nasceu a maioria das cidades antigas brasileiras. Em poucas palavras, uma grande quantidade de terras era doada à Igreja, e assim esta a usava como fonte de renda e construção de uma capela ou igreja para fundação de um povoado. Porém, durante o Brasil Colonial, este problema não era demasiadamente grande, considerando-se a força que o catolicismo tinha sobre a população, portanto, o maior problema para o padre Vilella seria a escolha do terreno para a construção da igreja.

Durante a época, as terras próximas ao porto de Itaguaçu não eram muito apropriadas para a construção de edifícios, pois a parte plana e baixa estava sujeira á inundações durante as cheias do Paraíba do Sul e a parte mais alta era extremamente estreita, contendo morros muito altos e íngremes, então impróprios para qualquer construção. Então, depois de uma observação do terreno local, foi escolhido o Morro dos Coqueiros como ponto de construção para a igreja de Nossa Senhora da Conceição Aparecida, por ser mais próximo da sede da paróquia local e mais apropriado para ali se construírem a igreja e o povoado que viria a se formar. Após a escolha, Vilella recebeu o terreno escolhido por doação de três escrituras em maio de 1744.

Segundo Brustoloni, a escritura principal do morro, que pertencia a viúva Margarida Nunes Rangel, contém uma passagem interessante: “(...)(sic) e doou de hoje para sempre à Virgem Maria, Senhora da Conceição chamada ‘Aparecida’, para que no dito Morro, chamado dos Coqueiros, pela disposição que tem a dita paragem, lhe possam fazer a nova Capela 43”. Podemos perceber, mesmo se tratando de um documento oficial, a presença forte de um sentimento religioso por parte do contratado e do contratante. Este documento foi escrito assim, talvez, por fazer parte (ou ter sido redigido) pelo poder eclesiástico; infelizmente não se teve acesso ao documento em primeira mão, portanto, não foi possível a identificação do autor exato do documento.

Utilizando-se de escravos, a igreja foi construída pelo Capitão Antônio Raposo Leme, na época fazendeiro de Guaratinguetá que possuía muitos

43 Escritura de doação de Margarida Nunes Rangel na “Coletânea de Documentos e Crônicas da Capela”, in BRUSTOLONI, Júlio J. “História de Nossa Senhora da Conceição Aparecida”, p. 158. 51

escravos 44. No dia 18 de julho de 1745, a primeira igreja de Nossa Senhora da Conceição Aparecida ficou pronta, de acordo com o Livro da Instituição da Capela, 1750 45. De acordo com o mesmo documento, e também citado por Brustoloni, assim que a igreja foi erguida, logo o vilarejo que já nascia aos pés da capela “(...) se preparava para a solene bênção e primeiro Santuário (...) 46” com a benzedura da capela e a entrada da imagem de terra cota para tomar posse no altar.

Terreno próximo ao rio Paraíba do Sul, sujeito á enchentes. Foto: Lázaro Chavez, arquivo pessoal.

Ainda aqui temos considerável importância política pra o acontecimento, visto que era costume de época convidar grandes nomes, tal como da ordem eclesiástica, para a inauguração de novas igrejas, principalmente para uma que já era dado bom destaque como a de Nossa Senhora da Conceição Aparecida. Então, com convites tanto para a população quanto para as autoridades locais e regionais, a celebração de inauguração da capela foi registrada, porém infelizmente muito acabou se perdendo nos Arquivos da Cúria Metropolitana de Aparecida. Mas Brustolini afirma que houve uma procissão conduzindo a imagem desde o porto de Itaguaçu, onde ficava na casa de Filipe Pedroso até

44 Inventário de Antônio Raposo Leme, 1744. 45 ACMA – Livro da Instituição da capela, 1750, “Sentença de posse do Patrimônio”, p. 14. 46 BRUSTOLONI, Júlio J. “História de Nossa Senhora da Conceição Aparecida”, p. 159. 52

esta nova igreja construída para abrigá-la, bem aos moldes da religiosidade popular, ou seja, humildemente e com grande devoção. Infelizmente não conseguimos ter acesso ao relato da procissão. Já a primeira missa na igreja foi celebrada pelo próprio padre Vilella em 26 de julho de 1745, durante as festividades na festa da Senhora de Santana.

Por fim, temos registros descrevendo como era a primeira igreja erguida pelo dito padre Vilella, no I Livro do Tombo da paróquia de Santo Antônio de Guaratinguetá, logo após o relato do achado da imagem de terra cota. O documento segue-se da seguinte forma: “Está situada esta Capela uma légua, pouco menos da matriz, em lugar alto, aprazível e naturalmente alegre. É a igreja de taipa e pilão. (...) é forrada (...) com assoalhos de madeira com campas. (...) tem uma torre, sacristia pintada e ornamentada de todas as cores, os quais e os mais móveis constam no inventário 47”. Também, a igreja recebeu reformas nos anos de 1760, sendo ampliada e tendo sua fachada reconstruída, e em 1824, sendo reformada também para pequenos ajustes.

Temos ainda conhecidas outros dois lugares que abrigaram a imagem de Aparecida até hoje: a Basílica Velha e a Basílica Nova, onde a imagem se encontra até hoje e aberta aos fiéis.

A primeira (Basílica Velha) começou a ser construída em 1845, porém sofreu uma paralisação na obra, da qual perdurou de 1863 até 1878. Finalmente, foi concluída em 1888. A idéia de sua construção veio das reformas que a pequena igreja de taipa sofreu durante as décadas de 1760 e 1770, onde recebeu uma nova fachada e duas torres, e 1824, onde recebeu partes de pedra em seu interior. Porém, era visível a falta de segurança que a pequena igreja oferecia, com bases primitivas cobertas com pedras posteriormente. Então, em 1844, a Mesa Administrativa, ou seja, o que podemos considerar a “alta cúpula” nos administradores da igreja resolveu concertar a situação com a demolição da igreja de taipa, e construção de uma nova igreja, maior para comportar os já assíduos visitantes e para oferecer

47 ACMA – I Livro de Tombo da Paróquia de Santo Antônio de Guaratinguetá, p. 97. 53

mais segurança á imagem, aos párocos e igualmente aos visitantes, fazendo com que sua construção fosse iniciada naquele mesmo ano.

O interessante de se observar é que, segundo Brustoloni, “Em maio daquele ano de 1845, a Mesa alterou o plano, decidindo construir nova fachada com as duas torres e não apenas reparar a torre que ameaçava desabar (...) 48”. O que movia os interesses da Mesa em construir uma nova torre, e não apenas restaurar pode ser explicado pelo grande fluxo de riqueza e progresso que o Ciclo do Café levava ao Vale do Paraíba. Segundo Celso Furtado, o maior problema deste sistema econômico era que, sendo o Brasil um país abundante em terras disponíveis para a agricultura e em mão-de-obra subempregada, os lucros obtidos incentivavam novas inversões de capitais no setor, elevando gradualmente a oferta de café a ser exportado 49. Então, com um crescente capital devido ás grandes exportações de café, o Vale do Paraíba dispunha de um considerável montante de capital para construírem outras torres ao invés de apenas restaurá-las.

A “Basílica Velha” nos dias atuais. Foto própria.

48 BRUSTOLONI, Júlio J. História de Nossa Senhora da Conceição Aparecida, p. 194. 49 FURTADO, Celso. Formação Econômica do Brasil, p. 122‐131. 54

Por fim, temos a basílica Nova, que hoje abriga a imagem de Nossa Senhora da Conceição Aparecida até os dias de hoje. Após a construção da basílica velha, a Congregação do Santíssimo Redentor, conhecida também como a ordem dos Redentoristas chega á região de Guaratinguetá no mês de outubro do ano de 1894. Lá, são acomodados e, segundo Brustoloni recebem certas funções no Santuário, tais como o terço recitado, a missa dos romeiros, atendimento aos doentes e batizados, entre outros serviços 50. Logo em novembro, tiveram que assumir o trabalho do Santuário, devido á uma eventual viagem do então reitor e organizador do Santuário Pe. Claro Monteiro até a cidade de Cruzeiro.

A partir daí, receberam elogios da parte de membros superiores da Cúria de Guaratinguetá, chegando ao momento em que o próprio pe. Claro cedeu a direção da paróquia e do santuário aos redentoristas. Então, com a ajuda dos próprios redentoristas, o então cardeal de São Paulo, Dom Carlos Carmelo de Vasconcelos Motta assume o plano de construção de uma nova basílica voltada ao culto de Nossa Senhora aparecida, alegando a necessidade de uma igreja mais ampla para abrigar todo o número considerável de romeiros que visitavam a basílica velha 51. Os preparativos para sua construção se iniciaram no ano de 1951, com o plano de canalização do córrego da Ponte Alta, que corria aos pés do Morro das Pitas, local escolhido para a construção da nova basílica, porém o eventual contrato com uma firma que fizesse este trabalho só foi assinado em 1953.

Além disso, era necessário aplainar o Morro das Pitas também, portanto o trabalho de construção propriamente dito da basílica nova se iniciou apenas em 1955. Em ordem cronológica, temos então a construção da nave Norte; depois a Torre Brasília que abrigava os sanitários e uma pequena lanchonete; logo depois foi erguida a Cúpula, parte central da Basílica onde está localizado o altar principal e onde a imagem de Nossa Senhora Aparecida está localizada hoje. As partes seguintes a serem construídas foram a Capela das Velas, a

50 BRUSTOLONI, Júlio J. História de Nossa Senhora da Conceição Aparecida, p. 281. 51 Esta nomenclatura só passou a ser usada após a construção da Basílica Nova. 55

nave Sul e por fim as naves Leste e Oeste. A conclusão definitiva da basílica Nova foi no ano de 1980.

Cartão postal da cidade de Aparecida do Norte e a Basílica Nova, nos dias atuais.

Tanto a imagem quanto a basílica foram visitadas muitas vezes pelas mais variadas personalidades da história. Aqui, cabe-nos dizer alguns nomes ilustres que visitaram a imagem ao longo do tempo. Tais visitas devem-se, sem dúvida, pelo fato de estar situada entre os pólos político e econômico do Brasil, principalmente a partir do estabelecimento do garimpo do ouro, como foi dito anteriormente. Temos conhecimento, segundo Brustoloni 52, de muitas personalidades austríacas que vieram dar uma olhadinha, nem que fosse mínima, na imagem. Entre os nomes estão os cientistas Karl Friederich Philipp Von Martius, Johann Baptist Von Spix e o pintor Thomas Ender. Temos outros nomes também, como o pintor Jean-Baptiste Debret, Saint-Hilaire e Zaluar, e muitos outros. Também visitou a imagem Dom Pedro I, primeiro imperador do Brasil, em razão de sua viagem histórica de 1822 para São Paulo. Antes de

52 BRUSTOLONI, Júlio J. História de Nossa Senhora da Conceição Aparecida, p. 79‐82. 56

chegar até a cidade para proclamar (ou não) a independência 53, Dom Pedro I fez uma parada nos arredores da vila de Guaratinguetá.

Diz a história oral local que o príncipe regente subiu a Ladeira e orou diante da imagem de Nossa Senhora da Conceição Aparecida, pedindo a graça da virgem para ser bem sucedido em São Paulo, porém não há documentos que possam provar tal ocorrido, tampouco intenção. Já a visita de Dom Pedro II e a Imperatriz está em notícias do jornal “O Parayba” 54. Aí também esta a notícia da vinda da visita mais importante e ilustre para a virgem: a vinda da Princesa Isabel e do Conde d’Eu, seu marido, em razão da festa do dia 8 de dezembro de 1868 por causa da estipulação da virgem como padroeira do império por Dom Pedro I. Já em Guaratinguetá, participaram da festa e foram eleitos para festejar a mesma festa no ano seguinte, 1869.

Foi nesta ocasião que houve a doação da coroa de ouro á imagem de Nossa Senhora da Conceição Aparecida, de 24 quilates e pesando 300 gramas mesmo com os 24 diamantes “maiores” e 16 diamantes “menores”. Não iremos aqui especular nenhuma razão política sobre este ocorrido, pois receberá a devida atenção mais á frente.

1.5 Restaurações da Imagem

Houve uma primeira restauração da imagem no ano de 1946. Até este ano, a imagem se encontrava do mesmo jeito em que havia sido encontrada no Rio Paraíba em 1717, ou seja, com o pescoço quebrado, uma vez que corpo e cabeça foram encontrados separados e em momentos extremamente próximos, porém não exatamente os mesmos. A própria quebra entre pescoço e corpo pode ser confirmada em um relato antigo, datado de 1770. O Pe. Policarpo de Abreu Nogueira, visitador diocesano refere-se a cordões de ouro

53 Esta passagem provocativa vem do fato de que o estudo sobre o Grito da Independência, como é amplamente conhecida, principalmente com a pintura homônima de Pedro Américo, tem sido constantemente discutida pelos historiadores, sem chegar a um consenso até os dias de hoje. 54 Jornal “O Parayba”, ed. de 03/12/1865, in “BRUSTOLONI, Júlio J. “História de Nossa Senhora da Conceição Aparecida”, ibid. 57

até então pendurados e enrolados no pescoço da imagem, justamente para disfarçar a quebra original.

Ele diz: “O tesoureiro da capela de Nossa Senhora Aparecida disporá dos cordões grossos de ouro dados à Senhora por não serem trastes por sua grossura, que hajam de servir para a consertura da Imagem da mesma Senhora 55”. A partir deste relato, Brustoloni afirma que “ (...) todos os documentos [posteriores] se referem à mesma imagem, apanhada em 1717 56”. Aqui, talvez, podemos identificar outra razão além das já citadas para que uma simples imagem de terra cota desperte a veneração de tantas pessoas ao longo do tempo: o simples fato de que a imagem original, pelo menos no intervalo de 200 anos aproximadamente, não tenha se distanciado dos fiéis. Sempre, até sua primeira restauração, permaneceu em seu nicho para a veneração de seus respectivos fiéis. Em seus primeiros momentos, a imagem eventualmente permanecia na igreja matriz de Guaratinguetá por alguns dias, ou no máximo um mês guardada. Nos dias atuais, a imagem permanece exposta na Basílica de Nossa Senhora Aparecida para os fiéis.

O primeiro restauro da imagem ocorreu no ano de 1946, por decisão do então reitor do Santuário, Pe. Antônio Pinto de Andrade. Esta seria seu primeiro restauro, pois anteriormente a imagem havia apenas sofrido uma “colagem” inicial da cabeça ao seu corpo, nos dias ainda de sua capela na casa da família Pedroso. Segundo Brustoloni, a imagem foi tirada de seu nicho na Basílica Nova no dia 29 de maio de 1946, pelo encarregado de restauro, Pe. Alfredo Morgado. Os passos do restauro também são descritos minuciosamente por ele 57: o primeiro passo foi retirar, cuidadosamente, a cola que estava desde seu primeiro “arremedo” entre o pescoço e o resto do corpo da imagem. Além de ter havido a “re-colagem”, desta vez com instrumentos e técnicas modernas, foram adicionadas á imagem os fios de cabelo laterais que caíam sobre o ombro da virgem, que segundo estudos feitos durante o

55 ACMA ‐ I Livro do Tombo da paróquia de Santo Antônio de Guaratinguetá, vol. 14, p. 15. 56 BRUSTOLONI, Júlio J. História de Nossa Senhora da Conceição Aparecida, p. 109. 57 BRUSTOLONI, Júlio J. “História de Nossa Senhora da Conceição Aparecida”, p. 111. 58

restauro, estavam lá durante seu estado primitivo. Neste primeiro restauro, Morgado utilizou raspas de peroba e cola de madeira.

Infelizmente, passados 4 anos, o material usado para o restauro não resistiu á intensa luz das lâmpadas de seu nicho e acabaram se deteriorando, fazendo com que em novembro de 1950 fosse preciso um novo trabalho de restauração na imagem. Então, o trabalho que desta vez levaria um mês foi conduzido pelo Pe. Humberto Pieroni, da ordem dos Redentoristas de Aparecida. Apesar de uma nova tentativa de colagem, a cabeça da imagem logo não resistiu e caiu sozinha, fazendo com que Pieroni prendesse a cabeça da imagem ao seu corpo com um pino, mais massa de cimento para prender definitivamente a cabeça ao corpo.

A imagem então foi pintada com extrato de nogueira e recobrindo-a com verniz. No entanto, para infelicidade dos padres restauradores e dos fiéis, durante a Peregrinação Nacional da Imagem, do ano de 1965 até 1969, a cabeça perdeu novamente firmeza, aparecendo então uma trinca na base do pescoço em sentido horizontal. A partir daí, foi assinado pelo Cardeal Arcebispo de Aparecida a pedido dos Redentoristas que a imagem não mais saísse de seu nicho 58.

A imagem de Nossa Senhora Aparecida ainda sofreu mais um restauro, na ocasião em que sofreu um atentado no dia 16 de maio de 1978, reduzindo-a em pedaços. Durante a última missa do dia, por volta das 20h 10min, houve falta de energia elétrica em todo o Vale do Paraíba, e neste exato momento, Rogério Marcos de Oliveira conseguiu quebrar, com os punhos, o nicho onde se encontrava a imagem a 2 metros e 20 centímetros do chão e jogar a imagem no chão, fazendo-a partir em muitos pedaços, e fazendo também sua coroa voar até o altar, ficando amassada pelo impacto. Para o restauro foi chamado Pietro Maria Bardi, diretor do Museu de Arte de São Paulo (MASP), e também o diretor do Museu Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro, Edson Motta. Então no dia 28 de junho, os fragmentos foram levados até o MASP para sofrer mais um restauro, sendo incumbida Maria Helena Chartuani, a

58 Ibid. 59

restauradora do MASP de comandar o processo de conserto da imagem. Os materiais usados no restauro foram praticamente os mesmos utilizados nos restaures anteriores, ou seja, cola natural de proxipol, utilizada então nos 165 pedaços á que foram reduzidos a imagem, segundo Brustoloni 59.

Porém, um dos lados positivos da fragmentação da imagem, foi a possibilidade dos especialistas do MASP analisarem melhor a imagem. Além das características já citadas no início deste capítulo, uma conclusão importante foi tirada; a de que a imagem certamente ficou submersa no Paraíba do Sul por um longo período de tempo, pois se foi constatado por este exame minucioso a porosidade da cerâmica, possibilitando então a presente fragmentação interna em formas de escamas. O tempo de submersão anterior ao encontro da imagem, porém não foi calculado, mas estima-se que tenha ficado por um longo período, talvez dez anos submersa. Após a pintura da imagem, da qual foi feita para se parecer com a original, a imagem voltou á Basílica de Aparecida para novamente ser exposta ao público.

59 BRUSTOLONI, Júlio J. “História de Nossa Senhora da Conceição Aparecida”, p. 123.

60

2 Mil Novecentos e Quatro, o ano da Coroação da Virgem

Neste segundo capítulo da pesquisa, trataremos do ano de 1904. Este ano se mostra muito importante para a história de Nossa Senhora da Conceição Aparecida pelo fato de ser o ano de sua coroação. Tal ano foi conhecido como o ano da coroação de Nossa Senhora da Conceição Aparecida, com sua coroa de ouro e manto azul, adornados com pedras e doados pela Dona Isabel Cristina de Bragança e Bourbon, a Princesa Isabel 1.

A coroação ocorreu durante o pontificado do papa Pio X. Nossa Senhora da Conceição Aparecida foi coroada solenemente Rainha do Brasil, e a data exata do ato é 8 de setembro de 1904. A coroação foi efetivada num ato oficial, na presença de muitos membros do Episcopado nacional. A coroação deveria ocorrer sob direção de Dom Joaquim Arcoverde, então arcebispo do Rio de Janeiro, porém este preferiu delegar a obrigação ao Bispo de São Paulo, Dom José de Camargo Barros de colocar uma coroa de ouro, ricamente adornada, sobre a cabeça da imagem de Nossa Senhora da Conceição Aparecida, através de um ato simbólico de reconhecimento da Virgem Aparecida como “rainha”, oficializando sua devoção. Então, de acordo com um decreto da Santa Sé, Nossa Senhora Aparecida passou a ser Rainha do Brasil a partir daí.

A “coroação” em si tem um significado simbólico extremamente importante: a partir desta data, Nossa Senhora da Conceição Aparecida é considerada como verdadeira “Rainha do Brasil”. Isto mostra que o Brasil estava oficialmente ligado à Santa Sé e teria uma religião estipulada, mesmo que, após os atos de 1889, o Brasil possa ser considerado uma nação laica. Além disso, o fato de Ela ter sido coroada deu direitos efetivos, juridicamente, da legalização de seu culto público, podendo sua devoção ser pública em todo o território nacional, e mais do que isso, servindo de exemplo para outros países que ainda resistiam à laicização total de seu governo e abraçavam a imagem da Virgem Maria. Finalmente, isso significava que Nossa Senhora da

1 Na realidade, para não haver equívocos, o nome completo da Princesa Isabel era Isabel Cristina Leopoldina Augusta Micaela Gabriela Rafaela Gonzaga de Bragança e Bourbon. 61

Conceição Aparecida era oficialmente reconhecida, pela Santa Sé como um título católico dedicado à Virgem Maria.

Coroa atual de Nossa Senhora da Conceição Aparecida. Foto: http://www.emule.com.br

Brustoloni descreve bem sobre o ato de coroação da Virgem em História de Nossa Senhora da Conceição Aparecida. Nele, Brustoloni diz que “(...) a idéia da Coroação partiu do Exmo. Sr. Arcebispo do Rio de Janeiro, dom Joaquim Arcoverde, sendo acatada pelos Bispos na Conferência da Província Eclesiástica Meridional do Brasil, reunida em São Paulo, no ano de 1901” 2. Brustoloni ainda afirma que tal intenção de coroar a imagem da Virgem ia ao encontro da vontade do próprio povo, que desde o início de sua devoção por Aparecida já havia lhe colocado um manto e uma coroa, como dito anteriormente.

2 BRUSTOLONI, Júlio J. História de Nossa Senhora da Conceição Aparecida, p. 331. 62

Brustoloni também afirma que havia uma outra razão para que Dom Arcoverde levasse esta decisão à Conferência dos Bispos em 1901. Segundo ele, havia interesse da parte de Dom Arcoverde em demonstrar ao recente regime republicano a “(...) força da fé católica e os sentimentos religiosos (...)” 3 do povo brasileiro. Logo o pedido de Dom Arcoverde foi levado à Santa Sé, encaminhado ao próprio Papa Leão XIII e apoiado pelo Episcopado Nacional.

A república havia banido da Constituição Nacional e da vida pública do país a participação efetiva da Igreja em seu governo. Segundo Boris Fausto, após a proclamação da República e a redação da primeira constituição republicana em 1891, “Estado e Igreja passaram a ser instituições separadas. Deixou assim de existir uma religião oficial no Brasil. Importantes funções, até então monopolizadas pela Igreja Católica, foram atribuídas ao Estado” 4. Até mesmo alguns sacramentos passaram a ter certo controle do Estado, como por exemplo, o casamento, que o Estado apenas reconheceria o casamento civil, e os cemitérios, que passaram para a administração municipal. Porém, os cultos privados, como casamento religioso e velórios, por exemplo, poderiam ser feitos normalmente.

No início do ano de 1904, já haviam se formado, nas cidades do Rio de Janeiro e São Paulo, Comissões Preparatórias dos festejos da Coroação de Nossa Senhora da Conceição Aparecida. Houve até muitas reformas no Santuário para receber os festejos, e também na cidade de Aparecida do Norte. Segundo Brustoloni, a Basílica recebeu nova pintura, houve nivelação na Praça do Santuário e também foi erguida uma estátua comemorativa em bronze da Imaculada Conceição 5. Até a Conferência dos Bispos foi transferida da cidade de Mariana, em Minas Gerais para a cidade de Aparecida do Norte. Números presentes na “Poliantéia da Coroação da Imagem” também aparecem nos relatos de Brustoloni: no total, estiveram presentes 14 bispos, que tomaram parte de toda a cerimônia junto com cerca de 15 mil peregrinos 6. Tal fato é lembrado pelo pesquisador como um momento que “(...) nunca o clero se unira

3 Ibid, p. 332. 4 FAUSTO, Boris. História do Brasil, p. 251. 5 Ibid, p. 333. 6 “Poliantéia da Coroação de Nossa Senhora da Conceição Aparecida”, op. cit., p. 333. 63

com o povo em tão grande multidão, e tão estreitamente unidos pelo mesmo sentimento de piedade” 7.

Cerimônia da Coroação de Nossa Senhora da Conceição Aparecida, em 8 de setembro de 1904. Foto: CDM – Centro de Documentação e Memória/Santuário Nacional.

2.1 Uma nova ordem Política

A Proclamação da república no Brasil foi um passo importante para a História da Igreja neste país. Como vimos anteriormente, a Igreja Brasileira passava por uma reforma intensa de afirmação de poder e separação do Estado, devido à linha d epensamento do Ultramontanismo. Com isso, uma nova ordem política necessitava de uma nova ordem religiosa. Portanto, a passagem do Império para a Nova República necessitava de uma afirmação definitiva de que o Catolicismo ainda se colocava como a religião do povo brasileiro, mesmo que não oficialmente ou reconhcida pelo Estado.

Francisco Iglésias reflete sobre a formação da primeira república em seu livro, Trajetória política do Brasil. Segundo Iglésias, os primeiros passos em direção à República foram dados no dia 3 de dezembro de 1870. Nesta data, começou a circular, no Rio de Janeiro, um jrnal recém criado, entitulado “A

7 BRUSTOLONI, Júlio J. Op. Cit., p. 335. 64

República”. Em seu primeiro número foi publicado, em primeira página, um “Manifesto Republicano”. Tal documento lembrava de tentativas e lutas republicanas em todo o país, além de criticar duramente a monarquia de Dom Pedro II e defendendo firmemente a implantação do regime republicano no país 8. O movimento republicano não apenas se espalhou pelo país como também explicitou certas divergências de caráter político-ideológico entre vários setores da sociedade brasileira, além de fazerem entrar em choque as elites brasileiras. A elite cafeeira, por sua vez, foi buscar apoio em camadas urbanas e nos intelectuais brasileiros, favoráveis à república, ao abolicionismo e à democracia.

Já André Silvério da Cruz enxerga estes setores da sociedade brasileira como responsáveis pela instalação do Congresso Constituinte na cidade do Rio de Janeiro, em 15 de novembro de 1890. Neste congresso foi promulgada a carta constitucional com 91 artigos. Entre eles, alguns decisivos para que a Igreja criasse forças para a criação de uma identidade mais forte na sociedade: o Decreto 119-A de 7, que instituiu a separação entre Igreja e Estado; a laicização do ensino público brasileiro e a divisão e independência de apenas 3 três poderes (Legislativo, Judiciário e Executivo) 9. Com isso, logo no início da república, as oligarquias proprietárias de terras trataram de obter rapidamente o controle político da sociedade, fazendo com que os campos político-social e intelectual brasileiros se tornassem elitistas e autoritários.

2.1.2 A importância da província de São Paulo

Como dito anteriormente, São Paulo tinha uma importância vital para o país, principalmente do século XIX em diante. Muito da motivação pelo qual se deu a coroação de Nossa Senhora da Conceição Aparecida se ilustra nesta importância, uma vez que a mesma é “originária” do Vale do Paraíba, localizado em São Paulo. Este, por sua vez, desde meados do século XVIII

8 9 CRUZ, André Silvério da. O Pensamento Católico à Procura de Lugar na Primeira República Brasileira, p. 5. 65

vem desenvolvendo uma economia forte, baseada no cultivo do café; isto resultará na formação de uma oligarquia potente, fazendo com que a política de todo o país gire em torno da região centro-sul do país, mais precisamente Minas Gerais, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e principalmente São Paulo, a província/estado que nos interessa para esta pesquisa.

A economia paulista teve seu auge com a vinda das primeiras sementes de café trazidas para o Brasil, durante o século XVIII. Boris Fausto, em sua grande obra História do Brasil, faz um estudo completo excelente sobre a história brasileira, dando ênfase aos aspectos políticos e econômicos. Segundo o autor, foi nas primeiras décadas do século XIX que ocorreu de fato o surgimento da produção de café para exportação. E foi exatamente no extenso Vale do Rio Paraíba, atravessando uma parte da província do Rio de Janeiro e de São Paulo, que acabaram por se reuinr as condições ideias para a primeira expansão em níveis comerciais do produto 10. Com isso, formou-se uma nova economia essencialmente agrícola, onde o café para exportação ocupava mais de 80% de todo este setor. Aqui, podemos perceber que não só o eixo econômico passava do nordeste canavieiro para o centro-sul cafeeiro, como também o eixo político, pois juntamente com os grandes latifúndios formouse também uma grande elite econômica formada por grandes proprietários de terras, os fazendeiros do café ou a famosa oligarquia cafeeira.

Este grupo mostra-se influente logo nos primeiros anos da república, com a presidência do marechal Floriano Peixoto. Segundo Fausto, houve um choque de interesses entre o marechal Floriano e a elite cafeicultora de São Paulo. Este choque vinha das visões de república encarnadas por cada um deles: enquanto o marechal via um governo estável, centralizado, vagamente nacionalista e baseado sobretudo no exército e nas escolas civis militares, os grandes fazendeiros viam a república como liberal e descentralizada, que suspeitava o reforço do exército e reivindicava força para os estados 11. Porém, ao contrário do que se previa na época, houve na presidência do marechal Floriano, segundo Fausto, um acordo tático entre o presidente e o Partido

10 FAUSTO, Boris. Op. Cit., p. 186. 11 Ibid., p. 254. 66

Republicano Paulista 12. Neste acordo, foram abordados alguns riscos que o regime republicano corria com forças opostas em disputa. Portanto, o apoio dos cafeicultores foi dada ao presidente, uma vez que este grupo via no governante a garnatia de sobrevivência da república, enquanto Floriano nia a impossibilidade de governar sem o apoio do PRP, formado quase que completamente por grandes cafeicultores paulistas 13.

Principal zona da Economia Cafeeira durante o século XIX. Imagem: http://www.educacional.com.br

Com isso, a força do grupo de cafeitultores paulistas veio crescendo vertiginosamente, pois além de formar a base econômica do país, tiveram um dos seus como o primeiro presidente civil e sucessor do Marechal Floriano Peixoto em 1894. Ele era o presidente Prudente José de Morais e Barros, ou apenas Prudente de Morais, que já era presidente da província de São Paulo em 1890.

O governo de Prudente de Morais, além de ter oposições de alguns membros da classe baixa e baixa-média, e alguns operários e militares, foi

12 Partido Republicano Paulista (PRP) foi um partido político brasileiro fundado em 18 de abril de 1873, durante a Convenção de Itu, que foi o primeiro movimento republicano moderno no Brasil. 13 Ibid., p. 255. 67

importante para o grupo de cafeicultores paulistas. Segundo Fausto, São Paulo “(...)tratou de assegurar sua autonomia, garantida pelas rendas de uma economia em expansão e por uma poderosa Força Pública” 14, sem prtender esfacelar o governo federal. Além disso, os políticos paulistas concentraram-se em assuntos e iniciativas para obter o apoio do governo federal aos planos de valorização do café. Importante ressaltar também que o sucesso paulista no governo se deu não apenas por sua importância econômica, como aponta Fausto. Um fator muito importante nesse sentido também foi ofato de que a grande maioria da elite paulista abandonou rapidamente suas divergências, sejam elas econômicas ou ideológicas, para cerrar as fileiras em torno do PRP 15.

Logo após a presidência de Prudente de Morais, outro paulista foi eleito como seu sucessor. Manuel Ferraz de Campos Sales, ou apenas Campos Sales foi o escolhido, e em seu governo se deu a consolidação da República liberal tão procurada pelos cafeicultores paulistas. A oposição já havia caído: o movimento jacobino, grupo de pessoas que defendiam os ideias da corrente predominante na Revolução francesa foram debandados após uma tentativa de assassinato do presidente anterior, Pridente de Morais, e os militares “voltaram aos seus quartéis” 16. A Elite política dos grandes Estados, até então com São Paulo à frente, estava triunfando. Porém, faltava pouco para que a república oligárquica, ou seja, a “política de poucos” (no caso, os grandes proprietários de terras) pudesse se encontrar em um sistema político estável. Por causa disso, Campos Sales desenvolveu a conhecida “política dos governadores” para consolidar de fato a república oligárquica e afastar qualquer tipo de disputa ou oposição mais concentrada. Esta “política dos governadores” consistia basicamente em uma sistentaçaõ do governo central aos grupos dominantes de cada estado, enquanto esses, em troca, darem seu apoio à política do presidente da república 17. Com este tipo de política, o grupo

14 Ibid., p. 264. 15 Ibid., p. 270. 16 Ibid., p. 258. 17 Ibid., p. 259. 68

dominante de São Paulo, os cafeicultores, tinham seus direitos gaantidos e a importância da região crescia a cada mandato presidencial.

A “república oligárquica” então, tinha o poder concentrado por um grupo reduzido de políticos em cada Estado. Os partidos republicanos de cada estado decidiam como seria o destino da política nacional, e fechavam os acordos para a indicação de candidatos à presidência da República. Isso fez com que os mais pdoerosos partidos brasileiros, especialmente o PRP e o PRM (Partido Republicano Mineiro) se “revezassem” no cargo presidencial, trazendo também o poder para a elite mineira. A “política do café-com-leite”, segundo Fausto, “(...) foi uma política de revezamento do poder nacional executada na República Velha entre 1898 e 1930, por presidentes civis fortemente influenciados pelo setor agrário dos estados de São Paulo - mais poderoso economicamente, principalmente devido à produção de café - e Minas Gerais - maior pólo eleitoral do país da época e produtor de leite” 18.

Durante o período de 192 à 1906, que envolvem o ano de coroação da Virgem Aparecida, sobre ao poder mais um paulista, Francisco de Paula Rodrigues Alves. Adriana Lopez e Carlos Guilherme Mota, em seu livro História do Brasil – Uma Interpretação, trazem alguns aspectos interessantes sobre este presidente. Além de já ter sido presidente da província de São Paulo durante os anos finais do império, de 1887 à 1888, este paulista tinha uma mentalidade monarquista, obtendo o posto até de “conselheiro” do imperador, título que utilizou até o final de sua vida 19. Além disto, Rodrigues Alves era nascido e criado em Guaratinguetá, cidade muito bem conhecida por nós até agora, no Vale do Paraíba. O que podemos perceber claramente é que, a devoção á Nossa Senhora da Conceição Aparecida pode ter contado com um terreno muito fértil no governo deste paulista de Guaratinguetá. Lopez e Mota ainda nos lembram de algumas coisas: o centro da vida econômica e política brasileira havia se deslocado para o Sul, com a decadência da aristocracia rural canavieira do Nordeste 20. Além disto, por volta de 1872, segundo os

18 Ibid., p. 261‐262. 19 LOPEZ, Adriana & MOTA, Carlos Guilherme. História do Brasil – Uma Interpretação, p. 577. 20 Ibid., p. 578. 69

mesmos autores, havia um certo equilíbrio entre a população do Norte- Nordeste e a população do Sul, em 1900 foram triplicados os números de habitantes dos estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Rio grande do Sul 21. Vamos vendo, aos poucos, que a situação político-economica da região favorecia e muito ao ocorrido em Guaratinguetá n oano de 1904.

2.1.3 A necessidade paulista de uma Identidade

A partir do século XIX, São Paulo passava por uma grande mudança sócioeconômica. Começamos a ver alguns fatores que explicitavam a importância da região centro-sul brasileira, mais especificamente o estado de São Paulo. Além de sua importãncia política, e da grande importãncia econômica da região, outras mudanças sociais começaram a acontecer. Uma delas é a grande inda de imigração. A partir deste ponto, veremos alguns fatores que explicitavam a necessidade do encontro de uma “identidade” local.

Sobre a imigração em massa, Fausto afirma que o Brasil foi um dos países americanos que mais recebeu pessoas vindas da Europa e da Ásia durante o final do século XIX e início do XX. Trazidos à terras brasileiras em busca de oportunidades de trabalho e melhores condições de vida, o Brasil concentrou mais de 3 milhões de imigrante, sendo que o período entre 1887 e 1914 foi o período que mais concentrou essas ondas, com 72% do total de todos os imigrantes vindos ao Brasil 22. Essa concentração é explicada por Fausto pela forte demanda de força de trabalho para a lavoura de café daqueles anos, principalmente até o início da Primeira Guerra Mundial em 1914. Dentre os estados da região centro-sul, São Paulo foi o estado que mais se destacou, concentrando sozinho a maioria de todos os residentes estrangeiros no país (52,4%), pois havia facilidades concedidas pelo Estado, como passagens e alojamentos, e pelas oportunidades de trabalho abertas

21 Ibid., p. 579. 22 FAUSTO, Boris. Op. Cit., p. 275. 70

pela economia cafeeira em seu auge 23. Destes numerosos imigrantes, a maioria eram de origem italiana, portuguesa e espanhola.

Imigrantes italianos em fábrica. Foto: http://www.portalsaofrancisco.com.br

Importante ressaltar que, ainda segundo Fausto, “Os imigrantes mudaram a paisagem social do centro-sul do país, com sua presença nas atividades econômicas, seus costumes, seus hábitos alimentares, contribuindo também para valorizar uma ética de trabalho” 24. Percebe-se aqui o intenso diálogo cultural, típico do Brasil desde seus anos de Colonização. Porém, tudo indica que este “bombareio imigrante” acaba por influenciar maciçamente a sociedade paulista, de forma saudável. E com isso, seria muito provável, da parte das autoridades, que surgisse também uma necessidade de consolidar, ou ao menos explicitar os limites entre cultura nacional e cultura estrangeira.

23 Ibid., p. 276. 24 Ibid., p. 281. 71

Imigrantes japoneses em fazenda em Presidente Prudente na década de 30. Foto: Assis Brandão, acervo de fotos do Museu da Imigração da Sociedade Brasileira da Cultura Japonesa e de Assistência Social.

Outro fenômeno ocorrido no Estado de São Paulo foi muito importante para que houvesse a procura por uma identidade: a urbanização. Fausto afirma que, a partir de 1886 São Paulo começou a crescer em um ritmo estonteante, sendo que a grande arrancada se deu entre 1890 e 1900, período este em que a população paulistana passou de 64.934 para 239.820 habitantes. Isto acaba por registrar uma elevação de 268% no período de dez anos, contantdo com um crescimento anual de 14% 25. Este crescimento acabou por se desembocar na alta urbanização de São Paulo, criando por sua vez cada vez mais espaço para o culto privado.

Lopez e Mota chamam nossa atenção ao que eles chamam de “constelação urbana”, que incluía as cidades de Sorocaba, Campinas e Mogi das Cruzes 26. Este núcleo de red urbana se beneficiava pela malha ferroviária

25 Ibid., p. 286. 26 LOPEZ, Adriana & MOTA, Op. Cit., p. 620. 72

que passava por esta região, da qual se ligava com o porto de Santos. Além disso, os autores ainda apontam o grande mercado consumidor diferenciado que havia pela região neste innício do século XX. Era muito bem dotado de matérias-primas para indústrias básicas, alimentos, tecidos, cerâmica e olarias; tal como “(...) a excelente localização geográfica para continuar a desempenhar relações internacionais, daquelas com outros estados brasileiros e das regionais” 27. A grande série de hotéis, lojas, a Academia de Direito no largo de São Francisco, escolas de Engenharia e a Santa Casa, na virada do século, acabou por atrair um novo setor da sociedade, intermediária entre a aristocracia rural e urbana e os proletários, formada por estudante, normalistas, advogados, caixeiros, comerciantes, funcionários públicos e toda uma gama de profissionais urbanos 28.

No campo dos movimentos sociais, podemos chamar a atenção para dois movimentos ocorridos, segundo Fausto, no campo. Estes movimentos atingiram notoriedade nacional, e atraíram a “atenção religiosa” para suas determinadas regiões: a revolta de Canudos, na região Nordeste, e a revolta do Contestado, ainda na região centro-sul, porém na divisa entre Paraná e Santa Catarina. Âmbos movimentos acabaram por criar uma certa identidade religiosa para as regiões em questão, mais o primeiro do que o segundo.

A revolta de Canudos ocorreu no sertão da Bahia, da qual formou-se uma povoação centrada na administração de seu líder, Antônio Vicente Mendes Maciel, ou Antônio Conselheiro. Após sua conversão em beato, costumava pregar para os fiéis do Arraial de Canudos, o que fortalecia mais a sua liderança. Quando combatidos pelas forças federais, pois sua comunidade acabava formando uma “sociedade paralela” ao governo federal, Conselheiro foi morto, virando então símbolo religioso onde em volta se reuníam os moradores fiéis do Arraial. Já a revolta do Contestado foi um conflito armado entre a população e os representantes do poder estadual e federal brasileiro ocorrido em uma região limítrofe entre o Paraná e Santa Catarina. Nesta revolta, os rebeldes acabaram por se agrupar em volta de José Maria,

27 Ibid. 28 Ibid., p. 622. 73

um dos rebeldes pregadores que morreu logo no início do conflito. Semelhante à Canudos, um acampamento baseado na igualdade e fraternidade foi montado, formando também um poder paralelo ao governo federal. Acamapmento este que reivindicava a posse da terra enquanto esperavam a volta de José Maria.

Estes dois conflitos tem algo em comum, em âmbos foi tomada uma postura messiânica 29, onde tanto Antônio Conselheiro quanto o beato José Maria voltaria dos mortos para liderar o grupo até a vitória, e finalmente conseguir sua “terra prometida”. Então, podemos perceber que além de estas revoltas estipularem uma ordem paralela ao governo federal, também acabou por criar figuras religiosas paralelas àquelas defendidas pela Igreja, onde o único messias que voltará dos mortos para liderar a humanidade à “terra prometida” é Jesus Cristo. Então, percebemos dois fatores que poderiam ter contribuído para a coroação de Nossa Senhora da Conceição Aparecida, onde 1- interesse da igreja paulista em reforçar seu ícone religioso, presente na história local e nacional desde o século XVIII; e 2- interesse da própria Igreja Católica em liquidar, mesmo que mínima, a devoção á ícones religiosos extra- oficiais, como Maria José e Antônio Conselheiro.

2.1.4 Nossa Senhora da Conceição Aparecida como símbolo católico

Como dissemos no início da nossa pesquisa, na passagem do século XIX para o XX, o significado da devoção mariana cresceu abruptamente. Segundo Sylvie barnay, mais precisamente em 8 de dezembro de 1854, quando o papa Pio IX proclama a bula Ineffabilis Deus, onde nela se define solenemente a Imaculada Conceição de Maria, ou seja, a isenção de Maria do pecado original desde o primeiro instante de sua existência 30. Além de fortalecer a devoção mariana no Brasil, este fato também afirma um ponto de

29 O messianismo é, em termos restritos, a crença divina ‐ ou no retorno ‐ de um enviado divino libertador, um messias, com poderes e atribuições que aplicará ao cumprimento da causa de um povo ou um grupo oprimido. 30 BARNAY, Sylvie. A renovação da teologia e cultos marianos, in CORBAIN, Alan. “História do Cristianismo”, p. 386. 74

discordância entre católicos, e protestantes e ortodoxos, da qual negam a isenção do pecado em Maria, uma vez que isto não está presente na sagrada escritura 31.

João Paulo Berto, em seu artigo A Força Política da Fé: Estado e Igreja na Formação Identitária em Torno da imagem de Nossa Senhora da Conceição Aparecida, faz um belo ensaio sobre a imagem de Nossa Senhora da Conceição Aparecida como um símbolo local e nacional. Segundo o autor, após fim do império e consequentemente à ligação entre Igreja e Estado, a grande preocupação com a manutenção e reestruturação da instituição católica caminhou com a discussão sobre a formação de um Estado-nação. Com isso, o interesse das autoridades eclesiásticas em que a sociedade brasileira apresentasse interesse e característica católica ficou evidente. A necessidade de um imaginário coletivo que representasse a nova nação brasileira aos moldes católicos foi uma das principais motivações pelo qual ocorreu a coroação da Virgem Aparecida 32.

Quem nos ajuda a compreender isto é José Murilo de Carvalho, e sua obra A formação das almas: o imaginário da República no Brasil. Nele, Carvalho reflete sobre a importância do uso de símbolos e alegorias na implantação de um novo regime, tal qual sua legitimação. Segundo ele, foi isto que possibilitou a construção de um corpo de nação. Ainda, para que o novo regime funcionasse, “(...) talvez fosse necessária a existência anterior do sentimento de comunidade, de identidade coletiva, que antigamente podia ser o de pertencer a uma cidade e que modernamente é o de pertencer a uma nação 33”. Uma das tentativas, inicialmente da parte da Igreja e depois a aceitação do Estado, de que fosse criado um ícone que despertasse o sentimento de “nação” no povo brasileiro, foi a oficialização do culto de Nossa Senhora da Conceição Aparecida através de sua coroação. Afinal, além de ser uma devoção mariana, fazia parte da devoção da mais importante região

31 Ibid., p. 387. 32 BERTO, João Paulo. A Força Política da Fé: Estado e Igreja na Formação Identitária em Torno da imagem de Nossa Senhora da Conceição Aparecida, p. 12‐13. 33 CARVALHO, José Murilo. A formação das almas: o imaginário da República no Brasil, p. 32. 75

brasileira, economicamente e politicamente. Não é de se admirar que o governo de líderes paulistas chamasse a atenção para sua própria região.

Retalho da obra de Eugène Delacroix, A Liberdade Guiando o Povo. Foco em Marianne, símbolo da República durante a Revolução Francesa.

Através também da reflexão de Carvalho sobre “alegorias femininas”, cuja influência francesa é bem marcante, podemos colocar a Virgem Aparecida dentro deste contexto. A associação entre Aparecida como suposto símbolo da república é quase imediata com Marianne, a figura alegórica criada na Revolução Francesa para que representasse sua república. Berto afirma que houve críticas da parte de pensadores católicos sobre o modelo da Virgem Aparecida como símbolo da nação brasileira em ser difundido, porém a realidade laica francesa não teria força dentro de um panorama religioso como

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o do Brasil 34. Com isso, o caminho ficou livre para que surgisse uma mariolatria cabida à Virgem Aparecida como símbolo paulista, que viria a ter aceitação nacional no final do século XIX e início do XX, além de ter sua devoção enraizada desde os princípios da colonização brasileira com a devoção á Nossa Senhora da Conceição.

Em seu livro Coroação de Nossa Senhora Aparecida a 8 de setembro de 1904, o então bispo de São Carlos Dom José Marcondes Homem de Melo escreve:

“(sic) Coroação de Nossa Senhora Apparecida significa que a Santa Igreja

approva solemnemente o culto de veneração, de piedade e de confiança que

os fieis de longa data tributam á Imagem de Nossa Senhora Apparecida, e

symbolisa essa sua approvação coroando com uma imagem de ouro tão

sagrada e veneranda Imagem.

A Coroação é portanto uma ceremonia symbolica e deve por isso ter a sua

razão natural, e é o que entramos a dar. (...)D’esta maneira a santa Igreja se

rejuvenece com estes banhos do passado, a fé se inflamma com estas illuminações, e o povo fica comprehendendo que na santa Igreja tudo é grande;

que as suas ceremonias têm a sancção da palavra divina, a sancção dos

seculos, a sancção da arte e a sancção da fé das multidões”. 35

Mais do que isso, Andréa Maria de Queiroz Alves em sua dissertação Pintando uma Imagem de Nossa Senhora Aparecida, vê uma demonstração de capacidade de liderança e de organização da parte da Igreja, uma vez que a cerimônia de coroação foi marcada a fim de coincidir com a Conferência dos

34 BERTO, João Paulo. Op. Cit., p. 13. 35 HOMEM DE MELO, José Marcondes. Coroação de Nossa Senhora Aparecida a 8 de setembro de 1904, apud. BERTO, João Paulo. A Força Política da Fé: Estado e Igreja na Formação Identitária em Torno da imagem de Nossa Senhora da Conceição Aparecida, p. 15.

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Bispos que acontecia na cidade de Aparecida do Norte. Por isso, no dia da celebração, uma quantidade grande dos bispos e do clero brasileiro estava lá para testemunhá-la 36.

Homem de Melo também transcreve o discurso feito por Dom João Francisco Braga, bispo de Petrópolis, ao final da Missa Pontifical durante a celebração da coroação:

RELIGIÃO E PATRIA; BRASIL E MARIA: são ideaes queridissimos do coração brazileiro.

Quer-se-á uma prova?

Hontem, agitou-se ainda uma vez, a alma popular, ao recordar a data historica da emnacipação política do Brasil.

INDEPENDENCIA OU MORTE, foi o primeiro grito de Pedro Primeiro, constituindo a nação: SENHORA DA CONCEIÇÃO PADROEIRA DO BRASIL, foi o segundo grito, contemporâneo, do monarcha Fundador.

(...) Hontem, celebrávamos a fundação da nação Brasileira; hoje, e aqui, celebramos a Padroeira desta grande nação, sob um de seus titulos mimosos: VIRGEM APPARECIDA. E eis porque eu ouço a voz profunda e melodiosa de uma nação inteira, de uma grande nação, a voz do BRAZIL querido 37.

Com isso, Berto afirma que “a Igreja, ao apresentar Nossa Senhora como Rainha, relembrando uma expressão da monarquia recém extirpada, por meio da coroação solene e grandiosa, parece buscar evidenciar sua força e tornar a demonstrar e recolocar sua presença na vida do país frente às

36 ALVES, Andréa Maria Flanklin de Queiroz Alves. Pintando uma Imagem de Nossa Senhora Aparecida – 1931: Igreja e Estado na construção de um símbolo nacional, p. 52, apud. BERTO, João Paulo. “A Força Política da Fé: Estado e Igreja na Formação Identitária em Torno da imagem de Nossa Senhora da Conceição Aparecida”, p. 15. 37 BRAGA, Dom João Francisco in HOMEM DE MELO, José Marcondes. Coroação de Nossa Senhora Aparecida a 8 de setembro de 1904, apud. BERTO, João Paulo. A Força Política da Fé: Estado e Igreja na Formação Identitária em Torno da imagem de Nossa Senhora da Conceição Aparecida, p. 16. 78

limitações impostas pelo novo regime” 38. Tudo isso, lembrando que o dia da celebração da Coroação da Virgem Aparecida se deu um dia após as comemorações do 7 de setembro, ou seja, da data oficial da Independência do Brasil.

2.2 Antecedentes Institucionais da Coroação

Para entender qual era a situação do catolicismo brasileiro durante o início do século XX, seria necessário entender seus antecedentes. Em seu livro A Igreja Paulista do Século XIX, Augustin Wernet dedica toda esta obra para refletir sobre esta situação.

Desde a chegada dos portugueses em terras brasileiras, houve um tipo de catolicismo presente na sociedade conhecido como “catolicismo tradicional”. Wernet trata deste catolicismo tradicional como sendo “(...) prioritariamente de caráter leigo, social e familiar” 39. A presença dos leigos sempre foi muito forte nos organismos eclesiásticos, pois a direção, e até a organização de muitas associações católicas estavam nas mãos de leigos. Estas tinham por direção uma diretoria escolhida por confrades da determinada ordem. Esta diretoria tinha o poder de deliberar e decidir sobre os negócios da confraria, tendo o capelão da ordem (escolhido pela diretoria) as principais funções.

Durante princípios do século XIX, a Igreja no Brasil passava por um momento marcado, segundo Wernet como “cristandade”: um estado de interpenetração entre religião e sociedade, Igreja e Estado em que os poder ES políticos e religiosos acabam se confundindo. Tal aspecto poderia ter sido trazido pela própria cultura européia, onde muitos monarcas foram chefes efetivos da Igreja, e não o Papa, muitas vezes até obscurecido por estadistas.

Mais do que isso, havia no Brasil o regime de “Padroado”, da qual sempre havia predomínio do Estado sobre a Igreja e também trazido de

38 BERTO, João Paulo. Op. Cit., p. 15. 39 WERNET, Augustin. A Igreja Paulista no Século XIX, p. 17. 79

Portugal. Desta forma, A Igreja delegava aos monarcas destes reinos ibéricos a administração e organização da Igreja Católica em seus domínios. O monarca ordenava a construção de igrejas, nomeava os padres e os bispos, sendo estes depois aprovados pelo Papa. Este regime foi passado para suas colônias, no caso o Brasil, da forma de que as nomeações ficavam á cargo dos administradores das províncias, ou mesmo das câmaras municipais, em algumas vezes.

Em seu artigo O Pensamento Católico à Procura de Lugar na Primeira República Brasileira, André Silvério da Cruz trata do regime de padroado como uma “anomalia” dentro da Igreja Católica, pois desde meados do século XIX este modelo deixou de existir para dar lugar á um modelo institucionalista eclesiástico separado de qualquer instituição política (do Estado) 40.

O que nos interessa aqui é o fato de que, segundo Wernet, o caráter social e familiar do catolicismo tradicional faz com que haja uma interpenetração da religião com a vida social 41, tanto no âmbito público como privado. Principalmente durante o processo de emancipação política brasileira, durante os anos 1821-22 42, esta interpenetração entre religião e vida social mostra-se no grande envolvimento de padres na política. Em São Paulo esta situação é muito visível. Só na Câmara dos Deputados em São Paulo, segundo Wernet 43, do Primeiro Reinado até o início das Regências, o número de padres presentes na Câmara sobre de zero para quatro. Inicialmente, o número parece muito pequeno, mas explica-se, paradoxalmente, pela tendência iluminista do pensamento brasileiro durante esta época.

Augustin Wernet também reflete sobre esta situação no Brasil durante o século XIX. Ele chama de “padres ilustrados” a ala católica que acabou por absorver o pensamento Iluminista de Marquês de Pombal no século XVIII.

40 CRUZ, André Silvério da. Op. Cit., p. 2. 41 Ibid., p. 24. 42 Entenda‐se aqui o processo de “separação política” entre Brasil e Portugal, no que consiste a volta da Coroa Portuguesa para Portugal e o início de um governo monarquista de um brasileiro (Dom Pedro I). 43 WERNET, Augustin. Op. Cit., p. 66. 80

Estes padres ilustrados, segundo Wernet 44, encaravam positivamente o mundo e as realidades terrestres, por isso entendiam a ciência como um saber “operativo”, necessária para a resolução de problemas terrestres e mundanos. Caberia então à Igreja, à religião, a tarefa de promover a educação moral da sociedade. Por isso a penetração do clero na política brasileira durante o século XIX.

Somado á isso, a Constituição do Império do Brasil dizia claramente que “(...) a religião católica apostólica romana continuará a religião do Estado” 45. Com isso, durante todo o império o sacerdote se via como um funcionário público, servindo ao Estado que por sua vez servia alimentando o clero, sustentando-o. Segundo Wernet, “O clero anuncia os dogmas da religião, que é uma das firmíssimas colunas do Estado. O Estado pressiona o clero para que continue a desempenhar sua função de sustentáculo do regime. A Igreja pleiteia o Estado as côngruas para o seu clero. Atendida, vê o seu clero atrelado à máquina administrativa” 46. Percebemos também que até a paróquia servia como célula administrativa, pois as eleições realizavam-se na Igreja Matriz, da qual tinha celebrada uma missa solene pelo Espírito Santo antes de se dar início.

Porém, em meados do século XIX, certa elite “ilustrada” do clero paulista, como chama Wernet, não representava a totalidade deste grupo. A decadência do clero paulista vinha dos outros padres e clérigos ordenados na primeira metade do século XIX. Estes chegaram aos cargos exercidos devido à influência das elites locais que utilizavam a importância política do clero, tal como por indicações de suas famílias fazendeiras e latifundiárias, influentes nas regiões específicas onde os vigários eram eleitos para determinado cargo. Wernet dá relativa importância para Dom Manuel Joaquim Gonçalves de Andrade, Bispo de São Paulo entre os anos 1827 até 1847, e responsável por ordenar muitos padres durante meados do século XIX sem que tivessem passado por um instituto de Filosofia e Teologia, deixando assim de organizar

44 Ibid., p. 38. 45 Em Anais da Assembléia Constituinte do Império do Brasil, 1823, op. cit, p. 69. 46 WERNET, Augustin. Op. Cit., p. 69. 81

devidamente os estudos eclesiásticos 47. D. Manuel Joaquim vivia como o clero de sua época: era fazendeiro e dono de escravos, amante das caçadas e com uma atuação política bem relevante em São Paulo durante sua vivência como parte do clero. Além de militante do Partido Conservador durante a década de 1840, foi várias vezes vice-presidente da Província de São Paulo e usava sua autoridade, segundo Wernet, “(...) para influir no clero politicamente” 48.

Esta situação do clero paulista, somada com a liderança de semelhante chefe, a decadência do clero paulista foi iminente. A partir desta situação, houve muitas insistências da parte do baixo clero e de muitos leigos para que houvesse mudanças dentro do clero. Para outros ainda, deveria haver uma reforma religiosa que abrangesse também a ordem política da Província, uma vez que esta estava recheada da presença do clero. Para alguns políticos e padres, este momento seria muito oportuno para que houvesse uma reforma eclesiástica na província, uma vez que o país passava por um momento de reforma constitucional nas décadas de 1830 e 1840.

Então, o Bispo de São Paulo D. Manuel Joaquim teve de ceder ás vontades dos leigos, baixos cleros e políticos, indicando então uma Comissão da qual ficou responsável, junto com a Comissão Eclesiástica da Assembléia Provincial, de elaborar um projeto de reforma para o clero paulista. Pronto em 1835, este projeto propunha, entre outras coisas, o relaxamento da lei do celibato para combater a situação moral do clero; reformulação da formação profissional do clero para combater o baixo nível cultural do mesmo; e a criação de uma Caixa Eclesiástica para remediar a situação financeira do clero.

Este projeto ficou por muito tempo em estudo e discussão na Comissão Eclesiástica, até que entre os anos 1838 e 1839, na fase final da organização do Estado brasileiro, muitos políticos ativos e principalmente conselheiros de Dom Pedro II chegaram á conclusão de que, para que esta reforma tivesse efeito, o melhor fundamento que atenderia a esta necessidade seria o Catolicismo Ultramontano.

47 Ibid., p.80. 48 Ibid., p. 81. 82

2.2.1 O Ultramontanismo

O Ultramontanismo surgiu na França na primeira metade do século XIX com a proposta de “frear” o fenômeno que vinha ocorrendo na época, de a Igreja estar se tornando departamento de um Estado. Segundo Wernet, podemos perceber no procedimento dos Ultramontanos certo esforço para se estruturar um ensaio de dominação da autoridade espiritual sobre a temporal, e ainda defendem a primazia da fé sobre a Ciência, onde “(...) o predomínio das verdades reveladas sobre as que resistem ‘ao tribunal da razão’” 49. Portanto, o ultramontanismo serviu não apenas aos interesses da Igreja em mostrar-se como “independente” e forte centro da cristandade, mas também aos clérigos interessados na manutenção do status quo no Brasil.

Para André Silvério da Cruz, o Ultramontanismo contou como um movimento conservador dentro da própria instituição, configurando-se por “(...) raízes também conservadoras como resposta ao impacto das revoluções liberais européias e o desenvolvimento filosófico e científico que agitaram Roma (...)” 50. Podemos perceber então que o Ultramontanismo foi marcado por um centralismo institucional muito grande, fechando a Igreja em si mesma. Sobre sua expressão doutrinária, Cruz ainda afirma que sua “(...) concepção religiosa foi a Encíclica Quanta Cura e o Syllabus, nas quais era retomada a luta pela hegemonia da autoridade espiritual da Igreja sobre a sociedade civil” 51.

Cruz ainda aponta outra corrente de pensamento, o Tradicionalismo, como responsável também para a disseminação do pensamento Ultramontano. Apesar de ambos serem muito semelhantes e próximos sob vários pontos de vista, Cruz explica que não devem ser confundidos, uma vez que o Ultramontanismo se caracteriza como um movimento da própria Igreja Católica que diz respeito à vida dela própria como instituição, enquanto o

49 Ibid., p.179. 50 CRUZ, André Silvério da. Op. Cit., p. 2. 51 Ibid. 83

Tradicionalismo caracteriza-se como uma linha de pensamento que trata da tradição como fator determinante dos valores humanos.

Porém, o tradicionalismo na Europa era uma forma de contestação ao ideal liberal e racionalista proeminente dos séculos XVII e XVIII, servindo de reação contra a Revolução Francesa. Acabou também se estruturando como uma corrente política, jurídica, filosófica e teológica, tendo como representantes da primeira fase muitos pensadores católicos 52. Desta forma, o tradicionalismo europeu pode ser entendido, segundo Cruz, como “(...) um projeto social global no qual a religião ocupa o primeiro lugar, opondo-se à sociedade liberal e laica e a qualquer projeto moderno de organização social e política” 53.

Em seu livro Igreja Católica e Política no Brasil, Scott Mainwaring cita o Ultramontanismo como uma tentativa da Igreja Católica de imprimir um novo rumo à mesma, devido ao declínio institucional sofrido pela Igreja (mentalidade iluminista) durante boa parte da primeira metade do século XIX 54. Devido à essa ameaça, o Vaticano passou a promover uma presença católica mais forte na sociedade, por isso uma reforma interna seria imprescindível para que sua imagem fosse melhorada.

Sobre o Ultramontanismo no Brasil, Maria Aparecida Junqueira Veiga Gaeta, professora do Departamento de História Social, Política e Econômica da UNESP – Franca escreveu um artigo bem elaborado e esclarecedor, “A Cultura Clerical e a Folia Popular” 55. Nele, Gaeta afirma que o Ultramontanismo chegou ao Brasil, além das idéias já forjadas na Europa, como uma “(...) condenação (...) às vivências de um catolicismo português leigo e despojado de um rigor teológico. Essas formas devocionais foram vistas então com uma forte carga de negatividade e acusadas de serem portadoras de (...) superstições (...)” 56. Podemos avaliar, portanto, que o Ultramontanismo foi uma

52 PAIM, A. “O estudo do pensamento filosófico brasileiro”, in CRUZ, André Silvério da. O Pensamento Católico à Procura de Lugar na Primeira República Brasileira, p. 3. 53 CRUZ, André Silvério da. Op. Cit., p. 3. 54 MAINWARING, Scott. Igreja Católica e Política no Brasil, p. 42. 55 GAETA, Ma. Aparecida Junqueira Veiga. “A Cultura Clerical e a Folia Popular”, in Revista Brasileira de História, vol. 17, nº 34, p. 183‐202. 56 Ibid., p. 187. 84

tentativa do clero regular brasileiro de substituir a presente realidade religiosa por outra, uma nova e única, e não multifacetada.

Novamente, Mainwaring aponta o Ultramontanismo como uma solução à uma situação onde o catolicismo era frágil desde o século XIX, com o regime do Padroado e com o clero brasileiro formando família e contando com falta de seminaristas, sem contar com o ponto mais baixo do catolicismo brasileiro, segundo ele, na época de Dom Pedro II, onde o imperador não só controlava o estado, mas também era o chefe titular da Igreja em terras brasileiras 57.

Já João Paulo Berto, relembra o processo de independência do Brasil. Sobre ele, Berto afirma que ele não mudaria a relação de controle e regulação que o Estado exercia sobre a Igreja, porém esta continuava com todas as suas regalias sociais, religiosas e econômicas 58. Por isso, inevitavelmente, a Igreja acabaria entrando em crise contra o Estado, fazendo com que o ideal ultramontano prosperasse no Brasil pós-independência.

André Silvério da Cruz, explica que o ultramontanismo serviu como base para “(...) a revitalização do catolicismo brasileiro que, no seu projeto de sair do regalismo do Período Imperial, começou a afirmar sua autonomia (...)” 59. Com isso, o pensamento católico brasileiro de certa forma deixa de lado o pensamento trazido pelos portugueses no século XVI para assumir uma postura mais autêntica, mesmo seguindo as tendências européias.

2.2.2 A Reforma na Igreja Paulista

Em 1851, foi nomeado Dom Antônio Joaquim de Melo para o bispado de São Paulo. Segundo Wernet, sua importância data desde a época de sua nomeação, que fez questão em deixar clara sua intenção no bispado: gerar

57 MAINWARING, Scott. Igreja Católica e Política no Brasil, p. 41. 58 BERTO, João Paulo. A Força Política da Fé: Estado e Igreja na Formação Identitária em Torno da imagem de Nossa Senhora da Conceição Aparecida, p. 7. 59 CRUZ, André Silvério da. O Pensamento Católico à Procura de Lugar na Primeira República Brasileira, p. 1. 85

uma reforma no clero paulista, que, como vimos, passava por uma época de relativa decadência 60. Logo em sua primeira Carta Pastoral como bispo de São Paulo, em 1852, analisa a situação do clero paulista e define um programa para a reforma e restauração da Igreja de São Paulo 61. Uma das principais medidas tomadas por D. Antônio Joaquim de Melo foi a criação de um Seminário Diocesano de São Paulo, afirmado por ele mesmo como “a cura do mal da decadência geral do clero” 62. Com isso, D. Antônio Joaquim de Melo pretendia organizar um espaço para formação e educação para futuros padres com um regulamento extremamente rigoroso. Apesar disto, o Seminário de São Paulo acabou por satisfazer as expectativas daqueles que consideravam que um total isolamento do mundo seria possível uma moralização mais certa do clero.

Com isso, D. Antônio Joaquim de Melo, dito por Wernet como o “bispo reformador”, teve sucesso na implantação do catolicismo Ultramontano, porém o êxito não foi tão completo em relação à maior moralização e ilustração do clero paulista. Um exemplo disso é que muitos dos párocos continuavam com as mulheres e o filhos, não mostrando qualquer esboço de que iriam reverter esta situação. Padres formados através do Seminário Diocesano coexitiram ao lado dos antigos padres, estes que dificilmente abandonariam as antigas práticas e costumes que eram abominadas por D. Antônio Joaquim de Melo.

Também, D. Antônio Joaquim de Melo era conhecido por seu caráter monarquista e conservador, defensor de um clero alheio aos problemas políticos. Esta sua doutrina era defendida também no Seminário Diocesano. Podemos dizer então, que, além dos problemas que ainda existiam no clero paulista, o Seminário Diocesano de São Paulo, segundo Wernet, transformou- se “(...) em um dos maiores focos irradiadores do movimento reformista do século XIX, pelo fato de terem saído de lá vários bispos reformadores que imitavam fielmente os procedimentos de D. Antônio Joaquim de Melo: fundação de seminários episcopais dirigidos por padres estrangeiros e ultramontanos,

60 WERNET, Augustin. Op. Cit., p. 99. 61 FONTOURA, Ezequias de Galvão. A vida de Dom Antônio Joaquim de Melo, op. cit., p.101. 62 Ibid., p 104. 86

prolongadas visitas pastorais e promoção da vinda de freiras para a educação da juventude feminina” 63.

A introdução do Ultramontanismo no Brasil ocasionou, segundo Wernet, um diálogo muito mais sistemático da Igreja, seja no plano institucional ou no plano doutrinário, A “romanização” significava uma centralização no poder religioso colocado na figura de bispos e superiores eclesiásticos, reforçando assim a autoridade que estes encarregados tinham sobre o clero regular, secular e principalmente em associações leigas. Wernet até cita um dizer muito corrente na época: “Se anteriormente o critério para ser aprovado em concurso (...) consistia em ter ligações políticas com [poderosos das terras], agora era necessário ser ‘carcamano’ ou jesuíta (sic.)” 64. Desta forma, o clero paulista acabou ficando muito mais dependente dos bispos e da própria autoridade eclesiástica do que de sua família de origem e principalmente dos “grandes de terra”.

D. Antônio Joaquim de Melo, em sua gestão, ainda afetou as ordens religiosas regulares presentes no Brasil desde o Período Colonial, como por exemplo os carmelitas, beneditinos e franciscanos. Estas ordens foram substituídas por outras nascidas na Europa, de mentalidade ultramontana e mais de acordo com esta linha de pensamento, sendo assim de mais fácil controle pelas autoridades eclesiásticas. Esta autoridade se articulou, segundo Wernet, segundo um eixo de poder religioso que fazia do Papa na Santa Sé o pólo principal deste eixo, enquanto o bispo fazia o papel principal para cada diocese, e por fim o clero 65 em cada paróquia. Com isso, foi se formando no Brasil, e principalmente em São Paulo, uma Igreja mais independente de assuntos políticos, com o clero mais distante da vida pública e econômica. Porém, á longo prazo, os reflexos destas medidas serão refletidas na sociedade brasileira, querendo a Igreja ou não.

63 WERNET, Augustin. Op. Cit., p. 166. 64 Ibid., p. 182. 65 Aqui, entendo que por “clero”, Augustin Wernet teve a intenção de dizer “o clero mais baixo”, como os padres e vigários. 87

João Paulo Berto chama a atenção para o povo durante este processo de renovação eclesiástica em São Paulo. Segundo Berto, já no alvorecer do século XX, “(...) o povo já se apresentava como um elemento de desejo tanto da Igreja quanto do Estado, aparecendo como constituidor (sic.) de sua própria liberdade política” 66. A Igreja então, no desejo de arraigar estes grupos, colocava-se como representante e fonte da verdade, tal como do afeto espiritual. Então, para atrair os setores populares da sociedade, a Igreja via-se em uma posição de fusão com a família, criando um ambiente de fraternidade entre o povo e a Igreja.

2.3 Os Redentoristas e Aparecida

Até os dias de hoje, a basílica de Aparecida encontra-se sob administração da Congregação do Santíssimo Redentor, ou a Ordem dos Redentoristas. Saber da chegada da ordem na cidade de Guaratinguetá e sua administração da Basílica são importantes para identificarmos a situação em que se encontrava a Igreja no Brasil durante o século XIX.

Em entrevista á “Revista de Aparecida”, o Pe. Joseph W. Tobin deu um histórico interessante e sucinto, da qual vale a pena citar nesta pesquisa. Segundo Tobin, “(...) a Congregação teve início de modo muito humilde e frágil” 67. Ainda segundo Tobin, no dia 9 de novembro de 1732, Santo Afonso de Ligório e seus primeiros companheiros encontravam-se em um convento de Irmãs contemplativas, o Santuário Nossa Senhora dos Montes, na cidade italiana de Scala, quando decidiram se “comprometer a seguir Jesus Cristo Redentor do Mundo” 68. A cidade de Scala tinha pobreza em abundãncia, portanto, a partir daí Santo Afonso de Ligório e toda a Congregação do Santíssimo Redentor empenham-se em uma missão á serviço dos mais pobres e abandonados em todo o mundo.

66 BERTO, João Paulo. Op. Cit., p. 8. 67 Revista de Aparecida, nº 68, Nov/2007, p. 6. 68 Ibid, p. 7. 88

Sabemos que a primeira comunidade redentorista de Aparecida chegou na cidade de Guaratinguetá em 28 de outubro de 1894. Logo de início, segundo a Polyanthéa das Festas Jubilares 69, os missionários redentoristas foram acomodados em duas casas geminadas de romeiros, perto do Santuário de Nossa Senhora da Conceição Aparecida. Já segundo Brustoloni, “(...) a primeira comunidade foi fundada pelos sacerdotes Lorenço Gahr, como superior, e José Wendl, como vigário substituto do Cura e Reitor do Santuário [incumbido desta tarefa pela Diocese de São Paulo], Pe. Claro Monteiro; e ainda os irmãos leigos: Simão Veicht, Estanislau Schrafl e Rafael Messner” 70.

Santo Afonso de Ligório, imagem anônima. Imagem: http://pt.wikipedia.org

No mês de novembro do mesmo ano, o próprio Pe. Claro Monteiro encarregou a recém chegada ordem dos Redentoristas com algumas funções no Santuário, como por exemplo a recitação do terço diariamente ás 18 horas,

69 Polyanthéa das Festas Jubilares da coroação da Imagem milagrosa de Nossa Senhora Aparecida de 1904 – Set/1929. Arquivo da Biblioteca dos Redentoristas, p. 46‐48. 70 BRUSTOLONI, Júlio J. Op. Cit., p. 281. 89

missa dos romeiros e até atendimento aos doentes e batizados. Pouco tempo depois, no mesmo mês, acabam por assumir todo o trabalho do Santuário encarregados pelo próprio Pe. Monteiro, pois este havia “(...) ido até a cidade de Cruzeiro para atender àquela paróquia, onde grassava a epidemia da cólera, e cujo vigário fugira apavorado, abandonando suas ovelhas” 71.

Desde novembro de 1884 até janeiro de 1885, o Santuário de Aparecida ficou sob o comando do Pe. José Wendel. Então, neste mesmo mês, Dom Joaquim Arcoverde, então bispo de São Paulo, visita o Santuário e a comunidade Redentorista. Satisfeito com a administração do Santuário pelos Redentoristas, no dia 23 de janeiro do mesmo ano, o próprio Dom Joaquim Arcoverde indica a Ordem como encarregados pela administração do “Episcopal Santuário”. Segundo Brustoloni, “(...) mesmo sendo temporário até que outra ordem ou padre retornasse para tomar conta do Santário” 72.

Por fim, em junho do mesmo ano de 1895, a sede da Missão dos Redentoristas foi transferida para Aparecida, quando o Pe. Gebardo Wiggermann, seu Superior, mudou-se de Campinas de Goiás para São Paulo.

O fato de a administração do Santuário de Aparecida ter passado das mãos dos leigos para as da ordem eclesiástica Congregação do Santíssimo Redentor não foi por acaso. Sabemos que em finais do século XIX, o Ultramontanismo chega não só ao Brasil, mas em muitas outras partes do mundo, tendo como base a Santa Sé em Roma.

Não apenas em Aparecida, mas o olhar ultramontano acabou por seguir os santuários brasileiros que mais atraíam fiéis em busca de curas e soluções simples para os problemas do dia-a-dia, forte característica do catolicismo popular brasileiro até os dias de hoje. Aparecida em especial, tornou-se um centro de devoção da qual peregrinos das mais distantes regiões do Brasil vinham para prestar homenagens, ofereciam preces e generosas doações materiais. Segundo Gaeta, “(a) fim de que todo esse patrimônio fosse revertido

71 Ibid., p. 282. 72 Ibid., p. 283. 90

em obras da Igreja, o bispo paulista D. Lino Deodato (1873-1894), um dos luminares do ultramontanismo em São Paulo, decidiu transferir para esse local [Aparecida] o Seminário Diocesano” 73. O intuito desta decisão estava no fato de que o clero regular havia interesse em que a administração do Santuário ficasse em cargo das ordens européias, tal como houvesse um investimento na formação de seminaristas para a diocese.

Sabemos que houve a retirada dos leigos da administração do Santuário no momento em que a Ordem proibiu esmolas, rendimentos e doações no Santuário de Aparecida durante sua administração temporária. Cinco anos antes da sede da Ordem dos Redentoristas ser transferida de Goiás para São Paulo (1890), Maria Aparecida Gaeta aponta em seu texto a ocorrência da Primeira Reunião do Episcopado Brasileiro. Durante este encontro, os bispos discutiram a questão dos centros de religiosidade popular, e duas questões principais foram levantadas: a retirada definitiva das irmandades leigas da administração financeira dos santuários brasileiros e confiá-la aos institutos religiosos europeus, coisa que havia sido feita no Santuário de Aparecida em 1895 como dito anteriormente; e confiar totalmente a sacerdotes destes institutos religiosos a direção espiritual dos santuários brasileiros, afim de torná-los “centros de verdadeira fé católica”.

Percebemos então um esforço romanizador em “purificar” o catolicismo popular do Santuário de Aparecida, até então em poder dos leigos e clérigos seculares, mostrando um verdadeiro ar aristocrático espiritual das ordens religiosas européias, mais precisamente da Congregação do santíssimo Redentor no Santuário de Aparecida. A partir de então, a cidade de Aparecida e sua basílica tornaram-se um centro de peregrinação das mais distantes regiões do país, para que fossem cumpridas promessas, preces e generosas doações agora feitas não mais aos leigos, e sim á uma ordem institucionalizada.

73 GAETA, Ma. Aparecida Junqueira Veiga. “A Cultura Clerical e a Folia Popular”, in Revista Brasileira de História, vol. 17, nº 34, p. 189. 91

João Paulo Berto enxerga a chegada dos Redentoristas no Santuário de Aparecida como “ (...) um processo romanizador de grande impacto, uma vez que seu controle voltou para as mãos da Igreja (...)” 74, desta vez do clero regular. Isso, combinado com uma grande promoção e incentivo de devoções, e associações vinculadas ao espírito tridentino, acabou por constituir uma orientação fundamental aos Redentoristas, sendo as missões populares uma grande arma para agregar fiéis e travê-los para o seio da Igreja a partir de um viés mais popular e sentimental.

74 BERTO, João Paulo. Op. Cit., p. 10 92

3 Mil Novecentos e Trinta, a década da Padroeira e Mãe Aparecida

O que será apresentado neste capítulo final da pesquisa seguirá o padrão de análise utilizado nos capítulos anteriores, ou seja, analisaremos como era a situação política no Brasil durante o ano de 1930. Apesar de o título apresentado citar “a década”, abordaremos a conjuntura político-social que se apresentava no país que pode, a priori, explicar as razões políticas pela qual ocorreu o último fato a ser abordado nesta pesquisa: a elevação de Nossa Senhora da Conceição aparecida de “Rainha do Brasil” para “Padroeira do Brasil”.

Existe uma diferença entre o fato de a Virgem ser “rainha” e “padroeira” do país. Na teoria, ser “rainha” significa que, além de ser reconhecido oficialmente pela Santa Sé, o culto à mesma era legalizado, podendo ocorrer abertamente na esfera pública. Além disso, a Virgem passaria a ser oficialmente conhecida como uma das formas da Virgem Maria, assim como a Virgem de Guadalupe, Nossa Senhora de Lourdes ou Nossa Senhora de Fátima, uma das mais conhecidas Virgens pelo mundo. Já o fato de ser considerada “padroeira” já é um passo gigantesco para a Igreja no Brasil, que será aproveitado, como veremos, pelo governo provisório de Getúlio Vargas a partir do ano de 1930. Ser “padroeira” implica no fato de a Virgem Aparecida ser verdadeiramente a detentora dos fundamentos católicos no Brasil, ou seja, além do principal símbolo católico oficial, seria ela a santa que vela por todos os brasileiros; que abraça todos os residentes do Brasil. Por isso, a principal característica de “padroeira”, e a que mais nos importa, se mostra: ela seria o símbolo brasileiro, a representante do Brasil para o mundo. Pelo menos esta era a intenção inicial das autoridades políticas e eclesiásticas brasileiras, como veremos mais adiante.

A cerimônia se deu em 31 de maio de 1931 na cidade do Rio de Janeiro, até então capital do país, em uma cerimônia pública solene, estando presentes o então presidente da república Getúlio Vargas, o Arcebispo de São Paulo,

93

Dom Duarte Leopoldo e Silva, o Cardeal-Arcebispo do Rio de Janeiro, Dom Sebastião Leme, e vários padres redentoristas, sem contar com a grande massa popular que também acompanhava o evento. Nas palavras do missionário redentorista Carlos Arthur Anunciação, “Há 80 anos, diante de Cardeais e autoridades eclesiásticas da Igreja, diante do então presidente da republica, Getúlio Vargas e de uma multidão de um milhão de pessoas, Nossa Senhora era declarada oficialmente a Padroeira do Brasil” 1.

Missa campal no Rio de Janeiro, com a presença de Getúlio Vargas e Dom Sebastião Leme em 1931. Foto: CDM – Centro de Documentação e Memória/Santuário Nacional. Disponível em: Revista de Aparecida, ano 9, n°100, julho de 2010. p 21.

Brustoloni também descreve as festividades que se deram durante a proclamação de Padroeira do Brasil em 1931. Segundo o autor, a idéia da declaração de Nossa Senhora da Conceição Aparecida em “padroeira do Brasil” foi do próprio Dom Sebastião Leme, durante o Congresso Mariano de 5 a 7 de setembro de 1929, ocorrido na comemoração do “Jubileu de Prata da

1 Citação do Missionário Carlos Arthur Anunciação, na missa de celebração de 80 anos da Padroeira do Brasil, feita na Catedral de Aparecida em 31 de maio de 2011. 94

Coroação 1904-1929”, na cidade de Aparecida do Norte 2. Os presentes então, com Dom Sebastião Leme à frente do movimento, enviaram um pedido formal à Santa Sé para que ele declarasse Nossa Senhora da Conceição Aparecida padroeira do Brasil. Inicialmente, o pedido foi negado, pelo fato de que São Pedro de Alcântara já ocupava o cargo de padroeiro do país, além de haver oposição de alguns bispos do nordeste.

Em outubro de 1930, Dom Sebastião Leme programa, além da festividade popular, um Congresso Mariano que convocou bispos e clero em geral de todo o Brasil. O congresso em si teve inicio no dia 24 de maio de 1931, culminando na proclamação da Virgem Aparecida como padroeira do Brasil no dia 31.

Segundo Brustoloni, “(...) o clima religioso do Congresso era envolvente, atingindo todas as classes sociais e transformando o ambiente da Cidade. Os jornais estampavam os acontecimentos com ênfase e noticiavam em grandes manchetes a apoteose da proclamação da Esplanada do Castelo” 3. O autor também descreve da imagem, da cidade de Aparecida até a Igreja São Francisco de Paula, na capital brasileira. “Colocada no carro-capela, começou a viagem da Santa Imagem (...). Todas as cidades no trajeto preparavam festiva recepção nas estações locais. Na estação Deodoro (...), o leito da Central mais se parecia com uma grande passarela pela qual desfilava a Dama dos corações brasileiros, sua Rainha e Mãe, aplaudida e ovacionada pelos seus devotos. (...) após dez horas de peregrinação, a Imagem chegou à Estação de D. Pedro II. (...) Dom Sebastião Leme recebeu, comovido, a Imagem das mãos de Dom Duarte, conduzindo-a até a Igreja de São Francisco de Paula” 4.

2 BRUSTOLONI, Júlio J. História de Nossa Senhora da Conceição Aparecida, p. 343. 3 Ibid., p. 344. 4 Ibid., p. 345. 95

3.1 O Estado Varguista

Primeiramente, nosso objetivo nesta parte será descrever os meios pelos quais Getúlio Vargas chegou ao poder, para entender suas motivações e interesses no culto à Nossa Senhora da Conceição Aparecida. Segundo palavras de Boris Fausto, Getúlio Vargas acabou por subir ao poder em 1930 como chefe de um governo provisório, e eleito pela via indireta 5. Sua subida ao poder se mostrou bem trabalhosa e truculenta, pelo fato de ter-se dado por meio de uma revolução.

A Revolução de 1930, amplamente conhecida pelos historiadores brasileiros, foi um acontecimento que mudou o rumo político do Brasil. Como vimos no capítulo anterior, o Brasil vinha sendo governado principalmente por políticos paulistas. Com isso, era clara a preocupação do governo federal com a situação econômica no estado de São Paulo, principalmente. Motivados por esta “preferência” administrativa da parte do governo, outros estados brasileiros acabaram por se mobilizar a fim de tentar reverter a situação e receber mais poder político. O então presidente da república, o paulista Washington Luís insiste no apoio de outro paulista para ao próximo mandato presidencial, o governador do estado de São Paulo Júlio Prestes. Esta atitude claramente fez com que gaúchos e mineiros chegassem a um acordo de apoio mútuo. E é deste acordo que vem a candidatura de Getúlio Vargas e João Pessoa (sobrinho do ex-governador da Paraíba Epitácio Pessoa, e governador do mesmo estado) para vice, para concorrer com Júlio Prestes à presidência, e nasce a Aliança Liberal, chapa pela qual Vargas e Pessoa saem como candidatos. Era de se esperar que a Aliança Liberal tivesse como plataformas, planos que englobassem uma maior parte do Brasil, e não apenas São Paulo. Dentre elas, idéias como a necessidade de incentivar a produção nacional em geral, e não apenas o café; o combate aos esquemas de valorização de produto em nome da ortodoxia financeira; e medidas de proteção aos trabalhadores nacionais, como extensão da aposentadoria, regulamentação do trabalho do menor e das mulheres, entre outros. Com isto, A Aliança Liberal, e

5 FAUSTO, Boris. História do Brasil, p. 333. 96

principalmente Vargas, projetando-se no poder, visava à sensibilização e mobilização nacional, insistindo então na unidade nacional.

Figura 1Getúlio Vargas e os tenentes na chegada ao Palácio do Catete no Rio de Janeiro, para a posse de Presidente da República em 1930. Fonte: http://www.brasilescola.com/upload/e/rev%2030.jpg

Nas eleições de 1 de março de 1930, Julio Prestes vence. Segundo Fausto, a aliança Liberal então acusa o PRP de fraude eleitoral, e afirma que Getúlio Vargas havia ganhado por 298.627 votos contra 982 no estado do Rio Grande do Sul 6, lembrando que poderiam votar apenas os alfabetizados e maiores de idade, sem contar a abstenção de votos. Além disso, o estopim da revolução se dá com o assassinato de João Pessoa em uma confeitaria do Recife por João Dantas, um de seus adversários políticos na Paraíba. O ocorrido obviamente foi apontado pela Aliança Liberal como tendo principalmente motivos políticos, fazendo de Pessoa um mártir da revolução. A revolução, porém, acabou por explodir no Rio Grande do Sul, ao contrário do

6 Ibid., p. 321. 97

que se pensava na época. O estado aproveitou a “onda” para iniciar uma revolução que tinha por objetivo depor o presidente em fim de mandato, Washington Luís. Apoiado por membros do exército, e pelo estado do Rio Grande do Sul em massa, Getúlio Vargas sobe ao poder em 3 de novembro de 1930. Não queremos nos deter a discussão sobre a Revolução de 30, mas creio que um adendo seria interessante. Tendo a concordar com Lopez e Mota, quando afirmam que “O movimento de 1930 não configura uma revolução, pois não provocou mudança radical – nem dela foi expressão – nas estruturas de produção e de distribuição da propriedade rural e urbana, nem nas do capital”7.

Ficando 15 anos no poder, Getúlio Vargas têm o apoio da classe dos militares, conhecida apenas como “tenentes”, segundo Fausto 8. No caminho de sua posse, Vargas fez questão de sair do Rio Grande do Sul, passar pelo estado de São Paulo, onde foi bem recebido pelos políticos do Partido Democrático (o PD paulista), e chegar ao Rio de Janeiro, capital nacional. Além disso, o apoio que recebe das oligarquias do Nordeste brasileiro já é sinal do plano nacional que Vargas tinha ao subir ao poder, ou seja, mobilizar toda a unidade nacional como havíamos dito anteriormente.

Lopez e Mota descrevem Getúlio Vargas como um líder carismático e com uma inclinação ao autoritarismo: “Bacharel gaúcho, concentrava em si todas as qualidades (e os defeitos) para coordenar [o país] (...) A ascensão de Vargas representou (...) a República dos burocratas autoritários” 9.

Uma importante base de apoio do governo de Vargas, segundo Fausto, foi a Igreja Católica. Sabemos que houve uma aproximação entre Igreja e Estado logo na presidência de Arthur Bernardes, e no governo de Vargas ela se concretizará com a inauguração do Cristo Redentor no Corcovado, em 12 de outubro de 1931, e principalmente, o que nos interessa, à proclamação de Nossa Senhora da Conceição Aparecida como Padroeira do Brasil em 31 de maio do mesmo ano. A Igreja acabou por levar a massa da população católica

7 LOPEZ, Adriana & MOTA, Carlos Guilherme. História do Brasil – uma Interpretação, p. 640‐41. 8 FAUSTO, Boris. Op. Cit., p. 332. 9 LOPEZ, Adriana & MOTA, Carlos Guilherme. Op. Cit., p. 634. 98

a apoiar o governo de Getúlio Vargas. Em troca, Vargas tomou algumas medidas em favor da Igreja, como por exemplo, o decreto de abril de 1931, que permitiu o ensino religioso das escolas públicas do país 10.

A Igreja, ao contrário dos educadores liberais, enfatizava a importância de escolas privadas, e defendendo também seu ensino religioso tanto em escolas privadas como nas escolas públicas (porém, em caráter facultativo para estas). Com isso, era corrente neste meio a diferenciação na educação entre meninos e meninas, pois “(...) destinavam-se a cumprir tarefas diferentes, na esfera do trabalho e do lar” 11. Cruz afirma que a Igreja sempre teve prestígio diante de suas ações pedagógicas, independente de seu conservadorismo, porém nunca havia sido questionada pela sociedade até então 12. Esta insistência da Igreja na educação religiosa pode ser vista como essencial para a difusão da fé católica na sociedade, uma vez que no espaço escolar não se educava apenas no sentido formal, mas também construía e conservava a cultura católica e história da Igreja. Aqui podemos entender que a aceitação do Estado em recolocar a educação religiosa nas escolas terminaria na criação de um laicato mais “conservador” e defensor das regras impostas.

3.2 A Igreja da Neocristandade

A Igreja Católica brasileira passou por renovações também durante a década de 1930. Desde a segunda metade do século XIX, como vimos, a fé católica passava por uma situação de “fechamento”, quando, segundo o Ultramontanismo, a Igreja deveria se fortalecer diante de um mundo laico e desinstitucionalizado. Porém, este tipo de pensamento se mostrou uma faca de dois gumes. Um dos principais responsáveis em alertar a ordem eclesiástica sobre esta situação foi o próprio Dom Sebastião Leme. Antes de ter sido nomeado cardeal e de ser nomeado arcebispo do Rio de Janeiro, o “cardeal

10 FAUSTO, Boris. Op. Cit. 11 Ibid., p. 339. 12 CRUZ, André Silvério da. O Pensamento Católico à Procura de Lugar na Primeira República Brasileira, p. 10. 99

Leme” como é amplamente conhecido, era arcebispo de Olinda e Recife. Pouco tempo após ter sido nomeado arcebispo de Olinda e Recife, D. Sebastião Leme publica uma carta pastoral, que segundo Mainwaring, “(...) marcou o início de um novo período na história da Igreja [no Brasil]” 13. Nesta carta, D. Sebastião Leme chama a atenção para uma fragilidade da Igreja, argumentando que o Brasil seria uma nação católica (maior nação católica, aliás) e que a Igreja deveria aproveitar este fato para marcar uma presença muito mais forte em sua sociedade. Portanto, a idéia de D. Sebastião Leme era de que a Igreja deveria cristianizar as principais instituições sociais brasileiras, desenvolvendo um quadro de intelectuais católicos e também alinhas as práticas religiosas populares aos “procedimentos ortodoxos”, ou seja, mais próximo do catolicismo oficial.

Com isso, entre o início do século XX e finais de sua segunda década, a Igreja no Brasil preocupou-se bastante com a consolidação de reformas internas. Desta vez, além de preocupar-se com a consolidação de valores em seu próprio meio, a Igreja começou a se preocupar em espalhar a fé católica o tanto quanto conseguia através de instituições sociais não necessariamente ligadas aos governos. A este modelo conhecemos como a “Igreja da Neocristandade”. Enquanto o Ultramontanismo tinha como um de seus objetivos evitar que os governantes tivessem poder sobre a Igreja local, a Neocristandade objetivava o fortalecimento da presença da Igreja não apenas no âmbito privado (com a criação, como apontamos, de escolas particulares), mas também junto ao Estado, para atingir o máximo de instituições sociais que poderia. Em suma: Igreja continuou conservadora, opondo-se à secularização das instituições, porém insistia em um catolicismo forte e vigoroso, que se “misturasse” nos governos e instituições sociais. Então, este modelo de Igreja, da neocristandade, veio a florescer antes da década de 20, graças aos esforços de D. Sebastião Leme.

Desta forma, segundo Mainwaring, a Igreja conseguia dar conta de seus interesses primordiais, como a sua influência sobre o sistema educacional, a

13 MAINWARING, Scott. Igreja Católica e Política no Brasil, p. 41. 100

preservação de uma moralidade católica, anticomunismo e antiprotestantismo14. Por volta então dos anos 30, a Igreja havia no mínimo revertido parte de sua decadência anterior, lidando com a fragilidade da instituição sem modificar de maneira significativa a natureza conservadora da mesma.

Não é preciso dizer que o Vaticano encorajou fortemente os esforços da Igreja Brasileira para fortalecer sua presença na sociedade, especialmente durante o papado de Pio XI, cuja visão de Igreja e de Política se aproximava muito com a visão de Dom Sebastião Leme. Principalmente, Pio XI encorajava também a busca de alianças com o Estado para defender interesses católicos, desde que o Estado não subjugasse o poder da Igreja.

Papa Pio XI, responsável pela renovação da cristandade durante o primeiro quarto do século XX. Fonte: Província Franciscana “Nossa Senhora de Assunção”, ano de 1922.

14 Ibid., p. 43. 101

Aqui, devemos nos lembrar de algo muito importante: o combate da Igreja ao comunismo, assim como o governo de Vargas fará na década de 1930. Em uma encíclica emitida pelo mesmo Pio XI em 1927 condenando o comunismo como sendo um “erro” da sociedade, e com isso a Igreja alinhou-se com forças conservadores nos anos 20 e 30. Em 1929, por exemplo, segundo Mainwaring, o estado fascista de Mussolini assina a Concordata de 1929, pelo qual ficou reconhecido o Vaticano como estado soberano. A partir daí, o apoio da Igreja à regimes fascistas só aumentou. Lopez e Mota colocam o governo de Vargas, até 1945, como “(...) um arremedo do regime fascista italiano, adaptado à mentalidade coronelística dos setores dominantes” 15.

3.2.1 A Linha de Pensamento da Igreja da Neocristandade.

Na década de 1920, houve uma organização mais efetiva da Igreja Católica para uma atuação mais forte e decisiva em meios sociais, apresentando a defesa dos valores católicos e do ideário cristão católico. Estes movimentos valeram-se muito de seus direitos e tradições durante o cenário sócio-cultural do Brasil republicano.

O laicato da classe média foi o principal grupo afetado pela neocristandade durante esta década. Os principais líderes católicos emergiram em torno do Centro Dom Vital, um instituto católico pequeno, porém de enorme influência no desenvolvimento da política da Igreja durante esta década. O centro foi criado em 1922 por Jackson de Figueiredo, colaborador e amigo de Dom Sebastião Leme, para ser o principal centro da intelectualidade leiga católica do Brasil.

Além de ser vital para a reintegração católica nos meios sociais brasileiros, o Centro Dom Vital também organizou muitos movimentos leigos em prol da catolicidade, principalmente em meios urbanos. Entre esses

15 LOPEZ, Adriana & MOTA, Carlos Guilherme. Op. Cit., p. 651. 102

movimentos podemos citar: a Congregação Mariana, em 1929, o Círculo dos operários em 1930, a Juventude Universitária Católica, no mesmo ano e a Ação Católica Brasileira em 1935. Principalmente esta última, esses movimentos foram importantes, pois eram estritamente controlados pela hierarquia católica, afirmando então uma presença forte nas instituições e no Estado, fazendo com que a “oficialidade” dos cultos se mantivesse, mesmo tendo uma grande maioria laica.

O Centro Dom Vital foi de essencial importância para a ampliação dos valores da neocristandade. Nele, segundo Cruz, Jackson de Figueiredo fez a sede da revista A Ordem, publicação que contava com as idéias de uma organização do movimento católico leigo no Brasil, principalmente no combate de idéias e ações hostis ou indiferentes à Igreja e ao pensamento religioso16. Mias que isso, foi a partir do centro Dom Vital e de suas publicações incitavam um projeto social baseado na superação dos males contemporâneos, como o racionalismo e o liberalismo, surgidos com a modernidade. Para tanto, esse grupo apresentava, segundo Cruz, um aspecto político da realidade, contestando então a ordem vigente. Este aspecto nos interessa muito, pois provavelmente foi um dos muitos grupo que fizeram com que o laicato católico ficasse do lado de Getúlio Vargas durante a revolução de 1930. Vargas não tinha a intenção de perder, ou apenas não ganhar apoio da Igreja, por isso entendemos que Vargas “aproveitou-se” desta argumentação católica de rejeição do poder republicano. Argumentação esta liberal e que possibilita a difusão destes “males da modernidade”.

Kenneth Serbin, em seu livro Padres, Celibato e Conflito Social, aponta o Centro Dom Vital e sua publicação, a revista A Ordem, como responsáveis do substancial crescimento do capital político da Igreja durante esta época. Segundo o autor, “(...) a reorganização [da cristandade] reforçou a ideologia da neocristandade, que ambicionava o monopólio religioso do catolicismo e um papel central para a Igreja na sociedade” 17. Em outras palavras, o Centro Dom Vital acabou por reafirmar a catolicidade do Brasil, defendendo a ordem social

16 CRUZ, André Silvério da. Op. Cit., p. 7. 17 SERBIN, Kenneth. Padres, Celibato e Conflito Social, p. 98. 103

apoiando, segundo Serbin, as autoridades, recristianizando as classes seculares superiores, e mantendo uma postura mais conservadora e paternalista em relação aos pobres 18.

Jackson de Figueiredo coordenador da revista A Ordem. Foto: Anônimo.

Cruz ainda coloca a criação do centro Dom Vital como uma ação que tinha como intuito exercer uma influência espiritual maior nas camadas intelectuais da sociedade, facilitando assim o aceso das doutrinas da Igreja e seus ideais no meio social, colocando-os em prática ativamente na sociedade19. Este novo movimento católico da década de 20 tinha como objetivo, então, a alteração das bases laicas brasileiras, tal como a mentalidade

18 Ibid. 19 CRUZ, André Silvério da. Op. Cit., p. 8. 104

atéia/agnóstica do regime republicano e a revitalização do catolicismo brasileiro. Cruz aponta este propósito de penetração espiritual e formação das consciências, característicos da Igreja da Neocristandade, como o causador da fundação de movimentos de ação social, pelo fato de a Igreja, principalmente seu laicato, começar a ter voz e influenciar lideranças, tirando os fiéis da letargia 20. Porém, o conservadorismo sempre estava presente em suas ações e discursos, principalmente no campo político em suas críticas ao regime republicano.

No meio operário, a Igreja também formou movimentos clericais conservadores para competir com os sindicatos mais liberais e progressistas. Daí vem a formação dos Círculos Operários Católicos e da Juventude Operária Católica na década de 1930. Além de se fazer presente no operariado brasileiro, a Igreja tinha em mente que, com isso, iria adquirir mais oposição aos ideais comunistas presentes no país.

Estas ações acabavam fazendo com que o contraste entre o modelo da neocristandade e o modelo ultramontano ficassem em evidência, principalmente na relação entre Igreja e Estado. Segundo Mainwaring, enquanto, até o início do século XX, a Igreja se concentrava mais no desenvolvimento interno e menos em influenciar as elites governantes, a Igreja da Neocristandade a partir da década de 1920 tentavam se envolver profundamente na política, porém mantendo suas características conservadoras e rígidas, mas procurando acordos e alianças com o Estado para influenciar cada vez mais a sociedade brasileira 21. O Estado, por sua vez, percebendo que poderia ganhar muito com o apoio da Igreja, acabou por acatar esta oportunidade de negociar alguns privilégios em troca de sanções religiosas. Desta forma, o Estado Varguista percebia que, para obter o apoio em massa da população, deveria acordar com a Igreja, que se mantinha como principal veículo de “manipulação” das massas.

20 Ibid., p. 9. 21 MAINWARING, Scott. Op. Cit., p. 47. 105

A partir da década de 20, a identificação da Igreja com o Brasil era comum. Em Religião e História do Brasil, frei Agnelo Rossi escreve, em 1942: “Defendamos sempre a Igreja Católica e estaremos defendendo o Brasil” 22. Com isso, a Igreja acaba por se opor à qualquer instituição que a atacasse, pois atacando a Igreja, estariam atacando a pátria, e vice-versa. Em suma, o Estado, na visão da Igreja, deveria promover sua doutrina social e proteger seus interesses para que os princípios e doutrina fossem os do Estado também.

O auge da presença da Igreja na política brasileira também se mostrou na forma da criação da LEC, a Liga Eleitoral Católica, por Dom Sebastião Leme em 1932. O objetivo da Liga não esteve ligado com nenhum partido político em particular, porém se mostrava também anticomunista. Sua missão era alertar os católicos e os estimulava a votar de maneira conservadora, promovendo candidatos que adotavam posições favoráveis às principais questões católicas da época.

O fato de a Igreja estar tão preocupada em atingir a maioria dos setores da sociedade brasileira também pode se explicar pelo grande crescimento tanto do espiritismo quanto do protestantismo no país. Segundo Mainwaring, foi exatamente nas décadas de 1920 e 1930 que a Igreja veio a ter maiores preocupações com algumas práticas religiosas populares, das quais ela encarava com manifestações de “ignorância religiosa” 23. Nestas décadas, práticas religiosas populares que a Igreja até então desprezava, ou até mesmo aprovava, começaram a ser desaprovadas, como por exemplo, a “benzeção” muito comum em áreas rurais. O que podemos retirar destas ações é que a visão predominante da Igreja, até então, era de que necessitava de uma luta por estas espiritualidades e práticas “primitivas”, e implantar uma fé mais oficial e madura. Por isso podemos entender uma das razões pela qual a educação religiosa, na visão da Igreja, deveria ser contínua, ao invés de orientada somente às crianças que estavam se preparando ou então já faziam a primeira comunhão.

22 ROSSI, Angelo. Religião e História do Brasil, p. 23. 23 MAINWARING, Scott. Igreja Católica e Política no Brasil, p. 50. 106

Primeiros voluntários da Liga Eleitoral Católica. Foto cedida por: Márcio Carlos, arquivo pessoal.

A Igreja, portanto, defendia a visão de que a instituição poderia ajudar a grande massa popular a se livrar e superar estas “deficiências religiosas”, por isso era seu papel amadurecer a fé do povo em questão. Estas práticas populares eram vistas como, segundo Mainwaring, inferiores 24.

3.3 Apoio mútuo entre Igreja e Vargas

A proximidade da Igreja com Getúlio Vargas era muito superior do que os presidentes anteriores, como Epitácio Pessoa (1918-1922) e Artur Bernardes (1922-1926). Mainwaring afirma que “(...) a hierarquia eclesiástica nunca [apoiou] Vargas de maneira oficial, mas a maioria dos bispos, padres e

24 Ibid., p. 51. 107

leigos militantes apoiava o governo” 25. Percebemos que a Igreja apoiava Getúlio Vargas não só por causa dos privilégios que ela recebia, mas principalmente por causa de suas afinidades políticas. A Igreja, tal como o Estado varguista davam muita ênfase à restituição e manutenção da ordem vigente, tal como ao nacionalismo, ao patriotismo e ao anticomunismo, como dissemos anteriormente. Fora isso, Dom Sebastião Leme era amigo de Getúlio Vargas, por isso procurou, com efeito, influenciar nas decisões de causas públicas. Obteve, entre outras coisas, verba estatal para ajudar as escolas católicas particulares, conseguiu vetar o divórcio e, grande ganho para a Igreja, restituiu o ensino religioso na educação pública.

Não demorou muito para que os governantes do Brasil reparassem na crescente força que a Igreja vinha obtendo diante das massas com suas reformas, e segundo Serbin, reconheceram-na como um baluarte de estabilidade social. O apoio entre o presidente Getúlio Vargas e a Igreja serviu para o desenvolvimento de seus respectivos projetos de centralização institucional. Criava-se, então, um certo grau de “patriotismo” no próprio clero brasileiro, e o governo se considerava cada vez mais católico 26. Ainda segundo o autor, consolidou-se um pacto informal entre Vargas e a Igreja. Após o sucesso da revolução de 30, Vargas recebe a bênção da Igreja e toma o poder a partir deste ano.

Percebe-se então que grande parte do apoio que Vargas obteve em seu recente governo vinha das boas relações que cultivava com a Igreja. Serbin afirma que “O pacto entre Vargas e a Igreja representou, na prática, o restabelecimento do catolicismo como religião oficial do Brasil” 27. Enquanto a Igreja oferecia ao Estado uma ideologia da qual pudesse se apoiar, servia de base também para o sistema corporativista de Vargas, com o objetivo de

25 Ibid., p. 48. 26 SERBIN, Kenneth. Op. Cit., p. 100. 27 Ibid. 108

devolver à cultura nacional a espiritualidade católica e promover a cooperação entre as classes sociais 28.

A constituição de 1934 talvez possa ser o mais visível exemplo desta forja de aliança entre Igreja e Estado. Construída em cima de constituições de países com regimes autoritários, como a Itália e seu regime fascista e a constituição de Weimar da Alemanha nazista, foi promulgada “em nome de Deus pela Igreja, e continha, dentre outras leis, a proibição do divórcio, uma legislação trabalhista pró-católica e o atendimento de reivindicações mais gerais do catolicismo, como a liberdade de educação (neste caso, a liberação da educação religiosa em escolas públicas e apoio para escolas católicas privadas).

Alcir Lenharo, em seu livro Sacralização da Política, disserta de forma clara sobre relações entre Estado e Igreja durante o governo de Getúlio Vargas. Segundo Lenharo, é clara durante a época a utilização de imagens, da parte do governo, como dispositivos discursivos de propaganda, e atendiam as finalidades políticas de Vargas. Sua intenção era, ainda segundo o autor, de espalhar certa carga emotiva e sensorial às massas, que teriam retorno com respostas de aceitação, contentamento, satisfação, ou seja, reações passivas e não críticas 29.

Mas há de se perguntar o por que da eficiência desta política. Roberto Romano, em Brasil: Igreja contra Estado argumenta que esta instrumentalização feita pelo governo de Vargas encontrou um terreno cultural preparado no Brasil, pelo uso e pelo culto das imagens, dos símbolos, das comparações (ensinamentos por meio de parábolas) e da fala figurativa, típicos da cultura cristã 30. Romano ainda afirma que a imagem religiosa aponta para intenções políticas, ainda que camufladas 31. Em outras palavras, segundo o autor, utiliza-se uma imagem para fins políticos e se obtém uma aceitação das

28 Percebemos aqui um dos discursos da Igreja que combatia o Comunismo, ou seja, a cooperação entre classes e não a luta entre elas. Este interesse era defendido, como vimos, tanto pela Igreja quanto pelo Estado Varguista. 29 LENHARO, Alcir. Sacralização da Política, p. 13. 30 ROMANO, Roberto. Brasil: Igreja contra Política, p. 42. 31 Ibid., p. 44. 109

massas mesmo sem elas saberem que a imagem foi feita em uma apelação política.

Lenharo nos chama a atenção para a utilização alegórica de uma imagem em particular usada pelo governo, nos moldes mostrados anteriormente: o corpo, da qual é muito utilizado pelo cristianismo na forma de “cristo crucificado”, e também na representação de imagens de santos. A nação é associada a uma totalidade orgânica, à imagem de um corpo uno, indivisível e harmonioso. O Estado também é associado á esta totalidade, da qual suas partes funcionam como um órgão de um corpo integrado que cresce e amadurece. Seguindo esta interpretação, é inevitável pensarmos em uma similaridade de idéias entre Igreja e Estado, principalmente por outros dois fatores observados pelo autor: a integridade da nação, tanto para Vargas quanto para Igreja, deveria ser mantida para “(...) neutralizar os focos dos conflitos sociais, tornando as classes [órgãos] solidários umas com as outras” e também para sacralizar a imagem da política para “(...) dotar o estado de uma legitimidade escorada em pressupostos mais nobres que os tirados da ordem política, funcionando como um escudo religioso contra as oposições não deliberadas” 32.

32 LENHARO, Alcir. Op. Cit., ps. 16‐18. 110

Busto de Getúlio Vargas na praça Luís de Camões, Glória – RJ. Foto: Rodrigo Soldon.

Este caso envolve não apenas o corpo, mas também outros símbolo próprio do discurso teológico, que acabou por se transformar em matéria de “domínio público”: o crucifixo. Lenharo ainda nos dá mais uma informação de como Igreja e Estado trabalhavam juntos: em 1942 (12 anos após o momento estudado, porém este ano ainda se refere ao governo de Getúlio Vargas, desta vez sob o Estado Novo), o arcebispo de São Paulo Dom José Gaspar d'Afonseca e Silva, sugeriu a oficialização da introdução da imagem de Cristo crucificado nas fábricas, no que foi prontamente atendido pelas indústrias 33. Lenharo também afirma que a Igreja tentou manter o significado original do crucifixo, ao mesmo tempo em que aproveitava a utilização do mesmo pelo Estado para interagir de forma mais ampla com os setores da sociedade brasileira. Nas fábricas paulistas, por exemplo, o uso do crucifixo em suas paredes aprofundava o sentimento de identificação dos trabalhadores com a

33 Ibid., p. 169. 111

imagem do crucificado, ou seja, a imagem serena de Jesus Cristo introduzia nas fábricas um sentimento de “guia e consolo” nos trabalhadores 34.

Claro que a aceitação não era geral, pois este símbolo era duramente atacado pelos anarquistas e agnósticos em geral como um símbolo de alienação 35. Porém, devemos lembrar que este discurso da atividade eclesiástica tem seu significado ampliado quando colocamos a imagem da cruz em contraste a identificação do Brasil com a constelação do Cruzeiro do Sul. Isto foi significativo para que o discurso da Igreja conseguisse seu lugar pelo menos nas classes menos privilegiadas da sociedade brasileira.

A convergência de ideais e interesses entre Igreja e Estado se dão mais claramente com dois fatores, que, segundo Lenharo, foram auxílios que a Igreja prestou o Estado durante a década de 1930. O primeiro seria de caráter mais constitucional, significando um apoio político ao Estado em momentos cruciais desta época. O sentimento anticomunista, que atendia aos interesses tanto da Igreja quanto do Estado, servia como combate à modernidade e defesa dos valores tradicionais para o primeiro, e servia como instrumento de desmoralizar o “adversário” e fornecer uma legitimidade especial para as práticas repressivas e igualmente conservadoras do segundo, pois, como dissemos anteriormente, o Estado Varguista foi cunhado totalmente sobre moldes de extrema direita.

O comunismo pode ser visto como fruto da modernidade, principal característica criticada pela Igreja neocristã. A Igreja percebia o mundo moderno como sendo essencialmente maligno, pois destruía a devoção e a fé, encorajando o culto à personalidade e a mentalidade laica, tal como o poder, o dinheiro e o materialismo. A modernidade também, segundo discurso da Igreja da época, destruía valores tradicionais e o respeito pela autoridade, característica também da doutrina comunista.

34 Ibid., p. 170. 35 ROMANO, Roberto. Op. Cit., p. 51. 112

O segundo fator relaciona-se, segundo Lenharo, à função milenar e indispensável da Igreja de “(...) domesticação das consciências” 36. Este fator se mostra através da grande quantidade de retratos de Getúlio Vargas espalhados por repartições, casas de comércio, casas e principalmente locais de trabalho em todo o Brasil. Até mesmo estátuas com o busto de Vargas eram colocadas em praças públicas. Aqui, Lenharo tem uma leitura muito interessante, que se encaixa com nossa pesquisa. Segundo o autor, o fato de essas imagens quase que exclusivamente ilustravam e priorizavam a cabeça de Getúlio Vargas. Isto faz com que, em conjunto com os crucifixos colocados em fábricas e repartições públicas, a imagem “(...) cria uma espécie de símbolo de apoio, em que a cabeça espiritual sobrepõe-se à temporal para reforçar sua função simbólica num meio mais crítico (...)” 37. Ou seja, a cabeça (ou o busto) de Getúlio Vargas se sobreporia ao corpo crucificado de Jesus Cristo, criando então uma união simbólica perfeita entre o Estado varguista e a Igreja Católica. Portanto, uma mensagem subliminar de amor à pátria, fé na prática e no futuro, apostolado para a pátria, predestinação do líder e surgimento de uma nova relação entre as massas e as autoridades (na figura de Getúlio Vargas) se “concretiza” na idéia de “universalidade estatal e eclesial”.

3.4 A devoção á Virgem Aparecida atrai atenção

O crescimento da devoção à santa acabou por chamar a atenção das autoridades federais. Somando-se a isso, em 1913 houve a primeira notícia, por Dr. Basílio machado, devoto e estudioso da história do Santuário, sobre a construção de uma nova igreja que fosse um “monumento nacional” em honra da Virgem Aparecida e comemorando seus 200 anos de “existência” (1717- 1917) 38. Anos depois, em 1926, os peregrinos e os capelães percebiam a necessidade de se construir uma Igreja maior, para comportar as crescentes

36 LENHARO, Alcir. Op. Cit., p. 190. 37 Ibid., p. 193. 38 BRUSTOLONI, Júlio J. “História de Nossa Senhora da Conceição Aparecida”, p. 207. 113

ondas de romeiros que apareciam na “Basílica Velha”. Então, no Congresso Mariano de 1929, a idéia da construção de uma nova igreja ganhou consistência. Estes rumores de construção de uma “igreja-monumento” despertaram grande ânimo no povo e nos romeiros, que aumentavam cada ano mais sua presença na cidade de Guaratinguetá.

Apenas em 1939, os rumores se tornaram verdadeiros. Dom José Gaspar de Afonseca e Silva, o então Arcebispo de São Paulo, prometeu ao povo e ao grupo dos Redentoristas que haveria, de fato, a construção de uma nova Basílica, “(...) digno da Padroeira do Brasil” 39. Porém, as construções só foram se iniciar em novembro de 1955, onde a primeira massa de concreto foi posta nos alicerces da nave norte da atual basílica. A “Basílica Nova” foi ficar pronta apenas em 1980.

Sem sair de nosso recorte cronológico, no ano de 1930, os padres Redentoristas preocupavam-se com a divulgação da mensagem da Virgem Aparecida, que na época era veiculada, no máximo, pelos jornais e principalmente pelo “boca-a-boca” dos devotos. A partir deste ano, o Santuário de Aparecida, junto com os Redentoristas começaram a trabalhar a idéia de utilizar as ondas de rádio para difundir as mensagens da Virgem Aparecida. O rádio, na época, já era amplamente utilizado pelo governo como veículo de transmissão de mensagens pró-governo. O caso mais conhecido e mais forte sobre isto é o programa “A Hora do Brasil”, que tinha como abertura um trecho da ópera brasileira “Il Guarany”, ou “O Guarani”, de Antônio Carlos Gomes. Vargas usava a Hora do Brasil para falar diretamente ao povo como um pai. Este programa de rádio anunciava as obras do governo e divulgavam sambas para enaltecer o presidente. Portanto, podemos perceber que o rádio servia perfeitamente para atender às necessidades do governo (e, no caso, da Igreja) em atingir um público mais amplo.

Ainda no ano de 1930, Brustoloni nos chama a atenção para uma etapa de renovação da pastoral do Santuário de Aparecida. Os Redentoristas viam necessidade de trazer mais pessoas para os cultos de Nossa Senhora da

39 Ibid., p. 208. 114

Conceição Aparecida, e principalmente reaver os devotos que deixaram a fé católica para freqüentarem Igrejas Pentecostais 40. Portanto, houve renovação e inovação nos métodos de se preparem as missas, na época, na Basílica Velha e também nas “Santas Missões”, missões redentoristas muito freqüentes entre as décadas de 1930 e de 1950, envolvendo quase a totalidade do estado de Goiás, Rio Grande do Sul, Paraná, Sul de Minas e, principalmente, São Paulo 41. Com isso, as romarias tiveram um crescimento considerável durante estas décadas. Somado á isto, temos a presença de Redentoristas mais jovens, dominando a língua portuguesa e conhecendo melhor os costumes dos devotos, que puderam dar novo vigor ao culto à Virgem Aparecida e a pastoral do Santuário, implantada pelos velhos redentoristas alemães. O crescimento paralelo entre a devoção à santa e o Governo de Vargas nos dá a noção necessária para entender a importância da elevação de Nossa Senhora da Conceição Aparecida á Padroeira do Brasil.

40 Nesta época, o crescimento do culto pentecostal aumentou vertiginosamente, porém vemos que este estudo foge de nosso recorte temático, servindo, talvez, para pesquisas posteriores. 41 Ibid., p. 370. 115

Considerações Finais

Pe. Ivanir Antônio Rodrighero disse certa vez que, “Se a referência de Rainha não recebe destaque, a de Senhora é muito apreciada no Brasil” 1. Onde será que ele embasa esta sua afirmativa? Ao longo desta pesquisa, vimos as relações e aproximações entre política e religião no Brasil, principalmente em torno da imagem de Nossa Senhora da Conceição Aparecida. Vimos também, como ocorreu a construção do discurso político em cima de uma devoção inicialmente popular, que acabaria se tornando um símbolo de fé do povo brasileiro durante início do século XX. Não é a toa que a Virgem Aparecida é vista como “senhora” do povo brasileiro.

Para nós, o uso de “senhora” pode ser explicado por dois fatores: 1- os costumes cristãos estão impregnados na sociedade desde a chegada dos europeus em terras brasileiras, e 2- o termo “senhora” se sobrepõe à “rainha” pelo fato de que, apesar de ter nascido e se constituído como uma devoção popular, suas principais influências e absorção do culto se deram por causa das classes dominantes republicanas do início do século XX.

Sobre a impregnação dos costumes cristão na população brasileira, André Droogers, em seu texto A Religiosidade Mínima Brasileira, publicado no periódico “Religião e Sociedade”, utiliza um conceito chamado por ele de “RMB”, ou a religiosidade mínima brasileira. Segundo Droogers, a RMB se trata de um tipo de religiosidade que é manifestada publicamente principalmente em contextos seculares, “(...) que é veiculada pelos meios de comunicação em massa, mas também pela linguagem cotidiana” 2. Ou seja, como é utilizada pela mídia, tenta traduzir o que muitos brasileiros pensam sobre “religião”, tornando-se um conceito “geral” para que um grande número de pessoas possa entender e se identificar com determinado aspecto, principalmente no que se considera “porta-vozes” da Religiosidade Mínima Brasileira, ou seja, personalidades do cotidiano brasileiro que voltam seus discursos para o grande

1 RODRIGHERO, Pe. Ivanir Antônio. Mãe Aparecida no embate entre ciclo do açúcar e do ouro, in “Revista Eclesiástica Brasileira, nº 222, p. 379. 2 DROOGERS, André. A Religiosidade Mínima Brasileira, in “Religião e Sociedade”, p. 65. 116

público. Sendo um substrato religioso das religiões brasileiras, ela garante uma “postura” religiosa que pode ser complementada e aproveitada pelas demais religiões do povo brasileiro.

Identificando a presença de Deus, Jesus, fé e reza em uma série de discursos políticos, esportivos, de celebridades de rádio e televisão e até de certas propagandas da década de 1980 indicadas por Droogers, podemos identificar que este substrato religioso, ou a “religiosidade mínima brasileira” se alimenta principalmente do “catolicismo popular”, introduzido desde o século XVI pelos colonizadores portugueses, que por sua vez tiveram sua religiosidade mesclada com alguns elementos indígenas e posteriormente com elementos africanos.

Portanto, podemos assinalar que o conceito de religiosidade mínima brasileira de Droogers exprime um aspecto religioso presente na cultura brasileira, sendo comum ao povo em geral. Na religiosidade mínima, o conceito de Deus assume lugar predominante, junto com o conceito de Fé, sinônimo de segurança e confiança. Guiado pela discussão entre Rubem César e Pedro de Oliveira no periódico “Comunicações do ISER nº 5”, de 1983, sobre aspectos religiosos em contraste com a religiosidade brasileira, Droogers abre uma reflexão de onde nasce o conceito de Religiosidade Mínima Brasileira.

Primeiro, analisando os argumentos de Rubem César, entende-se que ele chama de RMB “(...) uma grande matriz simbólica de uso comum, sobre a qual cada grupo religioso faz seu próprio recorte e combina seu repertório de crenças” 3, da qual pode ser traduzido em um embaralhado de peças diferentes que são usadas por cada crença religiosa brasileira de um jeito diferente, montando seus próprios fundamentos. Já Pedro de Oliveira assinala a presença de uma “religião brasileira”, já que pode haver a existência de uma “cultura brasileira”, onde todos os brasileiros a reconhecem e considerem elementos religiosos em comum. Apesar de significar uma generalidade imensa neste conceito, talvez a RMB de Droogers possa dar uma parte da explicação da aceitação da população á imagem de Aparecida, conhecida

3 Ibid., p. 66. 117

entre praticamente todos os brasileiros e até entre pentecostais, e fazendo com que estes assumam posturas brandas ou radicais contra a(s) imagem(s).

Partindo da idéia de que, na religiosidade mínima o conceito de Deus assume lugar predominante, junto com o conceito de Fé, sinônimo de segurança e confiança, podemos usar o conceito de “matriz”, ou “constantes no pluralismo religioso” presente em Matriz e matrizes: constantes no pluralismo religioso, de José Bittencourt Filho. Segundo o autor, no mesmo texto, existe uma matriz brasileira que é formada pelas diversas culturas que aqui se encontraram desde a época da colonização, sendo que esta está inserida den- tro da cultural brasileira do dia-a-dia 4.

Ou seja, uma matriz religiosa seria definida como “(...) um composto de valores religiosos e de símbolos que lhe correspondem e que ensejam uma religiosidade ampla e difusa vivenciada pela maioria dos brasileiros” 5. Este composto de valores está intimamente ligado ao pluralismo religioso brasileiro, que exige um grande esforço para que seja compreendido a fim de traduzir uma interação complexa de idéias e símbolos religiosos que se misturaram ao longo de nossa história, tendo como principais agentes os fatores ideológicos, políticos e por que não, econômicos para definir uma identidade coletiva.

Infelizmente, esse assunto é bem amplo, não tendo espaço nestas considerações finais, e talvez tratado posteriormente em alguma outra pesquisa, afinal, é um assunto pouco explorado e de muita importância para se entender como se configura e como se configurou a religiosidade brasileira.

Também, conseguimos respostas em relação à procura de conexões entre política e religião? Acredito que tenhamos adquirido esclarecimentos sobre isso. Vejamos: apesar de se apresentar como apenas um dos muitos cultos de santos no Brasil durante sua história (Bom Jesus da lapa, Nosso Senhor do Bonfim, Nossa Senhora de Nazaré), por que Nossa Senhora da

4 BITTENCOURT, José. Matriz e Matrizes: constantes no pluralismo religioso, in PASSOS, João Décio (org). “Movimentos do Espírito: matrizes, afinidades e territórios pentecostais”, p. 19. 5 Ibid., p. 20. 118

Conceição Aparecida se mostra como a mais importante para a figura nacional?

Como vimos, a localização do aparecimento da devoção foi privilegiado. Recordemos de Rubem Cesar Fernandes, que aponta o cruzamento entre São Paulo e Rio de Janeiro, em um eixo, e o litoral e Minas Gerais, em outro eixo, como localização do palco sobre o aparecimento da Imagem da virgem, tal como o local de início de sua devoção. Portanto, esta região tem assistido a um tráfego expressivo ao longo de todo esse tempo, sendo eles o de ouro no século XVIII, da cana de açúcar mais tarde, e do café durante os séculos XIX e XX. Este fator nos parece crucial para que houvesse uma acumulação de romeiros devotos da santa, afinal, vimos também que após a guerra dos Emboabas, foi dada uma maior importância para a devoção, em prol de atrair de volta os romeiros e tropas de mineiros que passavam pela região a caminho das Minas Gerais. Também não nos esqueçamos da passagem do Conde de Assumar na região, da qual a narrativa de sua viagem conta sobre a cidadezinha de Guaratinguetá e a devoção que ali estava nascendo.

O caráter popular da Virgem Aparecida também nos mostra como um fator importante. A identificação popular pode ser explicada pelo fato da identificação não só da capela despida da riqueza do ouro, mas da própria recente história até então conhecida do aparecimento da imagem de terra cota por pessoas simples e comuns de um vilarejo humilde, tal como serem “escolhidos” para “pescar” a imagem, três pobres pescadores nativos da região. Não nos esqueçamos da grande popularidade que a Virgem Aparecida detinha com a construção da primeira basílica brasileira.

Enfim, a principal pergunta que moveu a pesquisa: A devoção à santa realmente apresenta conexões com estratégias políticas utilizadas durante, respectivamente, 1909 e 1930? Poderíamos ir até mais além; percebemos a presença de uma “construção triangular” na devoção à Virgem Aparecida. Primeiro, nós temos a devoção vinda das classes populares, desde a pesca da imagem de terra-cota até a construção de uma capela própria para abrigar esta imagem, na casa de um dos humildes pescadores da cidade de Guaratinguetá, 119

Filipe Pedroso. Desta devoção popular, percebemos duas forças agindo em conjunto a fim de criar uma força que beneficiasse ambas: Política e Religião. A primeira lutava pela criação de uma identidade nacional, uma unidade nacional mais concisa que possibilitasse a identificação do povo brasileiro com o tipo de governo do país. A segunda lutava por uma participação mais ativa nas instituições populares, ou seja, não apenas no espaço público brasileiro, mas também o espaço privado, familiar do povo. A religião poderia, enfim, servir como veículo de atendimento dos interesses políticos, assim como a política serviu muito bem como uma plataforma para a Igreja Católica alcançar todos, ou a maioria dos setores da sociedade brasileira.

Então, trabalhando em conjunto, Política e Religião puderam abraçar uma devoção popular fortíssima na região brasileira mais importante política e economicamente, para atender aos seus fins. Sem dúvida, percebemos que estas três forças puderam, juntas, construir o que hoje é a Padroeira do Brasil, a Virgem Nossa Senhora da Conceição Aparecida.

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