Marcelo Eduardo Leite [email protected] Universidade Federal Do Cariri
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Caminhos cruzados: técnica fotográfica e conhecimento científico Marcelo Eduardo Leite [email protected] Universidade Federal do Cariri Introdução No dia 23 de dezembro de 1839, ancorou no Rio de Janeiro o navio-escola L’Orientale e, com ele, chegou às terras brasileiras uma missão que tinha como objetivo difundir os conhecimentos e as técnicas conquistadas (KOSSOY, 2002, p. 110). Pouco depois, em 17 de janeiro, o daguerreótipo, suporte fotográfico pioneiro, foi exibido publicamente, sob a tutela do abade Louis Compte (FERNANDES JUNIOR; LAGO, 2000, p. 17). Tal acontecimento, considerado pelos estudiosos como sendo o primeiro registro fotográfico da América do Sul, aconteceu em três pontos da capital imperial, sempre com a presença de D. Pedro II, então com 13 anos de idade (KOSSOY, 1980, p. 17). Poucos meses depois, Pedro II é aclamado por uma multidão de 8.000 pessoas, assumindo o trono após o ‘golpe da maioridade’. Ao novo imperador cabe a missão primordial de criar uma identidade política e cultural para o país. Assim, a demonstração pública oficializou o início do uso da fotografia no Brasil e faz parte de um projeto político e ideológico no qual a imagem teve papel fundamental. Aqui, o daguerreótipo encontrou um ambiente com características bem diferentes das europeias. O país tinha uma sociedade dividida basicamente entre o aparato imperial, a aristocracia rural, a mão-de-obra escrava e os povos originários. Se, de um lado, observava-se uma estrutura agrária tradicional, que herdara da época colonial uma estrutura socioeconômica particular; por outro, novos valores e modismos se difundiram no país, sobretudo, através das elites que viajavam frequentemente para o continente europeu. Os primeiros fotógrafos a se radicarem aqui eram oriundos principalmente da Europa: Hoffmann & Keller, Henry Schmidt, o suíço Abraham Louis Buvelot e o estadunidense Augustus Morant, estão entre os pioneiros (KOSSOY, 2002. p. 335). Acomodados nos principais hotéis da cidade, eles prestavam inicialmente serviços à família imperial. Estes fotógrafos, na sua maioria, vieram ao Brasil fugindo da saturação do mercado fotográfico nos seus países de origem, e, muitos deles, retornavam à terra natal após ganharem aqui algum dinheiro (FERREZ, 1955). Torna-se conveniente assinalarmos que, sobretudo por questões econômicas, é incomparável o desenvolvimento da fotografia no Brasil com aquele experimentado na Europa. Outro fato a ser enfatizado vincula-se à inegável alta qualidade da produção feita no Brasil, sobretudo durante a segunda metade do século XIX. Além disso, a literatura mostra que a assimilação das inovações na área foi bastante rápida, com a chegada imediata de materiais, procedimentos e novas técnicas. Alguns fatores contribuíram para esta rapidez da difusão dos processos fotográficos em nosso país. Primeiramente, o fato de que a grande maioria dos fotógrafos pioneiros, atuantes no país, era de origem europeia. Uma vez aqui instalados, os profissionais tinham contato direto com seus pares, indo ao velho continente, ou mantendo correspondência com seus países de origem. Isso proporcionava uma conexão rápida e constante, permitindo a assimilação de inovações e informações acerca do desenvolvimento da fotografia. Segundo levantamento de Boris Kossoy, no Brasil da década de 1850, o número de profissionais já havia triplicado, somando cerca de noventa em atividade (sendo de nacionalidade brasileira apenas um terço deles) (KOSSOY, 2002, p. 26). O país, neste período, encontrava-se dividido entre as cidades portuárias, como Salvador, Recife, Belém, Maceió, São Luis e, é claro, o Rio de Janeiro, e o interior em que, mesmo nas zonas urbanas, preponderam estruturas coloniais. Porém, quase metade dos fotógrafos estava na capital imperial. Nessa época a população brasileira era inferior a 7,0 milhões de habitantes e, deste total, aproximadamente 2,5 milhões eram escravos. As áreas de maior concentração populacional estavam na costa. O desenvolvimento do uso do daguerreótipo ocorreu inicialmente nas áreas portuárias, refletindo a realidade de um país colonizado e inteiramente voltado para um modelo exportador de produção, cujas origens estão no passado colonial. Os primeiros registros: imagens do progresso nos trópicos e suas contradições Ao se desenvolver, a fotografia manteve relação estreita com o aparato imperial. D. Pedro, um apaixonado pelo registro fotográfico aliou a sua imagem ao significado moderno da fotografia. Os registros fotográficos se tornaram determinantes para o reconhecimento do Brasil mundo afora. Nas mais variadas regiões, os profissionais se colocaram a serviço de um Império preocupado em mostrar ao mundo sua almejada solidez. Sistematicamente, a família Imperial foi retratada pelos fotógrafos da cidade do Rio de Janeiro, Petrópolis e também pelos das localidades por onde o imperador passou. A maior parte do material disponível mostram registros que tiveram preocupação de projetar a ideia de civilização nos trópicos. Estas fotografias, em geral, foram exibidas em grandes exposições na Europa: as Exposições Universais, onde o Brasil marcava presença expondo suas características particulares. Tais eventos são fundamentais para a troca de informações a respeito das mais distantes localidades e para a solidificação da nossa imagem na Europa. Maria Inez Turazzi (1995), ao discutir os ‘produtos’ expostos nos estandes brasileiros das Exposições Universais, salienta a existência de um descompasso das imagens egressas do Brasil se comparadas às de outras nações mais desenvolvidas. A autora observa que os artigos brasileiros pareciam enviados a um museu e não a um local cujo objetivo principal é promover futuras trocas comerciais. As autoridades brasileiras tinham que lembrar constantemente que estes eventos constituem-se em sínteses da vida econômica, sendo seus participantes prováveis parceiros comerciais, com as mercadorias necessariamente voltadas a algum tipo de consumo. É, a nosso ver, nesse espaço que as imagens realizadas por nossos fotógrafos ganham um viés cientifico, pois ao realizar um aprofundamento nas mais distantes regiões do país, trouxe registros de etnias até então não documentadas. O fato é que, analisando o conjunto de representações difundidas pelo Brasil, podemos dizer que elas não estavam, na verdade, em sintonia com a lógica do mercado internacional, mas, sim, a serviço da lógica política da construção da nacionalidade brasileira, na qual se manifesta uma vocação museologizante dos símbolos plurais da nossa identidade. Muito peculiar, dentre os materiais expostos nos estandes montados pelo império ganharam destaque imagens diversas: vistas das principais cidades, imagens de índios e escravos, imagens da família imperial e de seus palácios. A via predominante por onde a fotografia se expressa nas exposições universais apontava: [...] para a via do exótico, do pitoresco e de suas variadas representações simbólicas: natureza exuberante, povos indígenas, costumes extravagantes, cenários bucólicos, riquezas inexploradas, estágios pré e pós-civilizatórios de convívio social (TURAZZI, 1995, p. 119). As imagens do Brasil, dos primórdios do Segundo Império, fixadas pelas litografias, pinturas ou daguerreótipos tiveram a preocupação de projetar a magnitude das obras aqui desenvolvidas, como ferrovias e construções arquitetônicas. Na segunda metade da década de 1850, novos suportes são difundidos em nosso país, como o uso do negativo de colódio úmido e do papel albuminado, permitindo, enfim, a confecção de cópias e de ampliações fotográficas. Tais imagens se caracterizaram pelo desenvolvimento de um olhar mais ligado ao futuro do império do que ao passado colonial. É notório que as paisagens ganharam um papel muito importante no Segundo Império, o pesquisador Pedro Vasquez (2002) alerta para a carência de imagens desse tipo no período colonial, pois tal modalidade era proibida, devido ao temor dos portugueses em despertar cobiça de outros povos por nossas riquezas naturais. Mas no período do Segundo Império a situação foi outra, estando tais imagens em concordância com as vontades políticas. Um dos profissionais que se destacaram, sobretudo pelo pioneirismo em vistas urbanas, foi George Leuzinger, que fez grande quantidade de vistas do Rio de Janeiro e que foram divulgadas mundialmente nas exposições internacionais. As imagens de Leuzinger causaram grande impacto e receberam prêmios, sobretudo por mostrar a urbanidade do Brasil, enfatizando aquilo que seria o projeto civilizatório nos trópicos. Assim, ao se apresentar as obras em realização ou realizadas, os sinais de progresso e a evolução, demarcava-se e se vendia uma imagem específica do Brasil. Tornou-se usual a apresentação de registros que divulgavam estradas, ferrovias, minas e plantações. Se, inicialmente existia alguma dificuldade para fazê-lo, especialmente por questões técnicas, isso foi suplantado depois que, no final da década de 1870, foi desenvolvida a chapa seca à base de gelatina. A chegada das chapas secas foi revolucionária para a época, já que eram 40 vezes mais sensíveis que os sistemas anteriormente usados, além de não necessitarem de preparo na hora de serem utilizadas. Podemos dizer que elas revolucionaram a fotografia de paisagem, pois ao aumentar a rapidez na obtenção do instantâneo fotográfico, liberaram o profissional de transportar, junto com as pesadas câmeras e tripés, a parafernália de produtos químicos, tendas e outros materiais necessários ao emprego dos negativos de vidro pelo processo de colódio úmido. Com a entrada no mercado