Latin American Journal of Pharmacy Original Article (formerly Acta Farmacéutica Bonaerense) Received: January 7, 2009 Lat. Am. J. Pharm. 28 (3): 358-65 (2009) Accepted: February 10, 2009

Morfoanatomia Foliar e Parâmetros de Qualidade da decurrens ()

Daniel T. ZATTA 1, Flávia N.M. OLIVEIRA 1, Maria T.F. BARA 1, Maria H. REZENDE 2, Lília C.S. BARBOSA 2, Clévia F.D. GARROTE 1, Leonice M.F. TRESVENZOL 1, Tatiana S. FIUZA 2 & José R. PAULA 1*

1 Faculdade de Farmácia, Universidade Federal de Goiás, CP 131, 74001-970, Goiânia, GO, Brasil. 2 Instituto de Ciências Biológicas, Universidade Federal de Goiás, CP 131, 74001-970, Goiânia, GO, Brasil.

RESUMO. Jacaranda decurrens (Bignoniaceae) é conhecida popularmente como carobinha ou caroba-do- campo e utilizada na medicina popular para o tratamento de infecções, reumatismo e como depurativo do sangue. Este trabalho teve por objetivo fazer o estudo farmacognóstico das folhas de J. decurrens. Com es- se intuito, o material vegetal constituído por folhas foi coletado em Senador Canedo e submetido às análi- ses macroscópicas e microscópicas e à triagem fitoquímica. Pôde-se verificar nas folhas grande quantidade de tricomas tectores e estômatos anomocíticos na epiderme abaxial. A epiderme adaxial das folhas apre- sentou em vista frontal células epidérmicas de tamanhos variados com paredes anticlinais espessadas e si- nuosas. Na triagem fitoquímica foram detectados compostos fenólicos, flavonóides, esteróides, triterpenos, saponinas, amido, cumarinas e resinas. Foram encontrados os seguintes valores para os teores de umidade, cinzas totais e insolúveis em ácido: 7,43%, 7,75% e 0,53%, respectivamente. Esses resultados são parâme- tros importantes para o controle de qualidade dessa matéria-prima vegetal. SUMMARY. “Leaf Morpho-anatomy and Quality Parameters of Jacaranda decurrens (Bignoniaceae)”. Jacaran- da decurrens (Bignoniaceae) is popularly known in Brazil as carobinha or caroba-do-campo and used in folk medicine for the treatment of infections, rheumatism and as a blood depurative. The purpose of this work was to perform a pharmacognostic study of the J. decurrens leaves. To that end, the botanical material collected in Senador Canedo, was submitted to macroscopic and microscopic analysis as well as phytochemical screening. Large amounts of tector trichomes and anomocytic stomata were noted on the epidermis of the abaxial leaf sur- face. The frontal view of the adaxial epidermis of the leaves presented epidermal cells of varying sizes with thick and sinuous anticlinal cell walls. The phytochemical screening detected phenolic compounds, flavonoids, steroids, triterpenes, saponins, starch, coumarins and resins. The humidity, total ash and acid insolubles contents were respectively 7.43%, 7.75% and 0.53%. These results are important parameters for the quality control of the vegetal raw material.

INTRODUÇÃO atividades antiinflamatória e antinociceptiva no A família Bignoniaceae (Dicotyledonae) per- extrato aquoso bruto e nas frações éter etílico, tence à ordem e subclasse Euasteridae butanólica e aquosa das folhas e vagens de Ca- 1. Ela reúne 120 gêneros, com aproximadamente talpa bignoides Walt; Pauletti & Bolzani 4 de- 750 espécies, geralmente tropicais espontâneas monstraram a atividade antitumoral das frações na América do Sul, incluindo árvores, lianas, ar- semi-purificadas e do extrato bruto da folhas de bustos e raramente ervas. Os gêneros mais im- Arrabidaea samydoides Sandw. sobre linhagens portantes da família, com ampla distribuição nas mutantes de Saccharomyces cerevisae. A ativida- regiões tropicais, são Tabebuia e Jacaranda 2. de hipoglicemiante do extrato aquoso dos frutos Vários estudos, visando avaliar atividades de Parmentiera edulis DC. foi descrita por Negri biológicas em espécies dessa família têm sido 5. A ação tripanossomicida do extrato etanólico realizados: Muñoz-Mingarro et al. 3 observaram das folhas da Arrabidaea triplinervia (Mart. ex

PALAVRAS-CHAVE: Etnofarmacologia, Morfoanatomia, Planta medicinal. KEY WORDS: Ethnopharmacology, Medicinal , Morphoanatomy. * Autor a quem correpondência deve ser enviada: E-mail: [email protected].

358 ISSN 0326-2383 Latin American Journal of Pharmacy - 28 (3) - 2009

DC.) Baill. ex Bureau foi relatada por Leite et al. as informações sobre a segurança (determinadas 6. por ensaios farmacológicos pré-clínicos e clíni- A Jacaranda decurrens Cham., conhecida cos, por efeitos biológicos preconizados, por popularmente como carobinha ou caroba-do- ensaios de toxicidade aguda e crônica, bem co- campo, é um arbusto campestre pouco ramifica- mo pela ausência de contaminantes nocivos à do podendo chegar até três metros de altura. A saúde), vão determinar a segurança e eficácia sua parte subterrânea é lenhosa e bastante glo- de um fitoterápico 17. bosa. O caule é pubescente enquanto jovem e Levando-se em conta essas informações e o depois glabro. As folhas são paribipinaticom- uso etnomedicinal da J. decurrens Cham., objeti- postas com 8-9 jugas ou mais, apresentando fo- vou-se no presente trabalho descrever macro e liólulos decorrentes, estreitos, glabro na face microscopicamente as folhas dessa espécie, as- adaxial e piloso na face abaxial, sendo também sim como avaliar seus teores de umidade, cinzas discolores. As flores possuem corola infundibuli- totais e cinzas insolúveis em ácido e realizar a forme, são azuis ou roxas, grandes e dispostas prospecção fitoquímica, com a finalidade de es- em racemo. O fruto apresenta-se em cápsula, tabelecer um padrão para os parâmetros de suborbicular, retusa no ápice e aguda na base qualidade deste material vegetal. com até 9 cm de comprimento e 7 cm de largu- ra. As sementes são elípticas, irregularmente cre- MATERIAIS E MÉTODOS nuladas e ala frágil 7. Material botânico Poucos estudos capazes de dar embasamen- Para o estudo morfoanatômico foram utiliza- to ao uso medicinal da J. decurrens foram en- das folhas adultas de 2 exemplares de J. decur- contrados na literatura pesquisada. Dados etno- rens coletadas às margens da GO-019, em Sena- botânicos indicam o seu uso popular para o tra- dor Canedo, Goiás, Brasil (16° 45’ 45,2” Sul e tamento de infecções, reumatismo e depurativo 49º 07’ 0,68” Oeste a 762 m de altitude) em ou- do sangue 8-10. Carrim et al. 11 isolaram e identi- tubro de 2003, sendo identificado pelo Prof. Dr. ficaram microrganismos endofíticos a partir das José Realino de Paula, da Universidade Federal folhas de J. decurrens e avaliaram a atividade de Goiás, e a exsicata depositada no herbário enzimática dos mesmos. Carrim 12 também ava- desta instituição.sob registro UFG – 27805. liou a produção de bacteriocina pelos mesmos A planta foi fotografada utilizando-se uma microrganismos endofíticos, observando efeito câmera fotográfica digital Olympus modelo X- inibitório sobre o crescimento de Agrobacterium 775 em seu habitat natural e após a coleta e tumefasciens, Bacillus cereus, Bacillus subtilis, preparo do material vegetal. O material botânico Corynebacterium glutamicum, Micrococcus lu- coletado foi levado para o laboratório de Farma- teus e Rodococcus equi. Em um outro estudo, cognosia e dessecado ao ar livre. Posteriormen- com essa espécie, Varanda et al. 13 isolaram o te foi triturado em moinho de facas. ácido ursólico e testaram o mesmo contra o in- seto herbívoro Shizaphis graminum, observan- Descrição macroscópica do efeito deletério sobre os insetos adultos e di- A caracterização macroscópica foi feita à vis- minuição da taxa reprodutiva. Em 2003, Oliveira ta desarmada segundo parâmetros descritos por et al. 14 realizaram o estudo farmacognóstico das Oliveira & Akisue 18. raízes da Jacaranda decurrens Cham., e, mais recentemente Mauro et al. 15 realizaram o estudo Descrição microscópica anatômico do limbo foliar do foliólulo e pecío- Para a análise microscópica foram utilizadas lo, e do caule dessa mesma planta coletada no folhas livres de injúrias, com o limbo completa- Cerrado de Botucatu, São Paulo, Brasil. mente expandido. Destas folhas, foram retirados O crescente interesse da população por me- cerca de 10 folíolos com os seus respectivos fo- dicamentos fitoterápicos tem estimulado as in- liólulos. Regiões medianas de cerca de 10 pecío- dústrias de países desenvolvidos e em desenvol- los, também foram retiradas. De cada foliólulo, vimento a investirem em pesquisas utilizando as analisou-se a nervura central na região média, plantas medicinais como fontes de princípios internervuras e bordo. O material vegetal coleta- ativos para a produção de medicamentos. Nesse do foi fixado em FAA 50% (formaldeído, ácido sentido, torna-se cada vez mais importante a de- acético, etanol 50%) por 48 h e posteriormente finição de parâmetros de controle de qualidade preservado em etanol 70%. para matérias-primas vegetais 16. Esses parâme- A confecção das lâminas histológicas foi rea- tros de controle de qualidade, juntamente com lizada a partir de secções transversais, obtidas à

359 ZATTA D.T., OLIVEIRA F.N.M., BARA M.T.F., REZENDE M.H., BARBOSA L.C.S., GARROTE C.F.D., TRESVENZOL L.M.F., FIUZA T.S. & PAULA J.R. mão livre. As secções foram clarificadas em hi- metabólitos secundários presentes nas folhas de poclorito de sódio a 10-12%, posteriormente la- Jacaranda decurrens foi realizada na amostra vadas em água destilada e submetidas à dupla pulverizada. Utilizaram-se metodologias adapta- coloração com azul de astra 0,3% e fucsina bási- das por Costa 24, Matos 25 e Matos & Matos 26 ca 0,1% 19. Foram preparadas lâminas semi-per- para pesquisa de heterosídeos antraquinônicos, manentes em glicerina/H2O 1:1 e utilizando-se heterosídeos digitálicos, heterosídeos flavonói- resina verniz vitral incolor 20. Para a realização des, heterosídeos saponínicos, taninos, cumari- dos cortes paradérmicos empregou-se a técnica nas e alcalóides. descrita por Kraus e Arduin 21, fazendo-se a ma- ceração do material botânico com a mistura de Doseamento de Flavonoídes Totais ácido nítrico 10 % e ácido crômico 10%, (solu- O doseamento de flavonóides totais foi reali- ção de Jeffrey) 19. Após descolamento das epi- zado de acordo com a metodologia descrita na 27 dermes, as mesmas foram montadas em prepa- Farmacopéia Brasileira IV para Calendula offi- rações semi-permanentes. Para a análise micros- cinalis L., sendo o ensaio realizado em triplicata. cópica do pó, colocou-se uma pequena quanti- RESULTADOS dade de amostra em uma lâmina, adicionou-se Descrição macroscópica uma gota do reagente de Steinmetz e cobriu-a As folhas dos espécimes de Jacaranda de- com lamínula. currens são verticiladas, nascendo nas primeiras As fotomicrografias foram realizadas em foto- porções do caule; completas, paribipinaticom- microscópio ZEISS Axioskop, utilizando-se filme postas com 8-9 jugas ou mais, apresentando fo- Kodacolor ASA 100. liólulos decorrentes, estreitos, glabros na face adaxial e pilosos na face abaxial, além de disco- Microscopia eletrônica de varredura lores. Fragmentos da porção mediana dos folíolos de Jacaranda decurrens Cham. foram fixados Descrição microscópica em solução de Karnovsky modificada por 24 h. Lâmina Foliar Posteriormente, os fragmentos foram transferi- Na epiderme da folha adulta de J. decurrens, dos para um tampão cacodilato de sódio e te- em secção paradérmica, evidenciou-se na face tróxido de ósmio (1:1) por 1 h, lavados em água adaxial, células com paredes anticlinais espessa- destilada, desidratados em série etanólica cres- das e sinuosas de tamanhos variados (Figs. 1A e cente (30%, 50%, 70% e 90%) durante 15 min e 1B). Na face abaxial encontrou-se tricomas tec- em etanol absoluto durante 10 min 22. Em segui- tores longos, estômatos anomocíticos e estrias da, os fragmentos foram levados à secagem ao epicuticulares (Figs. 1C e 1D). ponto crítico de CO2, em aparelho de secagem Em microscopia eletrônica de varredura ob- ao Ponto Crítico da Balzers CPD30, fixados com servaram-se, na epiderme adaxial, tricoma es- fita adesiva de dupla face em pequenos ‘stubs’ e cmoso peltado (Fig. 2A) e tricomas tectores lon- metalizados em ouro, com camada de cobertura gos (Fig. 2B), esses últimos também vistos na de aproximadamente 40 nm por 2 min, em Apa- epiderme abaxial, juntamente com grande nú- relho Metalizador Zeiss DSM-962. As etapas de mero de estômatos (Figs. 2C e 2D). secagem, metalização e análise da superfície fo- Em seccão transversal, a folha de Jacaranda ram realizadas no laboratório de Microscopia decurrens apresentou mesofilo dorsiventral, epi- Eletrônica da Universidade de Brasília (UnB). derme adaxial unisseriada com cutícula espessa A análise foi realizada em Microscópio de apresentando flanges. Na face abaxial eviden- Varredura JEOL-JSM 840A e as eletromicrogra- ciou-se epiderme unisseriada com estrias e trico- fias obtidas em filme FUJI NEOPAN Asa 100. ma em forma de barco e tricoma escamoso pel- tado. O parênquima paliçádico apresentou-se Determinação do teor de umidade e cinzas unisseriado ocupando 1/3 do mesofilo. Obser- Os ensaios para determinação do teor de vou-se a que os feixes vasculares estavam prote- umidade, de cinzas totais e de cinzas insolúveis gidos por calota esclerenquimática voltada para em ácido clorídrico (HCl) das folhas de Jacaran- face abaxial e extensão da bainha voltada para a da decurrens foram realizados em triplicata se- face adaxial. gundo a Farmacopéia Brasileira IV 23. Nervura Principal Prospecção fitoquímica A nervura principal dos foliólulos, em corte A análise qualitativa das principais classes de transversal, apresentou face abaxial com forma-

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Figura 1. Secções paradérmicas das folhas de Jacaranda decurrens Cham. 1A e 1B, epiderme adaxial destacada pela solução de Jeffrey e coloração com Safranina. 1C e 1D, epiderme abaxial destacada pela solução de Jef- frey. Ce – célula epidérmica com parede sinuosa; Ci – cicatrizes pela queda de tricomas tectores; Ee – estrias epicuticulares; Es – estômato anomocítico; Tt – tricoma tector.

Figura 2. Microscopia eletrônica de varredura das epidermes adaxial e abaxial do foliólulo de Jacaranda decur- rens Cham. 2A e 2B, epiderme adaxial. 2C e 2D, epiderme abaxial com estômatos e tricomas tectores respecti- vamente. to arredondado e adaxial côncavo com epider- Raque primária me unisseriada em toda a sua extenção. A epi- A secção transversal da região mediana da derme da face adaxial encontrava-se revestida raque primária mostrou face adaxial com duas por cutícula espessa. Na epiderme da face aba- projeções formando uma concavidade e a face xial observou-se tricomas glandulares e tricomas abaxial arredondada (Fig. 3A). Cada projeção tectores longos. Subjacente à epiderme eviden- apresentou 3 feixes vasculares, sendo o central ciou-se parênquima cortical com três camadas de menor tamanho (Figs. 3A e 3B). Observou-se de células e sistema vascular envolto por uma que a epiderme é unisseriada, com cutícula es- calota esclerenquimática em forma de arco vol- pessa (Figs. 3A, 3B, 3D) e com tricomas glandu- tada para a face adaxial, com extensão de bai- lares e tectores pluricelulares unisseriados (Figs. nha até a epiderme. Na região central encontra- 4A, 4B). Os feixes vasculares das projeções ram-se feixes vasculares, com floema externo ao apresentaram-se envolvidos por uma calota es- xilema e parênquima medular. clerenquimática, e, no feixe de maior diâmetro, ninhos de floema estão intercalados ao xilema e Raque Secundária limitados internamente por fibras esclerenqui- Na secção da região mediana da raque se- máticas (Fig. 3C). O sistema vascular central cundária observaram-se na face adaxial duas apresentou-se envolto por uma bainha escleren- projeções laterais em forma de “V” e na face quimática em toda a sua extensão (Figs. 3A e abaxial formato arredondado. A epiderme é 5A). O floema encontrou-se externo ao xilema e unisseriada, com cutícula espessa em toda a sua verificou-se um parênquima medular com célu- extenção. O sistema vascular central estava to- las de tamanhos variados (Figs. 3A, 4A, 4B, 4C, talmente envolvido por uma calota esclerenqui- 5A e 5B). Na calota esclerenquimática observou- mática, com floema externo ao xilema e parên- se a presença de células pétreas (Fig. 4A). A his- quima medular com pontuações. toquímica com reagente de Steinmetz eviden-

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Figura 3. Secção transversal da raque primária da folha de Jacaranda decurrens Cham. 3A, aspecto geral. 3B, detalhe dos dois primeiros feixes vasculares dos prolongamentos superiores. 3C, detalhe do terceiro feixe vas- cular do prolongamento superior. 3D, detalhe da epiderme abaxial até o floema. Cut – cutícula; Epb e Ep – epi- derme; Esc – esclerênquima; Fl – floema; Fv – feixe vascular; Xi – xilema.

Figura 4. Secção transversal da raque primária da folha de Jacaranda decurrens Cham. 4A, tricoma glandular na epiderme lateral. 4B, tricoma tector alongado. 4C, presença de células pétreas na calota esclerenquimática. 4D, parênquima medular com pontuações. ciou cutícula espessa e material lipídico no pa- face abaxial convexa e face adaxial côncava rênquima cortical. com epiderme uniseriada e com tricomas tecto- res retos e enrolados. O sistema vascular central Pecíolo apresentou forma de arco aberto voltado para a A região mediana do pecíolo, em secção epiderme adaxial, com calota esclerenquimática transversal, evidenciou a face abaxial arredon- envolvendo o sistema vascular central, floema dada e adaxial com duas projeções contendo externo ao xilema e parênquima medular cen- três feixes vasculares menores em cada uma. A tral com células isodiamétricas apresentando epiderme apresentou-se unisseriada, em toda a pontuações. Dois feixes vasculares menores fo- sua extensão, com cutícula espessa contendo ram observados próximos à face adaxial. verrucosidades e com tricomas tectores plurice- lulares e unisseriados. Os feixes vasculares das Microscopia de Pó projeções da face adaxial apresentaram-se pro- Na microscopia de pó de J. decurrens sub- tegidos por uma calota esclerenquimática, com metido ao reagente de Steinmetz observaram-se ninhos de floema em volta do xilema. O sistema fragmentos de epiderme com estômatos, trico- vascular central apresentou-se envolto por uma mas tectores pluricelulares unisseriados, células camada de bainha esclerenquimática, floema ex- pétreas e fragmentos de fibras com bainha cris- terno ao xilema e um parênquima medular com talífera. células isodiamétricas. Teores de umidade, cinzas totais e Pulvino insolúveis em ácido clorídrico A secção transversal do pulvino apresentou a As folhas de J. decurrens apresentaram

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anomocíticos foram observados em Arrabidaea chica (Humb. & Bonpl.) B. Verl. por Puhl et al. 30 e o predomínio desse tipo de estômatos na epiderme abaxial também foi descrito para as folhas de Tabebuia aurea (manso) Benth. & Hook F. ex S. Moore 31. A simetria dorsiventral do mesofilo das folhas de Jacaranda decurrens foi observada para Pyrostegia venusta (Ker Gawl.) Miers por Duarte & Jurgensen 32 e para espécimes de Jacaranda decurrens coletados no cerrado de Botucatu 15. Pôde-se observar no presente estudo que os tricomas tectores das fo- lhas foram predominantes em relação aos glan- 15 Figura 5. Secção transversal da raque primária da fo- dulares. Segundo Mauro et al. a abundância lha de Jacaranda decurrens Cham. 5A, aspecto geral. de tricomas pode ser interpretada como uma 5B, detalhe da epiderme abaxial até parênquima me- adaptação da planta a ambientes xerofíticos. dular. Ep – epiderme; Esc – esclerêqnuima; Fl – floe- Observou-se na nervura principal a presença ma; Pc – parênquima cortical; Pm – parênquima me- de cutícula espessa na face adaxial. A nervura dular; Tt – tricoma tector; Xi – xilema. principal, a raque primária, a região mediana do pecíolo, o pulvino e a região mediana da haste 7,43% de umidade. O teor de cinzas totais para apresentaram epiderme unisseriada com trico- a amostra analisada foi de 7,75% (p/p) e o teor mas tectores, feixe vascular com floema externo de cinzas insolúveis em ácido clorídrico foi de ao xilema, sistema vascular central envolvido 0,53% (p/p). por calota esclerêquimática. O sistema vascular representado por um cilindro floemático externo Prospecção fitoquímica ao xilemático, com oposição de calotas escle- Nas análises realizadas para as folhas de J. renquimáticas ao floema também foi descrito decurrens, observou-se a presença de compos- por Duarte & Jurgensen 32 nas folhas de Pyroste- tos fenólicos, flavonóides, esteróides/ triterpe- gia venusta (Ker Gawl.) Miers. nos, saponinas, amido, cumarinas e resinas. Cristais prismáticos e oxalato de cálcio en- contrados nas folhas de J. decurrens também fo- Doseamento de flavonóides totais ram relatados por Duarte e Jurgensen 32 em Py- A porcentagem de flavonóides totais na rostegia venusta (Ker Gawl.) Miers (Bignonia- amostra de folhas de J. decurrens foi de 0,53%. ceae). As amostras das folhas de Jacaranda decur- DISCUSSÃO rens coletada apresentaram 7,43% de teor de As características macroscópicas das folhas umidade. Segundo Lapa et al. 33 o excesso de de J. decurrens analisadas nesse trabalho corres- umidade em matérias-primas vegetais permite a pondem às descritas por Corrêa 7 para essa es- ação de enzimas, podendo acarretar a degrada- pécie e também se enquadra no conjunto de ca- ção de constituintes químicos, além de possibili- racterísticas da família Bignoniaceae apresenta- tar o desenvolvimento de fungos, insetos e bac- do por Gemtchúnicov 28. Vidal 29 descreveu que térias. Ainda segundo o mesmo autor, o teor os foliólulos das folhas jovens se organizam máximo de umidade estabelecido nas farmaco- dando à planta o aspecto de uma samambaia. A péias varia entre 8 e 14%, com poucas exceções epiderme adaxial é formada por células de pare- especificadas nas monografias. des sinuosas assim como em outras espécies da O teor de cinzas totais para a amostra anali- mesma família. A presença de estrias, muitas ve- sada foi de 7,75% (p/p). A determinação deste zes sinuosas e irregulares, formando saliências parâmetro permite verificar a presença de impu- no centro das células, conferindo ao conjunto rezas inorgânicas não voláteis que podem estar um aspecto rugoso, também foi encontrada em presentes como contaminantes na matéria-prima Jacaranda acutifolia Humb. & Bompl., Jaca- vegetal 17. O teor de cinzas insolúveis em ácido randa brasiliana (Lam.) Pers. e Jacaranda fili- clorídrico foi de 0,53% (p/p). Esta análise permi- cifolia (Anders). Tricomas tectores pluricelulares te a verificação de contaminantes como resíduo longos e unisseriados na epiderme adaxial, ob- de terra e areia (materiais silicosos) presentes na servados em J. decurrens foram relatados com amostra 17. pouca freqüência nessa família 29. Estômatos Nas análises realizadas no pó das folhas de J.

363 ZATTA D.T., OLIVEIRA F.N.M., BARA M.T.F., REZENDE M.H., BARBOSA L.C.S., GARROTE C.F.D., TRESVENZOL L.M.F., FIUZA T.S. & PAULA J.R. decurrens, observaram-se a presença de meta- isolado a partir de Arrabidaea chica fo. cuprea bólitos secundários na forma de compostos fe- (Cham.) Sandw. Entre as atividades farmacológi- nólicos, flavonóides, esteróides/ triterpenos, sa- cas atribuídas aos flavonóides destacam-se ativi- poninas, amido, cumarinas e resinas. Alguns dade antitumoral, antiespasmódica, antiinflama- desses compostos, como os flavonóides e os tri- tória, antimicrobiana, antimutagênica, antiúlcera, terpenos foram relatados em outros estudos antiviral, antioxidante, estrogênica e tripanosso- com espécies da família Bignoniaceae 34-37. A micida 41. quantidade de flavonóides totais encontrada nas folhas de J. decurrens foi de 0,53%. O valor de CONCLUSÃO 0,53% encontrado é maior do que aquele que é O presente estudo possibilitou descrever as preconizado para a matéria-prima vegetal da características morfológicas das folhas de Jaca- Calendula officinalis que não deve possuir me- randa decurrens Cham., assim como determinar nos de 0,4% de flavonóides totais, calculados os teores de umidade, cinzas totais e insolúveis como hiperosídeo 27. Blatt et al. 38 isolaram os em ácido. Além disso, foram identificadas as flavonóides 6-hidroxiluteolina, luteolina- 7-O- principais classes de metabólitos secundários e glucosídeo, quercetina-3-O-glucosídeo, querceti- o teor de flavonóides totais. Estes resultados são na-3-O-galactosídeo, rutina e 3-O-diglicosídeo parâmetros importantes para o controle de qua- de quercetina de Tabebuia caraiba (Mart.) Bu- lidade dessa matéria-prima vegetal. reau, Ferreira et al. 39 determinaram a presença de flavonóides em Pyrostegia venusta (Ker Gawl.) Miers, Takemura et al. 40 descreveram o Agradecimentos. Os autores agradecem a Fundação flavonóide 6,7,3’,4’-tetrahidroxi-5- metoxiflavona de Apoio à Pesquisa (FUNAPE/UFG).

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