Estanislao Zeballos: a História Jamais Escrita Da Guerra Da Tríplice Aliança1
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Estanislao Zeballos: a história jamais escrita da 1 Guerra da Tríplice Aliança Estanislao Zeballos: The Triple Alliance War never written History Estanislao Zeballos: La História jamais escrita de la Guerra de Tríple Alianza Mário Maestri * Resumo Estanislao Severo Zeballos: homem de política, de cultura e de ação A partir do fundo Estanislao Zeballos, do Arquivo Juan Bautista Gill Aguina- Estanislao Severo Zeballos nasceu em ga, discute-se o sentido da trajetória da- Rosario, Santa Fé, em 1854, quando a Argen- quele homem político argentino e sua tina começava a viver plenamente as contra- relação com a guerra contra o Paraguai dições entre unitários e federalistas, após a (1865-1870). Exploram-se as razões da não conclusão de sua proposta de pro- deposição de Juan Manuel de Rosas (1793- duzir a história geral do conflito. Anali- 1877), em Monte Caseros, em 3 de fevereiro sa-se a documentação produzida por ele de 1852. Ele seria conhecido no país como em visitas ao Paraguai e de seu registro prócer político da Geração de 1880, que ani- do desenvolvimento de espírito revisio- mou a República Conservadora e Oligárqui- nista pró-lopizta no país. Abordam-se ca (1880-1816), após a vitória do unitarismo os problemas postos pelos depoimentos liberal-mitrista sobre o federalismo provin- orais de protagonistas, diretos e indire- cial, na batalha de Pavón, em 17 de setembro tos, sobre a guerra. de 1861. Político e intelectual de ampla atua- Palavras-chave: Estanislao Zeballos. Guer- ra do Paraguai. História e memória. * Doutor em História pela Université Catholique de Louvain, Bélgica. Professor titular do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade de Passo Fundo, Brasil. E-mail: [email protected] Recebido em 04/05/2015 - Aprovado em 25/05/2015 http://dx.doi.org/10.5335/hdtv.15n.2.4993 350 História: Debates e Tendências – v. 15, n. 2, jul./dez. 2015, p. 350-366 ção, sua influência extrapolou sua época, fica e, em 1879, um ano após a conclusão da sentida ainda hoje na Argentina. Guerra del Desierto, do Instituto Geográfico No período 1866-1872, com dificulda- Militar (a seguir Instituto Geográfico Nacio- des econômicas familiares devido à morte nal). Nesse, a geografia andava de mãos da- do pai, Estanislao Zeballos dedicou-se aos das com a expansão dos territórios e da eco- estudos, como bolsista, no Colégio Nacional nomia mercantil dos Estados nacionais, e no de Buenos Aires, fundado por Bartolomé caso da Argentina, extensão dos territórios Mitre (1821-1906) para conquistar a juventu- em direção ao sul e, se possível, do oeste. Em de provincial à nova ordem liberal-unitária. 1901, integrou a atual Academia Nacional Em 1870, com dezesseis anos, ainda estu- de História da Argentina. Pensador e polí- dante, necessitando trabalhar para susten- tico positivista, nacionalista e conservador, tar-se, ingressou como “segundo notário” defendeu a superioridade de estirpe argen- no destacado diário La Prensa, de Buenos tina imaginada, de lídima origem hispânica Aires, liberal-conservador, fundado no ano e europeia, e de seu pretenso destino diretor anterior, do qual seria redator e diretor. quanto aos vizinhos nacionais, inferiores. Em 1874, Zeballos licenciou-se e foi Foi “intelectual orgânico” do programa de doutorado em Direito pela Universidade de construção-expansão territorial apoiado em Buenos Aires, onde ensinou e foi decano de latifúndio, imigração europeia, colonização 1918 a 1919. Nesse último ano, abandonou agrícola, exportações, que tinha, na Euro- aquela posição de destaque pressionado pelo pa liberal e ilustrada, o paradigma cultural movimento da Reforma Universitária (1918). (LACOSTE; ARPINI, 2002, p. 125-146). Foi líder pastoril-latifundiário, deputado Zeballos escreveu precocemente ensaios provincial e nacional, presidente da câmara sobre paleontologia, arqueologia e antropolo- nacional, diplomata, três vezes ministro dos gia, disciplinas então semidesconhecidas na assuntos exteriores (DALLA-CORTE, 2011, Argentina, abraçando, mais tarde, a estra- p. 25). Com estudos institucionais em Ciên- nha teoria do portenho Florentino Amighino cias Exatas, foi ensaísta de sucesso, escreven- (1854-1911) de nascimento da humanidade do, em 1878, La conquista de quinze mil léguas: no pampa argentino — “Homus pampeanus” estúdio sobre la traslación de la fronteira sul (LACOSTE; ARPINI, 2002, p. 132). Em 1898, de la República al rio Negro. O livro fora en- fundou, financiou e dirigiu, até a morte, a Re- comendado e financiado pelo general Julio vista de Derecho, Historia y Letras, locus de ex- Roca (1843-1914), então ministro de Guerra pressão de suas posições político-ideológicas e Marinha, para apoiar a campanha militar (SÁNCHEZ, 2009, p. 224). Desde jovem, preo- proposta contra os poucos milhares de ín- cupou-se com a disputa entre a Argentina e o dios pampas para conquistar seus territó- Brasil pela hegemonia regional. No Brasil, é rios (ZEBALLOS, 1998, p. 22; ÉBÉLOT, 2008, conhecido, sobretudo, pela militância, quan- p. 195-235; RODRÍGUEZ, c2015). do ministro do exterior, de 1906 a 1908, pelo Em 1872, com dezoito anos, Zeballos armamento argentino, em vista de conflito participou da fundação da Sociedad Cientí- com o Brasil que julgava próximo e desejável. 351 História: Debates e Tendências – v. 15, n. 2, jul./dez. 2015, p. 350-366 Nos países vizinhos, Zeballos foi visto Estanislao Zeballos: como defensor da refundação – ampliada – do vice-reinado do Prata, que assombrou uma história prometida sempre o Estado brasileiro, que temia que a Sem jamais destacar-se pela produção grande nação lhe fizesse contraponto no Pra- historiográfica propriamente dita, desde ta. No Brasil, foi acusado de manipular tele- 1884, Zeballos anunciou, por décadas, até grama cifrado do barão de Rio Branco (1845- a morte, a intenção de escrever história ge- 1912) para defender suas posições belicistas ral da Guerra da Tríplice Aliança contra o (HEINSFELD, 2008). A leitura incorreta do Paraguai (1864-1870). Seu sucesso político documento teria contribuído para sua que- e econômico permitiu-lhe produzir e reu- da do governo, ao ser questionado por seus nir ampla e variada documentação sobre o opositores, que divergiam de seu militaris- tema – livros, documentos, mapas, entrevis- mo (LACOSTE; ARPINI, 2002, p. 126). tas, etc. Ao morrer, sua biblioteca pessoal Registre-se em defesa de Zeballos que, possuiria 30 mil volumes. Em 1887 e 1888, então, o governo brasileiro encomendara empreendeu duas importantes expedições à na Inglaterra reaparelhamento faraônico da esquadra, que a colocou entre as mais província de Corrientes, ao sul do Paraguai, poderosas do mundo. Esquadra que viveu, e a Asunción, visitando locais de comba- em novembro de 1910, a maior sublevação te e entrevistando dezenas de argentinos, de marinheiros do século XX, em prol do uruguaios, franceses, ingleses e, sobretudo, fim da chibata e de melhorias profissionais paraguaios, protagonistas ou testemunhas (MAESTRI, 2015). Como ministro, Zeballos do conflito (BREZZO, 2006). Com o hábito militou também pelo armamento em relação de apoiar o que escrevia em dados obtidos ao Chile, que, para ele, ocuparia territórios sur place, realizara expedições ao interior da que caberiam à Argentina (LACOSTE; AR- Argentina, sobre as quais produziu ensaios PINI, 2002, p. 125-146). de sucesso (RODRÍGUEZ, 2015). Nos anos Estanislao Zeballos foi escritor desbor- seguintes, manteve correspondência para 2 dante, autor de centenas de artigos, ensaios e obter dados para a empreitada paraguaia. livros sobre agricultura, antropologia, direi- Não conhecemos entrevistas e corres- to, economia, ficção, geografia, política, etc. pondências de Zeballos com políticos e mi- Em cinco tomos, sua mais ambiciosa obra, litares brasileiros, apesar do caráter central editada quando gozava de prestígio mundial desempenhado pelo Império no conflito. como jurista, traduzida ao francês, tratou de As razões parecem óbvias. Naquele então, La nationalité au point de vue de la législation a Argentina e o Brasil, os dois grandes ex- comparée et du droit privé humain (ZEBALLOS, -aliados, disputavam a hegemonia sobre 1914-1919). Em 1912, ingressou no prestigio- o sul da América e sobre a nação vencida, so Institut de Droit International, e, consa- que o governo brasileiro apoiava contra exi- grado internacionalmente, em 1923, foi eleito gências argentinas pós-conflito, que dizia presidente da International Law Association excessivas (CERVO; BUENO, 1986, p. 30-35; (LACOSTE; ARPINI, 2002, p. 125-146). ESTEVES, 1996, p. 121-125). Eram questões 352 História: Debates e Tendências – v. 15, n. 2, jul./dez. 2015, p. 350-366 que preocupavam desde muito o intelectual imperial, relato pouco crível. Zeballos seria e político argentino, que se destacava como econômico em informações sobre essas pro- defensor do confronto com o Brasil, se ne- postas experiências no Paraguai, que exigem cessário, armado. comprovação documental (DALLA-CORTE, Apesar do significativo esforço de do- 2011, p. 20). cumentação, ao morrer, em 4 de outubro de Escrever uma história geral da guerra 1923, aos 69 anos, em Liverpool, na Ingla- da Tríplice Aliança tratava-se de operação terra, durante viagem ao exterior, o escritor intelectual em consonância com a disposição célebre, habilidoso e infatigável quase nada de jovem político e pensador que abraçara publicara sobre a guerra terrível! a causa nacional portenha vencedora, rom- pendo com as raízes federalistas da família, Razões de um projeto da cidade natal e de sua província. Com 30 anos, em plena ascensão, Zeballos lutava Compreende-se a disposição de Ze- para ampliar o espaço e relações que gozava ballos, em meados de 1880, de empreender no mundo político, social e intelectual argen- tal iniciativa historiográfica. Em 1870, ao tino dominante. Esforçava-se para conquis- findar a guerra, ele preparava-se para com- tar a posição que as relações e raízes crioulas pletar os 16 anos. Como os jovens de sua ge- dos seus sobrenomes sugeriam, mas que a ração, acompanhara em casa, na escola e nas falta de recursos familiares dificultava. A es- ruas fatos que galvanizaram e dividiram a critura de uma história geral da guerra gran- sociedade argentina.