A Pedra Que Ronca No Meio Do Mar: Baianidade, Silêncio E Experiência Racial Na Obra De Dorival Caymmi
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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS Vítor Aquino de Queiroz D´Ávila Teixeira A Pedra que Ronca no Meio do Mar: baianidade, silêncio e experiência racial na obra de Dorival Caymmi Campinas 2017 Vítor Aquino de Queiroz D´Ávila Teixeira A Pedra que Ronca no Meio do Mar: baianidade, silêncio e experiência racial na obra de Dorival Caymmi Tese apresentada ao Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas como parte dos requisitos exigidos para a obtenção do título de Doutor em Antropologia Social. Orientadora: Heloísa Pontes Co-orientador: Luiz Gustavo Freitas Rossi ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA TESE DEFENDIDA PELO ALUNO VÍTOR A. DE QUEIROZ D. TEIXEIRA, E ORIENTADA PELA PROFA. DRA. HELOÍSA PONTES. __________________________________ Campinas Abril de 2017 UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS A Comissão Julgadora dos trabalhos de Defesa de Tese de Doutorado, composta pelos Professores Doutores a seguir descritos, em sessão pública realizada em 15 de março de 2017, considerou o candidato Vítor Aquino de Queiroz D´Avila Teixeira aprovado. Profa. Dra. Heloísa André Pontes Prof. Dr. André Domingues dos Santos Profa. Dra. Rose Satiko Gitirana Hikiji Prof. Dr. Christiano Key Tambascia Prof. Dr. Robert Wayne Andrew Slenes A Ata de Defesa, assinada pelos membros da Comissão Examinadora, consta no processo de vida acadêmica do aluno. Para John Monteiro e meu avô Francolino Neto, in memoriam. Para minha mãe, Grácia Queiroz, e para o meu grande amigo, Daniel Dinato. AGRADECIMENTOS Xangô havia perdido a guerra. Todos os súditos da cidade e toda a sua coorte haviam abandonado aquele homem, um dos maiores governantes de Oyó. Somente uma dúzia de ministros de estado – que mais tarde ficariam conhecidos, no Brasil, como “os doze obás de Xangô” – e Oyá, a mais jovem de suas muitas mulheres, apoiavam agora o rei derrotado. Depois de ter incendiado acidentalmente o palácio real de Oyó e de fugir com Oyá, que também era chamada de Iansã, ele desapareceu num bosque sagrado. Seus inimigos disseram logo: - Obá so! Obá so! – o rei se enforcou. Ato contínuo, seus doze últimos partidários correram até o bosque para recuperar os corpos do soberano e de sua rainha, mas encontraram apenas uma árvore ayan queimada. Ela havia sido fulminada por um raio e, logo depois, uma voz ensurdecedora se ouviu: - Elemi ô guigun, ará funfun – viverá ele para sempre, o clarão do raio. Os obás de Xangô começaram a gritar então, alegremente: - Obá ko so! Obá ko so! – o rei está vivo, ele não se enforcou. Essa é a origem do trovão1. Xangô, o orixá de Caymmi, tem pavor da morte, conforme veremos depois, na Conclusão dessa tese. O candomblé – religião que estará presente ao longo de todo esse 1 Para maiores informações sobre o orixá Xangô (Ṣàngó) – grosso modo orixá (òrìṣà) dos trovões, das pedreiras, da realeza Yorubá e consequentemente da justiça – e seus mitos cf. Pierre VERGER., Notas Sobre o Culto dos Orixás e Voduns na Bahia de Todos os Santos, no Brasil, e na Antiga Costa dos Escravos, na África. São Paulo: EDUSP, 1999 (1957) e Reginaldo PRANDI, Mitologia dos Orixás. São Paulo: Cia. das Letras, 2001. Decidi abrir essa tese especificamente com esse mito, ademais, por que muitos dos protagonistas das próximas páginas relacionaram-se diretamente com ele – pelo menos no contexto simbólico-litúrgico do terreiro do Ilê Axé Opô Afonjá, em Salvador – reencenando-o de certa forma. Dorival Caymmi e Gilberto Gil (ambos Obá Onikoyi), Jorge Amado (Obá Arolu) e Hector Páride Bernabó, o Carybé (Obá Onanxocun) foram obás de Xangô. Este mesmo orixá, numa das continuações possíveis do mito, prova que está vivo observando secretamente a cidade de Oyó e castigando as injustiças da vida social com seus raios. Mais tarde alguns cortesãos (necessariamente sábios, bons observadores e capazes de circular por códigos e locais diversos) herdaram essa função de vigilância comunitária, convertendo-se nos “olhos do rei” (Oju Obá). Pierre Verger, finalmente, desempenhou o papel de oju obá do terreiro que congregou todos os artistas mencionados acima. trabalho – é, porém, uma religião “de possessão e da morte”2, de acordo com um de seus maiores estudiosos. Apesar disso, as atividades rituais que acompanham a fé nos orixás costumam ser extremamente festivas, ruidosas e coloridas. Os obás de Xangô, no mito acima, não poderiam imaginar o significado que a euforia deles assumiria em outras terras e em outros tempos. O rei deles – derrotado, provavelmente, numa guerra-civil do final da Idade Média oeste-africana – viveria, dançaria e comeria, efetivamente, através dos corpos de inúmeros fiéis cubanos, brasileiros, nigerianos, argentinos, estadunidenses, etc. É preciso morrer, afinal de contas – total ou parcialmente, física ou socialmente – para poder circular tanto, através de outros espaços, de outras ideias, de outros corpos, de outras pessoas. Este é um dos argumentos centrais dessa tese. Talvez ele (e ela) tenha(m) sido elaborado(s), sem que eu me desse conta, como uma espécie de homenagem inconsciente à memória de John Manuel Monteiro. Dedico este trabalho, então e em primeiro lugar, à John, que me incentivou quando eu ainda não tinha a mínima ideia do que queria fazer, orientou a escrita do meu projeto logo depois, continuou a me incentivar (mesmo quando eu passei a ter ideias demais), insistiu para que eu desse aula na graduação, junto com Christiano Tambascia, e foi, acima de tudo, um amigo querido que eu costumava encontrar pelos corredores do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da UNICAMP. Agradeço a todos os outros alunos que John Monteiro orientava ou supervisionava naquele momento, logo antes de morrer – são exatamente vocês que (junto com os nossos antigos colegas) mantêm o nome, o pensamento e a pessoa dele vivos. Muito obrigado, então, a Chris, mais uma vez, Oscar Martinez, Patricia Lora, Lucas Mestrinelli, Karina Melo, Raul Contreras e Luciano Cardenes. Passamos por um momento muito triste e difícil juntos, seremos malungos para sempre. Ernenek Mejía e Mariana Petroni merecem um agradecimento especial. Obrigado pelas madrugadas incontáveis de conversa, cerveja, pimenta e, sobretudo, de encorajamento constante. Mari, quatro anos se passaram e sua risada continua me dando forças pra seguir adiante. Erne, com você eu aprendi e aprendo sempre aquilo que nunca estará em qualquer manual... que ser um antropólogo, dentro ou fora da academia, é ser um cabrón político, inquieto, anárquico, generoso e amoroso. 2 Vivaldo da Costa LIMA, A Morte e o Morrer: uma abordagem antropológica (1999) in LIMA, Lesse Orixá: nos pés do santo. Salvador: Corrupio, 2010, p 287. Esta tese é dedicada também ao meu avô, Francolino Neto, um homem da geração de Caymmi e outro filho de Xangô. Meu avô, um advogado conhecido, era um digno representante da burguesia negra baiana de outrora. Foi em sua imensa biblioteca (ela ocupava um andar quase inteiro de sua casa, em Ilhéus) que eu descobri o mundaréu dos livros. Foi com ele que eu ouvi pela primeira vez também, com uns quatro ou cinco anos de idade, a “Saudade de Itapoã” de Dorival. Aquela criança que eu fui ainda está – dentro de nossas lembranças, vô – ali, no seu colo, encantada diante de tanta beleza. Grácia Queiroz, minha mãe, não merece apenas o agradecimento genérico – o famoso “obrigado por tudo” – que os doutorandos costumam destinar a seus pais. Ela foi, para mim (desde muito antes do início oficial da pesquisa que daria origem a este trabalho), uma assistente de campo fiel, bem-disposta e perspicaz. Basta dizer que recebi de presente praticamente todos os livros da minha bibliografia específica com dedicatórias como essas: “Para você, com todo o meu amor e admiração – Ps. Para ser lido APÓS a conclusão da dissertação de mestrado” ou “Vítor, que este livro possa ajudá-lo no doutorado. Com todo amor e carinho”. Minha mãe querida esteve presente, enfim, em todas as etapas desse trabalho e de todas as maneiras possíveis: por telefone, ao vivo, de carro, de avião, etc. Minha vó Pupu, mãe da minha mãe, disse há muito tempo que queria me ver doutor. Será um prazer dar mais uma alegria à esta senhora que, do alto de seus noventa e poucos anos de idade, vive rindo e cantando. Muito obrigado, minhas tias e meus tios queridos – Hélvia, Mércia, Clécia, Lúcia, Lília, Sônia, Eduardo Nunes e Sérgio Villarroel – pelo carinho e apoio de uma vida inteira. Agradeço também a Felipe, João, Bruno, Duducha, Arthur, André, Maurício e Larissa, meus primos-irmãos! Tio Alcir – meu guru, meu amigo, meu ídolo e meu pai emprestado – merece um agradecimento especial por todas as longas e divertidas conversas que tivemos (e que, na certa, ainda vamos ter) a respeito de todos os temas dessa tese, de Jorge Amado às tensões raciais de Salvador. Pra não falar também do estímulo, das broncas e da pergunta – “como vai a tese, Vitinho?” – que só ele poderia fazer com tanta firmeza, mas também com tanto amor. Hercília e Ricardo Kuma são outros tios que também desempenham o papel de verdadeiros pais para mim. Sem eles eu não teria nem concluído sequer a minha graduação. Desde os meus dezessete anos de idade eles me acolheram, afinal, me deram um quarto no apartamento deles e, de certa forma, terminaram de me criar. Espero que vocês entendam, tios queridos, minhas ausências tantas vezes injustificáveis e saibam que sem o apoio (muitas vezes prático e direto!) de vocês essa tese não teria existido. Agradeço também a minha família paterna, especialmente a minha avó Clementina e meu pai Carlos D´Ávila por esses últimos anos de reconhecimentos e reencontros. ❧ Sem o apoio, a confiança e a cumplicidade dos artistas, intelectuais e religiosos que eu pude entrevistar nos meus dois primeiros anos de pesquisa (e que abriram suas portas para me receber em suas casas, estúdios e ateliês) o meu trabalho, obviamente, não teria sido possível! Antes de mais nada, agradeço imensamente à toda a família Caymmi – especialmente à Stella Aponte Caymmi, Dori, sua mulher Helena Leal, Danilo, dona Dinahir e seu filho Durval – por terem dividido comigo tantas coisas, pensamentos e emoções íntimas, deixando- me ver, ainda, um monte de objetos, quadros, etc.