PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP

João Carlos Lopes

Elza Soares: vida e obra sob o olhar da Fonoaudiologia

DOUTORADO EM FONOAUDIOLOGIA

São Paulo 2018 João Carlos Lopes

Elza Soares: vida e obra sob o olhar da Fonoaudiologia

Tese apresentada à banca examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Fonoaudiologia, sob a orientação da Profa. Dra. Marta Assumpção de Andrada e Silva.

São Paulo 2018

BANCA EXAMINADORA

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Dedico esta tese

Aos meus pais, João (In memorian) e Alda (In memorian), pelo desejo mais profundo que estivessem aqui, nesse momento, vendo seu filho se tornar Doutor.

A Elza Soares, por me doar a sua voz e sua trajetória para eu recontar a sua história.

Agradecimento

À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), pelo incentivo financeiro para a pesquisa.

AGRADECIMENTOS

A Deus, por seu amor infinito, por toda a sua proteção e por me oferecer resignação, coragem e fé.

À minha orientadora, Marta Assumpção de Andrada e Silva, por seus conhecimentos valiosos, por sua orientação precisa e por oportunizar a minha formação neste programa de pós-graduação.

À minha banca de defesa, Professora Léslie Piccolotto Ferreira, Professor Luiz Augusto de Paula Souza, Professor Domingos Sávio Ferreira de Oliveira e Professor Djalma Thürler, pelas valiosas contribuições propostas para essa tese.

Ao Professor Ênio Lopes Mello, pela disposição para tecer considerações valiosas e por contribuir com o seu conhecimento.

À Professora Beatriz Novaes, por suas riquíssimas contribuições, pelo momento de aprendizado e pelo carinho com que me acolheu.

À Professora Léslie Piccolotto Ferreira, por compartilhar de forma tão elegante os seus ensinamentos.

Ao Professor Luiz Augusto de Paula Souza (Tuto), que com sua alma sensível e artística me disse uma frase inesquecível: “Elza Soares já é inédita por si só”.

Ao amigo-irmão Djalma Thürler, por ter sido o primeiro a me incentivar e acreditar nesse projeto e por nossa parceria de mais de 30 anos.

Ao amigo Domingos Sávio Ferreira de Oliveira, meu primeiro Professor e minha primeira inspiração na Fonoaudiologia.

À querida amiga Andréa Tucci, pelo imenso carinho, pelo abrigo em São Paulo, pelas risadas festivas em nossos encontros.

À amiga Renata Vieira, pelo incentivo constante, pelas palavras acolhedoras e pela parceria na vida.

À Ana Terra Pompeu, amiga que a PUC-SP me deu e que levarei para sempre em meu coração.

À querida Caroline Barbosa, por todo seu ensinamento, pela contribuição valiosa nas análises dos textos.

À querida colega de doutorado, Maria Fernanda de Queiroz Prado Bittencourt, por sua disponibilidade, pelas horas de atenção e por todo apoio.

À secretária do programa de pós-graduação, Virgínia Rita Pina, por sua prontidão e atenção.

Aos companheiros de disciplinas no doutorado, Elthon Fernandes, Luciana Wolf, Rose Mary e Glícia Ribeiro, pelo apoio que trocamos, pelos risos e gargalhadas que experimentamos.

À minha revisora e tradutora, Roberta Viegas Noronha, por todo o seu cuidado, profissionalismo e carinho.

Aos colegas do LABORVOX, pelo aprendizado mútuo.

Ao Juliano Almeida, meu querido ex-aluno e produtor da Elza Soares, por tornar os nossos encontros mais fáceis, por toda a sua disponibilidade.

Ao meu grande companheiro, parceiro, irmão e amigo, Luciano de Moura, pelo carinho, apoio incondicional, por todo o incentivo, por acreditar em mim! Obrigado!

A essa grande mulher Elza Soares, que mudou a minha história com a sua história. O exemplo mais perfeito de força, garra e resiliência!

A VOZ DE UMA PESSOA VITORIOSA

Sua cuca batuca Eterno zig-zag Entre a escuridão e a claridade Coração arrebenta Entretanto o canto aguenta Brilha no tempo a voz vitoriosa Sol de alto monte, estrela luminosa Sobre a cidade maravilhosa E eu gosto dela ser assim vitoriosa A voz de uma pessoa assim vitoriosa Que não pode fazer mal Não pode fazer mal nenhum Nem a mim, nem a ninguém, nem a nada E quando ela aparece Cantando gloriosa Quem ouve nunca mais dela se esquece Barcos sobre os mares Voz que transparece Uma vitoriosa forma de ser e viver.

( e Waly Salomão)

RESUMO

Elza Soares é considerada uma das grandes cantoras do Brasil, pois ela se destaca no cenário da música popular brasileira por sua voz e interpretações absolutamente únicas. Objetivo: analisar, sob o olhar da Fonoaudiologia, aspectos da história de vida, carreira e características da voz da cantora. Métodos: a tese é composta por dois estudos distintos. No primeiro estudo, foi realizada uma revisão de literatura sobre sua vida e carreira, além de uma entrevista com a cantora, que, na discussão do estudo, foi interpretado segundo a análise de conteúdo de Bardin. Para tal investigação, foram criadas quatro categorias temáticas: mulher e sociedade; protagonismo; influências e gêneros musicais; e carreira, interpretação e voz. No estudo 2, foram selecionadas cinco canções de destaque na carreira da cantora para serem investigadas através de uma análise perceptivo-auditiva por juízes, fonoaudiólogos e professores de canto. Resultados: no estudo 1, observou-se que, apesar de termos uma cantora que se destacou no mercado por conta da sua voz, Elza não a coloca como fator de destaque e sucesso para a sua carreira. No estudo 2, Elza manteve a coordenação pneumofonoarticulatória e a articulação adequadas; pitch variou de médio para agudo nas canções “Malandro”, “A carne” e “Opinião”, e de médio para grave em “Se acaso você chegasse” e “Maria da Vila Matilde”; ataque duro em “Se acaso você chegasse”, ”Opinião” e “Maria da Vila Matilde”; ataque suave em “Malandro” e duro/brusco em “A carne”; ressonância laringofaríngea com foco nasal discreto em “A carne”, “Opinião” e “Maria da Vila Matilde”; laringofaríngea com foco nasal compensatório em “Se acaso você chegasse” e equilibrada em “Malandro”. Considerações finais: foram apresentadas as rotas abertas e percorridas, ao longo da segunda metade do século XX, por uma intérprete negra de diversas filiações estéticas e estilos musicais, e buscou-se empreender uma análise da cantora Elza Soares no panorama da música brasileira sobre questões biográficas, vocais e musicais. A cantora se porta de maneira distinta em cada uma de suas interpretações, e suas características vocais se modificam de acordo com o estilo do seu canto e do gênero musical, pois ela construiu uma intervenção artística muito mais ampla que o seu próprio canto, embora o canto seja o veículo disso tudo.

Descritores: Fonoaudiologia, voz, qualidade da voz, música popular brasileira.

ABSTRACT

Elza Soares is considered as one of the greatest singers in Brazil. She stands out in the Brazilian popular music scenario for her voice and unique interpretations. Objective: to analyze, from the perspective of the Phonoaudiology, aspects of the life history, career and characteristics of the voice of the singer. Methodology: the present thesis is composed of two different studies. In the first one, a literature review on the singer’s life and career was carried out, along with an interview performed with the artist, which was interpreted according to content analysis proposed by Bardin. Four thematic categories have been created due to the investigation: woman and society, protagonism, influences and musical genres and career, interpretation and voice. In the second study, five of Elza’s featured songs have been selected to be investigated through a perceptual-auditory analysis by judges, phonoaudiologists and singing teachers. Results: It was possible to notice from the first study that, although our focus is on a singer who was noteworthy because of her voice, Elsa herself does not consider it as the prominent fact to her career and success. In the second study it was observed that Elza has kept the adequate pneumophonoarticulatory coordination and articulation; pitch has varied from medium to high in songs like “Malandro”, “A Carne” and “Opinião” and medium to low in “Se acaso você chegasse” and “Maria da Vila Matilde”, hard attack (“Se acado você chegasse”, “Opinião” and “Maria da Vila Matilde”), soft attack (“Malandro”) and hard/sudden (“Carne”); laryngopharyngeal resonance with moderate nasal focus (“A carne, “Opinião” and “Maria da Vila Matilde”), laryngopharyngeal with nasal compensatory focus (“Se acaso você chegasse”) and balanced (“Malandro”). Concluding Remarks: The routes opened and taken by a black interpreter of several aesthetic affiliations and musical styles in the second half of the twentieth century have been presented in the present study. An attempt has been made to analyze the singer Elza Soares in a general overview of the Brazilian music on biographical, vocal and musical issues. The singer behaves differently in each of her interpretations and her vocal characteristics change according to the singing style and musical genre, for she has created an artistic intervention greater than her own singing, although the singing was the means to such great end.

Descriptors: Phonoaudiology; voice; voice quality; brazilian popular music

SUMÁRIO

1. Prefácio 12

2. Introdução geral 14

3. Objetivo geral 17

3.1. Objetivos específicos 17

4. Estudo 1 18

4.1. Introdução 18

4.2. Objetivo 31

4.3. Método 32

4.4. Resultados e Discussão 35

4.5. Conclusão 55

5. Estudo 2 57

5.1. Introdução 52

5.2. Objetivo 62

5.3. Método 62

5.4. Resultados 65

5.5. Discussão 66

5.6. Conclusão 78

6. Considerações Finais da tese 80

7. Discografia 82

8. Transcrição da entrevista 85

9. Referências bibliográficas 99

Anexos 110

1. PREFÁCIO

O meu interesse pelos estudos da voz iniciou-se antes mesmo do meu ingresso na graduação em Fonoaudiologia. Eu fazia parte de um grupo amador de teatro, e chamava-me a atenção perceber tantos atores apresentando problemas vocais sem quaisquer orientações a respeito, além de observar um alto número de atores disfônicos. Foi o interesse pela área da voz que me direcionou para a Fonoaudiologia. A partir da graduação, comecei a trabalhar como professor de expressão vocal em cursos técnicos de teatro no , com a perspectiva de instrumentalizar os atores para o exercício da voz cênica, contribuindo para a formação profissional do aluno. Atualmente sou professor da Casa das Artes de Laranjeiras (CAL), que oferece o bacharelado em teatro e curso profissionalizante de atores. Ao longo desse percurso como professor de expressão vocal, tenho percebido algumas fragilidades no trabalho do fonoaudiólogo com a voz do ator. Uma das dificuldades que precisam ser superadas, por exemplo, diz respeito à interação que deve existir entre a construção da voz do personagem e a relação do ator com a plateia, fato que está diretamente relacionado com a entrega total do ator na construção do personagem. No sentido de compreender melhor essas e outras questões relacionadas ao uso da voz profissional, assim como estabelecer métodos e valores estéticos à voz, vi a necessidade de estudar ainda mais a atuação fonoaudiológica no teatro. Tal necessidade deu-se, principalmente por perceber a necessidade que havia por parte dos atores em se aprofundarem nas questões relacionadas à percepção da própria voz, às dificuldades relacionadas à projeção vocal no espaço cênico, entre outras. Em 2010, dei início ao mestrado profissional em Fonoaudiologia pela Universidade Veiga de Almeida (UVA). Minha pesquisa teve como objetivo estudar a pedagogia vocal no teatro por meio do Método Espaço-Direcional Beuttenmüller (Beuttenmüller e Laport, 1992; Beuttenmüller, 2003). O propósito central da investigação foi aprofundar a discussão sobre a pedagogia vocal no teatro a partir da

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transformação e da conscientização dos alunos de teatro no decorrer do ensino e da aprendizagem das técnicas e exercícios vocais mais apropriados. Depois de concluído o mestrado, continuei o meu trabalho como professor nas escolas de teatro e fui aprovado no concurso para ser professor substituto da Faculdade de Fonoaudiologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Desde 2013, também sou professor da Faculdade de Fonoaudiologia da Universidade Veiga de Almeida (UVA). Como professor universitário na área da voz, compreendi a necessidade de pesquisar com mais profundidade a voz cantada, principalmente pelo visível crescimento de pesquisas e publicações que têm como objeto a voz do cantor. Nesse caminho, em 2010, participei como palestrante do Encontro de Estudos Multidisciplinares em Cultura – ENECULT, promovido pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) com o tema: “Da estética perturbadora ao que nos emociona: a performance vocal de Elza Soares”. Nesse momento, deu-se o ponto de partida para uma nova empreitada: a voz cantada. Em 2013, participei novamente do ENECULT com a palestra intitulada: “Performance, poéticas e rasuras na voz de Elza (da Conceição) Soares”. Sempre manifestei interesse em aprofundar os meus estudos a respeito da voz e dos recursos vocais da cantora Elza Soares e sobre como o seu cantar desperta sensações aos que a escutam. Elza possui uma voz cantada com características singulares, com usos vocais diferenciados, o que proporciona um rico objeto de estudo e pesquisa. A cantora produz novos enunciados ao apoderar-se de uma canção. Ou seja, Elza Soares, como sujeito da enunciação, acaba por imprimir marcas que a fazem ocupar uma função autoral por meio da qual o próprio enunciado se refaz.

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2. INTRODUÇÃO GERAL

Para este estudo, foi realizado um levantamento (Andrada e Silva et al., 2014) sobre a produção acadêmica e científica realizada por fonoaudiólogos brasileiros nos anos de 2008 a 2012, cuja temática eram a voz cantada, o cantor e a música, e constatou-se um crescimento expressivo das produções. O cantor sujeito de pesquisa mais investigado foi o popular, com 29% dos trabalhos; seguido pelo cantor de coral, com 27%; enquanto o cantor religioso teve 12% e o erudito 11%. O número crescente de artigos, mestrados, doutorados e pesquisas de iniciação científica demostraram a seriedade e o rigor científico que esse campo de conhecimento começa a ocupar na área da voz profissional na Fonoaudiologia. Segundo o levantamento sobre voz cantada, ficou evidente que o canto popular é a categoria que mais tem sido pesquisada pelo fonoaudiólogo (Andrada e Silva et al., 2014). Ao considerar o evidente crescimento das pesquisas científicas com a voz cantada na Fonoaudiologia, abre-se um caminho de reflexão para pesquisas que ultrapassem o âmbito do vocal e fisiológico, para tratar também de questões sociais e culturais. E é nessa contextualização que encontramos a cantora Elza Soares, que, por sua performance, traz um modo especial de conduta, ou seja, uma interpretação reflexiva não somente sobre os aspectos vocais de si mesma mas também sobre o que ela expressa social e culturalmente. Nos idos anos 1960, Elza Soares foi repentinamente celebrada como uma grande novidade no mundo musical devido ao fato de ser uma negra, favelada e migrante que guardava uma “joia” em meio à sua condição social: cantava como ninguém cantara até então. Elza inovou o canto com variações em sua tessitura, resultando numa aproximação da fala, que expressava, por meio dessas canções, um forte conteúdo passional (Machado, 2012). A riqueza de sua trajetória pessoal permite-nos ampliar o “olhar” e trazer os vários atores sociais que estavam envolvidos nessa trama. Elza faz uso diferenciado da voz, que alterna registros entre a voz grave e a aguda, e demonstra que a canção popular comporta uma voz carregada de inovações e procedimentos diferentes daqueles padronizados pela indústria

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fonográfica (Piccolo, 2006). Se assim se configura a essência da canção na medida em que ela se desenvolve e amadurece junto com o gênero musical, o papel do arranjo e da instrumentação musical também vem se redefinindo na sua interpretação e tornando-se um elemento de comunicação mais intensa com o ouvinte. No que compete, no entanto, à comunicação essencial da canção, o primeiro elemento a se incorporar à composição é a voz do cantor (Tatit, 2014). Elza, em seu aspecto mais natural, no que diz respeito às qualidades do timbre, é capaz de expressar sozinha uma amplitude de significações e sentidos, e depois, através de suas habilidades como cantora, de explicitar conteúdos entoativos e interpretativos. Dessa forma, estabelece um elo com as propriedades autorais, por vezes até evidenciando elementos que não haviam sido observados pelo autor musical (Machado, 2012). No que tange à voz de Elza Soares, quando associada a conteúdos passionais, encontram-se melhores expressões através das tessituras vocais mais graves e de timbres cujos corpos sonoros são mais densos. Parte-se da concepção de que corpo sonoro se constitui em um corpo capaz de produzir sons, isto é, “um corpo toma o nome de corpo sonoro quando, estando em vibração, produz som. Fisicamente todos os corpos são sonoros, visto que todos eles são suscetíveis a vibrar” (Valentin, 2010, p. 6). Essa hipótese está pautada na questão de se entender não só como a identidade cultural e social se projetam na performance vocal de Elza Soares mas também como se pode vislumbrar a construção de uma atitude perceptiva, que, ao mesmo tempo que dialoga com a produção musical global, cria um olhar crítico sobre sua própria condição feminina, negra e migrante. Pois Elza nunca cantou para fazer concessões, nem mesmo para agradar ou entreter. Ela cantou e canta para se revelar, para expor uma condição, um jeito diferente da sua interpretação. Escolhi a cantora Elza Soares como forma de relacionar a reflexão teórica que aqui se faz, entre outros motivos, porque sua longa trajetória enquanto cantora permite que o modo de ser de seu canto seja amplamente conhecido. E a esse modo de ser posso chamar de performance vocal, performance esta que se define pelo uso extremamente singular de seu material vocal, através da ampla utilização de ruídos, que, por sua vez são característicos do blues e do jazz, ou seja, da

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própria tradição da música negra, mas que encontram na voz de Elza inúmeros registros na sua interpretação. Portanto, Elza Soares é, antes de tudo, intérprete, mulher, negra e favelada, e é esta a ideia que desejo aqui desafiar a partir da escolha da pesquisa que não é tão somente sobre a voz da cantora mas também sobre a mulher Elza Soares. Ao considerar o espaço que a voz cantada vem alcançando nos estudos do campo da voz e o papel que a cantora Elza Soares possui no cenário da música popular brasileira, fica evidente a relevância desse estudo para a Fonoaudiologia. Nesse sentido, optou-se por estudar a história de vida, a voz e a carreira da cantora assim como fazer uma análise perceptivo-auditiva de cinco canções relevantes ao longo de sua trajetória profissional. No PEPG em Fonoaudiologia da PUC-SP, a proposta é que a tese de doutoramento seja constituída por estudos. Portanto, esta tese de doutoramento está dividida em dois estudos, cada um deles apresentando seus próprios objetivos específicos, como será apresentado a seguir.

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3. OBJETIVO GERAL

Analisar, sob o olhar da Fonoaudiologia, aspectos da música, da voz e de canções selecionadas da cantora Elza Soares que, atrelados a aspectos de sua história de vida e de sua carreira, ilustram sua singularidade artística e profissional.

3.1. OBJETIVOS ESPECÍFICOS

3.1.1. ESTUDO 1

Apresentar uma análise do discurso segundo Bardin, de um relato da cantora Elza Soares na interface da história de vida, da carreira, da música e da voz sob o olhar da Fonoaudiologia.

3.1.2. ESTUDO 2

Analisar as características vocais da cantora Elza Soares em cinco canções significativas ao longo de sua carreira.

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4. ESTUDO 1

ELZA SOARES: REFLEXÕES BIOGRÁFICAS DA MULHER, DA CANTORA, DA MÚSICA E DA VOZ SOB O OLHAR DA FONOAUDIOLOGIA

4.1. INTRODUÇÃO

“Quando você pega um livro que você sente ali um cheiro de vida, um cheiro de sangue, de suor, de lágrimas é a Elza cantando. É a literatura da Elza. Quando ela canta vem a vida dela toda. Por isso ninguém supera as gravações da Elza”. Esse foi o depoimento de abertura feito pelo jornalista Pedro Bial para o documentário “Elza Soares – O gingado da nega” de 2013, realizado pelo Canal Bis.1 Ao refletir sobre essa declaração, destaca-se o longo percurso artístico da cantora e as circunstâncias éticas, estéticas, socioculturais, político-ideológicas e discursivas que atravessaram esses 64 anos e que se projetam até hoje. Assim, é preciso tentar reconhecer os ruídos e os silêncios em meio aos quais a voz de Elza Soares irrompe, como fato novo, dissonante, causador de espanto. Elza faz uso diferenciado da voz, que alterna registros e emissões, demonstrando que a canção popular comporta uma voz carregada de inovações e procedimentos diferentes daqueles já padronizados pela indústria fonográfica (Siqueira, 2012). Ao cantar, Elza traz na voz a sua história de vida. A cantora carrega na interpretação do seu canto o que ela é, sua essência, sua origem, suas referências culturais, sociais e artísticas. Elza Soares nasceu em junho de 1937, no Rio de Janeiro, mais precisamente em Padre Miguel, foi criada na favela da Água Santa, no bairro de Engenho de Dentro, e teve a sua vida celebrada com a música. Seu pai, o operário Avelino Gomes, tocava violão para Elza desde a sua infância, o que fez a menina desenvolver o seu gosto pela música. Aos domingos, era comum juntar toda a família e amigos no fundo do quintal para uma roda musical. Elza teve, em sua mãe, a lavadeira Dona Rosário da Conceição, a maior incentivadora de sua carreira. As suas primeiras cantigas de roda, músicas de reza e a percepção de que “cantar espantava a tristeza” foram dadas por sua mãe (Louzeiro, 2010).

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Outro aspecto dessa vivência musical experimentada por Elza em sua casa, para além da música religiosa e da música americana, diz respeito à música brasileira. Como afirmou em entrevista a Colombo (2014, p. 36): “dentro de casa, da casa dos meus pais, se ouvia música brasileira”. Dentre essas experiências musicais, esta foi uma das que mais influenciou a trajetória da Elza. A diversidade musical que ela pôde experimentar está relacionada ao fato de fazer parte de uma família grande e com variados gêneros e gostos musicais (Siqueira, 2012), o que contribuiu para sua absorção dos diversos estilos e a formação de seu gosto em termos de música, como afirma a própria cantora: “Tive a sorte de nascer em uma família grande. Tive a felicidade de poder ouvir o gosto musical dos meus irmãos e meus pais. Gostos completamente diferentes e, por isso mesmo, absorvi a riqueza da variedade” (Colombo, 2014, p. 43). A música brasileira chegava até ela pelo meio de comunicação responsável por lançar a maioria dos cantores brasileiros dos anos 1930 até o final dos anos 1950: o rádio. Percebe-se, nas falas de Elza Soares citadas anteriormente, o papel da música em sua casa. Pode-se dizer que era uma constante. Os anos vividos na favela de Água Santa correspondem ao auge do sucesso do rádio brasileiro: as décadas de 1940 e 1950 – período de consolidação deste meio de comunicação, principalmente, com a programação da Rádio Nacional que serviu de parâmetro para outras emissoras. Por meio das ondas das rádios, a música popular chegou a diversos lugares do país, criando ídolos e mitos (Cardoso, 2007). De toda a programação das rádios, a música possuía papel de destaque. Muitas emissoras tinham orquestras, que executavam ao vivo as músicas. Possuíam, também, cantores populares, que se apresentavam ao vivo e com a presença de público nos auditórios. Participar em uma emissora como a Rádio Nacional era sinônimo de status para o artista, pois a transmissão chegava a várias partes do país, tornando-o conhecido nestas localidades (Prado, 2012). No início dos anos 1920, e até final dos anos 1950, o rádio foi ponto de partida para vários cantores e cantoras populares da música brasileira. Surgiram

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neste período Dalva de Oliveira1, Emilinha Borba2, Linda e Dircinha Batista3, Aracy de Almeida4, Carmen Miranda5, Orlando Silva6, Dick Farney7, Cauby Peixoto8, Ângela Maria9, entre tantos outros (Prado, 2012). A maioria destes cantores influenciou o gosto musical da população em geral e, em especial, o da Elza Soares. Em entrevista ao Programa Roda Viva, o publicitário Washington Olivetto perguntou a Elza Soares quem eram as cantoras que ela admirava, a cantora que ela gostaria de ser. Elza respondeu: “Naquele momento, como a gente não tinha assim muito acesso, eu amava Dalva de Oliveira [cantora paulista, eleita a “Rainha do Rádio” em 1951], amei demais a Ângela Maria [cantora brasileira de destaque, intérprete de , -canção e bolero], que foi a mulher que me vestiu, que me deu muitos vestidos para eu cantar. Mas eu tinha, assim, na época, era Dalva de Oliveira e a Ângela”. Diniz (2003) estabeleceu um percurso analítico que traz para o centro da discussão a problemática da voz como rasura. Ele se propõe a interpretar esse

1 Dalva de Oliveira foi uma cantora brasileira que fez sucesso nos anos 30, 40 e 50. Com uma extensão vocal que ia do contralto ao soprano, recebeu o apelido de rouxinol do Brasil. Fonte: https://www.ebiografia.com/dalva_de_oliveira/. 2 Emília Savana da Silva Borba, conhecida como Emilinha Borba, foi uma cantora de samba, marcha e choro, muito popular, ficou conhecida como a Rainha do Rádio (Zahar, 2000). Dicionário Mulheres do Brasil. Rio de Janeiro: Jorge Zahar editora, 2000. 3 Ficaram conhecidas na década de 1940 como as Irmãs Batista. As cantoras participaram de inúmeros programas de rádio, de filmes nacionais, de programas de TV e gravaram mais de 300 músicas. Fonte: https://www.letras.com.br/biografia/dircinha-batista. 4 Aracy de Almeida foi uma cantora brasileira que se destacou por ser a maior intérprete de . Fonte: https://www.letras.com.br/biografia/aracy-de-almeida. 5 foi uma cantora, atriz e dançarina luso-brasileira que ficou conhecida como a pequena notável. Fonte: https://www.ebiografia.com/carmen_miranda/. 6 Orlando Silva foi um dos mais importantes cantores brasileiros da primeira metade do século XX e ficou nacionalmente conhecido como o “cantor das multidões”. Fonte: http://dicionariompb.com.br/orlando- silva/biografia. 7 Dick Farney foi um cantor, pianista e compositor brasileiro que contribuiu decisivamente para a renovação da música popular brasileira com a incorporação do jazz em harmonias e estilo. Fonte: https://www.letras.com.br/biografia/dick-farney. 8 Cauby Peixoto foi considerado um dos cantores mais populares do Brasil. Ficou conhecido pela sua voz grave e aveludada e também pelo estilo excêntrico das suas roupas e do seu cabelo. Fonte: https://seuhistory.com/hoje-na-historia/nasce-o-cantor-cauby-peixoto. 9 Ângela Maria começou cantando em coro de Igreja e consagrou-se como uma das grandes intérpretes do gênero samba-canção. Recebeu do ex-presidente Getúlio Vargas o apelido de “sapoti” por sua voz doce e por sua pele morena. Fonte: https://www.letras.com.br/biografia/angela-maria. 20

fenômeno como forma de provocação, ao problematizar quais seriam os mecanismos para compreender as características expressivas do canto no Brasil. O pesquisador argumenta que existe uma característica identitária que se explica através do que ele denomina de “voz como assinatura rasurada”,

[...] de outras vozes rasuradas, uma genealogia do canto no Brasil. Para isso eu utilizo uma ideia que é a de pensar a canção através da corporificação que a voz outorga ao conjunto enunciação/enunciado, ao escriturante como a letra e ao musicante como som (Diniz, 2003, p. 47).

Essa voz que imprime sua assinatura, rasura e marca, é, na verdade, uma nova voz resultante de outras vozes rasuradas, pois é por meio do desempenho da voz que o cantor imprime seu registro, impõe seu traço singular e diferencial (Diniz, 2003). Dentro desse contexto, Ângela Maria e Dalva de Oliveira tiveram papéis fundamentais para a inspiração da performance do canto de Elza Soares (Louzeiro, 2010). É a voz que resultou de outras vozes e, somente através do movimento da expressão vocal e da emissão da voz, como um todo, que a canção ganha sua real existência, e a música adquire significações conforme a interpretação de cada artista. Elza Soares disse, em entrevista à Revista Fórum, no ano de 2014, que embora não gostasse muito de “treinar”, descobriu maneiras de cantar, cantando com uma lata d’água na cabeça. Através disso, é provável que tenha testado posturas corporais, utilizado prática, treinamento, experimentação, improvisação e técnicas vocais de modo inconsciente (Piccolo, 2006), pois, em sua infância, Elza brincava na rua, soltava pipas, piões de madeira e até brigava com os meninos. Era uma vida pobre, porém feliz para uma criança, apesar de ter que trabalhar, levando latas d'água na cabeça. O que a fez, de forma intuitiva, descobrir a utilização de sonoridades e ruídos provenientes da garganta que, até então, nenhum cantor havia experimentado no Brasil (Jost, 2015). Em entrevista ao programa Roda Viva (09/09/2002), Elza relata esse fato: “Acho que esse negócio... É porque eu aprendi fazer esse [faz um som típico de seu estilo com voz grossa e rouca] Era com a lata d'água mesmo, já cantei com texto várias vezes, pegava a lata, dava um gemido, “aiiiii” ... Ai eu achei que dava um swing e acabou acontecendo que deu certo”.

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Aos doze anos de idade, por ordens do pai, casou-se com Lourdes e, cerca de um ano depois, deu à luz ao seu primeiro filho, João Carlos. Como tinha o sonho de cantar e precisava comprar remédios para seu filho recém-nascido, aos treze anos participou do programa de na Rádio Tupi, e fez sua primeira apresentação ao vivo no auditório da emissora, que era a maior de seu tempo. Em outubro de 1953, enfiou-se em um vestido que a mãe pegara para lavar e fora para a Rádio Tupi, na Avenida Venezuela, perto da Praça Mauá, a fim de inscrever-se no programa “Calouros em desfile”, comandado por Ary Barroso10. Elza escolheu a música “Lama”, de Paulo Marques e Alice Chaves para a sua apresentação (Soares, 1969). Em casa, contou sua aventura ao irmão pedindo segredo. Repassaram a melodia várias vezes. Já na Rádio Tupi, a menina fora chamada ao centro do palco sob risos e deboches da plateia. A pergunta irônica de Ary Barroso: “De que planeta você veio, minha filha?!”, refletiu-se em uma resposta de dor, de grito e de coragem: “Do planeta fome!”. Elza colocou em sua voz toda a sua força interior, as suas angústias, seus sonhos e suas esperanças. Muitos espectadores se puseram de pé para aplaudi-la. Depois de ouvi-la cantar, Ary Barroso se impressionou com seu dinamismo e potencial vocal. A “bela voz” de Elza Soares mereceu nota cinco (a nota máxima) no programa de calouros de Ary Barroso, o principal programa de calouros do rádio brasileiro (Louzeiro, 2010). Segundo o próprio Ary, só chegaram a essa nota e, consequentemente, se tornaram “estrelas de primeira grandeza no firmamento radiofônico brasileiro” aqueles que, “[...] ao se exibirem pela primeira vez no programa, demonstraram aquelas virtudes inerentes aos que nasceram para cantar [...]” (Barroso, 2014). Nessa mesma época, Elza enfrentou o teste para cantar na Orquestra Garam de Bailes. E o fez com tal desembaraço e competência que terminou indicada como crooner do conjunto. A cancha adquirida na orquestra aproximou Elza dos malabarismos vocais. Imitava outros cantores e até os instrumentos musicais. Movimentava-se no palco como nenhuma outra intérprete da época conseguia fazer (Castro, 1995).

10 Ary Barroso foi um renomado compositor brasileiro, autor de "Aquarela do Brasil", música que consolidou o estilo samba-exaltação. Além de grande compositor e narrador de futebol, Ary Barroso teve seu programa de rádio de auditório. Fonte: https://www.ebiografia.com/ary_barroso/. 22

Em 1960, gravou o seu primeiro long play (LP), "Se acaso você chegasse". O álbum recebia o nome da sua principal canção: Se acaso você chegasse, de autoria de Lupicínio Rodrigues e Felisberto Martins. Essa mesma música já havia lançado em 1954 o cantor Cyro Monteiro e foi regravada por Elza em 1960, lançando-a também no mercado fonográfico (Aragão, 2013). O sucesso foi imediato. Na voz de Elza Soares, a música teve o seu ritmo aumentado e a própria Elza inseriu o scat11 em seu canto, colocando um toque de jazz ao samba. Lupicínio Rodrigues foi o primeiro compositor que Elza gravara. Em entrevista ao G1 (2014), a cantora diz: “foi ele que me deu o primeiro sucesso, ‘Se acaso você chegasse’ – esta foi a primeira música dele que eu gravei. O Brasil inteiro cantou essa música, e me deu a chance de criar os meus filhos”. Ao longo da sua carreira, Lupicínio Rodrigues compôs marchinhas de carnaval e, sobretudo, -canção. Suas músicas, que tematizavam sofrimentos amorosos e sugeriam um clima de “fossa”, foram as que levaram a fixar seu nome na história da música popular brasileira (MPB). Seus versos permeados de lamúria e dor por decepções amorosas serviram de inspiração para vários compositores e intérpretes (Matos e Farias, 1996). Tratando-se de Elza, sua apropriação das composições de Lupicínio é emblemática na proporção em que sugere não somente a sua compatibilidade com o gênero samba, mas também insinua um diálogo com o universo musical do compositor, que tem sua completude nas canções amorosas. Elza, com o LP “A Bossa Negra” (1960), o segundo de sua carreira, mostra-se uma cantora versátil, mas diretamente ligada à tradição da música negra e à imagem recorrente do artista negro naquela época. Ao classificar sua bossa como negra, opõe-se à bossa branca, à bossa nova, expressão já em circulação na época (Elme e Fernandes, 2014). Contrário ao estilo musical que se formava, seu disco é formado por excessos de sopros, percussões e arranjos vocais. Além disso, mesmo incluindo alguns sambas e sambas-canções românticos, é fortemente marcado por uma dicção popular e de periferia.

11 Scat singing é uma técnica de canto criada por que consiste em cantar vocalizando tanto sem palavras, quanto com palavras sem sentido e sílabas, como usado por cantores de jazz, os quais criam o equivalente de um solo instrumental apenas usando a voz. Fonte: https://academy.jazz.org/what-is-scat- singing/ 23

O lançamento desses dois emblemáticos discos no mesmo ano (1960) ocorre num momento em que novos atores sociais dão as caras na produção cultural nacional, a qual era informada pelo otimismo de um país que se pensava no caminho certo. A Era Juscelino Kubitschek (JK), o futebol de Pelé, e Didi, o Cinema Novo, a Bossa Nova e o samba de Zé Kéti12 e Elza Soares davam o tom e o ritmo dos assim denominados “anos dourados” (Dias et al., 2011). Tais mudanças, por um lado, instituíam uma clivagem evidente e tensiva entre moderno e arcaico. Por outro, reivindicavam a concórdia e o diálogo entre elementos diversos, o que deveria ocorrer em todas as esferas da cultura (Medeiros, 2014). Sendo um ano representativo para a evolução da música popular brasileira, 1960 parece também começar a oferecer ao artista negro uma mobilidade maior do que a que lhe foi reputada ao longo da primeira metade do século (Machado, 2012), no qual, até então, o negro só podia cantar samba, e seu acesso às formas musicais de prestígio eram dificultadas. É dentro dessa cultura em que a sociedade impunha a relação entre negros e samba, que vemos que o samba tem sua origem no Rio de Janeiro, então capital federal. O samba não nasceu por acaso. A sua aparição se deve à acomodação de diversos gêneros musicais que se sucederam ou se "complementaram" ao longo do tempo, como o lundu, a polca, a chula e o maxixe. Foi na casa da Tia Ciata, em 1917, que surgiu “Pelo telefone”, o samba que lançaria no mercado fonográfico um novo gênero musical (Nascimento, 2007). Ao mesmo tempo, na medida em que o samba passava a ser considerado como forma de expressão nacional (sendo, inclusive, reinventado pela bossa nova), tinha seu status social dissipado – o que culminaria, simultaneamente, na perda de um veículo de expressão para as comunidades negras e na penetrabilidade do negro em outras manifestações musicais (Trotta, 2009). A cantora foi madrinha da seleção brasileira de futebol em 1962, o que levou Elza a se interessar pelo futebol e a fez ir até o Chile ver o Brasil jogar na Copa do Mundo, onde conheceu e impressionou Louis Armstrong, que a assistiu cantando

12 Zé Keti cantor e compositor começou a atuar na década de 1940, na ala dos compositores da escola de samba . Em 1955, sua carreira começou a deslanchar quando seu samba "A voz do morro", gravada por Jorge Goulart e com arranjo de Radamés Gnattali, fez enorme sucesso na trilha do filme "Rio 40 graus" de Nelson Pereira dos Santos. Fonte: http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa26387/ze-keti 24

“Edmundo” de Aloysio de Oliveira, em 1959, versão da canção original “In the mood” de Glenn Miller, 1940 (Louzeiro, 2010). Em entrevista ao Programa do Jô, em 2008, Elza fala como foi esse encontro, das dificuldades para se comunicar em inglês com ele e, principalmente, da identificação que houve entre os dois por conta de perceberem que tinham vozes com as mesmas características sonoras, o que aproximou os dois cantores nesse primeiro momento. Elza e Garrincha se conheceram em 1961, ou seja, antes da copa de 1962. Enquanto Elza seguia no difícil processo de firmar seu nome como cantora, mulher e negra, alguns empresários tentavam alavancar a carreira de Garrincha com um concurso que elegeria o jogador mais popular do Brasil. Preocupados com a colocação do Garrincha nas parciais que eram feitas, os empresários convidaram Elza Soares para apoiar o ponta-direita nessa eleição. Garrincha demonstrou interesse por Elza desde o seu primeiro encontro. Já a cantora, que na época era namorada do baterista Milton Banana, não demonstrou o menor interesse pelo atleta botafoguense (Castro, 1995). O contato entre os dois foi se estreitando em função dos inúmeros encontros que tinham que manter por conta do concurso. Em meio à animação e aos autógrafos dados aos fãs, Garrincha deu o primeiro beijo em Elza Soares, exatamente em dezembro de 1961. Nesse momento, a cantora teve um insight: “Seria o verdadeiro amor chegando, para compensá-la da longa temporada no inferno, na meia-água de zinco, nos confins de Água Santa?” (Louzeiro, 2010, p. 44). Segundo Ligièro (2011), o futebol e o samba também são fundamentais para a ideia de uma performance brasileira, bem como para o artista plástico Hélio Oiticica13 que acreditava que o gingado do futebol e do samba derivam não apenas da cultura africana, mas têm relação com o descer dos morros, com o movimento do corpo para se “equilibrar” e driblar o estreito espaço entre um barraco e outro. Para correr dentro do espaço do morro, o corpo tem que gingar, e esse gingado aparece na hora de dançar e de jogar futebol. Aparece também no malandro que se esconde

13 Nascido no Rio de Janeiro, em 1937, Oiticica começou a carreira artística na década de 50, quando estudou pintura e fez suas primeiras exposições. Na virada da década, se uniu ao movimento neoconcretista, que defendia que a arte não era um mero objeto, e ia além do geometrismo puro. Fonte: http://g1.globo.com/Noticias/PopArte/0,,MUL1345133-7084,00.html. 25

nos becos estreitos da favela, nas crianças que desde novas aprendem a andar gingando. O futebol, como grande paixão nacional, é praticado desde a infância e o destaque é sempre para a criança que consegue fazer o chamado futebol arte, driblando e tornando as jogadas não apenas objetivas, mas bonitas, enfeitadas. Esse treino corporal aparece também nas performances. Na formação desse corpo brasileiro, encontramos o casamento perfeito entre o samba e o futebol, entre Elza e Garrincha, num conjunto chamado de brasilidade, ou seja, o amor que é o resultado de mesclas de vários elementos sociais, culturais e de afetos. Há vários casos amorosos entre jogadores de futebol com artistas da música, mas nenhum foi tão intenso quanto o romance entre Elza Soares e Garrincha. Enquanto na copa do Chile em 1962, o gênio das pernas tortas ganhava o bicampeonato praticamente sozinho, após a contusão de Pelé na segunda partida do Brasil, a cantora encantava os convidados de um festival de música organizado paralelamente ao evento esportivo. Começava ali o conturbado relacionamento dos dois, recheado de altos e baixos na carreira de ambos. Nos 17 anos que ficaram juntos, Elza acompanhou as glórias e também a decadência de Garrincha. Foi nesse mesmo período que a cantora viu a vendagem de seus discos cair drasticamente, shows eram cancelados por questões de segurança, ninguém a contratava. Elza sofria insultos e agressões por parte da sociedade conservadora e machista que a considerava uma “destruidora de lares” (Cabral, 1995). Tiveram um filho: Manuel Garrincha dos Santos Júnior. Mas nem a criança pôde mantê-los juntos. No dia 30 de agosto de 1977, transtornado pela bebida, Garrincha agrediu Elza, e ela o abandonou. Essa não era a primeira briga dos dois por causa do álcool, mas seria a última. Garrincha, o craque das pernas tortas, que passou por zagueiros do mundo inteiro, não conseguiu driblar o vício da bebida. E em 1983, o jogador morreu em decorrência do alcoolismo (Xavier, 2009). Três anos mais tarde, em janeiro de 1986, Elza sofre a perda do seu filho caçula, o Garrinchinha, em acidente automobilístico, no distrito de Pau Grande, em Magé, no Rio de Janeiro. O menino que, na época, estava com 9 anos, foi a Pau Grande acompanhado do empresário da cantora, ver o campo da Estrela, em que Garrincha começou a jogar. Ao retornar para o Rio de Janeiro, começou a chover.

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Na ponte sobre o rio Imbariê, o carro se desgovernou, rompeu a balaustrada e despencou dentro d´água. Garrinchinha acabou morrendo afogado (Louzeiro, 2010). Após essa tragédia, Elza Soares mudou-se para os Estados Unidos e ficou 9 anos sem gravar. Em entrevista à revista Fórum, outubro de 2013, Elza relata:

Perdi meu filho, o Garrinchinha. Fui embora pra América, muito louca, muito louca… Pra mim, tinha acabado a vida, perder um filho com 8 anos de idade, e você pensa no futuro daquela criança. Depois, fui morar na Itália, em Paris, fui circulando, rodando até botar a minha cabeça no pescoço. Foi muito difícil. Trabalhei com música, mudei de religião, comecei a virar crente, usei saia comprida, sandália, com a bíblia embaixo do braço. Gente, devia ter tirado uma foto. Quando perdi meu filho virei uma coisa que nem eu entendia. Mas precisava disso, gosto de me ausentar às vezes, ficar meio escondida. Foi ali que substituí Ella Fitzgerald14. me indicou na época em que ela gravou Ella canta Jobim, tinha de fazer uma operação de catarata e parar com os shows. Ela foi a Roma e me fez o convite para fazer alguns shows que faltavam. Morei fora do país muito tempo, achava que o Brasil não me entendia. Carregava lata d’água, mas botaram muita coisa dentro dessa lata.

Seu retorno ao Brasil se deu exatamente nove anos após a morte do filho, em 1995. Dois anos depois, lança o álbum “Trajetória”, desta vez, totalmente dedicado ao samba. Veio em seguida um trabalho gravado ao vivo, “Carioca da gema”. Nesse ínterim, ocorreu um acidente no palco de uma casa de shows no Rio de Janeiro: com o facho de um canhão de luz ofuscando os seus olhos, Elza sofreu uma queda de uma altura de dois metros, que anos depois a obrigaria a realizar uma série de cirurgias na coluna e começar a cantar sentada. No entanto, sua carreira só ganha novo fôlego na década posterior, após a BBC de Londres premiá-la como a cantora do milênio, e a revista Time Out descrevê-la como “uma mistura explosiva de com Célia Cruz”, o que levou a mídia brasileira a voltar a valorizar sua obra. Em 2002, o álbum Do Cóccix Até O Pescoço garantiu-lhe uma indicação ao Grammy. O disco recebeu críticas estupendas da imprensa da música e divulgou uma espécie de quem é quem de artistas brasileiros que com ela colaboraram: Caetano Veloso, , e Jor, entre outros. O lançamento impulsionou numerosas e bem-sucedidas turnês pelo mundo.

14 Famosa cantora americana, quase que praticamente reinventou o jazz. Conhecida como a “Primeira Dama da Canção”. Viveu entre 1917 e 1939. Fonte: http://biografia.ahistoria.com.br/ella-fitzgerald-resumo-e-obras/. 27

Em 2003, Elza lançou o álbum Vivo Feliz. Não tão bem-sucedido em vendas quanto suas obras anteriores, o álbum continuou a executar o tema de fazer um mix de samba e bossa com música eletrônica e efeitos modernos. O álbum apresentou colaborações de artistas inovadores como Fred Zero Quatro. Em 2007, nos Jogos Pan-americanos do Brasil, Elza interpretou o Hino Nacional Brasileiro, no início da cerimônia de abertura do evento, no Maracanã15, e lançou o álbum Beba-me, no qual Elza gravou as músicas que marcaram sua carreira. Desde 2008, a vida e a obra da cantora são pesquisadas pela cineasta e jornalista Elizabete Martins Campos, que dirige o longa-metragem “My Name is Now, Elza Soares”, de 70 minutos. O filme estreou em setembro de 2014 e trata-se de um documentário sobre a vida da cantora Elza Soares. “My Name is Now, Elza Soares” põe, literalmente, a diva diante do espelho, a refletir, em fragmentos, sobre sua vida. Não coube ao filme contar de maneira cronológica a vida de Elza, nem mesmo narrar qualquer acontecimento específico. O documentário quer apenas expor em tela o que é essa mulher. O filme consegue, desse modo, uma abordagem original sobre essa que é uma das grandes cantoras brasileiras e também uma personagem superlativa por suas contradições, pela vida rica e dilacerada, pelo sofrimento e pela busca da serenidade, talvez nunca encontrada. No ano de 2010, gravou a faixa “Brasil” no disco tributo de George Israel a . O disco se chama “13 parcerias com Cazuza”. Nesta faixa, há a participação do saxofonista do Kid Abelha e do despojado Marcelo D2. Como grande amiga do artista, já havia gravado “Milagres” antes, inclusive apresentando-a ao vivo com o próprio Cazuza. Ainda em 2010, pela primeira vez, a artista comandou e puxou um trio elétrico no circuito Dodô (Barra – Ondina). O trio levou o nome de “A Elza pede passagem”, arrastando uma grande multidão pelas ruas de Salvador (BA) no carnaval daquele ano. Em 2011, gravou a música “Perigosa”, já cantada pelo grupo As Frenéticas, para a minissérie “Lara com Z”, da Globo. Também neste ano, gravou a música “Paciência”, de Lenine, para o filme “Estamos Juntos”. Em 2012, fez uma participação na música “Samba de preto” da banda paulista Huaska, faixa título do

15 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=dMIc2Tze5lk. Acesso em: 12 mar. 2016. 28

terceiro CD da banda. Em 2014, estreia o show “A Voz e a Máquina”, baseado em música eletrônica, acompanhada no palco apenas por três DJs. Nesse mesmo ano, a cantora fez uma série de espetáculos intitulados “Elza Canta e Chora Lupicínio Rodrigues”, em comemoração ao centenário do compositor gaúcho de marchinhas e samba. No ano de 2015, Elza Soares chega com uma novidade: o disco “A Mulher do Fim do Mundo”, primeiro álbum em sua carreira só com músicas inéditas. As canções do disco abordam temas urbanos pesados, como violência doméstica, drogas, transgeneralidade e prostituição. O álbum surgiu do encontro da cantora com a estética musical contemporânea de São Paulo e recebeu críticas positivas, sendo elogiado por diversas publicações, tanto brasileiras quanto internacionais. Vianna (2015), do jornal Folha de S. Paulo, diz que "a favela (ou as 'quebradas') é o cenário do fim do mundo (ou do Brasil) e o lugar onde ele pode ser reconstruído", e enfatiza que Elza sempre renasce das cinzas, dando destaque para canções como "Luz Vermelha", que mostra o "apocalipse recortado em cenas de periferia, tiroteiro, ruas esvaziadas", e "Maria da Vila Matilde", que diz ser "a canção do fim", ao retratar a violência doméstica. Ferreira (2015) inicia sua análise do álbum dizendo que a cantora é "dura na queda" e que é uma "sobrevivente de um mundo onde a tristeza não tem fim", e diz que o álbum representa "mais uma lágrima negra que escorre sobre a pele escura" da Elza. Em meio a elogios às onze faixas de “A Mulher do Fim do Mundo”, Ferreira diz que Elza "legitima seu encontro antológico com o núcleo de músicos paulistanos que fizeram a artista dar um passo além em sua discografia, que já parecia estagnada", e diz que ela "renasce com disco pautado por samba roqueiro nascido do que impulsiona sua vida punk". Silvio Essinger, de O Globo, em 18/12/2016, declara que “A Mulher do Fim do Mundo” "não é só o primeiro disco de inéditas de uma das maiores (e certamente a mais visceral entre as) cantoras do Brasil. É um triunfo da vitalidade e da coragem de quem foi, inúmeras vezes, desenganada e que deu a volta por cima", destacando

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que nunca antes Elza "soou tão negra", em um repertório que ele classifica como cruel, barulhento e angustiador (apesar de pacífico ao ouvinte)16. O Jornal El País publicou uma crítica de Carlos Galilea, que define o poema "Coração do Mar", musicado por José Miguel Wisnik, como sendo "um parto em cada sílaba", e sintetiza o encontro da cantora com artistas independentes de São Paulo como "samba com ruído, cavaquinho em rock’n roll distorcido, metais do grupo Bixiga para a sexualmente explícita". Philip Sherburne da Pitchfork, um dos sites de música mais importantes do mundo, o elegeu com o título de melhor novo álbum. No artigo, o site diz que "você não precisa entender Português para sentir o peso de suas palavras" e que Elza Soares “desenvolveu uma das vozes mais distintas da Música Popular Brasileira”. Além disso, a revista também elegeu o álbum um dos melhores de 2016, comentando que "em 'A mulher do fim do mundo', Elza Soares fez o álbum de sua vida, em todos os sentidos". O álbum também foi elogiado pelo jornal britânico The Guardian, que deu cinco estrelas ao projeto e afirmou que era o "álbum brasileiro do ano". A publicação concluiu comentando que "com mais de 70 anos, Elza Soares, a rainha brasileira do samba, ainda domina". O The New York Times elegeu o álbum como um dos dez melhores do ano, numa lista que inclui nomes como Beyoncé e David Bowie. A revista independente espanhola, Mondosonoro, também elegeu o álbum como um dos melhores do ano, afirmando que "em seus oitenta anos, Elza já viveu uma vida que poderia ser tema de vários documentários, e nesse novo projeto ela embarca em um surpreendente álbum de samba experimental". No ano de 2015, o CD “A mulher do fim do mundo” recebeu o prêmio de melhor álbum da Associação Paulista de Críticos de Arte, Revista Notas Musicais e também pela Revista Rolling Stones. Em 2016, foi considerado pelo Prêmio da Música Brasileira o melhor álbum daquele ano e também recebeu o prêmio de Grammy Latino de melhor álbum de música popular brasileira.

16 Disponível em: http://oglobo.globo.com/cultura/musica/critica-triunfo-da-vitalidade-da-coragem-de-elza- soares-17663270,. Acesso em: 18 dez. 2016. 30

“A mulher do fim do mundo” é o 34º álbum em estúdio da sua carreira e, dentre todos os destaques deste álbum, a voz de Elza Soares, estabelece uma relação com a personalidade da intérprete e ultrapassa a dimensão verbal. A voz interfere em vários aspectos: físicos, emocionais e socioculturais. A sua voz carrega as suas intenções, as suas escolhas técnicas e emotivas, as opções de repertório e a relação com o público. Prefiro, por ora, dar vazão a uma preocupação mais didática que científica e dizer que a ideia de voz a que me refiro nesta pesquisa se assemelha a alguns dos primeiros sons que, decerto, todo feto humano sente como afetuosamente familiares: os sons produzidos pelo corpo de sua mãe. Digestão, respiração, circulação sanguínea, batimentos cardíacos e a voz, que soa para fora e ressoa para dentro de um corpo habitado por um outro – novo, mas já à escuta. Voz, som e afeição são termos muito importantes para esta pesquisa, por vários motivos. A princípio porque "voz é som, não palavra", como afirma Cavarero (2011). E o som, como afirma Wisnik (2011), é mais do que um simples

[...] produto de uma sequência rapidíssima (e geralmente imperceptível) de impulsões e repousos, de impulsos [...] e de quedas cíclicas [...]. O som é, assim, o movimento em sua complementaridade, inscrita na sua forma oscilatória. Essa forma permite a muitas culturas pensá-lo como modelo de uma essência universal que seria regida pelo movimento permanente. (Wisnik, 2011, p. 89).

Considerando essa perspectiva, na realização desta pesquisa, eu ouvi todas as canções da Elza Soares, fui a vários shows, li por diversas vezes a sua história, assisti inúmeras entrevistas e ainda não sei se a ideia que hoje eu tenho de voz, dentro da minha formação, é o mesmo que eu possuo ao ouvir Elza Soares, pois os nossos conceitos científicos, estudados na Fonoaudiologia, não se aplicam a Elza, por suas características vocais serem tão híbridas.

4.2. OBJETIVO

Analisar o discurso de um relato da cantora Elza Soares na interface da história de vida, da carreira, da música e da voz sob o olhar da Fonoaudiologia.

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4.3. MÉTODO

4.3.1. PRECEITOS ÉTICOS

O projeto foi encaminhado para o Comitê de Ética da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e teve início após sua aprovação. O sujeito da pesquisa foi esclarecido sobre o objetivo da pesquisa e assinou o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (Anexo 1). Trata-se de um estudo descritivo, exploratório de natureza qualitativa. A entrevista realizada com a cantora foi dividida em quatro partes. Depois de se fazerem inúmeras leituras do material colhido, selecionou-se as partes das entrevistas que foram consideradas as mais relevantes: parte três, que trata da música e da carreira, e a quatro, que trata da voz. Desses dois blocos, foram criadas as quatro categorias temáticas do nosso estudo.

4.3.2. PROCEDIMENTOS

Esse estudo foi composto por uma entrevista com a cantora Elza Soares e por revisão de literatura, baseada em artigos, livros e leitura de entrevistas de jornais e revistas. A entrevista com a cantora foi realizada por mim, no dia 26 de março de 2015, com a duração de duas horas e trinta e seis minutos e aconteceu no apartamento da cantora, no bairro de Copacabana, no Rio de Janeiro. Além da cantora, também estava presente o seu produtor Juliano Almeida. Foram feitas três tentativas anteriores de entrevista com a cantora, sendo que, nas duas iniciais, a cantora teve compromisso de trabalho e viagem antecipados, e, na terceira, tivemos que desmarcar, porque ela apresentou problemas de saúde. Somente na quarta tentativa é que foi possível realizar a entrevista. Inicialmente, se pensou em dividir a entrevista em dois dias, mas visto a dificuldade de se estabelecer o encontro, optou-se por fazer a entrevista somente em um dia. Para a gravação da entrevista, foi utilizado o gravador digital Sony modelo ICD-PX312. Todas as perguntas feitas durante a entrevista seguiram um

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roteiro preestabelecido, elaborado pelo pesquisador e sua orientadora, e foram analisadas com base na metodologia de “Análise de conteúdo” segundo Bardin (2009). Foram feitas as transcrições e análises literárias de livros (Louzeiro,1997; Levi, 2000), revistas e jornais. Pesquisas de artigos de Fonoaudiologia sobre voz cantada nos últimos 10 anos e buscas de notícias sobre a cantora nos seguintes meios: nos jornais O Globo, Folha de São Paulo e Estado de São Paulo e nas revistas Veja, Isto É, Fórum e Rolling Stones. A entrevista, na íntegra, visou a obter informações de diversos aspectos da vida familiar, social e cultural da cantora, permitindo a obtenção de dados em profundidade acerca do comportamento humano e artístico de Elza Soares. O roteiro foi dividido em quatro partes temáticas com o objetivo de direcionar a fonte oral. Na primeira parte, ficaram os aspectos relacionados à vida familiar e à infância. Na segunda parte, a vida afetiva, os amores e os relacionamentos. Na terceira parte, a atenção foi para a música e a carreira, e a quarta parte temática esteve voltada para a voz da cantora, abrangendo todos os aspectos relacionados à sua voz.

4.3.3. ANÁLISE DOS DADOS

A entrevista realizada com a cantora teve seu conteúdo analisado segundo a metodologia proposta por Bardin (2009). Esse método percorre o caminho pela fonte de dados conforme a contextualização do material de pesquisa e auxilia na reinterpretação das mensagens para atingir uma compreensão de seus significados num nível que vai além de uma leitura comum. De tal modo, é possível refletir sobre a composição histórica, sendo necessário colocar em questão as suas condições de aparecimento e de extensão em diversos setores das ciências humanas, sobretudo pela classificação que emerge das relações de análise do conteúdo, e não com disciplinas vizinhas pelo seu objeto ou pelos seus métodos (Bardin, 2009). Em um segundo momento da análise, caracterizou-se a expansão das aplicações da técnica de Bardin a disciplinas muito diversificadas, de modo que a análise foi amadurecendo por meio do aparecimento de novas interrogações e de novas respostas no plano metodológico. Ciente disso, no momento seguinte, houve a organização do material. Foram ouvidas as entrevistas gravadas, que, em seguida,

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foram transcritas para que se pudesse conhecer melhor o texto. Posteriormente, investiu-se em releituras atentas das mesmas, buscando-se dizer “não” à leitura simples do real para enriquecer e explorar os dados coletados e identificar as categorias que emergiram da investigação. No levantamento, foram evidenciadas as palavras ou expressões mais significativas durante a pesquisa. Após esse levantamento e uma cautelosa análise, foi feita a descrição, procurando manter um distanciamento do contexto investigado a fim de uma melhor compreensão da entrevista e, ao mesmo tempo, buscou-se uma aproximação para interagir com as análises e, a partir desse momento, criar as categorias temáticas, que, para Bardin (2009), é o momento da intuição, da análise reflexiva e da crítica. Foram estipuladas, após a análise, quatro categorias temáticas, que serão explicadas a seguir: protagonismo, influências e gêneros musicais, mulher e sociedade e relação com a música e a voz (Silva e Fossá, 2015). A amostra foi do tipo intencional e seguiu o critério de saturação teórica dos discursos. Este estudo contou com a participação da cantora Elza Soares, e a operacionalização da coleta de dados ocorreu no mês de março de 2015, por meio de entrevista semiestruturada, na qual se investigou a percepção da cantora quanto à sua voz, carreira e música. A partir da exploração do material, da pré-análise, do tratamento dos resultados e da interpretação da entrevista com a cantora, criou-se as quatro categorias temáticas já citadas:

• Categoria 1: mulher e sociedade, voltada para uma análise realizada junto à cantora sobre as dificuldades de se colocar no mercado fonográfico por ser mulher e negra. • Categoria 2: protagonismo, que foi baseada no desempenho e no papel da cantora diante da sua vida profissional, social e familiar. • Categoria 3: influências e gêneros musicais, na qual se discutiu os diversos meios de cultura musical, sua identificação e inspirações. • Categoria 4: carreira, interpretação e voz, que analisa os diversos aspectos da música em sua vida e seu trabalho vocal.

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4.4. RESULTADOS E DISCUSSÃO

Através do seu jeito único de interpretar as suas canções, Elza Soares vem se mantendo firme dentro do mercado fonográfico. Na literatura levantada, observa-se que a maior parte dos autores destaca muito mais a interpretação da cantora do que propriamente a sua voz (Castro, 1995; Diniz, 2003; Louzeiro, 2010). Tal fato deve-se a características emocionais que têm sua voz como pano de fundo e que são fundamentais para a sua interpretação. Em termos artísticos e culturais, ela nos traz a contemporaneidade que se reflete no seu cantar, na escolha do repertório, sempre tão atual, e em sua figura física tão metafórica. A partir desse momento, serão tratadas cada uma das categorias temáticas estabelecidas, e elucidadas a metodologia e a análise dos dados propostos nesta tese.

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Categoria Temática 1 – Mulher e Sociedade

“[...] Vou fazer o quê? Vou pedir esmolas? Não! [...]” A expressão cidadania está hoje por toda parte, apropriada por todo mundo, evidentemente com sentidos e intenções diferentes. Se isso é positivo, num certo sentido, porque indica que a expressão ganhou espaço na sociedade, por outro lado, face à velocidade e voracidade das várias apropriações dessa noção, nos coloca a necessidade de precisar e delimitar o seu significado. “[...] O músico era visto como vagabundo e mulher não podia sair de casa. [...]” A sociedade estabelece uma distribuição de responsabilidades que é alheia às vontades das pessoas, sendo que os critérios desta distribuição são sexistas, classistas e racistas. Do lugar que é atribuído socialmente a cada um, dependerá a forma como se terá acesso à própria sobrevivência como sexo, classe e raça, sendo que esta relação com a realidade comporta uma visão particular da mesma (da Cunha, 2001). Elza Soares refere-se nos trechos a seguir à sua condição por ser mulher, negra e artista frente a uma sociedade preconceituosa e machista: “[...] Porque eu acho que já era o dom, já tinha tendências à cantora e porque outra profissão pra mim seria difícil. E como estudar? Como frequentar uma faculdade? Seria difícil. Eu acho... Vou dizer uma coisa que é muito cruel gente: por isso que existe tanta prostituta. É o caminho mais fácil e é o mais difícil. Talvez eu seria uma delas. Uma porção de filhos pequenos, viúva, menina [...]”. “[...] Por eu ter corpão, mulata e esse país rotula você pelo seu biótipo e eu fui rotulada como sambista pelo meu biótipo. Bunda grande, cintura fina, perna grossa. Ela é uma mulata, ela é uma sambista [...]”. A construção dos gêneros se dá através da dinâmica das relações sociais. Os seres humanos só se constroem como tal em relação com os outros. As mulheres, por sua vez, são definidas a partir dos papéis femininos tradicionais como mães e donas do lar. Segundo Bassanezi (1996), é necessário lembrar que durante o período de 1945-64, a sociedade brasileira vive uma série de transformações proporcionadas, entre outros fatores, pelo desenvolvimento econômico: processo de

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crescimento urbano e industrial, aumento das possibilidades nos campos profissional e escolar, tanto da população em geral quanto da feminina. “[...] Eu achei a letra machista demais e aí eu pedi permissão a ele para mudar e geralmente eles acham maravilhoso e não ligam não [...]”. Ao refletir sobre essa categoria que traz a relação entre mulher e sociedade, me vêm questões a respeito do papel feminino frente à sociedade, ao trabalho e às discriminações social e racial, e lanço-me a perguntas cujas respostas não sei se terei: Por que e como uma categoria racial se transforma em categoria profissional? Como, em uma sociedade que se pretende sem preconceitos de raça ou cor, determinados atributos raciais podem ser discriminados, isto é, separados e selecionados, de modo a permitir a criação de uma profissão particular? “[...] Sim. Me considero uma cantora de voz negra, mas ao mesmo tempo eu pergunto: ‘Voz tem cor?’ É uma voz que sai de uma negra e, por isso, é uma voz negra, mas a cor da minha voz eu ainda não vi qual é. Ela é tão estranha, ela é tão poderosa, ela é tão milagrosa que eu posso tirar da minha garganta. Tirar a minha garganta dessa voz e eu não a vejo, não posso abraçar, não posso nada. Só posso dizer: ‘Muito obrigado, você existe, você está aqui presente!’ [...] É o órgão mais precioso que Deus me deu. Mas ela não tem cor, ela sai de uma cor, mas que ela tem cor não.” Qual o significado dessa operação de transmutação do que é racial em profissional para aqueles, ou melhor, aquelas que estão diretamente envolvidas, que são ao mesmo tempo sujeitos e objetos da operação? [...] Eu acho que esse meu desejo de viver, essa raça que eu carrego de vida, essa coragem que eu tenho, eu devo à música, “né”? Como pontua Giacomini (2006), a construção da identidade de uma cantora negra, como a de qualquer identidade social, não passa apenas pela afirmação de atributos e características partilhados por um mesmo grupo; ela é também, e talvez principalmente, o estabelecimento das fronteiras que demarcam esse grupo de grupos percebidos como vizinhos, próximos e, por isso mesmo, ameaçadores daquela identidade em construção.

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“[...] Eu vivo dentro da história, aliás, eu sou uma história! Fiz uma história grande da minha vida.” Os discursos que integram as relações sociais são materializados de diferentes formas e, através da linguagem, veiculam aspectos históricos, sociais, ideológicos e comportamentais dos sujeitos; impregnando suas crenças e atitudes, bem como determinando sua identidade. Nesse sentido, compreendendo a música como uma das formas de manifestação da linguagem, entende-se que ela também é responsável pela consubstanciação de discursos, de modo que reproduz ideologias de diversas linhagens. Examinando a história da mulher negra no Brasil, é nítido observar a exclusão e desvalorização, pois, desde o período escravocrata, ela tem sido vítima de um discurso discriminatório, sendo quase sempre associada ao serviço doméstico e à sexualidade (Silva, 2016). Pode-se verificar que a mulher negra ou mulata, diante da sociedade, busca evidenciar as relações reveladas em sua estrutura física, definindo assim, gêneros e estilos musicais que sejam adequados ao seu biótipo. Percebe-se que a música tem a função de entreter, mas, por transitar por diversos estilos e diferentes contextos, também veicula as ideologias de uma sociedade. Desta maneira, conseguimos perceber como as identidades de gênero e de raça se firmam no sujeito como um tipo de formação imposta pelo meio social. Em linhas gerais, a música brasileira negra é cantada por negros. Essa é uma característica como reforço de uma cultura em que a sociedade parece esquecer ou deixar de lado, embora diariamente seja visto, o caráter discriminatório.

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Categoria Temática 2 – Protagonismo

“[...] Ali eu vi que era aquilo que eu queria. Ganhei nota 5, fiquei felicíssima. Meu Deus do céu, parecia que tinha uma coisa dizendo assim pra você: ‘Viu, teu caminho é esse!’. E ali começou um caminho que eu não pude retroceder mais. Só pra frente, só pra frente.” Ao reconhecer Elza Soares enquanto cantora, verifica-se que o formato da sua manifestação artística propicia narrativas no espaço urbano, a partir de um processo de mediação cultural e de oferta de entretenimento que subverte a lógica industrial da grande mídia. Entre os extremos representados pela artista e a sua produção musical, uma série de sujeitos históricos se envolvem nas disposições estéticas de suas criações (Piccolo, 2006). Nesse momento, Elza fala da diversidade do seu repertório e da sua capacidade de interpretar vários gêneros musicais: “[...] Você não sabe o caminho que ela tem. Você sabe que ela tem uma voz, que ela canta tudo, mas o que ela busca? O que ela canta? Onde ela vai? São vários caminhos [...]”. Nesse trecho da entrevista Elza Soares fala a respeito do prêmio que recebeu da BBC de Londres como a cantora do milênio: “[...] Só me assustou porque eu sabia que ninguém ia tomar muito conhecimento, como não tomou até hoje. Pra eles eu fui a melhor, mas pra mim, pra eu ser a melhor é bom que seja dito por você, pelo Juliano, seja dito pelo José Miguel Wisnik, que seja dito por críticos, por pessoas que realmente estejam dentro da história [...]”. Elza Soares contesta o fato de ter características vocais tão únicas e por não possuir “herdeiras sonoras”: “[...] Será que não? Eu acho que se procurar... Porque a gente nunca é única. A gente faz o papel de única até um certo tempo, mas depois... Se procurar você encontra. Acho que existem muitas “Elzas” por aí. Eu não quero ser a única. Ser única é uma coisa tão sem sentimentalismo. Não é poético. Ser a única é feio ‘né’? Quero ser uma entre todas. Pra mim é bem melhor. Entre muitas é bem melhor que ser a única”.

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“[...] Eu acho que quando a gente se acha muito perfeito, tá tudo torto. [...]” Buscar a arte como forma de sobreviver e conquistar o seu espaço profissional, nos fecha os olhos para um processo pelo qual todos os artistas modernos passam e que, de forma determinante, influencia em suas disposições estéticas. É o processo de profissionalização artística, no qual o artista deixa de viver por outros meios que não sua própria arte (Gonçalves et al, 2016). “[...] Eu que cuidei da minha carreira com raça. Meu administrador se chama raça, coragem, sangue, suor e raiva ou sangue, suor e lágrimas”. Elza percebeu que para se profissionalizar como cantora, teria que mudar algo que é estrutural na sociedade e que tinha que se organizar. Então ela se projetou artisticamente por meio de uma voz única e buscou alianças em grupos menos abastados como o movimento feminista, os negros, o público LGBTT (Lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e transgêneros) e o da periferia. Ela se aproximou desses movimentos porque denunciava a forma opressora da organização patriarcal, questionava o pensamento categórico do ser mulher. Fica evidenciada a sua colocação política em passagens musicais do seu álbum “Do cóccix ao pescoço”, no qual a música “A carne” é um manifesto contra o preconceito racial, e também em seu último álbum “A mulher do fim do mundo”, onde canções como “Maria da Vila Matilde” abordam a violência doméstica de maneira surpreendente, através de um samba animado, com bom humor, construindo a imagem de uma mulher forte. “Benedita” é uma das faixas mais agressivas do álbum, nela transparece a realidade de uma travesti no planeta fome, a violência que sofre diariamente nas ruas, por ter sido expulsa de casa, e a violação de quem vende a própria carne e trafica para sobreviver. Na década de 1960, a cantora se consagrou cantando sambas que se misturavam com um estilo jazzístico já marcado em sua voz (Silva, 2012). Sua expressão performática já trazia alusões intensas à sua personalidade como cantora. A escolha do trabalho artístico de Elza Soares, para construir uma narrativa acerca das identidades que se sedimentou já nos anos 60, tem como ponto terminante, o fato da cantora ter sido uma das maiores intérpretes deste período, marcando época no mercado fonográfico brasileiro. Elza foi a primeira mulher a subverter características tradicionais do samba com a colocação de scats e

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variações timbrísticas ao gênero musical. Seu repertório são referências intensas à cultura antirracista e à valorização da mulher. Paralelamente, seu repertório é marcado por uma construção musical popular participante, com foco político e social, e também nítida tendência nacionalista. Surgem compositores compromissados com essas propostas, mesclando técnicas de bossa nova com sons mais tradicionais e feitos para essa nova tendência. O samba, nesse sentido, assume um papel de inestimável relevância. Elza Soares, paralelamente, desenvolve a sua arte nesse cenário pujante e transformador da música popular brasileira. Esse movimento transformador é, sem dúvida, um olhar profundo para a relação música e sociedade. Como contemporâneos da intérprete Elza Soares, estão Carlos Lyra17, Alaíde Costa18, Roberto Menescal19, Vinícius de Moraes, Nara Leão, Elis Regina, Wilson Simonal20, Elizeth Cardoso21, entre outros. Além da música, se se considera a relação entre arte e sociedade, o cinema novo de 22e as artes plásticas de Hélio Oiticica foram igualmente marcantes. Elza Soares, provavelmente, bebeu desse período transformador do Brasil e do mundo, sem, porém, deixar de lado as suas raízes, a bossa negra. Esses fatos da história da arte popular brasileira colaboram, de modo transversal, para a compreensão da identidade e trajetória artística de uma grande cantora como é Elza Soares. Há que

17 Um dos precursores do movimento bossa nova. Sua carreira deslanchou mesmo em 1959, quando João Gilberto gravou o disco "Chega de Saudade", que incluía três de suas composições: "Maria Ninguém", "Lobo Bobo" e "Saudade Fez um Samba". Fonte: https://www.letras.com.br/biografia/carlos-lyra. 18 Alaíde Costa é uma cantora e compositora brasileira que traz um canto suave e sussurrado, é considerada uma das perfeitas vozes do país. Fonte: https://www.letras.com.br/biografia/alaide-costa. 19 Roberto Batalha Menescal (Vitória ES 1937). Instrumentista, arranjador, compositor, cantor e produtor musical. Fonte: http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa12529/roberto-menescal. 20 Wilson Simonal (1939 – 2000), começou cantando em bailes até fazer sucesso na televisão, como no programa Show em Simonal, que apresentou nos anos 1966 e 1967 na TV Record com direção de Carlos Imperial. Fonte: http://www.ebc.com.br/cultura/2015/06/ha-15-anos-morreu-wilson-simonal-saiba-mais- sobre-vida-e-obra-do-cantor. 21 Cantora popular carioca (1920 – 1990). Considerada uma das principais intérpretes da música brasileira, é chamada de “A Divina”. Fonte: https://www.algosobre.com.br/biografias/elizeth-cardoso.html. 22 Glauber Rocha (1939-1981) foi cineasta brasileiro. Um dos responsáveis pelo movimento de vanguarda intitulado Cinema Novo. Produziu filmes de grande repercussão como "Terra em Transe" e "Deus e o Diabo na Terra do Sol". Fonte: http://acervo.estadao.com.br/noticias/personalidades,glauber-rocha,659,0.htm 41

considerar a versatilidade dessa cantora que passou por quase todos os gêneros musicais. Com relação à performance corporal, é importante ressaltar que Elza Soares traz em si a experiência da sua própria vida, com um gingado que lhe é peculiar, o subir e o descer do morro, a família musical e corporalmente expressiva. Como já mencionado, a família da cantora foi de extrema importância e eficácia simbólica de construção da realidade que concretiza aquilo que a artista quer expressar. Quando a música se apresenta apenas como objeto sonoro, a interpretação adentra um campo de múltiplos significados, de assimilações completamente distintas. Quando vem acompanhada de performance, a interpretação é algo direcionado, pré-dado, em outras palavras, “a performance é ato de presença no mundo [...] nela o mundo está presente” (Zumthor, 2007, p. 66). Uma vez que trabalhamos com canções para se elaborar uma narrativa histórica, devemos ter consciência que também estamos tratando de artistas e, a maneira como eles apresentam seu trabalho desvenda muitos indícios que estão ausentes na palavra escrita (Finnegan, 2008). O texto, muitas vezes, não nos revela nada, por isso a importância de considerar texto, música e performance intrincados um ao outro.

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Categoria Temática 3 – Influências e Gêneros Musicais

“[...] Pra muita gente entender, a gente escutava música americana que era Tomy Dorson. Era o que se ouvia. Música que se tocava boa noite pra você, que era audiência de todo mundo e depois eu comecei a ser influenciada por Orlando Silva, o cantor das multidões [...]”. Elza Soares começou a manifestar suas concepções musicais sob duas diferentes formas: rádio e família. Através da inspiração dos grandes cantores do rádio em que se destacava Orlando Silva, Dalva de Oliveira e Ângela Maria, consegue-se perceber, em suas primeiras gravações, a expressão musical dessas duas cantoras como inspiração para Elza. É interessante considerar, também, que as composições musicais refletem, muitas vezes, as condições históricas e ideológicas de certa época e Elza traz em sua trajetória musical diferentes momentos da sua história. Nesse sentido, ocorre a representatividade dos diversos gêneros musicais adotados pela cantora, suas modificações comportamentais e sua influência na propagação de questionamentos referentes aos padrões de conduta de uma determinada época. “[...] Dalva de Oliveira, Ângela Maria, que eram as cantoras da época que a gente ouvia, meu Deus do céu, Carlos Galhardo e assim, Lupicínio Rodrigues e o Silvio Caldas”. As grandes cantoras do rádio dos anos 1950 tiveram grande influência na formação artística da cantora Elza Soares, sobretudo Dalva de Oliveira e Ângela Maria. As cantoras desse período tinham sempre como referência e modelo suas antecessoras, e é comum perceber traços prosódicos mais marcantes que permitem observar as influências que uma cantora exerce sobre outra, considerando o dado histórico de que Ângela Maria sucede a Dalva de Oliveira, tomando desta a coroa de rainha do rádio em 1954 (Cunha, 2012). “[...] Não sei como me expressar desse jeito, mas sabe que você carregando lata d’água, com peso, o peso te dá uma força, te dá um agudo. Você pega aquilo no chão e faz (Nesse momento Elza sonoriza imitando pegar uma lata d’água no chão e levá-la até a cabeça) e vai até lá em cima e aí você faz um tratamento de voz, uma

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postura de voz maravilhosa. Eu fiz o meu assim. Me inspirei na lata d’água, que era quando pegava tinha que dar um grande gemido, ‘né’?” Vale ressaltar que apesar da influência das cantoras Dalva de Oliveira e Ângela Maria, Elza Soares seguiu seu próprio estilo para cantar, trazendo uma qualidade vocal diferenciada, conforme as coerções do posicionamento, resultando em uma espécie de investimento vocal para as suas canções. Em cada canção, a cantora explora de formas diferentes esses e outros padrões vocais como a respiração, a intensidade, a pronúncia, a articulação, as pausas, o modo de finalizar as frases musicais, utilizando-se de scats, growling vocal 23e driver 24na voz. Em seu primeiro disco, “Se acaso você chegasse”, em 1960, Elza surgiu com um estilo próprio de cantar. Inovou no ritmo da canção e introduziu uma ambiência jazzística ao samba. As cantoras de rádio compunham uma linhagem de cantantes que se definia por uma propriedade comum de interpretação vocal. O pressuposto histórico é de que, na era do rádio, uma cantora inicia-se no canto legitimando-se sob o apoio a um ídolo inspirador (Senra, 2014). “[...] Qualquer coisa que eu faça, o motivo é música [...]”. Ao apresentar-se no programa de calouros do Ary Barroso, em 1953, cantando a música “Lama” (Paulo Marques e Alice Chaves, 1950), a aspirante ao oficio de cantora chamava atenção à medida que sua colocação vocal fazia lembrar a de uma diva em evidência nas programações radiofônicas, nos espetáculos de auditório e no mercado fonográfico (de Souza e da Silva, 2012). O desafio maior era a estreante mostrar a que veio, construindo um jeito próprio de cantar. Esta era a condição para ser uma nova grande estrela (Barroso, 2014). Neste aspecto, Elza Soares surge como uma grande novidade no meio artístico. Tal qual foi o modo como cantou pela primeira vez, foi tomada como uma marcante referência àquelas que lhe antecederam. As influências sonoras de Dalva e Ângela Maria foram claramente percebidas em sua interpretação, na qual Elza

23 É uma técnica vocal que produz um som rouco, grave ou profundo, que se obtém através do apoio diafragmático juntamente com distorções no som produzido nas pregas vocais e laringe, que produz um som grave e rouco, com uma agressividade característica. Fonte: http://fullvoice.com.br/tag/growl/. 24 O drive vocal é uma técnica que produz um som mais limpo do que o Gutural, mas tem um efeito de agressividade na "voz limpa". Fonte: http://vozteoriaepratica.com.br/drives-vocais/. 44

buscou a extensão das notas musicais mais altas, o exagero dramático durante o canto, nos traços de sua singularidade e na construção de suas características subjetivas como cantora. “[...] Todo mundo diz que eu sou uma cantora de jazz. Eu gostaria de gravar um Cole Porter25, um Gershwin26 talvez fosse o meu desejo. Cantando Cole Porter e chorando, com lágrimas e comendo a música, degustando cada sílaba, cada palavra. Entendeu? Eu acho que seria uma coisa assim eu cantando jazz. O jazz mora muito tempo dentro de mim. É muito negro, é muito eu. [...]” O jazz é um estilo de música dos negros norte-americanos e se caracteriza por improvisos e por sonoridades e ritmos sincopados que são bem característicos na forma de cantar de Elza Soares. Esta é uma das possibilidades de associarem Elza a uma cantora de jazz ou de a compararem com Billie Holiday27. O fenômeno comunicativo desencadeado pela música popular é um processo cujo principal ponto de partida é o reconhecimento dos gêneros musicais. Os gêneros instauram um ambiente afetivo, estético e social, no qual as redes de comunicação e compartilhamento de símbolos irão operar. De acordo com Simon Frith, são os gêneros que determinam. “[...] Então, se eu disser para você qual é o gênero de música que eu gosto de cantar eu tô mentindo. Eu não sei qual. Canto todos! Não sei se feliz ou infelizmente, talvez se eu cantasse um só seria mais definido, mas eu ainda não tenho uma definição do que eu gosto de cantar. [...]” Como as formas musicais são apropriadas para construírem sentido e valor, que determinam os vários tipos de julgamento, que determinam a competência das diferentes pessoas de fazer comentários, é através dos gêneros que nós experimentamos a música e as relações musicais, que nós unimos o estético e o ético (Frith, 1996, p. 234).

25 Cole Albert Porter (1891 – 1964) foi um músico e compositor americano de Peru, Indiana. Notório pelas letras sofisticadas, ritmos inteligentes e formas complexas. Ele é um dos maiores contribuidores do Great American Songbook. Fonte: http://revistaepoca.globo.com/Epoca/0,6993,EPT868894-1655,00.html. 26 A obra de Gershwin (1898 – 1937) caracteriza-se pela composição de música sinfônica e ritmos de jazz da época com melodias de fácil assimilação. O piano foi o seu instrumento e elemento central de todas as suas criações. Fonte: http://biografias.netsaber.com.br/biografia-406/biografia-de-george-gershwin. 27 Billie Holiday (1915-1959) foi uma cantora e compositora norte-americana que se tornou uma lenda do jazz. Foi considerada a cantora que deu início ao jazz moderno. Fonte: https://www.ebiografia.com/billie_holiday/. 45

A construção de sentido da música opera a partir dos gêneros musicais e do potencial reconhecimento de suas categorizações e classificações. Portanto, para que gostos e identidades musicais sejam formados, é necessário que haja este reconhecimento dos gêneros que habitam um mesmo universo sonoro compartilhado pelo corpo social envolvido (Trotta, 2009). “[...] Eu gosto de cantar todos. Eu acho que cantor não é refrigerante para ter rótulos. Ele tem o direito de cantar o que quiser e, quando rotula, fica uma coisa esquisita. [...]” A definição de um gênero musical é um processo altamente complexo, resultado de associações diversas feitas pelos indivíduos e assimiladas (ou não) pela sociedade como um todo. Para o musicólogo Franco Fabbri, gênero musical é um “conjunto de eventos musicais (reais ou possíveis), cujo curso é governado por um conjunto definido de regras abertamente aceitas socialmente” (Fabbri, 1982, p. 52). A denominação de Fabbri se torna particularmente interessante (e bastante útil) na medida em que, através dela, somos convidados a isolar os “eventos musicais” de uma determinada experiência musical, identificando convenções sócio- sonoras (regras) que colaboram para a associação mental (e também corporal e afetiva) de grupos de indivíduos em torno de certa prática musical. Sendo assim, a construção de uma classificação de gêneros musicais seria um processo ativo, resultado de diversas associações. Nesse contexto da diversidade de gêneros, se encaixa Elza Soares, que traz como o espectro da cantora romântica uma interpretação corporificada das canções, como fonte emocional das sonoridades, mesmo que, em alguns momentos de sua carreira, elas sejam vinculadas a determinados compositores. Parte da expressividade da cantora vem de seu talento com a interpretação das letras. Elza não apenas canta uma letra, ela assume um papel ao interpretar as canções, sua interpretação traz para a voz uma gestualidade quase física. A interpretação vocal de Elza assumia, desde seu surgimento em escala nacional, contornos fortemente expressionistas, teatralizados, com marcações de cena e gesticulações destinadas a realçar esse caráter da elaboração musical (Louzeiro, 2010). A cantora parecia retomar e renovar tradições interpretativas

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brasileiras, inspirada em nomes como Aracy de Almeida, Dalva de Oliveira e Ângela Maria, além de afirmar aquele interesse por um repertório plural em termos de ritmos, gêneros e época de produção. A modernidade vista no jeito de cantar de Elza desde o início de sua carreira, dividia espaço com uma forte dramaticidade, associada aos universos de protesto social e antirracial. A intensa visibilidade das expressões corporal e facial, nesse estilo de canto, marcou uma nova importância atribuída à performance musical, que levaria, no caso dessa intérprete, ao grande sucesso de suas apresentações ao vivo, que alguns consideravam muito superiores a suas gravações em disco (Louzeiro, 2010). A trajetória musical de Elza Soares é instigante pelos cruzamentos realizados pela artista que transita do rádio para a televisão, com um repertório e estilo vocal que realizam essa passagem entre esses dois meios, trazendo também um público marcado por uma audição radiofônica, com seus padrões de escuta, para o novo meio. Para Finnegan (2008), existem múltiplos modos de recursos sonoros e visuais a serem explorados pelo cantor e vários elementos podem interessar na interpretação da canção e orientar a sua realização, pois, segundo o autor,

“o visual, o somático, o gestual, o teatral, o material – tudo pode fazer parte. Assim como o pode também o movimento, enfatizado ou não pela dança ou pela interação de muitos corpos e presenças. Não é somente o texto – ou somente a música e o texto –, mas a atuação multissensorial”.

“[...] Eu fiz umas versões totalmente jazzística [...]”. Elza desenvolveu novas formas de se expressar, de utilizar os recursos técnicos da sua voz, procurou novos temas para falar, conquistando um lugar na genealogia da canção brasileira (Diniz, 2003). “[...] Como eu canto uma música, e quem gravou foi a Billie, que é uma música linda, uma música que ela fez quando os negros eram pendurados na árvore de cabeça para baixo, que era Stranger fruit28 e eu gravei essa música, só que ninguém sabe [...]”.

28 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=Web007rzSOI. Acesso em: dez. 2016. 47

Em relação às cantoras estrangeiras, se interessava mais por Billie Holiday. Influências que possuem traços comuns em relação ao seu gosto pelos sambas antigos: a dramaticidade. Elza mantém uma continuação da tradição musical, porém, uma tradição baseada na dramaticidade. Pode-se dizer que a tradição musical, em Elza, é uma tradição romântica e dramática (Castro, 1995). As experiências musicais vivenciadas por ela é que marcaram sua própria trajetória artística. Isso não implica em dizer que ela não tenha vivenciado outras experiências que ficaram de fora de sua tradição musical, como a bossa nova, por exemplo. Porém, creio que a construção de uma tradição em Elza Soares se deu por escolhas a partir de suas vivências (Janotti, 2009), escolhas que podem estar relacionadas mais ao seu estilo de interpretação. A partir disso, formou sua tradição romântica e dramática, marcada pela experiência musical vivenciada por ela. A questão da vivência também permeou a trajetória da cantora em outro aspecto relacionado à sua cultura, aos aspectos socioculturais, à sua etnia, ao seu papel na sociedade e à mulher atemporal.

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Categoria Temática 4 – Carreira, Interpretação e Voz

“ [...] Eu já tinha vontade de cantar, cantava quando criança com o meu pai, então, quando ele fazia aquele sarau, ele falava: ‘vou buscar Elzinha para cantar’ e eu fiquei com isso na cabeça: ’tem que cantar, tem que cantar, tem que cantar’ [...]”. No início da sua carreira, na década de 60, observou-se a expansão de uma nova forma artística, que se organizava principalmente a partir da exploração dos recursos vocais, com suas múltiplas possibilidades de sonoridade, buscando nas canções os diversos recursos sonoros e diferentes formas de emissão vocal (Storolli, 2014). “[...] Então você vê como há uma variação de instrumentos musicais, de vozes. Cada uma coisa tem que tá buscando um tipo de voz, um tom de voz e vou numa facilidade, cara, que eu falo ‘Meu Deus, obrigada meu Deus!’ [...]”. Elza tratou de ser a voz feminina responsável por esses recursos; como gênero autônomo, ela se caracteriza pelo experimentalismo e pelo uso de recursos vocais não convencionais para a época. O estabelecimento desses novos recursos sonoros trazidos por Elza foi determinante para o surgimento de uma nova estética sonora e cooperou para a dissolução de gêneros musicais até então considerados tradicionais. Pensamos que a música popular é dotada de uma grande quantidade de estilos que se organizam e se distribuem de acordo com características próprias das regiões e culturas que as comportam (Mello, 2014). Pensar em Música Popular Brasileira, pressupõe saber que a cantora Elza Soares é um ser plural, forjado pela miscigenação de sentidos: alteridade consagrada na carnavalização dos sujeitos sociais, dialogicamente perfilados em uma cultura densa e multifacetada (Louzeiro, 2010). A forma pela qual ela transita por suas escolhas musicais e, ainda, define o seu estilo, o seu gosto, a sua personalidade sonora, foge ao lugar comum dos conceitos abrangentes, por mais que se instale a partir de evidências que poderiam ser esperadas no repertório de uma cantora.

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A sua história musical popular é definida por movimentos sociais, políticos e estéticos que são marcados por uma das suas principais características: a sua voz, presença protagonista da sua vida. “[...] Gente, a música é isso. Cada palavra que está escrita pra você interpretar, você tem que interpretar, dizer a verdade do que está sentindo, senão não tem motivo. E eu canto sentindo. Se vou falar de miséria, eu tenho que sentir a miséria, se eu falar de riqueza, vai ter riqueza, se eu falar de dor, vai doer de verdade. Então eu acho que sou uma cantora privilegiada pelo meu sentimento. Tudo que eu faço tem imagem. Eu converso com a imagem [...]”. Ela também se faz pelos meandros das várias linguagens que constituem o seu universo artístico. Na elaboração e na variedade de suas produções musicais, e, à revelia dos dizeres empíricos, a entrada da música popular na academia permitiu que essa história pudesse finalmente ser estudada a partir de um olhar voltado ao fazer musical, promovendo resgates, valorizando processos e também os sujeitos responsáveis por essas práticas (Brügger, 2013). Como material sonoro, a voz de Elza Soares incorpora influências do meio, trazendo a possibilidade da fusão de cultura e de diversas sonoridades e novo parâmetro vocal, como a vibração da região ariepiglótica em sua voz cantada e que a fez ser comparada com a produção sonora do cantor Louis Amstrong,29, porém Amstrong se utilizava do apoio das bandas ventriculares para produzir o som da sua voz, diferentemente de Elza Soares. “[...] Lógico que você com o passar dos anos desce 2 ou 3 tons. É da natureza mesmo, mas quando a voz continua limpa, como a minha, graças a Deus, graças a Deus, dentro de todos os tons ela tá ali afinada sem nenhum tipo de coisa, aí tudo bem.” A voz de Elza, aqui investigada, e seu aparelho fonador, oferecem-se como material sonoro, gerando novas possibilidades de criação. Uma voz que se deixa povoar por gritos, gemidos, sussurros, sons guturais, assobios, estalidos de língua e

29 Louis Armstrong (1901-1971) foi um cantor e trompetista norte-americano, um dos mais importantes nomes do blues e do jazz de todos os tempos e destacava-se por apresentar uma voz rouca e gutural em seu canto. Fonte: https://www.ebiografia.com/louis_armstrong/. 50

muitas outras possibilidades sonoras estabelece uma experimentação vocal, que transita pelas diversas linguagens e possibilita novos recursos vocais. Elza nos proporciona, em sua cultura amplamente musical, processos envolvidos na realização vocal de repertórios da música popular brasileira, mediados pelas identidades e seus referenciais, trazidos das suas heranças familiares, da favela, do seu estudo empírico, da sua história de vida. E no âmbito da performance corporal, Elza se utiliza do corpo como parte constitutiva da obra, pois ela traz a concepção do corpo como instrumento do cantor e sua utilização enquanto ferramenta geradora do discurso musical presentes na vivência e em suas performances , destacando o constante interesse da intérprete em ampliar seu repertório de recursos e técnicas aplicados aos fazer musical, sempre atenta à necessidade de se transpor aos limites de uma prática musical construída unicamente sobre a sua performance (Barros, 2015). Uma breve análise sobre a música popular brasileira nos permite observar seu potencial adaptativo e, ainda, segundo Falbo (2010), visualizar uma

versatilidade que a permitiu passar por diversas mudanças ao longo do tempo, assimilando novas tecnologias, novos padrões estéticos e novas funções sociais, mas sempre mantendo seu extraordinário poder comunicativo.

A afirmação do autor aponta para uma das principais características da prática da música popular: a possibilidade de o intérprete apropriar-se de um repertório sem que exista uma obrigação quanto à reprodução fiel da obra original, permitindo uma infinidade de leituras e reinvenções, transformando o intérprete em uma espécie de coautor. “[...] Sim, foi depois do Cóccix. Ele é bem audacioso, ele é bem abusado, ele bem ‘com licença, eu vou entrar!’ [...]”. “Do cóccix até o pescoço” é talvez a expressão mais bem acabada dessa ousadia sonora e vocal de Elza Soares. Intelectualmente preparado por Zé Miguel Wisnik, o disco procurou devolver Elza Soares ao lugar que sempre lhe pertenceu, mas que andou se confundindo com o esquecimento: a excentricidade. “[...] Quando você trabalha com gente antenada, com gente que trabalha pra frente, o artista vai e vai e vai buscar [...]”.

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Mesmo tendo podido produzir pouco, Elza lançara em 1997 o álbum "Trajetória", mais inclinado ao tradicionalismo do samba. "Do Cóccix Até o Pescoço" a levou para um território que já testou muito em shows, mas que nunca pôde exercer plenamente em disco. A excentricidade do disco se deu em torno dos variados gêneros musicais experimentados e gravados por ela. O disco nos proporciona passagens por releituras musicais variadas e busca novas versões para as composições. É por isso que o samba-soul de Jorge Ben Jor, em "Hoje É Dia de Festa", ganha cores totalizantes e com naipes funk de metais. A música "Haiti", de Caetano e Gil, volta convertida em rap carnudo adornado por pandeiro de Marcos Suzano e surdos virados de Carlinhos Brown. Mas, logo na sequência, o choro fundador de Ernesto Nazareth vem interromper o fluxo, e "Bambino" de José Miguel Wisnik relembra que o samba ancestral também é samba moderno. “[...] A música já me levou a lugares que eu jamais pensei em ir um dia em minha vida. Através da minha música eu vou em cantos, recantos, sonhos e... isso a música [...]”. Na tradição, também Elza vai buscar o vínculo entre a música popular, a literatura e o canto capaz de emocionar o mais frio dos mortais, o que enrijece "Flores Horizontais". Em uma redefinição de "Dor de Cotovelo", Elza interpreta com dor e abusa do grave em sua voz. Chico Buarque presenteia Elza com a canção "Dura na Queda", música inspirada na própria cantora e que traz o mais realista retrato de Elza em si ("perdida na avenida/ canta seu enredo/ fora do Carnaval/ perdeu a saia/ perdeu emprego/ desfila natural"). O chorinho “Fadas”, de , perde a sua delicadeza e se recria em forma de tango. E ainda nesse álbum, Elza começa a se posicionar política e socialmente no meio massivo, cantando seu protesto sobre o racismo no soul carioca "A Carne" e no rap sincopado "Todo Dia", com o grupo Nós do Morro, da favela carioca do Vidigal. “Do cóccix ao pescoço” foi aclamado pelo público e pela crítica como o melhor CD do ano de 2002.

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Elza é detentora de uma personalidade e um domínio musical transcendentes. Mesmo após mais de sessenta anos de carreira, ela continua atual, comunicativa e expressiva, com gestuais fortes e carregados de emoção, que são visíveis em suas apresentações, registradas desde o início de sua carreira. “[...] Como é que voz tem cor? Eu nunca tinha visto isso se é amarela, se é verde, mas a minha é verde e amarela.” A voz da Elza não é uma idiossincrasia numa interpretação singular; é um traço estilístico marcante, principalmente entre intérpretes de samba (Diniz, 2003). Ou seja, a voz mais do que um gesto de estilo individual, é uma característica cultural mais ampla. Visando uma leitura histórico-social sobre Elza, é possível identificar diversos posicionamentos da cantora em função da construção da sua identidade e inferir as formas pelas quais essas informações são decodificadas. Faz-se necessário observar as mudanças conceituais e ideológicas ocorridas a partir da década de 60 para compreender o sujeito que hoje se apresenta. A identidade de Elza Soares, por todas essas décadas, vem sendo definida pelo seu papel social, por sua música e por suas características vocais que são o reflexo do seu aspecto emocional, o que marca a sua relação com o outro. Esta relação com o outro propõe significações por se tratar de uma cantora de visibilidade e que se projetou no mercado. Ao se trazer essas questões para o âmbito público, questionou-se a necessidade de se trazer uma nova visão em relação aos aspectos sociais, culturais e de gênero em relação à Elza Soares, conscientizando para o fato de que as relações interpessoais têm um componente hierárquico. O caráter político da década de 60 abre espaço para que movimentos minoritários saíssem do isolamento e rompessem o silêncio (Carvalho, 2014). Assim, pode-se dizer que Elza também se organizou, mesmo que de forma inconsciente, em torno de suas peculiaridades, sua voz e sua raça negra, para buscar soluções que minimizassem ou excluíssem as desigualdades sociais que ela sofrera (Castro, 1995 e Louzeiro, 2010). “[...] Não... Talvez fosse lágrimas, sorriso, incerteza, busca, acreditar, conseguir e vencedora. Essa é a minha voz!”

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Dentro dessa perspectiva, Piccolo (2006), define Elza como amor, estética, gozo, prazer, participação e, principalmente, vida. Ela é a manifestação de possibilidades infinitas da indeterminação humana. A maneira do aprendizado de música por Elza Soares é, na grande maioria, auditiva. Ela aprende o repertório por meio de gravações e não por partitura. Estas, muitas vezes, não existem. Isto proporciona uma grande liberdade interpretativa. No documentário Elza Soares, My name is now (2014), a cantora relata como é o trabalho de criação das suas interpretações, o estudo minucioso que faz, a importância que dá aos textos das canções para a criação de sua performance: “Eu, pessoalmente, acredito que a técnica precisa estar a serviço da interpretação. Quando estou no palco, meu envolvimento é com o que a música diz, com a emoção, a sinceridade do que estou cantando, sem preocupações técnicas” (Elza Soares, 2015)30. Por meio da constante presença em shows diversos, observou-se um grande despreparo de muitos cantores atuais, no que diz respeito à performance. Interpretações equivocadas, exageradas, sem consistência, sem preocupação com o que se está cantando, são muito comuns, dando a impressão de que estes cantores consideram a beleza da voz como bastante, ou que interpretar significa fazer uso de gestos. Domínio do canto, cultura, musicalidade e carisma são atributos necessários a um artista. “A voz da negritude”, “A voz do samba”, “A voz de Elza Soares” emerge, portanto, do cruzamento de características voco-fisiológicas específicas de uma cantora, e condições sociais, históricas, políticas e culturais de diferentes coletividades em contato íntimo, condições essas que ordenam práticas discursivas modeladoras e tensionadoras de formas de subjetividade e de relações sociais e econômicas em nosso país.

30 Elza Soares, my name is now. [filme]. Rio de Janeiro, Brasil: It Filmes; 2014. Cor e P&B/Color and B&W DCP 71'. Direção: Elizabete Martins Campos. Produção: Elizabete Martins Campos. 54

4.5. CONCLUSÃO

A história da MPB permite incorporações de gêneros musicais e estilos de interpretação pessoal, únicos, cultivando a personalidade de seu intérprete, e é, nesse contexto, que se insere a história de Elza Soares que, ao longo dos últimos 57 anos, nos oferece características vocais únicas e constrói seu próprio “produto cultural”. A menina que passou fome, carregou lata d´água na cabeça, foi obrigada a casar aos 12 anos de idade por seu pai e que vivia em meio a tantas dificuldades, cultivava um prazer: cantar. Ao cantar “Lama”, de Paulo Marques e Alice Chaves, no programa de calouros do Ary Barroso, obteve a nota máxima e o prêmio principal do programa, além dos elogios do Ary. Por trás da sua aparência metafórica, se esconde a história de uma mulher real, que lutou – e continua lutando – com sua maior arma, sua voz particular, idiossincrática, para romper o silêncio, o esquecimento e a indiferença que a vida em sociedade impõe. Na análise do discurso segundo Bardin, percebe-se que Elza Soares mantém, desde a sua infância, uma relação muito próxima com a música. Ela sempre gostou de cantar, mas a sua primeira aparição no programa de calouros do Ary Barroso, não se deveu ao seu prazer pelo canto ou mesmo por sua bela voz. Se deu pelas dificuldades financeiras e de saúde que ela e a família enfrentavam. Naquele programa, Elza cantou para matar a fome e comprar remédios para seus filhos. Segundo a análise de Bardin, conclui-se que, para Elza, a voz não é o elemento principal para o seu canto. Elza justifica muito mais o fato de ser cantora por seu protagonismo: a mulher guerreira, à frente do seu tempo, o sustento de toda uma estrutura familiar. Depois, sim, vem a sua voz, como elemento que complementa a mulher Elza Soares. A grande habilidade de Elza Soares é a sua capacidade de metamorfosear a música e torná-la uma experiência sua. Ao cantar, transforma as canções em sua

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forma mais particular de viver a música: se a voz, junto com o corpo e a emoção eram validados no momento de sua performance no palco, o protagonista não pode ser tão somente a sua voz.

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5. ESTUDO 2

CARACTERÍSTICAS DA VOZ CANTADA DE ELZA SOARES EM CANÇÕES DE DESTAQUE EM SUA CARREIRA

5.1. INTRODUÇÃO

Ao realizar, no estudo 1, o mapeamento dos recursos sonoros do estilo interpretativo de Elza Soares ao longo de sua carreira, abriu-se um espaço para destacar, em determinadas canções, a voz de Elza. O estilo de canto de Elza Soares, desde a gravação de “Se acaso você chegasse”, em 1960, é único, pessoal e com qualquer referência que possa existir, ele se basta nela, exclusivamente. Sua estética sempre foi única e madura, e continuou, ao longo da carreira, sendo inédita, surpreendendo “Do cóccix até o pescoço” até chegar onde nenhuma outra cantora chegou na “Mulher do fim do mundo” (Soledade, 2017). A construção da interpretação vocal da cantora Elza Soares, para Piccolo (2006), foi elaborada/baseada e referenciada por cantores de rádio da década de 50, como Dalva de Oliveira e Orlando Silva, cantores que apareceram na entrevista realizada para esta tese, além de Ângela Maria e Sílvio Caldas, como referências musicais e vocais. Embora, ao ouvir essas vozes, de fato, nenhuma delas nos remeta a voz da Elza Soares. Na realidade, as referências nem sempre são proximidades estéticas visíveis, muitas vezes estão presentes de uma maneira não tão evidente (Machado, 2012). Nessa mesma entrevista, ao ser questionada sobre: “Que tipo de música você escutava na sua infância/adolescência?” Elza respondeu: “[...] Música que se tocava nas rádios e que era audiência de todo mundo e depois eu comecei a ser influenciada por Orlando Silva, o cantor das multidões. Esse sim foi o verdadeiro cantor das multidões.” A questão da influência começa na sua infância e, provavelmente, influenciaram o estilo de cantar de Elza Soares, o que culminou em um caminho interpretativo ligado à tradição oral (Zimmer et al., 2012, Machado, 2012).

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Elza teve a influência de cantores nacionais e internacionais para a construção da sua voz, sem nunca perder sua autonomia e identidade. Elza consegue, ao longo de toda sua carreira, uma personalidade vocal. Ao ser perguntada sobre preferência musical, ela relata: “Não. Eu gosto de cantar todos. Eu sou fanática pelo Chet Baker, eu sou fanática pela Billie Holiday. Eu tive a felicidade de substituir a Ella Fitsgerald. Então, se eu disser para você qual é o gênero de música que eu gosto de cantar eu estou mentindo. Eu não sei qual. Canto todos! Não sei se feliz ou infelizmente, talvez se eu cantasse um só seria mais definido, mas eu ainda não tenho uma definição do que eu gosto de cantar.” Nesse relato há dois aspectos que merecem destaque: o tipo de influência a que Elza se refere e a questão do gênero musical. Sobre a influência musical, os pesquisadores Elme e Fernandes (2014) realizaram uma análise sobre a influência da música estrangeira em nosso território e de como essa contribuiu para ampliar as possibilidades interpretativas com a incorporação de novos elementos sonoros. Para os autores, a utilização da voz por meio de intérpretes com gestos vocais personalizados iniciou-se no século XX e é um fator de diferenciação estilístico entre os cantores de música popular. Não sabemos se de fato a aspereza da voz da Billie Holiday ou o uso das pregas vestibulares de Louis Armstrong podem ter influenciado a cantora Elza Soares, mas sabemos sim que existe uma escuta que se mostrou reveladora. Andrada e Silva et al. (2011) salientam que, para o fonoaudiólogo e professor de canto, é essencial que o cantor defina seu gênero musical, possibilitando assim uma atuação mais direcionada. No caso da cantora Elza Soares isso não nos parece que foi uma questão, uma vez que ela nunca procurou nenhum desses dois profissionais e não precisou de fato definir seu gênero musical. Diante da diversidade de gêneros musicais e estilos vocais, é possível notarmos as influências que as transformações culturais exercem sobre a voz original de Elza, de sua interpretação única e de sua identidade sonora (Machado, 2012). No início da sua carreira, Elza tinha pouco acesso a música estrangeira, mas muito se fala sobre a sua semelhança vocal com a voz do cantor Louis Armstrong. A vibração das pregas ariepiglóticas da cantora, muito se assemelhava a voz gutural de Armstrong. Elza chegou a ser chamada da filha brasileira de Armstrong. Em

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entrevista para a tese Elza relatou: “[...] É por que nós nos encontramos numa época e ele fazia (nesse momento ela imita o Louis Armstrong cantando) e eu achava que o Louis Armstrong me imitava. Eu falava: “olha como ele me imita.” Mas quando ele falou (Elza imita o jeito do Louis Armstrong falar), eu disse “Nossa, até falando ele me imita!”. Então muito me honra ser o Louis Armstrong de saias. Muito me honra por ter aprendido a chamar ele de my father [...]”. Por apresentar essa diversidade de gênero e estilo vocal, o seu reconhecimento não é unânime. Não são todas as pessoas que gostam da voz da Elza. É uma voz que para alguns causa estranhamento, incômodo. Os ruídos dessa voz despertam sensações perturbadoras. Elza é considerada por alguns grupos como péssima cantora, porém o reconhecimento internacional de suas músicas e sua autenticidade construiu sua própria persona, traçando uma relação de reciprocidade entre ela e seu público (Tatit, 2014). O surgimento de Elza Soares no meio fonográfico na década de 1960, contrariava, até então, os cantores que se apresentavam com toda a nitidez vocal que se exigia naquele período com um certo grau de padronização e livre de ruídos sonoros (Machado, 2012). Elza trouxe o caminho da diversidade da voz e se utilizou de várias características sonoras como drive, scat, aspereza e rouquidão para imprimir a sua personalidade no canto (Soledade, 2017). Mello et al (2013) investigaram sobre a opinião de cantores líricos em relação à expressividade na performance operística e inferiram que a expressividade do cantor lírico diz respeito à emoção, à técnica e à habilidade do cantor de se entregar ao personagem e ao público, e isso se conquista com anos de experiência na profissão. Andrada e Silva et al (2011) destacaram características na expressividade artística de um cantor, sob o olhar do fonoaudiólogo: gostar da sua própria voz e de cantar, trabalhar com um repertório da sua própria escolha, conhecer o sentido da letra na canção, ter uma correta emissão, dominar as técnicas de respiração, conhecer o tom, a melodia, a harmonia, ter percepção do gesto corporal no canto, ter saúde vocal, boa relação com os músicos instrumentistas, sentir-se confortável ao cantar e cantar com o coração e com a alma.

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Além dos aspectos que possam ser considerados por muitos como alterações da voz, faz-se necessário compreender as demandas específicas, as condições adversas e o variado estilo musical da cantora, pois cada gênero musical possui características próprias (Gonsalves et al., 2010). O canto popular tem notoriedade no levantamento das últimas pesquisas na Fonoaudiologia sobre voz cantada entre 2008 a 2012 (Andrada e Silva et al. 2013). Atualmente, o cantor é o segundo profissional da voz mais estudado pelo fonoaudiólogo; o primeiro continua sendo o professor. Ao considerar que o objeto principal do fonoaudiólogo é a voz falada, fica evidente que o cantor popular, pela proximidade, seria o primeiro a fazer parte de seu interesse de estudo, uma vez que para atendê-lo o conhecimento básico musical é suficiente. O objetivo da pesquisa de Escamez et al. (2017) foi comparar as características acústicas de um grupo de cantoras eruditas e outro de cantoras populares ao cantar a canção “Melodia Sentimental” de Villa Lobos. Como resultados, verificou-se que as cantoras populares apresentaram maior tempo de vozeamento. Isso demonstra que o tempo de coaptação das pregas vocais é maior nas cantoras populares do que nas eruditas. Vale destacar que ajustes e distorções vocais só são possíveis de serem realizadas no canto popular em decorrência da liberdade de tonalidade desse gênero musical. A pesquisa de Loiola-Barreiro e Andrada e Silva (2016) comparou o índice de desvantagem vocal (IDV) em cantores populares e eruditos profissionais de acordo com gênero, idade, tempo de atuação profissional e presença ou ausência de queixa vocal autorreferida. Como resultado, constatou-se maior ocorrência de queixa vocal nos cantores populares, assim como o escore do IDV teve valores maiores quando comparados aos eruditos. No estudo de Behlau et al. (2014) a análise perceptivo-auditiva permeou a pesquisa. Trata-se de um relato de caso de três profissionais da voz cantada: uma cantora e atriz de teatro musical brasileiro, um cantor sertanejo e um cantor de roque. Os três pacientes estavam em processo de terapia fonoaudiológica, sendo uma das etapas o desenvolvimento de um programa de condicionamento vocal. Os resultados mostraram que os três aderiram bem ao condicionamento, com maior

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flexibilização de trato vocal, estabilidade da emissão no canto, ampliação da tessitura vocal, maior precisão articulatória e redução da constrição. Os autores falam ainda que a produção da voz cantada necessita de estruturas anatômicas semelhantes a voz falada, pois no canto popular muitos ajustes fonatórios se aproximam dos da fala (Andrada e Silva e Duprat, 2014, Escamez et al. 2017). porém estas sofrem adaptações em seu funcionamento. As características existentes na voz cantada podem ser decorrentes de padrão vocal que tenha relação com a escolha do estilo musical do cantor. Goulart et al. (2012) verificaram os benefícios de um programa de aperfeiçoamento vocal em grupo para cantores populares que foram avaliados em relação a: ressonância, articulação, projeção, pitch, loudness, tempo máximo de fonação e relação s/z. Resultados: a intervenção fonoaudiológica em grupo para cantores populares é positiva no que se refere à percepção do indivíduo sobre sua produção vocal. Os tempos máximos de fonação e a relação s/z não apresentaram diferença entre os grupos. É o caráter artístico do trabalho o que explica a especificidade de algumas músicas proporcionarem elementos sonoros tão variados. Isso implica na adoção de uma noção não apenas ampliada do sentimento artístico quando tem que interpretar uma determinada canção, mas também na dinâmica cultural e social que faz com que o cantor se mostre, se posicione diante do público. Na pesquisa de campo de Smith (2017), cerca de 35 profissionais da voz cantada foram entrevistados, e foi feita uma comparação do bem-estar físico e emocional antes e depois desse grupo praticar o canto. Como resultado, observou- se que toda a forma de cantar se reflete no canto saudável, possibilitando que este prospere durante toda a vida do indivíduo, sendo possível fazer experimentos como o canto coral, por exemplo. Esse cantor vai promover a sua identidade musical a partir da entoação, da exploração das alturas e da incidência de contornos melódicos. Nessa perspectiva, os autores (Latorre, 2002; Diniz, 2003) apontam que a voz cantada é a atitude de representação do cantor como elemento que compõe a música, o que traz uma interpretação única. Sendo assim, a conjunção do estudo da palavra com o canto (Herbst, 2016) se revela como um dos elementos que compõe

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a performance do cantor. Até mesmo para funcionar como um “sinal de identidade” em seu meio profissional. O uso da voz visa reconhecimento em seu ambiente de trabalho e pode ter relação com o sentimento de importância em executar a sua profissão. A revisão de literatura de Nascimento (2016) objetiva possibilitar um entendimento das particularidades desse tipo de canto, mostrando a versatilidade vocal do cantor crossover ao transitar por vários estilos oriundos de outras culturas. Foram feitas entrevistas com profissionais que atuam hoje no mercado como cantores e professores crossover. Constatou-se através das referidas entrevistas a percepção que esses profissionais conseguem ao desenvolver uma voz flexível e versátil através do domínio e conhecimento do seu aparato vocal. A expressividade da voz de Elza Soares está amparada pelo uso de recursos como a variação da curva melódica, modificações da velocidade e da intensidade sonora, pausas e ênfases e também por sua emoção no momento de cantar (Mello et al. 2013). A elaboração e fruto de suas peculiaridades vocais são reflexos do seu meio cultural, social e familiar (Nascimento, 2016). Essas são características que permeiam o trabalho vocal de Elza Soares construído ao longo das décadas.

5.2. OBJETIVO

Analisar as características vocais da cantora Elza Soares em cinco canções significativas ao longo de sua carreira.

5.3. MÉTODO

Foi pesquisada e selecionada toda a discografia da Elza Soares, desde o seu primeiro CD “Se acaso você chegasse”, de 1960, até o seu último CD “A mulher do fim do mundo”, de 2015. As músicas foram selecionadas de acordo com os seguintes critérios: apresentarem-se no idioma português, serem as de maior sucesso segundo pesquisa na internet (Rolling Stone Brasil – Edição 105-2015

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http://rollingstone.uol.com.br/video/huaska-e-elza-soares-samba-de-preto/?page=14) e site da cantora (www.elzasoaresoficial.com.br), consulta ao fã club oficial da cantora (http://faclubelzasoares.wixsite.com/amulherdofimdomundo), as mais gravadas e regravadas ao longo da sua carreira (Programa Memória Roda Viva exibido em 02 de setembro de 2002, http://www.rodaviva.fapesp.br/materia/74/entrevistados/elza_soares_2002.htm). A tese é acompanhada de um CD com as respectivas canções. A amostra foi finalizada com:

1- “Se acaso você chegasse” (Lupicínio Rodrigues e Felisberto Martins), gravação em 1960, CD “Se acaso você chegasse”, Elza com 23 anos de idade.

2- “Malandro” (Jorge Aragão e Jotabê), gravação em 1976, CD “Eu sou o samba”, Elza com 39 anos de idade.

3- “A carne” (, Marcelo Yuca, Wilson Capellette), gravação em 2002, CD “Do cóccix até o pescoço”, Elza com 65 anos de idade.

4- “Opinião” (Zé Keti), gravação em 2003, CD “Vivo Feliz", Elza com 66 anos de idade.

5- “Maria da Vila Matilde” (Douglas Germano), gravação em 2015, CD “A mulher do fim do mundo”, Elza com 78 anos de idade.

Vale salientar que, na seleção dessas canções, tivemos músicas das décadas de 1960 (“Se acaso você chegasse”), 1970 (“Malandro”), 2000 (“A carne” e “Opinião”) e 2010 (“Maria da Vila Matilde”), tendo ficado de fora as décadas de 1980 e 1990. A não escolha de canções das referidas décadas se deu por ser esse um período de desaparecimento da cantora do mercado fonográfico e também de shows. No início dos anos 1980, Elza Soares resolveu parar de cantar. Tinha um filho doente em casa e decidiu trocar os concertos, cada vez mais escassos e mal pagos, por um trabalho que lhe desse alguma estabilidade (Louzeiro, 2010). Nessa época, segundo relatos, Caetano Veloso teria dito que era como se Elza estivesse desaparecendo do cenário brasileiro. Pouco depois, em 1984, Caetano a convida

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para fazer dueto em “Língua” (Caetano Veloso, 1984), canção incluída no álbum “Velô”. Em 1986, com a perda do seu caçula, Elza resolve ir embora do Brasil e o seu retorno ao nosso país só se dá em 1995. Durante essas duas décadas Elza Soares gravou alguns discos inéditos, porém esses não tiveram nenhum sucesso de público e nem de crítica na época. Portanto, entre 1980 a 1999 não tivemos músicas de destaque no repertório da cantora.

5.3.1. AVALIAÇÃO PERCEPTIVO-AUDITIVA

Para a análise perceptivo-auditiva da voz foram considerados os seguintes parâmetros vocais, descritos e qualificados no protocolo de avaliação perceptivo- auditiva da voz cantada, baseado em Andrada e Silva, 2001 (Anexo 4): coordenação pneufonoarticulatória, pitch, loudness (Sielska-Badurek et al., 2017; Sundberg, 2017; Pinho, 2003), articulação, ataque vocal, ressonância, registro vocal, brilho, projeção, vibrato, tessitura da voz e qualidade vocal. A análise das músicas foi realizada perceptivo-auditivamente com a gravação em áudio, com o qual foi confeccionado um compact disc com as cinco faixas previamente escolhidas, em estúdio profissional, a partir dos CDs com as músicas originais e remasterizadas. Participaram dessa etapa dez juízes: cinco fonoaudiólogos especialistas em voz, com experiência na área de voz cantada, e cinco professores de canto popular, com mais de cinco anos de experiência. Cada juiz analisou as amostras individualmente, conforme protocolo elaborado para esse estudo. Eles utilizaram esse protocolo e fizeram a análise dos traços de qualidade vocal das músicas. As gravações das músicas no CD seguiram uma ordem aleatória para não influenciar os fatores cronológicos das canções. Cabe ressaltar que os CDs editados não foram submetidos a qualquer tipo de tratamento acústico em estúdio para não interferir no resultado da pesquisa.

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5.4. RESULTADOS

Quadro 1 - Análise perceptivo-auditiva da voz da cantora Elza Soares em cinco canções, segundo o consenso de um grupo de fonoaudiólogos e professores de canto.

1960 1976 2002 2003 2015 Parâmetros Se acaso você Maria da Vila vocais Malandro A carne Opinião chegasse Matilde

CPFA Coordenada Coordenada Coordenada Coordenada Coordenada

Pitch Médio para grave Médio para agudo Médio para agudo Médio para agudo Médio para grave Adequado para Loudness Adequado Adequado Adequado Adequado forte Articulação Precisa Precisa Precisa Precisa Precisa Ataque vocal Duro Suave Duro/brusco Duro Duro Laringo-faríngea Laringo-faringea Laringo-faringea Laringo-faringea Ressonância com foco nasal Equilibrada com foco nasal com foco nasal com foco nasal compensatório discreto discreto discreto Misto, com Registro vocal Peito predomínio da Peito Peito Peito cabeça Brilho Não Não Não Não Não Projeção Não Sim Não Não Não Vibrato Não Não Não Não Não Tessitura Média Ampla Restrita Restrita Restrita

Com discreta Discreta Discreta tensão nos Discreta Tensa e rugosa Qualidade vocal soprosidade e soprosidade e momentos de soprosidade moderada rugosidade rugosidade agudização. Ela utiliza um Nesse samba- Aqui muda o Aqui se trata de O gênero da recurso que parece canção a gênero musical, a uma canção pop, canção é difícil um fry com interpretação é versão é um rap, bem dançável, com definir. Tem muita vibração da região bem suave, os com vários trechos base eletrônica. A guitarra, em alguns ariepiglótica. Isso agudos estão mais falados. Ela utiliza versão é muito momentos, parece acontece quase em presentes e a muito a vibração falada, com um rock e, em duetos com os dinâmica se ariepiglótica. soprosidade e outros, um pop. instrumentos de destaca na registro de apito. Tem bastante uso sopro. O arranjo de agudização. Ela de voz falada e Interpretação samba é canta com backing muita dinâmica de (o que mais sincopado. vocal. intensidade. chamou atenção)

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5.5. DISCUSSÃO

Ao escolher como tema a cantora Elza Soares, deparei-me com críticas de alguns profissionais da Fonoaudiologia por eu ter direcionado a pesquisa para a estética e a performance vocal da cantora e por optar por não destacar as alterações vocais dela. Segundo Andrada e Silva e Duprat (2014), em voz cantada não existe certo ou errado. Muitas vezes, uma alteração vocal como uma soprosidade pode fazer parte do gênero musical, como é o caso, por exemplo, da bossa nova. A cabeça do fonoaudiólogo precisa pensar na qualidade vocal de acordo com o gênero musica,l e não que a voz precisa ser neutra. Isso, no caso do cantor lírico, é essencial, mas não no caso de outros gêneros musicais como o samba, o rock. O fonoaudiólogo precisa criar um outro olhar para compreender a voz do artista cantor e não ficar focado apenas na disfonia. Aprendemos durante a formação de fonoaudiólogo que a produção correta da voz é uma voz limpa. Isso se aplica na voz falada, mas não no canto (Andrada e Silva et al, 2011). O fazer fonoaudiológico junto ao paciente cantor tem que ser repensado, reestruturado e resignificado. Na atuação fonoaudiológica com os cantores, temos que perceber que nem todos os conceitos utilizados com a voz falada são apropriados. Uma qualidade vocal alterada pode estar diretamente relacionada ao gênero musical e à interpretação e estilo artístico do cantor. Além disso, esses aspectos vocais vão além da relação que o cantor tem com sua própria voz (Mello et al, 2015; Andrada e Silva, Duprat, 2010). No estudo científico da voz é comum se voltar para os aspectos anatômicos e fisiológicos da produção vocal chamada normal, porém, existem outras possibilidades de uso da voz, como o percurso profissional da cantora Elza Soares. Trata-se da subjetividade que existe nesse padrão vocal e recebe influências psicoemocionais e de sua própria identidade vocal que devem ser observados numa perspectiva expressiva única. Desde a gravação do seu primeiro disco “Se acaso você chegasse”, em 1960, aspectos de rouquidão, soprosidade e falhas na voz já chamavam atenção. Isso nos mostra que existem vários outros elementos que necessitam ser considerados na análise e na compreensão de uma expressão vocal como essa. 66

A performance de Elza se define pelo uso extremamente singular de seu material vocal, através da ampla utilização de ruídos, que, por sua vez, são característicos do blues e do jazz, ou seja, da própria tradição da música negra, mas que encontram na voz dela inúmeros registros em sua interpretação (Machado, 2012). A vocalidade no canto de Elza Soares não traz apenas as marcas da vivência pessoal e individual, traz o que a torna singular na própria materialidade do timbre, na qualidade do som que se ouve e que a torna única (Soledade, 2017). Existe a necessidade de que o canto reflita as atitudes do cantor com exigências vocais que impliquem em tensões e constrições laríngeas, resultando em uma qualidade vocal que pode ser intensamente desviada, áspera, rouca, tensa ou comprimida (Drumond et al., 2011), marcada pelos excessos na produção dos sons e com valores sonoros estéticos. Elza Soares se apresenta com ruídos em sua voz por uma opção estética. Assim, seu timbre pode variar conforme o que ela deseja executar em seu aparelho fonador, e relacionar-se com elementos constituintes da canção, aspectos como melodia, ritmo, articulação e expressividade, já que tal característica estética ora é acentuada e ora é atenuada pela cantora em suas interpretações (Wisnik, 2011, Solidade, 2017). Elza, intuitivamente, delineava-se com um maior rigor quanto à afinação, à realização do fraseado, à consciência timbrística e à capacidade expressiva, ainda em um caminho mais próximo da música falada, e que traz em seu canto um gênero híbrido, onde essa sonoridade antagônica ajuda a delinear um estado emotivo, uma expressividade em consonância com os elementos da canção (Tatit, 2014). Elza Soares tece um elo com o ouvinte a partir de elementos de sedução amorosa, podendo ser considerado marco de uma nova expressividade cênico-vocal (Briguente e Apro, 2017). Portanto, a expressividade é um aspecto que rege a comunicação na voz cantada e está amparada pelos recursos rítmicos, de intensidade e melodia (Wisnik, 2011). Elza faz uso da voz a serviço de uma expressão dramática e ignora qualquer tipo de comportamento vocal preestabelecido, e não aceita nenhum dos inúmeros

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rótulos que a indústria fonográfica e a própria crítica quiseram lhe impingir. Acerca dessa particularidade, Matos (2004) afirma que

A relação de uma forma artística com seu passado se manifesta e se impõe em qualquer contexto. Mas nas culturas de tradição oral, ela resulta em releituras e reatualizações de vocação ou atitude mais parafrástica, gerando padrões estético-ideológicos mais estáveis e tendendo à manutenção da tradição, à reiteração do patrimônio poético que é preciso conservar. Já para a canção popular fonografada e mediatizada, a aparelhagem técnica encarrega-se de preservar a voz do passado e mantê-la disponível; então o artista e o intérprete estão livres para reinventar a poesia (Matos, p. 89, 2004).

Fadel et al. (2015) observou que ajustes glóticos e supraglóticos combinados às características anatômicas do indivíduo são responsáveis pela caracterização de uma qualidade vocal. Privilegiam-se alguns dentre os muitos aspectos da performance vocal relacionados ao desenvolvimento do canto de Elza Soares. Entre eles, a utilização do scat e a produção sonora do seu canto com o apoio da região ariepiglótica. Zumthor (2007, p.64) observa que a voz falada utiliza pequena parte dos recursos vocais. Neste sentido, Tatit (2014, p.48) comenta que a voz que canta tende a valorizar a maneira de dizer. Passível de muitas variações, combinações e ajustes, a voz culmina no canto, arte na qual ela pode explorar as suas potencialidades. A cantora Elza Soares teve passagens por programas de auditório e por uma orquestra de baile, foi descoberta por Aloysio de Oliveira que a levou para gravar na Odeon, em 1959.

Atuando nessa empresa pelos seguintes quinze anos, viveu uma fase de ouro de sua carreira, quando, com sua personalíssima voz rouca e um senso rítmico de inigualável precisão, consagrou-se como uma das mais originais e competentes cantoras de samba de todos os tempos (Severiano, 2009, p.417).

Na construção de seu estilo, Elza incorporou o growl, efeito típico do jazz:

A impressão para o ouvinte é de uma voz rascante (Araújo; Fuks, 2001, p. 281) e está sendo usada muita pressão de ar para sua produção. Seu mecanismo de produção envolve vibrações regulares das pregas vocais em co-oscilação com estruturas supraglóticas, particularmente o ligamento ariepiglótico, cartilagens aritenóide e epiglote e mesmo das mucosas da faringe (Sakakibara et al., 2004). As aritenóides são tensas contra a epiglote e entram em vibração durante a fonação, perturbando a voz modal. Na 68

análise acústica realizada por Araújo e Fuks (2001) em dois exemplos com growl, foi identificada a presença de subarmônicos “indicando que neste efeito as estruturas supraglóticas da epiglote e aritenóide vibram em alguns casos de forma regular” (Piccolo, 2006, p.93).

Elza Soares carrega na voz a sua história de vida, com heranças familiares, afetivas e socioculturais que se refletem fortemente no seu modo de cantar e na sua performance. Em um trecho da entrevista, perguntei a Elza sobre o fato de ela ser uma mulher resiliente, que se refletiu em toda a sua história de vida, dificuldades, preconceitos e violência. E ela respondeu: “[...] Sim, eu me considero isso. Eu acho que esse meu desejo de viver, essa raça que eu carrego de vida, essa coragem que eu tenho eu devo a música, “né”? Ela me mostrou quanto eu seria capaz de ultrapassar barreiras e limites e pedras e aguaceiros, enfim... a música. [...]”. Elza Soares possui total domínio sobre sua voz, com controle e flexibilidade que a permitem variar a intensidade, a velocidade, do grave para o agudo em seus ajustes vocais. Essa voz única se caracteriza como a sua identidade vocal. Ao coordenar sua articulação rítmica, ela passou a alterar significativamente os tempos musicais, extraindo sentido das canções com seu gesto interpretativo (Solidade, 2017). Elza tem como característica a flexibilidade rítmica e melódica, através da qual a voz se liberta da regularidade musical para estabelecer o gesto da fala. Apesar da valorização da emissão coloquial, deflagrada pela bossa nova nos anos 1960, podemos supor que a longevidade desse seu canto que é tão propenso a transformações, foi possível porque Elza Soares não se prendeu a padrões rígidos. Ela permitiu que seus gestos interpretativos moldassem, juntamente com a sua voz, a sua interpretação. Já o controle sobre a dinâmica permite atenuar acentos musicais que contrariem o acento tônico da palavra, ressaltando os corretos, ainda que estes estejam nos tempos fracos, provocando um “balanço” típico da música brasileira (Solidade, 2017). Segundo Sundberg (2015, p. 210), “os elementos expressivos do canto podem ser provenientes tanto da emoção sugerida pelo conteúdo do texto quanto pela própria estrutura musical”. Dentre os aspectos que trazem a expressividade na voz cantada está o uso do gesto por parte do intérprete, e este comporta um agente determinante na transmissão da emoção na relação do cantor com o público.

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Em sua discografia consta 121 álbuns entre long plays, compactos simples, compactos duplos, compact discs e participações em álbuns de vários cantores, coletâneas, Song books, em trilhas sonoras de filmes, novelas e minisséries. Foram cerca de 500 músicas ouvidas ao longo desses quatro anos de doutoramento. Para uma escuta mais precisa, selecionamos as músicas por décadas, em um processo de detalhamento no qual se investigou a música, a voz e a obra da cantora. Cabe ressaltar que a escolha das músicas que compõem o repertório da artista se deu mais pelas características vocais da cantora, bem como as músicas mais tocadas e de maior preferência popular. Dessa maneira, descartou-se um repertório que obedecesse a cronologia das suas canções ou mesmo por décadas. A partir do exposto, passaremos para a exposição dos achados da análise perceptivo-auditiva. Optou-se por discutir os parâmetros de forma correlacionada sobre as respostas dos juízes avaliadores. Para cada parâmetro analisado, consideramos as respostas atribuídas e traçamos elementos comparativos, onde ocorreu, entre os juízes, o maior número de respostas, em comum, durante a audição das gravações. No quadro 1 na avaliação perceptiva auditiva da voz nas cinco canções todos os juízes consideraram a coordenação pneumofonoarticulatória presente. Isso provavelmente ocorre pelo domínio que a Elza tem dos gêneros musicais e seu bom uso da respiração e do corpo. O fato da cantora nunca ter sido tabagista pode ter contribuído para esse fator. Em relação ao pitch (quadro 1), mostra-se uma variação de frequência por todas as décadas estudadas; e isso tem relação com a versatilidade vocal, flexibilidade de tessitura. Apesar de ter aparecido como restrita, percebe-se que a cantora tem possibilidade de transitar entre o grave e o agudo, e que nas duas primeiras gravações tivemos uma menor qualidade tecnológica se comparadas as gravações dos anos 2000 e 2015. A cantora variou de médio para grave nas canções relacionadas aos anos de 1960, “Se acaso você chegasse” e 2015, “Maria da Vila Matilde”. O pitch de médio para grave se refletiu nesses dois momentos apenas. Na canção “Se acaso você chegasse”, Elza Soares era uma jovem estreante no

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mercado fonográfico, repleta de influências musicais, tanto das cantoras do rádio como da música norte-americana. Segundo Machado (2012), era comum nas décadas de 1950 e 1960, as cantoras buscarem referências vocais no estilo norte-americano de cantar. Com isso, elas promoviam o abaixamento da tessitura vocal, o que proporcionava um pitch mais grave a voz. Já em 2015 na música “Maria da Vila Matilde”, encontramos uma mulher, que no período da gravação da canção, estava com 78 anos de idade, o que anatômica e fisiologicamente responde essa permanência na frequência do pitch: calcificação das cartilagens laríngeas, atrofia dos músculos laríngeos intrínsecos e redução da espessura da prega vocal (Nemr et al, 2014). Nas canções “Malandro”, “A carne” e “Opinião”, encontramos o pitch médio para agudo, o que pode ter relação com o estilo da canção e o gênero de canto que exige um alto índice de tensão muscular laríngea (Sundberg, 2017). É importante ressaltar que o loudness é proporcionado pela gravação em estúdio e que os cantores populares têm o volume da voz amplificado pelo microfone. Elza Soares tem volume vocal e por esse motivo o seu loudness foi caracterizado como adequado em quatro das cinco canções escolhidas. A voz foi o instrumento privilegiado nos primórdios das técnicas de gravação não apenas por que se fixava com sucesso no sulco do disco, mas por oferecer “o maior número de elementos de identificação ao ouvinte: palavras, acento, sutilezas na articulação, efeitos vocais”, fazendo “com que a alta-fidelidade acústica passasse a ser a grande meta da indústria fonográfica” (Galletta, 2011, p.77-87). A articulação foi classificada como precisa pelos juízes avaliadores, o que significa que se compreende bem as letras das músicas que ela canta e por ser uma cantora popular é importante que a letra da música seja entendida. Desde o início da carreira, Elza Soares apresentou uma dicção clara e precisa. A influência do sambajazz e seu ritmo sincopado, exigia da cantora um estilo mais extrovertido e maior nitidez articulatória (Piccolo, 2006; Machado,2012; Elme, 2015). Os ajustes do canto popular estão próximos aos ajustes da fala (Sundberg, 2017, Andrada e Silva et al., 2015). A emissão é mais natural e visa a compreensão do texto e a criação de uma marca pessoal (Schiller, 2017). A articulação precisa é

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sinal de domínio fonoarticulatório e é importante para a adequada compreensão da palavra. Em ambientes maiores, a associação da articulação à boa projeção é fundamental para o alcance vocal (Zimmer et al, 2012). Observou-se que no último álbum de Elza Soares, “A mulher do fim do mundo”, que a intérprete começou a apresentar pequenas variações articulatórias, que podem advir do estilo interpretativo da cantora, mas não caracterizam uma imprecisão articulatória (Silva et al, 2014). Silva (2011), salienta que a questão da articulação não é só um recurso para beneficiar a definição ou precisão na condução melódica, mas é um fator fundamental para o real entendimento da mensagem musical. Elza apresentou uma variação grande no ataque vocal entre duro, suave e brusco. O ataque vocal se dá na vogal e a vogal é toda a melodia da canção. Como a Elza tem sempre uma interpretação muito marcada e faz variações ao usar as pregas ariepiglóticas e vestibulares, o ataque vocal da cantora aparece de forma variada, o que evoca percepções acerca da letra e da melodia, que demonstram como a estrutura composicional interage com a construção vocal dela. (Wisnik,2011). O ataque vocal foi considerado duro em três canções: “Se acaso você chegasse”, “Opinião” e “Maria da Vila Matilde”, o que indica coerência por conta do estilo musical das canções e está de acordo com a definição de Sousa e Andrada e Silva (2016), quando define o ataque duro como uma variação entre os ataques suave e brusco. Já na música “Malandro” tivemos o ataque suave, onde o início da fonação não fica perceptível e se revela em um samba lamento. Na canção “A carne”, o ataque duro/brusco revela momentos mais agressivos, reflexo de uma canção que fala do racismo e que Elza traduz em sua voz com indignação. Para Sundberg et al. (2013) e Behlau et al. (2014), o tipo de ataque determina as variações expressivas. Quanto à ressonância, ela foi considerada laringo-faríngea em quatro das cinco canções, mudando somente o foco ressonantal. Esse tipo de ressonância tem relação com a voz falada, com o samba e a bossa nova. Na música “Se acaso você chegasse”, a ressonância encontrou-se laringo-faríngea com foco nasal compensatório e nas músicas “A carne”, “Opinião” e “Maria da Vila Matilde, a

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ressonância se apresentou laringo-faríngea com foco nasal discreto e ressonância equilibrada em “Malandro”. Para Andrada e Silva e Duprat (2014) e Goulart et al (2012) no canto pode ocorrer variações ressonantais no decorrer de uma mesma canção e o que vale para uma avaliação perceptivo-auditiva é a ressonância predominante. Com relação a ressonância laringo-faríngea com foco nasal discreto que se destacou em três das cinco músicas, reflete o predomínio ressonantal da região do pescoço, porém com discreta nasalidade. Em “Se acaso você chegasse”, temos uma ressonância laringo- faríngea com foco nasal compensatório. Esse foco está dirigido para o pescoço e ocorre o uso das cavidades do nariz, com sensação de voz mais aguda (Andrada e Silva e Duprat, 2014). Já a ressonância equilibrada que foi destacada na música “Malandro”, demonstrou um som claro e redondo que ocupa todas as cavidades de ressonância. A predominância de uma ressonância laringo-faríngea na cantora, com maior foco na região do pescoço e com variação do foco nasal, é característico do estilo e da forma de cantar de Elza Soares. Outros elementos podem também contribuir com essas características de ressonância, como os ajustes no trato vocal, características anatomofisiológicas, acústica do ambiente e fatores emocionais (Sundberg, 2017; Andrada e Silva e Duprat, 2010). O registro vocal de peito apareceu em quatro das cincos canções elencadas. A música “Malandro” teve a sua classificação como sendo a de registro vocal misto, com predomínio de cabeça. Elza apresentou variações em seu registro vocal com vibração entre o início do pescoço e abaixo do queixo (modal de peito) e com vibração nos seios da face (modal de cabeça) (Cardoso et al, 2017, Sielska-Badurek et al, 2017, Andrada e Silva e Duprat, 2010). O registro vocal de peito apareceu em quatro das cincos canções elencadas. A música “Malandro” teve a sua classificação como sendo a de registro vocal misto, com predomínio de cabeça. Elza apresentou variações em seu registro vocal com vibração modal de peito e com vibração modal de cabeça (Andrada e Silva e Duprat, 2010; Cardoso et al, 2017, Sielska-Badurek et al, 2017).

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O termo registro vocal deriva dos instrumentos musicais. Em relação à voz humana, o registro é considerado um evento laríngeo, que se refere aos diversos modos de emitir os sons da tessitura (Andrada e Silva e Duprat, 2010 e 2014). A predominância do registro de peito nas canções selecionadas da cantora Elza Soares, poderia explicar a sensação de voz falada ressaltada que acompanha estilos musicais que são muito próximos da voz falada, como o samba e a bossa nova. Destaco com relevância a interpretação com registro vocal modal de peito para as músicas “A carne” e “Maria da Vila Matilde”, pois Elza faz uma tomada de consciência em relação à importância de se unir com outros atores sociais que, apesar de suas particularidades, possuem interesses e objetivos em comum e que são imprescindíveis no processo de reversão do poder. O parâmetro vocal brilho foi classificado como ausente em todas as canções escolhidas para a avaliação, pois para Elza apresentar brilho teria que ter um pouco mais de nasalidade e agudo na voz e ter menos ajustes tensões na voz. Segundo Andrada e Silva (2001) a tensão da laringe tem relação com o brilho da voz. Portanto, quando a voz soa escura, normalmente a laringe está em posição mais baixa e quando soa clara a laringe encontra-se em posição mais alta (Loiola, 2013, Andrada e Silva e Duprat, 2010). O brilho na voz, são garantidos, se houver aumento da pressão diafragmática sobre os músculos abdominais, abertura das costelas por ação dos músculos intercostais, alinhamento da postura e de colocação do som na “máscara” (Mello e Ballestero, 2015). Somente a música “Malandro” foi considerada com o parâmetro projeção vocal. Isso pode ser explicado pelo fato de que todo processo de gravação acaba por sofrer algum tipo de variação em sua masterização. Sousa et al (2015), relataram que a voz com ou sem projeção vai depender do gênero musical, da instrumentação, do processo de gravação e da interpretação do cantor. A projeção vocal é um fenômeno que comporta grandes variações; além das consideráveis diferenças de uma pessoa para outra, a voz se apresenta em um mesmo indivíduo sob múltiplos aspectos (Zimmer et al, 2012, Sundberg, 2015). O vibrato foi qualificado ausente de forma unânime pelos juízes avaliadores, pois para se ter o vibrato, não pode ocorrer tensão no trato vocal. Esse ar tem de

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sair em um fluxo constante. Para Sundberg (2015 p. 225) “No canto lírico é comum considerar o vibrato como variações regulares da frequência de fonação; em outros gêneros musicais pode se referir a variações sobretudo na intensidade da fonação”. Em especial, no caso da Elza Soares, a ausência de vibrato tem relação com o estilo da intérprete e com o gênero musical popular. Isso fica evidenciado, principalmente, ao final das notas musicais, e por conta de uma tessitura restrita no qual a cantora traz um “encurtamento” proposital nas frases das músicas. A tessitura foi considerada restrita nas três músicas que conferem as décadas de 2000 e 2010 (“A carne, “Opinião” e “Maria da Vila Matilde”), tessitura média em “Se acaso você chegasse” e ampla na música “Malandro”. A tessitura foi classificada como média em “Se acaso você chegasse”, apresentou uma variação de 7,5 tons com uma extensão vocal que demonstrava a flexibilidade sonora de Elza. Na música “Malandro”, a cantora apresentou uma tessitura ampla que variou entre o grave e o agudo da voz com facilidade entre o alcance das notas mais altas e conforto em notas mais baixas. Já na tessitura restrita, que se projeta nos anos 2000, Elza valoriza o tom grave da voz, com uma tessitura mais baixa que dialoga com essa sua nova fase musical, onde as canções apresentam composições fortes de uma carreira que perpassa por todos os estilos sonoros. No parâmetro qualidade vocal, Andrada e Silva e Duprat (2010 e 2014), afirmaram que em cantores populares a qualidade vocal é influenciada pelas exigências do gênero e pela interpretação do cantor, e isso não significa que ele possua qualidade de voz alterada. Observou-se na música “Se acaso você chegasse” uma voz com qualidade vocal com discreta tensão e sensação de voz comprimida que pode ser decorrente de uma tensão da parede da faringe o que imprime um padrão mais metálico a voz Sundberg,2015). Em “Malandro”, a qualidade vocal apresentou discreta soprosidade durante a voz cantada, aumento discreto da nasalidade e compressão glótica para aumentar a intensidade da voz. Na interpretação da música “A carne”, Elza Soares apresentou qualidade vocal tensa, com ataque vocal brusco. Em “Opinião” e “Maria da Vila Matilde” a qualidade vocal da cantora foi caracterizada com discreta soprosidade e

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rugosidade, discreta instabilidade que se revela na sustentação das notas, que pode ser justificada pela presbifonia e ressonância laringo-faríngea (Aquino et al, 2016). Elza Soares não apresentou em nenhuma das canções avaliadas uma qualidade vocal neutra ou limpa. As canções se apresentaram com tensão, soprosidade e rugosidade, ou seja, em nenhum momento ela está com a voz absolutamente limpa. Ela se utiliza dessas variações entre a soprosidade, rugosidade e tensão de uma maneira intencional na grande maioria de suas canções. Vale ressaltar que a interpretação, o estilo de canto, o repertório, assim como fatores emocionais, idade e sexo podem modificar as características vocais da cantora. Esse parâmetro é conclusivo na avaliação perceptivo-auditiva, salientando que Andrada e Silva e Duprat (2014 e 2010) e Gama et al (2011), ressaltaram que a análise perceptivo-auditiva é uma avaliação subjetiva, um trabalho difícil, principalmente em se tratando de voz cantada, pois outros elementos permeiam esse tipo de avaliação além da voz, como fatores emocionais e estruturais. É importante considerar todos os aspectos vocais em conjunto e desenvolver uma escuta para que ela possa se apurar. Com relação ao que mais chamou a atenção na interpretação, foram destacadas características voltadas à voz como utilização do agudo, recurso do vocal fry e intensidade da voz. Dentre os achados, os elementos relacionados à utilização da voz falada se destacam em três canções: “A carne”, “Opinião” e “Maria da Vila Matilde”. A vibração da região ariepiglótica também tem destaque na avaliação dos juízes, principalmente em “Se acaso você chegasse”, onde a cantora em sua música de estreia, explora os seus recursos timbrísticos e faz a utilização de scats, que fora considerado uma inovação para a época e principalmente por que esse recurso sonoro partia de uma mulher. Os juízes avaliadores perceberam o domínio, mesmo que intuitivo, de Elza quando ela trabalhou com a antecipação das frases musicais, fugindo completamente às regras da música que determinam os tempos fortes e fracos. Em “Malandro”, os juízes destacaram a interpretação mais suave e a presença do pitch agudo.

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Essa conduta vocal “lamentosa” fica evidente em sua interpretação, no qual a cantora e segundo Machado (2017, p. 37), “faz uso de sons anasalados que, pela sua maior duração, denotam movimentos melancólicos, porém ágeis, potencializados pelo uso do estilo jazzístico”. Elza extraiu desse samba o que lhe era central e investiu em parâmetros pouco explorados como a relação contrapontística entre instrumento e voz. Na música “A carne”, os juízes perceberam a mudança de gênero musical e também destacaram a utilização da vibração ariepiglótica que ocorre pois além da vibração das pregas vocais, com o emprego das estruturas supraglóticas, que durante a fonação modal vibram na mesma proporção e período com a participação das aritenóides, epiglote e bandas ventriculares (Behlau et al, 2014). A canção “A Carne” trata-se de um rap e o estilo lançado pela cantora deu impulso ao nascimento de uma nova escola na qual os intérpretes utilizavam suas tessituras mais próximas ao registro da fala, valorizando assim seus timbres naturais. Segundo os juízes, “Opinião” é uma canção pop dançante com uma versão falada e distorções vocais. A utilização dessas técnicas pode trazer muitos benefícios para o canto popular brasileiro, considerando-se que não interferirão na naturalidade e na expressividade do intérprete. Outro destaque nessa música é o fato de que a Elza se utiliza do Whistle Register ou registro de voz de apito que segundo Sundberg (2015, p.83),

“É a fisiologia menos conhecida dentre os registros vocais. Ele é o registro mais agudo da voz humana e na maioria das vezes começa no Bb5 dos cantores, ficando acima do registro do falsete e do registro normal, se estendendo até o F7”.

Percebe-se o registro de apito na voz da Elza Soares, no trecho inicial da canção quando ela canta “...se eu morrer amanhã ‘seu’ doutor, estou pertinho do céu...” Em “Maria da Vila Matilde”, os juízes apontaram para o gênero de uma canção de difícil definição. Destacam o uso da voz falada e da intensidade vocal. É uma “canção crítica” como conceito para se refletir sobre este tipo de composição. Nesse sentido, podemos dizer que Elza Soares foi responsável por reproduzir essa postura no plano vocal, chegando a uma espécie de “canto crítico” com maior veemência nessa canção. Percebe-se que esse “canto crítico” teve seu início e maior evidência na música “A carne” e se consolidou com “Maria da Vila Matilde”. 77

Elza “desnudou a voz de qualquer recurso artificialista” e exigiu assim “um grande rigor técnico no sentido de precisão na emissão das notas que não usufruíam do recurso do vibrato, por exemplo, como elemento dissimulador de uma instabilidade na afinação” (Machado, 2012, p.26). Elza recorre a técnicas vocais diversas, sempre relacionadas ao conteúdo emocional da letra, em inflexões da voz com tensão, soprosidade e aspereza que lhes são peculiares. Com sua complexa realização rítmica em que alterna intervenções e silêncios. Elza consegue, ao mesmo tempo, tornar a melodia fluida e não previsível em relação à métrica e discursar o poema da letra de forma mais natural, próximo da fala. Para isso, estrategicamente, reserva poucos compassos para coincidir a métrica do poema com a métrica da música. E quando o faz, é para intensificar o clímax da canção.

5.6. CONCLUSÃO

Podemos concluir por meio da avaliação perceptivo-auditiva que houve poucas mudanças na voz da cantora Elza Soares nas cinco canções analisadas. Os parâmetros mais referidos nas cinco canções durante as seis décadas foram: coordenação pneumofonoarticulatória adequada, pitch médio para agudo, destacando-se o fato de que a cantora inicia a sua carreira com o pitch médio para grave e, em seu último CD, ou seja, após 55 anos, o seu pitch encontra-se médio para grave novamente. O seu loudness encontra-se adequado, articulação precisa, ataque vocal duro, ressonância laringo-faríngea com foco nasal discreto, registro vocal de peito, voz sem brilho, sem projeção, sem vibrato e com tessitura restrita. Sua qualidade vocal apresentou-se com discreta soprosidade e rugosidade e as características vocais relacionadas à gravação mostraram-se variáveis: utilização de um recurso vocal que parece um fry e vibração da região ariepiglótica em “Se acaso você chegasse”, interpretação mais suave e presença mais marcante do pitch agudo em “Malandro”, estilo mais falado do canto e vibração da região ariepiglótica em “A carne”, versão também bastante falada e soprosidade marcante. Já na música “Opinião”, destaca-se o registro de apito e, na canção “Maria da Vila Matilde”, Elza apresenta muita dinâmica de intensidade e uso da voz falada.

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As características vocais mostraram-se variáveis nas gravações apresentadas: voz jovial e com grande extensão de notas em “Se acaso você chegasse”, o pitch com maior inclinação para o agudo e fluidez interpretativa em "Malandro”, emissão mais agressiva e utilização drive vocal em “A carne”, variação dos padrões vocais e maior aspereza na voz em “Opinião” e amadurecimento vocal, com voz mais comprimida e com alterações em sua dinâmica relacionadas ao ritmo, velocidade, intensidade e projeção em “Maria da Vila Matilde”.

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6. CONSIDERAÇÕES FINAIS DA TESE

Deus é feminino, negro e nasceu num morro carioca.

Assis Ângelo31

Podemos observar, ao finalizar esta tese, que desde o início da sua carreira, Elza Soares diferenciou-se de todas as outras cantoras de sua época, com uma voz marcante, intensa, ousada e passional, assim como a mulher que a reverbera. A expressividade de Elza Soares, contando com os gestos vocais, parece entrelaçar-se com suas vivências pessoais e culminarem nas sonoridades memoráveis de sua arte. Apesar do amor que Elza imprime ao cantar, ficou evidente, de acordo com a análise do conteúdo da entrevista, que a cantora atribui a sua performance aos fatores estruturais, como o fato de ser mulher, negra e migrante de uma favela. Portanto, observa-se que a voz não é para Elza um fator essencial para a sua carreira. Atribui-se, no entanto, um destaque para a voz da intérprete, no meio fonográfico, à sua personalidade, que foi muito bem delineada à sua história de vida. Ao longo da carreira, as mudanças na voz foram poucas, as marcas pessoais ainda são únicas e se destacam na maneira particular como ela transita em variados gêneros musicais. Volto ao início desta pesquisa, quando, na entrevista (2015), perguntei “Será que vão existir outras “Elzas”? Como você se sente sabendo que não temos discípulas diretas de Elza Soares?” E Elza me respondeu: “Será que não? Eu acho que se procurar... Porque a gente nunca é única. A gente faz o papel de única até um certo tempo, mas depois... Se procurar você encontra. Acho que existem muitas “Elzas” por aí. Eu não quero ser a única. Ser única é uma coisa tão sem sentimentalismo. Não é poético. Ser a única é feio “né”? Quero ser uma entre todas. Pra mim é bem melhor. Entre muitas é bem melhor que ser a única.” E agora outras questões aparecem: por que depois de 65 anos do surgimento de Elza Soares outras “Elzas” não apareceram? O que a faz tão única?

31 Jornalista e estudioso da cultura popular brasileira, autor de diversos livros sobre música e arte, letrista de músicas, roteirista e narrador de cinema 80

Eu poderia muito bem justificar dizendo que é a sua voz, mas é bem pouco acreditar que Elza é tão somente voz. Elza é atitude, é emoção, é personalidade. É uma mulher que tem uma estética perturbadora ao cantar e que ao mesmo tempo é comovente. Elza da Conceição Soares, a mulher negra que subia o morro com lata d’água equilibrada na cabeça e que aos 12 anos se viu obrigada a casar e com 13 anos carregava seu primeiro filho no colo. Elza sabe muito bem de qual planeta ela veio. Porque ela traz em seu canto a fome de vida, a fome dos excluídos, a fome do planeta fome. Anunciou Ary Barroso: “Senhoras e senhores, neste exato momento nasce uma estrela.” Estrela que deu a Música Popular Brasileira uma série de vocalismos e se tornou pioneira no seu estilo de cantar, introduzindo scats jazzísticos, growl vocal, drive, rouquidão e aspereza a nossa música. Resistiu bravamente a todos os percalços que a vida pôde lhe oferecer e tornou-se resiliente. “A mulher do fim do mundo”, título do seu último e premiado álbum, lançado em 2015 é também a sua autodefinição. O álbum discorre sobre temas como violência contra mulher, racismo, sexualidade, e traz em sua canção título um desejo de Elza Soares: “... Me deixem cantar até o fim...”.

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7. Discografia (2015) A mulher do fim do mundo (2011) 100 Anos de Música popular Brasileira, Vol. 7 e Vol. 8 (participação) • Discobertas/ ICCA • CD (2011) O samba carioca de Wilson Baptista (participação) • Biscoito Fino • CD (2010) Pilão Raça = Elza • Discoberta • CD (2010) Somos todos iguais • Discoberta • CD (2009) Arrepios - Elza Soares & João de Aquino • Selo Pívetz • CD (2007) Beba-me - Elza Soares ao vivo • Biscoito Fino (2007) Chega de Saudade (trilha sonora do filme) • Universal Music • CD (2003) Trilha sonora do filme "Lisbela e o prisioneiro" • vários • CD (2003) Um ser de luz - saudação à Clara Nunes • Deckdisc • CD (2003) Vivo feliz • Selo Reco-Head • CD (2003) A bossa negra • Universal Music • CD (2002) Duetos-Chico Buarque • (participação) • CD (2002) Do cóccix até o pescoço • Maianga Discos • CD (2002) Jorge Aragão ao vivo convida • Indie Records • CD (2000) Cole Porter, George Gershwin-canções, versões-por Carlos Rennó. (vários) • Independente • CD (1999) Carioca da gema • Independente • CD (1999) Meus Momentos (disco duplo) • EMI • CD (1999) Raízes do Samba • EMI • CD (1997) Trajetória • CD (1997) Salve a Mocidade. Volume • CD (1989) Sei lá Mangueira • Odeon • Compacto simples (1988) Voltei • RGE • LP (1986) Somos todos iguais • LP (1982) Dindi • Odeon • Compacto simples (1980) Elza negra, negra Elza • CBS • LP (1980) Com que roupa • Odeon • LP (1979) Se acaso você chegasse • Odeon • Compacto Duplo (1978) Sei lá Mangueira • Odeon • Compacto simples (1977) Pilão + raça = Elza • LP (1975) Com que roupa. Com • Odeon • LP (1975) Rio carnavais dos carnavais • Odeon • Compacto simples (1975) Aquarela brasileira • Odeon • Compacto simples (1975) Aquarela brasileira • Odeon • LP (1974) Festa da vinda • Odeon • Compacto simples (1974) Festa da vinda • Odeon • Compacto Duplo (1974) Capital do tempo • Odeon • Compacto simples (1974) Se acaso você chegasse • Odeon • LP (1974) Cadeira vazia • Odeon • Compacto Duplo 82

(1974) Salve a Mocidade • Tapecar • LP (1974) Quem é bom já nasce feito • Tapecar • LP (1974) Samba, minha raiz • Tapecar • LP (1973) Lendas do Abaeté • Odeon • LP (1973) Rio carnavais dos carnavais • Odeon • Compacto Duplo (1973) O pato • Odeon • Compacto Duplo (1973) Acorda Portela • Odeon • Compacto Duplo (1973) Mangueira em tempo de folclore • Odeon • Compacto simples (1973) Elza Soares • Odeon • LP (1972) Sangue, suor e raça. Com Roberto Ribeiro • Odeon • LP (1972) Rio-carnaval dos carnavais • Odeon • Compacto simples (1972) Rainha da roda • Odeon • Compacto simples (1972) Grade do amor • Odeon • LP (1972) Swing negrão. Com Roberto Ribeiro • Odeon • LP (1972) Elza pede passagem • Odeon • LP (1972) Rio carnaval dos carnavais • Odeon • Compacto simples (1972) Maria vai com as outras • Odeon • LP (1972) Grade do amor. Com Roberto Ribeiro • Odeon • Compacto Duplo (1972) Lendas do Abaeté. Com Roberto Ribeiro • Compacto simples (1972) Recordações de um batuqueiro. Com Roberto Ribeiro • Odeon • Compacto Duplo (1971) Se acaso você chegasse • Odeon • LP (1970) Samba & mais sambas • Odeon • LP (1970) /Máscara negra • Odeon (Itália) • Compacto simples (1969) Elza, carnaval & samba • Odeon • LP (1969) A flor e o samba • Odeon • Compacto simples (1969) Onde está meu samba? • Odeon • LP (1969) Bahia de todos os deuses • Odeon • Compacto simples (1969) Bis • Odeon • Compacto simples (1969) Boogie-woogie na favela • Odeon • LP (1969) Heróis da liberdade • Odeon • LP (1969) Lendas e mistérios da Amazônia • Odeon • Compacto simples (1969) A flor e o samba • Odeon • Compacto simples (1969) Juntinho de novo • Odeon • LP (1968) Balanço zona sul • Odeon • LP (1968) Portela querida • Odeon • Compacto simples (1968) Lapinha/Pressentimento • Odeon • Compacto simples (1968) Onde está meu samba • Odeon • Compacto simples (1968) Diálogo de crioulos • Odeon • LP (1968) O bonde de São Januário • Odeon • Compacto Duplo (1968) Mestre-sala • Odeon • LP (1968) Capoeira • Odeon • LP 83

(1968) Sei lá Mangueira • Odeon • Compacto simples (1968) Elza Soares & • LP (1967) Palmas no portão • Odeon • Compacto simples (1967) Palmas no Portão • Odeon • LP (1967) O mundo encantado de Monteiro Lobato • Odeon • LP (1967) Negro telefone • Odeon • LP (1967) Com que roupa • Odeon • LP (1967) Isso não se faz/Unha e carne • Odeon • Compacto simples (1967) Portela querida/Sofri • Odeon • Compacto simples (1967) O máximo em samba • LP (1966) Com a bola branca • Odeon • LP (1966) Quizumba/A infelicidade • Odeon • Compacto simples (1966) De amor ou paz/Toque balanço • Odeon • Compacto simples (1965) O neguinho e a senhorita/O que passou, passou • Odeon • Compacto simples. (1965) Um show de beleza • Odeon • LP (1965) O samba brasileiro • Odeon • LP (1965) Verão do meu Rio • Odeon • LP (1965) O neguinho e a senhorita • Odeon • LP (1964) Na roda do samba • Odeon • LP (1964) Receita de balanço/Na roda do samba • Odeon • Compacto simples (1963) Só danço samba/Sim e não • Odeon • 78 (1963) Eu sou a outra/Amor impossível • Odeon • 78 (1963) Volta por cima • Odeon • Compacto Duplo (1963) Vou rir de você • Odeon • Compacto Duplo (1963) Sambossa • Odeon • LP (1962) Maria, Mária, Mariá • Odeon • Compacto Duplo. (1962) Ziriguidum/Maria, Mária, Mariá • Odeon • 78. (1962) Avec no Leblon/Aconteceu um novo amor • Odeon • 78 (1961) Eu e o Rio • Odeon • LP (1961) Beija-me • Odeon • LP (1961) Mulata assanhada • Odeon • LP (1961) Boato/O samba está com tudo • Odeon • 78 (1961) Cadeira vazia/Ziriguidum • Odeon • Compacto simples (1961) Perdão • Odeon • Compacto Duplo (1961) Não põe a mão • Odeon • Compacto Duplo (1961) A bossa negra • Odeon • LP (1960) Edmundo (In the mood) /Era bom • Odeon (1960) Teleco-teco nº 2/Casa de turfista • Odeon • 78 (1960) Se acaso você chegasse • Odeon • LP (1960) Tenha pena de mim • Odeon • LP (1959) Se acaso você chegasse/Mack the Knife • Odeon 84

8. TRANSCRIÇÃO DA ENTREVISTA COM A CANTORA ELZA SOARES

Rio de Janeiro, 26 de março de 2015.

Parte 1 – A FAMÍLIA/ A INFÂNCIA

Pesquisador – Onde você nasceu? Como era a sua família? Elza – Nasci em Padre Miguel, mas eu cresci em Água Santa, no Engenho de Dentro, e a minha família era uma família pobre, com muita dificuldade de viver. Meu pai, que era um homem maravilhoso, mas era um alcóolatra. A minha mãe, que era uma lavadeira e que tinha não sei quantas lavagens de roupas para entregar, e eu que era uma menina que descobria tudo, onde dava comida, onde dava roupa pra frio, cobertor, entendeu? Parecia que eu era o anjo da guarda da família. A vida toda fui eu que chegou para fazer alguma coisa diferente. E foi uma infância difícil, uma infância sem comida, uma infância não pobre, mas paupérrima. Foi muito difícil a minha infância.

Pesquisador – Como era a sua relação com seus pais e seus irmãos? Elza – Ah, era muito boa, a gente sempre teve uma vida todo mundo junto. Apesar dos pesares, a gente tinha uma relação de família. A gente ainda rezava, ainda tomava benção papai e mamãe, às seis horas da tarde todo mundo tinha que fazer uma oração, antes de comer aquele feijão difícil de encontrar, a gente agradecia a Deus por estar comendo aquele feijão, aquele pão. Assim foi a minha infância, uma infância de “com licença, senhor”, “bom dia”, de respeitar os mais velhos, “o senhor me dá licença?”, “pode sentar aqui no meu lugar”, então a gente teve uma educação assim.

Pesquisador – Como foi a sua vida escolar? Elza – Eu comecei a escrever com meu pai aos cinco anos de idade. Ele era um homem que tinha uma cultura muito alta, a minha mãe não. Então, aos quatro anos ele começou a me ensinar a escrever e a ler e com cinco anos eu tinha que escrever “a benção” papai. Na escola, eu sempre fui uma aluna muito aplicada, apesar de ter sido uma menina danada, uma garota levada, uma garota... meu Deus que garota difícil eu fui cara, como eu era uma peste de criança. Batia nos outros no colégio, mas fora da sala de aula. Na sala de aula, eu era nota cinco. Eu era monitora, coisa que nem se usa mais. Eu era monitora da sala então porque eu era uma boa aluna.

Pesquisador – Quais são as suas recordações da infância? Elza – Eu tenho várias! Tem uma que eu me lembro até hoje que eu mamava na cabra. Eu ganhava um dinheirinho pra tomar conta das cabras pra que os cabritinhos mamassem, mas quem mamava era eu, e os cabritinhos não mamavam 85

era nada (Risos). Na hora em que os cabritinhos chegavam para mamar, a cabra dava uma patada nos cabritinhos e só queria a Elza. Então essa foi uma infância maravilhosa. Também na minha infância eu aprendi a soltar pipa. Eu era mais moleque do que menina. Meu pai tinha uma dúvida terrível. Ele dizia: “Ó dúvida cruel! O que é que eu fiz? Um menino ou menina?” E ele dizia: “É eu acho que é mais menino que menina mesmo”.

Pesquisador – Quais são as suas recordações da adolescência? Elza – Filho no braço! Foi com o meu filho, foi com o Carlinhos que eu fui mãe muito criança. Então na minha adolescência foi tendo filhos “né”? Casei muito menina e a minha adolescência foi essa. Não tive nada de bom e trabalhando com lata d’água na cabeça.

Pesquisador – É o João Carlos “né”? Elza – Sim, o João Carlos.

Pesquisador – É o mesmo nome que o meu. Elza – Sim eu sei. Eu chamo ele de meu John-John. Ali foi a minha... Lindo “né”? Adolescente, carregando filho no braço e com a lata d’água na cabeça e cantando! Meu Deus do céu! Eu acho que era feliz e não sabia. Eu não conhecia esse mundo exterior, esse mundo aqui fora de tanta maldade, de tanta perversidade, de tanto egoísmo. A gente só não tinha o que comer, mas tinha família. Então a gente plantava feijão, plantava batata, plantava milho. Comia o que dava na terra, graças a Deus, e descobria onde dava comida. Eu ia para a Vila Militar buscar comida, mas eu não sabia dessa coisa tão perversa que tem aqui fora. Preconceitos, que é uma coisa terrível. Ainda é muito forte pra minha cabeça. Homofobia, que é uma tristeza. Eu estava falando que esses dias na novela, só por que duas mulheres de idade estavam se beijando, aquilo parecia que era um terror. Só que o terror que eu vejo é assalto, bala perdida, eu vejo o terror do crack, o terror do não respeito. Isso pra mim é um terror, mas a maldade das pessoas faz com que isso tome uma dimensão grande. Só isso. Só o preconceito.

Pesquisador – A sua família tinha alguma relação com a música? Elza – Meu pai! Meu pai tocava um violão, um trombone. Meu pai tinha uma relação grande com a música sim. Meu pai tinha. Aos domingos, juntava os amigos e ia lá pro fundo de quintal. Olha que delícia, “né”? Fazia aquele sarau maravilhoso, aquela reunião de amigos, então assim que era a minha família.

Pesquisador – Você é religiosa? Elza – Muito, muito! A minha religião é São Jorge, a minha religião é Iansã, a minha religião é o Tempo, a minha religião é Deus! Essa é a minha religião. Acreditar num pai superior, acreditar no santo que eu tive a felicidade de ver quando eu era criança 86

e conversar com São Jorge. A gente às vezes não fala muito disso porque parece que a gente é maluco, mas eu tinha cinco anos de idade quando eu conversei com ele. Então pra mim, quem quiser me chamar de maluca não está me dizendo nada e eu vi, eu tenho certeza.

Parte 2 – OS AMORES/ OS RELACIONAMENTOS

Pesquisador – Como foi para você conciliar a sua vida pessoal e sua carreira como cantora? Elza – Fácil, é saber dividir. Não teve nenhum problema. Eu sei lavar roupa e cozinhar ao mesmo tempo (risos), só não sei cantar e assobiar, mas cantar eu sei. E a mulher tem uma noção de visão doméstica que é uma coisa linda. Ela passa roupa, lavando roupa. Ela tá passando, tá cozinhando feijão, tá dando banho em criança. É fácil. A gente fala “tá difícil”, não! Eu já passei por isso.

Pesquisador – Como você vê o relacionamento afetivo/ o casamento com a carreira? Elza – Olha, às vezes dá um bodezinho, dá um nó. Se for um casamento já marcado pela dignidade, por Deus, por planos bons, esse casamento vai dar certo. Porque existem muitos sonhos, a gente sonha muito, a gente viaja muito no casamento e nessa viajem você se perde. Ao invés de você ir pro sul você vai pro norte. Aí fica uma coisa dividida, “né”? Fica norte, sul, até leste e oeste e não dá. Mas, sabendo conciliar às vezes vai.

Pesquisador – Eu só tenho uma pregunta para fazer sobre o Garrincha. Elza – Vamos embora porque essa vai ser maravilhosa (risos).

Pesquisador – Durante o seu casamento com o Garrincha como foi para cuidar da sua carreira? Elza – Foram dezessete anos ao lado de um grande ídolo. O Mané era foi um cara que nunca me deu... Assim... Eu nunca tive ciúmes do Mané, que coisa engraçada. Como eu amava esse homem e como ele me amava. Foi assim um amor recíproco, entendeu? E era cuidar mesmo do Mané, cuidar do homem doente que era o Mané. Foi um grande jogador de futebol, um grande ídolo, morreu doente. Só que eu não sabia que era doença. Tinha vindo do meu pai que era um alcóolatra e pegar o Mané também, pra mim era uma pouca vergonha beber, falta de pudor, entendeu? Ainda existia essa falta de conhecimento. Mas eu tratei bem do Mané 17 anos, só que eu tive que escolher: ou ele ou meu filho e eu acabei perdendo os dois.

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Pesquisador – E deu para conciliar essa relação? Elza – Deu pra conciliar, deu pra ficar grávida, deu para amar, amar loucamente. Eu amei o Mané como louca e eu tenho certeza que ele também me amou como um louco, então foi um amor, nossa, que não vai existir um amor feito o nosso. Eu não acredito. Passar por pedra, bala, faca, fogo a gente passou por tudo isso. Expulsos do país, casa metralhada, tudo isso, mas a gente sempre juntos. Eu não sou bambu, nem ferro. Sou o tempo e só o tempo pode dizer tudo isso. O tempo que vivi.

Parte 3 – A MÚSICA/ A CARREIRA

Pesquisador – Como começou a sua relação com a música? Elza – Sabe quando você tem alguma coisa dentro de você e você não sabe explicar o que é? É como você querer ser um grande professor, um grande mestre, ser ator, outro quer ser bailarina, enfim é sonho que é uma coisa que dá em você, enfim a arte é tão viva, ela mexe com as pessoas de uma maneira tão delicada e às vezes tão cruel que você sonha, sonha, sonha e não alcança que você acha que foi crueldade. Mas a minha relação foi assim. Eu já tinha vontade de cantar, cantava quando criança com o meu pai, então quando ele fazia aquele sarau ele falava: “vou buscar Elzinha para cantar” e eu fiquei com isso na cabeça: “tem que cantar, tem que cantar, tem que cantar”, mas eu não sabia como. Se era difícil, se era profissional e o que que era isso? O músico era visto como vagabundo e mulher não podia sair de casa. Até que eu vi um programa do Ary Barroso e fui me inscrever no programa do Ary Barroso. Ali eu vi que era aquilo que eu queria. Ganhei nota cinco, fiquei felicíssima. Meu Deus do céu, parecia que tinha uma coisa dizendo assim pra você: “Viu, teu caminho é esse!”. E ali começou um caminho que eu não pude retroceder mais. Só pra frente, só pra frente.

Pesquisador – Que tipo de música você escutava na sua infância/ adolescência? Elza – Pra muita gente entender, a gente escutava música americana que era Tomy Dorson. Era o que se ouvia. Música que se tocava boa noite pra você, que era audiência de todo mundo e depois eu comecei a ser influenciada por Orlando Silva, o cantor das multidões. Esse sim foi o verdadeiro cantor das multidões. Orlando Silva! Todo mundo quis copiar Orlando Silva, era o cantor que fazia separação. Chegava em casa e as mulheres se apaixonavam por ele e os maridos falavam: “Então vá embora”. Depois Ary Barroso com “Aquarela do Brasil”, e assim foram os cantores. Dalva de Oliveira, Ângela Maria que eram as cantoras da época que a gente ouvia, meu Deus do céu, Carlos Galhardo e assim, Lupicínio Rodrigues e o Silvio Caldas.

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Pesquisador - Quem são os primeiros cantores (homens ou mulheres) que você se lembra de terem chamado a sua atenção? Por que isso aconteceu? Elza – Duas mulheres: Dalva de Oliveira e Ângela Maria. Pela grande voz, voz: Dalva de Oliveira e Ângela Maria. Com licença gente, mas fica esse povo dizendo que canta, pelo amor de Deus! Volta e vai ouvir essas duas cantoras. Elas estão aí. Elas não foram embora e deixaram bastante coisa como lição de vida.

Pesquisador - Quando você começou a cantar você se inspirou em alguma cantora ou cantor? Qual (is) dela (s)? Elza – Dalva de Oliveira e Ângela Maria. Tinha a voz de apito, que era a voz da Dalva e da Ângela Maria também e era muito gozado que a gente... Não sei como me expressar desse jeito, mas sabe que você carregando lata d’água, com peso, o peso te dá uma força, te dá um agudo. Você pega aquilo no chão e faz (Nesse momento Elza sonoriza imitando pegar uma lata d’água no chão e levá-la até a cabeça) e vai até lá em cima e aí você faz um tratamento de voz, uma postura de voz maravilhosa. Eu fiz o meu assim. Me inspirei na lata d’água, que era quando pegava tinha que dar um grande gemido “né”? Dalva de Oliveira e Ângela Maria, não tem outra não.

Pesquisador - Por que você resolveu ser cantora? Elza – Porque eu acho que já era o dom, já tinha tendências à cantora e porque outra profissão pra mim seria difícil e como estudar? Como frequentar uma faculdade? Seria difícil. Eu acho... Vou dizer uma coisa que é muito cruel gente: por isso que existe tanta prostituta. É o caminho mais fácil e é o mais difícil. Talvez eu seria uma delas. Uma porção de filhos pequenos, viúva, menina. Vou fazer o quê? Vou pedir esmolas, não! Tanto que depois de muitos anos de carreira é que eu fui fazer faculdade, por causa do . Eu quis fazer direito, na Simonsen, lá em Bangu, porque a faculdade que eu queria fazer era lá em Bonsucesso e o Grande Otelo queria, queria, queria que eu fosse advogada pra defender a minha raça e eu falei “Grande Otelo, eu vou morrer de fome. Por que eu vou cobrar de quem? Como eu vou ser advogada?” E ele dizia: “crioula, nega você tem que ser advogada nega”. Eu fui estudar em Bangu. Lá perto de onde eu nasci. Só não concluí porque eu vi que não era isso que eu queria. Melhor estudar música, “né”? Meu ramo, meu caminho. Eu estudo sax até hoje. Sax alto. Só que não estou estudando por causa da coluna. Eu estudo no meu próprio sax.

Pesquisador - Que tipos de dificuldades você encontrou para construir a sua carreira? Elza – João Carlos, a dificuldade existe até hoje porque quando eu construí minha carreira, eu não tive nenhuma direção. Ninguém me levando por um caminho e dizendo “você tem que fazer isso”. Me administrando. Eu não tive um administrador.

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Eu que cuidei da minha carreira com raça. Meu administrador se chama raça, coragem, sangue, suor e raiva ou sangue, suor e lágrimas.

Pesquisador - Que música ou que compositor você gostaria de gravar e ainda não teve oportunidade? Elza – Não sei cara, já gravei todos, quase todos. Não sei, não sei. Todo mundo diz que eu sou uma cantora de jazz. Eu gostaria de gravar um Cole Porter, um Gershwin talvez fosse o meu desejo. Cantando Cole Porter e chorando, com lágrimas e comendo a música, degustando cada sílaba, cada palavra. Entendeu? Eu acho que seria uma coisa assim eu cantando jazz. O jazz mora muito tempo dentro de mim. É muito negro, é muito eu. Eu já comecei a fazer um CD. Um CD de jazz. Gravei algumas músicas, não terminei, mas vou terminar.

Pesquisador - Você se define como uma cantora de algum gênero musical específico? Elza – Não, não. Eu gosto de cantar todos. Eu acho que cantor não é refrigerante para ter rótulos. Ele tem o direito de cantar o que quiser e quando rotula fica uma coisa esquisita. Por eu ter corpão, mulata e esse país rotula você pelo seu biótipo e eu fui rotulada como sambista pelo meu biótipo. Bunda grande, cintura fina, perna grossa. Ela é uma mulata, ela é uma sambista.

Pesquisador - Você tem um gênero musical preferido para cantar? Elza – Não. Eu gosto de cantar todos. Eu sou fanática pelo Chet Baker, eu sou fanática pela Billie Holiday. Eu tive a felicidade de substituir a Ella Fitsgerald. Então, se eu disser para você qual é o gênero de música que eu gosto de cantar eu tô mentindo. Eu não sei qual. Canto todos! Não sei se feliz ou infelizmente, talvez se eu cantasse um só seria mais definido, mas eu ainda não tenho uma definição do que eu gosto de cantar. Eu faço show que é um show que eu tenho montado que é a voz e a máquina. Sou eu e dois DJs, que é a voz (aponta para si mesma) e a máquina que são os DJs.

Pesquisador - Como e por que você escolhe uma música para cantar? Elza – Quando ela bate no coração. Por exemplo, tem uma música do Arlindo Cruz que é (Nesse momento Elza cantarola) “não perca tempo assim com tanta história, pra que forçar tanto a memória pra dizer...” É uma música do Arlindo Cruz que ele escreveu para eu gravar e eu gravei essa música. Ela é linda! “Trajetória”. Como eu canto uma música e quem gravou foi a Billie, que é uma música linda, uma música que ela fez quando os negros eram pendurados na árvore de cabeça para baixo, que era “stranger fruit” e eu gravei essa música, só que ninguém sabe. Está guardada. Então ao mesmo tempo que eu canto um Arlindo Cruz, lindo, divino, maravilhoso, eu canto um “stranger fruit”. Outra coisa que você pode procurar é “sofisticated lady”, da Billie, com a versão do Caetano Veloso que eu gravei com o 90

pai da Maria Rita, o César Camargo Mariano. Então você vê como há uma variação de instrumentos musicais, de vozes. Cada uma coisa tem que tá buscando um tipo de voz, um tom de voz e vou numa facilidade cara que eu falo “Meu Deus, obrigada meu Deus!”. (Nesse momento Elza me mostra um vídeo dela cantando “Sofisticated lady”). Procura isso para você ver o que é. Isso tudo que eu estou te falando pro seu doutorado vai ser importante. Você ter uma cantora que você vai fazer um trabalho em cima e que te deixa dúvidas. Você não sabe o caminho que ela tem. Você sabe que ela tem uma voz, que ela canta tudo, mas o que ela busca? O que ela canta? Onde ela vai? São vários caminhos. Eu tive no princípio da carreira um programa, que era uma casa louca em São Paulo, que era Madame Satã, e no Madame tinha o dia de Rock da Elza, eu fazia rock. Cabelo todo branco, com os Titãs. Só o pessoal do rock, ... Passei por todas.

Pesquisador – Como você estuda / prepara uma canção para interpretar? Elza – Geralmente essa canção, se não existe, você faz com que ela venha a existir. Eu conversando aqui com você a minha canção está aqui na minha cabeça. Qualquer coisa que eu faça, o motivo é música. Estudando então você vai longe. Você vai buscar uma música longe.

Pesquisador - Você já chegou a mudar alguma letra de música para evitar dizer determinada palavra? Elza – Já mudei várias! Acabei de mudar uma agora, que é absurdo e vou até chamar atenção dele que é o Péricles. Agora você vê, que é um pagode do Péricles que ele fala “se eu pegar no freio, se eu pegar no freio, você vai ver do jeito que sou...” Eu achei a letra machista demais e aí eu pedi permissão a ele para mudar e geralmente eles acham maravilhoso e não ligam não. Nas canções de “Elza canta Lupicínio Rodrigues”, eu fiz umas versões totalmente jazzísticas. Alguém pensava assim: “vou chegar lá e ela vai tá com um violão sete cordas, vai tá com um regional, vai tá com um pandeiro, tem nada, nada disso. É um Lupi completamente diferente, é um Lupi atual, um Lupi que toda a garotada vai ficar babando porque a gente busca um Lupicínio pra agora e infelizmente esse país não dá cultura musical pra ninguém, então quando eu começo a ouvir “não é do meu tempo” eu fico muito louca João Carlos. “Ah, mais não é do meu tempo”, eu digo: “porque você nunca estudou, porque nunca te ensinaram e porque o seu avô não é do seu tempo”. Seu avô não é do seu tempo? Se não fosse o seu avô você estaria aqui? Então o tempo está sempre presente!” E eu fico muito triste quando falam isso de uma música. Outro dia uma menina me perguntou: “Por que você fez Lupicínio Rodrigues?” É numa música que eu faço rock.

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Pesquisador – “Nervos de aço”, não é? Elza – Sim, “nervos de aço” e ficou lindo aquele rock pesadão e eu queria metaleiro porque “nervos de aço” bem metaleiro porque é “nervos de aço!”. Ou você tem nervos de aço ou você não tem nervo nenhum porque nervo pra mim é aço! E ficou lindo né?

Pesquisador – E ficou lindo! Eu fui à estreia do seu show e fiquei muito impactado com “nervos de aço”. A gente não espera aquele metal todo. Elza – Agora tem que ter coragem. Tem que ter peito pra encarar o que a mídia vai dizer e se não for uma coisa perfeita você vai pagar caro por uma coisa imperfeita. “Nervos de aço” é muito bom. O maestro disse pra mim: “Elza, isso é uma loucura a gente fazer rock”. Eu disse: “Maestro todo o repertório tinha que ter um tostãozinho de rock pra chamar essa garotada, pra ver o quanto a música brasileira é capaz de fazer’”. Você pode vestir a música brasileira de rock, funk, jazz. Você pode vestir a música brasileira do que você quiser que ela te dá um caminho pra isso. Tá lindo, eu fico toda boba, eu fico toda feliz.

Pesquisador - O lançamento do álbum Do Cóccix Até O Pescoço (2002) garantiu-lhe uma indicação ao Grammy. O disco recebeu críticas estupendas da imprensa e impulsionou numerosas e bem-sucedidas turnês pelo mundo. Você acha que esse foi o seu melhor álbum? Elza – Foi, foi! Foi o melhor álbum sem sombra de dúvidas. Tem uma música nesse álbum que é “A carne” que eu acho que é tudo. “A carne”, “Dia de festa”, “Meu guri”, enfim tem tudo de bom nesse álbum. E eu acho que entrou o façamos no final, “né”? Quando você trabalha com gente antenada, com gente que trabalha pra frente, o artista vai e vai e vai buscar. Eu trabalhava nessa época com o empresário Gonzaga, aliás, quem fez o Gonzaga como empresário fui eu, o que me orgulha muito disso. E o Gonzaga é um cara que não para no time. Ele vai embora, vai embora e pede licença ao tempo e vai e quando você vê ele bota num castelo e tu fala: “meu Deus do céu, o que é isso?” E quando eu fiz do Cóccix eu “tava” com José Miguel Wisnik, que é outro maravilhoso, que agora se Deus quiser retorna ao lar de Elza, que é o lar da música, se Deus quiser! E o Gonzaga.

Pesquisador - Que outros álbuns você destacaria em sua carreira? Elza – Olha são tantos que pra destacar um depois do Cóccix. Não sei não, porque eu já comecei fazendo um trabalho com DJ. Agora tem um antes do Cóccix que eu fiz em São Paulo é Vivo feliz. (Intervenção do produtor dizendo que o álbum Vivo feliz foi depois do álbum Do cóccix até o pescoço). Elza continua: Sim, foi depois do Cóccix. Ele é bem audacioso, ele é bem abusado, ele bem “com licença, eu vou entrar!”.

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Pesquisador - Em várias canções regravadas por você, percebemos que ocorre uma apropriação e até mesmo uma subversão da sua interpretação. Podemos citar “Fadas” e “A carne”. Ao que se deve essa interpretação tão particular, tão diferenciada? Elza – “Fadas” era um samba que eu transformei em tango porque eu queria fazer uma homenagem ao centenário do Piazzola. Eu comecei cantando com esse homem. Eu comecei minha carreira em Buenos Aires, praticamente em Buenos Aires ao lado de Piazzola que me chamava de La Nenita. E eu cantava tango com Piazzola. Eu não sei te explicar essa interpretação porque é tão meu, tão meu que eu não sei te explicar esse gingado musical. É muito abusada (referindo-se a ela mesma), ousada demais!

Pesquisador - Ao longo da sua carreira você tem canções que você destacaria? Elza – “Se acaso você chegasse” que eu acho eu foi bem ousado na época em que gravei. Tem o “Bambino” de José Miguel Wisnik, “Comida e bebida” de José Miguel Wisnik (Nesse momento, ela cantarola um trecho da canção), destaco “Fadas” e “A carne”, porque “A carne” já vinha de Seu Jorge que era do Farofa Carioca e quando eu peguei pra gravar eu disse “bom, eu vou dar a minha interpretação”. “Espumas ao vento” também vou dar a minha interpretação e ficou uma coisa muito bonita. Parece que foi escrita para eu cantar. João Carlos, você para dizer um poema tem que tá sentindo aquilo que você está falando. Como vou falar de lágrimas sem chorar? Como vou falar de flores sem sorrir? Gente, a música é isso. Cada palavra que está escrita pra você interpretar, você tem que interpretar, dizer a verdade do que está sentindo, senão não tem motivo. E eu canto sentindo. Se vou falar de miséria, eu tenho que sentir a miséria, se eu falar de riqueza, vai ter riqueza, se eu falar de dor, vai doer de verdade. Então eu acho que sou uma cantora privilegiada pelo meu sentimento. Tudo que eu faço tem imagem. Eu converso com a imagem.

Pesquisador - Como foi para você no ano de 2000 receber a premiação da BBC de Londres como a cantora do milênio? Elza – Foi muito simples. Foi simples não na coisa de arrogância. Não sei te explicar por que eu recebi com tanta naturalidade. Porque eu achava que tinha cantoras, como têm cantoras nesse país aqui que mereciam também. Me assustou muito e por isso que eu falei: “Por que eu?”. Temos grandes cantoras nesse país merecedoras de prêmios, prêmios e prêmios. Nós temos a voz de uma Zizi Possi, que eu acho um escândalo, nós temos a voz da Gal que eu acho... Eu amo a Gal! São vozes merecedoras de grandes prêmios. Quando eu fui escolhida, foi um susto. Só me assustou porque eu sabia que ninguém ia tomar muito conhecimento, como não tomou até hoje. Pra eles eu fui a melhor, mas pra mim, pra eu ser a melhor é bom que seja dito por você, pelo Juliano, seja dito pelo José Miguel Wisnik, que seja dito por críticos, por pessoas que realmente estejam dentro da história. Eu vivo dentro da história, aliás, eu sou uma história! Fiz uma história grande da minha vida. 93

Pesquisador - Você se considera uma cantora de voz negra? Elza – Sim. Me considero uma cantora de voz negra, mas ao mesmo tempo eu pergunto: “Voz tem cor?” É uma voz que sai de uma negra e por isso é uma voz negra, mas a cor da minha voz eu ainda não vi qual é. Ela é tão estranha, ela é tão poderosa, ela é tão milagrosa que eu posso tirar da minha garganta. Tirar a minha garganta dessa voz e eu não a vejo, não posso abraçar, não posso nada. Só posso dizer: “Muito obrigado, você existe, você está aqui presente!”. Olha aonde eu carrego a minha mala de dólar (Elza aponta para a própria garganta), minha maleta de ouro, o meu brilhante está aqui na minha garganta. É o órgão mais precioso que Deus me deu. Mas ela não tem cor, ela sai de uma cor, mas que ela tem cor não.

Pesquisador - Como foi ser chamada de Louis Armstrong feminina e brasileira? Elza – É por que nós nos encontramos numa época e ele fazia (nesse momento ela imita o Louis Armstrong cantando) e eu achava que ele estava me imitando e eu achava que o Louis Armstrong me imitava. Eu falava: “olha como ele me imita.” Mas quando ele falou (Elza imita o jeito do Louis Armstrong falar), eu disse “Nossa, até falando ele me imita!”. Então muito me honra ser o Louis Armstrong de saias. Muito me honra por ter aprendido a chamar ele de my father e eu tenho pavor desse nome, pois pediram para eu chamar ele de my father e eu disse: “Não vou falar nunca que ele é o meu pai foda. Não vou falar que ele é foda” (risos). Até que me disseram: “Elza, father é pai!” e eu disse: “Ah tem a ver, “né”? Father, pai!”. Agora daughter não tem nada a ver com filha. Daughter nos meus ouvidos soava como doutora. Eu não entendia nada, daughter, daughter, daughter. Ele ainda fica me chamando de doutora. Fala pra ele que meu nome é Elza! Assim eu conheci o Louis Armstrong.

Pesquisador - A sua idiossincrasia vocal faz com que sua voz seja única. Como você se sente sabendo que não temos discípulas diretas de Elza Soares? Elza – Será que não? Eu acho que se procurar... Porque a gente nunca é única. A gente faz o papel de única até um certo tempo, mas depois... Se procurar você encontra. Acho que existem muitas Elzas por aí. Eu não quero ser a única. Ser única é uma coisa tão sem sentimentalismo. Não é poético. Ser a única é feio “né”? Quero ser uma entre todas. Pra mim é bem melhor. Entre muitas é bem melhor que ser a única.

Parte 4 – A VOZ

Pesquisador - Durante toda a sua carreira você apresentou algum problema de voz que a impedisse de cantar? Se sim, o que foi feito para a recuperação da sua voz? Elza – Acho que não. Porque geralmente quando eu fico rouca não tenho programa. É muito gozado. Quando eu tenho algum resfriado brabo, garganta ardendo, é 94

justamente naquela época que eu não tenho nenhum show pra fazer. Você vê quanta benção que eu tenho. Uma vez eu fui fazer um show lá em São Paulo e justamente sem voz. Aí o médico me disse, “você não vai poder cantar”, então eu falei: “doutor, mas como não vou cantar?”, “porque você não tem voz”, ele disse. Ele me aplicou uma injeção e eu fui para o hotel e depois pro show, os dois lados superlotados e eu sentei no meio e disse pro pessoal: “Estou rouca e como não estou podendo dar a minha voz, aquilo que eu dei a vocês durante algum tempo, dá um pouquinho pra mim de volta?” Eu ouvi minha voz na voz de todo mundo. Todos cantaram comigo. Então a minha voz estava ali presente. Eu nunca tive problemas. Eu ouvi a minha voz através de outras vozes.

Pesquisador - Você costuma ter algum tipo de cuidado com sua voz? Elza – Eu sou muito relaxada, “né”? O único cuidado que eu tenho é de não beber, de não fumar e sou muito caseira. Eu amo a minha casa, eu vivo pra minha casa. Então se você me convida para um passeio eu digo “mas eu vou perder uma noite de sono? Não posso”. Então o maior cuidado que eu tenho é o cuidado comigo literalmente e dentro desse cuidado a minha garganta está incluída.

Pesquisador - Você já procurou um fonoaudiólogo para se consultar? Elza – Não, eu não procurei. Eu fui procurada por uma fonoaudióloga porque ela queria estudar a minha voz, a minha garganta e ela ficou impressionada como é que eu fazia aquilo tudo com a voz e voltava a falar normalmente. Ela tem um estudo da minha garganta. A minha voz foi para um laboratório. Eles queriam estudar por que essa corda vocal quando eu canto ela trepida? Só que a minha corda vocal dá uma trepidação quando eu canto.

Pesquisador - Você já fez alguma consulta com médico otorrinolaringologista? Se sim, por quê? Elza – Fiz mais porque estava resfriada. Só isso.

Pesquisador - Você já fez aula de canto? Elza – Já fiz sim. Quando eu comecei a fazer aula de canto, a EMI hoje que era Odeon antes, com meus produtores, me proibiram de fazer aula de canto porque disseram que ia estragar a voz. Disseram: “Você vai ficar tão técnica que vai perder o lado sentimental. Vai perder esse sentimentalismo na sua voz. Não faça isso”. Aí eu parei. Mas eu faço no sax. No sax eu procuro fazer. Porque eu não falo com a garganta. Você vê que eu falo sem precisar usar a garganta. Você tem que aprender a falar sem sacrifício.

Pesquisador - Antes do show você costuma aquecer a voz? Você tem algum ritual? Algo que você costuma fazer sempre antes de suas apresentações? Elza – Até esqueço que vou fazer apresentação. Já entro direto. 95

Pesquisador – Então você também não desaquece a voz? Elza – Nada. Eu desaqueço a voz batendo papo depois do show. (Nesse momento o produtor interfere dizendo que às vezes termina o show e ele oferece água para Elza em temperatura natural e ela diz: “Não, eu quero gelada mesmo!”). Elza – Eu nunca tomo água no palco. Minha garganta já é molhada por natureza.

Pesquisador - Como se sabe que o cigarro e a ingesta alcoólica são os fatores mais agressores para as cordas vocais (PPVV), ao longo da sua carreira qual foi sua relação com esses dois hábitos? Elza – Não. Vou contar um negócio do cigarro que você vai morrer de rir de Elza. A minha mãe lavava roupa pra uma bacana, que a mulher quando vinha falar com a minha mãe quase me cegava porque ela tinha um anel de brilhante. E fiquei com isso na cabeça “um dia eu vou ter uma coisa dessa brilhando no meu dedo”. Até que comecei a cantar e o meu primeiro cachê foi pra comprar um brilhante e botei no dedo. Eu ia à feira e tudo que eu fazia ficava assim levantando o dedo. Só que ninguém olhava e aí o que eu fiz? Comprei um maço de cigarros e comecei a fumar para ver se olhavam pro meu dedo. Só que eu odiava aquele cheiro e me engasgava. Aí eu joguei o maço de cigarros fora, guardei o anel e botei no dedo da Dilma quando ela fez 15 anos.

Pesquisador – Então bebida alcóolica e cigarro não? Elza – Não, negativo! Cara aqui em casa eu tenho vinho, tenho champanhe, eu tenho tudo. Se você pedir um cálice de vinho do porto eu te dou. Eu nem lembro que tenho isso dentro de casa.

Pesquisador - Nos dias de show você costuma cuidar da sua alimentação e do seu sono? Elza – Alimentação eu cuido sempre porque eu já tive uma diverticulitis e quem teve diverticulitis tem que ter muito cuidado com a alimentação, não pode comer semente e eu como de 3 em 3 horas, mas como comida natural. O sono eu durmo 4 ou 6 horas. Na hora que o olho abrir é por que já deu. Já foi bastante.

Pesquisador - Você tem ou já teve alguma queixa auditiva? Você sempre canta com retorno de palco ou utiliza in-ear? Você já fez audiometria? Elza – Retorno de palco ainda é o melhor. Nunca tive queixa auditiva e nunca fiz audiometria. Pesquisador - Você tem consciência do seu timbre diferenciado e da sua voz impactante? Elza – Eu tenho porque você fala, porque falam, mas por isso que eu tenho essa consciência, mas que eu busque essa consciência eu tenho medo. Eu tenho medo 96

de ficar idiota, de ficar antipática. Eu tenho medo de ficar engrandecida por causa disso. Então eu prefiro saber que ela existe, que eu tenho, mas deixa ela aqui guardadinha.

Pesquisador - Como foi a descoberta desse seu timbre de voz diferenciado? Elza – Foi na lata d’água João. Eu pegava a lata e fazia (Nesse momento Elza sonoriza) e dava um gemido. Eu falei: “bom aqui vai surgir alguma coisa”. Meu pai quase me matava por causa disso. “Para! você vai estragar a garganta!”. Eu falo até agora: “Pai estragou mesmo!” (Risos). “Estragou pro bem pai”. Se todas as gargantas tivessem essa coisa pra estragar, que bom seria, “né”?

Pesquisador - Você acha que o fenômeno Elza Soares se deve prioritariamente à sua voz? Como é que você explica o fenômeno vocal Elza Soares? Elza – Eu acho que a minha voz ela tá junto. Acho que eu te falei, a coragem que eu tenho de encarar a vida, a coragem de entrar no palco, a coragem que eu tenho de ser atriz. Porque sou atriz formada com Grande Otelo. Só não quis ir pro lado de atriz, porque no Brasil atriz negra só serve pra levar chicotada. E eu não quero levar uma chicotada, uma chibatada. A chibatada vai ficar só na lembrança dos meus antepassados.

Pesquisador - As virtudes de Elza Soares como uma grande cantora todo mundo conhece. Se você fosse uma crítica de música rigorosa, que defeito você apontaria na Elza Soares? Elza – Todos! Todos porque não existe nenhum pedaço de perfeição. Eu acho que quando a gente se acha muito perfeito, tá tudo torto. Então eu acho que eu ia achar tanto defeito que ainda não parei pra ser crítica de Elza não. Sou muito crítica de Elza, mas de uma maneira que chega a ser absurda. Chego a pedir perdão a Deus pelas minhas críticas. Não sei talvez por ter essa voz arrogante, que eu chamo de arrogante e quando chego no palco faz aquele uh! Não sou eu e até eu me estranho de estar aqui conversando tão baixinho e quando vai pro palco é um vozeirão que sai que eu mesmo me pergunto: “de onde saiu isso? O que é isso?”.

Pesquisador - Como a música contribuiu para que você passasse pelas adversidades da sua vida? Você se considera uma pessoa resiliente? Elza – Sim, eu me considero isso. Eu acho que esse meu desejo de viver, essa raça que eu carrego de vida, essa coragem que eu tenho eu devo a música, “né”? Ela me mostrou quanto eu seria capaz de ultrapassar barreiras e limites e pedras e aguaceiros, enfim... a música. A música já me levou a lugares que eu jamais pensei em ir um dia em minha vida. Através da minha música, eu vou a cantos, recantos, sonhos. É isso a música. Você está aqui comigo hoje através da minha música. Através da minha música que a gente está hoje aqui feliz olhando um pro outro. É a música! Pode tá certo, é a música. 97

Pesquisador - Você acha que a sua voz mudou ao longo dos anos? Melhorou ou piorou? Elza – Olha eu acho que melhorei um pouco, “né”? Porque com o passar do tempo você vai tendo conhecimento dos erros, o porquê que você grita tanto, o porquê você omite tanto a voz, o porquê você não abre a voz, não solta a voz sem gritar, sem exagero. Você vai tendo mais conhecimento de você. Lógico que você com o passar dos anos desce 2 ou 3 tons. É da natureza mesmo, mas quando a voz continua limpa, como a minha, graças a Deus, graças a Deus, dentro de todos os tons ela tá ali afinada sem nenhum tipo de coisa, aí tudo bem.

Pesquisador - Comentam que você é muito vaidosa e que você fez muitas plásticas. Isso é verdade? Você fez alguma plástica no rosto que dificultou a movimentação dos músculos da face? Incluindo abertura da boca, movimentação dos lábios? Elza – Totalmente vaidosa. Não digo idade pra ninguém. Acho um desrespeito. Eu sou agora! My name is now! Eu acho que nunca atrapalhou porque é tão prazeroso, é tão delicioso (risos) você olhar no espelho aquelas marcas cretinas do tempo que te deixa todo cortado sumirem. Olha eu não tenho rugas graças a Deus. Não tenho ruga, não tenho celulite, o que é a coisa mais absurda porque a mulherada fica doida pra me matar, pois eu não tenho celulite, não tenho varizes, não tenho nada. Mas quando eu olho no espelho e tem um defeito eu digo “Hum, Pitanguy tá me chamando, não sei por que”. Quando eu escuto uma voz assim “Elza venha!”, eu vou correndo. Lógico que vou correndo. Eu tô doida pra ir correndo, só tô esperando essa coluna dar uma melhorada pra chegar lá e dizer “preparem meu berço cor de rosa que eu tô voltando, ouviu meu bem?”.

Pesquisador – Como você percebe a sua própria voz? Elza – Eu só me lembro dela quando estou cantando, “né”? Aí eu percebo, percebo sim se der uma semitonada, que é muito raro, mas como qualquer ser humano eu posso semitonar. Se der um agudo fora, aí percebe-se, mas quando a voz tá limpa, tá tudo bonitinho nem percebe cara como quão a gente é egoísta. Como é que voz tem cor? Eu nunca tinha visto isso se é amarela, se é verde, mas a minha é verde e amarela.

Pesquisador – Você conseguiria definir a sua voz? Elza – Não... talvez fosse lágrimas, sorriso, incerteza, busca, acreditar, conseguir e vencedora. Essa é a minha voz! Pesquisador: Para finalizar, parafraseando Marília Gabriela: Elza Soares por Elza Soares: Elza – Vida!

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109

ANEXOS

110

ANEXO A

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO – PROGRAMA DE ESTUDOS PÓS-GRADUADOS EM FONOAUDIOLOGIA

Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

1. Dados de identificação de Elza da Conceição Soares Nome do indivíduo: Elza da Conceição Soares Documento de identidade nº: Sexo: M ( ) F (X ) Data de nascimento: 23/06/1937. Telefone: (21) 3649-9660 Endereço: Avenida Atlântica, 9661/502 – Copacabana. Cidade: Rio de Janeiro

2. Título da pesquisa de doutorado: Elza Soares e a Fonoaudiologia: reflexões biográficas e vocais Pesquisador: João Carlos Lopes Orientador: Profa. Dra. Marta Assumpção de Andrada e Silva Declaro que eu, João Carlos Lopes, portador do CPF 006.638.467-22, RG 08355809-8, estabelecida Rua Uruguai, 86 apto 201, CEP: 20.541-148, Tijuca, Rio de Janeiro – RJ, telefone (21) 982270900, pesquisador nessa instituição, agradeço a sua colaboração voluntária para ser sujeito do estudo. O projeto de pesquisa de doutorado será submetido ao Comitê de Ética da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, e somente após a aprovação deste é que se iniciará a coleta de dados. A pesquisa baseia-se em um roteiro de entrevista com 49 perguntas para a cantora Elza Soares, visando obter informações de diversos aspectos da vida familiar, social e cultural da cantora, permitindo assim, a obtenção de dados em profundidade acerca do comportamento humano e artístico da cantora. O roteiro foi dividido em quatro eixos temáticos com o objetivo de direcionar a fonte oral. No eixo 1, ficaram os aspectos relacionados à vida familiar e à infância. No eixo 2, a vida afetiva, os amores e os relacionamentos. No eixo 3, a atenção será para a música e a carreira e o quarto eixo temático será voltado para a voz da cantora e todos os aspectos relacionados à sua voz. A pesquisa não apresenta nenhum tipo de risco para a participante. A mesma foi esclarecida sobre os objetivos da pesquisa e aceitou voluntariamente participar. Os resultados deste estudo, favoráveis ou não, devem ser divulgados e publicados exclusivamente no meio científico. A participante tem a liberdade para obter qualquer informação ou sanar alguma dúvida sobre os procedimentos e resultados do estudo quando desejar, assim como retirar seu consentimento e desistir da participação, sem qualquer prejuízo. Não existirão despesas ou compensações financeiras relacionadas a esta participação. Após assinatura do termo de consentimento, uma cópia será entregue ao participante. De acordo com a resolução do Comitê Nacional de Ética em Pesquisa nº 196/96, o pesquisador é a pessoa responsável pela coordenação e realização da pesquisa e pela integridade e bem-estar dos indivíduos da pesquisa. João Carlos Lopes Telefone: (21) 982270900 111

3. Consentimento pós-esclarecido Declaro que estou devidamente ciente dos propósitos e procedimentos da pesquisa, da compreensão das garantias, da preservação da minha identidade e de todos os outros esclarecimentos, além de não ter ficado qualquer dúvida. Por ter compreendido tudo o que foi explicado pelo pesquisador, consinto em participar da presente pesquisa.

São Paulo, de 2015. ______Elza Soares

______João Carlos Lopes Pesquisador

______Profa. Dra. Marta Assumpção de Andrada e Silva Orientador

112

ANEXO B QUESTIONÁRIO DE ENTREVISTAS COM A CANTORA ELZA SOARES

Parte 1 – A família / A infância 1.1. Onde você nasceu? Como era sua família?

1.2. Como era a sua relação com seus pais? Seus irmãos?

1.3. Como foi a sua vida escolar?

1.4. Quais são as suas recordações da infância?

1.5. Quais são as suas recordações da adolescência?

1.6. A sua família tinha alguma relação com música?

1.7. Você é religiosa?

Parte 2 – Os amores / Os relacionamentos 2.1. Como foi para você conciliar sua vida pessoal e sua carreira como cantora?

2.2. Como você vê o relacionamento afetivo / o casamento com a carreira?

2.3. Durante o seu casamento com o Garrincha como foi para cuidar da sua carreira?

Parte 3 – A música / A carreia

3.1. Como começou a sua relação com a música?

3.2. Que tipo de música você escutava na sua infância / adolescência?

113

3.3. Quem são os primeiros cantores (homens ou mulheres) que você lembra de terem chamado a sua atenção? Por que isso aconteceu?

3.4. Quando você começou a cantar você se inspirou em alguma cantora ou cantor? Qual (is) dela (s)?

3.5. Por que você resolveu ser cantora?

3.6. Que tipos de dificuldades você encontrou para construir a sua carreira?

3.7. Que música ou que compositor você gostaria de gravar e ainda não teve oportunidade?

3.8. Você se define como uma cantora de algum gênero musical específico?

3.9. Você tem um gênero musical preferido para cantar?

3.10. Como e por que você escolhe uma música para cantar?

3.11. Como você estuda / prepara uma canção para interpretar?

3.12. Você já chegou a mudar alguma letra de música para evitar dizer determinada palavra?

3.13. O lançamento do álbum Do Cóccix Até O Pescoço (2002) garantiu-lhe uma indicação ao Grammy. O disco recebeu críticas estupendas da imprensa e impulsionou numerosas e bem-sucedidas turnês pelo mundo. Você acha que esse foi o seu melhor álbum?

3.14. Que outros álbuns você destacaria na sua carreira?

114

3.15. Em várias canções regravadas por você, percebemos que ocorre uma apropriação e até mesmo uma subversão da sua interpretação. Podemos citar “Fadas” e “A carne”. Ao que se deve essa interpretação tão particular, tão diferenciada?

3.16. Ao longo da sua carreira, você tem canções que você destacaria?

3.17. Como foi para você, no ano de 2000, receber a premiação da BBC de Londres como a cantora do milênio?

3.18. Você se considera uma cantora de voz negra?

3.19. Como foi ser chamada de Louis Armstrong feminina e brasileira?

3.20. A sua idiossincrasia vocal faz com que sua voz seja única. Como você se sente sabendo que não temos discípulas diretas de Elza Soares?

Parte 4 – A voz

4.1. Durante toda a sua carreira você apresentou algum problema de voz que a impedisse de cantar? Se sim, o que foi feito para a recuperação da sua voz?

4.2. Você costuma ter algum tipo de cuidado com sua voz?

4.3. Você já procurou um fonoaudiólogo para se consultar?

4.4. Você já fez alguma consulta com médico otorrinolaringologista? Se sim, por quê?

4.5. Você já fez aula de canto?

115

4.6. Antes do show, você costuma aquecer a voz? Você tem algum ritual? Algo que você costuma fazer sempre antes de suas apresentações?

4.7. Você costuma desaquecer a voz?

4.8. Como se sabe que o cigarro e a ingesta alcoólica são os fatores mais agressores para as cordas vocais (PPVV), ao longo da sua carreira qual foi sua relação com esses dois hábitos?

4.9. Nos dias de show você costuma cuidar da sua alimentação e do seu sono?

4.10. Você tem ou já teve alguma queixa auditiva? Você sempre canta com retorno de palco ou utiliza in-ear? Você já fez audiometria?

4.11. Você tem consciência do seu timbre diferenciado e da sua voz impactante?

4.12. Como foi a descoberta desse seu timbre de voz diferenciado?

4.13. Você acha que o fenômeno Elza Soares se deve prioritariamente a sua voz? Como é que você explica o fenômeno vocal Elza Soares?

4.14. As virtudes de Elza Soares como uma grande cantora todo mundo conhece. Se você fosse uma crítica de música rigorosa, que defeito você apontaria na Elza Soares?

4.15. Como a música contribuiu para que você passasse pelas adversidades da sua vida? Você se considera uma resiliente?

4.16. Você acha que a sua voz mudou ao longo dos anos? Melhorou ou piorou?

116

4.17. Comentam que você é muito vaidosa e que você fez muitas plásticas. Isso é verdade? Você fez alguma plástica no rosto que dificultou a movimentação dos músculos da face? Incluindo abertura da boca, movimentação dos lábios?

4.18. Como você percebe a sua própria voz?

4.19. Você conseguiria definir a sua voz?

4.20. Para finalizar parafraseando Marília Gabriela: Elza Soares por Elza Soares.

117

ANEXO C

“Se acaso você chegasse” (Lupicínio Rodrigues e Felisberto Martins)

Se acaso você chegasse No meu chatô encontrasse aquela mulher Que você gostou Será que tinha coragem De trocar nossa amizade Por ela que já te abandonou

Eu falo porque essa dona Já mora no meu barraco À beira de um regato E um bosque em flor

De dia me lava a roupa De noite me beija a boca E assim nós vamos vivendo de amor

“Malandro” (Jorge Aragão e Jotabê)

Lá laiá laiá laiá laiá laiá laiá laiá (2x)

Malandro Eu ando querendo falar com você Você tá sabendo que Zeca morreu Por causa de brigas que teve com a lei

Malandro Eu sei que você nem se liga no fato De ser capoeira moleque mulato

118

Perdido no mundo morrendo de amor ô ô

Malandro Sou eu que te falo em nome daquela Que na passarela é porta-estandarte E lá na favela tem nome de flor Malandro Só peço favor que te tenhas cuidado As coisas não andam tão bem pro seu lado Assim você mata rosinha de dor (repete intro 1x)

A Carne (Seu Jorge, Marcelo Yuca e Wilson Capellette)

A carne mais barata do mercado é a carne negra 5x

Que vai de graça pro presídio E para debaixo de plástico Que vai de graça pro subemprego E pros hospitais psiquiátricos

A carne mais barata do mercado é a carne negra 5x

Que fez e faz história Segurando esse país no braço O cabra aqui não se sente revoltado Porque o revólver já está engatilhado E o vingador é lento Mas muito bem intencionado E esse país Vai deixando todo mundo preto E o cabelo esticado

119

Mas mesmo assim Ainda guardo o direito De algum antepassado da cor Brigar sutilmente por respeito Brigar bravamente por respeito Brigar por justiça e por respeito De algum antepassado da cor Brigar, brigar, brigar

A carne mais barata do mercado é a carne negra

Opinião (Zé Keti) Podem me prender Podem me bater Podem, até deixar-me sem comer Que eu não mudo de opinião Daqui do morro Eu não saio, não

Se não tem água Eu furo um poço Se não tem carne Eu compro um osso E ponho na sopa E deixa andar Fale de mim quem quiser falar Aqui eu não pago aluguel Se eu morrer amanhã, seu doutor Estou pertinho do céu

Maria da Vila Matilde (Douglas Germano)

Cadê meu celular?

120

Eu vou ligar pro 180 Vou entregar teu nome E explicar meu endereço Aqui você não entra mais Eu digo que não te conheço E jogo água fervendo Se você se aventurar

Eu solto o cachorro E, apontando pra você Eu grito: péguix guix guix guix Eu quero ver Você pular, você correr Na frente dos vizinhos Cê vai se arrepender de levantar a mão pra mim

Cadê meu celular? Eu vou ligar pro 180 Vou entregar teu nome E explicar meu endereço Aqui você não entra mais Eu digo que não te conheço E jogo água fervendo Se você se aventurar

Eu solto o cachorro E, apontando pra você Eu grito: péguix guix guix guix Eu quero ver Você pular, você correr Na frente dos vizinhos Cê vai se arrepender de levantar a mão pra mim

E quando o samango chegar Eu mostro o roxo no meu braço

121

Entrego teu baralho Teu bloco de pule Teu dado chumbado Ponho água no bule Passo e ofereço um cafezim Cê vai se arrepender de levantar a mão pra mim

Cadê meu celular? Eu vou ligar pro 180 Vou entregar teu nome E explicar meu endereço Aqui você não entra mais Eu digo que não te conheço E jogo água fervendo Se você se aventurar

Eu solto o cachorro E, apontando pra você Eu grito: péguix guix guix guix Eu quero ver Você pular, você correr Na frente dos vizinhos Cê vai se arrepender de levantar a mão pra mim

E quando tua mãe ligar Eu capricho no esculacho Digo que é mimado Que é cheio de dengo Mal acostumado Tem nada no quengo Deita, vira e dorme rapidinho Você vai se arrepender de levantar a mão pra mim

Cê vai se arrepender de levantar a mão pra mim Cê vai se arrepender de levantar a mão pra mim

122

Cê vai se arrepender de levantar a mão pra mim Cê vai se arrepender de levantar a mão pra mim

Mão, cheia de dedo Dedo, cheio de unha suja E pra cima de mim? Pra cima de moi? Jamais, mané!

Cê vai se arrepender de levantar a mão pra mim

123

ANEXO D PROTOCOLO DE AVALIAÇÃO PERCEPTIVO-AUDITIVO DA VOZ

Nome do juiz avaliador: Data: Nº da música Fonoaudiólogo ( ) Professor de canto ( ) Canção _____

1- Coordenação pneufonoarticulatória: ( ) Coordenada ( ) incoordenada

2- Pitch: ( ) agudo ( ) médio para agudo ( ) médio ( ) médio para grave ( ) grave

3- Loudness: ( ) fraca ( ) adequada ( ) forte

4- Articulação: ( ) precisa ( ) imprecisa

5- Ataque vocal: ( ) suave ( ) brusco ( ) adequado ( ) duro

6- Ressonância: ( ) equilibrada ( )alta ( ) posterior ( ) hipernasal ( ) hiponasal ( )laringo-

faríngea ( ) laringo-faríngea com foco nasal discreto ( ) laringo-faríngea com foco nasal

compensatório ( ) laringo-faríngea com foco nasal acentuado

7- Registro vocal: ( ) basal ou fry ( ) modal de peito ( ) modal de cabeça ( ) falsete ( ) flauta

8- Brilho: ( ) voz com brilho ( ) voz sem brilho

9- Projeção: ( ) voz com projeção ( ) voz sem projeção

10- Vibrato: ( ) presente ( ) ausente

11- Tessitura da voz: ( ) ampla ( ) média ( ) restrita

12- Qualidade vocal: ( ) rouca ( ) soprosa ( ) áspera ( ) tensa ( ) fluída ( ) falada

( ) infantilizada ( ) hipernasal ( ) intoxicada ( ) encorpada ( ) comprimida

( ) presbifônica ( ) adaptada

13 - Growling vocal ( ) ausente ( ) presente

14 - Qualidade da gravação: ( ) ótima ( ) razoável ( ) ruim

15 - Expressividade no canto ( ) ausente ( ) presente

16 - O que mais chamou a atenção nessa interpretação? Justifique.

124