IV Simpósio de Biociências e Microbiologia

30 de novembro e 01 e 02 de dezembro de 2020

Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” Câmpus de São José do Rio Preto IBILCE – Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas

ANAIS

APOIO:

Programa de Pós-graduação em Biociências Programa de Pós-graduação em Microbiologia IV Simpósio de Biociências e Microbiologia

30 de novembro e 01 e 02 de dezembro de 2020

Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” Câmpus de São José do Rio Preto IBILCE – Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas

Programa de Pós-Graduação em Biociências Programa de Pós-Graduação em Microbiologia

ANAIS

São José do Rio Preto - SP UNESP/IBILCE 2021 Diretor Prof. Dr. Julio Cesar Torres Vice diretor Prof. Dr. Fernando Barbosa Noll

Programa de Pós-Graduação em Biociências Coordenação: Profa. Dra. Rejane Maira Góes. Vice-coordenação: Profa. Dra. Mary Massumi Itoyama Discentes: Jaqueline Alves Vieira, Flaviene Felix Torres

Programa de Pós-Graduação em Microbiologia Coordenação: Profa. Dra. Eleni Gomes. Vice-coordenação: Prof. Dr. Gustavo Orlando Bonilla Rodriguez. Discentes: Lara Maria Biancheti, Graciele Ribeiro de Moraes.

Comissão organizadora do evento: Discentes responsáveis Alana Della Torre da Silva, Artemiza da Silva Miranda, Bruna Emilia Roman, Carolina Gismene, Cíntia Lionela Ambrósio de Menezes, Érike Jhonnathan Pereira, Flaviene Felix Torres, Giovanna Tavares Jeronymo, Kelly Cristine Borsatto, Lara Maria Biancheti, Letícia Monteiro Bianco, Maicon Henrique Caetano, Mohammed Anas Zaiter, Olavo Henrique Petrucci Della Torre, Pâmela Jóyce Previdelli da Conceição, Rafaela dos Santos Peinado, Renan Moura Martins, Tamara de Carvalho, Victoria Simões Bernardo, Vinicius Lucatelle da Silva.

Docente responsável: Profa. Dra. Cláudia Regina Bonini Domingos. Organizador dos Anais: Pâmela Jóyce Previdelli da Conceição. Apoio: Fundação de Apoio à Pesquisa e Extensão de São José do Rio Preto

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

Simpósio de Biociências e Microbiologia (4. : 2020 : São José do Rio Preto, SP) Anais [do] IV Simpósio de Biociências e Microbiologia [recurso eletrônico] : 30 de novembro e 01 e 02 de dezembro de 2020, São José do Rio Preto-SP / [Organizador: Pâmela Jóyce Previdelli da Conceição]. – São José do Rio Preto : UNESP/IBILCE, 2021 371 p. : il. (algumas color.), tabs.

E-book Requisito do sistema: Software leitor de pdf Modo de acesso: ISBN 978-65-990334-7-6

1. Ciências da vida - Estudo e ensino. 2. Microbiologia. 3. Genética. 4. Biotecnologia. I. Universidade Estadual Paulista (Unesp), Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas, São José do Rio Preto. II. Conceição, Pâmela Jóyce Previdelli da. III. Título. CDU – 575:576.8

Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IBILCE UNESP - Câmpus de São José do Rio Preto

Bibliotecária: Luciane A. Passoni CRB-8 7302

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APRESENTAÇÃO

Apresentamos os Anais do IV Simpósio de Biociências e Microbiologia, composto por resumos expandidos apresentados por pesquisadores de todas as partes do Brasil, no evento que aconteceu entre os dias 30 de novembro e 01 e 02 de dezembro de 2020, em formato remoto devido à atual pandemia do COVID-19. O Simpósio de Biociências e Microbiologia nasceu com a união dos antigos Simpósio de Genética e Simpósio de Microbiologia, organizados por pós-graduandos dos PPG em Biociências e em Microbiologia, respectivamente, com o ideal de realizar uma programação que ultrapasse os conhecimentos de barreiras e que amplie horizontes a fim de alcançar novas oportunidades. Dessa forma, busca-se propiciar intercâmbio de informações, conhecimento e experiências de pesquisa entre os participantes, especialmente entre os próprios alunos dos Programas de Pós-graduação em Biociências e em Microbiologia do Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas - IBILCE/UNESP de São José do Rio Preto-SP e, também, entre diversos profissionais do instituto e região. Os resumos expandidos que compõem esses Anais são produções científicas de alta qualidade e apresentam resultados de pesquisas em diversas fases de desenvolvimento, de modo que posteriormente possam ser aperfeiçoadas e, quiçá, serem transformadas em trabalhos completos a serem publicados em revistas de alta qualidade e credibilidade acadêmica. Os trabalhos estão organizados de acordo com a área a que pertencem, sendo divididos em: Biologia Celular e Estrutural, Genética e Evolução, Genética Humana e Médica, Microbiologia de Alimentos, Microbiologia Industrial e Biotecnológica, Microbiologia Médica e Virologia. Esses Anais são compostos por um conjunto de estudos que representam o debate nacional cumprindo uma dupla função, seja para livre circulação da informação, seja como objeto de consulta para nortear o desenvolvimento futuro de novos trabalhos. É com este propósito que nos orgulhamos de trazer ao público uma publicação científica e pluralista que, seguramente, contribuirá para o conhecimento de pesquisadores de todo o Brasil em conteúdos relacionados à pesquisa biológica, em seus vários tópicos.

São José do Rio Preto, janeiro de 2021.

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Sumário APRESENTAÇÃO ...... 4 Biologia celular e estrutural ...... 9 Efeitos da dieta enriquecida com ácido docosahexaenóico na progressão tumoral na próstata anterior de camundongos TRAMP ...... 10 Indução das metaloproteinases MMP8 e MMP9 durante a interação de macrófagos THP-1 com o dermatófito Trichophyton rubrum ...... 18 Repercussões inflamatórias na glândula mamária e próstata de fêmeas após exposição perinatal ao bisfenol A e 17-β estradiol ...... 21 O efeito do óleo de coco na expressão de ER e ERβ na próstata de gerbilos ...... 29 Efeito genotóxico causado pela exposição a Fipronil (Regent® 800WG) sobre os eritrócitos de Scinax fuscovarius (Anura-Hylidae)...... 35 Sincronia cardiorrespiratória pós-prandial e ausência de ajustes ventilatórios em resposta a digestão no teleósteo Oreochromis niloticus ...... 41 Estudo etnofarmacológico e fitoquímico de Alternanthera philoxeroides tendo em vista seu potencial antialérgico ...... 49 Anexina A1: sobrevivência celular em placentas de gestantes portadoras de Diabetes Mellitus ...... 55 Reorganização tecidual da próstata ventral de gerbilos adultos após a suplementação pela testosterona e exposição ao BCP...... 63 Bisfenol A: os impactos na involução da glândula mamária de mães após exposição durante a gestação e lactação ...... 71 Genética animal e evolução...... 77 Avaliação do valor adaptativo em duas populações com linhagens infectadas e não infectadas por Wolbachia em sturtevanti (Diptera, ) ...... 78 Sobre o posicionamento filogenético do grupo lutzii de Drosophila: uma abordagem filogenômica e filogenética ...... 85 Seria Triatoma sordida (Stål, 1859) (Hemiptera, Triatominae) La Paz (Bolívia) uma espécie incipiente ou apenas um polimorfismo cromossômico?...... 91 Variabilidade genética de camarões (Litopenaeus vannamei) utilizando marcadores moleculares ISSR (Inter Simple Sequence Repeats), em população cultivada ...... 97 Seriam Triatoma melanocephala, T. tibiamaculata e T. vitticeps integrantes do subcomplexo Brasiliensis (Hemiptera, Triatominae)? ...... 104 Genética humana e médica ...... 108

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Melatonina: um aliado no tratamento do câncer do colo de útero ...... 109 Piperina promove modificação na morfologia, diminuição da proliferação e viabilidade nas células de câncer de cabeça e pescoço...... 116 A piperina altera a proliferação, viabilidade e morfologia celular em linhagens celulares de câncer de colo de útero...... 121 Efeito do Extrato total da folha de Piper nigrum no câncer de cabeça e pescoço comparado com células normais ...... 128 Microbiologia de alimentos ...... 133 Caracterização do perfil de resistência a antimicrobianos de bactérias ácido láticas potencialmente probióticas...... 134 Desempenho de diferentes meios de cultura na quantificação da micobiota contaminante de piracuí ...... 141 Qualidade microbiológica de queijo Minas artesanal fresco comercializado informalmente em uma cidade do Triângulo Mineiro...... 144 Microbiologia industrial e biotecnológica ...... 148 Avaliação da obtenção da toxina esfoliativa D (ETD) de Staphylococcus aureus em diferentes estados oligoméricos, e seu efeito na interação com peptídeos desenhados com base na desmogleína 1 (Dsg 1) humana, murina e canina ...... 149 Avaliação da produção de biossurfactantes por microrganismos isolados para o tratamento de superfícies contaminadas por óleo ...... 158 Prospecção do potencial antifúngico de isolados bacterianos obtidos a partir da epiderme de anuros do quadrilátero ferrífero – MG ...... 163 Interação físico-química do adsorvente com Saccharomyces cerevisiae imobilizada em superfície ...... 171 Avaliação da tolerância de cepas bacterianas a presença de ácido p-cumárico ...... 179 Produção de meio de cultivo para Bacillus thuringiensis a partir do resíduo da fermentação cervejeira ...... 183 Estudo da interação da proteína repressora de arginina (ArgR) de Clostridium botulinum, Corynebacteriu pseudotuberculosis, Porphyromonas gingivalis e Nocardia farcinica com seus possíveis ligantes ...... 189 Biodegradação de tinta de tecido por bactéria isolada do solo ...... 197 Produção de ramnolipídios por linhagens de Pseudomonas aeruginosa utilizando glicerol como fonte de carbono ...... 202 Bioconversão enzimática de ácido ferúlico com identificação, localização e caracterização parcial de enzima bacteriana ácido ferúlico descarboxilase ...... 207 Avaliação da compatibilidade de inseticidas e fungicidas com fungos entomopatogênicos e nematófagos utilizados no controle biológico ...... 213 Detecção da produção de amilases por fungos filamentosos isolados de diferentes substratos no estado do Piauí, Brasil ...... 221 Seleção de fungos com potencial para biorremediação de herbicida ...... 227 Microbiologia médica ...... 235

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Diversidade Aérea Fúngica em Ambientes Hospitalares Artificialmente Climatizados ...... 236 Avaliação da produção de compostos antimicrobianos pelo clone metagenômico P07H3 prospectado do coral Siderastrea stellata e simbiontes ...... 241 Contaminação Aérea por Bioaerossóis de Aspergillus e Penicillium em Centros Cirúrgicos ...... 245 Reversão da resistência de Staphylococcus aureus à ciprofloxacina através da inibição da bomba de efluxo MepA pelo limoneno ...... 250 Síntese e Avaliação de Análogos da 2’,4’-Dimetoxichalcona Contra Fungos Dermatófitos ...... 255 Potencial antimicrobiano do mel produzido por Melipona quadrifasciata e Partamona seridoenses frente a amostras de Staphylococcus aureus ...... 261 Desequilíbrio de espécies de Bacteroides e Bifidobacterium na microbiota intestinal de pacientes com tireoidite de Hashimoto ...... 266 Síntese e avaliação biológica de bavachalcona (BVC) e análogos como potenciais agentes contra a tuberculose ...... 270 Caracterização de cepas de Staphylococcus aureus isoladas de pele e narinas de crianças com dermatite atópica ...... 277 Análise do perfil proteômico de Trichophyton rubrum utilizando meio de cultura contendo queratina revela proteínas envolvidas na infecção superficial...... 278 Avaliação da ação antifúngica de curcuminóides contra o dermatófito Trichophyton rubrum...... 282 Análise da qualidade microbiológica do ar de um hospital e maternidade localizado no oeste do paraná ...... 287 Atividade antifúngica de óleos essenciais sobre espécies de Candida...... 294 Avaliação do potencial antitumoral de Lactobacillus sp. probióticos frente ao câncer colorretal induzido por 1,2-dimetilidrazina em ratos Wistar ...... 299 Contaminação Aérea por Cladosporium cladosporioides em Ambientes Hospitalares Críticos ...... 304 Investigação da qualidade do ar interior em diversos ambientes de saúde ...... 309 Caracterização inicial de genes de resistência a antibióticos em bactérias da espécie Helicobacter pylori ...... 314 Efeito sinérgico entre fluconazol e metabólitos de Candida parapsilosis contra Trichophyton mentagrophytes isolado de onicomicoses ...... 318 Do ambiente ao hospedeiro: a influência de agroquímicos na virulência e resistência de cryptococcus gattii ...... 323 Virologia ...... 331

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Investigação de mutações adaptativas no genoma do zikvbr após passagens em hospedeiros humano e símio...... 332 Investigação de Arbovírus em Carrapatos ...... 340 Avaliação do Efeito Antiviral do Peptídeo AG-Hecate e seu Análogo na Replicação do Chikungunya ...... 344 Perfil de expressão por imuno-histoquímica de marcadores imunológicos em lesões cervicais benignas HPV positivas ...... 351 Investigação das mutações encontradas após adaptação da linhagem africana de ZIKV...... 358 Identificação da presença de arbovírus em amostras de soro e urina de indivíduos sintomáticos e assintomáticos presentes na Unidade de Pronto Atendimento (UPA) do município de Mirassol-SP...... 366

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Biologia celular e estrutural

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Efeitos da dieta enriquecida com ácido docosahexaenóico na progressão tumoral na próstata anterior de camundongos TRAMP

SILVA, A. D. T da¹, AMARO, M. G.¹, TAMARINDO, G. H.², QUITETE, V. H. A. C.², GÓES R. M.¹

¹ Departamento de Biologia, Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas – Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” – UNESP – São José do Rio Preto, SP. ² Departamento de Biologia Estrutural e Funcional, Instituto de Biologia – Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP – Campinas, SP.

Introdução O adenocarcinoma de próstata (CaP) é o segundo tipo de câncer mais comum em homens, com alta taxa de mortalidade a nível mundial, considerado um grave problema de saúde pública (BRAY et al., 2018; SIEGEL, et al., 2020). Sua etiologia é complexa e multifatorial, sendo a dieta um fator ambiental cujo papel tem sido discutido na carcinogênese prostática. As consequências do consumo excessivo de lipídios parecem influenciar de forma diferencial a homeostasia da próstata, tendo em vista que têm sido reportadas diferentes respostas a depender da natureza do ácido graxo (MOKBEL et al., 2019). O consumo de ácidos graxos poli-insaturados (PUFAs) ômega-3 (n-3), como o ácido docosahexaenóico (DHA, C22:6, n-3), foram considerados protetores para vários tipos tumorais, devido à sua ação anti-proliferativa (LEITZMANN et al., 2004). Contudo, para o CaP essa ação ainda é questionada, visto que estudos recentes reportaram uma maior ingestão desses ácidos graxos relacionados ao aumento do risco de desenvolvimento de câncer de próstata (BRASKY et al., 2011; SORONGON-LEGASPI et al., 2013). Dessa forma, as repercussões do consumo desses ômega-3 sobre a morfofisiologia prostática ainda é um tema a ser discutido.

Objetivos Investigar os resultados da dieta de óleo de peixe enriquecida com DHA na progressão tumoral no lobo prostático anterior de camundongos TRAMP, com base na análise histopatológica, proliferação celular, expressão tecidual de receptor de andrógeno e estrógeno, infiltração de linfócitos T, alterações estromais e parâmetros metabólicos.

Metodologia Camundongos TRAMP com 7 semanas de idade foram divididos (n=10/grupo) segundo a idade e consumo de ração em grupos controle – alimentados com ração padrão e eutanasiados com 8 (C8), 12 (C12) e 20 (C20) semanas de idade - e alimentados com dieta enriquecida com 10% de óleo de peixe (DHA 500TG, Naturalis®, Tabela 1) e eutanasiados com 12 (T12 – 4 semanas de tratamento) e 20 (T20 – 12 semanas de tratamento) semanas de idade. O grupo com 8 semanas de idade foi utilizado como parâmetro da fase inicial do CaP. A eutanásia foi realizada por aprofundamento anestésico, o sangue coletado por punção cardíaca e processado para determinação de lipídeos séricos (triglicerídeos e colesterol total) por método de reação enzimática. Os lobos prostáticos foram fixados em Bouin e processados para inclusão em parafina. As amostras foram cortadas em seções de 4 µm de espessura e submetidas a procedimentos de coloração Picrossírius-Hematoxilina (para quantificação das fibras colágenas) e Hematoxilina-Eosina (HE). A análise histopatológica foi realizada segundo Kido et al. (2016) determinando as frequências de neoplasias intra-epiteliais de baixo (LGPIN) e alto grau (HGPIN), de carcinoma in situ (CIT) e das áreas livres de lesão (NE). A densidade de células em proliferação (positivas para histona H3 fosforilada - PHH3) ou expressando receptor de andrógeno (AR), de estrógeno (ER-α) e α-actina do músculo liso (αSMA) foram estimadas após reações de imuno-histoquímica, assim como a infiltração de linfócitos T, pela marcação positiva para o cluster de diferenciação 3 (CD3). Os dados obtidos foram comparados por

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ANOVA seguido pelo teste de intervalo múltiplo de Bonferroni. Resultados estatisticamente significantes quando p ≤ 0,05. (CEUA-IBILCE: nº 198/2018).

Tabela 1. Informações nutricionais das dietas padrão e enriquecida com óleo de peixe que foram utilizadas no tratamento dos camundongos TRAMP.

Dieta padrão Dieta ômega-3

g/100g g/100 Caseína 20 20 Amido de milho 52,474 42,474 Sacarose 10 10 Óleo de soja 7 7 Óleo de peixe - 10 Celulose 5 5 Mix de minerais AIN-93G 3,5 3,5 Mix de vitaminas AIN-93G 1 1 Bitartarato de colina 0,25 0,25 L-cistina 0,3 0,3 BHT 0,476 0,476 Total 100,476 100,476

Fonte: REEVES et al, 1993.

Resultados e Discussão A dieta rica em DHA diminuiu os níveis séricos de colesterol (C8: 33,5 ± 5,5; C12: 34,8 ± 4,7; T12: 23,5 ± 2,31; C20: 43,3 ± 7,2; T20: 29,64 ± 4,38 mg/dL) e triglicerídeos (C8: 156 ± 87,1; C12: 126 ± 58,9; T12: 38 ± 35; C20: 126 ± 40,9 T20: 49 ± 21,57 mg/dL) nos grupos tratados quando comparados com seus respectivos grupos controle (Figura 1). Além disso, entre os animais sob dieta padrão, um aumento do colesterol sérico foi observado em C20. Considerando que níveis elevados de triglicerídeos e/ou colesterol tem sido associados com maior risco de desenvolvimento e/ou recorrência do CaP (ALLOTT et al., 2014), sugere- se que esse pode ser um dos mecanismos pelos quais o DHA da dieta atrasa a progressão tumoral no TRAMP. De fato, a hipertrigliceridemia pode induzir resistência à insulina e promover estresse oxidativo, ambos fatores de risco para o desenvolvimento do CaP (KLAFKE, et al., 2015). Além disso, recentemente foi relatado que os níveis séricos de colesterol se correlacionam positivamente com a proliferação epitelial e com os níveis intraprostáticos de andrógenos (ALLOTT et al., 2018).

Figura 1. Níveis de lipídios no soro de camundongos TRAMP. (A) Níveis séricos de triglicérides e de (B) colesterol total. Dados expressos em média ± desvio padrão. Barras indicam diferença estatística entre os grupos, n = 7.

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A análise histopatológica (Figura 2 F-J) da próstata anterior demonstrou que a dieta manteve frequências elevadas de epitélio normal nos grupos tratados com relação aos controles de mesma idade, além de reduzir LGPIN no grupo T12, comparado com C12 e reduzir HGPIN no grupo T20, comparado com C20. Mantendo, dessa forma, o aspecto histopatológico da próstata semelhante ao encontrado nos estágios iniciais da carcinogênese (ou seja, nos camundongos com 8 semanas de idade).

Figura 2. Fotomicrografias, por grupo experimental, da próstata anterior de camundongos TRAMP e análise histopatológica. (A-E) Fotomicrografias da próstata anterior dos camundongos TRAMP de diferentes idades, com áreas de epitélio normal (setas pretas), presença de lesões intra-epiteliais prostáticas de baixo grau (LGPIN, cruz) e alto grau (HGPIN, asterisco). Epitélio (ep); estroma (es) e lúmen (l). (F-I) Análise histopatológica na próstata dorsolateral de camundongos TRAMP. (F) Epitélio normal. (G) LGPIN, (H) HGPIN e (I) CIT. (J) Perfil histopatológico. Dados expressos em média ± desvio padrão. Barras indicam diferença estatística entre os grupos, n = 5 (* p ≤ 0.05; ** p ≤ 0.01; *** p ≤ 0.001; **** p ≤ 0.0001). Coloração: Hematoxilina-Eosina. Escala: (A, C- E) 20 µm; (B) 50 µm.

O modelo TRAMP (do inglês, transgenic adenocarcinoma of mouse prostate) exibe uma forma progressiva de CaP durante o envelhecimento, desenvolvendo lesões que variam de pré-neoplásicas a metástase. Com 8 semanas de idade, a glândula é caracterizada por tecido normal e LGPIN que progridem para HGPIN com 12-16 semanas de idade. As lesões malignas, como CIT, tornam-se mais frequentes após 18 semanas de idade. No entanto, a progressão da doença é diferencial nos lobos prostáticos devido ao padrão de expressão do transgene, que é menos expresso no lobo anterior, com consequente progressão mais lenta (KIDO et al., 2019). Mesmo assim, é um ótimo modelo de estudo, traz conhecimentos essenciais sobre o desenvolvimento do CaP, além de possibilitar a investigação de diferentes graus do perfil tumoral e progressão em um curto período. Tem sido amplamente adotado para avaliar novas terapias para o controle do CaP (GELMAN, 2016). O estroma glandular dos camundongos com 8 semanas de idade exibiu um fenótipo normal marcado pela disposição do colágeno (7,9%) entre as células musculares lisas e fibroblastos ao redor dos ácinos prostáticos. Além de uma baixa frequência para αSMA (11,5%). Os grupos controle de maior idade, C12 (αSMA: 29,4%; fibras colágenas: 23,7%) e C20 (αSMA: 30,7%; fibras colágenas: 21,6%) exibiram um estroma mais hipertrófico com fibras de colágeno abundantes ao redor dos ácinos prostáticos e aumento da frequência para αSMA. A dieta rica em DHA manteve as características do estroma mais semelhantes ao encontrado nos estágios iniciais da carcinogênese, com baixa densidade estromal, atestada por menor frequência para αSMA e poucos elementos fibrilares (T12 - αSMA: 16,5%; fibras colágenas: 4,9%; T20 - αSMA: 26,3%; fibras colágenas: 15,4%) (Figura 3 C-D). Contudo,

13 nestes grupos ainda foram observadas algumas regiões de espessamento do colágeno, particularmente em áreas de distúrbios proliferativos. Nesse sentido, os resultados apresentados mostram que o consumo de uma dieta de óleo de peixe rica em DHA por camundongos TRAMP leva a uma redução da severidade das PINs, aumento das áreas de epitélio normal na próstata e manutenção das características estromais. Considerando o CaP, sabe-se que a interação epitélio estroma é crucial para a resposta prostática (HAYWARD; CUNHA, 2000). Um aumento dos compostos estromais, como fibras de colágeno, caracterizam alterações do estroma nesta doença (ZHANG et al., 2002). Além disso, o microambiente tumoral é composto por fibroblastos ativados (CAFs), que expressam altos níveis de α-actina do músculo liso e colágeno tipo I, e favorecem a proliferação e migração de células epiteliais do tumor (RINELLA et al., 2020). Assim, o tratamento com DHA se mostra positivo ao manter a baixa densidade estromal com menor imunorreatividade para αSMA e poucos elementos fibrilares. Como esperado para o modelo, houve um aumento de células proliferativas (positivas para PHH3) no lobo anterior de camundongos de maior idade (C12: 4,26 ± 0,92 e C20: 4,16 ± 1,25; células por campo, p <0,05) em comparação com os camundongos controle de 8 semanas (1,70 ± 0,20 células por campo). A dieta rica em DHA manteve a taxa proliferativa em T12 e T20 (T12: 2,30 ± 0,14 e T20: 2,46 ± 0,11células por campo) próxima ao grupo C8 e menor do que seus grupos controle de mesma idade (Figura 3 A). Foi demonstrado em outros estudos que o DHA reduz a viabilidade das células cancerígenas e diminui a proliferação in vitro e in vivo (BRATTON et al., 2019; TAMARINDO; GÓES, 2020). Há evidências consideráveis de que o tratamento com DHA é capaz de provocar uma parada na fase G1, fase S e possivelmente arresto do ciclo celular na fase G2/M (NEWELL et al., 2017; TAMARINDO; GÓES, 2020). Estudos com cultura de células mostram que esse ômega-3 é capaz de alterar a ativação de vias de proliferação e sobrevivência celular. Seu consumo está associado à alteração da localização celular da Akt, bem como a redução da sua ativação (GU et al., 2013), redução da fosforilação da Akt/mTOR e do metabolismo celular (SHIN et al., 2013; TAMARINDO et al., 2019) e modulação da ação do fator nuclear kappa B (NF-κB), reduzindo sua atividade transcricional (CAVAZOS et al., 2011). Com isso, a redução na densidade de células em proliferação encontrada no grupo de animais alimentados com esse PUFA pode ter sido modulada por essas mesmas vias de sinalização já descritas em estudos in vitro. A análise da expressão de AR e ER-α no tecido demonstrou um aumento na frequência epitelial nos grupos C12 (AR: 33,10 ± 2,27; ER-α: 34,39 ± 2,62) e C20 (AR: 34,91 ± 4,4; ER- α: 38,33 ± 3,65) no lobo anterior em comparação com C8 (AR: 16,73 ± 1,19; ER-α: 20,89 ± 2,66). O grupo C12 apresentou um aumento da expressão estromal de ER-α (2,05 ± 0,79) e o grupo C20 aumento de AR (3,55 ± 1,23) e ER-α (2,07 ± 0,62) em comparação com o grupo controle C8 (AR: 1,83 ± 0,57; ER-α: 0,89 ± 0,31). A ingestão de DHA foi capaz de preservar uma baixa frequência de AR e ER-α epitelial, tanto em T12 (AR: 16,36 ± 3,76; ER-α: 24,43 ± 1,75), quanto em T20 (AR: 22,96 ± 2,20; ER-α: 31,05 ± 0,84), com relação aos controles de mesma idade (Figura 3 E-H). Os dados apresentados indicam que a diminuição na gravidade das lesões está associada à redução da proliferação celular e também à alteração na frequência de AR e ER-α. A expressão de AR é importante para regular a morfofisiologia prostática em condições normais, levando à sobrevivência celular e atividade funcional, mas sua desregulação é uma etapa crítica para a patogênese do CaP. Durante a progressão do qual, a expressão do AR aumenta gradualmente e se correlaciona com a gravidade da doença, tanto no modelo humano quanto no TRAMP (SILVA et al., 2017). A superestimulação da próstata por esses hormônios pode resultar no desenvolvimento do CaP, assim como a superprodução de AR resulta em hipersensibilidade a pequenas quantidades de andrógenos circulantes, indicando uma

14 contribuição para o desenvolvimento e progressão de tumor (LEACH et al., 2015; SILVA et al., 2017). Neste sentido, foi demonstrado que células estromais e epiteliais em camundongos TRAMP AR-/-, com a falta de expressão desse receptor leva a uma diminuição do tamanho do tumor, da gravidade e da invasão metastática e redução do nível de testosterona (NIU et al., 2008). O AR atua como um regulador principal da progressão da fase G1-S, capaz de induzir sinais que promovem a atividade da quinase dependente de ciclina G1 (CDK), induzir a fosforilação/inativação do supressor de tumor de retinoblastoma (RB) e, assim, governar a proliferação dependente de andrógeno (BALK; KNUDSEN, 2008). Trabalhos in vitro mostram que os ácidos graxos ômega-3 são capazes de impedir a progressão das células LNCaP, correlacionado com uma diminuição na expressão do AR, bem como com a supressão da via de sinalização de Akt / mTOR (FRIEDRICHS et al., 2011). Outro trabalho com a mesma linhagem demonstrou que o DHA promove a degradação mediada por proteassoma do AR, fornecendo um novo mecanismo pelo qual ele exibe um efeito inibitório no crescimento de células de câncer de próstata (HU et al., 2015). Portanto, a modulação da sinalização androgênica pela ingestão de ômega-3 é um mecanismo eficaz que retarda a progressão tumoral. É importante ressaltar que foi observado uma redução significativa na frequência de células epiteliais AR-positivas com a dieta rica em ômega-3 na próstata anterior e também dorsolateral e ventral de camundongos TRAMP, de acordo com trabalhos do laboratório, indicando possível efeito de inibição da proliferação celular por meio de vias androgênicas. Com relação ao ER-α, diferentes autores relataram que esse receptor está relacionado ao processo cancerígeno na próstata (HÄRKÖNEN; MÄKELÄ, 2004; HETZL et al., 2014). Além disso, a ativação do ER-α também promove a inflamação, que pode estimular a enzima aromatase e a ativação adicional do ER-α, levando ao desenvolvimento do CaP (ELLEM; RISBRIDGER, 2007). SĹUSARZ et al. (2012) verificaram os efeitos pró-tumorigênicos de ER- α, mostrando menor incidência de adenocarcinoma prostático pouco diferenciado no modelo nocaute para ER-α em camundongos TRAMP, em comparação com camundongos selvagem. Na próstata anterior de camundongos TRAMP os linfócitos T foram encontrados principalmente no epitélio acinar e sua frequência aumentou no grupo C20 de maior idade e gravidade das lesões (C8: 1,82 ± 0,31; C20: 3,42 ± 0,68 células por campo). No entanto, a dieta rica em DHA não resultou em alterações significativas nesse número (Figura 3 B). As variações nas populações de linfócitos no microambiente tumoral vêm sendo amplamente investigadas, e em relação à próstata é relatado que o principal subtipo encontrado em amostras de CaP é o linfócito T CD4 + (T helper, positivo para CD3) (MERCADER et al., 2001). Vários autores investigaram o perfil celular inflamatório associado ao câncer de próstata registrando que os linfócitos T CD3 + eram mais frequentes em pacientes com câncer em relação ao tecido prostático normal. Além disso, o número de células CD3 + nas áreas tumorais e estromais foi significativamente maior nos tumores primários de pacientes com câncer de próstata metastático do que naqueles de pacientes sem metástases e a presença desses linfócitos infiltrantes de tumor CD3+ associou-se significativamente à redução da sobrevida livre de recorrência (SFANOS et al., 2018).

Figura 3. Análise quantitativa das reações de Imuno-histoquímica e fibras colágenas por coloração picrossirius- hematoxilina. (A) Quantificação do número de células de PHH3-positivas. (B) Quantificação das células CD3- positvas. (C) Quantificação da expressão tecidual de α-SMA. (D) Quantificação do colágeno no ambiente estromal. (E-F) Quantificação da expressão epitelial (E) e estromal (F) do AR. (G-H) Quantificação da expressão epitelial (G) e estromal (H) do ER-α. Dados expressos em média ± desvio padrão, n = 5. Barras indicam diferença estatística entre os grupos experimentais. (* p ≤ 0.05; ** p ≤ 0.01; *** p ≤ 0.001; **** p ≤ 0.0001).

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Conclusão A dieta rica em DHA nas condições utilizadas levou ao atraso na progressão do CaP no lobo anterior nos períodos de consumo examinados. O aspecto histopatológico da próstata se manteve muito semelhante ao encontrado nos estágios iniciais da carcinogênese. Esse atraso foi relacionado à redução da proliferação celular, regulação negativa da expressão de AR e ER- α, modulação do estroma e melhora no perfil lipídico. Os resultados experimentais obtidos sugerem uma ação positiva do DHA como potencial agente quimioprotetor para o CaP ou como coadjuvante para as terapias existentes.

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Apoio Financeiro Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP, processos: 2018/21891-4 e 2019/15109- 4).

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Indução das metaloproteinases MMP8 e MMP9 durante a interação de macrófagos THP-1 com o dermatófito Trichophyton rubrum CANTELLI, B.A.M1, SEGURA, G. G. 1, MARINS, M. 1, FACHIN, A. L.1.

1UNAERP,Unidade de Biotecnologia.

Introdução

As infeções fungicas são causadas por fungos patogênicos que acometem animais e principalmente seres humanos. Esses fungos filamentosos possuem a capacidade de invadir estruturas queratinizadas, como pele, cabelos e unhas como fonte de nutrição (Khurana, Sardana e Chowdhary, 2019). Essas infecções superficiais comprometem cerca de 900 milhões de pessoas em todo o mundo (Hay, 2020), sendo elas chamadas de dermatofitose (Gnat et al., 2019). As dermatófitoses são frequentemente superficiais, porém podem se tornar graves quando associada à outros problemas de saúde (Bongomin et al., 2017), atuando na piora do prognóstico do paciente, onde ocorre a disseminação dessa patologia dependendo da área do corpo infectado e do estado imunológico do hospedeiro. A infecção se inicia com a interação fungo-hospedeiro onde acontece a aderência do conídio, seguido pela formação de hifas que podem se espalhar pelo tecido. Nesta etapa são liberadas enzimas fúngicas que destroem a barreira epidérmica e outros fatores de virulência que ativarão os queratinócitos aumentando a proliferação do fungo. Neste momento ocorre a ativação da resposta imune do hospedeiro em consequência da expressão de genes fungicos que causam reações inflamatórias para defesa ao hospedeiro (Brasch, 2010; Kasperova et al., 2014). As metaloproteinases de matriz (MMPs) são um grupo de enzimas responsáveis pela degradação da matriz extracelular e a atividade dessas enzimas está relacionada com alguns dos processos biológicos, como homeostase da matriz extravelular, degradação do tecido, migração de células, dentre outros etc. (Salehinodeh et al., 2012). Além do efeito na remodelagem dos tecidos lesados, é demonstrado que a metaloproteinase 9 da matiz é utilizada para a migração das células inflamatórias para a epiderme (Ratzinger et al., 2002). Existem 25 tipos de MMPs, sendo 24 encontradas em mamíferos e o seu papel estava restrito ao catabolismo da matriz extracelular. Novas descobertas mostraram que, as MMPs clivam uma ampla gama de substratos extracelulares, bioativos, entre outros. As funções estabelecidas para MMPs incluem a liberação de fatores de crescimento da membrana celular ou MEC, clivagem de receptores do fator de crescimento da superfície celular, liberação de moléculas de adesão celular e ativação de outras MMPs (Gill e Parks, 2008).

Objetivo Analisar as metaloproteinases encontradas após a realização do perfil transcricional do co-cultivo de macrófagos humanos THP-1 com o dermatófito T. rubrum através de RNA-seq.

Metodologia

Co-cultivo Foi utilizada a linhagem de monócito humano denominada de THP-1, diferenciada em macrófago utilizando 12,5 ng/mL de forbol 12-miristato 13-acetato (PMA) em 24h de cultivo em meio RMPI 1640 suplementado com 10% de soro bovino fetal com antibióticos (Penicilina- estreptomicina na concentração de 100 unidades de penicilina e 100 mg/mL estreptomicina e canamicina foi cultivada em estufa contendo 5% de CO2 na temperatura de 37º C. O cultivo da linhagem de T.rubrum foi realizado em meio de cultura Sabouraud Dextrose agar por 15 dias a 28º C, segundo os métodos previamente descritos por (Fachin et

19 al., 2006). A solução de conídios foi preparada na concentração 1x107 conídio/mL em hematímetro, em seguida foram incubadas em 50 mL de meio Sabourad líquido e foram incubados num agitador orbital por 7h para germinação dos conídios (Cantelli et al., 2017). Os dois organismos (macrófagos e T. rubrum) foram reunidos e mantidos em estufa de CO2 5% a 37ºC por 24 h. Em seguida foi realizada a extração de RNA, verificação da integridade através do bioanalisador.

RNA-SEQ

Após confirmar que os RNAs estavam integros e com a qualidade ideal, as bibliotecas de cDNA foram construídas e o sequenciamento foi realizado utilizando o sequenciador Hiseq 2000, com o kit Illumina NextSeq, e as bibliotecas foram realizadas em paired end, conforme descrito por (Petrucelli, et al., 2018). As análises dos resultados foram obtidas utiilizando a ferramenta FastQC (filtrar controle de qualidade), alinhador STAR (alinha genoma humano hg38). A análise da expressão diferencial foi realizada com o pacote DESeq2 Bioconductor (Love, Huber e Anders, 2014) e a análise de enriquecimento GO para DEG foi realizada usando a ferramenta de análise Funcional Enriquecimento FunRich (http://www.funrich.org/).

Resultados e discussão Após a análise dos dados encontrados no RNA-seq, observamos o aumento da expressão de duas MMPs no co-cultivo, conforme demonstrado na tabela 1.

ID Log2FoldChange Nome do Gene MMP9 1.05 Metalopeptidase 9 da matriz MMP8 1.35 Metalopeptidase 8 da matriz

As metaloproteinases são derivadas de leucócitos ou de macrófagos, (Yuan; Mitchell; Wilhelmus, 2009) descreveram que as MMP8 e MMP9 foram reguladas positivamente após infecção de córnea com Cândida albicans , mostrando o envolvimento destas MMPs com a queratite fúngica. As MMPs têm influência no sistema imunológico, ativando e degradando moléculas quimiotáticas, (Marth et al., 2015) demonstraram que a expressão do gene MMP9 foi induzido após inoculação de E. coli com biópsias endometriais de equinos. (Petrucelli, M. et al., 2018) também encontraram esse gene regulado positivamente em queratinócitos humano co- cultivados com T.rubum, através de análise por RNA-seq. Mellanen et al., (1996) verificou que as MMP8 foram aumentadas na saliva de pacientes com HIV, demonstrando que as MPPS podem refletir e participar diretamente na periodontite associada à infecção pelo HIV

Conclusão Encontramos através do RNA-seq que a expressão das metaloproteinases MMP8 e MMP9 foram induzidas durante a interação dos macrófagos THP-1 com o dermatófito Trichophyton rubrum, fato que demonstra o envolvimento desses genes nas dermatofitoses profundas.

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Apoio financeiro Capes: Bolsa de doutorado FAPESP: processo nº 2019/10514

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Repercussões inflamatórias na glândula mamária e próstata de fêmeas após exposição perinatal ao bisfenol A e 17-β estradiol

LEONEL, E.C.R.1, RUIZ, T.F.R.1, BEDOLO, C.M.1, CAMPOS, S.G.P.1, TABOGA, S.R.1

1Departamento de Biologia, Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas, Unesp, São José do Rio Preto, São Paulo.

Introdução O desenvolvimento de materiais práticos, especialmente o plástico, foi revolucionário e seus benefícios são inegáveis em diferentes áreas, como componentes industriais, hospitalares e commodities. Porém, segundo o UN World Environment Day Outlook 2018, a fabricação do plástico deve ser repensada, uma vez que são aplicadas grandes quantidades de plastificantes, elementos tóxicos adicionados aos materiais poliméricos que auxiliam seu processamento e formulação (PEREIRA et al., 2015). Estes elementos tóxicos incluem uma lista de disruptores endócrinos (DE), que são substâncias químicas de origem exógena que interferem no sistema endócrino de modo a mimetizar o efeito de hormônios. Isto afeta diretamente o metabolismo e desenvolvimento dos órgãos influenciados pelo sistema endócrino podendo causar danos estruturais e funcionais (TOPPARI, 2008). Um exemplo de DE é o composto bisfenol A (BPA), amplamente adotado e frequentemente utilizado na fabricação de plásticos, selantes em latas de alumínio e resinas epóxi (HOEKSTRA; SIMONEAU, 2013). A partir destes, o BPA é liberado para o meio ambiente por meio do ar, da água e até do solo por seu processo de produção industrial e posterior degradação (MICHAŁOWICZ, 2014). Glândulas responsivas a hormônios, como a glândula mamária (GM) (PERROT- APPLANAT et al., 2018) e a próstata (PRINS et al., 2017), são particularmente vulneráveis aos efeitos do BPA. Durante a ligação do BPA aos receptores de estrogênio, uma conformação transcricional inadequada pode ocorrer, desencadeando alterações nos níveis de expressão gênica (ACCONCIA; PALLOTTINI; MARINO, 2015). Como resultado, os efeitos proliferativos e antiproliferativos do ERα e ERβ são perturbados, levando à hiperplasia e lesões pré-neoplásicas (DURANDO et al., 2006) mesmo quando a exposição ocorre apenas no período perinatal (período de desenvolvimento embrionário e lactacional). Alguns autores atribuem esse efeito de longo prazo a alterações nos níveis séricos de estrogênios (MUÑOZ-DE-TORO et al., 2005). Conforme descrito anteriormente (ACEVEDO et al., 2013), o desregulador BPA induz carcinogênese por mimetizar a ação do estrogênio no estroma e no epitélio da GM. Os resultados mostraram também a vulnerabilidade da glândula prostática, após a exposição perinatal ao BPA devido à desregulação estrogênica (RODRÍGUEZ et al., 2016). Alterações genéticas, epigenéticas e morfológicas são efeitos de longo prazo previamente descritos nessas glândulas (DOHERTY et al., 2010; SANCHES et al., 2017). Foram descritos ainda, distúrbios nas vias de sinalização específicas da relação epitélio/estroma, que são fatores cruciais para o desenvolvimento de neoplasias (SOTO et al., 2013). Além destas alterações, as condições inflamatórias também podem ser um gatilho para o desenvolvimento neoplásico, uma vez que promovem a transformação oncogênica nos tecidos (BAHIRAEE et al., 2019; YU; PARDOLL; JOVE, 2009); além disso, alterações genéticas e epigenéticas nas células malignas criam um microambiente inflamatório que suporta a progressão do tumor (MANTOVANI et al., 2008). Com isso, possíveis distúrbios inflamatórios crônicos causados pela exposição perinatal a DEs podem estar relacionados a alterações patológicas de longo prazo (BEN-BARUCH, 2003). Frente à complexidade dos sistemas endócrinos, muito ainda precisa ser revelado sobre o impacto dos DEs nas glândulas responsivas aos hormônios. Complexas alterações ocorrem

22 em vias de sinalização e mecanismos específicos de ação devem ser estudados a fim de compreender os aspectos patológicos da repercussão desses compostos nas glândulas. Apesar de a GM ter sido avaliada anteriormente em termos de efeitos do BPA, o conhecimento sobre os impactos específicos na próstata feminina é limitado. No entanto, a preocupação com a incidência de adenocarcinoma na próstata feminina tem aumentado (MUTO et al., 2017) e o BPA pode interferir nos mecanismos de inflamação intrínsecos e extrínsecos relacionados ao câncer que afetam a patologia da próstata feminina.

Objetivos O principal objetivo deste trabalho foi verificar se a exposição ao BPA e 17-β estradiol durante a janela de suscetibilidade perinatal interfere no padrão inflamatório da GM e da próstata em fêmeas adultas. Para tanto, os objetivos específicos foram (1) quantificar a expressão de macrófagos e (2) de fatores envolvidos no processo inflamatório relacionado ao desenvolvimento de lesões pré-neoplásicas tanto na GM quanto na próstata, buscando avaliar a relação, em longo prazo, destes marcadores com a exposição precoce aos desreguladores hormonais BPA e 17-β estradiol.

Metodologia Para o experimento, foram utilizadas fêmeas gestantes de gerbilo da Mongólia (Meriones unguiculatus). O projeto foi submetido à apreciação da Comissão de Ética no Uso Animal do IBILCE/UNESP e aprovado (protocolo 113/2015). Os animais foram divididos aleatoriamente em 3 grupos (n=5): grupo controle (CI), onde os animais não receberam nenhum tratamento; grupo E2, onde os animais foram submetidos à gavagem com 0,1 ml de óleo de milho contendo 35 µg/kg de 17-β estradiol, três vezes por semana (PINTO et al., 2008); e grupo BPA, onde os animais foram submetidos à gavagem com 0,1 ml de óleo de milho contendo 50 µg/kg de BPA, diariamente (VANDENBERG et al., 2012). Os tratamentos foram administrados às mães do 8o dia de gestação até o último dia da lactação, totalizando 39 dias de exposição (Figura 1). Após o desmame, uma fêmea de cada ninhada foi escolhida aleatoriamente e analisada para este experimento. Estas fêmeas (filhas) foram mantidas sem nenhum outro tratamento até completarem 180 dias de idade, quando foram eutanasiadas. A GM abdominal esquerda e a glândula prostática foram coletadas, fixadas e submetidas ao sistema automático de processamento histológico e, a seguir inclusas em blocos de parafina. Os blocos foram submetidos à microtomia para obtenção de cortes de 4 µm de espessura. Os fragmentos obtidos foram desparafinizados para o processamento imunistoquímico. Os seguintes anticorpos primários foram utilizados: anti-F4/80 (rabbit monoclonal, IgG, D2S9R, #70076, Cell Signaling, Danvers, MA, USA), anti-TNF-α (rabbit monoclonal, IgG, D2D4, #11948, Cell Signaling, Danvers, MA, USA), anti-Cox2 (rabbit monoclonal, IgG, D5H5, #12282, Cell Signaling, Danvers, MA, USA) e anti-phospho-STAT3 (rabbit monoclonal, IgG, D3A7, #9145, Cell Signaling, Danvers, MA, USA). O processamento imunoistoquímico foi realizado de acordo com protocolo previamente descrito (LEONEL et al., 2020).

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Figura 1. Delineamento experimental. GM: glândula mamária.

Para as análises, uma secção histológica de GM e de próstata por animal, contendo estruturas epiteliais foi digitalizada (aumento de 400x), utilizando uma câmera digital BX61VS (Olympus Corporation, Tóquio, Japão) acoplada a um sistema de Escaneamento Microscópio Virtual de Lâminas (VS120-S5). A quantificação da expressão das proteínas de interesse foi feita através da contagem de células positivas por mm2 de tecido analisado. Os resultados (média±SE) foram analisados para normalidade através do teste de Kolmogorov-Smirnov. Dados considerados paramétricos foram submetidos ao teste one-way ANOVA e os dados não paramétricos ao teste de Tukey, utilizando nível de significância p<0,05.

Resultados e Discussão As análises de GM revelaram que não houve diferença significativa na quantificação de macrófagos/mm2 nem na expressão dos marcadores inflamatórios TNFα, fosfo-STAT3 e Cox2 (Figura 2). Apesar do consenso de que marcadores inflamatórios estão diretamente relacionados com o desenvolvimento de neoplasias mamárias (LI et al., 2018; MASKARINEC et al., 2020), alguns trabalhos mostram, por exemplo, a ausência de relação entre a expressão de fatores como Cox2 e TNFα com a densidade mamária no exame de mamografia (MASKARINEC et al., 2018). Estes resultados mostram que apesar de a exposição perinatal ao BPA causar danos em longo prazo à glândula mamária, como aumento das taxas de hiperplasia e de proliferação celular (LEONEL et al., 2020), ela não influencia o padrão de expressão de células inflamatórias nestas condições. As análises de próstata revelaram que não houve diferença entre as porcentagens de células positivas por mm2 no tecido avaliado para Cox2 e TNFα (Figura 3B e D) entre os grupos CI, E2 e BPA. No entanto, as análises de expressão de F4/80 revelaram que houve um aumento significativo na presença de macrófagos na próstata dos animais do grupo BPA em comparação ao grupo CI (Figura 3A). De forma similar, o BPA afetou a expressão da proteína fosfo-STAT3 neste órgão, ocasionando um aumento de células positivas para este marcador (Figura 3C). Estes resultados mostram que, apesar de não exercer um efeito detectável pelo método de imunoistoquímica na GM, a exposição perinatal ao BPA é capaz de aumentar o recrutamento de células de defesa, como os macrófagos, bem como de células positivas para fosfo-STAT3 em meio ao estroma. Macrófagos compreendem a principal população de leucócitos presentes no microambiente tumoral (SOLINAS et al., 2009). Sua presença favorece o desenvolvimento de

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Figura 2. Resultados obtidos em glândula mamária. A-D: Quantificação de células expressando os diferentes marcadores inflamatórios avaliados. Não houve diferença estatística entre os grupos para nenhum marcador (p<0,05). O padrão de marcação das proteínas de F4/80 (E, E2), TNF-α (F, IC) e Cox2 (H, E2) foi caracterizado pela expressão citoplasmática em células imunes presentes no estroma mamário (setas). Já a fosfo-STAT3 (G, E2) apresentou marcação nuclear em células do epitélio (cabeças de seta) e citoplasmática em células estromais (seta).

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Figura 3. Resultados obtidos em próstata feminina. A-D: Quantificação de células expressando os diferentes marcadores inflamatórios avaliados. O grupo BPA apresentou um aumento no número de células marcadas com F4/80 (A) e fosfo-STAT3 (C). Não houve diferença estatística entre os grupos para TNF-α (B) e Cox2 (D) (p<0,05); . O padrão de marcação das proteínas de F4/80 (E, BPA), TNF- (F, E2), fosfo-STAT3 (G e G’, E2) e Cox2 (H, BPA) foi semelhante ao observado na GM, com marcação nuclear apenas para fosfo-STAT3 em células do epitélio (G, seta).

26 neoplasias em resposta à secreção de fatores de crescimento e quimiotáticos, citocinas e de metaloproteinases de matriz, que juntos promovem o estabelecimento de um ambiente pró- maligno (ALLAVENA et al., 2008). As STATs, por sua vez, são proteínas transdutoras de sinais e ativadoras de transcrição que possuem um papel regulador na determinação dos efeitos das respostas imunes sendo, portanto, cruciais no desenvolvimento ou não de lesões neoplásicas (YU; PARDOLL; JOVE, 2009). Especificamente, a STAT3 está relacionada com a indução de um microambiente inflamatório pró-carcinogênico, tanto de ativação quanto de progressão tumoral (YANG; DANG; JI, 2019). Desta forma, um aumento na expressão desta proteína no tecido associado ao aumento na presença de macrófagos pode estar relacionado à maior suscetibilidade ao desenvolvimento de tumores de próstata, em resposta à maior secreção de citocinas pró- inflamatórias e à supressão de imunidade antitumoral (HELLSTEN et al., 2019). A ausência de diferença entre os grupos observada durante as análises de GM por imunoistoquímica é, no entanto, contrária a resultados de experimentos previamente descritos (TUCKER et al., 2018). Estes resultados conflitantes serão, portanto, confirmados pela quantificação das proteínas no tecido total através de Western blotting. Espera-se encontrar, de modo semelhante aos resultados observados em próstata, um aumento na expressão de marcadores pró-inflamatórios. Conclusão Estes resultados levam à conclusão de que a GM aparentemente não é suscetível, em longo prazo, a alterações no padrão inflamatório pela presença de BPA ou de 17-β estradiol durante a janela de desenvolvimento perinatal e que a próstata responde de forma diferente, apresentando um aumento significativo na presença de macrófagos e de células expressando STAT3. Apesar de outras análises serem necessárias para confirmar a ausência de diferenças entre os grupos na GM, estes resultados já demonstram que diferentes órgãos respondem de diferentes formas à exposição aos DEs durante a janela de suscetibilidade perinatal. Desta forma, pode-se concluir que a resposta inflamatória em longo prazo difere entre órgãos responsivos a hormônios semelhantes. Referências

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Apoio Financeiro O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (Capes) - Código de Financiamento 001- e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) - número do processo: 132059/2020-7.

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O efeito do óleo de coco na expressão de ER e ERβ na próstata de gerbilos

JUBILATO, F. C. 1,*, CASTRO, N. F. C2, GUERRA, L. H. A.2, TABOGA, S. R. 3, LEITE VILAMAIOR, P. S. L. 3

1 Aluna de Doutorado do Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas, Universidade Estadual Paulista – IBILCE/UNESP, São José do Rio Preto, São Paulo, Brasil. 2 Departamento de Biologia Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas, Universidade Estadual Paulista – IBILCE/UNESP, São José do Rio Preto, São Paulo, Brasil. 3 Professores e pesquisadores do Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas, Universidade Estadual Paulista – IBILCE/UNESP, São José do Rio Preto, São Paulo, Brasil. *E-mail: [email protected]

Introdução A próstata é uma glândula acessória do aparelho reprodutor masculino responsável pela secreção e armazenamento da maior fração do fluido seminal. Sua secreção fornece aos espermatozoides condições ideais de sobrevivência, viabilidade e motilidade durante e após a ejaculação (UNTERGASSER et al., 2005). Embora o desenvolvimento e manutenção da próstata sejam dirigidos por andrógenos, os estrógenos também influenciam a homeostase da próstata, uma vez que expressa receptores de estrógenos do tipo alfa (ER) e do tipo beta (ER)(GRINDSTAD et al., 2016; HORVATH et al., 2001). Além disso, ocorre na próstata a produção local de estrógeno a partir da conversão de testosterona em estradiol pela atividade da aromatase (CYP19) (GRINDSTAD et al., 2016). Entretanto, a ação hormonal na próstata não é determinada somente pelos níveis de esteroides sexuais, mas também pela expressão diferencial desses receptores (AR, ERα/ ERS1 e ERβ/ ERS2), além de seus cofatores e fatores de crescimento. Esses receptores estimulam atividades específicas nas células prostáticas, como a proliferação das células epiteliais e estromais (CUNHA et al., 1987; MCPHERSON et al., 2010). Sobre os papéis do dois ERs na próstata, observa-se que ERβ é predominantemente protetor, sendo anticancerígeno e pró-apoptótico (ATTIA; EDERVEEN, 2012; HORVATH et al., 2001; MCPHERSON et al., 2010; ZHU et al., 2004), enquanto que o ER é oncogênico e promove proliferação e sobrevivência celular (ATTIA; EDERVEEN, 2012; MCPHERSON et al., 2010; RISBRIDGER et al., 2007). A influência da regulação estrogênica tem sido considerada um dos fatores hormonais de risco associados ao desenvolvimento de hiperplasia prostática benigna (HPB) e câncer de próstata, assim como a variação na expressão dos receptores ERα e ERβ (CHOI et al., 2016). Este aumento da glândula resultante da hiperplasia estromal e epitelial, pode comprimir o canal da uretra causando uma interrupção parcial ou total desta, consequentemente interferindo no fluxo normal da urina. Assim, drogas com atividades antiestrogênicas tem sido testadas no tratamento da HPB (LAM et al., 2003; SANDHU; REPORTS; 2004; SHUKLA et al., 2010). O uso dessas drogas sintéticas pode causar efeitos colaterais, por isso, durante várias décadas buscou-se a utilização, no tratamento de HPB, de compostos fitoterapêuticos, com o intuito de causarem menos danos e efeitos colaterais (LEITE et al., 2011). Estes podem inibir fatores de crescimento, pois possuem atividade anti-androgênica, anti-estrogênica e anti- inflamatória (FOURCADE; THÉRET; TAÏEB, 2008). Diversos estudos demonstram que os componentes que compõe óleos vegetais, como ácidos graxos, também podem atuar como desreguladores endócrinos (RAYNAUD et al., 2002; HABIB et al., 2005; GUERRA et al., 2019). Dados mostraram que óleos vegetais como o óleo de milho e óleo mineral, podem causar além de alterações morfológicas na próstata, o desbalanço na expressão de receptores de andrógeno e estrógeno (GUERRA et al., 2019). Em outro estudo, o óleo de coco mostrou reduzir o aumento da glândula prostática em animais com HPB induzida após tratamento com testosterona em ratos Sprague-Dawley adultos

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(ARRUZAZABALA et al., 2007), portanto o óleo de coco também pode vir a ser considerado um desregulador endócrino. Esse óleo obtido da espécie Cocos nucifera a partir da polpa de coco fresco, tem sido utilizado como alimento, suplementação e recentemente suas propriedades biológicas têm sido amplamente investigadas. Este óleo é considerado saturado, devido a sua composição apresentar cerca de 90% de ácidos graxos dessa natureza sendo o ácido láurico o lipídio mais abundante (AKPAN et al., 2006), seguido dos ácidos mirístico, palmítico, caprílico, cáprico e esteárico (SHAHIDI, 2005). No entanto há uma pequena porção de compostos insaturados (cerca de 9%), que compreendem os ácidos oleico e linoleico e estes são constituintes importantes das células, e podem atuar como substratos da síntese de eicosanóides, que incluem prostaglandinas, tromboxanos e leucotrienos que são mediadores chave e reguladores da inflamação (CALDER, 2008).

Objetivos O presente trabalho teve como objetivo avaliar o efeito do óleo de coco sobre a expressão de receptores de estrógeno na próstata de gerbilos.

Metodologia Neste experimento foram utilizados 7 gerbilos (Meriones unguiculatus) machos adultos (90 dias) provenientes e mantidos no biotério do Laboratório de Microscopia e Microanálise, IBILCE/UNESP. Os experimentos foram realizados de acordo com os princípios éticos preconizados pelo Conselho Nacional de Controle de Experimentação Animal (CONCEA) e os procedimentos envolvidos foram apreciados pela Comissão de Ética no Uso de Animais do IBILCE/UNESP (Proc. No. 175/2017). Os animais foram divididos nos seguintes grupos, cada um com 7 animais: Controle intacto (C): os animais não receberão nenhum tratamento durante o experimento; Óleo de coco (CO): os animais receberão durante 30 dias consecutivos, via gavagem, 0,1 ml de óleo de coco. Ao fim do tratamento, os animais dos grupos experimentais foram eutanasiados por meio de superdosagem de anestésico (3 mg/kg de cloridrato de Xilazina e 10 mg/kg de cloridrato de Ketamina) administrados por via subcutânea, em seguida, pesados e decapitados para a coleta do sangue corpóreo. Após a dissecção, o complexo prostático e a próstata ventral foram retirados, pesados e fixados. A morfometria será realizada para se obter a altura/espessura das células epiteliais e das células musculares lisas, respectivamente. Serão realizadas, aproximadamente, 200 medidas por grupo a partir de lâminas coradas pela técnica de Hematoxilina Eosina, com o auxílio do Sistema Analisador de Imagens, com o programa Image–Pro-Plus (Media Cybernetics). Para avaliar a expressão dos seguintes receptores hormonais em células epiteliais e estromais, os cortes histológicos foram desparafinizados, reidratados e submetidos ao protocolo para a imunohistoquímica. Foram utilizados os seguintes anticorpos: anti-ER-α (rabbit polyclonal IgG, MC-20, Santa Cruz Biotechnology, Califórnia) e anti-ER-β (rabbit polyclonal IgG, H-150, Santa Cruz Biotechnology, CA, EUA), na diluição (1:50). Em seguida, as lâminas foram desidratadas em etanol, clarificadas e montadas em bálsamo do Canadá, posteriormente foram avaliadas em microscopia de luz convencional. Para a quantificação das reações de imunohistoquímica, foram quantificadas as células positivas e negativas, de aproximadamente quatro mil células por grupo. Foram contabilizadas todas as células acinares e estromais de 10 campos aleatórios por animal de cada grupo. A frequência de células positivas foi calculada pela razão entre o número de células positivas pelo número total de células de cada campo e multiplicada por 100 para obter a porcentagem.

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O soro do sangue, coletado no momento da eutanásia, foi centrifugado (3000 rpm) durante 20 minutos e estocado à -80ºC até o momento das análises. As dosagens hormonais foram realizadas com o uso de ELISA e kit de alta sensibilidade para estradiol (17beta-estradiol, RE52041H, IBL International, Hamburg, Germany). A análise estatística foi realizada no software GraphPad Prism 6.00. Os dados foram submetidos aos seguintes testes: teste t não pareado (dados paramétricos) e o teste de Mann Whitey (dados não paramétricos). O nível de significância adotado foi de 5% (p<0,05).

Resultados e Discussão A partir das análises morfométricas podemos observar uma diferença entre os grupos controle (C) e óleo de coco (CO) (Figura 3.C e F). Ao analisar o epitélio prostático, foi observado o aumento da altura desse compartimento no grupo CO em relação ao grupo C (Figura 1.C). Essa análise também permitiu observar a espessura do estroma muscular prostático e verificou-se que a espessura do estroma no grupo CO foi estatisticamente maior comparado ao grupo C (Figura 1.F). Isso pode ser explicado pelo tratamento com óleo de coco nesse grupo que pode atuar como um desregulador endócrino como foi observado na ação de outros óleos na próstata ventral de gerbilos (GUERRA et al., 2019). Além disso, as análises imunohistoquímicas para o receptor de estrógeno do tipo alfa (ERα) possibilitou analisar a presença de imunorreatividade no núcleo das células epiteliais prostáticas e das células estromais em ambos grupos experimentais (Figura 3. A e D). Assim, ao verificar a frequência dessas células ERα positivas no epitélio, foi possível observar o aumento significativo no grupo CO comparado ao C (Figura 1. A e D). O aumento deste receptor está relacionado com a proliferação de células epiteliais e estromais, inflamação e aumento da pré-malignidade na próstata (ATTIA; EDERVEEN, 2012; ELLEM; RISBRIDGER, 2009; MCPHERSON et al., 2010; RISBRIDGER et al., 2007). Geralmente, há uma maior incidência desses receptores em um ambiente com desordens proliferativas (ELLEM; RISBRIDGER, 2009; JEON et al., 2017). Ao analisar a imunohistoquímica para o receptor de estrógeno do tipo beta (ERβ) notou- se a presença de marcações positivas no epitélio e no estroma muscular da próstata ventral (Figura 3. B e E) e mostrou-se menor no epitélio do grupo CO (Figura 1.B), como foi citado anteriormente esse receptor desempenha um papel protetor, anticancerígeno e pró-apoptótico, agindo contra a proliferação celular descontrolada, esse receptor é perdido durante a progressão do câncer de próstata, sugerindo seu envolvimento direto na proliferação de tumor contrastante nesta doença (ATTIA; EDERVEEN, 2012; HORVATH et al., 2001; LINDBERG et al., 2003; MCPHERSON et al., 2010; PRAVETTONI et al., 2007; ZHU et al., 2004). Esta variação dos receptores de estrógeno está associada a hiperplasias e pode ser um precursor para o desenvolvimento de câncer de próstata (DIALLO et al., 2008). Este ambiente, propenso ao aparecimento de alterações prostáticas, foi favorecido no grupo CO por estar associado com um aumento na expressão de ERα epitelial e a diminuição da expressão do receptor de hormônio ERβ. Níveis decrescentes de ERβ foram observados com progressão de hiperplasia prostática benigna (HPB) para doença maligna (HORVATH et al., 2001). Além disso, foi verificado o aumento do nível de concentração sérica de 17β estradiol no grupo CO em comparação ao grupo C (Figura 2), e de acordo com alguns estudos há uma correlação positiva entre volume prostático e níveis de estradiol (PARTIN et al., 1991), sendo observado uma concentração três vezes maior de estradiol no estroma de próstata com HPB do que no estroma do tecido prostático normal (KRIEG; NASS; TUNN, 1993), porém esses resultados foram verificados em machos velhos e não em adultos, como nesse presente estudo. Figura 1. Frequência relativa (%) das células ERα positivas presentes no epitélio (A) e no estroma (D) e das células ERβ positivas presentes no epitélio (B) e no estroma (E) da próstata ventral. Frequência relativa dos compartimentos: epitélio (C) e estroma muscular (F) obtidos por estereologia. As análises estatísticas foram baseadas no teste de two-way ANOVA

32 seguido do teste t. Diferença estatisticamente significante entre os grupos (* p < 0,1; ** p < 0,01; **** p <0,0001). n=7 animais por grupo.

Figura 2. Concentração sérica de estradiol dos grupos C e CO. As análises estatísticas foram baseadas no teste de two- way ANOVA seguido do teste t. Diferença estatisticamente significante entre os grupos ( **** p <0,0001). n=7 animais por grupo.

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Figura 3. Cortes histológicos da próstata ventral de gerbilos submetidos à imuno-histoquímica para identificação do receptor de estrógeno do tipo alfa (ER α) (A e D), receptor de estrógeno do tipo beta (ER β),(B e E) e submetidos à coloração de hematoxilina eosina (C e F). Grupo C (A, B e C) e CO (D, E e F). Marcações positivas para ERα e ER β nos núcleos das células epiteliais e estromais (setas).

Conclusão Estudos diversos demonstram que mecanismos locais de sinalização do estrogênio são necessários para a proliferação das células prostáticas, carcinogênese e progressão tumoral da próstata. A partir das informações obtidas nesse estudo, uma investigação ainda mais profunda de fatores relacionados a proliferação e vias inflamatórias se faz necessária, pois o óleo de coco mostrou atuar como um desregulador endócrino, afetando negativamente a homeostase prostática, tornando um ambiente propício ao desenvolvimento da HPB.

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Apoio Financeiro: CAPES.

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Efeito genotóxico causado pela exposição a Fipronil (Regent® 800WG) sobre os eritrócitos de Scinax fuscovarius (Anura-Hylidae).

CANEVARI, G.C.1.FRANCO-BELUSSI, L.2, OLIVEIRA, C.1,3

1Programa de Pós-Graduação em Biologia Animal, Universidade Estadual Paulista (UNESP) 2Instituto de Biociências, Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS), Campo Grande, 70070-900, Brasil 3Departamento de Biologia, Universidade Estadual Paulista (UNESP), São José do Rio Preto, São Paulo 15054- 000, Brasil.

Introdução O uso excessivo de agrotóxicos é uma prática muito utilizada na agricultura, onde a aplicação em larga escala desses compostos tem o intuito de aumentar a produtividade de alimentos, objetivando satisfazer as necessidades da crescente população mundial (Betelho et al., 2012; Zhang, 2018). Um dos principais problemas da aplicação desses compostos está no fato de seus resíduos, que muitas vezes apresentam persistência e acumulação, serem transportados para o ambiente aquático através de processos de lixiviação (Betelho et al., 2012), atingindo corpos d’água nas áreas rurais em concentrações potencialmente tóxicas que podem causar um impacto direto sobre a biota, levando a efeito cumulativo em organismos não alvo afetando a rede trófica (Betelho et al., 2012; Oliveira et al., 2019). Dentre esses compostos há um destaque para Fipronil, um inseticida de amplo espectro que vem sendo aplicado repetidas vezes e em altas concentrações devido a sua ação não seletiva (Van Der Sluijs et al., 2015), gerando muito interesse entre os pesquisadores, uma vez que seus efeitos sobre o metabolismo de vertebrados ainda são pouco conhecidos (Das et al., 2006). Esse inseticida é o princípio ativo de 54 compostos agrícolas (AGROFIT, 2020), entre eles, o Regent® 800WG é classificado como extremamente tóxico e muito perigoso para o meio ambiente, sendo utilizado para o controle de inúmeras pragas no cultivo de batata, milho e cana- de-açúcar (AGROFIT, 2020), as quais as últimas duas caracterizam os principais cultivos da região noroeste do estado de São Paulo. Sua forma de ação ocorre através do contato ou ingestão, sendo aplicado por via terrestre ou aérea (AGROFIT, 2020), podendo dessa forma ser transportado para ambientes aquáticos onde pode causar grande dano a biota local. Entre os organismos susceptíveis a contaminação por esse composto, há um destaque para os anuros, pois apresentam inúmeras características que aumentam sua sensibilidade em ambientes contaminados, como pele permeável, ciclo de vida bifásico com desenvolvimento indireto, dependência do ambiente úmido e ovos permeáveis devido à ausência de casca, sendo, portanto, considerados bons bioindicadores da qualidade ambiental (Dunson et al., 1992). Além disso, esses se encontram em um quadro preocupante de declínio em sua população, fenômeno atribuído entre muitas causas, a poluição por agrotóxicos que são utilizados em diversas culturas em áreas rurais (Mann et al., 2009; Hayes et al., 2010). Essa sensibilidade a poluentes se destaca ainda mais durante o estágio larval devido a dois fatores principais: total dependência da água, que circunda completamente seus corpos, tornando a exposição constante, facilitando a penetração dos compostos no organismo através da pele e principalmente das brânquias; e por alguns órgãos que poderiam protegê-los não estarem totalmente formados ou mesmo ausentes, por exemplo, a biotransformação hepática que é menos eficiente devido ao fato do parênquima do fígado não estar totalmente diferenciado (Barni et al., 2007). Ademais, é nesse período que esses animas iniciam o processo de metamorfose, passando por severas mudanças em um curto período o que pode torná-los ainda mais sensíveis a contaminantes, podendo sofrer alterações morfológicas, fisiológica e comportamentais de caráter irreversível (Brande-Lavridsen et al., 2010). Visando a investigação dos efeitos que os compostos agrícolas apresentam sobre os animais, a análise de amostras sanguíneas tem sido muito utilizada como biomarcador subletal

36 de efeitos genotóxicos (Lajmanovich et al., 2014; Montalvão & Malafaia, 2017; Natale et al., 2018; Borges et al., 2019; Gregório et al., 2019; Pérez-Iglesias et al., 2019; Scaia et al., 2019), sendo que a investigação do núcleo de hemácias em busca de anomalias nucleares, como células binucleadas, com micronúcleos e anucleadas, tem sido muito utilizada para análise dos efeitos de inseticidas, que acabam induzindo o aumento na frequência dessas anormalidades e consequente dano ao DNA (De Arcaute et al., 2014; Pérez-Iglesias et al., 2014; Natale et al., 2018). Efeitos genotóxicos sobre eritrócitos acarretados pela contaminação por Fipronil já foram observados em peixes (De Castilho Gish et al., 2011; Fredianelli et al., 2019) sendo indício de que esse composto apresenta o potencial de causar esse tipo de dano, tornando o aprofundamento da investigação desse efeito em anuros extremamente importante visto o quadro que esses animais se encontram e a sua alta suscetibilidade a contaminação por esse composto.

Objetivos Avaliar os efeitos genotóxicos causados pela exposição ao Fipronil sobre os eritrócitos de Scinax fuscovarius durante a metamorfose.

Metodologia Foram utilizados 48 girinos da espécie Scinax fuscovarius. Os animais foram coletados (IBAMA 18573-1) na região de São José do Rio Preto - SP, alocados em sacos plásticos preenchidos com água da poça residual e encaminhados ao Laboratório de Anatomia Comparada do Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas (UNESP/IBILCE), onde foram mantidos em bandejas plásticas (38,5 x 28,5 x 12 cm), preenchidas com 50% de água da poça residual e 50% de água sem cloro durante 72 horas visando a aclimatação. Todos os procedimentos foram realizados com autorização do Comissão de Ética no Uso de Animais (n° 219/2020 – CEUA). Os animais (estádio 28 Gosner) foram separados em quatro grupos experimentais (C0: Controle; C1: 0,04mg/L, C2: 0,08mg/L e C3: 0,4mg/L de Fipronil), cada um dividido em três caixas preenchidas com quatro litros de água sem cloro a temperatura ambiente, resultando em 12 animais por grupo (Figura 1). Cada caixa recebeu quatro litros de água, onde os tratamentos também receberão uma solução de Fipronil para completar o volume de quatro litros sendo de 4mL de Fipronil para o grupo C1, 8mL para o grupo C2 e 40mL para o grupo C3. Os animais foram mantidos a temperatura ambiente e com iluminação natural advinda de uma janela. As trocas de água e reagente, aferimento da temperatura e alimentação (com ração comercial para peixes carnívoros) realizadas a cada 48 horas. Visando a análise de genotoxicidade eritrocitária, os 48 animais que atingirem o estádio 42 Gosner (1960) foram transferidos, cada um, para uma caixa plástica (um animal por caixa) com capacidade para 700 mililitros contendo 100mL de água sem cloro para o grupo controle e 100mL de solução de Fipronil para cada grupo tratado, em suas respectivas concentrações. Essa transferência foi necessária pois nesse estádio os animais iniciam a transição para o ambiente terrestre, e um recipiente com grande volume de água pode levá-los ao afogamento. Ao atingirem o estádio 46 Gosner (1960), os animais foram eutanaziados em benzocaina 5g/L e tiveram sua região ventral aberta para a retirada de sangue da cavidade abdominal com auxílio de uma seringa. Com o sangue, foi montada uma lâmina de esfregaço por animal, sendo fixadas em metanol a 4°C por 20 minutos seguida da coloração em uma solução de Giemsa 7,5% durante 15 minutos (Gregório et al., 2019). A avaliação de anormalidades nucleares foi feita perante análise de 1000 eritrócitos por lâmina em microscópio de luz (Leica DM4000 B), com ampliação de 1000x. Foram contabilizados eritrócitos contendo núcleos normais, com micronúcleo, binucleados, anucleados, riniformes, apopitóticos, lobados, em bolha e talhados.

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Para a análise de efeito gentóxico, os dados foram analisados de duas formas: Pimeiramente, foi realizada uma comparação das anormalidades individualmente entre o controle e o tratamento. Em seguida, foi realizada a somatoria de todas as alterações analisadas, considerando dessa forma o total de anormalidades que cada animal apresentou, sendo então comparadas as frequências entre controle e tratamentos. A comparação dos dados foi feita utilizando um GLM com distribuição binomial dos dados. O nível de confiança utilizado foi de 95%, sendo a análise realizada através do software R versão 2.11.1.

Figura 1- Desenho experimental mostrando a distribuição dos animais em cada grupo (Controle, C1: 0,04mg/L, C2: 0,08mg/L e C3: 0,4mg/L).

Resultados e Discussão Testes genotóxicos como o teste do micronúcleo, são considerados bons métodos para a avaliação da qualidade ambiental (Scaia et al., 2019), uma vez que possibilitam identificar danos causados por xenobióticos em um curto período de exposição, sendo que a análise de outras alterações nucleares, como as analisadas no presente trabalho, podem atuar como um complemento a esse teste auxiliando a indicar genotoxicidade (Muranli & Güner., 2011). Inúmeros trabalhos in situ e ex situ vêm demonstrando o potencial que ambientes perturbados pela agricultura e a exposição a pesticidas têm em causar danos genotóxicos nos eritrócitos em anuros, tanto em estádio larval quanto em adultos (Babini et al., 2016; Pollo et al., 2016; Cruz- Esquivel et al, 2017; Gonçalves et al, 2017a; Natale et al., 2018L; Borges et al., 2019; Gregório et al., 2019; Pérez-Iglesias et al., 2019; Scaia et al., 2019). Em nosso estudo, quando comparamos as anormalidades individualmente, observamos que os indivíduos da espécie S. fuscovarius apresentaram um aumento significativo na frequência de eritrócitos com núcleos talhados nos três tratamentos (C1 p=0,006; C2 p=0,04; C3 p=0,0002), não havendo, entretanto, alteração significativa na frequência de micronúcleos assim como nas demais anormalidades nucleares avaliadas (Figura 2). Quando analisada a somatória de todas as alterações (Total), foi observado um aumento significativo na frequência dessas nas três concentrações testadas (C1 p=0,0127; C2 p=0,0001; C3 p<0,0001) (Figura 2).

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Figura 2: Comparação das anormalidades nucleares analisadas entres os grupos. (* = Valor significativo)

É interessante notar que, diferente de outros trabalhos que avaliaram efeitos genotóxicos causados por contaminantes em anuros, onde a alteração mais presente além das demais, são eritrócitos com micronúcleo (Babini et al., 2016; Cruz-Esquivel et al, 2017; Natale et al., 2018; Pérez-Iglesias et al., 2019), diferem do resultado observado no presente trabalho, onde não houve alteração da frequência dessa anormalidade. Entretanto, outros trabalhos indicam que a exposição a compostos agrícolas tanto in situ quanto ex situ podem não afetar a frequência de micronúcleos, mas quando analisadas todas as anormalidades em conjunto é notada uma alteração significativa em sua frequência (Pollo et al., 2016; Montalvão & Malafaia, 2017 Borges et al., 2019) dados muito similares aos observados no presente trabalho. Um resultado semelhante ao nosso, foi observado por De Castilho Ghisi et al. (2011) e Fredianelli et al. (2019) ao expor peixes da espécie Rhamdia quelen a Fipronil demonstrando um aumento na frequência de danos ao DNA e de outras anormalidades nucleares nos eritrócitos, não influenciando, entretanto, na frequência de micronúcleos, dessa forma corroborando com nossos resultados. Ainda não é claro o exato mecanismo que leva ao surgimento dessas alterações nucleares nos eritrócitos, entretanto, atuam como indicativos de dano genético (Muranli & Güner, 2011) e de reações celulares adversas (Ray et al., 2005), podendo aumentar sua frequência em situação de stress (Fijan, 2002). Dessa forma, o aumento na frequência do total de alterações nucleares eritrocitárias, com destaque para eritrócitos com núcleos talhados observados no presente trabalho pode ser indicativo de dano ao material genético causado pela exposição ao Fipronil, assim como observado por De Castilho Ghisi et al. (2011) e Fredianelli et al. (2019), ou uma resposta ao stress causado pela exposição ao mesmo composto. Infelizmente, a literatura a respeito do efeito genotóxico causado pela exposição ao Fipronil ainda é extremamente escassa, sendo que se tratando de anuros, até o presente momento, é inexistente. Dessa forma são necessários mais estudos nesse tema para que os efeitos genotóxicos da exposição a Fipronil nesses animais seja melhor elucidado.

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Conclusão A exposição as três concentrações de Fipronil nas condições testadas levou a um aumento na frequência das anormalidades nucleares eritrocitárias, com destaque para os eritrócitos com núcleos talhados em S. fuscovarius, demonstrando um indicativo de dano ao material genético.

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Sincronia cardiorrespiratória pós-prandial e ausência de ajustes ventilatórios em resposta a digestão no teleósteo Oreochromis niloticus

GUAGNONI, I.N.1, ARMELIN, V.A.2, BRAGA, V.H.S.1, RANTIN, T.F.3, FLORINDO, L.H.1,4

1Departamento de Zoologia e Botânica, Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas (IBILCE/UNESP) 2Departamento de Fisiologia, Instituto de Biociências, Universidade de São Paulo (USP) 3Departamento de Ciências Fisiológicas, Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) 4Centro de Aquacultura (CAUNESP), Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho" (UNESP)

1. Introdução A fisiologia da digestão nos vertebrados pode ser resumida como a ingestão de alimento, quebra física e química de macromoléculas e a subsequente absorção dos nutrientes obtidos, caracterizando uma cascata de eventos que aumenta drasticamente o metabolismo energético dos animais (SECOR, 2009). Este aumento na taxa metabólica exige que diversos ajustes aconteçam para que as demandas fisiológicas sejam supridas, como por exemplo os ajustes ventilatórios e seu papel crucial na manutenção dos níveis de O2 e de CO2 no organismo (SECOR, 2009). Após a alimentação, o aumento na taxa metabólica tende a diminuir a disponibilidade de O2 no sangue e aumentar a concentração de CO2, o que pode induzir hiperventilação através da estimulação de quimiorreceptores de O2 e CO2/pH em vertebrados (MILLIDINE et al., 2008; LEFEVRE et al., 2012). Simultaneamente, alterações no equilíbrio ácido-base causadas pela secreção de ácido clorídrico (HCl) gástrico durante a digestão podem induzir hipoventilação, embora tenham sido mais amplamente documentadas em vertebrados terrestres (WANG et al., 2001). A secreção de HCl na luz do estômago realizada pelas células parietais gástricas é - acompanhada por uma secreção equivalente de ânions bicarbonato (HCO3 ) no sangue, que pode elevar o pH do sangue (i.e. alcalose metabólica pós-prandial) e induzir a hipoventilação através da desestimulação dos quimiorreceptores de CO2/pH, compensando assim o tal aumento do pH sanguíneo através da retenção de CO2 no sangue, que consequentemente minimiza os - efeitos fisiológicos da alcalose metabólica pós-prandial gerada pela secreção dos ânions HCO3 e preserva o pH sanguíneo em níveis não prejudiciais (WANG et al., 2001; BUCKING; WOOD, 2008). O equilíbrio entre o nível de estimulação e desestimulação dos quimiorreceptores de O2 e CO2/pH geralmente determina a resposta ventilatória pós-prandial final. Os peixes que respiram água, contudo, não aparentam ter capacidade de compensação hipoventilatória em resposta a alcalose metabólica pós-prandial devido à alta capacitância da água para CO2 e baixa capacitância para O2, de modo que uma hipoventilação geraria efeitos negligenciáveis sobre a pressão parcial de CO2 sanguíneo e prejudicaria drasticamente a taxa de absorção de O2 (WOOD et al., 2005; PERRY; GILMOUR, 2006). Além disso, considerando que os peixes - também podem compensar a alcalose metabólica pós-prandial via excreção de HCO3 através das brânquias, intestino e rins (PERRY; GILMOUR, 2006; BUCKING; WOOD, 2008), a hipótese da hiperventilação ao longo da digestão é a que melhor atende às demandas aeróbicas pós-prandiais destes animais. Contudo, tal ajuste é pouco explorado dentro da ictiofauna, sendo que foi estudado apenas no elasmobrânquio Squalus acanthias (WOOD et al., 2005), no teleósteo de respiração bimodal Channa striata (LEFEVRE et al., 2012) e no teleósteo de respiração exclusivamente aquática Salmo salar (MILLIDINE et al., 2008). Por fim, uma outra possibilidade de ajuste que pode favorecer a absorção de O2 em situações de alta demanda metabólica e que não envolve somente o sistema respiratório, mas também o sistema cardiovascular, é a ocorrência de sincronia cardiorrespiratória. Esse ajuste é caracterizado pelo acoplamento entre variáveis ventilatórias (e.g. frequência ventilatória) e

42 variáveis cardiovasculares (e.g. frequência cardíaca) (TAYLOR et al., 2010). O significado funcional desse acoplamento ainda é pouco conclusivo, mas estudos realizados com peixes vêm evidenciando que a ocorrência desse evento otimiza a absorção de O2 pelos animais devido ao intenso fornecimento de fluxo sanguíneo para as brânquias simultaneamente ao momento de máximo fluxo de água através da sua superfície respiratória (CAMPBELL et al., 2004; 2005; LEITE et al., 2009; TAYLOR et al., 2010). É importante ressaltar que a sincronia cardiorrespiratória nunca foi testada no cenário fisiológico natural da digestão, mas devido ao alto consumo energético do processo é uma hipótese bastante provável. Embora muitos estudos confirmem a existência de tais ajustes em resposta à digestão em vertebrados terrestres, subsiste uma lacuna de conhecimento sobre esta questão relativa aos peixes. Especificamente, a maioria dos estudos que utilizam peixes como sujeitos experimentais avaliaram apenas a regulação ácido-base durante a digestão, sem explorar diretamente os ajustes ventilatórios associados a esta condição. Neste contexto, o presente trabalho teve como objetivo investigar os ajustes ventilatórios pós-prandiais de uma espécie de peixe teleósteo de respiração exclusivamente aquática, a Tilápia-do-Nilo (Oreochromis niloticus), tendo como hipótese estruturadora do trabalho a ocorrência de uma hiperventilação quimiorreflexa em resposta à digestão simultaneamente a uma sincronia cardiorrespiratória.

2. Objetivos Verificar se o processo da digestão desencadeia mecanismos ventilatórios compensatórios em um peixe teleósteo de respiração exclusivamente aquática, a Tilápia-do-Nilo (Oreochromis niloticus).

3. Metodologia Animais Vinte e cinco espécimes de O. niloticus adultos (Linnaeus, 1758) de ambos os sexos, com uma massa corporal média de 219,9 ± 6,8 g, foram obtidos no Centro de Aquicultura da Universidade Estadual Paulista (CAUNESP - Jaboticabal, SP, Brasil). Antes dos experimentos, os animais foram mantidos sob fotoperíodo natural em tanques de 500 l, abastecidos com água declorada e constantemente aerada (PO2 ~18 kPa; pH 6,5) a uma temperatura de 25,0 ± 1,0 ºC. A água foi substituída a cada 72 horas, e os animais foram alimentados em dias alternados com ração comercial para peixes (teor proteico de 32%). Grupos Experimentais Vinte animais foram divididos em dois grupos experimentais principais, os quais foram inicialmente submetidos a um jejum de 96 horas. Um destes grupos permaneceu em jejum durante toda a instrumentalização e procedimentos experimentais (Grupo Jejum; N=10), enquanto que o outro foi alimentado voluntariamente com ração comercial para peixes (teor proteico 32%; ~2,5% da massa corporal dos animais) anteriormente a instrumentalização dos mesmos (Grupo Digestão; N=10). Por fim, cinco animais foram submetidos a um jejum de 96 horas, instrumentalizados, e então utilizados para verificar se o veículo (solução salina 0,9%) dos fármacos utilizados no presente estudo provocariam alterações nas variáveis fisiológicas investigadas (Grupo Salina; N=5). Instrumentalização Os animais foram anestesiados por submersão em solução aquosa de benzocaína (100 mg.l- 1; pré-dissolvidos em 3 ml de etanol anidro), até apresentarem perda de equilíbrio e ausência de movimentos operculares. Posteriormente, os animais foram transferidos para uma mesa cirúrgica onde as suas brânquias foram constantemente irrigadas com uma solução de benzocaína aerada em concentração reduzida (50 mg.l-1) a fim de manter a anestesia e as trocas gasosas nas brânquias durante toda cirurgia.

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Com os animais devidamente anestesiados na mesa cirúrgica, foram inseridos dois eletrodos de eletrocardiograma (ECG) para aferir as variáveis cardíacas: um positivo (+), inserido e suturado em uma posição ventral entre o opérculo e o coração, e um negativo (-) inserido e suturado em uma posição ventrocaudal, 2 cm acima da nadadeira pélvica (TEIXEIRA et al., 2015). Para administração farmacológica, uma cânula de polietileno (PE50) preenchida com solução salina (0,9%) foi inserida e suturada na cavidade peritoneal dos animais, logo abaixo da inserção do eletrodo de ECG negativo, por meio de uma punção feita com uma agulha calibre 21 (ARMELIN et al., 2016). Por fim, para registrar as variáveis ventilatórias dos animais, foi inserida uma segunda cânula de polietileno (PE100) na cavidade orobranquial dos animais através de um orifício perfurado entre as suas narinas, feito com auxílio de uma broca acoplada a uma micro retífica Dremel®, a qual foi fixada com um flange externo (TEIXEIRA et al., 2015). Após a cirurgia, as brânquias dos peixes foram ventiladas manualmente com água aerada livre de benzocaína até que a ventilação espontânea fosse recuperada. Em seguida, os animais foram transferidos para câmaras experimentais individuais para recuperação pós-cirúrgica de 10 horas. Estas foram abastecidas com água declorada constantemente aerada (PO2 ~18 kPa; pH 6,5) a uma temperatura de 24,8 ± 0,2 °C, com uma taxa de renovação de 100 ml.min-1. O tempo de recuperação pós-cirúrgica de 10 horas foi estipulado para que os experimentos pudessem ser realizados durante a resposta metabólica máxima da digestão, caracterizada como um aumento de 80-100% no consumo de O2 que ocorre entre a 2ª e 14ª hora após a alimentação em O. niloticus sob condições experimentais semelhantes a normalizada para o presente estudo (ROSS et al., 1992). Após a recuperação, os elétrodos de ECG e um transdutor de pressão conectado a cânula orobranquial foram ligados a um sistema de aquisição de dados BIOPAC MP36, o que permitiu o registro contínuo do ECG e das oscilações de pressão na cavidade obranquial através do software BIOPAC Student Lab PRO 3.7.3 (taxa de amostragem de 1000 Hz) (BIOPAC Systems Inc. - Goleta, CA, EUA). Para garantir a qualidade do sinal de ECG, um cabo de aterramento do sistema de aquisição de dados foi conectado a uma placa de aço inoxidável localizada dentro da câmara experimental com intuito de reduzir o ruído no sinal e, além disso, um filtro do tipo High-pass de 10 Hz foi aplicado para eliminar as interferências ventilatórias que pudessem ocorrer. Protocolo Experimental Inicialmente, os sinais de pressão orobranquial e de ECG dos grupos experimentais Jejum e Digestão foram registrados durante 1 hora com animais ausentes de qualquer tratamento farmacológico. Em seguida, foi administrado o antagonista colinérgico muscarínico atropina (2,5 mg.kg-1; 10 mg.ml-1 de soro fisiológico 0,9%) através da cânula intraperitoneal e foram aguardados 30 minutos até que os seus efeitos fossem exercidos. Após esse período as variáveis cardiorrespiratórias foram registradas durante mais 30 minutos. Subsequentemente, foi administrado o antagonista β-adrenérgico não seletivo propranolol (4,0 mg.kg-1; 10 mg.ml-1 de soro fisiológico 0,9%) via intraperitoneal e foram aguardados 30 minutos para o estabelecimento do duplo bloqueio autonômico cardíaco, de modo que as variáveis cardiorrespiratórias dos animais foram novamente registradas durante mais 30 minutos. Após cada uma das administrações farmacológicas a cânula intraperitoneal foi lavada com 0,5 ml de soro fisiológico (0,9%) para garantir que não houvesse acumulo de fármaco no interior da cânula. O protocolo farmacológico foi baseado nos estudos de Altimiras et al. (1997) e Armelin et al. (2016). Os animais do Grupo Salina passaram pelo mesmo protocolo acima descrito, contudo, foi administrada solução salina (0,9%) em vez de atropina e propranolol (0,25 ml.kg-1 e 0,40 ml.kg- 1, respectivamente) a fim de verificar possíveis influências do veículo do medicamento nas variáveis estudadas.

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Analise dos Dados -1 A frequência cardíaca (fH; batimentos.min ; bpm) dos animais foi obtida a partir do sinal -1 de ECG através da contagem das ondas R, a frequência ventilatória (fV; ventilações.min ;vpm) foi obtida através da contagem dos pulsos pressóricos obtidos do sinal orobranquial, a amplitude ventilatória (VAMP; kPa) foi obtida através cálculo da amplitude dos pulsos pressóricos do sinal orobranquial (i.e. ΔP para cada ventilação), e a ventilação total (VT; unidades arbitrárias – u.a.) foi calculada como o produto da fV e VAMP. Para avaliar a variabilidade da fH (HRV) e fV (VRV), foram extraídos segmentos do sinal bruto de eletrocardiograma e de pressão orobranquial contendo 256 ciclos cardíacos/ventilatórios dos momentos finais de cada período de registro de dados. A partir destes segmentos foram gerados intervalos RR (HRV) e intervalos de pulso de pressão orobranquial (VRV) no software BIOPAC Student Lab Pro v3.7, que foram convertidos para arquivo de texto (*.txt) a fim de permitir uma análise de potência espectral dos padrões de variação da fH e fV no software Cardioseries (disponível em: www.danielpenteado.com). Posto isso, os arquivos de texto foram convertidos em tacogramas para reamostragem das séries batimento-a-batimento e ventilação-a-ventilação a cada 333 milissegundos (ms) via interpolação splines cúbicas (3 Hz). Em seguida, as séries interpoladas foram divididas em segmentos de 256 pontos com sobreposição de 50%. Uma janela de Hanning foi aplicada para atenuar o vazamento espectral, e os espectros de variabilidade foram calculados utilizando uma Transformação Rápida de Fourier e foram sobrepostos em um espectro final único. Em relação a análise de HRV, os picos de baixa frequência (LF) e alta frequência (HF) observados nos espectros dos animais foram utilizados para calcular a potência espectral LF (HRVPLF; i.e. área abaixo do pico LF) e a potência espectral HF (HRVPHF; i.e. área abaixo do pico HF) com o objetivo de avaliar a dinâmica simpatovagal no coração. Em relação a análise da VRV, por outro lado, a separação das frequências não foi considerada, pois os picos de diferentes frequências não podiam ser claramente distinguidos nos espectros e, portanto, apenas foi calculada a densidade espectral total da potência (VRVTP; ou seja, a área abaixo do espectro total). A HRVPLF, HRVPHF e VRVTP resumem os dados espectrais para que se possam efetuar análises estatísticas, permitindo inferências baseadas em todas as réplicas de cada grupo e tratamento. As oscilações na fV ventilação-a-ventilação descritas pela análise VRV são essencialmente ditadas pelas vias neurais da regulação ventilatória de curto prazo. Assim, alterações nestes padrões de oscilação indicam principalmente alterações no nível de atividade do quimiorreflexo ventilatório. Ademais, comparando os espectros VRV e HRV entre os grupos experimentais e seus tratamentos farmacológicos é possível verificar se interações cardiorrespiratórias ocorrem (i.e. fH e fV oscilam nas mesmas frequências) e qual origem de controle desse acoplamento (LEITE et al., 2009; TAYLOR et al., 2006; 2010). Análise Estatística Inicialmente, foi testada a normalidade e homocedasticidade de todo o conjunto de dados através dos testes de Shapiro-Wilk e Levene, respectivamente. Em seguida, utilizou-se uma análise de variância (ANOVA) de duas vias seguida de um procedimento de comparações múltiplas Benjamini-Krieger-Yekutieli para identificar diferenças entre os valores encontrados para as variáveis fH, fV, VAMP, VT, HRVPLF, HRVPHF e VRVTP entre Grupo Jejum e o Grupo Digestão (em condições não tratadas, após o bloqueio colinérgico muscarínico e após o duplo bloqueio autonômico). Por fim, foi realizada ANOVA de uma via seguida de um teste de comparações múltiplas de Bonferroni para identificar as divergências entre fH, fV, VAMP, VT, HRVPLF, HRVPHF e VRVTP observadas entre o Grupo Jejum em estado não tratado e o Grupo Salina. Foi adotado valor de P ≤ 0,05 para as análises supracitadas. Todas as análises estatísticas foram realizadas no software comercial GraphPad Prism 7.0 (GraphPad Software Inc.). Todos os valores apresentados doravante serão apresentados como Média ± erro padrão médio.

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4. Resultados e Discussão Resumidamente, não foram observadas diferenças significativas nas variáveis ventilatórias fV, VAMP e VT de animais em jejum e digestão em todos os tratamentos. Os animais em jejum não tratados apresentaram fV de 49,4 ± 2,1 vpm, que se manteve inalterada após administração de atropina (54,8 ± 3,0 vpm), e diminuiu após duplo bloqueio autonómico (42,3 ± 2,4 vpm). Os animais em digestão não tratados apresentaram fV de 52,9 ± 3,3 vpm, que não se alterou significativamente após administração de ambos antagonistas autonômicos (54,8 ± 3,2 vpm após a administração de atropina e 52,2 ± 3,2 vpm após duplo bloqueio autonômico). Além disso, os animais em jejum não tratados exibiram VAMP de 0,058 ± 0,005 kPa e VT de 2,9 ± 0,3 u.a., variáveis que não mudaram durante os efeitos da atropina (0,050 ± 0,005 kPa e 2,8 ± 0,3 u.a.) e do duplo bloqueio autonômico (0,048 ± 0,005 kPa e 2,1 ± 0,3 u.a.) - tal como os animais do grupo digestão, que exibiram uma VAMP de 0,065 ± 0,006 kPa e um VT de 3,4 ± 0,5 u.a. quando não tratados, 0,060 ± 0,006 kPa e 3,3 ± 0,5 u.a. sob bloqueio colinérgico muscarínico, e 0,068 ± 0,006 kPa e 3,5 ± 0,4 u.a. após o duplo bloqueio autonômico. Considerando os espectros de VRV de dois animais representativos (um do Grupo Jejum e outro do Grupo Digestão), é possível notar que os padrões que descrevem a variação da fV destes animais encontram-se essencialmente abaixo da frequência de 0,50 Hz, com um pico LF único 2 entre 0,00 e 0,10 Hz (Fig. 1a-d). O VRVTP dos animais em jejum foi igual a 2478,0 ± 560,0 ms em condições não tratadas, que se manteve inalterado sob bloqueio colinérgico muscarínico (2289,0 ± 454,5 ms2), e aumentou cerca de 2 vezes sob duplo bloqueio autonômico (5050,0 ± 2 802,6 ms ). O VRVTP dos animais do Grupo Digestão, contudo, não se alterou significativamente com os efeitos dos antagonistas autonômicos, apresentando 2167,0 ± 343,7 ms2 sob a condição não tratada, 2406,0 ± 652,6 ms2 sob bloqueio colinérgico muscarínico e 3555,0 ± 808,7 ms2 após o duplo bloqueio autonômico - todos valores semelhantes aos observados nos animais em jejum, exceto sob duplo bloqueio autonômico na qual o VRVTP dos animais em jejum apresentou-se mais elevado. Em relação as variáveis cardíacas obtidas, foi observado que os animais em digestão apresentaram uma fH significativamente superior em comparação à registrada nos animais em jejum em todos os tratamentos. Os animais em jejum não tratados exibiram uma fH de 30,4 ± 2,9 bpm, que aumentou para 62,5 ± 2,4 bpm após administração de atropina, e permaneceu sem alterações significativas após duplo bloqueio autonômico (60,3 ± 2,5 bpm). Por outro lado, os animais em digestão não tratados mostraram uma fH de 53,7 ± 3,2 bpm, que aumentou para 74,1 ± 0,8 bpm após a administração de atropina, e permaneceu sem alterações significativas após o estabelecimento do duplo bloqueio autonômico (71,9 ± 1,1 bpm). A espectros de HRV que descrevem os padrões de variação fH dos animais foram essencialmente encontrados abaixo de 0,50 Hz, com um pico LF principal encontrado entre 0,00 e 0,10 Hz e um pico HF acima de 0,10 Hz - como demonstrado pelos espectros dos animais representativos de cada grupo experimental (Fig. 2a-d). Com base na localização dos picos de frequência, o HRVPLF médio (0,00 - 0,10 Hz) e o HRVPHF médio (acima de 0,10 Hz) foram calculados utilizando os dados de todos os animais. Constatou-se que os animais não tratados 2 em jejum apresentaram HRVPLF igual a 10969,0 ± 3453,0 ms e HRVPHF igual a 8011,0 ± 1666,0 ms2, de modo que ambas variáveis reduziram drasticamente após a administração de atropina 2 2 (HRVPLF de 2,0 ± 1,3 ms e HRVPHF de 11,5 ± 6,0 ms ) e após duplo bloqueio autonômico 2 2 (HRVPLF de 2,4 ± 0,8 ms e HRVPHF de 9,6 ± 3,0 ms ). Entretanto, verificou-se que os animais 2 em digestão não tratados apresentaram HRVPLF de 2971,0 ± 1370,0 ms (significativamente 2 inferior em relação a dos animais em jejum não tratados) e HRVPHF de 4440,0 ± 1701,0 ms (semelhante ao dos animais não tratados em jejum), que também foram reduzidos drasticamente 2 2 após a administração de atropina (HRVPLF de 0,8 ± 0,3 ms e HRVPHF de 4,6 ± 1,4 ms ) e após 2 2 duplo bloqueio autonômico (HRVPLF de 1,0 ± 0,4 ms e HRVPHF de 4,7 ± 1,8 ms ).

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Por fim, não foram observadas diferenças significativas nas variáveis fH, fV, VAMP, VT, VRVTP HRVPLF e HRVPHF entre o Grupo Jejum em estado não tratado e o Grupo Salina. Portanto, nem a solução salina que diluiu os antagonistas autonômicos (ou o seu volume) nem o ato de administrar os fármacos influenciaram os resultados obtidos. Figura 1. Espectros de variabilidade da fV (VRV) de O. niloticus em jejum e digestão. Os espectros de VRV apresentados são de dois animais representativos, um do Grupo Jejum (a, b, c) e outro do Grupo Digestão (d, e, f), em condições não tratadas (a, d), após bloqueio colinérgico muscarínico com atropina (2,5 mg.kg-1) (b, e) e após duplo bloqueio autonômico realizado com atropina e propranolol (4,0 mg.kg-1) (c, f).

Figura 1. Espectros de variabilidade da fH (HRV) de O. niloticus em jejum e digestão. Os espectros de HRV apresentados são de dois animais representativos, um do Grupo Jejum (a, b, c) e outro do Grupo Digestão (d, e, f), em condições não tratadas (a, d), após bloqueio colinérgico muscarínico com atropina (2,5 mg.kg-1) (b, e) e após duplo bloqueio autonômico realizado com atropina e propranolol (4,0 mg.kg-1) (c, f).

Com base nos resultados descritos acima, é possível notar que a digestão não desencadeou resposta ventilatória significativa em O. niloticus. Embora os peixes não compensem a alcalose metabólica pós-prandial através da retenção de CO2 via hipoventilação como os vertebrados respiradores de ar, esperava-se que uma hiperventilação quimiorreflexa viesse a acontecer para atender a demanda metabólica pós-prandial dos animais. Ademais, é possível que o aumento significativo da fH durante a digestão tenha ocasionado um maior recrutamento de lamelas branquiais secundárias, o que consequentemente otimizou as trocas gasosas na superfície respiratória do animal auxiliando no suprimento da alta demanda por O2. A digestão também não promoveu mudanças no VRVTP de O. niloticus não tratado, mostrando não estar relacionada com mudanças no controle quimiorreflexo da ventilação nesta espécie. Além disso, a administração de propranolol aumentou o VRVTP do Grupo Jejum, mas não dos animais do Grupo Digestão, embora não tenha afetado a fV, VAMP e VT em ambos os grupos experimentais. Este aumento da VRVTP pode estar relacionado com as influências do

47 propranolol tanto nas artérias branquiais aferentes como eferentes, o que altera o fluxo sanguíneo na superfície respiratória dos animais que, por sua vez, altera os padrões de oscilação da fV promovidos pelo quimiorreflexo (NILSSON; SUNDIN, 1998; SUNDIN; NILSSON, 2002). Além disso, existe a possibilidade de que este evento não tenha sido significativo no Grupo Digestão após o duplo bloqueio autonômico devido a ação de fatores NANC na vasculatura pré e pós-branquial que sobrepujaram os efeitos do propranolol (SUNDIN; NILSSON, 2002). Ao analisar os espectros de HRV e VRV dos animais em jejum e digestão não tratados foi possível verificar que ambos compartilhavam um pico LF entre 0,00 e 0,10 Hz, revelando que pelo menos parte do HRVPLF poderia acontecer em decorrência de interações cardiorrespiratórias nestes animais (CAMPBELL et al., 2005; TAYLOR et al., 2006; 2010). Embora presentes em ambos os grupos, o Grupo digestão não tratado apresentou um acoplamento cardiorrespiratório mais efetivo, uma vez que a área do espectro VRV correspondeu a uma maior percentagem do pico HRV LF em comparação com animais em jejum não tratados. Particularmente, 50% dos animais do Grupo Digestão quando não tratados apresentaram uma sincronia cardiorrespiratória de 1:1 (Fig. 3a), uma interação que certamente contribuiu para a correspondência entre fH média e fV média neste grupo e que esteve ausente em 90% dos animais do Grupo Jejum quando não tratados (Fig. 3b).

Figura 2. Representação de segmentos originais do sinal de eletrocardiograma (ECG) e de pressão orobranquial de um animal em digestão exibindo clara sincronia cardiorrespiratória (a) e de um animal em jejum não exibindo tal sincronia (b). Note que durante a sincronia cardiorrespiratória os ciclos ventilatórios ocorrem sempre entre as ondas R e T do ECG (despolarização ventricular e repolarização, respectivamente).

O significado funcional de tal sincronia entre fH e fV permanece incerto, mas vem sendo discutido seu papel na otimização da absorção de O2 pelos animais através do intenso fornecimento de fluxo sanguíneo para as brânquias simultaneamente ao momento de máximo fluxo de água através da sua superfície respiratória (CAMPBELL et al., 2004; 2005; LEITE et al., 2009; TAYLOR et al., 2010), assim, a sincronia cardiorrespiratória pode ter reduzido a necessidade de hiperventilação durante a digestão de O. niloticus. Além disso, a ocorrência de diferentes padrões de ventilação e interações cardiorrespiratórias em indivíduos distintos submetidos a situações experimentais idênticas já foi documentada em teleósteos, cuja origem depende de estímulos aferentes de fontes não respiratórias que podem atuar na fH e na fV e variar com outras características e condições individuais não controladas (CAMPBELL et al., 2005). De modo semelhante ao observado nos demais estudos da área, a administração de atropina aboliu as interações cardiorrespiratórias acima referidas. Isso aconteceu, pois, a principal fonte de controle autonômico cardíaco se encontra bloqueada e impedida de gerar a variabilidade necessária para tal ajuste – refletida na redução drástica da variável HRVPLF e HRVPHF (CAMPBELL et al., 2004; 2005; LEITE et al., 2009; TAYLOR et al., 2010; 2014).

5. Conclusão Com base nos resultados do presente estudo é possível concluir que a digestão em O. niloticus não desencadeia ajustes ventilatórios compensatórios bem como não gera mudanças no controle quimiorreflexo. Contudo, esse cenário fisiológico se mostrou relacionado a uma maior prevalência de sincronia cardiorrespiratória nesta espécie de teleósteo.

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6. Referências

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7. Apoio Financeiro: FAPESP – Processo nº 2017/01616-6 49

Estudo etnofarmacológico e fitoquímico de Alternanthera philoxeroides tendo em vista seu potencial antialérgico

CARVALHO, L.G1, MUZITANO, M.F.2

1 2 Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Programa de Pós-graduação em Produtos Bioativos e Biociências (PPG-ProdBio). Instituto de Biodiversidade e Sustentabilidade, UFRJ, Macaé, RJ, Brasil. 1 [email protected]

1. Introdução A utilização de plantas pelo homem iniciou-se nas antigas civilizações, com a tentativa de suprir suas necessidades básicas de alimentação e sobrevivência. Através das experiências sensoriais, que nos dias de hoje descrevem o empirismo, observou a eficácia em suas distintas finalidades, destacando-as como importante fonte de substâncias biologicamente ativas (ANDRADE, 2007; ALMEIDA, 2011). Acredita-se que o registro mais antigo de todos é o Pen Ts’ao, de 2800 a.C., escrito pelo herborista chinês Shen Numg, o qual descreve o uso de centenas de plantas medicinais na cura de várias moléstias (ALMEIDA, 2011). A maior biodiversidade do planeta presente no Brasil, combinada com a introdução de modelos biológicos in vitro em grande escala, propiciam avanços significativos no estudo de novos fármacos (HOUGHTON, 2000; NIELSEN, 2002). Os compostos fenólicos presentes nas plantas são sintetizados tipicamente durante o seu desenvolvimento, apresentam a função de protegê-las de infecções e agressões de microrganismos e servem como filtros de radiação UV, além disso, contribuem com o aroma, adstringência, cor e estabilidade oxidativa das mesmas (NACZK & SHAHIDI, 2004). Esse imenso patrimônio genético tem na atualidade um grande valor econômico-estratégico em várias atividades, mas a sua maior potencialidade destaca-se no campo do desenvolvimento de novos medicamentos (CALIXTO, 2003). Destacando, além do mais, a utilização de plantas em práticas populares e tradicionais como remédios caseiros e comunitários, processo conhecido como medicina tradicional (BRASIL, 2006). Essas práticas estão associadas à rica diversidade étnica e cultural do país, resultado de uma série de influências, como a dos colonizadores europeus, indígenas e africanos (AQUINO et al., 2007). Em comunidades tradicionais, perpetua-se uma relativa simbiose entre ser humano e natureza, tanto em sua práxis quanto no campo simbólico, o saber desses grupos acumula, favorece e mantém o conhecimento sobre este território onde é vital que se reconheça a importância da transmissão desse saber às novas gerações (ROCHA, 2015). Entre algumas espécies vegetais citadas para utilização medicinal em comunidades Quilombolas na Região dos Lagos/RJ, popularmente chamada de erva-de-jacaré, a Alternanthera philoxeroides destacou-se pela sua finalidade na medicina popular como antialérgico, cicatrizante, diurético, antipirético e úlceras, na forma de chá ou utilizada por aplicação tópica in natura (CARVALHO et al., 2019). Não foram encontrados na literatura estudos que embasassem cientificamente esse uso popular, entretanto, prospecções fitoquímicas revelaram a presença de flavonoides glicosilados, saponinas triterpênicas e betalaínas, conferindo-lhe ação antitumoral e antiviral (SI-MAN et al., 1988; FANG et al., 2007; FANG et al. 2009; RATTANATHONGKOM et al., 2009). Diversas substâncias de origem natural têm demonstrado potencial quanto à inibição da desgranulação de mastócitos, porém para que essas substâncias venham a se tornar um fármaco é preciso esclarecer precisamente o seu modo de ação, sendo então utilizadas no tratamento de doenças alérgicas (SANTOS, 2017). Uma vez que os mastócitos são células de função central no desenvolvimento da resposta alérgica inflamatória e seus sintomas clínicos, propõe-se avaliar a possível atividade antialérgica da espécie vegetal associada a uma atividade inibitória 50

sobre a desgranulação de mastócitos em modelos experimentais que envolvem a ativação destas células.

2. Objetivos O presente projeto tem como objetivo geral confirmar ou refutar os efeitos etnofarmacológicos da espécie vegetal Alternanthera philoxeroides e, avaliar a composição fitoquímica associada. Seus objetivos específicos são: estudar o perfil químico dos extratos e frações por Cromatografia Líquida de Alta Eficiência acoplada ao detector de Ultravioleta e ao Espectrômetro de Massas (CLAE-UV-EM); isolar e caracterizar os princípios ativos da espécie vegetal Alternanthera philoxeroides, submetendo-a ao fracionamento biomonitorado pelo ensaio de desgranulação de mastócitos (avaliando frações e substâncias isoladas); avaliar, in vivo, a atividade antialérgica dos extratos e frações através do ensaio de anafilaxia cutânea passiva (PCA) quanto a inibição da desgranulação de mastócitos em camundongos; avaliar, in vivo, a atividade antialérgica das amostras mais promissoras através do modelo experimental de inflamação das vias aéreas; valorizar os saberes populares das comunidades Quilombolas, divulgando os resultados da pesquisa.

3. Metodologia 3.1 Nova coleta e preparação dos extratos Realizou-se uma nova coleta da espécie vegetal em campo no município de Armação dos Búzios (coordenadas: 22°47'12.1"S 41°57'11.0"W). A parte área da planta foi coletada e pesada, separou-se uma parte para utilização em técnicas aquosas, e o restante passou por um processo de secagem na estufa, e ao final triturada para utilização em técnicas com solventes. Foram utilizadas duas técnicas de extração aquosa mais utilizada na medicina popular: a infusão e a decocção, tendo como objetivo simular a forma de uso indicada pelos Quilombolas. Em ambos os processos foram utilizados separadamente 100g do material vegetal seco para 500mL de água destilada (1:5). Obtidas as extrações, as duas foram filtradas com papel filtro e colocadas na placa de aquecimento em agitação para reduzir o volume de 500mL a 200mL. A temperatura manteve-se abaixo de 70ºC. Seguidamente foram tampadas e colocadas no congelador para futuramente serem liofilizadas. Ademais, preparou-se um terceiro extrato por percolação com etanol, utilizando 100g do material vegetal seco para 1000mL de etanol (1:10). O extrato etanólico obtido foi filtrado e concentrado em rotaevaporador por três vezes, com um espaço de tempo de 5-7 dias, e ao final foi congelado. A massa total foi de 24,26g. As amostras aquosas estão em processo de liofilização, para futuros testes. O extrato etanólico foi posto em banho-maria por dois dias, na tempetura abaixo de 100ºC, para não danificar os constituintes presentes, e foi utilizado em análise no CLAE para o estudo preliminar do seu perfil químico.

3.2 Preparação do material e análise preliminar – CCD As análises por CCD foram realizadas em folhas de alumínio TLC de sílica gel. A amostra etanólica a ser analisada foi diluída em solvente volátil (metanol), e aplicadas sobre a placa com o auxílio de um capilar de vidro, a cerca de um centímetro da base da placa (fase estacionária). A placa então foi introduzida em um Becker contendo a fase móvel adequada. O sistema inicial (A) da fase móvel foi acetato de etila e metanol em duas proporções diferentes (1:1) e (1:3), as quais os resultados foram analisados de acordo com a polaridade para a formulação de um sistema mais adequado. Como a maioria dos compostos orgânicos é incolor, faz-se necessária a utilização de um processo de revelação para que se possa analisar o resultado obtido. O revelador utilizado foi o NP/PEG (solução metanólica com 1% de 2- aminoethyl diphenylborinate (p/v) + solução etanólica com 5% de polietilenoglicol (p/v)). A 51

visualização das manchas foi feita com auxílio de luz ultavioleta (UV), a 254 nm, em câmara ultravioleta Spectroline CM-10.

3.3 Preparação do material (CLAE), separação, isolamento e identificação Para as análises no CLAE, foi utilizado 5mg de cada extrato. No preparo com o extrato etanólico, após a pesagem, adicionou-se 1mL de hexano e 1mL de metanol em um tubo de ensaio, onde posteriormente foi colocado no agitador. Após esse processo, retirou-se a partição menos polar (hexano) e foi adicionado novamente o mesmo solvente (hexano) por três vezes, afim de utilizar a partição mais polar para análise. A partição final com metanol foi transferida para um vial e posta no centrifugador. Para o preparo com os extratos aquosos (infuso e decocto), adicionou-se em cada amostra 700µL de metanol e 300µL de H₂O ultrapura, as quais posteriormente foram transferidas para diferentes vials e postas no agitador e centrifugador. Assim sendo, as amostras foram inseridas para análise dos seus possíveis componentes químicos. No CLAE as condições cromatográficas utilizadas foram: fase móvel metanol e H₂O 0,1% (CH₂O₂), Volume injetado 50µL, com vazão 1,0 mL/min, pressão 80kgj a 35ºC. Dados da coluna: Luna® 5µm C18(2) 100 Å, Referência:00G-4252-E0, Dimensões:250 x 4,6 mm ID.

3.4 Perspectivas futuras A princípio, será empregada a cromatografia em coluna aberta (CC), com sílica gel de fase normal e fase reversa como fase estacionária, onde, a mesma é eluída com uma mistura de solventes que deve ser previamente determinada por cromatografia em camada delgada (CCD). Uma vez isoladas as substâncias ativas, será realizada a elucidação estrutural das mesmas, utilizando a Espectrometria de Massas (EM) e a Ressonância Magnética Nuclear (RMN). A presente pesquisa ainda se encontra em andamento, e o posteriormente será iniciada análise da atividade antialérgica através da anafilaxia cutânea passiva (PCA) e modelo experimental de inflamação das vias aéreas. Primeiramente, Camundongos Swiss serão sensibilizados pela injeção do anticorpo IgE anti-DNP (Sigma Chemical Co.) será injetado por via intraperitoneal e o antígeno (extrato bruto, fração química ou substância isolada da espécie vegetal) injetado subsequentemente, por injeção intravenosa, com um corante. Posteriormente, será avaliada a desgranulação de mastócitos na pele da região dorsal previamente sensibilizada, executada através do extravasamento do corante Azul de Evans na região. As soluções obtidas serão avaliadas em espectrofotômetro a 620 nm para quantificação do corante extravasado. No segundo teste, posteriormente, Camundongos Swiss serão sensibilizados por via intraperitoneal com 2 doses de OVA, e posteriormente serão desafiados com solução aerosolizada de OVA 1% (p/v) em PBS, utilizando-se um aparelho nebulizador e uma câmara de isolamento, e tratados depois com 100 ml do extrato bruto da espécie vegetal ou suas frações químicas e substância isolada. Ao final do procedimento, os animais serão anestesiados e eutanasiados, analisandos os seguintes parâmetros: número de células inflamatórias no fluido do lavado broncoalveolar, dosagem das citocinas pró-alérgicas e pró-inflamatórias no fluido do lavado broncoalveolar, infiltrado de células inflamatórias em cortes histológicos do parênquima pulmonar corados com hematoxilina e eosina, dosagem dos níveis do anticorpo IgE total no soro.

4. Resultados e discussão 4.1 Coleta, preparação do material e testes fitoquímicos iniciais Uma amostra da inflorescência do material vegetal passou por uma análise e classificação botânica para a confirmação da espécie através da utilização de chaves dicotômicas. Posteriormente, a fim de agrupar diferentes grupos de constituintes químicos, o material botânico foi submetido a uma percolação de solventes orgânicos de diferentes polaridades (hexano e metanol), no qual foram concentrados e destilados em evaporador 52

rotativo. Sucessivamente tais extratos brutos foram submetidos à testes para determinação da presença dos grupos dos metabólitos secundários, que mostraram que A. philoxeroides apresenta resultado positivo para esteroide, tanino, saponina e alcaloide. Ao coletar toda a parte aérea da espécie vegetal, obteve-se a massa total de 880g. Para o preparo dos dois extratos aquosos (infuso e decocto), utilizou-se 100g do material vegetal para cada técnica (proporção 1:5). O restante do material vegetal, 680g, após passar por um processo de secagem, perder a água e ser triturada, obteve-se 108g. Destes, utilizou-se 100g para o preparo do extrato etanólico, e os 8g restantes foram armazenados para futuros testes.

4.2 Análise preliminar por CCD A fase móvel migrou através da fase estacionária por ação da capilaridade. Ao ascender, o solvente arrastou os compostos menos adsorvidos na fase estacionária, separando-os dos mais adsorvidos. Assim, a partir de uma única mancha, observou-se através da “corrida” um cromatograma com várias “manchas” de acordo com os prováveis componentes da mistura. Foram propostos e otimizados dois sistemas eluentes distintos, como descrito na metodologia. O sistema inicial (A) da fase móvel com acetato de etila e metanol, em duas proporções diferentes (1:1) e (1:3), demonstrou os resultados descritos abaixo. O revelador utilizado foi o NP/PEG. A separação dos componentes permitiu a visualização de “manchas” com três colorações distintas, porém estavam um pouco próximas. De acordo com a literatura, as três diferentes colorações (Figura 1) observadas nas placas possivelmente são identificadas como os seguintes componentes: clorofila, aglicona e glicona. A vermelha como clorofila. Um terpenóide muito frequente em extratos de plantas é o fitol, presente em todos vegetais que apresentam clorofila, pois é um constituinte na molécula de clorofila, e já foi isolado na espécie estudada (FANG, et al. 2006). A amarela, uma aglicona, possivelmente a quercetina, um flavonoide de origem natural amplamente distribuído na natureza, identificado na A. philoxeroides (MEHMOOD, et al. 2017; SIVAKUMAR & SUNMATHI, 2016). Ou ácido oleanólico, triterpeno pentacíclico que ocorre amplamente em muitas plantas como aglicona de muitas saponinas, o qual já foi isolado e identificado em outro estudo (FANG, et al. 2006). Roxa: gliconas, provavelmente relacionada à estrutura alternantina, um glicosídeo de Alternanthera philoxeroides descrito na literatura (ZHO, et al. 1988).

Figura 1. Placa CCD - sistema (A).

Amostra etanólica de Alternanthera philoxeroides. (1) Fase móvel com acetato de etila e metanol (1:1). (2) Fase móvel com acetato de etila e metanol (1:3).

4.3 Análise preliminar por CLAE e perspectivas futuras 53

Os extratos aquosos ainda se encontram no liofilizador, sem um valor de massa estabelecido. Já o extrato etanólico, após a secagem total do solvente, obteve-se um peso de 24,26g. A segunda análise foi a mais promissora, a qual foi utilizado 5mg de cada extrato em um método otimizado. As soluções foram injetadas no cromatógrafo conforme as orientações do software, de acordo com as condições de análise. Inicialmente pesquisas bibliográficas foram realizadas para a obtenção de informações sobre métodos já desenvolvidos. A detecção feita na região do ultra-violeta (UV) e num único comprimento de onda ou em vários comprimentos de onda utilizando um detector por arranjo de diodos (DAD), é frequentemente utilizada em HPLC (WELLS, 2000). Relatou-se a utilização de comprimentos de onda de 254 nm. Desta forma, resultados do tempo de retenção e espectro de absorção dos três diferentes extratos ainda estão em processo de análise para propor a identidade dos analitos nas amostras.

5. Conclusão As indicações medicinais populares das comunidades Quilombolas indicaram a Alternanthera philoxeroides para diversos fins, mas principalmente como antialérgico e cicatrizante, utilizada na forma de chá ou tópica in natura. A análise preliminar fitoquímica detectou alguns dos principais grupos de metabólitos: esteroide, tanino, saponina e alcaloide, necessitando de fracionamentos e isolamentos para verificação da atividade biológica da espécie. Através da análise por CCD, alguns componentes foram identificados: clorofila, aglicona e glicona. A aglicona, possivelmente a quercetina, um flavonoide de origem natural, já identificado na A. philoxeroide em outros estudos, ou ácido oleanólico, triterpeno pentacíclico que ocorre amplamente em muitas plantas como aglicona de muitas saponinas, o qual também já foi isolado e identificado em outro estudo. A gliconas, provavelmente relacionada à estrutura alternantina, um glicosídeo de Alternanthera philoxeroides descrito na literatura. Estes dados são indispensáveis para validação das plantas medicinais, usos populares mais seguros e para testes de qualidade e integridade de fitoterápicos, possibilitando melhor controle farmacognóstico da espécie.

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Anexina A1: sobrevivência celular em placentas de gestantes portadoras de Diabetes Mellitus

SANTOS, M.R.¹, MORELI, J. B.³, CALDERON, I.M.P², OLIANI, S.M.¹,³

¹Programa de Pós-Graduação em Biociências, Instituto de Biociências Letras e Ciências Exatas (UNESP/IBILCE) - São José do Rio Preto, São Paulo, Brasil ²Programa de Pós-Graduação em Ginecologia, Obstetrícia e Mastologia, Faculdade de Medicina de Botucatu (FMB/UNESP) - Botucatu, São Paulo, Brasil ³Programa de Pós-Graduação em Biologia Estrutural e Funcional, Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) - São Paulo, Brasil

Introdução O Diabetes Mellitus Gestacional (DMG) é definido como qualquer grau de intolerância à glicose iniciado ou detectado pela primeira vez na gestação e, quando não tratada, pode levar a resultados perinatais adversos para mãe e feto/recém-nascido (ADA, 2020). Além das alterações no organismo, a placenta também sofre alterações decorrentes da hiperglicemia. Dentre elas destacam-se as alterações vasculares (CALDERON et al., 2007; PIETRO et al., 2010), aumento de marcadores inflamatórios (MORELI et al., 2015; CORRÊA-SILVA et al., 2018) e apoptose (SGARBOSA et al., 2006). A placenta é um órgão complexo formado por estruturas de diferentes origens, morfologia e funções: o cório frondoso (porção fetal) e a decídua basal (porção materna). Esse órgão desempenha atividades funcionais como trocas gasosas, absorção molecular, excreção, produção de hormônios e proteínas regulatórias, hematopoese e regulação imunológica (BENIRSCHKE et al., 2006). A formação da placenta tem início com a formação do trofoblasto e posterior diferenciação em citotrofoblasto e sinciciotrofoblasto. As células do citotrofoblasto possuem alta atividade proliferativa e dão origem ao sinciciotrofoblasto. O sinciciotrofoblasto é responsável pela síntese e secreção do hormônio gonadotrofina coriônica humana e mantém contato direto com o tecido materno, sendo assim, um componente-chave no estabelecimento da interface materno-fetal (HUPPERTZ et al., 2014). A Anexina A1 (ANXA1) é uma proteína que se anexa a membrana fosfolipídica de maneira dependente de cálcio e têm suas propriedades anti-inflamatórias reguladas por glicocorticoides (FLOWER, 1979; PERRETTI, GAVINS, 2003; LIM, PERVAIZ, 2007). O gene da ANXA1 humana está localizado no cromossomo 19q24 e codifica uma proteína de 37 kDa. Essa proteína apresenta um domínio central (C-terminal), que consiste em quatro a oito repetições de 70 a 80 aminoácidos, altamente conservado entre as 13 proteínas da superfamília das anexinas, responsável pela afinidade ao cálcio e ligação aos fosfolipídios (MUNN, MUES, 1986; PERRETTI, FLOWER, 2004). Além disso, possui um domínio N- terminal único para cada membro, que contém sítios para processos pós-traducionais e a sequência anti-inflamatória da proteína, determinante de sua função e atividade biológica (RAYNAL, POLLARD, 1994; LIM, PERVAIZ, 2007). Nosso grupo de pesquisa tem investigado a ANXA1 em diferentes modelos de inflamação, incluindo placentas de gestações de risco, como as acompanhadas de infecções por Toxoplasma gondii e Zika vírus (DE OLIVEIRA CARDOSO et al., 2018; MOLÁS et al., 2020). A inflamação pode ser uma causa ou consequência da hiperglicemia decorrente da DMG. Essas condições podem levar a um quadro de estresse oxidativo na célula, devido ao excesso de espécies reativas de oxigênio (EROs) (figura 1). As EROs são capazes de induzir lesões de DNA, como locais abásicos (sitios AP), quebras de fita simples e quebras de fita dupla, e podem oxidar todas as quatro bases de DNA, sendo a guanina a mais suscetível devido ao menor potencial redox. A guanina oxidada (8-oxodG) possui grande importância biológica, 56

pois é uma lesão mutagênica que induz as transversões da guanina para timina (MORELI et al., 2016).

Figura 1. Hiperglicemia e inflamação são capazes de aumentar a produção de EROs. Quando a produção de EROs excede a capacidade de desintoxicação e eliminação da célula, ocorre o estresse oxidativo. O estresse oxidativo induz dano ao DNA e, quando o dano excede a capacidade celular para repará-lo, o acúmulo de erros pode sobrecarregar a célula, resultando em apoptose, senescência celular ou fixação de mutações no genoma que serão transmitidas às gerações futuras. Há evidências na literatura de que a proteína ANXA1 pode estar exercendo uma função moduladora diretamente relacionada à sobrevivência celular. Adaptado de Moreli et al., 2014.

Investigações mostram que a ANXA1 é encontrada na membrana plasmática, no citoplasma e núcleo de células (OLIANI et al., 2001; MUSSUNOOR & MURRAY, 2008). A presença dessa proteína no compartimento nuclear foi relacionada com o desenvolvimento tumoral e sua translocação do citoplasma para o núcleo ocorre em resposta a danos no DNA, estímulos proliferativos e associados à fosforilação (BOUDHRAA et al., 2016). A retenção nuclear da ANXA1 por mutações, em sítios específicos no sinal de exportação nuclear, resulta na diminuição da proliferação celular (ALVES et al., 2008). Quando o tipo e a quantidade de danos superam a capacidade de reparo das células, pode ser observado a consequência dos danos não reparados por acúmulo de mutações no genoma ou, ainda, por apoptose (COSTA et al., 2003; HUBLAROVA et al., 2010). A apoptose é um processo fisiológico de morte celular no qual as células são removidas do corpo sem provocar uma resposta inflamatória. A primeira indicação do envolvimento da ANXA1 na apoptose foi relata por McKanna (1995), mostrando que a expressão da ANXA1 57

aumentou nas células alveolares dos ductos mamários submetidos à apoptose na regressão pós- lactacional. Posteriormente, Sakamoto e colaboradores (1996) relataram que a ANXA1 exógena facilitou a apoptose induzida por H2O2 em timócitos de rato. A apoptose e seus mecanismos reguladores associados são eventos fisiológicos cruciais para a manutenção da homeostase placentária e o desequilíbrio desses processos pode comprometer a função da placenta e, consequentemente, o sucesso da gravidez (SGARBOSA et al., 2006).

Objetivo O objetivo deste trabalho é investigar a expressão citoplasmática e nuclear da ANXA1 em placentas de gestantes com DMG e sua relação com a sobrevivência das células trofoblásticas.

Metodologia Estudo de corte transversal, incluindo 12 gestantes submetidas entre 24 e 28 semanas de gestação ao teste de tolerância à glicose de 75g (GTT-75g) foi realizado para diagnóstico da DMG. De acordo com os resultados dos testes as gestantes foram classificadas nos grupos: não diabético (ND; GTT-75g normal; n=6) e diabete mellitus gestacional (DMG; GTT-75g alterado; n=6). Placentas foram coletadas após cesáreas, lavadas em salina, fixadas em paraformaldeído a 4% e processadas histologicamente. As expressões da ANXA1, dos danos oxidativos ao DNA (8-Hidroxiguanosina e gamaH2Ax) e da apoptose (caspase-3 clivada) foram detectadas por imuno-histoquímica em vilos placentários (região fetal da placenta). Um total de 10 campos por amostra foram analisados. Os núcleos positivos foram quantificados e as áreas das vilosidades de cada campo foram medidas com o software Image J para obter a relação de núcleos marcados por área vilosa, utilizando como parâmetro área de 10.000 μ2. A análise densitométrica da marcação citoplasmática para ANXA1 foi avaliada em 10 pontos distintos de cada campo em uma escala arbitrária de 0 a 255. Todos os fragmentos foram obtidos no microscópio Axioskop 2-Mot Plus Zeiss (Carl Zeiss, Jena, Alemanha) com analisador de imagens (software AxionVision). A expressão e quantificação de ANXA1 também foi analisada no homogenato placentário pela técnica de Western-blot. A intensidade de cada banda foi normalizada com Beta actina (controle endógeno) e apresentada em valores arbitrários (obtidos com o software Image J). As análises estatísticas foram realizadas pelo programa GraphPad Prisma® versão 6.0, considerando-se o limite de significância estatística de 95% (p<0,05). O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética da Faculdade de Medicina de Botucatu/Unesp (359/08) e pela Universidade Federal de São Paulo, Hospital São Paulo - Unifesp-HSP (CAAE: 48609715.0.0000.5505).

Resultados e discussão Nossos resultados mostraram que a proteína ANXA1 é expressa no núcleo e citoplasma do sinciciotrofoblasto nas placentas dos grupos ND e DMG (Figuras 2A e B). No entanto, ocorreu redução na expressão de ANXA1 no sinciciotrofoblasto do grupo DMG, confirmada pelo menor número de núcleos positivos (Figura 2D) e densitometria citoplasmática (Figura 2E). A quantificação da expressão proteica da ANXA1 no homogenato placentário por Western blot (Figuras 3F e G) confirma os resultados observados nas reações de imuno-histoquímica.

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Figura 2. Imunorreatividade para ANXA1 [A, B] principalmente no núcleo e citoplasma do sinciciotrofoblasto (setas) de placentas ND [A] e DMG [B]. Ausência de imunorreatividade no controle da reação [C]. Número de núcleos marcados para ANXA1 por 10.000μ2 [D] e densitometria citoplasmática [E]. Contra-coloração: Hematoxilina de Harris. Barras: 20 μm. Representativo de Western blot ilustrando a expressão de ANXA1 em ND e DMG [F]. A intensidade relativa da banda foi normalizada com a beta actina [f]. Dados apresentados em média e desvio padrão. * p< 0,05; ** p < 0,01. (n=6 placentas/grupo).

Para confirmar se a hiperglicemia decorrente do DMG pode levar a danos no DNA na placenta foi realizada a análise imuno-histoquímica para detecção do dano oxidativo, 8- hidroxoguanosina (Figuras 3A e B), e do dano de dupla quebra gamaH2AX (Figuras 3D, E). Os vilos placentários das gestantes portadoras de DMG apresentaram aumento dos danos ao DNA no sinciciciotrofoblasto e nas células do estroma (Figura 3C, F). Além disso, as placentas do grupo DMG apresentaram aumento da reatividade para caspase-3 clivada no sinciciotrofoblasto e estroma viloso (Figura 3H, I).

Figura 3: Expressão de marcadores de danos ao DNA e apoptose no núcleo das vilosidades do grupo ND e DMG. Imunorreatividade para os marcadores de dano 8-hidroxoguanosina [A, B] e dupla quebra γH2AX [D, E], e de apoptose (caspase-3) [G, H). Proporção de núcleos marcados por área (10.000 µ²) para 8-hidroxoguanosina [C], γH2AX [F] e caspase-3 clivada [I]. Nenhuma imunomarcação foi detectada nas seções de controle negativo [J]. Contra- coloração: Hematoxilina. Barras: 20 µm. Dados apresentados como média e desvio padrão. *** p <0,001.

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Estudos demonstram que as placentas de gestantes com DMG apresentam processos envolvidos como a inflamação e apoptose, que culminam em prejuízo funcional do órgão (SGARBOSA et al., 2006; MORELI et al., 2012; MORELI et al., 2015; CORRÊA-SILVA et al., 2018). Por sua vez, a proteína ANXA1, além de mediar o processo inflamatório, está envolvida em importantes implicações fisiopatológicas, incluindo proliferação celular, diferenciação, apoptose, câncer e, muito desses processos, estão relacionados com a resposta aos danos no DNA (SWA et al., 2012; VAGO et al., 2012; HAN et al., 2014). Além disso, diferentes indícios, como os elevados níveis de IL-1β decorrente da ativação do inflamassoma, predomínio de TNF-α sobre IL-10 e aumento do número das células de Hofbauer (CD68+) foram descritos e caracterizam a inflamação placentária (MORELI et al., 2015; CORRÊA- SILVA et al., 2018). Nossos resultados mostram redução da expressão de ANXA1 nuclear e aumentos na expressão do marcador do dano oxidativo de DNA (8- hidroxoguanosina) e do dano de dupla quebra (gamaH2AX) nos núcleos do sinciciotrofoblasto e células mesenquimais. Hirata e colaboratores (2011) observaram que a ANXA1 nuclear purificada tem maior afinidade pelo DNA contendo 8-oxo-guanosina do que pelo DNA não danificado. Estudos quantitativos de 60

proteômica indicam que a ANXA1 desempenha um papel potencial na resposta aos danos no DNA (SU et al., 2010). Ainda, em células de adenocarcinoma mamário (MCF7) foi demonstrado que a ANXA1 é uma proteína relacionada ao estresse celular por proteger o DNA contra danos induzidos pelo calor (NAIR et al., 2010). Esses resultados da literatura corroboram nossos achados que demonstram um envolvimento da ANXA1 nas respostas celulares aos danos de DNA decorrentes da hiperglicemia. Ainda, nossa investigação mostrou que as placentas de gestantes com DMG apresentaram aumento do processo de apoptose, como descrito previamente por Sgarbosa e colaboradores (2006). Outras evidências sugerem que a ANXA1 pode mediar os efeitos pró- apoptóticos de glicocorticóides em algumas células, ativando a caspase-3 e/ou agindo sobre os fluxos de cálcio (SOLITO et al., 2003; DEBRET et al, 2003). Em conjunto, nossos dados sugerem que a ANXA1 nuclear tem envolvimento com o DNA danificado, possivelmente modulando a resposta celular. Assim, investigar o papel dessa molécula na biologia do trofoblasto e modulação de alguns marcadores relacionados à sobrevivência dessas células é de extrema relevância para a compreensão do desenvolvimento placentário normal e em doenças gestacionais como DMG. A ANXA1 pode ser um alvo potencial para o desenvolvimento de novas estratégias relacionadas com os processos gestacionais.

Conclusões Nossos resultados mostram redução da expressão de ANXA1 no núcleo e citoplasma do sinciociotrofoblasto, com expressão reduzida nas placentas de gestantes DMG. Além disso, essas placentas apresentam aumento dos danos oxidativos (8-hidroxiguanosina), de dupla quebra (H2AX) de DNA, e da apoptose (Caspase-3 clivada) no sinciciotrofoblasto e nas células do estroma das vilosidades coriônicas. Associadas, essas conclusões mostram que a expressão diferencial da ANXA1 no núcleo, em placentas do grupo DMG, está associada à sobrevivência celular, com possíveis consequências funcionais nesse órgão.

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Apoio financeiro Este trabalho teve o apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP).

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Reorganização tecidual da próstata ventral de gerbilos adultos após a suplementação pela testosterona e exposição ao BCP.

CASTRO, N.F.C.1; JUBILATO, F. C. 1, GUERRA, L. A. 1, TABOGA, S.R. 1, VILAMAIOR, P.S.L.1

1 Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP/IBILCE), São José do Rio Preto, Brasil.

Introdução A próstata é uma glândula acessória do sistema genital dos mamíferos composta por dois compartimentos distintos, o epitelial e o estromal. Estes compartimentos interagem mutuamente via receptores androgênicos e essa interação é importante para o desenvolvimento, para a diferenciação durante a embriogênese e para a manutenção da próstata durante a vida adulta (CUNHA et al., 2004; HAYWARD et al., 1996; KRUŠLIN; ULAMEC; TOMAS, 2015). A glândula prostática faz parte do sistema reprodutor e é susceptível a influências hormonais, bioquímicas, metabólicas, genéticas e dos micronutrientes (DAS; BUCHHOLZ, 2019). Estudos sugerem que o desenvolvimento e progressão de doenças prostáticas podem estar relacionados com fatores metabólicos e hormonais (RASTRELLI et al., 2019). A hiperplasia prostática benigna (HPB) é uma doença crônica, caracterizada pelo crescimento da glândula a partir de interferências no balanço da interação dos fatores de crescimento e entre o estroma e o epitélio, o que resulta no aumento do volume da próstata (DAS; BUCHHOLZ, 2019). A indução dessa desordem tem sido bem estabelecida em modelos experimentais a partir de drogas, como os análogos de andrógenos (CHOI et al., 2019; KIM et al., 2016; SAYED, SAAD, EL-SAHAR, 2016; SCARANO, VILAMAIOR, TABOGA, 2006; SHOIEB et al., 2018). Os andrógenos são hormônios esteroides fundamentais para o desenvolvimento e a homeostase da próstata (SONG et al., 2016; SWERDLOFF et al., 2017; VERZE; CAI; LORENZETTI, 2016). Esses hormônios são fatores de risco já estabelecidos para a patogênese da HPB e estão associados com o recrutamento de grande quantidade de células inflamatórias (DANG; LIOU, 2018; DE NUNZIO et al., 2011; LI et al., 2018; PORTER et al., 2018; SAYED, SAAD, EL-SAHAR, 2016; TSAI et al., 2020). O tratamento para HPB inclui o uso de drogas convencionais e plantas medicinais (PAGANO et al., 2014). A farmacologia teve grandes avanços relacionados ao tratamento dessa doença, mas muitos medicamentos apresentaram dificuldades quanto a seletividade e, o uso prolongado, pode estar relacionado à disfunção sexual (DENG et al., 2019). Os agentes fitoterápicos têm apresentado grandes benefícios no tratamento de doenças como a hiperplasia (PAGANO et al., 2014). Mas o entendimento dos mecanismos desempenhados por essas plantas ainda não está bem esclarecido (PARK et al., 2011). Com isso, há a necessidade de mais estudos com novos medicamentos para a HPB (DENG et al., 2019). O β-Cariofileno (BCP) é um componente extraído de plantas medicinais e alimentares, como o orégano (Origanum vulgare L.), a canela (Cinnamomum spp.), o cravo (Eugenia caryophyllata) e a pimenta preta (Piper nigrum L.) (FIDYT et al., 2016; FRANCOMANO et al., 2019; GERTSCH et al., 2008). Esse fitocanabinoide tem ação anti-inflamatória, apoptótica, antiangiogênica e pode estar relacionado com a inibição da proliferação de uma variedade de células tumorais presentes no pulmão, no fígado, na mama e na próstata (FIDYT et al., 2016; KIM et al., 2014; PARK et al., 2011). Assim, é importante compreender os mecanismos de ação desse composto sobre a próstata em condições de alterações proliferativas, como aquelas promovidas pela testosterona.

Objetivos 64

O presente trabalho teve como objetivo avaliar os efeitos da suplementação pela testosterona e a exposição ao BCP na próstata ventral de gerbilos adultos, com enfoque nos parâmetros morfológicos, estereológicos, morfométricos e na frequência do receptor de andrógeno.

Metodologia Animais Nesse experimento foram utilizados 60 gerbilos (Meriones unguiculatus) machos adultos, com 90 dias de vida, provenientes do Biotério da Universidade Estadual Paulista, campus de São José do Rio Preto (SP), mantidos, no mesmo biotério, em caixas de polietileno, com substrato de maravalha, em condições controladas de luminosidade e temperatura média de 23ºC, sendo fornecidas água filtrada e ração “ad libitum”. Os experimentos foram realizados de acordo com os princípios éticos preconizados pelo Conselho Nacional de Controle de Experimentação Animal (CONCEA) e os procedimentos envolvidos foram apreciados pela Comissão de Ética no Uso de Animais do IBILCE/UNESP (Proc. No. 173/2017).

Delineamento experimental Os animais utilizados foram divididos nos seguintes grupos: Controle intacto (CI): os animais não receberam nenhum tratamento durante o experimento; Testosterona (T): os animais receberam, em dias alternados e durante um mês, injeções subcutâneas de Cipionato de Testosterona diluído em óleo de milho (3 mg/Kg) (ADARAMOYE et al., 2017; JEON et al., 2017) e foram eutanasiados após 30 dias do término da suplementação; Testosterona e β-Cariofileno (T+BCP): os animais receberam, em dias alternados e durante um mês, injeções subcutâneas de Cipionato de Testosterona diluído em óleo de milho (3 mg/Kg) (ADARAMOYE et al., 2017; JEON et al., 2017) e, em seguida, via gavagem, por 30 dias consecutivos, 50 mg/kg/dia (OJHA et al., 2016) de β-Cariofileno (Sigma-Aldrich, St. Louis, MO, USA). Ao fim do tratamento, os animais de todos os grupos experimentais foram anestesiados com Xilasina (3 mg/kg) e Ketamina (10 mg/kg) e eutanasiados por decapitação. Após a dissecção, o complexo prostático e a próstata ventral foram pesados e fixados. Os órgãos coletados foram fixados em paraformaldeído tamponado a 4% por 24 horas. Posteriormente, foram lavados em água, desidratados em etanol, clarificados em xilol e, então, incluídos em Histosec (Merk). Os órgãos foram seccionados a 3-5μm e corados pelas seguintes técnicas histoquímicas: Picrossírius e Reticulina de Gömori para estudos morfológicos gerais da próstata, das fibras reticulares e colágenas.

Análise estereológica As análises estereológicas foram realizadas para a obtenção do volume relativo dos diferentes compartimentos prostáticos dos grupos em estudo. Para isso, foram capturados, a partir de fragmentos corados pela técnica de Picrossírius, aproximadamente, 40 campos aleatórios de cada grupo, por meio do Sistema Analisador de Imagens, com o programa Image– Pro-Plus (Media Cybernetics). As medidas foram obtidas de acordo com o sistema de teste de multipontos M130 proposto por WEIBEL, 1978 e aplicado à próstata por HUTTUNEN, 1981. Assim, a partir dos dados obtidos para cada campo analisado, foi realizado o cálculo da frequência relativa dos compartimentos epitelial e luminal, estroma muscular, estroma não muscular, colágeno localizado entre a musculatura lisa (colágeno muscular), colágeno localizado na região do estroma não muscular (colágeno não muscular) e vasos sanguíneos na próstata ventral.

Análise morfométrica 65

A morfometria foi realizada para se obter a altura/espessura das células epiteliais e das células musculares lisas, respectivamente. Foram realizadas, no mínimo, 200 medidas por grupo obtidas a partir de 6 imagens capturadas de uma lâmina de cada animal (n de 8 por grupo), coradas pela técnica de Picrossírius, com o auxílio do Sistema Analisador de Imagens, com o programa Image–Pro-Plus (Media Cybernetics).

Análise imuno-histoquímica Para avaliar os efeitos resultantes da suplementação pela testosterona e exposição ao BCP na próstata de gerbilos machos foram verificadas as possíveis alterações na expressão do receptor de andrógeno (AR). Procedimentos gerais para imuno-histoquímica: os cortes histológicos desparafinizados e reidratados foram submetidos à recuperação antigênica. Em seguida, foram lavados em tampão TBS por 3 vezes durante 5 minutos. O bloqueio de peroxidases endógenas foi realizado com H2O2 e depois os cortes foram lavados em tampão por 3 vezes, durante 5 minutos. O anticorpo primário anti-AR (Rabbit Polyclonal sc-816/Santa Cruz Biotechonology, CA, USA) foi diluído em BSA 1% (1:75) e em seguida os cortes foram incubados overnight à 4ºC. Posteriormente, foram lavados em tampão por 3 vezes durante 5 minutos, e incubados com anticorpo secundário marcados com peroxidase (Rabbit ABC Staining System SC-2018 – Santa Cruz Biotechnology CA, EUA). O material foi revelado com diaminobenzidina (DAB, Sigma, St. Louis, MO, USA) por aproximadamente 1 minuto e contra corados pela Hematoxilina de Harris. Em seguida, as lâminas foram desidratadas em etanol, clarificadas e montadas em bálsamo do Canadá e avaliadas em microscopia de luz convencional. A análise dos dados imuno-histoquímicos foi realizada para a obtenção da frequência de células epiteliais e estromais positivas para o AR na próstata ventral dos animais estudados. Para isso, foram contabilizadas, no mínimo, 4.000 células de cada compartimento, por grupo experimental (n=7), em cortes seriados submetidos a essa técnica, sendo que as lâminas foram digitalizadas no aumento de 400x com o auxílio da câmera BX61VS (Olympus Corporation, Tokyo, Japan) acoplada ao Scanner de lâminas Olympus VS120- S5. As imagens foram capturadas por meio do scanner de lâminas (Olympus VS120- S5). As contagens das células marcadas positivamente foram realizadas no software Image-Pro-Plus (Média Cybernetics).

Análise estatística A análise estatística foi realizada em planilhas e gráficos do software GraphPad Prism 6.00. Para a comprovação da significância dos resultados foram utilizados os testes de two-way ANOVA e teste t para comprovações múltiplas. O nível de significância adotado foi de 5% (p<0,05).

Resultados e Discussão Os andrógenos desempenham papel crucial na regulação da proliferação, da manutenção e da morte celular na próstata (DAS; BUCHHOLZ, 2019; QUINTERO-GARCÍA et al., 2018). A testosterona e a di-hidrotestosterona (DHT) estão diretamente relacionadas ao desenvolvimento dos órgãos reprodutivos masculinos e estes hormônios estão associados ao desenvolvimento da HPB, uma vez que pacientes com essa condição apresentam níveis mais altos de DHT (LEE et al., 2017). O desenvolvimento da HBP pode estar relacionado com aumento do compartimento estromal que é ocasionado pela ativação das células mesenquimais-estromais em proliferação e pelo crescimento das células epiteliais devido à redução da apoptose glandular (AL-TRAD et al., 2019; LEE, KEITH L; PEEHL, 2004; WANG et al., 2017). Essas alterações podem aumentar a frequência de células inflamatórias, que podem acarretar no surgimento de lesões nos compartimentos epitelial e estromal (KRUŠLIN et al., 2017; MRAKOVČIĆ-ŠUTIĆ et al., 66

2014). Tais mudanças levam ao processo de remodelação do tecido prostático, que pode promover alterações estruturais associadas a desordens benignas e malignas e ao constante recrutamento de mais células inflamatórias (VERZE, CAI, LORENZETTI, 2016). Uma vez que a HPB é uma doença multifatorial caracterizada pela proliferação das células dos compartimentos prostáticos (LEE et al., 2017; QUINTERO-GARCÍA et al., 2018), foi possível notar desordens proliferativas, mais frequentemente, na próstata ventral dos animais suplementados pela testosterona em relação aos demais, como a neoplasia intraepitelial benigna (NIP) (Figura 1 C), focos inflamatórios no compartimento luminal e estromal (Figura 1 B,F) e o aparente desarranjo no padrão de organização das fibras colágenas e reticulares (Figura 1 F). Os resultados obtidos pela estereologia permitiram verificar o aumento estatisticamente significativo da frequência relativa do compartimento epitelial, do estroma muscular e do lúmen no grupo T em relação ao CI e T+BCP (Tabela 1). Em relação às fibras colágenas localizadas no estroma muscular, verificou-se o aumento apenas no grupo T comparado ao CI (Tabela 1). Também foi possível observar a diminuição significativa da frequência relativa do epitélio e do estroma muscular nos animais expostos ao BCP e consequente aumento da frequência do lúmen em T+BCP comparado ao T (Tabela 1). Os dados morfométricos permitiram verificar o aumento estatistcamente significante da altura do epitélio nos grupos T e T+BCP em relação ao CI, a diminuição no T+BCP comparado ao T e o aumento no grupo T+BCP comparado ao CI (Tabela 1). A morfometria também possibilitou a análise da espessura do estroma muscular prostático e verificou-se o aumento no grupo T comparado com o CI e T+BCP. Esse aumento também foi notado no T+BCP em relação ao CI (Tabela 1). Assim como o observado na frequência relativa dos compartimentos prostáticos, notou- se o aumento da altura do epitélio e na espessura do estroma muscular nos animais que receberam somente a suplementação pela Testosterona. Esses resultados contribuem para a concretização de que os animais que receberam o andrógeno desenvolveram HPB, pois a hiperplasia prostática é uma doença crônica e está associada ao crescimento da região fibromuscular (DAS, BUCHHOLZ, 2019). Já no grupo que foi exposto ao fitocanabinoide após a suplementação pelo andrógeno, notou-se não só a diminuição da altura desse compartimento epitelial como do estroma muscular. Esses dados demonstram que o BCP agiu diretamente na manutenção e no funcionamento desses compartimentos, indicando que esse composto pode ter efeitos benéficos na próstata hiperplásica A análise dos ARs possibilitou observar a presença de marcações positivas nos compartimentos epitelial e estromal em todos os grupos experimentais (Figura 2 A-C). Também foi possível constatar a diminuição da frequência relativa desses receptores no epitélio prostático do grupo T+BCP ao ser comparado ao CI (Figura 2D). No estroma muscular também foi observada a presença de células AR positivas em menor frequência no grupo T+BCP em relação ao BCP (Figura 2D). Esses resultados sugerem que o fitocanabinoide pode ter atuado como um potencial agente protetor frente à HPB, pois houve redução da frequência de AR nos animais suplementados pela testosterona e expostos ao BCP, apesar dessa diminuição não ser significativa quando comparada ao grupo T. Deste modo, a exposição ao BCP, em relação ao AR, apresentou efeitos aparentemente benéficos à próstata, corroborando os resultados descritos em outros órgãos (FIDYT et al., 2016; KIM et al., 2014; PARK et al., 2011).

Conclusão A suplementação pela Testosterona foi suficiente para induzir a HPB e desencadear desordens nos compartimentos prostáticos e, a exposição ao BCP influenciou no processo remodelação da próstata hiperplásica, sugerindo que esse fitocanabinoide pode desenvolver efeitos benéficos à próstata ventral. 67

Tabela 1. Parâmetros estereológicos, morfométricos e níveis séricos hormonais da próstata ventral de gerbilos da Mongólia nos grupos controle intacto (CI), Testosterona (T), e Testosterona + β-Cariofileno (T+BCP).

Valores expressos em média ± desvio padrão. a,b,c representam as diferenças estatisticamente significantes (p ≤ 0.05) entre os grupos experimentais. Two-way ANOVA seguido pelo teste de Bonferroni.

Figura 1. Cortes histológicos da próstata ventral de gerbilos da Mongólia submetidos às técnicas de Picrossírius (A-D) e Reticulina de Gömori (E-G). Neoplasia intraepitelial prostática (NIP), focos inflamatórios (asterisco), fibras reticulares (setas menores), fibras colágenas (setas maiores), epitélio (E), lúmen (L), estroma (S), camada de células musculares lisas (CML). 68

Figura 2. Imuno-histoquímica para identificação do AR. Grupos: Controle (A), T (B), T+BCP (C). Marcações positivas no núcleo das células epiteliais (setas maiores) e estromais (setas menores). Frequência relativa (%) das células AR positivas presentes no epitélio e estroma (D). As análises estatísticas foram baseadas no teste de two-way ANOVA seguido do teste de Bonferroni (post hoc). Diferença estatisticamente significante entre os grupos (** p <0.01; *** p <0.001).

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Apoio financeiro Este trabalho foi financiado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES e pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq (número 432360/2018-2).

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Bisfenol A: os impactos na involução da glândula mamária de mães após exposição durante a gestação e lactação

RUIZ, T.F.R.1, LEONEL, E.C.R.1, COLLETA, S. J.1, BEDOLO, C.M.1, CAMPOS, S.G.P.1, TABOGA, S.R.1 1Departamento de Biologia, Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas, Unesp, São José do Rio Preto, São Paulo.

Introdução A glândula mamária constitui uma das glândulas anexas ao sistema reprodutor feminino que apresenta secreção exócrina e é influenciada pelo sistema endócrino (ROSS; PAWLINA, 2016; TOPPER; FREEMAN, 1980). Alterações estruturais e funcionais são observadas em diferentes etapas da vida reprodutiva e se relacionam às mudanças hormonais de acordo com o ciclo estral/menstrual (INMAN et al., 2015; RUSSO; RUSSO, 1996). Ainda, a interação entre epitélio e estroma em indivíduos adultos para a compreensão dos mecanismos associados às glândulas anexas vem sendo estudada e divulgada na literatura (NIETO; RIDER; CRAMER, 2014). Esta glândula apresenta mudanças estruturais hormônio-dependentes e é suscetível a xenoestrógenos, como o bisfenol A (BPA) (VANDENBERG; HUNT; GORE, 2019). Este composto é um desregulador endócrino encontrado em plásticos policarbonados, sendo um dos compostos mais disseminados no meio ambiente (PRINS, 2008; TIMMS et al., 2005). O BPA apresenta ação desreguladora nas glândulas mamárias relacionada à instalação do câncer de mama (ACEVEDO; AMAYA; LÓPEZ-GUERRA, 2014; DOHERTY et al., 2010; MAFFINI et al., 2006), assim como na próstata feminina (glândulas parauretrais de Skene) de gerbilos (SILVA et al., 2019) Neste sentido, janelas de suscetibilidade são observadas devido a mudanças estruturais promovidas pela sensibilização hormonal e de fatores de crescimento, sendo elas a fase perinatal (RUBIN, 2011), durante os ciclos estrais/menstruais (MAFFINI et al., 2006), na involução após o desmame e na peri-menopausa (MARTINSON et al., 2013). Em relação a involução, ocorre um remodelamento dos compartimentos epitelial e estromal para que a glândula mamária retorne ao seu estado de repouso (JENA et al., 2019; KHOKHA; WERB, 2011). Com isso, processos apoptóticos promovem a desconstrução das estruturas alveolares secretoras do espitélio (GREEN; STREULI, 2004), enquanto ocorre o reestabelecimento e dediferenciação de fibroblastos e pré-adipócitos, respectivamente, no estroma (NEVILLE et al., 1998; WANG; SCHERER, 2019). Esta janela de suscetibilidade promove um microambiente pró-inflamatório e pró-tumoral propenso à instalação de neoplasias mamárias (MARTINSON et al., 2013), uma vez que há uma reoganização da matriz e a ativação/reforço da expressão de oncogenes (DUFFY et al., 2000).

Objetivos Considerando a involução da glândula mamária como um momento de drásticas mudanças estrutrais e a ação dos desreguladores endócrinos, como o BPA, em órgãos ligados ao sistema reprodutor feminino, o objetivo deste estudo foi avaliar os efeitos durante a involução mamária materna em gerbilos da Mongólia, após exposição ao BPA durante gestação e lactação, em doses ambientais e elevadas.

Metodologia As fêmeas foram divididas em 3 grupos experimentais (n = 6): grupo LBPA, onde foram administradas às fêmeas doses diárias toleráveis (50 µg/kg) de BPA segundo a US EPA (United States Environmental Protection Agency) (SORIANO et al., 2019); grupo HBPA, onde foram administradas às fêmeas doses diárias 100 vezes maiores do que as doses toleráveis (5000 72

µg/kg) de BPA; e grupo controle (veículo), submetidas à administração do veículo de diluição, óleo de milho. As gavagens foram feitas a partir do 8º dia da segunda gestação até o final da lactação, totalizando 39 dias. Após isto, as fêmeas foram mantidas em isoladores de polisulfona equipados com comedouro e bebedouro (ração balanceada e água fresca ad libitum) e eutanasiadas 7 (n = 3) ou 14 (n = 3) dias após o desmame, que ocorreu 21 dias após o parto, em cada grupo de tratamento. As eutanásias foram feitas pela manhã por meio da sedação por xilazina (3 mg/kg) e quetamina (10 mg/kg) seguida de decaptação. Todas as condutas e procedimentos para experimentação animal foram feitas de acordo com os protocolos aprovados pelo Comitê de Ética no Uso de Animais (CEUA, IBILCE/UNESP, número de protocolo 113/2015). As glândulas mamárias abdominais foram removidas e fixadas em paraformaldeído 4% por 24 horas à 4ºC. Após isto, as amostras foram lavadas em álcool 70% e processadas segundo o protocolo de rotina de inclusão em parafina. Os blocos foram seccionados à 4 µm de espessura e destinados à rotina de coloração histológica e imunohistoquímica. Para morfologia geral, as secções foram coradas em hematoxilina e eosina, e escaneadas (400x) por meio do Olympus VS120 Virtual Microscope Slide Scanning System (VS120–S5). As áreas de epitélio, estroma e tecido adiposo foram quantificadas por meio da análise de multipontos M130 (WEIBEL, 1963) adaptada (aproximadamente 44 pontos/mm2 de tecido mamário). Estas análises foram quantificadas por meio do software Image Pro Plus (Version 6.1 for Windows – Media Cybernetics, Silver Spring, MD, USA). Para avaliação da deposição de fibras colágenas no estroma, as secções foram coradas em picrosírius por 1 hora. Dez campos aleatórios por animal foram capturados (200x) e analisados por meio da quantificação automática pelo software ImageJ (version 1.52a, Wayne Rasband, NIH, USA). As metaloproteinases 2 (MMP-2) e 9 (MMP-9) foram detectadas por meio da rotina de imunohistoquímica, a seguir detalhada: recuperação antigênica, em tampão citrato 10 mM, em banho maria a 92°C; bloqueio das peroxidases endógenas, com H2O2 10% em metanol; inibição das proteínas inespecíficas, com leite desnatado; incubação do anticorpo primário overnigh (MMP-2, mouse monoclonal, 8B4, 1:50, sc-13595, Santa Cruz Biotechnology, Dallas, TX, USA; MMP-9, mouse monoclonal, 2C3, 1:100, sc-21733, Santa Cruz Biotechnology, Dallas, TX, USA); incubação com anticorpo secundário; revelação das ligações com 3-30 diaminobenzidine tetrahydrochlorido (DAB); e contracoloração com hematoxilina. As etapas descritas foram intercaladas com lavagens em TBS e as lâminas foram analisadas em microscópio de luz. As quantificações foram feitas pelo Software QuPath 0.2.3 version, de acordo com o protocolo padrão descrito por Bankhead et al. (2017). Os resultados obtidos foram comparados por meio de test T para 7 e 14 dias do mesmo grupo de tratamento e One-way ANOVA seguido de teste de Tukey (dados paramétricos) ou teste de Kruskal-Wallis seguido de teste de Dunn (dados não paramétricos) para comparação dos diferentes grupos em um mesmo período (7 ou 14 dias). Para este último, a normalidade dos dados foi confirmada pelo teste de Kolmogorov-Smirnov. Todas as análises estatíficas foram feitas no Software GraphPad Prism 6 (GraphPad Software, San Diego, CA, USA, www.graphpad.com).

Resultados e Discussão Os grupos controle apresentaram uma redução na área epitelial entre 7 e 14 dias do mesmo grupo (Fig. 1A), assim como esperado na dinâmica normal da glândula mamária (LEONEL et al., 2017). Entretanto, as fêmeas tratadas com BPA não apresentaram diferença significativa nesta redução, sendo que o grupo LBPA apresentou a menor área epitelial comparado com o controle (Fig. 1A). Esta redução epitelial ocorre devido à progressão da involução mamária com o aumento da taxa de apoptose no compartimento epitelial (GREEN; STREULI, 2004; WANG; SCHERER, 2019). Em contrapartida, elementos teciduais do estroma e tecido adiposo 73

(Fig. 1 B, C) aumentaram sua área de ocupação no grupo HBPA entre 7 e 14 dias de regressão, não sendo obsevado o mesmo nos grupos tratados com LBPA e controle. Quando comparadas, as mães com 7 dias de involução tratadas com BPA apresentam uma diminuição na área de tecido adiposo e um aumento na área de estroma, correlacionado com o aumento de fibras colágenas no mesmo período em relação ao grupo controle (Figs. 1 D; 2 A, D, G). Com 14 dias, a área de estroma, assim como de colágeno, não difere entre os grupos, e somente o grupo LBPA difere do controle e HBPA no parâmetro de ocupação de tecido adiposo. Este efeito pode estar associado à desordens celulares causadas pelo BPA e relacionadas à diferenciação dos adipócitos e aumento deste tecido (BOUCHER et al., 2015; OHLSTEIN et al., 2014). Durante a involução, os fibroblastos são responsáveis pela secreção de metaloproteinases (MMPs) e rearranjo do arcabouço de colágeno (DZIĘGELEWSKA; GAJEWSKA, 2019; UNSWORTH; ANDERSON; BRITT, 2014). As MMPs são responsáveis pela degradação da matriz extracelular, englobando colagenases e MMPs degradantes de membrana basal (DUFFY et al., 2000). No presente estudo, não houve diferença significativa em relação à MMP-2 (Fig. 1E) e MMP-9 entre os grupos de 7 dias de regressão (Figs. 1 F; 2C, F, I). Entretanto, HBPA aumenta a expressão de MMP-2 e MMP-9 signficativamente quando comparado aos outros grupos de 14 dias. MMP-2 está correlacionada com o início de processos de tumorigênese na glândula mamária promovendo alterações angiogênicas e na proliferação de células tumorais (DUFFY; MCCARTHY, 1998; LEVI et al., 1996; TALVENSAARI- MATTILA et al., 1998). Ainda, a MMP-2 atua na via de ativação de fibroblastos por meio do receptor do fator de crescimento de fibroblasto (FGF) (LEVI et al., 1996), podendo estar correlacionado com o aumento do compartimento estromal neste grupo. A diminuição na deposição de colágeno em mães tratadas com HBPA (14 dias) pode estar relacionada ao aumento de MMP-2, o que impacta o processo de regressão mamária ao estado pré-gestacional (SIMIAN et al., 2009) e o processo de reestruturação do epitélio mamário (KHOKHA; WERB, 2011). Ainda, o aumento de MMP-9 nos tratamentos com BPA, oposto ao resultado do grupo controle, indica a progressão de um microambiente pró-tumorigênico (JEZIERSKA; MOTYL, 2009; VEER et al., 2002), além de causar o aumento da degradação final da fibras de colágeno da matriz extracelular e membrana basal (ARTACHO-CORDÓN et al., 2012). A MMP-9 é sintetizada principalmente por células do sistema imunológico (KESSENBROCK; PLAKS; WERB, 2010; YU; STAMENKOVIC, 2000), promovendo a ruptura da estrutura alveolar e aumentando o potencial invasivo de células tumorais (HEISSIG et al., 2005). Assim, o aumento desta MMP pode indicar um potencial pró-inflamatório quando há a exposição a altas doses de BPA. 74

Figura 1: Porcentagem da frequência epitelial (A), estromal (B), de tecido adiposo (C), e da área ocupada por colágeno (D) na glândula mamária entre os tratamentos após 7 e 14 dias do desmame. Houve um aumento na imunomarcação de MMP-2 (E) e MMP-9 (F) nos tratamentos HBPA com 14 dias de regressão. Os asteriscos denotam os grupos que apresentam diferença signifcativa entre si (p<0,05).

Figura 2: Fibras colágenas e imunomarcação das MMPs no tecido mamário. O tecido obtido de animais expostos ao BPA apresenta um adensamento de colágeno ao redor das estruturas epiteliais (D, G) e um aumento na incidência de imunomarcações de MMP-2 (E, H) e MMP-9 (F, I), em relação ao controle (A, B, C). Barras de escala: 20 µm.

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Conclusão Nossos resultados demonstraram que o tratamento com BPA promove um retardo no processo de involução da glândula mamária de gerbilos da Mongólia. Este comprometimento do processo é acompanhado pela diminuição da regrassão do compartimento epitelial e de fibras colágenas. Ainda, as mães tratadas com BPA, especificamente em altas doses, apresentaram um microambiente mamário adipogênico e pró-inflamatório, com potencial neoplásico devido ao aumento de MMP-2 e MMP-9. Assim, estas mudanças estruturais causadas pelo BPA podem colaborar como estabelecimento de desordens teciduais tumorigênicas a partir desta janela de suscetibilidade da glândula mamária.

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Apoio Financeiro Este trabalho foi financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo – FAPESP (Projeto de Auxílio – nº do processo 18/23383-6; Bolsa de Doutorado – nº do processo 2020/00160-1; Bolsa de Mestrado – nº do processo 2020/01240-9), pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq (Bolsa de Mestrado, nº do processo 132059/2020-7), e pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Capes – (Bolsa de Pós-doutorado, Código de Financiamento 001).

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Genética animal e evolução

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Avaliação do valor adaptativo em duas populações com linhagens infectadas e não infectadas por Wolbachia em Drosophila sturtevanti (Diptera, Drosophilidae)

ROMAN, B.E.¹, MADI-RAVAZZI, L.¹

1 Laboratório de Genética, Ecologia e Evolução de Drosophila, Departamento de Biologia, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” - UNESP, São José do Rio Preto, Brasil.

Introdução

Wolbachia é um gênero endossimbiótico de alfaproteobactérias, gram-negativas, que pertencem à ordem Rickettsiales (HERTIG; WOLBACH, 1924). Essa bactéria infecta artrópodes e nematoides (SIRONI et al, 1995) e em insetos, a infecção chega a 76% (WERREN et al., 1995; JEYAPRAKASH; HOY, 2000). O gênero Wolbachia é considerado geneticamente diverso, sendo dividido atualmente em 16 supergrupos (A-Q), com exceção do G, que foi considerado uma combinação do A e do B (ROS et al., 2009; GLOWSKA et al., 2015). No entanto, apenas uma espécie foi descrita como representante desses supergrupos, a Wolbachia pipientis (LO et al., 2007). Ainda, dentro de cada supergrupo, existem cepas/linhagens diferentes, comumente nomeadas de acordo com sua distribuição inicial ou hospedeiro infectado inicialmente (O’NEILL; KARR, 1990) O principal meio de transmissão da Wolbachia é por via materna, por meio da transmissão vertical a partir do citoplasma do ovo, porém já foram registradas ocorrências de transmissões horizontais (O’NEILL et al., 1992; LI et al., 2016). Portanto, as diferentes cepas de Wolbachia são encontradas, preferencialmente, infectando o tecido reprodutivo do hospedeiro, o que resulta no controle e manipulação do sistema reprodutivo, influenciando o valor adaptativo do hospedeiro (ALI et al., 2016). A infecção por essa bactéria pode causar efeitos maléficos ao hospedeiro, devido ao fenótipo parasitário, como incompatibilidade citoplasmática (WERREN et al., 2008), morte de machos (HURST et al., 2000; DYER; JAENIKE, 2004), degradação dos tecidos nervosos e musculares (MIN; BENZER, 1997), redução do tempo de vida (MIN; BENZER, 1997; FRY et al., 2004) e redução da fecundidade (HOFFMANN et al., 1990); mas também pode apresentar efeitos benéficos ao hospedeiro, exibindo fenótipo mutualístico, como a proteção antiviral (KRIESNER; HOFFMANN, 2018), resistência a inseticidas (DURON et al., 2006); contribuição para sobrevivência em temperaturas baixas (BYKOV et al., 2019); aumento da taxa de eclosão dos ovos e da viabilidade (SAEED et al., 2018); aumento da proliferação de células troncos (FAST et al., 2011), aumento da longevidade (HEL et al., 2018; CAPOBIANCO III et al., 2018) e aumento da fecundidade (UNCLESS; JAENIKE, 2012). No entanto, o efeito e manifestação fenotípica causada pela infecção ao seu hospedeiro dependerá do tipo de cepa da Wolbachia e do genótipo do hospedeiro (WERREN et al., 2008). O efeito causado pela infecção da bactéria Wolbachia já foi observado em várias espécies de Drosophila (MIN; BENZER, 1997; MILLER et al., 2010; UNCKLESS; JAENIKE, 2012; MAISTRENKO et al., 2016). Drosophila sturtevanti é uma espécie neotropical, pertencente ao grupo saltans, subgrupo sturtevanti e possui ampla distribuição geográfica (do México ao sul do Brasil), ocorre em diferentes biomas e apresenta grande abundância populacional em diferentes épocas do ano (MAGALHÃES, 1962). Alguns estudos realizados com essa espécie demonstraram certo grau de diferenciação genética entre suas populações, como por exemplo, a ocorrência de isolamento reprodutivo incipiente entre algumas populações do Brasil e de outras localidades da América do Sul (KOBAYASHI; BICUDO, 1997); e a presença de estruturação e diferenciação genética entre populações brasileiras dessa espécie, com base em marcadores microssatélites (TRAVA, 2018) e genes mitocondriais (COI e COII) (ZORZATO, 2020). Esses resultados mostraram que as populações de D. sturtevanti estão se 79

diferenciando geneticamente e isto pode levar à uma redução do fluxo gênico, podendo estar correlacionado com a presença da infecção de diferentes cepas de Wolbachia nessa espécie. Assim, D. sturtevanti é um organismo adequado para avaliar a relação das populações infectadas e não infectadas com o valor adaptativo das mesmas.

Objetivos

Avaliar a presença da infecção por Wolbachia em populações de D. sturtevanti e sua relação com parâmetros do valor adaptativo, como a fecundidade, a longevidade e o tempo de desenvolvimento.

Metodologia

Foram utilizadas dez isolinhagens de cada uma das duas populações de D. sturtevanti: Floresta do Curió, Fortaleza, CE, Brasil (4 linhagens infectadas e 6 não infectadas) e Reserva Biológica de Tirimbina, Sarapiqui, Costa Rica (6 linhagens infectadas e 4 não infectadas). Foram realizados cruzamentos intrapopulacionais, ou seja, dentro de cada linhagem e dentro de cada população, em relação as moscas infectadas e não infectadas, com três réplicas de cruzamentos contendo cinco casais, de cinco a oito dias de idade para as 10 isolinhagens de cada uma das duas populações de D. sturtevanti. Estas réplicas foram transferidas para novos tubos com meio de cultura padrão de Drosophila (banana e Saccharomyces cerevisae) três vezes em um intervalo de três dias. Todos os experimentos foram mantidos em câmara de temperatura constante 22 ± 1oC. A fecundidade foi analisada pela mediana do número total de imagos produzidos em cada cruzamento, por um período de 40 dias. Para o estudo da longevidade foram utilizados 10 machos e 10 fêmeas de cada linhagem (descendência F1 dos cruzamentos descritos acima). As moscas foram transferidas para novos tubos semanalmente, totalizando para cada população de D. sturtevanti, 100 machos e 100 fêmeas. As moscas foram avaliadas diariamente para verificar o número e a data das moscas mortas. O tempo de desenvolvimento das diferentes linhagens foi avaliado pelo número da mediana de dias do período de oviposição até a emergência das moscas, dos mesmos cruzamentos citados acima. Os testes estatísticos foram realizados no programa R (R DEVELOPMENT CORE TEAM, 2020). A normalidade dos dados foi analisada por meio do teste de Shapiro-Wilk. E após os dados resultarem em distribuição não normal, as análises foram submetidas ao teste de Mann-Whitney para amostras independentes, com o intuito de comparar as medianas das linhagens infectadas e não infectadas de cada população.

Resultados e Discussão

A população da Floresta do Curió apresentou diferenças significativas quanto aos dados de fecundidade e longevidade (p < 0,05). Foi observado que as linhagens não infectadas por Wolbachia apresentaram maior fecundidade (mediana de 150 descendentes), enquanto as linhagens infectadas tiveram valor da mediana de 91 descendentes. Em relação à longevidade, as linhagens não infectadas (mediana de 134 dias) foram mais longevas do que as linhagens infectadas (mediana de 119 dias) (Figura 1). No entanto, a análise do tempo de desenvolvimento não apresentou diferenças significativas (p = 0.09807). 80

Figura 1. Comparação das medianas entre as linhagens infectadas e não infectadas da população da Floresta do Curió. A. Análise de fecundidade (p = 0.03061). B. Análise de longevidade (p = 0.005729).

A

B

Na análise da população proveniente da Reserva Biológica de Tirimbina foi verificado diferença significativa na longevidade (p = 0.01055), neste caso também as linhagens não infectadas foram mais longevas (mediana de 109 dias) do que as infectadas (mediana de 89 dias) (Figura 2). Os valores da fecundidade (p = 0.8814) e do tempo de desenvolvimento (p = 0.2542) não foram significativos entre as linhagens infectadas e não infectadas nesta população, indicando a não associação destes parâmetros com a presença da bactéria Wolbachia.

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Figura 2. Análise da longevidade entre as linhagens infectadas e não infectadas da população de D. sturtevanti da Reserva Biológica de Tirimbina (p = 0.01055).

Os resultados obtidos para as duas populações de D. sturtevanti indicam que fenótipos parasitários estão causando efeitos negativos na longevidade de ambas as populações e na fecundidade da população da Floresta do Curió. Esses mesmos efeitos negativos causados pela infecção da Wolbachia, já foram observados em outras espécies de Drosophila, como a diminuição da fecundidade em D. simulans (HOFFMANN et al., 1990) e o encurtamento do tempo de vida em D. melanogaster (MIN; BENZER, 1997; FRY et al., 2004). Min e Benzer (1997), relacionaram o efeito parasitário com o tipo de cepa, como por exemplo, a cepa wDmpopcorn foi retratada como virulenta, pois além de causar a diminuição do tempo de vida, também demonstrou causar degeneração dos tecidos do cérebro, retina e músculos do hospedeiro. Assim, foi sugerido que a manifestação fenotípica resultando da infecção, dependerá do tipo de cepa de Wolbachia e do genótipo do hospedeiro (WERREN et al., 2008). A interação entre Wolbachia e seu organismo hospedeiro resulta em um “multiorganismo”, ou seja, o endossimbionte e seu hospedeiro compartilham uma fisiologia, desenvolvimento, comportamento e história evolutiva, de tal modo que uma interação parasitária possa, com o passar do tempo, coevoluir para uma relação de mutualismo, a qual ambos organismos serão beneficiados (WEEKS et al. 2007; GILBERT 2014, 2016; MAISTRENKO et al., 2016). Por exemplo, a interação entre Wolbachia e populações de D. simulans da Califórnia na década de 80 foi inicialmente prejudicial ao inseto, diminuindo a fecundidade das fêmeas de 15 a 20% (HOFFMANN et al., 1990); no entanto, em pouco tempo, essa relação parasita/hospedeiro, nessas mesmas populações, evoluiu para uma relação mutualística, demonstrando que a fecundidade das fêmeas de D. simulans infectadas passou a ser 10% maior do que das fêmeas não infectadas (WEEKS et al., 2007). Esses trabalhos acima mencionados sugerem duas hipóteses em relação ao tipo de manifestação fenotípica da infecção observado nas populações: primeira, a cepa ou as cepas que estão infectando essas linhagens são muito virulentas e, podem estar presentes na população, porém em menor quantidade. Ou, as populações de D. sturtevanti apresentam recente infecção por Wolbachia e por esse motivo ainda apresentam o fenótipo parasitário, provocando efeitos negativos no valor adaptativo do hospedeiro e pode ser que com o passar do tempo, essa relação se torne benéfica para ambos os organismos. Essa última hipótese pode ser considerada a mais provável, pois corrobora os resultados de um trabalho realizado com Wolbachia e D. sturtevanti, que demonstrou que essa espécie apresenta recente infecção por Wolbachia e que as infecções recentes são mantidas em baixa frequência nas populações e tendem a aumentar com o tempo (SARMIENTO, 2017).

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Conclusão

Pelos resultados preliminares apresentados verifica-se que a infecção por Wolbachia pode estar influenciando negativamente o valor adaptativo de D. sturtevanti, com o encurtamento do tempo de vida em ambas as populações analisadas e a diminuição da fecundidade na população de Curió.

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Apoio financeiro: bolsista CAPES.

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Sobre o posicionamento filogenético do grupo lutzii de Drosophila: uma abordagem filogenômica e filogenética

PREDIGER, C.1,2, DEPRÁ, M.2,CORDEIRO, J.3

1Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas - Campus de São José do Rio Preto 2Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Departamento de Genética, Programa de Pós-Graduação em Genética e Biologia Molecular 3Universidade Federal de Pelotas, Departamento de Ecologia, Zoologia e Genética

Introdução Drosophilidae é conhecida por sua diversidade, apresentando aproximadamente 4.500 espécies e uma ampla variedade de uso de recursos (BÄCHLI, 2020). Com relação ao uso de recurso, sabe-se que existem espécies que utilizam frutos em decomposição, fungos, flores, além de espécies predadoras (parasitoides), entre outros exemplos (ASHBURNER, 1981; CARSON, 1971; LACHAISE; TSACAS, 1983). Considerando a antofilia em drosofilídeos, ela pode se apresentar de diferentes formas: como ponto de encontro para acasalamento, como sítio de alimentação, e como sítio de oviposição, onde na ausência da flor a larva não completa o seu desenvolvimento (BRNCIC, 1983). De uma forma geral, a guilda de drosofilídeos neotropicais antófilos é bastante negligenciada (CORDEIRO et al., 2020; SCHMITZ; VALENTE, 2019), sendo que aproximadamente 50% das espécies já coletadas parecem ser espécies novas para a ciência. Várias linhagens neotropicais no gênero Drosophila utilizam flores como recurso (MARKOW; O’GRADY, 2008), dentre elas os grupos de espécies lutzii, bromeliae e flavopilosa onde todas as espécies conhecidas até então são antófilas, utilizando flores como sítio de oviposição. Estudos filogenéticos mostram que os grupos bromeliae (composto por espécies generalistas que utilizam ampla gama de famílias botânicas) e flavopilosa (composto por espécies de ecologia restrita ao gênero Cestrum da família Solanaceae) são linhagens independentes do subgênero Siphlodora (radiação virilis-repleta) (DE RÉ et al., 2017; ROBE et al., 2010a, 2013) e que o grupo lutzii é uma linhagem distinta do subgênero Drosophila (radiação immigrans-tripunctata) (YASSIN, 2013). Com relação ao grupo de espécies lutzii, além do trabalho de Yassin (2013), outros dois trabalhos clássicos analisaram o posicionamento filogenético do grupo, que era considerado um subgênero (Phloridosa). Analisando características ecológicas, morfológicas e biogeográficas este grupo foi posicionado na radiação viris-repleta (THROCKMORTON, 1975). Porém, ao analisar apenas características morfológicas, o grupo é posicionado de forma basal a separação dos subgêneros Drosophila e Sophophora (GRIMALDI, 1990). No entanto, o grupo ainda é citado como subgênero Phloridosa por alguns autores. O grupo lutzii de Drosophila é composto por oito espécies: D. alei Brncic, 1962; D. alfari Sturtevant, 1921; D. cuzcoica Duda, 1927; D. denieri Blanchard, 1938; D. lutzii Sturtevant, 1916; D. merzi Vilela and Bachli, 2002; D. monsterae Vilela and Prieto, 2018 e; D. tristani Sturtevant, 1921. Essas espécies utilizam recurso de diversas famílias botânicas (Araceae, Boraginaceae, Convolvulaceae, Cucurbitaceae, Malvaceae, Passifloraceae e Solanaceae), e na ausência de flores elas não completam o seu ciclo de vida (CORDEIRO et al., 2020; SCHMITZ; VALENTE, 2019). Com relação à distribuição geográfica, D. lutzii é a espécie do grupo com maior amplitude geográfica, ocorrendo dos Estados Unidos até o sul do Brasil incluindo ilhas Caribenhas, além de ter sido reportada no arquipélago do Havaí (BÄCHLI, 2020).

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Objetivos O objetivo principal deste trabalho é reconstruir as relações filogenéticas do grupo de espécies da D. lutzii. Os objetivos específicos são:  Reconstrução de uma árvore baseada em distância utilizando um grande conjunto de genes ortólogos de cópia única, utilizando espécies que apresentem seus genomas disponíveis em bancos de dados.  Reconstrução filogenética utilizando inferência Bayesiana e onze marcadores moleculares comumente utilizados para análises evolutivas, cobrindo amplamente representantes do gênero Drosophila.

Metodologia Para o sequenciamento de genoma completo foram utilizados 15 indivíduos machos nascidos do mesmo indivíduo de Ipomea purpurea (Convolvulaceae), previamente identificado por morfologia do edeago e DNA Barcode. O genoma de D. lutzii foi sequenciado pelo método Ilumina, montado denovo utilizando o software SPAdes (BANKEVICH et al., 2012). A pipeline Redundans (PRYSZCZ; GABALDÓN, 2016) foi aplicada. Genes ortólogos de cópia única foram buscados utilizando o programa BUSCO (WATERHOUSE et al., 2018), implementando o banco de dados OrthoDB (WATERHOUSE et al., 2013). Os genes ortólogos de cópia única foram buscados em outros 30 genomas de Drosophilidae utilizando o SPALN (GOTOH, 2008). Os genes recuperados foram triados utilizando o software Guidance (SELA et al., 2015) e implementando o alinhador MAFFT (KATOH; STANDLEY, 2013). As sequências foram visualizadas e alinhamentos curtos foram excluídos. Foi reconstruída uma árvore utilizando método de distância genética [Neighbor-joining- NJ (SAITOU; NEI, 1987) com modelo evolutivo Kimura-2-parametros-K2P (KIMURA, 1980)]. Adicionalmente, as relações filogenéticas foram reconstruídas utilizando 11 genes, entre nucleares e mitocondriais (COI, COII, CytB, 12S, 16S, Adh, Amd, Ddc, Gpdh, Amyrel, e 28S) amostrando 70 espécies de Drosophilidae. Os genes foram buscados no genoma de D. lutzii por meio de Blast e buscas no GenBank para as demais espécies. A árvore foi reconstruída utilizando o método Inferência Bayesiana (IB), no programa Mrbayes (RONQUIST et al., 2012) utilizando 20M de gerações de MCMC, modelo evolutivo e partições selecionadas pelo PartitionFider2 (LANFEAR et al., 2017). As árvores foram visualizadas e editados no iTol (LETUNIC; BORK, 2019).

Resultados e Discussão As buscas por genes ortólogos resultaram em 1521 genes ortólogos de cópia única. A árvore de NJ recuperou majoritariamente as relações filogenéticas descritas na literatura (O’GRADY; DESALLE, 2018, Figura 1). D. lutzii apareceu como táxon irmão de D. innubila (grupo quinaria), subgênero Drosophila. Analisando um menor número de genes (11 marcadores) em um número maior de espécies (Figura 2), a topologia recuperada também foi similar à descrita na literatura (O’GRADY; DESALLE, 2018). Com relação ao subgênero Drosophila, as 3 linhagens descritas por Robe et al. (2010) foram recuperadas: tripunctata, cardini e mediostriata. D. lutzii foi agrupada na linhagem tripunctata, tendo D. bandeirantorum (grupo tripunctata) como táxon irmão, e o clado composto por elas como grupo irmão de D. pallidipennis (grupo pallidipennis). Assim como Yassin (2013), baseado em uma grande quantidade de marcadores, D. lutzii foi posicionada no subgênero Drosophila. Algumas características morfológicas também suportam esse posicionamento, como a presença de cercos não fusionados com o epândrio, o que não é observado no subgênero Siphlodora. Outra característica diagnóstica está relacionada ao hipândrio, onde se vê um arco dorsal pronunciado, fusionado na porção mediana e formando alí um processo dorsal, além das paráfises serem fusionadas aos gonópodos no hipândrio 87

(YASSIN, 2013). Além disso, a quetotaxia desse grupo de espécies é muito semelhante com a radiação tripunctata (SCHMITZ, 2010). Os estudos clássicos, baseados em aspectos ecológicos e dados morfológicos e biogeográficos (THROCKMORTON, 1975), posicionam esse grupo na radiação virilis-repleta [(atual subgênero Siphlodora (YASSIN, 2013)]. Isso se deve possivelmente pelas limitações metodológicas daquele momento associadas a ausência de descrições das terminálias masculinas de muitas das espécies. Sabe-se que a morfologia de genitália geralmente fornece informações muito apropriadas para reconstruções filogenéticas em Drosophilidae (SONG; BUCHELI, 2010), e a negligência desse marcador pode ter levado ao resultado encontrado pelo autor. Com relação ao trabalho de Grimaldi (1990) que posicionou esse grupo de espécies (considerada subgênero Phloridosa) como grupo basal e divergindo anteriormente à divisão dos subgêneros Drosophila e Sophophora, é provável que muitas apomorfias decorrentes do uso do recurso tenham causado ruído na análise, levando a sugestão desse posicionamento basal do grupo de espécies da D. lutzii.

Figura 1. Árvore NJ-K2P com 1521 genes e 30 espécies de Drosophilidae. As cores representam os subgêneros seguindo Yassin(2013): Siphlodora (verde); Sophophora (Vermelho); Dorsilopha (Amarelo); Drosophila (Azul). O clado de Drosophilas o Havaí (laranja).n

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Figura 2. Árvore de Inferência Bayesiana utilizando 11 marcadores moleculares e 70 espécies de Drosophilidae. As cores representam os subgêneros seguindo Yassin(2013): Siphlodora (verde); Sophophora (Vermelho); Dorsilopha (Amarelo); Drosophila (Azul).

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Conclusão As análises realizadas aqui, reforçam a importância de utilizar um conjunto robusto de marcadores moleculares ou mesmo dados filogenômicos para a análises de relações evolutivas, de forma a esclarecer o posicionamento de D. lutzii no subgênero Drosophila. As perspectivas deste trabalho incluem análises do tempo de divergência da espécies e reconstrução do estado ancestral de Alimentação da radiação tripunctata.

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Apoio Financeiro CNPq e CAPES.

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MADEIRA, F.F.1, RAVAZI, A.2, REIS, Y.V.2, OLIVEIRA, J.3, ROSA, J.A.3, AZEREDO-OLIVEIRA, M.T.V.1, ALEVI, K.C.C.2,3,

1 Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, IBILCE/UNESP - São José do Rio Preto, SP. 2 Instituto de Biociências de Botucatu, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, IBB/UNESP - Botucatu, SP. 3 Faculdade de Ciências Farmacêuticas, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, FCFAR/UNESP - Araraquara, SP.

Introdução Triatoma sordida (Stål, 1859) é considerado, atualmente, o vetor da doença de Chagas mais frequentemente capturado no ambiente peridomiciliar no Brasil. Embora o cerrado brasileiro seja considerado como o centro de dispersão de T. sordida (FORATTINI et al., 1983), esse triatomíneo também é encontrado em outros países da América Latina - Argentina, Bolívia, Paraguai e Uruguai (GALVÃO, 2014, PANZERA et al., 2015). Triatoma sordida foi a primeira espécie descrita do subcomplexo T. sordida, inicialmente composto por T. patagonica Del Ponte, 1929, T. guasayana Wygodzinsky; Abalos, 1949 e T. garciabesi Carcavallo et al. (1967), com base em análises morfológicas e distribuição geográfica (SCHOFIELD; GALVÃO, 2009). A validade taxonômica de T. sordida e a diferenciação de suas populações sempre foi controversa e ainda permanece em discussão. Com exceção de T. patagonica, as espécies do subcomplexo T. sordida proposto por Schofield e Galvão (2009) são morfologicamente muito similares (DUJARDIN; PANZERA; SCHOFIELD, 2002; PANZERA et al., 2015), com sobreposição de distribuição geográfica, podendo inclusive viver em simpatria e produzir híbridos, o que aumenta significativamente a confusão taxonômica desse grupo de vetores (PANZERA et al., 2015). Baseando-se em dados cromossômicos (padrão de heterocromatina constitutiva e marcação por FISH da sonda ribossomal 45S) e moleculares (gene mitocondrial COI), Panzera et al. (2015) propuseram a existência de três táxons diferentes (citótipos), a saber, T. sordida sensu stricto, T. sordida La Paz e T. sordida Argentina, caracterizando assim o fenômeno de especiação críptica para T. sordida. Embora já existam evidências morfológicas de que T. sordida Argentina seja uma espécie nova, esses dados não suportam a separação de T. sordida sensu stricto e T. sordida La Paz (NATTERO et al., 2017) e, consequentemente, não sustentam que T. sordida La Paz seja uma nova espécie [assim como sugerido por Panzera et al. (2015)]. Nesse sentido, ressalta-se a importância de estudos adicionais envolvendo esse citótipo, por meio de marcadores moleculares e a realização de cruzamentos experimentais, a fim de confirmar a validade específica do táxon.

Objetivos Avaliar se o citótipo T. sordida La Paz representa efetivamente um novo táxon ou constitui apenas uma variação intraespecífica na forma de um polimorfismo cromossômico de T. sordida.

Metodologia Os espécimes analisados foram cedidos pelo “Insetário de Triatominae”, instalado na Faculdade de Ciências Farmacêuticas, Campus de Araraquara da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” – FCFAR-UNESP. Os exemplares foram provenientes das seguintes procedências - T. sordida Brasil: Corumbá, Mato Grosso do Sul [representando T. 92

sordida sensu stricto de acordo com Panzera et al. (2015)] e T. sordida Bolívia: La Paz, Apolo [representando T. sordida La Paz de acordo com Panzera et al. (2015)]. Para as análises moleculares, o DNA genômico foi extraído das gônadas de cinco exemplares adultos utilizando-se o kit DNeasy Blood and Tissue (QIAGEN). A amplificação dos fragmentos foi realizada por meio da reação em cadeia da polimerase (PCR), utilizando-se primers do genes Cyt B (MONTEIRO et al., 1999), ND1 (GUERRA, 2016) e ITS-1 (TARTAROTTI; CERON, 2005) descritos na literatura. Os produtos de amplificação foram visualizados por eletroforese em gel de agarose a 1% e, posteriormente, purificados utilizando-se o Kit GFX PCR DNA & Gel Band (GE Healthcare and Life Technology®). Esse material foi então submetido para sequenciamento direto no sequenciador ABI 3730 DNA Analyser (Life Technologies), do Centro de Pesquisa sobre Genoma Humano e Células-Tronco da Universidade de São Paulo/Brasil. A edição e o alinhamento múltiplo das sequências obtidas foram feitos manualmente no software BioEdit 7.0.5.3. As matrizes de distância genética entre T. sordida sensu stricto e T. sordida La Paz para todos os genes foram obtidas pelo programa MEGA 7.0, utilizando-se o modelo de correção Kimura-2-parâmetros (K2P). Como grupo externo, foram utilizadas sequências disponíveis no GenBank de T. infestans para o gene Cyt B (AY702023), e de T. brasiliensis Neiva, 1911 para os genes ND1 (AM980619) e ITS-1 (KJ125138). Também foram realizados cruzamentos experimentais, nos quais seis casais de machos e fêmeas de cada localidade (sendo três réplicas para cada direção) e três casais intraespecíficos (grupo controle) foram formados. Para garantir que toda a prole fosse resultante do cruzamento experimental, foram utilizadas ninfas de quinto instar machos e fêmeas, uma vez que os triatomíneos só atingem a maturidade sexual após a muda imaginal. Os casais foram mantidos separadamente em potes de plástico com uma sanfona vertical de papelão (para maior movimentação e facilidade na alimentação desses insetos) (BELISÁRIO et al., 2007), em temperatura ambiente, sendo alimentados semanalmente com sangue de pato, uma vez que as aves são refratárias à infecção pelo Trypanosoma cruzi (Chagas, 1909) (RASSI JR; RASSI; MARCONDES DE REZENDE, 2012). Semanalmente, os ovos e ninfas foram coletados, contabilizados e separados em novos recipientes para avaliação das taxas de eclosão e de mortalidade, respectivamente. Ao atingirem o quinto instar (N5), novamente três casais de ninfas “híbridas” F1 resultantes de cada cruzamento interespecífico foram separadas para formação dos intercruzamentos (F1), sendo os mesmos parâmetros descritos acima utilizados novamente na avaliação. Para as análises citogenéticas, dez “híbridos” F1 machos adultos de cada geração foram dissecados e seus testículos foram retirados e armazenados em solução de metanol: ácido acético (3:1) [justificamos que ninfas não apresentam gônadas com divisão meiótica (CAMPOS-SOTO et al., 2016) e que os machos foram utilizados nos estudos citogenéticos porque diferente da ovogênese, a espermatogênese é contínua na fase adulta, permitindo que o grau de pareamento entre os cromossomos homeólogos fosse facilmente avaliado]. Posteriormente, lâminas foram preparadas pela técnica de esmagamento celular (ALEVI et al., 2012) e as análises citogenéticas foram aplicadas para caracterizar a espermatogênese, por meio da técnica de Orceína Lacto-Acética [De Vaio et al. (1985), com modificações de acordo com Alevi et al. (2012)], com ênfase no pareamento entre os cromossomos homeólogos (PÉREZ et al., 2005; MENDONÇA et al., 2014). Pelo menos 50 células de cada organismo foram analisadas, conforme realizado por Mendonça et al. (2014). As lâminas foram examinadas em microscopia de luz Jenaval (Zeiss), acoplado à câmera digital e ao sistema analisador de imagens Axio Vision LE 4.8, com aumento de 1000 vezes. A morfologia das gônadas de dez machos e fêmeas adultos híbridos de cada geração também foi analisada e fotodocumentada em microscópio estereoscópio Leica MZ APO com sistema de análise de imagem Motic Advanced 3.2 plus, para avaliar a presença do fenômeno de disgenesia gonadal (que pode ser uni ou 93

bilateral). Como grupo controle, também foram dissecadas e caracterizadas as gônadas de 10 parentais machos e fêmeas.

Resultados e Discussão Em relação às análises moleculares entre os citótipos analisados, T. sordida La Paz apresentou uma distância genética baixa em comparação com T. sordida sensu stricto para os três genes analisados – 1,8% para o gene Cyt B (Tabela 1), 1,9% para o gene ND1 (Tabela 2) e de apenas 0,8% para o gene nuclear ITS-1 (Tabela 3). Esses valores extremamente baixos caracterizam apenas uma variação intraespecífica entre os espécimes, uma vez que, para a subfamília Triatominae, o fenômeno de especiação críptica é sugerido apenas quando a distância genética é superior a 2% (ALEVI et al., 2018).

Tabela 1. Distância genética baseada no gene mitocondrial Cyt B. (1) (2) (3) (1) T. sordida sensu stricto - (2) T. sordida La Paz 0,018 (3) T. brasiliensis 0,184 0,192 -

Tabela 2. Distância genética baseada no gene mitocondrial ND1. (1) (2) (3) (1) T. sordida sensu stricto - (2) T. sordida La Paz 0,019 (3) T. brasiliensis 0,098 0,089 -

Tabela 3. Distância genética baseada no gene nuclear ITS-1. (1) (2) (3) (1) T. sordida sensu stricto - (2) T. sordida La Paz 0,008 (3) T. brasiliensis 0,253 0,244 -

Já os cruzamentos experimentais realizados resultaram em prole para ambas as direções (Tabela 4), demonstrando que não existem barreiras pré-zigóticas. Além disso, foram observadas cópulas entre os exemplares intraespecíficos e interespecíficos de T. sordida, demonstrando, na prática, que não existem barreiras mecânicas por incompatibilidade das genitálias instalada entre esses triatomíneos. A eclosão de híbridos F1 em ambas as direções dos cruzamentos realizados (Tabela 4) também demonstra, por sua vez, que não existem barreiras pré-zigóticas instaladas entre os diferentes citótipos de T. sordida, ou seja, as diferentes populações alopátricas, em condições laboratoriais, se reconhecem (ausência de isolamento etológico), copulam (ausência de 94

isolamento mecânico), além de ocorrer compatibilidade gamética, genômica e, sobretudo, zigótica (ausência de isolamento gamético).

Tabela 4. Cruzamentos experimentais intraespecíficos realizados entre os citótipos T. sordida sensu stricto e T. sordida La Paz e dos seus respectivos híbridos (F1).

Cruzamentos experimentais Número de Taxa de Número de ovos eclosão ninfas Intraespecíficos (diferentes países) ♀ T. sordida Brasil x T. sordida Bolívia ♂ 357 85% 303 ♀ T. sordida Bolívia x T. sordida Brasil ♂ 269 14% 38 Intercruzamentos (F1) ♀ Híbrido x Híbrido ♂1 306 91% 285 - ♀ Híbrido x Híbrido ♂2 353 85% 301 - Intraespecíficos (controle) ♀ T. sordida Brasil x T. sordida Brasil ♂ 590 73% 429 - ♀ T. sordida Bolívia x T. sordida Bolívia ♂ 331 53% 174 - 1 Híbridos provenientes do cruzamento entre ♀ T. sordida Brasil x T. sordida Bolívia ♂; 2 Híbridos provenientes do cruzamento entre ♀ T. sordida Bolívia x T. sordida Brasil ♂.

A partir dos híbridos F1 que atingiram a fase adulta, intercruzamentos foram realizados (Tabela 4). Híbridos F2 foram obtidos para todas as combinações, ou seja, a barreira pós- zigótica de esterilidade do híbrido não foi detectada para a prole F1 dos diferentes citótipos. Esse fenômeno, que pode ser representado pela atrofia das gônadas (disgenesia gonadal) (ALMEIDA e CARARETO, 2002) ou por erros no pareamento cromossômico (que acarretam na formação de gametas inviáveis) (PÉREZ et al., 2005), garante que os híbridos não intercruzem e/ou retrocruzem com os parentais. Para Triatominae, todos os casos de esterilidade do híbrido foram associados apenas com erros durante a meiose (PÉREZ et al., 2005; DÍAZ et al., 2014). As análises citogenéticas do grau de pareamento entre os cromossomos homeólogos dos híbridos F1 resultantes dos cruzamentos das populações de T. sordida do Brasil e da Bolívia demonstraram compatibilidade genômica entre ambos os citótipos, uma vez que todos os cromossomos se mostraram pareados durante as metáfases (Figura 1).

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Figura 1. Metáfases meióticas dos híbridos experimentais resultantes dos cruzamentos experimentais: (A) T. sordida Brasil x T. sordida Bolívia; (B) T. sordida Bolívia x T. sordida Brasil. Observe que todos os cromossomos homeólogos apresentaram 100% pareamento. Barra: 100 µm.

Além disso, a análise da morfologia das gônadas também demonstrou que os híbridos de T. sordida não apresentam disgenesia gonadal, uma vez que tanto os testículos como os ovários não se mostraram atrofiados, em comparação ao grupo controle. Esse fenômeno, portanto, confirma a ausência de esterilidade do híbrido já observada para os cruzamentos F1 (Tabela 4).

Conclusão Com base na distância genética extremamente baixa, associada com a ausência de barreiras reprodutivas pré-zigóticas e pós-zigóticas, sugerimos que T. sordida La Paz representa apenas um polimorfismo cromossômico de T. sordida sensu stricto e não um novo táxon, como parece ser o caso do citótipo T. sordida Argentina (PANZERA et al., 2015; BELINTANI et al., 2020).

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Apoio Financeiro FAPESP (Processo nº 2017/05015-7), CAPES e PQ/CNPq (Processo nº 305260/2017-0).

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Variabilidade genética de camarões (Litopenaeus vannamei) utilizando marcadores moleculares ISSR (Inter Simple Sequence Repeats), em população cultivada

ALMEIDA, J.C.¹, ALMEIDA, D.O.C², MOREIRA, R.F.C³, FONTELES, S.B.A 4.

Introdução A espécie Litopenaeus vannamei é conhecida popularmente como camarão branco do pacifico, é exótica no Brasil e é nativa do Oceano Pacifico possui uma ampla distribuição na porção desde o norte do México até o norte do Peru (PEREZ FARFANTE & KENSLEY,1997). Segundo Tavares (2003) a espécie foi trazida para o Rio Grande do Norte em 1981 onde o cultivo foi realizado em viveiros, todavia durante anos não apresentaram bons resultados. Somente a partir do início da década de 90, a espécie começou a apresentar bons resultados, passando a ser cultivada ao longo de praticamente toda a costa brasileira. O camarão marinho L. vanammei passou a ser um dos mais importantes recursos pesqueiros utilizados pelo homem, devido principalmente ao aumento de sua ingestão como fonte de proteínas. Este recurso serve também como fator de subsistência a comunidades ribeirinhas, elevando a sua qualidade de vida e mantendo sua permanência local (ZANOLO, R. 2006). A liofilização é uma metodologia que remove a umidade em amostras biológicas e pode ser utilizada como uma ferramenta alternativa para conservação de bancos de tecidos que tem como objetivo a extração de DNA. Este procedimento também possibilita a eliminação do uso de nitrogênio líquido durante a maceração. O isolamento de DNA de tecidos previamente secos tem se mostrado mais eficiente do que usando tecidos frescos (MAZZA & BITTENCOURT, 2000). A extração de DNA implica no isolamento de DNA dos tecidos, tanto animal como vegetal e tem a finalidade de obter DNA o mais puro possível e em maior quantidade possível (LOPES, 2010). Para muitas análises genéticas, principalmente envolvendo PCR, alguns problemas comuns, geral mente associados com a pureza do DNA, podem ser enfrentados. Diversos tipos de tecidos vivos podem apresentar compostos inibidores de PCR. Esses inibidores são compostos que exercem seus efeitos diretamente no DNA ou interferem bloqueando a função da DNA polimerase, impedindo que uma desejada sequência da amostra possa ser amplificada. Sendo assim, uma maneira eficiente de evitar esses inibidores de PCR, seria a utilização de métodos apropriados para purificação de material genético (BESSETTI 2007). Uma das formas de realizar o melhoramento de uma determinada característica em uma população é eliminar os indivíduos com baixo desempenho naquela característica. Um dos principais problemas com este procedimento é a perda significativa dos níveis de variabilidade resultante da utilização de um número reduzido de reprodutores (FRANCISCO, 2003). A identificação de marcas genéticas pode fornecer informações sobre a distribuição da variabilidade genética em relação ao tamanho da população e à geração parental, além de discriminar linhagens e/ou indivíduos. Pesquisas realizadas em diferentes espécies de camarões cultivados demonstram que o monitoramento regular do nível da variabilidade genética dos estoques, através da identificação de marcadores moleculares, é imprescindível para orientação adequada do manejo (TASSANAKAJON, et al., 1997). Com o avanço da biologia molecular e com o advento da PCR (Polymerase Chain Reaction) diversos marcadores têm sido utilizados com base nesta técnica e são empregados para analisar a diversidade genética de populações de camarões peneídeos. Com isso é possível o monitoramento da variabilidade genética que auxilia de forma especial na orientação do manejo aplicado aos camarões (Ferreira, 1998). Dentre as classes de marcadores moleculares existentes, os marcadores ISSR (Inter Simple Sequence Repeats) podem ser utilizados na classificação e caracterização molecular de indivíduos, ISSR são regiões encontradas no DNA de 100 a 3.000 pb, amplificadas via PCR (Reação em cadeia da Polimerase) flanqueadas por sequências microssatélites, para as quais são desenhados e utilizados um unico primer de 16 a 98

20 pb, para cada sequência, ISSR possui potencial para fornecer dados sobre a variabilidade genética de populações naturais ou cativas, sem a necessidade do conhecimento prévio da sequência-alvo ( FALEIRO, 2007).

Objetivo geral Realizar a caracterização genética de uma população de Litopenaeus vannamei cultivada na fazenda Oruabo, Bahia Pesca, BA.

Objetivos específicos Realizar a Caracterização genética das amostras via marcadores ISSR. Avaliar a variabilidade genética dos estoques cultivados amostrados.

Metodologia O material é procedente da Fazenda Oruabo pertencente a Empresa Bahia Pesca, que está localizada no município de Santo Amaro Bahia. Foram amostrados 28 exemplares do plantel de reprodutores estocados e mantidos no referido cultivo. O material biológico foi amostrado e fixado separadamente em etanol a 99% dentro de tubos plásticos individuais tipo eppendorf. Para isso foram realizados os seguintes procedimentos: Cada tubo foi antecipadamente enumerado, previamente preenchidos com Álcool etílico 99%, após isso amostras de 0,5cm² de tecido muscular de camarão foram armazenadas em eppendorf de 2,0 ml e liofilizadas em liofilizador modelo L101 e marca Liotop por 30 horas. Sendo posteriormente mantidos sob refrigeração, à 4°C, até o momento da extração de DNA. Após coletar o material foi transportado para o laboratório de Genética de Organismos Aquáticos (LAGOA) no Núcleo de Estudos em Pesca e Aquicultura (NEPA\UFRB) da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia, campus Cruz das Almas. Para extração de DNA, foram utilizados os seguintes protocolos: o protocolo Fenol – Clorofórmio e o protocolo Acetato de amônio. O protocolo Fenol-Cloroformio foi realizado pela metodologia proposta por Sambrook e colaboradores (1989). Fragmentos dos tecidos muscular liofilizados de camarão foram colocados em tubos tipo eppendorf. Depois foi adicionado tampão de extração: 4μl de Tris-Cl 1M pH8 + 160μl de EDTA 0,5M pH8. No Protocolo Acetato de Amônio. Os tecidos liofilizados mantidos em geladeira foram marcerados em 300 µL de solução de lise celular, no qual foi acrescentado 5 µL de Proteinase-K. A eletroforese do gel foi conduzida a 70 volts por 40 minutos, usando tampão TBE 1x. As amostras do DNA extraído foram quantificadas em espectrofotômetro analisando a sua quantidade e qualidade obtida. Realizou-se um teste de primers com o intuito de conseguir iniciadores compatíveis com a espécie estudada para realização da PCR e as análises subsequentes. Foi realizado um teste de gradiente de temperatura em 18 iniciadores testados em seis temperaturas 48, 50, 52, 54, 56, e 58◦C como segue: 4(GA)8C; 5(CT)8G; 6(AG)8YT; 8(GA)8YT; 10(GA)8YC; 11 (CT)8RA; 12(AC)8YG; 14 (GGAC)3C; 13(GGAC)3A; 15(GGAC)3T; 16(AACC)4; 17(GGAC)4; 18(TAGG)4; 19(GACA)4; 20(GGAT)4; 21(AAGC)4; 22(CACT)4; 23(GGGT)4 e foram selecionados os 5 primers mais informativos. Realizou-se uma diluição utilizando a quantidade de água ultra pura na mesma proporção em nanograma de DNA obtido a partir da extração, para a concentração do DNA ficar na proporção de um nanograma por microlitro. A amostra de DNA utilizada no teste foi obtida a partir de extração em tecido muscular liofilizado e com o protocolo Acetato de Amônio. A mistura de reação utilizada no teste apresentou a seguinte concentração de reagentes: 12,75 µl de água µQ, 5,0 µl de DNTP, 2,5 µl de tampão, 4,0 µl de Mg, 2,5 µl de primer, 0,2 µl de Taq polimerase mais 3,0 µl de DNA já diluído a um nanograma por microlitro. O emprego da técnica ISSR (Inter Simple Sequence Reapets) foi realizada através de reações de amplificações utilizando a técnica PCR por meio de um aparelho termociclador (Verity – Applied Biosystems) e utilizando os iniciadores (primers) do teste. A amplificação com os iniciadores consistiram 99

numa etapa inicial de desnaturação do DNA à 94°C por 4min; seguido por 34 ciclos, cada um apresentando 0:40 min de desnaturação à 94°C; e 0:30 min para o anelamento dos iniciadores à temperatura específica de cada prime; 1:30 min de extensão do fragmento do DNA à 72°C; seguido de uma extensão final por 7 min e 72°C. A análise da amplificação foi realizada através de eletroforese em gel de agarose a 2% e durante 2h e meia e conduzida a 70 volts. Os resultados obtidos a partir da visualização das bandas nos géis foram transformados em matrizes numéricas binárias com presença (1) e ausência de banda (0), para os fragmentos amplificados, incluindo as bandas de intensidade média e fracas. O loco foi considerado polimórfico quando a frequência do alelo mais presente não foi superior a 0,99. A partir da matriz binária, foi realizado o agrupamento de similaridade pelo método das médias não ponderadas das distâncias gênicas (UPGMA-Unweighted Pair Group Method Averages) e obtido os agrupamentos hierárquicos das análises. Utilizou-se o programa DARWIN 6.0 (PERRIER & JACQUEMOUD-COLLET, 2006).

Resultados e discussões Através da espectrofotometria foi possível analisar a concentração e a qualidade do DNA. O grau de pureza obtido pela razão entre as absorbâncias a 260 nm e 280 nm, onde a absorbância do comprimento de onda de 260 nm indica presença de DNA e a de 280 nm presença de proteína. Dessa forma para as amostras possuírem uma boa qualidade os valores da razão (260 nm/280 nm) tem que estar entre 1,5 e 2,5 que são considerados ideais (COLPAERT et al., 2005). A média dos resultados obtidos indicou um valor de qualidade das amostras de DNA abaixo do que é indicado como ideal no caso das amostras de DNA obtidas com o protocolo Fenol-clorofórmio onde a média da qualidade observada foi de 1,28 e a concentração foi de 344,571 ng/µl. Contudo, a média da qualidade das amostras obtidas com protocolo Acetato de Amônio foi de 2,58 e a concentração foi de 457,139 ng/µl. O resultado da extração de DNA das amostras liofilizadas obtido a partir do protocolo Acetato de Amônio foi analisado em gel de agarose a 1%. Foi possível visualizar DNA em todas as amostras quando quantificado em espectrofotômetro obteve-se uma boa quantidade e qualidade do DNA, comparado com o protocolo Fenol clorofórmio. O Acetato de Amônio não contamina as amostras e é menos tóxico para o manipulador. Todas as amostras quantificadas apresentaram DNA, não acusando zero. Dessa forma este protocolo pode ser considerado mais adequado para realização da extração de DNA e posteriormente a realização da PCR. Com relação ao teste de primers, o primer 11 amplificou em três temperaturas 52°C, 54°C, 56°C, e o primer 12 amplificou em todas as temperaturas utilizadas no teste. Já o primer 14 amplificou em todas as seis temperaturas (48°C, 50°C, 52°C, 54°C, 56°C, 58°C) sendo que a amplificação ficou melhor nas temperaturas 54°C, 56°C e 58°C. Dos 18 primers testados os que amplificaram melhor foram: 17 e 21 em todas as temperaturas (48°C, 50°C, 52°C, 54°C, 56°C e 58°C). Os marcadores utilizados no presente trabalho apresentaram boa reprodutibilidade observada por padrões de amplificação na reação de PCR. A Figura 1. Tem como exemplo um dos iniciadores, o primer 14(GGAC)3C evidenciando o padrão de bandas para a população de L. vannamei composta pelos 28 individuos.

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Figura 1. Padrão de bandas ISSR amplificado a partir de 28 amostras da população de L.vannamei coletadas da Fazenda Oruabo utilizando o primer 14(GGAC)3C, L: Lader 100pb. As setas indicam bandas polimórficas.

Os marcadores utilizados no presente trabalho apresentaram boa reprodutibilidade observada por padrões de amplificação na reação de PCR. Os cinco iniciadores escolhidos: (AAGC)4, (GGAC)4, (GGAC)3C, (AC)8YG, (CT)8RA (Tabela 1), geraram um total de 42 fragmentos que foram utilizados como base para as análises estatísticas, o primer (AAGC)4 apresentou o total de 8 fragmentos sendo um monomórfico e 8 polimórficos e obteve-se uma porcentagem de polimorfismo igual a 87,5 % já o primer (GGAC)4 apresentou um total de 11 fragmentos sendo 10 polimórficos e um monomórfico e a porcentagem de polimórficos foi de 90%, o primer (GGAC)3C o total de fragmentos amplificados foi 6 sendo 1 monomórfico e 5 fragmentos polimórficos e a porcentagem de fragmentos polimórficos foi de 83,3%, no caso do iniciador (AC)8YG 10 fragmentos foram amplificados no total, sendo 5 monomórficos e 5 polimórficos e 50% de polimorfismo, já para o iniciador (CT)8RA, 7 fragmentos foram obtidos no total, sendo 0.0 monomórficos e 7 polimórficos e uma porcentagem de 100% de polimorfismo para este primer. Evidenciando que a maior parte dos fragmentos amplificados foram polimórficos 34 fragmentos, para 8 fragmentos monomórficos no total.

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Tabela 1. Porcentagem de polimorfismo presente na população estudada detectada através dos iniciadores ISSR selecionados para análise de variabilidade genética de L.vannamei. Mostrando na primeira coluna os 5 primers utilizados e na segunda coluna suas respectivas sequências e na terceira coluna a temperatura de anelamento de cada primer na quarta coluna os fragmentos amplificados na quinta coluna os fragmentos monomórficos na penúltima coluna os fragmentos polimórficos e na ultima coluna a porcentagem de polimorfismos encontrados. Primers Seqüências Temperatura Fragmentos Fragmentos Fragmentos Porcentagem 5´ - 3´ de amplificados monomórficos polimórficos de anelamento polimorfismo % ISSR 21 (AAGC)4 56°C 8 1 7 87,5 ISSR 17 (GGAC)4 56°C 11 1 10 90 ISSR 14 (GGAC)3C 58°C 6 1 5 83,3 ISSR 12 (AC)8YG 54°C 10 5 5 50 ISSR 11 (CT)8RA 54°C 7 0 7 100 Total 42 8 34

A Figura 2. Apresenta os dados da análise geral das relações de parentesco entre os indivíduos de L. vannamei observando-se a formação de dois grupos sendo um grupo maior dividido em subgrupos e outro menor. Os indivíduos, 15 e 16 possuem maior semelhança evidenciada no dendrograma, por possuírem a menor distância euclidiana constituindo um dos subgrupos (VICINI, 2005). Dessa forma o marcador molecular (ISSR) se mostrou eficiente para o estudo da espécie L. vannamei porque a partir dos padrões de bandas que foram gerados e pelo numero de polimorfismos observados foi possível avaliar o grau de similaridade genética que havia entre os indivíduos estudados, visto que com base na presença e ausência de banda é que foi construída a matriz binária e a partir desta, e que foi realizado o agrupamento de similaridade pelo método das médias não ponderadas das distâncias gênicas (UPGMA- Unweighted Pair Group Method Averages) e assim obtido os agrupamentos hierárquicos das análises utilizando o programa DARWIN 6.0 (PERRIER & JACQUEMOUD-COLLET, 2006). Observou-se com base no dendograma (Figura 2) a formação de dois grupos: sendo um grande grupo (o grupo 1) composto pelos genótipos de 9 a 8 e um pequeno grupo (o grupo 2) relacionado aos genótipos de 25 a 28.

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Figura 2. Dendrograma gerado por UPGMA baseado no coeficiente de Jaccard da análise de ISSR de 28 amostras da população de L.vannamei coletadas da Fazenda Oruabo, Bahia, 2016.

9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 1 2 3 4 5 6 7 8 25 26 27 28

Os marcadores moleculares são uma ferramenta eficiente para estimar o nível de diversidade genética dos estoques de reprodutores, e dessa forma podem auxiliar o manejo reprodutivo, evitando a diminuição da variabilidade genética, mediante a identificação dos reprodutores mais divergentes geneticamente, permitindo aumentar a variabilidade genética e diminuir o nível de endogamia na população (LOPES et al., 2009). Dessa forma os dados obtidos no presente estudo inferem que a população possui um grau de variabilidade Genética significativa de acordo com as informações geradas pelas análises e pelas informações contidas no dendograma como por exemplo a divisão da população em dois grupos sendo um grande grupo contendo a maioria dos indivíduos da população, grupo este que se encontra subdividido em grupos menores, e um outro pequeno grupo e também a porcentagem de polimorfismos encontrados na população. Sugere-se a fim de otimizar e dar continuidade a esta pesquisa, o aumento na quantidade de amostras, coletar em diferentes locais de cultivo para o estudo da variabilidade genética de camarão cultivado e assim obter resultados mais seguros como também usar mais primers ISSR a fim de cobrir o genoma da espécie.

Conclusão O protocolo que mostrou uma maior quantidade e melhor qualidade do DNA em amostras liofilizadas de camarão foi o protocolo Acetato de Amônio. Os marcadores ISSR utilizados se mostraram eficientes para o estudo da espécie e foi possível inferir que a população possui um grau de variabilidade Genética significativa.

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Referências

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Seriam Triatoma melanocephala, T. tibiamaculata e T. vitticeps integrantes do subcomplexo Brasiliensis (Hemiptera, Triatominae)?

REIS, Y.V.1, NEVES, J.M.S.2, OLIVEIRA, J.2, ROSA, J.A.2, AZEREDO-OLIVEIRA, M.T.V.3, ALEVI, K.C.C.1,2

1 Instituto de Biociências. Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” – IBB/UNESP 2 Faculdade de Ciências Farmacêuticas. Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” – FCFAR/UNESP 3 Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas. Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” – IBILCE/UNESP Introdução Os triatomíneos (Hemiptera, Reduviidae, Triatominae) são insetos hematófagos, capazes de se contaminar com o protozoário Trypanosoma cruzi (Chagas, 1909) (Kinetoplastida, Trypanosomatidae), agente etiológico da doença de Chagas (GALVÃO, 2014). Estão descritas, atualmente, 154 espécies (das quais três são fósseis) (OLIVEIRA; ALEVI, 2017; DORN et al., 2018; OLIVEIRA et al., 2018; LIMA-CORDÓN et al., 2019; NASCIMENTO et al., 2019; POINAR, 2019) que foram agrupadas em complexos e subcomplexos de acordo com a localização geográfica e as características morfológicas (SCHOFIELD; GALVÃO, 2009). Apesar desses agrupamentos não possuírem validade taxonômica (ICZN, 1999), sugere-se que eles devam representar grupos naturais (monofiléticos) (JUSTI et al., 2014). Triatoma brasiliensis Neiva, 1911, T. bahiensis Sherlock & Serafim, 1967, T. juazeirensis Costa & Felix, 2007, T. melanica Neiva & Lent, 1941, T. melanocephala Neiva & Pinto, 1923, T. petrocchiae Pinto & Barreto, 1925, T. lenti Sherlock & Serafim, 1967, T. sherlocki Papa, Jurberg, Carcavallo, Cerqueira & Barata, 2002, e possivelmente, T. vitticeps (Stål, 1859) e T. tibiamaculata (Pinto, 1926) foram, inicialmente, agrupadas no subcomplexo Brasiliensis (SCHOFIELD; GALVÃO, 2009; JUSTI; GALVÃO, 2017). Entretanto, estudos cariossistemáticos (ALEVI et al., 2012), morfológicos (OLIVEIRA et al., 2017), morfométricos (OLIVEIRA et al., 2017) e filogenéticos (GARDIM et al., 2014; OLIVEIRA et al., 2017) têm mostrado que T. melanocephala, T. tibiamaculata e T. vitticeps não devem fazer parte desse subcomplexo. Os cruzamentos experimentais são extremamente importantes para a taxonomia, uma vez que a presença de barreiras reprodutivas permite corroborar o status específico das espécies avaliadas, com base no conceito biológico de espécie (MAYR, 1963; 2001). Além disso, dentre os triatomíneos, espécies mais distantes filogeneticamente tendem a apresentar barreiras pré- zigóticas [como observado entre T. b. brasiliensis x T. sordida (Stål, 1859) e entre T. b. brasiliensis x T. infestans (Klug, 1834) (PERLOWAGORA-SZUMLEWICS; CORREIA, 1972)], enquanto espécies relacionadas tendem a apresentar barreiras pós-zigóticas [como observado entre T. infestans x T. rubrovaria (Blanchard, 1843) (PÉREZ et al., 2005) e entre T. lenti x T. sherlocki (MENDONÇA et al., 2014)]. Uma vez que o posicionamento de T. melanocephala, T. tibiamaculata e T. vitticeps ainda é incerto no subcomplexo Brasiliensis, cruzamentos experimentais entre elas e outras espécies desse grupo podem ajudar a elucidar essa problemática.

Objetivos Avaliar o posicionamento de T. melanocephala, T. tibiamaculata e T. vitticeps no subcomplexo Brasiliensis por meio de cruzamentos experimentais.

Metodologia Os insetos utilizados foram cedidos pelo Insetário de Triatominae, localizado na Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Araraquara (FCFAR/UNESP). Para garantir a 105

virgindade das fêmeas utilizadas, ninfas de 5º instar foram sexadas e mantidas separadas até a muda imaginal, seguindo a metodologia de Costa et al. (2003) e Mendonça et al. (2014). Cada uma das espécies foi cruzada com T. brasiliensis, sendo realizados seis cruzamentos recíprocos (três: fêmea A x macho B; e, três: fêmea B x macho A) para cada um dos seguintes pares de espécie: T. melanocephala x T. brasiliensis, T. vitticeps x T. brasiliensis, T. tibiamaculata x T. brasiliensis. Os cruzamentos foram mantidos separados em potes plásticos de 10 cm x 5 cm (diâmetro x altura) em temperatura ambiente. Como grupo controle, foram montados três cruzamentos para cada espécie utilizada. A cada semana os ovos produzidos foram contabilizados e após o fim do experimento a taxa de eclosão dos ovos foi calculada. Resultados e Discussão Em todos os cruzamentos realizados não houve eclosão dos ovos (Tabela 1), destacando a presença de barreiras pré-zigóticas entre as espécies cruzadas. Comparando esses resultados com os cruzamentos disponíveis na literatura entre T. brasiliensis com as outras espécies do subcomplexo Brasiliensis [a qual já foi cruzada experimentalmente com T. melanica, T. juazeirensis, T. b. macromelasoma e T. sherlocki (COSTA et al., 2003; CORREIA et a., 2013), que resultam em híbridos em todas as direções] e com os cruzamentos de T. brasiliensis com outras espécies mais distantes filogeneticamente, como T. infestans e T. sordida (JUSTI et al., 2014) [em que não há produção de híbridos (PERLOWAGORA-SZUMLEWICS; CORREIA, 1972)] foi possível confirmarmos a exclusão de T. melanocephala, T. tibiamaculata e T. vitticeps do subcomplexo Brasiliensis.

Tabela 1 – Cruzamentos experimentais realizados.

Cruzamentos experimentais Nº de ovos Taxa de eclosão (%) Interespecíficos T. brasiliensis ♀ x T. vitticeps ♂ 90 0 T. vitticeps ♀ x T. brasiliensis ♂ 147 0 T. brasiliensis ♀ x T. melanocephala ♂ 63 0 T. melanocephala ♀ x T. brasiliensis ♂ 78 0 T. brasiliensis ♀ x T. tibiamaculata ♂ 193 0 T. tibiamaculata ♀ x T. brasiliensis ♂ 60 0 Intraespecíficos (controle) T. brasiliensis ♀ x T. brasiliensis ♂ 271 59 T. melanocephala ♀ x T. melanocephala ♂ 302 63 T. tibiamaculata ♀ x T. tibiamaculata ♂ 190 65 T. vitticeps ♀ x T. vitticeps ♂ 353 70

A partir da exclusão dessas espécies do subcomplexo Brasiliensis, vale destacar que, recentemente, Alevi et al. (2017) propuseram a criação do subcomplexo T. vitticeps, no qual foram incluídas T. melanocephala e T. vitticeps, devido às características citogenéticas, morfológicas e relação filogenética apresentadas por elas. Já T. tibiamaculata tem demonstrado relação filogenética com as espécies do gênero Panstrongylus Berg, 1879 (JUSTI et al., 2014; 2016), reforçando a necessidade de novos estudos envolvendo essa espécie para avaliar seu status genérico.

Conclusão Confirmamos a exclusão de T. vitticeps, T. tibiamaculata e T. melanocephala do subcomplexo Brasiliensis e ressaltamos a importância dos cruzamentos experimentais para estudos taxonômicos e evolutivos. 106

Referências ALEVI, K. C. C.; MENDONÇA, P. P.; SUCCI, M.; PEREIRA, N. P.; ROSA, J. A.; AZEREDO- OLIVEIRA, M. T. V. Karyotype of Triatoma melanocephala Neiva and Pinto (1923). Does this species fit in the Brasiliensis subcomplex? Infection, Genetics and Evolution, v. 12, p. 1652–1653, 2012. CORREIA, N.; ALMEIDA, C. E.; LIMA-NEIVA, V.; GUMIEL, M.; LIMA, M. M.; MEDEIROS, L. M. O.; MENDONÇA, V. J.; ROSA, J. A.; COSTA, J. Crossing experiments confirm T. sherlocki as a member of the Triatoma brasiliensis species complex. Acta Tropica, v. 128, p. 162–167, 2013. COSTA, J.; ALMEIDA, C. E.; DUJARDIN, J. P.; BEARD, C. B. Crossing experiments detect genetic incompatibility among populations of Triatoma brasiliensis Neiva, 1911 (Heteroptera, Reduviidae, Triatominae). Memórias do Instituto Oswaldo Cruz, v. 98, p. 637–639, 2003. DORN, P. L.; JUSTI, S. A.; DALE, C.; STEVENS, L.; GALVÃO, C.; LIMA-CORDÓN, R.; MONROT, C. Description of Triatoma mopan sp. n. from a cave in Belize (Hemiptera, Reduviidae, Triatominae). ZooKeys, v. 775, p. 69–95, 2018. GALVÃO, C. Vetores da doença de Chagas no Brasil. Sociedade Brasileira de Zoologia, Curitiba, 2014. GARDIM, S.; ALMEIDA, C. E.; TAKIYA, D. M.; OLIVEIRA, J.; ARAÚJO, R. F.; CICARELLI, R. M. B.; ROSA, J. A. Multiple mitochondrial genes of some sylvatic Brazilian Triatoma: nonmonophyly of the T. brasiliensis subcomplex and the need for a generic revision in the Triatomini Infection, Genetics and Evolution, v. 23, p. 74–79, 2014. ICNZ (The International Code of Zoological Nomenclature), 1999. The International Code of Zoological Nomenclature. https://www.iczn.org/ (acesso em 20/09/2020). JUSTI, S.; GALVÃO, C. The evolutionary origin of diversity in Chagas disease vectors. Trends in Parasitology, v. 33, p. 42–52, 2017. JUSTI, S. A.; GALVAO, C.; SCHRAGO, C. G. Geological changes of the Americas and their influence on the diversification of the Neotropical kissing bugs (Hemiptera: Reduviidae: Triatominae). PLOS Neglected Tropical Diseases, v. 10, e0004527, 2016. JUSTI, S. A.; RUSSO, C. A. M.; MALLET, J. R. S.; OBARA, M.xT.; GALVÃO, C. Molecular phylogeny of Triatomini (Hemiptera: Reduviidae: Triatominae). Parasites & Vectors. v.7, 149, 2014. LIMA-CORDÓN, R. A.; MONROY, M. C.; STEVENS, L.; RODAS, A.; RODAS, G. A.; DORN, P. L.; JUSTI, S. A. Description of Triatoma huehuetenanguensis sp. n., a potential Chagas disease vector (Hemiptera, Reduviidae, Triatominae). ZooKeys, v. 820, p. 51–70, 2019. MAYR, E. Animal Species and Evolution. Harvard University Press, Cambridge, 1963. MAYR, E. Species. Encyclopedia of Genetics, p. 1864-1869, 2001. MENDONÇA, V. J.; ALEVI, K. C. C.; MEDEIROS, L. M. O.; NASCIMENTO, J. D.; AZEREDO- OLIVEIRA, M. T. V.; ROSA, J. A. Cytogenetic and morphologic approaches of hybrids from experimental crosses between Triatoma lenti Sherlock & Serafim, 1967 and T. sherlocki Papa et al., 2002 (Hemiptera: Reduviidae). Infection, Genetics and Evolution, v. 26, p. 123–131, 2014. NASCIMENTO, J. D.; RAVAZI, A.; ALEVI, K. C. C.; PARDO-DIAZ, C.; SALGADO-ROA, F. C.; DA ROSA, J. A.; DE AZEREDO OLIVEIRA, M. T. V.; DE OLIVEIRA, J.; HERNÁNDEZ, C.; SALAZAR, C.; RAMÍREZ, J. D. Taxonomical over splitting in the Rhodnius prolixus (Insecta: Hemiptera: Reduviidae) clade: are R. taquarussuensis (da Rosa et al., 2017) and R. neglectus (Lent, 1954) the same species? PLoS One 14, e0211285, 2019. OLIVEIRA, J.; ALEVI, K. C. C. Taxonomic status of Panstrongylus herreri Wygodzinsky, 1948 and the number of Chagas disease vectors. Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical, v. 50, p. 434–435, 2017. OLIVEIRA, J.; AYALA, J. M.; JUSTI, S. A.; ROSA, J. A.; GALVÃO, C. Description of a new species of Nesotriatoma Usinger, 1944 from Cuba and revalidation of synonymy between Nesotriatoma bruneri (Usinger, 1944) and N. flavida (Neiva, 1911) (Hemiptera, Reduviidae, Triatominae). J. Journal of Vector Ecology, 43, p. 148–157, 2018. OLIVEIRA, J.; MARCER, P. L.; TAKIYA, D. M.; MENDONÇA, V. J.; BELINTANI, T.; BARGUES, M. D.; MATEO, L.; CHAGAS, V.; FOLLY-RAMOS, E.; CORDEIRO-ESTRELA, P.; GURGEL- GONÇALVES, R.; COSTA, J.; ROSA, J. A.; ALMEIDA, C. E. Combined phylogenetic and morphometric information to delimit and unify the Triatoma brasiliensis species complex and the Brasiliensis subcomplex. Acta Tropica, v. 170, p. 140–148, 2017. 107

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Apoio financeiro: FAPESP (Processo nº 2019/01197-9), CNPq e CAPES - Código financeiro 001.

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Genética humana e médica

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Melatonina: um aliado no tratamento do câncer do colo de útero

FRIGIERI, B.M.1, RODRIGUES-LISONI, F.C.2, OLIVEIRA, M.M.S.2, FERREIRA, M.C.S.2

1Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas, IBILCE/UNESP, Departamento de Biologia 2Faculdade de Engenharia de Ilha Solteira, FEIS/UNESP, Curso de Graduação em Ciências Biológicas

I- Introdução O carcinoma de colo de útero é o segundo tipo de câncer no mundo que ocorre com mais frequência em mulheres, assim é a quarta causa de morte em países em desenvolvimento. A carcinogênese de colo de útero está relacionada com alterações genéticas, infecção pelo Papilomavirus Humano (HPV), angiogênese e processos inflamatórios. No Brasil é o terceiro tipo de tumor mais frequente na população feminina e a quarta causa de morte de mulheres por câncer. O número de mortes em 2018 foi 6.526 e no ano de 2020 o número de casos 16.590 desse tipo de câncer na população feminina (INCA, 2020). Outro fator relacionado diretamente ao carcinoma de colo de útero é a infecção pelo Papilomavirus Humano (HPV), cerca de 90% dos casos estão associados com o HPV como agente causativo (JAAFAR et al, 2009). Além da infecção do HPV ser o principal fator de risco relacionado a esta doença, há entre outros fatores que podem estar relacionados com o desenvolvimento do carcinoma de colo de útero, entre eles a idade; número de parceiros sexuais, o qual tem sido relacionado com co-infecções; fumo; uso prolongado de contraceptivos hormonais; e um elevado número de gravidez, o qual tem sido associado ao fato de que um grande número de nascimentos aumenta as lesões no canal cervical ou causa imunossupressão nesta área (SOTO-DE LEON et al., 2011). Para o tratamento desse tipo de câncer pode-se incluir cirurgia, terapia por irradiação e quimioterapia. O método cirúrgico desse tipo de câncer é altamente invasivo e pode causar lesões irrecuperáveis, por isso muitas vezes esta está associada a quimioterapia, mas pode ocorrer resistência à quimioterapia, assim há a busca por diversos novos fármacos antitumorais para que possa auxiliar na eficiência da quimioterapia. Assim o fármaco que é um forte candidato a esse auxilio é a melatonina, pois essa possui atividade antitumoral por diversos mecanismos (Chen et al., 2018). Melatonina é um hormônio natural produzido pela glândula pineal, regula o ritmo circadiano, possuindo propriedades imunomoduladoras, anti-inflamatórias e antioxidantes (REITER; TAN; PAPPOLLA, 2004; DI BELLA et al., 2013; REITER et al., 2017). Sendo sua síntese realizada seguindo um mesmo padrão, no qual no período noturno há um pico significante e durante o dia não há essa síntese (RAVINDRA; LAKSHMI; AHUJA, 2006; HILL et al., 2015). Além de regular as funções biológicas, a melatonina também é importante em processos patológicos, entre eles o câncer. Tamarkin e colaboradores (1981) viram que tumores mamários quando tratados com melatonina, esta inibiu a progressão tumoral. E assim, a partir desse trabalho vem-se mostrando que a melatonina inibe o desenvolvimento de diversos tipos de tumores. Chen e colaboradores (2018) observaram que, após o teste de MTT, a melatonina se mostrou citotóxica e promoveu a morte de células tumorigênicas de colo de útero (linhagem HeLa), em comparação ao controle (células HeLa sem aplicação de melatonina), havendo redução de células tumorigênicas, pela inibição da via JNK/Parkin. Segundo Pariente et. al.(2015) a melatonina in vitro faz com que aumente a citotoxicidade e a apoptose induzidas pela cisplatina em células HeLa e, assim a melatonina pode ser potencialmente aplicada ao tratamento do câncer do colo do útero como um poderoso agente sinérgico. Em diversos mecanismos em que a melatonina atua, pode controlar ciclo celular, ativando como pró-apoptótica e antiproliferativa e induz a diferenciação celular. Possui também 110

ação antioxidante, reduzindo os danos oxidativos provados por radicais livres e prevenindo o efeito colateral de tratamentos citotóxicos (REITER; TAN; PAPPOLLA, 2004; DI BELLA et al., 2013; PROIETTI et al., 2013).

II- Objetivos Em função da importância da atividade antitumorigênica da melatonina, incluindo seus elementos químicos, o trabalho teve como objetivo avaliar esse potencial efeito nas células neoplásicas sobre a morfologia, proliferação e migração celular, e citotoxicidade, assim observando como ocorre a ação e como essas alterações podem participar do processo tumorigênico.

III- Material e métodos

Material

Foram utilizadas duas linhagens tumorigênicas e uma linhagem de células normais. As linhagens tumorigênicas são uma de carcinoma de colo de útero (SiHa) e uma de adenocarcinoma de colo de útero (HeLa). Foi utilizada melatonina (Sigma-Aldrich, St. Louis, MO, USA) nas concentrações de 100 nM e 1mM, diluídas em 50% de solução PBS (Phosphate Buffered Saline) e 50% de etanol absoluto (Borin et al., 2016; Gonçalves et al., 2016).

Métodos

A. Cultivo e análise da morfologia celular As linhagens celulares HeLa e SiHa foram semeadas em meio completo (MEM suplementado com 10% de soro bovino, 10mM aminoácidos não essenciais, 100mM piruvato de sódio, 1x antibiótico/antimicótico). Essas células foram mantidas a 37°C e atmosfera de 5% de CO2 por 24 horas, até se fixarem no substrato. Após esse período, o meio foi trocado a cada dois ou três dias, ou até se tornar confluente. O crescimento e a morfologia celular foram avaliados diariamente em microscópio invertido e, quando a densidade celular se mostrar alta, o material foi submetido à tripsinização e subdividido em duas réplicas.

B. Índice de proliferação celular Foram realizados quatro experimentos, com as duas diferentes linhagens celulares: um experimento controle negativo (meio de cultura), outro controle com o veículo de diluição dos compostos (50%PBS + 50%etanol) e com a melatonina em duas diferentes concentrações (100nM e 1mM). Para analisar o índice de proliferação foi realizada uma curva de crescimento para cada concentração a ser testada (100nM e 1mM) após 4, 24, 48 e 72 horas de tratamento. As células foram cultivadas em placas de cultura de 96 poços, semeadas na concentração de 5x103 em 200uL de meio MEM com 10% de soro fetal bovino e mantidas a 37ºC em câmara úmida e atmosfera com 5% de CO2, por 24 horas, até se fixarem no substrato. Após esse período, o meio de cultura foi substiuído por meio de cultura sem soro (MEM 0%), a fim de deixar todas as células na mesma etapa celular. Após 24 horas foi trocado o meio de cultura, substituído de acordo com os experimentos referidos acima. Nesse dia zero do experimento, o meio sem soro foi substituído pelo meio completo e adicionado a melatonina nas concentrações desejadas. Após 4 horas do experimento, as células dos primeiros poços da placa foram tripsinizadas e contadas em câmara de Neubauer (hemocitômetro). As células dos outros poços foram tripsinizadas e contadas após 24, 48 e 72 horas do início do experimento, o qual foi realizado em triplicatas. 111

C. Ensaio de citotoxicidade e viabilidade celular O ensaio foi realizado utilizando o reagente MTS – CellTiter 96 AQueous One Solution Cell Proliferation Assay (PROMEGA, USA), segundo normas do fabricante. A leitura foi realizada após 4 horas de incubação do reagente (na estufa a 37°C, CO2 a 5%, umidificada) em leitor de ELISA no comprimento de onda de 492nm (Thermo Plate, TpReader Basic), sendo esse ensaio realizado em triplicata. Após esse ensaio foi aplicado o teste estatístico para a análise da viabilidade celular versus concentração, bem como o cálculo do IC50 (Concentração Inibitória para 50% das células), os valores de absorbância obtidos no tratamento com os compostos (A), foram normalizados para os valores obtidos com o solvente (B) para obtenção da porcentagem de viabilidade celular (C) através da equação: C = A/B x 100 para todas as concentrações estudadas, no qual o tempo e o número de células viáveis foram avaliados para sabermos qual dará uma maior diferença estatística significativa em relação à viabilidade celular.

D. Ensaio de Migração Celular Foi realizado o ensaio de migração em câmaras bipartes Transwell (poros de 8µM de diâmetro BD - Biosciences San Jose, CA, USA), segundo normas do fabricante. Então, as células foram fixadas, coradas com azul de toluidina 1%, fotografados e contadas em software Image J.

IV - Resultados e discussão

A. Morfologia celular

A morfologia celular da linhagem HeLa é caracterizada por uma monocamada de células, semelhante a um agrupamento, já a morfologia das células SiHa é caracterizada por uma monocamada de células nucleadas, com núcleo grande e citoplasma escasso. Em ambas as linhagens tratadas por 4, 24. 48 e 72 horas e melatonina na concentração de 100nM e 1mM, não foram observadas modificações na morfologia celular. A morfologia manteve-se de fusiforme a estrelada com o tamanho visto em células do controle.

112

A B

C D

Figura 1: Morfologia das linhagens celulares HeLa sem tratamento (A) e tratadas (B) e SiHa sem tratamento (C) e tratadas (D) com a melatonina na concentração de 1mM, após 24 horas de cultivo. Aumento de 40x B. Índice de proliferação celular

Na linhagem celular SiHa, tratada com melatonina, foi possível observar que houve uma redução significativa da proliferação celular, em relação ao controle, nos tempos de 24, 48 e 72 horas, na concentração de 1mM, enquanto na concentração de 100nM, apenas nos tempos de 24 e 72 horas é que foi possível observar essa redução. Assim, a melatonina age reduzindo a proliferação celular nessas células estudas, como também pode ser observado por Di Bella e colaboradores (2013) que em sua revisão traz que em câncer de cólon quando as células tumorais tratadas com melatonina há a redução da proliferação celular. E também Amin e colaboradores (2019) notaram que a melatonina diminui a proliferação do carcinoma ascítico de Ehrlich. Assim podemos dizer que a melatonina diminui a proliferação em diferentes tipos de câncer, sendo um possível terapêutico no tratamento de diversos tumores. Foi possível observar na linhagem celular HeLa tratada com melatonina, que houve uma redução significativa da proliferação celular em relação ao controle, nos tempos de 24, 48, 72 horas, nas concentrações de 100nM e de 1 mM, assim como na linhagem celular SiHa. 113

Figura 2. Gráfico de proliferação celular das linhagens SiHa e HeLa tratadas por 4, 24, 48 e 72 horas com Melatonina nas concentrações de 100nM e 1mM.

C. Ensaio de citotoxicidade e viabilidade celular

Na linhagem celular SiHa, tratada com melatonina por 4, 24, 48 e 72 horas, nota-se que em todas as concentrações testadas, os índices ficaram acima de 50%, o que indica que não foram citotóxicas para as células, assim como no controle. Pode-se notar que nos tempos de 4 e 24 horas a concentração de 1 mM esteve mais próxima de 50, mas ainda assim não foi citotoxica para as células. Os resultados obtidos mostraram-se favoráveis as células pois não foram citotóxicas mesmo tendo levado a diminuição da proliferação das mesmas, não sendo o que já foi descrito por Chen e colaboradores (2018) que observaram após o teste de MTT, que a melatonina se mostrou citotóxica para as células tumorigênicas de colo de útero. Na linhagem celular HeLa tratada com melatonina, assim como na linhagem SiHa, nos tempos de 4, 24, 48 e 72 horas, foi possível notar que em todas as concentrações testadas, os índices ficaram acima de 50 %, o que indica que não foram citotoxico para as células, assim como no controle, o que também pode-se notar com a linhagem SiHa do experimento acima. É possível observar que no tempo de 24 horas as concentrações de 100 nM e 1 mM estiveram mais próxima de 50, mas ainda assim não foram citotóxicas para as células.

Figura 3. Gráficos de MTS das linhagens SiHa e HeLa. Células tratadas por 4, 24, 48 e 72 horas com Melatonina nas concentrações de 100nM e 1mM.

D. Ensaio de Migração Celular O ensaio de migração foi realizado com a linhagem SiHa, tratadas por 24, 48 e 72 horas, com as duas concentrações de melatonina, que foram usadas nos outros ensaios, (100nM e 1 mM). Na linhagem em questão houve diminuição na migração dessas células em relação ao controle e controle + etanol. No tempo de 24 horas em ambas as concentrações de melatonina nota-se a diminuição significativa da migração dessas células em relação ao controle e ao 114

controle + etanol. É possível notar o mesmo no tempo de 48 horas com o tratamento de 100 nM. Assim, pode-se notar que o ensaio de migração celular que a melatonina promoveu um efeito antimigratório nos tempos de 24 e 48 horas, sendo o mais significativo o tratamento de 1mM no tempo de 24 horas. Na linhagem HeLa nos tempos de 4, 24 e 48 horas nas concentrações de 100nM e 1mM.. Nota-se que em todos os tempos a concentração de 1mM houve diminuição na migração celular quando comparado ao controle e ao controle + etanol. Sendo possível, após análise estatística, notar que nos tempos de 24 e 48 horas a concentração de 1mM aprensentou diferença significativa em relação ao grupo controle e controle + Etanol. Portanto, a melatonina promoveu um efeito antimigratório significativo pelo ensaio de migração no tempo de 24 horas no tratamento de 1mM.

Figura 4 Gráfico de ensaio de migração da linhagem celular SiHa tratada por 24, 48 e 72 horas com Melatonina nas concentrações de 100nM e 1mM.

Figura 5 Gráfico de ensaio de migração da linhagem celular HeLa tratada por 4, 24 e 48 horas com Melatonina nas concentrações de 100nM e 1mM.

V – Conclusão 115

Portanto podemos concluir que o presente trabalho demostrou que as linhagens tumorais, SiHa e HeLa, nos ensaios de proliferação e migração celular e citotoxicidade, quando tratadas por 24 horas com a concentração de 1mM de melatonina demostrou que há diminuição significativa da proliferação e migração celular, não houve alteração da morfologia celular, o mesmo tempo e concentração mostra que a melatonina não é citotoxica para as células de ambas as linhagens. Pode-se dizer que a melatonina pode vir a ser um aliado importante no tratamento de câncer de colo de útero.

VI – Referências

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116

Piperina promove modificação na morfologia, diminuição da proliferação e viabilidade nas células de câncer de cabeça e pescoço.

GUSSON-ZANETONI, J.P. 1, CARDOSO, L.P.1, SOUSA, S.O., OLIANI, S.M. 1, RODRIGUES-LISONI, F.C1,2

1Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas de São José do Rio Preto/IBILCE/UNESP 2Faculdade de Engenharia de Ilha Solteira/ FEIS/UNESP

Introdução O câncer de cabeça e pescoço envolve todos os tumores malignos do trato aerodigestivo superior, que começa na borda vermelha dos lábios e se estende até o início do esôfago (GOTZ et al., 2018). É importante ressaltar que esses tumores são considerados como a sexta doença maligna mais comum em todo o mundo, com aproximadamente 630.000 novos casos diagnosticados anualmente, levando a mais de 350.000 mortes a cada ano (YU; CIRILLO, 2020). As intervenções padrões após o diagnóstico desse tipo de câncer são: cirurgia, quimioterapia, radioterapia, hormonioterapia e terapia biológica, podendo ocasionar efeitos tardios e irreversíveis para os pacientes (ROSSETTO, 2018). Como essas intervenções são consideradas altamente invasivas, têm-se estudado novas abordagens terapêuticas, uma delas é o uso de fitoterápicos para o tratamento do câncer. Entre esses fitoterápicos, podemos destacar a piperina, um alcaloide alimentar mais importante encontrado predominantemente nos frutos e raízes das espécies de Piper nigrum e Piper longum. Seus frutos são geralmente secos e utilizados para especiarias e temperos. Esta planta é usada como um remédio popular para tratar distúrbios gastrointestinais, reumáticos, gripes, resfriados, dores musculares e doenças relacionadas à febre (YUSUF et al., 2019). Apresenta ainda propriedades farmacológicas multifuncionais, como atividades antioxidantes, antidiarreicas, hepatoprotetoras, antimutagênicas, anticarcinogênicas, capacidade antiapoptótica e quimioprotetora (MANAYI et al., 2018). Os ensaios de proliferação de células e citotoxicidade/viabilidade são geralmente usados para detectar se as moléculas testadas têm efeitos na proliferação celular ou exibem efeitos citotóxicos diretos. A viabilidade celular é definida como o número de células saudáveis em uma amostra e a proliferação de células é um indicador vital para o entendimento dos mecanismos de ação de certos genes, proteínas e vias envolvidas na sobrevivência ou morte celular após exposição a agentes tóxicos (ADAN; KIRAZ; BARAN, 2016).

Objetivos

Verificar os efeitos da piperina sobre a morfologia, proliferação e viabilidade nas células de carcinoma epidermoide de laringe (Hep-2) e de língua (SCC-25), observando a ação desse fitoterápico e como essas alterações podem participar dos mecanismos envolvidos na sobrevivência ou morte celular.

Metodologia

Foram realizados os experimentos de análise da morfologia, proliferação e viabilidade celular após o tratamento com a piperina. A morfologia celular foi avaliada diariamente em microscopia invertida usando um Olympus CKX41. Para o experimento de proliferação a piperina foi testada nas concentrações de 100, 200 e 300µg/mL nos tempos de 4, 24, 48 e 72 horas, nas linhagens celulares de carcinoma epidermoide de laringe (Hep-2) e de língua (SCC- 25). Já para o ensaio de viabilidade celular foi aplicada as concentrações de 25, 50, 100, 150, 117

200, 250 e 300µg/mL da piperina nos tempos de 4, 24, 48 e 72 horas, na linhagem celular de carcinoma epidermoide de língua (SCC-25).

Resultados e Discussão

Piperina modifica a morfologia, diminui a proliferação e a viabilidade das células de câncer

As linhagens celulares de carcinoma epidermoide de laringe (Hep-2) e de língua (SCC- 25) sofreram alterações morfológicas após o tratamento com a piperina, quando comparada ao grupo controle (Figura 1). Fotomicrografias dos grupos controles exibem morfologia típica das células Hep-2 e SCC-2, sendo o aspecto morfológico da linhagem celular Hep-2 (Figura 1A) irregular, com núcleo arredondado central e citoplasma escasso, enquanto o formato da célula que recebeu o tratamento com a piperina sofreu modificações, se tornaram mais arredondadas (Figura 1B). Com relação a morfologia da linhagem celular SCC-25 (Figura 1C), elas são definidas por células pequenas e padrão de crescimento em grumos, pois dependem de adesão celular para o crescimento, sendo assim essas células quando tratadas com a piperina também sofreram mudanças em sua forma, ficando menos agrupadas (Figura 1D).

Figura 1: Análise da morfologia das células Hep-2 controle (A), e tratamento com a piperina (B), e SCC-25 controle (C) e tratamento com piperina (D) na concentração de 300ug/mL por 48 horas. Escala de 40µm.

Os resultados do ensaio de proliferação celular para a linhagem de carcinoma epidermoide de laringe (Hep-2) mostraram o efeito antiproliferativo da piperina a partir do tempo de 24 horas em todas as concentrações estudadas 100, 200 e 300µg/mL, sendo mais significativo no tempo de 72 horas quando comparado ao controle e controle+DMSO, observando assim o efeito de inibição do crescimento celular pela influência da piperina (Figura 2). 118

Para a linhagem de carcinoma epidermoide de língua SCC-25, também foi observado a inibição da proliferação celular mediante o tratamento com a piperina, nos tempos de 24, 48 e 72 horas quando utilizada nas concentrações de 200 e 300µg/mL, porém com maior significância estatística da inibição no tempo de 72 horas em todas as concentrações avaliadas 100, 200 e 300µg/mL em comparação as células não tratadas (Figura 3). Nossos resultados do ensaio de proliferação são validados por meio do estudo de Chen e colaboradores (2020), onde comprovaram que a piperina e piperlongumina inibiram a proliferação de células cancerosas e células normais da mama (MDA-MB-231, MCF-7 e MCF- 10A). Outro estudo de Marques da Fonseca et al. (2020) mostrou que a piperina inibiu a proliferação de linhagens celulares de câncer humano de pulmão (A549), mama (MDA-MB- 231) e hepatocelular (HepG2), mostrando assim a ação antiproliferativa desse fitoterápico contra diversas linhagens de câncer, inclusive as de câncer de cabeça e pescoço avaliadas em nossa pesquisa.

Proliferação Hep-2

50 )

4 Controle

0 * 1

40 Controle DMSO

x

(

s

a [100] l

u 30 l * * *

é * * [200] c

* * e 20 * d * [300]

o * r

e 10

m ú

N 0 4 h 24 h 48 h 72 h Tempos (h)

Figura 2: Curva de crescimento da linhagem celular Hep-2 tratada com a piperina em três concentrações (100, 200 e 300µg/mL) por 4, 24, 48 e 72 horas. * p<0,05.

Proliferação SCC-25

150

)

4

0 1

Controle

x

(

s Controle DMSO a

l 100 u l [100]

é

c

e * * [200] d * * *

o 50 * r * [300]

e m

ú N 0 4 h 24 h 48 h 72 h Tempos (h)

Figura 3: Curva de crescimento da linhagem celular SCC-25 tratada com a piperina em três concentrações (100, 200 e 300µg/mL) por 4, 24, 48 e 72 horas. * p<0,05

119

Com relação ao teste de viabilidade celular na linhagem de câncer de língua (SCC-25), podemos observar uma queda estatisticamente significativa nas células no tempo de 48 horas nas concentrações de 100, 150, 200, 250µg/mL da piperina, sendo que nos demais tempos de 4, 24 e 72 horas a piperina não reduziu a viabilidade dessas células quando comparadas ao grupo controle+DMSO (Figura 4). Assim, nossos resultados estão de acordo com o estudo de Jafri e colaboradores (2019), no qual verificaram que a piperina altera a morfologia e reduz significativamente a viabilidade de células HeLa, em relação as células não tratadas.

SCC-25

200 )

% C+DMSO

(

r 150

a 25

l

u l

e 50

c

e 100 100 d

a * * * * *

d 150

i

l i

b 50 200

a i

V 250 0 300 4 hr 24hr 48hr 72hr Tempos

Figura 4: Viabilidade da linhagem de carcinoma epidermoide de língua SCC-25 tratada com a piperina nas concentrações (25, 50, 100, 150, 200, 250 e 300µg/mL) por 4, 24, 48 e 72 horas. * p<0,05.

Conclusão Constatamos que a piperina atua nas células cancerosas, causando mudanças em sua morfologia e diminuição da proliferação e viabilidade celular. Os resultados aumentam nossa compreensão de como a piperina pode participar do processo de sobrevivência e morte celular e abrem novas possibilidades para a terapia do câncer de cabeça e pescoço.

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Apoio Financeiro Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) – Processo: 141072/2020-2.

121

A piperina altera a proliferação, viabilidade e morfologia celular em linhagens celulares de câncer de colo de útero.

CARDOSO, L. P.1*; SOUSA, S. O.1; GUSSON-ZANETONI, J. P.1 OLIANI, S. M.1; RODRIGUES-LISONI, F. C.1,2.

Universidade Estadual Paulista (Unesp), Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas (Ibilce), São José do Rio Preto, São Paulo, Brasil1 Universidade Estadual Paulista (Unesp), Faculdade de Engenharia de Ilha Solteira (Feis), Ilha Solteira, São Paulo, Brasil2 *E-mail: [email protected]

1. Introdução:

O câncer de colo de útero, também denominado câncer cervical, possui uma estimativa de 570.000 novos casos (3,2%) e 311.000 mortes (3,3%) em 2018. Esta doença é classificada como o quarto câncer mais frequentemente diagnosticado e a quarta principal causa de morte por câncer em mulheres no mundo (BRAY et al. 2018), já no Brasil, estimativas pra 2020 mostram 16.710 (7,5%) casos de câncer de colo de útero representando o terceiro tipo mais frequente (INCA, 2019). Em termos globais, a maioria dos casos (70%) ocorre em áreas com menores níveis de desenvolvimento humano (FERLAY et al., 2012), visto que é nesses países que são mais recorrentes os casos de infecção persistente com genótipos carcinogênicos do vírus do papiloma humano (HPV) (CHEN et al., 2017). O HPV é uma infecção presente em cerca de 99,7% dos carcinomas cervicais, sendo assim o principal agente casual da doença (WALBOOMERS et al., 1999). As oncoproteínas E6 e a E7 codificadas pelo HPV são responsáveis pela progressão do câncer cervical, revogando os principais inibidores da proliferação celular (WERNESS; LEVINE; HOWLEY, 1990; GHITTONI, et al., 2010). Portanto, a proliferação celular constitui o principal mecanismo que mantém essa carcinogênese (FEITELSON et al., 2015), sendo o foco dos tratamentos quimioterápicos. No entanto, grande parte dos quimioterápicos também atacam as células normais causando efeitos colaterais. (CHARI, 2008). As alternativas de tratamento visando efeitos colaterais reduzidos vem das plantas (FABRICANT; FARNSWORTH, 2001), um exemplo é a Piper nigrum conhecida popularmente como pimenta do reino. No fruto da Piper nigrum contém a piperina, um amino- alcaloide com diferentes ativadades farmacológicas (ZADOROZHNA; TATARANNI; MANGIERI, 2019), tais como imunomoduladoras, antioxidantes, anti-asmáticas, anti-úlceras, anti-amebianas (MEGHWAL; GOSWAMI, 2013), anti-inflamatória (KIM; LEE, 2009; KUMAR et al., 2007), neuroprotetora (CHONPATHOMPIKUNLERT et al., 2010) e cardioprotetora (TAQVI; SHAH; GILANI, 2008). Além dessas propriedades a piperina é utilizada para aumentar a biodisponibilidade de drogas e nutrientes, por meio do aumento da fluidez intestinal e da área de superfície das microvilosidades intestinais (KHAJURIA; THUSU; ZUTSHI, 2012), bem como por inibição das enzimas que metabolizam drogas e bombas de efluxo de drogas (BHARDWAJ et al., 2002). A piperina também possui a propriedade anticancerígena em diferentes tipos de células (MEGHWAL; GOSWAMI, 2013) e seus principais efeitos celulares e moleculares são: inibição da proliferação e migração celular, interrupção do ciclo celular, morte celular, alterações na homeostase redox, modulação de angiogênese e degradação da matriz extracelular (ECM). Apesar desses conhecimentos, pouco se sabe sobre os efeitos de piperina em câncer de colo de útero (ZADOROZHNA; TATARANNI; MANGIERI, 2019), sendo assim um campo a se pesquisar. 2. Objetivos 122

Investigar os efeitos de piperina sobre a morfologia, proliferação e viabilidade celular em linhagens celulares de câncer de colo de útero.

3. Metodologia

3.1. Cultura de células

Foram estudadas três linhagens tumorigênicas sendo elas de carcinoma epidermoide de colo de útero (SiHa), de adenocarcinoma de colo de útero (HeLa) e de carcinoma epidermoide de colo de útero (CaSKi). As duas primeiras foram cultivadas em meio MEM (E) e a última em meio RPMI 1640, ambos suplementado com 10% de soro bovino, 10mM aminoácidos não essenciais, 100mM piruvato de sódio, 1x antibiótico/antimicótico. Essas células foram mantidas a 37°C e atmosfera de 5% de CO2 por 24 horas, até se fixarem no substrato. Após esse período, o meio foi trocado a cada dois ou três dias, ou até se tornar confluente. O crescimento e a morfologia celular foram avaliados diariamente em microscópio invertido e, quando a densidade celular se mostrou alta, o material foi submetido à tripsinização e subdividido em duas réplicas.

3.2. Analise da morfologia e proliferação celular

As células foram cultivadas para os experimentos em placas de cultura de 24 poços, semeadas na concentração de 4x104 em 300µL de meio completo e mantidas a 37°C em câmara úmida e atmosfera com 5% de CO2, por 24 horas, até se fixarem no substrato. Após esse período, o meio de cultura foi substituído por outro sem soro (0%), para sincronização celular. Após 24h as células foram tratadas com controle (DMSO) e piperina nas concentrações de 100, 150, 200, 250 e 300µM e as análises de morfologia e proliferação foram feitas após 4, 24, 48 e 72h de incubação. Para análise de morfologia as células foram fotografadas nas objetivas de 10 e 20X, pela câmera acoplada no microscópio invertido. Para analisar o índice de proliferação nas primeiras quatro horas do experimento, as células dos primeiros poços da placa foram tripsinizadas e contadas em câmara de Neubauer (hemocitômetro). As demais células foram tripsinizadas e contadas de acordo com os tempos de tratamento. Ao final do experimento foi realizado uma curva de crescimento para cada concentração testada.

3.3.Analise da viabilidade celular

As células foram cultivadas em placas de cultura de 96 poços, semeadas na concentração de 5x103 em 100µL de meio completo e mantidas a 37°C em câmara úmida e atmosfera com 5% de CO2, por 24 horas, até se fixarem no substrato. Após esse período, o meio de cultura foi substituído por outro sem soro (0%), para sincronização celular. No dia zero do experimento, foi adicionado o meio 10% com a piperina (25, 50, 100, 150, 200, 250, 300μM) e o controle (DMSO). Após os respectivos tempos do experimento (4, 24, 48, 72h) foi adicionado 20μl da solução de MTS e em seguida foram encubadas por 3h. Após, foi realizado a leitura em espectrofotômetro no comprimento de onda de 492nm.

3.4. Análise estatística Os experimentos foram realizados em triplicatas e as análises foram realizadas no software GraphPad Prisma versão 8.4.3. Os resultados foram apresentados como média ± 123

desvio padrão (SD) e o teste estatístico foi realizado pela análise de variância a dois critérios para comparações múltiplas (ANOVA), seguida do teste de Dunnett’s. Valores de p menores que 0,05 foram considerados para indicar resultados estatisticamente significativos.

4. Resultados e discussão A morfologia das linhagens HeLa, CaSki e SiHa está expressa na figura 1. Foi possível evidenciar alterações na morfologia de todas as linhagens após o tratamento com a piperina. A mudança morfológica ocorreu a partir de 4h de tratamento e a partir da concentração de 100µM. Nas células HeLa, a piperina alterou a morfologia de fusiforme para arredondada, também levou a redução do tamanho celular, deslocamento da superfície e formação de aglomerados (Figura 1 a e b). Na linhagem CaSki houve formação de vacúolos citoplasmáticos no interior das células após o tratamento (figura 1 c e d), semelhante ao observado por Tsai e colaboradores (2017) na mesma linhagem a qual indicou paraptose. Nas células SiHa houve redução das junções celulares e do tamanho, além disso a morfologia passou de fusiforme e estrelada para arredondada (figura 1 e e f).

Figura 1: Morfologia das linhagens celulares HeLa (a e b), CaSki (c e d) e SiHa (e e f), após 24h de tratamento, sendo que a esquerda são os controles (DMSO) e a direita os tratamentos com piperina nas concentrações de 200 µM. (Fonte: próprio autor, 2020).

No ensaio de proliferação celular os dados são expressos em curva de crescimento, no qual o efeito de piperina foi analisado ao longo do tempo. Na linhagem HeLa, SiHa e CaSki piperina reduziu a proliferação celular ao longo do tempo de forma significativa a partir da concentração de 100µM conforme mostra a figura 2.

124

a)

b)

c) Figura 2. Gráfico representativo da curva de crescimento do ensaio de proliferação celular das linhagens celular (a) HeLa, (b) CaSki e (c) SiHa. Células tratadas com piperina nas concentrações de 100, 150, 200, 250 e 300µM. * vs controle, p <0.05. (Fonte: próprio autor, 2020).

Em relação ao ensaio de viabilidade celular, as três linhagens celulares estudadas tiveram uma redução de viabilidade celular quando tratadas com a piperina nas concentrações mais altas, conforme mostrado na figura 3. Quanto aos tempos de tratamentos a piperina mostrou redução da viabilidade celular a partir do tempo de 4h nas linhagens HeLa e SiHa, enquanto que na CaSki o efeito ocorreu a partir do tempo de 24h.

125

a)

b)

c) Figura 3. Gráfico representativo do ensaio de viabilidade celular das linhagens celular (a) HeLa, (b) CasKi e (c) SiHa. Viabilidade das células tratadas com piperina nas concentrações de 25, 50, 100, 150, 200, 250 e 300µM. * vs controle, p <0.05.

Os resultados mostram que ao longo do tempo a piperina reduziu o crescimento exponencial característico das células cancerosas de colo de útero, e reduziu a viabilidade celular em altas concentrações, corroborando com vários estudos que investigaram essas propriedades em outros tipos de câncer. Esses estudos evidenciaram que piperina causou redução da proliferação e viabilidade celular em câncer de mama (LAI et al., 2012), osteossarcoma (ZHANG et al., 2014), câncer de próstata (OUYANG et al., 2013), melanoma (FOFARIA; KIM; SRIVASTAVA, 2014) e em câncer de colón (YAFFE et al., 2015), por meio 126

de parada em várias fases do ciclo celular, apoptose e regulação genica de ciclinas, de quinases dependente de ciclinas (CDK) e de caspase 3 ativada. A proliferação e a sobrevivência celular são partes importante do desenvolvimento e progressão do câncer. Essa propriedade se manifesta por expressão alterada de proteínas relacionadas ao ciclo celular e apoptose. Diante disso, o controle da proliferação celular e viabilidade celular é importante para a prevenção do câncer (FEITELSON et al., 2015; MORI et al., 1999). Nossos resultados mostram a eficácia da piperina para regulação dessas propriedades singulares do câncer, sendo, portanto, um potencial agente terapêutico no tratamento de câncer de colo de útero.

5. Conclusão

A piperina reduziu a viabilidade celular em altas concentrações, diminuiu a proliferação celular ao longo do tempo a partir da concentração de 100 µM nas três linhagens celulares de câncer de colo de útero, além de modificar a morfologia celular. Com esses resultados preliminares é possível concluir que piperina tem efeito antiproliferativos e de redução da viabilidade celular em câncer de colo de útero, sendo de grande interesse investigar de que maneira ocorre a regulação gênica que desencadeia esses processos.

6. Referências

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KIM, S. H.; LEE, Y. C. Piperine inhibits eosinophil infiltration and airway hyperresponsiveness by suppressing T cell activity and Th2 cytokine production in the ovalbumin-induced asthma model. J Pharm Pharmacol, v. 61, p. 353-359, 2009. KUMAR, S., et al. Piperine inhibits TNF-α induced adhesion of neutrophils to endothelial monolayer through suppression of NF-κB and IκB kinase activation. Eur J Pharmacol, v. 575, p. 177-186, 2007. LAI, L. H. et al. Piperine suppresses tumor growth and metastasis in vitro and in vivo in a 4T1 murine breast cancer model. Acta Pharmacologica Sinica, v. 33, n. 4, p. 523–530, 2012. MEGHWAL, M.; GOSWAMI, T. K. Piper nigrum and piperine: An update. Phytotherapy Research, v. 27, n. 8, p. 1121–1130, 2013. MORI, H. et al. Control of cell proliferation in cancer prevention. Mutation Research - Fundamental and Molecular Mechanisms of Mutagenesis, v. 428, n. 1–2, p. 291–298, 1999. OUYANG, D. YUN et al. Piperine inhibits the proliferation of human prostate cancer cells via induction of cell cycle arrest and autophagy. Food and Chemical Toxicology, v. 60, p. 424–430, 2013. TAQVI, S. I.; SHAH, A. J.; GILANI, A. H. Blood pressure lowering and vasomodulator effects of piperine. J Cardiovasc Pharmacol, v. 52, p. 452-458, 2008. TSAI, T. L. et al. Wheat germ agglutinin-induced paraptosis-like cell death and protective autophagy is mediated by autophagy-linked FYVE inhibition. Oncotarget, v. 8, n. 53, p. 91209–91222, 2017. WALBOOMERS et al, Human papillomavirus is a necessary cause of invasive cervical cancer worldwide. Journal of pathology. v. 19, n. 189 p. 12–19, 1999. WERNESS B. A, LEVINE, A. J., HOWLEY, P. M. Association of human papillomavirus types 16 and 18 E6 proteins with p53. Science. n. 248, p. 76–9, 1990 YAFFE, P. B.; DOUCETTE, C. D.; WALSH, M. Piperine impairs cell cycle progression and causes reactive oxygen species-dependent apoptosis in rectal cancer cells. Experimental and Molecular Pathology, v. 94, n. 1, p. 109–114, 2013. ZADOROZHNA, M.; TATARANNI, T.; MANGIERI, D. Piperine: role in prevention and progression of cancer. Molecular Biology Reports. n. 1, 2019. ZHANG, J. et al. Piperine inhibits proliferation of human osteosarcoma cells via G2/M phase arrest and metastasis by suppressing MMP-2/-9 expression. International Immunopharmacology, v. 24, n. 1, p. 50–58, 2015.

7. Apoio financeiro

FCR-L -2017/02100-3, Capes e PPG em Biociências/Ibilce/Unesp.

128

Efeito do Extrato total da folha de Piper nigrum no câncer de cabeça e pescoço comparado com células normais

SOUSA, S.O. 1, CARDOSO, P.L. 1, GUSSON-ZANETONI, J.P.1, OLIANI, S.M.1, LAURENTIZ, R.S.2 , RODRIGUES-LISONI, F.C.1,2

Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas de São José do Rio Preto - IBILCE/UNESP1 Faculdade De Engenharia De Ilha Solteira – FEIS/UNESP2

Introdução

O carcinoma epidermoide de cabeça e pescoço (CECP) compreende tumores localizados na região da cabeça e pescoço, excluindo os cerebrais. Esse carcinoma pode afetar laringe, cavidade bucal, cavidade nasal, lábios, seios nasais ou paranasais, língua e glândulas salivares (SIEMIANOWICZ et al., 2018). Esses tumores vêm sendo cada vez mais relatados, sendo mais de 650.000 novos casos e 330.000 mortes a cada ano no mundo (BRAY et al., 2018), sendo estimado no Brasil 11.200 novos casos em homens e 4.010 em mulheres, para o ano de 2020, considerando apenas os tumores de cavidade oral (INSTITUTO NACIONAL DO CÂNCER – INCA, 2020). O tratamento para esse tipo de carcinoma inclui cirurgia, terapia por irradiação e quimioterapia (INCA, 2020), sendo a radioterapia com intenção curativa o padrão de tratamento para pacientes com CECP em muitas instituições (BETTS et al., 2018), onde ajudaram a melhorar o prognóstico e a qualidade de vida de diversos pacientes com CECP (FELICE; POLIMENI; TOMBOLINI, 2019), mas sendo considerados estes, tipos de tratamentos altamente invasivos podendo causar lesões estética irrecuperáveis, com um significativo comprometimento funcional. Além desses procedimentos já conhecidos no tratamento do câncer, algumas plantas se destacam na medicina popular e uma delas a Piper nigrum, conhecida popularmente como pimenta do reino, uma das espécies mais estudadas da família Piperaceae, devido ao seu valor comercial, econômico e a sua importância medicinal (WEI et al., 2005). Por essas razões, a comunidade científica atualmente vem mostrando grande interesse na pesquisa biológica dessa planta (TAKOOREE et al., 2019). No fruto foram isolados dois compostos ativos da P.nigrum: (-) - kusunokinina e piperlonguminina, que apresentaram efeito citotóxico contra células de câncer de mama e colorretal. Além disso induziram a apoptose celular, dirigiram as células para a fase G2 / M, diminuíram a topoisomerase II e aumentaram a atividade da p53 e p21 (SRIWIRIYAJAN et al. 2017).

Objetivo Avaliar o potencial citotóxico, antiproliferativo e migratório do extrato total da folha da Piper nigrum na linhagem celular de carcinoma de cabeça e pescoço (Hep-2) comparando com as células normais (Fibroblastos orais), observando como o fitoterápico age e como essas alterações podem participar do processo tumorigênico.

Metodologia

Cultivo e análise da morfologia celular Foi utilizada a linhagem tumorigênica de carcinoma epidermóide de laringe (Hep-2) e Fibroblastos normais orais humanos. Essas células foram semeadas em meio completo (MEM e DMEM High Glucose, respectivamente) e mantidas em temperatura e atmosfera controladas por 24 horas. Após esse período, o meio foi trocado a cada dois ou três dias, ou até as células 129

se tornarem confluentes. O crescimento e a morfologia celular foram avaliados diariamente em microscópio invertido de contraste de fase Olympus CKX41.

Índice de proliferação celular Foram realizados três experimentos, um experimento controle (sem tratamento, porém com o agente diluidor – veículo – Dimetilsufóxido – 0,06% do volume total do poço), um experimento controle positivo (podofilotoxina) e outro com o extrato total da folha da P.nigrum em três diferentes concentrações (10, 50 e 100ug/mL), a serem tratados por 4, 24, 48 e 72 horas. Para analisar o índice de proliferação foi realizada uma curva de crescimento para cada concentração testada com contagem de células cultivadas em placas de cultura de 24 poços, que receberam os tratamentos. Após 4 horas de experimento, as células dos primeiros poços da placa foram tripsinizadas e contadas em câmara de Neubauer. As células dos outros poços foram tripsinizadas e contadas após 24, 48 e 72 horas do experimento. Foi utilizada a Análise de Variância (ANOVA), seguido do post-test de comparações múltiplas Dunnet.

Ensaio colorimétrico de citotoxicidade Foram realizados os tratamentos com o extrato total para a linhagem celular tumorigênica e para as células normais, nas mesmas condições estabelecidas para o ensaio de proliferação celular. O ensaio colorimétrico de citotoxicidade se baseia nas várias funções celulares, como a atividade enzimática celular. Nesse ensaio ocorre a conversão de um sal de tetrazolium em um formazan colorido, pela atividade mitocondrial das células vivas, sendo esse solúvel em meio de cultura e captado no comprimento de onda de 490nm em espectrofotômetro. Sendo que intensidade da coloração é diretamente proporcional a viabilidade celular. (ISHIYAMA et., al 1996). No primeiro tempo do experimento, as células dos primeiros poços da placa receberam a solução de MTS, e então foram incubadas por 4 horas, em seguida foi feita a leitura em espectrofotômetro, no comprimento de onda de 490nm. Nos demais tempos, 24, 48 e 72 horas também foi realizada a leitura em espectrofotômetro. Os valores de absorbância obtidos no tratamento com os compostos (A) foram normalizados para os valores obtidos com o controle (B) para obtenção da porcentagem de células viáveis (C).

Ensaio Transwell – Migração celular Foi realizado o ensaio de migração em câmaras bipartes Transwell, onde utilizou-se insertos alocados em placas de 24 poços. Essas câmaras são compostas por dois compartimentos distintos, separados entre si por um filtro de policarbonato com poros de 8µM de diâmetro (BD - Biosciences San Jose, CA, USA) para permitir a passagem das células. Na parte superior do inserto, foram adicionadas as células (5x104 células/poço) com meio de cultura sem soro fetal bovino e na parte inferior com meio suplementado com SFB. Desta forma fazendo com que as células pudessem migrar para a parte inferior externa do inserto, a qual tivesse em contato com o meio completo. Após o período de incubação de 24 horas foram adicionadas as concentrações do composto no grupo tratado e após 4, 24, 48 e 72 horas as células remanescentes na superfície da membrana (parte superior da câmara) foram removidas, enquanto que as células na superfície inferior foram fixadas em paraformaldeído (4%) e coradas com Cristal violeta. Após os insertos foram fotografados em cinco diferentes campos, em microscópio invertido de contraste de fase em aumento de 400x. A análise quantitativa de células que migraram foi feita a partir das 130

fotomicrografias. Foi utilizada a Análise de Variância (ANOVA), seguido do post-test de comparações múltiplas Dunnet.

Resultados e Discussão O tratamento com o extrato total da folha de Piper nigrum não alterou a morfologia da linhagem tumorigênicas Hep-2 e dos fibroblastos, mas modificaram a proliferação celular, a citotoxicidade e a migração celular. No ensaio de proliferação foi possível observar o efeito de inibição do crescimento celular na linhagem de carcinoma epidermóide de laringe (Hep-2) pela influência do tratamento com o extrato total nas concentrações de 10, 50 e 100 µg/mL, demonstrando uma redução do crescimento dessas células tumorigênicas nos tempos testados quando comparados as amostras controle. Na análise do tratamento após 72h, observou-se que não houve diferença estatisticamente significativa na quantidade de células ao longo das contagens nas três concentrações. (Figura 1A). Nos fibroblastos, observamos que houve uma redução significativa dos grupos tratados em relação as amostras controle, mas também foi observado que quanto maior foi a concentração e tempo de ação do extrato, como a de 100 μg/ml no tempo de 48 e 72 horas, maior foi a redução da proliferação celular nessas células normais (Figura 1B). No ensaio colorimétrico de citotoxicidade observamos que houve uma diminuição da viabilidade celular ao longo do tempo na linhagem tumorigênica (Hep-2) após o tratamento com o extrato total nas três concentrações e foi significativo em todas concentrações nos tempos de 4, 24 e 72 horas de ação (Figura 2A), mas sem ser considerado tóxico. Podemos observar que para as células normais o extrato total não interferiu na viabilidade celular ao longo do tempo, havendo uma diminuição significativa apenas no tempo de 72 horas de ação do extrato (Figura 2B). No ensaio de migração observou-se que após o tratamento com as concentrações do extrato total da folha e com o controle positivo (Podofilotoxina), a linhagem tumorigênicas Hep-2 apresentou uma diminuição significativa na sua capacidade migratória e nos fibroblastos foi possível observar que a concentração de 10 μg/mL de P. nigrum, em todos os tempos, teve menor efeito migratório sobre essa célula normal quando comparadas ao controle. No demais tempos observou-se que houve uma diminuição da taxa de migração celular dos fibroblastos em relação ao controle, mas não havendo diferença estatística nos grupos tratados no tempo de 24 horas. Ao que tudo indica, quando usado, o extrato total da P. nigrum age na linhagem tumorigênica Hep-2 causando morte celular, fazendo com que a proliferação e migração dessas células diminuam. Como já era esperado por ser utilizada como um controle positivo, a Podofilotoxina apresentou alta atividade antiproliferativa e migratória para as células. A figura 3 mostra as células que migraram pela membrana do inserto utilizado no experimento e os gráficos das análises estatísticas para este ensaio.

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Figura 1: Ensaios de proliferação celular com o extrato total da Piper nigrum nas diferentes condições experimentais na linhagem Hep-2 e nos Fibroblastos orais

Fonte: Elaborado pela autora. (*) = p<0,05 diferença significativa em relação ao controle.

Figura 2: Ensaio de citotoxicidade celular com o extrato total da Piper nigrum nas diferentes condições experimentais na linhagem Hep-2 e nos Fibroblastos orais

Fonte: Elaborado pela autora. (*) = p<0,05 diferença significativa em relação ao controle.

Figura 3: Ensaio de Migração celular Transwell pré e pós tratamento com o extrato total

Fonte: Elaborado pela autora. Células Hep-2 (B) e Fibroblastos (E) após o tratamento com Piper nigrum nas concentrações de 10µg/ml for 24 hours, após ensaio de migração. Em (A) e (D) células controle. Aumento de 200x, escala 50µm. Gráficos demonstrando os valores do ensaio de migração (C) e (F) *=p <0,05 diferença significativa do tratamento em relação ao controle. 132

Conclusão O extrato total da folha de Piper nigrum não alterou a morfologia celular da linhagem tumorigênica e das células normais, modificou a proliferação celular e a migração e não teve efeito citotóxico em ambas as células, apesar de ter reduzido a viabilidade nas células tumorigênicas, sendo assim esses dados apontam a Piper nigrum como um alvo potencial para novos ensaios de genética molecular e abrem novas possibilidades para a terapia do câncer de cabeça e pescoço. Agora pretendemos, por técnicas de biologia celular e molecular investigar como esse extrato atua em uma cascata gênica específica, podendo investigar a expressão de marcadores potencialmente relacionados com processos tumorigênicos em amostras de carcinoma epidermóide de cabeça e pescoço.

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Apoio Financeiro

FAPESP (2017/02100-3), Capes, PPG em Biociências– IBILCE/UNESP.

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Microbiologia de alimentos

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Caracterização do perfil de resistência a antimicrobianos de bactérias ácido láticas potencialmente probióticas.

Calefi, D. G.1, Costa, P.S.2, De Souza, H. B.2, Nunes, Á. C.2, Neumann, E1.

1 Universidade Federal de Minas Gerais – Laboratório de Ecologia e Fisiologia de Microrganismos do Departamento de Microbiologia do Instituto de Ciências Biológicas - ICB, Belo Horizonte, Brasil. 2 Universidade Federal de Minas Gerais - Laboratório de Genética Molecular de Parasitas e Protozoários do Departamento de Genética, Ecologia e Evolução do Instituto de Ciências Biológicas – ICB, Belo Horizonte, MG, Brasil.

Introdução A FAO/WHO (Food and Agricultural Organization/World Health Organization) em 2002, definiu probióticos como “microrganismos vivos que quando administrados em quantidades adequadas, conferem benefícios à saúde do hospedeiro”, sendo que esta definição é a mais aceita atualmente. Bactérias probióticas podem beneficiar a saúde do hospedeiro animal e humano através de vários mecanismos, como antagonismo a patógenos, fortalecimento da barreira epitelial intestinal, modulação da resposta imune, entre outros (CALLANAN, 2005). O gênero Lactobacillus foi o primeiro a ser identificado como probiótico e compreende 261 espécies reconhecidas até então (março de 2020), com aplicações biotecnológicas como na produção de conservantes, acidulantes, flavorizantes, fabricação de medicamentos e cosméticos (PEREIRAa et al., 2019). São bactérias Gram-positivas, catalase negativas, não formadoras de esporos, anaeróbicas facultativas, que apresentam baixo conteúdo C+G, sendo capazes de fermentar carboidratos, com produção de ácido lático por meio das vias homofermentativa, produzindo exclusivamente ácido lático e heterofermentativa, que produz vários metabólitos como etanol, ácido acético e dióxido de carbono, além do ácido lático (AMMOR et al., 2007; DEVIRGILIIS et al., 2011; PEREIRA et al., 2019; GAO et al., 2019; RODRIGUEZ et al., 2019; MORA-VILLALOBOS et al., 2020). O gênero Weissella foi designado pela primeira vez em 1993 através de estudos taxonômicos em microrganismos atípicos semelhantes a bactérias do gênero Leuconostoc provenientes de salsichas fermentadas na Grécia (COLLINS et al., 1993). São heterofermentativas e seus produtos finais são ácido lático, gás (CO2) e etanol e/ou acetato. Apresentam ótimo crescimento entre 15º C e 37º C, porém algumas linhagens de W. cibaria e W. confusa são capazes de crescer a 45º C (FUSCO et al., 2015; ABRIOUEL et al., 2015; KAMBOJ et al., 2015, FASSARD & REMIZE, 2017; CHEAITO et al., 2020). Muitas linhagens de Weissellas foram recuperadas de diferentes alimentos fermentados, incluindo frutas, vegetais, carne fermentada e peixes, alimentos lácteos e alimentos ricos em amido e cereais. Isso mostra que são bactérias capazes de se adaptar a diferentes ambientes e sua presença na microbiota de alimentos fermentados reforça seu potencial para desenvolvimento de novas culturas iniciadoras para a indústria de fermentação (FESSARD & REMIZE, 2017). Alvim et al. (2016) demonstraram que a colonização com a linhagem WpK4 provenentes de leitões saudáveis, pode reduzir a translocação e atenuar as lesões causadas pela infecção com S. Typhimurium em camundongo, bem como suprimir respostas inflamatórias excessivas culminando na recuperação e manutenção da homeostase da mucosa intestinal. Estes achados encorajam um uso posterior da linhagem W. paramesenteroides WpK4 em leitões como uma alternativa profilática ou terapêutica não medicamentosa para o controle da diarreia. Além dos benefícios, alguns aspectos de segurança precisam ser observados nas bactérias com potencial probiótico. De maneira geral, as bactérias do ácido lático (BAL) são classificadas como GRAS (Geralmente Reconhecidos como Seguros), segundo a Administração de Alimentos e Medicamentos (FDA) ou QPS ( Presunção Qualificada de 135

Segurança) ), segundo a Autoridade Europeia para Segurança dos Alimentos (EFSA), podendo ser utilizadas em formulações alimentares com segurança (AMMOR et al., 2007; DEVIRGILIIS et al., 2013; GUEIMOND et al., 2013; ;). Os alimentos fermentados podem representar importante veículo para que bactérias vivas em grandes quantidades entrem no corpo humano transportando genes de resistência aos antimicrobianos que podem ser transferidos para bactérias patogênicas e/ou comensais presentes na microbiota intestinal humana (ERGINKAYA et al., 2018). Embora se considere que a ingestão destas bactérias seja segura, as interações microbianas que ocorrem durante a fabricação de alimentos lácteos fermentados e o posterior contato destes microrganismos com a microbiota intestinal proporcionam o cenário ideal para que a transferência horizontal de genes ocorra (HUDDLESTON et al., 2014; FLOREZ & MAYO, 2017). A resistência aos antimicrobianos utilizados na medicina humana e veterinária é um problema global, que pode reduzir a eficiência da terapia antimicrobiana, pois o uso destes agentes promove pressão seletiva, contribuindo para o surgimento de linhagens resistentes, situação que se agrava por meio de transferência horizontal de genes de resistência, tanto em bactérias patogênicas quanto comensais (DEC et al., 2017; FLOREZ & MAYO, 2017; ERGINKAYA et al., 2018).

Objetivos Determinar o perfil de resistência aos antimicrobianos de bactérias ácido láticas com potencial probiótico dos gêneros Lactobacillus, Lactococcus, Leuconostoc e Weissella por meio de testes fenotípicos e genotípicos.

Metodologia Microrganismos Um total de 38 linhagens de bactérias láticas foram utilizadas, pertencentes aos gêneros Lactobacillus, Lactococcus e Leuconostoc, da bacterioteca do Laboratório de Ecologia e Fisiologia de Microrganismos – LEFM e Weissella, da bacterioteca do Laboratório de Genética Molecular de Protozoários Parasitas. Todas foram isoladas em estudos anteriores dos laboratórios que visavam selecionar linhagens potencialmente probióticas de diferentes ecossistemas (SOUZA et al., 2005; ZANIRATI et al., 2015; ALVIM et al., 2016).

Testes de susceptibilidade a antimicrobianos Antibiograma

O teste de disco difusão foi realizado para treze antibióticos: eritromicina (macrolídeo), tetraciclina, vancomicina (glicopeptídeo), estreptomicina, amicacina, gentamicina (aminoglicosídeos), ceftriaxona (cefalosporina), ácido nalidíxico (quinolonas), ampicilina, amoxicilina, penicilina G, oxacilina (betalactâmicos) e cloranfenicol. Tais antibióticos foram escolhidos com base nos dados disponíveis na literatura quanto ao seu uso na saúde humana e animal e ao perfil de resistência de bactérias ácido láticas submetidas a estes agentes em estudos publicados. Culturas de cada isolado foram inoculadas em caldo MRS e incubadas overnight a 37ºC, por duas vezes consecutivas. Suspensões contendo 108 UFC/mL, de acordo com a escala de McFarland, foram preparadas em 3,5mL de solução salina 0,9%. Em seguida, 100μL desta suspensão foi espalhada em ágar MRS e os discos com antimicrobianos foram aplicados na superfície. As placas foram incubadas a 37ºC, durante 24h (SOUZA et al., 2012). Os diâmetros 136

dos halos de inibição em torno dos discos foram medidos com um paquímetro. Os resultados foram interpretados de acordo com CHARTERIS et al., 1998.

Concentração Inibitória Mínima (CIM) A concentração inibitória mínima foi determinada para todos os isolados em ensaio em microplacas utilizando método de diluição seriada a fim de classificá-las quanto à susceptibilidade para os seguintes antimicrobianos e suas respectivas faixas de diluição: estreptomicina, eritromicina, tetraciclina e penicilina G. Conforme Dec et al. (2017), as bactérias foram crescidas overnight em caldo MRS e um inóculo preparado em caldo MRS o qual foi ajustado para o valor de absorbância de 0,5 em espectrofotômetro a 600nm. Em uma placa de 96 poços, os antimicrobianos foram diluídos nas faixas estabelecidas para cada antibiótico testado em caldo MRS (50 μl/poço) aos quais foram adicionados 50 μl/poço dos inóculos bacterianos preparados anteriormente. Como controle de crescimento na ausência de antibiótico, utilizou-se 50 μl de caldo MRS estéril. A placa foi incubada a 37ºC por 48h e o crescimento bacteriano foi mensurado por meio de Leitor de Espectrofotometria de Microplaca a 600nm. A menor concentração em que não houve crescimento bacteriano foi determinada como concentração inibitória mínima daquele antibiótico para aquele isolado bacteriano (CIM). Os pontos de corte para cada antimicrobiano foram determinados segundo Danielsen and Wind (2003) e EFSA (2018).

Detecção de genes de resistência a antimicrobianos Foi realizada a extração de DNA das culturas e, em seguida, a amplificação dos genes de resistência utilizando primers específicos descritos na literatura. Todas as reações de cadeia de polimerase (PCR) foram realizadas em termociclador Eppendorf utilizando os programas de temperatura: Desnaturação inicial a 94 ºC por 5 min, 30 ciclos de 94 ºC por 45 s, 47-57 ºC conforme temperatura de anelamento para cada primer de acordo com o fabricante for 45 s, 72 ºC por 75 s e extensão final em 72 ºC por 8 min. Em seguida, os produtos da PCR foram dispostos em gel de agarose 1,5% a 90v em uma cuba de eletroforese por aproximadamente 45 minutos. Os genes testados foram: tetM, tetK, tetL, tetQ, tetO e tetW paras as tetraciclinas; ermA, ermB, ermC, ermT, mrsA/B, mrsC, mefA/E, lnuA para os macrolídeos; aac(6’)-le- aph(2’’)-la, aph3IIIa, ant(4’)-la, aph(2’’)-ld, ant(6)-la, aac(6’)-li, aadA, aadE para os aminoglicosídeos; blaZ, mecA, pbp5 para penicilinas (DEC et al., 2017). O gel foi visualizado em transluminador.

Resultados e discussão Perfil fenotípico de resistência aos antimicrobianos Foi determinado o perfil de susceptibilidade por meio do método de disco difusão para 13 antibióticos em um total de 38 linhagens de bactérias ácido láticas. Para alguns antimicrobianos como cloranfenicol, tetraciclina, amoxicilina , eritromicina, ceftriaxona, penicilinae gentamicina o percentual de linhagens sensíveis foi maior, já para os outros antibióticos incluindo ácido nalidíxico, oxacilina, estreptomicina, vancomicina e amicacina mais de 80% das linhagens apresentaram-se resistentes (Figura 1). O fenótipo de resistência à vancomicina entre as BAL é bem caracterizado, sendo que muitas espécies de Lactobacillus demonstram altos níveis de resistência intrínseca a este antibiótico. Além da vancomicina, a resistência aos antimicrobianos quinolonas, trimetropima, sulfonamidas e ácido nalidíxico também são consideradas intrínsecas em BAL. Em contrapartida, as BAL são geralmente sensíveis a baixas concentrações de inibidores de síntese proteica como cloranfenicol, macrolídeos, lincosamidas e tetraciclina, mas a taxa de resistência 137

das BAL aos aminoglicosídeos é geralmente alta (NAWAZ et al., 2011; SOUZA et al., 2012; GUEIMONDE et al., 2013).

Figura 1. Percentual de susceptibilidade das linhagens aos antimicrobianos testados pela técnica de disco difusão. Coluna verde: sensíveis; coluna vermelha: resistentes.

Em seguida, foi realizada a CIM das 38 linhagens para os antibióticos tetraciclina, eritromicina, estreptomicina e penicilina G. A escolha dos antibióticos para determinação da CIM foi baseada no perfil de resistência apresentado no antibiograma, bem como em dados da literatura em que autores mostram que os antimicrobianos mais comumente empregados e que contribuem para a seleção de espécies de BAL resistentes por meio de pressão seletiva são tetraciclina e eritromicina, seguidos de cloranfenicol, estreptomicina, ampicilina, vancomicina e clindamicina (DEVIRGILIIS et al., 2013). Para a estreptomicina, a CIM variou de 16 a >1024 µg/mL e 78,9% das linhagens mostraram-se resistentes incluindo os gêneros Lactobacillus, Leuconostoc, Lactococcus e Weissella; para tetraciclina, a CIM variou de ≤1 a ≥512 µg/mLe 44,7% das linhagens foram resistentes pertencendo aos gêneros Lactobacillus, Leuconostoc e Weisselsa; para eritromicina, a CIM variou de ≤0,25 a >256 µg/mL nos gêneros Lactobacillus e Weissella (29% de resistentes) e para penicilina G, a CIM variou de ≤0,25 a >4 µg/mL e apenas 10,5% das linhagens testadas apresentou resistência(gêneros Leuconoctoc, Lactococcus e Weissella). O uso dos antibióticos não está restrito apenas ao ambiente clínico humano, estes agentes são amplamente empregados na criação de animais. Atualmente, a penicilina e tetraciclina são os mais comumente empregados na criação de animais e são importantes na terapêutica humana, do mesmo modo, outros antibióticos importantes no uso humano também são utilizados na criação de animais como macrolídeos, polimixinas, aminoglocosídeos e cefalosporinas de terceira geração (VAN et al., 2019).

Detecção de genes de resistência a antimicrobianos Dentre as 38 linhagens testadas, para eritromicina obteve-se oito isolados positivos para o gene ermB, destes, das quais apenas três apresentam resistência fenotípica, já para tetracilina três amostras foram positivas para três genes: tetK, tetL e tetM e destas, duas apresentaram resistência fenotípica. Para estreptomicina, oito isolados foram positivos para os genes aadA, alph3IIIa e aph(2″)-Ic sendo que todos apresentaram resistência fenotípica. Para os genes relacionados a resistência às penicilinas, nenhum isolado apresentou-se positivo. Nenhuma linhagem de Lactobacillus, Leuconostoc e Lactococcus foi positiva para os genes testados. As linhagens que expressam resistência fenotípica e que foram positivas para os genes de resistência aos antimicrobianos estão representadas na tabela 1. 138

Outros autores (TOOMEY et al., 2010; THUMU-ALAMI et al., 2012; ) também detectaram apenas o gene ermB em suas amostras de BAL, que segundo Gad et al., (2014) é o gene relacionado aos macrolídeos mais frequentemente encontrado. Os genes erm podem ser encontrados em elementos genéticos móveis como plasmídeos e transposons, bem como no cromossomo do hospedeiro, e o valor de CIM elevado pode indicar que a linhagem apresenta resistência adquirida (GUEIONDE et al., 2013; MAYHROFER et al. 2010). Os genes tetK, tetL e tetM são identificadas principalmente em bactérias Gram-positivas e são encontrados, geralmente, em pequenos plasmídeos transferíveis, porém tetM é comumente encontrado no transposon Tn916 (CHOPRA & ROBERTS, 2001). Os genes que codificam resistência aos aminoglicosídeos atuam, geralmente, pela inativação do fármaco por meio de enzimas modificadoras de aminoglicosídeos. O mecanismo de inativação enzimática é geralmente associado às bactérias Gram-positivas, especialmente as ácido láticas e os genes que codificam tal resistência encontram-se em plasmídeos, mas também podem ser encontrados em transposons ou sequências de inserção (JAIMEE & HALAMI, 2015).

Tabela 1. Amostras que apresentaram fenótipo de resistência e presença dos genes correspondentes a esta resistência.

S=Sensível; R=resistente

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Conclusão Diante dos resultados expostos conclui-se que várias linhagens de bactérias ácido láticas testadas, isoladas dos diferentes ecossistemas, sendo algumas delas já caracterizadas como potencialmente probióticas, carreiam genes de resistência a alguns antimicrobianos de interesse clínico humano e animal, bem como expressam tal resistência. Torna-se necessário, portanto, determinar se tais genes de resistência estão localizados em elementos genéticos móveis e se podem ser transmitidos para outras bactérias, comensais ou patogênicas. Somente essa análise poderá garantir a que o uso de tais linhagens em formulações alimentícias ou medicamentosas não contribuirá para a disseminação de genes de resistência a antimicrobianos.

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Apoio Financeiro: CAPES, CNPq, FAPEMIG.

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Desempenho de diferentes meios de cultura na quantificação da micobiota contaminante de piracuí

MIRANDA NETO, E.S.C.1, COSTA, M.E.R.L.1, ATAYDE, H.M.2

1Discentes do Bacharelado em Ciências Biológicas, Instituto de Ciência e Tecnologia das Águas (ICTA), Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA) 2Engenheiro de Pesca, MSc. em Ciência de Alimentos, Dr. Em Ciências Pesqueiras nos Trópicos, Docente do ICTA, UFOPA

Introdução Na região Norte há um concentrado proteico de pescado originário da cultura indígena, artesanalmente elaborado como estratégia de conservação para consumo na época de escassez – o piracuí (pira = peixe, cuí = farinha). Esse produto é preparado a partir do peixe assado ou cozido e, após a retirada manual das escamas e/ou ossos, a carne é desidratada por aquecimento em tachos de barro ou fornos abertos, suplementado com sal (LOURENÇO et al., 2011). Normalmente é transportado em sacos capazes de absorver a umidade do ambiente e, no momento da comercialização, as embalagens de exposição ficam, em sua maioria, completamente abertas e passíveis de manipulação pelos consumidores. Essas características de produção, transporte e comércio favorecem a contaminação física e/ou biológica, resultando no comprometimento da qualidade do produto final (SILVA JUNIOR et al., 2017). Aliado a isso, as condições ambientais da Região Amazônica (alto índice de umidade relativa do ar e temperatura média elevada, como exemplo) propiciam a multiplicação de microrganismos, como os fungos, que deterioram o alimento e, algumas espécies são capazes de produzir micotoxinas, metabólitos secundários que podem apresentar atividade mutagênica, carcinogênica e teratogênica no homem (SILVA et al., 2012). Apesar da literatura científica apontar que a contaminação fúngica em alimentos pode ser determinada por quatro diferentes meios de cultura (SILVA et al., 2012), não há menção sobre qual destes seria mais apropriado para a análise do piracuí. Considerando a condição artesanal de produção do piracuí, as deficiências no transporte e comercialização desse produto e os possíveis danos à saúde do consumidor devido o consumo de alimentos contaminados por fungos, é importante identificar qual o meio de cultura é mais eficiente na quantificação da micobiota do piracuí, subsidiando ações que busquem a melhoria de todo o processo de produção e venda desse produto.

Objetivos Nessa pesquisa buscou-se avaliar o desempenho de quatro diferentes meios de cultura na quantificação da micobiota contaminante do piracuí comercializado nos mercados de Santarém.

Metodologia As amostras de piracuí (do tipo escolhido, com menor quantidade de ossos e placas ósseas ou escamas quando comparado ao tradicional) foram coletadas em dois principais pontos de comercialização desse produto na cidade de Santarém/PA - o Mercado Modelo e o Mercadão 2000, no período chuvoso (Dezembro de 2019 e Janeiro de 2020). Em cada ponto de venda foram aleatoriamente escolhidas as bancas de venda (totalizando duas e três, respectivamente). Ao final, foram coletadas 15 amostras (sendo seis no Mercado Modelo e nove no Mercadão 2000). No ano de 2021, as mesmas bancas serão amostradas no período menos chuvoso (entre Julho e Agosto) da Região Amazônica. A partir de diluições seriadas em água peptonada suplementada com Tween 80, foram efetuados inóculos na superfície dos meios de cultura Ágar Dicloran Rosa de Bengala Cloranfenicol 142

(DRBC), Ágar Sabouraud Dextrose Cloranfenicol (SABC), Ágar Batata Dextrose Cloranfenicol (BDAC) e Ágar Dicloran Glicerol 18% (DG18) contidos em placas de Petri, que foram mantidas em temperatura ambiente (25±1 °C) durante sete dias, sendo diariamente contadas as colônias desenvolvidas. Esse procedimento será repetido na próxima coleta. O quantitativo final de colônias foi (e será) utilizado para determinação da contaminação fúngica das amostras de piracuí, conforme (SILVA et al. 2010), sendo o resultado expresso em Unidades Formadoras de Colônias por grama do produto (UFC/g). Devido a não-normalidade dos dados, foi aplicada a estatística inferencial não-paramétrica para comparação do índice médio de contaminação entre as feiras (pelo teste Mann-Whitney) e entre os meios de cultura (pelo teste Kruskall-Wallis, com teste de Dunn a posteriori), todos com o nível de significância de 5%, por meio do programa estatístico PAST 3.14 (HAMMER et al., 2001).

Resultados

Resultados parciais são apresentados na Tabela 1. Até o momento, todas as amostras apresentaram alto índice de contaminação, com destaque para aquelas do Mercado Modelo. Estatisticamente, já se detecta diferença significativa entre as feiras. Ressalta-se que há necessidade de complementação dessa pesquisa com amostras coletadas no período menos chuvoso da Região Amazônica.

Tabela 1: Contaminação média por fungos (em UFC/g, unidade formadora de colônias por grama de produto) presentes no piracuí comercializado em três feiras de Santarém, Pará, no período chuvoso. Feiras Contaminação (em UFC/g) * Por meios de cultura Total por feiras* RBCA** SABC*** BDAC**** DG18***** Mercado 2,1x105 1,4x107 8,8x106 3,8x106 6,9 x 106 a 5 5 6 7 4 7 5 6 Modelo (1,0x10 – 3,1x10 ) (5,2x10 – 2,4x10 ) (1,0x10 – 2,6x10 ) (6,4x10 – 6,3x10 ) (1,0x104 –2,6x107)

Mercadão 1,9x105 6,9x105 5,6x105 1,7x106 7,9 x 105 b 2000 (1,0x102 _ 1,1x106) (2,0x104 – 1,0x106) (3,0x103 _ 1,0x106) (3,5x103 – 1,0x107) (1,0x102 – 1,0x107) Total por 1,9x105 A 5,8x106 B 3,9x106 B 2,5x106 B meio de (1,0x102 – 1,0x106) (2,0x104 – 2,4x107) (3,0x103 – 2,6x107) (3,5x103–1,1x107) - cultura* LEGENDA: *Índices médios seguidos por parênteses contendo mínimo – máximo, respectivamente. **Ágar Rosa Bengala Cloranfenicol, ***Ágar Sabouraud Dextrose Cloranfenicol, ****Ágar Batata Dextrose Cloranfenicol, *****Dicloran Glicerol 18. Letras diferentes (maiúsculas na mesma linha [entre os meios de cultura] e minúsculas na mesma coluna [entre as feiras]) indicam diferenças estatisticamente significativas.

Devido ao Mercadão 2000 apresentar menos fatores negativos quanto à venda do piracuí (maior rotatividade do produto, maioria das embalagens de exposição tem tampa ou cobertura, menor ineficiência da limpeza do assoalho e estrutura física do ponto de venda), espera-se que essa menor contaminação fúngica seja detectada também na época de menor precipitação pluviométrica. Quanto à estação do ano, espera-se obter índices de contaminação mais elevados no período seco, devido maior poeira (e consequentemente microrganismos) em suspensão. Quanto ao desempenho do meio de cultura na quantificação da micobiota contaminante do piracuí, há indícios que o meio SABC é o mais adequado, pois permitiu que (principalmente) mais contaminantes presentes na amostra crescessem, e em menor período de tempo (dois dias) quando comparado aos demais (BDAC = três; RBCA = cinco e DG18 = sete). O pesquisador deve atentar para essa característica, pois se demorar mais tempo para proceder o isolamento primário dos fungos (caso seja seu interesse), poderá perder os gêneros de crescimento mais lento 143

devido estes serem recobertos por aqueles de crescimento rápido, o que dificulta ainda mais a separação posterior. Estima-se que meio RBCA será o meio menos adequado para essa quantificação. Ainda, espera-se que a diferença estatisticamente significativa entre o meio RBCA e os demais meios de cultura na quantificação da micobiota contaminante do piracuí se repita no próximo período de coleta.

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Qualidade microbiológica de queijo Minas artesanal fresco comercializado informalmente em uma cidade do Triângulo Mineiro.

PRADO, S.S¹; HIPÓLITO A. F.¹; MOREIRA - CARRIJO, M. R.¹,

¹ Centro Universitário IMEPAC Araguari – MG.

Introdução O queijo Minas Artesanal fresco produzido em Minas Gerais é um queijo normalmente fabricado na propriedade de origem do leite, mediante a utilização de leite cru, hígido, integral e recém-ordenhado. Basicamente são produtos que apresentam um sabor peculiar (CORREIA; ASSIS, 2017). Como a produção se dá através do leite cru, torna-se um meio favorável ao crescimento de bactérias patogênicas (CARVALHO et al., 2007 apud PINTO, 2009). Em geral os queijos são alimentos com bastante manipulação e, por esse motivo, suscetíveis à contaminações, principalmente de causa microbiológica. Quando não há um emprego de boas práticas na manipulação e uma tecnologia adequada essas condições podem aumentar os riscos de propagação desses micro-organismos (PINTO et al., 2009). A higiene e o comportamento dos manipuladores são essenciais na garantia de controle da qualidade de alimentos, sendo que o homem é o maior precursor de micro-organismos e parasitas, assim as condições higiênico-sanitárias são imprescindíveis para a fabricação do queijo Minas fresco artesanal (OLIVEIRA, 2004). Os requisitos para a qualidade dos queijos artesanais e comercialização estão presentes no Decreto nº 9.918/2019. A fabricação do queijo artesanal está fortemente relacionada com a preservação da identidade e dos valores do agricultor familiar mineiro e, na cidade de Araguari, no interior de Minas Gerais, a produção de queijo artesanal fresco, além de cultural é na grande maioria fundamentada em pequenas áreas rurais para propiciar uma fonte de renda. E o queijo, por ser um alimento comum na dieta humana, e sempre presente em qualquer classe social, facilita a comercialização.

Objetivo Avaliar a qualidade microbiológica de queijo Minas fresco artesanal produzido e comercializado na cidade de Araguari-MG.

Metodologia Foram adquiridas 5 amostras de queijo Minas artesanal fresco, comercializadas na feira livre do município pertencente à região do Triângulo Mineiro, no mês de setembro de 2020. As amostras foram acondicionadas em caixas isotérmicas, contendo gelo, e transportadas para o laboratório de Análise Bromatológica do Centro Universitário IMEPAC Araguari. A primeira análise realizada, no presente estudo, foi a inspeção física das amostras, verificando a forma de armazenamento do produto no local de comercialização, embalagem e condições de higiene no momento da compra. Posteriormente análises físico-químicas e microbiológicas foram realizadas para determinar: pH (pHmetro AKSO); índice de acidez (Grau Dornic ºD), cloretos (IN. Nº 68, DE 12 DEZEMBRO DE 2006) e os testes microbiológicos (Unidades Formadoras de Colônia - UFC/g) para avaliar coliformes no meio Ágar Vermelho Violeta Bile Lactose e os termotolerantes por testes adicionais de identificação; a presença ou ausência nas amostras de Escherichia coli, pelo método do caldo seletivo “RapidHiColiformBroth”. A presença de Salmonela sp e Staphylococcus aureus coagulase positiva pelas provas bioquímicas segundo metodologias descritas no "Compendium of Methods for the 145

Microbiological Examination of Foods" da Associação Americana de Saúde Pública e nesta análise as placas ficaram em temperatura entre 35-37ºC por um período de 24 a 48 horas. Para avaliação de bolores e leveduras a análise foi feita através da UFC/g, pelo método de plaqueamento em superfície com ágar batata glicosado, acidificado com solução de ácido tartárico a 10% (pH 3,5) e incubada a 25ºC durante 5 dias.

Resultados e discussões A análise iniciou-se no momento da aquisição dos queijos Minas Artesanal fresco, foram classificados de acordo com a conformidade e não conformidade recomendada pela RDC nº12 de 2001 da ANVISA e pelo Decreto nº 6.2345/86. Em relação ao ambiente, 100% dos pontos de comercialização não encontravam-se nas normas adequadas para a refrigeração, balanças de pesagem inadequadas devido a presença de resquícios de outros alimentos. O acondicionamento do queijo em alguns pontos de comercialização era feito em caixa de isopor exposta ao sol e não continha gelo, em outros pontos ficavam expostos na bancada e dentro de bandejas brancas em temperatura ambiente, cobertos por plásticos transparente. De acordo com a legislação vigente, é proibido manter o queijo fresco fora de conservação frigorífica à temperatura não superior a 8ºC (BRASIL, 1997). Das 5 amostras analisadas, 2 (40%) apresentaram presença de coliformes a 45ºC/g, variando entre 7,4x10² e INC. (Incontáveis) sendo acima do permitido pela legislação vigente (RDC nº12), consideradas impróprias para o consumo (tabela 1). A presença de coliformes termotolerantes nas amostras pode indicar a presença de contaminação de origem fecal e a possibilidade da presença de micro-organismos patogênicos, como Salmonella, Shigella, E. coli e Yersinia. Alguns sorotipos de E. coli são patogênicos, pois causam infecção intestinal com produção de toxinas muito fortes que acometem até mesmo indivíduos saudáveis causando diarreias muito intensas (GAVA; SILVA; FRIAS, 2008; DONNENBERG, 2002 apud GARCIA et al., 2016). Em relação a contagem de bolores e leveduras 4 amostras (80%), apresentaram presença. Ainda que a legislação não considera a contagem de bolores e leveduras, a avaliação foi realizada, sendo que os maiores valores observados para as amostras de queijo artesanais foram 4,0x10² UFC/g (tabela 1).

Tabela 1 - Análise microbiológica em queijo Minas artesanal fresco. Coliforme Staphylococcus Bolores e Escherichi Amostra termotolerantes Salmonela aureus coagulase leveduras a coli (UFC/g) sp postiva (UFC/g) (UFC/g) (RHB) A Inc. Ausência 3,0x103 Presença Presença

B 2,0x102 Ausência 2,0x103 Presença Presença

C 1,0x102 Ausência 2,0x103 Ausência Presença

D 4,6x102 Ausência 1,5x103 Presença Presença

E 7,4x102 Ausência 1,5x103 Presença Presença

Padrão 5,0x103 Ausência 5,0x10² Limite: não Ausência RDC nº12 estabelecido

Padrão RDC nº12 de 02/01/2001 (UFC/g); UFC: Unidade Formadora de Colônia; Inc: Incontáveis. Fonte: Autoria Própria (2020)

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A característica do queijo Minas fresco apresenta massa crua, cor esbranquiçada, consistência mole, porém de textura consistente, geralmente apresenta umidade de 55% a 58%; teor de sal entre 1,4% e 1,6% e pH entre 5,0 e 5,3 (SILVA, 2005). O aumento das colônias de micro-organismos mesofilos, psicotrópicos e, principalmente as bactérias lácticas, está relacionado justamente ao aumento da acidez do queijo (SANGALETTI et al., 2009). Foram também realizados, nas 5 amostras de queijos minas frescos, os testes de pH e de acidez titulável e verificou-se, ainda, se continham excesso de cloreto. No teste de cloreto a coloração amarela apresentou resultado positivo. Sendo assim, apenas a amostra B manteve um pouco mais a coloração avermelhada e a amostra D manteve um amarelo um pouco mais escuro que as demais, mostrando que apenas a amostra B está parcialmente mais próxima da quantidade adequada de sódio (figura 1). Já a porcentagem de acidez foi bastante baixa em 4 amostras 3% a 4,7%, e apenas a amostra D apresentou 8% a maior porcentagem de acidez dentre as outras amostras. O pH variou entre 6,5 a 7,2 e, se comparado com os resultados da tabela 2, a amostra C apresentou pH 7,1 e acidez de 8ºD indo ao contrário das outras análises. Por meio da análise de acidez, observou-se valores baixos na maioria das amostras, o que podem ser explicados pelo maior desenvolvimento das bactérias, que fazem liberação de ácido láctico na solução, o que impacta diretamente nessa acidez titulável. Assim, nenhuma das amostras estaria dentro do recomendável, em termos desse parâmetro.

Figura 1 - Resultados das análises de Cloretos em queijo Minas artesanal fresco.

O resultado positivo de coloração amarela indica cloretos em quantidades superiores à faixa normal (0,08% a 0,1%). Fonte: Autoria Própria (2020)

Tabela 2 - Resultados das análises de pH, acidez, e cloretos em queijo Minas artesanal fresco. Amostra pH Acidez Cloretos A 6.9 4,7 ± 0,0595 ª Excesso B 7.2 3,3 ± 0,0597 ª Próximo do padrão C 7.1 8,0 ± 0,100 b Excesso D 6.5 3,0 ± 0 % ª Alta E 7.0 4,3 ± 0,5774 ª Excesso

Resultados expressos como média ± desvio padrão. Acidez em Grau Dornic °D Fonte: Autoria Própria (2020)

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Conclusão A tradição ligada à produção do queijo Minas Artesanal fresco ainda se mantém viva, e os produtores passam essa cultura da fabricação por várias gerações, mas devido ao não seguimento de um parâmetro de segurança no processo de produção pode surgir o risco de desaparecer esse processo artesanal. Das amostras de queijo Minas artesanal fresco analisadas, todas apresentaram-se em desacordo com os padrões estabelecidos pela Resolução RDC nº12/2001 da ANVISA, portanto impróprias para o consumo. A presença de coliformes nas amostras demonstra a falta de cuidado na fabricação e comercialização, mostrando a importância da orientação para esses produtores de como executar as boas práticas de fabricação, manipulação e a forma correta de armazenamento dos alimentos. Somando-se a isso, uma fiscalização mais rigorosa pelos órgãos competentes do município, para garantir o cumprimento dos padrões estabelecidos pela legislação vigente, garantindo, dessa maneira, a qualidade do queijo comercializado.

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Microbiologia industrial e biotecnológica

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Avaliação da obtenção da toxina esfoliativa D (ETD) de Staphylococcus aureus em diferentes estados oligoméricos, e seu efeito na interação com peptídeos desenhados com base na desmogleína 1 (Dsg 1) humana, murina e canina

SANTISTEBAN, A.N1., GISMENE, C1., JERONYMO, G. T., MARIUTTI, R. B.1, ARNI, R. K.1

1Laboratório Bioquímica, Centro Multiusuário de Inovação Molecular-CMIB, UNESP- São José do Rio Preto Introdução Staphylococcus aureus é um conhecido colonizador e agente causal de infecção entre animais, esta bactéria já foi isolada espécies domésticas e selvagens, de mamíferos e aves (MONECKE, et.al., 2016). Em humanos S. aureus é uma bactéria comum na pele, sendo um importante agente patológico oportunista que representa maior risco em pacientes imunocomprometidos, frequentemente relacionados a infecções localizadas ou sistêmicas, adquiridas pela comunidade ou nosocomiais (GNANAMANI, et.al., 2017). S. aureus possui vários elementos genéticos móveis (MGEs), que implicam o ganho ou perda de genes que codificam a resistência a antibióticos, principalmente aos β-lactâmicos (JAMROZY, et.al., 2017), também influenciam a expressão de fatores de virulência (GNANAMANI, et.al., 2017) dos quais depende da capacidade de colonização e patogenicidade. As toxinas esfoliativas são fatores responsáveis pela formação de bolhas e esfoliação causada pela divisão da pele na camada granular da epiderme. As ETs possuem um sítio ativo de serino proteinase da família da quimiotripsina, com os resíduos da tríade catalítica das proteases bem conservados (His-Asp- Ser), no entanto são inativas em seu estado nativo (LADHANI, 2003; BUKOWSKI, et.al., 2010). A Desmogleína 1 (Dsg1) é o alvo principal das ETs, está caderina desmosomal expressa em todos os estratos da pele é responsável pela integridade das estruturas célula-célula deste órgão. Ao contrário das serino proteinases clássicas, estas ETs são altamente dependentes da conformação de Dsg1, que precisa de íons de cálcio para se manter estruturada e ser reconhecida como substrato (BUKOWSKI, et.al., 2010; MARIUTTI, et.al., 2017), com altíssima especificidade limitada para o resíduo de ácido glutâmico na posição 381 entre os ectodomínios Ec3 e Ec4 da Dsg1. Estudos com ETA de troca de domínio e mutação evidenciaram que as ETs tem a capacidade de reconhecimento de uma sequência específica de 5 aminoácidos (Q271-Y274-T275-I276-E277), localizados a 110 resíduos upstream ao sítio de clivagem da Dsg1, o que torna as ETs altamente específicas na clivagem de Dsg1, mesmo entre Dsg1 homólogos (NISHIFUJI, et.al., 2008; MARIUTTI, et.al., 2017).

Fonte: MARIUTTI et. al., 2017. Fig. 1. Sobreposição do modelo estrutural e demarcação dos 5 ectodomínios (ECs) de Dsg1 humana (laranja), Dsg1 canina (verde) e Dsg1 murina (azul). As esferas cinzas representam íons de cálcio e o ácido glutâmico do sítio de clivagem é indicado por uma seta preta. As sequências de aminoácidos da Dsg1 humana, murina e canina, 110 resíduos a montante do sítio de clivagem estão destacados. Existem diversas toxinas esfoliativas (ETs) estafilocócicas reconhecidas, atualmente foram descritas para S. aureus cinco sorotipos de ETs (ETA, ETB, ETC, ETD e ETE), três 150

delas, ETA, ETB, e ETD foram isoladas em humanos, ETA e ETB são reconhecidas como agentes etiológicos da síndrome de pele escaldada estafilocócica (SSSS) (MARIUTTI, et.al., 2017), em quanto ETD foi identificada a partir de abcessos cutâneos e furúnculos (YAMAGUCHI, et.al., 2002), no caso de ETC e ETE foram descritas em fleuma de cavalo e mastites em ovelha respectivamente, mas não em humanos, foi demonstrado que todas elas tem a capacidade de induzir esfoliação em ratos recém-nascidos e ETC também em pintinhos de 1 dia de vida (IMANISHI, et.al., 2019). As ETs SHETA, SHETB, ExhA, ExhB, ExhC e ExhD de S. hyicus, ExhC de S. sciuri e ExhB de Staphylococcus chromogenes, foram relacionadas como agentes causais da epiderme exsudativa (EE) em suínos, foi comprovado que SHET pode induzir esfoliação em galinhas e leitões, em tanto ExhA e ExhC em ratos recém-nascidos (NISHIFUJI, et.al., 2008; MARIUTTI, et.al., 2017), uma particularidade da ExhC de S. ciuri é sua relação com indução de necrose (LI, et.al., 2011). Finalmente as ETs EXI, ExpB e SIET de S. pseudintermedius produzem o pioderma canino, podendo induzir esfoliação em galinhas e ratos recém-nascidos (IYORI, et.al., 2010). ETA (PDB IDs: 1EXF) e ETB (PDB IDs: 1DT2) foram as primeiras ETs a ter sua estrutura definida por cristalografia de raios-X nos anos 90, mas recentemente da ETD-like (PDB ID: 5C2Z) (MARIUTTI, et.al., 2015), da qual foi proposta sua reclassificação como ETE (IMANISHI, et.al., 2019), e EXI (6E0U), a partir da sua caracterização é possível compreender a especificidade e mecanismos de ação das ETs, além de permitir a classificação com base em homologia por alinhamento da sequência de aminoácidos entre estas toxinas (LADHANI, 2003). Há algumas ETs que mesmo causando esfoliação não tiveram identificada a clivagem da Dsg1 no hospedeiro (ETC, SHETA, SIET), se infere que é resultado da ausência da sequência conservada própria das serino proteases (LADHANI, 2003). De forma geral as ETS maduras apresentam um peso molecular 27 kDa aproximadamente, de acordo com a literatura quando comparadas das ETs de S. areus, ETA e ETB apresentam 40% de identidade entre si e estruturas cristalinas semelhantes, e quando comparadas com ETD-like foram identificadas diferencias na alfa hélice do N-terminal e da conformação dos loops próximos que podem ter mudança conformacional que interfere no reconhecimento e ligação do substrato (MARIUTTI, et.al., 2017), além de conferir os resíduos do sitio ativo conservados His57-Asp102- Ser195 (com base em ETA), a serina forma ligação de hidrogênio com a Pro193 da ETD e ETA e Val183 na ETB (LADHANI, 2003; BUKOWSKI, et.al., 2010). Ao comparar as sequências de aminoácidos das toxinas ExhA, ExhB, ExhC, e ExhD, SHETB, ETA, ETB, e ETD, foi evidente uma homologia significativa entre as oito toxinas de 49 a 54%, principalmente nos três aminoácidos do sítio ativo His115- Asp164-Ser239, com a exceção de que na ExhD o Asp164 é substituído por Glu (AHRENS & ANDRESEN, 2004). Das ETs mencionados acima que têm estrutura determinada, é possível observar que ETA (1EFX, 1DUA, 1DUE) e ETB (1DT2,1QFT) possuem uma única cadeia que forma monômeros, enquanto ETA (1AGJ), ETD e EXI foram obtidos dímeros formados pelas cadeias A e B, as condições para a obtenção de cada cristal variam dentro da faixa fisiológica de pH, a uma temperatura de 4-18 ° C, e a composição tampão em que foram utilizados precipitantes de polímero e sal. Essas diferenças no estado oligomérico podem ser decorrentes de um fator ou da combinação de dois ou mais deles em cada caso. O pH determina o estado de protonação de grupos ionizáveis na superfície de uma proteína e, portanto, as interações eletrostáticas das partículas do soluto e do solvente. A solução tampão é muito importante, uma vez que tampões específicos permitem manter a estabilidade de um pH determinado (MCPHERSON & CUDNEY, 2014), além disso, a capacidade de obter dados bioquímicos ou biofísicos depende de encontrar as condições de solução em que as proteínas são solúveis, estáveis, com atividade e homogêneas, uma vez que a estrutura de uma proteína no cristal deve ser a mesma que a estrutura de uma proteína em solução. Atualmente, é possível visualizar por cromatografia de exclusão de tamanho (SEC) se a amostra contém uma ou mais populações, quando analisada 151

por dicroísmo circular (CD) pode ser observada se a proteína está enovelada, antes de utilizar a proteína para testes de cristalização.

Objetivo

Encontrar alternativas para inibir a atividade catalítica da toxina esfoliativa D (ETD) de S. aureus por meio da formação de complexos peptídeo-ETD, de forma que o peptídeo sintético ocupe a região responsável pelo acoplamento da ETD ao seu substrato Dsg1. O objetivo, além de avaliar a atividade inibitória da proteína de interesse na patogenicidade de S. aureus é também entender seus mecanismos e modos de ação no nível molecular, a partir da expressão, purificação, caracterização bioquímica e biofísica, cristalização e ensaios enzimáticos de ETD mutante (ETD Ala220Ser) e selvagem e os domínios Ec3 e Ec4 da Dsg1, isoladamente e complexados.

Material e métodos Expressão e purificação das proteínas: A sequência codificadora da proteína ETD selvagem (ETDwt) foi clonada no vetor pD441-SR, em tanto, a ETD mutante (ETDmut) foi clonada no vetor pET-28a(+), as duas com adição da sequência codificadora de His-tag N- terminal ou C-terminal, pela empresa DNA2.0® Inside (EUA), e expressas de acordo com MARIUTTI et.al., 2015 com algumas modificações, em células de E. coli BL21(DE3)-T1R, mantidas para sua multiplicação em médio líquido LB (Luria-Bertani) contendo Canamicina (34 µg/mL), sob agitação a 120 rpm a 37°C, quando densidade óptica (OD600) atingir 0,5, foram induzidas a 30°C, com 0,5 mM de IPTG por 5 horas. Após centrifugação a 5000 g, 5 °C por 10 min, o precipitado foi ressuspendido em tampão de lise (5 mM NaHPO4, 400 mM NaCl, 10 mM imidazol, 10% (v/v) glicerol, pH 7,70) e sonicado. A fração solúvel após 15000 x g 5 °C por 30 min, contendo a proteína recombinante com 6x-HisTag foi submetida a purificação por cromatografia de afinidade Ni-Sepharose (GE-Healthcare). A ETDwt e ETDmut foram eluidas em tampão de lise, variando as concentrações de imidazol (40, 60, 80 e 400 mM). As frações eluidas de ETDwt foram submetidas a cromatografia por exclusão de tamanho (SEC) Superdex® 75 10/300 GL (GE- Healthcare) com os diferentes tampões: a) 20mM MÊS pH 5,51; b) 20 mM MÊS pH 7,03 c) 20 mM K2HPO4/ KH2PO4 pH 5,08, d) 20 mM K2HPO4/ KH2PO4 pH 8,05; e) tampão PBS 1X (0,137 M NaCl, 0,0027 M KCl, 0,01 Na2HPO4, 0,0018 M KH2PO4) pH 5,5, entanto ETDmut foi purificada nos tampões a) e b). Após cada etapa de purificação, a pureza e concentração qualitativa das amostras foram avaliadas por géis SDS- PAGE (15%). Os peptídeos foram desenhados com base na Dsg1 humana (hDsg1), murina (mDgs1) e canina (cDsg1). A sequência codificadora dos ectodomínios Ec3 e Ec4 da hDsg1, foi clonada no vetor pPIC9K (com adição da sequência codificadora de His-tag C-terminal) pela empresa FastBio®. O plasmídeo contendo o gene de interesse em pPIC9K, foi transformado inicialmente em E. coli DH5α conforme as instruções do fabricante, e verificada a presencia do gene de interesse a través de PCR, com os iniciadores F- αfactor e R-AOXI, realizado um teste de gradiente de temperatura no ciclo de hibridação, no termociclador Veriti® 96 well (Applied Biosystems), variando as temperaturas de anelamento 47, 49, 51, 53, 55 e 57 °C, e conferindo à amplificação do gene em gel de agarose 0,8%. Para obtenção de colônias contendo o plasmídeo pPIC9K com o gene de interesse, foram preparadas células eletrocompetentes seguindo o protocolo de WU & LETCHWORTH (2018), a partir células de Pichia pastoris GS115, crescidas em médio YPD (Yeats Extract Peptone Dextrose). As células competentes foram utilizadas para eletroporação, seguindo as condições descritas no manual do Multiporator® da eppendorf, para o modo de bactéria e levedura, em cubetas de eletroporação de 0,2 cm, foram adicionados 5 µg de DNA plasmidial sem digerir do clone 5 obtido da 152

transformação em E.coli DH5α, aplicado o pulso a 1500 V à 5 ms. A seleção das células transformantes foi realizada em diferentes etapas, inicialmente foram plaqueadas em médio RDB (Regeneration Dextrose Base), posteriormente as colônias crescidas foram coletadas e espalhadas em placas contendo YPD com diferentes concentrações de geniticina, 0,25, 5, 7,5, 1, 1,5, 1,75, 2, 3 e 4 mg/ml e incubadas a 30 °C por 3 dias. Em seguida testados os transformantes em médio MD (Minimal Dextrose Medium) e MM (Minimal Methanol), foi picada a colônia e cultivada primeiro no meio MM e em seguida no MD, e mantidas a 30 °C por 2 dias, e conferida a presencia do gene de interesse nas células de P. pastoris GS115 por meio de PCR de colônia. Finalmente para análise da expressão da proteína hDsg1 (Ec3-Ec4), foi realizada a indução em pequena escala em médio BMGY (Buffered Glycerol-complex Medium) com cada amostra a ser testada, deixada para multiplicação a 28 °C e 250 rpm até atingir uma D.O 600nm de 2, em seguida centrifugada a 3000 g por 5 min a temperatura ambiente e ressuspendida à uma D.O 600nm de 1 em médio BBMY (Buffered Methanol-complex Medium), coletando amostras a cada 0, 6, 12, 24, 36, 48, 60, 72, 84 e 96 horas, completando a cada 24 horas a concentração de metanol para 0,5% do volume. As amostras foram centrifugadas na máxima velocidade da centrifuga de bancada a temperatura ambiente por 3 min, separando o sobrenadante do precipitado. Para visualizar a expressão da proteína de interesse foi realizado SDS-PAGE. Immunoblot: As proteínas foram misturadas com tampão de amostra 4x (2 mL 1M Tris-HCl pH 6,8, 0,8 gr SDS, 4 mL glicerol 100%, 0,4 mL 14,7 M β-Mercaptoetanol, 1,0 mL 0,5 M EDTA e 8 mg Azul de Bromofenol), aplicadas em gel de poliacrilamida, com a transferência subsequente das proteínas para uma membrana de nitrocelulose e tratamento da membrana conforme, SAMBROOK, 2000. Espectroscopia de dicroísmo circular (CD): Medições de CD em um espectropolarímetro Jasco J-701, foram realizadas para determinar se a ETDwt e ETDmut se apresentam enoveladas e quais as características da estrutura secundária. Espectros UV distantes foram medidos no intervalo de comprimentos de onda de 190 nm a 260 nm, a concentração de proteína foi 7-8 µM em tampão 5 mM NaH2PO4 e 50 mM NaF (pH 7,4). Células com comprimentos de percurso de 0,5 cm foram usadas nas medições. Para cada amostra, aplicando 10 repetições para estabelecer a linha de base respectiva. Os dados foram coletados em um modo de varredura contínua com velocidade de varredura de 100 nm / min e uma constante de tempo de 1 s e analisados com o programa CDpro [17]. Cristalização e ensaios de co-cristalização: Os kits comerciais da Hampton (Crystal Screen 1 e 2, SaltRx HT, PEG/ Ion 1 e 2) e Qiagen (PACT Suite, JCSG, AmSO4 Suite e NexTal) foram utilizados em ensaios de cristalização e co-cristalização da ETDwt e ETDmut, na ausência e presença dos peptídeos, por difusão de vapor.

Resultados e dicussão As condições de expressão e purificação foram ideais para obtenção da ETDwt e ETDmut em larga escala e com alto grau de pureza. Após a purificação em Ni-NTA foi realizada eletroforese em gel de poliacrilamida (SDS-PAGE), onde foi visualizada a proteína de interesse em todas as etapas de lavagem (Fig.2 A e 2 B). As amostras da fração 40w (imidazol 40 mM) e pool (60, 80 e 400 mM) foram concentradas e utilizadas para realizar purificação em gel filtração com diferentes tampões. Foi conferido por westernblot que são proteínas contendo Histag (Fig. 2 C).

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KDa M 1 2 3 4 KDa M 1 2 3 4 M 1 2 3 260 97 97 140 66 100 66 70 45 50 40 30 45 35

20.1 30 25

15

14.4 20.1 14.4 10 A B C

Fig 2. Géis SDS-PAGE 15% realizados após a purificação em Ni-NTA, das proteínas ETD selvagem (ETDwt) e ETD Mutante (ETDmut). A. Frações coletadas da ETDwt. M:marcador 17044601 GE life sciences, 1: 40w, 2: 60w, 3: 80w, 4: Elution. B. Frações coletadas da ETDMut. M:marcador 17044601 GE life sciences, 1: 40w, 2: 60w, 3: 80w, 4: Elution. C. Westernblot. M. marcador. 1. ETDwt, 2. ETDmut, as duas com MW de 28,457 KDa.

A SEC separa as moléculas de acordo com seus volumes hidrodinâmicos, e permite determinar a massa molecular da proteína a partir do volume de eluição, pois dessa massa depende o caminho que ela irá percorrer através do gel de grânulos esféricos, na SEC ocorre a eliminação de contaminantes por meio da exclusão molecular, ou seja, as moléculas são separadas de acordo com o tamanho que possuem em kDa. Uma vez realizada a SEC com as diferentes soluções tampão, foi observado para ETDwt, que somente no tampão 20 mM MÊS pH 5,5 é possível obter a proteína como um monômero, devido a que ela é coletada na fração correspondente aos 16 mL (Fig. 3 A), e obtendo nas outras soluções tampão dímeros, se evidencia que a proteína é coletada na fração correspondente aos 10 mL (Fig 3 B-E), o teste com tampão PBS 1X permitiu evidenciar a dificuldade de realizar ensaios de ressonância magnética nuclear (RMN) para futuros testes de interação com os peptídeos, pois extrapolaria os limites de análise do equipamento com o qual conta o CMIB. No caso da ETDmut foi observado o mesmo comportamento que dá ETDwt nos testes com tampão MÊS (Fig. 3 E-F), sendo este tampão o selecionado para realizar ensaios de calorimetria de titulação isotérmica (ITC) para avaliar a interação das proteínas de interesse na adição de peptídeos (experimento em andamento) quando diferentes estados oligoméricos são obtidos. Cabe mencionar que não podem ser realizados experimentos de fluorescência devido à ausência de triptofano na proteína, sendo necessário realizar posteriormente espalhamento dinâmico de luz (DLS), que dá informações sobre o raio hidrodinâmico da amostra. O experimento de CD, permitiu evidenciar que as proteínas obtidas apresentam uma conformação enovelada com uma maior conformação em β-folha. Em relação hDsg1 (Ec3-Ec4), foram estabelecidas as condições de amplificação de PCR e 55 °C, a transformação em E. coli DH5α foi realizada com sucesso, oito clones selecionados randomicamente foram isolados, purificados, quantificados e conferida a presencia de DNA plasmidial no gel de agarose (Fig. 4 A). O clone 5 foi selecionado pela concentração obtida para transformação em P. pastoris GS115, após o processo de seleção nos diferentes médios, das 136 colônias semeadas em meio MM e MD, 15 colônias que cresceram normalmente em MD, mas apresentaram pouco ou nenhum crescimento em MM, foram selecionadas para conferir por PCR a presencia do gene de interesse, 13 delas deram resultado positivo (Fig. 4 B), e foram utilizadas para expressão em pequena escala, porém não foi visualizada a proteína de interesse no SDS-PAGE (Fig. 4 C), assim, novos testes de otimização devem ser realizados antes da produção da proteína em larga escala.

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A B

C D

E F G

Fig 3. Cromatogramas da ETDwt e ETDmut utilizando diferentes soluções tampão com diferente pH. O eixo Y do gráfico corresponde a absorção em mili unidades de absorbância (mAU) e o eixo X ao volume em mL, a linha azul indica a absorbância a 280 nm, a linha rosa representa a absorbância em 230 nm, Linha marrom indica a condutividade relacionada à concentração salina e em vermelho as frações nas que é coletada a amostra. A-E cromatogramas ETDwt, A.20mM MÊS pH 5,51, B. 20 mM MÊS pH 7,03, C. 20 mM K2HPO4/ KH2PO4 pH 5,08, D. 20 mM K2HPO4/ KH2PO4 pH 8,05 e E. PBS pH 5,5. F e G cromatogramas ETDmut, em 20mM MÊS pH 5,51 e 20 mM MÊS pH 7,03 respectivamente

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Figura 4. A. M. Marcador 100 pb fermentas DNA ladder SMO241. 1-6 amostra de DNA plasmidial isolado, clones 3,4,5,6,7,8 respectivamente, 7. controle positivo. Gel agarose 0,8%, TAE 1X, 80 V. B. M.1 Kb ladder M1181 sinapse (ready to use). 1-11 clones 8,21,33,58,61,64,65,72,73,81,101, 12 Controle positivo, DNA clone 5. I. Gel agarose low melting 0,8%, TAE 1X, 7.5 V/cm. C.

Finalmente após o processo de refinamento foram obtidos cristais da ETDwt e ETDmut (Fig. 5 A-B), para a primeira com o uso do precipitante uso do precipitante 4 M Sodium Formate pH 9 na proporção 2:1 de proteína: precipitante, e para a segunda em solução precipitante Sodium Formate 4M pH 8 , com adição de HCl e additive screen número 28 (30% v/v Dimethyl sulfoxide). Ensaios de co-cristalização estão sendo realizados. Os cristais obtidos não têm sido submetidos a difração por raios-X pois no momento não está disponível nenhuma linha, com isso estão sendo perdidos pela desidratação, como o caso do cristal de ETDmut.

Figura 5. Cristais obtidos por difusão de vapor em hanging drop, a direita o cristal de ETDwt utilizando a proporção 2:1 de proteína: precipitante (4 M Sodium Formate pH 9), a esquerda o cristal de ETDmut obtidos 2:1 de proteína: precipitante (4 M Sodium Formate pH 8, HCl e additive screen 28)

Conclusão Os diferentes protocolos testados permitiram a produção das proteínas ETD selvagem e ETD mutante, com alto rendimento, pureza e estabilidade, que posibilitam dar continuação as abordagens tanto teóricas quanto experimentais, para determinar posteriormente se apresentam uma altração na população mono ou polidispersa através de testes com DLS, posibilitando a realização de ensaios de interação por calorimetria de tiulação isotermica (ITC) e estruturais através da analise da difração de cristais no raios-X envolvendo as seguintes toxinas e peptídeos: 1.Toxina esfoliativa D (ETD);2.Domínios Ec3 e Ec4 da Desmogleína 1- Dsg1; 3. Peptídeo com base na sequência da Dsg1 humana; 4.Peptídeo com base na sequência da Dsg1 de rato; 5. Peptídeo com base na sequência Dsg1 de cachorro. Em quanto a hDsg-1 (Ec3-Ec4), precissam ser otimizadas as condições de expressão da proteina.

Referencias AHRENS, P.; ANDRESEN, L. O. Cloning and Sequence Analysis of Genes Encoding Staphylococcus hyicus Exfoliative Toxin Types A, B, C, and D. Journal of Bacteriology, [s. l.], v. 186, n. 6, p. 1833– 1837, 2004. Disponível em: http://jb.asm.org/cgi/doi/10.1128/JB.186.6.1833-1837.2004 BUKOWSKI, M.; WLADYKA, B.; DUBIN, G. Exfoliative Toxins of Staphylococcus aureus. Toxins, [s. l.], v. 2, n. 5, p. 1148–1165, 2010. Disponível em: http://www.mdpi.com/2072-6651/2/5/1148 156

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Apoio financieiro 157

O presente trabalho está sendo realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001.

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Avaliação da produção de biossurfactantes por microrganismos isolados para o tratamento de superfícies contaminadas por óleo

SANTOS, A.L.1, SOUZA, J.V.T.2, BIENIEK, I.S.3, SOUZA, M.C.B.4, MARQUES, E.L.S.5, MACIEL, B.M.6, REZENDE, R.P.7

1Discente do curso de Biomedicina DCB/UESC, [email protected]; 2Discente do curso de Biomedicina DCB/UESC, [email protected]; 3Discente do curso de Biomedicina DCB/UESC, [email protected]; 4Discente do curso de Biomedicina DCB/UESC, [email protected]; 5Pós-doc vinculado ao PPGBBM, [email protected]; 6Docente do DCB/UESC, [email protected]; 7Docente do PPGBBM, do PPGGBM e do Departamento de Ciências Biológicas (DCB/UESC), [email protected]

Introdução O petróleo, sem dúvidas, é uma das principais fontes de recursos naturais que movem a economia mundial, devido ao seu refino e a consequente obtenção dos seus múltiplos derivados (Safdari et al., 2018). Em contrapartida esse processo exploratório tem grande potencial para desencadear um alto índice de contaminação do solo, água, atmosfera, entre outras superfícies, principalmente na sua fase de refino (Euzebio; Da Silveira Rangel; Marques, 2019). Embora os acidentes com derramamentos de petróleo tenham diminuído nas últimas décadas, muito devido a modernização dos métodos e equipamentos utilizados na extração dos derivados do combustível fóssil, eventualmente são registrados derramamentos que atingem os ambientes naturais (Faria, 2019), como foi o caso do petróleo que atingiu a costa das praias brasileiras no ano de 2019, que teve efeito devastador no meio ambiente, afetando animais e plantas, contaminando a água e o solo, e provocando prejuízos turísticos e econômicos em todas as regiões afetadas. Estudos realizados mostraram que alguns tipos de microrganismos utilizaram o óleo como fonte de carbono, reduzindo a compostos menores e menos nocivos ao meio ambiente, e eventualmente diminuindo seus impactos, esses microrganismos atuam em consórcio, ou seja, em comunidade (Silva et al., 2012). Devido uma quantidade considerável de acidentes envolvendo derramamentos, alguns métodos com baixo custo começaram a ser testados e se mostraram eficientes. A área da biotecnologia se mostrou bastante promissora quando se trata de biorremediação, técnica cuja vertente baseia-se na aplicação dos organismos vivos, como plantas, fungos e bactérias, que atuam na degradação de compostos nocivos ao meio ambiente (Geraldo; Maranhão, 2020). Para minimizar os efeitos dos poluentes petroquímicos, algumas refinarias utilizam técnicas de biorremediação in situ como o landfarming, onde os microrganismos vão atuar na degradação dos resíduos, convertendo em compostos menos tóxicos para os humanos e para o meio ambiente (Maciel et al., 2007). O processo de landfarming consiste na utilização de microrganismos do solo no tratamento de resíduos biodegradáveis, geralmente oleosos e provenientes de refinarias de petróleo (Guaracho et al., 2005). A partir do landfarming é possível criar outro tipo de técnica denominada biorreator, esta técnica é um método de biorremediação ex situ, que funciona como um ambiente isolado e controlado, onde ocorre a degradação do contaminante através dos microrganismos, aumentando a eficácia do processo (Boopathy, 2000), das metodologias de reatores biológicos utilizadas, uma delas é chamada de biorreator de batelada alimentada, onde o solo é posto sob agitação constante em meio aquoso, e os seus microrganismos são alimentados frequentemente com meio de cultura e petróleo, sendo este sua única fonte de carbono. Os microrganismos provenientes dos biorreatores de batelada alimentada quando cultivados em laboratório e processados, tem atividade surfactante, cujas propriedades anfifílicas permite ser uma técnica promissora na limpeza do solo, da água e dos animais atingidos pelos derramamentos. O biossurfactante é uma alternativa aos surfactantes químicos, 159

que em sua maioria são derivados do petróleo, esses surfactantes biológicos possuem algumas vantagens como biodegradabilidade, produção a partir de fontes renováveis e baixa toxicidade (Colla; Costa, 2003).

Objetivo O presente estudo teve como objetivo isolar os microrganismos de reator de batelada alimentada provenientes de Landfarming, além de testar sua biodegradação e a capacidade para a produção de biossurfactantes tanto individualmente, quanto em consórcio, para utilização no tratamento de borras oleosas.

Metodologia O experimento foi realizado no Laboratório de Biotecnologia de Microrganismos (LABMI) situado no Centro de Biotecnologia e Genética (CBG) da Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC), um laboratório de classe II. Os materiais foram devidamente autoclavados e na execução dos experimentos utilizou-se luvas e máscaras. As inoculações e pipetagens foram realizadas em cabine de fluxo laminar e ao redor de chama azul. Teste de biodegradação: Em uma placa de Petri foram adicionados meio mínimo com ágar, óleo proveniente dos derramamentos que atingiram as praias de Ilhéus em 2019, e os inóculos do biorreator de batelada alimentada que foram submetidos a diluição seriada previamente. Em seguida, incubou-se as amostras em temperatura ambiente e observou-se visualmente a sua biodegradação. Isolamento: As amostras de cada reator provenientes da Refinaria Landulpho Alves foram diluídas serialmente em salina a 0,83% e adicionadas em meio RM com ágar. As placas foram incubadas em uma estufa incubadora à uma temperatura de 28ºC até o crescimento de suas colônias. Os diferentes morfotipos obtidos foram plaqueados individualmente em meio RM através do método de semeadura e incubados a temperatura de 28ºC, até o seu crescimento, por fim realizou-se a coloração de gram. Análise qualitativa para produção de biossurfactantes: As colônias isoladas foram inoculadas em meio RM líquido e incubados no Shaker a temperatura ambiente e sob agitação constante a 200 rpm durante 5 dias. Após o crescimento celular, foram retiradas alíquotas de 15 ml de cada amostragem, centrifugando-as por 5 minutos, em seguida foi iniciado o teste de colapso da gota, retirando-se 1,8 ml da suspensão resultante da centrifugação, inoculando-se em aproximadamente 2 ml de petróleo presente em placas de ELISA, após alguns minutos foi- se determinado o resultado. Antes do teste, todas as amostras foram preparadas em condições idênticas e equilibradas em banho de água a 25 e 30o C por 30 minutos. O controle positivo foi preparado utilizando-se meio SDS, no controle negativo utilizou-se água.

Resultados e Discussão

A escolha do laboratório para condução das pesquisas é de fundamental importância para evitar acidentes no decorrer do estudo, este foi conduzido em um laboratório de microbiologia com classe de risco II que é o adequado ao trabalho que envolva agentes de risco moderado para as pessoas e para o meio ambiente. Durante esses meses foram adquiridas noções cientificas em autoclavagem e sua importância na esterilização dos materiais para eliminar prováveis contaminantes que resultam em falhas no experimento, daí a importância em respeitar tempo e temperatura. O uso de luvas é essencial para evitar contaminações do profissional para a amostra e vice e versa, uma vez que, em boa parte dos casos os trabalhos são realizados com microrganismos patogênicos ou desconhecidos. As inoculações e pipetagens foram realizadas em cabine de fluxo laminar e ao redor da chama azul, ambos são 160

indicados nessas ocasiões onde não sabemos com o que estamos trabalhando, na tentativa de evitar contaminação por aerossóis, ou que os microrganismos evadam para o meio exterior. No teste de biodegradação, pôde-se notar com o passar das horas e até algumas semanas, que houve a diminuição do óleo contido nas placas, deste modo deve-se destacar que os microrganismos provenientes do landfarming da refinaria Landulpho Alves e mantidos vivos durante 17 anos no biorreator de batelada alimentada do LABMI, cumpriram com o que era esperado e utilizaram o petróleo como sua única fonte de carbono (obtenção de energia), e teve como consequência a biodegradação que foi evidenciada através da redução da quantidade da superfície oleosa contida no meio (Figura 01), esse resultado observado é confirmado por De Souza et. al., (2016, p. 47) ao falar que “o landfarming é uma das tecnologias de remediação que consistem na aplicação do resíduo na superfície do solo, de modo a reduzir as concentrações dos constituintes de petróleo por meio da biodegradação microbiana”, no caso do experimento o solo foi substituído por meio mínimo solidificado, que criou o microcosmo necessário para que os microrganismos consumissem o hidrocarboneto constituinte do óleo, e este foi reduzindo com o passar do tempo. Vale ressaltar que esses microrganismos sofreram pressão seletiva quando atuavam na limpeza dos resíduos da refinaria, onde apenas os microrganismos que suportavam aquelas condições conseguiram sobreviver. Dos microrganismos provenientes do biorreator de batelada alimentada inoculados em meio RM sólido, foram encontrados 49 morfotipos diferentes (Figura 02), sendo diferenciados através de características coloniais como cor, tamanho, elevação, bordas, entre outras, e nomeados aleatoriamente, em seguida as colônias foram isoladas individualmente através do método de semeadura por estrias. A partir do isolamento foi possível a realização da coloração de Gram, este método é colorimétrico e microscópico e diferencia as bactérias gram-positivas das gram-negativas, e através dele foi possível observar que a maioria das bactérias isoladas eram gram-negativas, deve-se destacar que foram encontradas algumas linhagens de fungos e leveduras, um resultado semelhante foi obtido por Lima et al., (2010) que durante seu estudo com petróleo na província petrolífera de Urucu no Amazonas, observou que dos 42 morfotipos bacterianos 31 eram gram-negativos e apenas 11 eram gram-positivos, entretanto foram encontrados 41 tipos de fungos filamentosos, fato este que difere do encontrado nos estudos com os microrganismos provenientes do biorreator de batelada alimentada. Através desses dados é possível supor alguns parâmetros, o primeiro é que as bactérias gram-negativas têm a capacidade maior de sobreviver a superfícies oleosas do que as bactérias gram-positivas, uma vez que, estes sofreram pressão seletiva no landfarming da refinaria Landulpho Alves, o segundo é que a baixa quantidade dos fungos isolados a partir do biorreator de batelada alimentada, pode ser indício de que os fungos foram atingindo a sua fase de declínio no decorrer dos 17 anos em que o biorreator esteve ativo, ou que existem diferenças de microbiomas entre a Bahia e o Amazonas. A partir dos 49 morfotipos diferentes foi possível realizar a análise da produção de biossurfactantes de 27 deles, através do método de colapso da gota (Figura 03), nesse teste os sobrenadantes resultantes da centrifugação das colônias em meio líquido, são colocadas em placas de ELISA em conjunto com o óleo a ser testado, a partir daí e com o passar do tempo foi possível observar se houve a emulsificação do óleo. Nos poços em que ocorreu a emulsificação o resultado foi considerado positivo, se não houve nenhuma reação o resultado foi considerado negativo, os controles positivo (meio SDS) e negativo (água) serviram para confirmar a qualidade dos testes, no primeiro caso houve a reação esperada de emulsificação, no segundo caso não ocorreu nada. Dos tipos morfológicos diferente, 21 foram capazes de atingir a propriedade esperada que era a diminuição da tensão superficial, de modo que os biossurfactantes conseguissem chegar na parte oleosa. A tensão superficial reduzida é ocasionada pela presença de grupos hidrofílicos e hidrofóbicos dos biossurfactantes, o que permite que eles adquiram características 161

como detergência, solubilização, capacidade espumante, emulsificação e muitas outras (Nitschke; Pastore, 2002). Ainda segundo Nitschke; Pastore (2002, p. 774) “a capacidade dos biossurfactantes em emulsificar e dispersar hidrocarbonetos em água aumenta a degradação destes compostos no ambiente”. No experimento, foi possível observar que houve emulsificação do óleo quando em contato com o biossurfactantes (Figura 03), atestando a eficiência desse composto no tratamento do petróleo de origem desconhecida que atingiu as praias do Nordeste, no mínimo em escala laboratorial, abrindo novas perspectivas para testes em escalas maiores. Além dos testes individuais, os 27 microrganismos foram divididos de maneira aleatória em 9 grupos contendo 3 cada, esses foram denominados de consórcios microbianos e então foi observado que, quando atuando individualmente os microrganismos conseguiam atingir as propriedades esperadas lentamente, podendo demorar até dias, já quando postos em consórcio essas propriedades eram atingidas de maneira instantânea ou mais rapidamente que na outra situação, comprovando que os microrganismos atuando em conjunto são mais eficazes do que quando atuam de maneira individual, este fato foi comprovado por Dias et al., (2007), que em estudos realizados foi capaz de observar que os microrganismos atuando individualmente são mais lentos na degradação do petróleo, devido à complexidade das classes de hidrocarbonetos, sendo a união em consórcios, a alternativa mais efetiva.

Figura 01: Degradação do óleo com o passar do tempo. Fonte: Arquivo pessoal.

Figura 02: Microrganismos isolados de Figura 03: Teste do colapso da gota em placa de ELISA com biorreator de batelada alimentada. resultado positivo para biossurfactantes. Fonte: Arquivo pessoal. Fonte: Arquivo pessoal.

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Conclusão De acordo com o trabalho realizado, os microrganismos foram isolados e se mostraram como biodegradadores e produtores de biossurfactantes, destacando-se a utilização deles através de consórcios, que se mostraram mais efetivos em relação a utilização individual. A partir daí é necessário salientar que esses microrganismos podem ser biotecnologicamente processados e utilizados na limpeza de superfícies, tanques, vidrarias, água e animais contaminados por borras oleosas, além de ser uma alternativa na biodegradação do petróleo proveniente de derramamentos. É de extrema importância a realização de novos trabalhos relacionados a área, uma vez que, essa técnica se mostra bastante efetiva e com um melhor custo benefício em relação as técnicas sintéticas utilizadas para esse tipo de tratamento.

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Apoio Financeiro

Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

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Prospecção do potencial antifúngico de isolados bacterianos obtidos a partir da epiderme de anuros do quadrilátero ferrífero – MG

FERNANDES, C. H. P. 1; CORDEIRO, I. F. 1; SANCHEZ, A.B.1; MATOS, R. C. 1; MOREIRA, L. M.1,2

1Laboratório de Genômica e Interação Bactérias-Ambiente, Núcleo de Pesquisas em Ciências Biológicas, Universidade Federal de Ouro Preto, Ouro Preto, MG, Brasil. 2Departamento de Ciências Biológicas, Instituto de Ciências Exatas e Biológicas, Universidade Federal de Ouro Preto, Ouro Preto, MG, Brasil

1. Introdução A Estação Ecológica do Tripuí (EET) está localizada no Quadrilátero Ferrífero (QF), Ouro Preto, MG. A EET encontra-se em uma região de transição entre dois biomas, a Mata Atlântica e o Cerrado e, portanto, destaca-se por sua elevada biodiversidade, com destaque para a anurofauna (MYERS et al., 2000). A pele dos anuros exerce funções importantes, tais como proteção, respiração, osmorregulação e termorregulação e, por ser altamente permeável, sofre intensamente com a presença de contaminantes ambientais (DUELLMAN & TRUEB, 1986). Em outro cenário, bactérias com potenciais benéficos vêm se destacando no controle biológico de patógenos que afetam a produtividade de diversas culturas agrícolas. As bactérias podem desempenhar papeis de antagonismo de diferentes formas, como antagonismo direto, antibiose, competição por nutrientes, competição por nichos ecológicos, produção de sideróforos, predação e parasitismo, produção de enzimas, produção de compostos voláteis inibitórios, interferência com fenômenos de quorum sensing, indução a resistência, ou através mais de um mecanismo (GERHARDSON, 2002; ROMEIRO; GARCIA, 2009). As bactérias possuem capacidade de perceber a presença de outros organismos ao seu entorno, bem como alterações no meio em que estão inseridas, sendo essa característica primordial para sua sobrevivência. Para que as mesmas se estabeleçam em um ambiente, é necessário que seus genes sejam expressos em resposta a sinais de possíveis ameaças do ambiente e a microbiota presente (ROMEIRO, 2007). Recentemente, nossa equipe demonstrou que a microbiota associada a diferentes espécies de anuros desta região apresentam elevada tolerância a metais pesados (CORDEIRO et. al., 2019). Neste trabalho, esta mesma microbiota cultivável foi investigada quanto a seu potencial antifúngico. Para isso, 192 isolados bacterianos obtidos a partir da pele das espécies Boana albopunctata, Boana faber, Rhinella crucifer e Ischnocnema izecksohni foram investigadas como potenciais controladores biológicos de Fusarium oxysporum e Colletotrichum lindemuthianum, agentes causais da fusariose e da antracnose, respectivamente, e que acometem diversas culturas agrícolas de interesse comercial, acarretando prejuízos severos.

2. Objetivos O objetivo geral deste trabalho foi prospectar o potencial antifúngico de isolados bacterianos obtidos a partir da epiderme de quatro espécies de anuros, Boana albopunctata, Boana faber, Rhinella crucifer e Ischnocnema izecksohni, coletados na Estação Ecológica do Tripuí no Quadrilátero Ferrífero, Minas Gerais. Os objetivos específicos foram: i) avaliar a capacidade dos isolados em atuarem como biocontroladores dos fungos Colletotrichum lindemuthianum e Fusarium oxysporum; ii) investigar se as possíveis inibições são decorrentes de produtos difusíveis ou voláteis; iii) investigar características microbiológicas fundamentais, como capacidade de formação de biofilme e autoagregação dos isolados bacterianos; iv) identificar por sequenciamento da subunidade 16S do gene ribossomal, os isolados com maior potencial biotecnológico.

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3. Metodologia 3.1. Coleta e cultivo da microbiota A coleta da microbiota cutânea dos anuros foi realizada com o auxílio de um SWAB (cotonete) estéril e cultivada em meio Luria-Bertani (LB) (CORDEIRO et. al., 2019). Para cada SWAB impregnado, foram realizadas diluições em até 10-8. As diluições foram aplicadas em placas de Petri de 90x15 mm, em quantidades de 100 µl, contendo meio LB sólido, e incubadas a 28ºC por quatro dias. Para o isolamento das bactérias, foi realizada a técnica de esgotamento, o que permitiu a obtenção de colônias isoladas. Desta forma, foram obtidos 192 isolados bacterianos (CORDEIRO et. al., 2019).

3.2. Cultivo dos patógenos alvos Dois fungos fitopatogênicos foram selecionados como alvo: Colletotrichum lindemuthianum, agente causal da antracnose em feijoeiros, e Fusarium oxysporum, agente causal da fusariose. Os fitopatógenos foram reativados e crescidos em placas de Petri contendo meio ágar batata, mantidos a temperaturas entre 26 e 28°C por um período de 7 a 14 dias. Discos miceliais foram coletados com auxílio de canudos de plástico estéreis, de 6mm de diâmetro, os quais foram transferidos, com auxílio de um palito estéril, para placas de Petri contendo o mesmo meio. As placas foram acondicionadas em estufa bacteriológica a 28ºC por 7 dias para o Fusarium oxysporum e a 26ºC por 14 dias para o Colletotrichum lindemuthianum. A partir daí foi possível replicar esses fungos para ensaios posteriores.

3.3. Avaliação da atividade antagonista por inibição direta contra os fitopatógenos Para caracterização inicial de ação antagônica, os 192 isolados foram avaliados contra o F. oxysporum, por meio de ensaio de inibição direta. Para isso, as bactérias com densidade óptica (OD600nm) padronizada em 0,1, foram semeadas na forma de um quadrado de aresta de 3 cm, no centro de placas de Petri de 90x15 mm, contendo meio Batata Dextrose Ágar (BDA). Posteriormente, um disco micelial de 6 mm de diâmetro, de uma cultura de fungo em meio BDA, foi inserido na porção central do quadrado e incubado a 28°C, até que o crescimento do fungo na placa controle (sem bactéria) atingisse 30 mm de diâmetro. Após este período, a taxa de inibição foi calculada medindo-se o diâmetro de crescimento do fungo, seguido da exclusão da medida de 6 mm referente ao disco micelial previamente inoculado. Em seguida, foi calculado o desvio padrão, levando em consideração a média de cada amostra, realizada em triplicata (em relação ao experimento controle) e o valor obtido foi multiplicado por 100, obtendo assim o resultado em porcentagem. Os isolados que apresentaram um melhor desempenho foram avaliados contra o C. lindemuthianum, nos mesmos modelos metodológicos estabelecidos para F. oxysporum. Todos os ensaios foram realizados em triplicata.

3.4. Avaliação da atividade antagonista por inibição indireta por compostos difusíveis contra fitopatógenos Este ensaio foi adaptado de Bomfim et. al., 2010. Inicialmente, acondicionou-se o papel celofane P45 estéril sobre o meio BDA previamente vertido em placas de Petri de 90x15mm. Sobre a superfície deste papel celofane 200µl da cultura de bactérias com densidade óptica (OD600nm) ajustada em 0,1, foram pipetadas, e a suspensão homogeneamente distribuída por toda a superfície com auxílio de uma alça de Drigalsky, evitando o contato da suspensão diretamente com o meio de cultura. Em seguida, as placas foram incubadas por 24 h, a 26°C para C. lindemuthianum e 28ºC para F. oxysporum. Após esse período, retirou-se o papel celofane contendo colônia de 24 bactéria, e sobre a superfície do meio BDA foi inserido no centro da placa um disco micelial de 6 mm de diâmetro, derivado de uma cultura de fungo em meio BDA previamente cultivado. As 165

placas foram novamente incubadas até que o crescimento do fungo na placa controle (sem bactéria) atingisse 30 mm de diâmetro, diâmetro este verificado com auxílio de um paquímetro digital.

3.5. Avaliação de termoestabilidade dos isolados e compostos difusíveis Inicialmente, 200 µL dos isolados bacterianos foram acondicionados em termobloco à 80ºC por 5 min. Em seguida todos os passos metodológicos estabelecidos com uso de papel celofane, anteriormente descritos, foram realizados. A temperatura de 80ºC foi escolhida de forma empírica, devido ao Quadrilátero Ferrífero ser um ambiente extremófilo, com variações de temperatura entre 4 a 72ºC.

3.6. Avaliação da atividade antagônica indireta mediada por compostos voláteis Este ensaio foi adaptado de Bomfim et. al., 2010. O método se baseia na confrontação indireta dos microrganismos contra os patógenos. Para isso, foram utilizadas placas de Petri de 90x15mm septadas de 3 câmaras contendo meio BDA. Um disco de micelial foi inserido em uma das câmaras, 10 µL de uma cultura com OD600= 0,1 da potencial bactéria controladora em outra câmara, ficando a terceira câmara vazia. As placas foram incubadas até que o crescimento do fungo na placa controle (sem bactéria) atingisse 30 mm de diâmetro.

3.7. Avaliação dos ensaios de Inibição Foi realizada a análise dos ensaios de inibição dos quatro testes citados anteriormente. Após o período de incubação, a taxa de inibição foi calculada medindo-se o diâmetro de crescimento do fungo, seguido da exclusão da medida de 6 mm referente ao disco micelial previamente inoculado. Em seguida, foi calculado o desvio padrão, levando em consideração a média de cada amostra, realizada em triplicata (em relação ao experimento controle) e o valor obtido foi multiplicado por 100, obtendo assim o resultado em porcentagem.

3.8. Ensaios de produção de amilase Utilizou-se um ágar-amido autoclavado por 15 min a 120°C. Os isolados foram 25 crescidos em meio LB por 24 h a 28°C, e tiveram a OD ajustada para 0,1. Em seguida, 2µl da suspensão de bactérias foi aplicado no centro da placa, que por sua vez foi incubada por 48 h a 28ºC. Para revelar o ensaio, cobriu-se o meio de cultura com uma solução de lugol a 5% por 5 min. Após esse tempo, o lugol foi descartado e as bactérias produtoras de amilase foram as que apresentaram um halo transparente no entorno de suas colônias, enquanto todo o resto da placa fica corado de marrom (STRAUSS et al., 2001).

3.9. Ensaios de produção de celulase Utilizou-se um meio contendo ágar carboximetilcelulose (CMC). Os isolados foram crescidos em meio LB por 24h a 28°C, e tiveram a OD ajustada para 0,1. Em seguida, 2µl da suspensão de bactérias foi aplicado no centro da placa. As placas foram incubadas por 48h. Em seguida, os resultados foram revelados adicionando solução de vermelho congo (2,5g/L) em tampão Tris-HCl 0,1 M, pH=8,0, até cobrir toda a superfície do ágar por 15 min. O corante foi descartado e as placas lavadas com solução NaCl 1M por mais 15 min. (MENEGATTO, 2019).

3.10. Ensaios de produção de protease Utilizou-se um meio composto por 20g/L de leite em pó desnatado, 5g/L de peptona, 3g/L de extrato de levedura, 10g/L de glicose e 20g/L de ágar, pH 5,0. Os isolados foram crescidos em meio LB por 24 h a 28°C, e tiveram a OD ajustada para 0,1. Em seguida, 2µl da suspensão de bactérias foi aplicado no centro da placa. As bactérias positivas para produção de protease foram capazes de formar um halo mais claro que o meio (STRAUSS et al., 2001). 166

3.11. Avaliação dos ensaios de produção de enzimas A avaliação desses ensaios consistiu na medição do diâmetro da colônia e o diâmetro do halo transparente formado após incubação, o que indica resultados positivos. Foi realizado o cálculo de Índice Enzimático (Hankin e Anagnostakis et. al.,1975) para determinar a atividade enzimática dos isolados, utilizando relação entre o diâmetro médio do halo de degradação e o diâmetro médio da colônia e expressa como índice enzimático (Diâmetro do halo/ diâmetro da colônia). (STRAUSS et al., 2001).

3.12. Ensaios de produção de biofilme Este ensaio foi adaptado de Muzzolón (2010). A cultura dos isolados bacterianos em meio LB previamente mantidos a 28°C tiveram suas OD600nm ajustadas a 0,1. Em seguida, 200 µL desta suspensão foram rearranjados em placa estéril de 96 poços e armazenadas em BOD a 28ºC. Após esse período, a placa foi enxaguada em água por duas vezes e deixada secar por uma hora invertida na bancada e sobre papel absorvente. Em seguida, acrescentou-se 125 µl de cristal violeta, deixando agir por 45 min. Posteriormente, as placas foram lavadas e deixadas para secar por uma hora em temperatura ambiente. Por fim, Adicionou-se 125 µl de álcool a 95%, deixando agir por 45 min. Foi realizada a leitura no espectrofotômetro das soluções a 550 nm e, com os dados obtidos foram gerados os gráficos. Este ensaio foi realizado em duplicata, e o valor final foi calculado por meio da média entre os dois resultados.

3.13. Ensaios de auto-agregação Este ensaio foi adaptado de Muzzolón (2010). Os isolados bacterianos foram cultivados em meio LB durante 24 h, após esse período, centrifugou-se a cultura a 15000 xg, por 5 min. O sobrenadante foi descartado e o pellet foi ressuspendido em 5 mL de PBS. As culturas foram padronizados com densidade óptica (OD600nm) em 0,1, diluindo-as com PBS e deixadas em repouso por duas h, a 37ºC. O sobrenadante foi utilizado para medição da OD. Para determinar a porcentagem de auto-agregação de cada isolado, aplicou-se a seguinte fórmula: Auto agregação % = 1 - (ODFINAL /ODINICIAL) x 100.

3.14. Ensaio de solubilização de fosfato Este ensaio foi adaptado de Katznelson & Bose (1959). Os isolados bacterianos foram padronizados com densidade óptica (OD600nm) em 0,1 meio LB, previamente mantidos a 28ºC. Em seguida, foram inoculados 2 µl das culturas no centro das placas de Petri de 90x15 mm de diâmetro contendo meio sólido fosfato. As placas foram acondicionadas em BOD a 28ºC por 10 dias. Este ensaio visou a observação de um halo translúcido ao redor do crescimento das colônias, indicando resultado positivo na solubilização de fosfato inorgânico.

3.15. Ensaio de fixação de nitrogênio Este ensaio foi adaptado de Rennie, 1981. Os isolados bacterianos previamente crescidos em meio LB a 28°C foram padronizados com densidade óptica (OD600nm) em 0,1 e adicionados em microtubos contendo meio específico, incubando por 5 dias a 28ºC. O meio foi composto por: 5g de manitol, 5g de sacarose, 0,4g/L de K2HPO4, 0,4g/L de KH2PO4, 0,2g/L de MgSO4.7H2O, 0,02g/L de CaCl2, 0,002g/L de NaMoO4.H2O, 0,01 FeCl3, 0,075 de bromotimol. O pH foi ajustado para 5,7 e depois de autoclavado a 120°C por 15 minutos. Os microrganismos capazes de fixar nitrogênio foram detectados observando a formação de película na superfície do meio.

3.16. Extração do DNA genômico 167

A metodologia usada para a extração do DNA dos isolados bacterianos foi previamente descrita por Queipo-Ortuño et al. (2008) e Diana et al. (2012). Um volume de 1,5 mL de meio líquido contendo células bacterianas, crescidas por 24 h, a 26ºC em meio LB, foram centrifugadas a 15000 xg por 15 min. O sobrenadante foi retirado e o pellet foi ressuspendido em 1 mL de água ultra pura, e centrifugado em 15000 xg por 10 min. O sobrenadante foi retirado e o pellet ressuspendido em 40 µL de água ultra pura, e assim as amostras foram colocadas em banho-maria a 100°C por 10 min e logo depois foram colocadas no freezer a -20°C por 10 min. Depois foram centrifugadas a 15000 x g por 20s, e retirado o sobrenadante contendo o DNA genômico.

3.17. Amplificação da região 16S Os isolados foram submetidos a reações de PCR, Para cada amostra foi usado 3 µL do Buffer +MgCl² (10 x), 1,13 µL de dNTP (10 mM), 4,5 µL dos primers foward (10 pM) e reverse (10 pM), 0,48 µL de Taq (5U/µl), 1 µL do DNA genômico em uma concentração de 20 ng/µL e 15,36 µL de água ultrapura. A amplificação foi submetida à um ciclo inicial de 5 min por 94 ºC, seguido de 35 ciclos de 30 s. a 94 ºC, 1 minuto a 57 ºC, 1 minuto a 72ºC, e um ciclo final de 5 min a 72ºC. As reações foram realizadas em termociclador Biocycler® e as regiões de DNA amplificadas foram analisadas em gel de agarose 0,8%, utilizando 5 µl do produto de PCR para verificação da qualidade. A integridade das amostras foi verificada em gel de agarose 0,8% e as amostras foram quantificadas utilizando NanoDrop Lite Spectrophotometer da Thermo Fisher Scientific™. A reação de sequenciamento foi realizada com o sequenciador automático de primeira geração (Método de Sanger) com 96 capilares, ABI 3730 XL DNA Analyzer (Applied Biosystems, Foster City, California (CA)), no Centro de Recursos Biológicos e Biologia Genômica, UNESP Jaboticabal. As sequências de DNA foram analisadas utilizando-se o programa BLASTn (Basic Local Alignment Serch Tool) (Altschul, 1990).

3.18. Análise das sequências obtidas Este método foi adaptado de Modificado de Altschul, 1990. As sequências de DNA foram analisadas utilizando-se o programa BLASTn, no banco de dados 16 S, disponível no portal NCBI desenvolvido pelo National Center For Biotechnology Information. Para isso, a sequência Fasta sendo fornecida pelo centro de sequenciamento, passaram por uma avaliação de qualidade e os nucleotídeos indefinidos (N) foram eliminados de ambas as extremidades, e a partir daí analisadas pela ferramenta Blast contra o banco de sequências de RNAs ribossomais. Os melhores valores de cobertura, identidade, e-value e score foram considerados para fins de comparação, e os melhores valores a partir destas análises foram consideradas para representar cada uma das cepas com os respectivos gêneros associados. O perfil filogenético, baseado na sequência do gene ribossomal 16S foi determinado pelo programa Phylogeny-Fr, disponível no domínio http://www.phylogeny.fr/, usando os parâmetros padrão para análises a partir de um único clique (one click). Para isso, uma sequência ultifasta contendo todas as sequências das cepas identificadas neste trabalho, e outras de referência, foram carregadas no programa, que usou a seguinte sequência de ferramentas para apresentar os resultados: alinhamento múltiplo usando MUSCLE (https://www.ebi.ac.uk/Tools/msa/muscle/), curadoria mediada por GBLOCKS (http://phylogeny.lirmm.fr/phylo_cgi/one_task.cgi?task_type=gblocks), filogenia definida por PhyML (http://www.atgc-montpellier.fr/phyml/) e árvore estabelecida com TreeDyn (http://www.treedyn.org/).

4. Resultados e Discussão 168

Dos 192 isolados bacterianos testados inicialmente, 15 apresentaram resultado positivo para antagonismo direto contra F. oxysporum, com taxas entre 24 e 60%. Destes, 8 isolados se destacaram por inibir C. lindemuthianum pelo mesmo ensaio, com taxas entre 80 e 100%. A figura 1 mostra exemplos do resultado de antagonismo por inibição direta em placas de Petri, onde pode-se observar as taxas de variação no crescimento de ambos fitopatógenos, cuja taxa de inibição foi de 53 e 100% respectivamente para F. oxysporum e C. lindemuthianum.

Figura 1. Imagens dos ensaios de inibição direta contra os alvos investigados. (A) Placa controle contendo apenas o fungo F. oxysporum, sem bactéria controladora; (B) Placa controle contendo apenas o fungo C. lindemuthianum, sem bactéria controladora; (C) F. oxysporum com isolado bacteriano; (D) C. lindemuthianum com isolado bacteriano.

Diante disso, 2 destes isolados foram selecionados para testes posteriores contra F. oxysporum e 7 contra C. lindemuthianum. Estes apresentaram resultado positivo para inibição indireta por compostos difusíveis com taxas entre 40 e 73% contra F. oxysporum e 96 a 100% contra C. lindemuthianum. A figura 2 mostra exemplos do resultado de antagonismo por inibição indireta por compostos difusíves em placas de Petri, onde pode-se observar as taxas de variação no crescimento dos fitopatógenos, cuja taxa de inibição foi de 73 e 100% para F. oxysporum e C. lindemuthianum, respectivamente.

Figura 2. Imagens dos ensaios de inibição indireta por compostos difusíveis contra os alvos investigados. (A) Placa controle contendo apenas o fungo F. oxysporum, sem bactéria controladora; (B) Placa contendo apenas o fungo C. lindemuthianum, sem bactéria controladora; (C) F. oxysporum com inibição por compostos difusíveis; (D) C. lindemuthianum com inibição por compostos difusíveis.

Quanto ao teste de inibição indireta por compostos difusives e termoestáveis, os isolados apresentaram taxas de inibição entre 30 e 50% contra F. oxysporum e 72 e 100% contra C. lindemuthianum. Em relação ao ensaio de inibição indireta por compostos voláteis, os resultados foram negativos, evidenciando que essas bactérias não produzem substâncias voláteis inibitórias. Além disso, 6 dentre os 8 isolados testados, foram capazes de produzir as três enzimas: amilase, celulase e protease e todos eles apresentam capacidade de se autoagregar e formar biofilme. Ademais, 6 destes isolados foram capazes de solubilizar fosfato e 4 de fixar nitrogênio.

169

No presente estudo, os isolados bacterianos apresentaram diferentes gêneros tais como Bacillus sp., Pseudomonas sp., Pantoea sp., Staphylococcus sp. e Raoultella sp. Magalhães (2013) demonstrou resultados semelhantes em seu estudo de antagonismo contra fungos de interesse agrícola através das espécies Burkholderia plantarii, Burkholderia glumae, Burkholderia gladioli e Bacillus subtilis. Estudos mostram que alguns fatores importantes para a supressão de fitopatógenos podem estar relacionados a metabólitos como antibióticos, enzimas e compostos voláteis produzidos por bactérias (HAAS; DEFAGO, 2005; FERNANDO et. al., 2005; LUGTENBERG; KAMILOVA, 2009; LI et. al., 2012; AL-MUGHRABI et. al., 2013). As bactérias desenvolvem mecanismos para afastar outros organismos e conseguir proliferar e se desenvolver. Elas podem produzir substâncias com diferentes níveis de atividade antifúngica específica ou de amplo espectro (RAAIJMAKERS; MAZZOLA, 2012). Nesse cenário, os metabólitos microbianos produzidos pelas bactérias possuem um papel primordial para adaptação das mesmas, permitindo-as de responder aos outros microrganismos presentes e alterações do meio em que estão inseridos. (BERLEMAN; KIRBY, 2009). Além disso, metabólitos biológicos são muito menos danosos ao meio ambiente, contrapondo o uso de compostos químicos, os quais são os mais utilizados para o tratamento da fusariose e antracnose. Em paralelo a este cenário de importância da descoberta de novas biomoléculas de interesse biotecnológico, nas últimas décadas, uma média de 43% das espécies de anfíbios sofreram declínio, 32,5% estão ameaçadas globalmente, 34 extintas e 88 estão prestes a serem extintas (LIPS et al. 2006). Muitas das vezes, tais declínios possuem relação à ocorrência de novos patógenos. (CAREY et al., 1999). Neste contexto, a utilização de anfíbios como fonte de bactérias a serem utilizadas como controladores biológicos, gera significado econômico à importância da conservação, agregando não apenas valores a serviços ecossistêmicos, mas também destacando uma área até então não estudada sob esta perspectiva no território nacional.

5. Conclusão Ainda não existem formas de manejo eficazes contra a fusariose e antracnose, sendo assim, torna-se necessário a criação de estratégias eficientes para o controle de tais doenças. O controle biológico, utilizando microrganismos, é uma maneira eficiente e sustentável para o manejo de fitopatologias. Os resultados do presente estudo revelaram a capacidade antifúngica dos isolados bacterianos, a qual se dá por difusividade no meio. Além disso, pôde-se observar as características microbiológicas fundamentais dos isolados bacterianos, como produção de enzimas, fixação de N, solubilização de fosfato, capacidade de formação de biofilme e autoagregação dos isolados bacterianos. A utilização de anfíbios como fonte de bactérias a serem utilizadas como controladores biológicos, gera significado econômico à importância da conservação, agregando não apenas valores a serviços ecossistêmicos, mas também destacando uma área até então não estudada sob esta perspectiva no território nacional e evidenciando a potencialidade dos microrganismos de um ambiente pouco estudado. Diante dos resultados obtidos, conclui-se que os isolados bacterianos apresentados neste trabalho apresentam potencial antagônico contra fungos de importância agrícola até então desconhecido, apresentando-se como uma possibilidade promissora para o controle de doenças causadas pelos fungos F. oxysporum e C. lindemuthianum em plantas.

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6. Referências Bibliográficas BERLEMAN, J. E.; KIRBY, J. R. Deciphering the hunting strategy of a bacterial wolfpack. FEMS Microbiology Review, v. 33, p. 942-57, 2009. CAREY, C.; COHEN, N.; ROSSILNS-SMITH, L. Amphibian declines: an immunological perspective. Developmental and Comparative Immunology, 1999. CORDEIRO, I. F. et. al. Arsenic resistance in cultured cutaneous microbiota is associated with anuran lifestyles in the Iron Quadrangle, Minas Gerais State, Brazil. Ouro Preto, 2019. DUELLMAN, W. E., & TRUEB, L. (1986). Biology of amphibians. McGraw-Hill Publishing Company, New York. 670p. GERHARDSON, B. Biological substitutes for pesticides. Trends in Biotechology, London, v. 20, n. 8, p. 338-343, 2002. HAAS, D.; DEFAGO, G. Biological control of soil-borne pathogens by fluorescente pseudomonads. Nature Reviews Microbiology, v. 3, p. 307-319, Apr. 2005. LUGTENBERG, B.; KAMILOVA, F.; Plant-growth-promoting rhizobacteria. Annual Review Microbiology, v. 63, p. 541-556, Oct. 2009. MYERS, N., MITTERMEIER, R. A., MITTERMEIER, C. G., FONSECA G. A., & KENT, J. (2000). Biodiversity hotspots for conservation priorities. Nature, 403(6772), 853-858. RAAIJMAKERS, J. M.; MAZZOLA, M. Diversity and natural functions of antibiotics produced by beneficial and plant pathogenic bacteria. Annual Review Phytopathology, v. 50, p. 403-424, 2012. ROMEIRO, R. S.; GARCIA, F. A. O. Indução de resistência em plantas a patógenos por eliciadores de natureza bacteriana. In: BETTIOL, W.; MORANDI, M. A. B. (Eds.). Biocontrole de doenças de plantas: Uso e perspectivas. Jaguaraúna: Embrapa Meio Ambiente, p. 85-99, 2009.

7. Apoio Financeiro UFOP, CAPES, FAPEMIG, CNPq

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Interação físico-química do adsorvente com Saccharomyces cerevisiae imobilizada em superfície

MENDES, C.R.1, DILARRI, G.1, BIDOIA, E.D.1, MONTAGNOLLI, R.N.2

1Departamento de Bioquímica e Microbiologia, Universidade Estadual Paulista (UNESP), Avenida 24-A, 1515, Rio Claro-SP, Brasil. 2Departamento de Ciências da Natureza, Matemática e Educação-Centro de Ciências Agrárias, Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), SP-330, km 174, Araras-SP, Brasil.

Introdução A produção total de corantes no mundo é estimada em mais de 800.000 toneladas ao ano, dos quais 280.000 toneladas entram no meio ambiente através do descarte do efluente industrial (Mendes et al., 2019). Corantes são considerados tóxicos, pois são formados por hidrocarbonetos como benzeno, tolueno, etil-benzeno e xilenos (BTEX) que são moléculas mutagênicas e carcinogênicas. Além disso, a carga orgânica liberada junto ao efluente gera modificações no ecossistema devido ao aumento na turbidez da água, o que diminui a penetração do espectro de luz. Isso altera a atividade fotossintética, o regime de solubilidade dos gases e diminui a taxa de oxigênio disponível no ambiente aquático (Mendes et al., 2015). A ausência de cor no efluente da indústria não resulta em uma baixa toxicidade. Isso, porque alguns processos degradam apenas o grupo cromóforo da molécula do corante, característico por alcançar um comprimento de onda referente à cor do corante no espectro visível. Portanto, a degradação parcial pode gerar subprodutos mais tóxicos do que o corante inicial como aminas primárias (Dilarri et al., 2016). Sendo assim, é necessária a remoção completa da molécula do corante ou sua mineralização por processos químicos ou biológicos. Por isso, muitos estudos associados ao tratamento de efluentes têxteis foram propostos: fotocatálise, processos microbiológicos de degradação e adsorção (Boardman et al., 2017). A adsorção propõe a remoção completa das moléculas de corante a partir de uma ligação favorável com um material adsorvente. Esse método é vantajoso pela reutilização do material adsorvente, curtos períodos de tratamento, produção nula de compostos secundários tóxicos e alta seletividade (Fávere et al., 2010). Dentre os materiais adsorventes propostos para o tratamento de efluentes têxteis estão os lignocelulósicos (Low et al., 2013); nanocompostos de sílicofosfato (Gupta et al., 2014); e hidrogel de quitosana (Boardman et al., 2017). A obtenção da quitosana é dada pela desacetilação da quitina obtida de cascas de crustáceos proveniente de resíduo pesqueiro. A presença do grupo amino também confere à quitosana afinidade por íons das moléculas de corantes, seja por mecanismos de quelação para cátions em soluções próximas a neutralidade ou pela atração eletrostática e troca iônica para ânions em soluções ácidas. (Dilarri et al., 2018). Atualmente, é possível encontrar pesquisas envolvendo a levedura não patogênica Saccharomyces cerevisiae nos métodos de adsorção pela parede celular do micro-organismo, a qual possui sítios disponíveis de interação com corantes (Fleet, 1985). A quitina presente na parede celular de S. cerevisiae possui em torno de 10% de grupos amino livres (Dilarri e Corso, 2017). Desse modo, se torna efetivamente favorável em processos adsortivos. S. cerevisiae é uma levedura versátil e de baixo custo, não patogênica, de fácil manuseio, amplamente utilizada em vários setores industriais. A levedura pode ser imobilizada no biopolímero de quitosana a fim de sintetizar um material adsortivo, com características superiores às encontradas nesses materiais separadamente. Esse estudo visa investigar novos materiais para os tratamentos adsortivos de corante têxtil para ampliar as perspectivas do método de adsorção.

Objetivos 172

Sintetizar um material adsorvente a partir do biopolímero quitosana com S. cerevisiae imobilizada em superfície e avaliar as características do material adsorvente.

Metodologia Corante O corante Acid Blue 25 da Sigma Aldrich®, contém 40% de pureza, número de registro no banco de dados do Chemical Abstract Service (CAS) 6408-78-2 e massa molar 416,38 g mol-1.

Quitosana Quitosana da Sigma Aldrich®, sendo derivada de cascas de camarão com 90% de grau de desacetilação. Isso corresponde a 5x10-3 mols de grupo amino por grama. O material tem granulometria de 80 mesh, densidade de 0,38 g mL-1, conteúdo máximo de 1% de cinza e pH neutro.

Levedura S. cerevisiae S. cerevisiae (ATCC® 9763™) foi obtida na forma liofilizado pela Fermix®, Ltd, Lote 507657.

Esferas de quitosana com levedura imobilizada Para a polimerização na forma de hidrogel foi diluído 1 g de quitosana em 35 mL de solução de ácido acético a 5% (v/v). O gel foi gotejado em 250 mL de NaOH a 2,5 mol/L. As esferas formadas foram secas em estufa a 50 ºC por 12 horas. Para a imobilização da S. cerevisiae, as esferas ficaram em contato em solução salina contendo 108 células. Uma alíquota da solução inicial e final foram retirada e analisada em espectrofotômetro UV-Vis para determinar a quantidade de células imobilizadas por transmitância. Os valores de imobilização foram calculados a partir da Equação 1.

[ ( )] 퐼푚(%) = 퐴푏푖− 퐴푏푓−퐴푏푤 .100 (1) 퐴푏푖

onde, Im (%) é a percentagem de células imobilizadas, Abi é a absorbância da solução de levedura inicial, Abw é a amostra de controle contendo apenas absorbância da solução salina, e Abf é a absorbância da solução de levedura após o período de contato com as esferas.

Cinética de Adsorção Uma solução de 10 mL na concentração de 100 μg mL-1 de corante Acid Blue 25 foi preparada contendo 50 mg do material adsorvente. A cada 30 minutos uma alíquota da solução foi retirada e analisada em espectrofotômetro UV-Vis ajustado para varredura entre 300 e 800 nm. O corante adsorvido foi calculado na Equação 2.

푞푒 = 푉.(퐶표−퐶푒) (2) 푊푖

onde, Wi é a massa do adsorvente (mg), Co a concentração inicial e Ce concentração no equilíbrio (μg mL− 1), V é volume (mL) e qe é a concentração adsorvida (μg mg −1).

Espectrofotômetria no Infravermelho por Transformada de Fourier (FT-IR) 173

O material esférico QLI foi caracterizado em espectrofotômetro FT-IR (Shimadzu®, Model IR Prestige21) antes e após contato com o corante Acid Blue 25 nos pH 2,5 e 8,5 para avaliar as diferentes interações entre o corante e o sítio de interação adsortiva no material. O equipamento foi ajustado para varredura em comprimentos de onda entre 4000 e 400 cm-1. As leituras das bandas foram feitas a partir da preparação de um pellet contendo 149 mg de KBr e 1 mg de amostra do material a ser caracterizado sob compressão de 40 kN. Os pellets foram analisados no FT-IR e as bandas lidas com 4 cm-1 de resolução e um total de 32 scanning.

Microscopia Eletrônica de Varredura (MEV) A esfera de quitosana com levedura imobilizada foi fixada a um stub usando uma fita adesiva de carbono. A amostra foi recoberta com uma camada de 20 nm de ouro por sistema de deposição por pulverização catódica em metalizadora (BalTec®, modelo SCD50 sputter coater). A morfologia da superfície foi avaliada por microscopia eletrônica de varredura (JEOL®, modelo JSM-6360LV). O equipamento conta com detector de elétrons retro espalhado e um detector secundário acoplado a um analisador de energia dispersiva (EDS) operando em alto vácuo com uma bomba mecânica para o vácuo primário (10-3 Torr) e vácuo secundário (10- 6 Torr). As imagens foram obtidas utilizando tensão de aceleração de 5 KV e aumento médio de 400x.

Resultados

As esferas de quitosana com levedura imobilizada atingiram o equilíbrio de adsorção em 270 minutos, de acordo com os últimos três pontos de estabilização no gráfico, que correlaciona a quantidade adsorvida de corante Acid Blue 25 em determinado tempo. O −1 material mostrou um qe(exp)= 28,207 μg mg , R= 0,982 (Figura 1).

40 38 36 34 32 30 28 26 ) 24 -1 22 20 18 16

µg.mg 14

( 12 10 qe 8 6 4 2 0 0 30 60 90 120 150 180 210 240 270 300 330 360 390 Tempo (minutos)

Figura 1. Cinética de adsorção do material adsorvente.

Os espectros de FT-IR são como impressões digitais de moléculas, qualquer alteração nas bandas é devido a uma conexão ou interação com outra molécula (Dilarri et al., 2016). Desse modo, as análises em FT-IR revelam quais grupos químicos estão influenciando nos processos adsortivos. A Figura 2 mostra as características do corante Acid Blue 25 pelo espectro em FT-IR. O corante exibiu uma pico intenso a 1571 cm-1, isto representa o grupo carboxílico –COOH na molécula. Outro pico intenso é mostrado em 1274 cm-1 no estiramento da ligação –C-O. O pico 174

1414 cm-1 pode ser atribuído à curvatura de N=O de algum hidrogênio do grupo hidróxi. O pico em 1233 cm-1 representa a vibração do carbono em anéis aromáticos. Os picos 1023 e 633 cm-1 representam a vibração e o estiramento dos grupos sulfônicos –1 do corante, respectivamente. Em 2367 e 3429 cm são resíduos de CO2 presente no ar e aminas primárias presente na amostra.

Acid Blue 25 1.6

1.4 1571 1274 1.2 1233 1.0

0.8 3429 1023

0.6 633 732

Absorbância 0.4 554

2367 0.2 927

0.0 1414

4000 3600 3200 2800 2400 2000 1600 1200 800 400 Número de onda (cm-1\+)

Figura 2. Espectro de FT-IR do corante Acid Blue 25.

O FT-IR foi uma ferramenta útil nesse estudo para identificar possíveis ligações ou deformações no material devido os processos adsortivos. Foi possível indicar a ocorrência de modificações química ou ligações físicas baseadas nas alterações dos espectros antes e após a adsorção. A figura 3 mostra as alterações no espectro referentes ao processo de imobilização celular de S. cerevisiae em superfície da esfera de quitosana. O pico 1452 cm-1 característico de vibração do grupo C=C no anel aromático presente na quitina da parede celular desaparece após o contato com a quitosana. Assim como em 993 cm-1 de forte intensidade característica do grupo C=CH2 que também desaparece após contato com a quitosana. Os picos 1074 cm-1 e 1044 cm-1 ocorrem deformações e diminuições da intensidade. Essas regiões representam as vibrações do grupo –C-O, característico da configuração molecular β (1 → 3) glucano presente na parede celulares da levedura. É possível afirmar que as deformações indicam alteração eletrostática, portanto, o processo de imobilização por contato se dá por ligação química. Os dados de FT-IR indicam que a imobilização ocorre principalmente pelos grupos presentes na quitina da parede celular. Podendo ainda ocorrer à imobilização eletrostática pelo potencial ζ devido à diferença de carga na superfície da parede celular que permite a adesão favorável ao suporte.

175

Quitosana S. cerevisiae 1.8 1079 Quitosana com levedura

1.6 1560 1027

1.4 1408 1646 1.2 1153

1.0 1335 1044 0.8 1074 655 0.6

Absorbância

0.4 993 0.2 1452 0.0

2000 1800 1600 1400 1200 1000 800 600 400 -1\+ Número de onda (cm )

Figura 3. Espectro de FT-IR durante o processo de imobilização da S. cerevisiae em quitosana.

Foi observado na figura 4 deformações no espectro das esferas de quitosana com levedura imobilizada após adsorção do corante Acid Blue 25 em pH ácido e modificações na intensidade das bandas em pH alcalino. Em pH 2,5 ocorre uma deformação nos picos em 1646 e 1560 cm-1 correspondentes aos grupos –NH e –CO-CH3 que estão presentes na quitina da parede celular da levedura e na quitosana. Foi observado um deslocamento em 1333 cm-1 um o alongamento da ligação –C– NH, o que reforça o mecanismo de interação desse grupo com o corante. Em 1253 cm-1 mostra a vibração da ligação –C=O, outro grupo químico presente na quitina e em várias outras moléculas da estrutura da parede celular da levedura. Em 655 cm-1 característico de estiramento –C-N-C presente nas proteínas das células de levedura, apresenta deformações leves no espectro. O pico 612 cm-1 apresenta deformação, esse região representa o alongamento dos grupos sulfônicos –SO3 pertencentes a molécula do corante. É possível que esse grupo esteja interagindo por troca ou compartilhamento de elétrons com o material adsorvente. O corante Acid Blue 25, possui um grupo sulfônico reativo (–SO3Na) que confere solubilidade em meio aquoso. Em solução o íon sódio (Na+) dissocia-se e propicia o - aparecimento do grupo sulfônico (–SO3 ), capaz de formar ligações de caráter iônicas. Além disso, quando o pH da solução é acidificado aumenta as quantidades de íons H+ que interfere na protonação dos grupos amino e hidroxila presente na quitosana e aumenta as interações adsorbato/adsorvente. -1 Em 993 cm o pico de intensidade fraca do grupo C=CH2 desaparece, sendo outro grupo de interação com o corante. Em 1408 cm−1 é a vibração do estiramento simétrico do grupo – -1 COOH. Também ocorre o aparecimento do pico 1379 cm característico do grupo –CH3 o que indica fortes interações nessa região. Em pH acidificado ocorre uma interação química com vários grupos presente na quitosana e na parede celular da levedura. Esse resultado confere a possibilidade de interações por quimiossorção. O espectro de adsorção em FT-IR a pH 8,5 não mostrou qualquer alteração. No entanto ocorre aumento da intensidade de alguns picos que indica maior presença desses grupos químicos. Este resultado demonstra que as interações adsortivas podem estar ocorrendo por físiossorção. 176

Quitosana com levedura 1.8 pH 8,50 1079 pH 2,50 1.6

1.4 1560 1033 1.2 1408 1382 1.0 1646 1153 0.8 1333 655

Absorbância 0.6 612 1253 947 0.4 895 0.2 1379 0.0

2000 1800 1600 1400 1200 1000 800 600 400 Número de onda (cm-1/+)

Figura 4. Espectros de FT-IR da esfera de quitosana com levedura imobilizada após contato com corante em diferentes pH.

De maneira geral, a parede celular da levedura é considerada o local de prevalência de sítios de ligação de corantes, tais como os grupos químicos acetamido, amido, fosfato, amino, amina, sulfidrila, carboxila e hidroxila (Volesky e Holan, 1995). A figura 5 mostra os possíveis mecanismos de interações do corante com a superfície da parede celular de S. cerevisiae representando as possíveis interações do material de quitosana com levedura imobilizada. Em meio ácido os grupos funcionais presente na parede celular permite uma interação mais eficiente com o corante. Portanto, o meio ácido induz as interações eletrostáticas que resultam na protonação dos grupos amino e hidroxila presentes tanto na quitosana como na parede da levedura. Os grupos funcionais são carregados positivamente causando o surgimento de fortes + interações entre as valências livres dos grupos amino (NH3 ) com os ânions dos grupos radicais - sulfônico (-SO3 ) pertencentes no corante (Figura 5).

O NH

O

- NH2 SO3

H H3C O

HO HO NH O O O O O HO + OH O NH - SO3 CH 3 NH H2N n O O

Figura 5. Possível ligação de hidrogênio do grupo hidroxi da quitina presente na parede celular de S. cerevisiae e o grupo sulfônico da molécula do corante. 177

A figura 6 mostra a micrografia da superfície da esfera de quitosana com levedura imobilizada. A superfície não apresenta irregularidades ou poro. É possível visualizar as células de S. cerevisiae na superfície do material, esse resultado confirma a imobilização.

Figura 6. Imagem de MEV da superfície da esfera de quitosana com levedura imobilizada.

Conclusão

A imobilização de S. cerevisiae na superfície do material permitiu aumentar a superfície de contato do adsorvente pela disponibilidade de sítios de interação com o corante em solução. Em meio ácido aumenta a quantidade de íons H+ que interfere na protonação dos grupos funcionais amino e hidroxila presentes na quitosana e na parede celular, o que garante uma melhor interação com o corante. Portanto, o meio ácido induz as interações eletrostáticas desses grupos funcionais que resultam na capacidade adsortiva do material em remover qe(exp)= 28,207 μg mg−1 em 270 minutos pelo estudo cinético. Os picos 1074 cm-1 e 1044 cm-1 nos estudos em FT-IR mostraram deformações e diminuições da intensidade que representam as vibrações do grupamento –C-O da configuração molecular β (1 → 3) glucano na parede celular da levedura. Portanto, a imobilização ocorre por ligação química entre a superfície da parede celular e o suporte de quitosana. Esse estudo contribui para a caracterização do material que possui capacidade adsortiva, devido à disponibilidade dos sítios de interação adsorbato/adsorvente. Isso proporciona a síntese de um material com boas qualidades para remoção do corante têxtil Acid Blue 25 em solução.

Referências

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DILARRI, G.; MONTAGNOLLI, R.N.; BIDOIA, E.D.; MENDES, C.R.; CORSO, C.R. Kinetic, isothermal, and thermodynamic models to evaluate Acid Blue 161 dye removal using industrial chitosan powder. Desalination and Water Treatment, v. 109, p. 261–270, 2018. 178

DILARRI, G.; PECORA, H.B.; CORSO, C.R. Removal of dye toxicity from an aqueous solution using an industrial strain of Saccharomyces cerevisiae (Meyen). Water, Air, & Soil Pollution,v. 227, p. 269- 280, 2016. FÁVERE, V.T.; RIELLA, H.G.; ROSA, S. Cloreto de N-(2-hidroxil) propil-3-trimetil amônio quitosana. Química Nova, v. 33, n. 7, p. 1476-1481, 2010. FLEET, G. H. Composition and structure of yeast cell walls. Current Topics in Medical Mycology, v.1, n.1, p.24-24, 1985. GUPTA, V. K.; PATHANIA, D.; KOTHIYAL, N. C.; SHARMA, G. Polyaniline zirconium (IV) silicophosphate nanocomposite for remediation of methylene blue dye from waste water. Journal of Molecular Liquids, v. 190, p. 139-145, 2014. LOW, L.W.; TENG, T.T.; RAFATULLAH, M.; MORAD, N.; AZAHARI, B. Adsorption Studies of Methylene Blue and Malachite Green From Aqueous Solutions by Pretreated Lignocellulosic Materials. Jornal Separation Science and Technology, v. 48, n. 11, p. 1688-1698, 2013. MENDES, C.R.; DILARRI, G.; PELEGRINI, R.T. Application of biomass Saccharomyces cerevisiae as adsorption agent of dye Direct Orange 2GL and possible interactions mechanisms adsorbate/adsorbent. Materia, v. 20, p. 898–908, 2015. MENDES, C.R.; DILARRI, G.; STRADIOTO, M.R.; FARIA, A.U.; BIDOIA, E.D.; MONTAGNOLLI, R.N. The addition of a quaternary group in biopolymeric material increases the adsorptive capacity of Acid Blue 25 textile dye. Environmental Science and Pollution Research, v. 26, p. 24235–24246, 2019. VOLESKY, B.; HOLAN, Z.R. Biosorption of Heavy Metals. Biotechnology, v. 11, p. 235-250, 1995.

Apoio financeiro

O estudo recebeu financiamento da agência de fomento brasileira: Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES).

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Avaliação da tolerância de cepas bacterianas a presença de ácido p-cumárico

PEREIRA, E.J.1, SANTOS, M.B.C.1, METZKER, G.2, SILVA, R.1, GOMES, E.1

1Laboratório de Bioquímica e Microbiologia Aplicada – Unesp/Ibilce – São José do Rio Preto-SP 2Laboratório de Bioenergia – Unesp/Ibilce – São José do Rio Preto-SP

Introdução A expansão do mercado agrícola brasileiro tem aumentado a produção dos resíduos lignocelulósicos, demandando um melhor aproveitamento dos produtos gerados, razão essa que tem fomentado várias pesquisas na área de aproveitamento da biomassa, buscando a conversão dos compostos em outros, economicamente atrativos, como biocombustíveis e químicos amplamente utilizados pela indústria. Grande parte dos resíduos agrícolas normalmente são destinados a queima para geração de energia elétrica, por apresentarem alto potencial calorifico de combustão, processo que embora seja viável do ponto de vista econômico causa danos ambientais, contribuindo para a poluição do ar, além de não extrair todo o potencial da geração de valor dos componentes lignocelulósicos (MUTHUVELU et al., 2019). O aproveitamento da biomassa lignocelulósica corresponde a separação e transformação dos seus principais constituintes celulose, hemicelulose e a lignina (PÉREZ et al., 2002). A celulose e hemicelulose são polímeros de polissacarídeos complexo, o aproveitamento dos compostos envolve a aplicação de técnicas de recuperação dos constituintes da biomassa vegetal, por meio tratamentos variados que fazem a separação da lignina, sem comprometer a integridade dos polissacarídeos, deixando os açucares disponíveis para biotransformação posterior, entretanto a lignina descartada é formada por heteropolímeros aromáticos não exploráveis de forma parecida. O método de fracionamento lignocelulósico mais utilizado é o pré-tratamento químico- físico da hidrolise alcalina, presente na indústria do papel/celulose e na produção de etanol segunda geração, resultando em dois derivados do processo uma massa amórfica de fibras celulósicas e um licor preto rico em vários compostos fenólicos, normalmente aproveitado como combustível das caldeiras de combustão. As plantas da família gramínea como a cana-de-açúcar têm a constituição da parede celular bastante associada a ácidos fenólicos formando ligações éster com a lignina e polissacarídeos (AKIN, 1982 e 2008), logo o licor derivado do pré-tratamento possui o ácido p-cumárico e ácido ferúlico livres em quantidades significativas. O ácido p-cumárico e demais ácidos cinâmicos são extensamente conhecidos por apresentarem potencial inibitório no crescimento dos microrganismos, atuando como antimicrobianos e antifúngicos naturais mesmo sob baixas concentração. A pesquisa proposta por LOU et al., 2012 testou a atividade antibiótica do ácido p- cumárico em bactérias patogênicas Gram+ e Gram-, mostrando exercer uma poderoso efeito inibitório somente em Shigella dysenteriae com a concentração inibitória mínima (MIC) de 10 mg L-1, o mecanismo de ação descrito envolve a desestabilização irreversível da membrana celular e a ligação ao DNA, levando a morte da célula por lise osmótica e/ou mutações associadas a genes essenciais. Porém como visto no trabalho de revisão de GUZMAN, 2014 que montou uma pesquisa bibliográfica robusta, de todas as MICs de vários ácidos cinâmicos e moléculas relacionadas nos microrganismos relatados, observou-se que o poder antibiótico do ácido p-cumárico vária muito de espécie para espécie, comparando algumas bactérias Gam- os valores de MICs encontrados foram entre 10 mg L-1 a 983 mg L-1, dificultando o estabelecimento de um parâmetro comum entre os grupos afetados, mas, por outro lado, estimulando os estudos das 180

capacidades tolerantes espécies específicas, buscando com isso a descoberta de organismos mais tolerantes e com rotas metabólicas de biotransformação interessante. Em um trabalho prévio feito no Laboratório de Bioquímica e Microbiologia Aplicada IBILCE/ Unesp, estudou-se bactérias capazes de tolerar concentrações de ácido ferúlico e realizar sua biotransformação a 4-vinil-guaiacol por ação da enzima ácido ferúlico descarboxilase, em meio sintético e semissintético incrementado com licor originado da hidrolise-alcalina do bagaço de cana-de-açúcar, confirmando a atividade enzimática desempenhada. O presente trabalho propõe o estudo da tolerância do ácido p-cumárico sobre as cepas bacterianas não identificadas TD 4.48.2 e TD 2.18.1 e Ochrobactrum intermedium em meio semissintético.

Objetivos  Definir os níveis de tolerância de cepas de bactérias da coleção de trabalho do Laboratório de Bioquímica e Microbiologia, Ibilce/Unesp ao ácido p-cumárico;

Metodologia Microrganismos Foram testados 3 espécimes bacterianos selecionados em trabalho prévio e agora pertencentes à coleção de trabalho do Laboratório de Bioquímica e Microbiologia Aplicada do Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas IBILCE da Universidade Estadual Paulista- Unesp Júlio Mesquita Filho, identificadas como Ochrobactrum intermedium TG 3.48 e outros dois isolados mais recente ainda não identificados conhecidas como TG 4.48.2 e TD 2.18.1. As bactérias foram mantidas em freezer a -80ºC, sob glicerol a 15%. Meios de culturas Foi utilizado o meio líquido nutritivo (MLN) (BERTANI, 1951) composto por glicose a 0,2%, cloreto de sódio a 0,1%, triptona a 1% e extrato de levedura a 0,5%.

Ensaio para avaliação das cepas ao p-cumárico A avaliação da tolerância das cepas foi realizada em quintuplicata, em placas de micro titulação de 96 poços, contendo 198,0 µL de MLN inoculados com 2,0 µL de pré-inóculo de meio líquido nutritivo. As concentrações de p-cumárico testadas foram 100, 300, 500, 700 e 900 mg L-1 em pH 6,0. Foram realizados controles abióticos (CA), sendo MLN não inoculado e o controle biótico (CB) sendo o MLN inoculado sem a presença de ácido p-cumárico. O cultivo ocorreu a 28 ºC e agitação de 150 rpm em incubadora orbital, acompanhando o crescimento bacteriano através da absorbância em 600nm no espectrofotômetro Molecular DevicesSpectraMax em intervalos regulares de 2 horas até completar 12 horas.

Resultados e Discussão Os resultados obtidos com a cepa bacteriana TD 2.18.1 (ainda não identificada) (Fig. 1) revelaram que a espécie apresenta um crescimento naturalmente lento, possível de observar pela taxa do controle biótico praticamente idêntico a da menor concentração de ácido p- cumárico. Essa cepa demonstrou ainda, baixo nível de tolerância ao composto, desestimulando a continuidade dos testes.

181

Figura 1 – Curva de crescimento da bactéria TD 2.18.1 em concentração de 100 a 900 mg L-1 de ácido p-cumárico

Fonte: Autoria prória

A cepa bacteriana TD 4.48.2 (ainda não identificada) (Fig. 2) demostrou melhor velocidade de crescimento, entretanto a tolerância mostrada á baixas concentrações do ácido p- cumárico foi pouco significativa e também não foi usada para continuidade do estudo.

Figura 2 – Curva de crescimento da bactéria TD 4.48.2 em concentração de 100 a 900 mg L-1 de ácido p-cumárico

Fonte: Autoria própria

A bactéria Ochrobactrum intermedium entretanto, demostrou tolerância ao ácido p- cumárico concentrações de 300 mg L-1 porém acima do valor o crescimento da cepa foi inibido. Não foi possível observar o fim da fase de crescimento logarítmica em meio com 300 mg L-1 de ácido p-cumárico dentro do tempo do experimento realizado, entretanto nota-se claramente a capacidade tolerante da cepa na concentração. Outro ponto interessante visto é o crescimento em 100 mg L-1 superior ao do controle biótico, indicando que além resistência existe um provável mecanismo de desintoxicação e um possível uso do composto como fonte de carbono (LUBBERS et al., 2019).

182

Figura 3 – Curva de crescimento da bactéria TG 3.48 em concentração de 100 a 900 mg L -1 de ácido p-cumárico (Ochrobactrum intermedium)

Fonte: Autoria própria

Conclusão O ácido p-cumárico apresentou uma atividade bactericida em todas as cepas usadas sob concentrações variadas entre 500 mg L -1 a 700 mg L -1. Os espécimes TD 2.18.1 e TD 4.48.2 tiveram seus crescimentos inibidos em baixas concentrações de ácido p-cumárico. A cepa Ochrobactrum intermedium manteve um crescimento significativo em meio com concentração de 300 mg L-1 Esse resultado permite o prosseguimento do trabalho visando detecção de cepas resistentes ao ácido p-cumárico e que possuam rotas metabólicas de biotransformação desse composto para a produção de produtos de maior valor agregado.

Referências AKIN, D. E. Forage Cell Wall Degradation and ρ-Coumaric, Ferulic, and Sinapic Acids 1. Agronomy Journal, v. 74, n. 3, p. 424–428, 1 maio 1982. AKIN, D. E. Plant cell wall aromatics: Influence on degradation of biomassBiofuels, Bioproducts and Biorefining, jul. 2008. BERTANI, G. Studies on lysogenesis. I. The mode of phage liberation by lysogenic Escherichia coli. Journal of bacteriology, v. 62, n. 3, p. 293–300, set. 1951. GUZMAN, J. D. Natural cinnamic acids, synthetic derivatives and hybrids with antimicrobial activityMoleculesMDPI AG, , 1 dez. 2014. Disponível em: . Acesso em: 27 ago. 2020 LOU, Z. et al. P-Coumaric acid kills bacteria through dual damage mechanisms. Food Control, v. 25, n. 2, p. 550–554, 1 jun. 2012. LUBBERS, R. J. M. et al. A comparison between the homocyclic aromatic metabolic pathways from plant-derived compounds by bacteria and fungiBiotechnology AdvancesElsevier Inc., , 15 nov. 2019. MUTHUVELU, K. S. et al. Evaluation and characterization of novel sources of sustainable lignocellulosic residues for bioethanol production using ultrasound-assisted alkaline pre-treatment. Waste Management, v. 87, p. 368–374, 15 mar. 2019. PÉREZ, J. et al. Biodegradation and biological treatments of cellulose, hemicellulose and lignin: An overviewInternational MicrobiologySociedad Espanola de Microbiologia, , 2002.

Apoio Financeiro CAPES

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Produção de meio de cultivo para Bacillus thuringiensis a partir do resíduo da fermentação cervejeira

RIBEIRO, F.M. [email protected] Introdução A indústria cervejeira vem se destacando como um dos mais importantes setores no desenvolvimento socioeconômico no país, movimentando uma extensa cadeia produtiva, sendo responsável por um faturamento de 107 bilhões no ano de 2017 respondendo por 1,6 % do PIB brasileiro (CERVBRASIL, 2018). Juntamente com a cerveja, ao final do processo obtém-se o resíduo úmido cervejeiro, composto sólido da matéria prima usada na fermentação e a levedura que cresceu no meio (SANTOS & RIBEIRO, 2005). Segundo STEFANELLO et al., 2014 o Brasil produz cerca de 2,5 milhões de toneladas/ano de resíduos oriundos de cervejarias. O descarte desses resíduos de forma incorreta no meio ambiente ocasiona danos ambientais importantes (MATHIAS et al., 2014). As leveduras utilizadas no processo fermentativo cervejeiro, na grande maioria, são do gênero Saccaharomyces, em especial S. cereviasiase. São microrganismos com elevadas concentrações de compostos proteicos, inorgânicos e orgânicos, possuindo cerca de 10-20% de nitrogênio solúvel e 40-65% de proteínas totais (SGABIERI et al., 1999). Levando em consideração as características nutricionais da levedura e o crescimento do volume de resíduos gerados devido aumento do consumo de cervejas artesanais, o reaproveitamento deste resíduo apresenta um potencial significativo à aplicação de processos biotecnológicos, sendo uma excelente oportunidade para agregar sustentabilidade e retorno financeiro á indústria cervejeira. Uma alternativa de reaproveitar a levedura residual cervejeira é transforma-la em extrato de levedura, utilizado como recurso nutricional para meios de cultura bacterianos usados na microbiologia e biotecnologia (FERREIRA et al., 2010). Dentre os diversos microrganismos cultivados em meios, tendo como componente o extrato de levedura, escolheu-se a bactéria o Bacillus thuringiensis (Bt). O (Bt) é uma bactéria entomopatogênica, gram positiva, que possui formato de bastonetes. A principal característica B. thuringiensis é a presença intracelular de um cristal proteico. Estes cristais apresentam atividade entomopatogênica para várias espécies de insetos (GLARE & O’CALLAGHAM, 2000). A utilização de microrganismos vem se destacando como uma alternativa para o controle biológico de insetos-praga nocivos à saúde e à agricultura.

Objetivo O objetivo no presente estudo foi reaproveitar e desenvolver um processo simples, rápido e de baixo custo para produzir o extrato de levedura aplicável em diferentes laboratórios, a fim de atender às necessidades experimentais também na indústria como componente essencial dos meios de fermentação microbiana em grandes quantidades. Bem como, analisar a viabilidade do cultivo e crescimento do B. thuringiensis.

Metodologia Preparo do resíduo A levedura residual da fermentação cervejeira foi doada pela cervejaria artesanal Montagna incubada na Universidade Federal de São João-Del Rei - Campus Alto Paraopeba, situada em Ouro Branco - MG. Os experimentos foram realizados no Laboratório de Microbiologia Geral e Enzimologia e no Laboratório de Bioquímica e Imunologia Celular e Molecular (LABICEM), ambos localizados na UFSJ – Campus Alto Paraopeba. 184

O extrato de levedura residual foi obtido a partir do processo de desamargamento e autólise das leveduras Saccharomyces cerevisiae (Fermentis®) utilizadas na fabricação de cerveja artesanal. Em específico da cerveja do estilo pilsen, por ser pouco lúpulada. Pois, o lúpulo apresenta propriedades com efeito bacteriostático, podendo assim inibir o crescimento das bactérias no meio (CERVEJAEMALTE; TNSOLUTION, 2019). Desamargamento A suspensão de células foi submetida à centrifugação de 4000 rpm a 4°C na centrifuga de bancada Centrifuge 5804 R, para retirada do licor de cerveja e recuperação da biomassa. Em seguida foi adicionada água destilada numa proporção de 1:2 e a biomassa foi centrifugada novamente na mesma condição anterior. O sobrenadante recuperado foi resguardado para produção do meio. Preparação do extrato de levedura por autólise Após a retirada do licor de cerveja, a suspensão aquosa de células de leveduras foi preparada no Erlenmeyer de 1 L adicionando 125 mL de levedura residual cervejeira (Saccharomyces cerevisiae) a 500 mL de água destilada. A suspensão preparada foi autoclavada a 120 °C por 15 min, seguida por rápido resfriamento em banho de gelo. Em seguida, os detritos celulares foram separados por centrifugação de 4000 rpm a 4 °C por 10 min. O sobrenadante foi novamente centrifugado na mesma condição para garantir a remoção do conteúdo celular insolúvel. O sobrenadante recuperado contendo o componente solúvel foi re-autoclavado e arrefecido novamente como descrito acima. Análise do Extrato de Levedura Produzido Para certificar que o rompimento da parede celular das leveduras foi alcançado, aplicou- se o método de coloração com azul de metileno. A análise foi realizada a partir da mistura em partes iguais da solução corante (azul de metileno) com a amostra de extrato. E uma gota dessa mistura foi colocada sobre uma lâmina para ser analisada no microscópio. Liofilização do extrato de levedura produzido Uma fração do extrato produzido foi armazenado a -22 °C para preparação do extrato de levedura na forma de pó por 96 horas. Subsequentemente, a fração solúvel foi submetida ao liofilizador de bancada L 108 da Liotop® para obter a forma em pó do extrato de levedura. Microrganismo O microrganismo empregado foi o B. thuringiensis, fornecido pelo Laboratório de Destilação e Fermentação (LADEF). A cultura de Bt. foi mantida em meio sólido ágar nutriente em placas. A renovação das células foi feita periodicamente, realizada por repique em meio e incubadas a 37 °C durante 24 horas. Em seguida, armazenadas a 4 °C. Avaliação do cultivo submerso de células bacterianas Os cultivos do Bt foram realizados utilizando uma composição básica (meio mineral) descritos na Tabela 1 e com o extrato de levedura residual (ELR)(25 g/L) produzido e o sobrenadante (S)(25 g/L), para avaliar a qualidade do produto. Para este fim, diferentes meios de cultura líquidos foram preparados de acordo com a Tabela 2, onde o Meio C corresponde ao controle. Tabela 1 - Composição meio mineral (MM) Componentes Concentração (g/L) Glicose 20,00 (NH4)2SO4 3,00 KH2PO4 3,00 K2HPO4 7,00 MgSO4 (7H2O) 0,20 Fonte – ANGELO et al., 2010.

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Tabela 2 – Composição dos meios de cultura. Meio de cultivo Composição A1 S + Sacarose (25 g/L) A2 S + MM B1 ELR + Sacarose (25 g/L) B2 ELR + MM C MM + Extrato levedura comercial (ELC) (12 g/L) Fonte: Próprio autor, 2019.

Para o preparo dos meios, em Erlenmeyer de 250 mL foram adicionados 200 mL de água destilada e autoclavados a (121 °C, 15Ib) por 15 minutos. Todos os inóculos para o cultivo de cada um dos diferentes meios foram preparados através da transferência, com alça de platina, de colônias isoladas a partir de placas com meio sólido ágar nutriente. Análise Quantitativa A análise quantitativa dos meios produzidos foi realizada pelo método direto de contagem microbiana em placas. Para realização da análise pela técnica de semeadura por espalhamento (spread plate), em condições assépticas fez-se a diluição seriada na proporção de 1:9 para obter o fator de diluição de 10 vezes em solução salina a 0,85% estéril. A diluição foi feita transferindo 1 mL da suspensão celular para o tubo contendo 9 mL de solução salina obtendo o nível de diluição 10-1. Por conseguinte, para preparar a diluição 10-2, transferiu-se 1 mL da diluição 10-1 para outro tubo contendo 9 mL do diluente. Esse processo foi feito até atingir o fator de diluição 10 -10. Em seguida uma alíquota de 0,1 mL (100 µL) da diluição 10 - 10 foi transferida para placa de Petri já contendo o meio de cultura sólido ágar nutriente, e com o auxílio de uma alça de Drigalsky a alíquota é espalhada sobre o meio até completa absorção. A etapa de diluição foi feita em duplicata. Após, as placas foram incubadas de forma invertida em estufa bacteriológica a 37 °C por 7 horas. Depois desse período fez-se a contagem das unidades formadoras de colônias visíveis a olho nu. O resultado foi expresso e calculado em UFC (Unidade Formadora de Colônia) por unidade volume, utilizando a média da contagem de duas placas, nível de diluição 10 -10 e volume da alíquota de 0,1 mL. Identificação pelo Método de Coloração Diferencial de Gram Para comprovar a presença da bactéria gram positiva Bt nos meios de cultivo, aplicou- se o método de coloração diferencial de gram. Para realização do método, inicialmente foi confeccionado o esfregaço da cultura nas lâminas e em seguida o mesmo foi coberto com a solução de cristal violeta por 1 minuto. O corante foi desprezado com água destilada e o esfregaço foi coberto com a solução de Lugol por 1 minuto e em seguida o excesso foi retirado com água destilada. A solução descorante (álcool 90%) foi aplicada e depois lavada com água. Logo depois, a solução de safranina foi aplicada por 30 segundos, e após ser lavada novamente, esperou-se a secagem da lâmina. Para posteriormente ser observada ao microscópio óptico com objetiva de imersão.

Resultados e discussão Análise do Extrato de Levedura Produzido Para assegurar que o rompimento da parede celular das leveduras foi alcançado, aplicou- se o método de coloração com azul de metileno. E após ser observado no microscópio, a Figura 1 mostrou que o processo de autólise foi eficiente.

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Figura 1 – Análise da viabilidade celular do extrato com azul de metileno.

[A] – Células de leveduras antes da autólise. [B] – Fragmentos da parede celular após processo de autólise. Fonte: Próprio autor, 2019.

Produção dos Meios de Cultivo No presente trabalho, para preparação dos meios, foi utilizado a levedura residual da fermentação cervejeira (Saccharomyces cerevisiae). A suspensão aquosa foi preparada pela aplicação de processos de centrifugação e autoclave para obter a fração solúvel. Estes passos (centrifugação e autoclave) foram repetidos mais de uma vez para remoção completa dos resíduos celulares. O sobrenadante obtido da autólise foi aplicado ao liofilizador para obter o extrato de levedura em pó. Avaliação do crescimento celular bacteriano O B. thuringiensis foi utilizado para determinar sistematicamente o crescimento bacteriano em meios líquidos preparados com o sobrenadante e o extrato produzido descritos na Tabela 2. O resultado mostrou que a bactéria pode crescer em ambos os meios tendo como fonte nutricional proveniente do resíduo da fermentação cervejeira. As Figuras 2, 3, 4, 5 e 6, mostram as colônias formadas após a aplicação da técnica de semeadura por espalhamento feita em duplicata após incubação.

Figura 2 – Placas inoculadas com diluição 10-10 do meio de cultivo A1, A2, B1, B2 e C (controle).

Fonte: Próprio autor, 2019.

A Figura 2 demostraram uma excelente formação de colônias (UFC) demostrando que os meios produzidos neste trabalho oriundo dos resíduos cervejeiros podem ser utilizados como fonte de nutrição para o crescimento de células bacterianas. 187

Para evidenciar esse crescimento, e obter um resultado significativo, fez-se o cálculo e expressão das UFC para cada amostra. Onde os resultados obtidos são apresentados na Tabela 3.

Tabela 3 – Quantidade de colônias em UFC/mL. Meio cultivo Composição UFC/mL A1 S + Sacarose 1,82x1013 A2 S + MM 3,0 x1013 * B1 ELR + 3,0 x1013 * Sacarose B2 ELR + MM 3,0 x1013 * C ELC + MM 3,0 x1013 * Fonte: Próprio autor, 2019. em que * o valor considerado para o cálculo da média foi o limite máximo de 300 UFC. Estabelecendo uma correlação entre as Figuras e os valores de UFC/mL calculados, fica claro que ambas são diretamente proporcionais. O valor de UFC/mL para as placas do meio de cultivo A1 foram alcançados com exatidão, ao contrário das demais placas que apresentaram um grande número de colônias formadas, sendo necessário considerar o valor máximo de contagem de 300 UFC. Em relação à produtividade de células, observou-se que os cultivos com os Meios acrescidos com o meio mineral e com o extrato de levedura residual cervejeira, apresentaram os melhores resultados de Unidades Formadoras de Colônias (UFC/ mL) com uma relação de concordância entre as Figuras apresentadas e os cálculos da Tabela 3. Portanto, o presente trabalho mostrou que a metodologia utilizada foi efetiva atingindo os objetivos propostos. Caracterização das Amostras de Cultura pela Coloração de Gram Este método diferencia as bactérias em relação a sua capacidade de resistir à remoção do complexo corante iodopararrosanilina por uma solução de descorante orgânico (álcool etílico). A Figura 7 revela de forma clara a presença de bastonetes corados em roxo, caracterizando como uma bactéria Gram positiva. O que leva a crer que é a bactéria Bacillus thuringiensis.

Figura 3 – Bactéria cultivada após coloração de gram.

Fonte: Próprio autor, 2019. Conclusão A utilização do sobrenadante e do extrato de levedura residual da fermentação cervejeira como fonte nutricional para o cultivo submerso do B. thuringiensis mostrou-se excelente para crescimento microbiano. Este fato indica que sua utilização pode ser ampliada para produção em grandes quantidades, como por exemplo em aplicações industrias. Portanto, este resulto uma perfeita oportunidade para destinação do resíduo do processo de fermentação realizado na da industria cervejeira. Além de agregar valor sustentável as 188

cervajarias, esta alternativa também se mostra como uma solução nutritiva para realizar o crescimento bacteriano de outros microrganismos empregados no controle biológico de pragas, que é atualmente uma tendência mundial para a estratégia de sustentabilidade. Além de agregar sustentabilidade, apresenta aplicabilidade em diversos processos biotecnológicos.

Referências ANGELO EA, VILAS-BÔAS GT, dos SANTOS CA, LOPES J, ARANTES OMN. 2012. Developmentof a low-cost medium for the culture of Bacillus thuringiensis subsp.Israelensis. Semina: Ciências Biológicas e da Saúde, Londrina, v. 33, n. 2, p. 161-170. CERVBRASIL, Associação Brasileira da Indústria da Cerveja, 2018. Dados do Setor Cervejeiro Nacional. Disponível em: Acesso em: 26 nov. 2019. CERVEJA E MALTE. O Que o Lúpulo Faz na Cerveja Mesmo? Disponivel em: ˂http://cervejaemalte.com.br/blog/o-que-o-lupulo-faz-na-cerveja/˃. Acesso em 16 nov. 2019. EDUARDO, F, M., CARLOS V, M. ANUÁRIO DA CERVEJA NO BRASIL 2018: Crescimento e Inovação. Disponível em: ˂http://www.agricultura.gov.br/assuntos/inspecao/produtos-vegetal/pasta-publicacoes- DIPOV/anuario-da-cerveja-no-brasil-2018 .pdf˃. Acesso em 22 nov. 2019. FERREIRA, I, Pinho O, Vieira E, Tavarela J. Brewer's Saccharomyces yeast biomass: characteristics and potential applications. Technol. 2010; 21:77–84. GARCIA, L. P. Liofilização aplicada a alimentos. 2009. 45p. Trabalho Acadêmico (Graduação Bacharelado em Química de Alimentos) - Universidade Federal de Pelotas. Pelotas, RS, 2009 GLARE TR, O’CALLAGHAM M. 2000. Bacillus thuringiensis: biology, ecology and safety. Chichester: John Wileyand Sons; p. 350. SGABIERI VS, Alvim ID, Vilela ES, Baldini VLS; Bragagnolo N. Produção Piloto de Derivados de Levedura (Saccharomycessp.) para Uso como Ingrediente na Formulação de Alimentos. BrazilianJournalofFood Technology. 1999. 2(1): 119-125. STEFANELLO FS, Fruet APB, Simeoni CP, Chaves BW, Oliveira C, Nornberg JL. Resíduo de cervejaria: Bioatividade dos compostos fenólicos; Aplicabilidade na nutrição animal e em alimentos funcionais. Revista Eletrônica em Gestão, Educação e Tecnologia Ambiental. 2014. (18): 01-10. TN SOLUTION. Bactericida vs. Bacteriostático. Disponivel em:˂https://tnsolution.com.br/bactericida-vs-bacteriostatico/˃. Acesso em 16 nov. 2019

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Estudo da interação da proteína repressora de arginina (ArgR) de Clostridium botulinum, Corynebacteriu pseudotuberculosis, Porphyromonas gingivalis e Nocardia farcinica com seus possíveis ligantes

JERONYMO, G. T.1, ARNI, R. K.1, GISMENE, C. 1, SANTISTEBAN, A. N.1, MARIUTTI, R. B. 1

1Centro de Inovação Biomolecular (CMIB), Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas (IBILCE) – SJRP

1. Introdução A bactéria Clostridium botulinum é o agente etiológico do botulismo, que ocorre principalmente após o consumo de alimentos contaminados com a toxina botulínica. Essa toxina exerce sua ação sobre o sistema colinérgico no terminal pré-sináptico do neurônio motor por meio do bloqueio da transmissão da acetilcolina na junção neuromuscular, responsável pela paralisia flácida e disfunção autonômica que são características da doença. Já a bactéria Porphyromonas gingivalis está envolvida na patogênese da periodontite, uma doença inflamatória que destrói os tecidos que sustentam o dente, levando à sua perda. Esse patógeno invade ativamente as células epiteliais da gengiva, onde mantém sua viabilidade e se replica, sendo capaz de subverter os mecanismos de defesa do hospedeiro. Além disso, esse patógeno também é considerado um fator de risco para outras complicações como artrite reumatoide e doença de Alzheimer. A bactéria da espécie Nocardia farcinica é um actinomiceto que causa infecções localizadas e disseminadas em humanos, incluindo infecções pulmonares, abscessos subcutâneos e cerebrais e bacteremia, especialmente em pacientes imunocomprometidos. Sabe- se também que essa bactéria é resistente a múltiplos agentes antimicrobianos, como a maioria dos antibióticos beta-lactâmicos (BROWN-ELLIOTT et al., 2006), por conta disso, as infecções causadas por esse agente patogênico são potencialmente letais. A bactéria Corynebacterium pseudotuberculosis é o agente etiológico da linfadenite caseosa (LC), doença infectocontagiosa crônica e de relevância econômica, que acomete principalmente a produção de ovinos e caprinos, causando perdas econômicas significantes. A infecção está associada à redução da produção de lã, carne e leite, menor eficiência reprodutiva dos animais, condenação de carcaças e couros em abatedouros, gastos com tratamento e honorários veterinários. A proteína repressora de arginina (ArgR) coordena a expressão dos genes envolvidos na biossíntese da arginina. Após atingir uma determinada concentração de arginina no citoplasma, esta interage com a ArgR e o complexo formado (ArgR/Arg) se acopla ao operador do DNA interrompendo a síntese. A sequência de aminoácidos da ArgR dos patógenos citados apresenta particularidades em comparação com as estruturas das ArgRs dos demais microrganismos, uma vez que apresentam diferenças na sequência de aminoácidos do sítio de ligação da arginina, a ArgR de C. botulinum e C. pseudotuberculosis apresentam um resíduo de prolina na posição 115 (Pro115), enquanto P. gingivalis apresenta alanina (Ala115) e N. farcinica glicina (Gly115). Essas particularidades além de trazerem informações sobre o processo de oligomerização, podem ser utilizadas para o desenvolvimento de ligantes que possam inibir a via de síntese da arginina desses patógenos sem interagir com o pocket da ArgR de microrganismos da microbiota normal dos hospedeiros, uma vez que estes não apresentam as particularidades citadas acima, possuindo His ou Gln na posição 115. 2. Objetivos O objetivo geral deste trabalho foi expressar a proteína ArgR selvagem de C. botulinum, P. gingivalis e N. farcinica e ArgR mutante Pro115His de C. pseudotuberculosis em Escherichia coli e posteriormente purificá-las em condições desnaturantes, visando obter essas proteínas em sua forma pura sem estarem ligadas ao cofator. Como objetivo específico desta pesquisa destaca-se a resolução de suas estruturas cristalográficas visando compreender 190

detalhadamente a níveis atômicos os mecanismos envolvidos na interação das proteínas ArgRs com seus possíveis ligantes (Arginina e Tirosina), lançando bases para futuros desenvolvimentos de moléculas que não sejam antibióticos e que tenham a capacidade de bloquear a via de síntese dos patógenos sem prejudicar a microbiota normal do hospedeiro. 3. Metodologia Os vetores de expressão contendo as sequências nucleotídicas codificadoras da proteína ArgR C-terminal selvagem de C. botulinum e P. gingivalis, ArgR Full Lenght de N. farcinica e ArgR C-terminal mutante Pro115His de C. pseudotuberculosis foram sintetizados pela empresa GenScript. O vetor utilizado foi o pET28a recombinante, o qual possui uma sequência codificadora de uma cauda de seis resíduos de histidina, fusionada à proteína expressa. Foi realizada a transformação bacteriana pelo método de choque de temperatura, na qual os plasmídeos recombinantes foram adicionados à solução contendo linhagens de E. coli competentes. As bactérias foram plaqueadas em meio sólido LB contendo canamicina e as colônias resistentes foram inoculadas em tubos contendo 10 mL de meio líquido LB seletivo mantido sob agitação e aeração constantes por 16 horas. Posteriormente, foram utilizados para expressão em pequena escala determinando quais eram as melhores condições para expressão. A verificação da presença das proteínas na fração solúvel foi feita por meio da aplicação em SDS-PAGE e análise por Western blot. Após encontrar a condição ideal foi realizada a expressão em larga escala, na qual o pré- inóculo foi transferido para 1L de LB seletivo, mantido sob agitação e aeração constante até atingir a densidade ótica para indução da expressão com IPTG. Após 5 horas de expressão, a cultura foi centrifugada e o precipitado ressuspendido em tampão de lise (50 mM NaH2PO4, 500 mM NaCl, 10% Glicerol, 10mM de imidazol, pH 7.8). A solução foi submetida à sonicação para lise celular e o lisado celular foi centrifugado. A purificação foi feita em coluna de afinidade utilizando resina de níquel, na qual o sobrenadante do lisado celular após centrifugação foi passado pela coluna para que as proteínas contendo a cauda de histidina ficassem adsorvidas ao níquel da resina. Após a adsorção, a resina foi lavada utilizando tampão de lavagem (50mM NaH2PO4, 500mM NaCl e 10% glicerol, pH 7.7) com concentrações crescentes de imidazol para remover proteínas contaminantes adsorvidas inespecificamente na resina de níquel. As proteínas da fração eluída foram concentradas em dispositivos Amicon Ultra Centrifugal Filters (3 kDa) e submetidas a um novo processo de purificação por cromatografia de exclusão molecular em coluna Superdex G75 10/300 utilizando Akta purifier, visando aumentar o grau de pureza e melhorar a qualidade da amostra proteica. Além da purificação em condições nativas as proteínas também foram purificadas em condições desnaturantes. A purificação dos corpos de inclusão foi feita em condições desnaturantes em coluna de afinidade também utilizando resina de níquel. O precipitado celular obtido após lise celular e centrifugação da cultura foi ressuspendido em tampão desnaturante (100 mM NaH2PO4, 10 mM Tris HCl e 8 M ureia, pH 8,0). A solução foi sonicada e centrifugada por 20 minutos. O sobrenadante foi posteriormente aplicado em coluna de afinidade NI-NTA. Após a adsorção, a matriz foi lavada com tampões 100 mM NaH2PO4, 10 mM Tris HCl, 8 M ureia e pH, respectivamente, 8,0, 6,6 e 5,9. A eluição das proteínas foi feita em mesmo tampão em pH 4,4. Diferentes métodos de renovelamento foram utilizados, basicamente utilizando protocolos de diluição rápida em tampões de renovelamento, no qual a solução com 8 M de ureia contendo as proteínas de interesse é diluída até a concentração 10–100 µg/ml. Após o renovelamento as proteínas foram dialisadas contra tampão 20 mM Tris HCl, 100 mM NaCl (pH 7,5) e tampão PBS 1x (137 mM NaCl, 2,7 mM KCl, 10 mM Na2HPO4 e 1,8 mM KH2PO4 pH 7,5), concentradas por centrifugação e utilizadas para os ensaios de Dicroísmo Circular e Espalhamento Dinâmico de Luz. Após todas as etapas foi realizada a eletroforese em gel de poliacrilamida com detergente SDS (SDS-PAGE) que possibilita a separação de proteínas de 191

acordo com o tamanho molecular para análise de pureza. Para verificar se as proteínas estavam enoveladas e determinar os componentes da estrutura secundária foram realizados experimentos de dicroísmo circular (CD). Os espectros UV-CD foram coletados no espectropolarímetro Jasco J-710 utilizando uma cubeta de quartzo de 0,5 mm. Após a obtenção dos dados, todos os espectros de CD registrados em miligraus foram corrigidos e convertidos em elipticidade molar pelo software OriginLab 7. Posteriormente, as amostras também foram submetidas a ensaios de espalhamento dinâmico de luz (DLS) em aparelho Zetasizer Nano series S90. As soluções proteicas foram previamente centrifugadas por 40 minutos à 14000 x g à 5°C e em todas as análises foram realizadas primeiramente 3 ciclos de 10 s e posteriormente 10 ciclos de 30 s à 20°C. Os screenings iniciais das condições de cristalização foram realizados pelo método de difusão de vapor em sitting drop utilizando o robô Janus Automated Workstation (PerkinElmer). Os kits comerciais da Hampton Research (Crystal Screen 1 e 2, SaltRx HT, PEG/Ion 1 e 2) e Qiagen (PACT Suite, JCSG, AmSO4 Suite e NexTal) foram utilizados. Devido a obtenção de cristais iniciais, iniciou-se a fase de refinamento pela técnica de difusão de vapor em hanging drop, envolvendo alterações no pH das soluções, concentração do precipitante, concentração da proteína, temperatura de armazenamento das placas e adição dos reagentes do Additive Screen-Hampton e dos kits Detergent screen 1, 2 e 3. Os dados de difração de Raio-X foram coletados a partir de um único cristal congelado em uma corrente de nitrogênio gasoso pelo difratômetro de Raios-X D8 Venture. 4. Resultados e Discussão Das diferentes linhagens de E. coli testadas, as que proporcionaram um maior desempenho na expressão foram as linhagens BL21 (DE3)-T1 para a ArgR de P. gingivalis, BL21-CodonPlus (DE3)-Ril para as ArgRs de N. farcinica e C. botulinum e BL21 STAR-(DE3) para ArgR mutante de C. pseudotuberculosis em 1 L de meio LB na presença do indutor IPTG a 0,3 mM em temperatura de 30 ºC por 5 horas. Constatou-se, por meio de Western Blot, que os métodos utilizados para a transformação e expressão das proteínas alvo foram satisfatórios (Figura 1). A proteína ArgR de C. botulinum, entretanto, apresentou uma baixa solubilidade, por conta disso, a proteína foi purificada em condições desnaturantes. Figura 1. Resultado do Western blot para detecção das ArgRs. (M) Marcador molecular (Amersham ECL Rainbow Marker – GE Healthcare) em kDa; (A): (1) Fração solúvel da ArgR Full Lenght de N. Farcinica linhagem BL21 (DE3)-T1; (2) linhagem BL21-CodonPlus (DE3)-Ril. (B): (1) Fração solúvel da ArgR de P. gingivalis linhagem BL21 (DE3)-T1. (C): (1) Fração insolúvel da ArgR de C. botulinum linhagem BL21-CodonPlus (DE3)-Ril. (D): (1) Fração solúvel da ArgR P115H de C. pseudotuberculosis linhagem BL21 STAR-(DE3).

Fonte: Elaborado pelo autor. A primeira etapa de purificação foi feita por cromatografia de afinidade, na qual foram testados tampões de lavagem com concentrações crescentes de imidazol para a eliminação de proteínas contaminantes que se encontravam adsorvidas ao níquel juntamente com a proteína alvo. As amostras das lavagens foram aplicadas em gel de poliacrilamida (SDS-PAGE 15%) e submetidas à eletroforese, verificando, desse modo, o sucesso da purificação por cromatografia de afinidade (Ni-Sepharose) de acordo com a Figura 2. Figura 2. SDS-PAGE 15% evidenciando as lavagens com diferentes concentrações de Imidazol realizadas durante a purificação por cromatografia de afinidade das proteínas ArgRs. (M) Marcador molecular (LMW-SDS Marker KIT – GE Healthcare) em kDa. (A): (1) Lavagem da ArgR Full Lenght de N. farcinica com 40 mM de imidazol; 192

(2) 60 mM de imidazol; (3) 80 mM de imidazol; (4) Eluição com 400 mM de imidazol. (B): (1, 2 e 3) Lavagem da ArgR C-terminal de P. gingivalis com 80 mM de imidazol; (4,5, e 6) eluição com 400 mM de imidazol. (C): (1) Lavagem da ArgR C-terminal P115H de C. pseudotuberculosis com 40 mM de imidazol; (2) 60 mM de imidazol; (3) 80 mM de imidazol; (4) Eluição com 400 mM de imidazol.

Fonte: Elaborado pelo autor. A segunda etapa de purificação das proteínas foi feita por cromatografia de exclusão molecular monitorada em AKTA-purifier para garantir um maior grau de pureza das amostras visando separar a proteína alvo das contaminantes pelo seu tamanho, como mostrado na Figura 3. Figura 3. Perfil de cromatografia de exclusão molecular das proteínas ArgRs em Superdex G75 10/300 (GE) após etapa de purificação a partir de Ni-Sepharose. (A) ArgR Full Lenght de N. farcinica em tampão 20 mM Tris HCl 100 mM NaCl (pH 7,5). (B) ArgR C-terminal de P. gingivalis em tampão 20 mM Tris HCl 100 mM NaCl (pH 7,5). (C) ArgR C-terminal P115H de C. pseudotuberculosis em tampão 20 mM Tris HCl 100 mM NaCl (pH 7,5). Os volumes em que foram detectadas as proteínas de interesse foram 18-26 mL (A), 22-28 mL (B) e 8-14 mL (C). O eixo Y do gráfico corresponde a absorção em mili unidades de absorbância e o eixo x ao volume em mililitros. A linha azul indica a absorbância em 230 nm e a linha rosa indica absorbância em 280 nm.

Fonte: Elaborado pelo autor. Também foi realizada a purificação das proteínas ArgRs em condições desnaturantes, durante esse procedimento o pH decrescente de cada tampão atua protonando o aminoácido histidina da cauda HisTag, com essa mudança de carga a interação da histidina com níquel se perde, quando o tampão utilizado é demasiadamente ácido (pH 4,4) todas as histidinas param de interagir com a matriz de níquel, permitindo a liberação da proteína alvo. A confirmação da purificação desnaturante foi realizada por meio de SDS-PAGE 15% (Figura 4A e B), o qual mostrou as amostras com um alto grau de pureza e elevada concentração. Posteriormente, foi estabelecido um protocolo de renovelamento para as proteínas ArgRs utilizando o método de diluição rápida e o tampão que se mostrou mais adequado para o renovelamento das proteínas foi o R3, composto de 50 mM Tris HCl, 200 mM NaCl, 1 mM DTT e 1 M NDSB 201 [3(1-pyridinio) -1-propanesulfonate], pH 7,5. O processo de refolding se inicia com a diminuição da concentração do agente desnaturante (ureia) e visando diminuir e desacelerar o processo de agregação proteica o refolding é realizado em uma concentração proteica baixa. Com os resultados dos géis SDS-PAGE 15% foi possível observar que o protocolo de refolding foi eficiente para a ArgR de N. farcinica e P. gingivalis, enquanto para a ArgR de C. botulinum e C. pseudotuberculosis os resultados não foram satisfatórios (Figura 4C), por conta disso novos métodos e tampões de renovelamento estão sendo testados. 193

Figura 4. SDS-PAGE 15% evidenciando a purificação por cromatografia de afinidade das proteínas ArgRs em tampão desnaturante (8 M de ureia, 10 mM Tris HCl, 10 mM NaH2PO4) e após etapa de refolding. (M) Marcador molecular (LMW-SDS Marker KIT – GE Healthcare) em kDa. (A): (1) ArgR de C. botulinum em tampão ureia pH 6,6; (2) tampão ureia pH 5,9; (3) tampão ureia pH 4,4; (4) ArgR de P. gingivalis em tampão ureia pH 6,6; (5) tampão ureia pH 5,9; (6) tampão ureia pH 4,4; (7) ArgR Full Lenght de N. farcinica em tampão ureia pH 6,6; (8) tampão ureia pH 5,9; (9) tampão ureia pH 4,4. (B): (1) ArgR P115H de C. pseudotuberculosis em tampão ureia pH 4,4. (C): (1) ArgR C-terminal de P. gingivalis; (2) ArgR C-terminal de C. botulinum; (3) ArgR Full Lenght de N. farcinica após etapa de refolding utilizando tampão de renovelamento R3.

Fonte: Elaborado pelo autor. Os espectros em elipticidade molar obtidos a partir dos experimentos de UV-CD realizados com as amostras de ArgR de N. farcinica e P. gingivalis em tampão 5 mM NaH2PO4 e 50 mM NaF (pH 7,4), foram plotados em um gráfico a partir do software OriginLab 7. Esse gráfico (Figura 5) em conjunto com resultados de deconvolução espectral calculados pelo software CONTINLL do pacote de programas CDPro utilizando o conjunto de referências de proteínas SP29 (Tabela 1), indicaram que as duas proteínas estão estruturalmente enoveladas, ou seja, o renovelamento proteico foi bem-sucedido e essas proteínas estão em seu estado funcional. Tabela 1. Resultados em porcentagem das frações de estrutura secundária das proteínas ArgR Full Lenght de N. farcinica e C-terminal de P. gingivalis obtidas por meio do experimento de UV-CD.

Fonte: Elaborada pelo autor. Figura 5. Espectros de CD-UV característicos da proteína ArgR Full Lenght de N. farcinica (A) e C-terminal de P. gingivalis (B) a 25 ºC em solução tampão 5 mM NaH2PO4 e 50 mM NaF (pH 7,4). O eixo Y do gráfico corresponde a elipticidade molar em deg.cm2.dmol-1 e o eixo X ao comprimento de onda em nanômetros.

Fonte: Elaborado pelo autor. 194

Posteriormente aos ensaios de dicroísmo circular as proteínas ArgRs de N. farcinica e P. gingivalis renoveladas e dialisadas foram submetidas a ensaios de DLS. Foram realizados primeiramente ensaios com as proteínas em tampão 20 mM Tris HCl e 100 mM de NaCl pH 7,5 e posteriormente ensaios com a adição de ligantes ao tampão, dentre eles os aminoácidos D-Tirosina (4 mM) e L-Arginina (40 mM). Como observado na Figura 6 após a adição dos aminoácidos as amostras proteicas apresentaram um aumento no diâmetro hidrodinâmico e o estado oligomérico dessas proteínas foi alterado. Figura 6. Distribuição relativa em função do diâmetro hidrodinâmico das medidas de DLS das proteínas ArgRs. A linha vermelha representa o diâmetro hidrodinâmico (Dh) da proteína ArgR de P gingivalis (A e B) e de N. farcinica (C e D) em tampão 20 mM TRIS 100 mM NaCl (pH 7,5) e em PBS 1x e a linha verde representa a proteína ArgR de P gingivalis (A e B) e de N. farcinica (C e D) em mesmo tampão com adição de 40 mM de L- Arginina (A e C) e com 4 mM de D-Tirosina (B e D).

Fonte: Elaborado pelo autor. Isso pode ser explicado pela forma como essas proteínas atuam na regulação gênica. Ao atingir uma determinada concentração de arginina no citoplasma, o domínio C-terminal trimérico das ArgRs liga três argininas em uma fenda superficial rasa e subsequentemente hexameriza formando um dímero de trímeros contendo seis moléculas co-repressoras argininas que estão enterradas nas interfaces das subunidades (MARIUTTI et al., 2020). Desse modo, quando houve a adição do ligante L-Arginina as proteínas foram ativadas e se hexamerizaram, por isso houve aumento no seu diâmetro hidrodinâmico. Além disso, provavelmente também ocorreu hexamerização quando houve a adição do ligante D-Tirosina, já que também houve aumento no diâmetro das proteínas e alteração do seu estado oligomérico nesse caso. Isso pode significar que o ligante D-Tirosina pode ocupar o sítio de ligação da arginina, induzir a hexamerização via mecanismo alostérico e, consequentemente, aumentar sua afinidade pelo DNA, de forma que a via de síntese da arginina possa ser interrompida e resulte na inibição da proliferação dos patógenos P. gingivalis e N. farcinica. Em relação aos ensaios de cristalização, as proteínas ArgRs de C. botulinum e P. gingivalis ainda não obtiveram resultados satisfatórios, sendo que novos ensaios estão sendo feitos envolvendo variações nos parâmetros testados. Os cristais da proteína ArgR Full Lenght de N. farcinica foram obtidos por hanging 195

drop utilizando a proporção 2:1 de proteína: precipitante 2 M amonium sulfate, 5% 2-propanol + Additive Screen (0,1 M Calcium Chloride) (Figura 7A, B e C) e estão sendo utilizados em experimentos de difração de raios-X para a obtenção da estrutura tridimensional cristalográfica. Já os cristais da ArgR P115H de C. pseudotuberculosis foram obtidos por hanging drop em tampão 10 mM Tris HCl e 100 mM NaCl pH 7,0 (Figura 7D), sendo que os dados de difração de raios-X foram coletados e utilizados para resolver sua estrutura cristalográfica e analisar as interações do seu pocket.

Figura 7. Cristais (~100 µm) da proteína ArgR Full Lenght de N. farcinica (A, B e C) e ArgR P115H de C. pseudotuberculosis (D) obtidos por difusão de vapor em hanging drop.

Fonte: Elaborado pelo autor.

Por meio de análises da interação dos ligantes no pocket da ArgR mutante P115H foi confirmado que a presença de His na posição 115 reduz efetivamente o volume do pocket em relação a ArgR selvagem que apresenta uma Prolina na posição 115. Isso indica que o pocket da ArgR selvagem por ser mais volumoso tem maior probabilidade de acomodar Tirosina do que o pocket da ArgR mutante (Figura 8). Resultados similares foram encontrados por MARIUTTI et al. (2020) utilizando a ArgR mutante Pro115Gln de Corynebacterium pseudotuberculosis, os quais indicaram que a substituição do resíduo de aminoácido na posição 115 determina a especificidade da ArgR de C. pseudotuberculosis: ArgR selvagem contendo Prolina na posição 115 acomoda Tyr em seu pocket e ArgR Pro115Gln acomoda Arg. Esses resultados sugerem que a Tirosina pode bloquear a síntese de arginina de C. pseudotuberculosis sem afetar microrganismos da microbiota normal do hospedeiro que possuem His ou Gln na posição 115.

Figura 8. Efeito da substituição do aminoácido no sítio de ligação Arg/Tyr de C. pseudotuberculosis (alaranjado). Substituição de His (volume superfície em azul) pela Pro acomoda melhor Tyr (laranja).

Fonte: Elaborado pelo autor e Ricardo Barros Mariutti (2019). 5. Conclusão Os protocolos testados permitiram expressar e purificar as proteínas ArgRs C-terminal de C. botulinum e P. gingivalis, ArgR Full Lenght de N. farcinica e ArgR C-terminal mutante 196

Pro115His de C. pseudotuberculosis. Também foi possível obter um protocolo de renovelamento das ArgRs de P. gingivalis e N. farcinica, confirmando que as proteínas estavam enoveladas por meio da técnica de Dicroísmo Circular (CD). Por meio de ensaios de Espalhamento Dinâmico de Luz (DLS) foi sugerido que a Tirosina pode ocupar o sítio de ligação da arginina da ArgR de P. gingivalis e N. farcinica, induzindo sua hexamerização via mecanismo alostérico e, consequentemente, aumentando sua afinidade pelo DNA, de forma que a via de síntese da arginina possa ser interrompida e resulte na inibição da proliferação desses patógenos. Os protocolos testados permitiram cristalizar as ArgRs de N. farcinica e C. pseudotuberculosis. Por meio da resolução da estrutura cristalográfica da ArgR P115H de C. pseudotuberculosis foi possível concluir que a substituição do aminoácido na posição 115 altera a especificidade dessa enzima, sendo assim, o ligante Tirosina pode atuar bloqueando a síntese de arginina de C. pseudotuberculosis sem afetar microrganismos da microbiota normal do hospedeiro, os quais não apresentam particularidades em relação ao sítio de ligação da arginina, possuindo His ou Gln na posição 115. 6. Referências BROWN-ELLIOTT, B.A.; BROWN, J.M.; CONVILLE, P.S.; WALLACE, R.J. JR. Clinical and laboratory features of the Nocardia spp. based on current molecular taxonomy. Clin Microbiol Rev, v. 19, p. 259-82, 2006. MARIUTTI, R. B. et al. A single P115Q mutation modulates specificity in the Corynebacterium pseudotuberculosis arginine repressor. Biochimica et Biophysica Acta, v. 1865, n. 7, 2020. 7. Apoio Financeiro CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior).

197

Biodegradação de tinta de tecido por bactéria isolada do solo

DILARRI, G.1,*, MENDES, C.R.1, MONTAGNOLLI, R.N.2, BIDOIA, E.D.1

1Departamento de Bioquímica e Microbiologia, Universidade Estadual Paulista (Unesp), Rio Claro-SP. 2Departamento de Ciências da Natureza, Matemática e Educação, Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), Araras-SP. *[email protected]

Introdução Benzeno, tolueno, etilbenzeno e xileno, conhecidos como BTEX, são compostos presentes em efluentes de indústrias químicas, pesticidas, fertilizantes e indústrias produtoras de tinta. Estes compostos aromáticos são tóxicos para os seres vivos, e se descartados no ambiente pode vir a causar grandes impactos ambientais. Dentre os maiores responsáveis pela produção de efluentes contendo BTEX se encontram as indústrias têxteis e de tingimento de tecidos com corantes sintéticos. A disposição irregular de efluentes das indústrias têxteis é um dos principais fatores de poluição ambiental, causando diversos impactos ambientais. Quando não tratados corretamente, os efluentes dos processos de tingimento das indústrias têxteis podem modificar o ecossistema, diminuindo a clareza da água e a penetração da radiação solar, o que pode modificar a atividade fotossintética e o regime de solubilidade dos gases (Chen et al., 2004; Thakur et al., 2002). Devido ao alto custo, tempo e escassez de tecnologia utilizada no tratamento específico desses efluentes, a maioria das indústrias acaba descartando seus resíduos sem o devido tratamento. Os corantes são os principais compostos presentes na destinação de resíduos têxteis industriais, sendo esses corantes compostos por cadeias aromáticas tóxicas. Existem muitos processos de uso de micro-organismos na degradação de compostos aromáticos, além de ser um tratamento de baixo custo alguns micro-organismos conseguem transformar cadeias aromáticas em compostos menos tóxicos para o meio ambiente como H2O e CO2. A degradação aeróbica de um composto fenólico é iniciada através de sua hidroxilação para então formar catecol (Harayama et al., 1992). Este passo é catalisado pelo fenol hidroxilase (fenol 2-monooxigenase E. C. 1.14.13.7), o qual é considerado um passo limitante na via degradativa, existindo assim 2 tipos de fenol hidroxilases bacterianas, uma unicomponente e outra multi-componente (Avanzi et al., 2009). Entre elas, a fenol hidroxilase multicomponente (mPH) é considerada a maior enzima existente no meio ambiente natural (Futamata et al., 2001). O presente trabalho visa isolar e avaliar o potencial de bactérias degradadoras de compostos aromáticos, exprimindo seu potencial na degradação de tinta de tecido, produto muito descartado no meio ambiente por indústrias têxteis e de fabricantes de tintas, causando grandes impactos ambientais. Sendo que estas tintas de tecidos descartadas possuem em sua constituição grandes cadeias aromáticas o que as torna tóxicas para o meio ambiente, tornando assim de grande interesse o isolamento de microrganismos degradadores desse resíduo industrial. As cepas bacterianas foram isoladas do lato solo vermelho escuro da Universidade Federal de São Carlos campus Araras, e irão ser avaliadas e comparadas, analisando a degradação da tinta de tecido, e consequentemente a degradação dos compostos aromáticos, substância tóxica presentes nos composto da tinta de tecido. O corante Remazol Brilliant Blue R foi utilizado para representar o grupo de compostos alvo a ser degradado, que é um corante de antraquinona, considerado tóxico ao meio ambiente, muito utilizado pelas indústrias têxteis. Entre os grupos químicos constituintes da classe dos corantes azos estão os anéis aromáticos ligados por N=N, e os corantes “cuba” constituídos por cromóforos indigóides que podem ser derivados de indigotina ou tioíndigo, ou cromóforos derivados basicamente de antraquinona (Takeo et al., 2006). Realizando-se uma bioprospecção de micro-organismos com potencial biotecnológico para biorremediação destes compostos xenobióticos. 198

Objetivos

O presente trabalho tem como principal objetivo, isolar e avaliar o potencial de bactérias degradadoras de compostos aromáticos, revelando o seu potencial na degradação de tinta de tecido, importante causador de grandes impactos ambientais.

Metodologia

Foram coletados 200g de lato solo vermelho escuro da Universidade Federal de São Carlos campus Araras, e este solo foi submerso em uma solução aquosa de Remazol Brilliant Blue R á 500 mg/L. O solo contaminado ficou guardado em potes transparentes aerados pelo período de quatorze dias. Em seguida, parte do solo foi retirado e colocado em diluições de água, sendo a diluição máxima de 10³, desta solução foram inoculados cem microlitros em placas com meios preparados exclusivamente para a seleção dos microrganismos degradadores de tinta, tais placas apresentam a composição de meio de cultura sólido mínimo mineral descrito por Dilarri et al., (2016) e 250 mg/L de concentração de Remazol Brilliant Blue R como única fonte de carbono. As placas de meio com tinta foram incubadas por 72 horas em estufa com temperatura de 30 ºC. Em seguida, observou-se o crescimento das colônias e estas por sua vez foram repicadas novamente em placas com o mesmo meio de cultura anterior para que pudesse dessa forma isolar apenas as colônias de microrganismos degradadores da tinta. Para selecionar o melhor microrganismo que fosse resistente á grandes concentrações da tinta, como que também usasse o máximo da tinta para seu metabolismo foi feito um segundo meio de cultura, sendo este composto por apenas 500 mg/L de Remazol Brilliant Blue R em meio mínimo mineral. Cada colônia foram repicadas nessas novas placas e incubadas a 30 ºC em um período de 72 horas. Para analise de degradação da tinta pelas cepas bacterianas utilizou-se o espectrofotômetro UV-Vis. Para fazer as análises primeiramente inoculou-se a bactéria em tubos Falcons contendo uma solução de 20 mL com 250 mg/L de Remazol Brilliant Blue R. Foram inoculados neste meio as cepas bacterianas isoladas, os tubos foram colocados sobe agitação de 150 rpm, em temperatura de 30 ºC e retirados após 168 horas para a analise em espectrofotômetro UV-Vis no comprimento de 630 nm, já que a coloração da tinta utilizada no experimento era da cor azul. Outras amostras ficaram sobe agitação de 150 rpm, em temperatura de 30 ºC pro mais tempo, só sendo retiradas para analise após 336 horas, tendo assim dois tempos de análise contando com o tempo zero. Todos os testes foram feitos em triplicatas.

Resultados e Discussão

Observou-se que apenas uma colônia de bactéria, denominada de G1REY, conseguia crescer no meio com 500 mg/L de Remazol Brilliant Blue R. Além de observar um clareamento em torno da colônia na placa de tinta, tal clareamento comprova-se que a bactéria isolada estava degradando o corante, a bactéria se mostrou extremamente resistente a grande concentração do corante, conseguindo usá-lo, já que o mesmo era a única fonte de carbono do meio. A aréola formada na placa com o corante contaminante é um indicativo da eficiência bacteriana em degradar o resíduo tóxico (Barragán et al., 2007). Os resultados apurados foram que após 168 horas, o controle que continha apenas os 20 mL da substancia sem o inóculo da bactéria G1REY, apresentaram uma absorbância de 0,479. O segundo controle apresentou 0,490 e o terceiro apresentou uma absorbância de 0,477. Os Falcons contendo os inóculos apresentaram uma absorbância de 0,080, o segundo apresentou 0,080 e o terceiro apresentou uma absorbância de 0,030. Sendo uma diferença direta do inóculo 199

para o controle de 0,477, além do clareamento na amostra ser bem evidente, enquanto que o controle mantém a coloração azul. A amostra com o inóculo apresentava uma coloração bem mais clara, sendo totalmente transparente no tempo final. Diferente do controle cuja cor além de ser mais escura ela também não era transparente sendo o oposto da amostra com o inóculo. Já a analise das amostras após 336 horas apresentaram um controle com absorbância de 0,490, o segundo de 0,479 e o terceiro de 0,480. Já os inóculos apresentaram uma absorbância de 0,040, o segundo de 0,030 e o terceiro de 0,010. Todas as amostras com os inóculos ficaram com margens negativas, passando do comprimento de onda, a coloração havia mudado quase que completamente, além da amostra estar totalmente transparente (Figura 1). Barragán et al. (2007) também obteve valores de absorbância próximo ao negativo nos tempos finais dos seus ensaios. Já o controle mantinha-se translúcido e com a mesma coloração inicial do corante azul usado nos teste (Figura 1). Ao fazer o gráfico da porcentagem de corante presente no começo do tratamento e no tempo final pode-se quantificar a eficiência do micro-organismo isolado em degradar o corante têxtil (Figura 2).

Figura 1. Degradação de corante pelo tempo de tratamento com o micro-organismo isolado do solo contaminado. Controle = Solução aquosa de Remazol Brilliant Blue R com 250 mg/L de concentração; Tempo F = Tratamento com o micro-organismo isolado ao final das 336 horas de tempo de contato; Tempo M = Tratamento com o micro-organismo isolado com 168 horas de tempo de contato.

200

120%

100%

Controle 80%

60%

de corante na solução (%) nasoluçãocorante de 40%

G1REY 20%

Concentração 0% 0 4 8 12 16 Dias

Figura 2. Gráfico da degradação de corante pelo tempo.

Utilizando micro-organismos já descritos como degradadores de corantes, Khalid et al. (2009) obteve um total de degradação do corante têxtil testado próximo á 100% após 72 horas de contato. Porém neste estudo os micro-organismos já eram conhecidos por serem degradadores eficientes. Barragán et al. (2007), também realizou um estudo de isolamento de micro-organismos degradadores de corantes presentes no ambiente, obtendo resultados similares ao presente trabalho, onde após 360 horas de contato, as bactérias isoladas obtiveram valores de degradação superiores á 90%. Esses resultados foram similares ao obtido no presente trabalho, onde com 336 horas foi possível obter mais de 80% de degradação do corante. Deste modo comprova-se o grande potencial de degradabilidade de corante têxtil por parte da bactéria G1REY, sendo que em quatorze dias a cepa da bactéria reduziu quase que completamente a quantidade de tinta da amostra, com uma baixa concentração de nutriente, comprovando também sua resistência perante o composto tóxico.

Conclusão

O inóculo G1REY mostrou-se ser muito resistente á altas doses do corante têxtil Remazol Brilliant Blue R a ser degradado por ele, além de apresentar um potencial degradativo relativamente rápido com uma degradação quase que total do corante em um período de 336 horas, além de apresentar uma taxa de crescimento muito rápida em um curto período de tempo e com baixas concentrações de nutrientes, comprovando-se assim o grande potencial do inóculo isolado em uso de processos de biorremediação de ambientes ou efluentes contaminados por corantes têxteis. O inóculo demonstrou também uma grande resistência e grande potencial para degradar substancias compostas por grandes cadeias aromáticas que são extremamente tóxicas para o meio ambiente.

Referências bibliográficas AVANZI, I. R.; GRACIOSO, L. H.; PERPETUO, E. A. Isolamento e identificação de bactéria degradadora de fenol da zona industrial de Cubatão-SP, através da técnica de amplificação do 16S. Revista Ceciliana, v. 1, p. 66-70, 2009. 201

BARRAGÁN, B. E.; COSTA, C.; MÁRQUEZ, M. C. Biodegradation of azo dyes by bacteria inoculated on solid media. Dyes and Pigments, v. 75, p. 73-81, 2007. CHEN, W. M.; CHANG, J. S.; WU, C. H.; Chang S. C. Characterization of phenol and TCE degradation by the rhizobium Ralstonia taiwanensis. Research in Microbiology, v. 155, p. 672-680, 2004. DILARRI, G.; SILVA, V. L.; PECORA, H. B.; MONTAGNOLLI, R. N.; CORSO, C. R.; BIDOIA, E. D. Electrolytic treatment and biosurfactants applied to the conservation of Eugenia uniflora fruit. Food Science and Technology, v. 36, p. 456-460, 2016. FUTAMATA, H.; HARAYAMA, S.; WATANABE, K. Group-specific monitoring of phenol hydroxylase genes for a functional assessment of phenol-stimulated trichloroethylene bioremediation. Applied and Environmental Microbiology, v. 67, p. 4671-4677, 2001. HARAYAMA S.; KOK, M.; NEIDLE, E. L. Functional and evolutionary relationships among diverse oxygenases. Annual Review of Microbiology, v. 46, p. 565-601, 1992. KHALID, A.; ARSHAD, M.; CROWLEY, D. E. Biodegradation potential of pure and mixed bacterial cultures for removal of 4-nitroaniline from textile dye wastewater. Water Research, v. 43, p. 1110- 1116, 2009. TAKEO, M.; PRABU, S. K.; KITAMURA, C.; HIRAI, M.; TAKAHASHI, H.; KATO, D.; NEGORO, S. Characterization of alkylphenol degradation gene cluster in Pseudomonas putida MT4 and evidence of oxidation of alkyphenols and alkycatechols with medium-length alkyl chain. Journal of Bioscience and Bioengineering, v. 102, p. 352-361, 2006. THAKUR, I. S.; VENNA, P.; UPADHAYAYA, K. Molecular cloning and characterization of pentachlorophenol-degrading monooxygenase genes of Pseudomonas sp. From the chemostat. Biochemical and Biophysical Research Communications, v. 290, p. 770-74, 2002.

202

Produção de ramnolipídios por linhagens de Pseudomonas aeruginosa utilizando glicerol como fonte de carbono

SANTOS, L.P.1*, ROCHA, M.A.G.1, YOSHIMURA, I.1, CONTIERO, J.1, LOVAGLIO, R.B.2

1 Universidade Estadual Paulista – Campus Rio Claro – Instituto de Biociências*[email protected] 2Universidade Federal de São Carlos – Campus Lagoa do Sino – Centro de Ciências da Natureza [email protected]

Introdução Biossurfactantes são metabólitos secundários produzidos na fase estacionária do crescimento microbiano (VARJANI e UPASANI, 2017). A principal função destes compostos é a redução da tensão superficial e interfacial. Isso ocorre devido ao biossurfactante ser formado por uma porção hidrofóbica e outra hidrofílica (MARCHANT e BANAT, 2012). Com isso, os campos de aplicação dos biossurfactantes são bastante amplos, incluindo agricultura, indústrias farmacêuticas, petrolífera, mineração, alimentos, produtos de limpeza, têxtil, entre outras (WANG e MULLIGAN, 2009). Esses biotensoativos possuem inúmeras vantagens em relação ao sintético, pois além de possuírem alta atividade de superfície, eles podem ser obtidos a partir de procedimentos simples, como processos fermentativos aliados a substratos de baixo custo como fonte de carbono (CÂMARA, 2019). Diferente dos surfactantes, os biossurfactantes são classificados com base na sua natureza bioquímica. Entre as principais classes estão os glicolipídios, lipopeptídios e lipoproteínas, ácidos graxos e fosfolipídios e biossurfactantes poliméricos (LOVAGLIO, 2011). Entre os glicolipídios mais conhecidos e estudados estão o ramnolipídio, o qual é produzido principalmente pela bactéria Pseudomonas aeruginosa (REKADWAD, 2019). No entanto, os biossurfactantes em geral apresentam um elevado custo, o que dificulta sua comercialização, mostrando-se incapazes de competir economicamente com os surfactantes químicos (SANTOS, 2015). Há três estratégias a fim de diminuir os custos da sua produção, sendo a primeira a utilização de substratos de baixo valor; a segunda é o desenvolvimento de bioprocessos e a terceira é a utilização de linhagens mutante a fim de aumentar a síntese do produto de interesse (MUKHERJEE et al., 2006). A cada ano milhões de toneladas de resíduos são gerados, sendo o tratamento dos mesmos financeiramente custoso para muitas industrias (MUKHERJEE et al., 2006), como por exemplo o glicerol de biodiesel. Em setembro de 2014, foi decretada e sancionada a lei N° 13.033 onde foram estabelecidos os percentuais de adição obrigatória de biodiesel ao óleo diesel comercializado. Com a crescente produção de biocombustível, é esperada uma grande disponibilidade de glicerol, pois este é um subproduto abundante da produção de biodiesel (PASSONE et al., 2015). A genética do microrganismo influencia diretamente no rendimento de produtos, onde os genes são os responsáveis pela capacidade de síntese de metabólitos (LOVAGLIO, 2011). Em relação a linhagens mutantes há resultados controversos na literatura, sendo que para Campos-Garcia et al., (1998, p. 4446), a deleção do gene rhlG não acarretou na taxa de crescimento microbiano, mas a produção de ramnolipídios foi anulada. Enquanto Déziel et al., (2003, p. 149) e Zhu e Rock, (2008, p. 3153) refutaram essa hipótese de que o gene rhlG seria responsável pela síntese do precursor lipídico, pois mutantes com deleção em rhlG produziram concentrações de ramnolipídios próxima àquelas sintetizadas pelas linhagens selvagens. Ao utilizar o mutante randômico rhlG da linhagem de P. aeruginosa PAO1, Lovaglio (2011, p. 104) observou que houve redução na produção de ramnolipídios em fermentações utilizando óleo de girassol como fonte de carbono. É evidente a necessidade de se avaliar a 203

relação desse gene com a produção de ramnolipídios, já que, existem resultados controversos na literatura. Sendo assim, esse estudo teve como propósito avaliar a produção de ramnolipídios pela linhagem selvagem de P. aeruginosa MPAO1 e a mutante com deleção do gene rhlG utilizando glicerol tratado como fonte de carbono.

Objetivos Avaliar a produção de ramnolipídios utilizando a linhagem mutante de Pseudomonas aeruginosa com deleção no gene rhlG em comparação com a linhagem selvagem MPAO1, utilizando glicerol de Biodiesel tratado como fonte de carbono.

Metodologia

Microrganismos Os microrganismos utilizados foram provenientes do Laboratório de Microbiologia Industrial (LMI) da UNESP (Rio Claro/SP). As linhagens de Pseudomonas aeruginosa MPAO1 e ∆rhlG estavam acondicionadas em tubos criogênicos e armazenadas em ultra-freezer à -80 °C.

Condições de Cultivo Primeiramente os microrganismos foram pré-cultivados em frascos Erlenmeyer (125 mL) contendo 20 mL de meio LB e 100 μL da cultura estoque da linhagem a ser avaliada. A incubação foi feita em mesa agitadora, durante 24 horas à 37 ºC e 200 rpm. Em seguida, foram transferidos 5 mL do pré-cultivo para frascos de 500 mL com 100 mL de MLCTP e incubou- se por 24 horas à 37 ºC e 200 rpm. Os experimentos foram realizados em frascos Erlenmeyer de 500 mL, contendo 100 mL de MLC e glicerol tratado (12,5 g/L). Após inoculação, os frascos foram incubados em mesa agitadora, como descrito anteriormente. Nos tempos de 20, 40, 70 e 120 horas foram adicionados 0,1 mL de elementos traços. As amostras para avaliação do crescimento e produção de ramnolipídios foram retiradas a cada 24 horas durante 6 dias. Os cultivos foram feitos em triplicata.

Métodos Analíticos Para quantificação do ramnolipídio e biomassa, foram retirados 5 mL de amostra da fermentação, que foram centrifugadas por 20 minutos, 12000 rpm a 4 °C. A avaliação do crescimento microbiano foi feita por método gravimétrico, onde o pellet de células foi ressuspenso em NaCl 0,85% (v/v) e centrifugado à 10000 rpm, 4 ºC e 10 min. Em seguida o pellet foi dissolvido em menor volume de solução salina e mantidos em estufa à 100 ºC até atingir peso constante. A avaliação do ramnolipídio produzido ocorreu a partir da adição de 20 μL de ácido fosfórico e 5 mL de acetato de etila ao sobrenadante. Em seguida, foram derivatizadas a fim de serem detectadas via detector de UV. Os padrões e as amostras de ramnolipídios foram derivatizados de acordo com o que foi descrito por Schenk et al. (1995). As análises foram feitas com um equipamento HPLC (Shimadzu) acoplado a um detector UV, de acordo com o descrito por Müller et al. (2010).

204

Resultados e Discussão Na fermentação nota-se que a mutante com deleção no gene rhlG produziu mais biotensoativo que a linhagem selvagem MPAO1, sendo a maior concentração de 0,952 ± 0,036 g/L em 48 horas de fermentação, como pode ser observado na figura 1.

Figura 1: Fermentação com as linhagens selvagem e mutante utilizando glicerol como fonte de carbono.

A linhagem de Pseudomonas aeruginosa MPAO1 utilizando glicerol como fonte de carbono produziu uma concentração inferior de ramnolipídio, sendo que o ápice da síntese alcançou 0,038 ± 0,012 g/L em 72 horas. Esse resultado corrobora com os estudos de Silva (2018, p. 90), onde o autor também teve uma baixa produção de ramnolipídio nessas condições, entretanto obteve uma alta produção de ramnolipídio utilizando óleo de girassol. Segundo Silva (2014, p. 76), a produção de ramnolipídio é favorecida pela presença de fontes de carbono hidrofóbicas. Em relação à biomassa, a cepa a que obteve melhor crescimento foi a MPAO1 ΔrhlG, alcançando 4,8 ± 0,43 g/L de peso seco em 72 horas de fermentação. Por outro lado, a cepa MPAO1 teve seu máximo de crescimento em 120 horas de fermentação, com uma biomassa de 3,53 ± 0,23 g/L. Ao realizar o cálculo do fator de conversão biomassa em produto, os resultados indicaram que a linhagem Pseudomonas aeruginosa com deleção do gene rhlG apresentou um melhor rendimento quando comparada a linhagem selvagem, como pode ser observado na figura 2. Com isso pode-se inferir que a maior produção de ramnolipídios não está atrelada a maior concentração de biomassa. 205

Figura 2: Relação produto/ biomassa (Yp/x) da produção de ramnolipídios.

Na pesquisa de Baliero (2017, p. 18), foi utilizado o mutante randômico Pseudomonas aeruginosa LBI 2AI e como fonte de carbono o glicerol tratado, afirmando que esse subproduto pode apresentar resquícios de sais, ácidos graxos livres e metanol, com uma pureza de aproximadamente 80 a 88% (VAN GERPEN 2005; LEUNG et al., 2010). Com isso, a diminuição desses componentes pode ter possibilitado o consumo do glicerol com mais eficiência e consequente influenciou beneficamente a produção de ramnolipídio. Ainda no trabalho supracitado, a autora confirma que a presença de ácidos graxos no meio de cultura induziu de modo positivo o crescimento celular. Considerando os resultados citados acima, pode-se induzir que o gene rhlG mostrou influência sobre a biossíntese de ramnolipídios, entretanto essa influência é negativa no caso de fontes hidrofóbicas e positiva na presença de fontes hidrofílicas.

Conclusão A deleção do gene rhlG na linhagem MPAO1 interferiu de forma benéfica tanto para produção do ramnolipídio quanto para o crescimento microbiano. Além disso, o glicerol tratado se mostrou como uma possível fonte de carbono para esse destino, onde novos estudos podem ser realizados testando inclusive o glicerol bruto. A aplicação desse substrato somada a linhagem mutante podem agregar valor um resíduo industrial, evitar a contaminação do meio ambiente e diminuir ainda os custos de produção desse biossurfactante.

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Bioconversão enzimática de ácido ferúlico com identificação, localização e caracterização parcial de enzima bacteriana ácido ferúlico descarboxilase

SANTOS, M. B. C.1; BOSCOLO, M 2; SILVA, R. 1; GOMES, E1.

1 Laboratório de Bioquímica e Microbiologia Aplicada – Unesp/Ibilce – São José do Rio Preto-SP 2 Laboratório de Bioenergia – Unesp/Ibilce – São José do Rio Preto-SP

Introdução O memorável crescimento da geração de resíduos lignocelulósicos pelo mercado agrícola em todos os seus meios tem estimulado o interesse do desenvolvimento de técnicas de aproveitamento destes resíduos, seja por geração de energia ou como matéria prima para a geração de produtos de maior valor agregado. Composto por celulose, hemicelulose e lignina, o resíduo lignocelulósico é rico em polímeros de açúcar aproveitáveis para processos de fermentação alcoólica. Já a lignina, correspondente a um polímero de fenilpropano constituída por álcoois p-cumaril, coniferílico e sinapílico, onde a constituição aromática e as ligações éter que conferem a esse composto elevada estabilidade, a sua composição monomérica se apresenta com grande potencial de geração de compostos fenólicos (RAGAUSKAS et al., 2014). Os compostos fenólicos são uma família heterogênea, mas suas moléculas possuem como característica principal a existência de um anel benzênico ligado a um grupo hidroxila (VERMERRIS; NICHOLSON, 2007). Dentre estes, os ácidos cinâmicos, tais como ácidos ferúlico, p-cumárico e cafeico, os quais apresentam grande potencial comercial seja em sua forma original ou como matéria prima para a geração de outros compostos que podem ser usados em bebidas, alimentos, cosméticos, medicamentos, por várias características como suas propriedades organolépticas, antialérgicas, antimicrobianas ou antioxidantes (ARAÚJO et al., 2015; COSTA et al., 2015) Algumas cepas de microrganismos apresentam capacidade de metabolizar estes resíduos lignocelulosicos ou parte deles, estes processos de metabolização permitem o fracionamento, eliminação ou transformação desde compostos em outros que podem ser de interesse biotecnológico (BERGER, 2015). Neste sentido, os compostos fenólicos presentes na biomassa lignocelulósica tem sido proposto como precursores de aromas e sabores, os quais possuem diversas aplicações na indústria de alimentos, cosmética e farmacêutica, como é o caso do 4- vinilguaicol que é produto da biotransformação de ácido ferúlico. O 4-vinilguaiacol está presente na natureza e se apresenta com características de aroma de cravo-da-índia, encontrado em pequenas quantidades o que torna sua extração e fabricação processos de alto custo. Entretanto uma forma ecologicamente correta de se obter tal composto é baseada na biotransformação por cepas microbianas e/ou suas enzimas (LUBBERS et al., 2019). A biotransformação do ácido ferúlico pode seguir diferentes vias dependendo do tipo de microrganismo. No entanto, na via metabólica mais comum onde o 4-vinilguaiacol é o primeiro produto a ser gerado pelo mecanismo de descarboxilação e convertido em vanilina que é posteriormente oxidada em ácido vanílico, seguida por uma desmetilação em ácido protocatecuico e, finalmente, a formação de catecol (KARMAKAR et al., 2000; MATHEW; ABRAHAM, 2006). Isolada e caracterizada pela primeira vez de Pseudomonas fluorescens UI 670, a enzima chave neste processo é a descarboxilase do ácido ferúlico, que é a fenacrilato descarboxilase EC 4.1.1.102, que catalisa a reação ferulato em 4-vinilguaiacol + CO2 (https://enzyme.expasy.org/) (HUANG; DOSTAL; ROSAZZA, 1994). Neste trabalho focamos na indução, localização e caracterização parcial da enzima ácido ferúlico descarboxilase a partir de uma cepa isolada em trabalho prévio do Laboratório de Bioquímica e Microbiologia Aplicada IBILCE/ Unesp.

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Objetivos  Produzir e localizar a enzima ácido ferúlico descarboxilase;  Promover caracterização bioquímica parcial da enzima.

Metodologia

Microrganismo Foi utilizada a bactéria Klebsiella sp. TD 4.7 isolada e selecionada em estudo prévio, pertencente à coleção de trabalho do Laboratório de Bioquímica e Microbiologia Aplicada do Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas (IBILCE), da Universidade Estadual Paulista (UNESP).

Obtenção dos extratos enzimáticos O pré-inóculo foi preparado em meio nutritivo com adição de ácido ferúlico com a concentração de 300 mg L-1, cultivo foi incubado a 28 ºC, num agitador rotativo a 150 rpm, durante 12 horas. O inóculo foi centrifugado a 15000 × g por 15 min., lavado três vezes com solução salina 0,85% de NaCl e o pellet foi ressuspendido com o próprio meio de cultivo e inoculado na referente unidade experimental. O cultivo foi conduzido em meio mineral acrescido de 0,05% glicose e 300 mg L-1 de ácido ferúlico. Houve controle abiótico, ou seja, sem a presença do microrganismo. Após o cultivo o material foi centrifugado a 15000 x g, 4°C, por 15 minutos. O sobrenadante foi utilizado como solução enzimática bruta (enzima extracelular). A enzima intracelular foi obtida suspendendo-se a biomassa em tampão fosfato de sódio 50 mM (pH 6,0), em volume suficiente para manter tal solução sob a concentração de 0,2 g mL-1 de biomassa úmida, desta etapa foi retirada uma fração para os testes de célula total. O restante da suspensão de biomassa foi submetida a sonda de ultrassom por 4 vezes por 30 segundos, com intervalos de 15 segundos. Os tubos foram mantidos em banho de gelo. O lisado bacteriano foi centrifugado a 15000 x g, a 4°C, por 15 minutos e o sobrenadante foi usado como solução enzimática. Os pellets deste último processo foram separados, pesados e ressuspendidos em volume suficiente para manter tal solução sob a concentração de 0,2 g mL- 1 de biomassa úmida, sendo esta fração referente aos fragmentos da parede celular. A atividade da enzima ácido ferúlico descarboxilase foi determinada em material extracelular (meio de cultura), material intracelular (extrato celular), célula total e fragmentos da parede celular, após esta etapa foi escolhido o extrato a ser utilizado na caracterização parcial.

Determinação da atividade da enzima ácido ferúlico descarboxilase A atividade da enzima ácido ferúlico descarboxilase foi determinada através de ensaios conduzidos em triplicata, adicionando-se 0,05 mL dos extratos (10% v/v) a 0,45 mL de uma solução composta de 0,3 g L-1 de ácido ferúlico. A mistura reacional foi incubada a temperatura de 30 ºC, durante 30 minutos. A atividade da enzima ácido ferúlico descarboxilase foi medida pela redução de ácido ferúlico e calculada pela formação de 4-vinilguaiacol. Uma unidade de atividade (U) foi definida como a quantidade de enzima necessária para produção de 1 µmol de 4-vinilguaiacol por minuto.

Efeito do pH e da temperatura na atividade da enzima em extrato bruto O efeito do pH na atividade de ácido ferúlico descarboxilase foi testado em banho de aquecimento com rotação a 30 °C na faixa de pH de 4,0 a 9,0, tempo de reação de 15 minutos. Os tampões utilizados foram: acetato (4,0 a 5,0), mes (5,5 a 6,5), hepes (7,0 a 8,0) e bicine (8,5 a 9,0). 209

O efeito da temperatura na atividade de ácido ferúlico descarboxilase foi avaliado com reações enzimáticas ocorrendo em temperaturas de 20 a 60 ºC (com variação de 5 °C), em pH 5,5, tempo de reação de 15 minutos.

Efeito do pH e da temperatura na atividade e estabilidade da enzima em extrato bruto O efeito do pH sobre a estabilidade da enzima, quando em ausência de substrato, foi determinado pela diluição do extrato enzimático em solução tampão a 0,1 M (1:2): acetato (4,0 a 5,0), mes (5,5 a 6,5), hepes (7,0 a 8,0) e bicine (8,5 a 9,0). A mistura foi incubada em dois lotes a 4 °C e 25 °C por 24 horas. Após esse período, alíquotas das diferentes soluções de pH foram analisadas quanto à atividade de descarboxilação. O efeito do pH na atividade de ácido ferúlico descarboxilase foi avaliado com reações enzimáticas de 15 minutos, ocorrendo em temperaturas de 40 ºC, pH 5,5. Para a determinação termoestabilidade da enzima, o extrato enzimático foi incubado em banho de aquecimento em temperaturas entre 20 a 50 °C (com variação de 5 °C). Os períodos de incubação foram de 1 hora. Em seguida foi determinada a atividade com reações enzimáticas de 15 minutos, ocorrendo em temperaturas de 40 ºC, pH 5,5.

Resultados e Discussão

Determinação da atividade da enzima ácido ferúlico descarboxilase A atividade de descarboxilação não oxidante de ácidos aromáticos ocorre em uma variedade de microrganismos e é de interesse para bioprocessamento e engenharia metabólica. Quando da confirmação da presença de ácido ferúlico descarboxilase, foi verificada a presença intracelular e de parede, através da formação de 4-vinilguaiacol (BHUIYA et al., 2015). Quanto aos testes de atividade enzimática de ácido ferúlico descarboxilase, a qual é responsável pela descarboxilação de ácido ferúlico a 4-vinilguaiacol, inicialmente foram mensuradas as concentrações de substrato e produto (Figura 1), ficou evidente nos ensaios enzimáticos a maior presença da enzima no material de parede celular do microrganismo (fração fragmentada), visto que obteve-se 61 U mg.mL-1 de atividade nas condições testadas, é possível observar que há formação do produto nos extratos de célula integra e intracelulares, obtendo 54,85 U mg.mL-1 e 44,21 U mg.mL-1, respectivamente. A partir destes resultados é possível inferir que a enzima em sua grande parte é um componente estrutural das paredes da célula.

Figura 1: Atividade da enzima ácido ferúlico descarboxilase: A – extracelular, meio de cultura; B – enzima associada a célula; C – enzima associada a célula (célula fragmentada); D – atividade intracelular.

210

Embora as descarboxilases de ácido fenólico forneçam ferramentas úteis para aplicações bioindustriais, essas enzimas apenas começam a ser examinadas. Degrassi e colaboradores (1995), quando do estudo com B. pumilus PS213, após utilização de meio de indução com a presença de ácido ferúlico, com a produção e atividade da ácido ferúlico descarboxilase, a análise por HPLC mostrou tempos de retenção semelhantes para o 4-vinilguaiacol que é produto de degradação do ácido ferúlico, como descrito neste trabalho. Demonstrou ainda que a produção desta enzima parece ser induzida pela presença de ácido ferúlico no meio de cultivo, isto implica que esta função de descarboxilase representa um passo do metabolismo secundário que poderia ter evoluído em resposta à toxicidade deste.

Efeito do pH e da temperatura na atividade da enzima em extrato bruto Foi possível observar que a enzima possui atividade máxima no pH 5,5, com grande diferença do pH 5,0 que apresenta atividade reduzida. No entanto, a atividade enzimática diminui gradualmente a partir do pH 6,0. É notável que temperaturas mais quentes selecionam melhor atividade enzimática, com atividade ótima a 40ºC. Nota-se também a perda completa de atividade acima de 60ºC.

Figura2: pH ótimo (A) e temperatura ótima (B) da enzima ácido ferúlico descarboxilase. O parâmetro 100% foi assumido como o maior valor obtido entre as unidades experimentais.

Efeito do pH e da temperatura na atividade e estabilidade da enzima em extrato bruto De acordo com as curvas de estabilidade pode-se observar que a enzima é relativamente estável quando preservada nas condições de 20 a 45ºC, e acima de 50ºC sua atividade é completamente afetada. Os resultados de pH mostraram que a descarboxilase de ácido ferúlico é amplamente estável na faixa de pH básico, exibindo quase 100% da atividade total entre pH 5,5 e 9,0. 211

Figura8: Efeito do pH (C) e da temperatura (D) na estabilidade da enzima ácido ferúlico descarboxilase. O parâmetro 100% foi assumido como uma reação de extrato enzimático não incubado nas condições acima citadas.

Em comparação aos resultados apresentados por (DEGRASSI; POLVERINO DE LAURETO; BRUSCHI, 1995), que demonstraram uma ácido ferúlico descarboxilase derivada de Bacillus pumilus PS213 exibindo atividade ótima em pH 5,5; o mesmo que (PRIM; PASTOR; DIAZ, 2003). (MAEDA et al., 2018) demonstraram que a mesma enzima proveniente de Aspergillus luchuensis exibiu excelente atividade catalítica em pH 5,7, demonstrando a proximidade de características desta enzima em diferentes microrganismos. Com base na literatura disponível, as faixas de temperatura ótima encontradas para a enzima são notoriamente mais baixas como nos trabalhos de Huang e coraboradores (2012), que obtiveram resultados de temperada ótima de 25ºC, bem como no trabalho de Huang; Dostal; Rosazza (1994), em que a faixa ótima foi de 27 a 30ºC, com exceção de Maeda et al. (2018) e Prim, Pastor e Diaz (2003), que a temperatura ótima foi de 40 ºC conforme a temperatura obtida neste estudo. Ao contrário do que foi relatado por Degrassi, Laureto e Bruschi (1995), que estudaram a enzima derivada de Bacillus pumilus, a enzima obtida de Klebsiella sp. TD 4.7 apresentou estabilidade principalmente na faixa de pH básico, enfatizando a necessidade de novos estudos para melhorar sua eficiência compreender as diferentes características desta enzima em diferentes espécies. Em relação à temperatura, a enzima de Klebsiella sp. TD 4.7 também foi mais resistente, apresentando considerável conservação de sua atividade até 45ºC, já que o mesmo autor relatou a conservação da atividade até 37ºC. Portanto, uma enzima mesofílica como o ácido ferúlico descarboxilase de Klebsiella sp. TD 4.7, sendo estável e ativa em amplas faixas de pH e temperatura, pode ser vantajosa em aplicações industriais.

Conclusão A enzima produzida por Klebsiella sp. TD 4.7 apresenta características vantajosas que podem ser utilizadas para processos de produção de 4-vinilguaiacol.

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Apoio Financeiro CNPq (abril/2020 – abril/2023).

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Avaliação da compatibilidade de inseticidas e fungicidas com fungos entomopatogênicos e nematófagos utilizados no controle biológico

NUNES, M.L.R1, ARRUDA, F.V.F2, LEAL, P.L3

1 Universidade Federal da Bahia (UFBA), Instituto Multidisciplinar em Saúde (IMS), Campus Anísio Teixeira, 45029-094, Vitória da Conquista (BA) 2 JCO Fertilizantes, 47810-053, Barreiras (BA) 3 Universidade Federal da Bahia (UFBA), Instituto Multidisciplinar em Saúde (IMS), Campus Anísio Teixeira, 45029-094, Vitória da Conquista (BA)

Introdução O controle químico é considerado uma ferramenta importante para a redução da disseminação de patógenos, porém seu uso intensivo gera contaminações ao meio ambiente e danos à saúde humana (PINTO et al., 2012). Além disso, pode ser uma barreira para o desenvolvimento de agentes microbianos (DUARTE et al., 2016). Como exemplo desses organismos temos os fungos entomopatogênicos e nematófagos, que atuam no controle biológico de insetos e nematoides, respectivamente e que causam menor impacto para as culturas que são tratadas com agroquímicos (OLIVEIRA et al., 2018). O uso desses organismos para o controle biológico de pragas é vantajoso por eles serem capazes de parasitar seus hospedeiros por meio da penetração pela cutícula ou tegumento (ZOU et al.,2014). Entre os principais entomopatógenos está o fungo Beauveria bassiana (Bals.) Vuillemnin que já teve sua ação constatada sobre pragas agrícolas como o ácaro rajado (Tetranychus urticae) e o moleque-da-bananeira (Cosmopolites sordidus) (FREGONESI: MOCHI; MONTEIRO, 2016). Outro importante entomopatógeno é Isaria fumosorosea Wize (Hypocreales: Cordycipitaceae) cuja ação já foi constatada no controle de insetos como mosca- branca e pulgões. (ZOU et al., 2014). Entre os fungos nematófagos destacam-se Pochonia chlamydosporia Zare Gams & Evans e Purpureocillium lilacinum (Thom.) Luangsa-ard (Hypocreales: Ophiocordycipitaceae). O primeiro é conhecido por ser parasita de nematoides, como Meloidogyne spp. e Heterodera spp. (NASU et al., 2019). Já P. lilacinum, é conhecido por ser capaz de parasitar nematoides incluindo espécies do gênero Meloidoigyne spp., Heterodera spp. e Globodeera spp. (KUMAR; RAMYA, 2014). No entanto, para o sucesso do controle microbiano a partir da ação desses fungos, é imprescindível conhecer a interação deles com os agrotóxicos utilizados nas plantações para evitar que haja diminuição ou eliminação de suas funções (BOTELHO; MONTEIRO, 2011) e determinar as possibilidades de associação dos dois métodos de controle para a proteção das plantações, tornando possível a diminuição do uso de agrotóxicos para o controle de pragas.

Objetivos Diante do exposto, este trabalho teve por objetivo avaliar a compatibilidade de fungos entomopatogênicos (Beauveria bassiana e Isaria fumosorosea) e nematófagos (Pochonia chlamydosporia e Purpureocillium lilacinum) com inseticidas e fungicidas, respectivamente, contendo diferentes ingredientes ativos utilizados para o controle de pragas da agricultura.

Metodologia Os fungos foram obtidos do banco de cultura da empresa JCO Fertilizantes, localizada na cidade de Barreiras – Bahia. Os mesmos foram repicados e acondicionados em placas de Petri contendo meio batata-dextrose-ágar (BDA). Após o crescimento dos fungos, seguiu-se o experimento com a adição dos compostos químicos, que foi feita por incorporação ao meio de 214

cultura ainda não solidificado. As doses testadas foram as recomendadas pelo fabricante dos produtos contendo os princípios ativos mais utilizados na agricultura (Tabela 1).

Tabela 1: Relação dos ingredientes ativos dos inseticidas e fungicidas utilizados para avaliação da compatibilidade com os fungos de interesse

Fonte: AGROLINK

Os inseticidas listados foram utilizados para os testes com os fungos B. bassiana e I. fumosorosea e os fungicidas para P. chlamydosporia e P. lilacinum, pois os inseticidas são os produtos utilizados para o controle químico de insetos e os fungicidas são utilizados no tratamento de sementes para o controle de nematoides, visando avaliar a interferência desses métodos já utilizados contra as pragas sobre os fungos de interesse da pesquisa. Após os meios solidificarem nas placas foi feita a inoculação dos fungos que ocorreu com a retirada de um bloco de ágar contendo o micélio dos fungos. Após a inoculação, as placas de Petri foram armazenadas em salas de crescimento. As placas controle continham os microrganismos testados e nelas havia o meio de cultura BDA sem o acréscimo dos produtos químicos. Todo o experimento foi montado em três repetições. Foram avaliados o crescimento radial diariamente, durante 10 dias medindo os eixos x e y dos discos de micélio e foi incluída na análise avaliar os aspectos visuais das colônias quanto a coloração e morfologia, observando-se os aspectos verso e reverso das placas. Os dados foram analisados pelo programa SISVAR versão 5.6, foi feita a análise de variância (ANOVA) e as medias foram comparadas pelo teste de Tukey a 5% de confiança (p valor> 0,05) (FERREIRA, 2011).

Resultados e discussão 215

Os resultados indicam que, de forma geral, todos os compostos químicos permitiram o crescimento do entomopatógeno Beauveria bassiana (Tabela 2). Notou-se que durante os dois primeiros dias de avaliação do crescimento micelial não houve diferença estatística (p> 0,05) entre os tratamentos e a testemunha. Contudo, a partir do quarto dia observou-se variação entre os compostos químicos e a testemunha quanto ao efeito deles sobre o crescimento micelial de B. bassiana. A partir do quarto dia, os produtos a base de indoxacarbe, imidacloprido, lambda- cialotrina e tiametoxam passaram a permitir o crescimento mais pronunciado do fungo (Tabela 2). Ao final dos 10 dias, foi possível observar que esses produtos exerceram efeitos distintos sobre o fungo ao longo do tempo de avaliação.

Tabela 2: Efeito dos compostos químicos sobre o crescimento radial do fungo Beauveria bassiana, ao longo de 10 dias de incubação. Médias na coluna seguidas da mesma letra não diferem entre, si pelo teste Tukey, a 5% de significância

*CV: coeficiente de variação, onde valores menores que 20 indicam maior precisão dos dados. Fonte: Dados da pesquisa

Em comparação com a testemunha, o produto que mais atrasou o crescimento de B. bassiana foi o fipronil e os produtos que mais tiveram resultados que se assemelharam ao crescimento do fungo em meio isento dos produtos foram os que continham lamba-cialotrina e indoxacarbe, pode-se afirmar que esses produtos são compatíveis com os fungos testados. Os mesmos produtos foram testados para avaliar seus efeitos no crescimento de Isaria fumosorosea (Tabela 3). Nos primeiros oito dias, não foi observada diferença estatística entre os tratamentos e a testemunha. No sétimo dia, foi possível notar atraso do crescimento do fungo no meio contendo o produto tiametoxam (Tabela 3). Para I. fumosorosea, assim como para B. bassiana, os compostos químicos que melhor permitiram o crescimento foram indoxacarbe e lambda-cialotrina, o que permite deduzir que esses compostos são compatíveis com os entomopatógenos testados no presente trabalho, uma vez que os valores de média observados são os que mais se aproximam dos valores obtidos para a testemunha.

Tabela 3: Efeito dos compostos químicos sobre o crescimento radial do fungo Isaria fumosorosea, ao longo de 10 dias de incubação. Médias na coluna seguidas da mesma letra não diferem entre, si pelo teste Tukey, a 5% de significância 216

*CV: coeficiente de variação, onde valores menores que 20 indicam maior precisão dos dados. Fonte: Dados da pesquisa

Botelho e Monteiro (2011) relataram que o produto fipronil causou redução do crescimento micelial de B. bassiana com relação a testemunha a partir de 80% da dose recomendada, o que corrobora com os resultados deste trabalho. No presente trabalho, verificou-se que a dose indicada pelo fabricante para o uso de indoxacarbe foi compatível com B. bassiana e I. fumosorosea. Pires et al. (2010) avaliaram a compatibilidade entre o inseticida contendo o ativo indoxacarbe com Metarhizium anisopliae (outro entomopatógeno), em três doses diferentes e verificaram que somente a menor concentração não interferiu no crescimento dos isolados do fungo. O inseticida a base de imidacloprido também foi compatível com os entomopatógenos. De acordo com Medeiros (2016), esse produto também pode atuar em conjunto com Purpureocillium lilacinum, não havendo interferência do ingrediente ativo sobre o crescimento do mesmo. No estudo de Silva et al. (2013), o produto a base de lambda-cialotrina frente a M. anisopliae trouxe resultados de compatibilidade assim como constatado no presente estudo, em que o composto se mostrou compatível com os fungos analisados. Com relação ao princípio ativo tiametoxam, no trabalho de Fregonesi, Mochi e Monteiro (2016), esse componente foi considerado compatível com o fungo B. bassiana, sendo semelhante aos resultados obtidos no presente trabalho e possível uma associação entre eles. Para o fungo nematófago Purpureocillium lilacinum, no primeiro dia de avaliação não foi registrada diferença estatística (p>0,05) entre os tratamentos e a testemunha, enquanto que no segundo dia, todos os tratamentos diferiram da testemunha, não sendo observado o crescimento do agente biológico na presença dos compostos químicos (Tabela 4). A partir do terceiro dia, o ingrediente ativo fludioxinil permitiu o crescimento do fungo e no quinto dia, foi verificado o crescimento do fungo no meio contendo o ingrediente piraclostrobina, no quinto dia todos os tratamentos diferem da testemunha (Tabela 4).

Tabela 4: Efeito dos compostos químicos sobre o crescimento radial do fungo Purpureocillium lilacinum, ao longo de 10 dias de incubação. Médias na coluna seguidas da mesma letra não diferem entre, si pelo teste Tukey, a 5% de significância 217

*CV: coeficiente de variação, onde valores menores que 20 indicam maior precisão dos dados. Fonte: Dados da pesquisa

Os tratamentos envolvendo os ingredientes flutriafol e difenoconazol foram os que mais diferiram da testemunha, pois o primeiro permitiu apenas um crescimento lento do organismo e o segundo não permitiu nenhum crescimento. O resultado que mais se assemelhou ao da testemunha ao longo dos 10 dias de avaliação foi o do produto a base de fludioxinil. Com exceção do ingrediente difenoconazol, os demais podem ser considerados compatíveis com o fungo, apesar dos diferentes graus de crescimento (Tabela 4). Para o fungo Pochonia chlamydosporia, o tratamento a base de fludioxinil foi o único que permitiu o início do desenvolvimento desse organismo, no segundo dia (Tabela 5). No quinto dia os ingredientes difenoconazol, piraclostrobina e flutriafol permitiam o desenvolvimento de P. chlamydosporia e ao final dos 10 dias de avaliação, o produto a base de fludioxinil, assim como nos resultados para P. lilacinum, foi o que mais se assemelhou a testemunha (Tabela 5). Com relação ao difenoconazol, P. chlamydosporia teve um crescimento mais lento quando comparado aos demais ingredientes.

Tabela 5: Efeito dos compostos químicos sobre o crescimento radial do fungo Pochonia chlmaydosporia, ao longo de 10 dias de incubação. Médias na coluna seguidas da mesma letra não diferem entre, si pelo teste Tukey, a 5% de significância

*CV: coeficiente de variação, onde valores menores que 20 indicam maior precisão dos dados. Fonte: Dados da pesquisa 218

Os produtos a base de fludioxinil, piraclostrobina e flutriafol causaram retardo no crescimento dos fungos nematófagos P. lilacinum e P. chlamydosporia, em comparação com a testemunha, mas apesar disso podem ser considerados compatíveis com os organismos. O melhor crescimento dos fungos nematófagos foi observado para o tratamento a base de fludioxinil (Tabelas 4 e 5). Diferente do reportado por Nasu et al. (2019) que utilizaram o ingrediente ativo fludioxinil em seu estudo e seus resultados indicaram que esses produtos reduzem o crescimento do fungo, mas não causam supressão de seu desenvolvimento. Com relação ao produto piraclostrobina, os resultados para P. chlamydosporia indicam que esse produto foi um dos que mais causou atraso no crescimento do fungo, o que não se observou no trabalho de Nasu et al. (2019). O produto a base de difenoconazol foi totalmente incompatível com P. lilacinum e permitiu um crescimento muito lento de P. chlamydosporia. Kumar e Ramya (2014) verificaram que esse princípio ativo também causou efeitos adversos sobre o nematicida biológico P. lilacinum, sendo considerado tóxico para ele. A dose recomendada do flutriafol foi testada para o agente biológico B. bassiana e de acordo com Gatarayiha, Laing & Miller (2010), o composto inibiu o crescimento micelial do organismo podendo interferir na eficiência do agente biológico, o que difere do presente estudo. Sobre os parâmetros macroscópicos, a única alteração morfológica observada foi a do produto flutriafol sobre P. chlamydosporia (Figuras 3 e 4), tornado a coloração do fungo amarelada e seu aspecto natural é a coloração branca (Figuras 1 e 2). Segundo Alves et al. (1998) apud Dias Neto (2014) alterações desses parâmetros podem ser indícios de incompatibilidade entre produtos químicos e microrganismos.

Figura 1: Aspectos verso da testemunha/ Figura 2: Aspectos reverso da testemunha

Figura 1 Figura 2

219

Figura 3: Ação do composto flutriafol - aspecto verso/ Figura 4: Ação do composto flutriafol - aspecto reverso

Figura 3 Figura 4

É importante salientar que os resultados mudam com base em diferentes variáveis como espécie e linhagem do agente biológico, natureza química dos produtos avaliados e as concentrações utilizadas dos mesmos (MEDEIROS, 2016). Assim, deve-se obter dados também da análise em campo para validar os resultados nas condições que serão aplicados na agricultura.

Conclusão

Para os inseticidas testados pode-se constatar que apesar de haver graus de interferência distintos no crescimento dos fungos Beauveria bassiana e Isaria fumosorosea pelos ingredientes presentes nos agroquímicos todos foram considerados compatíveis, pois os fungos não foram inibidos completamente por nenhum dos princípios ativos avaliados neste trabalho, a interação entre eles possivelmente não causará comprometimento da ação do agente biológico. Com relação aos fungicidas a compatibilidade foi observada para os princípios ativos utilizados no estudo, exceto o ingrediente difenoconazol, que não permitiu o crescimento do fungo Purpureocillium lilacinum e permitiu um crescimento muito lento de Pochonia chlamydosporia quando comparado com a testemunha. O único tratamento que causou alterações na coloração do fungo P. chlamydosporia foi o flutriafol, tornando seu aspecto amarelado, sendo necessários outros testes para a classificação quanto à compatibilidade do produto com o fungo testado.

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FREGONESI, André Felipe; MOCHI, Dinalva Alves; MONTEIRO, Antonio Carlos. Compatibilidade de isolados de Beauveria bassiana a inseticidas, herbicidas e maturadores em condições de laboratório. Arquivos do Instituto Biológico, v. 83, 2016. GATARAYIHA, Mutimura C.; LAING, Mark D.; MILLER, Ray M. In vitro effects of flutriafol and azoxystrobin on Beauvaria bassiana and its efficacy against Tetranychus urticae. Pest management science, v. 66, n. 7, p. 773-778, 2010. KUMAR, Gopalan Arun; RAMYA, Venkatachalam. COMPATIBILITY OF AGROCHEMICAL WITH ENTOMOPATHOGENIC FUNGI (PAECILOMYCES LILACINUS)–A BIOLOGICAL NEMATICIDE. Journal of Global Biosciences ISSN, v. 3, n. 2, p. 406-410, 2014. MEDEIROS, Fabíola Rodrigues. Patogenicidade de fungos a mosca-negra-dos-citros e compatibilidade entre agrotóxicos e Purpureocillium lilacinum. 2016. Tese de doutorado – Universidade Estadual Paulista, Botucatu, São Paulo. NASU, E. G. C. et al. Pesticides on the viability of Pochonia chlamydosporia for controlling Meloidogyne incognita. Australasian Plant Pathology, v. 48, n. 4, p. 331-338, 2019. OLIVEIRA, Roberta Pacola et al. Compatibilidade de inseticidas utilizados no controle da mosca branca em soja com Beauveria bassiana. JOURNAL OF NEOTROPICAL AGRICULTURE, v. 5, n. 4, p. 88-93, 2018. PINTO, Ana Paula Ferreira et al. Patogenicidade de Beauveria bassiana ao psilídeo Diaphorina citri e compatibilidade do fungo com produtos fitossanitários. Pesquisa Agropecuária Brasileira, v. 47, n. 12, p. 1673-1680, 2012. PIRES, Lauricí M. et al. Seleção de isolados de fungos entomopatogênicos para o controle de Tuta absoluta (Meyrick)(Lepidoptera: Gelechiidae) e sua compatibilidade com alguns inseticidas usados na cultura do tomateiro. Neotropical Entomology, v. 39, n. 6, p. 977-984, 2010. SILVA, Rodrigo Alves da et al. Compatibility of conventional agrochemicals used in rice crops with the entomopathogenic Metarhizium anisopliae. Scientia Agricola, v. 70, n. 3, p. 152-160, 2013. DOI: 10.1590/S0103-90162013000300003 ZOU, Chunhua et al. Joint action of the entomopathogenic fungus Isaria fumosorosea and four chemical insecticides against the whitefly Bemisia tabaci. Biocontrol Science and Technology, v. 24, n. 3, p. 315-324, 2014. DOI:10.1080/09583157.2013.860427

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Detecção da produção de amilases por fungos filamentosos isolados de diferentes substratos no estado do Piauí, Brasil

CRUZ, M.O.1, FREITAS, M.F. D.2, COSTA, C.P.S.3, ALVES, M.H.4

Universidade Federal de Pernambuco1, Universidade Federal do Piauí2,3,4

1 Introdução Os fungos são microrganismos cosmopolitas que se desenvolvem em diversos habitats, como grãos, folhas, flores, frutos, material em decomposição, solo e excremento de animais (DEACON, 2006), e também podem ser transportados pelo ar, como os fungos anemófilos (PEREIRA; CRUZ; ALVES, 2020). Estes microrganismos são dotados de uma maquinaria química bastante complexa e explorada biotecnologicamente para aplicação nas mais diversas áreas da indústria alimentar, farmacêutica ou têxtil, visto que se alimentam por absorção de nutrientes, presentes nos vários substratos, através da liberação de enzimas para o meio externo (SILVA; MALTA, 2016; AL-MAQTARI; AL-ANSI; MAHDI, 2019). Em 2019, o BBC Research & Consulting divulgou que o mercado global de enzimas movimentou cerca de 5.5 bilhões de dólares em 2018, possuindo uma expectativa de 7.0 bilhões de dólares movimentado até 2023. Enzimas produzidas por fungos filamentosos têm sido amplamente estudadas, principalmente pelo grande valor biotecnológico e facilidade de manipulação destes organismos (AL-MAQTARI; AL-ANSI; MAHDI, 2019). Um dos maiores desafios no mercado de enzimas é a triagem de novos fungos produtores de enzimas de interesse industrial (GRIEBELER et al., 2015). Nesse contexto, o Brasil, por possuir uma grande diversidade de microrganismos, torna-se promissor para exploração de sua biodiversidade quanto ao potencial biotecnológico (ORLANDELLI et al., 2012), principalmente nos estados como o Piauí, onde há poucos estudos sobre bioprospecção utilizando microrganismos, como os fungos filamentosos. Entre as várias enzimas de interesse biotecnológico produzidas por fungos, tem-se as amilases (CUNHA et al., 2016), enzimas essas que possuem por função a catálise da hidrólise do amido produzindo dextrinas e polímeros de glicose (GUPTA et al., 2003). As amilases são uma das enzimas mais empregadas na indústria, sendo as de origem microbiana as que mais se destacam neste contexto (SOUZA; MAGALHÃES, 2010). A bagagem genética do fungo quanto a sua maquinaria enzimática está atrelada, entre outros fatores, ao substrato onde o mesmo se desenvolve (ESPOSITO; AZEVEDO, 2010). Estudos têm apresentado que fungos filamentosos isolados de diferentes substratos são promissores para a produção de amilases. Khokhar, Mukhtar e Mushtaq (2011) reportam a produção de amilases por fungos ascomicetos do gênero Aspergillus, Penicillium e Trichoderma isolados de madeira, solo, vegetais e efluentes industriais. Adicionalmente, fungos mucoromicetos do gênero Mucor, isolados de fezes de animais herbívoros (Alves et al., 2002a, b) e dos gêneros Lichtheimia, Cunninghamella, Rhizopus e Syncephalastrum, isolados de solo, têm apresentado potencial para hidrólise de amido (SANTIAGO; SOUZA-MOTTA, 2006). Fungos filamentosos isolados do ar, ainda que pouco explorados biotecnologicamente, têm sido promissores à produção de amilases (SOBRAL et al., 2017). Produção de amilases por fungos filamentosos pode ser analisada quantitativamente em meio de cultura líquido ou qualitativamente, em meio de cultura sólido. Esta última é preferencial no que diz respeito ao baixo custo e menor demanda metodológica, sendo utilizada para triagem de um grande número de isolados fúngicos, antecedendo a análise qualitativa (ARAST; GIRMA, 2018).

2 Objetivos 222

O presente estudo objetivou isolar e identificar, ao nível genérico, fungos filamentosos do solo, ar e excremento de herbívoros no estado do Piauí, assim como realizar a caracterização qualitativa destes isolados, quanto à detecção de amilases em meio de cultivo sólido específico.

3 Metodologia Foram coletadas amostras do solo de áreas do Distrito Irrigado Tabuleiros Litorâneos do Piauí (DITALPI), Parnaíba, PI (3°01’49.91”S 41°46’17.09”O), de acordo com a metodologia apresentada por Cavalcanti et al. (2006). Amostras de excrementos de animais herbívoros criados em cativeiro por pequenos criadores da cidade de Parnaíba, também foram coletadas, segundo o método adotado por Alves et al. (2002a). Propágulos fúngicos foram isolados do ar segundo a metodologia de Lacaz et al. (2002), de setores internos da Universidade Federal do Piauí, Campus Ministro Reis Velloso (CMRV), também situada em Parnaíba, PI (02°54′17″S, 041°46′36″W). Amostras do solo e de excrementos foram incubadas para desenvolvimento e isolamento dos fungos filamentosos segundo Warcup (1950), para solo, e Alves et al. (2002a), quanto aos excrementos. Isolamento dos fungos anemófilos seguiu de acordo com Pereira, Cruz e Alves (2020). A metodologia em laboratório foi desenvolvida no Laboratório de Micologia da Universidade Federal do Piauí - CMRV. Os fungos foram isolados em meio de cultivo Ágar Extrato de Malte para identificação por taxonomia clássica utilizando literatura especializada como: Schipper e Stalpers (1984), Schipper (1984), Trufem e Viriato (1985), Klich e Pitt (1988), Klich (2002), Alves et al. (2002a), Samson et al. (2007). Para caracterização enzimática, fez-se cultura monospórica dos isolados para assegurar a pureza das culturas (SANTOS et al., 2009). Em seguida, verteu-se água destilada esterilizada sobre as culturas monospóricas onde o micélio foi lavado com auxílio de alça de Drigalski para obtenção da suspensão de esporos. Alíquota desta suspensão foi removida para câmara de Newbauer e realizada a contagem dos esporos sob microscopia óptica para obtenção de suspensão de 106 esporos/mL. Meio de cultivo sólido com 0,2% de amido solúvel (Merck), como substrato indutor da produção de amilases, foi utilizado segundo Hanking e Anagnostakis (1975). Realizou-se uma perfuração de aproximadamente 5 mm de diâmetro no centro do meio de cultivo em placa de Petri com 12 cm de diâmetro e despositado 50µL da suspensão de esporos do fungo em estudo. A análise para cada fungo foi realizada em triplicata. As amostras foram incubadas sob luz e temperatura ambientes (25±2oC). Para a leitura da detecção de amilases, solução de iodo foi vertida na cultura de 72, 96 ou 120 horas para revelação do halo de degradação por amilases. Os halos foram mensurados com auxílio de uma régua milimetrada e expressos em centímetros.

4 Resultados e discussão

Um total de 26 fungos filamentosos, distribuídos em oitos gêneros, isolados de diferentes substratos no Piauí, foram identificados e submetidos à detecção da produção de amilases por análise qualitativa. Destes, 24 apresentaram formação de halo por amilases (Tabela 1). Entre o número total de fungos, 14 são do gênero Aspergillus (), gênero que possui grande importância biotecnológica por produzir enzimas de interesse industrial (ESPOSITO; AZEVEDO, 2014). Os demais fungos são representantes da ordem Mucorales (Mucoromycota), sendo também caracterizados pelo potencial em produzir enzimas de valor industrial (THOMPSON; ERIBO, 1984). Os maiores halos foram formados por Aspergillus sp. 8 (12.0 cm), Aspergillus sp. 10 (11.0 cm), Aspergillus sp. 7 e Aspergillus sp. 11 (10.3 cm). Todos isolados do solo.

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Tabela 1 – Fungos filamentos isolados de três tipos de substrato em Parnaíba, Piauí e sua caracterização quanto à produção de amilases. Fungo Substrat Local de Coletor Tempo de Halo por o coleta incubação amilases (horas) em cm Aspergillus sp 1 Ar Setor interno da CRUZ, M.O 120 1.6 UFPI/CMRV Aspergillus sp 2 Ar Setor interno da CRUZ, M.O 120 2.3 UFPI/CMRV Aspergillus sp 3 Ar Setor interno da CRUZ, M.O 120 0.0 UFPI/CMRV Aspergillus sp 4 Ar Setor interno da CRUZ, M.O 120 0.0 UFPI/CMRV Aspergillus sp 5 Ar Setor interno da CRUZ, M.O 120 0.8 UFPI/CMRV Aspergillus sp 6 Ar Setor interno da CRUZ, M.O 120 4.0 UFPI/CMRV Aspergillus sp. 7 Solo DITALPI FREITAS, M.F. D 120 10.3 Aspergillus sp. 8 Solo DITALPI FREITAS, M.F. D 120 12.0 Aspergillus sp. 9 Solo DITALPI FREITAS, M.F. D 120 8.0 Aspergillus sp. 10 Solo DITALPI FREITAS, M.F. D 120 11.0 Aspergillus sp. 11 Solo DITALPI FREITAS, M.F. D 120 10.3 Aspergillus sp. 12 Solo DITALPI FREITAS, M.F. D 120 11.0 Aspergillus sp. 13 Solo DITALPI FREITAS, M.F. D 120 0.0 Aspergillus sp. 14 Solo DITALPI FREITAS, M.F. D 120 0.0 Circinella sp. Fezes Parnaíba, PI CRUZ, M.O 72 5.3 Cunningamella sp. Solo DITALPI COSTA, C.P.S 96 5.1 Gilbertella sp. Fezes Parnaíba, PI CRUZ, M.O 72 6.4 Rhizopus sp. Solo DITALPI COSTA, C.P.S 96 7.0 Lichtheimia sp. 1 Fezes Parnaíba, PI CRUZ, M.O 72 4.1 Lichtheimia sp. 2 Fezes Parnaíba, PI CRUZ, M.O 72 4.5 Lichtheimia sp. 3 Fezes Parnaíba, PI CRUZ, M.O 72 3.8 Mucor sp.1 Fezes Parnaíba, PI CRUZ, M.O 72 1.4 Mucor sp. 2 Fezes Parnaíba, PI CRUZ, M.O 72 1.6 Mucor sp. 3 Fezes Parnaíba,PI CRUZ, M.O 72 6.2 Syncephalastrum sp. Fezes Parnaíba, PI CRUZ, M.O 72 4.5 Thamnostyllum sp. Fezes Parnaíba, PI CRUZ, M.O 72 2.0 Legenda: UFPI/CMRV – Universidade Federal do Piauí/Campus Ministro Reis Velloso DITALPI – Distrito Irrigado Tabuleiros Litorâneos do Piauí Fonte: Autores.

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Alguns isolados do gênero Aspergillus deste estudo apresentaram maior halo por amilases em comparação aos isolados endofíticos analisados por Tavares et al. (2012), onde os halos variaram entre 2.0 cm – 3.0 cm. Fonseca et al. (2017), isolaram Aspergillus flavus, Aspergillus niger, Aspergillus sp e Aspergillus tamari do solo da Caatinga conduzindo-os à análise de produção amilolítica e relataram os maiores halos de degradação de amido com diâmetro de 6.8 cm. Desta forma, Aspergillus sp. 7, Aspergillus sp. 8, Aspergillus sp. 9, Aspergillus sp. 10, Aspergillus sp. 11 e Aspergillus sp. 12, apresentam maior potencial para produção de amilases. Entre os fungos isolados, por Guimarães et al. (2006), de solo ou material em decomposição, no estado de São Paulo, membros de Ascomycota apresentaram maior produção de amilases, comparado com membros de Mucoromycota. Tais resultados são convergentes com os apresentados neste estudo. Todavia, fungos mucoromicetos apresentam maior crescimento de biomassa que os ascomicetos, assim a recuperação de amilases por estes fungos pode ser recuperada em menor escala de tempo, como apresentado na tabela 1. Na caracterização enzimática de fungos ascomicetos isolados do ar de setores de uma universidade pública de Pernambuco por Sobral et al. (2017), os isolados apresentaram halos por amilases medindo entre 0.4 e 0.7 centímetros, evidenciando maior potencial biotecnológico pelos isolados explorados neste estudo. Thompson e Eribo (1984) analisaram a produção de amilases por 14 fungos (sem informação de substrato) da ordem Mucorales, distribuídos entre os gêneros Rhizopus e Mucor, onde sete não formaram halo e os demais apresentaram baixa produção de amilases com halos medindo entre 0.1 – 0.25 cm em diâmetro. Os fungos Mucorales explorados neste estudo apresentaram maior produção de amilases. Alves et al (2002b) estudaram a produção de amilases por 11 táxons do gênero Mucor (Mucorales) isolados de excrementos de animais herbívoros no estado de Pernambuco e o diâmetro dos halos formados variaram entre 4.7 – 8.3 cm em diâmetro, apontando assim alguns isolados de menor e maior produção que os isolados aqui explorados. Santiago e Souza-Motta (2006) reportam a hidrólise de amido por Lichtheimia blakesleeana, L. cylindrospora, L. hialospora, Cunninghamella elegans, Rhizopus microsporus, R. oryzae e Syncephalastrum racemosum, fungos mucoromicetos isolados do solo da Bahia, corroborando com os resultados aqui apresentados. O presente estudo vem contribuir com o conhecimento quanto aos aspectos de bioprospecção da micodiversidade de um estado brasileiro com poucos estudos voltados à comunidade de fungos.

5 Conclusão Fungos filamentosos isolados do solo, ar e excremento de animais no Estado do Piauí apresentam potencial para hidrólise de amido, assim, tornando-os promissores para maior exploração biotecnológica.

6 Referências AL-MAQTARI, Q. A.; AL-ANSI, W.; MAHDI, A. A. Microbial enzymes produced by fermentation and their applications in the food industry - A review. International Journal of Agriculture Innovations and Research, [Bhopal], v. 8, n. 1, p. 62-82, 2019. ALVES, M.H.; TRUFEM, S.F.B. MILANEZ, A.I. Táxons de Mucor Fresen. (Zygomycota) em fezes de herbívoros, Recife, PE, Brasil. Revista Brasileira de Botânica, [São Paulo], v. 25, p.147–160, 2002a. ALVES, M.H.; TAKAKI, G.M.C.; PORTO, A.L.F.; MILANEZ, A.I. Screeaning of Mucor spp. for production of amylase, lipase, polygalacturonase and protease. Brazilian Journal of Microbiology, [Rio de Janeiro], v. 33, p. 325-330, 2002b. 225

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Seleção de fungos com potencial para biorremediação de herbicida DAHMER, D. C. E¹, PAULESKI, M2. T ROHDE, C³. Universidade Tecnológica Federal Do Paraná – UTFPR/Campus Medianeira

Introdução Os herbicidas podem ser entendidos como uma modalidade de agrotóxico que visa a eliminação, redução ou controle do número de plantas invasoras das áreas de cultivo 27 preservando a cultura de interesse. Os herbicidas aplicados em áreas agrícolas também podem ter efeito sobre organismos não alvos que habitam o solo, alterando a composição da biota do mesmo (bactérias, fungos, algas e outros) 15. Dentre os herbicidas, o Glifosato é um herbicida não seletivo, sistêmico, pós- emergente 27, sendo considerado como eficaz no controle de plantas invasoras 18. O uso intensivo de agrotóxicos em áreas agrícolas, associado com a necessidade de redução dos impactos ambientais, tem despertado o interesse para a biodegradação desses produtos e compostos relacionados 1. A remediação caracteriza-se pela utilização de diferentes métodos para controle e tratamento de contaminações no ambiente, e dentre as técnicas de remediação, existe a biorremediação, que utiliza organismos vivos, ou parte deles, para eliminar ou reduzir os poluentes presentes no ambiente 6. Esse instrumento de remediação apresenta caráter ecologicamente correto 12, uma vez que não se insere químicos e não se realizam grandes modificações físicas no local, apresentando grande potencial para a recuperação de áreas degradadas 23. Essa técnica tem se demonstrado promissora para a degradação dos resíduos de agrotóxicos que permanecem no meio ambiente, minimizando os impactos causados por esses produtos 12, 23, 52. Dentre os organismos utilizados para a biorremediação, destacam-se, com maior potencial de degradação dos contaminantes, os fungos, as leveduras e as bactérias 12, 19, 23. Os fungos são conhecidos por apresentarem capacidade em metabolizar compostos poluentes, pois conseguem atuar em condições de estresse como em ambientes com baixos valores de pH e com teor reduzido de nutrientes 19. Esses organismos têm um papel importante na biorremediação, por serem decompositores de uma grande gama de poluentes, como os compostos aromáticos, compostos fenólicos 23, lignina, poluentes como o DDT, lindano, hidrocarbonetos aromáticos policíclicos, compostos orgânicos clorados e metais pesados 9, 23, tornando-se promissores para a área da biorremediação.

Objetivos

O presente trabalho teve como objetivo selecionar fungos isolados de solos com uso intenso de agrotóxicos, visando a biorremediação do herbicida Glofosato.

Metodologia

Foram utilizados 18 isolados fúngicos pertencentes à coleção do Laboratório de Biologia da Universidade Tecnológica Federal do Paraná – UTFPR, campus Medianeira. Dos 18 isolados, até o momento foram identificados 11, os quais pertencem à seis gêneros, sendo eles Metarhizium, Syncephalis, Paecilomyces, Aspergillus, Penicillium e Rhizopus. O herbicida selecionado para o teste foi o Glifosato, um herbicida sistêmico não seletivo, de ação total para a aplicação em pós-emergência. O herbicida é do grupo Glicina Substituída, recomendado para aplicação em culturas de citros, ameixa, uva, banana, pêssego, maçã, cacau, café, cana-de-açúcar, nectarina, pera, pastagens, pinus, eucalipto, arroz, soja, 228

milho e trigo. Possui Classificação Toxicológica I – Extremamente Tóxico e Classificação do Potencial de Periculosidade Ambiental III – Perigoso ao Meio Ambiente. Os fungos foram testados quanto a sua habilidade de crescer em meio de cultura com e sem o herbicida. Cada fungo isolado foi inoculado em placas de Petri contendo o meio Ágar Sabouraud esterilizado sem o herbicida (tratamento controle) e enriquecido com o herbicida Glifosato na maior concentração recomendada pelo fabricante (5 mL de produto/100 mL de meio de cultura) e com 10% da maior concentração testada (0,5 mL de produto/100 mL de meio de cultura). A técnica de inoculação utilizada foi a do cultivo em três pontos 16. Para isso, com o auxílio de uma alça do tipo agulha, foi retirada uma amostra de cada material fúngico e realizada a inoculação em três pontos da placa de Petri, contendo o meio Ágar Sabouraud esterilizado. O delineamento experimental foi inteiramente ao acaso. Foram feitas quatro repetições por tratamento (controle e herbicida), para cada isolado, sendo cada repetição composta por uma placa de Petri, contendo meio de cultura. As placas foram incubadas em câmara climatizada (22° ± 2°C, sem fotoperíodo) por um período de sete dias e a cada 24 horas foi realizada a medição do diâmetro de cada colônia em dois sentidos perpendiculares. Foi avaliada a velocidade de crescimento e o tamanho da colônia. Para a determinação da velocidade de crescimento foi utilizado o IVCM (Índice de Velocidade de Crescimento Micelial), calculado conforme a Equação (1), descrita por Oliveira (1991):

IVCM= Σ (D-Da)/ N (1)

Onde: D= diâmetro médio atual de colônia. Da=diâmetro médio da colônia do dia anterior. N= número de dias após a inoculação.

O crescimento da colônia foi determinado no final do período de avaliação, permitindo a comparação entre os tratamentos controle e com o herbicida. Foi calculada a Taxa de Crescimento Relativa (TCR) de cada fungo de acordo com a Equação (2), descrita por Tomasini et al., 26(2001):

TCR (%) = ((MCI/MCT) – 1) x 100 (2)

Onde: MCI= Média de Crescimento em meio acrescido com Herbicida MCT= Média de Crescimento em Testemunha

Os dados do crescimento vegetativo foram testados quanto à homecedasticidade pelo teste de Levene e quanto à normalidade pelo teste de Shapiro-Wilk. Os dados não seguiram os parâmetros da Análise de Variância e por isso foram submetidos ao teste não paramétrico de Kruskal-Wallis (p≤0,05), utilizando-se o programa ActionStat.

Resultados e Discussão

Todos os isolados testados foram sensíveis ao herbicida nas duas concentrações estudadas, tendo seu crescimento inibido parcial ou completamente. Quando testado na maior concentração, o herbicida inibiu 100% do desenvolvimento de todos os isolados testados (Tabela 1). 229

Na menor concentração, o herbicida inibiu completamente o desenvolvimento de nove isolados (A1F1, A1F4, A3F2, A3F3, A3F4, A3F5, A3F6, A3F7, A3F9), tendo uma TCR de 100%. Os demais isolados (A1F2, A1F3, A2F1, A2F2, A2F3, A2F4, A2F5, A3F1 e A3F8) foram parcialmente inibidos, com uma TCR variando entre 17,24 e 90,72% (Tabela 2). Apesar do crescimento de todos os isolados no meio acrescido com herbicida diferir estatisticamente do tratamento testemunha, o isolado A2F1, pertencente ao gênero Paecilomyces, foi o menos afetado, sendo inibido em aproximadamente 17%, quando comparado com o tratamento.

Tabela 1- Crescimento vegetativo médio e taxa de crescimento relativa de fungos cultivados em meio de cultura sem e com herbicida Glifosato na maior concentração testada (5 mL de produto/100 mL de meio de cultura). CRESCIMENTO ISOLADO GÊNERO VEGETATIVO (mm) TCR (%)¹ TESTEMUNHA HERBICIDA A1F1 Metarhizium 29,8 0 -100% A1F2 Não identificado 32,8 0 -100% A1F3 Syncephalis 28,9 0 -100% A1F4 Não identificado 15,6 0 -100% A2F1 Paecilomyces 20,8 0 -100% A2F2 Não identificado 14,3 0 -100% A2F3 Aspergillus 31,3 0 -100% A2F4 Não identificado 15,6 0 -100% A2F5 Paecilomyces 31,5 0 -100% A3F1 Não identificado 40,6 0 -100% A3F2 Não identificado 41,9 0 -100% A3F3 Metarhizium 39,5 0 -100% A3F4 Penicillium 11,2 0 -100% A3F5 Aspergillus 26,0 0 -100% A3F6 Não identificado 20,3 0 -100% A3F7 Aspergillus 37,3 0 -100% A3F8 Paecilomyces 25,5 0 -100% A3F9² Rhizopus 45,0 0 -100% Fonte: Dahmer, Pauleski (2019). Notas: ¹ Taxa de Crescimento Relativa. ² Valores de A3F9 tabulados para medição de 3 dias devido ilegibilidade das colônias nos últimos 5 dias de acompanhamento.

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Tabela 2 - Crescimento vegetativo médio e taxa de crescimento relativa de fungos cultivados em meio de cultura sem e com herbicida Glifosato na menor concentração testada (0,5 mL de produto/100 mL de meio de cultura). CRESCIMENTO ISOLAD P TCR GÊNERO VEGETATIVO (mm)¹ O VALOR %² TESTEMUNHA HERBICIDA A1F1 Metarhizium 33,2±0,72 a 0,0±0,00 b 0,013874 100,00% A1F2 Não identificado 31,0±1,28 a 1,3±1,25 b 0,017960 -83,89% A1F3 Syncephalis 29,4±1,35 a 7,8±1,30 b 0,049535 -73,40% A1F4 Não identificado 13,8±0,54 a 0,0±0,00 b 0,036904 - A2F1 Paecilomyces 20,5±0,37 a 17,0±0,39 b 0,020921 -17,24% 100,00% A2F2 Não identificado 23,9±0,55 a 2,0±1,22 b 0,020165 -83,25%

A2F3 Aspergillus 32,3±0,37 a 0,8±0,75 b 0,017960 -90,72% A2F4 Não identificado 19,1±0,87 a 3,8±0,60 b 0,049535 -79,94% A2F5 Paecilomyces 27,0±0,57 a 6,3±0,52 b 0,020165 -76,82% A3F1 Não identificado 43,8±0,26 a 8,9±3,00 b 0,020921 -73,00% A3F2 Não identificado 50,7±0,81 a 0,0±0,00 b 0,036904 100,00% A3F3 Metarhizium 30,9±0,73 a 0,0±0,00 b 0,036904 100,00% A3F4 Penicillium 12,7±0,78 a 0,0±0,00 b 0,036904 100,00% A3F5 Aspergillus 28,9±0,85 a 0,0±0,00 b 0,013874 100,00% A3F6 Não identificado 21,8±0,33 a 0,0±0,00 b 0,013874 100,00% A3F7 Aspergillus 31,7±1,86 a 0,0±0,00 b 0,013874 100,00% A3F8 Paecilomyces 26,0±0,61 a 6,7±2,49 b 0,020921 -65,76% A3F9³ Rhizopus 49,7±1,25 a 0,0±0,00 b 0,013874 100,00% Fonte: Dahmer, Pauleski (2019). Notas: ¹Médias seguidas da mesma letra, na mesa linha, não diferem entre testes Kruskal-Wallis (p≤0,05). ²Taxa de Crescimento Relativa. ³Valores de A3F9 tabulados para medição de 3 dias devido ilegibilidade das colônias nos últimos 5 dias de acompanhamento.

O isolado A2F1 (Paecilomyces) que apresentou a menor taxa de inibição de crescimento, também foi o único que apresentou velocidade de crescimento (IVCM) semelhante entre os meios com e sem herbicida. Para os demais isolados que apresentaram capacidade de se desenvolver no meio acrescido de herbicida, a velocidade de crescimento foi inferior à testemunha, confirmando a capacidade do composto em retardar e inibir o crescimento dos fungos (Tabela 3).

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Tabela 3 - Análise da velocidade crescimento total para fungos cultivados em meio de cultura sem e com herbicida Glifosato na menor concentração testada (0,5 mL de produto/100 mL de meio de cultura). ISOLADO GÊNERO IVCM¹ IVCM (testemunha) (herbicida) A1F1 Metarhizium 4,3 0,0 A1F2 Não identificado 4,1 0,7 A1F3 Syncephalis 3,9 1,1 A1F4 Não identificado 1,8 0,0 A2F1 Paecilomyces 2,5 1,9 A2F2 Não identificado 2,9 0,3 A2F3 Aspergillus 4,3 0,4 A2F4 Não identificado 2,5 0,5 A2F5 Paecilomyces 3,5 0,7 A3F1 Não identificado 5,8 1,5 A3F2 Não identificado 6,2 0,0 A3F3 Metarhizium 3,7 0,0 A3F4 Penicillium 1,8 0,0 A3F5 Aspergillus 3,8 0,0 A3F6 Não identificado 2,8 0,0 A3F7 Aspergillus 4,5 0,0 A3F8 Paecilomyces 3,2 1,1 A3F9² Rhizopus 11,5 0,0 Fonte: Dahmer, Pauleski (2019). Notas: (1) Índice de Velocidade de Crescimento. (2) Valores de A3F9 tabulados para medição de 3 dias devido ilegibilidade das colônias nos últimos 5 dias de acompanhamento.

Os fungos utilizados no presente estudo, pertencentes aos gêneros Aspergillus, Penicillium, Paecilomyces, Metarhizium e Rhizopus, têm sido estudados quanto ao potencial na biodegradação de compostos tóxicos, em especial de herbicidas 4, 12, 6, 7, 17, 8, 28. Nesse sentido, Carranza et al., 4(2014) verificaram que os fungos pertencentes aos gêneros Aspergillus spp., Penicillium spp., Trichoderma spp., Cladosporium spp. e Paecilomyces spp., são comuns em solos expostos ao Glifosato, indicando que os mesmos são resistentes ao produto. No entanto, os resultados do presente trabalho indicam que o herbicida Glifosato teve ação fungicida, inibindo parcial ou completamente o desenvolvimento dos fungos pertencentes aos gêneros Metarhizium, Penicillium, Aspergillus e Rhizopus, os quais foram isolados de uma área com uso frequente desse herbicida. 232

Semelhante aos resultados desta pesquisa, outros trabalhos também verificaram que os fungos pertencentes aos gêneros Aspergillus 25, Penicillium 8, Metarhizium 22 e Rhizopus 8 foram inibidos pelo herbicida, evidenciando em alguns casos, que o composto pode apresentar efeito inibitório, superior até mesmo quando comparado aos fungicidas 24, indicando a possível ação fungicida do Glifosato aos isolados testados. Segundo Krzysko-Lupicka e Sudol 14(2008), os herbicidas podem interagir de diferentes formas sobre os organismos fúngicos, sendo elas: por meio de distúrbios metabólicos; na divisão celular (crescimento ou germinação); nas estruturas das células fúngicas e na síntese de proteínas, ocasionando dessa forma, inibições irreversíveis (fungistase) ou reversíveis. A ação fúngica do Glifosato pode estar associada com o mecanismo de ação do herbicida, que interage com a enzima 5-enol-piruvil-shiquimato-3-fosfato-sintase (EPSPs) 7, 11, e que além de presente em plantas, também pode ser encontrada em outros organismos, como nas bactérias do solo e nos fungos 13. A inibição da ação dessa enzima impede a síntese de aminoácidos essenciais para o desenvolvimento desses organismos, resultando na inibição de crescimento 17. Segundo Reis 22(2018), a presença da enzima 5-enol-piruvil-shiquimato-3-fosfato- sintase (EPSPs) nos fungos não implica necessariamente predizer que o mesmo será suscetível ao efeito de inibição ou toxicidade do Glifosato 5. Os organismos que possuem a enzima 5- enol-piruvil-shiquimato-3-fosfato-sintase (EPSPs) foram divididos em duas classes, de acordo com a sensibilidade dos mesmos ao Glifosato 20, sendo elas respectivamente: Classe 1 (Sensíveis ao Glifosato) e Classe 2 (Tolerantes ao Glifosato) 10. Portanto, os isolados de fungos avaliados nesse estudo e que foram inibidos pelo componente Glifosato, podem ser enquadrados na classe correspondente aos fungos sensíveis ao Glifosato (Classe 1). O herbicida Glifosato também pode apresentar diferentes efeitos sobre os isolados, conforme altera-se a concentração testada. Isso pode ser verificado no presente estudo, em que os fungos que se desenvolveram parcialmente na menor concentração, foram inibidos completamente na concentração máxima avaliada. Esses resultados indicam que o efeito tóxico do Glifosato aos fungos é diretamente proporcional ao aumento da concentração do produto 3. Por outro lado, outros estudos demonstraram o potencial de fungos pertencentes aos gêneros Paecilomyces 28, Aspergillus 7, 17, 8, 9, 25, Penicillium 7, 17, 8, 9 e Rhizopus 8, 9 em degradar o herbicida Glifosato, apresentando maior desenvolvimento no meio de cultura acrescido do produto, quando comparado com o meio de cultura controle. Essa variação na sensibilidade dos fungos ao Glifosato relatada nos trabalhos está relacionada com a diversidade do grupo 2 e com a grande variabilidade genética existente entre as espécies de isolados 21. Os diferentes comportamentos apresentados pelo isolados analisados reforçam a necessidade de isolar novos fungos e verificar o comportamento dos mesmos a diferentes concentrações do Glifosato, a fim de identificar isolados com potencial para a biorremediação desse herbicida.

Conclusão A partir do presente estudo, conclui-se que todos os isolados fúngicos testados foram sensíveis ao herbicida Glifosato, os quais tiveram seu crescimento inibido total ou parcialmente. Assim, nenhum dos isolados testados apresentou potencial para a biorremediação do herbicida Glifosato, o qual teve ação fungicida, sendo tóxico aos fungos.

Referências Bibliográficas 233

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Microbiologia médica

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Diversidade Aérea Fúngica em Ambientes Hospitalares Artificialmente Climatizados

FERNANDA, F. L.1, NASCIMENTO, J. P. M.2, FEITOZA, J. M. S.1, BARBOZA, R. I. S.1, SANTOS, D. E.2, SILVA, M. S. S.2, FILHO, E. A. S.3

1Universidade Federal de Alagoas - UFAL. Instituto de Ciências Biológicas e da Saúde - Campus Maceió. 2Laboratório de Ambientes Climatizados - Instituto de Ciências Biológicas e da Saúde. 3Instituto de Ciências Biológicas e da Saúde - UFAL. Departamento de Genética - Autor para correspondência.

Introdução No Brasil, o uso de aparelhos de ar condicionado em ambientes fechados é comum devido ao seu clima quente na maioria das regiões. Esse aumento da utilização de ar condicionado se mostra presente em todos os ambientes possíveis como casas, escritórios e hospitais. No entanto, a presença de contaminantes microbiológicos no ar em ambientes artificialmente climatizados como hospitais pode ser de grande importância, devido às condições dos indivíduos ali presentes (QUADROS et al., 2016) Em ambientes hospitalares, as infecções nosocomiais são a maior causa de morte no mundo (GIROTI et al., 2018). Essas infecções sofrem influências de vários fatores, incluindo a exposição a microrganismos presentes no ar (SIVAGNANASUNDARAM, 2019). Portanto, um monitoramento da qualidade do ar interior deve ser realizado constantemente, a fim de minimizar os riscos de transmissão aérea de patógenos, no intuito que o quadro do paciente não se agrave por meio desse tipo de infecção.

Objetivos O objetivo deste estudo foi analisar a diversidade fúngica no ar de ambientes artificialmente climatizados de hospitais públicos e privados no estado de Alagoas.

Metodologia Esta pesquisa foi realizada em 20 hospitais na cidade de Maceió, Alagoas, durante o ano de 2019. O estudo foi feito levando em consideração as normas técnicas NT01, NT02, NT03 e NT04 da resolução Nº 9 da ANVISA no ano de 2003, que dispõe acerca do monitoramento de bioaerossóis, análise da concentração de CO2, determinação da temperatura e umidade relativa do ar, e análise da concentração de aerodispersóides no ar interior (ANVISA, 2003). As coletas foram feitas em recepções, corredores, salas de recuperação, enfermarias, salas de hemodiálise, emergências, apartamentos de internação, ambulatórios, salas de observação, salas de parto e pós parto, pediatrias, centros de esterilizações e em ponto externo, contabilizando ao total 321 amostras contabilizadas Para coleta de fungos filamentosos foram usadas placas de petri contendo meio Ágar Dicloran Rosa Bengala Clorafenicol, sendo um meio específico nutritivo (DRBC). Foi utilizado o tipo de coleta ativa, fazendo uso de um coletor de bioaerossois portátil SAS super ISO 100 (VWR collection) em uma taxa de fluxo de ar de 100 L/min. Após a coleta, as placas foram submetidas a um período de sete dias em uma estufa a 28ºC a fim de proporcionar um bom crescimento para as colônias fúngicas. Após o crescimento, foi feita a contagem de unidades formadoras de colônia (UFC) e registro fotográfico das placas utilizando uma câmera Digital Cybershot Sony. Posteriormente, as amostras foram identificadas através do isolamento das colônias por meio da técnica de cultura central em meio Ágar Sabouraud e observação de características macroscópicas como superfície, textura do verso e reverso. As características microscópicas também foram avaliadas com a técnica de microcultivo em meio Ágar lactrimel, utilizados para confecção das lâminas, além de chaves de identificação segundo De Hoog et al. (2000). 237

Resultados e discussão A partir de nossas análises, observamos que 220/321 (68,53%) amostras foram positivo para fungos considerados patogênicos conforme tabela disponível de acordo com as normas técnicas NT01, NT02, NT03 e NT04 da resolução Nº 9 da ANVISA no ano de 2003 O gênero Aspergillus sp. 131/321 (40,80%) foi o mais prevalente em vários ambientes dos hospitais avaliados, seguido pelo gênero Cladosporium sp. 104/321 (32,39%). Outros gêneros fúngicos presentes foram: Paecilomyces sp. 48/321 (14,95%), Fusarium sp. 24/321 (7,47%), Penicillium sp. 19/321 (5,9%), sp. 17/321 (5,29%), Monilia sp. 14/321 (4,36%), Acremonium sp. 10/321 (3,11%), Blastomyces sp. 4/321 (1,24%), Fonsecaea sp. 2/321 (0,62%), Microsporum sp. 2/321 (0,62%) e Mycelia sterilia 56/321 (17,44%). As principais espécies identificadas estão descritas na tabela 1. Levando em conta que ambientes hospitalares possuem características que facilitam a transmissão de patógenos, estudos abordando a qualidade do ar interior é de grande relevância, tendo em vista que por exemplo, fungos encontrados podem ser além de patogênicos, produtores de micotoxinas e alérgenos químicos, trazendo sérios riscos à saúde humana.

Tabela 1. Espécies encontradas, frequência e Nível de Risco de acordo com as norma regulamentadora NR 32.

Espécies *Frequência NR

Acremonium potronii 8 PE2

Acremonium recifeis 2 PE2

Aspergillus carneus 4 PE2

Aspergillus candidus 7 PE2

Aspergillus flavus 20 P2

Aspergillus fumigatus 11 P2

Aspergillus glaucus 12 PE2

Aspergillus niger 1 P2

Aspergillus ochraceus 1 PE2

Aspergillus oryzae 47 PE2

Aspergillus terreus 11 P2

Aspergillus versicolor 4 PE2

Blastomyces dermatiti 4 P2A

Cladosporium cladosporioides 104 PE2

Curvularia pallescens 2 PE2

Curvularia senegalensis 14 PE2

Fonsecaea pedrosoi 2 P2

Fusarium moniliforme 20 P2 238

Fusarium oxysporum 4 P2

Monilia sytophyla 14 P

Microsporum canis 2 P2A

Paecilomyces variotii 21 PE2

Paecilomyces viridis 24 PE2

Penicillium commune 5 PE2

Penicillium spinulosum 4 PE2

Penicillium chrysogenum 4 PE2

Penicillium citrinum 6 PE2

Rhodotorula rubra 14 PE2 Mycelia sterilia 56 PE2

NR: Nível de risco. PE2: Patógeno emergente, nível de risco 2. P2: Patógeno, nível de risco 2. P2A: Patógeno alérgico, nível de risco 2. P3A: Patógeno alérgico, nível de risco 3. * Frequência equivalente à quantidade de vezes que a espécie apareceu na pesquisa. Fonte: Autores (2019).

Figura 1. Fungos identificados nas amostras de ar de hospitais no meio de cultura Ágar Sabouraud.

(A) Aspergillus oryzae. (B) Aspergillus ochraceus. (C) Penicillium spinulosum. Fonte: João Feitoza (2019).

O estudo foi realizado para que pudesse ser observado a quantidade de bioaerossóis fúngicos no ar de hospitais, considerando os riscos e as implicações que esses fungos podem ter em relação à saúde das pessoas presentes nesses locais. O gênero Aspergillus sp. foi o mais prevalente nos ambientes hospitalares analisados e algumas espécies deste gênero estão envolvidas em infecções graves como aspergilose. A aspergilose é uma infecção grave, adquirida geralmente pela inalação dos conídios, que pode levar a complicações de saúde mais sérias como pneumonia, sinusite crônica, dentre outros (CORADI; QUEIROZ-FERNANDES, 2017). Esse fungo também foi isolado em outros estudos no Brasil, relacionados a hospitais. (AQUINO et al., 2016; SOUZA et al., 2019). 239

O gênero Cladosporium sp., que também foi encontrado em maior quantidade, coincidiu com resultados em outros trabalhos, sendo um patógeno oportunista, infectando pessoas imunodeprimidas. O gênero Cladosporium sp. é um gênero altamente relacionado a reações alérgicas, em especial a rinite alérgica, além de poder agravar quadros de pacientes diagnosticados com asma. (SANDOVAL-DENIS et al., 2016; MELO; AMARILIO, 2020). Além destes, os gêneros Fusarium sp. e Penicillium sp. também foram recorrentes neste trabalho. Estes possuem potencial capacidade de produzir alérgenos, podendo agravar quadros de asma, causando prejuízo na função respiratória dos pacientes. (GONÇALVES et al., 2018) O gênero Penicillium sp. além da relevância médica, possui a capacidade de produção de micotoxinas que podem ser prejudiciais para a saúde humana. (MELO; AMARILIO, 2020)

Conclusão Considerando os resultados observados em nosso estudo, ressaltamos a importância do monitoramento da qualidade do ar interior em ambientes hospitalares, pois a presença de microrganismos potencialmente patogênicos pode ocasionar em surtos de infecções hospitalares e dificultar a recuperação dos pacientes internados. Fungos descritos na literatura como importantes patógenos humanos e potencialmente produtores de alérgenos e micotoxinas, foram encontrados em análises da qualidade do ar interior de ambientes artificialmente climatizados de hospitais em Alagoas.

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Apoio Financeiro Fundação Universitária de Desenvolvimento de Extensão e Pesquisa (FUNDEPES).

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Avaliação da produção de compostos antimicrobianos pelo clone metagenômico P07H3 prospectado do coral Siderastrea stellata e simbiontes

BIENIEK, I.S.1, COSTA, M.S.2, REZENDE, R.P.³, SANTOS, A.L.4, SOUZA, J.V.T.5, DIAS, J.C.T.6

¹ Discente do Curso de Biomedicina/DCB (Departamento de Ciências Biológicas), Universidade Estadual de Santa Cruz, Ilhéus, Bahia, e-mail: [email protected], ² Doutora em Biologia e Biotecnologia de Microrganismos, Universidade Estadual de Santa Cruz, Ilhéus, Bahia, e-mail: [email protected], 3Docente do Curso de Biomedicina/DCB, Universidade Estadual de Santa Cruz, Ilhéus, Bahia, e-mail: [email protected], 4 Discente do Curso de Biomedicina/DCB (Departamento de Ciências Biológicas), Universidade Estadual de Santa Cruz, Ilhéus, Bahia, e-mail: [email protected], 5 Discente do Curso de Biomedicina/DCB (Departamento de Ciências Biológicas), Universidade Estadual de Santa Cruz, Ilhéus, Bahia, e-mail: [email protected], 6 Docente do Curso de Biomedicina/DCB, Universidade Estadual de Santa Cruz, Ilhéus, Bahia, e-mail: [email protected]

Introdução Em termos de biodiversidade, o ambiente marinho estar entre os ecossistemas mais ricos e complexos (ROCHA et al., 2011). Os recifes de coral se destacam nesses locais, pois influenciam diretamente a vida marinha e ciclagem de nutrientes (PEREIRA et al., 2017). Eles abrigam uma diversidade imensurável de microrganismos (bactérias, fungos, arqueias, protozoários e vírus) e desempenham um papel importante na diversidade e manutenção biológica, bem como, no fluxo homeostático (ROHWER et al., 2002). Nesses recintos são produzidas moléculas e metabólitos secundários interessantes a nível biotecnológico. Muitas delas com efeito inibitório ou bactericidas conhecidos também como antimicrobianos (Michigan State University, 2018). Essa alta biodiversidade, em conjunto com as condições químicas e físicas extremas dos oceanos têm sido importantes impulsionadores para a prospecção de uma variedade de moléculas com características estruturais únicas (ROCHA et al., 2011). Há relatos literários de moléculas microbianas coralíneas com ações antimicrobianas (PEREIRA et al.; 2017a; ZHANG et al.; 2012; SHNIT-ORLAND et al.; 2012) e propriedades especiais que incluem tolerância à alta salinidade, stress oxidativo, pressão, temperatura e pH (TRINCONE et al.; 2011). A metagenômica tem sido utilizada como uma importante fonte para a descoberta de novas drogas, agentes terapêuticos e moléculas bioativas (EGAN et al., 2008). Ela contorna os obstáculos impostos pelas técnicas convencionais (HANDELSMAN, 2004) e permite o acesso direto ao DNA de uma comunidade bacteriana presente em um determinado ambiente através de técnicas independentes de cultivo (HANDELSMAN, 2004; FAORO, 2010). Nesse sentido, ao considerar que a resistência antimicrobiana é uma ameaça significativa para a sociedade humana, uma vez que novos mecanismos de resistência estão surgindo em todo o mundo recorrentemente (MARIOTTINI et al., 2016). A metagenômica torna-se uma ferramenta fundamental na identificação de novos antimicrobianos com propriedades interessantes a nível econômico. Em princípio, a abordagem geral dessa técnica começa com a construção de uma biblioteca de clones a partir das amostras ambientais, em que o DNA metagenômico extraído das amostras de coral é clonado em vetor específico e, por meio de um sistema de hospedeiro, é cultivado e analisado para verificar a expressão de proteínas totais, dentre elas o clone proteolítico e, a partir disso, a obtenção de compostos com atividades biológicas específicas (PARK, 2008). Portanto, neste estudo, foram elaborados experimentos a fim de testar a hipótese do trabalho, que consistiu em verificar se moléculas com atividade antimicrobiana com importância biotecnológica são produzidas pelo clone P07H3 prospectado a partir da microbiota de Siderastrea stellata. 242

Objetivo O objetivo deste trabalho foi avaliar a capacidade do clone proteolítico P07H3 prospectado a partir de simbiontes do coral S. stellata quanto à produção de compostos com atividade antimicrobiana. Metodologia Biblioteca Metagenômica Uma biblioteca metagenômica construída a partir de amostras do coral S. stellata em vetor tipo fosmídeo foi utilizada para triagem antimicrobiana. As amostras de S. stellata foram coletadas na região de Taipús de Fora, Península de Maraú (QUINTO, 2010). Preparação dos extratos brutos (isolamento) O clone proteolítico P07H3 foi cultivado em 200 mL de meio LB líquido acrescido de L-arabinose a 0,01% e o cloranfenicol a 12,5 µg/mL a 37°C por 48 horas por 180 rpm. Após o crescimento das culturas, o cultivo foi submetido à centrifugação a 10621 x g por 10 minutos a 4°C. A solução obtida, denominada extrato enzimático bruto, foi congelada para os demais testes. O mesmo procedimento foi feito com colônias não transformadas de E. coli (controle negativo). Purificação parcial A precipitação total dos compostos produzidos pelo clone P07H3 foi realizada utilizando 80% de sulfato de amônio, princípio baseado no método “salting out” (www.encorbio.com). Em seguida, as amostras foram dialisadas no tampão Tris-HCl (0,02 M pH 8,0) por 24h utilizando-se o agitador orbital a 10°C. O material dialisado foi mantido em congelador até o uso. A partir de então, a atividade antimicrobiana foi avaliada. Screening antimicrobiano O screening antimicrobiano foi realizado conforme a técnica descrita por Schillinger e Lücke (1989) com modificações. Foram utilizadas as seguintes estirpes: Staphylococcus aureus (INCQS 00186), Salmonella enterica subsp. enterica serovar Enteritidis phage type 4 (S. Enterica PT4), S. Enterica PT11 e S. Typhi (ATCC 5339). O cultivo microbiano ocorreu em meio Ágar Mueller-Hinton (Acumedia) a 37°C, durante 16h. Em espectrofotômetro o cultivo foi padronizado utilizando salina 0,9%, absorbância de 660nm e D.O de 0,135. Por plaqueamento simples cada cepa patogênica foi inoculada em Ágar Muller-Hinton e incubada por 16 horas a 37 ºC. Os ensaios foram feitos em duplicata. Poços com seis milímetros de diâmetro foram feitos sobre o meio e neles adicionado 100 µl do sobrenadante precipitado do clone P07H3. As placas foram então incubadas a 37°C por 16h. A visualização da atividade antimicrobiana positiva ocorreu via halo de inibição em torno do poço. Devido a dificuldades iniciais em visualizar os halos de inibição, alguns poços foram retroalimentados com 100 µl do sobrenadante, com exceção da cepa de S. aureus, que em um primeiro ensaio apresentou uma significativa susceptibilidade ao efeito inibitório do clone metagenômico P07H3. Determinação do índice de inibição antimicrobiana (IA) As atividades antimicrobianas foram mensuradas através do índice de inibição antimicrobiana (IA). A determinação do IA foi obtida através da média do diâmetro do halo de inibição. Todas as medições enzimáticas foram feitas em triplicata utilizando como unidade experimental placas de Petri.

Resultados e discussão O clone proteolítico P07H3 demonstrou capacidade de produção de compostos com atividade antimicrobiana contra todas as estirpes testadas. Prova disso, foi a presença dos halos de inibição que se formaram nas placas de Petri ao redor dos poços onde foi adicionado o sobrenadante precipitado do clone P07H3. O potencial inibitório do clone pode ser observado conforme a Figura 1: 243

Figura 1: Ação antimicrobiana expressa pelo clone P07H3 via halos de inibição contra as seguintes estirpes bacterianas: a- S. Enterica (PT11); b- S. aureus (INCQS 00186); c- S. Typhi (ATCC 5339) e d- S. Enterica (PT4: IOC). Indicação (setas vermelhas) dos poços retroalimentados com 100 μL de proteínas totais precipitadas parcialmente com 80% de sulfato de amônio. Fonte: Costa et al. (2020). As atividades antimicrobianas do clone P07H3 foram mensuradas por meio da determinação do índice de inibição antimicrobiana (IA) representada na Tabela 1.

Tabela 1: Índice de inibição antimicrobiana do clone metagenômico P07H3. Atividade antimicrobiana Zona de inibição (mm) S. aureus 33.5 S. Enterica (PT11) 26.0 S. Enterica (PT4) 22.0 S. Typhi 11.6

Os dados obtidos e expressos na Tabela 1 permitiram uma análise correlativa do efeito antimicrobiano do clone metagenômico entre as estirpes de bactérias Gram negativas e a estirpe bacteriana Gram positiva. Nesse sentido, verificou-se que o maior índice de inibição antimicrobiana do clone foi observado contra o S. aureus (Tabela 1). Essa maior susceptibilidade pode estar relacionada ao fato de se tratar de uma bactéria Gram positiva. Em contrapartida, a zona de inibição da atividade das bactérias Gram negativas foi menor quando expostas ao clone P07H3. Indicando, assim, que a susceptibilidade entre as bactérias testadas pode estar relacionada a natureza físico-química que difere entre os dois grupos (Gram positivo e Gram negativo).

Conclusão Verificou-se, através da observação desses resultados, que o clone proteolítico P07H3 apresentou capacidade antimicrobiana contra todas as estirpes testadas. Destarte, observou-se que a ferramenta metagenômica utilizada demonstrou resultados significativos indicando, assim, potencial para prospecção de novos compostos com efeitos antibióticos. Assim, nesse trabalho, foi possível verificar o potencial antimicrobiano da microbiota associada ao coral S. stellata, bem como sua importância do ponto de vista biotecnológico. Até o momento, poucos são os trabalhos antimicrobianos publicados a partir de amostras de simbiontes de corais. Logo, a identificação é interessante, sobretudo, do ponto de vista biotecnológico. Entretanto, por tratar-se de um estudo inicial, não pode ser descartado a 244

realização de novos ensaios qualitativos e quantitativos. Dentre eles, o estudo mais avançado sobre os efeitos do clone metagenômico em relação as características físico-químicas de bactérias Gram positivas e Gram negativas. No futuro, este trabalho servirá para o desenvolvimento de estudos subsequentes de isolamento e caracterização dos compostos identificados e potencialmente viáveis.

Referências bibliográficas EGAN, S.; THOMAS, T.; KJELLEBERG, S. Unlocking the diversity and biotechnological potential of marine surface associated microbial communities. Curr Opin Microbiol, v.11, n.3, Jun, p.219-25. 2008. FAORO, H. Prospecção metagenômica de biocatalisadores da microbiota de solos da floresta atlântica paranaense. Dissertação de mestrado da Universidade Federal do Paraná-UFP. Curitiba, Brasil, 2010. HANDELSMAN, J. Metagenomics: application of genomics to uncultured microorganisms. Microbiology and molecular biology reviews, v. 68, n. 4, p. 669-685, 2004. MARIOTTINI, G. L.; GRICE, I. D. Antimicrobials from Cnidarians. A new perspective for anti- infective therapy?. Marine drugs, v. 14, n. 3, p. 48, 2016. MICHIGAN STATE UNIVERSITY. Antimicrobials: An introduction. Antimicrobial Resistance Learning. Disponível em: http://amrls.cvm.msu.edu/pharmacology/antimicrobials/antimicrobials-an- introduction. Acesso em: 29 out. 2019. PARK, S. J.; CHEOL-HEE, K.; JONG-CHAN, C.; SUNG-KEUN, R. Metagenomemicroarray for screening of fosmid clones containing specific genes. FEMS Microbiol Let., v.284, p.28–34, 2008. PEREIRA, L. B. et al. Diversity and antimicrobial activity of bacteria isolated from different Brazilian coral species. FEMS microbiology letters, v. 364, n. 16, p. fnx164, 2017. QUINTO, C. A. Prospecção de antimicrobianos através de técnicas dependentes e independentes de cultivo e diversidade microbiana associada a corais do sul da Bahia. Dissertação de mestrado, programa de pós-graduação em biologia e biotecnologia de microrganismos. Universidade Estadual de Santa Cruz-UESC, Ilhéus, Brasil, 2011. ROCHA, J. et al. Cnidarians as a source of new marine bioactive compounds — An overview of the last decade and future steps for bioprospecting. Marine drugs, v. 9, n. 10, p. 1860-1886, 2011. ROHWER, F. et al. Diversity and distribution of coral-associated bacteria. Marine Ecology Progress Series, v. 243, p. 1-10, 2002. SHNIT-ORLAND, M.; SIVAN, A.; KUSHMARO, A. Antibacterial activity of Pseudoalteromonas in the coral holobiont. Microbial ecology, v. 64, n. 4, p. 851-859, 2012. TRINCONE, A. Marine biocatalysts: enzymatic features and applications. Marine drugs, v. 9, n. 4, p. 478-499, 2011. ZHANG, X. et al. Phylogenetic survey and antimicrobial activity of culturable microorganisms associated with the South China Sea black coral Antipathes dichotoma. FEMS microbiology letters, v. 336, n. 2, p. 122-130, 2012.

Apoio financeiro

FAPESB (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia).

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Contaminação Aérea por Bioaerossóis de Aspergillus e Penicillium em Centros Cirúrgicos

FEITOZA, J. M. S.1, NASCIMENTO, J. P. M.2, SILVA, FERREIRA, F. L.1, BARBOZA, R. I. S.1, SILVA, M. S. S.2, SANTOS, D. E.2, FILHO, E. A. S.3

1Universidade Federal de Alagoas - UFAL. Instituto de Ciências Biológicas e da Saúde - Campus Maceió. 2Laboratório de Ambientes Climatizados - Instituto de Ciências Biológicas e da Saúde. 3Instituto de Ciências Biológicas e da Saúde - UFAL. Departamento de Genética - Autor para correspondência.

Introdução Os fungos são contaminantes aéreos que oferecem riscos à saúde humana devido aos seus potenciais patogênicos e alergênicos (FISCHER; DOTT, 2003). Além disso, esses microrganismos são capazes de produzir compostos orgânicos voláteis (mVOC) e micotoxinas, o que pode ocasionar efeitos toxicológicos (CABRAL, 2010). Em consequência disso, as principais respostas à exposição fúngica são: fadiga e náusea, causada pela exposição a mVOC, problemas respiratórios e oculares, além de irritação da membrana mucosa. Assim, a redução da exposição a fungos é necessária para evitar problemas à saúde e o desenvolvimento de micoses futuras (PORTNOY et al., 2005). Bioaerossóis fúngicos podem compor o espaço aéreo interno de ambientes hospitalares (ABASSI; SAMAEI, 2018). Assim, como é possível observarmos, centros cirúrgicos são muitas vezes propensos à infecção fúngica, o que se deve tanto à fatores do paciente quanto do próprio ambiente (FEKADU; GETACHEWU, 2015; DEHGHANI et al., 2018). Além disso, quando o hospital consiste em um ambiente artificialmente climatizado, o sistema de circulação que não permite a troca constante de ar pode favorecer uma maior e mais rápida propagação de fungos no ambiente (FANG et al., 2013). Essa característica somada à alta ocupação desses ambientes e à fatores como temperatura e umidade, podem contribuir na concentração de fungos e agravamento de doenças (ONMEK et al., 2020). Dentre as espécies fúngicas, as dos gêneros Aspergillus e Penicillium são frequentemente identificadas em ambientes com ar interior e podem estar associadas com o agravamento de doenças respiratórias variadas (FUKUTOMI; TANIGUCHI, 2015). Portanto, estudos de ocorrência fúngica e a determinação desses alérgenos em ambientes com ar interior são importantes para contribuir na elaboração de medidas de prevenção à saúde humana (CRAWFORD et al., 2015; ARIKOGLU et al., 2016; PAYANDEH et al., 2019).

Objetivos O objetivo deste estudo foi verificar a presença de bioaerossóis fúngicos cultiváveis dos gêneros Aspergillus e Penicillium em salas de centro cirúrgico em hospitais do estado de Alagoas.

Metodologia As amostragens de bioaerossóis foram realizadas durante o ano de 2019 em 87 ambientes cirúrgicos de diferentes ambientes de saúde (hospitais e clínicas) na cidade de Maceió, Alagoas. Além disso, a pesquisa foi realizada observando as normas técnicas NT01, NT02, NT03 e NT04 da Resolução Nº9 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) regulamentada no ano de 2003 (BRASIL, 2003). Para a coleta de amostras de ar, utilizou-se um coletor de bioaerossóis portátil SAS Super ISO 100 (VWRCollection), em uma taxa de fluxo de ar de 100 L/min e com uma distância de aproximadamente 1,5 m do chão. Nós utilizamos placas de Petri descartáveis (90x15mm) contendo o meio de cultura Ágar Dicloran Rosa Bengala Cloranfenicol (DRBC) para a coleta. Após a amostragem, as placas foram levadas para o Laboratório de Ambientes Climatizados da 246

Universidade Federal de Alagoas e incubadas sob a temperatura de 28 ºC por um período de até sete dias. Após o crescimento fúngico, realizou-se a contagem de colônias observando o valor de Unidade Formadora de Colônia (UFC) com o limite estabelecido pela RE Nº 9 de 750 UFC/m3 (metro cúbico de ar). Registros fotográficos das placas foram feitos utilizando a Câmera Digital Cyber Shot 12.1 Megapixels, ©Sony. Para fins de identificação fúngica, realizamos cultura central no meio Ágar Sabouraud Dextrose e observamos características macroscópicas das colônias como cor, superfície e textura do verso e reverso, além da utilização de chaves de identificação segundo De Hoog et al. (2000). Por fim, para a observação de características microscópicas, fizemos microcultivos no meio de cultura Ágar Lactrimel conforme descrito por Riddell (1950). A incidência dos gêneros fúngicos delineados foi calculada pela soma das frequências das espécies sob o número total de pontos cirúrgicos analisados.

Resultados e Discussão Identificamos um total de 08 espécies pertencentes aos gêneros avaliados. A diversidade fúngica identificada está descrita na tabela 1. O gênero Aspergillus, equivalente a contaminação de aproximadamente 19,54% dos locais analisados foi o mais prevalente, com a espécie A. carneus sendo mais frequentemente identificada nas salas de cirurgia. Em relação a fungos do gênero Penicillium, esses foram verificados em cerca de 3,45% nos ambientes de coleta. Todos as colônias fúngicas identificadas estão classificadas no nível de risco 2. Portanto, são microrganismos de risco moderado à saúde humana e com baixa disseminação coletiva. No entanto, os bioaerossóis coletados são considerados patógenos ou patógenos emergentes (NR32 do Ministério Trabalho e Emprego, 2005), o que exige uma atenção especial devido a sua presença em ambientes cirúrgicos (Figura 1).

Tabela 1. Espécies fúngicas identificadas em ambientes cirúrgicos e sua incidência nos locais analisados.

Espécies Identificadas Frequência (n) NR

Aspergillus carneus 06 PE2

Aspergillus flavus 03 P2

Aspergillus glaucus 01 PE2

Aspergillus oryzae 05 PE2

Aspergillus fumigatus 01 P2

Aspergillus candidus 01 PE2

Penicillium commune 02 PE2

Penicillium spinulosum 01 PE2

NR= Nível de Risco. PE2= Patógeno Emergente, Nível de Risco 2. P2= Patógeno, Nível de Risco 2. *N (total)= 87. Fonte: Autores (2019).

247

Figura 1. Isolados fúngicos identificados nas amostras de ar de centros cirúrgicos no meio de cultura Ágar Sabouraud Dextrose (ASD).

(A) Penicillium spinulosum. (B) Aspergillus oryzae. (C) Aspergillus fumigatus.

Fonte: João Feitoza (2019).

Nossos resultados corroboram com a literatura que também reporta espécies dos gêneros Aspergillus e Penicillium como os principais contaminantes do ar interior e presentes em salas de cirurgia (DE SALES et al., 2012; COSTA et al., 2019). De forma semelhante, os mesmos gêneros descritos neste estudo são prevalentes em vários ambientes hospitalares (CHO et al., 2018; DE MELO; CORRÊA, 2020). Desse modo, a realização do monitoramento dos contaminantes aéreos microbianos é essencial nesses locais, visando principalmente a elaboração de protocolos de controle de disseminação de patógenos aéreos. As espécies fúngicas do gênero Aspergillus estão comumente associadas com infecções adquiridas no âmbito hospitalar, afetando principalmente pacientes imunocomprometidos (MARTÍNEZ-HERRERA et al., 2016). Fungos do gênero Penicillium, apesar de pouco relatado como patógeno humano, são capazes de produzir uma gama de micotoxinas e alérgenos químicos, oferecendo sérios riscos à saúde (PERRONE; SUSCA, 2017). Vale ressaltar que micotoxinas possuem potencial carcinogênico, dentre outros efeitos, e que alérgenos químicos estão relacionados a vários problemas respiratórios, sobretudo em crianças (OSTRY et al., 2017; RATNASEELAN; TSILIONI; THEOHARIDES, 2018). Assim, o monitoramento de bioaerossóis assume importância não apenas na identificação de fungos potencialmente patogênicos, mas também no conhecimento da presença de substâncias que igualmente são prejudiciais quando inaladas por indivíduos expostos. Um estudo comparativo, analisando água condensada de ar condicionado antes e após a limpeza do aparelho, observou reduções significativas das colônias fúngicas após a desinfeção (SANCHES et al., 2018). Essa constatação evidencia a importância de uma rotina de limpeza e manutenção dos sistemas de ar condicionado para a promoção de um ambiente com ar de boa qualidade.

Conclusão Dado os achados deste estudo, concluímos que ambientes cirúrgicos podem consistir em locais com condições favoráveis ao desenvolvimento e propagação de bioaerossóis de Aspergillus spp. e Penicillium spp. Uma vez que esses microrganismos oferecem risco moderado à saúde humana, destacamos a importância de um cuidado relacionado ao monitoramento da qualidade do ar interior e manutenção dos sistemas de climatização, a fim de oferecer um ambiente seguro para pacientes e profissionais de saúde. Não obstante, o fim da contaminação aérea por fungos não é algo iminente e, por isso, requer a continuidade de estudos que abordem questões relacionadas à qualidade do ar interior e os riscos associados. Esses tipos 248

de estudos são fundamentais para direcionar protocolos e normas de controle de infecções fúngicas, especialmente aquelas que ocorrem em ambientes críticos como salas de cirurgia.

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Apoio Financeiro Fundação Universitária de Desenvolvimento de Extensão e Pesquisa (FUNDEPES).

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Reversão da resistência de Staphylococcus aureus à ciprofloxacina através da inibição da bomba de efluxo MepA pelo limoneno

ARAÚJO NETO, J.B.1, FREITAS, P.R.1, ARAÚJO, A.C.J.1, ALMEIDA, R.S.1, SILVA, M.M.C.1, TINTINO, S.R.1, COUTINHO, H.D.M.1 1 Laboratório de Microbiologia e Biologia Molecular – LMBM, Departamento de Química Biológica – DQB, Universidade Regional do Cariri – URCA, Crato, Ceará, Brasil.

Introdução A resistência aos antibióticos é um processo natural que acontece entre as bactérias, porém, é um dos problemas de saúde pública mais preocupantes das últimas décadas (BEN et al., 2019). Os mecanismos de resistência podem estar ligados a enzimas que inativam antibióticos, mudança dos sítios de ação, diminuição da permeabilidade da membrana e bombas de efluxo. As bombas de efluxo são proteínas integradas à membrana celular que, por meio da utilização de energia, retiram os antibióticos do meio intracelular (BLAIR et al., 2015). Staphylococcus aureus é uma bactéria Gram-positiva que possui resistência a múltiplas drogas, sendo uma das espécies que mais expressam bombas de efluxo, além dos demais mecanismos de resistência (ASTOLFI et al., 2017). S. aureus faz parte da microbiota da pele e fossas nasais de indivíduos saudáveis, no entanto, em âmbito hospitalar, pode causar infecção generalizada de forma oportunista gerando sepse em imunodeprimidos, além de pneumonia e endocardite infecciosa (TURNER et al., 2019). As cepas de S. aureus que contêm a bomba do tipo MepA possuem resistência ao antibiótico ciprofloxacina, uma droga de amplo espectro que pertence à classe das fluoroquinolonas (OLIVEIRA et al., 2020). Sua ação se dá através da inibição da síntese do DNA bacteriano, atuando sobre enzimas topoisomerase II, portanto, devido ao local de ação desse antibiótico, S. aureus utiliza do maquinário de bomba de efluxo para se livrar da droga (HOOPER; JACOBY, 2016). Diante deste cenário, nos últimos anos os produtos naturais têm recebido um lugar de destaque nas pesquisas de âmbito farmacológico, principalmente no que diz respeito à resistência microbiana (MOLONEY, 2016). Os metabólitos secundários presentes em óleos essenciais e extratos de diversas plantas têm sido caracterizados e estudados no intuito de verificar se algum destes tem a capacidade de reverter a resistência que as bactérias adquiriram com o passar do tempo a diversos fármacos (LAHMAR et al., 2017). Dentre os metabólitos secundários mais recorrentes em estudos de prospecção fitoquímica, o limoneno é um composto pertencente à família dos terpenos e classe dos monoterpenos monocíclicos e está presente na composição dos óleos essenciais de plantas aromáticas, como, por exemplo, Mikania cordifolia e Artemisia dracunculus. E, dentre as bioatividades comprovadas, apresenta atividade potencializadora de antibióticos e quimiopreventiva para câncer de mama, pulmão e pele (ARAÚJO et al., 2020; AMARAL et al., 2007; CROWELL, 1997).

Objetivo A partir da necessidade da busca de compostos capazes de inibir o crescimento bacteriano e aperfeiçoar a terapia com antibióticos, o presente estudo teve como objetivo avaliar a atividade antibacteriana do limoneno e seu potencial inibidor da bomba de efluxo MepA em S. aureus. Metodologia Para a realização da presente pesquisa foi utilizada a cepa K2068 de S. aureus, que é portadora da bomba de efluxo MepA. Este microrganismo, mantido em estoque a -20 °C no Laboratório de Microbiologia e Biologia Molecular da Universidade Regional do Cariri, foi subcultivado em Heart Infusion Agar (HIA) e mantido em estufa bacteriológica a 37 °C por 24 251

h. Após o período de crescimento, amostras dessa cultura foram diluídas em tubos de ensaio contendo 3 mL de solução salina estéril (0,9% NaCl). As suspensões foram agitadas em aparelho Vortex e tendo a turbidez comparada à escala de McFarland, que corresponde a 105 Unidades Formadoras de Colônias (UFC/mL) (BEZERRA et al., 2017). O limoneno, a ciprofloxacina e o inibidor padrão de efluxo CCCP (carbonil cianeto m- clorofenilhidrazona) foram diluídos em 1 mL de dimetilsulfóxido (DMSO) e em 8,765 mL de água destilada estéril, já o brometo de etídio (EtBr), substrato universal de bombas de efluxo, foi diluído em 9,765 mL de água destilada estéril, em todos os casos a concentração final foi de 1.024 µg/mL (GOMES et al., 2018). A partir disso, foi realizado o ensaio de Concentração Inibitória Mínima (CIM) (JAVADPOUR et al., 1996), para tanto, foram preparados eppendorfs com 900 µL do meio de cultura Brain Heart Infusion (BHI) a 10% e 100 µL do inóculo bacteriano. O conteúdo dos eppendorfs foi distribuído em placas de microdiluição de 96 poços (100 µL/poço) e foi realizada a microdiluição seriada (1:1) com 100 µL do limoneno e do CCCP, separadamente. Os testes foram feitos em triplicata e a concentração dos produtos nas placas variou de 512 a 8 µg/mL (o último poço não recebeu tratamento – controle negativo). As placas foram mantidas em estufa a 37 °C por 24 h e a leitura do resultado foi feita através da adição de 20 µL de resazurina sódica em cada poço, e após 1 h foi observada a sua variação colorimétrica, onde azul indica inibição e rosa indica crescimento bacteriano. Para analisar a inibição do mecanismo de efluxo seguiu-se a metodologia de Coutinho et al. (2008), sendo preparados eppendorfs com 1.162 µL de BHI a 10%, 150 µL do inóculo bacteriano e 188 µL do limoneno (volume correspondente à sua concentração sub-inibitória – CIM/8). Foi realizada a mesma preparação substituindo o limoneno pelo CCCP (controle positivo). O conteúdo dos eppendorfs foi distribuído em placas de microdiluição de 96 poços (100 µL/poço) e foi realizada a microdiluição seriada (1:1) com 100 µL do EtBr e da ciprofloxacina, separadamente. Os testes foram feitos em triplicata e a concentração dos produtos nas placas variou de 512 a 0,5 µg/mL (último poço = controle negativo). As placas foram mantidas em estufa a 37 °C por 24 h e a leitura do resultado foi feita através da variação colorimétrica da resazurina como descrito anteriormente. Os dados foram expressos como médias aritméticas ± desvio padrão e foram analisados por análise de variância one-way (ANOVA), seguido do teste post-hoc de Tukey no software GraphPad Prism versão 7.0. A significância estatística foi considerada quando p < 0.0001.

Resultados e Discussão A avaliação da atividade antibacteriana intrínseca do limoneno frente à cepa K2068 demonstrou que a sua CIM é ≥ 1.024 µg/mL, de modo que este valor é considerado inviável e clinicamente irrelevante (HOUGHTON et al., 2007). Todavia, a ausência da atividade antibacteriana intrínseca diminui consideravelmente as chances de os microrganismos desenvolverem resistência ao composto, possibilitando sua associação aos fármacos e consolidando sua atuação como inibidor do efluxo (BHARDWAJ; MOHANTY, 2012). Em relação aos testes realizados com o EtBr, substrato utilizado para verificar o mecanismo de efluxo da cepa bacteriana testada, comprovou-se que o limoneno reduz a CIM deste produto através da inibição da bomba de efluxo MepA, demonstrando um aumento considerável da mortalidade bacteriana, e sendo tão eficaz quanto o inibidor padrão, o CCCP (Figura 1).

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Figura 1. Concentração Inibitória Mínima (CIM) do brometo de etídio isolado e associado ao limoneno e ao CCCP frente a S. aureus K2068 (**** p < 0.0001 indica diferenças significativas entre os grupos)

Fonte: Autoria própria (2020).

A redução da CIM do EtBr também pôde ser observada através de ensaios com um medicamento para esquizofrenia e enxaquecas chamado de proclorperazina e com o safrol, terpeno presente em vegetais. Estes produtos também foram avaliados frente à cepa K2068 e modificaram a permanência de EtBr no citoplasma bacteriano, levando, assim, à elevação da mortalidade dos microrganismos (SCHINDLER; JACINTO; KAATZ, 2013; ALMEIDA et al., 2020). A partir da associação do limoneno com a ciprofloxacina, foi observado que o composto apresentou uma redução significativa da CIM do antibiótico. Como representado na Figura 2, a associação do limoneno com a droga apresentou redução de 32 para 3,17 µg/mL em sua CIM, resultados que mostram maior sinergismo do que a associação ao CCCP, que diminuiu a CIM da ciprofloxacina de 32 para 10,07 µg/mL.

Figura 2. Concentração Inibitória Mínima (CIM) da ciprofloxacina isolada e associada ao limoneno e ao CCCP frente a S. aureus K2068 (**** p < 0.0001 indica diferenças significativas entre os grupos)

Fonte: Autoria própria (2020).

Apesar de ser uma cepa pouco citada na literatura, S. aureus K2068 é capaz de promover efluxo de diversas drogas, incluindo a ciprofloxacina. Oliveira et al. (2020) avaliaram a interação de um derivado de cumarina frente à esta mesma cepa, também associando o produto 253

à ciprofloxacina e, assim como no presente estudo, verificou a diminuição da CIM da fluoroquinolona quando associada ao derivado de produto natural. Em seu estudo, DeMarco et al. (2007) verificaram que um produto precisa reduzir cerca de 4 vezes a concentração do antibiótico para ser considerado efetivo, e a redução de CIM promovida pelo limoneno foi de, aproximadamente, 10 vezes.

Conclusão Diante dos resultados obtidos, pode-se concluir que o limoneno não possui eficácia contra S. aureus K2068 por ação direta, no entanto, é capaz de inibir significativamente a bomba de efluxo MepA, reduzindo a CIM do brometo de etídio e da ciprofloxacina. E por ser tão ou mais eficaz que o inibidor padrão, o limoneno apresenta-se como um promissor inibidor de bombas de efluxo. Ademais, o mecanismo pelo qual ocorre esta inibição ainda precisa ser elucidado.

Referências

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Apoio Financeiro Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, CAPES, Brasil.

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Síntese e Avaliação de Análogos da 2’,4’-Dimetoxichalcona Contra Fungos Dermatófitos

SILVA, J.A.N.1; ASSIS, L. R.1; MAZUCHI, N.S.B2; LEMES, T.H.2; THEODORO, R.1; NASCENTES, A.B.1; RONDINI, A. A.1; ALMEIDA, M.T.G.2; REGASINI, L.O.1

1 Universidade Estadual Paulista - Laboratório de Antibióticos e Quimioterápicos LAQ - UNESP; 2Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto - Laboratório de Microbiologia - FAMERP

1. INTRODUÇÃO Os fungos são eucariontes com parede celular composta por quitina, com considerável importância em diversas áreas do conhecimento tais como: ambiental, econômica, veterinária, alimentícia e biotecnológica. Segundo Mora et al. (2011) descreveram que existem aproximadamente 611 mil espécies de fungos, e cerca de 28% são de espécies patogênicas. Esse grupo de seres vivos, podem ser divididos em fungos filamentosos, leveduriformes e dimórficos (MADIGAN et al., 2016). Os fungos filamentosos são caracterizados pela presença de hifas e em condições de crescimento favoráveis ao seu crescimento formam o micélio, uma estrutura responsável pela absorção de nutrientes. Os fungos leveduriformes, apresentam estrutura oval ou esférica, que tem seu crescimento a partir da germinação de esporo (TORTORA et al., 2016). Os fungos podem causar inúmeras infecções, intoxicações e reações alérgicas severas (MEZZARI; FUENTEFRIA, 2012). As infecções fúngicas são denominadas de micoses e afetam grande parcela da população mundial em todas as faixas etárias. As micoses são classificadas de acordo com o grau de lesão tecidual e o modo de entrada no hospedeiro, sendo divididas em micoses superficiais, cutâneas, subcutâneas e sistêmicas (MADIGAM et al., 2016). O principal grupo de agentes etiológicos das micoses superficiais é formado por fungos dermatófitos, principalmente, Trichophyton mentagrophytes e Trichophyton rubrum. Os fungos dermatófitos são organismos que utilizam a queratina disponível na pele, unhas e couro cabeludo, como fonte de aminoácidos, ocasionando lesões nesses locais (SAHOO; MAHAJAM, 2016). Outro microrganismo capaz de provocar dermatomicoses pertencem ao gênero Candida. As candidas são leveduras que compõem a micobiota humana auxiliando na homeostase, contudo quando ocorre um desequilíbrio das condições normais, podem atuar como seres oportunistas, provocando infecções sistêmicas graves (SILVA, OLIVEIRA, NETO, 2018; MEZZARI et al, 2017). As infecções fúngicas afetam significativamente a qualidade de vida de indivíduos, seja por questões estéticas quanto por dificultar a mobilidade e realização de atividades cotidianas (MARANHÃO; MARTINEZ-ROSSI, 2010). Outro fator preocupante no que se refere as micoses, são as formas resistentes que aparecem em decorrência à negligência, tratamento tardio ou interrupção do tratamento. O tratamento das micoses depende de parâmetros como o tipo de infecção, a severidade e ao comprometimento da área afetada. Contudo as altas taxas de toxicidade, que podem comprometer ainda mais a saúde de indivíduos imunodeprimidos, o alto custo, o período longo de tratamento, contribuem para as recidivas e, consequentemente seleção de microrganismos resistentes (LUSIANA; REICHI; MULLER-GOYMANN, 2013 TOSTI; ELEWSKI, 2016) O principal mecanismo molecular da resistência fúngica é a expressão de bombas de efluxo, que conferem aos fungos, resistência a múltiplos fármacos (MDR), contribuindo de forma expressiva para falhas terapêuticas, necessitando de esforços para a melhora ou a busca por novos agentes antifúngicos (OLIVEIRA et al., 2020) que apresentam potencial atividade antifúngica ou que modulem a sensibilidade de fungos a essas tratamentos. Diante das dificuldades apresentadas combinadas com o potencial terapêutico das chalconas, essas substâncias podem se constituir como potenciais agentes antifúngicos, 256

colaborando para um tratamento mais eficaz no combate das dermatomicoses. Inúmeras chalconas, naturais e sintéticas, têm sido amplamente explorada como potenciais candidatas a agentes anti-infecciosos, inibindo microrganismos patogênicos (MIGUEL et al., 2016; VENTURA 2015). As metoxichalconas são chalconas substituídos por grupo metoxila (-OCH3), considerado um importante grupo para a Química Medicinal, sendo amplamente exploradas como agentes antimaláricos, antileishmania e antifúngicos. A licochalcona A (1), uma chalcona natural, demonstrou atividade antibiofilme, prevenindo a transição levedura-hifa de Candida albicans. A chalcona sintética 2 foi capaz de bloquear a biossíntese da parede celular de T. rubrum (2) (Figura 1).

Figura 1. Chalconas metoxiladas com ação antifúngica

Em continuidade aos estudos iniciados por nosso grupo, um conjunto de metoxichalconas apresentou efeitos antifúngicos contra cinco espécies de Candida, incluindo Candida albicans, Candida krusei, Candida parapsilosis, Candida tropicalis e Candida glabrata (MARQUES et al., 2020), o que nos encorajou a testá-lo contra fungos filamentosos.

2. OBJETIVOS Sintetizar uma série de 24 análogos da 2’,4’-dimetoxichalcona e avaliar seu potencial antifúngico contra cepas padrão da American Type Culture Collection (ATCC) e isolados clínicos de T. rubrum e T. mentagrophytes.

3. METODOLOGIA

3.1 Síntese e caracterização das Metoxichalconas A síntese dos análogos de chalconas, ocorreu por meio da reação aldólica de Claisen- Schmidt, entre a 2’,4’-dimetoxiacetofenona e os respectivos derivados benzaldeídicos, utilizando etanol como solvente e hidróxido de sódio como catalisador (GOMES et al., 2017).

Esquema I. Condensação Aldólica de Claisen-Schmidt para a obtenção das metoxichalconas da Série I

As estruturas das chalconas foram confirmadas por análise dos espectros de Ressonância Magnética Nuclear de Hidrogênio (RMN de 1H) e de Carbono Treze (RMN de 13C) obtidos em espectrômetros operando a 600 e 150 MHz, respectivamente. Os pontos de fusão foram determinados utilizando aparelho de ponto de fusão (MS Tecnopon PFM-II).

3.2 Microrganismos Para a triagem inicial contra T. rubrum e T. mentagrophytes, utilizou-se cepas referências ATCC e isolados clínicos provenientes do Hospital de Base de São José do Rio Preto, coletados de onicomicoses. 257

3.3 Ensaios de susceptibilidade Para o ensaio de susceptibilidade fúngica, utilizou-se como referência o método de susceptibilidade a antifúngicos M-38-A2 do L (CLSI, 2008) a partir de placas de fungos crescidas por 15 dias em meio Sabouraud a 28 °C. Estes testes foram realizados em duplicatas em placas contendo 96 poços de fundo chato. As placas foram incubadas a 28 °C por 7 dias, sendo então realizada a avaliação da CIM (Concentração Inibitória Mínima), a qual foi definida como a menor concentração capaz de inibir 100% do crescimento fúngico, determinado em espectrofotômetro Elisa a 420nm.

4. RESULTADOS E DISCUSSÃO

O planejamento da série de metoxichalconas foi baseado nos resultados obtidos previamente por nosso grupo. No trabalho de Marques et al (2020) foi verificado a influência do número e da posição do grupo metoxila sobre a atividade antifúngica contra Candida spp., apresentando valores de CIM que variaram de 3,9 μg/mL a 62.5 μg/mL. Estes valores foram similares ao do fluconazol, o qual foi utilizado como fármaco antifúngico de referência, e que demonstrou valores de CIM que variaram 1,0 μg/mL a 32 μg/mL. Dentre essas chalconas, a 2’,4’-dimetoxichalcona exibiu os menores valores de CIM contra as espécies de Candida, sendo selecionada como protótipo para o presente estudo.,. Dessa forma, planejou uma série contendo análogos 2’,4’-metoxilados. Foram selecionados grupos eletrodoadores/eletroatratores e hidrofóbicos/hidrofílicos substituintes no anel fenílico B para verificar seus efeitos sobre a atividade antifúngica Também foram planejados e sintetizados análogos com anel B realizado α- e β-naftílicos. (Tabela 1). Utilizando a condensação aldólica de Claisen-Schmidt foi possível a obtenção de 24 metoxichalconas da série I e 20 chalconas da série II, com rendimentos que variaram de 15 a 95%, sendo o menor e o maior rendimentos dos produtos isolados observados para JA-1 e o maior para JA-11.

Tabela 1. Rendimentos dos Análogos 2’,4’-Dimetoxichalcônicos

Rendimento Rendimento Código Ar Código Ar (%) (%) JA-1 2-fluorfenila 15 JA-13 3-trifluormetilfenila 54 JA-2 3-fluorfenila 85 JA-14 3-hidroxifenila 25 JA-3 4-fluorfenila 83 JA-15 3-metilfenila 35 JA-4 2-bromofenila 84 JA-16 4-metilfenila 85 JA-5 3-bromofenila 90 JA-17 3-metoxifenila 57 JA-6 4-bromofenila 90 JA-18 4-metoxifenila 62 JA-7 2-clorofenila 44 JA-19 2-nitrofenila 32 JA-8 3-clorofenila 57 JA-20 3-nitrofenila 75 JA-9 4-clorofenila 86 JA-21 4-nitrofenila 67 JA-10 2,4-diclorofenila 93 JA-22 α-naftila 55 JA-11 2,6-diclorofenila 95 JA-23 β-naftila 53 JA-12 3,4-diclorofenila 83 JA-24 2-hidroxi-5-fluorfenila 49

Em continuidade aos resultados alcançados por nosso grupo de estudo, visto que as 2’,4’-dimetoxichalconas apresentaram potencialidades antifúngicas, e em necessidade 258

imperativa da busca de agentes antifúngicos inovadores, foi realizada uma triagem contra T. rubrum e T. mentagrophytes em concentrações de 31,2, 15,6 e 7,8 μg/mL (Tabelas 2 e 3).

Tabela 2. Atividade antifúngica da triagem inicial das 2’,4’-dimetoxichalconas contra T. rubrum CIM (µg/mL) - Trichophyton rubrum TR TR TR TR TR TR 7604* 7636* 7609* 6195* CBS** 7614* 1 JA-1 15,6 3,9 7,8 7,8 <3,9 15,6 2 JA-2 7,8 3,9 <3,9 7,8 <3,9 15,6 3 JA-3 7,8 7,8 >31,2 >31,2 <3,9 >3,9 4 JA-4 >31,2 >31,2 >31,2 >31,2 >31,2 >31,2 5 JA-5 3,9 >31,2 >31,2 >31,2 >31,2 31,2 6 JA-6 >31,2 >31,2 31,2 >31,2 >31,2 >31,2 7 JA-7 31,2 31,2 31,2 31,2 >7,8 31,2 8 JA-8 7,8 7,8 <3,9 <3,9 <3,9 15,6 9 JA-9 >31,2 31,2 >31,2 >31,2 31,2 31,2 * Isolado Clínico; ** Cepa padrão ATCC

Os compostos metoxilados JA-2 e JA-8 JA-3F e JA-3Cl, apresentaram maior potência fungitóxica com valores de CIM de <3,91 a 15,6 µg/mL. Contudo os compostos com substituintes Br e Cl (posições 3 e 4) obtiveram valores entre 31,2 e > 31,2 µg/mL.

Tabela 03. Atividade antifúngica da triagem inicial das 2’,4’-dimetoxichalconas contra T. mentagrophytes CIM (µg/mL) - Trichophyton mentagrophytes TM 7362 TMATC TM7389 TM7405 TM7606 TM6007 C 1 JA-1 <7,8 <7,8 <7,8 <7,8 <7,8 <7,8 2 JA-2 <7,8 >31,2 <7,8 >31,2 <7,8 <7,8 3 JA-3 >31,2 >31,2 >31,2 >31,2 >31,2 >31,2 4 JA-4 7,8 >31,2 >31,2 >31,2 >31,2 <7,8 5 JA-5 <7,8 >31,2 >31,2 >31,2 >31,2 >31,2 6 JA-6 >31,2 >31,2 >31,2 >31,2 >31,2 >31,2 7 JA-7 31,2 31,2 31,2 31,2 <7,8 <7,8 8 JA-8 >31,2 <7,8 <7,8 <7,8 <7,8 <7,8 9 JA-9 <7,8 <7,8 <7,8 <7,8 <7,8 <7,81 Resultados <7,81 estão em fase de determinação.

As chalconas com o substituinte flúor nas posições 2 e 3 e com substituinte cloro na posição 3, obtiveram valores menores que 7,8 µg/mL contra T. mentagrophytes. As chalconas JA-3 e JA-6 exibiram valores de CIM maiores que 31,2 µg/mL. A chalcona JA-2 apresentou valores interessantes de MIC (<7,8 µg/mL) para a maiorias das cepas de isolados clínicos de T. mentagrophytes, contudo para a cepa padrão (TM-ATCC) e para o isolado clínico (cepa TM- 7405) (>31,2µg/mL). 259

Segundo os estudos de Mahaprata e colaboradores (2015), os alvos moleculares de chalconas antifúngicas s, podem incluir tanto a inibição da síntese dos ácidos graxos de T. rubrum e também, pode estar relacionado com a inibição de enzimas β-(1,3)-glucano e quitina sintase, que são responsáveis pela biossíntese da parede celular fúngica. Os resultados parciais do teste da Concentração Inibitória Mínima (MIC) de nove análogos 2’,4’-dimetoxichalcônicos, demonstraram atividade inibitória contra T. rubrum e T. mentagrophytes, em concentrações iguais e inferiores a 31,2 μg/mL. Os resultados obtidos até o momento sugerem que estes compostos podem ser promissores, enfatizando a importância de continuidade dos nossos estudos.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante do potencial terapêutico, da versatilidade química e biológica das chalconas, bem como das dificuldades na obtenção de novos tratamentos para as infecções fúngicas, os análogos de chalconas metoxilados podem ser agentes promissores para o desenvolvimento de antifúngicos inovadores.

6. REFERÊNCIAS

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7. APOIO FINANCEIRO CAPES; FAPESP, CNPq; PROPg-UNESP; PROPe-UNESP.

261

Potencial antimicrobiano do mel produzido por Melipona quadrifasciata e Partamona seridoenses frente a amostras de Staphylococcus aureus

SILVA, K. P. S.¹, FRANCO, L. O.²

¹ Unidade Acadêmica de Serra Talhada - Universidade Federal Rural de Pernambuco ² Departamento de Biologia - Universidade Federal Rural de Pernambuco

Introdução Entre os microrganismos de importância médica, o Staphylococcus aureus é o agente infeccioso causador de uma enorme variedade de enfermidades de importância humana e veterinária. A habilidade de se estabelecer profundamente nos tecidos corporais é uma das principais características desse patógeno (PELCZAR JR et al., 1997) e é comum que ele desenvolva resistência aos antimicrobianos comerciais (DUTRA et al., 2018). Nas últimas décadas, diversos fatores vêm contribuindo para o surgimento de linhagens de microrganismos resistentes aos mais variados antibióticos (GONÇALVES, et al., 2005; ARAUJO et al., 2000) e o aumento dos custos terapêuticos para o tratamento dessas doenças é encarado como um transtorno ao sistema público de saúde, o que torna imprescindível a prospecção de substâncias que apresentem potencial antimicrobiano (SADER et al., 1993). A penicilina foi o primeiro antimicrobiano usado para combater S. aureus nos anos 1940. Já nas próximas décadas esse microrganismo adquiriu resistência a esse medicamento e foi necessária a introdução das penicilinas semi-sintéticas (SOUZA et al., 2005). No fim dos anos 1990, estudos apontaram cepas resistentes à vancomicina e, a ciprofloxacina mostrou ser a fluorquinolona mais eficiente no tratamento contra efeitos de resistência de S. aureus (PEREIRA et al., 2004). A bioprospecção de produtos naturais aponta o mel produzido por abelhas como uma alternativa promissora para o tratamento contra S. aureus e vários estudos ratificam o seu uso terapêutico para diversas patologias (CASTRO et al., 2009; RAHAL et al., 2003; SILVA, 2007). O mel apresenta importância não só nutricional e cosmética, mas também terapêutica, sendo utilizado na medicina popular, de modo que propriedades antimicrobiana, antifúngica, antiviral, antiparasitária e anti-inflamatória são propostas a esse derivado animal (MENEZES et al., 2018) . As espécies M. quadrifasciata e P. seridoensis que ocorrem no Brasil, têm um importante papel na polinização das espécies nativas da Caatinga (KERR, 1987), e o mel produzido por elas é um importante produto alimentício, tendo em vista que o seu consumo no país é inspecionado pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Apesar de ser usado como medicamento, o mel ainda não tem registro no Ministério da Saúde para uso na conduta médica. No mundo todo, existem pesquisas com intuito de comprovar cientificamente as propriedades terapêuticas do mel (MARSHAL, 2002; BOBANY et al., 2010; GONÇALVES et al., 2005; WESTON et al., 2000), no entanto essas pesquisas ainda são insuficientes para apoiar legalmente o uso medicamentoso desse produto natural.

Objetivo Investigar atividade antimicrobiana in vitro, do mel das abelhas P. seridoensis e M. quadrifasciata (Apidae, Meliponini), sobre amostras de S. aureus.

Metodologia Mel 262

As amostras de mel testadas neste trabalho são provenientes das abelhas nativas sem ferrão M. quadrifasciata e P. seridoenses coletados no município de Serra Talhada, município do semiárido pernambucano. Para extração foram utilizadas seringas estéreis e em seguida as amostras foram armazenadas em recipientes sob refrigeração.

Microrganismos Dez amostras de S. aureus, gentilmente cedidas pelo Laboratório de Microbiologia da Fundação Osvaldo Cruz (FIOCRUZ) – Recife - PE, Centro de Pesquisas Aggeu Magalhães (CPqAM) e como controle utilizou-se a amostra (ATCC 43300) resistente à meticilina, que foi cedida pelo Laboratório de Análises Clínicas do Hospital da Restauração (Recife - PE). Os microrganismos foram replicados em tubos com caldo nutriente e deixados em estufa a 37ºC para multiplicação até o seu uso.

Teste de sensibilidade antimicrobiana As amostras foram semeadas utilizando-se swabs estéreis em placas de Petri, contendo 15 mL do meio de cultivo ágar Mueller-Hinton de acordo com NCCLS (2003). Posteriormente cada cepa de S. aureus foi submetida à técnica de disco-difusão descrita por Bauer et al. (1966), onde discos de papel contendo os antimicrobianos comerciais Penicilina G (30μg), Vancomicina (30 μg) e Ciprofloxacina (5 μg) e também discos estéreis embebidos com 40 µg do mel de M. quadrifasciata e P. seridoenses, foram distribuídos mantendo entre eles 50 mm de distância para evitar zonas de confluência dos halos de crescimento. Posteriormente as placas foram incubadas a 37 ºC, e a leitura dos halos de inibição foi realizada após um período preconizado pelo NCCLS (2003): 24 horas para vancomicina e 18 horas para penicilina e ciprofloxacina. As medições dos discos com mel foram realizadas após 24 horas de incubação.

Análise estatística dos dados As medidas dos halos foram realizadas utilizando-se paquímetro, e após leitura os antibióticos testados foram classificados como resistente ou sensível (NCCLS, 2003). Para a leitura das amostras de mel consideramos como positivas as cepas que apresentaram formação de halo, visível ao olho nu, em volta dos discos de papel dispostos no meio de cultura, semeado com os microrganismos (GONÇALVES et al., 2005). Os testes com o mel foram realizados em triplicata, e os valores utilizados foram a média aritmética obtida. Para análise estatística utilizamos a ANOVA, com nível de 5% de confiança e os valores diferentes foram analisados através do Teste de Tukey.

Resultados e discussão Foi observada a formação do halo de inibição em todos os antimicrobianos testados. A Penicilina G foi o antibiótico comercial menos eficiente, pois 90,9% das amostras testadas se mostraram resistentes. Por outro lado, a Vancomicina foi o antibiótico que apresentou melhor ação antimicrobiana com 100% de sensibilidade (Tabela 1). A Ciprofloxacina também foi eficiente, evidenciando 81,8% de sensibilidade para as amostras. Tanto o mel de M. quadrifasciata como o de P. seridoensis apresentaram resultados semelhantes, a utilização desse composto teve ação bactericida em 54,5% das amostras de S. aureus (Tabela 1). Resultados semelhantes aos aqui encontrados foram demonstrados por Gonçalves et al. (2005) que também verificaram a atividade antimicrobiana do mel frente a amostras de S. aureus e também outras bactérias Gram-positivas, e ainda para bactérias Gram-negativas.

263

Tabela 1: Perfil de sensibilidade antimicrobiana das 11 cepas de S. aureus frente a antibióticos comerciais e ao mel de M. quadrifasciata e de P. seridoensis Antimicrobianos Resistente (%) Sensível/Bactericida (%) Penicilina G 90,91 9,09 Vancomicina - 100 Ciprofloxacina 18,2 81,8 Mel de P. seridoenses 45,45 54,55 Mel de M. quadrifasciata 45,45 54,55

Nas amostras de S. aureus que se mostraram resistentes à Ciprofloxacina, o mel de ambas as espécies de abelhas mostrou capacidade de inibição de crescimento microbiano, demonstrando ter eficiência bactericida in vitro para as cepas testadas. Para a Penicilina G esse percentual foi bem maior, pois em seis das amostras para as quais os microrganismos mostraram-se resistentes a esse antibiótico, quando testadas com o mel, mostraram-se sensíveis (Tabela 2). Os resultados obtidos a partir da utilização do mel variaram de acordo com as cepas. O mel de P. seridoensis não evidenciou nenhuma resposta quando testado frente às cepas S1, S2, S4, S6 e S9, enquanto que o mel de M. quadriafasciata não apresentou resultado antimicrobiano para as cepas S1, S2, S5, S9 e ATCC 43300 (Tabela 2).

Tabela 2: Atividade antimicrobiana do mel de P. seridoenses e de M. quadrifasciata, e de antibióticos comerciais em 11 cepas de S.. aureus Cepas de S. aureus Antimicrobianos ATCC S1 S2 S3 S4 S5 S6 S7 S8 S9 S10 43300 Peniclina + ------Vancomicina + + + + + + + + + + + Ciprofloxacina + + - + + + + + - + + Mel de P. seridoensis - - + - + - + + - + + Mel de M. quadrifasciata - - + + - + + + - + - (+) Formação de halo / (-) Sem formação de halo

A Penicilina G teve ação inibitória apenas para a cepa S1, a Vancomicina apresentou potencial antibacteriano para todas as cepas e a Ciprofloxacina inibiu as cepas S1, S2, S4, S5, S6, S7, S8, S10 e ATCC 43300, sendo usadas para isso as medidas padrão orientadas pelo NCCLS (2003). No mel foram consideradas como positivas (+) as medidas acima de sete cm e como negativas (-) as medidas menores que esse valor. A diferença encontrada na cepa S9 pode ser interpretada com base no teste realizado com os antibióticos comerciais, que demonstraram ausência de capacidade de inibição para a Penicilina G e para a Ciprofloxacina, significando a multirresistência desta amostra. Para calcular a variância entre os antimicrobianos e a variância entre as cepas foi usado o método estatístico ANOVA, com confiabilidade de 5%, no qual os resultados das variações do experimento são decompostos em vários componentes identificáveis e cada um deles computa a variação de uma causa diferente mostrando que não houve diferença significativa entre os méis (FCALC ═ 0,42 < FTAB ═ 4,08), contudo entre as cepas houve diferença (FCALC ═ 2,78 > FTAB ═ 2,08) (Tabela 3).

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Tabela 3. Análise de variância com os méis utilizados para verificar atividade antimicrobiana Causa da variação SQ GL QM FCALC * FTAB * Entre os méis 6,06 1 6,06 0,42* 4,08* Entre as cepas 405,45 10 40,54 2,78* 2,08* Interação 1304 10 13,04 Erro 640,61 44 14,56 Total 2356,121 65 SQ: somatório dos quadrados; GL: grau de liberdade; QM: quadrado médio; FCAL: frequência calculada; FTAB: frequência tabelada. *: valores significantes.

A Diferença Mínima Significativa (DMS) calculada entre as amostras foi de 7,633. A cepa que apresentou diferença significativa superior a esse valor foi a S9 (DMS = 8,00), portanto, essa foi a única amostra que evidenciou diferença significativa em relação às demais, mostrando ser a cepa com maior potencial patogênico, tendo em vista que foi resistente a Ciprofloxacina e à Penicilina. A composição do mel provém especialmente de fontes vegetais, mas pode também sofrer influência do solo, da espécie e da sanidade da abelha, do grau de maturação, entre outros (CAMPOS & MODESTA, 2000; CUPPARI, 2002). Para entender o potencial antimicrobiano do mel é imprescindível compreender os processos físicos e químicos que ocorrem na sua produção, desde a coleta até o pós-alveolamento, para tanto é de extrema importância que mais pesquisas sejam realizadas com intuito de descobrir o fator que confere ao mel o potencial antimicrobiano.

Conclusões As amostras de mel testadas foram capazes de inibir o crescimento de 54,55% das amostras de S. aureus utilizadas neste estudo, representando uma potencial alternativa de uso como antimicrobiano para o micróbio testado, e também fortalece o papel da medicina popular como depositária de conhecimentos milenares que devem ser analisados cientificamente

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Desequilíbrio de espécies de Bacteroides e Bifidobacterium na microbiota intestinal de pacientes com tireoidite de Hashimoto

SALIS, L.V.V.1, CAYRES, L.F.2; SARGENTINI, L.B2,3;BRISOTTI, J.L.2,3; GOMES, E1.; OLIVEIRA, G.L.V.1

1Programa de Pós-graduação em Microbiologia, Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas (IBILCE), Universidade de São Paulo (UNESP), São José do Rio Preto, São Paulo, Brasil; 2 Faculdade de Ciências da Saúde de Barretos Dr. Paulo Prata (FACISB), Barretos, São Paulo, Brasil; 3Ambulatório Médico de Especialidades, Barretos, São Paulo, Brasil

Introdução A tireoidite de Hashimoto (TH) é a doença autoimune órgão-específica mais prevalente no mundo, e é caracterizada pela infiltração de linfócitos e autoanticorpos contra a peroxidase tireoidiana e tireoglobulina (FRÖHLICH; WAHL, 2017). Existem evidências de que a disbiose intestinal aumenta a prevalência de TH e um eixo tireoide-intestino foi proposto. A microbiota intestinal pode afetar as concentrações de hormônios tireoidianos, controlando a captação de iodo, degradação e reciclagem enterohepática, e a biodisponibilidade da levotiroxina (FRÖHLICH; WAHL, 2019). Existe um impacto importante dos minerais nas interações microbiota-hospedeiro, principalmente pelo zinco, selênio e ferro. A microbiota pode desempenhar papel nas alterações da tireoide influenciando neurotransmissores, o eixo hipotálamo-hipófise, a produção de dopamina e, consequentemente, a secreção do hormônio estimulador da tireoide (TSH) (FENNEMAN et al., 2020).

Objetivos O objetivo deste estudo foi avaliar a microbiota intestinal de pacientes com Tireoidite de Hashimoto e correlacionar aos achados clínicos e citocinas inflamatórias.

Casuística e Métodos Este estudo foi aprovado pelo comitê de ética em pesquisa do Hospital de Câncer de Barretos (nº 1359/2017). Os participantes assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido e responderam ao questionário sobre hábitos alimentares. O DNA extraído das amostras de fezes foi utilizado para caracterizar a microbiota intestinal por PCR em tempo real e sequenciamento 16S. O soro isolado do sangue periférico foi utilizado para a dosagem de citocinas por citometria de fluxo. As análises estatísticas foram realizadas pelo teste não paramétrico de Mann-Whitney e correlação de Spearman.

Resultados preliminares Foram incluídos 40 pacientes com TH (48,9 ± 13,3 anos) e 53 controles (45,6 ± 16,7 anos). Com relação à microbiota intestinal, avaliada por PCR em tempo real, detectamos aumento nas unidades relativas de expressão de Bacteroides e diminuição de Bifidobacterium nas amostras de pacientes com TH (Figura 1). Encontramos correlações entre Clostridium coccoides e Roseburia com os níveis de TSH e T4 livre, respectivamente. Além disso, pacientes sem terapia de reposição hormonal apresentaram aumento de Lactobacillus quando comparados aos que fazem uso da levotiroxina. Nas análises metagenômicas preliminares, observamos que os filos prevalentes nos pacientes foram Firmicutes (43,78% versus 50,12% nos controles) e Bacteroidetes (30,52% versus 4,47%) (Figura 2). Os gêneros bacterianos predominantes nos pacientes foram Prevotella (24% versus 6%), Bacteroides (17% versus 45%), Akkermansia (15% versus 1%), e Ruminococcus (9% versus 3%). Com relação à dieta, diferenças significativas no consumo de vegetais, frutas, proteínas de origem animal, laticínios, gorduras saturadas e carboidratos entre pacientes e controles foram observadas, além da correlação entre 267

o consumo de proteínas e a abundância de Bacteroides. Não encontramos diferenças significativas nas concentrações séricas de citocinas inflamatórias entre pacientes e controles, mas detectamos correlação entre Roseburia e Clostridium leptum com as concentrações séricas da citocina inflamatória TNF (Figura 3).

Conclusão Concluímos que há um desequilíbrio na microbiota intestinal de pacientes com TH, em especial dos gêneros Bacteroides e Bifidobacterium. Além disso, a dieta pode ter desempenhado um papel importante na modulação da microbiota intestinal. No entanto, estudos adicionais avaliando o eixo dieta-microbiota-sistema imune são necessários para avaliar intervenções dietéticas ou probióticas que possam auxiliar no tratamento adjuvante de pacientes com TH.

Referências FENNEMAN, A. C. et al. Gut microbiota and metabolites in the pathogenesis of endocrine disease. Biochemical Society transactions, v. 48, n. 3, p. 915–931, 2020. FRÖHLICH, E.; WAHL, R. Thyroid autoimmunity: Role of anti-thyroid antibodies in thyroid and extra-thyroidal diseases. Frontiers in Immunology, v. 8, n. 521, p. 1–16, 2017. FRÖHLICH, E.; WAHL, R. Microbiota and Thyroid Interaction in Health and Disease. Trends in Endocrinology and Metabolism, v. 30, n. 8, p. 479–490, 2019.

Apoio financeiro: CAPES

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Figura 1: Unidades relativas de expressão/200 mg de fezes de grupos bacterianos detectados em pacientes com Tireoidite de Hashimoto (TH) e controles (CTRL). (A) Bacteroides spp., (B) Bifidobacterium spp., (C) Clostridium coccoides, (D) Clostridium coccoides-Eubacteria rectale, (E) Clostridium leptum, (F) Lactobacillus spp., (G) Prevotella spp. e (H) Roseburia spp. Foi utilizado o teste de Mann-Whitney. As barras horizontais representam a mediana e o intervalo interquartil.

269

Figura 2: Prevalência dos filos bacterianos na microbiota intestinal de pacientes e controles. A prevalência está representada em porcentagens de reads das regiões V3/V4 do 16S bacteriano no sequenciamento. G1 a G20 representamos pacientes TH01 a TH20.

Figura 3: Correlação entre as concentrações de TNF e unidades relativas de expressão de Roseburia e Clostridium leptum. Foi utilizado o teste de Spearman e considerado P<0,05. 270

Síntese e avaliação biológica de bavachalcona (BVC) e análogos como potenciais agentes contra a tuberculose COSTA, M. B. S. 1; REGASINI, L.O.1. 1 Departamento de Química e Ciências Ambientais, Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas, Universidade Estadual Paulista, Rua Cristóvão Colombo, 2265, São José do Rio Preto, SP, 15054-000, Brasil.

Introdução A tuberculose (TB) é uma doença de origem infecciosa que mais provoca óbitos no mundo, tendo impacto similar ao da AIDS. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), no ano de 2018 foram relatados 10 milhões de novos casos da doença e 1,5 milhões de óbitos no mundo, dos quais cerca de 251 mil foram de pacientes co-infectados pelo HIV, e no Brasil foram registrados 95 mil novos casos da doença e 7,2 mil óbitos (WHO, 2019). O principal agente etiológico da TB é o complexo Mycobacterium tuberculosis (MTB), um bacilo aeróbico, que possui crescimento relativamente lento, dividindo-se a cada 16 a 24 horas. A parede celular do MTB é de composição complexa e única, representando um obstáculo aos tuberculostáticos (Evangelopoulos & Mchugh, 2015). A imunização contra TB em crianças e jovens é realizada por meio da vacina BCG (Bacilo de Calmette- Guérin), porém sua eficácia contra a TB pulmonar em adultos é questionada, não existindo outra vacina disponível. Portanto, a estratégia principal para o controle e disseminação da TB é a terapia com tuberculostáticos, entretanto, casos de resistência bacteriana vem ocorrendo consideravelmente. Com isso, a busca por novos tuberculostáticos que possam reduzir a duração do tratamento, ser ativo contra cepas MDR-TB e XDR-TB, e que não interfiram com os principais fármacos anti-HIV, bem como ser ativo contra bacilos latentes são de extrema relevância (Evangelopoulos & Mchugh, 2015; Fernandes, Chin & Santos, 2017). Diante disso, a bavachalcona (BVC) foi selecionada como agente antibacteriano para a síntese de análogos. Trata-se de uma chalcona tri-hidroxilada e C-isoprenilada na posição 5’ (1) (Figura 1), que foi isolada primeiramente de Psoralea corylifolia (Fabaceae) (Bhalla, Nayak & Dev, 1968), sendo um produto natural de estrutura relativamente simples, com alta versatilidade para a construção de uma quimioteca de análogos com alta quimiodiversidade, bem como de síntese em poucas etapas, além de um amplo espectro de bioatividades, incluindo atividade antibacteriana (Sugamoto et al., 2011). Figura 3. Estrutura Bavachalcona.

Objetivos a) Síntese de BVC e duas séries de análogos chalcônicos, sendo as séries I e II com modificações no anel A e B, respectivamente; b) Avaliação da atividade antimicobacteriana de BVC e seus análogos contra formas extramacrofágicas de M. tuberculosis H37Rv (cepa sensível) e isolados clínicos MDR-TB e XDR-TB; c) Determinação do coeficiente de partição n-octanol/água (log Po/w) de BVC e seus análogos, correlacionando sua hidrofobicidade com a atividade antimicobacteriana (formas extramacrofágicas); 271

d) Predição da hidrossolubilidade (log S) de BVC e análogos, utilizando a equação geral de solubilidade (General Solubility Equation - GSE); e) Avaliação da toxicidade de análogos selecionados de BVC contra macrófagos murinos (J774A.1), fibroblastos de pulmão humano (MRC-5) e hepatócitos humanos (HepG2); f) Avaliação da atividade antimicobacteriana de análogos selecionados de BVC contra as formas intramacrofágicas de M. tuberculosis Erdman. Metodologia 3.1. Planejamento Molecular dos Análogos Chalcônicos de BVC (Séries I‒II) Serão sintetizadas duas séries de análogos chalcônicos de BVC, sendo a série I com modificações no anel A (relevância da isoprenila) (Esquema 1). Esquema 1. Análogos Naturais de BVC (1-3), Natural-like (4) e Benzílico (5) da Série I

A série II (Esquema 2) será constituída por análogos chalcônicos de BVC com anel A 2’,4’-dihidroxilado-5’- isoprenilado e modificações no anel B. Esses análogos foram divididos em duas subséries, as quais permitirão avaliar a influência de substituintes, principalmente para-posicionados e da permuta de anel B fenílico por arilas. Esquema 2. Planejamento dos Análogos de BVC da Série II (6‒23)

Dessa forma, serão utilizados inicialmente os protocolos estabelecidos por Wang e colaboradores como estratégia sintética geral para a obtenção de BVC e seus análogos. Além das rotas descritas por Dong (2009), Sugamoto (2011) e Grealis (2013) que incluem rearranjos de Claisen para conversão de intermediários O-prenilados em C-prenilados. Wang e colaboradores (Wang et al., 2014; 2015) estabeleceram uma rota com regiosseletividade satisfatória, utilizando reação de iodação seguida de reação de acoplamento de Suzuki (Miyaura & Suzuki, 1995). Purificação e Identificação de BVC e Análogos das Séries I e II 272

As substâncias serão purificadas por procedimentos de precipitação, extração líquido- líquido, cristalização e/ou de métodos cromatográficos, tais como: cromatografia em coluna de fase normal (sílica gel), cromatografia em coluna de fase reversa (CCFR- octadecilsilano C18) e cromatografia por exclusão molecular (LH- 20, Sephadex®). O acompanhamento das reações será realizado por Cromatografia em Camada Delgada Comparativa (CCDC) e a confirmação estrutural das substâncias será realizada por meio da análise de seus espectros de Ressonância Magnética Nuclear mono- e bidimensionais. Determinação do Coeficiente de Partição n-Octanol/Água (log Po/w) As chalconas das séries I e II terão seu coeficiente de partição n-octanol/água (log Po/w) determinado por CLAE, segundo procedimentos descritos no protocolo da OECD Guidelines for the Testing of Chemicals (OECD, 1989). Serão empregados como padrões na construção da curva logK × logP: acetanilida, benzonitrila, nitrobenzeno, tolueno, naftaleno, bifenila, éter difenílico e fenantreno. O fator de capacidade (logK) das substâncias será determinado a partir dos tempos de retenção e linearização da curva logK × logP. Ensaio contra as Formas Extramacrofágicas de Mycobacterium tuberculosis As chalconas das séries I e II serão submetidas a ensaios de atividade antimicobacteriana utilizando a metodologia de REMA (Resazurin Microtiter Assay) (Palomino et al., 2002). Serão utilizadas cepas: H37Rv (ATCC 27294) e quatro isolados clínicos provenientes o Hospital Clemente Ferreira, Lins, Estado de São Paulo, Brasil (duas cepas MDR-TB e duas cepas XDR-TB) (Heysell et al., 2015; Mendes et al., 2011; Miyata et al., 2011). Ensaio de Toxicidade contra Fibroblastos de Pulmão, Macrófagos e Hepatócitos As chalconas que exibirem CIM igual ou inferior a 10 μM serão selecionadas para ensaios de toxicidade contra fibroblastos pulmonares humanos MRC-5 (ATCC CCL-171), macrófagos murinos J774A.1 (ATCC TIB-67) e hepatócitos humanos HepG2 (ATCC HB- 8065), segundo a metodologia utilizada por Pavan e colaboradores (Pavan et al., 2010). Serão calculados os índices de seletividade das chalconas: IS (macrófago) = CI50 (macrófago)/CIM (H37Rv); IS (fibroblasto) = CI50 (pneumócito)/CIM (H37Rv) e IS (hepatócito) = CI50 (hepatócito) / CIM (H37Rv). Ensaio contra as Formas Intramacrofágicas de Mycobacterium tuberculosis As chalconas que demonstrarem IS (macrófago) igual ou superior a 10 serão selecionadas para os ensaios de inibição das formas intramacrofágicas de M. tuberculosis. O ensaio será realizado com a cepa de M. tuberculosis Erdman (ATCC 35801), contendo o plasmídeo pSMT1, segundo a técnica proposta por Snewin e colaboradores (Snewin et al., 1999). Resultados e discussões Como resultado preliminar tem-se a obtenção da BVC, com rota de síntese descrita no Esquema 3, onde obteve-se um rendimento global de 26 %, como também a confirmação estrutural por RMN 1H (Figura 2), além de pureza de 97% obtida por CLAE a 254 nm e logP igual a 3,6 (Figura 3). Esquema 3. Rota sintética de BVC (1). 273

274

Figura 2. Espectro de RMN 1H da BVC para confirmação estrutural.

δH (Acetone-d6) 1.72 (3H, d, J=0.8 Hz, CH3), 3.30 (2H, d, J=7.0 Hz, Ph–CH2CH), 5.26–5.30 (1H, m, C CHCH2), 6.95 (2H, d, J=8.5 Hz, C3H e C5H), 7.75 (2H, d, J=8.5 Hz, C2H e C6H), 7.96 (1H, s, C6′H), 13.53 (1H, s, OH). 275

Figura 3. Cromatograma de CLAE da BVC a 254 nm, obtido em equipamento Agilent 1220 Infinity LC e do software: Agilent Chemstation, volume de injeção 20 µL, fase móvel: metanol:água (3:1) com 0,1% de ácido acético, tempo de corrida: 60 minutos.

Outros resultados preliminares foram as sínteses dos análogos p-metoxilado (9) e p- metilado (10) da BVC que podem ser observadas no Esquema 4. As substâncias 9 e 10 foram sintetizadas e necessitam ser purificadas por coluna de sílica para que se possa calcular o rendimento geral das reações, além de ser necessário a confirmação das estruturas por RMN e também a pureza por CLAE. Esquema 4. Rota sintética dos análogos metoxilado e metilado de BVC (9-10)

Conclusão Diante dos resultados preliminares, espera-se que a BVC e seus análogos apresentem potente atividade bacteriana. Além dos resultados alcançados pelo projeto terem seu potencial como objeto de patente avaliado juntamente à AUIn, permitindo o registro de propriedade intelectual. Em caso positivo, os resultados estarão amplamente disponíveis e utilizáveis, seja de forma gratuita ou por meio da comercialização por licenciamento ao setor empresarial, ou mesmo para a criação de oportunidades empreendedoras de base tecnológica para esta comercialização. Após as avaliações relativas à propriedade intelectual, os resultados serão disseminados na forma de publicações em periódicos de seletiva política editorial e anais de congressos, disponibilizando as conclusões à comunidade científica.

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Apoio Financeiro Os autores agradecem à CAPES pela concessão de bolsa, e ao CNPq e a FAPESP pelo financiamento.

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Caracterização de cepas de Staphylococcus aureus isoladas de pele e narinas de crianças com dermatite atópica

Maria Isabella Menezes Macedo Assunção¹, Lorrayne Cardoso Guimarães¹, Dennis de Carvalho Ferreira², Simone Saintive⁴, Eliane de Dios Abad⁴ e Kátia Regina Netto dos Santos¹

¹Instituto de Microbiologia Paulo de Góes, Universidade Federal do Rio de Janeiro, ²Universidade Estácio de Sá, ³Universidade do Estado do Rio de Janeiro, ⁴Instituto de Pediatria Martagão Gesteira, Universidade Federal do Rio de Janeiro

A dermatite atópica (DA) é uma doença inflamatória crônica que afeta principalmente pacientes pediátricos, sendo estes altamente colonizados por Staphylococcus aureus, um patógeno de importância médica. Em geral, S. aureus resistentes à meticilina (MRSA) codificam o gene mecA, que confere resistência a β-lactâmicos, uma classe de antimicrobianos frequentemente usados para o tratamento de infecções estafilocócicas. O tratamento usual para DA visa atenuar as manifestações da doença e infecções frequentes devido à perda da integridade da barreira epitelial. Portanto, o objetivo deste estudo foi caracterizar S. aureus isolado da pele e narinas de 30 crianças com DA com idade entre dois e dez anos. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética sob o número 55087616.0.0000.5264. Foram coletados três swabs: um de pele com lesão típica da doença, um de pele sem lesão e um de narinas. Eles foram inoculados em ágar manitol salgado (MSA), e a espécie bacteriana foi determinada usando MALDI-TOF-MS e PCR. Amostras de S. aureus de pele com lesão e narinas foram avaliados quanto à suscetibilidade antimicrobiana por disco-difusão e presença do gene mecA por meio de PCR. O perfil de colonização por S. aureus foi: 29 (96,6%) crianças colonizadas nas narinas, 30 (100%) na pele lesionada e 24 (82,75%) na pele sem lesão. Todos as 62 amostras de S. aureus de pele com lesão e narinas foram sensíveis à mupirocina e clindamicina, enquanto, para sulfametoxazol- trimetoprim, duas apresentaram resistência intermediária. Quinze amostras (oito de pele lesada e sete de narinas), colonizando sete (23,3%) crianças com DA moderada ou grave, eram MRSA (resistentes à cefoxitina e apresentavam o gene mecA). Pacientes com DA apresentam alta prevalência de colonização por S. aureus, fator que pode exacerbar o quadro inflamatório e resultar na diminuição da biodiversidade na microbiota comensal. Além disso, neste estudo, foi observado um elevado número de crianças colonizadas por MRSA. A prevalência de MRSA na DA está associada a um aumento da gravidade da doença, o que leva ao ciclo vicioso da doença. Portanto, devido ao aumento de cepas MRSA, estratégias que visam um melhor entendimento sobre a disseminação e epidemiologia das cepas de MRSA são necessárias, ressaltando a importância da vigilância contínua e preventiva nessa população. Palavras-chave: dermatite atópica, Staphylococcus aureus, resistência à meticilina

Apoio financeiro: CNPq, FAPERJ, CAPE

278

Análise do perfil proteômico de Trichophyton rubrum utilizando meio de cultura contendo queratina revela proteínas envolvidas na infecção superficial.

Abreu, M.H.1, Cabral, H.2, Marins, M.1, Fachin,A.L.1

1 Universidade de Ribeirão Preto – UNAERP 2 Universidade de São Paulo – USP

Introdução Os dermatófitos são um grupo de fungos intimamente relacionados que podem invadir tecido queratinizado (pele, cabelo e unhas) causando infecções denominadas dermatofitoses, comumente referidas como micoses. A prevalência global de dermatofitoses estimada é em torno de 20%-25% (ZHAN; LIU, 2017). Dentre os tipos existentes a onicomicose, uma infecção fúngica que afeta as unhas, é considerada a onicopatia mais prevalente no mundo (BASWAN et al., 2017). Trichophyton rubrum é o agente etiológico mais comum de casos clínicos de dermatofitoses humanos em todo o mundo (ACHTERMAN; WHITE, 2012a, 2012b; MARTINEZ et al., 2012) sendo responsável por 50%-90% das dermatofitoses em humanos (LEE et al., 2015). A infecção geralmente envolve a pele e é restrita às camadas cornificadas, como unhas, estrato córnio e cabelo, porém em hospedeiros imunocomprometidos, T. rubrum pode alcançar uma invasão dérmica profunda (RODWELL et al., 2008; SEÇKIN; ARIKAN; HABERAL, 2004). Ainda que não seja geralmente fatal, as infecções causadas pelo T. rubrum são muitas vezes difíceis de eliminar completamente e comprometem a qualidade de vida dos pacientes (ACHTERMAN; WHITE, 2012a; LENG et al., 2009; NENOFF et al., 2014). Embora as infecções por dermatófitos sejam tratáveis, há uma alta taxa de reinfecção; que pode ser devido a à recaída (o fungo não foi completamente erradicado durante o tratamento) ou a uma nova infecção (GUPTA; COOPER, 2008). Apesar da importância e prevalência desta infecção fúngica, a base molecular detalhada da patogênese T. rubrum permanece desconhecida (LENG et al., 2009). As proteases são consideradas fatores chave para o sucesso da infecção provocada por dermatófitos, pois além de serem fundamentais para a assimilação de nutrientes a partir das proteínas digeridas, existem indícios sobre seu papel na adesão ao hospedeiro (JOUSSON et al., 2004; MONOD et al., 2005). Em meio contendo queratina, verificou-se que T. rubrum secreta várias proteases capazes de degradar o substrato protéico em aminoácidos e peptídeos curtos para assimilação. Além disso, quatro proteases secretadas por T. rubrum foram detectadas em onicomicose (em leito ungueal infectado) por espectrometria de massas e análise de Western blot, a protease 6 subtilisina (Sub6), a protease 7 subtilisina (Sub7), a dipeptidil peptidase 5 ( DppV) e a leucina aminopeptidase 2 (Lap2) (MÉHUL et al., 2016). A secreção de enzimas proteolíticas por dermatófitos tem sido considerada um fator- chave na invasão, utilização e posterior disseminação dos fungos através do estrato córneo do hospedeiro (APODACA; MCKERROW, 1990). No entanto, os padrões de expressão e a dinâmica desses genes que codificam proteases ainda não são claros ao longo da infecção hospedeira. Durante a interação fungo hospedeiro, a expressão genica do patógeno é geralmente modulada por sinais do hospedeiro. Entender padrões e dinâmicas de expressão genética de patógenos pode fornecer uma visão dos mecanismos patogenéticos e sua importância no processo de infecção do hospedeiro (LENG et al., 2009). Sabe-se que em um meio contendo proteínas como única fonte de nitrogênio e carbono, os dermatófitos secretam um grande número de proteínas, especialmente proteases capazes de degradar o substrato em compostos que podem ser assimilados pelo fungo (JOUSSON et al., 279

2004; MONOD et al., 2005). Similarmente, para degradar as estruturas queratinizadas do hospedeiro durante o processo infeccioso, crê-se que os dermatófitos segregam um repertório de enzimas que podem, portanto, ser considerados como atributos de virulência destes fungos. Além disso, algumas dessas proteínas secretadas podem ser responsáveis pela afinidade seletiva que os dermatófitos tendem a ter em um hospedeiro e local de infecção específicos (GIDDEY et al., 2007b). (GIDDEY et al., 2007a) apresentou as principais proteases segregadas por dermatofitos crescendo em condições que promovem a atividade proteolica extracelular, que é necessaria para a degradação de tecidos queratinizados do hospedeiro. Dentre as proteínas identificadas continha, além de conhecidas famílias de proteases, muitas outras hidrolases e proteínas de função desconhecida. Ainda assim, será importante caracterizar em detalhe o possível papel destas enzimas na patogênese fúngica. A padronização de um meio de cultura adequado para estudar as proteínas envolvidas na infecção, além dos avanços na tecnologia proteômica e a disponibilidade de dados das sequencias genômicas homólogas de outras espécies fúngicas relacionadas tornam possível a identificação global de proteínas secretadas em dermatófitos e a melhor compreensão do efeito dessas proteínas na patogenicidade destes fungos. Devido à prevalência das infecções provocadas por T. rubrum e sua natureza antropofilica este fungo torna-se um bom modelo para o estudo de fungos filamentosos patogênicos humanos. O estudo desse organismo permite aos pesquisadores desenvolverem hipóteses de como os dermatófitos se adaptaram ao hospedeiro e os fatores de virulência determinantes para o estabelecimento das infecções fúngicas e também entender o processo de surgimento de resistência a múltiplas drogas (LENG et al., 2008, ZHENG et al., 2019) Nos últimos anos, as tecnologias genômicas e proteômicas forneceram novos recursos para compreender os processos de patogenicidade de fungos de interesse clinico. Metodologias de análise de genes de alto desempenho têm sido usadas para obter informações sobre o genoma de dermatófitos e sobre seus perfis de expressão em diferentes condições experimentais (BURMESTER et al., 2011; DIDEHDAR et al., 2016; PERSINOTI et al., 2018). Projetos de seqüenciamento de genoma completo foram realizados para vários dermatófitos importantes. Esses estudos forneceram grandes quantidades de informações valiosas para elucidar a base molecular da invasão do hospedeiro por dermatófitos, sua virulência e seus mecanismos de resistência antifúngica (PAOLETTI et al., 2005).

Objetivo Este trabalho teve como objetivo avaliar o perfil proteico diferencial de T.rubrum cultivado em meio minimo e meio mínimo contendo queratina.

Material e método Suspensões de conídios (1x106 conídios/mL) foram adicionadas em quintuplicata nos meios de cultivo a) Meio mínimo de Cove (COVE, 1966) suplementado com 70 mM de nitrato de sódio e 50 mM glicose (Sigma, e b) Meio mínimo de Cove (COVE,1966) suplementado com 5% de queratina bovina e foram incubados por 10 dias com agitação de 150 rpm a 28ºC. Em seguida, os micélios foram filtrados, realizada a quantificação de proteínas, focalização isoelétrica e eletroforese em gel bidimensional (2D).

280

Resultados

Os valores obtidos da quantificação de proteínas estão apresentados na tabela abaixo: Tabela 1: Quantificação de proteínas

Amostra Absorbância Meio Mínimo 1,057 Meio com queratina 0,732

As imagens obtidas no teste inicial mostraram diferentes padrões de proteínas expressas nos meios de cultivo (meio mínimo e meio mínimo adicionado de queratina) (Figura 1).

Figura 4 Imagem de gel 2D de proteínas secretadas de T. rubrum cultivados em Meio Minimo e em Meio contendo queratina por 10 dias

281

Conclusão Ao analisarmos os géis podemos concluir que o T. rubrum modula a expressão de proteínas na presença de substratos que simulam a infecção, como a queratina. A secreção de queratinases possibilita o estabelecimento do dermatófito no extrato córneo do hospedeiro e a progressão da infecção superficial.

Futuras direções Como observamos a diferença de padrão de proteínas entre os dois géis, os próximos passos serão sequenciar as bandas de proteínas diferenciais em meio mínimo com queratina afim de identificar as queratinizes envolvidas na infecção superficial.

Apoio financeiro: PROCESSO FAPESP 2019/10514-8

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Avaliação da ação antifúngica de curcuminóides contra o dermatófito Trichophyton rubrum.

PETRUCELLI M.F¹., MARINS M¹., DIMMOCK J²., FACHIN A¹.

¹ Unidade de Biotecnologia, Universidade de Ribeirão Preto, UNAERP, Brasil. ² Universidade de Saskatchewan, Saskatoon, SK, Canadá. Introdução Dermatofitoses são infecções superficiais causadas por um grupo de fungos filamentosos denominados de dermatófitos que infectam tecidos ricos em queratina para utilizá- la como fonte de nutrição no processo infeccioso (ACHTERMAN; WHITE, 2012; PERES et al., 2010; ZHAN; LIU, 2017a). São clinicamente denominadas de tineas ou micoses seguido do local anatômico do corpo que é acometido (ACHTERMAN; WHITE, 2012; NENOFF et al., 2014; ZHAN; LIU, 2017a). Estas infecções estão entre as infecções fúngicas mais comuns no mundo (ZHAN; LIU, 2017a; ZHENG et al., 2019) e estima-se que que esta doença afete em torno de 20-25% da população mundial, tornando-se um problema de saúde pública (FAWAY; LAMBERT DE ROUVROIT; POUMAY, 2018; GNAT et al., 2019; ZHAN; LIU, 2017). Apesar de apresentar um caráter superficial, as dermatofitoses afetam tanto pessoas sadias como imunocomprometidas, sendo que neste último caso, podem se tornar infecções profundas devido à imunossupressão do paciente. Além deste grupo de risco, pessoas que apresentam distúrbios circulatórios e metabólicos como diabetes mellitus, obesidade, psoriasis e hiperhidrose, estão mais propensas às dermatofitoses, em especial as que acometem os pés e unhas. Fatores genéticos também favorecem o aparecimento desta patologia, especialmente quando há deficiências do sistema imune inato (MARTINEZ-ROSSI; PERES; ROSSI, 2017). Em pacientes imunodeprimidos, as dermatofitoses podem envolver tecidos subcutâneos e até órgãos profundos, tornando-se uma doença com risco de morte na ausência de tratamento adequado. Além destes fatores patológicos, o aumento da prática de atividades esportivas e o envelhecimento também contribuem para o aumento contínuo da prevalência das dermatofitoses (FAWAY; LAMBERT DE ROUVROIT; POUMAY, 2018). Os dermatófitos abrangem 52 espécies e são divididos em 9 gêneros: Trichophyton, Microsporum, Epidermophyton, Arthroderma, Lopophyton, Nannizia, Ctenomyces, Guarromyces e Paraphyton (MERCER; STEWART, 2019). Dentre os fungos causadores de dermatofitoses em humanos, o fungo filamentoso T. rubrum (Trichophyton rubrum) é o principal causador de infecções cutâneas de pés, unhas e corpo (ANTUORI et al., 2019), sendo o agente causador de cerca de 69,5% dos casos de micoses humanas (HUBE et al., 2015) . Este fungo apresenta colônias brancas, de aspecto macio, fenotipicamente variável quanto à coloração vermelha do reverso da colônia e ao grau de susceptibilidade à antimicóticos. O dermatófito T. rubrum, apresenta pronunciada atividade de queratinases na temperatura e pH normais da pele humana, favorecendo a adaptação deste fungo ao hospedeiro humano. Além disso, as infecções causadas por ele tendem a ser crônicas com potencial de propagação para outros sítios anatômicos (ZHENG et al., 2019). Fungos como T. rubrum vêm apresentando resistência a alguns antifúngicos comercialmente utilizados para o tratamento das dermatofitoses, como por exemplo, antifúngicos azólicos (MONOD et al., 2019) e ao antifúngico terbinafina, que é o mais indicado para o tratamento de dermatofitoses humanas (OSBORNE et al., 2005; RUDRAMURTHY et al., 2018; SCHØSLER et al., 2018; YAMADA et al., 2017). Paralelamente ao desenvolvimento de antifúngicos sintéticos, atenção tem sido focada no estudo de produtos naturais com atividade antifúngica, como por exemplo, a curcumina e suas modificações estruturais, que podem ser mais potentes e eficazes, podendo também apresentar atividade anti-inflamatória (NEGRI et al., 2014). 283

Os constituintes químicos da curcumina, oriunda de Curcuma longa, têm sido bastante utilizados na medicina tradicional. Ela apresenta diversas atividades farmacológicas, como por exemplo, anti-inflamatória, antifúngica e antimicrobiana (SAHEBKAR et al., 2013). De acordo com as pesquisas, a curcumina tem sido utilizada oralmente e topicamente para tratamentos de pele, que inclui parasitas, infecções, feridas infecciosas, inflamação e psoríase (VAUGHN; BRANUM; SIVAMANI, 2016). Brasch; Beck-jendroschek; Mahn, (2018) demonstraram que a curcumina dissolvida em DMSO combinada ao uso de inibição fotoquímica apresentou efeito inibitório no crescimento fúngico de várias linhagens de T. rubrum no período de 9 dias. Os compostos naturais são considerados moléculas interessantes e promissoras, e suas estruturas químicas simples permitem sua síntese de forma segura, barata e direta (NARENDER; PAPI REDDY, 2007), como também facilitam a modificação da sua estrutura afim de melhorar a atividade biológica. Levando em conta as características dos compostos naturais, juntamente com a crescente necessidade de novos medicamentos, essas moléculas e seus derivados são fontes alternativas promissoras para o desenvolvimento de novos agentes antifúngicos. Além disso, efeitos combinatórios de produtos naturais com drogas sintéticas e comerciais pode representar novas estratégias para terapias antifúngicas (MARTINEZ-ROSSI et al., 2018). Desta forma, estudos que avaliem o efeito da curcumina e seus análogos na ação antifúngica contra T. rubrum pode representar uma estratégia importante para a descoberta de compostos naturais que possam ser utilizados futuramente na prospecção de novos antifúngicos. Objetivos O objetivo principal deste trabalho foi o de avaliar o efeito antifúngico de curcuminóides sinteticamente modificados contra o dermatófito T. rubrum.

Metodologia Linhagem de Trichophyton rubrum Foi utilizada a linhagem sequenciada pelo Broad Institute (Cambridge, MA, EUA) CBS 118892 (CBS-KNAW Fungal Biodiversity Center, Utrech, The Netherlands), sendo cultivada em meio de cultura Ágar Sabouraud (Oxoid, Hampshire, UK) por 15 dias a 28º C, segundo os métodos previamente descritos por (BITENCOURT et al., 2016). Produtos naturais Para os ensaios biológicos foram utilizados 4 curcuminóides (cetonas alfa beta insaturadas conjugadas) cedidos pelo prof Jonathan Dimmock da University of Saskatchewan do Canadá. Os compostos foram diluídos em DMSO para uma solução estoque na concentração de 20 mM. Determinação da Concentração inibitória mínima (CIM) dos curcuminóides contra T.rubrum. O ensaio foi realizado de acordo com o método de referência de sensibilidade à antifúngicos M-38-A do Clinical and Laboratory Standards Institute (CLSI, 2002). A solução de conídios foi preparada a partir de placas de T. rubrum crescidas por aproximadamente 15 dias a 28º C. A superfície micelial foi retirada das placas com uma espátula estéril e transferidas para um tubo plástico contendo cerca de 10 mL de solução salina 0,9%. A solução foi filtrada em funil com lã de vidro e sua absorbância foi aferida para uma densidade óptica de 0,125-0,155 em um comprimento de onda de 530 nm. Essa suspensão foi diluída 1:50 em meio RPMI (Sigma) contendo os tampões bicarbonato e hepes. A solução estoque dos curcuminóides em DMSO foi diluída para a concentração de 100µM, em meio RPMI, cuja concentração final no poço ficou em 50µM. A microdiluição seriada dos compostos naturais foi realizada em placas de 96 poços fundo em “U”. O fluconazol 284

foi utilizado como controle. Também foi realizado teste de citotoxicidade do solvente (DMSO) utilizado na diluição dos compostos. A concentração final de DMSO foi de 0,1% (não alterando no crescimento fúngico). Os experimentos foram realizados em triplicata em três experimentos independentes. As placas de 96 poços foram incubadas em estufa à 28°C por 7 dias para avaliar o crescimento microbiano. A concentração inibitória mínima foi avaliada através de análise visual do crescimento fúngico em cada poço sendo determinada como CIM a menor concentração aonde não foi possível identificar macroscopicamente o crescimento do fungo. Foi retirada uma alíquota de 100 µL do poço que apresentou a concentração definida como CIM e dos 3 poços com concentrações superiores ao valor de CIM para análise da concentração fungicida mínima. Estas alíquotas foram plaqueadas em meio Ágar Sabouraud (Oxoid, Hampshire, UK) e incubadas em estufa por 7 dias à 28ºC. A concentração fungicida mínima foi definida como a concentração em que não foi possível observar macroscopicamente o crescimento do fungo em meio Ágar Sabouraud, demonstrando que nesta concentração o fungo não estava viável.

Resultados Os resultados correspondentes a ação antifúngica dos curcuminóides testados estão expostos na tabela abaixo.

Tabela 1: Determinação da Concentração Inibitória Mínima (CIM) e da Concentração Fungicida Mínima (CFM) dos curcuminóides contra T. rubrum Composto CIM (µM) CFM (µM) Curcuminóide 2091 6.25 6.25 Curcuminóide 2162 6.25 12.5 Curcuminóide 2317 12.5 25 Curcuminóide 2329 12.5 25 Fluconazol 15.62 N/D* *Não determinado Conforme mostrado nos resultados, os curcuminóides mostraram-se efetivos contra T. rubrum com valores de CIM menores do que quando comparado ao antifúngico comercial Fluconazol. De fato, a ação fungicida da curcumina já é discutida na literatura científica conforme mostrado por (BRASCH; BECK-JENDROSCHEK; MAHN, 2018; MA et al., 2019; PAUL; MOHANRAM; KANNAN, 2019). Apesar de ser um agente terapêutico promissor, a baixa biodisponibilidade da curcumina ainda é um desafio. A sua baixa solubilidade aquosa tende a ser degradada no trato gastrointestinal no sistema fisiológico, sendo então rapidamente eliminada pelo organismo, diminuindo a sua biodisponibilidade (PAUL; MOHANRAM; KANNAN, 2019). Sendo assim a utilização de análogos de curcumina modificados estruturalmente, como os apresentados neste trabalho, tornam-se atraentes para aproveitar os benefícios terapêuticos da curcumina e avaliar se estas modificações podem influenciar na sua solubilidade e consequentemente na biodisponibilidade da droga no organismo. Os curcuminóides testados possuem pequenas modificações em suas estruturas (dados não mostrados) e conforme os resultados apresentados na tabela 1, podemos sugerir que estas 285

modificações podem influenciar na ação fungicida dos compostos, já que foram observados valores de CFM diferentes entre os compostos. Apesar de apresentarem pronunciada ação fungicida contra o dermatófito T. rubrum, estudos relacionados à citotoxicidade dos compostos em células humanas e futuros estudos sobre como estas modificações estruturais podem influenciar na biodisponibilidade da droga ainda necessitam ser realizados.

Conclusão Os resultados mostraram uma ação fungicida efetiva dos curcuminóides testados contra o dermatófito T. rubrum. Estudos futuros ainda necessitam ser realizados para avaliar como as modificações estruturais presentes em cada curcuminóide pode influenciar na sua atividade fungicida, assim como a citotoxicidade destes compostos em células humanas.

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Apoio Financeiro Agradecimento à CAPES pela concessão de bolsa de doutorado para Petrucelli M. F e a FAPESP pelo apoio financeiro ao projeto processo nº 2019/10514.

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Análise da qualidade microbiológica do ar de um hospital e maternidade localizado no oeste do paraná Torres, M.K. 1, Bozz, D.2, Agustini, M.A.B.1

1. INTRODUÇÃO

A utilização de ambientes sem contato com ar natural, ou seja, ambientes com climatização artificial, tem se tornado cada vez mais comuns na atualidade. Tal aumento deve- se à fatores como estética predial, isolamento acústico e também controle artificial da temperatura interna, critérios de grande relevância quando considerado o conforto dos usuários. Proporcionalmente, a preocupação com a qualidade do Ar Interior (QAI) também se tornou relevante, uma vez que esses locais costumam ter importante participação no contágio de doenças causadas por agentes bioaerossóis (GIODA, 2003). Na maioria das vezes a má qualidade do ar está diretamente ligada à falta de manutenção de equipamentos de climatização, como os filtros de ar condicionados, o que reforça ainda mais a preocupação com a higiene desse tipo de equipamento. Em resumo, a análise da QAI é ainda mais importante e indispensável quando são levados em consideração ambientes hospitalares, principalmente aqueles que prestam atendimentos a pessoas em tratamento de câncer ou imunodeficientes. Nessas situações, casos de infecções hospitalares e agravamentos no quadro de saúde dos usuários, podem estar diretamente ligados a esse assunto (QUADROS et al., 2009). Além disso, segundo a ANVISA (2010), a área de um ambiente hospitalar é classificada de acordo com o risco de contaminação biológica a que está sujeito o seu usuário. Dessa forma, áreas críticas são aquelas em que existe alto risco de transmissão de infecções, onde se encontram pacientes imunodeprimidos; áreas semicríticas são locais onde estão presentes indivíduos com doenças com baixa taxa de transmissibilidade, e por último, áreas não críticas, que são áreas onde não há presença de pacientes contaminados e não são feitos procedimentos de risco. A Portaria nº 3.523 de 28 de agosto de 1998 do Ministério da Saúde, estabelece medidas referentes a manutenção dos sistemas de climatização, tendo como objetivo minimizar o risco potencial à saúde dos usuários, em face da permanência prolongada em ambientes dotados de sistemas de ar condicionado. De modo complementar, a instrução normativa Nº 2, de 16 de janeiro de 2003 estabelece valores máximos recomendáveis para contaminação microbiológica (≤ 750 ufc/m3 de fungo e relação I/E ≤ 1,5, onde I é a quantidade de fungos no ambiente interior e E é a quantidade de fungos no ambiente exterior). O guia Técnico de Qualidade do ar em espaços interiores da Agência Portuguesa do Ambiente, em sua nota técnica NT-SCE-02, determina o máximo de UFC para bactérias (<500 UFC/m3 de ar). Vale ressaltar que não há valores máximos permitidos para contagens bacterianas segundo a legislação brasileira. Portanto, vale ressaltar a importância da análise microbiológica do ar em ambiente hospitalares, pois a má qualidade do ar pode ser fator de influência direta e significativa na recuperação e ocorrência de infecções em pacientes, que estão com seus sistemas imunológicos comprometidos dentro dessas unidades.

2. OBJETIVOS

2.1. Objetivo Geral Avaliar a qualidade microbiana do ar em um Hospital e Maternidade localizado no oeste do Paraná.

288

2.2. Objetivo Específicos

 Quantificar e identificar bactérias gram negativas e fungos (bolores e leveduras) nos diferentes ambientes hospitalares (Recepção, pronto socorro, unidade de terapia intensiva (UTI), centro cirúrgico, quarto e área externa);  Determinar a relação entre número de unidades formadoras de colônia do ar interno e o ar externo para fungos e bactérias;  Avaliar a situação dos ambientes hospitalar (Recepção, pronto socorro, unidade de terapia intensiva (UTI), centro cirúrgico, quarto e área externa) no que se refere a qualidade microbiológica do ar, frente às legislações.

3. METODOLOGIA

3.1. Coleta e amostragem

A quantificação de fungos e bactérias no ar interno do ambiente hospitalar foi obtido utilizando-se do método da sedimentação espontânea em placas de petri (PASQUARELLA et al., 2000). A análise da qualidade microbiológica do ar foi realizada semanalmente nos dias 07, 15 e 21 do mês de outubro de 2019, no período da manhã, por volta das 08h00. Utilizaram-se 5 placas de Petri para fungos em meio Ágar Dicloran Rosa Bengala - DRBC e 5 placas de meio MacConkey para bactérias com exposição de 30 (trinta) minutos, a uma altura de aproximadamente 1,5 metros do solo em cada ambiente distinto do hospital, sendo eles: Quarto; pronto socorro; unidade de terapia intensiva (UTI); centro cirúrgico; recepção e área externa. No total foram usadas 60 (sessenta) placas por semana de coleta.

3.2. Análises microbiológicas

Para a quantificação de bactérias Gram Negativas utilizou-se o meio de cultura Ágar MacConkey, e para fungos, o meio DRBC. Esses meios foram espargidos em placas de Petri estéreis de 80 mm para coleta de bactérias e de 90 mm para a coleta de fungos. Depois de preparadas, as placas foram acondicionadas para serem levadas até o ponto de coleta. As concentrações bacterianas e fúngica foram determinadas colocando as placas de Petri a uma altura de aproximadamente 1,5 metros do solo, realizadas em cinco repetições. Após as placas serem recolhidas e armazenadas em uma caixa de isopor, foram levadas até a Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), Campus Medianeira, onde foram incubadas em estufas no laboratório de Microbiologia, sendo o meio DRBC em temperatura de 26°C por 7 (sete) dias e o meio MacConkey a 35°C por 2 (dois) dias. Acrescentasse que a análise da qualidade microbiológica do ar do ambiente hospitalar foi realizada semanalmente, nos dias 07, 15 e 21 do mês de outubro 2019, no período da manhã, por volta das 08h00.

3.3. Quantificação e identificação de bactérias e fungos

A quantificação do número de unidades formadoras de colônias (UFC) seguiu o cálculo de Friberg e Burman (1999), através da equação 푛º 푈퐹퐶 = 푈퐹퐶 × 1 , que compreende á푟푒푎 (푚²) 23 a relação numérica do produto da contagem de unidades formadoras de colônias depositadas em uma superfície por um determinado tempo com a área exposta sobre a média de ar na superfície por ser um processo de sedimentação espontânea. 289

Na etapa de identificação das bactérias, utilizou-se a técnica de esgotamento em estrias para isolamento de cada cepa coletada, em meio Ágar MacConkey. A análise das bactérias para esse meio de cultura ficou restrita a identificação de espécies Gram Negativas, assim sendo utilizados os kits Bactray 1 e Bactray 2 da empresa Laborclin para tal procedimento. Esses kits consistem em identificar bacilo Gram Negativos oxidase negativo e Bacilos BGN oxidase negativo fermentadores ou não de glicose. Depois de isolados, os fungos filamentosos foram submetidos à técnica de micro cultivo, para permitir uma melhor observação de suas estruturas reprodutivas e, assim, poder identificá-los. A identificação dos fungos ocorreu através da chave taxonômica de Barnet e Hunter (1986) e os resultados foram expressos em unidades formadoras de colônias por metro cúbico de ar (UFC/m3).

4. RESULTADOS ESPERADOS

A tabela 1 apresenta as médias de UFC/m3 de ar para bactérias obtidas nos diferentes ambientes do hospital, assim como, as espécies identificadas.

Tabela 1 – Média de unidades formadoras de colônias de bactérias e espécies encontradas nos diferentes ambientes do Hospital Maternidade. 3 Sala de análise Média (UFC/m ar) Microrganismos Pseudomonas luteola Enterobacter sakazakii (Cronobacter Área externa 1090,4 sakazakii) Serratia liquefaciens

Acinetobacter baumannii Recepção 139,2 calcoaceticus Pseudomonas luteola

Pronto Socorro 162,4 -

UTI 139,2 -

Centro cirúrgico 23,2 -

Acinetobacter baumannii Quarto 343 calcoaceticus Pseudomonas luteola Fonte: Autoria própria.

De acordo com a Nota Técnica NT-SCE-02, a média de UFC/m3 de ar coletadas em meio de cultura Ágar MacConkey na área externa, ultrapassou o valor máximo recomendado, já os demais locais estudados permaneceram abaixo do limite determinado. 290

No entanto todas as bactérias identificadas são Gram negativas e possuem potencial patogênico alto, principalmente quando em contato com sistemas imunológicos debilitados, por esse fato são consideradas bactérias oportunistas. Observando os resultados obtidos, destacou-se a presença de Pseudomonas (Chryseomonas) luteola em três (3) dos seis (6) locais de coleta. P. luteola é uma espécie de bactéria que está relacionada a casos de peritonite, septicemia e endocardite. Esse tipo de infecção costumeiramente ocorre em pacientes adultos com o sistema imunológico debilitado e recém nascidos em estado imunossupressor transitório (WAFAE CHIHAB et al., 2004), o que reforça a preocupação da presença desse tipo de patógeno. Os estudos realizados também mostraram a presença de Acinetobacter baumannii em locais como recepção e quarto 8, sendo o segundo, local de constante permanência de pacientes fragilizados, seja por imunodeficiência ou por se encontrarem em recuperação pós cirúrgica. A espécie de A. baumannii quando em contato com a corrente sanguínea de humanos, pode causar um quadro de infecção generalizada, acarretando complicações na saúde e possivelmente o óbito do indivíduo contaminado. Muitas vezes a preocupação com esse tipo de bactéria se deve a resistência que apresentam à maioria dos antibióticos disponíveis para o tratamento de infecções (POLLACK, 2010). Amostras do ar externo da maternidade demonstraram a presença da bactéria Enterobacter sakazakii. Esse microrganismo patógeno costuma apresentar maior risco à crianças com até 1 ano de idade, sendo ainda mais letal aos prematuros e recém nascidos. Frequentemente a Enterobacter sakazakii é relacionada a doenças como meningite, sepse e enterocolite necrosante, sendo a última, a doença com maior taxa de mortalidade, cerca de 20% (SANTOS, 2006). Ainda na área externa, identificou-se a espécie Serratia liquefaciens. Essa bactéria é foco de diversos estudos que apontam presença de genes de resistência a antimicrobianos, principalmente aqueles usados constantemente em ambientes hospitalares. A partir de estudos feitos por Menezes (2004), foi possível perceber que cepas de Serratia sp em ambientes hospitalares, causam severos impactos negativos à saúde de pacientes internados, principalmente aqueles com imunidade debilitada, usuários de narcóticos ou drogas, podendo causar pneumonia, bacteremia e endocardite. Após a análise microbiológica do ar foi possível verificar que em cinco ambientes (área externa, recepção, pronto socorro, UTI e quarto), a concentração média de fungos coletados em meio de cultura DRBC, ultrapassou o valor recomendado pela resolução nº 09 ANVISA de 16 janeiro de 2003, em que o máximo de UFC para fungos deve ser menor que 750 UFC/m3 de ar, como pode ser observado na Tabela 2.

Tabela 2 – Média de unidades formadoras de colônias de fungos e gêneros encontrados nos diferentes ambientes do Hospital Maternidade 3 Sala de análise Média (UFC/m ar) Microrganismos

Penicillium sp. Alternaria sp. Área externa 3070,66 Trichoderma sp. Aspergillus sp. Aspergillus niger

Recepção 1363,62 - 291

3 Sala de análise Média (UFC/m ar) Microrganismos

Aspergillus sp. Clodosporium sp. Pronto Socorro 1048,58 Penicillium sp. Oidium sp.

Fusarium sp. Varicosporium sp. Penicillium sp. UTI 1083,87 Paecilomyces sp. Cladosporium sp. Alternaria sp.

Centro cirúrgico 277,66 Alternaria sp.

Phoma sp. Helicocephalum sp. Quarto 1433,56 Gliocladium sp. Rhizoctonia sp. Fonte: Autoria própria.

O elevado número de unidades formadoras de colônias de fungos nos ambientes internos do hospital estudado remete a possíveis problemas de falta de higienização dos sistemas de climatização artificial (ar condicionados), além da grande proliferação de fungos nas superfícies de constante contato com pacientes, como bancadas, maçanetas e lençóis utilizados nos quartos, indicando uma higienização ineficiente. Analisando a presença de fungos, notou-se que alguns deles (Alternaria sp, Penicillium sp, Aspergillus sp, Cladosporium sp e Fusarium sp) apresentavam maior potencial patogênico. De modo geral, esses fungos causadores de doenças, são oportunistas que afetam principalmente pacientes imunodeficientes. Como demonstrado na Tabela 2, a presença de Alternaria sp. foi confirmada em três (área externa, UTI e centro cirúrgico) dos seis locais de coleta, locais esses com presença constante de pessoas com saúde debilitada, como a UTI e centro cirúrgico. Reações alérgicas em ambientes hospitalares podem estar diretamente relacionadas a esse fungo. A Alternaria sp é constantemente relacionada a lesões cutâneas, ceratomicoses, doenças pulmonares e infecções no septo nasal em ambientes hospitalares (BOFF, 2011). A unidade de terapia intensiva (UTI) apresentou um quadro preocupante quanto a presença de fungos patogênicos, pois dos cinco fungos nocivos à saúde humana encontrados nesse estudo, três deles estavam presentes nesse local, sendo eles Penicillium sp, Cladosporium sp e Fusarium sp. O fungo Penicillium sp é um importante aliado na produção de antibióticos, porém em ambientes hospitalares, tem se tornado grande causador de ceratite, otites, sinusite, 292

infecções urinárias e pulmonares e quadros alérgicos. A presença de Cladosporium sp pode estar relacionada a casos de feo-hifomicoses em pacientes com saúde debilitada. Já o fungo Fusarium sp pode atingir, em humanos, tecidos superficiais ou mais profundos, podendo causar doenças como ceratite, micetomas e onicomicoses em pacientes imunossuprimidos (BOFF, 2011). Em ambientes como pronto socorro e área externa do hospital maternidade, foi encontrado o fungo Aspergillus sp. Esse tipo de fungo é encontrado em todo o tipo de superfície, crescendo e se desenvolvendo em uma ampla variedade de materiais orgânicos e pode estar relacionado com casos de infecções respiratórias, pois esse tipo de microrganismo penetra com facilidade no sistema respiratório humano (BOFF, 2011). A tabela 3 apresenta a média da relação I/E para UFC de fungos. Observa-se que em todos os ambientes avaliados, a relação atende à legislação que preconiza relação inferior a 1,5, o que sugere uma boa qualidade do ar local.

Tabela 3 – Média da relação interior/exterior de unidades formadoras de colônias de fungos obtidas a partir da relação de Friberg. Sala de análise Relação média interior/exterior Recepção 0,51 Pronto Socorro 0,48 UTI 0,36 Centro cirúrgico 0,15 Quarto 0,77 Fonte: Autoria própria.

A partir de uma análise dos resultados obtidos, é possível concluir, que a concentração de bioaerossóis para ambientes internos climatizados esteve de acordo com a Nota Técnica NT- SCE-02, a qual determina que o valor máximo recomendado de UFC para bactérias deve ser menor que 500 UFC/m3, exceto no ambiente externo. Após a análise microbiológica do ar foi possível verificar que em cinco ambientes (área externa, recepção, pronto socorro, UTI e quarto), a concentração média de fungos coletados ultrapassou o valor recomendado pela resolução nº 09 ANVISA de 16 janeiro de 2003, com a exceção do centro cirúrgico. Entretanto a relação interior/exterior está dentro dos valores permitidos. Recomenda-se novas coletas em um período de tempo maior, para que assim, o hospital possa ser avaliado com mais precisão de resultados e ressalta-se que é necessário investigar também a presença de bactérias do grupo gram-positivo, as quais não foram investigadas neste trabalho. É válido ressaltar que mesmo que a relação quantitativa de microrganismos avaliados nos estudos esteja de acordo com a legislação, a relação qualitativa ainda assim deve ser levada em consideração, uma vez que algumas espécies de bactérias e fungos encontrados, oferecem grandes riscos à integridade da saúde dos pacientes e usuários do hospital maternidade. Portanto, esta análise tem a objetividade de mostrar a importância do monitoramento da qualidade do ar de ambientes com sistemas de ar condicionado como forma mais eficaz de prevenção de microrganismos patogênicos que possam interferir na reabilitação do grupo alvo do hospital.

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Atividade antifúngica de óleos essenciais sobre espécies de Candida. RAFAEL, A.S.¹, DENISE, V.B.R.1, PEDROSO, R.S.1.

¹ Universidade Federal de Uberlândia. Uberlândia (MG), Brasil.

Introdução Espécies de Candida tem apresentando relativa importância nas últimas décadas pelo crescente registro como agente de infecções em humanos (MATTA; SOUZA; COLOMBO, 2017). Dentre as mais de 200 espécies que compõem o gênero, Candida albicans é o principal e mais frequente espécie relacionada a doenças, apesar da frequência de infecções por espécies de Candida não-albicans ter aumentado nos últimos anos (DIGNANI, SOLOMKIN, ANAISSIE, 2003; MATTA; SOUZA; COLOMBO, 2017). No Brasil, um estudo publicado em 2016 mostrou que espécies de Candida não-C. albicans representam 65,7% dos isolados infecções, com frequências variáveis entre as diferentes espécies: C. parapsilosis (24,1%), C. tropicalis (15,3%), C. glabrata (10,2%), C. krusei (1,5%), C. lusitaniae (0.7%), C. famata (0.7%) e C. guilliermondii (0.7%). (DOI et al., 2016). As infecções vaginais causadas por Candida spp. atingem até 75% das mulheres em algum período da vida, principalmente durante a idade reprodutiva (SILVA et al., 2017). C. albicans é a espécie mais frequente em cerca de 95% dos casos de candidiase vulvovaginal (COLOMBO et al., 2013). Candida tropicalis e C. parapsilosis também são relatadas como espécies de Candida não-albicans envolvidas em infecções vaginais (FELIX, RÖDER, PEDROSO; 2018). O amplo emprego de azóis, diferenças na duração e o uso como profilático, principalmente após a década de 80, podem contribuir com a explicação da redução da incidência de infecções por C. albicans e o aumento significativo por espécies de Candida não- C. albicans (EGGIMANN, GARBINO, PITTET; 2003). Como alternativas, diversas substâncias encontradas em produtos derivados de plantas medicinais apresentam mecanismos de ação de valor bioativo individual que, combinadas, tornam a ação mais efetiva contra bactérias e fungos de interesse a saúde, como nos casos dos óleos essenciais (REAUT; KARUPPAYIL, 2014). Assim, os óleos essenciais desempenham uma alternativa viável para a obtenção de derivados ativos, ou mesmo em seu uso bruto, contra microrganismos epidemiologicamente importantes. Diante disso, é importante avaliar a atividade antifúngica de óleos essenciais como uma proposta alternativa, mas também complementar, à terapia antifúngica convencional, amplamente utilizada para determinadas infecções humanas causadas por fungos. Objetivos Determinar a concentração inibitória mínima (CIM) e a concentração fungicida mínima (CFM) dos óleos essenciais de Cupressus sempervirens, Citrus limon, Litsea cubeba e Melaleuca alternifolia sobre C. albicans, C. glabrata, C. krusei e C. parapsilosis. Metodologia Cupressus sempervirens, Citrus limon, Litsea cubeba e Melaleuca alternifólia foram adquiridos da empresa FERQUIMA® (Vargem Grande Paulista, SP, Brasil). Os óleos essenciais foram solubilizados em dimetilssulfóxido (DMSO), diluídos em meio Roswell Park Memorial Institute (RPMI 1640, Sigma-Aldrich, St. Louis, MO, EUA) acrescido de glicose (0,2%) a fim de se obter concentrações variando entre 4000 µg/mL a 7,81 µg/mL. Foram avaliados dois isolados de cada uma das espécies, sendo um da coleção ATCC e outro isolado clínico de secreção vaginal (FELIX et al., 2017): Candida albicans (SV 01 e ATCC 90028), Candida glabrata (SV 02 e ATCC 2001) Candida krusei (SV 03 e ATCC 6258) e Candida parapsilosis (SV 04 e ATCC 22019). Os isolados foram mantidos em BHI-glicerol 295

á -20ºC e subcultivados em ágar Sabouraud dextrose (SDA) e ágar cromogênico candida, incubado por 24h a 37ºC para ativação do crescimento e avaliação da pureza dos isolados. A susceptibilidade antifúngica dos óleos essenciais foram avaliada pelo método de microdiluição em caldo de acordo com o protocolo adaptado M27-S4 do Clinical and Laboratory Standards Institute (CLSI, 2017). Foram utilizadas placas de cultura de células de 96 poços (OLEN, BRASIL). o inóculo foi ajustado para 1 × 10³ a 5 × 10³ células/mL. Como controle de qualidade foi utilizado C. parapsilosis ATCC 22019 e C. krusei ATCC 6258 (CLSI, 2008). As concentrações finais de anfotericina B e fluconazol variaram de 16 a 0,312 µg/mL e 64 a 0,125 µg/mL, respectivamente. A concentração inibitória mínima (CIM) foi determinada por espectofotometria a 490 nm. A CIM foi definida como a menor concentração capaz de inibir 90% do crescimento para a cepa. A concentração fungicida mínima (CFM) foi realizada pelo cultivo de alíquotas da série de diluições correspondente à concentração de óleo essencial, pelo subcultivo em ASD, e incubada por 72 h a 35ºC. A CFM foi determinada pela maior concentração onde não houve crescimento de colônias (NIKOLIC et al., 2017). Todos os testes foram realizados em duplicata. A avaliação da atividade anti-candida de acordo com a CIM foi considerada como efetiva quando CIM menor que 1000 µg/mL, intermediária entre 100 a 500 µg/mL e ação limitada com CIM acima de 1000 µg/mL (HOLETZ et al., 2002). A relação CFM/CIM determinou a atividade fungistática (≥ 4) ou fungicida (< 4) (SIDDIQUI et al 2013). Resultados e Discussão Quatro óleos essenciais foram testados em oito isolados de Candida. Os valores de CIM encontrados foram C. albicans, 2000 e 4000 μg/mL; C. glabrata, 2000 e 1000 μg/mL; e C. krusei, 2000 e 1000 μg/mL e C. parapsilosis 4000 e 4000 μg/mL, respectivamente para ATCC e isolado clínico ( Tabela 1).

Tabela 1. Concentração inibitória mínima (CIM) e concentração fungicida mínima (CFM) de óleos essenciais para espécies de Candida

Espécies de Candida (CFM e CIM µg / mL) C. albicans C. glabrata C. krusei C. parapsilosis

ATCC ATCC ATCC SV01 SV02 SV04 90028 ATCC 6258 SV03 22019 Óleos essenciais 2001 CFM CFM CFM CFM CFM CFM CFM CFM CIM CIM CIM CIM CIM CIM CIM CIM 4000 > 4000 4000 4000 4000 4000 > 4000 > 4000 C. sempervirens 2000 4000 2000 1000 2000 1000 4000 4000 1000 > 4000 4000 > 4000 > 4000 4000 4000 > 4000 C. limon 2000 4000 4000 4000 4000 1000 1000 4000 1000 4000 4000 4000 > 4000 1000 2000 4000 L. cubeba 1000 2000 2000 2000 1000 4000 1000 2000 2000 > 4000 4000 > 4000 4000 4000 4000 > 4000 M. alternifólia 4000 4000 4000 4000 4000 4000 4000 4000 Fonte: próprio autor. 296

Comparando entre isolados de mesma espécie, Litsea cubeba obteve menor CIM para C. albicans e C. parapsilosis, e Cupressus sempervirens para C. glabrata e C. krusei (Tabela 1). Todos os óleos apresentaram CIM acima de 1000, considerados de ação limitada pela metodologia de avaliação antifúngica. Estudo utilizando diversos produtos extraídos de plantas, dentre eles os óleos de C. sempervirens, C. limon, L. cubeba e M. alternifólia identificaram CIM menores que os encontrados nesse estudo (PEDROSO et al., 2019). Isso está relacionado com a origem dos óleos essenciais. Neste presente estudo foram utilizados óleos essenciais comerciais, e naquele estudo os óleos foram extraídos especificamente para o estudo. O modo de extração dos óleos, locais e condições de cultivo das plantas, e região geográfica da terra, inclusive o horário de colheita da matéria prima, podem levar a alterações nas composições dos óleos essenciais, refletindo na sua atividade biológica (REAUT; KARUPPAYIL, 2014). O óleo obtido da espécie Melaleuca alternifolia (tea tree), planta da familia Myrtaceae originária da Austrália, apresenta como Terpinen-4-ol, 1,8-cineol (eucaliptol), 훾-terpineno, 훼- terpineno, terpinoleno como substâncias predominantes com ação antifúngica (SWAMY et al., 2016). Em estudo de Mondello et al. (2006) foi demonstrado a atividade do óleo de M. alternifolia para diversas espécies de fungos, incluindo para C. krusei ATCC 6258 e C. parapsilosis ATCC 22019. Os controles C. krusei ATCC 6258 e C. parapsilosis ATCC 22019 testados para controle da eficiência dos testes apresentaram, respectivamente, os valores de CIM de 0,5 e 0,5 μg/mL com a anfotericina B e 1 e 32 μg/mL com fluconazol. Tabela 2. Relação CFM/CIM de óleos essências contra espécies de Candida Relação CFM/CIM de espécies de Candida

C. albicans C. glabrata C. krusei C. parapsilosis

Óleos essenciais ATCC ATCC ATCC ATCC SV01 SV02 SV03 SV04 90028 2001 6258 22019

C. sempervirens 2 -* 2 4 2 4 -* -* C. limon 0,5 -* 1 -* -* 4 4 -* L. cubeba 1 2 2 2 -* 0,25 2 2 M. alternifólia 0,5 -* 1 -* 1 1 1 -* -*: Não calculado. Fonte: próprio autor. A capacidade fungistática expressa pela maior relação CFM/CIM foi encontrada, respectivamente, em C. limon, C. sempervirens, M. alternifólia e L. cubeba. O isolado clínico de C. krusei SV03 demonstrou a menor relação para L. cubeba e C. albicans ATCC 90028 apresentou relações a todos os óleos (Tabela 2). O Citrus limon (Rutaceae) apresenta como constituinte em maior concentração o limoneno, seguidos de β-pineno, p-cimeno, β-bisaboleno (NIKOLIC et al., 2017). C. limon em comparação com este estudo, apresentou CIM e CFM com menores valores, entre 60 e 125 µg/mL e 250 a 1000 µg/mL, contrastando com menor potencial para M. alternifolia, com CIM e CFM entre 2.250 a 9.000 µg/mL e 4.500 a 18.000 µg/mL (NIKOLIC et al., 2017). Litsea cubeba espécie pertencente à família Lauraceae originária do sudeste asiático. Dos compostos presentes em diferentes estruturas da planta, como folhas, casca do caule e folhas, são extraídos o 1,8-cineol, limoneno, sabineno, terpinen-4-ol, hidrato de trans-sabineno, 297

α-pineno, α-terpineol, α-tujeno e β-pineno como substâncias comuns a todas as estruturas produtoras de óleos essenciais (THIELMANN; MURANYI, 2019). Das partes aéreas da espécie C. Sempervirens (Cupressaceae), planta ornamental cultivada na América do Sul, mediterrâneo e norte da África, se obtém os sesquiterpenos, (+) - cedrol, 훼-pineno e timol como principais ativos de ação anti-candida (IBRAHIM et al., 2017). Ainda, Ibrahim et al. (2017) apresentaram valores abaixo de CIM e CFM para C. albicans, C. glabrata, C. krusei e C. parapsilosis, em comparação.. Conclusão Conclui-se que todos os óleos essenciais avaliados apresentaram inibição de crescimento dos isolados testados, em concentrações relativamente altas, e a maioria apresentou também atividade fungicida. Considerando a variedade de componentes fitoquímicos que compõem os óleos essenciais observa-se a diversidade e a relevância do uso de produtos naturais como recurso alternativo e adjuvante à terapia para o tratamento de infecções superficiais causadas por Candida, reforçando a necessidade de estudos a respeito do potencial destes compostos. Referências

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O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES) – Código de Financiamento 001. Bolsa de Mestrado a RAS.

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Avaliação do potencial antitumoral de Lactobacillus sp. probióticos frente ao câncer colorretal induzido por 1,2-dimetilidrazina em ratos Wistar

ANSILIERO, R.1, ALMEIDA, C.A.2, PARIS, V.P.S.3, BARATTO, C.M.4

1,2,3Graduandos no Curso de Biotecnologia Industrial (Bacharelado) na Universidade do Oeste de Santa Catarina de Videira, Santa Catarina, Brasil; 4 Doutor em Ciências – Biologia Celular e Molecular pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul; Professor na Universidade do Oeste de Santa Catarina de Videira, Santa Catarina, Brasil;

1 INTRODUÇÃO

O câncer é um problema mundial, caracterizado pelo crescimento anormal de células além de seus limites habituais, induzindo a formação de tumores, que podem se espalhar para outras regiões do corpo (INSTITUTO NACIONAL DE CÂNCER, 2019). Nessa perspectiva, o câncer colorretal o terceiro tipo de câncer com maior incidência mundial (FERLAY et al., 2018). O mesmo acomete um segmento do intestino grosso (cólon) e o do intestino reto, acarretando em tumores que podem se espalhar para outras regiões do corpo (INSTITUTO NACIONAL DE CÂNCER, 2019). Em adição, acredita-se que a microbiota intestinal patogênica influencia na inflamação local, um dos fatores predisponentes mais relevantes para a tumorigênese do cólon, contribuindo para o desenvolvimento e progressão do câncer (URBANSKA, ZHANG, PRAKASH, 2015). Desta forma, linhagens probióticas têm sido obtidas para restaurar a barreira intestinal prejudicada, neutralizando efeitos deletérios na microbiota (BARZ et al., 2015). Os probióticos são microrganismos vivos que conferem benefícios ao hospedeiro (BARZ et al., 2015). Estudos em modelos de camundongos e humanos demostram resultados promissores entre o uso de probióticos, a patogênese e tratamento do câncer colorretal (HENDLER; ZHANG, 2018). No entanto, estudos sobre o tema ainda são escassos para formular resposta definitiva (DRAGO, 2019). A fim de constar respostas positiva em lesões intestinais cancerígenas após a administração de probióticos, é possível avaliar a expressão gênica de genes marcadores de apoptose e anti-inflamatórios (STEINBERG et al., 2014; PAIVA et al., 2016), tendo em vista que alterações na expressão gênica das células, com o acionamento de vias metabólicas distintas são características do câncer (FABRE et al., 2018). Com base no exposto objetiva-se avaliar o potencial antitumoral de Lactobacillus sp. probiótico frente ao câncer colorretal induzido por 1,2 dimetilhidrazina (DMH) em ratos, avaliando-se a expressão gênica de genes antitumorais e do sistema imunológico, pela técnica de Real Time – PCR (qPCR).

2 OBJETIVOS

Avaliar o potencial antitumoral de linhagens de Lactobacillus sp. probiótico frente ao câncer colorretal induzido por 1,2 dimetilhidrazina em ratos Wistar pela técnica de qPCR.

3 METODOLOGIA

O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética pelo protocolo número 04/2018. Linhagens com potencial probiótico de Lactobacillus casei, Lactobacillus curvatus, e Lactobacillus brevis pertencentes a coleção da UNOESC foram selecionadas. Para o estudo “in 300

vivo” foram utilizados ratos Rattus norvegicus Wistar machos, separadas em grupos contendo de 6 a 8 animais, com os tratamentos: Grupo 1- solução salina; Grupo 2 - DMH; Grupo 3 - DMH + L. curvatus; Grupo 4 - DMH + L. casei; Grupo 5 - DMH + L. brevis. O tratamento com probióticos foi realizado mediante gavagem (dose= 1-9x1010 UFC/dia), seis vezes na semana, durante 15 semanas. Após 15 dias de uso dos probióticos iniciou-se a indução de tumores colorretais usando a droga DMH (1,2-dimetilidrazina), na dose de 30 mg/kg, administrada intraperitonealmente (i.p), uma vez por semana, durante 13 semanas. Ao final do tratamento, as cobaias foram submetidas à eutanásia e o segmento colorretal foi coletado para análise da expressão gênica. A partir do segmento colorretal coletado realizou-se extração de RNA total e síntese de cDNA, o qual foi utilizado para análise da expressão gênica por qPCR. Foi avaliado o efeito das linhagens de lactobacilos sobre a expressão dos genes p53, IL-10, TNF-α e Bcl-2 no intestino de ratos, o gene GAPDH foi utilizado como controle interno. Os primers foram projetados conforme Silva (2013) e Steinberg et al. (2014). Para isso, foi utilizado o sistema SYBR Green/Rox e as reações seguiram de acordo com Perazzoli et al. (2017), realizadas em aparelho QuantStudio 3 Real-Time PCR System (ThermoFisher Scientific). A análise estatística foi realizada mediante a análise de variância (ANOVA) e teste de Tukey, consideradas diferenças estatisticamente significativas quando p < 0,05.

3 RESULTADOS E DISCUSSÃO

Observou-se que houve um pequeno aumento da expressão do gene p53 no grupo que recebeu apenas DMH, em relação aos demais grupos, entretanto estas diferenças não foram significativas estatisticamente. O gene p53 é o principal gene ligado ao câncer (NAKAYAMA, 2019), ativado por danos ao DNA, induzindo a parada do ciclo celular devido ao estresse decorrente (WINTER, 2014). Kandoth et al. (2013) e Yang (2015) demonstraram que a expressão do gene p53 é aumentada em carcinomas, uma explicação para tal está no fato que a proteína P53 está associada a indução a apoptose. A expressão do gene Bcl-2 foi menor nos grupos que receberam lactobacilos em relação ao grupo controle (solução salina) e DMH, o que poderia indicar um efeito potencial de proteção frente às lesões cancerígenas, entretanto essas diferenças não foram estatisticamente significativas. A família Bcl-2 está envolvida na regulação da apoptose das células cancerosas, possuindo papel fundamental na progressão do tumor e nas respostas à terapia (CHENG et al., 2017). Dentre os membros da família, o gene Bcl-2 possui papel essencial, sendo considerado um gene anti-apoptótico e sua superexpressão facilita a tumorigênese e a progressão do tumor (WINTER, 2014). Verificou-se que a expressão de transcritos do gene IL-10 foi maior no grupo DMH, em relação aos grupos que receberam probióticos e ao grupo controle (solução salina), diferindo estatisticamente pelo teste de Tukey (p<0,05; Gráfico 1).

301

Gráfico 1. Alteração da expressão de transcritos do gene IL-10.

Legenda: Valores expressos em média e desvio padrão. Letras diferentes diferem entre si pelo teste de Tukey (p<0,05).

O gene da interleucina 10 (IL-10) codifica uma citocina anti-inflamatória, a qual está diretamente ligada às células de defesa (FABRE et al., 2018), envolvida na manutenção da resposta intestinal imune e a supressão da inflamação associada ao câncer (CASAS-SOLÍS et al., 2019). Constou-se no presente estudo, que o aumento significativo de IL-10 no grupo DMH ocorreu para neutralizar a inflamação crônica causada por este composto (CASAS-SOLÍS et al., 2019), logo, os probióticos atenuaram o aumento de IL-10 exercido pelo mesmo, prejudicando o efeito pró-inflamatório da droga e estabilizaram os níveis dessa citocina aos de ratos controle saudáveis. A expressão do gene TNF-α (Gráfico 2) foi maior no grupo DMH, diferindo estatisticamente do grupo controle e com os tratamentos que receberam L. brevis e L. curvatus, sem apresentar diferença estatística com o grupo DMH + L. casei.

Gráfico 2. Alteração da expressão de transcritos do gene TNF-α.

Legenda: Valores expressos em média e desvio padrão. Letras diferentes diferem entre si pelo teste de Tukey (p<0,05). 302

O TNF-α, também chamado de fator de necrose tumoral é uma citocina associada a danos no DNA, capaz de provocar a apoptose de células tumorais (URBANSKA; ZHANG; PRAKASH, 2015). Os resultados obtidos no presente estudo, referentes a expressão dos genes IL-10 e TNF- α, são similares ao observado por Casas-solís et al. (2019) e Gamallat et al. (2019), que verificaram que os níveis de expressão desses genes diminuíram em ratos que receberam probióticos, em comparação com o grupo DMH, indicando efeito potencial de proteção contra a carcinogênese do cólon.

4 CONCLUSÃO

Os resultados obtidos demostram que os tratamentos com probióticos apresentaram uma média de transcritos menor dos genes p53, Bcl-2, em relação ao grupo DMH, porém as diferenças não foram significativas estatisticamente pelo teste de tukey (p<0,05). Entretendo, L. brevis e L. curvatus reduziram a expressão dos genes IL-10 e TNF-α, em relação ao grupo DMH, atenuando os efeitos da droga, indicando um efeito potencial de proteção contra a carcinogênese do cólon. Entretanto, mais estudos são necessários a fim de analisar os efeitos de Lactobacillus sp. probióticos sobre a expressão de demais genes de apoptose e do sistema imunológico do intestino das cobaias. Avaliando se os mesmos possuem ação antitumoral, vindo a prevenir ou retardar o desenvolvimento do câncer colorretal.

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APOIO FINANCEIRO

Esta pesquisa teve apoio financeiro do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico-CNPq, mediante Bolsa de pesquisa de Iniciação Cientifica – PIBIC e também do Programa de bolsas de pesquisa do Governo do estado de Santa Catarina (UNIEDU, artigo 170).

304

Contaminação Aérea por Cladosporium cladosporioides em Ambientes Hospitalares Críticos

BARBOZA, R. I. S.¹, NASCIMENTO, J. P. M.2, FERREIRA, R. S.¹, FEITOZA, J. M. S.¹, SILVA, M. S. S.², SANTOS, D. E.², FILHO, E. A. S.3

1Universidade Federal de Alagoas - UFAL. Instituto de Ciências Biológicas e da Saúde - Campus Maceió. 2Laboratório de Ambientes Climatizados - Instituto de Ciências Biológicas e da Saúde. 3Instituto de Ciências Biológicas e da Saúde - UFAL. Departamento de Genética - Autor para correspondência.

Introdução Estudos envolvendo a investigação de bioaressóis estão aumentando significativamente, demonstrando a sua importância para a saúde humana. A exposição a estes agentes biológicos geralmente transmitidos pelo ar deve-se ao fato de que podem estar relacionados ao aparecimento de alergias e infecções em indivíduos imunocomprometidos. (MARTINS et al., 2005). Em ambientes hospitalares o monitoramento da qualidade do ar consiste em uma importante estratégia para o controle da transmissão de diversos patógenos dentro do ambiente hospitalar, especialmente em ambientes críticos como unidades de terapia intensiva (UTI) e salas de cirurgia. (VENCESLAU; MARTINS; OLIVEIRA, 2012). Nos hospitais é importante identificar as concentrações e quais os microorganismos presentes, pois é a presença de fungos patogênicos nestes ambientes favorecem a ocorrência de infecções hospitalares. (RUIZ; PEREIRA, 2016). O gênero Cladosporium juntamente com Aspergillus e Penicillium compõe um dos principais grupos de fungos reportados como contaminantes do ar interior (ANDRADE et al., 2015). Estes fungos são cosmopolitas e clinicamente são considerados oportunistas, envolvido em infecções como otites, micotoxicoses, infecção urinária. (CARMO et al., 2007). Cladosporium cladosporioides é uma das espécies mais isolada do gênero, produtora de metabólitos secundários um dos conhecido como a cladosporina. (TASIĆ; MILADINOVIĆ- TASIĆ, 2007). Cladosporium cladosporioides pode ocorrer com frequência no ar em ambientes hospitalar, podendo prejudicar indivíduos que estão presentes neste ambiente devido a sua potencial patogenicidade e toxigenicidade, levando ao acontecimento de infecções variadas (MELO et al., 2009; FERREIRA et al., 2013). Assim, analisar a presença desse fungo em ambientes artificialmente climatizados é importante a fim que sejam estabelecidas medidas de prevenção da disseminação.

Objetivos O objetivo deste estudo foi a avaliar a frequência do fungo Cladosporium cladosporioides no ar interior de ambientes artificialmente climatizado em salas de cirurgia de hospitais e clínicas públicas e privados.

Metodologia Coletas do ar interior foram realizadas durante o ano de 2019 em 68 salas de cirurgia em diferentes ambientes de saúde. Para coleta de bioaerossóis fúngicos foi utilizado o coletor de ar portátil SAS Super ISO 100 (VWR Collection), calibrado a uma taxa de fluxo de ar de 100 L/min. Para mimetizar a altura de exposição humana a bioaerossóis, o coletor foi posicionado a 1,5 metros do chão. Todas as coletas foram realizadas seguindo as normas técnicas da resolução N°9 da Agência de vigilância sanitária (BRASIL, 2003). O ar coletado foi impactado em placas de Petri descartáveis (90x15mm) contendo meio Ágar Dicloran Rosa Bengala Cloranfenicol (DRBC). 305

Após a coleta o material foi levado para o Laboratório de Ambientes Climatizados da Universidade Federal de Alagoas, onde as placas de petri foram colocadas em estufas a 28 °C por um período de aproximadamente sete dias, para verificação do crescimento das colônias. Decorrido o período de crescimento na estufa, foi observado a presença de diversas colônias e realizada a análise quantitativa através da contagem de Unidades Formadoras de Colônias (UFC), conforme limite estabelecido pela RE N°9 que é de 750 UFC/m³. Os registros fotográficos das placas foram feitos utilizando a Câmera Digital Cyber Shot 12.1 Megapixels, ©Sony. Para identificação, as colônias foram isoladas em Ágar Sabouraud utilizando a técnica de cultura central e a identificação foi realizada de acordo com observações das características macroscópicas, seguindo a chave de identificação De Hoog et al. (2000). Para a identificação das características microscópicas foi das colônias foi realizada a técnica de microcultivo em Ágar lactrimel conforme descrito Riddell (1950). O aparecimento das espécies foi calculado com a soma das frequências que as espécies apareciam no número total de ambientes cirúrgicos que foram analisados.

Resultados e Discussão A espécie Cladosporium cladosporioides foi encontrada em 20 dos 68 ambientes analisados como descrito na tabela 1, correspondendo a 29,41% dos centros cirúrgicos. De acordo com (NR32 do Ministério Trabalho e Emprego, 2005) essa espécie de fungo é considerado um patógeno emergente com nível de risco 2, que são considerados microrganismos de risco moderado à saúde humana e possui uma baixa disseminação coletiva, sendo assim é importante ter preocupações devido ao ambiente que foi encontrado.

Tabela 1. Hospitais do estudo, nº de ambientes analisados e frequência do fungo Cladosporium cladosporioides por local amostrado.

Prédio Nº de Ambientes Frequência de Cladosporium cladosporioides Analisado Analisados

Hospital A 1 0

Hospital B 1 1

Hospital C 1 0

Hospital D 12 3

Hospital E 6 2

Hospital F 3 2

Hospital G 3 2

Hospital H 1 0 306

Hospital I 6 1

Hospital J 1 1

Hospital K 1 0

Hospital L 1 0

Hospital M 1 0

Hospital N 1 0

Hospital O 1 0

Hospital P 2 1

Hospital Q 2 1

Hospital R 4 1

Hospital S 3 0

Hospital T 1 0

Hospital U 11 1

Hospital V 2 1

Hospital W 1 1

Clínica A 1 1

Clínica B 1 1

Total 25 68 20 *N(total)= 68 ambientes analisados. Fonte: Autores (2019).

Nossos resultados corroboram com outros estudos que também verificaram a presença de Cladosporium cladosporioides como contaminantes do ar interior em ambientes críticos hospitalares. (NATH et al., 2015; MIRHOSEINI et al., 2020.) ilustrada na (figura 1). Assim, é importante ressaltar a relevância deste estudo, pois a presença de um espécie potencialmente 307

patogênica e produtora de micotoxinas e alérgenos químicos em um ambiente crítico como salas de cirurgia pode ter sérias implicações relacionadas aos pacientes ali presentes. Cladosporium cladosporioides é um fungo oportunista e que pode causar infecções clínicas variadas principalmente em pacientes imunocomprometido e imunossuprimidos, essas variações ocorrem de acordo com a saúde do indivíduo infectado e do tecido que foi exposto ao esporo fúngico. (SHI et al., 2016). Os esporos de Cladosporium sp. estar relacionados diversas infecções pulmonares, e estar associado a crises asmática. (KWON et al., 1975; OGOREK et al., 2012). Também pode ser associado a ceratite (POLACK; SIVERIO; BRESKY, 1976). Há relatos também que esta espécie estar relacionado a micoses cutâneas e subcutâneas. (SOOD; MAKKAR, 2000; VIEIRA; MILHEIRO; PACHECO, 2001; SANG et al., 2011). Visto o potencial de C. cladosporioides em causar infecções em humanos e/ou estar relacionados a produção de moléculas que podem ser tóxicas ou alergênicas torna-se necessário a adoção de medidas ainda mais eficazes no que diz respeito à higienização dos sistemas de climatização hospitalar. Este cuidado deve ser sobretudo em função do papel de aparelhos de ar condicionados quando não feita as manutenções adequadas, tornarem-se importantes disseminadores de microrganismos para o ambiente hospitalar, inclusive, salas de cirurgia. Uma importante limitação apresentada neste estudo seria a necessidade de uma confirmação se os nossos isolados seriam ou não produtores de micotoxinas, a partir de um teste presuntivo utilizando ágar leite de coco ou por meio de métodos moleculares. Embora ainda hoje a identificação de isolados fúngicos seja corriqueiramente realizada pela observação de características macroscópicas e microscópicas, métodos moleculares poderiam ser utilizados em nosso estudo a fim de complementar a identificação dos nossos isolados.

Figura 1. (A e B) Placas de Ágar Dicloran Rosa Bengala Cloranfenicol (DRBC) com crescimento fúngico de Cladosporium cladosporioides (setas pretas) a partir das amostras de ar coletadas em hospitais.

Fonte: Autores (2019).

Conclusão Diante dos resultados encontrados, concluímos que os ambientes analisados podem oferecer condições ótimas para o desenvolvimento e propagação de bioaerossóis de Cladosporium cladosporioides. Ademais, a presença desses contaminantes aéreos nos ambientes hospitalares, em especial em áreas críticas como os centros cirúrgicos, pode oferecer diversos riscos a saúde tanto dos pacientes como dos profissionais de saúde. Portanto, é necessário realizar um monitoramento rotineiro da qualidade do ar, além de procedimentos de desinfecção e manutenção dos condicionadores de ar de ambientes hospitalares a fim de 308

diminuir a colonização ambiental por C. cladosporioides e outros bioaerossóis fúngicos para prevenir infecções futuras.

Referências

BRASIL. Ministério da Saúde. Resolução nº09 de 16 de Janeiro de 2003. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 20 de Janeiro de 2003. Disponível em: Acesso em: 28 de set. de 2020. CARMO, Egberto Santos et al. Microbiota fúngica presente em diversos setores de um hospital público em Campina Grande-PB. Rev. bras. anal. clin, p. 213-216, 2007. DE ANDRADE, Daniela Furtado Rodrigues et al. Microbiota fúngica no ar em unidades de terapia intensiva e centros cirúrgicos. Revista Prevenção de Infecção e Saúde, v. 1, n. 1, p. 74-81, 2015. DE HOOG, Gerrit S. et al. Atlas de fungos clínicos. Centraalbureau voor Schimmelcultures (CBS),2000. KWON-CHUNG, K. J.; SCHWARTZ, Ira S.; RYBAK, Benito J. A pulmonary fungus ball produced by Cladosporium cladosporioides. American Journal of Clinical Pathology, v. 64, n. 4, p. 564-568, 1975. MARTINS-DINIZ, José Nelson et al. Monitoramento de fungos anemófilos e de leveduras em unidade hospitalar. Revista de Saúde Pública, v. 39, p. 398-405, 2005. MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO. PORTARIA N.° 485, DE 11 DE NOVEMBRO DE 2005. Disponível em: . Acesso em: 28 de set. de 2020. MIRHOSEINI, Seyed Hamed et al. Indoor exposure to airborne bacteria and fungi in sensitive wards of an academic pediatric hospital. Aerobiologia, p. 1-8, 2020. NATH, Reema et al. Subcutaneous mycosis due to Cladosporium cladosporioides and Bipolaris cynodontis from Assam, North-East India and review of published literature. Mycopathologia, v. 180, n. 5-6, p. 379-387, 2015. OGÓREK, Rafał et al. Fungi in the mountain trails of the Śnieżnik Massif. Mikologia Lekarska, v. 19, n. 2, p. 52-62, 2012. POLACK, F. M.; SIVERIO, C.; BRESKY, R. H. Corneal chromomycosis: double infection by Phialophora verrucosa (Medlar) and Cladosporium cladosporioides (Frescenius). Annals of Ophthalmology, v. 8, n. 2, p. 139-144, 1976. RIDDELL, Roland W. Preparações micológicas com coloração permanente obtidas por cultura em lâmina. Mycologia , v. 42, n. 2, pág. 265-270, 1950. RUIZ, L. S.; PEREIRA, V. B. R. Importância dos fungos no ambiente hospitalar. Bol Inst Adolfo Lutz, v. 26, n. 2, p. 2-4, 2016. SANG, H. et al. A case of subcutaneous phaeohyphomycosis caused by Cladosporium cladosporioides and its treatment. Mycoses, v. 55, n. 2, p. 195-197, 2012. SHI, D. et al. A rare case of onychomycosis induced by Cladosporium cladosporioides. Journal of Clinical and Medicine Case Reports, v. 2, n. 2, p. 1072, 2016. SOOD, Neelam; MAKKAR, Rati. Case report. Subcutaneous phaeohyphomycosis due to Cladosporium cladosporioides. Mycoses, v. 43, n. 1‐2, p. 85-87, 2000. VENCESLAU, Emanuella Meneses; MARTINS, Raíssa Paola Pereira; OLIVEIRA, Isamar Dantas. Frequência de fungos anemófilos em áreas críticas de unidade hospitalar de Aracaju, Sergipe, Brasil. RBAC, v. 44, n. 1, p. 26-30, 2012. TASIĆ, Suzana; MILADINOVIĆ-TASIĆ, Nataša. Cladosporium spp.: Cause of opportunistic mycoses. Acta Facultatis Medicae Naissensis, v. 24, n. 1, p. 15-19, 2007. VIEIRA, M. R.; MILHEIRO, A.; PACHECO, F. A. Phaeohyphomycosis due to Cladosporium cladosporioides. Sabouraudia, v. 39, n. 1, p. 135-137, 2001.

Apoio Financeiro Fundação Universitária de Desenvolvimento de Extensão e Pesquisa (FUNDEPES).

309

Investigação da qualidade do ar interior em diversos ambientes de saúde

FERREIRA, R. S.¹, NASCIMENTO, J. P. M.², BARBOZA, R. I. S¹, FERREIRA, F. L.¹, SILVA, M. S. S.2, SANTOS, D. E.2, FILHO, E. A. S.3

1Universidade Federal de Alagoas - UFAL. Instituto de Ciências Biológicas e da Saúde - Campus Maceió. 2Laboratório de Ambientes Climatizados - Instituto de Ciências Biológicas e da Saúde. 3Instituto de Ciências Biológicas e da Saúde - UFAL. Departamento de Genética - Autor para correspondência.

Introdução Fungos podem ser contaminantes do ar em diversos tipos de ambientes, inclusive naqueles que utilizam sistemas de climatização artificial. Sistemas de climatização promovem um ambiente com condições favoráveis ao crescimento e manutenção de fungos em ambientes artificialmente climatizados. (LOBATO et al., 2019; FLORES; ONOFRES, 2010). Uma vez expostos a contaminantes aéreos, os indivíduos com estadia em um determinado local podem experimentar sérios problemas de saúde. Dessa forma, aerossóis fúngicos representam uma ameaça à saúde humana, uma vez que esses organismos possuem propriedades alergênicas e toxigênicas (BORCHERS; CHANG; GERSHWIN, 2017; BREZA-BORUTA, 2016.). Esporos fúngicos podem também estar presentes no ar interior em hospitais, e assim, contribuir para surtos de infecções hospitalares fúngicas ou até mesmo em problemas respiratórios como, irritações, alergias, infecções, e efeitos tóxicos em pacientes (PAKSHIR et al., 2007), acometendo principalmente pessoas imunocomprometidas (SATTAR et al., 2016; WHO et al., 2016). Em ambientes de saúde, a ocorrência de fungos pode ser de origem endógena (da microbiota do próprio indivíduo) ou exógena, podendo os sistemas de climatização serem um importante veículo de dispersão destes microrganismos. (PEREIRA et al., 2014). Desta forma, avaliar a presença de fungos no ar de ambientes de saúde é uma medida necessária para a prevenção de riscos à saúde, visto que esses locais podem concentrar uma diversidade fúngica de relevância clínica, como Aspergillus spp., Fusarium spp. e Cladosporium spp., que estão associados a casos de morbidade e mortalidade em ambientes hospitalares (PERDELLI et al., 2006; GONÇALVES et al., 2016).

Objetivos Investigar a contaminação fúngica do ar interior em ambientes de saúde. Metodologia Coletas de ar foram realizadas para a detecção e identificação de fungos anemófilos totalizando 102 pontos de 12 diferentes clínicas do estado de Alagoas, durante o ano de 2019. Para a coleta de bioaerossóis fúngicos foi utilizado o coletor de ar portátil SAS Super ISO 100 (VWR Collection), em uma taxa de fluxo de ar de 100 L/min. Para simular a exposição aos bioaerossóis o coletor foi colocado a 1,5 metros do chão. Todas as coletas foram realizadas seguindo as normas técnicas da resolução N° 9 da ANVISA (BRASIL, 2003). O ar coletado foi impactado em placas de Petri descartáveis (90x15mm) contendo meio específico para fungos Ágar Dicloran Rosa Bengala Cloranfenicol (DRBC). Após realizadas as coletas, o material foi levado para o laboratório de ambientes climatizados (LAC) da Universidade Federal de Alagoas, onde as placas foram colocadas em estufas a 28° C entre o período de 5 a 7 dias. Passado o período de crescimento fúngico, observamos a presença de diversas colônias que foram selecionadas mediante diferenças macromorfológicas. Para identificação fúngica, as colônias selecionadas foram isoladas em Ágar Sabouraud, utilizando a técnica de cultura central, e a identificação foi realizada de acordo com observações das características macroscópicas, seguindo a chave de identificação De Hoog et al. (2000). 310

Também foi utilizada observações de características microscópicas das colônias, realizando-se a técnica de microcultivo de acordo com Riddell (1950).

Resultados e Discussão Após a análise das coletas, foram identificados 16 espécies fúngicas conforme descrito na Tabela 1. As espécies identificadas foram distribuídas em sete gêneros, dos quais o mais prevalente foi Aspergillus spp. 50/102 (49,01%), seguido por Cladosporium sp. 46/102 (45,09%) e Fusarium spp. 15/102 (14,7%). Os gêneros menos prevalentes foram Curvularia 2/102 (1,96%) e Acremonium sp. 1/102 (0,98%). Todas as espécies analisadas podem representar riscos à saúde e são classificadas em 3 níveis de riscos de acordo com a NR32 do Ministério Trabalho e Emprego (2005).

Tabela 1. Espécies fúngicas identificadas e sua frequência nas clínicas e nos pontos analisados.

Espécies NR Frequência (N) Clínicas Frequência (N) Pontos Coletados Acremonium potronii PE2 1 1 Aspergillus candidus PE2 2 2 Aspergillus carneus PE2 1 2 Aspergillus flavus P2 9 14 Aspergillus fumigatus P2 2 3 Aspergillus oryzae PE2 10 24 Aspergillus terreus PE2 2 2 Aspergillus versicolor PE2 3 3 Cladosporium cladosporioides PE2 11 46 Curvularia senegalensis PE2 1 2 Fusarium moniliforme P2 7 13 Fusarium oxysporum P2 1 2 Monilia sytophyla P 7 11 Mycelia sterilia PE2 4 8 Paecilomyces variotti PE2 5 7 Paecilomyces viridis PE2 1 1 NR: Nível de risco. PE2: Patógeno Emergente, nível de risco 2. P2: Patógeno, nível de risco 2. P: Patógeno. *N (total)= Para clínicas é 12 e *N (total)= para pontos é 102. Fonte: Autores (2019).

Os achados deste trabalho também foram encontrados em outros estudos realizados no Brasil, como o estudo feito por Gonçalves e colaboradores (2016) na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) de um Hospital Universitário de Pelotas – RS, que encontrou gêneros como, Aspergillus spp, Fusarium spp. , Curvularia spp. e Mycelia sterilia. , constatando também a prevalência do gênero Aspergillus spp. Outro estudo realizado no Brasil, em um Instituto de oncologia e radioterapia em Porto Velho/RO, também constatou a presença de alguns gêneros semelhantes aos desta pesquisa, como Acremonium sp., Aspergillus sp., Cladosporium sp., Curvularia sp., e Fusarium sp. (CUNHA; De SOUZA; GAZOZA, 2017). Além dos trabalhos nacionais citados, também é possível encontrar pesquisas realizados em âmbito internacional apresentando resultados semelhantes (SAUTOUR, et al., 2009; TONG, et al, 2017; HEUTTE, et al.,2017). 311

Estes resultados alertam para uma preocupação em relação a saúde dos indivíduos que frequentam ambientes de saúde, pois espécies do gênero Aspergillus spp. e fusarium spp. são frequentemente citadas na literatura por causarem infecções hospitalares superficiais ou invasivas. Além disso, aspergilose e fusariose que podem provocar morbidade e mortalidades em pacientes internados em clínicas onde se realizam procedimentos médicos. (CHOPRA; MAHAJAN; SINGH, 2020; ARNONI et al.,2018.) Além disso, algumas espécies encontradas, como Aspergillus flavus, podem liberar substâncias do seu metabolismo secundário, conhecidas como micotoxinas (ENYIUKWU; ONONUJU; MARANZU,2018). Essas substâncias podem causar diversos efeitos na saúde, prejudicando o sistema imune e gerando diversas doenças identificáveis, que podem levar a morte do indivíduo. (KIM; KABIR; JAHAN,2018). Além de micotoxinas, fungos também são responsáveis por liberar alérgenos no ambiente. (POMÉS; WÜNSCHMANN, 2016). Alérgenos são substâncias que causam diferentes reações alérgicas em indivíduos suscetíveis (KIM; KABIR; JAHAN,2018), podendo afetar o bem estar de quem inala essas substâncias. Algumas espécies isoladas desta pesquisa também podem atuar na liberação de alérgenos no ar, assim como, as espécies do gênero Aspergillus, por exemplo, Aspergillus flavus, Aspergillus oryzae, Aspergillus fumigatus e Aspergillus versicolor (LEVETIN et al., 2016). Como mostrado na tabela 1, todos os gêneros possuem níveis de riscos consideráveis, logo, outros gêneros encontrados de menor predominância também podem causar danos à saúde como Curvularia spp., citadas na literatura como responsáveis por algumas infecções nosocomiais que incluem, peritonite e endocardite pós cirúrgica (CHOPRA,MAHAJAN;SINHG, 2020) e Paecilomyces spp., podendo causar diversas infecções que podem acometer a pele ou os tecidos moles, sendo a espécie deste gênero de maior importância P. variotii (MARQUES et al, 2019.) ilustrada na (Figura 1).

Figura 1. Espécies de fungos isolados de amostras de ar de clínicas médicas em meio Agar Sabouraud Dextrose.

(A) Aspergillus versicolor. (B) Paecilomyces variotti. Fonte: João Feitoza (2019).

Diante dos resultados apresentados, é necessário destacar a importância da manutenção de ar condicionado, pois estão relacionados com a má qualidade do ar interior, contribuindo para a permanência de microrganismos em ambientes artificialmente climatizados (FIALHO et al.,2017). Destacando-se a importância da higienização eficiente de ambientes de saúde, bem como o de todos os que frequentam tais ambientes. 312

Conclusão Nossos resultados trazem evidências da presença de fungos potencialmente toxigênicos, alergênicos e patogênicos em ambientes artificialmente climatizados de saúde, reforçando a necessidade de um monitoramento constante a fim de entendermos os riscos inerentes à exposição de um ar de má qualidade. Visto que ambientes de saúde contém indivíduos com vários tipos de comprometimentos que favorecem a ocorrência de infecções. Contaminantes do ar interior merecem destaque especial no contexto de surtos de infecções fúngicas. Assim, não apenas fatores relacionados ao paciente devem ser considerados na elaboração de protocolos de controle de infecções, mas de igual importância o manejo do ambiente pode ser significativo na interrupção da cadeia de transmissão de patógenos em ambientes de saúde.

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Apoio Financeiro Fundação Universitária de Desenvolvimento de Extensão e Pesquisa (FUNDEPES).

314

Caracterização inicial de genes de resistência a antibióticos em bactérias da espécie Helicobacter pylori

Sousa,S.L.1 , Crispim.S.J.1

1Universidade Federal de Minas Gerais, setor de Biologia Coltec

Introdução

Helicobacter pylori é uma bactéria Gram-negativa intimamente relacionada à gastrite e úlceras crônicas, além de câncer e problemas na mucosa gástrica de seres humanos (UEMURA et al.,2001)⁠. Seu tratamento, geralmente envolve a administração de mais de um tipo de antibiótico, porém a resistência aos fármacos utilizados para o tratamento desse tipo de patógeno está se tornando cada vez mais um problema para a medicina (MINCIS et al., 2011; SOUSA et al, 2017)⁠. A Organização Mundial de Saúde já alerta sobre esse problema e o define como uma ameaça à saúde pública. Os antibióticos têm diversos mecanismos de ação e podem atuar destruindo ou impedindo a multiplicação das bactérias, porém muitos patógenos estão desenvolvendo mecanismos de resistência aos fármacos e o mau uso desses medicamentos está acelerando esse processo (MEGRAUD et al, 2013)⁠. A resistência a antibióticos é amplamente discutida nessa espécie bacteriana (LIU; ZHENG; YANG, 2008; MEGRAUD et al., 2013; SAKINC et al., 2012; SOUSA; ALMEIDA; BASTOS, 2017; ZHANG et al., 2010)⁠. A resistência ocorre quando algumas bactérias conseguem se multiplicar mesmo na presença de antibióticos ou em concentrações mais altas do que as doses terapêuticas recomendadas. Esse evento é comum, porém é exacerbado pelo uso indiscriminado de antibióticos. (WANNMACHER, 2004b). Pode surgir através de eventos de mutação,recombinação e seleção natural e também por mecanismos de transferência de genes mediados por fagos,plasmídeos e transposons (DAVIS; WHITE, 2002)⁠.

Objetivos. Em bactérias da espécie H. pylori é necessário a combinação de vários antibióticos diferentes devido às altas taxas de resistência que esse patógeno apresenta (SOUSA et al, 2017)⁠.Por isso,o objetivo desse trabalho foi promover a caracterização inicial de genes de resistência a antibióticos em bactérias da espécie H.pylori

Metodologia Foi feito o download de 54 genomas fechados de bactérias da espécie H. pylori disponíveis no Centro Nacional de Informações sobre Biotecnologia (NCBI) (https://www.ncbi.nlm.nih.gov). Essas linhagens foram analisadas no programa CARD (The Compreensive Antibiotic Resistence Database) (https://card.mcmaster.ca/), um banco de dados de resistência bacteriana, para promover uma caracterização a respeito dos genes de resistência dessas bactérias aos principais fármacos utilizados atualmente (MCARTHUR et al., 2013).

Resultados e Discussão A maioria dos genomas analisados apresentava a combinação de mais de um gene e, consequentemente, múltiplos mecanismos para burlar os remédios utilizados como antimicrobianos. A maioria das linhagens apresentava complementaridade com mais de 50 regiões conhecidas de bactérias com gene de resistência. Para maior assertividade dos dados só 315

foram contabilizados os genes que possuíam mais de 60% de complementaridade com os organismos modelo. Os mecanismos de escape, mais apresentados, frente aos antimicrobianos encontrados foram: 1. Sete genomas apresentaram mutações pontuais no RNA ribossômico 23s.Essa mutação promove uma alteração na ligação da claritromicina ao ribossomo, gerando fenótipos de resistência a esse antimicrobiano. (LEE et al., 2013). As linhagens que apresentaram essa mutação apresentam o mecanismo de resistência classificado como: Alteração do alvo antibiótico. 2.O gene Hp1181, encontrado em 44 genomas de H.pylori, contribui para o mecanismo de bombas de efluxo codificando proteínas de membrana integrais essenciais para o funcionamento desse sistema. As bombas de efluxo, um dos principais meios pelos quais as bactérias gram-negativas apresentam múltiplas formas de resistência e se protegem dos efeitos dos antibióticos, atuam expelindo compostos citotóxicos das células (FALSAFI et al., 2016)⁠. 3. O Ácido fúsico atua inibindo o ribossomo 15 e consequentemente a síntese proteica bacteriana. A resistência ao ácido fúsico, também encontrada em 44 linhagens, deriva de mutações no gene que codifica o fator de alongamento do ribossomo 15 ou através da aquisição de plasmídeos (Fusb) (O’NEILL et al., 2004)⁠ 4. A proteína VmlR proveniente do gênero Bacillus é uma proteína de proteção ribossômica. A vmlr se liga aos ribossomos atingidos por antibióticos e remove o fármaco conferindo resistência. (CROWE-MCAULIFFE et al., 2018)⁠. Segundo CARD (2013)⁠ “vmlR é uma proteína de proteção ribossômica ABC-F ATPase identificada em Bacillussubtilus.Foi demonstrado que confere resistência à lincomicina, estreptogamina e virginiamicina. Descrito por Crowe-McAuliffe et al. 2018”. 5. AAC (3)-Ia é uma acetiltransferase de aminoglicosídeos codificada por plasmídeos, transposons e integrons que já foi descrita em diversos gêneros de bactérias gram negativas (CARD-2013)⁠. Essa acetiltransferase atua promovendo uma inativação na interação enzimática entre o antibiótico e o Ribossomo da célula alvo (TERÁN et al., 1991)⁠.Nesse caso, ocorre uma mudança química nos grupos funcionais orgânicos gerando uma resistência codificada por plasmídeos. Foi o primeiro caso de resistência a Gentamicina identificado em bactérias Gram- negativas (WOHLLEBEN et al., 1989)⁠. 6. A clorafenicolAcetiltransferase é uma enzima que catalisa a acetilação do clorafenicol tornando-o inativo como inibidor da síntese proteica.É codificada por plasmídeos R em bactérias gram-negativas e atua promovendo uma inativação do fármaco.Esses plasmídeos também podem apresentar resistência a tetraciclina (YOO et al., 2003; Alton Nk et al.,1979). O gene CATL que codifica essa enzima é encontradoem Escherichia coli e Acinetobacterbaumannii (CARD). 7. A pulvomicina é um antibiótico que atua inibindo as enzimas EF-Tu e EF-G que promovem o alongamento peptídico e a síntese de proteínas. (WOLF; ASSMANN; FISCHER, 1978). Em linhagens mutantes de Staphylococcusaureaus e Escherichia coli o fator de alongamento Tu demonstra insensibilidade aos efeitos de análogos da pulvomicina. (HALL; WATKINS; GEORGOPAPADAKOU, 1991). 43 linhagens de H.pylori apresentaram EF-Tu resistente a elfamicina originados de mutantes de Escherichia coli. (CARD)

H.pylori é uma bactéria extremamente adaptada ao ambiente ácido do estômago humano (Suerbaum e Michetti,P 2002 ) .Alguns fatores podem explicar seu sucesso evolutivo e sua adaptação a um ambiente tão inóspito, como a recombinação de genes e a troca de DNA realizado entre plasmídeos e cromossomos, mecanismos que explicam a melhoria do fitness bacteriano (DE BOEVER et al., 2007). O mecanismo de troca de DNA entre bactérias é chamado de conjugação, evento muito comum em bactérias de todas as espécies. 316

(FERNANDEZ-GONZALEZ e BACKERT, 2014)⁠. A troca de DNA também pode ocorrer pelo processo de transdução, que envolve os bacteriófagos (2007). Este ocorre quando um vírus serve de mediador nessa transferência de genes. Já foi relatado a transferência de genes de resistência a antimicrobianos por bacteriófagos inclusive entre espécies diferentes ⁠(MAZAHERI NEZHAD FARD et al, 2011; WATANABE e FUKASAWA,1961) É importante ressaltar que um fator que acelera esse processo de resistência a antimicrobianos em H. pylori é o mau uso dos fármacos destinados a esse propósito (MEGRAUD et al., 2013)⁠. ⁠ Na América Latina, local com alta prevalência de infecções por H.pylori, a facilidade na obtenção de antibióticos sem prescrição médica ou sub diagnósticos, feitos sem o apoio de exames laboratoriais, associados a uma regulamentação negligente aumentam o consumo abusivo de antibióticos facilitando a seleção de bactérias multirresistentes. (CAMARGO et al., 2014). De acordo com o Consenso de Toronto para o Tratamento da Infecção por H.pylori em Adultos, O tratamento da H. pylori está ficando cada vez mais difícil. O mais indicado para a erradicação do H. pylori deve ser de 14 dias e é feito com a combinação de três antimicrobianos e um inibidor de bomba de prótons - IBP (FALLONE et al., 2016).Estes,agem reduzindo a secreção de H+ através de inibição enzimática nas células parietais gástricas, diminuindo a produção de ácido gástrico e ações ulcerogênicas decorrentes das infecções crônicas com H.pylori aumentando a possibilidade de sucesso no tratamento de doenças pépticas geradas em pacientes positivos para essa bactéria (WANNMACHER, 2004a)⁠.

Conclusão

Conhecer os mecanismos de resistência apresentados pelas bactérias é fundamental para evitar a intervenção medicamentosa a antimicrobianos ineficientes e aumentar a taxa de erradicação diminuindo o mau uso destes medicamentos (LEE et al., 2013). Especialmente em uma bactéria que apresenta múltiplos mecanismos de resistência como a H. pylori.

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Apoio financeiro CNPq 318

Efeito sinérgico entre fluconazol e metabólitos de Candida parapsilosis contra Trichophyton mentagrophytes isolado de onicomicoses

LEMES, T. H.1, BRIZZOTTI, N. S.2, ALMEIDA, B. G.1, MASCHIO-LIMA, T.1, CAETANO, M. H.1, REGASINI L. O. 1 e ALMEIDA M. T. G. 2

1Universidade Estadual Paulista (Unesp), Instituto de Biociências, Humanas e Ciências Exatas (Ibilce), Câmpus São José do Rio Preto – Brasil; 2Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto, SP - FAMERP

Introdução

Onicomicoses são infecções de unhas causadas principalmente por fungos dermatófitos e leveduras do gênero Candida. Correspondem a 30% das desordens de unhas e 50% de todas as infecções fúngicas cutâneas (GUPTA; VERSTEEG; SHEAR, 2017). São infecções graves, que geram gastos ao serviço de saúde e impactam negativamente a qualidade de vida das pessoas acometidas. Estima-se que 10% da população mundial sejam afetadas por onicomicoses, com índices epidemiológicos variáveis dependendo da localização geográfica (GUPTA; MAYS, 2018). Os dermatófitos são os principais agentes etiológicos nessas infecções e compreendem um grupo de fungos altamente especializados com capacidade degradação da queratina durante o processo infeccioso. Apesar da variedade de espécies desse grupo, atualmente T. rubrum e T. mentagrophytes são os principais agentes etiológicos causadores de onicomicoses (UPADHYAY et al., 2019). Durante o processo de infecção os dermatófitos precisam superar os mecanismos de defesa do hospedeiro, para isso há um remodelamento metabólico através da secreção de enzimas com especificidade para diferentes substratos, tal fenômeno é considerado importante fator de virulência desses patógenos (MARTINEZ-ROSSI; PERES; ROSSI, 2017). O segundo grupo causador de infecções de unhas, incluem as leveduras do gênero Candida. Apesar de pertencerem a microbiota natural da mucosa oral, do trato gastrointestinal e urinário, no desequilíbrio patógeno-hospedeiro podem causar infecções superficiais ou sistêmicas. O principal agente etiológico desse grupo é Candida albicans, porém nos últimos anos espécies emergentes como C. parapsilosis têm surgido como principais agentes etiológicos nos casos de onicomicoses (SURYAWANSHI et al., 2017). Um dos principais antifúngicos utilizados no tratamento das onicomicoses é o fluconazol, fármaco de amplo espectro com ação sobre a via de síntese do ergosterol, importante componente da membrana desses microrganismos. Entretanto, seu uso prolongado acarreta potenciais efeitos colaterais, incluindo danos hepatotóxicos. Esses fatores contribuem para baixa adesão ao tratamento e reincidência da infecção, além do surgimento de organismos resistentes (TOSTI; ELEWSKI, 2016). Em infecções de populações diversas, as interações químicas entre as espécies são mediadas através de pequenas moléculas difusíveis produzidas por mecanismo de Quorum sensing (QS) (GUPTA; DAIGLE; CARVIEL, 2016). O QS é um mecanismo de comunicação intra e interespécies, que consiste na produção dessas moléculas, com concentração dependente da densidade populacional, e atingindo certo limiar regulam diversos processos celulares influenciando em sua morfogênese e crescimento (MAY, 2016). Em onicomicoses, a concomitância de dermatófito e levedura são atribuídas a esse mecanismo. Tal ambiente favorece a produção de diversos metabólitos importantes, que garantem a sobrevivência dessas espécies nesse ambiente competitivo (SHARMA; JANGID, et al., 2017). A exploração dos mecanismos dessas interações é necessária para a descoberta de novas moléculas e novas abordagens terapêuticas para o controle das onicomicoses. 319

Objetivo

O presente estudo avaliou a interação sinérgica entre o extrato de cultura pura de Candida parapsilosis e fluconazol contra Trichophyton mentagrophytes.

Metodologia

Para o estudo foram utilizadas linhagens de C. parapsilosis e T. mentagrophytes, pertencentes ao Laboratório de Microbiologia da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto – FAMERP, Brasil. As linhagens de C. parapsilosis foram repicadas em Ágar Sabouraud e incubadas a 30° C por 24 horas. Após esse período, inóculos na escala 10 de MacFarland foram preparados em 500 mL de caldo Sabouraud e incubados em estufa a 30° C por 72 horas. Os meios de cultura contendo os inóculos foram filtrados em membrana millipore 0,2 μm e submetidas à extração líquido-líquido, utilizando-se acetato de etila como contra-fase. O procedimento foi repetido três vezes, permitindo a extração total dos metabólitos fúngicos dos meios de cultura. A fase acetato de etila foi submetida a evaporador rotativo para secagem. O composto resultante em massa foi solubilizado em solução de água destilada estéril com dimetil sufóxido (DMSO) a 10%. Testes para obtenção da Concentração Inibitória Miníma (CIM) foram realizados contra linhagens de dermatófitos, seguindo se as recomendações do documento Clinical and Laboratory Standards Institute (CLSI) M38- A2 de 2008. Após obtenção da CIM, a avaliação da interação entre os extratos fúngicos e fluconazol foi realizada através do ensaio de Checkerboard (baseado no protocolo M27-A3, com modificações) (Figura 1). As microplacas foram incubadas por 72 horas, a 35°C. Após esse período, realizou-se a leitura visual e de absorbância em aparelho ELISA. Os experimentos foram realizados em triplicata.

Figura 1: Metodologia ensaio checkerboard entre extrato de C. parapsilosis e fluconazol contra T. mentagrophytes.

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Para avaliar o efeito combinatório entre os produtos utilizou-se o cálculo do índice de concentração inibitória fracionada (ICIF) de acordo com a seguinte fórmula: ICIF = (CIM fluconazol no mix/ CIM fluconazol isolado)+ (CIM extrato no mix/CIM extrato isolado). A avaliação seguiu a classificação descrita por Kumar e colaboradores (2012), onde valores ≤ 0,5 indicaram interação sinérgica.

Resultados e Discussão

O fluconazol e os extratos quando testados individualmente, apresentaram CIMs de 4 µg/mL e 1000 µg/mL. Quando em associação o valor de CIM para fluconazol decaiu para 0,25 µg/mL. No cálculo de ICIF obteve-se valor de 0,03 indicando interação sinérgica (Figura 2). Os microrganismos são capazes de responder ao ambiente em que estão inseridos com respostas fisiológicas como mecanismo de defesa e tolerância. Uma variedade de metabólitos é gerada por múltiplos estímulos e vias de sinalização complexa. Estudos apontam a ação desses compostos sobre outros microrganismos, inibindo o crescimento, esporulação e até formação de biofilmes (ALBUQUERQUE et al., 2014; PAKSHIR et al., 2017). O estudo de QS em fungos, apesar de recente, trouxe a descoberta de novas moléculas de Quorum sensing (QSMs) como farnesol e tirosol (ALBUQUERQUE et al., 2014). O farnesol e tirosol são os dois compostos mais estudados em modelo de QS desenvolvido por C. albicans (EGBE et al., 2017; MONTEIRO et al., 2017). Entretanto, a presença desse mecanismo em outras espécies de Candida ainda é desconhecida. O extrato de C. parapsilosis isolado apresenta ação contra T. mentagrophytes sugerindo a ação dessas QSMs, diante disso novos estudos devem ser realizados para o isolamento e identificação desses compostos para que se confirmem tais metabólitos como QSMs. Considerando o alto índice de recorrência de onicomicoses, o desenvolvimento de novos fármacos antifúngicos torna-se um desafio, uma vez que fungos compartilham dos mesmos processos biológicos e bioquímicos do hospedeiro, fazendo com que moléculas tóxicas para os fungos sejam tóxicas para a célula humana também (ROEMER; KRYSAN, 2014). Diante disso, como alternativa para o controle de infecções fúngicas, novas abordagens propõem a associação de novos compostos com antifúngicos convencionais, para melhorar o espectro de ação, reduzir a toxicidade e prevenir o surgimento de microrganismos resistentes (AHMAD et al., 2017; SPITZER; ROBBINS; WRIGHT, 2017). Embora a composição do extrato de C. parapsilosis não seja conhecida, a redução dos valores de CIM contra dermatófitos quando em associação com fluconazol indica o efeito sinérgico desses compostos.

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Figura 2: Ensaio checkerboard entre extrato de C. parapsilosis e fluconazol contra T. mentagrophytes, decréscimo nos valores de CIM.

Conclusão

O extrato de C. parapsilosis apresenta atividade antimicrobiana sobre Trichophyton mentagrophytes quando isolado. Entretanto, em associação com fluconazol, o espectro de ação desses compostos é maior, comprovando interação sinérgica. Futuramente o isolamento e identificação dos compostos do extrato possibilitarão novas abordagens terapêuticas no controle de infecções fúngicas.

Referências

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Apoio Financeiro

Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES)

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Do ambiente ao hospedeiro: a influência de agroquímicos na virulência e resistência de cryptococcus gattii

(PAIXÃO, V. M.¹; DORNELAS, J. C. M.¹; COSTA, M. C. ¹; RESENDE-STOIANOFF, M. A.¹; SANTOS, D. A.¹)

1Laboratório de Micologia, Departamento de Microbiologia, Instituto de Ciências Biológicas, UFMG, Belo Horizonte, MG, Brasil. Introdução O gênero Cryptococcus inclui mais de 50 espécies de leveduras encapsuladas do Filo Basidiomycota, que apresentam, tipicamente, tamanhos entre 5 e 10 µm in vitro. Entre as espécies, Cryptococcus neoformans e C. gattii são importantes agentes etiológicos da criptococose, uma micose sistêmica que ocorre no homem e em animais, hígidos ou imunossuprimidos (Casadevall, 1998. Ma e May, 2009). Tanto C. neoformans quanto C. gattii podem causar doenças em indivíduos hígidos, no entanto, vários estudos epidemiológicos confirmaram que C. gattii infecta predominantemente indivíduos hígidos, independentemente da localização geográfica, sendo considerado um patógeno primário (Perfect, 2012). Acredita-se que a porta primária de entrada do fungo, o trato respiratório superior, é alcançada pela inalação os propágulos infectantes, como basidiósporos e leveduras ressecadas (Griffiths, Kretschmer e Kronstad, 2012). Em hospedeiros hígidos, a criptococose é assintomática ou subclínica e restrita ao tecido pulmonar, apresentando sintomas clássicos de pneumonia. Entretanto, na ausência de uma resposta imune efetiva mediada por células, o fungo pode fazer uso dos fatores de virulência para resistir à resposta imune e disseminar-se para outros tecidos (Casadevall et at., 2009; Zaragoza et al., 2009). A emergência de C. gattii como um patógeno de hospedeiros hígidos é impressionante, já que este compartilha dos mesmos fatores de virulência de C. neoformans. Segundo Byrnes et at. (2010), Galanis e Macdougall (2010) e Byrnes et al. (2011), estes fatores de virulência incluem a produção de uma cápsula polissacarídica, formação do pigmento melanina, crescimento a 37° C, alterações morfológicas e secreção de enzimas como a fosfolipase, lacase e urease. A cápsula de Cryptococcus é considerada seu principal fator de virulência, de modo que mutantes desprovidos de cápsula são avirulentos (García-Rodas et at., 2011; Vecchiarelli e Monari, 2012). Está relacionada à sobrevivência intracelular, conferindo proteção antioxidante contra ação de espécies reativas de oxigênio e nitrogênio dentro da célula hospedeira, quando fagocitado (Zaragoza, 2011). Entretanto, o principal mecanismo pelo qual a cápsula confere virulência é pela inibição da fagocitose, por meio da inibição da produção de anticorpos, depleção do complemento e indução da apoptose de macrófagos (Yaunch, Lam e Levitz, 2006; García-Rodas e Zaragoza, 2012). Sabe-se que, durante a infecção pulmonar, é aumentada a secreção de lipídeos capsulares e, desta forma, a cápsula sofre alargamento drástico, permitindo o escape de macrófagos (Lin, 2009). C. neoformans e C. gattii são, reconhecidamente, parasitas intracelulares de células fagocíticas, como neutrófilos e macrófagos, eventualmente levando à lise destas (Feldmesser, Tucker e Casadevall, 2010). Cryptococcus pode disseminar-se e cruzar a barreira hemato- encefálica por transcitose, entre os espaços intercelulares, ou pode migrar através dessas células, sendo este mecanismo denominado Cavalo-de-Tróia. Além de ser a base da disseminação, a localização intracelular pode ser a base da latência, resistência a agentes antifúngicos e aos mecanismos de defesa do sistema imune do hospedeiro (Shi et al., 2010). Para se proteger e persistir no interior de fagócitos, a expressão gênica é alterada no sentido de aumentar a produção de melanina e cápsula, acentuar a expressão de enzimas neutralizadoras de espécies reativas e de proteínas transportadoras de aminoácidos e hexoses (Fan et al., 2005; Derengowski et al., 2013). 324

Em relação a C. gattii, acreditava-se que este era uma espécie endêmica de regiões de clima tropicais e subtropicais, como a América do Sul e Austrália (Kwon-Chung; Bennett, 1984). Entretanto, em 1999, o fungo foi responsável por um surto iniciado na ilha de Vancouver (Canadá) que se disseminou para o nordeste do Canadá e noroeste dos Estados Unidos, regiões de clima temperado (Chaturvedi, 2011). Estima-se que esse surto foi responsável por acometer 218 indivíduos, levando 19 pessoas a óbito entre os anos de 1999 e 2007 (Bielska; May, 2016). Além disso, o surto afetou cerca de 100 pessoas nos Estados Unidos entre os anos de 2004 e 2011, apresentando um índice de mortalidade de 33% (Galanis; MacDougall, 2010). Cryptococcus gattii foi recuperado a partir de árvores de eucalipto (Eucalyptus camaldulensis) na Austrália e na Califórnia e descrito pela primeira vez em 1988 (McMullan, 2013). A partir de então, ficou-se estabelecido que o eucalipto, que havia sido extensivamente exportado para diversas regiões do mundo, era o habitat natural exclusivo de C. gattii (Chen et al., 2014). Contudo, estudos posteriores demonstraram a presença de C. gattii em mais de 50 espécies de plantas em diversos países (Springer; Chaturvedi, 2010). Por exemplo, na Índia, linhagens de C. gattii foram isoladas de árvores dos gêneros Tamarindus, Mangiferaindica e de Acacia nilotica (Chowdhary; Prakash; Randhawa, 2012). Apesar disso, há poucos e inconclusivos estudos sobre como a interação Cryptococcus- planta pode influenciar a adaptação e sobrevivência do fungo no ambiente e se isto pode impactar a sua virulência no hospedeiro. Assim, tornam-se necessários estudos que explorem modelos vegetais para elucidar os mecanismos de virulência deste fungo no ambiente. Bastos et al. (2018) e Carneiro et al. (2020) demonstraram que o uso de agrotóxicos pode influenciar na fisiologia, virulência e no perfil de resistência do fungo frente a antifúngicos clínicos, indicando que a utilização extensiva desses compostos pode influenciar as características de fungos ambientais, como Cryptococcus gattii e C. neoformans. Dentre os vários agroquímicos utilizados na agricultura, o fungicida Benomyl, foi selecionado devido à sua larga utilização e alta eficiência para o controle de fitopatogêneses. Levando em consideração o contexto mundial, mas principalmente no Brasil, onde o mercado de agroquímicos teve um aumento de 190% nas últimas décadas (Rocha, 2014), compreender essa interação faz-se ainda mais relevante e necessária do ponto de vista ecológico e clínico.

Objetivos Avaliar a persistência de C. gattii sob influência do agroquímico Benomyl, a partir do modelo de infecção definido em experimentos anteriores; e avaliar possíveis mudanças morfológicas e de fatores de patogenicidade no fungo estudado e seu impacto na fagocitose por macrófagos.

Metodologia 1. Cultivo do fungo A linhagem de C. gattii não exposta ao agroquímico Benomyl foi cultivada em Ágar Sabouraud Dextrose (ASD) por 48 horas e foi denominada como L24/01NA (não-adaptada ao agroquímico); o outro grupo foi cultivado por 48 horas em ASD suplementado com 12 μg/mL de Benomyl a 37 °C e foi denominado L24/01A. Após a seleção, a linhagem adaptada ao Benomyl foi cultivada, por 10 passagens em meio ASD sem agroquímico e foi então denominada, L24/01 10P. 2. Cultivo das plantas Com relação às plantas utilizadas, 5 sementes/recipiente de Nicotiana benthamiana foram cultivadas em copos de plástico (diâmetro = 5cm) contendo substrato Tropstrato HT. Elas foram irrigadas por capilaridade a cada três dias. O tempo de crescimento foi de 30 dias à temperatura de 25 °C e fotoperíodo de 12 horas. 3. Infecção 325

Para preparo do inóculo, foi coletada uma fração de cada colônia de C. gattii L24 (adaptada, 10P e não adaptada) com uma alça calibrada e essa fração foi ressuspendida e homogeneizada em 1 mL de PBS 1X. Foi realizada diluição seriada até 10-4 (100 µL do inóculo em microtubo contendo 900 µL do PBS 1X). Em seguida, foi utilizada câmara de Neubauer contendo 10 µL de azul de tripan e 10 µL do inóculo na diluição de 10-³ para verificar viabilidade e realizar a contagem de células. Após a contagem, a concentração do inóculo foi ajustada para alcançar concentração de 108 células viáveis/mL. O modelo de infecção utilizado foi a escarificação. Foi feito um pequeno raspado com microagulha de 30 G em uma única folha, que foi posteriormente inoculada. A infecção foi realizada em folhas de Nicotiana benthamiana, contendo n=5 para cada experimento. O inóculo injetado foi de 1 µL da suspensão contendo 108 células/mL (ou seja, cada planta recebeu 105 células), tanto para o fungo adaptado quanto não adaptado. 4. Determinação da carga fúngica (cinética de eliminação) A determinação da carga fúngica ocorreu em períodos pré-determinados de 7, 14, 21 e 28 dias. Após lavar em PBS 1X, cada planta foi suspensa em diferentes poços na placa de 24 poços, previamente acrescidos de 500 µL de PBS 1X. O conteúdo de cada poço foi macerado com auxílio de ponteiras de 1000 µL e, em seguida, 50 µL de cada amostra foi plaqueado em meio ágar sabouraud, realizando também diluições de 1:10 e 1:100 a fim de garantir a quantificação da carga fúngica. As placas foram incubadas à 37 °C por 48 horas. Após o período de incubação foi realizada a contagem de colônias crescidas nas placas para determinação da UFC/mL. 5. Morfometria Após macerar as plantas, uma alíquota de 10 µL da suspensão contendo as células fúngicas foi adicionada em uma lâmina com tinta nanquim, para posterior visualização em microscópio óptico Nikon Eclipse e200 (Nikon, Japão) e captura da imagem. Os tamanhos das células e cápsulas de pelo menos 50 espécimes de cada amostra foram mensurados com o auxílio do programa Image J (http://rsb.info.nih.gov/ij/; National Institute of Health, NHI, Bethesda, MD) (ARAÚJO et al., 2012). Posteriormente, a razão superfície/volume foi determinada usando a fórmula 3/r em que r = raio (FERREIRA et al., 2015) e a razão espessura capsular/raio do corpo celular foi dada pela fórmula EC/r, em que EC = espessura capsular e r = raio do corpo celular. Os dados foram analisados utilizando análise de variância (ANOVA), valores de p < 0,05 foram estatisticamente significativos. O processo foi repetido para cada grupo estudado (L24/01 NA, L24/01 A e L24/01 10P), antes e após passagem pela planta. 6. Ensaio de fagocitose As células precursoras de macrófagos (BMDMs) foram obtidas da medula óssea de camundongos Balb/C, sob aprovação do Comitê de Ética no Uso de Animais (ANEXO 1). Os camundongos foram anestesiados e eutanasiados (protocolo 306/2015 do comitê de ética) e foram extraídos seus fêmures e tíbias, posteriormente esterilizados em PBS 1X seguido de etanol 70%. As células foram removidas da medula através de uma seringa contendo meio RPMI 1640 e transferidas para um tubo falcon. Para a diferenciação das BMDMs, as células foram ressuspensas em um tubo falcon contendo RPMI 1640, 20% de soro fetal bovino (SFB), glutamina, HEPES, penicilina e 30% de sobrenadante de cultura de células L-929 (possuidoras de fator estimulante de colônias de macrófagos – M-CSF). A suspensão de células foi adicionada em placas de petri e incubadas em estufa de CO² a 37° C por 7 dias, tendo o meio de cultivo renovado a cada 48 horas. No sétimo dia, o sobrenadante foi descartado e a cultura foi lavada com PBS 1X para eliminar células não aderentes. Os macrófagos que ficaram aderidos foram ressuspensos, transferidos para um tubo para centrifugação e novamente ressuspensos em RPMI 1640, SFB, glutamina, HEPES, penicilina e 5% de células L-929. As células viáveis foram contabilizadas em câmara de Neubauer e plaqueadas em placas de 24 poços contendo lamínulas circulares e incubadas em estufa de CO² a 37° C por 24 horas. 326

Para a realização da fagocitose, foram determinados os grupos: Macrófagos + Cg L24/01 (não adaptada) e Macrófagos + Cg L24/01 A (adaptada), utilizando os fungos antes e após passar pela planta. Assim, as leveduras foram contabilizadas em câmara de Neubauer e, posteriormente, inseriu-se 105 células por poço (proporção 1:1 de leveduras para macrófagos), já contendo as lamínulas e os macrófagos. As placas foram incubadas a 37° C em estufa de CO². Nos tempos de 3 e 24 horas após a inserção de Cg, o sobrenadante da cultura foi removido e as células aderidas às lamínulas foram coradas com corante Panótico Rápido (Laborclin) para visualização da fagocitose. Após secar, as lamínulas foram fixadas nas lâminas para realização da contagem de Cg internalizados, através do microscópio óptico.

Anexo 1. Certificado do Comitê de Ética No Uso de Animais

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS CEUA COMISSÃO DE ÉTICA NO USO DE ANIMAIS

CERTIFICADO Certificamos que o Protocolo nº. 306 / 2015, relativo ao projeto intitulado “Efeito de agroquímicos na virulência e resistência cruzada de Cryptococcus gattii em modelo murino”, que tem como responsável Daniel de Assis Santos, está de acordo com os Princípios Éticos da Experimentação Animal, adotados pela Comissão de Ética no Uso de Animais (CEUA/UFMG), tendo sido aprovado na reunião de 05/10/2015. Este certificado espira-se em 05/10/2020.

CERTIFICATE We hereby certify that the Protocol nº. 306 / 2015, related to the Project entilted “Agrochemicals effect in the virulence and cross resistance of Cryptococcus gattii in mice.”, under the supervision of Daniel de Assis Santos, is in agreement with the Ethical Principles in Animal Experimentation, adopted by the Ethics Committee in Animal Experimentation (CEUA/UFMG), and was approved in 05/10/2015. This certificates expires in 05/10/2020.

Cleuza Maria de Faria Rezende Coordenador(a) da CEUA/UFMG Belo Horizonte, 05/10/2015.

Atenciosamente.

Sistema CEUA-UFMG https://www.ufmg.br/bioetica/cetea/ceua/ Universidade Federal de Minas Gerais Avenida Antônio Carlos, 6627 - Campus Pampulha Unidade Administrativa II - 2º Andar, Sala 2005 31270-901 - Belo Horizonte, MG - Brasil Telefone: (31) 3499-4516 - Fax: (31) 3499-4592 www.ufmg.br/bioetica/cetea - [email protected]

Resultados 1. Determinação de carga fúngica (cinética de eliminação) Os resultados obtidos (FIGURA 1) demonstram que, no tempo de 7 dias, a carga fúngica estava elevada em todas as linhagens, com taxa de recuperação em torno de 103 células, havendo maior recuperação de L24 NA e menor de L24 A. Com 14 dias, as taxas decaíram consideravelmente e houve maior CFU/g em L24 A BEN. Com 21 dias, praticamente não houve carga fúngica remanescente das três linhagens e as taxas foram decaindo com o passar do tempo. 327

Figura 1. (A) Cinética de eliminação de linhagens de Cg L24 adaptados e não adaptados a agroquímicos.

2. Morfometria As linhagens que não tiveram passagem pela planta foram denominadas ASD (cultivadas apenas em Ágar Sabouraud Dextrose) e as que passaram pela planta estão denominadas como Nb. Assim, com relação às alterações fenotípicas observadas após passar pela planta: o diâmetro celular (FIGURA 2A) aumentou em todas as linhagens, com maior aumento em L24 10P; a razão superfície/volume (FIGURA 2B) diminuiu em L24 10P; a espessura capsular (EC) (FIGURA 2C) aumentou em todas linhagens, principalmente L24 A; e a razão EC/Raio corpo celular (FIGURA 2D) também aumentou em todas as linhagens. Comparando-se L24 A à L24 NA, houve diminuição do diâmetro do corpo celular e um grande aumento da cápsula. Comparando-se L24 10P à L24 NA, houve aumento do diâmetro celular. Esses resultados podem ser melhor observados com a captura de imagens, em microscópio óptico (FIGURA 3).

Figura 2. (A) Morfometria do diâmetro celular, (B) espessura capsular, (C) razão espessura capsular/raio corpo celular, e (D) razão superfície/volume para a linhagem de Cg L24/01 e para as células obtidas de Nb após 7 dias de inoculação de 10^5 células de Cg pelo método de escarificação. As colunas correspondem à média de cinquenta repetições ±desvio padrão. * indica diferença significativa (p< 0,05). 328

Figura 3. Captura de imagens, em microscópio óptico, mostrando a morfometria das linhagens de Cg L24/01 NA, Cg L24/01 10P e Cg L24/01 A, antes e após passagem por Nb.

3. Fagocitose Assim como na morfometria, as linhagens que não tiveram passagem pela planta foram denominadas ASD (cultivadas apenas em Ágar Sabouraud Dextrose) e as que passaram pela planta estão denominadas como Nb. O índice fagocítico (FIGURA 4) é o percentual de macrófagos com células de Cg internalizadas. Nas primeiras 3 horas, não houve diferenças significativas no índice fagocítico entre L24 NA e L24 A e entre ASD e Nb. No tempo de 24 horas, houve um aumento significativo no índice fagocítico de todas as linhagens, exceto L24 NA ASD, além disso, comparando-se apenas o ASD, o índice após passagem pela planta aumentou significativamente. No entanto, comparando-se ao ASD, a linhagem L24 após passagem pela planta diminui consideravelmente sob influência do agroquímico.

Figura 4. (A) Taxa de fagocitose com macrófagos BMDMs em contato com linhagens de 105 células de Cg L24/01, após 3 e 24 horas.

Conclusões Conclui-se que o fungo adaptado ao agroquímico é mais resistente à eliminação pela planta, indicando que consegue sobreviver melhor; a morfologia das linhagens é alterada 329

quando previamente adaptadas a agroquímicos e, por último, o perfil de sobrevivência intracelular de L24 A é alterado. O índice fagocítico de L24 A ASD aumentou provavelmente pela alteração de algum fator de virulência e, após interação com Nb, o índice diminui possivelmente devido ao aumento de sua cápsula.

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20. Bastos, R. W., Carneiro, H. C. S., Oliveira, L. V. N., Rocha, K. M., Freitas, G. J. C., Costa, M. C. Et Al. Environmental Triazole Induces Cross-Resistance to Clinical Drugs and Affects Morphophysiology and Virulence of Cryptococcus gattii and C. neoformans. Antimic Agents and Chemot, v. 62, 1, 2018; 21. Carneiro HCS, Ribeiro NQ, Bastos RW, Santos DA. Effect of non-antifungal agrochemicals on the pathogenic fungus Cryptococcus gattii. Med Mycol. 2020 Jan 1;58(1):47-53. doi: 10.1093/mmy/myz018. PMID: 30888411. 22. Rigotto, R. M., Vasconcelos, D. P., Rocha, M. M. Pesticide use in Brazil and problems for public health. Cad Saude Publica. v. 30, p. 1360-1362, 2014.

Apoio financeiro: UFMG, CAPES, FAPEMIG, CNPq

331

Virologia

332

Investigação de mutações adaptativas no genoma do zikvbr após passagens em hospedeiros humano e símio

MOLINA, B.F.¹, MARQUES, N.N.¹, BITTAR, C.¹, BATISTA, M.N.², RAHAL, P¹.

1 – Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas (IBILCE/UNESP) – São José do Rio Preto - Brasil 2 – The Rockefeller University – Nova Iorque - EUA

1. INTRODUÇÃO

O Zika vírus (ZIKV), isolado pela primeira vez em 1947, passou a receber maior atenção mundial apenas em 2015 após epidemias nas quais foi relacionado a novas manifestações clínicas severas (BEAVER et al., 2018). Até então, a infecção pelo vírus provocava majoritariamente sintomas suaves como febre baixa, cefaleia, erupções cutâneas, podendo permanecer assintomático em até 80% dos casos (MITTAL et al., 2017; PAHO, 2019; AMARAL et al., 2020), mas passou a ser associado à Síndrome de Guillain-Barré (SGB) e a más formações neurológicas – agora conhecidas como Síndrome Congênita Associada à Infecção pelo Vírus Zika (SCZ), que tem a microcefalia como principal sintoma (BEAVER et al., 2018; FRANÇA et al., 2018; PAHO, 2019) . O vírus recebe esse nome por ter sido descoberto na Floresta Zika da Uganda em 1947, proveniente de uma amostra de sangue de macaco rhesus sentinela (DICK;KITCHEN; HADDOW, 1952; DICK, 1953). Nos anos seguintes foi encontrado em mosquitos coletados na mesma floresta e a primeira identificação em humanos ocorreu em 1954 na Nigéria (DICK;KITCHEN; HADDOW, 1952; DICK, 1953; MACNAMARA, 1954). Em 1969 foi encontrado na Malásia e em 1977 na ilha de Java surgiram sete casos da doença com sintomas leves (MARCHETTE;GARCIA; RUDNICK, 1969; OLSON et al., 1981). Posteriormente foram realizados testes na população da ilha e revelou-se alta taxa de soroprevalência, o que indica que infecções assintomáticas por ZIKV podem ter circulado pela África, pelo Sudeste e Sul asiático sem serem detectadas (MUSSO; GUBLER, 2016; LIU;SHI; QIN, 2019). Após cerca de sessenta anos da presumida circulação do Zika vírus assintomático, a doença atingiu o Pacífico na Ilha de Yap (Micronésia) causando o primeiro grande surto no qual 2/3 da população foi infectada (R DUFFY et al., 2009). O ZIKV continuou se propagando pelo Pacífico, causando surtos nas ilhas Cook, ilha de Páscoa e da Nova Caledônia, até que os primeiros casos das Américas foram reportados em maio de 2015 no Brasil (ZANLUCA et al., 2015). A epidemia de Zika que ocorreu no Brasil (2015-2016) teve o maior número de casos: 215.319 casos prováveis até a última semana de 2016, sendo 130.701 confirmados (BRASIL, 2017; FARIA et al., 2017). De acordo com a ONU, até fevereiro de 2017 houve 2656 notificações de casos de síndrome congênita do ZIKV, sendo 2366 relatos apenas no Brasil (WHO, 2017). A partir de 2017 o número de casos notificados de Zika no Brasil começou a diminuir e no ano de 2020 até o mês de julho foram notificados 5.334 prováveis casos (BRASIL, 2020). Análises filogenéticas demonstram a existência de duas principais linhagens do vírus: africana e asiática (PETTERSSON et al., 2016; WANG et al., 2016). Todas as cepas epidêmicas encontradas na região do Pacífico e das Américas desde 2007 derivam da cepa asiática, tendo as cepas isoladas da América do Sul e Central demonstrado maior e mais rápida divergência genética, o que tem como consequência suas ligeiras propagações geográficas (ZANLUCA et al., 2015; WANG et al., 2016; ZAMMARCHI;SPINICCI; BARTOLONI, 2016; LIU;SHI; QIN, 2019). O Zika é um vírus de RNA fita simples sentido positivo pertencente à família Flaviviridae, que também inclui os vírus da dengue (DENV) e febre amarela (YFV) (WEAVER et al., 2016; LIU;SHI; QIN, 2019; VIRALZONE, 2019). Seu genoma de aproximadamente 10.8 333

kB é organizado em uma única fase de leitura aberta (ORF) flanqueada por regiões não traduzidas (UTR), 5’UTR e 3UTR (LIU;SHI; QIN, 2019). Essa ORF codifica uma poliproteína que é processada tanto por proteases virais quanto do hospedeiro e dá origem a três proteínas estruturais e sete não estruturais (NS), respectivamente capsídeo (C), pré-membrana/membrana (prM) e envelope (E), NS1, NS2A, NS2B, NS3, NS4A, NS4B e NS5 (KUNO; CHANG, 2007; LIU;SHI; QIN, 2019). Classificado como um arbovírus, o Zika tem como rota principal de transmissão a picada por artrópodes hematófagos (mosquitos do gênero Aedes) e apresenta dois ciclos na natureza: ciclo silvestre e urbano, que envolvem respectivamente macacos e humanos além do mosquito vetor (MUSSO; GUBLER, 2016). A capacidade de adaptação a novos vetores/reservatórios/hospedeiros é comum à maioria dos arbovírus (WEAVER, 2005; MUSSO; GUBLER, 2016). O ZIKV muito provavelmente adaptou-se de um ciclo ancestral silvestre, que envolvia primatas não humanos como reservatório vertebrado e mosquitos que habitam o dossel como vetores, para um novo ciclo urbano/periurbano que envolve humanos e mosquitos das espécies A. aegypti, A. albopictus e A. hensillii (MUSSO; GUBLER, 2016). Essa constante alternância entre hospedeiros a qual estão sujeitos balanceia a sequência nucleotídica consenso conservada dos arbovírus encontrados na natureza quando comparados a outros vírus de RNA, visto que as habilidades de transmissão e replicação nesses diferentes hospedeiros estão sob diversas pressões evolutivas a todo momento (JENKINS et al., 2002; CIOTA; KRAMER, 2010; MOSER et al., 2018). De maneira geral, as populações dos arbovírus são mantidas com um fitness viral ligeiramente abaixo do ideal dentro de cada espécie com a finalidade de permitir que a replicação seja eficiente em todos seus hospedeiros; caso haja alguma seleção que aumente o fitness viral através de infecções repetidas do vírus em uma única espécie, muito provavelmente seu fitness no hospedeiro alternativo diminuiria mais e a rota de transmissão seria prejudicada (DEARDORFF et al., 2011; MOSER et al., 2018). Por serem vírus de RNA, eles possuem alta capacidade mutacional e circulam em pool de quasiespécies com grande número de mutações pontuais (MOSER et al., 2018). Essas mutações podem ser deletérias, neutras ou podem ter impactos fenotípicos leves e a atuação da pressão seletiva nesse pool de quasiespécies pode selecionar mutações vantajosas, o que possibilita aos vírus se adaptarem e responderem com sucesso a novos nichos e hospedeiros (MOSER et al., 2018). Análises das diversas sequências de ZIKV disponíveis apontam diferenças importantes entre elas, podendo estar relacionadas à causa da microcefalia, à adaptação a hospedeiros distintos e até mesmo à ativação ou escape ao sistema imune (LIU et al., 2016; YUAN et al., 2017; XIA et al., 2018). Identificar mutações que surgiram no genoma do ZIKV em resposta à adaptação do vírus a diferentes hospedeiros e investigar suas possíveis implicações na expressão dos genes da resposta imune inata ainda é algo pouco explorado.

2. OBJETIVOS

O objetivo do presente projeto é investigar mutações virais que possam surgir após período de adaptação do vírus por infecção alternada em diferentes tipos celulares capazes de mimetizar os ciclos urbano e semi-silvestre do ZIKV brasileiro, bem como correlacionar a expressão diferencial dos genes do sistema imune inato humano antes e depois da adaptação do ZIKV brasileiro.

3. METODOLOGIA

3.1 Vírus e linhagens celulares 334

A cepa brasileira do Zika vírus utilizada no presente estudo foi isolada na Paraíba durante a epidemia de 2015 (BeH815744) e gentilmente cedida pelo Dr. Pedro Vasconcelos, Instituto Evandro Chagas, Brasil (FARIA et al., 2016). As linhagens Vero E6 (células epiteliais de rim de macaco verde africano), HEK-293 (rim embrionário humano de morfologia epitelial) e C6/36 (larva do mosquito Aedes albopictus) pertencem à coleção interna do laboratório. A linhagem LLC-MK2 de células epiteliais de rim de Macaca mulatta foi gentilmente fornecida pelo Dr. Eurico de Arruda Neto, Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, Brasil. As células de mamífero foram cultivadas em meio Dulbecco 1x alta glicose (DMEM) suplementado com 10% de soro fetal bovino (FBS) e 1% de Penicilina-Estreptomicina (P/S; 10.000 U/mL e 10.000 µg/mL) em estufa umedecida a 37ºC sob 5% de CO2. Já a linhagem de mosquito C6/36 foi cultivada em meio Leibowitz (L- 15) também suplementado com 10% Soro Fetal Bovino (FBS) e 1% Penicilina/Streptomicina (P/S; 10.000 U/mL e 10.000 µg/mL) em estufa a 28ºC sem CO2.

3.2 Propagação do estoque viral Células C6/36 foram cultivadas até 90% de confluência e infectadas com o inóculo viral BeH815744. A infecção procedeu por 1 hora em incubadora a 28ºC sem CO2, passando por agitação a cada 15 minutos. Foram adicionados 10 mL de meio L-15 enriquecido com 1% FBS e 1% P/S e a garrafa foi mantida na incubadora, monitorada diariamente até o aparecimento de efeito citopático. O sobrenadante foi colhido, clarificado por centrifugação, filtrado para purificação, aliquotado e armazenado em freezer – 80ºC. O estoque viral (inóculo original) teve seu título determinado por ensaio de formação de placa.

3.3 Ensaio de formação de placa As titulações virais foram realizadas por ensaio de formação de placa em monocamadas de células Vero. As amostras foram diluídas em série e inoculadas em duplicata, sendo as placas incubadas durante 1 hora a 37ºC em 5% de CO2 e agitadas a cada 5 minutos. O inóculo viral foi retirado e as monocamadas foram cobertas por meio semissólido composto por meio DMEM, com carboximetilcelulose (CMC) 1.5%, 1% de FBS e 1% P/S. As placas foram incubadas durante 4 dias a 37ºC em 5% de CO2, fixadas por formaldeído 10% e coradas com cristal violeta 1%. Após a visualização e contagem dos focos, foi calculado o título viral infeccioso expresso por unidade formadora de foco por mililitro (PFU/mL).

3.4 Passagens alternadas Os ensaios de adaptação viral consistiram na realização de infecções alternadas sucessivas que simularam os ciclos do Zika encontrados na natureza. O ciclo urbano foi representado pelas linhagens HEK-293 e C6/36, enquanto o semi-silvestre envolveu LLC-MK2 e C6/36. Dentro de cada ciclo foram realizadas 10 passagens alternadas, ou seja, qualquer infecção feita em célula de mamífero foi sucedida por uma infecção feita em células de mosquito e vice-versa. A primeira passagem de cada ciclo foi feita em células de mamífero a partir do inóculo original de ZIKV BR; a segunda passagem foi realizada em células de mosquito a partir do inóculo resultante da primeira e assim sucessivamente até a décima passagem (Figura 1).

Figura 1. Delineamento experimental dos estudos de adaptação in vitro do ZIKV BR. EFF = ensaio de formação de placa. 335

Todas as infecções ocorreram como descrito no item 3.2 utilizando meios de cultura respectivos das linhagens celulares. Cada infecção teve duração de 4 dias, sendo feitas a partir de 10³ PFU/mL do inóculo viral resultante da passagem anterior. Todos os dias de infecção foram acompanhados e monitorados com garrafas controle. As passagens foram intercaladas por ensaios de formação de placa a fim de determinar o título viral infeccioso resultante de cada infecção.

3.5 Amplificação do genoma completo por Nested-PCR e sequenciamento de Sanger O inóculo original de ZIKVBR e os vírus adaptados resultantes dos ciclos silvestre e urbano tiveram seus genomas completos sequenciados. As extrações de RNA dos sobrenadantes foram feitas pelo método do TRIzol Reagent (Invitrogen) de acordo com instruções do fabricante. Em seguida foi realizada a síntese de DNA-complementar utilizando o kit High-Capacity cDNA Reverse Transcription (Applied Biosystems), a enzima RNaseOUT® Recombinant Ribonuclease Inhibitor (Invitrogen) e primers desenhados especificamente para a amplificação do genoma completo de ZIKV. A amplificação do genoma viral foi feita por Nested-PCR utilizando a enzima Platinum Taq DNA Polymerase (Invitrogen). Foram utilizados pares de primers específicos desenhados de maneira a segmentar o genoma em 12 fragmentos que se sobrepõem e garantem cobertura completa para o sequenciamento. Após a amplificação das amostras por Nested-PCR, os produtos foram identificados por meio de eletroforese em gel de agarose 1% e purificados por meio do kit Zymoclean DNA Clean & Concentrator (Zymo Research) seguindo instruções do fabricante. Em seguida foram realizadas reações de sequenciamento utilizando BigDye® Terminator v3.1 (Life Technologies) e primers específicos de cada fragmento. As leituras do sequenciamento direto serão realizadas pelo equipamento ABI 3130 XL Genetic Analyzer (Life Technologies) pelo método de Sanger.

3.6 Análise das sequências A sequência nucleotídica do inóculo original foi alinhada com a sequência referência da linhagem brasileira do ZIKV (GenBank NC_035889.1) para que fosse feita a análise em busca de mutações. As sequências dos vírus do ciclo silvestre e urbano foram alinhadas individualmente com o inoculo original para verificar surgiram mutações após as passagens alternadas. A análise dos aminoácidos foi feita a partir do alinhamento das regiões codificantes com a mesma sequência referência (manualmente aparadas). Todos os alinhamentos foram feitos utilizando o SeqMan Pro® versão 7.1.0.

3.7 Análise da expressão diferencial dos genes do sistema imune 336

A análise da expressão dos genes envolvidos na resposta imune à infecção por ZIKV será feita por meio de PCR Array com o kit TaqMan® Array 96 – Well FAST Plate Human Immune Response (Applied Biosystems). Os arrays irão auxiliar na análise da expressão de células humanas HEK-293 não infectadas, infectadas pelo inóculo original e pelos vírus adaptados.

4. RESULTADOS PARCIAIS E DISCUSSÃO

Após a produção do estoque viral e sequenciamento do seu genoma completo foram iniciadas as passagens alternadas a partir de 10³ PFU/mL do vírus estoque. Analisando os títulos alcançados em cada passagem (gráfico 1) pode-se notar padrão similar nas três primeiras infecções de ambos os ciclos; já na quarta passagem houve aumento da quantidade de partículas virais infecciosas no ciclo silvestre. Isso pode ser um indicativo do surgimento de uma possível variante adaptativa ao longo das três passagens anteriores, visto que foi demonstrada por Moser e colaboradores (2018) provável capacidade de adaptação de isolados contemporâneos do ZIKV asiático após uma única passagem do vírus a partir da investigação dos padrões de focos gerados no ensaio de formação de placa.

Gráfico 1. Representação dos títulos virais das passagens alternadas. Os vírus se comportaram de maneira diferente em cada ciclo, mesmo que tenha sido inoculada a mesma quantidade de partículas virais em todas as infecções.

A sequência do genoma completo do inóculo original foi composta por 10685 nucleotídeos, sendo sua região 5’UTR composta por 48 nucleotídeos e a 3’UTR por 306 n (figura 2). Quando alinhada à referência de Zika brasileiro (GenBank NC_035889.1) foi possível determinar o a extensão de cada proteína viral ao longo da região codificadora (MLAKAR et al., 2016).

Figura 2. Representação do genoma completo do inóculo original utilizado no presente estudo.

Até o momento foi feita análise preliminar dos dados das sequências de ZIKV adaptado ao ciclo silvestre (CS) e ao ciclo urbano (CU) em comparação ao vírus inicial. Nela já foi possível observar sete variações a nível de aminoácido ao longo do genoma dos vírus adaptados: no ciclo silvestre foram observadas as mutações G319S, V1263A e I1275L; no ciclo urbano H691Y, V1263T e D3185Y. Os nucleotídeos correspondentes a cada substituição podem ser observados na tabela 1 e a localização dessas mutações ao longo do genoma pode ser 337

visualizada na figura 3, sendo curioso o surgimento de substituições na proteína E em ambos os ciclos, visto que ela é componente principal no reconhecimento célula-vírus.

Tabela 1. Relação das substituições que surgiram após a adaptação dos ciclos em comparação ao genoma do vírus inicial.

Figura 3. Localização dos resíduos que apresentaram substituições pós adaptação. Marcadores pretos representam as mutações encontradas no ciclo silvestre e vermelhos no urbano.

Entre as sete substituições encontradas no presente estudo, duas estão presentes na literatura. A substituição H619Y também foi observada em uma cepa de ZIKV colombiana obtida do cérebro de camundongo após inoculação intraperitoneal (LAITON-DONATO et al., 2019). Além disso, Shrivastava e colaboradores (2018) investigaram microevolução por meio de sequenciamento de nova geração de quasiespécies de diversas cepas africanas e asiáticas do vírus e dentre os onze resíduos que apresentaram variação, dois deles eram 691 e 1263. Ambas foram encontradas em pelo menos duas linhagens asiáticas e apresentaram mais de uma possível variação: H691Y/Y691H (ambas isoladas de Aedes) e V1263A/A1263V (a primeira isolada de Aedes e a segunda Homo sapiens) (SHRIVASTAVA et al., 2018). Segundo os autores, dadas suas frequências e natureza não randômica é improvável que essas posições tenham efeito negativo na população viral. Outro estudo comparou linhagens africana e asiática históricas com uma cepa isolada na Bahia em 2015 e encontrou a substituição A1263V na sequência brasileira (o oposto ao encontrado no ciclo semi-silvestre V1263A); a partir da análise da estrutura secundária prevista resultante da modificação na NS2A pode-se afirmar que há indução de inversões entre α-hélices e coils, podendo essa substituição estar relacionada aos maiores efeitos citopáticos identificados na linhagem (ALPUCHE-LAZCANO et al., 2018). A comparação da expressão dos genes da resposta imune inata entre as cepas adaptadas e original do ZIKV utilizadas no presente estudo certamente auxiliará na investigação do papel das mutações que surgiram ao final das passagens alternadas. Estudos prévios já demonstraram capacidades das mutações na região codificadora do ZIKV de alterar a virulência, aumentar o efeito citopático e alterar a taxa de replicação. Mas existem diversas variantes as quais ainda não conseguimos compreender as contribuições na evolução viral ao longo do tempo, na especificidade do hospedeiro e até na resposta imune do hospedeiro e para isso são necessários mais estudos.

338

5. CONCLUSÃO

A alternância entre hospedeiros gera grande pressão seletiva nos vírus e a maior parte dessa pressão é direcionada pelo sistema imune do hospedeiro às proteínas do vírus durante a infecção. Dessa forma, o surgimento das mutações está diretamente associado a essa alternância e à resposta imune. A frequência e natureza das mutações adaptativas identificadas no presente estudo indicam efeito positivo na população viral. Algumas das mutações encontradas já existem na literatura, enquanto outras demandam mais análises para compreensão dos seus papéis na ativação da resposta imune do hospedeiro e na evolução viral.

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7. APOIO FINANCEIRO

O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001.

340

Investigação de Arbovírus em Carrapatos

GERALDINI, D. B.1,2; BELTRÃO, R. C.1; CRUVINEL, C. A. T.3; LOFEGO, A. C.1; BITTAR, C.1; RAHAL, P1

1Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” UNESP- IBILCE 2CENTRO UNIVERSITÁRIO DE RIO PRETO – UNIRP 3Zoológico Municipal de São José do Rio Preto – SP

INTRODUÇÃO

Zoonoses são infecções transmitidas de animais para seres humanos, de forma direta, através de secreções, ou de forma indireta, por meio de vetores, como mosquitos e carrapatos. (ACHA; SZYFRES, 2001). As arboviroses são, algumas delas, zoonoses, ou seja, doenças originárias em animais silvestres que infectam humanos, causando uma séria ameaça para a saúde e bem-estar da população em todo o mundo (JONES et al., 2008). O Brasil enfrenta historicamente ciclos de epidemias de arboviroses em praticamente todo o seu território. As alterações antrópicas, como desmatamento e expansão de áreas urbanizadas, estão aumentando o risco de exposição humana a vetores e, portanto, a probabilidade de aumento da emergência de zoonoses virais (BINDER et al., 2019). Os arbovírus são vírus transmitidos por vetores hematófagos, tendo como principais vetores os mosquitos e os carrapatos (CASSEB et al., 2013). Os carrapatos são parasitas obrigatórios, que utilizam de uma ampla gama de hospedeiros vertebrados. Como vetores, os carrapatos são capazes de transmitir uma grande variedade de patógenos, que afetam animais selvagens e domésticos, e seres humanos (CLETON et al., 2012). Vírus Powassan (POWV), vírus Langat (LGTV), vírus da encefalite transmitida por carrapato (TBEV), vírus da floresta Kyasanur, vírus da febre hemorrágica de Omsk (OHFV), são exemplos de Flavivirus transmitidos por carrapatos, conhecidos por causarem doenças em seres humanos e animais (DOBLER, 2010). Cerca de 14 vírus deste gênero podem ser transmitidos por carrapatos a um hospedeiro vertebrado (BÁRTÍKOVÁ et al., 2017; KEMENESI; BÁNYAI, 2018). Dentre os arbovírus, o gênero Flavivirus compreende vírus responsáveis por importantes epidemias como Dengue, Febre Amarela e Zika (OLIVEIRA, 2017). O Zoológico Municipal da cidade de São José do Rio Preto – SP, é uma referência no atendimento emergencial e tratamento de animais silvestres da região. Os animais recebidos frequentemente apresentam infestação por carrapatos. A investigação da presença de RNA de arbovírus em carrapatos provenientes de animais silvestres apresenta grande importância para a identificação de arbovírus, transmitidos por estes ectoparasitas, que estejam circulando em animais silvestres, enfatizando a importância de investigações de reservatórios virais para controle de vírus emergentes.

OBJETIVOS

O objetivo deste trabalho é investigar a presença de RNA de arbovírus do gênero Flavivirus em carrapatos coletados de animais silvestres recebidos no Zoológico Municipal de São José do Rio Preto – SP.

METODOLOGIA

Os carrapatos coletados são identificados e armazenados em pools de acordo com o animal do qual foram coletados, espécie do carrapato e quantidade. O RNA foi extraído a partir do macerado desses pools pelo método do TRIzol® Reagent (Invitrogen®). Em seguida, realizou-se a síntese do DNA complementar (cDNA) a partir do RNA extraído utilizando o High Capacity cDNA Transcription Reverse Kit (Applied Biosystems®). A amplificação viral foi feita pela técnica de NESTED-PCR utilizando a enzima Taq DNA Polymerase – Platinum® 341

(Invitrogen) de acordo com as instruções do fabricante, primers específicos para arbovírus do gênero Flavivirus, que amplificam uma região de 802 pb da região codificante da proteína NS5 que é a RNA polimerase dependente de RNA viral (MAHER-STURGESS et al., 2008) (BITTAR et al., 2020). Os produtos do NESTED-PCR foram analisados em gel de agarose 1%.

RESULTADOS

Foram coletados 361 carrapatos, que correspondem à 26 hospedeiros diferentes (Tabela 1). Os carrapatos foram identificados e armazenados em pools. Até o presente momento, foram testados 77 pools. Utilizou-se amostras de Flavivirus (DENV1) como controle positivo (C+) da reação de NESTED-PCR. Também foi realizado o controle negativo (C-) (branco) da reação de PCR (Figura 1). A análise molecular das amostras não revelou amplificação de RNA viral para o gênero Flavivirus.

Tabela 2: Espécies de hospedeiros e carrapatos encontrados.

Hospedeiro Quantidade Espécies de Carrapatos e de Hospedeiros Quantidade (n) Anta 2 Amblyomma cajennense (43) (Tapirus terrestres) Rhipicephalus sanguineus (03) Rhipicephalus microplus (02)

Veado catingueiro 4 Rhipicephalus microplus (42) (Mazama gouazoubira) Jaguatirica 1 Larvas imaturas (15) (Leopardus pardalis) Lobo guará 1 Rhipicephalus sanguineus (02) (Chrysocyon brachyurus) Tamanduá-bandeira 10 Rhipicephalus sanguineus (30) (Myrmecophaga tridactyla) Rhipicephalus microplus (9) Amblyomma cajennense (31) Amblyomma nodosum (33) Amblyomma ovale (43)

Ouriço cacheiro 1 Rhipicephalus microplus (02) (Erinaceus europaeus) Tamanduá-mirim 3 Rhipicephalus sanguineus (02) (Tamanduá tetradoctyla) Amblyomma nodosum (24) Amblyomma cajennense (02)

Capivara 4 Amblyomma cajennense (24) (Hydrochoerus hydrochaeris) Rhipicephalus sanguineus (01) Rhipicephalus microplus (51) Amblyomma sp. (02)

342

Figura 2. Gel de Agarose 1% de 12 pools testados para Flavivirus, todos negativos. A amostra amplificada foi o controle positivo da reação (C+: controle positivo da reação, DENV1; C-: controle negativo da reação).

CONCLUSÃO

Apesar de diversos relatos de arbovírus registrados na região de São José do Rio Preto - SP, as análises moleculares não detectaram evidências de RNA de arbovírus do gênero Flavivirus em carrapatos coletados em animais silvestres. Esses resultados podem significar que no momento da coleta, esses vírus não estavam circulando nos carrapatos que foram amostrados. Entretanto, a técnica NESTED-PCR, utilizada neste estudo, não é capaz de detectar baixas cargas virais (BILLINIS et al., 2001; LIVAK; SCHMITTGEN, 2001). Além disso, fatores como, o período que o carrapato precisa ser fixado ao hospedeiro vertebrado para que haja uma transmissão efetiva de um patógeno, pode interferir na transmissão do vírus (KIDD; BREITSCHWERDT, 2003) (KATAVOLOS et al., 1998).

REFERÊNCIAS

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APOIO FINANCEIRO

Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo – FAPESP (Nº do processo 2019/06808-6).

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Avaliação do Efeito Antiviral do Peptídeo AG-Hecate e seu Análogo na Replicação do Chikungunya

AYUSSO, G.M.1, SANCHES, P. R. S.2, CALMON, M. F.1, BATISTA, M. N.3, BITTAR, C. O.1, CILLI, E. M.2, RAHAL, P.1

1Laboratório de Estudos Genômicos, Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas, Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho; 2Laboratório de Síntese, Estrutura e Aplicação de Biomoléculas, Instituto de Química, Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho; 3The Rockefeller University, Nova York, EUA 1. Introdução As arboviroses são doenças causadas por um grupo de vírus (arbovírus) que tem os artrópodes hematófagos como vetores de transmissão (SIGFRID et al., 2018; HIGUERA; RAMÍREZ, 2019; LUNA et al., 2019). Os arbovírus que causam doenças em humanos ou animais pertencem à quatro famílias principais: Bunyaviridae, Flaviviridae, Togaviridae e Reoviridae (KOLAWOLE et al., 2018; SUKHRALIA et al., 2019). O vírus Chikungunya (CHIKV) é um arbovírus que pertence à família Togaviridae e é agrupado dentro do gênero Alphavirus (SILVA et al., 2018, MATUSALI et al., 2019). Atualmente, esse vírus apresenta distribuição mundial e é considerado um grave problema de saúde pública (WHO, 2019). Entre os anos de 1952 e 2018, o CHIKV provocou mais de 70 epidemias mundiais (MATUSALI et al., 2019). De acordo com a Organização Mundial de Saúde, mais de 2 milhões de casos mundiais foram registrados desde 2005 (WHO, 2019). No ano de 2016, mais de 300 mil casos foram relatados no continente americano, sendo o Brasil, Bolívia e Colômbia os países mais afetados (MARTINEZ et al., 2019; WHO, 2019). Há dois tipos de ciclo de transmissão do CHIKV: o silvestre e o urbano. No ciclo de transmissão urbano, A. aegypti e A. albopictus são os principais transmissores do CHIKV, sendo aquele também o principal vetor do vírus ZIKA e do vírus da Dengue (SILVA et al., 2018; MATUSALI et al., 2019; SUKHRALIA et al., 2019). Como o controle tradicional de vetores encontrou apenas um sucesso limitado na contenção do CHIKV, existe uma necessidade significativa de tratamentos ou vacinas que sejam seguros, eficazes e econômicos para reduzir a disseminação viral e limitar a carga da doença. Atualmente, nenhuma terapia antiviral específica ou vacina licenciada está disponível e somente cuidados paliativos, utilizando analgésicos, antipiréticos, anti-inflamatórios não-esteróides e glicocorticoides sistêmicos, são recomendados para aliviar os sintomas (SILVA et al., 2018; MATUSALI et al., 2019). Embora a taxa de mortalidade seja modesta, a natureza debilitante e crônica e a carga econômica associada à infecção por CHIKV são considerações importantes para o desenvolvimento de fármacos específicos que atuem no ciclo de replicação do vírus (MATUSALI et al., 2019). A ascensão dos peptídeos terapêuticos no mercado farmacêutico é evidenciada pela quantidade crescente de fármacos peptídicos aprovados pela Food and Drug Administration, representando aproximadamente 10% da produção da indústria farmacêutica (ERAK et al., 2018; GOMES et al., 2018). O Hecate (FALALKALKKALKKLKKALKKAL), peptídeo sintético, e o ácido gálico (AG) (C7H6O5), substância fenólica encontrada em abundância nos vegetais, exibem diversas atividades biológicas, destacando-se a antiviral e antitumoral (SANCHES et al., 2015; BATISTA et al., 2018; KAHKESHANI et al., 2019; ZHANG et al., 2019). Nosso grupo avaliou recentemente a atividade anti-HCV do peptídeo Hecate conjugado ao AG (AG-Hecate). Além de desencadear baixa toxicidade em hepatócitos Huh 7.5, esse peptídeo demonstrou porcentagem de inibição viral entre 50 a 95% nas principais etapas do ciclo de replicação do HCV. As propriedades antivirais do AG-Hecate encorajam a sua utilização como protótipo para o desenvolvimento de novos antivirais de amplo espectro (BATISTA et al., 2018).

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2. Objetivos (A) Avaliar a toxicidade do protótipo peptídico AG-Hecate e de um peptídeo baseado na sua estrutura (análogo 1) em células de fibroblastos renais de hamster recém-nascido (BHK-21), células epiteliais de hepatocarcinoma humano (HuH-7) e células BHK-21 estáveis expressando continuamente o replicon subgenômico não-citotóxico CHIKV NCT (BHK-CHIKV NCT); (B) Avaliar o peptídeo AG-Hecate e seu análogo 1 em relação ao efeito de inibição sobre a replicação do CHIKV em células BHK-CHIKV NCT.

3. Metodologia 3.1. Síntese dos Peptídeos A síntese dos peptídeos foi realizada pelo Laboratório de Síntese, Estrutura e Aplicação de Biomoléculas (LASEBio), coordenado pelo Prof. Dr. Eduardo Maffud Cilli, situado no Instituto de Química da UNESP de Araraquara. O AG-Hecate e o análogo 1 (Tabela 1) foram preparados em sintetizador automático TRIBUTE-UV via síntese peptídica em fase sólida (SPFS), utilizando o protocolo padrão Fmoc (9-fluorenilmetiloxicarbonila) em uma resina Rink-MBHA (SANCHES et al., 2015; BATISTA et al., 2018). A identidade dos peptídeos foi confirmada por espectrometria de massas com ionização por “electrospray”.

Tabela 1. Sequência e massa molecular dos peptídeos sintetizados Peptídeos Sequência Massa molecular (g/mol) AG-Hecate AG-FALALKALKKALKKLKKALKKAL 2688,43 1 AG-FALALKALKKALKKL 1808,25

3.2. CHIKV NCT Células BHK-21 estáveis expressando continuamente o replicon subgenômico não- citotóxico CHIKV NCT (BHK-CHIKV NCT) foram gentilmente cedidas pela Profa. Dra. Ana Carolina Gomes Jardim, Instituto de Ciências Biomédicas, Universidade Federal de Uberlândia (UFU). O replicon subgenômico CHIKV NCT (Figura 1) apresenta genes que codificam as proteínas não-estruturais do CHIKV (nsP1, 2, 3 e 4). Na região que codifica a proteína nsP2, há duas mutações que resultam na redução do efeito citotóxico do replicon: (1) inserção de cinco aminoácidos (glicina, ácido glutâmico, ácido glutâmico, glicina e serina) entre os resíduos 647 e 648; e (2) substituição da prolina por glicina na posição 718. Além das proteínas não- estruturais, o replicon exibe dois genes repórteres: (1) Rluc, fusionado com nsP3, codifica a proteína Renilla Luciferase (RLuc); e (2) EGFP codifica a proteína fluorescente verde (GFP – green fluorescent protein). Por fim, há o gene que codifica a enzima PAC (puromicina acetiltransferase), utilizada como marcador de seleção por conferir resistência ao antibiótico puromicina (POHJALA et al., 2011).

Figura 1. Esquema do replicon subgenômico CHIKV NCT (POHJALA et al., 2011)

3.3. Ensaio de MTT A toxicidade dos peptídeos nas células BHK-21, HuH-7 e BHK-CHIKV NCT foi determinada pelo método de MTT (3-(4,5-dimethythiazol-2-yl)-2,5-diphenyl tetrazolium bromide). As células foram semeadas em placas de cultura de 96 poços (TPP, SWI) (5 × 103 346

células/mL) por 24 horas. Após a aderência das células, o meio DMEM foi removido e as células foram incubadas com os peptídeos em concentrações que variaram de 1,6 a 100 µM. Após 24, 48 e 72 horas, o meio contendo os peptídeos foi aspirado e 100 µL de MTT (Sigma- Aldrich, USA) diluído em meio DMEM (1 mg/mL) foi adicionado em cada poço da placa. Após 30 minutos de incubação da placa a 37 °C, o meio contendo MTT foi removido e 100 µL de dimetilsulfóxido (DMSO) (Synth, BR) foi adicionado em cada poço da placa, sendo esta colocada em agitação a 200 rpm por 5 minutos. A absorbância foi mensurada em comprimento de onda de 572 nm no leitor de placa (FLUOstar Omega/BMG LABTECH, DE). Todos os experimentos foram realizados em triplicata e em três eventos independentes para análise estatística. A concentração máxima não tóxica (CMNT) para cada peptídeo foi determinada com o software GraphPad Prism 5.0 (GraphPad Software, USA). 3.4. Análise do efeito dos peptídeos na replicação do CHIKV Para avaliar o efeito dos peptídeos na replicação do CHIKV, células BHK-CHIKV NCT foram semeadas em placas de cultura de 96 poços (Greiner Bio-one, BR) (5 × 10³ células/mL). Após 24 horas, o meio DMEM foi removido e substituído por meio de cultura suplementado contendo cada peptídeo em sua respectiva CMNT (µM), previamente estabelecida no ensaio de MTT. As células foram incubadas por 48 horas a 37 ºC. Em seguida, o sobrenadante foi removido e imediatamente adicionou-se 30 uL de tampão de lise para ensaio de Renilla Luciferase (Renilla Luciferase Assay Lysis Buffer, Promega, USA) em cada poço da placa. As placas contendo os lisados celulares foram inseridas no leitor de placa (FLUOstar Omega/BMG LABTECH, DE), onde foi injetado automaticamente 50 μL de substrato para Renilla Luciferase (Renilla Luciferase Assay Reagent, Promega, USA) e realizou-se a leitura da intensidade da fluorescência. Os valores obtidos foram demonstrados em valor de porcentagem de expressão em relação ao controle. Os experimentos foram realizados em triplicata e em três eventos independentes para análise estatística. A atividade de cada peptídeo sobre a replicação do CHIKV foi determinada com o software GraphPad Prism 5.0 (GraphPad Software, USA). 3.5. Análise Estatística Todas as análises estatísticas foram realizadas por meio do one-way ANOVA com pós-teste de Tukey. O valor de P < 0,05 foi considerado estatisticamente significativo.

4. Resultados e Discussão 4.1. Síntese dos Peptídeos O análogo peptídico 1 é considerado uma nova entidade química, ou seja, é inédito na literatura. A pureza do peptídeo AG-Hecate e seu análogo 1, obtidos via SPFS, foi igual ou maior que 95%. A pureza é um parâmetro que expressa a integridade da constituição química de uma determinada molécula, sendo um dos critérios mais importantes quando trata-se de avaliação de atividades biológicas. A estrutura de uma substância está diretamente relacionada com sua bioatividade e, dessa forma, resquícios de impurezas podem desencadear resultados biológicos falsos (PAULI et al., 2014). No caso dos peptídeos, a determinação da pureza é imprescindível devido principalmente à instabilidade estrutural intrínseca dessa classe de substâncias (WANG et al., 2020). 4.2. Citotoxicidade dos Peptídeos As células eucarióticas estão envolvidas em todas as etapas do ciclo de replicação do CHIKV (SILVA; DEMORDY, 2017). Dessa forma, os ensaios antivirais invariavelmente abrangem células hospedeiras do vírus. Os roedores e os humanos são hospedeiros vertebrados no ciclo de transmissão silvestre e urbano do CHIKV, respectivamente. As células renais e hepáticas derivadas de animais ou humanos são susceptíveis e permissivas ao CHIKV. Apesar de se replicar preferencialmente em células de fibroblastos, o CHIKV também infecta células epiteliais (MATUSALI et al., 2019). As células BHK-21 e HuH-7 são frequentemente 347

empregadas em ensaios que visam a identificação de substâncias anti-CHIKV (ABDELNABI et al., 2015). A utilização de células BHK-21 em experimentos que envolvem o CHIKV ocorre desde da década de 1970 (GANESAN et al., 2017). As células HuH-7, por sua vez, são altamente susceptíveis à infecção por esse arbovírus (CRUZ et al., 2013). Ao avaliar o efeito anti-CHIKV de uma substância, deve-se primeiramente investigar a concentração da mesma que não desencadeia toxicidade significativa nas células eucarióticas hospedeiras do vírus. A determinação da CMNT de substâncias antivirais em diferentes células está presente na maioria dos trabalhos que avaliam a atividade contra diversos vírus (LANI et al., 2016; GLATTHAAR-SAALMULLER et al., 2017; HUANG et al., 2018). No presente estudo, a CMNT (expressa em µM) foi definida como a maior concentração do peptídeo que manteve, no mínimo, 80% das células BHK-21 e HuH-7 viáveis nos três tempos observados. O protótipo peptídico AG-Hecate demonstrou CMNT de 6,3 µM (Figuras 2A e B). A remoção dos aminoácidos KKALKKAL da extremidade C-terminal do peptídeo AG-Hecate no análogo 1 reduziu a citotoxicidade, resultando em CMNT de 12,5 µM (Figuras 2D e E). Os peptídeos AG-Hecate e o análogo 1 também foram analisados quanto à toxicidade em células BHK- CHIKV NCT, sendo testados apenas na CMNT nos tempos de 24, 48 e 72 horas. A comprovação da baixa citotoxicidade dos peptídeos na CMNT é crucial devido ao emprego das células BHK-CHIKV NCT em ensaios posteriores que investigarão o efeito das substâncias peptídicas em sua CMNT na replicação do CHIKV. Ao avaliar os gráficos 2C e F, constatamos que a viabilidade celular foi igual ou maior que 80% após o tratamento com cada peptídeo na sua respectiva CMNT, indicando a segurança no uso dessa concentração nos ensaios que envolvem células BHK-CHIKV NCT.

Figura 2. Efeito citotóxico dos peptídeos. (A) AG-Hecate em BHK-21; (B) AG-Hecate em HuH-7; (C) AG-Hecate na CMNT (6,3 µM) em BHK-CHIKV NCT; (D) Análogo 1 em BHK- 21; (E) Análogo 1 em HuH-7; (F) Análogo 1 na CMNT (12,5 µM) em BHK-CHIKV NCT. C: controle (meio DMEM); CV: controle de veículo (água estéril). Linhas pontilhadas verdes representam o limite arbitrário de viabilidade celular de 80% A) B)

C) D)

E) F)

348

4.3. Atividade Antiviral dos Peptídeos sobre a Replicação do CHIKV O genoma do CHIKV apresenta diferentes regiões que codificam proteínas não- estruturais e estruturais. As proteínas não-estruturais (nsP1, 2, 3 e 4) desempenham diferentes funções na etapa intracelular de replicação do RNA viral (PÉREZ-PÉREZ et al., 2019). As construções de replicons subgenômicos são realizadas comumente pela inserção de genes repórteres e marcadores de seleção e deleção dos genes que codificam as proteínas estruturais do vírus, impossibilitando a produção de partículas virais infecciosas (HANNEMAN et al., 2020). Linhagens celulares estáveis contendo replicons que não codificam proteínas estruturais estão sendo crescentemente utilizadas em ensaios antivirais que investigam a ação de substâncias especificamente na etapa de replicação do vírus (VARGHESE et al., 2016; HANNEMAN et al., 2020). As células BHK-CHIKV NCT expressam continuamente um replicon subgenômico do CHIKV que não codifica as proteínas virais estruturais e apresenta dois genes repórteres que codificam as proteínas RLuc e GFP, além de um marcador de seleção que confere resistência ao antibiótico puromicina (POHJALA et al., 2011). Dessa forma, a atividade da enzima Rluc é proporcional à replicação do replicon CHIKV NCT. Ao analisar os gráficos da Figura 3, observamos que o peptídeo AG-Hecate e o seu análogo 1 não demonstraram atividade inibitória sobre a etapa de replicação do CHIKV. Além da replicação viral, há outras etapas no ciclo replicativo do CHIKV no qual substâncias antivirais atuam. Estudos com a cloroquina, arbidol, galato de epigalocatequina e suramina demonstram a ação antiviral dessas substâncias na etapa de entrada do CHIKV nas células hospedeiras (ABDELNABI et al., 2016; SUBUDHI et al., 2018; GHILDIYAL; GABRANI 2020). A substância dec-RVKR-cmk, por sua vez, exibiu efeito de inibição sobre a infectividade do CHIKV, impedindo a maturação das partículas virais (SUBUDHI et al., 2018). Dessa forma, apesar de não apresentar atividade antiviral sobre a replicação do vírus, o peptídeo AG-Hecate e o análogo 1 podem desempenhar ação inibitória sobre outras etapas do ciclo de replicação do CHIKV.

Figura 3. Efeito dos peptídeos na replicação do replicon CHIKV NCT. (A) AG-Hecate na CMNT (6,3 µM); (B) Análogo 1 na CMNT (12,5 µM). C: controle (meio DMEM); CV: controle de veículo (água estéril); ns: não significante (P ≥ 0,05); *: P < 0,05; ***: P < 0,001 A) B)

5. Conclusão As CMNT’s do protótipo peptídico AG-Hecate e seu análogo 1 foram determinadas em células BHK-21 e HuH-7. O peptídeo AG-Hecate e o análogo 1 não exibiram toxicidade nas suas respectivas CMNT’s em células BHK-CHIKV NCT, possibilitando o uso dessas concentrações no ensaio antiviral de avaliação do efeito na replicação viral. Apesar de não apresentarem ação inibitória sobre a replicação do CHIKV, o peptídeo AG-Hecate e o análogo 1 podem exercer atividade antiviral em outras etapas do ciclo de replicação do vírus. Portanto, na próxima etapa do trabalho, ambos os peptídeos serão avaliados quanto ao efeito de inibição sobre outras etapas do ciclo replicativo do CHIKV, além da replicação.

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7. Apoio Financeiro Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) (Processo 2019/10150-6)

351

Perfil de expressão por imuno-histoquímica de marcadores imunológicos em lesões cervicais benignas HPV positivas

LIMA, M. L. D.¹, CABRAL, A. S.¹, STUQUI, B.², PROVAZZI, P. J. S.¹; LEONEL, E. C. R.¹; TABOGA, S. R.¹, RAHAL, P.¹

1 Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” – Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas (UNESP/IBILCE). ²Instituto Federal de São Paulo - Campus Catanduva (IFSP). 1. Introdução Os Papilomavírus Humanos (HPVs) são vírus não envelopados pertencentes à família Papillomaviridae (BARBOSA et al., 1991; DE VILLIERS et al., 2004). Possuem um genoma de DNA fita dupla circular e infectam os tecidos epitelial e mucoso (DE VILLIERS et al., 2004). Já foram identificados cerca de 40 genótipos de HPV capazes de causar infecção no trato anogenital, sendo que estes podem ser classificados como de alto risco, relacionados à carcionogênese, ou baixo risco, associados à lesões benignas, tais como condilomas (STANLEY, 2008; PAPASAVVAS et al., 2016). Condilomas acuminados (CAs), ou verrugas genitais, são lesões proliferativas benignas causadas principalmente pela infecção por HPVs do tipo 6 ou 11 (BROWN et al., 1993; BROWN et al., 1999). A infecção persistente por HPV pode levar à neoplasias intraepiteliais cervicais (NICs), que podem ser divididas em I, II e III (ZUR HAUSEN, 2009; TORRES- POVEDA et al., 2014). Os NICs I, juntamente com os condilomas, tratam-se de lesões intraepiteliais escamosas de baixo grau (LSIL), e NICs II e III são lesões intraepiteliais escamosas de alto grau (HSIL), sendo o NIC III o mais provável de persistir e progredir para carcinoma (TORRES-POVEDA et al., 2014). A grande parte das lesões causadas por HPV regridem de forma espontânea, devido à resposta imunológica do hospedeiro (STANLEY, 2006). Porém, em indivíduos imunocomprometidos, mas também em pacientes imunocompetentes, encontram-se infecções persistentes, o que dá indícios de que tais lesões possuem imunossupressão local (LE POOLE;DENMAN; ARBISER, 2008). O HPV possui vários mecanismos de evasão do sistema imune, que podem levar à tais infecções persistentes, como alterações na apresentação de antígeno, baixa ou nenhuma liberação de citocinas pró-inflamatórias, supressão nas vias de interferon, entre outros (STANLEY, 2006). No caso dos HPVs de alto risco, tais falhas no desenvolvimento da imunidade aumentam a progressão para lesões de alto grau ou carcinoma invasivo (STANLEY, 2006).

2. Objetivos O objetivo deste trabalho foi caracterizar o perfil de expressão de marcadores imunológicos em pacientes portadores de lesões genitais benignas HPV positivas. De forma específica, foi avaliar quantitativamente populações de células do sistema imunológico, sendo estas as células de Langerhans (CD1a), células T (CD3), células T helper (CD4), células T citotóxicas (CD8), células T regulatórias (FOXP3) e citocina interferon gamma (IFN-γ), em amostras parafinadas de lesões genitais benignas HPV-positivas por meio da metodologia de imuno-histoquímica.

3. Metodologia 3.1.Tissue microarrays Foram utilizados dois tissue microarrays (TMAs): um de pacientes-caso e outro de pacientes-controle. Para o TMA pacientes-caso foram utilizadas 70 amostras de lesões genitais benignas HPV positivas, envolvendo amostras de condiloma, neoplasias intraepitelial cervical 352

(NIC) tipos I e II e neoplasia intraepitelial vulvar (NIV) tipo I e II, inclusas em parafina. O TMA pacientes-controle, foi confeccionado com 14 amostras HPV negativas de pacientes submetidas à miomectomia. Os TMAs foram obtidos juntos a Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP-USP) e a Faculdade de Medicina de Botucatu – UNESP. Todas as pacientes concordaram em participar do estudo. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas de São José do Rio Preto (IBILCE/UNESP) - CAAE: 37830514.0.0000.5466.

3.2.Imuno-histoquímica A metodologia de imuno-histoquímica foi utilizada para detectar seis imunomarcadores (tabela 1) nos TMAs pacientes-caso e pacientes-controle. As secções dos TMAs (4μM) foram desparafinizadas em xilol e reidratadas em séries decrescentes de etanol. Para os anticorpos rabbit foi utilizado o kit de detecção Expose Rabbit Specific HRP/DAB (ab80437 Abcam, UK), enquanto que para os anticorpos mouse foi o kit DoubleStain IHC Kit: M&R on human tissue (DAB & AP/Red) (ab210059, Abcam, UK). A recuperação antigênica foi feita em tampão citrato (pH 6,0) a 98ºC. A solução salina tamponada com Tris TBS + 0.025% de Triton-X (TBS- T, do inglês Tris-buffered saline) foi utilizado com tampão de lavagem. A peroxidase endógena foi bloqueada com solução 0.1% H2O2 pronta para uso (Hydrogen Peroxide Block, ab80437 Abcam, UK) por 15 minutos, seguido pelo bloqueio de proteínas inespecíficas com a solução Protein Block (ab80437 Abcam, UK) durante 15 minutos. A incubação com os anticorpos primários (tabela 1) foi feita overnight a 4ºC. Algumas lâminas foram incubadas com BSA 1% ao invés do anticorpo primário, como um controle da reação. No dia seguinte, após lavagens com TBS-T, as lâminas de FOXP3, CD1a, CD4 e CD8 foram incubadas polímero HRP (ab210059) por 30 minutos a 25ºC. As secções de CD3 e IFN-γ foram incubadas com o secundário específico conjugado HRP rabbit (ab80437) durante 30 minutos. As lâminas foram coradas com diaminobenzidina (DAB, ab210059) e contra corado com hematoxilina. As análises das secções foram feitas no microscópio Olympus BX60 com câmera digital Olympus DP71 (Olympus Corporation, Japão).

Tabela 1 - Relação de anticorpos primários, seus alvos entre as células do sistema imune, a diluição utilizada para cada um deles, assim como o código e marca. Anticorpo primário Alvo Diluição Código/ Marca anti-FOXP3 (mouse, Células T 1:100 ab20034, Abcam, UK monoclonal) regulatórias anti-CD1a (mouse, Células de 1:50 ab708, Abcam, UK monoclonal) Langerhans anti-CD4 (mouse, Células T helper 1:25 ab846, Abcam, UK monoclonal) anti-CD8 (mouse, Células T 1:50 ab17147, Abcam, UK monoclonal) citotóxicas anti-CD3 (rabbit, Células T 1:50 ab16669, Abcam, UK monoclonal) 353

anti-IFN-γ (rabbit, Citocina interferon 1:500 ab9657, Abcam, UK policlonal) gamma

3.3.Quantificação Para a quantificação de FOXP3 e IFN-γ, anticorpos com coloração citoplasmática, foi utilizado o software Image-Pro Plus (versão 6, Bethesda MD, EUA), empregando um sistema multipontos (ANTONIASSI et al., 2017). O sistema M130 foi aplicado com uso da ferramenta de Grid Mask do software. Os percentuais de áreas marcadas, não marcadas e não epiteliais foram anotados. Cada lâmina dos TMAs, marcada com os respectivos anticorpos, foi digitalizada com uma câmera BX61VS (Olympus Corporation, Japão) acoplada ao Sistema de Digitalização de Lâminas do Microscópio Virtual Olympus VS120 (VS120-S5) usando uma objetiva 20x. Três fotomicrografias aleatórias foram capturadas usando o software OLYMPUS OlyVIA 2.9 (Olympus Corporation, Japão) em objetiva 40x. Os valores de FOXP3 e IFN-γ foram expressos em porcentagem. Com relação aos anticorpos CD1a, CD3, CD4 e CD8, a quantificação foi feita após digitalização no sistema VS120, como descrito anteriormente. Para cada uma das amostras presentes nos TMAs, foram consideradas positivas as células marcadas em marrom, contabilizadas com o auxílio do software OLYMPUS OlyVIA 2.9 (Olympus Corporation, Japão). As áreas de cada uma das amostras foram obtidas utilizando Image Pro-Plus (versão 6, Bethesda MD, EUA). Para análise, foi calculado o número de células positivas por área, sendo os valores expressos em células por milímetro quadrado do tecido (cel/mm²).

3.4.Análise estatística O software GraphPad Prism (GraphPad Software, Inc., EUA) foi utilizado para a realização dos testes estatísticos e preparação dos gráficos. A comparação da média de expressão dos imunomarcadores entre pacientes-caso e pacientes-controle foi feita por One- way ANOVA, seguido de teste de Tukey. Valores de p<0,05 foram considerados estatisticamente significativos.

4. Resultados e discussão Os imunomarcadores FOXP3 (p<0,00001) (Fig. 1a-c), IFN-γ (p<0,00001) (Fig. 1d-f), CD1a (p<0,01) (Fig. 2a-c) e CD4 (p<0,001) (Fig. 2g-i), apresentaram aumento de expressão nas lesões benignas HPV positivas quando comparados aos pacientes-controle. Em contraste, os imunomarcadores CD3 (p<0,01) (Fig. 2d-f) e CD8 (p<0,00001) (Fig. 2j-l) apresentaram expressão diminuída nas lesões quando comparados ao tecido normal. No presente trabalho foi analisado a expressão de imunomarcadores em lesões benignas positivas para HPV, havendo dentre elas, amostras de pacientes com condiloma, NIC e NIV tipos I e II. O FOXP3, marcador de células T regulatórias, apresentou maior expressão nos pacientes-caso comparado aos pacientes-controle. Já foi observado acúmulo de células T regulatórias (T regs) FOXP3+ em condilomas, especialmente em verrugas maiores (CAO et al., 2008). Le Poole et al. (2008) também verificaram aumento de infiltrados de T regs em condiloma quando comparados ao controle livre de lesão. Foi observado que a expressão do marcador de células de Langerhans, o CD1a, foi maior nas lesões benignas em comparação aos pacientes-controle (Fig. 2c). Outro estudo também observou aumento de células de Langerhans em condiloma anal em comparação ao controle de tecido normal (SOBHANI et al., 2002). Em contrapartida, Pan et al. (2013) verificaram uma expressão menor deste marcador em amostras de condiloma em relação ao tecido normal de prepúcio (PAN et al., 2013). Com isso, as mudanças na expressão dessas células em condiloma parecem controversas (PAN et al., 2013). As células de Langerhans desempenham papel na 354

iniciação de determinadas respostas imunológicas à infecção por HPV, além de atuar como ativador de células T (PAN et al., 2013).

Figura 1 - Fotomicrografias e gráficos para os anticorpos FOXP3 (a-c) e IFN-γ (d-f). (a) representação da marcação positiva para FOXP3 em paciente-caso e (b) em paciente-controle. (c) gráfico comparativo da média de expressão de FOXP3 em pacientes-caso e pacientes- controle. (d) imunorreatividade para IFN-γ em paciente-caso e (e) em paciente-controle. (f) gráfico comparando a média de expressão de IFN-γ entre pacientes-caso e controle. a, b, d, e: 20x, bar=50μM; a’, b’, d,’ e’= 100x, bar=10μM. **** p<0,00001.

Fonte: Autoria própria (2020).

A expressão do marcador para células TCD8+ foi significativamente menor (p<0,00001) nos pacientes-caso em comparação aos pacientes-controle (Fig. 2l), enquanto que para TCD4+, a expressão foi maior nos pacientes casos. (Fig. 2i). Análises histológicas de amostras de pacientes que tiveram regressão de verrugas genitais mostraram grande infiltração de células TCD4+ e TCD8+, significativamente maior do que quando comparadas à verrugas não regressivas, sendo que nestas últimas observou-se que a maioria dos linfócitos eram TCD4+ (COLEMAN et al., 1994). A baixa expressão de células TCD8+ nas amostras de pacientes-caso pode estar relacionada à persistência das lesões, já que estas são células T citotóxicas e induzem a morte celular, caso o Complexo Principal de Histocompatibilidade (MHC) de classe I apresente antígenos endógenos estranhos (ROCK, 1996). Essa indução a morte celular poderia colaborar para a regressão das lesões, porém os níveis mais baixos dessas células T citotóxicas nas lesões podem indicar algum tipo de ineficácia neste tipo de resposta. Edwards et al. (1995) analisaram amostras de pacientes com lesões pré-invasivas recorrentes e verificaram que os níveis elevados de TCD4+ , somados aos baixos níveis de CD8+ poderiam estar relacionados à persistência (EDWARDS et al., 1995). O CD3, imunomarcador de células T totais, apresentou uma expressão menor nas lesões em comparação ao controle (Fig. 2f), sendo os altos níveis de células TCD8+ nas amostras dos pacientes-controle uma possível explicação para tal observação.

355

Figura 2 - Fotomicrografias e gráficos para os anticorpos CD1a (a-c), CD3 (d-f), CD4 (g-i) e CD8 (j-l). (a) imunorreatividade para CD1a em paciente-caso e (b) em paciente-controle. (c) gráfico de comparação da média de expressão de CD1a em pacientes-caso e pacientes-controle. (d) representação de marcações positivas para CD3 em paciente-caso e (e) em paciente- controle. (f) gráfico comparando a média de expressão de CD3 entre pacientes-caso e controle. g) imunorreatividade para CD4 em paciente-caso e (h) em paciente-controle. (i) gráfico comparativo da média de expressão de CD4 em pacientes-caso e pacientes-controle. (j) marcação positiva para CD8 em pacientes-caso e (k) em controle. (l) gráfico de comparação da média de expressão de CD8 entre pacientes-caso e controle. a, b, d, e, g, h, j, k: 20x, bar=50μM; a’, b’, d,’ e’, g’, h’, j’, k’= 100x, bar=10μM. * p<0,01; ** p<0,001; **** p<0,00001.

Fonte: Autoria própria (2020).

Com relação à citocina IFN-γ, foi observado uma expressão significativamente maior (p<0,00001) nas lesões benignas em comparação às amostras controles (Fig. 1f). Le Poole et al. (2008) encontraram efeito semelhante em condilomas ao analisarem transcritos de IFNγ e compararem aos níveis do mesmo em pele controle. Isto pode indicar uma ativação parcial resposta imune, já que o IFN-γ é um importante regulador de respostas imunológicas, 356

desempenhando, dentre outros papéis, atividade antiviral e antitumoral (BRANDACHER et al., 2006; BILLIAU; MATTHYS, 2009). 5. Conclusão Tais achados podem indicar ativação parcial da resposta imunológica em lesões benignas causadas pelo HPV. Mais estudos são necessários para esclarecer os mecanismos de evasão da resposta imunológica deste vírus. Estes esclarecimentos podem ajudar no desenvolvimento de imunoterapias mais efetivas contra essas lesões benignas, buscando uma melhor resposta imunológica anti-HPV e também evitar recidivas.

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7. Apoio financeiro Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).

358

Investigação das mutações encontradas após adaptação da linhagem africana de ZIKV.

MARQUES, N. N.¹, BITTAR, C.¹, BATISTA, M. N.², MOLINA, B. F.¹, RAHAL, P.¹

1 Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, UNESP/IBILCE – São José do Rio Preto, São Paulo, Brasil 2 Rockfeller University– New York, USA

1) Introdução Os arbovírus (Arthropod-borne vírus) são vírus que são transmitidos por artrópodes, uma vez que parte do ciclo replicativo ocorre nestes insetos, com a transmissão ocorrendo a partir da picada da fêmea infectada (NAYARA LOPES; CARLOS NOZAWA; ROSA ELISA CARVALHO LINHARES, 2014). As arboviroses geram constantes preocupações, principalmente em regiões tropicais, devido às rápidas mudanças climáticas, desmatamentos, migração populacional, ocupação desordenada de áreas urbanas, precariedade das condições sanitárias que favorecem um local adequado para a existência do vetor e, consequentemente, transmissão de diversas arboviroses. Os principais vetores são carrapatos e mosquitos (NAYARA LOPES; CARLOS NOZAWA; ROSA ELISA CARVALHO LINHARES, 2014; RUST, 2012). O Brasil está situado em uma área com predominância tropical com grandes regiões florestais, o que o torna um local adequado para a existência e proliferação de vetores que sabidamente são transmissores de arboviroses como Dengue (DENV), Mayaro (MAYV), West Nile (WNV), Oropouche (OROV), Rocio (ROCV), Chikungunya (CHIKV) e, mais recentemente, Zika (ZIKV) (COSTA et al., 2018; FIGUEIREDO, 2000, 2007; NAYARA LOPES; CARLOS NOZAWA; ROSA ELISA CARVALHO LINHARES, 2014). Identificado pela primeira vez na floresta Zika, em Uganda, em 1947 a partir do primata rhesus, o ZIKV causava infecções humanas esporádicas na África e na Ásia. Em 2007, surgiram casos da doença na Ilha de Yap, nos Estados Federados da Micronésia, infectando uma grande parcela da população. Em 2013 houve um grande surto nas ilhas da Polinésia Francesa e, posteriormente em 2015, o vírus chegou ao Brasil causando cerca de 1,3 milhão de infecções naquele ano. Em 2016 a Organização Mundial da Saúde declarou o ZIKV uma emergência de saúde pública a níveis globais (IOOS et al., 2014; DICK; KITCHEN; HADDOW, 1952; PAYNE, 2017; BEST, 2016; DUFFY et al., 2009; LIU; SHI; QIN, 2019). Os sintomas clínicos causados pela infecção ao vírus Zika são leves caracterizados por febre, dor de cabeça, erupções cutâneas, conjuntivite, vômitos, cefaleia, dor retro orbital, artralgia e mialgia. Em casos mais graves em adultos, pode causar a Síndrome de Guillain- Barré, uma neuropatologia (PETERSEN et al., 2016; WEAVER et al., 2016; CAO-LORMEAU et al., 2016). O ZIKV possui ciclo enzoótico, doença que é peculiar de uma localidade ou grupo de espécies, e circula entre primatas, incluindo humanos. Também pode infectar ovelhas, cabras e alguns roedores. Os insetos vetores são mosquitos do gênero Aedes, especialmente Aedes albopictus e Aedes aegypti podendo haver ciclos urbanos e silvestres. A transmissão pode também ocorrer via perinatal, transfusão de sangue e, também, sexualmente (BUENO et al., 2016; GARCIA; MARCHETTE; RUDNICK, 1969; PORTUGUÊS, [s.d.]; LIGIA FERNANDES ABDALLA, 2018; PETERSEN et al., 2016; SOLOMON; MILNER; FOLKERTH, 2016; MARANO et al., 2016; BESNARD et al., 2014; MUSSO et al., 2014; PAYNE, 2017). Até o momento, não há vacina contra o vírus Zika, portanto, a prevenção é feita com o controle do vetor por meio de uso de telas em janelas, eliminação de criadouros, uso de inseticidas, larvicidas, uso de repelentes e de preservativos durante as relações sexuais. Não há tratamento específico para a doença, portanto, este consiste no alívio dos sintomas à 359

medida que eles surgem (PAYNE, 2017; WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2018; PETERSEN et al., 2016). O vírus Zika pertence à família Flaviviridae, composta por vírus envelopados com genomas de RNA senso positivo capaz de infectar mamíferos e aves, que possui quatro gêneros atualmente: Flavivirus, Hepacivirus, Pegivirus e Pestivirus (SIMMONDS et al., 2017); além do Zika, esta família conta com outros exemplares de grande importância na saúde, filogeneticamente relacionados com o ZIKV, como Dengue (DENV), Hepatite C (HCV) e Febre Amarela (YFV - do inglês Yellow Fever Virus) (NAYARA LOPES; CARLOS NOZAWA; ROSA ELISA CARVALHO LINHARES, 2014; SIMMONDS et al., 2017). O ZIKV possui um genoma de aproximadamente 10,8 Kb de cadeia simples com polaridade positiva que é traduzido em uma única poliproteína, flanqueada por duas regiões não traduzidas (UTR – Untranslated Region) nas extremidades 5’ e 3’. Em seu genoma viral há três proteínas estruturais, C (capsídeo), prM (pré-membrana) ou M (membrana) e E (envelope), e sete não estruturais, NS1, NS2A, NS2B, NS3, NS4A, NS4B e NS5), responsáveis pela replicação do genoma viral e modificação das funções celulares e respostas imunes do hospedeiro. Até o momento, três linhagens do vírus circulam no mundo: a linhagem Africana Oriental, a Africana Ocidental e a Asiática (LIU; SHI; QIN, 2019; DE ALMEIDA et al., 2019). O sequenciamento de genomas é uma ferramenta muito utilizada na genética de microrganismos que possibilita avaliar e comparar mutações que eventualmente possam surgir no material genético destes organismos. Esta ferramenta tem sido aproveitada também em diversos estudos com vírus, inclusive o ZIKV. Na plataforma ViPR, Virus Pathogen Database and Analysis Resource, até o último dia 15 de Setembro de 2020, haviam 1742 genomas de ZIKV disponíveis, destes, 930 são genomas completos (VIPRBRC.ORG, 2019). Os vírus que possuem como material genético o RNA estão sujeitos ao surgimento e acúmulo de mutações que podem surgir no decorrer do seu ciclo devido à sua alta taxa de replicação e a falta de atividade de correção da polimerase viral, o que pode ocasionar mudanças importantes no genoma viral como adaptação do vírus a novos hospedeiros, mudanças conformacionais em suas proteínas e, por fim, tornar a replicação e infecção mais eficientes. Tal fato pode acontecer com o ZIKV, já que é um vírus de RNA, baseando-se em estudos realizados com outros flavivírus (SILVEIRA et al., 2016; DOWD; DEMASO; PIERSON, 2015; ARIAS-GOETA et al., 2014; ABDALLA, 2018). Sendo o ZIKV um arbovírus, ele possui dificuldades a serem enfrentadas: ele deve estar adaptado à dois hospedeiros com características diferentes, o hospedeiro artrópode e o vertebrado. A alternância de hospedeiros (vertebrado/mosquitos) pode acarretar na geração de vírions capazes de acumular mutações que podem ser viáveis para a sua sobrevivência tanto no vetor quanto no hospedeiro vertebrado em decorrência de pressões seletivas sobre estes vírus. Provavelmente, no início, o ZIKV circulava somente entre mosquitos Aedes africanus e primatas não-humanos, ou seja, um ciclo silvestre; no decorrer do tempo, devido a condições favoráveis para tal, surge um novo ciclo, o ciclo urbano, onde passa a incluir o ser humano e outros mosquitos como vetores (Aedes ae., A. hesilii), o que corrobora a capacidade de adaptação a novos hospedeiros que as arboviroses possuem (SALVADOR, 2016; SANJUAN et al., 2010; CIOTA; KRAMER, 2010; MOSER et al., 2018; DUFFY et al., 2009; GRARD et al., 2014; MUSSO; GUBLER, 2016; WEAVER, 2005). Mutações como a S139N (Ser139→Asn139 na proteína prM), por exemplo, encontrada em uma cepa isolada do Camboja em estudos feitos em ratos neonatais, resulta em uma maior neurovirulência do vírus Zika, ou seja, as mutações podem ocasionar mudanças nas conformações proteicas resultando em cepas mais agressivas. O contrário (N139S), porém, resulta em diminuição da neurovirulência (YUAN et al., 2017). Outro exemplo de como as mutações podem interferir no fitness viral é o surgimento de cepas com a variante 928V na proteína NS1. Essa variante resulta na redução da fosforilação 360

de TBK1, que desempenha um papel essencial na regulação das respostas inflamatórias a agentes patogênicos virais ou bacterianos. Por consequência, ocorre a inibição da produção de interferon-β, o que pode facilitar a replicação do vírus Zika em humanos já que, há uma redução na ação antiviral exercida pelo sistema imune (SAMUEL, 2001; XIA et al., 2018; POMERANTZ, 1999). Diversos estudos indicam que as proteínas virais possuem domínios proteicos capazes de interferir em diferentes vias do sistema imune do hospedeiro. Outro exemplo ocorre com a proteína NS5 do ZIKV que demonstrou possuir atividade na degradação da STAT2, o que inibe a via do Interferon tipo I e resulta na maior replicação viral (LIU; SHI; QIN, 2019; BOWEN et al., 2017). Assim, a circulação do Zika vírus em ciclos urbanos e silvestres pode resultar na seleção de mutações que conferem características próprias aos vírus que circulam em cada um destes ambientes. Tais mutações podem impactar a capacidade de transmissão do vírus e de alternar entre ciclos silvestre e urbano. Também podem impactar a virulência de cepas e modificar a interação com a resposta imune dos hospedeiros auxiliando na evasão.

2) Objetivos O objetivo deste estudo é avaliar o surgimento de mutações no genoma viral do ZIKV africano, cepa MR766, após adaptação do vírus in vitro por infecção alternada em células de primata não-humano (LLCMK2)/células de mosquito vetor (C6/36), mimetizando o ciclo silvestre, e células de humanos (HEK-293)/células de mosquito vetor (C6/36), mimetizando o ciclo urbano.

3) Metodologia

3.1 Cultura de células Para mimetizar as pressões sofridas pelo vírus quando submetido à alternância de hospedeiro taxonômicamente distintos nos dois ciclos conhecidos do Zika, ciclo urbano e ciclo semi-silvestre, as seguintes linhagens celulares foram escolhidas: Aedes albopictus C6/36 (células de larva do mosquito), HEK293 (células epiteliais de rim embrionário humano normal), VERO E6 (células epiteliais de rim de macaco verde africano) e LLCMK2 (células epiteliais normais isoladas a partir do rim de Macaca mullata), sendo essa última linhagem gentilmente cedida pelo Dr. Eurico de Arruda Neto da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, São Paulo, Brasil. O cultivo das linhagens HEK293, LLCMK2, VERO E6 foi realizado em meio Eagle Modificado por Dulbecco (DMEM) com alta glicose - (Cultlab), suplementado com 1% Penicilina e Estreptomicina (P/S) (ThermoFisher) e 10% de soro fetal bovino inativado (FBS) (Cultlab). A incubação de cada linhagem foi realizada em estufa úmida enriquecida com CO2 (5%) à temperatura de 37°C. Já as células de mosquito Aedes albopictus C6/36 foram cultivadas em meio de Leibowitz L15 (GIBCO - New York, USA) suplementado do mesmo modo, com incubação em estufa à temperatura de 28°C. 3.2 Vírus A cepa viral utilizada na infecção inicial para a produção do estoque necessário para este trabalho foi a ZIKVAF MR766 (número de acesso GenBank NC012532.1 Virus Pathogen Database and Analysis Resource (ViPR) - Flaviviridae - Flavivirus Zika virus Strain MR 766, [s.d.]) foi cedida gentilmente por Dr. Amilcar Tanuri da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil.

3.3 Produção de Estoque viral de ZIKVAF MR766 361

Para a produção do estoque do inóculo inicial, uma garrafa com células C6/36 de 75 cm² sem dispositivo de aeração acoplado à tampa com aproximadamente 100% de confluência foi infectada com 400 uL de vírus ZIKVAF cepa MR 766, incubou-se por 1h em estufa 28ºC sem a presença de CO2, agitando-se a cada 15 minutos. Posteriormente à incubação, adicionou-se 10 mL de meio de cultivo L15 suplementado com 1% FBS e 1% de P/S. As células foram incubadas por 96h na mesma estufa. Ao término, o frasco de cultivo foi congelado à -80ºC e seu conteúdo foi submetido à centrifugação, filtrado, aliquotado e armazenado em freezer - 80ºC. O inóculo inicial produzido teve seu título viral determinado por ensaio de formação de placa. 3.4 Extração do RNA viral do vírus, síntese do DNA complementar,amplificação e sequenciamento Esta metodologia foi aplicada para o sequenciamento do vírus estoque inicial (inóculo inicial) e para o vírus obtido na última passagem alternada de cada ciclo, semi-silvestre e urbano, totalizando três sequenciamentos de genoma completo. O RNA viral foi extraído pelo método TRIzol® Reagent (Ambion by Life Technologies). A síntese do DNA complementar foi realizada utilizando o kit High-Capacity cDNA Reverse Transcription kit (Applied Biosystems®), de acordo as instruções do fabricante, utilizando primers específicos. O genoma foi amplificado pela técnica de NESTED-PCR com a enzima Platinum® Taq DNA Polymerase (Invitrogen TM 5U/µL), seguindo as instruções da bula. A amplificação do genoma foi dividida em 12 fragmentos. Foram desenhados doze pares de primers para o PCR e doze pares para o NESTED-PCR, a partir de sequências conservadas do genoma viral com base na sequencia referência da cepa MR766. A identificação dos produtos amplificados foi feita em eletroforese de gel de agarose 1%. As amostras amplificadas foram purificadas utilizando o kit de purificação de PCR Zymo™ Gel DNA Clean & Concentrator de acordo com as recomendações do fabricante e, posteriormente, foi realizada a reação de sequenciamento utilizando o kit BigDye Terminator v3.1 (Life Technologies) com os primers de NESTED-PCR específicos para cada fragmento e seguindo as orientações da bula. Ao término da reação, as amostras foram precipitadas e ressuspendidas em Formamida Hi-Di™ (Applied Biosystens Life Technology), desnaturadas a 95ºC por 5 minutos e, por fim, sequenciadas no equipamento ABI 3130 XL Genetic Analyzer (Life Technologies). 3.5 Titulação do vírus por Ensaio de Formação de Placa O título do vírus foi determinado por ensaio de formação de placa realizado em células VERO E6 em monocamada. O inóculo foi diluído com fator 10 e inoculado em duplicata por 1h em estufa a 37ºC com CO2, agitando a cada 15 minutos. Posteriormente, o inóculo foi removido e um meio semi-sólido (composto por meio DMEM alta glicose 2x acrescido de 3% de carboximetilcelulose suplementado com 1% FBS e 1% de P/S) foi adicionado e incubado por 4 dias. Após este período, as células foram fixadas com formol 10% por um período de 20 minutos e coradas com 1% de cristal violeta. O título viral, então, foi expresso como unidades formadoras de placa por mililitro (PFU/mL). O título foi utilizado para que sempre fosse utilizada a mesma quantidade de vírus em cada infecção alternada. 3.6 Adaptação viral por alternância de infecção Foram realizadas passagens alternadas de infecção entre as células de humanos (HEK293) e mosquito (C6/36) simulando o ciclo urbano, e passagens entre células de macaco (LLCMK2) e (C6/36), simulando o ciclo semi-silvestre. Ambos ciclos foram feitos em paralelo e o processo de adaptação viral por alternância de hospedeiros foi planejado para ser repetido por 10 passagens. Todos os pontos de coleta de sobrenadante foram armazenados em freezer - 80ºC e o ponto final de adaptação será sequenciado, seguindo os protocolos de amplificação e sequenciamento descritos no item 3.3 Extração do RNA viral do vírus, síntese do DNA 362

complementar amplificação e sequenciamento. O delineamento experimental da adaptação viral por alternância de infecção pode ser visto na Figura 1.

Figura 1: Delineamento experimental das infecções por alternância de hospedeiro simulando os ciclos urbano e semi-silvestre. Imagem do autor.

3.7 Análise do sequenciamento A análise do sequenciamento está sendo realizada no software SeqMan Pro™. (Lasergene ®). 4) Resultados parciais e discussão A adaptação do ciclo semi-silvestre foi realizada conforme o estipulado no início deste projeto com dez passagens alternadas entre as células de mosquito C6/36 e células de primata não-humano LLCMK2. O título viral de cada passagem variou entre 105 a 106 PFU/mL, como pode ser visto na Figura 2. O sequenciamento do genoma completo do vírus adaptado obtido na última passagem do ciclo semi-silvestre já foi realizado foram encontradas as seguintes mutações quando comparado com o vírus inicial: G1728A, C3810T, T5516T/C, C5525A/C. Outras análises serão realizadas para avaliar se estas mutações são sinônimas ou não sinônimas e quais os possíveis impactos para o fitness viral. 363

Figura 2: Dados obtidos das titulações das passagens alternadas no ciclo semi-silvestre.

Ciclo Silvestre - ZIKV MR 766

1,00E+07 9,50E+06 9,00E+06 8,00E+06 7,00E+06 6,00E+06 5,00E+06

PFU/mL 4,00E+06 3,50E+06 3,00E+06 1,87E+06 2,00E+06 9,30E+05 7,37E+05 6,00E+05 6,25E+05 1,00E+06 3,80E+05 4,00E+05 2,87E+05 0,00E+00 P1 P2 C6/36 P3 P4 C6/36 P5 P6 C6/36 P7 P8 C6/36 P9 P10 C6/36 LLCMK2 LLCMK2 LLCMK2 LLCMK2 LLCMK2 Passagem/Linhagem celular

O ciclo urbano, no entanto, transcorreu até a terceira passagem alternada somente. O experimento foi realizado em duas tentativas a fim de determinar que o resultado realmente era o que se apresentava. Até a segunda passagem, ou seja, em células humanas HEK293, era possível obter-se o título viral por formação de placa de lise, como pode ser visto na Figura 3. No entanto, ao realizar a terceira passagem em células de C6/36, além de não observar um efeito citopático inicial, a titulação não apresentava placa de lise. A fim de confirmar que o vírus havia sido atenuado, duas imunofluorescências com anticorpos que marcavam o envelope viral foram realizadas e não se observou foco em nenhuma das diluições. Este resultado é reforçado com trabalhos como o do autor LI et al., 2019, onde alguns arbovírus podem ser atenuados após poucas passagens celulares e além disso, de acordo com BEAVER et al., 2018, linhagens africanas nunca foram detectadas nas Américas, exceto em primatas não-humanos e em pool de mosquitos. Ou seja, a linhagem do Zika africano MR766 não parece ser eficiente em humanos. O sequenciamento do genoma completo da segunda passagem do ciclo urbano será realizado para avaliar se existem mutações que possam justificar a atenuação do vírus.

Figura 3: Dados obtidos das titulações das passagens alternadas no ciclo urbano. Ciclo Urbano - ZIKV MR766 4,00E+06 3,60E+06 3,50E+06 3,00E+06 2,50E+06 2,00E+06

1,50E+06 PFU/mL 1,00E+06 5,00E+05 5,75E+04 1,50E+05 1,30E+05 0,00E+00 P1 HEK293 P2 C6/36 Passagem/Linhagem

Urbano v1.0 Urbano v2.0

REFERÊNCIAS

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APOIO FINANCEIRO Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (número de processo: 88882.434311/2019-01).

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Identificação da presença de arbovírus em amostras de soro e urina de indivíduos sintomáticos e assintomáticos presentes na Unidade de Pronto Atendimento (UPA) do município de Mirassol-SP.

DA CONCEIÇÃO, P.J.P.1, CARVALHO, L.R.1, GODOY, B.L.V.2,TERZIAN, A.C.B.2, NOGUEIRA, M.L.,2, RAHAL, P.1, BITTAR, C.1.

1Universidade Estadual Paulista “Julio de Mesquita Filho” – UNESP - IBILCE; 2Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto – FAMERP.

Introdução

Ao longo dos últimos anos um dos maiores motivos de preocupação ao redor do mundo têm sido os arbovírus, pois eles causam um grande impacto na saúde pública e geram grandes prejuízos econômicos para os países todos os anos (Weaver e Reisen, 2010; Donalisio et al., 2017). O vírus da dengue (DENV) e o vírus (Johnson et al., 2005)Zika (ZIKV) são vírus pertencentes à família Flaviviridae, gênero Flavivirus, transmitidos por mosquitos hematófagos do gênero Aedes, sendo o principal o Aedes aegypti (Holmes, 1998; Lindenbach e Rice, 2003). O DENV é representado por 5 sorotipos, 4 de ciclo urbano e 1 de ciclo silvestre, causando desde doença assintomática até doença grave, podendo levar a óbito (Holmes, 1998; Lindenbach e Rice, 2003; Mustafa et al., 2015). O ZIKV é uma doença que se apresenta de forma assintomática em, aproximadamente, 80% dos casos ou como uma doença febril leve e autolimitada, podendo ser confundido com outros arbovírus (Duffy et al., 2009; Wikan e Smith, 2016). Durante a epidemia ocorrida no Brasil, no ano de 2015, ficou evidente a relação entre a infecção por ZIKV e o aumento do número de casos de doenças neurológicas, tais como microcefalia e Síndrome de Guillain-Barré (Campos et al., 2015; Schuler-Faccini et al., 2016). A urina é um dos fluídos empregados na detecção tanto do DENV, quanto do ZIKV, sendo de fundamental importância, pois além de ser um método de amostragem não invasivo, apresenta sensibilidade e especificidades distintas, podendo alterar os resultados. A presença desses vírus nesse fluído é persistente, podendo ser identificados vários dias após o início dos sintomas (Barzon et al., 2013; Korhonen et al., 2014; Ma et al., 2014; Paz-Bailey et al., 2017). O monitoramento desses arbovírus na cidade de Mirassol é importante para o entendimento de possível circulação assintomática do ZIKV, identificação dos sorotipos circulantes de DENV, entendimento de possíveis coinfecções ZIKV/DENV e para desenvolvimento de estratégias de contenção da circulação desses vírus.

Objetivos

Objetivo geral Investigar a circulação sintomática e assintomática de arbovírus em amostras de soro e urina de indivíduos presentes na UPA do município de Mirassol-SP.

Objetivos específicos  Avaliar a circulação sintomática do DENV e do ZIKV;  Avaliar a circulação assintomática do ZIKV;  Identificar os sorotipos de DENV circulantes;  Explorar a possibilidade de detecção de DENV e ZIKV em urina;  Analisar a distribuição geográfica dos casos positivos para dengue na cidade de Mirassol.

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Metodologia

A população de estudo compreende indivíduos, pacientes ou acompanhantes, com e sem diagnóstico clínico de arboviroses presentes na Unidade de Pronto Atendimento (UPA) da cidade de Mirassol-SP. Foram coletadas 285 amostras de soro e 272 amostras de urina dos pacientes com suspeita de arbovirose e 697 amostras de urina dos indivíduos sem diagnóstico clínico de arbovirose. As amostras de sangue foram coletadas em tubo com ativador de coágulo + gel separador e centrifugadas para separação do soro. As amostras de urina foram coletadas em frasco coletor universal e foram processadas, passando por centrifugação e filtração. Posteriormente, foi realizada a extração do RNA das amostras de soro e urina empregando o TRIZOL (Invitrogen™, Life Technologies®, EUA). O RNA foi utilizado para investigação da presença ou ausência do DENV e do ZIKV, por PCR em tempo real (qPCR) por meio do protocolo One Step utilizando o kit GoTaq® Probe 1-Step RT-qPCR System (Promega Corporation, Madison, EUA). Foram utilizados primers e sondas específicos para cada vírus e no caso do DENV, para cada sorotipo (Johnson et al., 2005; Lanciotti et al., 2008).

Resultados e Discussão

Entre os pacientes sintomáticos, 130 (42,6%) foram positivos para DENV2, 111 (36,4%) foram positivos para ZIKV e 38 (12,5%) estavam coinfectados com ZIKV/DENV2 (Tabela 1). A faixa de idade dos pacientes e o gênero com maior número de infectados, para ambos os casos, foi de 30 a 59 anos e gênero feminino, respectivamente. A tabela 1 mostra as características básicas de todos os pacientes sintomáticos. Todos os pacientes foram atendidos pelo médico plantonista da UPA e com base em dados clínicos e epidemiológicos, todos foram diagnosticados com DENV. Nenhum paciente foi diagnosticado com ZIKV. Dentre os principais sintomas, a maioria dos pacientes com ZIKV e DENV apresentaram mialgia, febre, artralgia, dor retroorbital, enjôo, coceira na pele, exantema, intolerância à luz, conjuntivite e vômito (Tabela 2). Ao compararmos nossos dados com outros estudos, vimos que o percentual de coinfecção está acima do encontrado anteriormente, em diferentes regiões do país. Em Pernambuco, houve um percentual de 2,6% de coinfectados e 2 estudos em São José do Rio Preto, cidade próxima à cidade de Mirassol, esse percentual foi de 0,9% (Pessôa et al., 2016; Colombo et al., 2017; Estofolete et al., 2019).

Tabela 1. Características básicas dos pacientes sintomáticos positivos para ZIKV, DENV e ZIKV/DENV ZIKV DENV2 ZIKV/DENV2 Características dos pacientes Positivo Positivo Positivo n % n % n % Feminino 63 56,8 77 59,2 23 60,5 Gênero Masculino 48 43,2 53 40,8 15 39,5 0-29 anos 38 34 42 32 7 19 30-59 anos 43 39 59 46 16 43 Faixa de idade Acima de 60 anos 9 8 17 13 4 11 Sem dados 21 19 12 9 10 27 Números totais 111 36,4 130 42,6 38 12,5 Fonte: do autor 368

Tabela 2. Sintomatologia dos pacientes positivos para ZIKV, DENV e ZIKV/DENV Sintomas ZIKV DENV ZIKV/DENV n % n % n % Febre 82 73,9 90 69,2 25 65,8 Enjoo 67 60,4 58 44,6 14 36,8 Vômito 30 27 19 14,6 3 7,9 Conjuntivite 37 33,3 33 25,4 10 26,3 Dor retroorbital 75 67,6 75 57,7 22 57,9 Intolerância a luz 47 42,3 36 27,7 9 23,7 Coceira 59 53,2 63 48,5 14 36,8 Exantema 54 48,6 65 50 14 36,8 Mialgia 91 82 96 73,8 25 65,8 Artralgia 78 70,3 70 53,8 20 52,6 Fonte: do autor

Com relação aos fluídos utilizados, notou-se que a detecção do ZIKV em amostras de urina foi praticamente igual à do soro. Enquanto que para DENV, a detecção no soro foi consideravelmente maior quando comparado com a de urina (Tabela 3).

Tabela 3. Quantidade de pacientes positivos para ZIKV e DENV de acordo com os fluídos Fluido ZIKV DENV Sangue e urina 35 (31,5%) 32 (24,6%) Apenas Soro 36 (32,4%) 95 (73%) Apenas Urina 40 (36%) 5 (4%) Fonte: do autor Estudos mostram que a detecção de ZIKV e DENV em urina pode ser feita vários dias após início dos sintomas, pois há uma maior persistência do vírus nesse tipo de fluído. Ao relacionarmos a detecção em urina com os dias de sintomas, vimos que a maioria dos pacientes coletaram amostras em períodos de incubação entre 2 e 6 dias após início dos sintomas, podendo explicar a baixa detecção do DENV em urina (Barzon et al., 2013; Korhonen et al., 2014; Ma et al., 2014; Gourinat et al., 2015). No nosso estudo, não foi possível realizar o acompanhamento de todos os pacientes infectados para melhor observação da persistência em amostras de urina. Em relação aos pacientes sem diagnóstico clínico de arboviroses, foram analisadas 697 amostras de urina, pertencentes a 110 (16%) acompanhantes e 587 (84%) pacientes diagnosticados para outras enfermidades. Desses pacientes, 79 (11%) foram positivos para ZIKV, sendo 13 (16.5%) acompanhantes e 66 (83.5%) pacientes sem diagnóstico clínico de arboviroses. Em relação ao gênero, 47 (59%) são do gênero feminino e 32 (41%) do gênero masculino. A faixa de idade desses pacientes varia entre 3 e 97 anos. A tabela 4 mostra as principais características desses indivíduos.

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Tabela 4. Características dos indivíduos positivos para ZIKV

ZIKV Características dos indivíduos Negativo Positivo n % n % Feminino 438 62,8 47 6,7 Gênero Masculino 180 25,8 32 4,6 0-30 anos 180 25,9 25 3,6 Faixa de idade 31-100 anos 435 62,7 54 7,8 Acompanhantes 97 13,9 13 1,9 Hipótese diagnóstica Outras hipóteses diagnósticas 521 74,7 66 9,5 Fonte: do autor Entre os indivíduos positivos para ZIKV, 95% foram assintomáticos, levando em consideração a definição de caso suspeito, segundo o Ministério da Saúde. Porém, alguns indivíduos apresentaram 1 ou mais sintomas que poderiam ser sugestivos de arboviroses. Os principais sintomas foram: mialgia (32,9%), febre (19%), náuseas (19%), vômitos (17,7%), dor retroorbital (15,2%), artralgia (12,7%), coceira na pele (10,1%), intolerância à luz (9%), erupção cutânea (2,5%) e olhos vermelhos (2,5%). Ao compararmos os sintomas, tanto do grupo de sintomáticos, quanto de assintomáticos, vimos que eles condizem com estudos de outros grupos (Cerbino-Neto et al., 2016; Colombo et al., 2017; Karkhah et al., 2018). Além disso, no grupo de pacientes sem diagnóstico clínico de arbovirose, que foram positivos para ZIKV, os pacientes estavam na UPA por motivos de outras doenças, tais como: doença do aparelho urinário (33% n=22/66), distúrbio digestivo (15% - n=10/66), doenças do aparelho respiratório (15% - n=10/66), distúrbios musculoesqueléticos (9% - n=6/66), doenças cardiovasculares (4,5% - n=3/66), doenças do aparelho reprodutor (1,5% - n=1/66), doenças do sistema nervoso e órgãos dos sentidos (1,5% - n=1/66) e doenças multissistêmicas (19,7% - n=13/66). Na literatura não foram encontrados estudos que condizem com esses achados, pois nenhuma dessas doenças foi relacionada ao ZIKV. Outro fato é o aumento do número de casos com relação aos meses. No grupo de sintomáticos, observamos um aumento no número de casos de ZIKV nos meses de janeiro (9/111), fevereiro (38/111), março (29/111) e abril (21/111) do ano de 2019. No caso do DENV, houve grande quantidade de infectados nos meses de fevereiro (5/130), março (30/130), abril (19/130) e maio (18/130) de 2018, diminuindo esse número a partir do mês de junho. Posteriormente, houve aumento do número de casos novamente a partir do mês de janeiro de 2019. No caso de grupo de assintomáticos, houve aumento do número de casos de ZIKV, a partir do mês de setembro e os meses com maior número de casos foram dezembro (8/79), janeiro (25/79) e fevereiro (11/79). Todos esses achados são concordantes com a literatura, que mostra maior número de casos na primavera e no verão e diminuição do número de casos a partir do outono e do inverno e isso é explicado pelo fato de que nesses meses ocorre o aumento de temperatura, umidade relativa e chuvas, auxiliando na disseminação do vetor e no aumento da reprodução (Viana e Ignotti, 2013; Araújo et al., 2019).

Conclusão

Nosso estudo mostrou a circulação de ZIKV e DENV2 na cidade de Mirassol-SP e a possível detecção desses vírus em amostras de soro e urina de pacientes sintomáticos e assintomáticos. Além disso foram encontrados casos de coinfecção ZIKV/DENV2 representando 12,5% dos casos e nós também mostramos a ocorrência de infecção assintomática pelo ZIKV. Dessa forma, nosso estudo mostrou a importância de uma melhor 370

investigação dos casos de ZIKV na cidade de Mirassol, por meio de exames laboratoriais específicos com a utilização de mais de um fluido. O diagnóstico baseado apenas em dados clínicos e epidemiológicos não é o ideal, principalmente para o diagnóstico da febre do ZIKV, que é uma doença que não apresenta sintomas específicos e pode ser confundida com várias doenças, como pôde ser visto em nosso estudo. Todos esses fatores dificultam o diagnóstico correto do ZIKV causando uma subnotificação da doença e dificultando possível contenção da doença pelos órgãos competentes. Além disso, os dados desse estudo são importantes para desenvolvimento de medidas de controle dos vetores, vigilância e maior entendimento da circulação desses vírus, contribuindo para a prevenção de novos surtos dessas doenças.

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Apoio Finaceiro

“O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES) – Código de Financiamento 2046/2016” e “Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) - 440723/2016-7”.