Cidade do 2002 Ano 11 n030 Rio Artes é uma publicação do Instituto Municipal de Arte e Cultura - RioArte, da Secretaria das Culturas --

Inédito - um poema escrito em inglês por

João Ubaldo Ribeiro

Carlos Heitor Cony

Lembranças de JK

Lygia Pape, a dama da experimentação o cineasta Peter Greenaway entrevistado por

Carlos Helí de Almeida

José Castello

Lilian Fontes

Luis Camillo Osório

Paulo Reis

Rubem Grilo

Nayse Lopes

Maurício Rocha

Macksen Luís r

PrefeituraRIO ~~ daCidade Secretaria das culturas RIOARTE

Prefeito do Rio d e Janeiro Cesar Maia Secretário das Culturas Ricardo Macieira RioArtes Presidente da RIOARTE Fábio Ferreira Diretor de Projetos Alberto Benzecry Coordenadora da Divisão de Editoração Gló ria Estellita Uma publicação do Instituto Municipal de Arte e Cultura - RioArte Editor Wilso n Cout inho da Secretaria das Culturas Sub-editor Paulo Reis Cidade do Rio de Janeiro 2002 Ano 11 n030 Revisor Manoel Artur Silva Programação Visual Carla Marins Fotolito/Impressão Imprinta Express EDITORIAL Cultura e História In stituto Municipal de Arte e Cultura RIOARTE Rua Rumânia 20 tel 2285 5889 Em foto oficial o jornal "RioArtes" participa, neste tivesse uma batida de trabalho tão nova tel / fax 2265 9960 ramal 237 número, do centenário de nascimento quanto a do ritmo musical nascente. [email protected] do presidente Juscelino Kubitschek, Pouco típico para a época, viajava mui­ CEP 22240-140 Laranjeiras RJ Brasil enfocando, em especial, o papel que ele to, mantendo um inabalável sorriso, sua exerceu na cultura desde a época em marca registrada. Sempre sorrisos, mas que foi prefeito de Belo Horizonte. não porque foi fácil o seu governo. Pas­ N a Prefeitura da capital mineira, sou por um golpe, tentativa de evitar criou a Pampulha, tomando manifesto que tomasse posse, e por dois levantes o gênio de Oscar Niemeyer, já esboça• militares. Mas JK tinha o prazer de con­ Com Lúcio Costa do quando este trabalhou na equipe que ceder anistias. Além disso, o seu sorri­ construiu o Ministério de Educação e so abafava as crises políticas. Na sua Saúde, depois MEC e, hoje, Palácio presidência, surgiu o embrião do Cine­ Gustavo Capanema - um prédio históri• ma Novo, sem falar no impacto que foi co no Centro do Rio, e não só do mo­ para toda uma geração a moderna ar­ dernismo brasileiro. quitetura brasileira e, na poesia, o con­ O traçado do Palácio foi do mestre cretismo. Também teve sorte: em 1958, Inauguração Le Corbusier. Sabe-se que o desenho ganhamos a nossa primeira Copa do de Brasília audacioso de Oscar logo chamou a aten­ Mundo. É claro que nos gramados bri­ ção de toda a equipe que trabalhou no lhava Pelé, o Rei. Por coincidência, seu projeto. Mais tarde, chamaria também reinado iniciou-se em sua presidência. a do prefeito JK. Oscar foi o seu ar­ Presidente, governou cinco anos. quiteto para a Pampulha e chamado para Como Getúlio Vargas, que ficou muito a maior obra de arquitetura do Brasil tempo no poder, deixou uma era. Para em todos os tempos, Brasília. muitos, os "anos dourados". Com Ri oArtes errou: No texto " João Ubaldo Na Prefeitura, já tinha vistas claras Brasília, cumpriu o que estava escrito lembra Amado", publicado para a cultura. Criou, na década de 40, na Constituição desde 1821 , um sonho no número 29, escrito pela uma espécie de Semana de Arte Mo­ que acabou sendo realizado. Sem ser romancista Lilian Fontes não derna em Belo Horizonte para tirar - um intelectual, mas sempre cercado foi que como se disse na época - "Minas da deles, JK nos legou uma era na área da escreveu "Quincas Borba " . Este romance é de Machado pasmaceira". Chamou, por exemplo, o cultura - uma era na qual o Brasil de Assis. Jorge Amado é pintor Guignard para dar aulas. Com descobriu a prazer da Forma e da In­ autor da novela " Quincas ele, estudou, por exemplo, o escultor venção. Berro d'Água." Armlcar de Castro. Prefeito e, depois, Neste número, o "RioArtes" pre­

No mesmo número do jornal presidente, tanto podia ser visto num tende oferecer aos leitores um pouco na seção ESTR~IA, que lança canteiro de obras quanto numa rodinha do que foi uma das grandes épocas da jovens poetas, houve os boêmia de poetas. Seu destino foi, no cultura brasileira. E, falando em leitores, NELSON lEIRNER z seguintes erros: o nome do entanto, o de construir. lembramos que resolvemos, numa ho­ iil }> I poeta é só Ricardo Miranda, AFFONSO ROMANO DE SANT'ANNA :o U Z ~ Presidente, empolgou o Brasil com menagem simples, batizar a mais re­ }> dispensando o Nascimento zw como foi publicado. Ao citar Brasília. O Palácio do Alvorada, com cente biblioteca do município, em Mo­ o SÉRGIO RODRIGUES 8 O I }> ::;: z Vi Haroldo de Campos e sua forma inesperada, penetrou no ima­ neró, uma zona carente da Ilha do ~ ~ z I~ <: Z Humberto de Campos, o u O ginário popular. É verdade que, em· Governador, com seu nome. Sabe-se 8 O w lJi z ~ ~ 5li> autor não quis fazer ironia o O 'ÜJ'" m- ~ '" música, gostava muito mais do violão que não se pode criar uma cultura em ,..;o O 13 ;: Q li> com seus poetas preferidos. ::;: Z o de Dilermando Reis, sempre chamado laboratório. Nem JK poderia. Deixou, Z ~ . El e gosta mesmo é de ~ I F V> Q o Augusto de Campos. para as tertúlias palacianas, mas sua porém, uma lição: ser otimista no pre­ j BRUNO UBERAn Finalmente, por erro de época viu nascer os talentos magistrais sente e ter esperança no futuro. E é exa­ ~ MARCO lUCCHESI digitação saiu Hohn Cage e de Tom Jobim e João Gilberto. No seu tamente no que acreditamos. UUAN FONTES não John Cage, como governo eclodiu a bossa nova. Foi, deveria. então, chamado pelos humoristas de Ricardo Macieira Nossa capa: Carla Marins "Presidente Bossa Nova", talvez porque Secretário das Culturas

4 abril 2002 Rio Artes n030

• Resenha Príncipe dos mil sorrisos Claudio Bojunga escreve magnífica biografia sobre o presidente JK e ganha o Prêmio Jabuti Wilson Coutinho

o monumental "JK, o artista do im­ terra natal do presidente, tais como "La­ possível", do jornalista Cláudio Bojun­ vra", "Extração", "Polimento", etc. Aí, ga, (Ed. Objetiva; 798 págs.) é o mais a imaginação artística de Bojunga com­ importante livro sobre o presidente até põe a vida de JK até o seu ostracismo hoje escrito. É possível que uma carac­ político pelos regimes militares, os abu­ terística da biografia não tenha sido sos de CPls para desmoralizá-lo, menti­ reparada pelos seus resenhistas. Bo­ ras sobre a sua fortuna ("a sexta do junga é jornalista, mas também esteta mundo"), que alegavam, sem provar, de qualidade. Seu livro pode ter sido, os seus brutais adversários, até o final por exemplo, influenciado pelo histo­ da vida num acidente automobilístico, riador do Renascimento, o suíço Jacob na Via Dutra. Burkhardt, um inventivo criador de Bojunga fez ainda justiça política do idéias, entre elas a da política como obra governo JK. Para tomar posse, foi pre­ de arte. O próprio título "JK, o artista ciso um gólpe do golpe, do general Lott do impossível" é uma boa indicação de - um personagem magnificamente cívi• que o presidente foi tratado como um co da época - os dois levantes mili­ construtor de formas e de que seu go­ tares, de direita, devidamente sem apoio verno, desde quando prefeito da cidade popular. Presidente sem guardar má­ de Belo Horizonte, foi uma formação goas, JK anistiou os rebeldes sem cau­ estética. A palavra artista não está no sa. Em cinco anos de presidência teve título à toa. o mais estimulante sorriso que a pre­ Uma das críticas ao livro é que Bo­ sidência já ostentou. Gostava do poder, junga esqueceu, embora o seu excelente sem jactar-se de sua extrema autori­ texto mantenha a apologia do Príncipe, dade. Ainda do ponto de vista estético, as mazelas: a mudança da capital a toque JK soube governar com um pé na de caixa, a bagunça administrativa no boemia e outro no canteiro de obras. funcionalismo público, dinheiro gasto Gostava de bailar, era namorador (mas a rodo e, ao fim do governo, instabili­ não tanto que o impedisse de trabalhar dade financeira, com desorganização no duro, amante de saraus litero-musicais), caixa e inflação alta. cativado por intelectuais como Augus­ JK como Príncipe, porém, para Bo­ to Frederico Schmidt, autor de suas mais junga, de um lado estetizou o Brasil, belas frases e discursos, e criador de oferecendo as 'formas avançadas de planos pouco sensatos, mas que pare­ Brasília e da Pampulha e, de outro, tor­ cem, em um deles, ter acabado por in­ nou possível a centralização política e fluenciar a política para a América Lati­ geográfica do país, um sonho que nas­ na do presidente Kennedy. ceu na colônia e fez parte da primeira Caindo nas graças do povo Como um Príncipe construtor, ao Constituição do país, a de D. Pedro I. ser prefeito de Belo Horizonte criou o A coragem de JK é uma mistura de magnífico complexo da Pampulha, con­ fato estético e vontade de potência. Em Em siderada a mais bela obra de Niemeyer, certo aspecto, ele é um bom personagem cinco anos de presidência, que foi o seu Michelangelo em Brasília. de Burkhardt, na ótica minuciosa da bio­ teve o mais estimulante sorriso que a E se Minas não teve mar, o cosmo­ grafia do jornalista. Os capítulos são até politismo de JK criou lagos - na Pam­ divididos em metáforas da mineração, presidência já ostentou pulha e em Brasília. "JK foi afinal o extraídas da antiga atividade de Dia­ inventor de Lula", diz Bojunga, suge­ mantina, a Minas menos sorumbática, rindo a criação do ABC paulista, obra Rio Artes n030 abril 2002 5

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da indústria automobilística fomentada No passado, o presidente foi homem pelo presidente. "JK foi criador da São de alegria espontânea, tocador de obras, ~\ Paulo moderna", afirmou o banqueiro munido de extrema energia. Brasília é \ e embaixador Walter Moreira Salles. sua obra da vontade, fazendo do barro Bojunga não esquece de lembrar que vermelho a terra onde pisariam brasilei­ o governo JK cumpriu todos os pro­ ros de todos os tipos e de todos os so­ cedimentos democráticos, sem nunca taques. E, apesar da mudança da capi­ lhe passar pela cabeça não entregar a tal, o presidente sempre amou o Rio. faixa presidencial ao seu sucessor. Pas­ Seu apartamento, depois de "'a"03a.UV~H sou-a para o amalucado Jânio Quadros, em Copacabana, na Avenida que, na exata expressão de Monso Ari­ no, foi a "UDN de porre". Porre que deixou o país embriagado até o final da ditadura militar. Apesar da mudança da Como todo grande político, JK era muito preocupado com "miuçalha Capital, o presidente partidária". Subiu dentro dela, na or­ ganização quase tediosa de diretórios sempre amou o Rio. políticos, com gente aparentemente sem em expressão política, mas que, na hora das Morava Copacabana convenções do partido e do voto, valia mais que figurões com repercussão na mídia. Ali, com gente miúda, fez sua car­ Nascido em Diamantina em 1902 e gênios como Lúcio Costa e Oscar Nie­ a bela Maria Lúcia Pedroso, apesar dos reira. Com gente grande, fez sua obra. falecido em 1976, JK criou uma era. meyer. Soube ajuntar-se com intelec­ tremendos arrofos com Dona Sara. Bojunga, da faffil1ia Roquette Pin­ Sua primeira obra foi uma ponte ne­ tuais e poetas. Gostava tanto de uma É minucioso até demais no levanta­ to, viveu a juventude nos anos doura­ cessária para Diamantina. Chefe do boa frase quanto do violão de Diler­ mento do desastre automobilístico que dos do governo JK. Foi feliz. O entu­ gabinete civil do governador Valadares, mando Reis. O peixe vivo vivia fora da o matou. Não há suspense. Houve aci­ siasmo que seu livro oferece, talvez não tratou da política partidária com desve­ água fria. dente mesmo. Ninguém o matou, a não possa evitar o tempo da inocência do lo e fazendo amigos. Nomeado prefei­ Cláudio Bojunga escreveu um belo ser o esforço para teorias conspirató• autor. A biografia, portanto, espalha to, mudou a rotina do cargo, construin­ livro sobre o presidente que foi chama­ rias. A biografia de Bojunga é perfeita, entusiasmo, calor e tristeza com o final do obras ousadas. Presidente, conseguiu do de "one billion dollar smile". O fi­ deve ser lida como um bom exemplo melancólico do presidente, perseguido realizar seus planos de metas, criando nal de sua vida pode ter sido melancóli• sobre um rico período da nossa história e no ostracismo, chegando a perder, por comissões paralelas, que evitavam pa­ co para um homem que sabia sorrir. Uma republicana. E, como brinde, o leitor um voto, o que não acontece com gente ralisias e entraves burocráticos. Em cin­ operação na próstata o levou a impotên­ tem de presente o esplêndido estilo do como ele, a eleição para a Academia co anos, Brasília é um milagre da von­ cia sexual, e, mesmo assim, manteve - autor, um dos melhores do jornalismo Brasileira de Letras. tade. Sua forma e sua audácia, obra de sem sexo - o seu amor de toda a vida, brasileiro. 6 abril 2002 Rio Artes n030

• Entrevista IINão há modernização política sem formas modernasll Bojunga diz que é difícil, mas não impossível o Brasil ter, de novo, um presidente do porte de JK

RIOARTE - Entendi seu livro na linha ~ a infra-estrutura (Volta Redonda), o do historiador Jacob Burkhardt, a ~ planejamento. Mas não teve dimensão política como criação estética. É .~ democrática na política, nem apreço possível lê-lo desta forma? O título ~ pela cidadania. JK herdou o que havia chama atenção por você chamar JK .g de melhor em seu antecessor (planifI­ o de artista e não político ou estadis­ . ~ cação, industrialização), mas na ver­ ::o ta, embora ele fosse as duas coisas. ã: tente democrática. Sabia que a demo­ o - Acho interessante sua interpretação. s cracia política produz resultados Imaginei o título como paráfrase à céle­ % duradouros sobre a sociedade civil. E bre fórmula "a política é a arte do pos­ que as formas modernas só são pos­ sível" - afirmando que JK a praticou síveis quando o pensamento é livre como a "arte do impossível", sempre como a respiração (Fritz Müller). Olha agindo no limite da impossibilidade e a URSS, que só foi criativa até o suicí• mostrando aos brasileiros que eles são dio de Maiakovski. capazes de realizar muito mais do que imaginavam. Mas também é correto RIOARTE - Como jornalista e um encarar a política de JK como criação grande conhecedor da cena políti• estética, levando em conta o lado lúdi­ ca internacional, o que é para você co e a dimensão do sonho em JK. Lem­ escrever biografia e História? bre-se da frase de : "Im­ - Ter o apreço de Tucídides pela con­ aginem uma Brasília criada pelo temporaneidade, a imaginação de um Marechal Dutra!" Gibbon (expulso de Oxford), o critério e o estilo de C. Boxer ou de Ewaldo RIOARTE - Outra coisa que você dá Cabral. Atenção: os citados são mes­ muito valor é o relacionamento de tres da arte narrativa. Nenhum deles JK com a boemia e com escritores considerava a história como ciência. e poetas. Parece que nunca mais Nenhum deles foi acadêmico. houve um presidente com essas ca­ racterísticas. FHC é um intelectual, RIOARTE -É possível, o Brasil ter mas parece ter muito pouco inte­ outro JK ou alguma personalidade resse por artistas e poetas. Os mar­ política do mesmo calibre? queteiros de campanha acabaram - Difícil. Mas não impossível com os mestres da frase e de pro­ jetos pouco convencionais? - Considero fundamental essa dimen­ são. É a preponderância da imaginação sobre a inteligência. É a compreensão Primeiros passos: o Congresso em andaimes de que não há modernização política e econômica sem formas modernas. Lá no final do livro, ele diz: "os econo­ selheiro de JK não foi o Lavareda ou o da Pampulha à Brasília, fora a bossa mistas não estavam à altura do meu Luciano Martins, foi o poeta Augusto nova, a poesia concreta e o neoconcre­ sonho". Que político diria isso hoje? Frederico Schmidt. Daí a brincadeira tismo. Foi uma época que a forma do­ Acho que FHC realizou coisas impor­ do Luís Carlos Barreto: FHC é mais minou sobre o "conteúdo" dos anos 40, tantes, embora tenham lhe faltado brasilianista do que brasileiro ... os anos Vargas? ousadia, imaginação, sonho. Muito us­ - Não existe essa oposição: Vargas foi pianos para poucos escritores. O con- RIOARTE - O tempo de JK é o tempo a modernização institucional (Códigos), Bojunga: apreço por Tucídides ~io Artes n030 abril 2002 7 o construtor e os boêmios Prefeito de 8elo Horizonte e presidente da República, gostava de poetas e artistas

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Como prefeito de Belo Horizonte, JK introduziu o primeiro trator em Minas. Autor de inúmeras obras públicas, que deixaram a cidade de cabeça para baixo, foi chamado de "prefeito furacão". A barragem da Pampulha necessitava, então, de uma grande obra, um cassi­ no, como era chique na época, que ser­ viria para urbanizar o local, além de um iate clube. Oscar Niemeyer, amigo dos minei­ ros Gustavo Capanema e Rodrigo Mel­ lo e Franco, fez uns croquis que o pre­ feito, de início, não compreendeu. Súbito, entendeu os traços do mestre. "A luminosidade latina e barroca de Oscar diferia da sisudez funcional ger­ mânica e nórdica", escreveu Bojunga. U ma associação que duraria muito tem­ po e culminaria com a construção de Brasília. "Era a época do funcionalismo or­ todoxo - lembra Niemeyer - que não permitia qualquer fantasia. A época da armado podia nos oferecer tudo isto e críticas, achou que, com a Pampulha, Mourão, Affonso Ávila, Josué Montello, máquina de habitar de Le Corbusier; que o período de combate que acom­ Belo Horizonte, em 1944, na gestão de Francisco de Assis Barbosa, Antonio na Escola de Arquitetura aprendíamos panhara o funcionalismo havia passa­ seu animado prefeito, havia se trans­ Houaiss. E o seu maior cunhador de que as fachadas eram determinadas pelo do. Indiferente à crítica e às insinua­ formado "na Bayreuth brasileira, no belas frases: o poeta carioca Augusto agenciamento, que condicionava todos ções veladas ("barroco", "gratuito", refúgio da poesia e da arte". Frederico Schrnidt. os outros elementos. A essa época, a etc), penetrei confiante neste mundo de O jornalista Humberto Werneck JK criou uma espécie de Semana de fantasia do arquiteto não devia sair do formas novas, de lirismo e liberdade contabiliza em "O desatino da rapazia­ Arte Moderna em Belo Horizonte, além quadro dos conceitos e dos princípios criativa que Pampulha abriu à arquite­ da" o prazer de JK em rodear-se de es­ de chamar o pintor Alberto da Veiga da técnica de construção. Mas o ângu• tura moderna". critores e intelectuais. Enumera Cyro Guignard para dar aulas de arte na ci­ lo reto e as formas frias e técnicas não Ela é hoje considerada um monu­ dos Anjos, Murilo Rubião, Cristiano dade: formou uma geração. O roman­ me entusiasmavam. Era apaixonado mento de elegância e poesia, destacan­ Martins - um dos melhores tradutores cista José Lins do Rego escrevendo, em pelas formas novas, superfícies curvas, do-se a beleza original e singela da igre­ brasileiros da "Divina Comédia", de 1944, não deixou de encantar-se com belas e sensuais, capazes de suscitar jinha de São Francisco. Até o poeta Dante -, Alphonsus Guimarães Filho, aquele "diamantinense anticonvencional emoções diversas. Sentia que o concreto Oswald de Andrade, dado a mordazes Autran Dourado, Fábio Luc s, Rui e boêmio". 8 abril 2002 Rio Artes n030

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A idéia de interiorizar a capital do Brasil era antiga e estava escrita na primeira Constituição brasileira, idéia, aliás, nunca revogada. JK pôs na prática, no Planalto Central, em pouco mais de três anos, algo constitucional­ mente difícil de ser realizado. Manobrou nos bastidores políticos para a aprova­ ção da mudança no Congresso, conse­ guiu verba e administração separadas e encheu o Brasil de simbolismos. No Cruzeiro, o ponto mais alto da Palácio do Itamaraty, Esplanada dos Ministérios. Projeto de Oscar Niemeyer região, havia uma cruz de madeira que para Ernesto Silva, médico e um dos diretores da Novacap, foi a verdadeira a com pedra fundamental da nova cidade. A estrutura da cidade teria forma de cruz, duas asas. Toda aquela região era um descam­ achou que lembrava "um avião em reta pado. Conta Bojunga que uma jornalista francesa ao vê-lo não pode conter sua para a impossível utopia" estupefação. Perguntou ao presidente: - Mas o senhor vai construir a capi- tal num deserto .. .isto é absurrdo! O presidente respondeu: Roberto. Um membro do júri, o inglês de Carlos Drummond de Andrade, que formas implícitas naquela folha de papel - Minha filha, absurdo é o deserto. William Halford decidiu por Lúcio trabalhava, mesa ao lado, da de Lúcio, que mudava a história do Governo do Entre os projetos para a nova capi- Costa, confiando no lirismo da concep­ no Serviço do Patrimônio Histórico e Brasil e, em certa escala, a vida dos tal constavam, entre outros, os de Lúcio ção. Era simples, fascinante, bonito e Artístico Nacional. Drummond corrigiu brasileiros. Costa, Nei da Rocha e Silva, Henrique engenhoso. Com poucas palavras, qua­ a ortografia. Depois, o poeta escreveu: A estrutura da cidade teria a forma Mindlin, M.M.M. Roberto e o da em­ se um só um desenho, sua vitória entrou - O plano piloto dizia bem pouco de cruz, com duas asas, que o poeta presa Construtec. A comissão julgadora na galhofa da imprensa. Parte da im­ para o leigo habituado a ver cidades em Manuel Bandeira achou que lembrava os dividiu em dois grupos: os que prensa criticava o arquiteto, achando funcionamento e não no papel, um "um avião em reta para a impossível pensassem a ideologia da concepção e que Lúcio Costa gastara "tostões" para papel nada luxuoso como o dos grandes utopia". Os monumentos ficaram a car­ os que ofereciam detalhes da organi­ rabiscar uma cidade e ganhara milhões. escritórios de arquitetura. Falei em go dos inventivos desenhos de Oscar zação da nova capital. Na reta final, Tomou-se lendário, o fato de que o rabisco. Era um rabisco e pulsava. Sem Niemeyer, que se transformaram em estavam o de Lúcio Costa e o M.M.M plano piloto de Lúcio pousou na mesa entender, eu sentia a vibração das prédios. Inovadores, não importunaram Rio Artes n030 abril 2002 9 o 1(<.Jo" :J "TIe CL Q) a::

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Pra ça dos Três Poderes, extremo leste d o eixo monumental

o presidente: "Você é comunista por­ Congresso e a Catedral. O Brasil ga­ que é poeta. Você é meu Michelange­ nhava símbolos, arquitetura e fantasia. lo". A equipe do "Michel angelo" era Aquele mundo tinha o pulso enérgico tipicamente brasileira. Além de vinte ar­ do presidente. Lúcio Costa ponderou Area residencial das asas sul e norte quitetos, havia um tipo, mestre em con­ para ele, que, devido aos altos custos tar piadas e um goleiro do Flamengo, do projeto, talvez fosse melhor só er­ que estava machucado. guer uma ala. Depois de conhecê-la, o escritor fez de mais belo. "A idéia de Oscar era criar uma at­ - Não - respondeu JK - Eu quero francês Jean-Paul Sartre, disse, em Re­ Podia ser exagero. Mas Brasília foi mosfera mais carioca no cerrado", diz tudo. Quero tudo pronto e iluminado. cife, para Jorge Amado: mágica para a História da arquitetura Bojunga. Assim nasceram o Alvorada, Brasília foi inaugurada em 21 de abril - Depois da Renascença, nada se brasileira. o Itamaraty, as inesperadas cúpulas do de 1960. 1 O abril 2002 RioArtes n030 Sinfonia de organza Foi uma época em que, quando se olhava para Paris, via-se a moda de Chanel e Dior Martha Surerus

Uma sinfonia de organza e zibeline pedra roladas com saltos de sete e meio! enfeitava as damas nos bailes da época Um perigo! do governo Juscelino. No começo do século, Gabrielle Mais do que os melhores anos, a Chanel, inspirada pelo clima descon­ moda teve os anos de ouro em 1958, traído das cidades à beira-mar, criou junto aos louros dos esportes, com a uma roupa mais simples para praia. As vitória do Brasil na Copa da Suécia e o roupas de banho eram muito elabora­ salto campeão de Adernar Ferreira no das e o ar marítimo era recomendado atletismo. para a saúde. Ela foi a primeira mulher A moda sempre movimentou a a usar suéter e calça. Sua roupa era de­ economia. Nos anos 50, Christian Dior finitivamente adaptada àquela era. Des­ consolidou-se como grande costureiro, de a guerra Mme. Chanel já impunha seguido por todo o "grand monde" da sua moda: uma elegância austera nos aristocracia internacional. As brasilei­ tailleurs, adaptados por nossas damas. ras não queriam ficar para trás, e, na "Não existe sucesso sem cópia. O suces­ inauguração de Brasília, a primeira so é copiar." pontificava Mme. Chanel. dama da nação, Sara Kubitschek, ves­ Na época de JK, não era raro ter no tia um Dior que foi confeccionado no closet um Chanel. atelier de Mena Fialho, no Rio de Ja­ Se Chanel representou descontração neiro. Mena tomou-se a costureira mais e revolução, Dior foi o luxo e o máxi­ famosa e mais cara da era JK. mo do glamour e beleza. Sem abando­ Até os anos 60, os criadores de moda nar seus vestidos de bailes preciosos, eram os costureiros. A maioria das mu­ Yves Saint Laurent o substituiu no tro­ lheres vestia-se sob medida, tanto na no em 1954 e até hoje, quando anun­ alta costura quanto no dia-a-dia. To­ ciou à mídia sua aposentadoria, ele é a das tinham a sua costureira. Nestes última palavra em roupas chiques, ine­ anos dourados, o salário mínimo foi o gavelmente associadas à riqueza e ao mais alto. As que tinham mais dinheiro deslumbramento. vestiam-se na Europa ou compravam Para entender a roupa da época de as cópias na Casa Canadá, no Rio. JK, sabe-se que as "socialites" tinham Quem tinha dinheiro podia comprar todo o tempo para se dedicar exclusi­ carro nessa época e a vida era mais na vamente a se vestir. Trocavam de qua­ rua. As televisões não tinham as cores. tro a seis roupas por dia! Passadeira, As mulheres passeavam pelas ruas de A elegância clássica de Dior arrumadeira, babás, cozinheira, faxinei-

1936 Inauguração do prédio do Ministério da Educação e Saúde, 1943 Estréia a peça "Vestido de noiva", de Nelson Rodrigues, atual Palácio Gustavo Capanema. Sergio Buarque de Holanda publica dirigida pelo polonês Zbgniew Ziembinski "Raízes do Brasil". Inauguração da Rádio Nacional 1945 Getúlio Vargas é deposto 1937 Constituição de 1937. 1946 Criação da Unesco 1939 O primeiro poço de petróleo do Brasil é descoberto em Lobato, 1947 Extinção do PCB na Bahia 1948 Fundação da SBPC, Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência. 1940 Chegam ao Brasil artistas europeus fugitivos de regimes autoritários, Inauguração do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro entre eles Maria Vieira da Silva, Arpad Szene, Emeric Marcier, Lazslo Meitner 1949 Fundação da Companhia Cinematográfica Vera Cruz, "Caiçara", dirigido 1941 Criação da CSN, Companhia Siderúrgica Nacional por Adolfo Celi, é seu primeiro lançamento 1942 Construção do conjunto da Pampulha, em Belo Horizonte. Projeto de 1950 Campanhas nacionalistas defendem o monopólio estatal do petróleo e da Oscar Niemeyer. Criação da Companhia Val e do Rio Doce energia elétrica. Entra no ar a TV Tupi de São Paulo, RioArtes n030 abril 2002 11

Moda -

ra, motorista, jardineiro, eram a diaris­ Os brasileiros estavam fazendo se tudo o que as artistas de cinema us­ ta de nossos dias. As "madames" podiam bonito lá fora e Vera Barreto Leite des­ avam: cabelos da Doris Day, a mecha viver realmente os anos dourados! filou para Chanel nas passarelas pari­ da Lauren Bacall ou a cintura da Ma­ Perdia-se o dia inteirinho nos salões sienses. Aqui também o governo estava rilyn Monroe. de beleza, entre massagens com rolos, direito e renovador, querendo acertar. Adotada por jovens rebeldes dos fricções com bastões de metal, bobs e A moda sempre acompanhou as evolu­ anos 50, a calça jeans virou o uniforme outros apetrechos, não esquecendo a ções e as revoluções, igual às mulheres. de uma geração. A calça mais popular manicure e a pedicure que eram pri­ do mundo simbolizava a aventura dos mordiais! Não se saía de casa mal arru­ mineiros americanos, sendo rapida­ mada. O que se usava era enchimento Os cabelos eram mente abraçada pelo mundo da moda. nos soutiens, cinturitas para adelgaçar James Dean e Marilyn trocaram os e todos os tipos de cinta. Sofria-se. duros de laquê, cascos trovejantes de um cavalo pelo - A moda acompanhava os modismos. ronco das motos e eternizaram esta Em 1947, Dior lançava sua coleção altíssimos, recheados paixão. marcando o domínio francês na criação de bombril. No final dos anos 50 o jeans ficou de moda. Suas novas criações tomavam mais largo: primeiro no tornozelo de­ a silhueta do período de guerra defini­ Quanto mais altos, pois na coxa. Surge então a boca de tivamente fora de moda. Batizada de sino com alma americana. Os jovens "new look" pela revista 'Harppers Ba­ melhores não se vestiam mais como os mais vel­ zaar", a coleção, paradoxalmente, im­ hos; eles tinham a sua moda. põe um estilo reacionário, trazendo de Os cabelos mereceriam um capítulo É importante notar que na virada do volta as saias longas e a cintura de à parte. Duros de laquê, altos, altíssi• século, o tênis e o golfe eram as únicas vespa do século XIX. mos recheados de bombril! Quanto mais modalidades abertas às mulheres nas Em 1955, a Sorbonne lhe oferece alto melhor, ou, se fossem lisos demais, Olimpíadas e que foi a campeã brasileira uma tribuna de conferencista. O suces­ teriam as pontas réviradas como os das Maria Esther Bueno a inovadora no uso so internacional e o marketing publi­ holandesas. Era a grande moda e de sainhas brancas próprias para o tênis. citário de Dior fazem de sua maison o seguida por todas as que iam ao chá da Na era JK, tocou-se a sinfonia de elo de transição entre a alta costura do Confeitaria Colombo. organza e zibeline. Mas outras orques­ passado e a do futuro. Quando a capital do Brasil mudou tras de tecidos, formas e invenções No anonimato dos ateliers, já se pre­ para Brasília, a moda acompanhou a também começaram a dar um ritmo parava a revolução do prêt-à-porter. evolução, as saias subiram para os joe­ novo às roupas da época. Surgiu o tubinho, uma roupa em forma lhos e os saltos das sandálias, que eram de cilindro, que chegou para as elegan­ estratosféricos, d~sceram para discre­ Martha Surerus é jornalista tes daqui, vendida também pela loja Sloper. tos três centímetros e meio. Copiava- especializada em moda.

primeira emissora da América Latina seu plano de metas: "cinqüenta anos em cinco" 1951 Primeira Bienal de Artes Plásticas em São Paulo 1958 Seleção brasileira de Garrincha, Didi e Pelé ganha a Copa do Mundo da 1952 Criação do BNDE, atual BNDES Suécia . Estréia a peça "Eles não usam black-tie", de Gianfrancesco Guarnieri. 1953 Criação da Petrobras. Lançamento do filme "O cangaceiro", Surge a bossa nova, estilo musical lançado pelo violonista João Gilberto. de Vítor Lima Barreto, premiado no Festival de Cannes, na França . Raimundo Faoro publica "Os donos do poder" A fábrica de automóveis alemã Volkswagen instala, em São Paulo, 1959 Revolução Cubana uma montadora de automóveis das linhas Volks e Kombi. 1960 Inauguração de Brasília, a nova capital do Brasil. 1954 Suicídio de Getúlio Vargas. Criação da Eletrobras 1961 Jânio Quadros renuncia à Presidência da República. 1955 Lançamento do filme "Rio 40 graus", de Nelson Pereira dos Santos Congresso aprova Ato Adicional que institui o Parlamentarismo. Lançado o primeiro veículo nacional, o Romi-Isetta 1962 Vinícius de Morais e Tom Jobim lançam "Garota de Ipanema". 1956 Guimarães Rosa publica "Grande sertão: veredas". JK apresenta 1 2 abril 2002 RioArtes n030

• Música Um tom para o Tom A bossa nova e João Gilberto sob a batuta do maestro Antonio Carlos Jobim

Talvez seja correto afinnar que um go­ de obras-primas de Tom, que perma­ ta do impossíveL" Diz ainda, citando o que a bossa nova só foi possível graças verno, mesmo bem sucedido, política e necem até hoje, cantadas e tocadas no crítico Tárik de Souza - "Tom vai rea­ a JK, frase dita a Ruy Castro. A grande administrativamente, não pode fazer país e no exterior. lizar um sonho dos concretistas: expor­ quantidade de bons músicos e outros diretamente nada pela cultura. Esta É certo que a época propiciasse uma tar arte" .Mais tarde, Frank Sinatra foi excepcionais, como Tom Jobim e João possui sua autonomia, ou melhor, sua maior comunicação dos jovens músi­ entender, muito bem, o que significa Gilberto, deve-se, talvez, como diz Bo­ ecologia. Precisa de um ambiente fa­ cos, morando na Zona Sul, com uma "Dindim" . junga, ao fato de que o presidente foi o vorável. Múltiplos fatores levaram a pre­ música mais formal, com alguma in­ Durante a Copa do Mundo de 1958, sujeito oculto daquela época de ouro. sidência JK a uma importante era cul­ fluência do jazz. As músicas vindas do João Gilberto e Tom Jobim gravam o Não tão oculto. O compositor humo­ tural, provavelmente, independente morro ou as canções de fossa ainda vi­ clássico da época em 78 rpm: "Chega rista Juca Chaves acabou considerando dele. Além da indiscutível marca que goravam, mas um bairro tomou-se o eco de Saudade" e "Bim-bom". Depois veio JK a própria bossa nova. É humor. Mas foi Brasília, um ato da vontade presi­ da nova geração: Copacabana. "Desafinado". Um gênero tinha sido tem bossa. Dizem os versos de Juca Cha­ dencial, o país conheceu, na música, criado e a batida de João Gilberto tor­ ves: "Bossa nova é mesmo ser/ presi­ um som novo, uma nova batida: a bos­ nava-se uma maneira nova de tocar, até dente/ desta terra descoberta! por Ca­ sa nova. Nela, ressaltaram os gênios de "Tom vai realizar hoje envolvida em variadas interpre­ bral/ Para tanto basta ser/simplesmente/ Tom Jobim e João Gilberto, além da tações, inclusive anedóticas, de que o simpático/risonh%riginal" . renovação na lírica da MPB, feita pelo o sonho dos som saiu quando o menino João Gil­ poeta Vinicius de Moraes. berto, na sua cidade natal de Juazeiro, Houve, contudo, na era JK, um tom concretistas: na Bahia, escutava o barulho de enxa­ para o Tom: o espírito de moderniza­ guar das lavadeiras lavando roupas no ção e uma autoconsciência da forma exportar arte" rio. "As invenções de Garoto, Johnny pelos artistas. "A bossa nova foi a mani­ Alf, Tom e Carlos Lyra foram melódi• festação tardia do modernismo na MPB, "A Copacabana solar, praiana, estu­ cas e harmônicas. A alma do ritmo leva libertando-a dos laicos parnasianos e dantil. Não a melancólica Copacabana a assinatura de João Gilberto", assegu­ românticos, dissolvendo a sentimenta­ do samba-canção e dos talentosos cro­ ra Bojunga. !idade no compromisso jovem a bele­ nistas provenientes da província como A época permitiu um tom que o pô• za, no flerte, na pescaria e no prazer. O Antonio Maria", assinala Bojunga. de atrair e permitir inovações. JK, mais "expressionismo" da bossa abriu espaço "Um barquinho vai, e tardinha cai." afeiçoado ao violão de Dilermando para canções que tinham as cores de E ainda: "O Rio das praias aproxi­ Reis, não poderia ser o promotor de um Matisse", escreveu Bojunga. mou e desnudou os corpos. Trocou a novo gênero musical, mas o otimismo Foi no bar Villarino, no Centro, que dó no peito pelo sussurro, embora o ena­ da época e a confiança no futuro bem houve o encontro histórico. Vinicius é morado de "Canção Triste' (Tom) que podiam dar um pano apresentado em 1956, no boteco, por recorre à metáfora industrial e sonora de fundo para aquelas Lúcio Rangel, a Tom. A soma disso: ao dizer que a beleza da amada era um criações. .' "Orfeu da Conceição" - uma coletânea avião", escreve o autor de "JK- o artis- Carlos Lyra afirmou Tom Jobim: o Rio solar Rio Artes n030 abril 2002 1 3

Esporte -

Na Repúblical nasce um Rei Nos gramados da Suécia, o mundo vibra com a seleção brasileira e coroa um gênio

A televisão costuma, às vezes, exibir a , ~ ricano de boxe. '-'" cena. Um rapazote de 17 anos recebe a ]::J Diria Nelson Rodrigues: "Amigos, o bola, dá um balão em um defensor do g. que importa é que Juscelino faz do Q:: País de Gales e enfia a pelota, com cal­ homem brasileiro. Deu-lhe uma nova e ma, para os fundos da rede. É pura be­ violenta dimensão interior. Sacudiu den­ leza. O garoto chamava-se Pelé. De­ tro de nós insuspeitadas potencialidades. pois da decepção contra os uruguaios, A partir de Juscelino, surge um novo em 50, no Maracanã e do futebol da brasileiro" . Hungria, em 54, que nos tirou do torneio, Na Copa de 58, o presidente - se­ a Copa do Mundo de 58, enfim era gundo descreve Bojunga - acompa­ nossa. Nascia um rei, embora já havia nhou a partida final numa poltrona no um príncipe, Didi, e um maravilhoso living do Brasília Palace Hotel. Depois clown chapliniano, Mané Garrincha. Os da vitória, enviou este telegrama para a jogos, ouvidos pelo rádio, empolgavam, delegação brasileira: "É o Brasil de a cada partida, toda a popúlação. Quan­ Brasília, que plantado no coração da do o escrete retomou, foi feriado. As pátria, tem agora um espírito novo a ruas enchendo-se de gente, brincando dirigir-lhe os destinos". Dias depois, carnaval. Para um país pobre, ganhar na inaugurava o Palácio do Alvorada. Europa era a consagração, festa similar A associação de Brasília com as gló• à libertação dos escravos. rias nos gramados da Suécia é bem sig­ Por uma destas coincidências que nificativa. Brasília seria a eternidade de servem para dar aura a época JK, o seu governo, embora um garoto negro reinado de Pelé começou na sua acabasse por ser mais célebre do que presidência, com a vitória da seleção a cidade. Por um longo reinado, o Brasil brasileira. Também para a sua aura foi chamou-se Pelé. Foi assim que o país, um período que o esporte brasileiro no século 20, foi reconhecido interna­ colheu vitórias. Ademar Ferreira da Pelé segura a Ta ça Jules Rimet cionalmente por americanos, africanos, Silva ganhou duas medalhas de ouro, europeus e orientais, chefes de estado, na categoria salto triplo, nas Olimpíadas, o Papa, astros e estrelas de cinema e lIA na segunda JK era o presidente. A partir de Juscelinol pela população de todo o planeta, que tenista Maria Ester Bueno, no templo tomou o futebol o esporte mais popu­ surge um novo brasileiro II de Wunbledon, venceu, em 58, o mundial lar da Terra. Brasília foi um templo na­ de tênis. Éder Jofre, dois anos depois, Nelson Rodrigues cional. Pelé, a identidade brasileira para consagrou-se como campeão sul-ame- além de todas as fronteiras.

a América Latina é assasinado na Bolívia. 1972 Guerrilha no Araguaia Criação da Aliança Libertadora Nacional 1973 Golpe militar no Chile. Criação da Siderbras, Siderúrgica Brasileira SA 1968 Decretado o Ato Institucional nO 5, o AI-S. Passeata dos Cem Mil. Lançamento dos filmes "São Bernardo", de Leon Hirzsman, e "Toda nudez será Maio de 68, em Paris. Primavera de Praga castigada", de Arnaldo Jabor 1969 Lançamento do filme "Macunaíma", de Joaquim Pedro de Andrade, 1975 Estréia a peça Gota d'água, de Chico Buarque e Paulo Pontes, com Bibi com Grande Otelo. O americano Neil Armstrong é o primeiro homem Ferreira. Fusão dos estados do Rio de Janeiro e Guanabara. Morte do jornalista a pisar na lua . Surge o semanário "O Pasqu im" Vladmir Herzog 1970 Brasil é tricampeão de futebol no México. Publicação de "Pedagogia 1976 Morte de Juscelino Kubitschek, em Resende, Rio de Janeiro, em acidente do oprimido", de Paulo Freire automobilístico. 1 4 abril 2002 RioArtes n030

• Literatura / Arte Concretos versus neoconcretos Nos anos 50, dois grupos artísticos rivais, um no Rio e outro em São Paulo, ocuparam a vida cultural brasileira Paulo Reis

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eQ. Q) cr: Para justificar o aparecimento de dois de Resende e a última, em junho de movimentos que radicalizaram a arte rUDTura 1956, na Companhia Siderúrgica Na­ charroux - cordeiro - de barros - fejer - haar - sacilollo - wladyslaw brasileira nos anos 50, o Concretismo cional. Em todas as mostras constavam e o Neoconcretismo, é preciso lembrar o arte antiga foi grande, quanda foi inteligente. os artistas Aluísio Carvão, Carlos Vai, contudo, a nossa inteligência não pode ser o de Leonardo. que no Brasil o abstracionismo geo­ o história deu um salto qualitativo: Décio Vieira, Ivan Serpa, João José da métrico surge, de forma organizada, em Silva Costa, Lygia Clark, Lygia Pape, não há mais continuidade! São Paulo com o Grupo Ruptura, em Vicent Ibberson, Abraham Palatnik, 1952, e no Rio de Janeiro com o Grupo • os que criam formos novas de principias velhos. César Oiticica, Elisa Martins da Silvei­ então nós distinguimos Frente, em 1954. Divergências teóricas • os que criam formas navas de principios novos. ra, Emil Baruch, Franz Weissmann, entre os dois grupos acabaram levando Hélio Oiticica e Rubem Ludolf. por que? a um rompimento dos cariocas com o Em São Paulo, o movimento con­ concretismo paulista e o reagrupamen­ o naturalismo cientifico da renascença - o método para repre­ creto foi proveniente da poesia de Dé­ sentar o mundo exterior (três dimensões) sôbre um plano (duas to em tomo do neoconcretismo. Em São dimensões) - esgotou a sua tarefa histórico. cio Pignatari, Haroldo de Campos e Au­ Paulo, os construtivistas possuíam vín• gusto de Càmpos, tendo se estendido às culos com a indústria, a tecnologia, a foi a crise foi a renovação artes plásticas com a entrada de Walde­ aplicação do trabalho do artista na vida hoje o novo pode ser diferenciado mar Cordeiro, Hermelindo Fiaminghi, prática. Já no Rio, havia uma autono­ precisamente do velho. nós rompe' Judith Lauand, Luís Sacilotto, Maurí• mos com o velho por i.to afirmamos: mia individual respeitada, do trabalho cio Nogueira Lima, Lothar Charoux, isolado contido numa investigação des­ é O velho Kazmer Fejer e Alexandre Wollner. As

vinculada do utilitarismo que caracte­ o tôdos os variedades e hibridações do naturalismo; exposições são realizadas em São Pau­ riza as pesquisas do grupo de São Pau­ • a mera negação do naturalismo, isto é, o naturalismo "errado" das crianças, dos lo em 1956 e 1959 e no Rio de Janeiro lo. O construtivismo é a expressão loucos, dos "primitivos" dos expressionistas, dos surrealistas, etc. . .. ; em 1957. Por iniciativa dos concretos estética da industrialização do Brasil. • o não. figurotivismo hedonista, produto do gasto gratuito, que busco a mera excitação paulistas, realizou-se no MAMlSP e no do prazer ou do desprazer. Os primórdios do abstracionismo geo­ Ministério da Educação do Rio de Ja­ métrico podem ser localizados em é O novo neiro a I Exposição Nacional de Arte 1922. É no início dos anos 40 que a • as expressões baseadas nos novos princlpios artlsticos; Concreta, que reuniu pinturas, de­ grande maioria dos concretistas e neo­ • tôdas as experiências que tendem à renovação dos valores essenciais da arte visual senhos, esculturas e poesias de artistas (espaço-tempo, movimento, e matéria); concretistas, nascidos nas décadas de e a intuição artlstica dotada de principias claros e inteligentes e de grandes possibili­ das duas cidades e contou com palestras 10 e 20, começa a pintar. São eles que dades de desenvolvimento proltico; e conferências. Pela primeira vez no empreenderam a passagem para o • conferir à arte um lugar definido no quadro do trabalho espiritual contempordneo, considerando-a um meio de conhecimento deduzivel de conceitos, situando-a acima da país, foi apresentado um amplo pano­ abstracionismo. Os construtivistas in­ opini60, exigindo para o seu juizo conhecimento prévio. rama das artes plásticas e da poesia tegravam a nova classe média criada concreta, tendo sido lançado o Plano­ pela industrialização. De 1930 a 1955, Piloto da Poesia Concreta, de Décio a economia cresceu a taxas recordes. arte moderna não é ignorância, nóS somos contra a ignorância. Pignatari. Entretanto, a mostra acabou Ao se iniciar o governo JK, muitos por ressaltar as divergências flagrantes tinham a ilusão de que um novo mun­ Manifesto Ruptura, os paulistas entre os concretistas. Os artistas que do estava sendo criado. Nos anos 50, participaram desta histórica mostra muitos pintores semi-abstratos aderem arte e Mário Pedrosa, o 1954, na Galeria do IBEU, com texto eram: Alexandre Wollner, Aluísio ao construtivismo, um sinal da atração grupo foi influenciado tanto pela de apresentação feita por Ferreira Carvão, Alfredo Volpi, Amilcar de Cas­ que o projeto desenvolvimentista da presença do escultor suíço Max Bill e Gullar, da qual participaram os oito tro, Augusto de Campos, César Oitici­ burguesia industrial exercia sobre a dos concretos argentinos no Brasil artistas do núcleo inicial e a segunda, ca, Lothar Charoux, Décio Pignatari, pequena burguesia. quanto pela realização da Bienal de São em julho de 1955, no MAMIRJ, tendo Décio Vieira, Féjer, Ferreira Gullar, O Grupo Frente foi formado basi­ Paulo. Os artistas, que em 1959 pas­ como autor do texto de apresentação Franz Weissmann, Geraldo de Barros, camente por alunos do curso de Pintu­ sam a constituir o núcleo do Grupo Mário Pedrosa. Desta última participa­ Haroldo de Campos, Hélio Oiticica, ra que Ivan Serpa ministrava no MAMI Neoconcreto, realizaram quatro ex­ ram todos os integrantes. A terceira, em Hermelindo Fiaminghi, Judith Lauand, RJ. Tendo como teóricos os críticos de posições. A primeira, em junho de arco de 1956, no Itatiaia Country Clube Lygia Clark, Lygia Pape, Luís Sacilotto, RioArtes n030 abril 2002 1 5

Literatura / Arte -

supleme n to Maurício Nogueira Lima, Ronaldo gundo escreveu Waldemar Cordeiro em Azevedo, Rubem Ludolf, Waldemar 1957), o Grupo Frente pôde. superar os Cordeiro e Wladimir Dias Pino. dom n c a limites impostos pela teoria e radicali­ O concretismo paulista pregava o zar suas experiências espaciais a ponto desejo de uma arte plana, onde a tela de reunir em suas fileiras, quantitativa ,~ ~ . , • •••• ~ .. ~ .." "~ ' ...... ~ ...... t ••, "" • "e..... _.. ... ri . ... 01 . .. ~ . "~,., , • • " '1 " . ~ 1I • ~" • • bidimensional devia ser a própria ima­ e qualitativamente, o conjunto mais ins­ gem. O emprego de linhas curvas e dia­ tigante de escultores e pintores brasilei­ gonais precisava ser muito bem calcu­ ros daquele período. lado para não criar a impressão de O Concretismo do Rio de Janeiro, profundidade. Os mandamentos eram posteriormente transformado em Neo­ os da simetria, da centralização, da concretismo, abrigou não só as expe­ riências escultóricas de Amilcar de Cas­ repetição, convergindo no sentido de museu de ar'e m o úe,"" conferir rigidez ao quadro. Já os artis­ tro e Franz Weissmann, bem como as tas cariocas, sempre mais abertos às .A. de caráter pictórico efetuadas por Hélio estruturas assimétricas e descentraliza­ Oiticica em seus Bilaterais, Relevos das, propunham triângulos e círculos Espaciais, Parangolés e Bólides, Lygia preferidos aos quadrados e retângulos. Clark com os Casulos, Bichos, Trepan­ Estes valorizam mais as linhas curvas' EXPERIENCIA tes e as Obras Moles), Lygia Pape, com e diagonais, trocando unidade pela mul­ om,lcar de castro o Ovo, (Livros do Tempo e da Criação) tiplicidade. O grupo carioca, por ser claudio metia e saulO e Willys de Castro, com os Objetos mais aberto à subjetividade, possibili­ Ativos. A Teoria do Não-Objeto, de {c rrC'iro qullor tou um desdobramento que acabaria nas Ferreira Gullar, produzida em 1960, que experiências sensoriais, tanto com os ( 1(111 1 wciss mann se constitui numa espécie de clímax da objetos quanto com o corpo, passando /ygi o c/,,,k reflexão sobre a experiência neoconcre­ à demanda da participação do especta­ ta, é reveladora dessas convergências: dor, como o poema enterrado, os bi­ /ygia p"pc "E o que se verifica é que, enquanto a chos, os penetráveis e os ovos ao ven­ reyna/do jardim pintura, liberada de sua intenção repre­ to. Essa visão de mundo guarda, pois, sentativa, tende a abandonar a super­ thcol1 spanuóis uma diferença inconciliável com a ex­ fície para se realizar no espaço, apro­ pressa pelo grupo carioca, que destaca ximando-se da escultura, esta, liberta a ação do sujeito. Reside aí o núcleo da da figura, da base e da massa, já bem divergência estética, que levará à cisão pouca afinidade mantém com o que neoconcreta. rio. morco, 1959 tradicionalmente se denominou escul­ Contra o impreciso conceito de arte tura. Na verdade, há mais afinidade abstrata, o Concretismo pretendeu as­ Manifesto Neoconcreto, os cariocas entre um contra-relevo de Tatlin e uma sentar os princípios de uma ruptura escultura de Pevsner do que entre esta amplíssima: cortava com a forma sumido pelo Concretismo paulista desde morte, por Max Bill. Já o Concretismo e uma obra de Maillol, de Rodin ou de mimética, mas também com todas as 1952 buscava um claro referencial que carioca, conforme observou Mário Pe­ Fídias. O mesmo se pode dizer de um concepções da obra de arte enquanto o distinguisse do confuso ambiente das drosa, desde sua origem em torno de quadro de Lygia Clark e uma escultura expressão ou representação (indivi­ artes plásticas brasileiras. Para asse­ Ivan Serpa, se desobrigou dessa tarefa, de Amilcar de Castro. Donde se con­ dual, nacional, social, etc.). Só assim gurar a coerência específica de suas privilegiando a experimentação e a es­ clui que a pintura e a escultura atuais poderia chamar a atenção para o caráter posições, essa vertente do Concretismo fera prática: seu objetivo era antes in­ convergem para um ponto comum, afas­ concreto e objetivo do produto artísti• brasileiro teve de manter-se sempre ventar do que romper. Nesse sentido, tando-se cada vez mais de suas ori­ co que não mais dependia de nada fora muito próxima dos princípios teóricos mesmo que, confrontado ao rigor teóri• gens", escreveu Ferreira Gullar na sua dele, tornando-se então auto-referen­ elaborados em 1930 por Van Doesburg co do núcleo paulista, parecesse intui­ Teoria do Não-Objeto, publicado no te. O excessivo zelo pela ruptura as- e retomados, alguns anos após sua tivo em demasia ("desnorteado", se- Jornal do Brasil. 1 6 abril 2002 RioArtes n030

• Memória A bordo do corcel de Cony o romancista Carlos Heitor Cony relembra o tempo que conviveu com o presidente Lilian Fontes

Como biógrafo, um cretino. É assim versavam longa­ uma determina­ tro Armando Falcão. que Carlos Heitor Cony se qualifica ao mente sobre mui­ ção impressio­ Anos depois, quando, já fora da falar do livro escrito por ele, intitulado tas intimidades. nante, nada o im­ política, se candidatou à Academia Bra­ JK Memorial do Exaio. Adolph Bloch, A admiração pedia de dar sileira de Letras, sofreu um complô para o amigo e editor, tinha lhe dado essa por aquele que cabo de seu Pro­ que não fosse eleito. A ABL tentava incumbência de dar continuidade à bio­ tinha sido um dos grama de Metas. um empréstimo junto à Caixa Econômi• grafia de JK, Mil Dias de Exaio. Como presidentes mais O criador de ca Federal e, se os militares soubessem já tinha sido o revisor dos livros de me­ ousados que o Brasília, o presi­ que Juscelino havia sido aclamado, mórias do ex-presidente, caberia a ele país já teve foi dente que mu­ iriam bloquear o dinheiro. E, ao rece­ dar a forma final ao livro iniciado e in­ sendo fortifica­ dou a cara do ber o telefonema de Josué Montello terrompido no dia 22 de agosto de 1976, da ao conhecer o Brasil, o Jusce­ contando-lhe da derrota, JK simples­ por razão de sua morte. Responsabili­ outro lado, o mi­ lino animado mente disse: "Perdi. Vamos virar esta dade honrosa, porém, desafiante. neiro cauteloso, cujo entusiasmo página." Escrever sobre um homem como JK, o Nonô, o filho detonou a bossa Já desanimado diante de tantas ten­ para um público sedento em saber to­ de Dona JÚlia. nova, o cinema tativas de retomar a vida pública, Jus­ dos os pormenores da vida desse ho­ Parece que foi novo, este, todo celino comprou terras em Goiânia re­ mem, seria uma tarefa delicada. Esta­ dado a Cony, a brasileiro conhe­ solvendo se dedicar ao desafio de vencer riam esperando revelações a respeito de este jornalista e ce. Mas nem to- o cerrado da região. Os ares da fazenda sua vida íntima, os conflitos conjugais "romancista dos dos souberam o reanimaram, principalmente diante da com Dona Sara. Mas, apesar de ter tido maiores do Brasil", como disse Jorge dos anos que se seguiram ao seu man­ possibilidade de abertura na política acesso ao diário pessoal de Juscelino, Amado, a oportunidade de conviver dato, "A revolução foi feita contra o nacional que já se apontava, mas po­ Cony preferiu optar pela a omissão de com este Juscelino mergulhado na som­ Goulart, mas 24 horas depois voltou-se voava-lhe algum sentimento estranho, certos relatos. "Eu me sacrifiquei como bra, o lugar mais verdadeiro do ser hu­ contra mim." Esta frase dita pelo ex­ consolidado com a visita súbita de biógrafo para salvar um amigo". mano. "O homem- lembrou Albert Ca­ presidente descreve bem os seus senti­ repórteres vindo de Brasília por uma Cony foi amigo de Juscelino num mus- é um exilado eterno, nostálgico mentos, a sua incompreensão diante da notícia que o dava como morto num período em que ele não possuía mais o de um reino do qual foi expulso ou do perseguição sofrida por parte dos mili­ acidente de carro. glamour de um presidente. "Conheci qual se expulsa voluntariamente. Por tares. Poucos sabem, por exemplo, do Três dias depois, estava em São Pau­ Juscelino já na fase dos escombros", acaso, Juscelino experimentou os dois: pontapé que levou do major encarrega­ lo, almoço com Adolph Bloch e Cony, ele diz. Conheceram-se depois do episó• o reino e o exílio", escreve Cony no do de prendê-lo, em 68, quando foi ti­ um uísque, pouca comida, levantando­ dio de prisão vivida pelos dois em 68. prefácio de JK Memórial do Exaio. rado da platéia do Teatro Municipal se para fazer duas ligações para o Rio, Cony foi preso em 13 de dezembro e, Das passagens importantes vividas onde assistia tranqüilamente a uma ce­ discadas pelo punho de seu amigo e lembra-se, Juscelino foi preso quatro como político, como presidente, Cony rimônia de formatura. futuro biógrafo. dias depois. chama a atenção para o episódio do pri­ Tentaramjogá-lo no chão. Até o exí• Dia seguinte, 22 de agosto, às qua­ Saindo da prisão, Cony aceitou o con­ meiro dia de seu mandato. Vieram para lio este homem teve de viver, facada tro horas da tarde despediu-se de to­ vite de Adolph Bloch e foi trabalhar na sua posse alguns representantes de país• que poderia ser mortal para um patrio­ dos, pegando o carro da Manchete até Manchete, onde a Juscelino havia sido es estrangeiros. No dia seguinte, Jus­ ta como ele. Chegou a contrair um cân• o quilômetro 2 da Rio-São Paulo, onde dada uma sala. Cony se instalou justa­ celino parou às sete da manhã em Co­ cer de próstata, que segundo Cony, foi toma o seu Opala, no qual Geraldo, o mente na sala ao lado de Juscelino e pacabana e mandou acordar o então fruto da depressão do exílio. Mas até motorista desde os tempos da Prefeitu­ durante os último seis anos de sua vida, vice-presidente dos Estados Unidos, isto JK venceu, apesar de lhe terem ra de Belo Horizonte, já tinha arruma­ mantiveram uma convivência diária. Richard Nixon que dormia tranqüila• vetado o empréstimo que pediu para a do seu travesseiro, sabendo que JK iria A amizade transcendeu ao plano mente nas camas generosas do hotel cirurgia em território norte-americano. dormir durante a viagem para o Rio. pessoal. Numa fase em que "Juscelino Copacabana Palace. Num helicóptero, É difícil relatar os inúmeros des­ Desta viagem, Cony prefere não passava por conflitos existenciais" , levou-o à Volta Redonda, convencen­ casos que Juscelino sofreu: as vezes em falar. Perda dolorosa. Difícil ainda é muitas vezes em seu Corcel, um alado do-o a conseguir um empréstimo de 500 que foi proibido de pisar em Brasília, o virar esta página. de 4 rodas, Cony carregava JK em pas­ milhões de dólares para duplicar a veto para a publicação do seu livro de lilian Fontes é romancista, seios até a Barra da Tijuca onde con- produção de aço do Brasil. Dotado de memórias assinado pelo então Minis- autora de "Santo Dia", Editora Record