Espaço e Economia Revista brasileira de geografa econômica

7 | 2015 Ano IV, Número 7

Edição electrónica URL: http://journals.openedition.org/espacoeconomia/1781 DOI: 10.4000/espacoeconomia.1781 ISSN: 2317-7837

Editora Núcleo de Pesquisa Espaço & Economia

Refêrencia eletrónica Espaço e Economia, 7 | 2015, « Ano IV, Número 7 » [Online], posto online no dia 17 dezembro 2015, consultado o 11 outubro 2020. URL : http://journals.openedition.org/espacoeconomia/1781 ; DOI : https://doi.org/10.4000/espacoeconomia.1781

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SUMÁRIO

Editorial

Por uma geografia econômica da esperança Leandro Dias de Oliveira

Artigos

A emersão da região logístico-industrial do Extremo Oeste Metropolitano fluminense: reflexões sobre o processo contemporâneo de reestruturação territorial-produtiva Leandro Dias de Oliveira

Intangible cultural heritage and sustainable development in the Douro Demarcated Region (Northern Portugal): the cases of Cambres and Parada do Bispo Helena Pina

A nova era de cooperação Moçambique - China: debates, dilemas, realidades e perspectivas de políticas institucionais Nelson Laura Mabucanhane

Geographic location and contemporary state borders of Slavi Dimitrov

Macaé e a sustentabilidade do projeto de “capital nacional do petróleo” Jorge Adalberto Aziz da Silva, Beatriz Rohden Becker e Rodrigo Lemes Martins

O processo de reestruturação territorial – produtiva na cidade de Itaguaí- Rio de Janeiro Guilherme Mapelli Chagas

Trilhas de Pesquisa

Maracanã sustentável: um estudo sobre a questão ambiental nos megaeventos esportivos Victor Arouca Gomes

Duque de Caxias-Rio de Janeiro: contradições entre crescimento econômico e desenvolvimento social Fernando Ribeiro Camaz

Ação política e afirmação territorial: turismo de base comunitária entre os caiçaras de São Gonçalo, Paraty, Rio de Janeiro Thiago Lammoglia Monteiro

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Editorial

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Por uma geografia econômica da esperança

Leandro Dias de Oliveira

1 David Harvey, em Espaços de Esperança (São Paulo: Edições Loyola, 2004 [2000]), nos instiga a realizar uma geografia da esperança, apostando em nossa capacidade de formular novas utopias verdadeiramente transformadoras. Na qualidade de reais arquitetos de nosso futuro, torna-se preciso fazer recomendações e tomar decisões a partir do conhecimento profundo da realidade. Há que se ter confiança na capacidade de reconstrução do mundo, tornando-o mais justo e igualitário.

2 O que há em comum entre os textos desta edição de Espaço e Economia: Revista Brasileira de Geografia Econômica [Ano 4, n.º 7, Jul.-Dez. 2015] que agora apresentamos é a esperança na construção de um futuro melhor. Seja por aventar as potencialidades das trocas comercias entre a África e as nações denominadas BRICS ou das fronteiras outrora instransponíveis pelo controle do regime soviético; ou ainda por apostar na força do turismo em áreas rurais e do ecoturismo em comunidades tradicionais; da mesma maneira, com a intenção de ir além da sustentabilidade como bandeira ideológica e do desenvolvimento como expressão da pujança econômica, cada texto desta edição traz o signo da esperança com base na ação política.

3 O primeiro artigo, de nossa autoria, se intitula “A emersão da Região Logístico-Industrial do Extremo Oeste Metropolitano Fluminense: reflexões sobre o processo contemporâneo de reestruturação territorial-produtiva”. Trata-se da síntese dos resultados de cerca de cinco anos de pesquisa sobre a borda oeste da região metropolitana do Rio de Janeiro, e apresenta tensionamentos teóricos que envolvem: [i] a atual reabilitação da fábrica como esperança de desenvolvimento em áreas outrora marginalizadas; [ii] a consolidação da ideologia do desenvolvimento sustentável como opção produtiva; [iii] a refundação da empresa em esconderijos espaciais e em plantas que remetem a verdadeiros “bunkers” em meio à guerra urbana; e [iv] o império econômico da capacidade logística em territórios cada vez mais fluidificados.

4 O segundo artigo, intitulado “Intangible cultural heritage and sustainable development in the Douro Demarcated Region (Northern Portugal): the cases of Cambres and Parada do Bispo”, é de

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autoria de Helena Pina, professora da Faculdade de Letras da Universidade do Porto [FLUP-U.PORTO] e referência maior para todos aqueles que se dedicam aos estudos da produção vitivinícola da Região Demarcada do Douro. A partir de Cambres e Parada do Bispo, a autora avalia as potencialidades econômicas do turismo em áreas rurais, destacando o papel estratégico das festas populares e peregrinações no desenvolvimento rural sustentável.

5 O artigo seguinte é assinado por Nelson Laura Mabucanhane, doutorando de Políticas Públicas e Formação Humana (PPFH) na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e docente de Políticas Públicas e Análise de Políticas Públicas no Instituto Superior de Administração Pública em Moçambique, e tem como título “A Nova Era de Cooperação Moçambique - China: Debates, Dilemas, Realidades e Perspectivas de Políticas Institucionais”. Em tempos de crise de commodities e desconfiança da real condição da China cumprir os prognósticos e tornar-se a superpotência do Século XXI, Mabucanhane retoma o debate sobre os BRICS [Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul] e dos ganhos das nações africanas – neste caso, Moçambique – com estes países considerados importantíssimos players no cenário global deste século que ainda se inicia.

6 No próximo texto, “Geographic location and contemporary state borders of Bulgaria”, Slavi Dimitrov, Professor da Universidade de Veliko Tarnovo “São Cirilo e São Metódio” [Bugária], discute as potencialidades das “fronteiras” búlgaras no tempo presente. Após uma abrangente leitura histórica, Slavi Dimitrov revela a intensificação da cooperação econômica nas fronteiras búlgaras, especialmente com os países limítrofes: Romênia, Sérvia, Macedônia, Grécia e Turquia; trata-se de um importante diálogo com as recentes mudanças territoriais da Bulgária, por intermédio da transição da política econômica pós-Guerra Fria e inserção búlgara na ordem mundial da globalização.

7 A seguir, Jorge Adalberto Aziz da Silva [UFRRJ-Macaé], Beatriz Rohden Becker [PAPESCA] e Rodrigo Lemes Martins [UFRRJ-Macaé] assinam “Macaé e a sustentabilidade do projeto de ‘Capital Nacional do Petróleo’”, um esforço de análise factual acerca do modelo de desenvolvimento sustentável. A cidade de Macaé, sede econômica nacional da extração da commodity que refundou o modelo de produção de mercadorias no Século XX, é aqui o objeto empírico: irrigada pelos aportes financeiros da economia petrolífera em sua forma urbano-regional, Macaé é um típico caso de difícil construção da sustentabilidade em múltiplas esferas: política, econômica, social, cultural e, particularmente, ambiental.

8 Fechando a seção de artigos, “O processo de reestruturação territorial-produtiva na cidade de Itaguaí – RJ”, de Guilherme Mapelli Chagas [Mestrando do PPGGEO – Programa de Pós- Graduação em Geografia da UFRRJ – Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro], é um esforço de análise acerca de uma cidade-símbolo do novo desenvolvimentismo extemporâneo fluminense. Sede de um dos maiores e mais modernos complexos portuários da América Latina, como a fábrica de submarinos da Marinha do Brasil, Itaguaí assistiu nos últimos anos a conjugação da instalação de plantas fabris adjacentes ao porto com a intensificação de processos de reestruturação urbana, que envolvem desde inserções estéticas na cidade até a valorização da terra urbana em suas diversas formas.

9 Abrindo a seção “Trilhas de Pesquisa”, Victor Arouca Gomes, mestrando do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Territorial e Políticas Públicas [PPGDT] da UFRRJ, apresenta “Maracanã Sustentável: Um estudo sobre a questão ambiental nos

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megaeventos esportivos”. Neste texto, Victor Arouca avalia a utilização da “sustentabilidade ambiental” como estratégia de valorização do Estádio Jornalista Mario Filho (Maracanã), palco histórico e simbólico do futebol mundial. Visto como mercadoria a ser vendida, o Estádio do Maracanã – a rigor, a cidade do Rio de Janeiro e todo o Brasil – recebeu apetrechos que o tornaram “sustentável”, como a reutilização de água nos banheiros e o uso de energia solar, sem incorporar as demandas sociais do entorno, marcado por remoções violentas em todo o processo de adequação ao padrão FIFA.

10 O artigo seguinte chama-se “Duque de Caxias-RJ: contradições entre crescimento econômico e desenvolvimento social”; escrito por Fernando Ribeiro Camaz, doutorando em Políticas Públicas e Formação Humana [PPFH / UERJ] e professor da Escola de Gestão & Negócio / Universidade Petrobras, versa sobre o paradoxo de uma das cidades mais ricas do país – tomando como base o PIB resultante da força econômica da REDUC [Refinaria Duque de Caxias / Petrobrás] no município – apresentar índices sociais tão incongruentes. O desenvolvimento econômico, mais uma vez, não reverbera em qualidade de vida.

11 Por fim, “Ação política e afirmação territorial: turismo de base comunitária entre os caiçaras de São Gonçalo, Paraty, Rio de Janeiro”, de Thiago Lammoglia Monteiro [Mestrando do PPGGEO – Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro] trata do turismo de base comunitária entre os caiçaras na cidade de Paraty. Habitantes do litoral das regiões Sudeste e Sul do Brasil cujos meios de sobrevivências advêm de atividades tradicionais como pesca, caça e artesanato, os caiçaras encontram no ecoturismo uma possibilidade de afirmação territorial em meio a processos de intimidação e exclusão social.

12 Espaço e Economia: Revista Brasileira de Geografia Econômica mais uma vez busca contribuir para o debate crítico, atual e abrangente de temas que atravessam múltiplas escalas e realidades. Neste conturbado momento em que vemos a democracia brasileira em xeque e os ganhos sociais recentes – e ainda insuficientes – recebendo duras ameaças, é importante mostrar que há espaços capazes de manter viva a esperança.

AUTOR

LEANDRO DIAS DE OLIVEIRA Doutor em Geografia pela UNICAMP – Universidade Estadual de Campinas, Mestre e Licenciado em Geografia pela UERJ – Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Professor do Programa de Pós-Graduação em Geografia [PPGGEO / UFRRJ] e de Geografia Econômica e da Indústria do Departamento de Geociências da UFRRJ – Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. Coordenador do LAGEPPE – Laboratório de Geografia Econômica e Política e Práticas Educativas. Coordenador do PIBID [Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência] – Geografia – UFRRJ. E-mails: [email protected] / [email protected]

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Artigos

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A emersão da região logístico- industrial do Extremo Oeste Metropolitano fluminense: reflexões sobre o processo contemporâneo de reestruturação territorial-produtiva The emergence of the logistical-industrial region in Rio de Janeiro State’s west and metropolitan area: thoughts on the contemporary process of territorial- productive restructuring L’émergence de la région logistique-industrielle de l’Extrême-Ouest Métropolitain luminense: réflexions sur le processus contemporain de restructuration territorial et productive El surgimiento de la regón logistica industrial del Extremo Oeste Metropolitano fluminense: reflexiones sobre el proceso contemporáneo de reestructuración territorial – productiva

Leandro Dias de Oliveira

NOTA DO EDITOR

Estas reflexões estão vinculadas ao Grupo de Pesquisa “Reestruturação Espacial Contemporânea” [DEGEO-UFRRJ] e correspondem aos resultados finais do projeto de pesquisa “O Processo de Reestruturação Territorial-Produtiva do Oeste Metropolitano Fluminense”, desenvolvido com o apoio da Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro – FAPERJ (Auxílio Instalação / 2012 e bolsas de iniciação científica), do CNPq – Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico e da CAPES – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível

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Superior, por meio de bolsas de iniciação científica (PIBIC), iniciação à docência (PIBID) e de mestrado. Da mesma maneira, este estudo é integrante do projeto de cooperação internacional, no campo da geografia, entre a UFRRJ e a Universidade do Porto, intitulado “Reestruturação Espacial e Desenvolvimento Regional: Um Estudo Comparativo entre a Região Norte de Portugal e o Estado do Rio de Janeiro”, do qual o autor é coordenador, bem como dos esforços conjuntos em associação ao NuPEE – Núcleo de Pesquisa Espaço e Economia, coordenado pelo Prof. Dr. Floriano José Godinho de Oliveira [PPFH/FFP- UERJ].

Agradecemos o Prof. Dr. André Santos da Rocha, do Departamento de Geociências da UFRRJ, pela leitura crítica deste artigo, que é resultado dos muitos diálogos realizados no âmbito do LAGEPPE – Laboratório de Geografia Econômica e Política e Práticas Educativas, sob nossa coordenação. Somos gratos também ao Prof. Dr. Andrews José de Lucena, do Departamento de Geociências da UFRRJ, pelo auxílio na confecção dos mapas aqui publicados.

Introdução

1 Em recente artigo (Urbanização difusa e a constituição de megarregiões: o caso de São Paulo- Rio de Janeiro, 2015), Sandra Lencioni apresentou a expressão “nebulosa urbana”, uma megarregião fruto da urbanização dispersa, que envolve a implosão e explosão da cidade (LEFEBVRE, 1999 [1970]) e a própria dinâmica de concentração-dispersão das atividades econômicas, de pessoas e riquezas e capaz de fundamentar analiticamente o atual processo de megapolização Rio de Janeiro – São Paulo. Neste sentido, falar em “nebulosa urbana” permitiu à autora extrapolar a rigidez classificatória da megalópole como uma mancha urbana cartográfica homogênea e superpovoada; trata-se, assim, da consolidação regional por meio de uma integração entre cidades economicamente, socialmente, politicamente e ambientalmente heterogêneas, com base em linkages (ligações) entre as partes e na transição pós-metropolitana do presente (SOJA, 2000 e 2013).

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Imagem 1: A Nebulosa Metropolitana Rio de Janeiro – São Paulo, por Sandra Lencioni (2015)

Fonte: LENCIONI, 2015. Disponível em: http://www.emetropolis.net/index.php? option=com_edicoes&task=artigos&id=132&lang=pt. Acesso em: 05 de dezembro de 2015.

2 Neste artigo, a partir de uma meticulosa leitura acerca do “todo fragmentado” que compõe a nebulosa urbana Rio-São Paulo (Imagem 1), Sandra Lencioni aponta que a parte fluminense desta megarregião é composta por cinquenta municípios – extrapolando, portanto, os vinte e um municípios que compõem a Região Metropolitana do Rio de Janeiro –, e incluindo o Sul Fluminense, parte da Região Serrana e dos Lagos. A autora salienta, neste ínterim, que a nebulosa inclui Paracambi, Seropédica e Itaguaí, cidades que não estão previamente inseridas nas microrregiões por ela analisadas (LENCIONI, 2015, p.11). É sobre a região econômica formada por estas cidades situadas na borda oeste metropolitana fluminense, acrescida dos municípios de Queimados e Japeri1, que objetivaremos desenvolver esta análise. Intitulamos esta região econômica formada por Itaguaí, Japeri, Queimados, Paracambi e Seropédica de Região Logístico-Industrial do Extremo Oeste Metropolitano Fluminense (Imagem 2); esta região econômica tem sido palco de uma verdadeira revolução industrial extemporânea, pois emergem nas cidades que a compõe novos vetores produtivos – em especial, do ramo industrial e logístico –, e novas formas urbanas, com o gradual rompimento da estética rural até então predominante por meio de um verdadeiro processo de reestruturação territorial- produtiva.

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Imagem 2: Mapa da Região Logístico-Industrial do Extremo Oeste Metropolitano Fluminense

Organização: Prof. Dr. Andrews José de Lucena e Prof. Dr. Leandro Dias de Oliveira [DEGEO/PPGGEO/ UFRRJ]. Novembro / 2015.

3 Se durante décadas, o estado do Rio de Janeiro esteve marcado por um processo de evasão de fábricas, crise em ramos estratégicos e migração das sedes empresariais (Floriano OLIVEIRA, 2008; SILVA, 2012, entre outros), atualmente ocorre um grande refluxo, onde o território fluminense se tornou novamente um polo atrativo de investimentos – ainda que em tempos de retração produtiva e pessimismo em curto prazo acerca dos rebatimentos da crise de largo espectro econômico nacional e internacional. Nos últimos anos, houve o aparecimento de novos investimentos e ou incremento de antigas bases produtivas, que compreendem desde a instalação do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro – COMPERJ2 [estacionada pela crise da Petrobrás] até as inúmeras intervenções realizadas na borda oeste da região metropolitana então destacada.

A Região Logístico-Industrial do Extremo Oeste Metropolitano Fluminense: convecções econômicas e linkages territorial-produtivos

4 A expansão econômica do estado do Rio de Janeiro tem implicado na redinamização da própria Região Metropolitana (Floriano OLIVEIRA, 2006 e 2007; PAGANOTO, BECKER, 2012; SILVA, 2012; SOBRAL, 2013), tornando mais complexas e integradas as relações entre capital e interior. Da mesma maneira que a parte central metrópole carioca, a Baixada Fluminense [a sua periferia imediata] também assiste ao espraiamento dos serviços em suas diversas formas (hotéis, shoppings, supermercados etc.) (SIMÕES, 2007; OLIVEIRA & RODRIGUES, 2009; ROCHA, 2014 e 2015; OLIVEIRA, 2014a) e vive o

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típico processo de requalificação urbana à brasileira, combinando a constituição de áreas revitalizadas para a nova classe média – com novos prédios, praças, fachadas e serviços – com a manutenção dos problemas sociais históricos preferencialmente em áreas ocultadas pela paisagem3. É possível indicar que a Baixada Fluminense hoje é composta por Belford Roxo, Duque de Caxias, Mesquita, Nilópolis, Nova Iguaçu e São João de Meriti, que convivem com o histórico estigma de atraso e pobreza e assistem recentemente o processo, em diferentes graus, de requalificação urbana. Todavia, enquanto Magé e Guapimirim estão claramente incluídas economicamente no Leste Metropolitano Fluminense e vivem os rebatimentos produtivos do COMPERJ, as cidades de Itaguaí, Japeri, Paracambi, Queimados e Seropédica – entendendo o município de Queimados como área de transição entre as duas realidades, pois também convive com um vigoroso processo de reestruturação urbana (MORAIS, 2015) – vivem um processo de industrialização com características bastante peculiares da borda metropolitana; ou seja, a borda da área metropolitana como área de expansão, influência e, por que não, como polo de propagação da própria metrópole.

5 A contiguidade da parte oeste da região metropolitana com a Região do Médio Vale Paraíba Fluminense é reforçada, seja pelo entroncamento logístico, seja pela potencialidade de contatos com a economia regional baseada no ramo metal- siderúrgico-automobilístico baseada no eixo Volta Redonda – Resende, com destaque para a CSN (Companhia Siderúrgica Nacional) e as montadoras automobilísticas (MAN, PSA Peugeot Citröen, Hyundai Heavy Industries Brasil e Nissan, e futuramente, a Jaguar Land Rover), que consorciam as indústrias de vidros, elétrica voltada para automóveis, borracha (notadamente pneus) e logística. Da mesma maneira, em relação ao Leste Metropolitano, a constituição de Itaboraí como polo petrolífero – além do encadeamento de atividades neste ramo que envolve as cidades vizinhas, com destaque para São Gonçalo e Maricá – permitirá um contato profícuo com a Região Norte Fluminense, cuja economia petrolífera permanece como motor do desenvolvimento – particularmente destacando-se Macaé e Campos dos Goytacazes – e praticamente envolve todas as cidades do Norte-Nordeste do estado. A REDUC (Refinaria Duque de Caxias, na cidade homônima) – responsável por incluir seu município-sede entre os dez maiores PIBs nacionais – completa o encadeamento energético-petrolífero do estado do Rio de Janeiro (PESSANHA, 2015). Ainda é importante asseverar que Itaguaí é a porta de entrada da “Região da Costa Verde” [ou Sul Fluminense], que vive grande expansão de oferta de moradias em condomínios residenciais de classe média [e alta].

6 Ao mesmo tempo em que ocorre a migração dos empreendimentos fabris em fase de instalação para as fronteiras da metrópole, também são implementados condomínios logísticos inseridos na lógica industrial4, com valorização do solo urbano; esta valorização da terra urbana reverbera tanto na comercialização de áreas com fins de loteamento habitacional e consequente emersão de condomínios residenciais voltados para os altos extratos da classe média quanto para venda de grandes espaços para implementação de áreas que sirvam ao setor secundário. No que se refere ao setor secundário, há a implantação de indústrias em suas diversas formas, ramos da construção civil, galpões, silos e outros empreendimentos logísticos e condominiais, com a concretização de um duplo e complementar modelo: nas bordas da metrópole novas economias de aglomeração urbana espocam, reconstituindo os novos empreendimentos produtivos como centralidades urbanas e requalificando a indústria – este modelo supostamente fadado a esconderijos espaciais e condenado pelo hegemômico

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modelo da sustentabilidade ambiental – como vetor de progresso em áreas mais pobres, enquanto a capital fluminense se qualifica cada vez mais como “cidade-espetáculo”, imbricada de estratégias de valorização do solo urbano a qualquer custo e foco na mercadificação da vida humana em todas as suas expressões.

7 A borda metropolitana – neste caso, nosso recorte é a Região Logístico-Industrial do Extremo Oeste Metropolitano Fluminense – é responsável por oferecer na realidade do Rio de Janeiro o que aqui denominamos “convecções econômicas” e “ linkages [territoriais] produtivos” (Imagem 3). As convecções econômicas correspondem a redes convectivas de troca de mercadorias. Em tempos de globalização, onde fixos se tornaram fluxos e a desterritorialização da mercadoria é a norma, cada operação comercial e produtiva envolve uma série de circuitos de produtos, pessoas, informações, investimentos, propagandas, pactuações políticas etc. É algo maior que o aumento dos fluxos comerciais, financeiros, instrucionais e culturais entre com a região do Médio Vale Paraíba Fluminense e o Extremo Oeste Metropolitano Fluminense [Convecção Econômica 1], potencializada pelos entroncamentos rodoviários e ferroviários; ou mesmo que a criação de corredores industrial-logísticos nas margens da Via Dutra [Convecção Econômica 2]5, cuja paisagem com feições rurais pós-Nova Iguaçu tem sido alterada com novos empreendimentos econômicos; ou consolidação do eixo Itaguaí- Santa-Cruz [Convecção Econômica 3], atualmente uma grande mancha industrial que aproxima Itaguaí da Zona Oeste Carioca; trata-se de entender cada operação de compra e venda como engrenagem na oferta de empregos, na construção de condomínios, nos meios de transporte, na ampliação das vagas em escolas e universidades, nos acordos e trocas políticas, nos ajustes ambientais, e, por que não, na reestruturação urbano- regional. As tradicionais linhas como representações de fluxos de mercadorias são substituídas nesta análise por movimentos convectivos de espectro material e imaterial.

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Imagem 3: Extremo Oeste Metropolitano Fluminense: mapa de convecções econômicas e linkages territoriais-produtivos

Organização: Prof. Dr. Andrews José de Lucena e Prof. Dr. Leandro Dias de Oliveira [DEGEO/PPGGEO/ UFRRJ]. Novembro / 2015.

8 Assim como verdadeiras convecções econômicas efervescentes na borda oeste metropolitana, consolidam-se linkages territorial-produtivos, ou seja, verdadeiras articulações encadeadas por caminhos rodoviários, ferroviários e portuários. O Extremo Oeste Metropolitano Fluminense é cortado – portanto, integrado a outras regiões – por diversas e importantíssimas vias expressas, como a Rodovia Presidente Dutra (BR-116), o Arco Metropolitano Fluminense (BR-493), a Avenida Brasil / Rio-Santos (BR-101) e a antiga estrada Rio-São Paulo (BR-465), permitindo conexões com o Médio Vale Paraíba, Baixada Fluminense e com a metrópole carioca, além de São Paulo, Minas Gerais, Norte Fluminense e todo o entorno. Além destas vias, importantes rodovias secundárias como a RJ-099, conhecida como Reta de Piranema e que liga Seropédica a Itaguaí, a Rodovia Ary Schiavo (RJ-125), que nasce na Via Dutra na altura de Seropédica, corta Japeri e atinge Vassouras, da RJ-127 (acesso a Paracambi e que também termina em Vassouras) e da RJ-093, que liga Paracambi a Japeri e é cortada pelo arco, de diferentes formas, têm recebido importantes insumos produtivos em suas margens e correspondem às artérias do desenvolvimento econômico da região.

9 O linkage produtivo ferroviário ocorre por meio das linhas ferroviárias da MRS Logística S.A,6 concessionária que opera a chamada Malha Regional Sudeste da Rede Ferroviária Federal S. A. agregando Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais e promovendo a o transporte de commodities minerais e agrícolas entre as regiões produtoras, grandes centros de consumo e cinco dos maiores portos do país (Rio de Janeiro, Itaguaí, Porto Sudeste, Guaíba e Santos) (Imagem 4).

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Imagem 4: Malha ferroviária de MRS Logística S.A.

Fonte: https://www.mrs.com.br/empresa/ferrovia-frota/. Acesso em: 5 de dezembro de 2015.

10 O porto de Itaguaí que, a rigor, é um complexo portuário que agrega a Sepetiba Tecon (Terminal de Contêineres), a Companhia Siderúrgica Nacional (Terminal de granéis sólidos), a Companhia Portuária Baía de Sepetiba (Terminal de minério) e a Valesul Alumínio no maior hubport da América Latina, e o [Super] Porto Sudeste implicam em um linkage portuário para além das fronteiras terrestres.

O processo de reestruturação-territorial produtiva: um esforço teórico-conceitual

11 Seja na escala do recorte regional que apresentamos, a Região Logístico-Industrial do Extremo Oeste Metropolitano Fluminense, nosso objeto empírico de análise, seja nas escalas nacional e mundial, vivemos tempos de reestruturação econômica e espacial que devem ser analisadas de maneira interligada, seja pela via econômica, com a emersão de um novo modelo produtivo flexível (HARVEY, 1992 [1989]; HOOGVELT, 1997), seja pelo vetor espacial, com mudanças urbano-regionais e um novo tráfego de mercadorias, pessoas, informações e tecnologia (HAESBAERT, 2004), além de novas apropriações da natureza-recurso (OLIVEIRA, 2014b). Denominamos este processo de reestruturação territorial-produtiva7, que implica na reinvenção e implementação do regime de acumulação flexível nos espaços da periferia mundial, por meio da combinação de novas formas de gestão, produção e trabalho deste modelo produtivo com a emergência de novos territórios industriais hodiernos, baseados em ágeis intercâmbios de conhecimento, proletarização extemporânea e seletiva, segregação e isolamento do cotidiano urbano em “fábricas-territórios”, adequação econômico-

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ambiental sob os auspícios do desenvolvimento sustentável e reabilitação da fábrica como ideologia espacial.

12 Desde já, reiteramos que neste capitalismo industrial-financeiro a reestruturação territorial-produtiva não significa tão somente do alargamento das bases espaciais e a emersão de novos modelos econômicos, nem tampouco a simples evolução do fordismo para um regime de acumulação flexível, mas abarca uma verdadeira renovação imagética da indústria atual, que se oculta nas grandes cidades por meio de esconderijos espaciais metropolitanos, mas se reabilita como símbolo de desenvolvimento na periferia da metrópole e nas cidades pequenas e médias, trazendo o discurso do progresso e da riqueza e a promessa de ser menos destruidora da natureza. Ambientalmente adequada aos ditames atuais de construção do desenvolvimento sustentável – o que evidentemente, não reverbera em uma natureza mais protegida como riqueza, mas readequada como recurso esgotável e passível de proteção (OLIVEIRA, 2014c) – a fábrica “flexível” mantém o progresso como nutriz ideológica e institui formas territoriais mais agressivas de implantação e gestão.

13 De forma entrelaçada, é possível caracterizar a reestruturação territorial-produtiva por meio da combinação de dois vetores analíticos: a invenção da “acumulação flexível à brasileira” e a constituição de novos territórios da indústria contemporânea.

A invenção da “acumulação flexível à brasileira”

14 O geógrafo britânico David Harvey, em sua obra “Condição Pós-Moderna: uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural” (2004 [1989]), engendrou uma importante análise acerca das metamorfoses culturais, produtivas e estéticas da atualidade; todavia, antes de estigmatizar tais mudanças como transformações paradigmáticas, Harvey alertou o quanto a constituição de uma nova arquitetura urbana pós-moderna e as transformações no mundo do trabalho eram reparos temporários da ordem dominante. Fazendo uma crítica ao modelo de desenvolvimento vigente, explorando uma mudança qualitativa em nossas concepções de tempo e espaço e pensando em novas dimensões de cultura, intelectualidade e utopia, David Harvey nos permite refletir sobre as mudanças econômico-social-urbanas do mundo contemporâneo.

15 Assim, ainda que indicando que o processo de reestruturação produtiva que marca a transição do modelo fordista para a acumulação flexível – nome que objetiva confrontar a rigidez anterior – é algo epidérmico e não implicou em ruptura, Harvey reverbera, inspirado em vasta bibliografia, possíveis características dissonantes entre tais modelos. Esta análise foi merecedora de profundas críticas, seja por apresentar abordagem essencialmente produtivista em detrimento dos serviços cada vez mais diversificados e fulcrais na análise econômica, seja pelos limites tipológicos de classificações desta natureza, que peremptoriamente acaba forjada em generalizações e estereótipos (MARTIN, 1996). Todavia, não há espaço para dúvidas: o fordismo em sua forma clássica e austera viveu seu declínio no último quartel do Século XX, com, entre outros fatores, a diminuição das plantas industriais, arrefecimento dos gigantescos estoques em prol da produção just-in-time, composição de nichos de mercado, ascensão de um mercado consumidor profundamente individualista e consolidação de um exército de trabalhadores que não fossem visceralmente vinculados à empresa. A hegemonia do neoliberalismo econômico (e, por conseguinte, sublevação do mercado

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ante ao Estado) e as necessidades crescentes de adequação energético-ambiental completam o quadro de estrangulamento do fordismo então vigente.

16 Todavia, a gênese, construção e ostracismo do fordismo, bem como do welfare state e do próprio neoliberalismo – é possível ainda incluir o entendimento da democracia, dos direitos sociais, da luta política e das questões ambientais –, foi significativamente diferente no centro e na periferia político-econômica mundial. Assim como acreditamos que o neoliberalismo foi mais agressivo territorialmente e mais socialmente virulento em países como o Brasil – nos tempos de privatização em larga escala, o território foi também em grande parte negociado para grandes empresários –, a “acumulação flexível à brasileira” tem mantido a disciplinaridade, vigilância e hierarquização fordista de maneira combinada com novas formas produtivas flexíveis, e ainda permanece apostando na ideologia do desenvolvimento, na oferta de empregos e nos benefícios do Estado.

17 Assim, as empresas que atualmente se instalam nas bordas metropolitanas [em especial, aquelas concernentes à Região Logístico-Industrial do Extremo Oeste Metropolitano Fluminense] mantêm típicas características fordistas: • Restringidas pela maquinificação enquanto norma, a limitada abertura de vagas é em sua maioria voltada para cargos rígidos e formação industrial típica, com realização de uma única tarefa por trabalhador. Ainda que devido às leis trabalhistas vigentes (que de forma progressiva vem sendo infelizmente revogadas nos últimos governos), o sistema de pagamento implica em baixos salários sem maiores bonificações por produtividade; • O empregador aguarda um trabalhador com formação básica que requeira pouco treinamento no trabalho, que é organizado verticalmente, com tarefas demarcadas; • Muitos cursos oferecidos por diferentes instituições de ensino – a FAETEC de Seropédica, o IFRJ de Paracambi, a Uned CEFET Itaguaí e, particularmente, o SENAI Itaguaí (que possui parceria com a Thyssenkrupp CSA), por exemplo – revelam o mercado de trabalho emergente: operador de empilhadeira, eletricista, encanador, mecânico industrial, metalúrgico etc.8; • E, entre muitos outros, a força de trabalho é disciplinarizada, onde a corresponsabilidade ainda é uma realidade distante em meio à desconfiança da capacidade cognitiva dos empregados, que permanecem sendo vistos como incapazes de incorporar as novas demandas de gestão do mundo industrial atual.

18 Todavia, não há vilas operário-industriais, pois não somente a planta fabril encolheu como a os investimentos das fábricas para com o entorno; a volatilidade é marca do regime de emprego, sem qualquer relação visceral do funcionário com a empresa e tampouco questionamentos de ordem sindical e política; sistemas de subcontratação e terceirização são eminentemente empregados no chão-da-fábrica; práticas de liofilização e downsizing combinadas com a intensificação do trabalho e redução do tempo perdido (porosidade do dia de trabalho) são sempre bem vindas (ANTUNES, 2001). Se as mercadorias agora recebem cuidados de controle de qualidade, com severos sistemas de tryouts [testes] e certificações ambientais em suas diversas formas, os trabalhadores são remetidos a um intermezzo fordismo / acumulação flexível.

19 Por isso, respeitando a vasta bibliografia que trata da forma flexível de produção no Brasil (HIRATA, 1983; CARVALHO e SCHMITZ, 1992; SILVA, 1991 e 1994; CORIAT, 1994; ANTUNES, 1999; Floriano OLIVEIRA, 2003 e 2008; TENORIO, 2011; ESTEVEZ 2012, entre muitas outras), e tensionando tanto as continuidades e rupturas do modelo fordista, seus disfarces ideológicos e os alertas nostálgicos, quanto os limites do modelo japonês-

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flexível, suas incongruências e seu espraiamento espacial, é possível asseverar que o fordismo não completou o ciclo evolutivo em terras brasileiras, uma vez que os trabalhadores daqui conheceram apenas a sua face mais dura acoplada ao populismo desenvolvimentista. Da mesma maneira, é possível apontar algo semelhante em relação à emergência da “acumulação flexível à brasileira”: adequando o arcaico e o moderno, vigilância e multifunção, controle e distanciamento urbano – os novos condomínios-clube de classe média emergentes na Região Logístico-Industrial do Extremo Oeste Metropolitano Fluminense são retratos desta conjugação vigilância e afastamento das áreas industriais – infere no trabalhador as características mais duras de ambos os regimes de acumulação.

Os novos territórios da indústria contemporânea

20 Alfred Marshall (1890) captou, de forma pioneira, o quanto a criação de uma “atmosfera industrial”, que permita o intercâmbio de confiança e conhecimento em determinado lugar, é de fundamental importância para o desenvolvimento da atividade econômica. Em “Principles of Economics” (1890), o autor apresenta a importância da concentração locacional que consente que pequenas e médias empresas constituam spillovers de inovação e difusão de conhecimentos (VENACIO, 2007; STORPER, VENABLES, 2005). Neste sentido, as empresas se tornam partes integrantes do território – quando não entendidas como verdadeiros territórios [vide o caso de empresas instaladas na Ilha da Madeira, em Itaguaí, que materializaram verdadeiros bunkers industriais] –, calcadas na integração horizontal, especialização e autonomia, onde as vantagens comparativas incorrem nas atuais redes de subcontratação e adequação da mão-de-obra local.

21 Com a crise do fordismo, a noção de distrito industrial marshalliano se complexifica, permitindo novas interpretações da constituição de um modelo contemporâneo: afinal, mais que uma junção territorial de empresas em um local com características socioculturais (sistema de valores, atitudes e instituições), com características históricas e naturais e com atributos técnicos do processo produtivo (MELO, 2006), os novos distritos industriais implicam em um processo de interação dinâmica entre a divisão do trabalho, o alargamento do mercado para os seus produtos e a formação de uma rede permanente de contatos entre o distrito e os mercados externos (BECATTINI, 2002). Em tempos de meio técnico-científico-informacional (SANTOS, 1996), tudo isto só fará sentido se a maior vantagem comparativa for a sua própria imagem-propaganda, tornando-o atrativo – luminoso, se usarmos o termo de Milton Santos (1996; e com SILVEIRA, 2001) – perante os demais espaços opacos.

22 Ainda que os novos distritos industriais rompam com o “embeddedness” [enraizamento / imersão societária local / incrustação] das empresas – para usar o termo de Karl Polanyi (1980 [1944]) –, Mark Granovetter (1985, p. 487) assinala que as empresas não se tornaram completamente alheias aos laços da sociedade em que está inserida. Desenraizados espacialmente, são as vantagens comparativas e as potencialidades locacionais que permitem habilitar o sucesso destes novos distritos.

23 Entre vantagens comparativas e possíveis potencialidades de economias de escala e de escopo, asseveramos que os novos distritos industriais continuam sendo, peremptoriamente, instrumentos promotores da industrialização (consultar: GARCIA DE OLIVEIRA, 1976). Próximos a universidades, por exemplo, podem configurar estratégias de construção de um “milieu innovateur” (ambiente / meio inovador) capaz de fornecerem trocas tecnológicas e de conhecimentos entre empresários e

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funcionários (ARAÚJO, 1999; ANTONELLI, FERRÃO, 2001). No lugar de relações casuísticas e de baixa intensidade entre as firmas que caracterizam um distrito industrial (Domingos SANTOS, 2009), em ambientes de inovação os empresários usufruem do endomarketing, das benesses oferecidas pelo poder público municipal e do outsourcing, cortando custos com mecanismos de terceirização, uma vez que os trabalhadores migram facilmente entre as empresas e permanecem na comunidade vizinha; da mesma maneira, os empresários são recompensados com a prática do housekeeping – uma rotinização do trabalho, com aplicação de princípios de produtividade e poupança de energia – e com o combate à porosidade, entendida como perda de tempo na preparação das máquinas e demora nas recargas e manutenções.

24 As cidades do Extremo Oeste Metropolitano Fluminense oferecem trabalhadores que permitem este duplo processo: a ideologização do processo de implantação das indústrias como signo de progresso combinada com uma mão-de-obra com diferentes níveis de qualificação [e não somente de conhecimentos elementares, como tornou-se praxe argumentar], na constituição de um ambiente produtivo que permita o contato face-a-face – um “burburinho”, para usar o termo de Storper e Venables (2005) – tão importante para a difusão de conhecimentos produtivos variados.

Extremo Oeste Metropolitano Fluminense: novas implicações territoriais e ideológicas

25 Os aportes produtivos na Região Logístico-Industrial do Extremo Oeste Metropolitano Fluminense têm combinado as ações do poder público com a iniciativa privada: todas as cidades que compõem esta região têm recebido importantes insumos industriais em seus territórios, particularmente por meio da instituição de distritos e condomínios industriais.

26 Em Japeri, a criação em 2005 dos Condomínios Industriais I, II e III no bairro Marajoara [distrito de Engenheiro Pedreira9] e junto às áreas da APA (Área de Proteção Ambiental) do Rio Guandu, permitiu a instalação de inúmeras empresas de diferentes portes, com destaque para a unidade fabril da Granado, a INCOPRE [pré-fabricados de concreto], a Embelmar [empresa de envazamento da EMBELLEZE] e a Poly Rio Polimeros Ltda., todas às margens RJ-193 [neste trecho, também denominada Av. Tancredo Neves]. Vale ressaltar que as indústrias implantadas no Condomínio Industrial I são obrigatoriamente incluídas no grupo de poluição zero, e todos os condomínios industriais de Engenheiro Pedreira deverão assegurar, segundo o decreto oficial, a faixa do cinturão verde e demais determinações ambientais do Planejamento Urbano da SEMPLADE no que se refere à criação do Novo Plano de Arborização Municipal10 (Imagem 5).

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Imagem 5: Condomínios Industriais I, II e III de Engenheiro Pedreira [Bairro Marajoara, Município de Japeri], entre Seropédica e Queimados, e sua contiguidade com a APA do Rio Guandu.

Fonte: Câmara Municipal de Japeri, Lei 1.108 de 2005, que dispõe sobre a criação dos Condomínios Industriais do Município de Japeri e acrescenta áreas à APA (Área de Proteção Ambiental) do Rio Guandu. Disponível em: www.camarajaperi.rj.gov.br/pdf/lei/1108-2005.pdf. Acesso em: 05 de setembro de 2015.

27 Já em Paracambi, desde 2002, estão em implantação dois condomínios Industriais: o C.I. I, com uma área industrial de 2.500.000 m², situado às margens da Estrada RJ-127 e próximo à Rodovia Presidente Dutra, e inserido, segundo o Plano Diretor do Município, na Zona Estritamente Industrial (ZEI); e o C.I. II, com 90.000 m², enquadrado em uma Zona Mista (ZM), também na mesma estrada. Atualmente, o C.I. I conta com um total de cinco indústrias em funcionamento: Lansa Ferro e Aço, Botafogo Lar e Lazer, Nave City do Brasil, A. C. Atlantic Compósitos, e Resinox Indústria Ltda. Já o C.I. II apresenta atualmente sete indústrias em funcionamento: Vick Mix, EASYTEC – Indústria e Comércio Ltda, K-LAST Comércio de Produtos Ópticos Ltda, Cia Rock, Ocra Cacau, E. S. Coelho Artefatos de Cimentos, POLO Paracambi Empreendimentos Turísticos Ltda e Prob Lub Lubrificantes (MARQUES, 2015). Em Paracambi, a ideia de distrito “ecoindustrial” não vingou e a implementação dos condomínios industriais tem sido causadora de significativos conflitos socioambientais (VEIGA, 2013 e, principalmente, MARQUES, 2015).

28 O Distrito Industrial de Queimados, instituído em 1976 através de um decreto oficial do governo do estado do Rio de Janeiro (ASDINQ, 2014) [quando ainda pertencente à cidade de Nova Iguaçu], ocupa uma área de aproximadamente 2.326.000 m², nas margens da Rodovia Presidente Dutra e próxima ao Rio Guandu (Imagem 6). Atualmente, ressurge como um dos símbolos dessa nova fase “progressista”, combinando localização privilegiada, isenções fiscais oferecidas pelos governos municipal e estadual e infraestrutura qualificada11, e possui 23 empresas ativas, como a Arfrio, Citycol, Tangará Foods/Sanes, Quartzolit, Power Boats, Burn, Grupo Euronete, VIFRIO, Raft, Henamar, Pactual, DER, P&G, a NKS, MK3, AJE e muitas outras em fase de instalação12 (MORAIS, 2014a e 2014b);

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Imagem 6: Distrito Industrial de Queimados.

Fonte: http://asdinq.org.br/mapaocupacao.jpg. Acesso em: 07 de outubro de 2015.

29 Em Itaguaí, foi constituída uma verdadeira “capitania industrial”, com “empresas- bunkers” delimitando seus territórios e reconstruindo a paisagem local. Na Ilha da Madeira, há de fato uma nova realidade geográfica, marcada pela forte presença dos investimentos produtivos. Está em curso – ainda que com a recente desaceleração dos investimentos isto possa não se constituir em sua plenitude – a formação de um “cluster metal-siderúrgico-energético”, por meio de parcerias produtivas, logísticas, financeiras e fiscais das empresas instaladas. Por fim, a presença de universidade e institutos de pesquisa potencializa o diálogo com as empresas recentemente implantadas.

30 Itaguaí assistiu a explosão de investimentos industriais impulsionados pela consolidação de empreendimentos do ramo metal-siderúrgico e logístico-petrolífero, como a Tyssen Krupp Companhia Siderúrgica do Atlântico (TKCSA), a Gerdau, a Usiminas, a Petrobrás e a LLX, do ramo logístico e que pertence a holding EBX. Foi relevante para este “boom” a expansão do Porto de Itaguaí e a fundação do Porto Sudeste. Contíguo a Itaguaí, o distrito industrial de Santa Cruz [Rio de Janeiro] também tem se redinamizado, apresentado externalidades parecidas com Queimados: grande área disponível, infraestrutura e capacidade logística rodoviária, ferroviária e portuária, agilidade na implantação do projeto, menores custos operacionais, incentivos fiscais, etc. (CHAGAS, 2015)13.

31 Por fim, em Seropédica vem acontecendo algo semelhante, pois esta cidade atualmente emerge como um novo polo atrativo de caráter industrial por meio de significativas mudanças espaciais. Desde quando se tornou atrativa para empresas que desejam não somente atuar junto ao Porto de Itaguaí, mas também desfrutar de sua estratégica posição logística – não é por outro motivo que já foi denominada de “novo corredor logístico brasileiro”14 –, cortada por importantes rodovias, como o Arco Rodoviário Metropolitano15. Em Seropédica, estão em funcionamento os galpões de transitório de mercadorias Pavi do Brasil Pré-Fabricação, Tecnologia e Servicos Ltda. e Vallourec &

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Sumitomo Tubos do Brasil, ambos na Estrada Reta de Piranema [RJ-099], e os condomínios logísticos Golgi Seropédica, na RJ-125, e VBI LOG Seropédica, próximo à Rodovia Presidente Dutra; além do Condomínio Logístico Seropédica I [Reta de Piranema] e Condomínio Logístico Seropédica II [entroncamento entre o Arco Metropolitano e a Rod. Pr. Dutra (BR-116)], Multimodal Seropédica [Rod. Presidente Dutra, km 199,1], CCP Seropédica [Rodovia BR-465, Km 50], Seropédica Park [BR 465, km 3,5] e Galpão da Capital Brasileiro de Empreendimentos Imobiliários Ltda. (Casas Bahia), todos em fase de instalação.

32 A inauguração de condomínios industriais no retroporto de Itaguaí; a efetivação do Polo Industrial de Seropédica, onde já estão presentes a Eletrobolt, a alimentícia Panco, a Mefertec Engates Rápidos e a Eletrobolt; a instalação da Procter & Gamble no limite com Paracambi; a proposta de criação do Parque Tecnológico da UFRRJ; e, desde 2013, a implantação de uma série de ações ambientais ao adotar o modelo de “cidade sustentável” por parte da administração municipal (OLIVEIRA, 2015) tem modificado por completo a paisagem da cidade.

33 Estas mudanças em curso no Extremo Oeste Metropolitano Fluminense expressam algumas características territorial-produtivas que podem ser assim sintetizadas:

34 [1] A reabilitação da fábrica como esperança de desenvolvimento. Basta acessar os links das páginas das Prefeituras de Paracambi, Seropédica, Japeri, Queimados e Itaguaí16 para perceber que, à revelia dos péssimos indicadores sociais destas cidades, a chegada de novos empreendimentos fabris e logísticos associados e um processo, em diferentes graus, de reestruturação urbana redinamizou a crença no defasado modelo de desenvolvimento em moldes “fordistas”. Cada indústria que anuncia sua instalação nestas cidades é saudada como um grande triunfo das prefeituras, ainda que a história revele que não necessariamente isto implique em desenvolvimento social.

35 [2] A consolidação da ideologia do desenvolvimento sustentável como opção produtiva. Concomitante ao atual processo de industrialização em curso emerge a defesa, tanto do poder público local quanto das empresas em fase de implantação, do desenvolvimento sustentável, uma modelo de adequação sociedade-natureza que permite aproximar economia e ecologia (OLIVEIRA, 2011). Não é por outro motivo que a Prefeitura Municipal de Seropédica, por exemplo, passou a adotar uma série de medidas de adequação ao modelo de “cidade sustentável”, atual slogan da municipalidade, e desta maneira tem, ainda que de forma embrionária, anunciado esforços na execução de medidas ambientalmente adequadas ao modelo, de difícil mensuração imediata, como projetos de coleta seletiva, educação ambiental e planejamento urbano sustentável (OLIVEIRA, 2015)17. Da mesma maneira, em Japeri, associa a criação de condomínios industriais com estratégias de “poluição zero” e propõe um "Cinturão Verde" com largura de 30,00 (trinta) metros no entorno imediato dos mesmos. Bastou que cidades como Seropédica e Japeri iniciassem um movimento de industrialização, com um processo ainda preliminar de reordenamento logístico do território, para que a questão ambiental emergisse nas políticas públicas da Prefeitura Municipal e nos setores de marketing das empresas recém-chegadas. Em comum entre os casos citados há não somente o fato de que todas as empresas emergentes adotarem o desenvolvimento sustentável como proposta e propaganda, mas a vizinhança – ou mesmo a inserção na área delimitada! – de áreas verdes: em Seropédica, na FLONA Mário Xavier; em Japeri [e em Paracambi] na APA do Rio Guandu. Trata-se de um caso emblemático: são cidades que há poucos anos apresentava feições majoritariamente “rurais” e não tinham o meio

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ambiente como “propaganda”, e no exato momento que rompem progressivamente o estatuto da ruralidade, a “proteção do meio ambiente” se torna alvo político.

36 c) A progressiva substituição da fábrica-centralidade para a “empresa-bunker”. Uma característica importante do processo de implantação das novas empresas nesta região econômica é o distanciamento do centro urbano local. Estas fábricas por vezes estão situadas em verdadeiros esconderijos espaciais – ruas de menor movimento, protegidas por áreas verdes18 –, em outras com muros elevados que sequer revelam o conteúdo interno; já os condomínios logísticos estão, evidentemente, nas margens de importantes rodovias e apresentam visual “condomínio-shopping”, oferecendo ao empresário-usuário o isolamento dos problemas do entorno. As novas empresas são símbolos do desenvolvimento ocultos na paisagem urbana, em locais fortificados de proteção integral.

37 d) O álibi logístico como trunfo territorial do modelo “foot-loose” do desenvolvimento industrial. O advento do Arco Rodoviário Metropolitano – um projeto da década de 70, mas que somente no ano de 2008, após ser incluído no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), começou a ser construído – aproximou realidades industriais na borda metropolitana fluminense, sendo idealizada como facilitadora do acesso ao Porto de Itaguaí, com o intuito também de diminuir os gastos referentes ao escoamento da produção (GOMES FILHO, 2013). Trata-se do símbolo maior do território local: o Extremo Oeste Metropolitano Fluminense emerge fundamento na mobilidade, na fluidez e nos desenraizamentos de cada unidade (HAESBAERT, 2002). Um território sem barreiras, marcas, signos, viscosidades; de preferência, sem muitos espessuras da sociedade local.

Considerações Finais

38 O estado do Rio de Janeiro assiste a expansão da metrópole por meio de novas centralidades econômico-industrial-logísticas situadas em suas bordas, responsáveis por trans-borda-mentos multisetoriais e integrações em múltiplas escalas [com a capital, a Baixada Fluminense e o Médio Vale Paraíba]. Recorrendo aos geógrafos norte- americanos Edward Soja (2000), que demonstrou, a partir da análise empírica de Los Angeles, que a (pós-)metrópole contemporânea vive um processo de reestruturação, por meio, entre outros motivos, das novas cartografias industriais voláteis do pós- fordismo e da consolidação da exópolis; e Michael Storper e Richard Walker (1989), que indicaram a complexificação dos fatores locacionais, com a tecnologia fornecendo centros inconstantes de industrialização e processos de clusterização que proporcionam transbordamentos econômicos, sociais e, em particular, de conhecimento, é possível sugerir que está se formando a exópolis fluminense. Todavia, ao invés de oferecer lugares alternativos à metrópole, planejados para atraírem a classe média pela qualidade das residências, comércio e serviços, a exópolis fluminense tem se caracterizado pela expansão urbana, política, econômica, cultural e ambiental da metrópole.

39 Espera-se, evidentemente, que as reformulações na cartografia fabril da Região Metropolitana do Rio de Janeiro impulsionem também as potencialidades do desenvolvimento social local, com melhor distribuição dos recursos e divisão mais igualitária dos lucros, e que desta maneira não se efetive um processo de desenvolvimento urbano-econômico que seja concentrador, excludente – a construção

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de condomínios residenciais exclusivos para as classes médias que surgem nestas cidades e em seu entorno indicam que tal temor é justo – e que apenas repita os erros das metrópoles do passado. Todavia, a combinação da reabilitação da ideologia do desenvolvimento com a adoção da sustentabilidade empresarial como alternativa, assim como do uso do aprisionamento do território por determinadas plantas fabris junto à exaltação da fluidez logística para além das necessidades das populações do entorno não parecem convergir em esperanças de grandes melhorias sociais na região que, economicamente, se desenvolve.

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NOTAS

1. Trata-se de cidades emancipadas de Nova Iguaçu, respectivamente, em 1990 e 1991. 2. Já apontamos, em ocasião anterior, que se consolida no entorno da metrópole fluminense, um “cinturão metal-siderúrgico-energético” (OLIVEIRA, ROCHA, 2012), por meio das conexões entre o Norte do Estado, o COMPERJ, a REDUC e o Porto de Itaguaí por intermédio do Arco Rodoviário Metropolitano Fluminense. 3. No setor produtivo, a consolidação de antigas áreas industriais, destacadamente em Nova Iguaçu e Duque de Caxias, também recebem novos insumos e conhecem um virtuoso ciclo de expansão. 4. O condomínio logístico é um importante símbolo da reestruturação econômico-ecológico- espacial contemporânea, pois se trata do encontro do capital imobiliário com as novas necessidades produtivas – neste caso, no entorno da metrópole –, fomentando a locação, estruturação e localização das empresas em quotas-partes da terra urbana (Ver: LENCIONI, 2011). 5. Vide a criação do Distrito Industrial de Nova Iguaçu entre os viadutos de Queimados e Austin. Ver: http://www.noticiasdenovaiguacu.com/2013/05/distrito-industrial-de-nova-iguacu-devera- ter-40-fabricas.html. Acesso em 14 de dezembro de 2015. 6. A MRS foi constituída como uma S.A. em 1996 para operar a chamada Malha Sudeste da extinta Rede Ferroviária Federal S.A. (RFFSA). MBR (32,9%), CSN (27,3%), UPL (11,1%), Vale (10,9%), Namisa (10%), Gerdau (1,3%) e pequenos investidores (6,5%). Disponível em: https:// www.mrs.com.br/empresa/estrutura-governanca/. Acesso em: 30 de novembro de 2015. 7. Tal concepção corresponde ao esforço teórico iniciado com o projeto intitulado “O Processo de Reestruturação Territorial-Produtiva no Oeste Metropolitano Fluminense”, submetido e contemplado com auxílio da FAPERJ – Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro no ano de 2012. 8. Isto é conjugado com a multiplicação de cursos superiores da área técnico-tecnológica na própria UFRRJ, que viveu grande expansão via REUNI; da Faculdade de Educação Tecnológica do Estado do Rio de Janeiro – FAETERJ Paracambi (que oferece cursos superiores de Gestão Ambiental e Sistemas de Informação), do Centro Federal de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca – CEFET/RJ Uned Itaguaí (com graduações em Engenharia Mecânica e Engenharia de Produção) e ainda o Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro – IFRJ, campus Paracambi (dispõe do curso superior em Matemática), além de uma nova unidade da Universidade Estácio de Sá, em Queimados (com cursos de Administração, Direito, Gestão de Recursos Humanos e Processos Gerenciais), que permite auferir a necessidade de capacitação local. O tipo de empresa em instalação na região não permite indicar uma busca por mão-de-obra barata e somente com baixa qualificação: com baixos índices de ofertas de empregos, o nível salarial não é o determinante locacional e conta-se também, além da formação básico-operária, com contratações de mão-de-obra com potencial instrucional. 9. Engenheiro Pedreira, segundo distrito de Japeri, possui maior população e comércio mais abundante que o centro da cidade, algo bastante incomum no cenário urbano brasileiro. 10. Consultar: www.camarajaperi.rj.gov.br/pdf/lei/1108-2005.pdf. Acesso em: 05 de setembro de 2015.

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11. A cidade de Queimados é frequentemente citada como modelo em órgãos como a FIRJAN (Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro) e a CODIN (Companhia de Desenvolvimento Industrial do Rio de Janeiro) e até mesmo ganhou destaque na edição de abril de 2014 da Revista Exame, ao aparecer em terceiro lugar na lista das 100 cidades com maior desenvolvimento econômico do país (MORAIS, 2014a e 2014b, p. 26) 12. A Knauf do Brasil, também em Queimados, situa-se fora da área do Distrito Industrial. 13. Consultar também o artigo do mesmo autor nesta edição de Espaço e Economia, intitulado “O processo de reestruturação territorial – produtiva na Cidade de Itaguaí – RJ”. 14. Consultar: Revista Mundo Logística, Editora MAG, de 03/10/2014. Disponível em: http:// www.revistamundologistica.com.br/portal/noticia.jsp?id=1706. Acesso em: 05 de março de 2015. 15. Sobre a importância do Arco Metropolitano, consultar: GOMES FILHO, 2013. 16. Consultar: www.itaguai.rj.gov.br, www.japeri.rj.gov.br, www.paracambi.rj.gov.br, www.queimados.rj.gov.br e www.seropédica.rj.gov.br. 17. Marco importante da história recente da cidade foi a instalação da Central de Tratamento de Resíduos [CTR], da empresa Ciclus, na área de Piranema. Tal empreendimento situa-se a pouquíssimos quilômetros de uma agrovila que se trata de um assentamento do INCRA, além de também estar localizado em uma área que contém uma reserva de águas subterrâneas, o Aquífero Piranema. A 8,5 quilômetros da UFRRJ – Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, a escolha foi motivo de crítica da comunidade acadêmica e da sociedade civil, e mesmo a promessa de implantação de cinturões verdes – corredor de árvores ao redor do aterro, para evitar/amenizar odor, propagação de pragas – não foi capaz de disfarçar o tamanho da insatisfação local com um empreendimento ambientalmente problemático (AFFONSO-PENNA, 2013, p. 25). 18. Fica a impressão que as áreas verdes protegem as novas plantas fabris, e não o inverso.

RESUMOS

A Região Metropolitana do Rio de Janeiro vive neste momento um processo consolidação econômica de suas “fronteiras”: a borda metropolitana fluminense tem se firmado como área de expansão, influência e, por que não, como polo de propagação política, econômica, social, cultural e ambiental da própria metrópole. A reestruturação territorial-produtiva da borda oeste da região, que engloba as cidades de Itaguaí, Japeri, Paracambi, Queimados e Seropédica, envolve a implementação de novos empreendimentos do ramo industrial e logístico e a consolidação do que intitulamos Região Logístico-Industrial do Extremo Oeste Metropolitano Fluminense.

Rio de Janeiro’s metropolitan area currently undergoes an economic consolidation of its "borders": metropolitan borders of Rio de Janeiro state have been established as an area prone to expansion and influence as well as an axis of political, economic, social, cultural and environmental sprawl of the city. The territorial-productive restructuring of the region’s western border, which includes Itaguaí, Japeri, Paracambi, Queimados and Seropédica, involves implementing new projects in industrial and logistics sectors and consolidating what we address as Logistical-Industrial Region in Rio de Janeiro state’s west end metropolitan area.

La région métropolitaine de Rio de Janeiro vit pour l’instant un processus de consolidation économique de leurs “frontières”: la marge métropolitaine fluminense c’est un espace d’expansion, influence et, porquoi pas, pôle de propagation politique, économique, sociale,

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culturelle et environnementale de la metrópole. En comprenant les villes d’Itaguaí, Japeri, Paracambi, Queimados et Seropédica, la restructuration territoriale et productive de la bord ouest de la région consiste dans l’implémentation de nouvelles entreprises industrielles et logistiques et dans la consolidation de ce qu’on intitule la région logistique-industrielle de l’extrême-ouest métropolitain fluminense.

La región metropolitana de Rio de Janeiro vive en estos momentos un proceso de consolidación económica de sus “fronteras”: el Borde Metropolitano Fluminense se ha consolidado como área de expansión, influencia y, por qué no, polo de propagación política, económica, social, cultural y ambiental de la metrópoli. La reestructuración territorial – productiva del borde de esta región, que engloba las ciudades de Itaguaí, Japeri, Paracambi, Queimados y Seropédica, acoge la implementación de nuevos emprendimientos industriales y logísticos, así como la consolidación de lo que llamamos región logística – industrial del Extremo Oeste Metropolitano Fluminense.

ÍNDICE

Palabras claves: reestructuración territorial y productiva, acumulación flexible Brasilera, región logística – industrial del extremo oeste metropolitano fluminense, Borde metropolitano, Rio de Janeiro. Palavras-chave: reestruturação Territorial-Produtiva, Acumulação Flexível à Brasileira, Região Logístico-Industrial do Extremo Oeste Metropolitano Fluminense, Borda Metropolitana, Rio de Janeiro. Keywords: Territorial-Productive Restructuring, Brazilian mode Flexible Accumulation, Logistical-Industrial Region in Rio de Janeiro State’s West and Metropolitan area, Metropolitan Borders, Rio de Janeiro. Mots-clés: restructuration territorial et productive, acumulation flexible à la mode brésilienne, région logistique-industrielle de l’extrême-ouest métropolitain fluminense, le bord métropolitain, Rio de Janeiro.

AUTOR

LEANDRO DIAS DE OLIVEIRA Doutor em Geografia pela UNICAMP – Universidade Estadual de Campinas, Mestre e Licenciado em Geografia pela UERJ – Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Professor do Programa de Pós-Graduação em Geografia [PPGGEO / UFRRJ] e de Geografia Econômica e da Indústria do Departamento de Geociências da UFRRJ – Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. Coordenador do LAGEPPE – Laboratório de Geografia Econômica e Política e Práticas Educativas. Coordenador do PIBID [Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência] – Geografia – UFRRJ. E-mails: [email protected] / [email protected]

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Intangible cultural heritage and sustainable development in the Douro Demarcated Region (Northern Portugal): the cases of Cambres and Parada do Bispo O património cultural imaterial e o desenvolvimento sustentável da Região Demarcada do Douro (NE de Portugal): os casos de Cambres e Parada do Bispo Le patrimoine culturel immatériel et le développement durable dans la Région Viticole du Douro (NE de Portugal): les cas de Cambres et Parada do Bispo El patrimonio cultural inmaterial y el desarrollo sostenible de la Región Demarcada de Douro (noreste de portugal): los casos de Cambres y Parada do Bispo

Helena Pina

Introduction

1 Although consumed by many problems (environmental, economic, social, cultural) the very diverse rural world has nonetheless great potential and characteristics that need to be stimulated. This is particularly true in the case of the Douro Demarcated Region (DDR), partially classified by UNESCO as World Heritage, as a tribute to the centuries- old work carried out by Man, creating a striking landscape characterized by a superb architectural, cultural, social and oenological heritage. Population and economic progress is, however, limited, featuring aged and declining social structures, which is why the endogenous resources must be preserved and valued, catalysing all intervening agents, while it still has all its virtues. This is the only way to revive and sustainably develop this region. It is in this context that the symbolic and religious

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heritage fits into, for instance, festivities and processions. Although intrinsically religious, these festivities are also social, cultural, economic, and tourist events, and are an inestimable help to better understand the collective past and to enhance the development of these spaces in a sustainable and systemic way.

2 But what is sustainable development? While economic development has often gone hand in hand with environmental deterioration (MARMUREANU et al., 2011; OLIVEIRA, 2012) and lack of social cohesion and equality, we need to change this state of things by introducing an integrated management of the territory, creating new sustainability alternatives spanning the major issues of environment and preservation of biodiversity, or endogenous resources. But if this is to happen, all social agents must be involved and motivated towards sustainable change processes, which in turn requires an innovative collective culture and finding flexible solutions to solve the problems. This also includes the cultural and heritage aspects.

3 The development of rural resources is a complex process. These resources are undervalued, even though they form 92% of the EU territory. Many different players with contradictory roles intersect in these areas (WOODS, 2005; CLOKE, 2006; FERNANDES, 2010; CLAVAL, 2012). Indeed, while there are many solutions to render them more modern (MAXWELL et al., 2001; BOTELHO, 2013), they can sometimes put their sustainability on the line. So, even though Woods (2005) values the characteristics of the landscape and the human element, both the resident and the occasional tourist, and also the built heritage and its function, the scenario is still complex and diversified (PINA, 2014; OLIVEIRA, 2012). In fact, since rural societies are based on a poorly dynamic socio-cultural framework, yet changing constantly, especially due to the interference of media and the more modern and innovative urban culture, if these specificities were not preserved, this could lead to standardization, to a loss of identity (WOODS, 2005). So, we need to develop but also preserve the distinctive values of rural spaces, a reflection of local culture and experiences, failing which identity would be lost. Moreover, although rural spaces are often regarded as inferior (BLUME, 2004), if new technologies were to be taken up indiscriminately – albeit critical to modernization –, there would also be social and cultural changes because social processes are essential and reflect all changes (BLUME, 2004; OLIVEIRA, 2012).

4 Furthermore, as about 92% of the EU territory is considered rural or predominantly rural, and home to about 56% of the population (in Portugal the numbers rise to 92.7% - GPPAA, 2005), these rural areas are a constant presence, a strategic asset for regional development (BLUME, 2004), yet diversity and social dynamics are unavoidable (TERLUIM, et al., 2010). So the European space is not only characterized by recession and demographic decline, but also drive and innovation, with signs of a distinct, sustainable development (SILVA, 2010; BOTELHO, 2013). This would be the answer to the challenges posed by Horizon 2020, provided there is cohesion between local actors, co-operating in networks with other regional and sectorial bodies (TERLUIM et al., 2010).

5 In Portugal, INE (2009) classifies the regions into three groups: “predominantly rural”, “intermediate” and “predominantly urban”. The DDR is considered as predominantly rural, and city councils as “intermediate”, and occasionally “urban”, as in the case of Peso da Régua, Lamego and Vila Real.

6 As rural landscapes represent a balance between natural characteristics and human activities, in addition to being a physical and environmental protection space, they are,

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above all, a social and cultural space. Moreover, since the 1980s we speak more of “non- agricultural rural”, which provides new multifaceted readings of these spaces. Although these spaces were markedly agricultural until the early 1990s (productivist model, enhanced by the Common Agricultural Policy), they have undergone profound changes and began to be discussed in a multifunctional approach (CASTRO, 2014), which values a non-productive dimension of the rural aspect, building on the idea of social and heritage (PINA, 2011). It is therefore an investment in renaturalisation (nature conservation and protection - KLAUCO et al., 2012), but also in the search for authenticity that favours the conservation and protection of historical and cultural heritage; this is how memories and identities are valued, as well as the commercialisation/legacy of landscapes, in response to new consumption patterns (FERNANDES, 2013); this is also how the multiple occupations and multiple income of farming families are highlighted (PINA, 2013), giving rise to a real, multifaceted territorial mosaic, yet with places of excellence to be explored in terms of sustainable development.

7 We will only be able to understand the Portuguese and European rural areas beyond the inter-relation between urban and rural (CLAVAL, 2012), if we value multifunctional approaches and have a broad perspective (VALLINA, 2002), which will lead to the implementation of new Rural Development Policies. We must, of course, also remember the small and medium hinterland cities and their pivotal role, their challenging facet in regional terms. In addition to these changes, there is also the environmental awareness resulting from the many environmental problems societies are facing today, the relevance of social identity and the connection between nature and the rural setting, and the value of authenticity, built heritage, local culture (PINA, 2014). It is in this context that these spaces are meant to be developed globally, assigning new roles to the farmer in terms of environmental, landscape, and cultural preservation, the supporting pillars of local development and regional planning.

8 By playing a pivotal role, as a pull factor of other activities taking place in rural areas, the agricultural sector therefore offers benefits to the local community and the environment, minimizing the negative impacts of pollution, erosion, and the loss of biodiversity (MARMUREANU et al., 2011). Nature, the landscape, handicrafts, and other traditional arts and crafts will thus be preserved, while at the same time tourism and leisure are integrated (CASTRO, 2014), bringing about innovation; this is the multifaceted approach to a territory (KLAUCO et al., 2012), with a view to its planning and sustainable development (PINA, 2012, 2013).

9 “Future rural development is either sustainable or it is not development at all.” (VALLINA, 2002, p. 20). It is in this context that we also give priority to the preservation of heritage, including cultural and intangible heritage, as we try to overcome the demographic and economic decline of rural areas (PINA, 2007, 2009). This is the only way to achieve sustainable development, expanding and emphasising agricultural practices in line with the new social and cultural roles of rural areas. In this respect, what is the role of intangible culture, of traditional and religious festivities?

10 Before we begin, we need to point out that traditional festivities revive experiences because while they honour their patron saint, they ultimately encourage territorial dynamics. These are intense moments for the locals and for this more or less vast area, providing an opportunity for reuniting those that have embarked on the Diaspora (PINA, 2007, 2014). It is in this context that we will examine two parishes of the Lamego

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council (Cambres and Parada do Bispo- Fig. 1). The landscapes of these rural areas are privileged yet distinct, and are situated in the DDR, closed to two multifunctional urban centres of great regional relevance, Lamego and Peso da Régua. Although they benefit from good transport connections, especially after the A24 was opened the railway and waterway, the Douro River, there are nevertheless barriers to their development, such as demographic decline and the structural aging of the local population. Moreover, the economic fabric is also deteriorating (PINA, 2013). To develop this territory, the strategy was to invest in the multifunctional potential of the landscape, in tourism, yet minimising aspects likely to expand local dynamics, such as built, cultural, and intangible heritage.

11 Both parishes part of our study (Cambres and Parada do Bispo) hold festivities dedicated to their patron saints, held in the summer, and have century-old backgrounds inseparable from the local economic drive, formed by the vines. In Parada do Bispo we also find the “marrã”, bisaro pig’s meat with special organoleptic qualities. Moreover, whereas in the early 21st century priority was given to urban centres and their merry festivities, in the rural areas we often find chapels much in need of maintenance, as the events that helped maintain the cult in them became scarcer, until they almost disappeared. Now, only the most prominent ones still exist, such as those mentioned herein.

Fig. 1. The Douro Demarcated Region and the two parish, Cambres and Parada do Bispo

(Source: Plano Interm. De Orden. Territ. Do Alto Douro Vinhateiro, UTAD)

12 In an environment in which we are increasingly committed to sustainable development, the preservation of cultural, architectural, or landscape diversity is something we see as an imperative in societies today, to preserve its local identity. This is the context in which UNESCO, through various conventions, promotes the preservation and revitalisation of “the world’s superb natural and scenic areas and historic sites for the present and the future of the entire world citizenry” (UNESCO, 1978), which, for example, happened to a significant part of the DDR in 2001, illustrating a century-old human intervention that created a wine-growing landscape in terraces. Yet the intangible side of heritage had to be preserved, which is why the

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first convention appeared in 2003 for the safeguarding of intangible cultural heritage, defining in its Article 2 that it means “the practices, representations, expressions, knowledge, skills – as well as the instruments, objects, artefacts and cultural spaces associated therewith – that communities, groups and, in some cases, individuals recognize as part of their cultural heritage. This intangible cultural heritage, transmitted from generation to generation, is constantly recreated by communities and groups in response to their environment, their interaction with nature and their history, and provides them with a sense of identity and continuity, thus promoting respect for cultural diversity and human creativity” (UNESCO, 2003). The safeguarding of this heritage is thus proposed, ensuring the feasibility of this intangible cultural heritage, as well as its preservation, protection and promotion. In recent years, following the 2005 Convention, and with a view to a sustainable, holistic and distinctive development, UNESCO has also encouraged cultural and policy-makers to implement this. This is how the “Decade of Education for Sustainable Development – 2005/14” came to the fore.

13 In the current circumstances, it is therefore appropriate to question the impact of festivities and processions on rural areas. How do we harmonise culture, tradition, preservation and innovation to consistently drive these territories? It cannot be ignored that the landscape remains, but anchored in the activities carried out by the locals, to which occasionally the activities of other players – in general, economic players – are sometimes added.

Methodology

14 Knowing that the DDR heritage is recognised by UNESCO, we could not ignore the importance of intangible heritage, especially when talking about the sustainable development of these areas. In such circumstances, and given the exposure of these festivities in honour of local patron saints, we have chosen two cases in rural areas, in an attempt to detect not only the religious background of the festivities, but also their social and economic backgrounds.

15 To achieve this goal, our methodology combines a thorough analysis of extensive local and regional bibliography, given the theme in question, in addition to the study of various documents that refer to the organizational and economic characteristics of these festivities. We have also worked in an evolutionary perspective, beginning our study in the 19th century and ending in 2014.

16 Given the reputation of these festivities, one of which dates back to the 19th century (Senhor da Aflição) and the other is centuries-old (Santa Eufémia), we obviously had to conduct extensive research in public and private archives, in particular in the District Archive of Viseu, the archive of the Sisterhood of Nosso Senhor de Aflição, and even in the Archive of the Diocese of Lamego, among others. Some of these documents are handwritten and cover a long period of time, from the 18th century to today. Moreover, as our plan was to also determine the impact of these festivities through the spending and revenue involved, and for that we based our research on the book “Livros de despesas da Irmandade do Senhor da Aflição” and on manuscripts, part of which is kept at the District Archive of Viseu, particularly those from the 19th century.

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17 This essential information would nevertheless need to be supplemented by other information in newspapers, which is more up-to-date, varied, and covers many themes depending on the authoring journalist. So, to the archive information we have added the analysis of regional newspapers such as “O Jornal da Regoa” (1880-1893), published in the neighbouring Régua council, but especially news from newspapers published in the Lamego council where the parishes are found, as is the case of “A Semana” (1900-1909), “A Esperança” (1909/10), “A Fraternidade” (1930-48), “A Varanda do Douro” (1950-95) and “A Voz de Lamego” (1935-2013). We also examined two national newspapers, published in Porto, “O Jornal de Notícias” and “O Primeiro de Janeiro”. Our main concern was to focus on the months closest to the festivities (October/November and June/August) and on the years that best represented the local and regional dynamics and problems that influenced the festivities and their reputation. We thus confirmed the prominence of Senhor da Aflição, as references keep pointing to its surrounding landscapes and accessibilities, in addition to the highlights of the festivities and the diversity of attractions. There is also news of social and economic interest, deliberately linking the festivities with their dissemination, as in the case of the introduction of electric power, the cattle fairs, and the paved roads, in addition to the diversity, innovation and quality of the festivities, interconnected with the social and wine industry contexts at the time.

18 Having in mind the sustainable development of the parishes concerned, we complemented our documentary research with the analysis of the current impact of these festivities and the extent of the population’s support. We have therefore combined the analysis of statistics provided by the National Statistics Institute in the Agricultural Censuses (1989, 1999 and 2009) and Population Censuses (1900 to 2011), carrying out interviews and surveys between 2012 and 2014, focusing in particular on the period of festivities, during which we conducted a series of interviews to the persons responsible for organising them and traders, but especially (random) surveys to the residents, visitors and tourists. These surveys were administered on the various days of the events, and at different times, which was the only way to contact with the various social and age groups, who clearly had different motivations and cultural and musical preferences. In the case of Santa Eufémia, we covered both festivities periods, 1 November and the last Sunday of August.

19 Through these surveys/interviews we found the profile of both the event organizers and of residents and tourists, and how aware they are of the importance and quality of these events. We have attached their opinion on the opportunity/quality of events held today to our work, according to various parameters (landscape, economic, social and cultural), and conclude by raising a question on the future – the continuity of these festivities. With a few rare exceptions, mentioned in the text, the opinion is rather positive, regardless of how the topic is addressed and the type of interviewees.

20 This methodology allowed us to conclude this work, addressing illustrative cases of festivities still found in rural areas, and their implications in the sustainability of these spaces.

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Intangible Heritage, a component of sustainable development

Senhor da aflição (Cambres) and its impact

Brief background of the parish

21 The parish of Cambres is located in the Lamego council (NE Portugal – Fig. 1), spreading across 11.16 Km2, between Lamego and Peso da Régua. It boasts an exceptional landscape with many traditional terraced vineyards, very tough to work in, but also terraces that have recently been restructured and mechanised, which is one of the ways of overcoming the shortage of workers and the high wages they earn. The parish is marked by a changing Mediterranean climate and a schist soil, forming a traditional landscape in which the vineyard is combined with other cultures, such as olive-trees, marking the boundaries of farming plots, and fruit trees (PINA, 2007), justifying the persistence of a clear landscape biodiversity with historical traditions (Photos 1 and 2).

Photo 1 – Partial views of Cambres parish

Image 1000000000000A00000007800C60630B.png (Photos of the author May, 2013)

22 This scenario is also enhanced by the presence of scattered settlements and a magnificent architectural heritage, with many 17th to 19th century manor houses, in farms and inhabited places, evidence of human occupation that dates back in time, but especially examples of religious heritage from the 17th and 18th centuries (AZEVEDO, s/ d; COSTA, 1999).

23 Despite the very appealing aspects mentioned above, Cambres has many problems, in particular those related to the wine sector. This activity goes back in time, as there is evidence that vineyards existed in Cambres as far back as in the 16th century (DIAS, 1947). This culture, however, expanded during the period of the Marquis of Pombal (18th century), on terraces placed on the slopes. Today, however, there are many problems, notably the poor land structure, old vineyards, labour shortage, and its poor technical training, and also demographic decline (there were 3,290 residents in 1900, 4,675 in 1940, but only 2,066 residents were accounted for in 2011, i.e., 43.8% of the peak reached in 1940! - INE). This unquestionable trend since the 1960s mirrors the successive regional wine crises that induced large emigration flows, which is why today about 23% of residents are over 65 years of age, with a basic technical training level. Younger residents, with a different profile, often leave the parish (PINA, 2011, 2013).

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Photo 2 – Cambres: sparsely populated and persistence of traditional biodiversity.

(Photo of author, May, 2013)

24 It is the wine sector, however, that supports the local economy, based on small family- type farms, as the average size of farmsteads was, in 2009, of about 4.8 hectares (INE). Moreover, 41.2% of these farms were less than 1 hectare. These small farm owners preserve the landscape and continue their wine farm work despite the low yield (Pina, 2013). In order to allow for a sustainable growth, vineyards need to be modernised restructured and farmers must receive technical training.

25 At the same time, this landscape has been upgraded through investments, especially in Tourism Rural Areas (TER). This activity appeared in the early 1980s, and consists of a type of lodging representing the rural and cultural identity of the region, set in buildings with typical architectures that mingle well in terms of culture and environment in the surrounding area.

26 This type of tourism is unconventional, has a family-type structure and is characterised by customised tourist accommodations, allowing guests to learn more about practices, values and traditions, namely the intangible traditions. This tourist activity is complemented by family-run Guest Houses and Wine Tourism, thus providing a sustainable multifunctional approach that values endogenous resources and adds to farming activities other activities that depend on and interact with them (handicrafts, entertainment, cultural and sports activities).

27 The expansion of the Rural Tourism became more noticeable after the Douro region was classified by UNESCO as “Evolving Living Landscape, World Heritage” (2001), and came to include average and large wine farms (PINA, 2011, 2012). Because seasonality is a reality, this activity is further complemented by other more conventional offers, such as hotels, which together help form a strategy to revive this region, favouring the preservation of landscape, wine culture, and social structures. But there is also intangible heritage, local festivities to enjoy.

The festivities of Senhor da Aflição (Our Lord of Afflictions) and their impact

28 Although subject to different interpretations, festivities and processions have always attracted the population, depending on their history, geographical location, accessibilities and, more recently, their dissemination and marketing. Nevertheless, they have decreased in number in rural areas, in comparison with the 1980s. Although there were some setbacks due to the world conflicts that forced the interruption of Port wine exports, the festivities continued because they were “major regional events (…) an opportunity for people from all over the province to come together”

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(VASCONCELOS, 1997, 302) and they preserved the “ typical features of local cultures, customs and mores, folklore, and even handicrafts” (OLIVEIRA, 1984, 220). In short, festivities and processions were social events with a strong religious, economic and cultural influence.

29 Nowadays, however, these festivities are increasingly limited to major population centres, while in the rural areas where they still take place, especially in the more peripheral areas, the situation is getting worse. Nevertheless, Cambres still hold the festivities in honour of Senhor da Aflição. The first documented references to this popular festivity date back to the 19th century, and it spread its influence not only to the neighbouring wine parishes, but also to the surrounding urban centres. After the “Ponte de Peões” bridged was inaugurated in 1872, linking the two Douro River banks, and the arrival of the railway in Régua in 1879 (PINA, 2007), this influenced spread also to Porto.

30 In the early 19th century, the Douro region experienced very difficult times which reflected the successive bad harvests and the sluggish wine exports, a situation which deteriorated even further with the widespread of fungal diseases, such as spot diseases, rust and powdery mildew, “inducing” epidemics of cholera and yellow fever (SOUSA, 2006). It was only in 1880, however, when phylloxera devastated the vineyards in the region, in particular those in Parada do Bispo, and came closer to the Cambres vineyards that the residents found themselves powerless to overcome it, held a procession of repentance, “to implore divine protection against phylloxera” (“Jornal da Regoa”, 10/07/1880, p.2). As their prayers were heard, references to Senhor da Aflição were advertised in the regional and national newspapers, announcing the famous festivities and informing about.

31 In the 20th century, despite the adverse political, economic and social problems, especially those that prevented wines from being marketed due to world conflicts, and the growing social problems, the festivities were still held, because although the religious aspect was mostly valued, they had an important social and economic dimension. For example, in 1900 the procession was considered “onde of the most popular and famous processions in this region”, consisting of 3 processions and “with many lights and fireworks, (…), easy access from this town (Lamego) and other towns nearby to the site of the procession” (“A Semana”, 1900, 21 July). Public transportation was provided connecting with the surrounding urban centres and the city of Porto.

32 As time progressed, other “innovations” stressed the social dimension of the festivities: festivals that continued long into the night, musical entertainment by the bands, lights and fireworks, and the introduction of electricity in the parish (1909).

33 Moreover, the economic impact of these festivities is also quite remarkable. Indeed, the festivals facilitated socialization and the business in taverns and local shops, institutional or otherwise, marketing the local agricultural products (wine, olive oil, fruit and sausages). In this line of reasoning, is it not surprising that in 1912 more than 60% of annual expenditure with the festivities were allocated to the profane elements (fireworks, decoration and lighting), while only 18.5% of financial resources were intended for the religious arrangements (“Despesas da Irmandade Senhor Afflicção”, Arquivo Distrital Viseu, cx. 2185, nº 13). Thus the profane dimension increased, with social and even economic events being added to the festivities, such as the “Annual cattle fair” in the 1930s, and traditional games and football matches. Music, in turn, is

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another unquestionable dimension of these festivities, with brass bands brightening all events, religious or recreational, creating an atmosphere conducive to socialization.

34 These events stimulated the parish, a situation which remained unchanged until the early 1970s. When the wine making business was unpromising, as was the case during the world conflicts, the budget for fireworks and bands was tighter. Meanwhile, the open fair, football matches and other activities were suspended, and musical groups performed in addition to brass bands. The Senhor da Aflição festivities continued to be the highlight of the parish, opening opportunities for social contacts, economic activities, and maintenance work on buildings and in the surrounding landscape.

35 Today, the profane and social dimensions, and especially the recreational aspect attract everyone alike, but especially the younger population and the non-residents. In this context, while the recreational and musical aspects were prominent in 2013, spending on brass bands, in particular the “Banda Marcial de Cambres”, diminished as the investments are made mostly in evening concerts. Three processions are still held (Photos 3 and 4), in addition to solemn masses, the brass band, “gigantões”, sports activities linked to Sporting Clube de Cambres (local sports club), the local market and street vending is also boosted, as the Cambre-born individuals living in other urban centres and emigrants who participate in these festivities bring their friends, which helps revitalize the parish.

Photo 3 - The festivities of Senhor da Aflição: the brass band.

(Photo of author, Cambres July, 2013)

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Photo 4 – Procession of Senhor da Aflição.

(Photo of author, Cambres, July, 2013)

36 Moreover, the social impact throughout the year is very positive, in particular with auctions and the collection of products to be auctioned. These festivities are nevertheless under threat, as they require considerable amounts of money and work, even though the older residents are the ones that invest more in the organisation and continuity of the events. Due to the increasing apathy and lack of human and financial resources, the architectural heritage is deteriorating and traditions and distinctive local specificities are being lost, hindering the sustainable development of this parish.

Santa Eufémia (Saint Euphemia) festivities and local development

Some background notes

37 Still in the Lamego council (NE Portugal), on the left bank of the Douro River but heading about 20 km East, we come to the small parish of Parada do Bispo, with about 2 km2. Like Cambres, Parada do Bispo is part of the DDR and its landscape is quite attractive, with the recently restructured and mechanized vineyards (Photos 5 and 6). Though traditional vineyards are still found in the smaller family-owned farms, they are fewer in number. The vineyards are planted on schist soils, which is great for obtaining better quality wines. To reach them, however, the roads are well preserved but very narrow and winding, making mobility difficult. The history of this parish is directly linked to the Diocese of Lamego, as one of its farms was located here, producing good quality wines and some olive oil. The farm spread on the slopes from the margins of the Douro River to Valdigem, a neighbouring parish, totalling 100 hectares in size. When the church’s assets were confiscated, which was common in

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Europe, this farm was sold in 1864 to the family who still owns it, although the family has now branched out in two.

Photo 5 – Parada do Bispo and Quinta Santa Eufémia.

(photo of the author, Parada do Bispo, August 2013)

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Photo 6 – House of Quinta da Santa Eufémia, border to the chapel.

(photos of the author, Parada do Bispo, August 2013)

38 The parish was donated by king Afonso Henriques to the Bishop of Lamego, D. Mendo (COSTA, 1992). Set in a stunning landscape, “overlooking” the Douro River, the estate housed one of the church’s houses and a chapel in honour of Santa Eufémia, from whom the estate takes its name. This well-known estate faced some problems in the 19th century, when the vineyards were totally destroyed by phylloxera, as shown in various documents (AZEVEDO, s/d).

39 As Parada do Bispo corresponds to a “barca de passagem de Bagaúste” (one of the many crossings over the Douro River) and the city of Lamego, it was the district capital until the early 19th century. In addition to the ecclesiastical residence, it also boasted a fountain and several Pombaline-style milestones, corresponding to the quality of wines produced there and justifying the expansion of the vineyards in the 18th century.

40 Despite all these positive aspects, the problems are many, including labour shortage, poor technical qualifications of staff, and demographic decline. Parada do Bispo was not immune to the demographic decline of the region and to the structural aging of its residents – whereas in 1900 there were 217 residents, and 291 in 1950 (peak value), there were only 149 residents in 2011! In the last decade the drop was over 25%, meaning that the resident population corresponds to 51.2% of the numbers in 1950! As in Cambres, this population decline reflects the successive regional wine crises, which led to migratory flows, which is today about 31% of residents are over the age of 65, while the younger population has left the parish.

41 The wine sector, however, supports local economy, yet it is based on a very dichotomous structure, and family-coordinated. In fact, Parada do Bispo is a 2 km2 parish with only 15 farmsteads, mostly wine-growing businesses, with an average size of 11 hectares, in 2009 (INE). However, only two farms – already mentioned – represent

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about 90% of the total area taken up by vines, the predominant culture. Of the remaining 13 farms, 6 of them are not even 1 hectare in size. Although lacking in capital and having a traditional structure, these farms help preserve the area, culture, and landscape, and, ultimately, along with the two larger farms (over 50 hectares) may continue to bear the classification given to the DDR by UNESCO.

42 Tradition and innovation co-exist in this parish, with the two large farms being the greatest innovators by combining the wine industry with Rural Tourism (Casa de Santa Eufémia) or wine tourism. As this is a seasonal activity, it is a strategic investment which, as in Cambres, has boosted the area and benefitted the preservation of landscape, viticulture, and the social structure. Local festivities are another great potential in the area, which is why its impact needs to be studied.

Santa Eufémia festivities and the sustainability of the parish

43 The parish honours Santa Eufémia in a festivity held twice a year, the first one on the last Sunday of August (or on the Sunday closest to 6 September), and the second one, with centuries-old roots, on 1st November, called the “marrã” festivity, combining both the religious and the profane dimensions. These festivities were once held in the chapel that once belonged to the estate and is now public property. This sumptuous chapel, especially its high altar, is indeed emblematic of the economic and historical importance of the estate and of the power that the clergy had in the region.

44 The festivities include several masses on Sunday morning, the last of which is accompanied by the music band, which in fact remains there until the end of the day, playing a major role in the profane celebrations. Keeping with the tradition, the “marrã” meal follows the mass (in 1532, the Lamego “marrã” pork female meat was served in the Portuguese royal court and was also available in a vast territory beyond the borders due to its organoleptic quality – (DIAS, 1947).

45 Local commerce, however, does not benefit from the insufficient space and location of the chapel, but the population in general takes advantage of the festivities and sets up stalls, grills and tables on both sides of the street leading up to the chapel, as allowed, to sell the “marrã meat” to pilgrims and outsiders. Street vendors selling all kinds of products, but mostly local products (sausages, cheeses, local sweets, handicrafts, etc.) take up their space in the square and near the chapel (Photos 7 and 8).

46 There have been adjustments to this festivity, all of which in the aftermath of economic events and, indirectly, adapting to the holiday period of those who have emigrated: although the main festivity is held on 1 November, it has been “replicated” on the Sunday closest to 6 September, in order to combine this new festivity with all the other regional events, and to satisfy all those who can only visit the region during this time. The devotion shown to Santa Eufémia is also quite profound.

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Photo 7 - Some images of the busy activities and street commerce.

(photos of the author, Parada do bispo, August 2013)

Photo 8 – The brass band.

(photo of the author, August 2013)

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47 Taking the crowds into consideration, for some years the festivities were lengthened to cover the entire weekend, thus doubling consumption and the sale of “marrã”. Supported by background music they often continued late into the night, so complaints were soon made and they were interrupted in 2010, and the festivities and trading activities were limited to Sunday. However, plans are already being made to restore the practice, allowing the sale of “marrã” meat on Saturday evening.

48 Some “technical” changes were also introduced. Until the 1970s and 1980s, “marrã” meat was cooked in firepits, but today grills are used, and visitors have replaced the traditional blanket spread along the road with comfortable tables and chairs. The menu has also improved, although pork female meat is always the star of the show: grilled meats, seasoned pork chunks, and kale soup. Lastly, once the square in Parada do Bispo was revamped and built by the local authorities under pressure from the residents, conditions were in place for the many stalls in the square. As the “marrã cevada” pork meat is quite expensive (a bisaro female pig breed subject to a special dietary supplement of chestnuts for a few months), today we find industrial pork meat for sale. Vendors come from various places, but they are mostly from the Parada do Bispo parish or nearby places, including from Lamego, and we even find butchers from the neighbouring councils (Armamar, Peso da Régua, Tabuaço, Vila Real, …).

49 The social impact of these festivities is truly unquestionable. Whereas the festivities facilitate socialization, at the same time local trade is increased, marketing the local agricultural products (wine, olive oil, fruits and sausages), plus a specific product such as pork female meat, following the local tradition. The musical dimension is likewise important, the presence of the brass band offering an atmosphere conducive to socialization. The parish became alive with the Santa Eufémia festivities, the most dynamic events of the parish, increasing social contacts and economic activities, allowing for the maintenance of buildings and infrastructures. Today, in addition to street vending, the profane and the social events attract everyone alike and boost local and regional trade.

50 Moreover, the very positive impact on socialization lasts the entire year, as the organisation of these events require large amounts of money and a lot of work carried out over the entire year. The continuity of these festivities is at stake not only because the old age organisers are increasingly more tired, but also because the festivities interfere negatively on permanent activities such as wine tourism (they have to close down on these days due to poor safety conditions, but especially because of traffic problems). If this does happen, the architectural heritage will deteriorate and local traditions will be lost, which are part of the identity of this people, making the sustainable development of the parish and region more difficult. Regional cultural diversity will also be limited, with fewer cultural events, which would otherwise be preserved and properly coordinated in order to fight against the seasonal nature of tourism and boost the sustainable development of these rural areas.

Some concluding remarks

51 Although very frail, the rural world has much potential that is not always put to best use, especially when we talk in terms of sustainable development. Although new strategies appear directed at the multifunctional purposes of landscapes, the impact of

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built heritage, and especially intangible heritage, such as festivities and processions is side-lined.

52 Although these events highlight the religious component, they also include the cultural, social and economic dimension, thereby facilitating the preservation of customs and mores, historical values, built and intangible heritage, bringing in key dynamics to these rural areas. This is a way to uplift not only the territory in which they take place, but also a vaster territory, in an arrangement not limited to the days on which the festivities are held, rather throughout the year, expanding the socialization of residents, contacts with economic agents, and the projection of traditions among the younger social groups, who are now more educated and able to innovate.

53 Although the festivities in honour of Senhor da Aflição in Cambres parish, or those in honour of Santa Eufémia in Parada do Bispo parish, in Lamego, are outstanding examples, they also face many difficulties. Despite their location in superb settings with good access roads, problems become more complex. To minimise them, efforts are made by investing in the multifunctional uses of the landscape, where tourism stands out, yet other possibilities are ignored, namely its culture, traditions, and mythical aspects. There is an urgent need to develop the local assets, making local and regional agents aware of the need to requalify, preserve, and enhance this heritage, without overlooking the importance of having an attractive marketing in place to strengthen and improve the Douro brand image. These strategies should be implemented in a wide-ranging network approach, but not overshadowing the rural resources, despite the relevance of urban attractions. We must remember that the success and continuity of festivities in a rural environment depends not only on local agents and existing social cohesion, but also on the official, public and private support, and especially support from local governments and the church.

54 Although investing in the Douro tourism is a strategic move, we can never neglect the wine industry, because this is the economic mainstay of the parish and of the DDR, or its social structure, the individuals who help preserve local heritage. If we include festivities and processions in tourism events, we will also reduce the seasonality of tourism in the region, which is still much concentrated in the harvest period. There should be more activities to complement the existing ones, integrating the surviving festivities and processions in this dynamic, creating, for example, a “Roadmap of Festivities and Processions”. In short, we will only be able to revitalize these rural areas in a sustainable way in a cyclical perspective if we involve all actors, in particular the young ones with their entrepreneurial spirit and innovative skills, boosting local resources, focusing on a complementarity between the rural and the urban environment, in network, combining various interests. The dynamics to be found must never underestimate or undervalue the many local assets, like those related with the festivities. After all, it is all about maintaining an area classified by UNESCO as World Heritage!

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ABSTRACTS

When talking of rural spaces, we usually mean peripheral areas with a range of problems, but whose potential and dynamics for revitalisation are evident. This is the case of the Douro Demarcated Region (DDR), home to an idyllic landscape of countless terraces on slopes laden with vines as well as a unique architectural, human and cultural heritage. Nevertheless, the

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obstacles to its development escalate, ranging from the environmental and landscape structure to the economic, social and cultural. In this paper, from a wide range of problems afflicting the region, we intend to focus on the cultural component, particularly the intangible one, highlighting the strategic role of the popular festivities and pilgrimages in the rural sustainable development.

Embora repleta de problemas ambientais, econômicos, sociais e culturais, a rica diversidade encontrada no mundo rural possui enorme potencial que carece ser estimulado. É o caso da Região Demarcada do Douro (RDD): parcialmente classificada pela UNESCO como patrimônio mundial, sua paisagem é marcada por uma impressionante força arquitetônica, cultural, social e enológica. Contudo, ela vem sofrendo com o envelhecimento populacional, o baixo dinamismo econômico e o declínio de estruturas sociais, e é exatamente por estes motivos que os recursos locais devem ser preservados e valorizados. Neste contexto assumem destaque as festividades que, embora essencialmente religiosas, são também eventos sociais, culturais, econômicos e turísticos. Assim sendo, elas são cruciais tanto na compreensão mais ampla do passado coletivo quanto na revitalização da região em termos sustentáveis.

En dépit des plusiers problèmes environnementaux, économiques, sociaux et culturels, la diversité du monde rural a un potentielle qui mérite d’être stimulé. C’est le cas de la région démarquée du Douro (RDD) : classifiée partiellement en tant que patrimoine mondial par l’UNESCO, son paysage garde une impressionante force architecturale, culturelle, sociale et oenologique. Cependant, la région souffre à cause de viellissement de la population, le bas dynamisme de l’économie et le déclin des structures sociales, et c’est précisement en fonction de cela que les ressources locaux doivent être préservés et valorisés. Dans ce contexte, on souligne les festivités : de nature essentiellement réligieuse, elles sont aussi des événéments sociaux, culturels, économiques et touristiques. Ainsi, elles sont cruciales soit pour une compréhension plus élargie du passé collective, soit pour révitaliser la région sous l’égide de la sustentabilité.

Cuando abordamos los espacios rurales, habitualmente nos referimos a espacios periféricos y problemáticos, pero donde las potencialidades y las dinámicas para su rehabilitación están presentes. Lo que sucede en la Región Demarcada do Douro (RDD) envuelve un cuadro paisajístico idílico, donde se suceden los viñedos pero también aparece un soberbio patrimonio arquitectónico, humano y cultural. Sin embargo, se presentan muchos obstáculos para su desarrollo, desde los ambientales hasta los paisajísticos, de los económicos a los sociales y aún más los culturales. Este articulo quiere, delante de la multiplicidad de problemas, destacar el componente cultural-inmaterial, con especial incidencia en el posicionamiento estratégico de las fiestas y romerías en el desarrollo de los espacios rurales.

INDEX

Keywords: rural development, TER, sustainability, intangible heritage, festivities Palabras claves: desarrollo rural, TER, Sustentabilidad, patrimonio inmaterial, festividades. Palavras-chave: desenvolvimento rural, TER, sustentabilidade, patrimônio imaterial, festividades. Mots-clés: développement rural, TER, sustentabilité, patrimoine immatériel, festivités.

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AUTHOR

HELENA PINA CEGOT, Faculty of Arts, University of Porto, Portugal. Email: [email protected]

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A nova era de cooperação Moçambique - China: debates, dilemas, realidades e perspectivas de políticas institucionais A new age of Mozambique-China cooperation: discussions, dilemmas, realities and perspectives La nouvelle ère de coopération Mozambique-Chine : débats, dilemmes, realités et perspectives La nueva era de la cooperación Mozambique – China: debates, dilemas, realidades y perspectivas

Nelson Laura Mabucanhane

NOTA DO EDITOR

Artigo preparado para orientar os debates no Seminário sobre Gestão Pública no ISAP, setembro de 2015. Agradeço a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal do Nível Superior (CAPES) pela bolsa de estudos e ao meu orientador Prof. Dr. Floriano José de Oliveira Godinho, bem como aos demais colegas do Grupo de Pesquisa do PPFH/UERJ.

Introdução

1 Apesar das históricas relações de cooperação Moçambique – China desde a Luta de Libertação Nacional e durante a guerra civil até então, apresentarem significativos resultados em termos de ganhos para Moçambique, China é visto como um risco para o desenvolvimento saudável e sustentável de Moçambique em particular e de África em geral. De acordo com Chichava (2010), China representa uma reedição das relações que

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a África estabelece com o Ocidente e limita a perspectiva do desenvolvimento africano. Confirma esta visão conforme evidenciam, por exemplo, os estudos de Southall and Merlber (2009) e Brautingam (2009) a maioria da literatura ocidental e africana especializada e/ou interessada pela cooperação África – China em geral e Moçambique em particular. A nova era de cooperação Moçambique – China, objeto deste estudo, alimenta debates e acesas controvérsias. Se por um lado, encontra forte objeção crítica tanto do Ocidente quanto de alguns acadêmicos, sociedade civil, líderes políticos, empresários, entre outros extratos sociais, por outro lado, encontra forte apoio da maioria da elite política nacional no poder e uma parte dos acadêmicos e dos demais extratos sociais.

2 A partir de uma breve análise de evidências históricas na primeira fase da cooperação Moçambique – China (1975 – 1999), passando pelas mudanças do ambiente e arranjo institucional em Moçambique conseqüente das mudanças do modelo econômico e político até desaguar na nova era de cooperação Moçambique – China (desde os nos anos 2000) este estudo encontrou evidências empíricas suficientes para afirmar que de fato as relações diplomáticas entre os dois países canalizam ganhos substanciais para Moçambique.

3 Deste modo, o objetivo deste artigo é analisar os ganhos para Moçambique na sua relação diplomática com a China considerando os debates, dilemas e realidades atuais.

4 A questão de partida que orientou este estudo foi por que é que apesar de a cooperação Moçambique – China apresentar ganhos substanciais para Moçambique, China é visto como um mau doador, investidor e/ou como um risco que limita o desenvolvimento saudável e sustentável de Moçambique? Foram consideradas duas hipóteses de investigação para responder a esta questão e por essa via determinadas as duas partes do trabalho. Com recurso à revisão da literatura em todo o trabalho, a primeira parte discute de forma breve a fase inicial de cooperação Moçambique – China, a mudança do modelo econômico e político e a adesão ao assistencialismo retardatário e de dependência técnica e financeira de Moçambique ao Ocidente. A partir de evidências históricas, esta parte defende as premissas básicas de que a dependência de trajetória não deve ser ignorada a curto e médio prazo para explicar a extrema pobreza moçambicana e que não tem nenhuma associação com a emergência da China. De certeza que poderá parecer ao leitor uma ilusória deslocação desta primeira parte no debate da questão central que é a cooperação Moçambique – China. Porém, é preciso sintetizar que esta primeira parte apresenta as bases explicativas que justificam ou dão sustentabilidade à hipótese de investigação cujas evidências históricas compõem a segunda parte. Outro aspecto que o leitor poderá constatar tanto na primeira quanto na segunda parte é a deslocação do espaço de estudo para uma visão quase que genérica do continente africano. Trata-se de uma opção metodológica que quanto a este artigo, ajuda a perceber que a ausências de evidências sobre um impacto negativo da presença da China não é só em Moçambique, mas quase em todo o continente. A segunda parte – o centro deste estudo confirma a hipótese de investigação que procurava demonstrar que não é que a China seja mau doador e/ou investidor ou ainda constitua um risco para o desenvolvimento saudável e sustentável de Moçambique, mas a dimensão política moçambicana como componente para entender a capacidade institucional do Estado para além da sua associação a interesses particulares e partidários, é frágil para se lidar com os interesses do gigante econômico chinês.

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5 Para sustentar esta hipótese, o estudo tomou como método de investigação a revisão da literatura, na qual buscava evidências históricas que pudessem fundamentar todos os argumentos apresentados. Foram usados para efeitos de demonstração dados existentes e públicos em várias obras. Apenas os dados sobre o Investimento Direto Estrangeiro (IDE) em Moçambique é que foram recolhidos no Centro de Promoção de Investimentos (CPI) e no Gabinete das Zonas Econômicas de Desenvolvimento Acelerado (GAZEDA). O emprego deste método permitiu apresentar as evidências históricas e a coerência e consistência lógica da hipótese do artigo, tendo tomado como indicadores de análise o comportamento dos ganhos para Moçambique ao longo do tempo na sua relação diplomática com a China. Adicionalmente, foram avaliados os debates sobre as principais fontes do fluxo de capital estrangeiro, como por exemplo, a ajuda externa, doações, assistência técnica e financeira, as remessas da diáspora africana, o Investimento Direto Estrangeiro (IDE) e o desempenho de algumas economias africanas. A finalidade de análise destes indicadores eram verificar o seu comportamento, ou seja, se apresentavam tendências de retração ou desaceleração passível de ser associada ao crescente aumento da presença chinesa em Moçambique em particular e em África no geral. Os resultados desse exercício permitiram perceber que não existem evidências históricas para uma visão pessimista sobre a China, apesar de reconhecer os debates e dilemas literários em volta. Foi possível ainda notar que o fluxo de capitais estrangeiros para assistência técnica e financeira de África, apesar de vários autores terem perspectivado desde os anos 2000 tendência de redução, ele continua elevado ao atingir 200 mil milhões de dólares em 2014 em toda a África, acima da anterior previsão de US$ 195 mil milhões em 2015. Ao contrário do que tem sido literalmente apresentado de que a presença da China em África em geral e Moçambique em particular, é um risco e limita o desenvolvimento saudável e sustentável de Moçambique, foi e é exatamente a presença chinesa que dinamizou a saúde da economia mundial e africana em particular, através da demanda de matérias-primas e de injeção de bilhões de dólares norte- americanos no mercado financeiro internacional.

Contexto da Cooperação Moçambique-China e a Dependência de Trajetória

6 A histórica cooperação Moçambique – China, se enquadrada no contexto da busca pelo Moçambique de alternativas de emancipação política face à colonização portuguesa. A recusa do Ocidente em dar apoio em material bélico durante a Luta de Libertação Nacional (1964 - 1974) e guerra civil (1976 - 1992) empurrou Moçambique a se alinhar ao bloco socialista, no qual encontrou todo o apoio necessário (material bélico, combustível e bens de consumo) até a independência em 1975 e depois. É no contexto do cruzamento entre conflito, miséria e solidariedade com vista à emancipação política, econômica e social que devem ser enquadradas as relações de amizade e cooperação entre Moçambique e China em particular, e com os demais países tanto da antiga URSS assim como ocidentais, latino-americanos, entre outros países.

7 China foi o primeiro país a estabelecer relações diplomáticas com Moçambique independente, a 25 de Junho de 1975 – dia da independência nacional. A partir de então, vários acordos foram assinados entre os dois países, no contexto da perspectiva chinesa de win – win cooperation, em particular no domínio da saúde, agricultura e defesa. De acordo com Chichava (2010, p. 338) em 1976, os acordos na área de saúde, previam o

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envio a Moçambique, em cada dois anos, de 12 profissionais de saúde ao hospital de Maputo e em 1977, China estabeleceu grandes machambas1 estatais, em Moamba – província de Maputo, Sul de Moçambique. Apesar de a China ter sido o primeiro país a estabelecer relações diplomáticas com Moçambique, tais relações não avançaram muito numa primeira fase. Jackson (1995) (apud Chichava, 2010) aponta cinco fatores que fundamentaram as clivagens entre os dois países: i) disparidade de apoio à guerra civil em Angola, enquanto Moçambique apoiava o Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) a China apoiava União Nacional para Independência Total de Angola (UNITA); ii) a declaração em 1977 de Moçambique ser “marxista-leninista” com mais inclinação para bloco soviético do que o lado chinês, embora Moçambique tenha procurado sempre equilíbrio para não ser vinculado nem a Moscovo e nem a Pequim; iii) a condenação da Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO)2 da invasão chinesa ao Vietnam; iv) o apoio chinês ao regime cambodjano Pol Pot em 1979, e; v) o fato de Moçambique, junto com Angola e Etiópia não ter condenado a invasão soviética ao Afeganistão, votando contra a resolução das Nações Unidas que condenava tal invasão. Como conseqüência deste último incidente, o embaixador chinês em Moçambique – Yang Shouzeng deixou o país na companhia da equipa médica chinesa em 1980, como protesto, tendo regressado a Moçambique em 1981. Todavia, apesar do regresso do embaixador com a sua equipa médica e das visitas de Joaquim Alberto Chissano (1982) e Samora Machel (1984), ex-Ministro dos Negócios Estrangeiros e ex-presidente de Moçambique, respectivamente, nenhuma alta autoridade chinesa visitou Moçambique, fato que só veria acontecer em 1987, com a visita do então conselheiro do Estado e Ministro dos Negócios Estrangeiros, Wu Xuequian. Depois foi a vez do também então ministro dos Negócios Estrangeiros Qian Qichen visitar Moçambique em Agosto de 1988, tendo na altura assinado um pacote de ajuda avaliado em 12 milhões de dólares americanos (CHICHAVA, 2010, 340)3.

8 O autor continua apontando que a normalização das relações entre Moçambique e China deve ser enquadrada à crise econômica e política do regime de Maputo devido ao colapso do seu projeto socialista e os efeitos da guerra civil. Tal situação obrigou Moçambique a normalizar relações com outros países, em particular com a África do Sul – país com o qual as relações eram sempre de tensão devido às sabotagens econômicas perpetradas pelo regime de segregação racial – Apartheid. O Apartheid junto com o regime de Ian Smith da Rodésia do Sul (atual Zimbábue) apoiou militarmente a Resistência Nacional de Moçambique (RENAMO)4, movimento armado que conduziu a guerra civil. A crise político-militar e econômica financeira, sobretudo nos anos 80 lançando Moçambique às instituições da Breton Woods. É nestas instituições, Fundo Monetário Internacional (FMI) e Banco Mundial (BM), que não só Moçambique encontra apoio financeiro para atender à situação humanitária da guerra civil, como também, os dogmáticos condicionalismos capitalistas no contexto das teorias liberais que o levaram a reformas econômicas para soluções políticas. Neste sentido, é razoável aceitar que fatores históricos de cunho político-militar levaram Moçambique a uma situação de dependência externa, que se traduz em ajuda externa tanto para as despesas da luta de libertação nacional quanto para funcionamento das despesas públicas. Dito de outra forma, não foi a dependência que levou Moçambique a pedir apoio, mas sim, o inverso, ou seja, a dramática situação política de luta pela emancipação política levou o país a solicitar ajuda externa, o que o afundou numa dependência externa quase que eterna. As relações de ajuda externa, no contexto da lastimável situação política, transformaram o status quo da ajuda externa numa situação de dependência

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multidimensional, estrutural e dinâmica, na modalidade como descreve Castel-Branco (2011).

9 Esta dependência técnica e financeira tornou Moçambique em uma dos países altamente endividando do mundo, chegando a um estado de crise da dívida, uma situação que persiste até hoje. É neste contexto, que os países centrais junto aos países altamente endividados desenharam políticas que se traduziram em ajuda externa, perdão da dívida aos países altamente endividados. De acordo com Castel-Branco (2011) os objetivos do doador e do receptor coincidem, dado que ambos estão interessados em alterar uma situação tida como anormal para a melhor, ainda que suas posições e motivações sejam diferentes e por vezes conflitantes. No auge desse consenso e reconhecimento comum da necessidade de alterar a situação anormal, a África Subsaariana, por exemplo, pediu em 2005, através da Comissão Africana um aumento da ajuda externa de US$ 25 bilhões, o que constituiu o triplo da ajuda externa do continente africano. O projeto Milênio das Nações Unidas estima que a Ajuda Oficial Global para o Desenvolvimento (ODA) poderá chegar aos US$ 195 bilhões em 2015, contra os US$ 79 bilhões em 2004 (NOVUNGA, 2008, p. 38). Confirma este dado o relatório do Grupo do Banco Africano do Desenvolvimento (GBAfD) e Organização para Cooperação Econômica e Desenvolvimento (OCED) ao apontar que em 2014 os fluxos externos para África registraram um crescimento recorde de 200 bilhões de dólares, um montante de cerca de quatro vezes superior ao registrado em 2000. A ajuda externa foi desenhada pelas Nações Unidas no sistema das relações internacionais, como uma política de curto prazo, virada para a reconstrução pós-guerra. Contudo, evidências empíricas apresentados por Brautigam (2000) apontam que cerca de 30 países recebem ajuda externa há mais de três décadas e estima em mais de 10% do Produto Interno Bruto (PIB), sobretudo na África Subsaariana com exceção da África do Sul.

10 Sustentam esta visão de Brautigam (2000) os dados apresentados pelo relatório do GBAfD e da OCED de 2008 e 2015 sobre o fluxo tanto da Assistência Pública ao Desenvolvimento (APD), Ajuda Oficial Global para o Desenvolvimento (ODA) quanto sobre o IDE e as remessas da diáspora africana. Em termos do fluxo do Investimento Direto Estrangeiro (IDE) o GBAfD e OCED (2008, p. 20) apontam que este tem vindo a crescer desde 2002 quando atingiu 36 bilhões de dólares em 2006, o que significou um aumento de 20% relativamente a 2005 e o dobro do valor em comparação com 2004. O relatório continua mostrando que em 2006, um total de 23 mil milhões de dólares foram destinados para o Norte de África e os restantes US$ 12 mil milhões para a África Subsaariana. O aumento do IDE é associado pelo relatório à subida do preço de matérias-primas, fato que é para este artigo uma conseqüência da demanda de matérias-primas pelos países asiáticos, principalmente a China. Esta procura conforme mostra o relatório aumentou o boom de investimentos na indústria extrativa, para além do aumento de fusões e aquisições (F&A) na banca e na indústria de telecomunicações, conjugado com os esforços dos governos de liberalização dos mercados e privatizações das empresas públicas.

11 Se até 2006, Moçambique não integrava a lista dos principais destinos do IDE como mostra o relatório do GBAfD e OCED de 2008, este passa a ser preferência dos investidores após 2006. De acordo com o mesmo relatório, “o IDE aumentou em 33 países africanos e diminuiu em 21, sendo os destinos de topo em 2006, o Egito (US$ 10 mil milhões), a Nigéria (US$ 5.4 mil milhões) e o Sudão (US$ 3.5 mil milhões), seguidos pela Tunísia, Marrocos e Argélia”. Já no seu relatório de 2015, o GBAfD e a OCED

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mostram um aumento do IDE de cerca de 60% de 2002 a 2014, ao situou-se nos 60.4 bilhões de dólares, face aos 36 bilhões de 2002. Neste período de 2014 a Nigéria não só se manteve na lista dos principais destinos do IDE, como também registrou um aumento de 1.1 mil milhão no seu investimento, ao alcançar a cifra de US$ 6.5 mil milhões. Marrocos com um investimento de US$ 4.8 mil milhões colocou-se na segunda posição, seguido pela África do Sul com US$ 4.8 mil milhões e Moçambique com US$ 4.1 mil milhões.

12 As disparidades no fluxo do IDE entre país e regiões são explicadas pelo relatório do GBAfD e OCED (2015) como conseqüência de dois fatores: a dotação de recursos naturais e o risco político. Mas a questão de instabilidade política é problemática considerando o fluxo do IDE para o Sudão, um país com tremendos problemas políticos. O mesmo pode ser dito para o caso de Moçambique que a partir de 2013 tem apresentado sinais de instabilidade política ao mesmo tempo em que dispara o IDE. Não obstante estes focos localizados de instabilidade política em alguns países africanos, o Norte de África mostrou-se o maior destino do IDE do que qualquer outra região de África, sendo as principais áreas de investimentos a agricultura, comunicações, construção, indústria transformadora e turismo. De acordo com o relatório em referência, a Nigéria absorveu 80% do investimento direto da África Ocidental, sobretudo para a área do petróleo. A África Central e Ocidental registraram aumento no setor da indústria extrativa. Na África Austral, Angola e África do Sul foram os destinos de preferência dos investidores. Todavia, nos dois países o saldo líquido do IDE foi negativo, isto é explicado pelo relatório em referência, como conseqüente da venda das ações de algumas empresas extrativas a investidores domésticos, tal é o caso dos ativos da Vodafone, dos empreendimentos imobiliários da Istithmar na África do Sul e para o caso angolano a Sonangol comprou os ativos detidos pela empresa estrangeira do ramo petrolífero.

13 Para além do IDE, o relatório GBAfD e OCED (2015) apresenta outras duas principais fontes de fluxo financeiro estrangeiro em África: as remessas da diáspora africana e a Assistência Pública ao Desenvolvimento (APD). Enquanto as remessas aumentaram mais de 10%, ao alcançar US$ 67.1 mil milhões a APD registrou uma redução, pois foi estimada pelo relatório em 55.2 mil milhões de dólares, um valor ligeiramente inferior aos 55.8 mil milhões registrados em 2013. Tanto para o relatório do GBAfD e OCED (2015), quanto para Southall and Merlber (2009) e Brautingam (2009), existe uma tendência desde os anos 2000 de diminuição do fluxo de ajuda externa em África, não obstante as fontes reconhecerem que ela continua alta quando comparada com outros continentes.

14 Como se pode notar, Moçambique acompanha com maior satisfação o fluxo de capitais estrangeiros em África sendo um dos grandes receptores tanto dos IDE (sobretudo em 2014 quando se posicionou em quarto lugar ao nível do continente), assim como é um dos grandes receptores da ajuda externa. De acordo com o Banco Mundial (2005), Moçambique recebeu mais do que o dobro da média da África Subsaariana que é cerca de US$ 26 per capita. A fonte indica que Moçambique passou de cerca de US$ 360 milhões em 1985 para cerca de US$1.1 bilhões no projeto de reconstrução pós-guerra até 1996. Como resultado, e de acordo com a fonte, o país conseguiu ultrapassar em termos de infra-estruturas, os níveis de infra-estruturas do período antes da guerra civil. Constituiu um ambiente institucional próprio, nascimento ativo da sociedade civil e baixo índice de desemprego5. Castel-Branco (2011, p. 3) ao problematizar estes resultados coloca uma questão substancial ao questionar “como pode a contínua

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dependência multidimensional, estrutural e dinâmica de ajuda externa ser consistente com o sucesso”? Mas por outro lado, existe um questionamento sobre a sustentabilidade da ajuda externa porque em alguns casos, alimenta a dependência – tal é o caso de Moçambique. Ajuda externa, definida como sendo Brautigam (2000) a situação na qual o país não pode realizar muitas das suas funções de governação, tais como: provisão de serviços públicos, sem assistência técnica e financeira [...] e/ou [...] “o estado da mente onde os receptores da ajuda externa perdem as suas capacidades de pensarem para si próprios e desse modo perdem controle de si mesma...” (SOBHAN, 1996, p. 122).

15 Para sustentar os posicionamentos de estado de dependência em que se encontra Moçambique Castel-Branco e Ossemane (2010) indicam que a dependência externa tem várias dimensões inter-relacionadas, podendo ser científica, tecnológica e técnica, institucional, política, econômica e financeira. Apesar de este texto reconhecer que Moçambique é profundamente dependente em todas estas dimensões, como afirma Castel-Branco e Ossemane interessa ressaltar o dado apresentado por estes autores de que 43% do investimento privado provêm do investimento direto estrangeiro (IDE) e cerca de dois terços dos empréstimos provêm da banca internacional. Os autores continuam mostrando que de 1990 a 2004, 80% do investimento total dependia de fluxo externo de capitais privados (IDE e empréstimos). De 2005 a 2010 o percentual alocado para financiar a despesa pública variou entre 85% a 91%, o que significa entre US$ 750 milhões em 2004 a US$ 1100 milhões em 2008, ajuda fornecida pelo Grupo dos 19 (G 19) países da Organização para Cooperação Econômica e Desenvolvimento (OCDE). Isto significa, de acordo com Castel-Branco e Ossemane (2010) que neste período a ajuda externa financiou 50% das despesas públicas. Os autores continuam apontando que ajuda oficial ao desenvolvimento correspondeu a 22% do PIB, valor este que é cinco vezes superior à média dos países da África Subsaariana, colocando Moçambique na 11ª posição dos países mais dependente da ajuda externa no mundo, cuja dívida externa é de 40% do PIB.

16 Os dados apresentados nos parágrafos imediatamente anteriores a este sobre o fluxo de capitais estrangeiros em África em geral e Moçambique em particular servem numa primeira fase, para demonstrar que o crescente alargamento da presença chinesa em África em geral e Moçambique em particular, não altera a manutenção e crescimento das principais fontes de divisas em África, com destaque para Ajuda Pública ao Desenvolvimento, Ajuda Oficial Global para o Desenvolvimento (ODA), o IDE e as remessas da diáspora africana. Pelo contrário, ao mesmo tempo em que os novos atores de cooperação internacional, em particular os países asiáticos e o Brasil aumentam os seus investimentos diretos e ajuda técnica e financeira em África, o fluxo dos tradicionais capitais estrangeiros, embora registre uma relativa retração que pode ser associada a crise financeira, ela continua maior. Na segunda parte deste artigo é retomada esta questão com recurso aos dados sobre o crescimento econômico e desenvolvimento de África em geral e de Moçambique em particular, o que sustenta cada vez mais a hipótese da ausência de uma relação causal entre presença chinesa e pobreza africana, pelo contrário, China foi e é o motor central desse desenvolvimento.

17 Apesar deste fluxo de ajuda externa, do IDE e das remessas da diáspora africana a pobreza extrema ainda continua a dilacerar a maioria da população africana em geral e da África Subsaariana em particular, o que levanta questionamentos infinitos. Por exemplo, como explicar a persistência da pobreza absoluta em África no período

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anterior à emergência da China, caracterizado, não só pela dolarização bilionária do continente, mas também por profissionais altamente qualificados com ambiente e arranjo institucional de ponta? Por que é que a pobreza é extrema na África Subsaariana do que qualquer outra região do mundo com um passado histórico (colonização, guerra civil) quase semelhante? Como explicar, por exemplo, a pobreza absoluta e a dependência externa de Moçambique após quatro décadas de independência caracterizadas pelo fluxo massivo de donativos e assistência técnica e financeira? Não é novidade para ninguém que a região África Subsaariana concentra mais indicadores de privação humana mais do que a sua análoga do sul da Ásia, as duas regiões do mundo com indicadores desoladores. Breves dados comparativos apresentados por Drèze e Sen (2015, p. 63) consideram a maioria dos países do sul asiáticos como os que possuem baixos índices de desenvolvimento humano do que os países da África Subsaariana. Todavia, e de acordo com os autores, a renda per capita é 50% maior no sul da Ásia do que na África Subsaariana. Quanto à esperança de vida e mortalidade infantil é dez e duas vezes maior, respectivamente no sul da Ásia que África Subsaariana. A lista dos dados lastimáveis é enorme e como o objetivo deste artigo não é uma análise comparativa, talvez a pergunta que fica ao ar não deve focalizar tanto as causas da pobreza, mas como sair desta penúria considerando a dependência de trajetória? A busca de alternativas para sair da míngua é o procedimento ideal seguido pelos autores da teoria da dependência para o caso dos problemas da América Latina. O enfoque desta teoria de acordo com Dos Santos (2015) não é necessariamente a busca das causas da dependência, que é produto histórico da colonização e do capitalismo selvagem (cujo topo é a transfiguração de todo o valor de uso em valor de troca em Marx), mas sim, buscavam explicar as novas características do desenvolvimento socioeconômico da América Latina no período entre 1930 – 1945. Para eles o desenvolvimento e o subdesenvolvimento são aspectos diferentes do mesmo processo, assim, não é possível no contexto global, gerar-se o desenvolvimento de uns sem que isso ocorra em paralelo com o subdesenvolvimento de outros. Isto não é uma desculpa para explicar o fracasso econômico dos países subdesenvolvidos, mas uma realidade historicamente evidente. Todavia, para Castel-Branco (2011) a dependência de ajuda externa é uma anomalia que deve ser combatida ou eliminada. Sobre os fatores que explicam a dependência externa de Moçambique, Castel-Branco e Ossemane (2010) acreditam na existência de vários, de entre os quais, destacam razões históricas de economia política e de política econômica. Adicionalmente, as classes capitalistas nacionais são historicamente recentes; acesso ao erário público por vias de ligações políticas; perspectiva e iniciativas de desenvolvimento desenhadas num contexto de liberalização econômica, por uma classe inexperiente, mas também, tais políticas se apresentaram como imposição na medida em que apenas por via da liberalização e privatização, Moçambique teve acesso ao financiamento externo das instituições da Breton Woods. Neste sentido, para Castel-Branco e Ossemane (2010) os então ‘emergentes capitalistas nacionais não tinham nenhuma experiência de organização da produção, da logística produtiva e das finanças à escala industrial’6. Este artigo enfatiza as razões históricas e políticas de colonização e os 16 anos de terrível conflito armado para além do assistencialismo retardatário como as causas que explicam a orquestrada dependência externa de Moçambique. Isto porque foi exatamente o contexto colonial seguido da guerra civil que não só fragilizou política, econômica e socialmente Moçambique, como também, permitiu aceder ao endividamento externo. Tal acesso ao endividamento externo aconteceu numa altura em que estava em alta a busca pelos

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aliados no contexto da Guerra Fria e por isso, a ajuda externa a Moçambique com forte endividamento, não só manteria o país preso à ideologia capitalista, como também, facilitaria o neocolonialismo no âmbito neoliberal de acesso fácil à dilapidação dos recursos naturais pelos países centrais.

18 O trajeto histórico político-militar de Moçambique é quase semelhante ao da Angola (independência em 1975 e seguida de terríveis guerras civis), como explicar a dramática situação moçambicana considerando o passado histórico? Malaui e Singapura, por exemplo, ambos foram colônias britânicas e alcançaram independência em 1964, mas em termos de crescimento econômico e desenvolvimento social, os dois países apresentam situações extremamente distintas. Isto é, penúria no Malaui e desenvolvimento em Singapura. Estas são questões que fogem o escopo deste artigo na medida em que este não é um estudo comparativo, e adicionalmente, nenhuma destas questões comparativas captura as verdades explicativas, dado que semelhanças do passado histórico são elementos que permitem ponto de partida para análise, porém, com insuficiências explicativas para entender tais diferenças. Tomando o caso moçambicano em relação ao angolano é comum, e com razão, invocar o petróleo e diamantes angolanos para impedir a comparação, como se o maior produtor e exportador de petróleo a Venezuela fosse um país desenvolvido via recursos naturais e o mesmo dir-se-ia relativamente à República Democrática de Congo. Ou seja, a estrutura econômica e política interna e o ambiente externo são fatores importantes para explicar o desenvolvimento e não apenas a abundância de recursos naturais. Singapura por exemplo é um dos países sem recursos naturais de alto valor econômico no mercado internacional, importando até água e sua população é produto de imigração, mas a contribuição turismo em 80% do PIB permite ao país criar condições de bem-estar para a sua sociedade. No entanto, muitos dos países africanos são verdadeiros depósitos de maiores recursos naturais, que acabam amaldiçoando suas populações – ao serem catalisadores de interesses externos gerando conflitos internos. A história econômica mundial não apresentar evidências históricas de países que se desenvolveram na conjugação da seguinte trilogia de fatores: colonização seguida de orquestrada terrível guerra civil; crise da dívida externa num contexto de total exclusão econômica e pilhagem contínua de recursos pelas grandes potências e misterioso e retardatário assistencialismo técnico e financeiro. Deste modo, a associação destes fatores constitui um dos pontos de partida para analisar o crônico subdesenvolvimento africano, do que enterrar a história para fundamentar a pobreza absoluta e dependência externa com base nos fatores conseqüentes e não pelas causas primeiras, como ensina Aristóteles.

19 Brautingam (2009), por exemplo, analisando as razões de pobreza em África (e no contexto deste estudo de Moçambique em particular) a partir dos fatores conseqüente defende que as causas da pobreza são complexas. “Navegando em águas turvas” o autor afirma que há três décadas era comum ouvir as blasfêmias que associavam a extrema pobreza africana com a colonização. Para fundamentar o seu argumento, o autor mostra que o sucesso econômico e político das antigas colônias, britânica e francesa – Botsuana e Maurícias, respectivamente, desautoriza o recurso à colonização para explicar as causas da extrema pobreza africana. O mesmo autor, no seu fabuloso livro intitulado “The Dragon’s Gift: The Real Story of China in Africa” desprestigia a teoria do institucionalismo histórico que defende a contingência histórica e a dependência de trajetória para explicar a atual extrema pobreza que afligir África em geral e no contexto deste estudo, de Moçambique em particular, um fator determinante que para

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este artigo, não deve ser ignorado a curto e médio prazo. De acordo com Menicucci (2007, p. 49) “o novo institucionalismo histórico procura explicar as diferenças entre países a partir de variáveis institucionais de nível nacional, apontando como a configuração institucional modela as interações e as estratégias políticas e estrutura as relações de poder entre grupos, gerando trajetórias nacionais diferentes”.

20 Deste modo, é lícito afirmar que, primeiro, os dois países apontados (Botsuana e Maurícias) por Brautingam (2009) não apresentam nenhuma situação de robustez econômica capaz de serem consideradas economias modelos, apesar dos avanços relativos, como mostra o relatório econômico da Outlook (2012 e 2014). Botsuana conseguiu em três décadas sair dos países mais pobres após independência em 1966, para um país de classe média com um crescimento econômico de 4.8% e 6.7% entre 2012 e 2013, respectivamente e sem dívida pública externa. Os grandes desafios regularmente apontados para este país são desemprego de 17.6%, pobreza de 20.7% e desigualdades sociais. Maurícias registra também sucessos relativos, com um crescimento econômico que se situou em 3.4% e 3.3% em 2012 e 2013, respectivamente. É uma das economias mais competitiva da África Subsaariana com um dos melhores ambientes de negócios da região, apesar de enormes desafios na qualidade do capital humano. Apesar do otimismo de Brautingam (2009) sobre estas economias, os relatórios do GBAfD e OCED de 2008 e 2015 não fazem destaque de relevo sobre estes países, pelo contrário, Moçambique que é tido como um dos países de fracasso econômico conseguiu liderar a atração de IDE ao lado da África do Sul, para além do rápido crescimento econômico que este país registra a nível regional.

21 Os dados macroeconômicos, sociais e políticos destes países mostram um desempenho considerável quando comparado com os demais países da região, no entanto não fazem destes países economias modelos. As únicas economias africanas robustas são a sul africana e a nigeriana7. Pelo fato de África do Sul ser um player africano, interessa algumas notas breves neste estudo sobre a histórica robustez da economia sul africana que não é produto do desempenho econômico do período pós o sistema de segregação racial – Apartheid, mas sim, de uma conjuntura histórica de desenvolvimento econômico desde a era colonial. Tal vigor econômica alicerçada no passado histórico não sofreu grandes alterações mesmo após o fim do Apartheid dado que as minas de ouro de África do Sul não foram nacionalizadas e muito menos foram retirados os seus proprietários. Ou melhor, mudanças políticas que ocorreram na África do Sul em 1994, não se traduziram em rupturas e grandes transformações econômicas. Atesta esta idéia o estudo de Rocha (2009) ao aponta que o desempenho da economia sul africana arrasta desde os anos 80 os problemas de boicote econômico associados à política de segregação racial. Assim, de 1980 a 1993 o crescimento econômico do gigante africano foi em média negativo de 1%. Apesar de o país ter implementado políticas reconciliatórias desde 1994, compreendendo quatro períodos, a cortina de ferro entre negros e brancos continua presente. De acordo com Rocha (2009, p. 39) a primeira geração de políticas públicas que ocupa o período de 1980 a 1993 tem como foco a legislação de segregação racial. O segundo período 1994 a 1995 está baseado do programas de reconstrução e desenvolvimento – transição democrática, com dois objetivos principais: i) criação de emprego, e; ii) redução da pobreza, aumento dos salários e redução das desigualdades sociais. Estes objetivos eram suportados por verbas que acendiam a R 2.5 bilhões nos dois primeiros anos, mas com previsão de chegar a R 12.5 bilhões em 1998. O terceiro período compreende os anos 1996 a 2003, cujo enfoque é o crescimento econômico,

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emprego e redistribuição. Apesar de este programa ser complementar do segundo, ele marca o abandono do enfoque de políticas de redução das desigualdades e introdução do controle do déficit público e inflação. Finalmente o quarto período compreende 2004 e 2010 tem como centro acelerar ações e iniciativas para o crescimento econômico da África do Sul – crescimento compartilhado. Não obstante estes programas, o Rocha faz perceber que o crescimento econômico da África do Sul quando comparado com outras economias emergentes, não só é baixo, como também, a inclusão econômica desejada ainda não ocorreu. A cortina de ferro entre a maioria pobre negra e a minoria rica branca persiste para além dos problemas de escassez de eletricidade, greves na indústria mineira, criminalidade, corrupção, ou seja, são problemas econômicos que se traduzem em desafios sociais como é o caso da xenofobia.

22 Retomando o debate anterior, convém dizer que para, além disso, a comparação que Brautingam (2009) faz, tomando Botsuana e Maurícias como modelo desqualifica totalmente o trajeto histórico político-militar, ou seja, de luta de libertação nacional e guerra civil. Estes dois países não passaram por este trajeto determinista e sendo, assim, após independência iniciaram imediatamente implementar políticas de desenvolvimento econômico. Fato que não caracteriza a maioria dos países africanos dilacerados ou por guerras civis ou por perenes conflitos e golpes de Estado. Destarte, não é possível pensar e engendrar o desenvolvimento num contexto de conflito, como acontece, por exemplo, no Sudão do Sul, Somália, República Democrática do Congo, no Yémen, no Iraque, na Síri, na Líbia ou para o caso Moçambicano de guerra civil até 1992, cujo término herda uma dramática crise da dívida e uma situação de multinacionais que não pagam imposto ao Estado. Adicionalmente, o isolamento econômico de África não só impede o crescimento e desenvolvimento socioeconômico, como também, marginaliza este continente para permitir a continuação do processo colonial de pilhagem de recursos naturais – no contexto neoliberal. Após a independência as potencias imperialistas ocidentais mantiveram seu domínio sobre África, mas noutras modalidades, cujo destaque no contexto deste estudo vai para políticas assistencialistas de ajuda externa caracterizadas por forte presença das Organizações Não-Governamentais Estrangeiras, Ongs e outras formas de controle das políticas dos Estados – este é o primeiro ponto para explicar a dependência de trajetória. O segundo ponto de destaque no contexto deste estudo para explicar a dependência externa, no contexto Moçambicano é o ambiente e o arranjo institucional incapaz de desenvolver instituições jurídicas fortes capazes de criar um Estado de Direito, com clara separação de poderes entre o legislativo, o judiciário e o executivo, apesar de a Constituição de 1990, ter introduzidos estes parâmetros. Apesar de o artigo 134 da Constituição da República de Moçambique consagrar a separação do poder entre os órgãos de soberania8, sob ponto de vista prático tal separação não é efetiva, gerando um ambiente e arranjo institucional ruim. Neste contexto, não existe, por exemplo, uma plena democracia substantiva, Pedone (1986) e as eleições têm apenas o formalismo democrático, ou seja, se esgota em eleições periódicas, dotações orçamentais e gastos públicos […], sem que isso se traduza em valores como justiça, igualdade, liberdade e bem-estar.

23 Sobre o primeiro fator, interessa afirmar que tanto Southall and Merlber (2009) e Brautingam (2009), assim como, Francisco (2010) e Homerin (2005) apresentam dados sobre forte presença das ONG’s em África em geral e em Moçambique em particular. De acordo com Franscico (2010) entre 1994 e 2003 existiam em Moçambique 99 ONG’s estrangeiras, num universo de 4.217, sejam elas nacionais ou estrangeiras, mas ambas

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sem fins lucrativas. Na mesma perspectiva, o estudo realizado pela embaixada da França em Moçambique, cuja redação esteve a cargo de Homerin (2005) cita o Instituto Nacional de Estatística (INE) apontando que em 2004 haviam, só na capital Maputo, 758 instituições sem fins lucrativas9, empregando cerca de 4.200 pessoas, contra 605 instituições da administração pública presentes na capital Maputo. A partir do informe de 2008 da Direção Provincial de Saúde de Tete sobre as atividades das 11 ONG’s que operam apenas na província de Tete, centro de Moçambique é possível notar que as principais áreas de atuação são: saúde, educação, alimentação e cuidados domiciliários, entre outras, ao passo que as multinacionais operam no ramo extrativo de minerais. Em termos gerais Moçambique é o extremo de confluência de quase todas as organizações estrangeiras.10

24 Uma das características dessas ONG’s é ter funcionários estrangeiros altamente qualificados, salários robustos11, poder financeiro formidável e ambiente e arranjo institucional com forte capacidade de implementação de programas e projetos sucedidos. E como foi discutido nas páginas 4 a 9 deste estudo, Moçambique é também a confluência de fluxo de donativos e investimentos quando comparado com os seus vizinhos. E como mostram Brautingam (2009) e Southall and Merlber (2009) os programas assistencialistas incluem, entre várias coisas, rigorosos e periódicas reuniões de avaliações, conferências, debates científicos, pesquisas, workshops, treinamento entre outras formas de garantia da racionalidade, eficiência e eficácia das políticas públicas e programas. A pergunta mais difícil de responder está associada ao feedback, ou seja, por que é que a miséria persiste? Há quem poderá argumentar, e com razão, que o desenvolvimento não é produto exclusivo destas organizações, mas sim, da conjugação do tripé: Estado, setor privado e organismos e ambiente internacional. De fato, mas interessa como já foi sintetizado neste artigo que a construção da capacidade institucional em Moçambique ocorre com forte assistência técnica e financeira dos países centrais, países com larga experiência e principalmente no contexto da adesão a Breton Woods em 1984 e nas políticas de democratização dos anos 90. O que é que falhou considerando este ambiente? Embora esta pergunta é indiretamente12 discutida na segunda parte deste trabalho, duas notas podem ser brevemente colocadas. Primeiro breve exame do ambiente e arranjo institucional criado e/ou em construção em Moçambique. Tal fragilidade do ambiente e arranjo institucional é associado, neste estudo, como um dos fatores determinantes do feedback negativo. Segundo a presença dessas ONG’s não tem por objetivo maximizar os interesses nacionais em primeiro plano, mas, sobretudo dos seus países, afinal de contas cooperação está no plano de interesses dos Estados e não no que o Brasil chama de cooperação solidária ou benefícios mútuos como prevê a política externa indiana.

25 Começando pelo segundo ponto, convém fazer algumas citações bem breves a Boron que melhor captura o contexto e o padrão de cooperação entre centro e periferia. Para Boron (2002, p. 90) existe um duplo padrão pelo qual os EUA julgam os governos e suas ações: Um padrão é utilizado para avaliar a soberania dos amigos e aliados dos Estados Unidos; outro bem diferente é o que se usa para julgar a dos neutros ou dos inimigos. A soberania nacional dos primeiros deve ser preservada e fortalecida, a dos segundos vede ser enfraquecida e violada sem qualquer tipo de escrúpulos ou falsos problemas de consciência.

26 Esta citação apesar de fazer menção aos EUA, ela parece uma política geral de todos os países centrais, mas com variadas modalidades. É sobejamente conhecida a queda de

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todos os governos dos países periféricos que não seguem as orientações dos países centrais. A Líbia, o Iraque, o isolamento econômico de Cuba, do Zimbábue, entre outros Estados mostra claramente este comportamento de imposição para que todos os Estados sejam aliados. A partir desta noção as ONG’s passeiam à sua classe fazendo tudo quanto mandam seus governos centrais. Os governos dos países periféricos, como afirmam Mandela e Mbeki citados por Bond (2005, p.239) que “não é bom permanecer em tensão com uma grande potência” não só nada fazem, como também, não têm poder de nada fazer. Disto é razoável afirmar que a dolarização bilionária de Moçambique, não tem em vista cumprir interesses do país, mas sim, dos países de origem dessas ONG’s e o governo moçambicano, numa estratégia de sobrevivência, aprendeu a lição de Mandela e Mbeki de não permanecer em tensão com as grandes potências. O resultado dessa estratégia de sobrevivência é claramente explicitado por Boron (2002) ao citar o historiador hondurenho Ramón Oquelí, afirmando que A importância das eleições presidenciais com ou sem fraude, é relativa. As decisões que afetam Honduras são tomadas primeiro em Washington, a seguir, no comando militar norte-americano no Panamá (o Southern Command), depois, no comando da base norte-americana em Palmerola, aqui em Honduras; em seguida, a embaixada norte-americana em Tegucigalpa; em quinto lugar, vem o chefe das forças armadas hondurenhas, e, apenas em sexto lugar, aparece o Presidente da República. Votamos pós em um funcionário de sexta categoria, quanto ao poder de decisão. As funções do presidente se limitam à administração da miséria e à obtenção de empréstimos norte-americanos (BORON, 2002, p. 98).

27 Infelizmente esta é também a função dos presidentes africanos, ou seja, a de administrar miséria e empréstimos norte-americanos e/ou dos países centrais. As ONG’s e atualmente com as multinacionais em Moçambique ditam as regras de jogo e fazem tudo quanto querem. Essa liberdade é associada à fragilidade do ambiente e arranjo institucional, como a seguir se analisa no primeiro ponto sobre ambiente e arranjo institucional neste trabalho.

28 Quanto ao primeiro ponto, Menicucci (2007, p. 49) ao discutir o instittucionalismo histórico aponta que a maioria dos estudos que enfatiza os constrangimentos institucionais centra-se nas instituições governamentais formais e nas organizações políticas, […] dado que as políticas públicas levam à constituição de instituições e com efeitos estruturais, na medida em que colocam constrangimentos ao comportamento dos atores políticos e às decisões que podem ser tomadas relativamente a bens públicos, ou seja, para elaboração ou reforma de políticas públicas.

29 Por sua vez, Arthur (1990) no seu texto sobre positive feedback no contexto econômico, indica que pequenas mudanças incrementais geram competitividade e mutações positivas tanto na economia quanto nas instituições. Por seu turno, North (1991) assinala que tais mudanças incrementais conectam o passado com o presente e o futuro. O autor continua anotando que a evolução histórica das instituições na qual o performance histórica é entendida como parte da estória institucional. Este posicionamento conjugado com o parágrafo anterior neste estudo citando Menicucci (2007) autoriza a validade do argumento de que não dá para dissociar o atraso econômico e social de Moçambique ao seu passado histórico, a curto e médio prazo. Esta colocação não encontra o mesmo apoio por parte da maioria da literatura nacional e internacional e David (1994) mostra que existem teorias institucionais que indicam que para compreender o desempenho das instituições é melhor não recorrer ao seu passado, mas sim, ao presente e ao futuro. Isto por que os arranjos institucionais são

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sempre elásticos e adaptativos às novas realidades de modo a alcançar a eficiência necessária. De fato, mas esta é característica das instituições privadas e públicas com alto grau de capacidade institucional e não o caso dos países pobres em geral (salvo algumas exceções) e de Moçambique em particular, nas quais o que gera dinamismo e mudanças é a tecnologia absoluta dos países centrais. Ao analisar o ambiente e os arranjos institucionais no contexto moçambicano é fácil perceber esta postura.

30 O conceito de ambiente e arranjos institucionais dado por Gomide e Pires (2014) permite entender como ambiente institucional, as diretrizes políticas, econômicas e jurídicas que orientam de forma geral, a institucionalização e funcionamento das instituições. Ao passo que arranjos institucionais estão associados ao conjunto de regras, mecanismos e processos que definem a forma particular de coordenação de atores e interesses na implementação de cada política. No contexto moçambicano, a mudança do ambiente institucional, foi dada pela Constituição de 1990 que introduziu o Estado de Direito Democrático, alicerçado na separação e interdependência de poderes e no pluralismo, liberdade de expressão, de organização partidária, das associações e no respeito e garantia dos direitos e liberdades fundamentais dos cidadãos. Para já não citar as profundas mudanças econômicas operadas nos anos 80.

31 Como resultado destas mudanças e da liberalização e forte abertura econômica ao capital estrangeiro foram criados três sistemas institucionais na formulação de políticas públicas, nomeadamente: o representativo (partidos e seus eleitos), o participativo (sociedade civil, espaço de consultas públicas) e o de controle burocrático (accountability horizontal, parlamento, judiciário e o executivo). É neste âmbito que se insere a maioria das ONG’s e este ambiente institucional devia permitir o pluralismo no processo decisório e contribuir não apenas para a qualidade das decisões, mas também a sua efetiva legitimidade. Isto por que para Lijphart (1999) apud Gomide e Pires (2014, p. 18) “políticas apoiadas em amplos consensos são mais propensas de serem implementadas com maior sucesso e a seguir o seu curso do que políticas impostas por um governo que toma decisões contrárias aos desejos de importantes setores da sociedade”. Todavia, os mesmos autores citando o caso do leste asiático (Coréia do Sul, Taiwan e Indonésia) indicam que “países com sistemas políticos não democráticos e pouco abertos às representações de atores sociais políticos tendem a ter qualidade nas instituições estatais e nas suas relações com a elite industrial”. Estes dois extremos do ambiente institucional podem levar a ilação de que o desenvolvimento socioeconômico é independente do ambiente institucional democrático. A China é o exemplo de ausência de democracia formal, mas com eficiência institucional e o Brasil, pode ser tomado como o seu oposto nas atuais economias emergentes. Este estudo embora reconhecendo a eficiência do caso chinês, sobretudo por que os modelos democráticos e plurais de formulação de políticas públicas tendem a ser exageradamente burocratizados e morosos, principalmente pela dificuldade de afirmar consenso no contexto do pluralismo de posições, opta por esta via democrática considerando que este é o modele moçambicano. Não obstante, o assistencialismo ocidental, as políticas governamentais ainda não consolidaram as bases democráticas para o pluralismo de idéias em Moçambique. Como já foi dito na página 10 deste estudo, as eleições são formais e não substantivas. O resultado desse formalismo é que a maioria do eleitorado não vota políticas públicas, mas sim, o legado histórico dos partidos políticos – path dependence. Para, além disso, o acesso a cargos públicos via confiança política e não via meritocracia fragiliza os alicerces para um possível arranjo institucional. Associado a

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esta incapacidade estatal, convêm apontar as outras duas inépcias, isto é, o técnico administrativo e o político. O primeiro está associado à competência dos agentes do Estado e orientada para a produção de resultados. No atual contexto em que Moçambique é o país mais dependente de ajuda externa mesmo para educar a sua população de 24 milhões de habitantes dos quais 49.9% são analfabetos é pouco provável que se desenhe um arranjo institucional a curto e médio prazo que possa oferecer técnicos administrativos qualificados e produtores de resultados desejados. Adicionalmente, está a deplorável qualidade de ensino, cujo enfoque é a corrida ao certificado ou ao diploma pelos estudantes ou para melhorar a condição salarial ou para acesso ao emprego e não necessariamente a busca de conhecimento para ser competitivo no mercado de trabalho e produzir resultados. A remoção deste inequívoco, não passa apenas por um arranjo institucional no Ministério da Educação, mas, sobretudo pelo arranjo no ambiente político, ou seja, acesso competitivo ao emprego e cargos públicos via competência técnica e não filiação partidária ou esquemas corruptos ou ainda, salário em função ao desempenho e não ao grau acadêmico apenas.

32 A segunda componente para a criação de uma capacidade do Estado está relacionado a dimensão política, ou seja, “habilidade da burocracia do executivo em expandir os canais de interlocução, negociação com diversos atores sociais, processando conflitos e prevenindo a captura dos interesses específicos” (GOMIDE e PIRES, 2014, p. 20). Dissociando esta conceptualização para o caso moçambicano pode se afirmar avanços constitucionais e por vezes, práticas relativamente ao poder político de expandir os canais de interlocução e de negociação. Embora a ditadura do voto da maioria parlamentar na Assembléia da República de Moçambique13 ainda impere, ou seja, que faz valer o princípio democrático do voto da maioria existem leis fundamentais aprovadas com estreito respeito ao pluralismo democrático de vários atores. Citando apenas dois exemplos, pode se destacar a Lei eleitoral nº 30/2014, de 26 de Setembro, que foi aprovada por consenso entre a maioria parlamentar, a Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo) e os dois partidos de oposição com acento na Assembléia da República de Moçambique: a Resistência Nacional de Moçambique (Renamo) (maior partido da oposição) e o Movimento Democrático de Moçambique (MDM). E a Lei nº 29/2014, de 9 de Setembro, sobre a Acordo de Cessação das Hostilidades Militares, celebrado a 5 de setembro de 2014 entre o Presidente da República de Moçambique e o Presidente do Partido Renamo.

33 Mas o mesmo não se pode dizer quanto à parte final do conceito sobre a dimensão política, isto é, prevenir e capturar interesses específicos. O que mais impera para o arranjo institucional são os interesses específicos, sobretudo da elite política fomentando a chamada grande corrupção e protecionismo partidário. Este é o objeto de estudo de todo o trabalho que é discutido de forma profunda na segunda parte, tomando os debates, dilemas e realidades da cooperação Moçambique – China como estudo de caso. A hipótese a ser investigada procura demonstrar que não é que a China seja mau doador como defende alguma literatura, mas a dimensão política moçambicana como componente para entender a capacidade do Estado para além da sua associação a interesses particulares e partidários, é frágil para se lidar com os interesses do gigante econômico chinês, ainda que tais interesses se situem de fato no contexto de win-win cooperation, como defende a política externa chinesa. Este cenário retoma e reforça de certa forma as fragilidades estatais para negociar e afirmar contratos com benefícios avultados para Moçambique, os mesmos problemas que

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impediram e/ou impedem o desenvolvimento socioeconômico apesar do assistencialismo técnico e financeiro que dura mais de 40 anos com os países centrais.

A Nova Era de Cooperação Moçambique - China: debates, dilemas e realidades

34 A nova era de cooperação Moçambique – China desde os anos 2000, não só carrega consigo fervorosos debates e dilemas, como também, apresenta algumas realidades de avanças significativos em termos de ganhos para Moçambique. De acordo com Chichava (2010, p. 340 – 341) foram assinados acordos bilaterais entre os dois países, sobretudo nas áreas de defesa e segurança, educação, infra-estruturas, comércio, ciência e tecnologia. Em termos de evidências de ganhos para Moçambique – realidades, o autor destaca: a) infra-estruturas: i) a construção do novo edifico do parlamento moçambicano, concluído em 2000 e que contou, também com o financiamento da Dinamarca; ii) a construção em 2003 do maior Centro de Conferências estatal – Centro de Conferência Joaquim Chissano; iii) construção dos ministérios dos Negócios Estrangeiros, do Turismo, da Juventude e Desporto e do extinto Ministério da Função Pública; b) defesa e segurança14: i) construção do bairro militar, a um custo de US$ 7 milhões; ii) assistência técnica e logística às forças armadas e à polícia (oferta de viaturas, diversos equipamentos eletrônicos, uniforme, formação, treinamento, entre outros); iii) e o programa de desminagem em 2001. Na área comercial, foram assinados, de acordo com Chichava (2010) acordos de Comércio e Promoção e Proteção Recíproca do Investimento. Criada a Comissão Mista para Economia e Comércio e uma parte da dívida moçambicana (69%), na altura avaliada em 22 milhões foi oficialmente perdoada. Entre 2001 e 2007 o comércio bilateral atingia 280 milhões de dólares americanos, passando a China da posição 27ª para 6ª e desta para 2ª, em 2001, 2007 e 2008 (76,8 milhões de dólares americanos, correspondente a quinze projetos), respectivamente, na lista dos maiores investidores em Moçambique, liderada por África do Sul. O autor com recurso a alguns estudos, como é o caso de Reisen e Ndoye (2008) aponta que em 2006, Moçambique fazia parte da lista dos oitos países africanos15 que mais ajuda recebia da China. No mesmo período, Moçambique recebeu 80% do total dos empréstimos chineses concedidos a África. No seio dos Países de Língua Portuguesa (PALOP), Moçambique é o segundo parceiro da China, depois da Angola e o quarto na Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), depois do Brasil, Portugal e Angola. No campo da ciência e tecnologia, estava prevista a instalação de dois centros de investigação agrária, um em Umbeluze (2008) e outro e Moamba (2010), avaliados em US$ 700 milhões. Chichava (2010, p. 341) continua apresentando os ganhos para Moçambique no contexto da cooperação com a China e indica que em 2007, a quando da visita a Moçambique do então Presidente Chinês Hu Jintao, os produtos moçambicanos com acesso livre ao mercado chinês passaram de 190 para 442 e o peso da China no setor da construção de obras públicas é exageradamente maior, aborrecendo os menos competitivos empreiteiros nacionais. O autor citando Emmy Boost (2008) estima que em 2008, mais de um terço, num total de 600 quilômetros de estrada tenham sido construídos por empresas chinesas. A lista das construções chinesas em Moçambique contempla a reabilitação dos sistemas de abastecimento de água, a construção do Estado Nacional em Maputo em 2010, cujo investimento é de 57 milhões de dólares americanos; a reabilitação e modernização do principal aeroporto de Moçambique, avaliado em 70

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milhões de dólares e o financiamento de 2,3 bilhões de dólares americanos para a construção de uma das maiores barragens africana – Mpanda Nkuwa. Em termos de empresas chinesas em Moçambique, em 2008, havia 41 empresas empregando 11.214 moçambicanos nas áreas de agricultura, pesca, indústria e construção. Em termos da relação comercial entre Moçambique – China é possível notar nos anuários estatísticos do Instituto Nacional de Estatística (INE) de 2000 e 2013, significativas melhorias, ou seja, passou de 0,7% para 2,6% das exportações de Moçambique para China, em 2000 e 2013, respectivamente e aumentou o volume de importações, de 2,2% em 1999 para 6,4% em 2013.

35 Em termo de Investimento Direto Estrangeiro (IDE) de cada um dos países dos BRICS em Moçambique, China é o segundo maior investidor após África do Sul. De acordo com Jansson e Kiala (2009, p.9) e (apud Wache, 2014, p. 245) o comércio entre os dois países cresceu a olhos vivos, isto por que, se em 2008 o comércio era de 442.7 milhões de dólares, em 2012 estava na cifra de 1.224 milhões de dólares. Este crescimento de relações comerciais tornou a China no segundo maior investidor com US$ 76.8 milhões, apenas superado pela África do Sul com US$ 136 milhões. De acordo com Shinn (2012) (apud Wache, 2014) até 2010 o IDE chinês em Moçambique já alcançava a cifra de US$ 607 milhões com a compra pela Wuban Iron and Steel Corporation de 8% das ações de Riversdale, empresa australiana com concessão para exploração de carvão mineral na província de Tete. Dados fornecidos apenas pelo Centro de Promoção de Investimentos (CPI) e o Gabinete das Zonas Econômicas de Desenvolvimento Acelerado (GAZEDA), sem contar com os investimentos chineses aprovados no Ministério dos Recursos Minerais e Energia permitem perceber que de 1990 a primeiro semestre de 2015, China tem em Moçambique 133 projetos de investimentos aprovados, gerando 26.133 mil novos empregos, num investimento de aproximadamente 2 mil milhões de dólares norte- americanos. Com base nesses dados fornecidos pelos CPI e GAZEDA é fácil notar que em termos globais, China está apenas abaixo da África do Sul em termos de IDE em Moçambique. Mas qual é o grau de significância dos ganhos para Moçambique em termos comparativos com a China? Embora importante esta pergunta mas existem vários fatores que fragilizam a possibilidade de Moçambique ganhar de forma igual que a China no contexto do win-win cooperation, como prevê a política externa chinesa, dos quais convém citar dois. Primeiro, existência em Moçambique da lei de investimentos que prevê isenções fiscais e aduaneiras, e; segundo, porque em muitos projetos resultantes de investimentos deste país asiático, China aparece com maior investidor. Deste modo, Moçambique ganha em função destes fatores e por isso não é possível uma igualdade matemática de ganhos. Outro dado aponta que a busca de resposta à pergunta anteriormente colocada não deve ser encontrada apenas nos contratos, mas, sobretudo, no exame do grau da eficácia do processo de institucionalização ocorrido a quando das mudanças econômica e política sob assistência técnica e financeira dos países ocidentais.

36 Apresentada a síntese de algumas realidades com evidências históricas animadoras na cooperação Moçambique – China parece dispensável discutir os debates e dilemas em redor, isto porque os fatos são visíveis a olho nu, sobretudo na capital Maputo. A pergunta que motiva a necessidade de tal debate é por que é que a China é literalmente maldiçoada mesmo considerando estes ganhos emblemáticos para Moçambique. Note- se que em termos de infra-estruturas para o governo, nenhum outro país do mundo já investiu em Moçambique à dimensão chinesa. China está operando a revolução

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financeira do século XXI que em termos de investimentos em todo o mundo nunca antes havia se observado na história econômica. China esteve junto com Moçambique nos momentos mais críticos das duas guerras e continua ainda hoje considerando a síntese dos ganhos ora apresentados no parágrafo imediatamente anterior a este. Para este estudo, não existe nada de errado na presença da China em África em geral, e em Moçambique em particular, que supera as desumanidades das potências centrais de colonização e neocolonização, apenas uma atitude anti-chinesa dessas potências por que passam a ter um adversário a disputar nos recursos africanos. Este argumento não toma China como “salvador” de África e muito menos pretende isentá-la de várias práticas contraproducentes, mas sim, mostrar que infelizmente África em geral e Moçambique em particular é terreno fértil de disputas das grandes potências desde a Conferência de Berlim – 1884/5. Este fato obriga a tomar por empréstimo o título da obra do historiador moçambicano Adam (2006) - “Escapar aos Dentes do Crocodilo e Cair na Boca do Leopardo” que no contexto deste artigo significa que África em geral e Moçambique em particular, estão procurando forma de se livrar da perene colonização e neocolonização, só que isso os leva a cair num outro dilema de exploração desenfreada de recursos naturais. Mas esse problema não é tomado neste artigo como tendo sua gênese no gigante econômico chinês, porque este apenas aprendeu a lição de exploração com os países centrais. São esses países que ajudaram Moçambique a construir instituições frágeis incapazes de defender interesses nacionais, o que alimenta atualmente esquemas de corrupção e protecionismo partidários das empresas chinesas na exploração de recursos naturais, chegando a empresa Xue Bing Huang a financiar a campanha eleitoral do maior partido no poder, como indica o CIP no seu relatório nº 11/2014.

37 Southall and Melber (2009), Brautingam (2009) e Chichava (2010) ajudam a introduzir o debate em torno da nova era de cooperação África – China e por esta via, também de Moçambique. A questão que tanto desperta maior admiração dos especialistas e/ou interessados pelos assuntos da cooperação África – China é que nos últimos anos os investimentos chineses em África são enormes do que qualquer período desde os anos 60. Os dados apresentados no parágrafo imediatamente anterior a este, sobre Moçambique confirmam esta realidade. Desde os anos 2000, assiste-se o crescimento da média per capita de investimento por cada um dos países africanos. De acordo com Southall and Melber (2009) o rápido crescimento econômico de muitos dos países africanos está associado ao aparecimento da China como ator econômico, ao lado de novos países emergentes como Brasil, Índia, Rússia, África do Sul, Coréia do Sul, entre outros, desafiando o ocidente como ator mais influente do continente. Os autores continuam apontando que existe um debate substancial sobre o que representa o crescimento e os investimentos chineses em África, se este inaugura uma nova e significante fase da trajetória histórica do continente ou um novo imperialismo. Essencialmente o debate centra-se sobre se o novo atropelo africano representa a competição e conflito entre as potências imperialistas em África e/ou tais investimentos representam de forma análoga o histórico processo que culminaria com a Conferência de Berlim – 1884/5. Muitos autores acreditam que se é de fato uma nova fase de imperialismo, ela se manifesta de forma informal do que formal. Associa-se a expansão da China como novo imperialista, a índia, o Brasil, assim como os investimentos da África do Sul em África. Analisando os dados do CPI e do GAZEDA no período de 1990 a primeiro semestre de 2015 é fácil notar que de fato estes países acelerando os seus investimentos em Moçambique. No período em referência, por

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exemplo, o Brasil investiu US$ 761.123.293.8 milhões, em 20 projetos gerando 2.870 novos empregos e a Índia colocou no mercado moçambicano US$ 174.917.293.5 milhões em 87 projetos gerando 17.229 novos em pregos. O maior investidor africano a África do Sul, colocou em Moçambique US$ 274.444.140.288.88 mil milhões em 714 projetos aprovados, gerando 63.094 novos empregos. A questão recorrente em vários analistas está associada ao tipo de emprego que é gerado e outros ainda estão preocupados com o endividamento externo. A posição plausível do governo de Moçambique não é tanto a preocupação pelo endividamento externo, mas pela sustentabilidade dos investimentos, ou seja, como é que o capital é aplicado. A opção governamental de investir em infra- estruturas sociais e econômicas necessárias é positiva na medida em que aumenta a dinâmica da economia para além de melhorar as condições sociais. Como foi citado anteriormente, 25% da dívida pública externa é feita pelo setor privado incluindo estrangeiro. O que mostra que os investidores externos que entram em Moçambique, nem todos são renomados capitalistas, mas sim, entram em Moçambique para se endividar no exterior. É preciso uma política empreendedora do setor privado nacional, para que seja ele a se endividar do que alguns estrangeiros fracos.

38 Estes dados confirmam que de fato os novos atores de cooperação internacional estão ganhando terreno, não só em Moçambique, mas também em todos ao países africanos. Nesse sentido, o domínio tradicional do Ocidente em África nas áreas de petróleos, minérios, finanças, manufatura, assistência técnica, doações e IDE está sendo desafiado com a chegada de novos atores. Isto representa Southall and Melber (2009) e Brautingam (2009) o fim do imperialismo informal dos EUA.

39 Por seu turno, Chichava (2010, p. 337) confirma estas idéias ao mostrar que “o investimento direto chinês em África, passou de 49 milhões de dólares americanos em 1990 para 2.6 bilhões de dólares em 2006, tendo a China se transformado no terceiro parceiro em África depois da União Européia e dos Estados Unidos”. A importância da China para África e vice-versa aumento bastante, de tal modo que foi criado em 2006 (ano de África) o Fórum de Cooperação China – África (FOCAC). Foi na cimeira de 2006, na capital chinesa, que a China afirmou incrementar de 190 para 440 o número de produtos africanos isentos de tarifas de importação no mercado chinês até 2009. Paradoxalmente, o aumento espetacular do comércio entre a China e África é ainda marginal (3.3% em 2007 passando para 4.8% em 2008) quando comparado com outros continentes nos quais a China investe o que em termos reais e de acordo com Brautingam (2009, p. 3) significou acima de 20 bilhões de dólares norte-americanos e recentemente (2015), só na América Latina, 53 bilhões de dólares norte-americanso. Adicionalmente, África ainda exporta menos para China do que exporta para União Européia e, com razão, dada à menor capacidade de competitividade dos produtos africanos na China considerando os preços dos produtos chineses. Chichava (2010) e Brautingam (2009, p. 3) asseveram que os interesses chineses em muitos continentes levantam muitas inquietações: “para além das óbvias perdas comerciais que tal fenômeno traz a estes países, China é também acusado de fazer recuar a democracia, cooperando com regimes ditatoriais, autocráticos e corruptos [...]”. Adicionalmente, China é acusado de mau doador, ao lado do Brasil e Índia como indica Inoue and Vaz (2013) ao apontar que nos últimos seis anos apesar de Brasil receber assistência técnica e financeira bilateral e multilateral passou a ser um doador significante, o que desperta a atenção do mundo. À semelhança da China, o Brasil não usa a linguagem tradicional de assistência ao desenvolvimento dos países centrais. Para além de estes países emergentes não condicionarem as suas doações, empréstimos, assistência técnica a

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reformas do modelo econômico, político ou direcionar tais empréstimos ou investimentos a áreas de sua preferência como acontece com os países ocidentais.

40 As críticas à reemergência da China em África apontadas por Southall and Melber (2009), Chichava (2010) e Brautingam (2009) não só provêem de autores ocidentais, como também de autores africanos, da sociedade civil, dos líderes de partidos políticos entre outros estratos sociais africanos. Na República Democrática do Congo, por exemplo, o líder do Congresso Nacional para a defesa do Povo (CNDP) é citado a empreender uma luta titânica pela revisão dos contratos com as empresas chinesas que os considera desastrosos para o país. Outro exemplo está associado a morte de alguns mineiros na Zâmbia, exploração da mão-de-obra zambiana – no que é comumente conhecido como trabalho escravo. A lista das atrocidades ou o que este estudo considera dilemas das empresas chinesas é enorme. Todavia, a maioria dos líderes africanos no poder não tem a mesma visão negativa da China, mas o tomam como bóia de salvação de África contra a secular exploração ocidental. O ex-presidente moçambicano, Armando Emílio Guebuza, por exemplo, é citado por Chichava (2010) afirmando que “o que leva o povo chinês a África é uma vontade genuína de ajudar os povos do continente africano, a acelerar seu desenvolvimento, tal como naqueles anos em que se envolveram no apoio de libertação do colonialismo”. O autor interpreta Guebuza dizendo que ao afirmar que China quer explorar os africanos não passaria de uma acusação de má fé do ocidente e não seria novidade, dado que, Chichava continuando a citar Guebuza “já nessa altura [da luta contra o colonialismo] alguns países ocidentais acusavam a China de estar explorando o seu sistema comunista, mas nós já sabíamos que não passava de uma acusação infundada” (CHICHAVA, 2010, 338). Usado o caso da exploração da madeira em Moçambique pela China, o autor mostra como os discursos políticos sustentam o pleno processo de acumulação primitiva da elite política moçambicana. Este fato põe em risco, de acordo com o autor, a perspectiva de Moçambique beneficiar de uma relação saudável e sustentável para sua economia. O autor confirma que China representa de fato, uma reedição das relações que a África estabelece com o Ocidente e limita a perspectiva do desenvolvimento africano. No entanto, o autor não explica por que é que após 40 anos de cooperação com o ocidente tais relações não geraram resultados esperados? De que relação saudável e sustentável está falando? A de colonização e/ou neocolonização? Por que é que após o derramamento de oleodutos na Bacia do Rovuma pela empresa norte-americana Anadarko em 2014 a literatura nacional se manteve, salvo o erro, silenciosa? O que se diz pelo mundo fora sobre a exploração do gás de Temane e Pande pela empresa sul africana Sasol que o Banco Mundial negou fazer uma avaliação objetiva como mostra o relatório do CIP? Ao que parece, o que conta na literatura não é apenas a gravidade dos males praticados por este ou aquela empresa chinesa ou de mais países, mas o mais crítico é o debate literário seletivo que se faz. Disto, pode se chegar a ilação de que não é que China é o único predador de recursos africanos, mas sim, suas práticas são mais divulgadas e discutidas, como forma de perpetuar a perene exploração ocidental e desencorajar o acesso da China aos recursos africanos.

41 Quanto a este estudo, embora reconhecendo as posições críticas sobre a nova era de cooperação África – China no geral e com Moçambique em particular, não dá para associar o atraso econômico africano às recentes relações África – China. O que torna menos evidente o argumento da literatura ocidental quanto de alguns intelectuais africanos e moçambicanos em particular é que não apresentam evidência de desaceleração econômica das economias africanas, como resultado da presença chinesa

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em África. Dados publicados tanto pela PNUD (2013) quanto pelos relatórios do GBAfD e OCED de 2008 e 2015, mostram um desempenho crescente das economias africanas e um dos fatores dessa saúde econômica está relacionada com a demanda de recursos minerais pela China em África para além dos seus espetaculares investimentos. Como foi discutido na primeira parte deste artigo, especificamente páginas 8 e 9 a tendência de redução da Assistência Pública ao Desenvolvimento (APD), da Ajuda Oficial Global para o Desenvolvimento (ODA), assim como dos investimentos e assistência técnica dos países centrais não pode ser associada à presença chinesa em África, mas sim, a dois fatores. Um desses fatores que é comumente citado está relacionado com a crise financeira que tem afligido o ocidente e o outro é a tendência crescente de auto- suficiência fiscal das economias africanas conseqüente de profundas reformas em mais de 40 países com destaque para República Democrática de Congo, Egito, Nigéria, Botsuana, Burkina-Faso, Burundi, Cabo Verde, Gana, Namíbia, Moçambique. As reformas no setor bancário, na lei de investimentos, na criação das Zonas Econômicas Especiais (ZEE) e Zonas Francas Industriais (ZFI), para além da estabilidade política permitiram o aumento do fluxo do IDE, com particular destaque para entrada de países asiáticos Singapura, Índia, Malásia e China. De acordo com o relatório do GBAfD e OCED (2008, p. 21) em 2006 – ano de África, o continente assinalou a entrada de empresas transnacionais asiáticas com 9 mil milhões de dólares em fusões e aquisições transfronteiriças, substituindo pela primeira vez as tradicionais economia dos países desenvolvidos. O relatório continua apontando que dos 442 novos investimentos realizados em África em 2006, 258 foram de empresas transnacionais de países desenvolvidos e 175 de empresas transnacionais em via de desenvolvimento, dos quais 134 são da Ásia e os restantes de África, cuja relevância significativa em termos de investimentos dentro do continente está a África do Sul.

42 O relatório do GBAfD e OCED de 2008 aponta como resultado das reformas econômicas e estabilidade política que permitiu África registrar o crescimento real do PIB de 2.7 por cento em 2007, pelo quinto ano consecutivo, bem acima de tendências de longo prazo e o PIB per capita cresceu 3.7 por cento. Para explicar este crescimento o relatório aponta dois fatores: a forte procura externa por exportação de mercadorias, especialmente petróleo e minerais não petrolíferos, o aumento de investimento neste setor e as boas condições de crescimento no setor agrícola. O crescimento médio total foi de 5.9%, 5.7%, 5.9% e 5.9% em 2006, 2007, 2008 e 2009, respectivamente. Para o caso específico de Moçambique, o crescimento econômico foi de 7 por cento em 2006 e 2007 e isto mostra que mesmo com a presença chinesa o ritmos anterior de crescimento econômico não alterou. Apesar de a Zâmbia ser apontado como uma das vítimas da presença chinesa como aponta Chichava (2010) e Brautingam (2009), a economia deste país manteve um crescimento de 5.8 por cento e a Namíbia é que registrou abrandamento no seu crescimento e a Suazilândia manteve crescimento baixo, igualmente com o Zimbábue com 6% em 2007, quando comparado com o ano anterior. De acordo com o relatório do GBAfD e OCED (2008, p. 27) a entrada nas Maurícias e Madagáscar de investimentos da China, da Índia e do Bangladesh e o desempenho positivo da indústria têxtil permitiram um crescimento positivo de 6.3% e 5.6%, respectivamente.

43 O relatório do Grupo do Banco Africano do Desenvolvimento (GBAD) e da Organização para Cooperação Econômica e Desenvolvimento (OCED) aponta que apesar das adversidades regionais e globais e para o efeito deste estudo, da presença chinesa e dos mais atores emergentes, África cresceu 3.9% em 2014, o que representa uma ligeira melhoria em relação ao crescimento de 3.5% registrado em 2013, sendo superior a taxa

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de crescimento global de 3.3%. De acordo com a fonte, esta percentagem de crescimento econômico de África é em termos relativo, igualmente superior que a da Ásia Ocidental (2.9%) e a da América Latina e Caraíba (1.2%). Todavia, África cresce a um ritmo mais lento do que os mercados emergentes e as economias dos países em desenvolvimento, que registraram um crescimento de 4.4% (GBAD, 2014, p. 4). A fonte continua apontando que o desempenho da economia mundial tem sido puxado pela China e sendo assim, qualquer choque no crescimento da economia chinesa tem impacto direto na economia global e na percepção dos investidores. Em termos do crescimento regional em África, o GBAD e OCED (2014, p. 5) mostram que África Oriental registrou o crescimento mais elevado do continente com 7.1%, em comparação com os 4.7% de 2013. O relatório aponta como países que ajudaram para esta dinâmica Etiópia (10.3%), Ruanda (7.0%) e Tanzânia (7.2%). Apesar da persistência de conflito em partes da região da África Ocidental, das elevadas perdas humanas e econômicas provocadas pela Ébola (Guiné, Libéria e Serra Leoa e com alguns casos também na Nigéria, Mali e Senegal) e do declínio acentuado dos preços do petróleo, a região cresceu em média 5.7% em 2013, tendo passado para 6.0% em 2014, tendo sido puxados pelo crescimento de 8.3% e 6.3% da Costa de Marfim e Nigéria, respectivamente. O relatório adianta ainda que a explosão dos setores não petrolíferos na região da África Central ajudou-a a atingir uma taxa de crescimento médio de 5.6% (2014) em comparação com 4.1% em 2013, com destaque para a relevância do crescimento de 5.1% do Gabão. Nota que o Gabão é uma das maiores fontes de exploração de madeira pela China, cujo desempenho do setor de transformação de madeira é destacada pelo relatório do GBAfD e OCED, o que compensou a queda do preço do petróleo. O relatório mostra que os estrangulamentos (escassez de eletricidade, tensas relações industriais) da principal economia da região da África Austral, a África do Sul e outros problemas adversos da região levaram a um abrandamento do crescimento desta região para 2.7% em 2014 contra 3.6% de 2013. Todavia, o desempenho da economia moçambicana com uma taxa de crescimento de 7.6% em 2014 em comparação com 7.4% em 2013 é apontado pelo relatório como sendo a economia regional com rápido crescimento, impulsionado pelo IDE na prospecção de minerais, gás e petróleo. Da mesma forma, a Zâmbia e o Malawi registraram taxas de crescimento impressionante de 5.7% cada um, em comparação com 6.7% e 6.1%, respectivamente de 2013. A economia da Namíbia cresceu 5.3% em comparação com 5.1% em 2013 (GBAfD e OCED, 2015, p. 5). O crescimento do Norte da África registrou uma ligeira subida de 1.7% em 2014 em relação à taxa de 1.6% de 2013. De um modo geral, o crescimento foi mais elevado nos países de baixo rendimento como Costa de Marfim; República Democrática de Congo com um crescimento de 8.9%, como resultado da dinâmica da extração mineira, agricultura e investimento em infra-estruturas e Etiópia com um crescimento médio de 8%. O abrandamento das economias do Guiné, Libéria e Serra Leoa é associado tanto pelo GBAfD e OCED quanto pelo Banco Mundial ao surto da Ébola. Tal abrandamento significou salto decrescente do PIB estimado para 2014 de 6.2% para 4.3% em Junho de 2014 e em Janeiro de 2015 para 0.9% no caso da Guiné. Relativamente a Libéria o decréscimo foi de uma estimativa de 2.3% para todo o 2014, para 6.8% em junho de 2014 e 3.8% em janeiro de 2015. Quanto a Serra Leoa saiu de uma estimativa de 5.0% para 8.9% em junho de 2014 e em janeiro de 2015 registrou (–) 2.5%. Estes dados refletem a gravidade da catástrofe que de acordo com a Organização Mundial da Saúde (apud GBAD, 2014, p. 6) até final de dezembro de 2014 o vírus da Ébola havia sido registrado 20.200 casos da doença, provocado a morte 7.904.

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44 Estes dados do Banco Mundial quanto do GBAfD e OCED ajudam a sustentar o argumento deste artigo que não só desassocia o abrandamento de algumas economias africanas à presença chinesa em África em geral e de Moçambique em particular, como também, defende que em parte o desempenho das economias africanas é produto da presença chinesa. A nível global, este argumento mantém-se válido, dado que a industrialização da China, em particular a indústria manufatureira elevou para cima o preço das commodities e por via disso muitas economias, sobretudo as do sul apresentaram um desempenho significativo. De acordo com o relatório do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) de 2013, o comércio de mercadorias Sul-Sul entre 1980 a 2010 passou de 25% a 47% e no produto mundial passou de 33% a 45% e o comércio desta região aumentou de 8,1% a 26,7%. Em termos do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), o relatório aponta que de 1990 a 2012 mais de 40 países registraram ganhos mais que significativos do que o previsto. Os maiores progressos no IDH, de acordo com o mesmo relatório foram registrados nos países do Sul e nenhum país não teve melhorias. Na mesma perspectiva de demonstrar o desempenho das economias africanas, Southall and Melber (2009, p. 71 – 72) mostram que para o caso africano a presença da China contribui para melhoria dos termos de troca no comércio internacional. Os autores apontam ainda que não são apenas visíveis para a economia africana, mas também novos empresários estrangeiros foram atraídos e se estabeleceram em África. Southall and Melber (2009) e Brautingam (2009, p. 40 e 72) citam a construção de estádios nacionais, estradas, indústrias farmacêuticas (principalmente na Tanzânia) entre outras infra-estruturas, construção de casas e edifícios governamentais, com maior destaque para o projeto de construção de 2000 quilômetros de linha féria entre Zâmbia e Tanzânia. No contexto do Sino-África, o comércio passou de 5 bilhões em 1997 para 55,5 bilhões de dólares em 2006, com estimativas de alcançar 110 bilhões de dólares americanos em 2011.

45 Voltando ao caso Moçambicano, objeto de estudo deste artigo, convém apontar que como foi descrito de forma sintética na primeira parte deste estudo, o saldo do fluxo de bilhões de dólares e assistência técnica em Moçambique após cerca de 40 anos de cooperação ainda que gigantesco, não foi capaz de criar o bem-estar à maioria da sociedade moçambicana e construir uma capacidade institucional fiável. Castel-Branco (2011, p. 111) sustenta este argumento ao afirmar que “a ajuda externa é ineficaz e/ou prejudicial por causa dos condicionalismo econômicos e políticos que introduz, por permitir sustentar ambiente econômico não competitivo e por fomentar corrupção”. O segundo argumento forte deste autor aponta que os líderes dos países dependentes da ajuda externa tendem a prestar contas aos doadores e não aos cidadãos dos países receptores de donativos. É neste contexto de total isolamento dos cidadãos do país receptor que se formulam políticas públicas, como maior interação apenas entre governo e os doadores. Como é defesa deste estudo, as instituições moçambicanas são incapazes de combater a corrupção e de construir um ambiente e arranjo institucional que configura um Estado de Direito.

46 Essa literatura anti-chinesa não apresenta dado sobre o quanto se desacelera o crescimento e desenvolvimento econômico de África em geral e de Moçambique em particular devido à presença da China em particular e dos novos atores internacionais (Brasil, Índia, China e África do Sul), em geral. Pelo contrário, apresentam dados sobre os ganhos dos países fruto da presença chinesa. Testam esta afirmação os dados apresentados nos primeiros parágrafos desta segunda parte do trabalho. Como também

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foi apresentando na primeira parte deste trabalho, a China ajudou Moçambique a se libertar dos perenes colonos ocidentais, que regra geral, os países ocidentais apoiavam a colonização portuguesa em Moçambique. É lastimável a força do discurso e propaganda ocidental para manter o neocolonialismo em Moçambique. Sem negar as evidências de interesses particulares da elite política moçambicana no contexto da atual acumulação primitiva, também não dá para aceitar as acusações de que a China vai regredir o desenvolvimento socioeconômico moçambicano. Deste modo, mais do que este estudo aplaudir a visão de Guebuza sobre a real intenção chinesa em Moçambique, apela mais investigações e debates. Não se pretende com isso afirmar a sobreposição dos interesses chineses em Moçambique, pelos nacionais, mas afirmar que a China já fez muito em pouco tempo sem, no entanto entrar em comparação com a ainda presente e necessária assistência técnica e financeira de alguns países ocidentais.

47 Os dilemas da cooperação Moçambique – China, ou seja, exploração desenfreada de madeira16, dos mariscos e outros recursos naturais moçambicanos, para além, da desumana exploração da mão-de-obra, estão associados, principalmente à incapacidade dos arranjos institucionais. Isto por que as questões sobre a acumulação primitiva da elite política moçambicana não têm como gênese a nova era de cooperação com a China, mas estão associados com o modo como Moçambique criou seu ambiente e arranjo institucional, sob assistência técnica e financeira dos países centrais.

48 Só para sustentar este argumento, convêm apresentar algumas evidências exemplificativas entre tantos casos candentes e problemáticos sobre as quais Moçambique é burlado por muitas empresas que não sejam chinesas. Começando mesmo pelo orçamento do Estado que é dependente dos donativos do G 19, anualmente este grupo de países da OCED ameaça a não continuar a alocar os seus donativos ao orçamento do Estado moçambicano devido a desgastante falta de transparência no uso dos mesmos pelo governo moçambicano. Outros casos mediáticos são dados pelo Centro de Integridade Pública (CIP), para além dos jornais moçambicanos. O relatório nº 2 do Centro de Integridade Pública (CIP) de Fevereiro de 2015 mostra como as multinacionais americana e italiana, Anadarko e Eni, respectivamente, conseguiram assegurar contratos generosos nos Projetos de Gás Natural Liquifeito nas áreas 1 e 4 na bacia do Rovuma, na província nortenha de Cabo Delgado. No seu relatório nº 12 de 2014, o CIP deplora a exploração das areias pesadas de Moma pela empresa Kenmare nem pagar impostos e nem desenvolvimento econômico e social local, conforme o previsto nos contrato de concessão. Em termos substanciais, o relatório aponta que “por cada dólar que a Kenmare ganhou exportando minerais de Moçambique entre 2008 a 2011, Moçambique recebeu apenas um cêntimo de pagamento de imposto” (CIP, 2014, p. 1). Isto significa que dos 326,7 milhões de dólares que a empresa irlandesa ganhou em receitas, apenas pagou ao Estado moçambicano 3,5 milhões de dólares. O Projeto de Gás Regional da África Austral entre a República de Moçambique e a República de África do Sul de exploração de gás pela empresa Sul africana Sasol em Pande e Temane, na província sulista de Inhambane que dura há mais de uma década, é um dos fracassos em termos de receitas para Moçambique. No seu relatório nº 11 de 2014, o CIP aponta que o Banco Mundial recusa-se a avaliar honestamente os benefícios econômicos da Sasol Pande Temane. Tal recusa está associada aos fabulosos lucros que a África do Sul ganha em detrimento de Moçambique neste projeto. Por exemplo, o relatório aponta que a Sasol transfere a maioria esmagadora de lucros de Moçambique para África do Sul por causa de um acordo de preço lesivo. [...] a Sasol compra gás com base nos

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termos de acordo original de $1.50 por giga joules e está agora a pagar cerca de $3.00 [...] e vende o gás na África do Sul com base no acordo original, chegando a vender acima de $7.00 a $14.00 giga joules na África do Sul (CIP, 2014, 2).

49 No seu relatório nº 11 de 2014, o CIP fala do contrabando de madeira envolvendo empresas chinesas (Xue Bing Huang), na província central da Zambézia. Tal contrabando é produto da emissão pela Direção Provincial de Agricultura da Zambézia de uma licença de corte e transito de madeira. Entra na lista de fracassos em termos de ganhos fiscais para Moçambique a empresa Alumínio de Moçambique – Mozal, uma das multinacionais renomada de Moçambique.

50 A lista de casos problemáticos e lesivos ao Estado Moçambicano é enorme e não caberia nestas páginas, mas esta pequena enumeração serve para demonstrar que não são apenas as empresas chinesas o cerne da questão, mas de todas as empresas estrangeiras e até nacionais, em conivência ou com elite política moçambicana ou com o próprio Estado no contexto das limitações impostas a este pelas teorias liberais e neoliberais. Sendo assim, é fácil perceber que os problemas de pilhagem e dilapidação de recursos minerais em Moçambique se inserem na conjuntura global da expansão do capital financeiro. É neste âmbito que Castel-Branco (2013, p. 100) citando a cimeira do G.8 na Grã-Bretanha, aponta que “se as multinacionais pagassem imposto nas economias subdesenvolvidos em que operam, dependência externa tornar-se-ia um fenômeno do passado”. Todavia, a idéia da globalização do fenômeno e as demonstrações de que quase todas as empresas nacionais e estrangeiras que operam em Moçambique têm uma ação lesiva ao Estado, não pretende legitimar os dilemas lesivos ao Estado moçambicano na cooperação Moçambique – China, mas evidenciar que nenhum ganho será possível enquanto o ambiente e o arranjo institucional permanecer permeável aos interesses estrangeiros e nacionais lesivos. A China chegou e encontrou um ambiente e arranjo institucional permeável e aliciante a práticas lesivas e aprendeu a lição. A impermeabilidade do ambiente e arranjo institucional passa primeiro, pelo cumprimento rigoroso do plasmado na Constituição da República sobre a separação de poderes, dando maior autonomia ao poder judiciário para investigar e punir exemplarmente os casos lesivos ao Estado. Para que isso aconteça é preciso que o Estado não se confunda com o partido no poder. Segundo, por uma atitude de responsabilidade coletiva pelos bens públicos, sobretudo da elite política que compõem a máquina governamental.

51 Todavia, apenas a um nível de abstração mais elevado e com uma visão genérica das causas globais das ações lesivas aos estados pelas multinacionais de forma geral, é que é possível encontrar as causas primeiras do fenômeno e no contexto das metamorfoses do capital financeiro. A transfiguração, como mostra Karl Marx do valor de uso em valor de troca gerando a cambiabilidade mercadológica de tudo (inclusive a vida humana) é uma dessas causas. A vitória das teorias do liberalismo clássico como defende o livro de Friedrich Hayek, publicado em 1944 e para Perry Anderson (2000) o nascimento após a Segunda Guerra Mundial (IIGM) do neoliberalismo na Europa e América do Norte, não só explica a derrota do socialismo para guiar as relações da vida humana, como também fazem desta o objeto do lucro. Hayek (2010) na defesa do liberalismo e Anderson (2000, p. 9) interpretando os argumentos neoliberais apontam que “as limitações dos mecanismos do mercado por parte do Estado afigura-se uma ameaça letal à liberdade, não somente econômica, mas também, política”. De acordo com Anderson (2000) a derrota do keynesianismo e do solidarismo preparou as bases para outro tipo de capitalismo, duro e livre de regras para o futuro. A conseqüência

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imediata dessa vitória são as desigualdades sociais e a transmutação da vida humana, havendo pessoas altamente abastadas e outras sem mínimas condições de subsistência. David Harvey (2013, p. 43) mostra que em 1996 o patrimônio líquido das 358 pessoas mais ricas do planeta era igual à renda combinada de 45% da população mundial, ou seja, 2.3 bilhões de pessoas. O que é ainda pior prossegue o autor, é que as 200 pessoas mais ricas do mundo, dobraram o seu patrimônio líquido, nos quatro anos anterior a 1998, para mais de 1 trilhão de dólares. Os ativos dos três maiores bilionários do mundo alcançaram na época um valor superior ao PIB de todos os países menos desenvolvidos e sua população de 600 milhões de pessoas. Dados recentes apontados por Theotônio dos Santos (2014) indicam que 1% de cidadãos mais ricos do mundo é proprietária de 47% da riqueza mundial. Estes dados revelam basicamente o quão os estados nacionais são dilapidadas pelas empresas sejam elas nacionais, transnacionais e/ou multinacionais. O que realmente está acontecer no mundo atual é que, como mostra Stiglitz (paud Harvey, 2013, p. 84) os países pobres estão na verdade a subsidiar os países ricos. Assim, é lícito e em jeito conclusivo afirmar que enquanto os paradigmas econômicos e políticos continuarem egoístas, ou seja, com baixa distribuição da renda e restauração dos estados do bem-estar a nível global os recursos dos países pobres continuaram a ser dilapidados pelas empresas dos Estados ricos.

Conclusão

52 O texto em tela quis analisar os ganhos para Moçambique na sua relação diplomática com a China. A partir das fervorosas controvérsias sobre a emergência da China e os perigos que isso representa para o desenvolvimento saudável e sustentável de Moçambique, o estudo procurou capturar as evidências empíricas e/ou históricas que fazem da China um mau doador e/ou investidor. Com base na revisão da literatura, na qual se procuravam evidências históricas de desaceleração da economia moçambicana como resultado da presença chinesa foi possível confirmar a hipótese de investigação. Ou seja, não é que a China seja má doadora e/ou investidora ou, ainda, constitua um risco para o desenvolvimento saudável e sustentável de Moçambique, mas a dimensão política moçambicana como componente para entender a capacidade institucional do Estado para além da sua associação a interesses particulares e partidários é frágil para se lidar com os interesses do gigante chinês, ainda que tais interesses se situem, de fato, no contexto de win-win cooperation, como defende a política externa chinesa.

53 Para sustentar esta hipótese o artigo tomou como indicadores a análise do comportamento dos ganhos para Moçambique ao longo do tempo na sua relação diplomática com a China. Ao examinar esse comportamento, o estudo conclui que os ganhos para Moçambique na sua relação diplomática com a China são avultados e visíveis. Desde a Luta de Libertação Nacional, China sempre esteve presente e ajudou a emancipação política e atualmente econômica do país. Numa primeira fase, não só investiu na área militar, como também na agricultura, saúde, entre outras áreas. A partir dos anos 2000 e, sobretudo com a realização em 2006 do Fórum de Cooperação China – África (FOCAC) que criou condições diplomáticas para o crescente aumento da ajuda técnica e financeira da China em Moçambique, para além dos avultados investimentos em várias áreas. Com destaque para infra-estruturas, cujas obras são visíveis a olho nu, sobretudo na capital Maputo; defesa e segurança; agricultura; construção; assinatura e implementação de vários acordos comerciais, perdão da dívida

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e avultados investimentos diretos. Os dados do CPI e da GAZEDA apontam que China tem atualmente 133 projetos de investimentos aprovados, gerando 26.133 mil novos empregos, num investimento de aproximadamente 2 mil milhões de dólares norte- americanos, para além do financiamento de 2,3 bilhões de dólares norte-americanos para a construção de uma das maiores barragens africana – Mpanda Nkuwa.

54 Para além dos ganhos para Moçambique, o estudo avaliou também, a tendência do fluxo da ajuda externa, doações, assistência técnica e financeira, o Investimento Direto Estrangeiro (IDE) e o desempenho de algumas economias africanas. A finalidade de análise destes indicadores eram verificar o seu comportamento, ou seja, se apresentavam tendências de retração ou desaceleração passível de ser associada ao crescente aumento da presença chinesa em Moçambique em particular e em África no geral. Os resultados desse exercício permitiram perceber que não existem evidências históricas para uma visão pessimista sobre a China. Sustentam este argumento a manutenção e o crescimento tanto das principais fontes de financiamento externo em África (APD, ODA, IDE, as remessas da diáspora africana), assim como o crescimento das economias áfricas. Contrariamente aos estudos que mostram que o fluxo de capitais estrangeiros está abrandando desde os anos 2000, ele alcançou US$ 200 mil milhões 2014 em toda a África, contra as previsões de que este alcançaria US$ 195 mil milhões em 2015. Ao contrário do que tem sido literalmente apresentado de que a presença da China em África em geral e Moçambique em particular, é um risco para o desenvolvimento econômico, foi, paradoxalmente, a presença chinesa que acelerou o crescimento econômico e o fluxo do IDE, não só em África, mas também, a nível mundial. Para o caso africano, os dados do GBAfD e da OCED de 2008 e 2015 sobre o fluxo tanto da Assistência Pública ao Desenvolvimento (APD), Ajuda Oficial Global para o Desenvolvimento (ODA) quanto sobre o IDE e as remessas da diáspora africana ainda que tenham provavelmente diminuído o ritmo de crescimento, eles aumentaram. O IDE, por exemplo, aumentou cerca de 60% de 2002 a 2014, ao se situar nos 60.4 bilhões de dólares, face aos 36 bilhões de 2002. A ODA ultrapassou US$ 5 mil milhões em 2014 a previsão de este alcançar os 195 mil milhões.

55 Quanto ao crescimento econômico o relatório do GBAfD e OCED de 2015 aponta que África cresceu 3.9% em 2014, o que representa uma ligeira melhoria em relação ao crescimento de 3.5% registrado em 2013, sendo relativamente superior a taxa de crescimento global de 3.3% e da Ásia Ocidental (2.9%) e América Latina e Caraíba (1.2%), estando abaixo apenas ao crescimento das economias emergentes de 4.4%. Para este estudo, o desempenho econômico global, considerando a crise financeira das economias centrais só pode ser explicado tomando a China, a Índia como referências. Foi a demanda de matérias-primas pelas indústrias chinesas que elevou para cima o preço das commodities o que alargou a balança de pagamento de muitas economias globais.

56 Relativamente aos debates sobre os dilemas associados à dilapidação de recursos naturais, em particular madeira, recursos marinhos, entre outros, ao “trabalho escravo” e fuga ao fisco, o estudo encontrou evidência empíricas e tal como mostra a hipótese de investigação, este fato, está associada em parte à fragilidade do ambiente e arranjo institucional criado sob assistência técnica e financeira dos países centrais. O estudo mostrou as controvérsias, por exemplo, sobre as isenções e outras benesses concedidas às multinacionais pelo Estado, tal é o caso da Mozal, Sasol, Kenemare, Vale Moçambique, entre outras. Ao lado dessas benesses, estão os interesses particulares da

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elite política moçambicana o que gera uma espécie de protecionismo não só às empresas chineses, mas a todas aquelas que interessam essa elite.

57 A fragilidade do ambiente e arranjo institucional constitui o terreno fértil sobre o qual os novos atores de cooperação com Moçambique, em particular a China posam e perpetuam as perdas fiscais e alargam a dependência externa. Esta realidade está no centro dos debates e dilemas que acabam associando a pobreza moçambicana a esses novos atores. Um fato não confirmado neste estudo considerando que a emergência da China como ator-chave das dinâmicas da economia mundial e moçambicana em particular não contêm evidências de desaceleração econômica conseqüente da presença chinesa em Moçambique. As evidências históricas encontradas na literatura demonstram um excelente desempenho da economia mundial em geral e africana em particular, puxadas em parte pela demanda de matérias-primas pela indústria asiática, especialmente a chinesa e a indiana.

58 Todavia, para além de este texto sugerir a separação de poderes conforme plasmado na Constituição da República de Moçambique de modo a dar maior dinamismo ao poder legislativo e judiciário em particular permitindo criar um ambiente e arranjo institucional sólido, as atrocidades das multinacionais e transnacionais devem ser analisadas de forma global. As metamorfoses do capital financeiro, ou seja, a transfiguração, como mostra Karl Marx do valor de uso em valor de troca gerando a cambiabilidade mercadológica de tudo são a causa primeira dos dilemas que enfermam os Estados nacionais na sua relação com as multinacionais.

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NOTAS

1. Termo usado no português moçambicano e demais países para designar porções de terras lavradas ou utilizadas para prática de agricultura. É assim, um terreno agrícola para produção familiar – terreno cultivado. 2. FRELIMO é o partido que liderou a Luta de Libertação Nacional em 1964. Foi fundado em 1962, na Tanzânia pelo Eduardo Chivambo Mondlane, posteriorimente presidente deste partido até à sua morte em 1969. A Frelimo é o partido no poder desde a independência até então. 3. O texto voltará a este assunto central que é a cooperação Moçambique – China na segunda parte após esta breve contextualização sobre a trajetória histórica que levou Moçambique a uma situação de dependência de trajetória. 4. O maior partido da oposição até então que conduziu a guerra civil desde 1976 até 1992, mediante um Acordo de Paz assinado em Roma com apoio da Comunidade de Santo Egídio da Itália. A guerra civil foi devastadora, com cerca de um milhão de mortos, milhares de refugiados e total destruição de infra-estruturas sociais e econômicas. 5. Atualmente o desemprego em Moçambique é alto e corresponde a 24%, um dado problemático considerando que a maioria da população Moçambicana é jovem e desta 90% está desempregada. 6. Para aprofundar os fatores financeiros que explicam a dependência externar de Moçambique, consular Castel-Branco e Ossemane (2010, p. 166). Dado que o interesse deste estudo não repetir o víeis econômico e financeiro realizado por Castel-Branco e Ossemane (2010), para explicar a dependência externa de Moçambique (como mostraram os parágrafos anteriores), mas sim, usar as evidências históricas de cunho político-militar e o ambiente e arranjo institucional. 7. A Nigéria para além de não se um considerável player africano, enferma de conflitos militares com evidência de que recursos naturais – o petróleo nigeriano, são fatores de maldiçoamento social, conseqüente de confluência de interesses externos. 8. São órgãos de Soberania de Moçambique o Presidente da República, a Assembléia da República, o Governo, os tribunais e o Conselho Constitucional. 9. A cidade de Maputo a capital moçambicana e a província de Maputo têm uma população estimada em cerca de 2 milhões habitantes num total de 24 milhões de habitantes em todo o país. 10. Por exemplo, Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID), Visão Mundial, UNICEF, Comissão para as Nações Unidas, MSF Luxemburg, HELPAG Internacional, DANIDA, Rio Doce, Instituto de Medicina Tropical, FNUAP, Agência Japonesa para Cooperação Internacional (JICA), Ajuda de Desenvolvimento do Povo para Povo (ADPP), Agência Suéca no Desenvolvimento Internacional (ASDI); Departamento para o Desenvolvimento Internacional do Governo Britânico (DFID); Agência Dinamarquesa para o Desenvolvimento Internacional (DANIDA); Cooperação Irlandesa; Governo da Noruega; Agência Suíça para Cooperação e Desenvolvimento (SDC); Moçambique e Embaixada da Suécia (IBIS); Canadian International Development Agency (CIDA); Swedish International Development Agency (SIDA) entre tantas outras. 11. Chegando a absorver 75% do capital investido. Isto mostra que Moçambique é terreno de geração de empregos bem pagos. Disto é possível tirar a ilação de que mais de 50% do que entra como capital financeiro volta para os países de origem em forma de salários. 12. Indiretamente porque a segunda parte deste trabalho não tem como objetivo responder a esta pergunta sobre o que é que falho na cooperação Moçambique com o Ocidente, mas sim, analisar a cooperação Moçambique – China nua perspectiva de trajetória, ou seja, o que é que Moçambique ganha nessa cooperação de modo a evitar cair no mesmo cenário anterior ou na experiência de forte fluxo de donativos e assistência técnica, mas com resultados desanimadores. Para, além disso, a segunda parte entra na discussão sobre os debates e dilemas sobre a cooperação Moçambique – China. 13. Desde 1994, primeiro ano de eleições presidenciais e legislativas em Moçambique a Frelimo é o partido vencedor das eleições e com maioria parlamentar.

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14. Conta também com o financiamento da Índia. 15. Os oitos países incluem: Angola, Congo Brazzaville, República Democrática de Congo, Etiópia, Guiné Equatorial, Gana, Sudão, Zimbábue e Zâmbia. 16. A Madeira é principal produto de exportação de Moçambique para China, cobrindo 90%. O que torna Moçambique o sexto país maior exportador da madeira para China. Tal exploração ocorre de forma lesiva ao Estado moçambicano envolvendo empresas chinesas, moçambicanas ligadas a elite política, partido no poder e também a oposição. A exploração da madeira na central província de Moçambique – Zambézia passou de 81 m³ em 2003 para 212 m³ em 2007, por ano. Chichava (2010, p. 342) continua apontando que 50 a 70% da madeira correspondente a 1524 milhões de dólares americanos é explorada ilegalmente.

RESUMOS

Este artigo tem como objetivo avaliar os ganhos de Moçambique em sua relação diplomática com a China, à revelia da ideia vigente de que as ações deste país provoquem riscos para o desenvolvimento sustentável moçambicano. Partindo da análise da primeira fase de cooperação entre as duas nações desde os anos setenta, chegamos à avaliação dos ganhos para Moçambique oriundos deste diálogo dos anos 2000 aos dias atuais.

This paper aims to assess Mozambique’s gains concerning its diplomatic relationship with China, ignoring the current idea that this country’s actions may endanger the Mozambican sustainable development. From the analysis of the two nations’ first phase of cooperation, since the 1970s, we were able to assess the gains for Mozambique derived of this cooperation from the 2000s to present day.

Cet article veut considérer les bénéfices obtenues par Mozambique dans ses rapports diplomatiques avec la Chine — en dépit d’un discours selon lequel les actions chinoises provoquent des risques pour la réalisation du développement équitable à Mozambique. A partir de l’analyse de la première fase de coopération entre les deux pays dans les années soixante-dix, on arrive à évaluer les avantages retirés de ce dialogue par Mozambique dès les années 2000 à nos jours.

Este artículo, tiene por objeto analizar las ganancias de Mozambique en su relación diplomática con la China, en contra de la idea vigente de que las acciones Chinas son causantes de riesgos para el desarrollo sustentable Mozambiqueño. Partiendo del análisis de la primera fase de cooperación entre los dos países en la década de 1970, son interpretados los actuales dilemas y realidades, en términos de los avances y ganancias de Mozambique en el ámbito económico internacional desde el año 2000.

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ÍNDICE

Keywords: Mozambique-China cooperation, economic development, win-win cooperation, foreign policy, economic dependence. Palavras-chave: cooperação Moçambique–China, desenvolvimento econômico, win-win cooperation, política externa, dependência econômica. Mots-clés: coopération Mozambique-Chine, développement économique, win-win cooperation, politique extérieure, dépendance économique. Palabras claves: cooperación Mozambique–China, desarrollo económico, cooperación “gana– gana”, política externa, dependencia económica.

AUTOR

NELSON LAURA MABUCANHANE Doutorando de Políticas Públicas e Formação Humana (PPFH) – linha Estado e Políticas Públicas, na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Docente de Políticas Públicas e Análise de Políticas Públicas no Instituto Superior de Administração Pública em Moçambique. Email: [email protected]

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Geographic location and contemporary state borders of Bulgaria Localização geográfica e fronteiras estatais contemporâneas na Bulgária Localisation géographique et frontierès étatiques contemporaines à Bulgarie Ubicación geográfica y fronteras estatales contemporáneas en Bulgaria

Slavi Dimitrov

Introduction

1 In this paper, the object of research is the geographical location of Bulgaria, and the possibilities that it offers. The geographic location of Bulgaria reflects its spatial relation to different geographic objects of economic importance (countries, regions, seas, big rivers, straits, etc.). It is a category which consists of mutually related and mutually dependent elements (subcategories). Some of the subcategories are changeable (economic and political state), others are comparatively stable (astronomical and natural environment).

2 Bulgaria is situated in South-East Europe, in the North-East part of the Balkan Peninsula. So, it is an European and Balkan country, and a country which belongs to the Black Sea and the Danube regions. Besides, it lies at the crossroad between Europe, Asia, and Africa, close to world markets and regions, rich in raw materials, which predetermines its strategic place on the maps of Europe and the Balkan Peninsula (Fig. №1). The geographic position of Bulgaria explains the interest of its neighbours, USA, Russia, and the West-European countries to its territory, in the past and nowadays (ГЕОГРАФИЯ..., 1997).

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Figure 1: Geographic Location of Bulgaria

Source: Central Intelligence Agency (CIA) – World Factbook, 2014.

The location of a country can be geographical, geoeconomic, and geopolitical.

3 The astronomical geographic location is defined in relation to the Greenwich meridian (longitude) and the equator (latitude). The astronomical geographic location of Bulgaria is defined by its endmost points (Table №1). The length of the country between these points is about 520 km аnd the width – about 330 km. Bulgaria is closer to the equator than to the North Pole, which determines its climate and natural conditions. The country is situated in the southern part of the North Temperate Zone, with some subtropical influence over its climate. This location in the transitional zone between the two zones gives its reflection over the climate, the soils, the flora and the fauna.

Table 1: Coordinates of Bulgaria’s endmost points

Point North latitude East longitude

Northern 44°12' 22°40' The mouth of the Timok River

Southern 41°14' 25°17' Veykata peak, The South-East Rhodopes

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Western 42°19' 22°21' Kitka peak, Kraishte

Eastern 43°32' 28°36' CapeShabla

Source: Пенин, Р. ПрироднагеографиянаБългария, С., Булвест, 2007.

4 The natural geographical location is closely related to the astronomical location and reflects the relation between the territory of the country and the important elements of physical geography: oceans, seas, navigable rivers, mountain chains, plains, etc. The hydrosphere elements that influence the territory of Bulgaria are: the Atlantic Ocean, the Black Sea, and the Mediterranean Sea. The Atlantic Ocean and the Mediterranean Sea are important climate factors because huge air masses originate over them and are carried away by the Icelandic Low and Mediterranean tropical-like cyclone. The Mediterranean influence is decisive for the climate in the southern parts of the country. The influence of Black Sea is tangible in the zone which is situated 40 kilometers inland from the shore. That influence determines the specific Black Sea climate, the diverse flora and fauna. The Danube River, as a factor of physical geography, is very important with its water resources, which are used for irrigation, production of electricity, water supply for the factories, and fishing; as well as for its diversity of species.

5 The natural geographic location reflects the influence of the mountain chains situated outside the Bulgarian territory, too (the Dinarides and the Carpathian Mountains). The Dinaric Alps and the Pindus isolates the country from the influence of the Adriatic Sea and the West part of the Mediterranean Sea; and the Carpathian Mountains hold up the oceanic air masses form North-West (in this way, they create a rain shadow in the Danubian Plain). In conclusion, we can say that, due to the favourable natural geographic location of Bulgaria, a change, from north to south, in the climate, soil, and vegetation components of the natural environment is observed, which favours its economic development (ГЕОГРАФИЯ..., 2002).

6 The economic geographical location comprises transport, trade, and touristic geographic location. It shows the relation between Bulgaria and objects of economical significance (regions rich in raw materials, markets, international highways, connections with other countries).

7 The Bulgarian geo-economical localization, in terms of transport, is very favourable. Being a part of East-central Europe, Bulgaria is a crossing point and a transitional zone between West Europe, the Near and the Middle East, and the Mediterranean region. The country is crossed by the routes from the Commonwealth of Independent States to South Europe and Africa and several other transport corridors: Germany – Czech Republic – Hungary– Romania – Bulgaria – Greece/Turkey (through the Danube Bridge); Albania – Italy – Slovenia – Croatia – Serbia – Macedonia –Bulgaria (which connects the Adriatic and the Black Sea); as well as the Rhine – Main – Danube Canal. The international highways from West and Central Europe (through Belgrade – Sofia – Svilengrad) to the Near and the Middle East; from the Baltic Sea (through Moscow–Кiev –Bucharest – Ruse – Sofia – Thessaloniki) to the Aegean Sea and to the Adriatic Sea (Sofia – Skopje – Durrës) also go through the country. Of great importance is the route

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Constanța -Varna–Burgas – Tzarevo – Malko Turnovo– Istanbul. Bulgaria is connected to the Trans-European Transport Network through the routes Berlin – Prague – Budapest –Sofia – Thessaloniki – Istanbul and Durrës–Tirana – Skopje–Sofia – Varna – Burgas. Besides the automobile transport, the main transport directions are served by railroads, too.

8 Besides, the long Black Sea coastline of Bulgaria connects it with all countries from the Black Sea Region. The Danube River connects all East-European countries to the West- European waterways. The importance of the river grew after the above-mentioned Rhine – Main – Danube Canal was put into operation (September 25th, 1992).

9 Bulgarian customs and border checkpoints also help the functioning of the transport network. In 2015, the total number of the checkpoints is 23 (5 on the Serbian border, 3 on the Macedonian border, 6 on the Greek border, 2 on the Turkish, 5 on the Romanian, and 2 on the Black Sea cost) (Fig. №2).

Figure 2: Contemporary borders of Bulgaria, border checkpoints, and free trade zones

Source: own production

10 The number of the border checkpoints and its relation to the total length of the border can be used as a measure of the frequency of cross-border connections only to some extent. It is logical that connections with neighbour countries prevail over connections with other countries. Generally speaking, the more developed two or more countries are, the more intensive the contacts between them are, that is why the number of the checkpoints on the border between them is more numerous, especially if it is a land border (КОЛЕВ, 2008). Such is the case for the Spanish-Portuguese border which is the oldest one in Europe, and between two checkpoints there is a distance of 16 km (ДИМИТРОВ, 2015); from Table 2 one can see that the shortest sectors between two

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border checkpoints are on the border between Bulgaria and Macedonia, and the longest ones are on the Bulgarian-Greek border.

Table 2: Average length between two border checkpoints on the Bulgarian border – 2015

Neighbour country Romania Turkey Greece Macedonia Serbia The Black Sea

Length, km 60,8 80,0 82,3 49,3 63,6 126,0

Source: Колев, Б., Националното географско пространство на Република България, „Херон прес”, София, 2008, p. 135.

11 The development of Bulgaria as a member of the European Union, alongside with all other necessary reforms, will increase the connections between Bulgaria, its neighbour countries, and the countries from the whole Europe (КОЛЕВ, 2008).

12 The Economic geographic location changes throughout different historical stages. Nowadays, Bulgarian foreign trade is oriented towards European countries. The country profits from its membership in the World Trade Organization (since 1996), the Organization of the Black Sea Economic Cooperation, the economic organizations of the United Nations, and the European Union (since 2007). Very important is the transit transport of people, goods, and information through the country. The free economic zones in Dragoman, Vidin, Burgas, Ruse, and Plovdiv bring some import incentives that stimulate development of trade in the country (ГЕОГРАФИЯ, 2002).

13 The favourable location of Bulgaria is a factor of great importance for its development into a world tourist destination. In the country, there are great opportunities for both the transit and the active recreational international tourism due to the significant natural, cultural, and historical sightseeings. In 2014, 7.3 million foreign tourists visited it (НСИ, 2014).

14 The political geographic location of Bulgaria is formed by its relations with different political communities which reflect Bulgaria’s political connections, and outline its borders.

15 The importance of the contemporary strategic and geopolitical location of the country should be estimated in the context of the democratic changes in East Europe in the 90’s of the 20th century. After the collapse of the Warsaw Pact, Bulgaria looked for new ways to ensure its military and political stability, and for a new place in the Balkan region, shaken by conflicts. The new military and political conditions required the creation of a new geopolitical strategy, new political priorities and principles for the country which should guarantee good relations with its neighbours. The present geopolitical situation, and its entry into NATO in 2004, gives the country new advantages.

16 The political geographic situation of Bulgaria is in close relation to its political borders. The political borders of a country depend on the concrete stage of its social and political development (КАРАСТОЯНОВ, 1997).

17 Friedrich Ratzel (РАТЦЕЛ,1897), one of the founders of the modern political geography, considers the state borders to be a ‘peripheral organ of the state, organically connected to the country’s territory’. Dronchilov (ДРОНЧИЛОВ, 2003) states that the borders of a country completely reflect its historical fate.

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18 The notion ‘political borders’ acquired a new meaning at the present stage of social and economic development. Due to the opposition between East and West Europe, until 1989 the Bulgarian state borders were used rather as barriers. That led to political and economic isolation of Bulgaria regarding the developed European countries, and depopulation of frontier territories. After 1989, the character and the functions of the political borders changed. Instead of dividing, they began unifying the countries, trying to integrate the interest, the capitals, and the efforts of neighbour countries, which is characteristic of the relations between democratic states. The total length of the Bulgarian borders is 2245 km. 1181 km of them are land borders, 686 km are river borders, and 378 km – sea borders (see Table №3).

Table 3: Length of Bulgarian state borders in kilometres

Border Totally Land border River border Sea border

With Romania to the North 609 139 470 -

With the Black Sea to the East 378 - - 378

With Turkey to the South 259 133 126 -

With Greece to the South 493 429 64 -

With Serbia to the West 350 324 26 -

With Macedonia to the West 156 156 - -

Total length 2245 1181 686 -

Source: География на България. Физическа и социално-икономическа география, ФОРКОМ, (2002), p. 16.

19 To the North, Bulgaria borders Romania. From the Timok’s outfall to the town of Silistra (470 km) the North border of Bulgaria follows the Danube River. The latter gives serious opportunities for the water transport. It is the largest international water road which connects Bulgaria and the countries from West and East Europe. This enables the trade between the above-mentioned countries. The regions near the Danube have the possibility to develop some industries which use a lot of water and import raw materials (producing of electricity, woodworking, chemical industry, etc.). That is why the ferries between Vidin and Calafat and between Oryahovo and Bechet (the largest in the Bulgarian-Romanian part of the river, which connects Thessaloniki and the Central-European countries), as well as the bridge between Ruse and Giurgiu are of so great importance. In 2013, a second bridge on the Danube was built – between Vidin and Calafat. The ports of Lom, Vidin, and Ruse have significant economic importance, too. The port of Lom ensures the import of goods for the internal parts of the country. The Danube River is used for watering too, as well as for tourism, since along the river there are a lot of historical settlements and fortresses, as well as the lake Srebarna near Silistra.

20 The land border between Bulgaria and Romania (139 km long) crosses Dobrudzha, from Silistra to the village of Vama Veche on the Black Sea cost. The Dobrudzha plain

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enables the building of highways and railroads. This border is crossed by the Razdelna– Kardam – Medgidia – Ungheni railroad (the shortest way between Bulgaria, Ukraine, and Russia), the Istanbul – Burgas – Varna – Constanța highway, an electric transmission network from Ukraine, and a gas-pipeline from Russia.

21 A serious problem is the pollution of the Danube’s water, of the city of Ruse, and of the towns of Nikopol, and Silistra. The governments of Bulgaria and Romania and several government and non-government organizations work for its solution. Another problem is the security of the Kozloduy Nuclear Power Plant. The perspectives for the development of the region should include an increase of the quantity of goods that go through the free trade zones in Vidin and Ruse and improvement of the transportation system through the border (ГЕОГРАФИЯ, 1997).A second nuclear power plant is going to be built near the town of Belene.

22 To the east, Bulgaria borders only the Black Sea – from cape Kartal (south of Vama Veche) to the outfall of the Rezovska River (total length – 378 km). The width of the coastal waters is 20km. The Black Sea has a strategic importance: through the Bosphorus strait and the Dardanelles it is connected to the Mediterranean Sea and the Atlantic Ocean, and in this way oil, coal, coke, iron-ore, wood are imported into the country. The majority of the goods come from Russia and Ukraine. Through the ferry Varna-Illichivsk, the economic relations between Bulgaria and Ukraine improved. The Black Sea coast turned into an important economic zone. The chemical industry, the engineering industry, etc. are being developed. In the Black Sea, the fishing industry is being developed too. Its main centres are Burgas, Varna, and Sozopol. Significant amounts of salt, iodine containing algae, etc. are obtained. The Black Sea coast provides perfect conditions for tourism. Besides the beaches, there are possibilities for medical tourism, scuba diving, fishing, and so on. There are some problems, however, regarding the Black Sea. The biggest one is the pollution of its waters caused by the polluted big rivers, such as the Danube, the Dnieper, the Dniester, and the lesser ones flowing into the sea from the Bulgarian territory. Due to the limited self-cleaning abilities of the sea, the fish quantity has decreased, and the changes in the biocoenosis are scaring. Another serious problem is the landslide and the industrial pollution around Varna, Devnya, and Burgas.

23 To the south, Bulgaria borders Turkey and Greece. The border between Bulgaria and Turley (259 km) begins from the outfall of the Rezovska River and follows it to the west. Then, it crosses Strandzha and the Tundzha River and reaches the Maritza River at Kapitan Andreevo. The border between Bulgaria and Greece(493 km) begins from the Maritza River, crosses the Arda River, then bends to the west and crosses the Rhodopes (through the Makaza Pass, Tzigansko Gradishte peak, etc.). After crossing the Dospat and the Mesta rivers, it follows the Slavyanka Mountain, crosses the Struma River (near Kulata), and following the ridge of the Belasitza Mountain reaches Tumba peak. Despite the rugged terrain, important highways and railroads cross this borders: the highway between West Europe and the Near East (the part from Belgrade to Istanbul) through Kapitan Andreevo border check point. Of big importance is the international highway Constanța – Varna –Burgas – Malko Turnovo – Lozengrad – Istanbul. The Makaza Pass and the valleys of the Mesta and the Struma rivers connect Bulgaria with the Aegean Sea. On the Bulgarian-Turkish border, there are three border checkpoints: Malko Turnovo, Kapitan Andreevo and Lesovo. Besides, there are old roads that could be restored.

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24 The relations between Bulgaria and its south neighbours are good nowadays, unlike the relations during the communist regime.

25 To the west, Bulgaria borders Macedonia and Serbia. This border is 506 km long. It begins from Tumba peak, crosses the Strumeshnitza River, then follows the ridges of the Ograzhden, Malashevska, Vlahina, and mountains, passes through Kitka peak, the region called Kraishte, the valley of the Dragovishtitza River, Milevska Mountain, the Erma River, Ruy Mountain, and the valley of the Nishava River. Then it follows the ridge of the West Stara Planina and reaches the valley of the Timok River and the Danube. On the border between Bulgaria and Macedonia, there are three border checkpoints: Zlatarevo, Stanke Lisichkovo, and Gyueshevo. During this research, a railroad connecting the two countries has not been built yet. Such one is going to be built between Gyeshevo and Kumanovo.

26 At Kalotina, the west border is crossed by the above-mentioned international highway (and by a railroad)which connects West Europe and the Near East via Belgrade, Sofia, and Istanbul. At present, the border checkpoints between Kula and Zaječar as well as between Вregovo and Negotin are not used efficiently. The Bulgarian part does not mind the restoration of the connections between Belogradchik and Knjaževac, Tran and Klisura, Dragovishtitza and Bosilegrad, either. The free trade zone near Dragoman should be used more efficiently. The regions near the west border of Bulgaria are economically weak, the demographic situation and the social infrastructure are bad (ГЕОГРАФИЯ, 2002).

27 So far, the Bulgarian state borders have been presented. However, it is more important to estimate their importance regarding the economy of the country. In order to do this, a method created by Simonov (СИМОНОВ, 1970) and developed by Kolev (КОЛЕВ,2008) is used. On the whole, it consists of a comparison between the total length of the border between two countries and its relation to the total lengths of their land borders. If the total length of a country’s land border is designated by S, the total length of its

neighbour is designated by S1, and the length of the common border between them is designated by D, the relation between them is designated like this:

28 D and D.

29 S S1 30 This relation can comprise one of the three types below:

31 D=D, DD .

32 S S1 S S1 S S1 33 When there is an equation (complete or approximate), then the common border between the two countries is equally important for them. Otherwise it has a greater importance for one of the two countries. It must be stated that this method is used only for comparison between land borders or river borders, and the necessary initial information is shown in table №4.

Table 4: Length of the land borders of Bulgaria and its neighbours in km

Country Common border with Bulgaria Total length of its borders

Bulgaria - 1808

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Macedonia 148 766

Serbia 318 2322

Romania 608 2508

Greece 494 1222

Turkey 240 2648

Source: Central Intelligence Agency (CIA) – World Factbook, 2014.

34 Here, the total length of Bulgaria’s land borders (including the Danube) is designated by

S, the total length of the land borders of its neighbours is designated by S1, and the border between Bulgaria and all of its neighbours is designated by D (КОЛЕВ, 2008). When these symbols are replaced by the numbers, shown in the table, and the necessary calculations are made, one can see the following relations:

35 D (Bulgaria-Macedonia)= 148= 0,082and D (Bulgaria-Macedonia) = 148= 0,193.

36 S (Bulgaria) 1808 S1 (Macedonia) 766 37 Otherwise, 0,082 < 0,193, which means that the border between Bulgaria and Macedonia has a greater significance (more than two times) for Macedonia than for Bulgaria. This was proved during the embargo against former Yugoslavia. Regarding the border between Bulgaria and Serbia, the relation is as follows:

38 D (Bulgaria-Serbia)=318= 0,176and D (Bulgaria-Serbia) =318= 0,137.

39 S (Bulgaria) 1808 S1 (Serbia) 2322 40 Obviously, 0,176 > 0,137, which means that the common border is more important for Bulgaria than for Serbia. For the former, this is the shortest land road to Central and West Europe, and for the latter, it is the shortest way to Turkey, the Near and Middle East.

41 The calculation regarding the Bulgarian-Romanian border shows the following results:

42 D (Bulgaria-Romania)=608= 0,336and D (Bulgaria-Romania) =608= 0,242.

43 S (Bulgaria) 1808 S1 (Romania) 2508 44 Since 0,336 > 0,242, one can see that this border is more important for Bulgaria. Undoubtedly, this is true mostly for the Danubian part of the border which connects Bulgaria with many European countries not only to the West but also to the East.

45 A more interesting and unexpected result is seen regarding the Bulgarian-Greek border:

46 D (Bulgaria-Greece)= 494= 0,273 and D (Bulgaria-Greece) =494= 0,404.

47 S (Bulgaria) 1808 S1 (Greece) 1222 48 Since 0,273< 0,404, that means that the common border is more important for Greece than for Bulgaria. This could be explained with the fact that this longest part of the Greek land border gives that country the most important possibilities for cooperation not only with its neighbours but with the rest of the EU countries.

49 The calculation concerning the Bulgarian-Turkish border shows the following:

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50 D (Bulgaria-Turkey)=240=0,133 and D (Bulgaria-Turkey) =240= 0,091.

51 S (Bulgaria) 1808 S1 (Turkey) 2548 52 The inequality 0,133 > 0,091 makes it clear that the common border is more important for Bulgaria than for Turkey whose foreign trade is carried out mostly by sea. It is obvious that this border is the only connection between Bulgaria and the countries from the Near and the Middle East (КОЛЕВ, 2008).

Formation of the Bulgarian territory throughout the centuries.

53 In this respect, most important for the economic, political, and cultural development of the country is its crossroad location (on the border between Europe and Asia). Even during the time of The First Bulgarian State the country suffers from its geographic location and the historical conditions, being a neighbour of the Byzantine Empire which ruled over Bulgaria for about two centuries. The geographic and political situation on the change when they are conquered by the Turks. For centuries Bulgaria is dependent from the Ottoman feudal system which is characterized by strong central power. This feudal system slows down the Bulgarian social and economic development in comparison to other European countries. After the end of the 18th century the Bulgarian social development is strongly influenced by the so-called Eastern Question. For more than two centuries the Balkans and South-East Europe are a problematic area of rivalry between Russia and the Western Great Powers. The first official document which shows the borders of the Bulgarian political territory is the Sultan’s Decree from 1870 which establishes the Bulgarian Exarchy. The Bulgarian political borders are outlined again by the Great Powers after the April Uprising and the Constantinople Conference (1876-1877 г.). After the Russo-Turkish War (1877-1878 г.), the Preliminary Treaty of San Stefano determines the first official ethnic borders of the new Bulgarian state in whose territory is included Northern Bulgaria, including Southern Dobrudzha (as far as the line Cernavodă– Мangalia), and Southern Bulgaria – 160 000 km2 (Fig.№3).

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Figure 3: The Bulgarian territory according the resolutions of the Preliminary San Stefano Treaty and the Congress of Berlin

Source: Bulgaria-San Stefano (1878) byTodorBozhinov.png

54 At the Congress of Berlin (1878 г.), the Berlin Treaty is signed, which divides Bulgaria in two parts: (including Northern Bulgaria and the region around Sofia, covering an area of 63 000 square km), and Eastern Rumelia (a tributary subject of Turkey). After the Unification of Principality of Bulgaria with Eastern Rumelia, (covering an area of 98 000 square km), the Bulgarian borders are recognized by all Great Powers but the country has no exit to the Aegian Sea. After the Balkan War and the Treaty of London (1913), Turkey gives back to Bulgaria a territory of about 23 000 square km,and Macedonia is divided between Greece and Serbia. The region around the Mountains and the Western Outlands are annexed to Bulgaria, and its territory covers about 111 000 square km. The dissatisfaction in the country from the outcome of the Balkan War leads to a new war –the Second Balkan War in which Bulgaria is defeated. According to the judgments of the Treaty of Bucharest, Bulgaria is deprived of Southern Dobrudzha (7700 square km), Eastern Thracia, Aegian Macedonia, and the Western Outlands, and its territory is diminished to 103 000 square km. The Treaty of Neuilly-sur-Seine divides Bulgaria again and it is deprived of Southern Dobrudzha (which is given to Romania), the Western Outlands and Macedonia (given to Serbia), and Eastern Thrace (given to Greece). In this way, about 50 000 square km, inhabited by , are taken of Bulgaria. In 1940, Southern Dobrudzha is given back to Bulgaria (according the resolutions of the Treaty of Craiova). The Bulgarian territory spreads over 111 000 square km again. In the period between 1941 and 1945, Macedonia and Aegian Thrace are temporarily annexed to Bulgaria, but after the Treaty of Paris (1947) they are given back to Yugoslavia and Greece (ГЕОГРАФИЯ, 1997).

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55 After the end of the Cold War, the new geopolitical situation on the Balkans and in Europe leads to changes in the relations between the Balkan countries. Their borders and the border areas turn into zones of intensive cooperation. As a result, there is a process of regional (Balkan) and continental (European) integration of Balkan countries, including Bulgaria. This process is facilitated by Bulgaria’s membership in NATO and the EU.

BIBLIOGRAPHY

ГеографиянаБългария. Физическа и икономическагеография. София, АИ „МаринДринов“, 1997.

ГеографиянаБългария. Физическа и социално-икономическагеография, ФОРКОМ, София, 2002.

ДИМИТРОВ, Слави. ТрансграничнотосътрудничествомеждуИспания и Португалия, 2015 (In print).

ДРОНЧИЛОВ, Крум. Политическатаграница. In: Политическагеография и геополитика в оригинал. Класиците 1. Сборникотстатии. Съставители: М. Русев, Г. Рачев, София, 2003. КАРАСТОЯНОВ, Стефан. Политическагеография. Геополитика. Геостратегия. „Св. КлиментОхридски”, София, 1997.

КОЛЕВ, Борис. Националнотогеографскопространствона РепубликаБългария, „Херонпрес”, София, 2008.

НСИ (Националенстатистическиинститут), София, 2014. ПЕНИН, Румен. ПрироднагеографиянаБългария. „Булвест”, София, 2007.

Central Intelligence Agency (CIA) – World Factbook, 2014.

RATZEL, Friedrich. Politische Geographie. Munich et Leipzig, 1897.

ABSTRACTS

The article examines the geographic location of Bulgaria. The geographic location of a country can be astronomical, natural, economic, and political. It traces the changes in the territory of Bulgaria from 1878 until the end of World War II. The article features the borders of Bulgaria and its neighbors in economic and political perspective. This is useful, given the relations between Bulgaria and the neighboring countries: Romania, Serbia, Macedonia, Greece and Turkey. After the end of the Cold War, the new geopolitical situation in the Balkan and in Europe leads to changes in the relations between the Balkan countries. Their borders and the border areas turn into zones of intensive cooperation. As a result, there is a process of regional integration between Balkan countries, including Bulgaria, and from them with Europe also. This process is facilitated by Bulgaria's membership in NATO and the EU. The article used modern research methods, figures, tables and schematic map.

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O artigo examina a localização geográfica da Bulgária sob o ponto de vista astronômico e natural mas, principalmente, em termos econômicos e políticos a fim de retraçar suas mudanças territoriais entre 1878 a 1945 — incluindo suas relações com os vizinhos Romênia, Sérvia, Macedônia, Grécia e Turquia. Após o fim da Guerra Fria, a nova situação geopolítica internacional modifica o diálogo entre os países balcânicos. Suas fronteiras e áreas limítrofes tornaram-se zonas de intensa cooperação, e o resultado disto é um processo de integração regional (Balcãs) e continental (Europa), facilitado pela adesão da Bulgária à OTAN e à União Européia.

L'article examine l'emplacement géographique (sous le point du vue astronomique et naturel, mais surtout en termes économique et politique) de la Bulgarie à fin de retracer ses changements territoriales de 1878 à 1945 — y compris les relations avec ses voisins Roumaine, Serbie, Macécoine, Grèce et Turquie. Après la fin de la Guerre Froide, la nouvelle situation géopolitique internationale modifie le dialogue entre les pays des Balkans. Leurs frontières et leurs zones frontalières se transforment en espaces de coopération intensive, et le résultat c’est un processus d’intégration régionale (au niveau des Balkans) et continentale (au niveau de l’Europe) aidée par l'adhésion de la Bulgarie à l'OTAN et à l'Union Européenne.

El artículo analiza la situación geográfica de Bulgaria. La ubicación geográfica de um país puede ser astronómica, natural, económica y política. Traza los cambios en el territorio de Bulgaria desde 1878 hasta el final de la Segunda Guerra Mundial. Aún así, el muestra las fronteras de Bulgaria y de sus vecinos en una perspectiva económica y política. Esto es útil, dadas las relaciones entre Bulgaria y los países vecinos: Rumania, Serbia, Macedonia, Grecia y Turquía. Tras el final de la Guerra Fría, la nueva situación geopolítica em los Balcanes y en Europa lleva a los cambios en las relaciones entre los países de los Balcanes. Sus fronteras y las zonas fronterizas se convierten en zonas de intensa cooperación. Como resultado, hay un proceso de integración regional (Balcanes) y continental (europeo) de los países de los Balcanes, entre ellos Bulgaria. Este proceso se ve facilitado por la pertenencia de Bulgaria en la OTAN y la UE.

INDEX

Mots-clés: géographie, Guerre Froide, Union Européenne, OTAN, voisinage des Balkans. Palavras-chave: geografia, Guerra Fria, União Européia, OTAN, vizinhança balcânica. Palabras claves: geografía, la Guerra Fría, la Unión Europea, la OTAN, los vecinos de los Balcanes Keywords: geography, Cold War, European Union, NATO, Balkans neighbors.

AUTHOR

SLAVI DIMITROV Ph. D. Associate Professor in the St. Cyril and St Methodius University of Veliko Turnovo, Bulgaria. Email: [email protected]

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Macaé e a sustentabilidade do projeto de “capital nacional do petróleo” Macaé and sustainability of the project "national oil capital" Macaé et la sustentabilité du projet de la “capitale nationale du pétrole” Macaé y la sustentabilidad del proyecto de “capital nacional del petroleo”.

Jorge Adalberto Aziz da Silva, Beatriz Rohden Becker e Rodrigo Lemes Martins

Introdução

1 As transformações ocorridas em Macaé e em sua área de influência a partir dos anos 80 traduzem o poder de uma das indústrias que se firmou como a base energética de vários países, por influência de algumas potências imperialistas, redefinindo o ordenamento territorial, a estrutura sócioeconômica, institucional e ambiental. Esse movimento historicamente angariou esforços na produção de um modelo de território e suas fronteiras, pensada por uma representação que produz uma série de expectativas e estímulos, na configuração subjetiva de um “projeto”. No entanto, qualquer modelo por si só requer, em sua hipótese, a ideia de riscos ou fracasso, ou seja, do contraditório que denotam a sustentabilidade de tal proposta.

2 Dentro dessa perspectiva, o projeto “Macaé, Capital Nacional do Petróleo”, como conceito ou modelo de território pensado e projetado para a cidade de Macaé, deveria considerar índices que denotam sustentabilidade (LOUREIRO et al., 2014), garantindo sua reestruturação como um veículo para a humanização da economia e desenvolvimento do tecido social nos seus componentes humanos e culturais, o que permitiria uma capacidade de ajuste, ou mesmo de reconversão, e sem dúvida de antecipação proativa das evoluções (BERKES et al., 2003; GUNDERSON e HOLLING, 2002).

3 A abordagem de desenvolvimento sustentável deixou de ser teórica e passou a ser central na definição das políticas públicas em nível federal, estadual e municipal (IDS-

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IBGE, 2010 e 2012), o que pressupõe que cada território deva construir, por meio de sua dinâmica interna, seus próprios modelos de desenvolvimento. Nesse sentido, o conceito tem implicações a partir das construções das representações sociais dos diversos atores de uma comunidade territorial que, neste caso, pode ser um município, pois a experiência de êxito de um projeto de desenvolvimento local de um território pode muito bem fracassar em outro território.

Objetivo e metodologia do trabalho

4 Este trabalho tem por objetivo avaliar as limitações à sustentabilidade do projeto caracterizado pelo slogan “Capital Nacional do Petróleo” e as dificuldades na proposição de modelos de avaliação por meio de indicadores (LOUREIRO et al., 2014).

5 Como metodologia foi utilizada a pesquisa exploratória envolvendo levantamento bibliográfico (GIL, 2011), metodologia mais relacionada com o problema a ser analisado, o fenômeno observado e o objetivo proposto (MARCONI e LAKATOS, 2008). Os trabalhos utilizados foram elencados com base nas contribuições relativas ao planejamento ambiental sustentável e mudanças ocasionadas pelo desenvolvimento da indústria petrolífera na região do Norte Fluminense, incluindo relatórios e sites oficiais do governo Estadual e Municipal.

6 Como base de dados para proposição dos indicadores foi utilizado, como referência, os documentos produzidos por institutos de pesquisa oficiais do governo Federal e Estadual como o:Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Fundação Centro Estadual de Estatísticas, Pesquisas e Formação de Servidores Públicos do Rio de Janeiro (CEPERJ), Fundação Centro de Informações e Dados do Rio de Janeiro (Fundação CIDE) e Tribunal de Contas do estado do Rio de Janeiro (TCE-RJ). Os relatórios produzidos por estes órgãos e seus indicadores que resumem, inclusive, dados da cidade de Macaé, foram utilizados como referências para proposição de órgãos ou entidades que poderiam fornecer as informações para compor os indicadores para avaliação da sustentabilidade do modelo de território intitulado “Macaé, Capital Nacional do Petróleo”.

A construção do modelo de território

7 A identidade da cidade de Macaé está associada à economia do petróleo por meio do slogan de “Capital Nacional do Petróleo”, retórica que impregna o discurso dos atores sociais e representantes da classe política local. Esses atores que, de alguma forma exercem o poder decisório sobre a política de estruturação do território e que assumiram Macaé como Capital Nacional do Petróleo com propósitos políticos desenvolvimentistas1, incluem representações da Indústria do Petróleo, a Organização dos Municípios Produtores de Petróleo - OMPETRO, criada por ocasião da I Feira Brasil Offshore, em 2007, e a representação do Comércio e Indústria Local – ACIM.

8 As ideias e/ou ideais implícitos no slogan de “Capital Nacional do Petróleo” abrangem então um coletivo em uma militância política para demarcação de relações de poder, traduzindo em uma regulação das relações entre diversos atores sociais e agentes políticos, forjando os mecanismos de controle social e estabelecendo-se de forma

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hegemônica sobre possíveis aliados (HAESBAERT, 2007; MOREIRA, 2007; LIMA, 2007; BARBOSA, 2007).

9 A construção impetrada pelo grupo que formula o conceito inclui, de forma implícita no discurso, uma configuração espacial geográfica da região ou território marcada pela percepção humana. Para Rosset (1989): “É região tudo o que, em um certo momento e de um certo ponto de vista, se apresenta ao espírito humano como constituindo um certo conjunto. Tudo o que se pensa é assim de ordem necessariamente regional, e toda filosofia de caráter necessariamente regionalista: reconhecendo que tudo o que existe constitui a soma de um certo número de conjuntos - pedras, ideias, sentimentos - cujas fronteiras são às vezes·(e mesmo sempre) mal delimitada, mas que não são menos regiões relativamente autônomas.” (ROSSET, 1989; p. 123).

10 Assim, o conceito de região pode ser entendido em dois sentidos opostos, no primeiro a região ou território pode ser pensado em referência a uma centralidade desenvolvida para diferenciar-se dentro de uma área de influência, talvez invisível e incognoscível, mas que tudo nela designa (ROSSET, 1989). No segundo sentido, a região é pensada em referência a outras regiões, assegurando o limite entre uma ordem e outra, sendo preciso, com efeito, distinguir entre o que pertence a essa ordem e o que pertence a essa outra ordem, ao agrupar todos os componentes de uma “natureza” sob a dependência comum de um princípio centralizador. Neste conceito, os elementos subjetivos interagem de forma simbólica entre a substância comunicativa do discurso e o agir territorial, funcionando como uma forte fé ou um credo na produção de regionalismos e sustentando a qualidade das relações no interior de uma comunidade (GOTTMANN, 1950; MUSCARÁ, 2009). Ou seja, forma identidades regionais ou nacionais, marcadamente relacionada à vida em comum, com um conjunto de interesses, hábitos e crenças comuns.

11 Alinhando o slogan de “Capital Nacional do Petróleo” com o conceito de território pretende-se enfatizar uma dupla conotação material e simbólica de apropriação. No primeiro caso, trata-se de uma apropriação objetiva, tal como a propriedade privada, de domínio jurídico-político. No segundo caso, trata-se de uma apropriação simbólica do que a primeira representa, ou as relações de poder imanente do controle social, pois o território está imerso em um conjunto de relações sociais de dominação e de apropriação do espaço da sociedade, como afirma Haesbaert (2007), desdobrando-se do controle político-econômico ao controle cultural-simbólico das múltiplas formas que este se configura nas representações sociais. Engloba também a multiplicidade de poderes nele incorporados através dos múltiplos sujeitos envolvidos, tanto no sentido de quem sujeita, quanto de quem é sujeitado.

12 Ao se distinguir um território, devemos reconhecer e identificar aqueles que o constroem, sejam eles indivíduos, grupos sociais, instituições e empresas, representação denominada de territorialidade2, que, por meio da territorialização, pretende influenciar, controlar pessoas, bens, e serviços, assim como relacionamentos (HAESBAERT, 2007). A história mostra que esta territorialidade resulta do voluntarismo de coletividades humanas, influenciada por certa leitura das realidades, na definição de um projeto de território que pretende influenciar essa leitura.

13 O ressurgimento da região ou território como foco central de vantagens competitivas e inovadoras, a partir da década de 1970, pode ser ilustrado pelo sucesso de algumas experiências de economias regionais e distritos industriais como a região do Vale do Silício na Califórnia ou Baden-Württemberg na Alemanha, exemplos cujo dinamismo se

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fundamentou existência de importantes ativos locais (LASTRES et al., 2000). Via-se que a aglomeração de empresas ampliava suas chances de sobrevivência e crescimento, constituindo-se em relevante fonte geradora de vantagens competitivas, oriundas da proximidade geográfica dos agentes, incluindo acesso a matérias-primas, equipamentos, mão-de-obra e outros serviços produzidos.

14 No entanto, é importante perceber que o território, como referencial estruturante, também é fruto das perspectivas construídas pela leitura das realidades e que esta guarda uma certa inércia do assim chamado paradigma científico analítico-reducionista (VON BERTALANFFY, 1968). Esse paradigma cria uma noção de êxito sintetizada pelo conceito de desenvolvimento que, no contexto puramente físico preconiza a transformação do ambiente natural e à produção de estruturas que nos afastavam da natureza, nos colocando diante de constructos humanos, como a cidade e a indústria (PORTO-GONÇALVES, 2006). A partir dessa premissa, decorreram inúmeros impactos ambientais negativos e uma série de dificuldades na resolução de diferenças e conflitos sociais, criando-se um quadro de tensões, solucionado somente pela consideração de todos os modelos de território, de sua diversidade e de seus traços distintivos, que incluem suas potencialidades e complementaridades. O desenvolvimento territorial deveria buscar, ao seu modo, assegurar a satisfação das necessidades fundamentais – materiais e intangíveis – das populações, e perseguindo ao mesmo tempo os objetivos de equidade social, de respeito à natureza, de inovação econômica e social e de participação democrática (JEAN, 2010).

15 Essas tensões demandaram que a questão social fosse colocada como variável transversal em qualquer programa ou projeto (MARTINS et al., 2012) e o desenvolvimento, considerado por muito tempo como um valor universal, comumente admitido e tido como meta das sociedades modernas, se tornou muito questionado, demandando a criação de dispositivos locais e regionais de gestão de recursos que articule adequadamente uma pluralidade de espaços de desenvolvimento e permita que um projeto de território alcance um estado de resiliência3. Ou seja, passe a incorporar processos que garantam sua melhor adaptação e aprendizagem, percebendo que a mesma está acoplada em um sistema sócio ecológico e, acima de tudo, mantendo, de forma dinâmica, sua existência (BRUNO, 2010).

Revendo o desenvolvimento

16 O insucesso da noção de desenvolvimento, êxito e progresso em parte se deve ao fato destes conceitos estarem ligados à noção econômica neoclássica que não consegue lidar com as externalidades causadas pelo modelo de produção. Externalidades essas que terminam sendo distribuídas socialmente afetando todos os projetos de território. A ONU, que não é propriamente uma organização contrária ao desenvolvimento, afirma em seu relatório sobre economia verde: “Os indicadores econômicos convencionais, tais como o PIB, proporcionam uma imagem distorcida para o desempenho econômico, especialmente uma vez que tais medidas não refletem a extensão com a qual as atividades de produção e o consumo podem estar drenando o capital natural. Como a atividade econômica normalmente se baseia na desvalorização do capital natural em termos de abastecimento, regulamentação ou serviços culturais, isso está causando o esgotamento dos recursos naturais e acabando com a habilidade dos ecossistemas de fornecerem benefícios econômicos.”(PNUMA, 2011; p. 5).

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17 Seguindo a lógica da desvalorização do Capital Natural, Morin (2008) cita que, no processo de transformação da matéria ou mesmo no processo de degradação da energia, há uma valoração unilateral/direcional da transformação, tida como progresso, porém não apresenta a dimensão total da realidade, sendo esse, um aspecto do devir, mas não o único. Assim a ideia de desenvolvimento conforme o paradigma científico analítico-reducionista resulta em uma série de subprodutos regressivos ou destrutivos que podem, num dado momento, tornarem-se os produtos principais e aniquilar o processo. Torna-se necessário portanto, uma revisão na ideia de progresso e, consequentemente, a do desenvolvimento nele implícito, abandonando a noção de linearidade, simplicidade, segurança e irreversibilidade e tornando-se complexa e problemática. Ou seja, a noção de progresso deve comportar autocrítica e reflexividade.

18 O discurso do desenvolvimento econômico, produzido e difundido pelos países centrais capitalistas, profundamente arraigado durante o contexto da Guerra Fria, passa a ser substituído, a partir dos anos 70, pelo “discurso da sustentabilidade” (SILVA, 2008). A ideia de sustentabilidade revê as questões relacionadas com desenvolvimento e progresso, pelo menos na sua definição desenvolvida a partir do início da década de 90, mais precisamente depois da Eco92, com um significado fortemente associado às discussões sistêmicas globais, reconhecendo as mudanças nas relações existentes entre o ambiente natural e as atividades humanas (STEFFEN et al., 2004). A discussão sobre desenvolvimento sustentável surge como uma preocupação em travarmos uma nova relação com os recursos naturais, na qual os efeitos das atividades humanas permanecem dentro de limites que não deterioram a saúde e a integridade de sistemas auto organizados que fornecem o contexto ambiental para essas atividades (NORTON, 1992). Dessa forma as questões socioambientais devem, necessariamente, ser abordadas de um ponto de vista sistêmico integrando perspectivas ambientais, econômicas e sociopolíticas em interação dinâmica, considerando que um sistema é sempre maior que a soma de suas partes (ROSNAY, 1975). Cabe observar que até a década de 90, especialistas envolvidos na concepção dos sistemas ambientais, mantinham a ideia de que mudanças ambientais são passiveis de previsão e controle. Essa mentalidade ainda se mantém dentre os tomadores de decisão, nos processos de licenciamento, gestão ambiental e ordenamento territorial. A superação das limitações do pensamento linear exige lucidez na aceitação de incertezas inescapáveis que cercam a dinâmica dos sistemas sócio ecológicos, implicando o abandono de enfoque de planejamento e gestão centrado na expectativa de retorno a suposto equilíbrio (BERKES et al., 2003).

19 A forma de pensamento sistêmica se diferencia do modelo linear, baseado no reforço positivo gerado pelo resultado, e começa a adotar uma perspectiva de sobrevivência, o que só pode ser possível considerando aspectos interacionais, com foco nos seguintes aspectos: diversidade, incerteza, complexidade, relações de interdependência e processos adaptativos, que ocorrem nos sistemas sócio ecológicos em interação com seus ambientes (CAPRA, 2006). Olhar as organizações da sociedade como subsistemas assimétricos significa considerar que os indivíduos/atores sociais desempenham papéis diferenciados, de forma que as tensões são geradas e trocam energia, matéria e informação, movendo as organizações e os diferentes subsistemas humanos e não humanos e redefinindo seus próprios propósitos.

20 A noção de interdependência não é oposta ou desconexas à noção de poder, conflito e dominação, uma vez que alguns agentes são mais indutores e outros mais induzidos, porém, o resultado é fruto de interações muito complexas – como produtos de síntese

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dos conflitos e lutas de poder. Em síntese, na abordagem sistêmica, as organizações se constituem em redes - melhor ainda, teias, considerando os aspectos culturais - onde cada indivíduo/ator social (indivíduo, organização, Estado, empresa) responde de forma autônoma, como resultado de múltiplos enlaces e das relações de interdependência com os outros. As tensões e trocas entre matéria, energia e informação, deflagram em momentos de grandes mudanças e estresse e posteriormente adaptações com diferentes graus de entropia e resiliência, o que implícita a hipótese de que os sistemas tendem a se reorganizar – com base em circuitos de retroalimentação negativa e positiva - num processo aberto de crescimento, evolução e renovação (BERKES et al., 2003; GUNDERSON e HOLLING, 2002).

21 Resiliência é um conceito que ganha expressão na abordagem sistêmica, que compreende de forma simplificada, a plasticidade ou capacidade de absorção de distúrbios e adaptação às surpresas. Supera-se à noção de usual controle: o meio ambiente deve ser gerido não em função da quantidade de recursos que ele é capaz de produzir, mas da necessidade de, previamente, manter em boa saúde os processos ecossistêmicos, preservando-se ao máximo possível sua diversidade, variabilidade, flexibilidade e adaptabilidade (OSTROM, 2007).

22 A abordagem sistêmica está refletida na criação de modelos com uma dialética que se estabelece entre diversas escalas de planejamento e gestão (local e global), que permitem a compreensão da singularidade do comportamento dos sistemas sócio ecológicos, num contexto histórico marcado pela aceleração dos processos de mudanças e interconexão planetária. Como exemplo podemos citar o modelo Panarquia, que trata a resiliência como capacidade de se retroalimentar dinamicamente e, dessa forma, enfrentar distúrbios em todas as fases do ciclo mobilizando recursos necessários para reconfigurar o sistema. Enfim, os sistemas são tratados como ciclos próprios abertos ao meio ambiente, em termos de matéria, energia e informação, porém podem ser considerados uma totalidade estruturada em níveis hierárquicos de organização onde a informação tem função central na sua dinâmica, pois traduz a memória dos sistemas que permite o desenvolvimento da resiliência (GUNDERSON e HOLLING, 2002).

23 Enfim, não se pode pensar um projeto de desenvolvimento local, sem que este seja pensado na sua complexidade, no sentido de, ao produzir objetivamente ou não respostas às pressões dos mecanismos de troca de matéria e energia (informação), incorporá-las na reconfiguração do sistema, sem desconsiderar qualquer uma de suas escalas sociais e ambientais. Essas múltiplas dimensões e abordagens, no entanto, dificulta a criação de sistemas de retroalimentação e reconfiguração do sistema, pois demanda sistemas eficientes de informação (VAN BELLEN, 2006; LOUREIRO et al., 2014).

Ferramentas para avaliação

24 Informação pode ser entendida como a aquisição de conhecimento em um dado contexto ou redução de incerteza sobre algo - apenas existe em movimento - troca e aquisição - enquanto essa puder reduzir incertezas. Portanto ela resulta de mudanças e da forma como essas mudanças são percebidas na forma de sinais ou dados, dependendo da sensibilidade de quem as observa. Como as incertezas variam entre os indivíduos e/ou atores sociais e organizações, a sua redução depende de quem codifica e decodifica a informação. Ao mesmo tempo, a partir do momento que a mesma é

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decodificada o autor da decodificação perde o controle sobre as interpretações ou das intenções que lhes podem ser imputadas (ROCHA NETO, 2003).

25 A redução das incertezas e, consequentemente, a qualidade da informação pode ser medida pela razão entre o número de possibilidades favoráveis de ocorrências de um dado evento informado em relação ao número total de resultados possíveis. Se o resultado é conhecido a priori, não há redução de incertezas, e a quantidade de informação é nula. Por outro lado, quanto mais igualitária a probabilidade de ocorrência de um evento, sem tendências definidas, dentre um número finito de possibilidades, maior a incerteza e maior a informação contida na verificação de uma das possibilidades.

26 A informação somente existe enquanto reduz incertezas sendo necessário qualifica-las, sistematiza-las em conhecimentos. O conhecimento é o registro ou história das informações, em um determinado contexto, formando assim um conjunto sistematizado de incertezas resolvidas. A sistematização, visando diminuir a imprevisibilidade, necessita de uma série de construções de enquadramento teórico, visando ressaltar qualidades mais ou menos explícitas construídas teoricamente para compreender melhor a realidade. Uma forma de sistematização do conhecimento descritivo do estado ou de uma resposta, temporalmente definida, é a definição de indicadores (SANTOS, 2004).

27 O conceito de indicador pode ser descrito como algo que indica ou serve para indicar; indicar, aqui, significa dar a entender ou significar uma coisa com indícios e sinais. Não devem ser confundidos, no entanto, com variáveis ou parâmetros, pois estes são meramente descritivos, enquanto um indicador inclui uma significação que o enriquece em entendimentos técnicos, políticos, sociais (GALLOPÍN, 1997). Além disso, um indicador pode ser a expressão de um conjunto mais ou menos integrado de variáveis. Segundo Cardoso (2002) os indicadores são construções teóricas elaboradas como mediadores da realidade percebida (difícil de ser compreendida), ou seja, exprimem e são limitadas pela forma de cognição dos acontecimentos e pela linguagem.

28 Os indicadores de desenvolvimento sustentável são, presentemente, utilizados para fundamentar as tomadas de decisão aos mais diversos níveis e nas mais diversas áreas (DGA, 1999). Por todo o mundo surgem iniciativas e projetos com vista à definição de indicadores de desenvolvimento sustentável para um variado leque de finalidades de gestão, ao nível do desenvolvimento local, regional e nacional, como exemplo Pegada Ecológica, Índice de Sustentabilidade Ambiental, Dashboard de Sustentabilidade, Indicador de Progresso Genuíno, Índice de Desenvolvimento Humano, Índice Planeta Vivo, entre outros (VAN BELLEN, 2006; MORI e CHRISTODOULOU, 2012).

29 Os indicadores, ao simplificar a informação sobre fenômenos complexos de modo a melhorar a comunicação, têm sido alvo de críticas nos fóruns técnico/científicos. Para serem úteis, os indicadores escolhidos devem refletir o significado dos dados na forma original, satisfazendo, por um lado, a conveniência da escolha e, por outro, a precisão e relevância dos resultados. Alguns critérios podem presidir o processo de seleção de índices (DGA, 1999), sendo eles: existência de base dados; possibilidade de intercalibração; possibilidade de comparação com critérios legais ou outros padrões/ metas existentes; facilidade e rapidez de determinação e interpretação; grau de importância e validação científica; sensibilidade do público alvo; custo de implementação; e possibilidade de ser rapidamente atualizado.

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30 Diversos autores defendem a importância de modelos que sistematizem conjuntos de indicadores e representem as relações de causa e efeito, explicitando os âmbitos que os elegeram (SANTOS, 2004). Em todos os casos de aplicação de índices, o seu poder comparativo, ao ser usado como padrões e/ou metas pré-definidas é, sem dúvida, a virtude mais atrativa. Sob o enfoque do desenvolvimento sustentável eles expressam metas, como o respeito a capacidade suporte do ambiente e às necessidades humanas básicas, por exemplo.

31 O modelo mais citado em planejamento sustentável é o Pressão-Estado-Resposta (PER), assumido como referência pelos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) (OECD, 1998). O modelo PER alinha os indicadores em uma estrutura de causa e efeito, incluindo a informação como o componente de ligação e retroalimentação dos sistemas, e avaliando a resiliência aos sistemas. No modelo, representado na Figura 1, as atividades humanas produzem pressões (e.g. emissões de contaminantes) que podem afetar o estado do ambiente, que leva à sociedade a apresentar respostas a esses problemas, por meio de políticas ambientais, econômicas e setoriais, visando corrigir rumos supostamente negativos da ação humana.

Figura 1: Estrutura do modelo Pressão-Estado-Respostada Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico visando a definição de indicadores comuns de desenvolvimento sustentável.

Fonte: Adaptado de Santos (2004).

32 Os sistemas de indicadores de sustentabilidade da OCDE, ao permitir avaliar questões socioambientais, se destacam dos sistemas que são majoritariamente baseados na avaliação dos aspectos ambientais. Não obstante atendem ao preconizado pela Organização das Nações Unidas, nomeadamente a sua Comissão para o Desenvolvimento Sustentável, ao permitir a avaliação de aspectos sociais, econômicos e institucionais em diferentes escalas, integrando-os ou focando determinado aspecto.

33 Uma parte considerável da informação necessária para uma avaliação coerente da sustentabilidade de projetos de território, de forma a considerar a horizontalidade implícita no conceito de sustentabilidade (incluindo aspectos ambientais, sociais, econômicos e institucionais) e seguindo o modelo da OCDE já é produzida para

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composição do Índice de Desenvolvimento Social (IDS), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IDS-IBGE, 2012).

34 A título de demonstração, e a partir dos dados utilizados para a construção do Índice de Desenvolvimento Social do IBGE, listou-se em uma tabela (Tabela 1) alguns dos indicadores possíveis para avaliação do projeto de desenvolvimento territorial de Macaé. Nesta tabela inclui-se o esforço de avaliar indicadores ambientais, sociais, econômicos e institucionais conforme os blocos preconizados pela OCDE para avaliação da sustentabilidade, sendo estes:

35 - Pressão - caracterizam os indicadores de impacto sobre os sistemas e inclui dados sobre a emissão de contaminantes, intervenção no território, impacto ambiental, número de famílias afetadas, etc.;

36 - Estado – abarcam os dados que se relacionam ao impacto sobre as atividades humanas, processo e padrões, sendo estes a força condutora ou os que deflagram o conflito (sensu ZHOURI e LASCHEFSKI, 2010) num dado horizonte espaço/tempo;

37 - Resposta - avaliam as respostas da sociedade às alterações, bem como à adesão a programas e/ou à implementação de medidas em prol do ambiente; podem ser incluídos neste grupo as ações que visam minimizar efeitos, os indicadores de adesão social, de sensibilização e de atividades de grupos sociais importantes.

Tabela 1: Possíveis indicadores para avaliação da sustentabilidade do modelo de território intitulado “Macaé, Capital Nacional do Petróleo”.

INDICADORES AMBIENTAIS

TIPO SETOR INDICADORES

PRESSÃO Captação de água subterrânea e superficial1, 15

Consumo de água2 ÁGUA DOCE Eficiência dos sistemas de abastecimento de água1, 12

Produção de águas residuais8, 12, 17

Consumo de substâncias que afetam a camada de ozônio8, 12,14

Emissão de compostos orgânicos AR voláteis12, 14

Emissão de gases de efeito de estufa12, 14

BIODIVERSIDADE Desmatamento12

Produção de resíduos12, 17

RESÍDUO

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Produção de resíduos por setor da atividade econômica12, 17

Área de solo agrícola irrigado12

Consumo/utilização de fertilizantes SOLO agrícolas comerciais (NPK)12

Consumo/utilização de pesticidas agrícolas12

Disponibilidades hídricas12

População com acesso à água potável regularmente monitorada2

ÁGUA DOCE Qualidade da água para consumo humano2, 12, 17

Qualidade das águas subterrâneas12

Qualidade das águas superficiais12

Qualidade do ar12 AR ESTADO Temperatura média do ar13

Área de florestas remanescentes12

BIODIVERSIDADE Áreas protegidas9, 11, 12

Fauna e flora ameaçada de extinção12

Percentagem de lixo reciclado RESÍDUO corretamente destinado12, 17

Solo contaminado12 SOLO Uso do solo7, 12,

RESPOSTA Eficiência dos sistemas de drenagem e tratamento de águas residuais4, 15

Investimento e despesa na preservação ambiental de sistemas de água doce4, 15 ÁGUA DOCE População servida por sistemas de drenagem e tratamento de águas residuais12, 15

Reutilização de águas residuais tratadas15

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Investimento e despesa na redução AR da poluição atmosférica15

Áreas protegidas com plano de manejo9, 12

BIODIVERSIDADE Investimento e despesa pública e privada na conservação da natureza5

Reflorestamento12

Investimento e despesa na gestão de resíduos12, 17

Tratamento e destino final dos RESIDUO resíduos12, 17

Valorização e reutilização por classe de resíduo12, 17

Investimento e despesa na SOLO preservação ambiental do solo12

Fauna e flora ameaçadas protegidas12

BIODIVERSIDADE Grau de vigilância das áreas protegidas9, 12

INDICADORES ECONOMICOS

TIPO SETOR INDICADORES

Custos de manutenção16 ECONOMIA Dívidas17

ENERGIA Consumo de energia17

INDÚSTRIA Indústrias19 PRESSÃO Intensidade de tráfego21 TRANSPORTE Veículos em circulação21

Intensidade turística19 TURISMO Sazonalidade turística19

ESTADO Resultado nominal primário16 ECONOMIA Valor adicionado fiscal16

Consumo de energias renováveis17 ENERGIA

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Intensidade energética17

Acidentes rodoviários21

Carga transportada, por modo de transporte21 TRANSPORTE Estrutura da rede viária21

Transporte de passageiros, por modo de transporte21

Capacidade de alojamento19 TURISMO Turismo de espaços rurais19

Preços reais dos vários modos de RESPOSTA TRANSPORTE transporte de passageiros16, 21

INDICADORES SOCIAIS

TIPO SETOR INDICADORES

EDUCAÇÃO Taxa de analfabetismo20 PRESSÃO EMPREGO Taxa de desemprego23

CULTURA Bibliotecas públicas e utilizadores6

População que completou o ensino EDUCAÇÃO secundário3

EMPREGO Estrutura do emprego por setores23

Densidade populacional22

ESTADO Esperança média de vida22

SAUDE Taxa de mortalidade infantil22

Taxa de mortalidade materna22

Taxa de natalidade22

Beneficiários ativos de todos os SEGURIDADE regimes e pensionistas10, 11

RESPOSTA EDUCAÇÃO Despesa pública com a educação16, 20

SAUDE Crianças que são vacinadas contra as doenças infecciosas até perfazerem 1 ano de idade22

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Despesa total com a saúde22

Enfermeiros22

Hospitais e centros de saúde22

Médicos22

Despesa pública total em proteção SEGURIDADE social16

INDICADORES INSTITUCIONAIS

TIPO SETOR INDICADORES

Acesso às redes globais de comunicação18 ESTADO INSTITUIÇÕES

Consumo de jornais18

Agenda 21 (local)1, 4

Conselho municipal de meio ambiente4, 17

Contabilidade ambiental4, 17

Despesa em investigação e desenvolvimento16

RESPOSTA INSTITUIÇÕES Emprego na área de ambiente17

Implementação nacional dos acordos globais ratificados2

Sistemas de gestão ambiental/ certificação de sistemas de gestão ambiental4, 17

Titulares de diplomas universitários3, 20

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(1) Agenda 21; (2) Companhia Estadual de Agua e Esgoto; (3) Conselho Municipal de Educação; (4) Conselho Municipal de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável; (5) Estado; Município e União; (6) Fundação Macaé de Cultura; (7) Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE); (8) Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis; (9) Instituto Chico Mendes de Biodiversidade; (10) Instituto de Previdência dos Servidores do Município de Macaé; (11) Instituto de Previdência Estadual; (12) Instituto Estadual do Ambiente; (13) Laboratório de Meteorologia (LAMET) da Universidade Estadual Norte Fluminense; (14) Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas; (15) Prefeitura Municipal de Macaé; (16) Secretaria de Fazenda; (17) Secretaria Municipal de Ambiente; (18) Secretaria Municipal de Comunicação; (19) Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico e Tecnológico; (20) Secretaria Municipal de Educação; (21) Secretaria Municipal de Mobilidade Urbana; (22) Secretaria Municipal de Saúde; (23) Secretaria Municipal de Trabalho e Renda.

Fonte: realização dos autores.

38 O exercício de proposição de indicadores é mais simples do que propriamente enquadrá-los na estrutura do modelo PER, pois ao fazê-lo inclui-se questões interpretativas que dificultam definir um indicador dentro de um único fator de causalidade, podendo o indicador ser encarado eventualmente como pressão ou resposta, como exemplo podemos citar o indicador Ambiental “Eficiência no uso da água”.

A dificuldade de aplicação prática dos indicadores

39 A aplicação prática dos indicadores demonstra mais do que problemas conceituais na organização dos mesmos em uma matriz eficiente de avaliação. A obtenção dos dados e/ou informações que abasteceriam o modelo demandaria um esforço conjunto e integrado de gestores públicos e também o fortalecimento da política de transparência, para que estes forneçam e/ou produzam parâmetros úteis à análise.

40 Sobre esse tema, em 2001, a prefeitura de Macaé criou o “Programa Macaé Cidadão” que tem como meta ser a principal ferramenta de planejamento e ação utilizada para as decisões estratégicas relacionadas ao desenvolvimento de Macaé, funcionando como um banco de dados sociais e econômicos em integração com órgãos como, Ministério Público, Ministério do Trabalho, IBGE e Instituto Estadual do Ambiente (Inea). O órgão tem se incumbido da publicação de estudos que representam a consolidação de informações obtidas (sendo a última publicação o ANUÁRIO DE MACAÉ, 2012). Porém, tanto no site como nas publicações, percebe-se a ausência de informações atualizadas referente às atividades exercidas pelos órgãos e entidades públicas, a política dos órgãos, além de informações sobre a implementação, metas, resultados e indicadores dos programas da Prefeitura, conforme preconizado pela Lei 12.527/2011 (Lei de Acesso à informação), de 18/11/2011. As limitações ainda são maiores se considerada a dificuldade de obter informações sistemáticas sobre o funcionamento de Conselhos e outros espaços de representação, nem sempre alinhados com o projeto hegemônico de “Capital Nacional do Petróleo”.

41 Em 2014, a Prefeitura de Macaé deu início a um novo projeto, “Macaé por você” dessa vez com objetivos mais claros de aumentar a eficiência e a produtividade da gestão municipal, o que poderia representar um passo importante na sustentabilidade de

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“projetos estratégicos”. Esse projeto propõe implantar, até 2015, uma plataforma para coleta de dados e promoção de uma gestão informatizada que favoreça a “implantação de um modelo de desenvolvimento gerador de prosperidade para todos e sustentável a longo prazo” (Prefeitura de Macaé ou o Debate). Alguns detalhes sobre a metodologia de coleta dos dados, de forma digital, já foram divulgados pela empresa contratada, assim como o foco dos produtos e a ênfase na definição de estratégicas, indicadores e metas para a gestão da cidade a curto, médio e longo prazo.

42 Percebe-se, portanto, que a cidade de Macaé tenta criar os meios necessários para impetrar um processo de avaliação do modelo, dentro do processo de desenvolvimento desse projeto hegemônico. O que não fica claro ainda, na atual fase de desenvolvimento do projeto, é a forma que os indicadores serão tratados, o que representaria a transparência desejada uma vez que na definição dos índices e no tratamento dos dados encontram-se embutidos uma série de pressupostos que nem sempre estão alinhados à criação de uma política que garanta a criação de políticas efetivas para lidar com conflitos, garantindo a integração de interesses particulares dos diferentes projetos de território e a qualidade do ambiente. Segundo Loureiro et al. (2014), a adoção de um modelo que garanta um maior equilíbrio no desenvolvimento de projetos territoriais distintos passaria necessariamente pela: “..maior participação dos “atores coletivos locais” no planejamento e no processo decisório das políticas de desenvolvimento econômico do território, o que parece estar longe de ter ocorrido no caso de Macaé e da região Norte do Estado do Rio de Janeiro.” (LOUREIRO et al., 2014; p. 209).

43 Na “contra mão” do esperado em um modelo de desenvolvimento que garantisse uma maior participação dos diversos setores e seus respectivos projetos, em 2015 a Secretaria de Desenvolvimento Econômico e Tecnológico de Macaé apresentou uma iniciativa para promover o crescimento da cidade e o aumento do investimento local junto a iniciativa privada que, além de representar uma duplicação de esforços na produção de dados que funcionariam como indicadores ainda pretende gerar um modelo de desenvolvimento limitado a visão desse grupo. Essa iniciativa foi impetrada com o nome de Pacto para o Desenvolvimento Integrado de Macaé – PDI Macaé e será executada tecnicamente por uma Organização Não Governamental (ONG), com título de Utilidade Pública Federal, visando aprimorar o relacionamento entre a Prefeitura de Macaé e as indústrias do município e a criação de novas parcerias entre o Poder Público e o Setor Privado, com vistas a aumentar o aporte de investimentos privados. No site da prefeitura percebe-se que o projeto pretende criar fóruns de debate e espaços de diálogo com a comunidade, como uma espécie de loci privilegiado para identificar que tipo de ordem social e política é possível estabelecer, garantindo o estabelecimento de novas empresas e o aumento de receita do município.

44 Segundo Harvey (1994) as novas configurações do capitalismo assumidas a partir da expansão global do neoliberalismo, na década de 70, criou a estrutura necessária para que os governos de diferentes esferas de atuação, federativa, estadual ou municipal, promovessem rearranjos que favorecem a instalação de empresas, garantindo a abertura de postos de trabalho e, principalmente, maior receita tributária. Os incentivos à implantação de grandes projetos, tanto de infraestrutura quanto industriais, têm sido uma medida adotada por governos brasileiros como meio de alcançar o chamado desenvolvimento econômico (MARTINS, 2013), comumente com violações de instrumentos normatizadores legais (MÉSZÁROS, 2014).

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45 Não se trata de advogar aqui para que se ignore a importância do setor industrial até porque experiências sustentáveis encontradas em outras cidades que receberam a indústria do petróleo estão relacionadas a uma forte ação das empresas em cumprir protocolos e leis definidas por grupos políticos bem estabelecidos localmente e que sobrevivem de suas tradições locais relacionadas a preservação de recursos naturais (DIAMOND, 2005). Isso porque, por mais que as empresas de petróleo se coloquem como socioambientalmente responsáveis, desenvolvendo projetos como medidas compensatórias, previstas nas licenças de operação, estas funções não correspondem a atividade-fim das mesmas e nem mesmo está representada no projeto da empresa. Pelo contrário, a indústria petrolífera representa a própria materialização da essência do capitalismo moderno (SEOANE et al., 2013), ou seja, forjada na premissa desenvolvimentista de transformação e apropriação do território, não necessitando, portanto do desenvolvimento social para se reproduzir e se manter dominante, e sim de um grande arcabouço legal que garanta a apropriação da natureza por parte do Estado, em prol de interesses privados e de um modelo de desenvolvimento alheio à reprodução de modos de vida naturalmente desenvolvidos nos territórios antes públicos (PEREZ e GOMES, 2014; RADONSKY, 2011).

Conclusão

46 No caso de Macaé e da região Norte-Fluminense, a garantia de um maior equilíbrio dos projetos de desenvolvimento territorial significa diminuir assimetrias nas prioridades sobre as atividades produtivas ligadas a indústria de petróleo na Bacia de Campos, indústria essa que privatizou espaços públicos onde antes eram exercidas outras atividades voltadas à reprodução de modos de vida naturalmente desenvolvidos, como a pesca (PEREZ e GOMES, 2014; RADONSKY, 2011), que promoveu uma elevada concentração de riqueza e exclusão social, devido à forte atração de mão de obra desqualificada, e que foi fortalecida pelo padrão tradicional de desenvolvimento regional, concentrado e restrito aos grupos de poder político local, com a novidade de que o clientelismo que rende votos é, atualmente, mantido pelos royalties (LOUREIRO et al. 2014; CRUZ, 2004).

47 Do enfoque sistêmico extrai-se a ideia de que Macaé é um sistema composto de elementos e, ao mesmo tempo, é um componente de sistemas interdependentes. E que, portanto, o contexto social da região Norte-fluminense o afeta direta ou indiretamente, sendo necessário uma administração recorrente ou recursiva de controle e comunicação com fim de garantir sua viabilidade, que significa ter capacidade própria para resolver problemas conhecidos e inesperados, apesar de sua independência em relação à resolução de problemas (ESPEJO et al., 1996).

48 Por fim, se este referido projeto continuar dependendo de profundas mudanças na estrutura da cidade, atuando de forma sistemática no ordenamento e impondo uma agenda por meio do financiamento de políticos locais, é preciso que ele se preocupe efetivamente com questões sociais, uma vez que a concentração da riqueza, característica própria de um sistema que se baseia no fluxo de recursos de mercados consumidores para centros produtores, tendem à supervalorização de alguns espaços e, consequentemente, cria novos espaços periféricos que recebem fluxos migratórios dificilmente atendidos pelo poder público (SPÓSITO, 1997) e que fornecem o substrato social para a os conflitos que se apresentam nas ações de expansão de fronteiras.

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NOTAS

1. Dá-se o nome de desenvolvimentista ao tipo de político que segue a política econômica baseada na meta de crescimento da produção industrial e da infraestrutura, com participação ativa do estado, como base da economia e o consequente aumento do consumo. O desenvolvimentista é aquele que adere a uma política de resultados. 2. Territorialidade: formas de apropriação simbólica e materiais do espaço, isto é, econômica, política e culturais (material e imaterial) incluindo as mais diversas instituições públicas, privadas, associações, ONGs, Partidos políticos, sindicatos, famílias (HAESBAERT,2007). 3. Esta noção designa a capacidade de recuperar um modo de funcionamento e um desenvolvimento normal após um período de estresse, uma perturbação ou uma mudança importante (BRUNO, 2010)

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RESUMOS

O trabalho em tela visa questionar a sustentabilidade do modelo de desenvolvimento implícito no projeto “Macaé, capital nacional do petróleo”. Ao nosso ver, este projeto é apenas a consolidação de um arranjo institucional, social e teórico responsável por negligenciar os limites dos recursos naturais. Neste contexto, a partir do pensamento sistêmico e dos conceitos de resiliência e território, bem como de uma crítica aos indicadores do desenvolvimento, sinalizamos novos olhares sobre o desenvolvimento local sustentável.

This paper aims to look into the sustainability of the development model implicit in "Macaé, national oil capital" project. We understand that this project consolidates an institutional, social and theoretical arrangement responsible for neglecting the limitation of natural resources. In this sense, from systems thinking and resilience and territory concepts, as well as a critique of development indexes, we indicate new perspectives on local sustainable development.

Le présent article veut interroger la sustentabilité du modèle de développement implicite dans le projet « Macaé, la capitale nationale du pétrole ». Selon nous, ce projet n’est pas d’autre chose que la consolidation d’un arrangement institutionnel, social et théorique responsable de négliger les limites des ressources naturelles. Dans ce contexte, à partir de la pensée systémique et les concepts de résilience et territoire, ainsi qu’à une critique aux indicateurs du développement, on indique des nouveaux regards sur le développement local équitable.

El slogan “Macaé: Capital Nacional del Petróleo” marcó la consolidación de un arreglo institucional compartido por diversos actores sociales, que generó una negligencia en la disponibilidad y uso de los principales recursos naturales que lo viabilizaban. En este sentido, este artículo contribuye en la construcción de una visión crítica de la sustentabilidad de los modelos de desarrollo local.

ÍNDICE

Mots-clés: Macaé, capitale nationale du pétrole, développement durable, résilience, territoire. Palabras claves: Macaé, capital nacional del petróleo, desarrollo sustentable, resiliencia, territorio. Palavras-chave: Macaé, capital nacional do petróleo, desenvolvimento sustentável, resiliência, território. Keywords: Macaé, national oil capital, sustainable development, resilience, territory.

AUTORES

JORGE ADALBERTO AZIZ DA SILVA Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), campus Macaé. Programa Pesquisa-ação na Cadeia Produtiva da Pesca (PAPESCA) – Núcleo Interdisciplinar para o Desenvolvimento Social (NIDES)

BEATRIZ ROHDEN BECKER Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), campus Macaé.

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RODRIGO LEMES MARTINS Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), campus Macaé. Núcleo de Pesquisas em Ecologia e Desenvolvimento Sócio-ambiental de Macaé (NUPEM)

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O processo de reestruturação territorial – produtiva na cidade de Itaguaí- Rio de Janeiro The process of territorial-productive restructuring in Itaguaí-Rio de Janeiro Le processus de restructuration territoriale et productive à la ville d’Itaguaí-Rio de Janeiro El proceso de reestructuración territorial – productiva en la ciudad de Itaguaí - Rio de Janeiro

Guilherme Mapelli Chagas

NOTA DO EDITOR

O texto em tela resulta da monografia apresentada no Departamento de Geociências/ UFRRJ intitulada“O Processo de Reestruturação Territorial- Produtiva no Extremo Oeste Metropolitano Fluminense: O caso de Itaguaí”, bem como também de discussões levantadas no LAGEPPE – Laboratório de Geografia Econômica e Política e Práticas Educativas [DEGEO / UFRRJ] no âmbito do projeto “O Processo de Reestruturação Territorial-Produtiva no Oeste Metropolitano Fluminense”, desenvolvido com o apoio da Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro – FAPERJ. Da mesma maneira, este estudo é integrante do projeto de cooperação internacional, no campo da geografia, entre a UFRRJ e a Universidade do Porto, intitulado “Reestruturação Espacial e Desenvolvimento Regional: Um Estudo Comparativo entre a Região Norte de Portugal e o Estado do Rio de Janeiro”.

Introdução

1 A cidade de Itaguaí, contígua à cidade do Rio de Janeiro em sentido oeste, apresenta grande facilidade no quesito infraestrutura produtiva e disponibilidade de terrenos

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adequados para a instalação de atividades de caráter produtivas. Não é por outro motivo que atualmente esta cidade, bem como toda a região, tem se configurado como um polo de desenvolvimento econômico, devido principalmente às atuais implantações de indústrias em seus limites [e no bairro de Santa Cruz] e por ser sede do Porto de Itaguaí (antigo Sepetiba), responsável pelo escoamento da produção de grande parte do estado do Rio de Janeiro. Itaguaí é vista como um atual palco de inúmeros impactos sócio-espaciais e mudanças urbanas produtivas.

2 As vantagens potenciais de Itaguaí e de seu entorno podem se ampliar e até mesmo se concretizar em um conjunto articulado de empresas que almejam a consolidação de empreendimentos do ramo metal-siderúrgico e logístico-petrolífero, aproveitando a especialização produtiva das empresas já localizadas. A partir disso estão ocorrendo modificações em toda a sua estrutura econômica e espacial, havendo assim uma reestruturação tanto no que diz respeito a produção como ao que se refere ao território. Itaguaí vem se tornando como um “ímã” de atração, no que se trata de novos investimentos; os implica em uma atração populacional em busca da oferta de empregos, modificando assim o cenário urbano deste município e necessitando de novas formas de serviços para suprir as necessidades tanto das indústrias quanto da população.

3 Portanto, mediante a consolidação de um novo cenário representado por investimentos recentes, a “enxurrada” de capitais que tem sido destinado à cidade de Itaguaí – ainda que o momento político presente tenha refreado alguns aportes do Estado no campo produtivo –, torna-se interessante definir as mudanças espaciais na estrutura urbana deste município, verificando a formação de novos espaços, tanto das novas marcas que estão sendo consolidadas nesta região quanto se a explosão de investimentos industriais tem trazido mudanças no se refere a seu quadro social.

Transformações econômico-espaciais na cidade de Itaguaí

4 Antes de tudo, torna-se interessante considerar que Itaguaí busca não se legitimar como pertencente à região da Baixada Fluminense devido esta apresentar uma imagem “negativa” e apostando nas diferenças entre seu território e o da Baixada; neste sentido, Itaguaí tenta se afirmar como a “cidade do porto”, como uma “cidade inteligente”, que apresenta grandes oportunidades de desenvolvimento, como uma cidade que caminha para o moderno e que se encontra mais articulada tanto com a Região Metropolitana Fluminense quanto com a região turística da Costa Verde, procurando se desvincular totalmente dos aspectos negativos de representatividade que caracterizam a Baixada.

5 Itaguaí assiste atualmente a uma explosão de investimentos industriais sendo estes impulsionados pela consolidação de empreendimentos pertencentes ao ramo metal- siderúrgico e logístico-petrolífero, como exemplos de empresas, podem ser citadas: a Companhia Siderúrgica do Atlântico (TKCSA), do grupo transnacional Tyssen Krupp, da Gerdau, Usiminas, contando-se também com a Petrobrás e da LLX, do ramo logístico e que pertence a holding EBX, esta que apresenta negócios nos segmentos ligados a exploração de petróleo e gás natural, construção naval, serviços, offshore, mineração, entre outros, estas que já aportaram na região com cerca de R$ 38 bilhões em

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investimentos, tendo também como grande relevância a expansão do Porto de Itaguaí (este atendendo individualmente empresas e também a marinha do Brasil). A seguir, pode-se verificar uma imagem (Figura 1) que explicita como se estrutura territorialmente a consolidação dos segmentos industriais na região de estudo, sendo perceptível identificar algumas empresas já retratadas anteriormente e que representam novos investimentos, como também antigas bases produtivas, como a NUCLEP, por exemplo, sendo notável também o Distrito Industrial de Santa Cruz e o traçado do Arco Rodoviário Metropolitano.

Figura1: Complexo Portuário e Industrial da Baía de Sepetiba – Itaguaí

Fonte: http://www.skyscrapercity.com/showthread.php?t=913020. Acesso em 12 de maio de 2014.

6 As vantagens da implementação dessas empresas na área do distrito industrial de Santa Cruz e no Município de Itaguaí estão relacionadas com a grande área disponível, a infraestrutura destinada para essas instalações, a logística e o menor tempo de implantação do projeto tendo em vista um menor custo operacional e também dos incentivos fiscais oferecidos pelo Governo do Estado do Rio de Janeiro. Além disso, há a grande vantagem que se tem com o escoamento da produção, fato este por estar próxima à Rio- Santos, cortada pelo ramal ferroviário de Mangaratiba e com acesso ao mar através do Porto de Itaguaí; tudo isto deve ser acrescido pelo advento do Arco Rodoviário Metropolitano, sendo este um projeto da década de 70, mas que somente no ano de 2008, após ser incluído no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), começou a ser construído. O Arco Metropolitano recebeu grandes investimentos do governo federal e estadual, com valores inicialmente previstos que somaram R$ 1,9 bilhão; tal via almeja aproximar realidades industriais na borda metropolitana fluminense, sendo idealizada como facilitadora do acesso ao Porto de Itaguaí, com o intuito também de diminuir os gastos referentes ao escoamento da produção.

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7 A partir deste fato, o Porto de Itaguaí terá uma ligação com as principais vias de acesso interestadual que cortam o estado do Rio de Janeiro, tendo assim uma maior facilidade de conexão com outras áreas do estado. Uma das consequências da implantação do Arco Rodoviário Metropolitano será o de ampliar o acesso ao Porto de Itaguaí, fazendo com que desta forma ocorra um processo de expansão urbana e viabilizando para que haja a instalação de novos empreeendimentos, não apenas nesta cidade como também nos demais municípios “cortados” por esta via. O arco rodoviário incorpora desta maneira áreas rurais à dinâmica urbana, sabendo-se que ao longo do arco serão definidos espaços destinados ao uso industrial e logístico. Ao se tratar do arco, não vale esquecer, de um fortalecimento metropolitano no que se refere à ótica logístico-produtiva, não sendo possível mensurar as oportunidades sociais oriundas desta nova composição metropolitana.

8 Para entender todas essas modificações que tem ocorrido no município de Itaguaí, torna-se necessário salientar a respeito dos mecanismos globais que determinam novas formas de se produzir e da articulação produtiva, tendo em vista que essas mudanças ocorrem provocadas tendo como base principal o processo de industrialização, que ocorre quando o país elege a indústria como sendo o principal motor de sua economia, ou seja, é quando a indústria se torna o setor dominante da economia, fazendo com que se tenha o aumento da produtividade, gerando assim lucros (OLIVEIRA, 2011). Segundo Leandro Oliveira (2011), a industrialização é vista como um projeto hegemônico no qual a produção fabril se torna como dominante sobre as demais atividades existentes e a partir disso passa a exercer influência direta sobre todas as esferas da sociedade, envolvendo desde a política e a economia, até a organização social.

9 Esse processo de industrialização que se insere na área de estudo e é visto como um elemento responsável pelo processo de reestruturação territorial-produtiva; ou seja, como um condutor das transformações, que tem como consequência a consolidação de novas formas e marcas no espaço e se baseia em novos segmentos produtivos e na implantação de novas tecnologias. Esse processo atual implica em novas territorializações, ou seja, formando novos territórios destinados às indústrias, valorizando as áreas ditas “vazias” (desvalorizadas historicamente e pouco povoadas), deslocando o setor industrial do núcleo metropolitano, tecendo assim uma nova relação entre a capital e as demais regiões fluminenses e possibilitando uma maior integração de todo o território fluminense.

10 Tanto Itaguaí quanto o bairro de Santa Cruz são exemplos claros desse deslocamento progressivo das atividades para fora do núcleo metropolitano strictu sensu, sendo baseadas em uma estratégia do uso do território por parte do capital, onde ocorre uma formação de uma nova espacialidade industrial, sendo essas áreas da cidade do Rio de Janeiro as representantes – junto à região da Baixada Fluminense – desse novo cenário industrial, determinado por uma desconcentração espacial, pela consolidação de um novo padrão de localização das indústrias.

O Processo de Reestruturação Territorial-Produtiva

11 A partir do que já foi tratado anteriormente, tendo em vista a atuais modificações urbano-produtivas que acometem a região de estudo e sabendo-se que a industrialização é responsável pelo processo de reestruturação produtiva, torna-se

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importante aqui definir melhor o que vem a ser esse processo e retratar brevemente sobre a sua origem e suas consequências.

12 O processo de reestruturação produtiva teve a sua origem nos anos de 1970, mas só começou a ganhar força no Brasil nos anos 1990, com a política do neoliberalismo e a abertura econômica, levando as empresas a buscarem inovações mais efetivas, estratégias de produtividade e qualidade para fazer frente à concorrência internacional. A partir disso houve transformações no processo produtivo, na forma de se produzir, na gestão, na organização do trabalho, no espaço, sendo este processo o responsável por produzir “novos espaços industriais”, como também reformular e readaptar antigas bases produtivas.

13 Antes de tudo, deve-se saber que junto ao termo reestruturação produtiva, será incorporado “territorial”, oferecendo à ciência geográfica novos ingredientes para se tratar deste assunto (OLIVEIRA, 2015). “Reestruturação produtiva” – termo já discutido em diversas outras áreas do conhecimento como economia, sociologia, engenharia de produção, entre outras – parece remeter diretamente às mudanças que ocorrem dentro da fábrica; ao acrescer-se o termo “territorial” amplia-se a capacidade de analisar espectralmente o processo que ocorre fora da empresa, analisando as consequências e o que está acontecendo no espaço urbano em volta das indústrias, às modificações no que se trata ao espaço urbano, na produção desse espaço, na reestruturação espacial da região que vem recebendo investimentos industriais, como é o caso da cidade de Itaguaí. Cabe, portanto, à geografia analisar os impactos provocados pelo processo de reestruturação na dinâmica espacial, buscando retratar como esse processo se manifesta no espaço e como é que se dá a formação de “novos espaços industriais” (SCOTT, 1988 apud HARVEY, 1992), de novos espaços produtivos, verificando qual o reflexo disso na sociedade e quais as marcas territoriais provocadas por esse processo.

14 O sentido da palavra reestruturação [enquanto substantivo] é “reformular em novas bases estruturais”; “reorganizar”; o “ato ou efeito de reestruturar, ou seja, nova estruturação” (DICIONÁRIO ELETRÔNICO HOUAISS apud SERAFIM-GOMES, 2011, p. 53). Lencioni (1998, p.7-8) considera a reestruturação como movimento, pois: cabe lembrar que as formas anteriores não se dissolvem nesse processo de reestruturação, elas se modificam e são modificadas pela teia de relações em movimento. Tornam-se, sim, subordinadas face ao desenvolvimento dessas novas formas que reestruturam tanto a sociedade como o espaço.

15 Sobre a instabilidade das estruturas, Lencioni (1998, p. 7) acrescenta: as estruturas, nem são fixas e nem estáveis. Elas têm um equilíbrio provisório e quando esse equilíbrio é abalado pode ocorrer uma desestruturação-reestruturação, que se gesta no seio da própria estrutura, pois esta tem uma dinâmica que não só a constitui, mas que, também, busca romper os equilíbrios provisórios. Portanto, estruturação-desestruturação-reestruturação se constitui num único movimento.

16 Já Gottdiener (1993) considera a reestruturação como “fenômeno socioespacial”, ou seja, como resultado de mudanças sociais e espaciais. Assim, pode-se dizer que o processo de reestruturação ocorre quando as estruturas vigentes não conseguem mais atender as necessidades do capital. A partir disso, acredita-se que o processo de reestruturação produtiva passa a ser considerado como uma resposta às crises do capital; isto é, reestruturar seria uma alternativa de modificação na estrutura da forma de se produzir com o objetivo de sair da crise. Segundo Mandel (1982 apud SERAFIM-GOMES, 2011, p. 55), “a reestruturação acontece como mecanismo de superação das crises do modo de produção capitalista”.

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17 O processo de reestruturação produtiva corresponde às transformações responsáveis pela modificação da estrutura produtiva da indústria, podendo estas ser na técnica ou no trabalho – assim como entendemos, também na lógica espacial. É um complexo sistema baseado em mudanças na base tecnológica, no setor organizacional, social e espacial da empresa. Esse processo é algo totalmente dinâmico, um processo dialético, onde tanto elementos do “novo” e do “velho” passam a conviver juntos na mesma empresa. Ou seja, a partir disso, pode-se dizer que quando ocorre esse processo, não significa que acontece uma ruptura total da estrutura anterior devido à entrada de um novo sistema, pois ambos os elementos passam a coexistir e como afirmação a esse fato pode-se exemplificar que as empresas industriais que se submetem ao processo de reestruturação apresentam características tanto tradicionais (fordistas) quanto modernas (flexíveis) (SERAFIM-GOMES, 2011, p. 56, e, evidentemente, HARVEY, 1989).

18 A implantação dos investimentos industriais na região de Itaguaí tem atuado como responsáveis pela formação de uma nova configuração espacial no que se trata ao espaço urbano, ou seja, pela concretização do processo de reestruturação territorial- produtiva neste recorte espacial, sendo esse processo de reestruturação territorial- produtiva em curso é caracterizado de um lado como uma inovação de caráter tecnológico e organizacional dentro das empresas, e de outro como mudanças espaciais profundas que provocam forte marca geográficas, marcas no espaço da região, responsáveis pela modificação da estrutura do urbano, como por exemplo, fomentando a instalação de novos empreendimentos imobiliários e de uma consequente valorização no que se trata ao solo urbano. Mediante a isso, tem- se que esse processo de reestruturação é responsável por colocar áreas desvalorizadas historicamente no processo de valorização do capital.

19 A reestruturação territorial-produtiva que vem ocorrendo em Itaguaí e em seu entorno implicam, assim, em novas relações de poder e nas novas espacializações econômicas e sociais. Seu caráter produtivo encontra-se pelo fato de estar baseada em um novo modelo econômico denominado de pós- fordismo ou acumulação flexível, que se difere da rigidez do fordismo que era muito dependente de equipamentos com níveis limitados de recursos tecnológicos e apresenta como finalidade de organização, a de suprir a sua demanda colocada no momento exato (just-in-time), atendendo desta forma um mercado diferenciado, que está preenchido por públicos cada vez mais específicos. Nesse tipo de organização, os produtos são somente fabricados ou entregues a tempo de serem comercializados ou montados, permitindo-se assim que a indústria acompanhe as rápidas transformações que ocorrem com os padrões de consumo. Esse novo sistema atua de maneira flexível, em uma nova estrutura da indústria, esta mais descentralizada, e se baseia em um novo modelo apresentando um maior dinamismo no que se refere ao setor produtivo e também dos novos padrões atuantes na organização da produção. Este modelo produtivo emergente, que podemos denominar acumulação flexível, possui características comuns ao Fordismo, mas desconstruiu o antigo padrão de grandes plantas, de cidades operárias, de desenvolvimento nacionalista e de produção em larga escala e em série (OLIVEIRA, 2006).

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Novos investimentos no ensino e na capacidade técnico-instrucional

20 A partir dos investimentos industriais que estão sendo inseridos em Itaguaí, é possível identificar a importância desse desenvolvimento para essa região, assim como para toda a cidade do Rio de Janeiro. Itaguaí é um município que sempre sofreu grandes problemas de segregação socioespacial e que tem se tornado um importante lócus econômico, atraindo cada vez mais investimentos estimulados particularmente pelo Governo do Estado do Rio de Janeiro por meio de incentivos fiscais.

21 Com o intuito de atender a necessidade de uma mão-de-obra minimamente qualificada para o mercado local, foi implantada em Itaguaí uma unidade do Centro Federal de Educação Tecnológica Celso Suckow de Fonseca (CEFET), sendo esta ideia fruto de uma parceria entre o Governo Federal com a Prefeitura de Itaguaí e a Empresa Vale. Esta unidade oferece cursos voltados para a área de técnico em mecânica, técnico em porto e engenharia industrial. A escola tem atuado de forma a aproveitar o potencial de desenvolvimento da região e a proximidade com Arranjos Produtivos Locais, estando aberta a possibilidade de novas parcerias para dar conta das demandas existentes na região. Além do CEFET, tem-se também em Itaguaí o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI), que oferece mais de dez cursos direcionados para jovens entre 14 e 24 anos com o objetivo de atender as indústrias e empresas que se instalam na região, oferecendo laboratórios de automação e de instrumentação industrial totalmente equipado e automatizado, favorecendo assim a intimidade do futuro profissional com o seu instrumento de trabalho.

22 Além do CEFET, na região possui a própria “Escola de Fábrica” mantida pela Nuclep nas dependências da própria empresa e sendo destinada a educação profissional de jovens que pretendem ser inseridos no mercado de trabalho no ramo tecnológico, atendendo assim as demandas da própria empresa. Além destas, podem ser citadas os polos universitários, sendo estes centros de qualificação de mão-de-obra localizados no entorno da região em desenvolvimento, como a Universidade Estácio de Sá presente no bairro de Santa Cruz e que tem oferecido diversos cursos voltados para atender a demanda da região, como engenharias com especializações diversificadas, petróleo e gás, entre outros. Não há como não considerar também a Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) localizada no município de Seropédica, assim como a Universidade Estadual da Zona Oeste (UEZO), no bairro de Campo Grande.

23 Outro exemplo de investimento que foi implantado em março do ano de 2014 foi à instalação de um Centro Vocacional Tecnológico (CVT), que será coordenado pela Fundação de Apoio à Escola Técnica (FAETEC), estando localizado no Município de Seropédica, mais precisamente no entroncamento da BR-465, no KM 42, como a Rodovia RJ 099, conhecida como Reta de Piranema, no bairro Vera Cruz. A unidade terá capacidade para formar 2.500 profissionais por ano em cursos voltados em diversas áreas. Os cursos oferecidos serão os seguintes: Operador de Computador; Montador e reparador de Computadores; Auxiliar em Administração de Redes, Pedreiro de Alvenaria; Pintor de Obras; Aplicador de Revestimento Cerâmico; Carpinteiro de Obras; Instalador de Tubulações Industriais; Eletricista Instalador Predial de Baixa Tensão; Assistente de Operações Logísticas; Operador de Empilhadeira; Almoxarife (Operador de Estoque e Armazenagem); e Assistente Administrativo de Compras; Auxiliar de Administrador; Auxiliar de Pessoal; Recepcionista; Auxiliar de Recursos Humanos e

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Técnicos em Logística, ou seja, cursos baseados na Construção Civil, Informática e na Gestão de Negócio e Logística. A implantação deste CVT tem como objetivo alçar a educação profissionalizante na região e adjacências, garantindo desta forma a oferta de uma mão-de-obra qualificada e empregabilidade para a população. Esta unidade foi construída numa área de mais de 2.182 m², em um terreno cedido pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), com investimento de R$ 4,1 milhões, sua infraestrutura apresenta salas e laboratórios modernizados, além da presença de oficinas de desenvolvimento científico e tecnológico.

24 Além dessas tentativas de promover o desenvolvimento instrucional-profissional da região, foi verificada também a existência do Programa Empreender, sendo este de iniciativa de âmbito nacional, que une a Confederação das Associações Comerciais e Empresarias do Brasil e o SEBRAE (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas), e que foi implantado na região com a Federação das Associações Comerciais e Empresariais do Estado do Rio de Janeiro (FACERJ) e a Associação Comercial, Industrial e Agropastorial de Itaguaí (ACIAPI). Esta ideia surgiu com o objetivo de fortalecer micro e pequenos negócios na região, promovendo assim o desenvolvimento dos pequenos empresários através de capacitação e também havendo uma troca de informações entre eles. Desta forma, é importante o incentivo ao mercado local, para que a renda gerada pelos empreendimentos instalados e desenvolvidos por este programa seja absorvida pela economia da região. A partir destes exemplos é que se verifica como está sendo em parte resolvida a questão da necessidade de desenvolvimento de infraestrutura para atender as demandas desses investimentos na região, sabendo-se que estes necessitam de um acompanhamento de grandes planejamentos, pois podem gerar um crescimento de forma desordenada.

Uma nova geografia econômio-industrial da cidade

25 Itaguaí retrata bem a imagem representativa de um vetor de expansão que se encaixa em um novo modelo de Geografia da Indústria do estado do Rio de Janeiro, em uma nova cartografia fabril fluminense, esta que se dá baseada em uma nova forma de estruturação territorial, que promove um desenvolvimento de “industrialização de borda”1, ou seja, que visa promover de forma estratégica o processo de industrialização na borda metropolitana, fugindo do centro, desconcentrando industrialmente o seu núcleo e atraindo as atividades fabris para outros espaços, promovendo a produção de novos espaços e criando para isso infraestruturas necessárias para melhor gerenciamento de tais investimentos – como o já relatado Arco Rodoviário Metropolitano, este que pretende atuar como articulador e integrador de todo o território fluminense sendo responsável por ser a espécie de “veia articuladora do desenvolvimento” do estado.

26 A cidade de Itaguaí é o exemplo claro de como o processo de reestruturação territorial- produtiva que acomete a região tende a influir na formação de uma nova dinâmica espacial, de mudanças na estrutura urbano-produtiva, criando novos locais, novas formas e funções para o espaço, tencionando para que a produção do espaço ocorra no afã de atender as suas necessidades, os interesses vigentes, propulsando a criação de infraestruturas para alimentar a esteira do seu desenvolvimento. Ou seja, a cidade procura se configurar de acordo com as demandas necessárias, criando instrumentos, novos elementos, infraestruturas adequadas para receber, ser palco de tais

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investimentos. A cidade se reestrutura, de forma simples pode-se dizer que ela molda a sua estrutura “vestindo uma nova roupagem”.

27 Em relação às mudanças econômico-espaciais contemporâneas que tem se configurado em Itaguaí, tem-se que estas podem ser observadas de acordo com diversas alterações observadas na estrutura da cidade após esta se tornar como alvo de novos investimentos, de um olhar mais atrativo ao capital. De acordo com essas modificações na estrutura urbana da cidade, dois pontos interessantes devem ser considerados: a especulação imobiliária, que se relaciona com uma valorização do solo urbano como também o que diz respeito à configuração da cidade em si, de como esta se configura; e de como se encontra a questão de sua infraestrutura urbana, das ações por parte do poder público em criar novos serviços, e também em promover seu desenvolvimento social.

28 Ao tratar sobre como a cidade de Itaguaí se promove as custa de seu desenvolvimento econômico, mas com apartado desenvolvimento social, chega a ser intrigante pensar, como uma cidade, que se retrata como a “cidade do porto”, como uma “cidade inteligente”, tem, na verdade, se apresentado ainda com problemas característicos de cidades que tiveram um crescimento acelerado e desorganizado, tendo uma urbanização periférica e sem um respectivo planejamento por parte de interesses públicos visando um desenvolvimento social, uma melhoria na qualidade de vida e de serviços prestados a sua população, como saúde, transporte, educação, saneamento básico, entre outros. Mas o que realmente se configura é toda uma propaganda entorno das possibilidades de desenvolvimento – em uma verdadeira “ideologia do desenvolvimento” extemporânea – que gira em torno de pseudo-possibilidades, de potencialidades da região, de aumento nos postos de trabalho devido à chegada de novos investimentos, que a cidade encontra-se numa rota do crescimento, que só tende a se desenvolver, que apresenta aspectos favoráveis para morar, trabalhar e investir. Porém, na verdade, este desenvolvimento não reverbera em grandes avanços no que se refere a seu quadro social e procura de certo modo mascarar toda a problemática que tende a surgir em seu território, como os conflitos culturais, sociais, ambientais.

29 A partir da chegada dos investimentos industriais na região a cidade se modifica, se transforma constantemente visando atender suas necessidades, pois com a chegada dos investimentos há o estímulo para a produção do espaço e ao mesmo tempo a necessidade para que ocorra o desenvolvimento de serviços voltados para a ocupação urbana. Há como exigência se criar essa infraestrutura, com a formação de uma nova dimensão da ocupação e da própria malha urbana.

30 Mediante isso, emergem muitas dúvidas a respeito de como a cidade de Itaguaí irá se configurar, de como estará daqui a cinco, dez ou quinze anos, devido a rápida alteração em sua estrutura, que tanto pode trazer novas possibilidades, oportunidades de desenvolvimento para a região como também agravar os problemas já existentes e surgirem novos oriundos do seu acelerado crescimento. É a partir desse apontamento então, que se deve privilegiar, no presente, a instituição de estratégias de planejamento para lidar com os novos desafios, com as novas problemáticas como também gerenciar de modo mais proveitoso as potencialidades surgidas na região, tratando da teia de elementos inseridos no processo de desenvolvimento urbano, por meio de incentivo por parte de políticas públicas para mediar os conflitos criados, os impactos, as mudanças que tem se configurado na estrutura da cidade e que tem provocado à

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consolidação de uma nova geografia urbana e industrial no município, uma “Nova Itaguaí” que está nascendo, se formando.

Considerações finais

31 O processo de reestruturação territorial-produtiva que vem ocorrendo em Itaguaí e em seu entorno implicam, como já retratado, em novas relações de poder e em novas espacializações econômicas e sociais e na configuração de impactos ambientais, culturais, sociais, de certo modo mascarados pela manifestação positiva referente às possibilidades e potencialidades da região em relação a seu desenvolvimento.

32 Tendo em vista todo o processo de reestruturação territorial-produtiva que acomete a região de estudo e as teias de relações que são constituídas no meio dele, este processo é visto como um instrumento fundamental para a solidez do sistema capitalista, este que atua de modo estratégico na produção do espaço, visando, claro, produzi-lo, projeta-lo com objetivos específicos, de modo a atender a seus interesses e necessidades. O espaço é visto de modo estratégico, dotado de intencionalidades e sentidos, adquirindo assim, novas formas, conteúdos, significados. Ao considerar o espaço como sendo o lugar onde se desenvolve as relações capitalistas de reprodução, tem- se que a partir disso há uma série de manifestações relativas à formação de conflitos, lutas e contradições que nele se reproduzem.

33 Itaguaí é um exemplo claro de uma mudança territorial baseada em uma estratégia de uso de territórios por parte do capital. Ao analisar todo esse processo que se desenvolve em Itaguaí, é perceptível compreender como o sistema capitalista produz o espaço, de como este é visto cada vez mais como uma mercadoria, como um meio de produção e de como essa produção se dá de maneira desigual espacialmente, pois se há locais como Itaguaí, considerados como um “ímã” de atração de investimentos, onde há injeção de capital constante, também há outros onde se caracterizam por ser um “espaço de escassez”, de pobreza, esquecidos, isolados e que não apresenta no momento um caráter atrativo a interesses econômicos.

34 Em relação a isso, tem-se também que o capital apresenta um caráter de migração, mobilidade e de flexibilidade impressionantes, pois, se hoje ele injeta recursos econômicos em uma região como esta acontecendo em Itaguaí, amanhã, isso pode se alterar, pois uma nova região pode vir a se tornar mais atrativa para ele, realizando assim uma nova concentração de capital. Não é por outro motivo que se pode dizer que o futuro, tanto de Itaguaí como de qualquer local que tem sido marcadamente inserido na ótica de investimentos de capitais é imprevisível, e é a partir desta lógica de incertezas de um mundo marcado por um tempo de produção e consumos acelerados e em plena mudança, com renovação de valores e sentidos, criados pelo capital e influenciados por atores hegemônicos diferenciados, é que não se sabe como esta cidade se encontrará daqui a cinco, dez ou quinze anos, tanto no que se refere se ainda se inserirá em um quadro atrativo da atuação do olhar do capital. Afinal, como a cidade se configurará mediante as transformações atuais em sua estrutura? Qual o possível legado baseado nas sinergias geradas pelo seu desenvolvimento econômico? Quais os impactos deste crescimento econômico em seu desenvolvimento social? Itaguaí tanto poderá surgir como um lócus de novas possibilidades de desenvolvimento como também não suportar os impactos, agravando os problemas já existentes e fazendo com que surjam novos oriundos do seu acelerado processo de crescimento.

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35 Apesar de toda problemática instaurada pela via do seu desenvolvimento e da consideração de toda a perversidade do sistema capitalista, há de se considerar que todo esse processo de reestruturação territorial-produtiva que tem acometido a região de estudo tem sido fundamental em fomentar novas expectativas, possibilidades e potencialidades para a cidade; mas, para que se possa aproveitar deste panorama até então otimista, tem que se preocupar com a gestão, com um planejamento e a criação de infraestruturas adequadas por meio de políticas públicas. Todas estas novas formas de organização são responsáveis pelo desenvolvimento da cidade, que tem feito surgir essa “Nova Itaguaí”; mas não basta uma “nova roupagem”, sendo de extrema importância tanto a manutenção do desenvolvimento da economia brasileira a nível global quanto a maior democratização dos resultados deste crescimento ainda eminentemente produtivo.

36 Portanto, o processo de reestruturação territorial-produtiva tanto representa uma “caixa de surpresas” para a cidade de Itaguaí, com uma miríade de dúvidas e incertezas quanto gera alguns expectativa sobre a potencialidade do desenvolvimento para a região. A questão é a discussão do que é esse desenvolvimento para Itaguaí e a luta por esse desenvolvimento: Como? Para quem? Até quando? São perguntas que requerem respostas urgentes.

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NOTAS

1. Tal termo é fruto dos debates realizados no âmbito das reuniões da linha de pesquisa Reestruturação Espacial Contemporânea, com liderança do Prof. Dr. Leandro Dias de Oliveira.

RESUMOS

Área historicamente marcada por forte exclusão econômica e social, Itaguaí tornou-se um verdadeiro pólo econômico devido aos grandes investimentos do ramo industrial-produtivo (metal-siderúrgico) e logístico-portuário. Ocorrido no âmago de uma profunda reestruturação territorial-produtiva, tal processo faz com que o município de Itaguaí, localizado na Região do Extremo Oeste Metropolitano Fluminense, assuma novas formas, modelos e funções econômico- espaciais. Nesse sentido, a intenção do presente artigo é analisar as modificações econômicas em curso em Itaguaí.

Itaguaí, an area historically characterized by strong economic and social exclusion, has become an economic center due to large investments in the industrial-productive sector (metal and steel) and port logistics. This process, occurred at the heart of a deep-territorial restructuring process, makes the city of Itaguaí, located in Rio de Janeiro state’s west end metropolitan area, assume new forms, models and economic and spatial roles. Therefore, the intention of this paper is to analyze the ongoing economic changes in Itaguaí.

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En s’agissant d’un espace marquée d’une forte exclusion économique et sociale, Itaguaí est devenu un vrai pôle économique grâce aux investissements industriels (métallurgie et sidérurgie) et logistiques (le Port d’Itaguaí). A l’intérieure d’une profonde restructuration territoriale et productive, ce processus est responsable de la création de nouvelles formes, fonctions et modèles économiques et spatiales. Ainsi, cet article a l’intention d’analyser les changements économiques en cours dans la municipalité d’Itaguaí, située dans la région extrême-ouest de la métropole fluminense.

Situada en un área históricamente marcada por la exclusión económica y social, Itagüí se convirtió en un verdadero polo de desarrollo económico, debido a las grandes inversiones del conglomerado industrial, siderúrgico y portuario en la ciudad. La propuesta es, analizar las modificaciones económicas que se encuentran en curso en la ciudad de Itaguaí, situada en la Región del Extremo Oeste Metropolitano Fluminense, que vive un proceso de reestructuración territorial – productiva, con nuevos locales, formas, modelos y funciones económicas y espaciales.

ÍNDICE

Mots-clés: restructuration territoriale et productive, Itaguaí, région métropolitaine fluminense, développement économique, port d’Itaguaí. Palavras-chave: reestruturação territorial-produtiva, Itaguaí, Região Metropolitana Fluminense, desenvolvimento econômico, Porto de Itaguaí. Palabras claves: reestructuración territorial – productiva, Itaguaí, Región del Extremo Oeste Metropolitano Fluminense, desarrollo económico, Puerto de Itaguaí. Keywords: territorial-productive restructuring, Itaguaí, Rio de Janeiro state’s metropolitan area, economic development, Port of Itaguaí.

AUTOR

GUILHERME MAPELLI CHAGAS Graduado em Geografia e Mestrando do PPGGEO – Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (sob orientação do Prof. Dr. Leandro Dias de Oliveira). Bolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Email: [email protected]

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Trilhas de Pesquisa

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Maracanã sustentável: um estudo sobre a questão ambiental nos megaeventos esportivos Sustainable Maracanã: a study on the environmental issue in mega sport events Maracanã soutenable: étude sur la question environnementale dans les méga- événements sportifs Maracana sustentable: un estudio sobre la cuestión ambiental de los mega eventos deportivos.

Victor Arouca Gomes

Introdução e Metodologia

1 A intenção do artigo foi refletir como a concepção hegemônica de sustentabilidade – na qual o meio ambiente é tratado como mercadoria – vem sendo utilizada dentro da organização dos Megaeventos Esportivos que serão realizados na cidade do Rio de Janeiro, demarcando como estudo de caso para exemplificar bem o tema, o estádio Jornalista Mario Filho (Maracanã).

2 O Maracanã é especialmente importante para a compreensão da temática ambiental nestes megaeventos esportivos por que: [1] ele é palco privilegiado nessas competições que ocorrerão no Brasil, onde aconteceu o encerramento (jogo final) da Copa do Mundo FIFA 2014 e acontecerá a abertura e encerramento da Olimpíada do Rio de Janeiro; [2] historicamente, é um estádio-símbolo do futebol e do próprio esporte, – por conta de já ter sido o maior do mundo, recebendo vários jogos importantes de clubes e seleções de todo o globo – em diferentes escalas, seja local, nacional ou mundial, e, em sua história carregou diferentes ideologias, do populismo de sua construção ao período militar- desenvolvimentista, chegando ao atual sistema neoliberal; e por fim, [3] o Rio de Janeiro tornar-se-á capital do esporte mundial durante os Jogos Olímpicos.

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3 Vale alentar que tanto a Copa do Mundo quanto as Olimpíadas, particularmente, se pretendem sustentáveis, e desta maneira, o Estádio do Maracanã obrigatoriamente deve apresentar condições “ecologicamente corretas” para ser o local de destaque em ambas as competições.

4 Esse tema foi escolhido porque o Brasil e mais especificamente a cidade do Rio de Janeiro, vem sediando já há algum tempo muitos megaeventos – Rock in Rio, Jornada Mundial da Juventude, Copa do Mundo, Rio +20, entre outros – e ainda sediará alguns pela frente – Jogos Olímpicos –; sendo assim, a cidade se encontra em pleno processo de transformação em vários âmbitos, como o político, econômico, simbólico e social. Devido à magnitude das transformações que estão ocorrendo e também pela força da concepção de sustentabilidade, atualmente estes dois temas estão sofrendo ampla discussão, e este trabalho contribui para o debate ao reunir estas duas temáticas sob o olhar da geografia.

5 Para realização deste trabalho, utilizamos como base para análise a teoria crítica, a partir de revisão bibliográfica (consulta a periódicos e páginas eletrônicas sobre o assunto) combinada com trabalhos de campo.

6 Alguns autores específicos que fazem críticas ao desenvolvimento sustentável e ao modelo de megaeventos foram utilizados como: Arlete Moysés Rodrigues (2005) e Leandro Dias de Oliveira (2012), que trazem questionamento ao conceito de desenvolvimento sustentável; Thales de Andrade (1998), que é um autor que pensa a atual espetacularização da natureza; e Gilmar Mascarenhas (2011), Demian Garcia Castro e Christopher Gaffney (2015) e Fernando Ferreira (2013), que trabalham de forma mais crítica os megaeventos esportivos.

A ideologia do desenvolvimento sustentável1

7 No mundo moderno, principalmente a partir da Revolução Industrial – por conta da consolidação de uma ética antropocêntrica – a cultura humana desvencilhou-se da natureza; se antes eram entendidas conjuntamente, tornaram-se praticamente distintas e “sem ligação”. Da mesma maneira, a partir desse momento histórico, o desequilíbrio social começou a se agravar, e fenômenos como o êxodo rural, desemprego, inchaço das cidades, má distribuição de riquezas, entre outros, indicam de antemão as aproximações entre as crises ambientais e sociais.

8 Esses problemas se tornam mais evidentes durante meados do século XX, onde a revolução tecnológica acontece de forma mais veloz e acaba agravando problemas como a poluição, o medo de destruição, o receio de perda de qualidade de vida, o crescimento das diferenças sociais, entre outros.

9 A ONU, em 1962, apontou que os recursos naturais eram providenciais para que acontecesse o desenvolvimento econômico e disse que esse desenvolvimento acontecendo em países mais pobres, poderia por em risco os recursos naturais, embora já fosse conhecido que o maior uso [e abuso] das riquezas naturais ocorria nos países do centro do sistema, mostrando uma proteção aos países mais ricos.

10 Nas décadas seguintes, os problemas ambientais continuaram crescendo, então a própria ONU decidiu no ano de 1972, montar a sua [Primeira] Conferência Mundial de Desenvolvimento e Meio Ambiente, em Estocolmo, na qual a principal proposta de solução da crise veio da influência do Clube de Roma, que segundo Oliveira (2005), tinha

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como principal objetivo trabalhar a problemática do aumento populacional e a pressão exercida por este crescimento na destruição dos ecossistemas e dos recursos não renováveis. Este estudo trouxe como solução a busca por um suposto equilíbrio global – congelando o crescimento, algo esquizofrênico em relação ao próprio regime de acumulação – trazendo assim à tona, as primeiras discussões sobre desenvolvimento sustentável.

11 Assim, as políticas para diminuir a degradação ambiental e o esgotamento de seus recursos continuavam a seguir a lógica de manutenção de reprodução do capitalismo, onde se destacava “o interesse de obstruir os países ditos subdesenvolvidos e estimulá-los a seguir a cartilha dos países mais desenvolvidos” (OLIVEIRA, 2005, p. 34).

12 De acordo com Oliveira (2005), mal acabou a conferência, aconteceu um fato que os países centrais mais temiam que acontecesse, um enfrentamento com os países periféricos, na chamada “Crise do Petróleo”, o que só fez agravar a crise ambiental, criando assim debates árduos sobre quais eram os limites dos recursos naturais não renováveis.

13 Os impasses de Estocolmo fizeram com que nas décadas seguintes acontecesse um avanço tecnológico e industrial de maneira muito rápida, sendo obtido sem nenhuma preocupação ambiental. Isto acabou por fazer com que a técnica e a ciência continuassem a subjugar a natureza, indo a favor apenas dos grandes lucros. Devido a esse problema, a Assembleia Geral das Nações Unidas aprovou em 1983 a criação de uma equipe para trabalhar essa questão ambiental. Essa comissão acaba publicando em 1987 o conhecido Relatório Brundtland, cujo título é “Nosso Futuro Comum”.

14 Esse relatório define a ideia de Desenvolvimento Sustentável como “aquele que atende às necessidades do presente, sem comprometer a possibilidade de as gerações futuras atenderem as suas próprias necessidades” (BRUNDTLAND, 1988, p. 46). Esse estudo realizado trazia, entre outras questões, a necessidade de administrar o crescimento populacional e de controlar o esgotamento dos recursos. Foi sob essa influência que a ONU convocou a [Segunda] Conferência Mundial de Desenvolvimento e Meio Ambiente, que foi realizada em 1992 na cidade do Rio de Janeiro.

15 Segundo Oliveira (2005), essa conferência conhecida como Eco-92, ficou caracterizada pela celebração do Desenvolvimento Sustentável, através, principalmente, da assinatura de um documento conhecido como Agenda 21. Assim, a Agenda 21 é a grande bíblia para implementar o Desenvolvimento Sustentável. Oferece um verdadeiro plano de metas gerais para serem cumpridas religiosamente por todos os “interessados” em alcançá-lo. Influindo em diversas áreas e criando políticas diretivas bastante abrangentes, tudo passa a ser definido segundo a sua “sustentabilidade”. A impregnação da “sustentabilidade” em toda política econômica e social mostra claro interesse em contaminar a todos com este ideal e com a carga de convicções que contém. (OLIVEIRA, 2005, p. 35)

16 No século XXI, a ONU organizou mais duas conferências para tratar da temática que foram nomeadas de Rio +10 e foi realizada na cidade de Johanesburgo na África do Sul e a Rio+20 que foi realizada na cidade do Rio de Janeiro no Brasil, todos com o objetivo de discutir e fiscalizar se os compromissos acertados nas conferências anteriores estão realmente sendo postos em prática.

17 Partindo dessa ideia, segundo Rodrigues (2005), podemos dizer que o desenvolvimento sustentável, por meio da busca de legitimação científica com diferentes definições de sustentabilidade, realizou a façanha de reunir visões antagônicas, mesmo sem nenhuma

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formulação sobre, por exemplo, quais são os limites na utilização de recursos ou sobre os limites das ciências para compreender a biosfera. Portanto, busca-se legitimar o desenvolvimento sustentável com definições sobre sustentabilidade social, política, econômica, territorial, ecológica, espacial. Porém, cada uma dessas definições é contraditória em relação à outra; por exemplo, a sustentabilidade econômica é contraditória com a ideia de sustentabilidade social. O meio ambiente passa, assim, a ser o tema mais importante do final do século XX e início do século XXI.

18 Para Oliveira (2012), o desenvolvimento sustentável se mostra como um modelo pragmático baseado no contexto político-econômico vigente, que atende às demandas ambientais do mercado global, oferecendo um mecanismo de regulação para aproveitamento máximo dos recursos. Não é por outro motivo que o desenvolvimento sustentável possui maleabilidade econômica, sendo adaptável com modelos de livre- mercado ou de maior planejamento/intervenção governamental.

19 Portanto, a lógica neoliberal nos revela ideologias que veem a questão ambiental como um problema de ordem técnica, que, a partir, de novas tecnologias inventadas, se tornará possível de contornar. Segundo esta lógica, devemos permanecer acreditando que a técnica é capaz de reverter todos os problemas ambientais já identificados, imaginando de forma arrogante que, através desse avanço tecnológico, podemos alcançar o controle total da natureza.

20 A própria ideia de desenvolvimento sustentável se revela uma ideologia que fica disfarçada por um discurso de proteção a natureza, com a aparência de uma receita para a salvação do mundo, que nos traz uma ilusão de um discurso menos agressor em relação ao domínio da sociedade sobre a natureza.

21 Sendo assim, o desenvolvimento sustentável se mostra como uma ideologia que pode ser representada, segundo Oliveira (2005), por dois objetivos centrais: [1] a manutenção da reprodução do capitalismo e sua consolidação global no controle da natureza enquanto recurso; e [2] a manutenção da pressão centro/periferia através da gestão dos recursos naturais dos países periféricos. Portanto, podemos concluir que a ideia de desenvolvimento sustentável não veio para tentar resolver os problemas ambientais existentes, porque ele apenas funciona como um ajuste da ordem vigente, sem atacar de fato os pilares hegemônicos da conjuntura atual. O desenvolvimento sustentável acaba por favorecer a classe dominante, atendendo as suas necessidades, mantendo o sistema atual e as disposições em vigor.

22 Quando tratamos do desenvolvimento sustentável com relação às classes dominadas, podemos perceber que essa ideologia aparece de fato como um mecanismo de dominação, descaracterizando a luta de classes, pois ela trás a ideia de que os seus dogmas são universais e funcionam de forma igual para todos, transformando essa ideologia em um grande senso comum.

23 Seguindo esta ideia, Thales de Andrade (1998) diz que, essa discussão ambiental também pode ser considerada um fenômeno estético, pois ela pode receber um tratamento dramatizado e ficcional. Isso porque ela pode ser tratada de várias formas assim como em “montagens e enredos, ensaios e performances, flash-backs e videoclipes, serializado, um espaço cênico de interpretações e fórmulas de protagonização” (ANDRADE, 1998, p. 109), se configurando assim também como um grande espetáculo.

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24 Esta ideia de espetacularização – “uma forma de transformar em festa, em criar uma noção de participação coletiva” (ANDRADE, 1998, p. 110) – pode ser plenamente associada à questão ambiental. Hoje em dia, podemos perceber que, com o crescimento da temática – tomando grande espaço não só mais nas cúpulas de governo ou dentro das universidades, mas também nas televisões, cinema e rádio –, podemos perceber que o debate se tornou bem mais amplo e agora “incluindo” toda nossa sociedade, com um painel complexo se organizando em torno do espetáculo ecológico. Houve uma mudança na forma de se enxergar o meio ambiente: não somente pelo fato de ter ocorrido uma adequação de algumas políticas públicas, mas também por terem surgido ações coletivas da sociedade em si, fazendo com que a discussão ambiental tomasse um tom mais participativo e integrador, possibilitando que a comunidade também seja um agente que possa identificar os problemas e tomar decisões para resolvê-los ou minimizá-los, mesmo que isso seja em pequena escala.

25 Segundo Andrade (1998), com esse debate chegando aos canais populares de comunicação, tudo passa a se tornar mais complexo, pois existe um quebra-cabeça a ser montado para que tudo isso faça sentido, tendo que organizar as formas de divulgações do tema, para que isso se torne mais atrativo para a cultura de massa. Portanto, este espetáculo ecológico se torna algo muito complexo, pois ele acaba unindo elementos da cultura moderna que são extremamente contraditórios, mostrando assim a sua força.

26 Essa espetacularização da discussão ambiental acaba gerando todo um mercado, já que as diversas formas de destruição ambiental e poluição, como a poluição do ar e a derrubada da vegetação, faz com que acabem surgindo não mercadorias planejadas, mas sim mercadorias que são assimiladas, como comercialização do slogan do “lugar verde que possui ar limpo” “próximo da natureza” de alguns condomínios, como também de outros tipos de produtos, como camisas com dizeres a favor da preservação e qualquer outro produto que possa utilizar esse “selo verde”.

27 É sob este argumento de espetacularização que a sustentabilidade é praticada de maneira geral nos atuais megaeventos esportivos, e também sob os auspícios desta noção ideológica de desenvolvimento sustentável que o Maracanã realizou adequações ambientais como slogan e propaganda, cheias de contradições e com um particular viés mercadológico.

O estádio Jornalista Mário Filho (Maracanã): das massas ao “Padrão FIFA”

28 Em 1946 o Brasil se candidatou a sediar a Copa do Mundo de Futebol Masculino, sendo homologado como país-sede, para organizar a copa que seria realizada em 1949, mas foi adiada para o ano de 1950 (MOURA, 1998; TEIXEIRA, 2004). Não custa apontar que há nesta escolha do lugar um profundo exercício de geografia e de geopolítica (OLIVEIRA, 2011), captando, na eleição dos países e das cidades-sede de determinados eventos, um pouco da atmosfera do momento vivido.

29 Após a confirmação de que o Brasil sediaria a copa, passou-se então a discutir como se daria essa organização. Então ficou decidido que na capital federal o Rio de Janeiro seria construído um estádio com recursos federais e que deveria ser uma obra monumental, para mostrar para o mundo a força e magnitude da nação brasileira. O Maracanã nasce

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sob uma ideologia nacionalista e que deveria mostrar a força do desenvolvimento do Brasil.

30 De acordo com Gaffney (2015), o Maracanã já passou por diferentes administrações ao longo de sua existência, começando pela Prefeitura do Rio de Janeiro no período entre 1950 e 1960, depois com a criação do Estado da Guanabara, o estádio passou a ser administrado pela Associação Esportiva do Estado da Guanabara (ADEG). Com a fusão dos Estados do Rio de Janeiro e da Guanabara, em 1975, a Superintendência Desportiva do Estado do Rio de Janeiro (SUDERJ) passou a administra-lo. Porém, em 2013, o estádio foi concedido para a iniciativa privada que passou a administrá-lo através de um consórcio, o que facilitou seu processo de elitização.

31 O Maracanã aos poucos foi construindo um sentimento de identidade junto com a população da cidade, isso fez com que o Estádio tivesse uma centralidade popular, pois ele e todo o seu complexo, que foi erguido posteriormente, passaram a ser utilizados não apenas em dias de eventos, mas também para a simples prática de esportes no seu entorno, já que o bairro possui poucas áreas públicas que favoreçam a prática esportiva, tendo praticamente como única opção o Complexo do Maracanã e os equipamentos ao seu redor, como a ciclovia. Afinal, a construção do estádio de futebol (cujos múltiplos usos transcendem a esfera esportiva) no terreno que anteriormente abrigara o Derby Club (prática turfística), seguida da inauguração do Ginásio Poliesportivo Gilberto Cardoso (Maracanãzinho), em 1954, do Estádio de Atletismo Célio de Barros (1974) e do Parque Aquático Julio Delamare (1978), vieram a reforçar, além de sua centralidade popular, a identidade esportiva do bairro. (FERREIRA, 2013, p. 8)

32 Frequentado por torcedores de todos os grandes times da capital fluminense, palco de grandes jogos – da final da Copa do Mundo de 1950, do milésimo gol de Pelé e mesmo de clássicos com recordes de público – o “velho” Maracanã não estava mais adequado ao novo padrão de estádios de futebol. A nova ordem é a construção de estádios com torcedores mais passivos.

33 Com a nomeação da cidade do Rio de Janeiro como um dos palcos da Copa do Mundo de 2014 e sede dos Jogos Olímpicos de 2016, a tendência [já bastante sentida] é que o estádio passe de um estádio das massas, como foi concebido anteriormente – chegando a receber quase 200.000 pessoas em um jogo –, para um estádio com sua capacidade máxima caindo para menos de 80.000 pessoas, completamente elitizado com o fim dos setores populares e o encarecimento dos preços para quem quiser frequentá-lo.

34 Esse tipo de mudança fez com que os megaeventos esportivos se preocupassem cada vez menos com o caráter esportivo e cada vez mais em serem estimuladores estratégicos de reprodução do capital, comandada pelas grandes empresas, cada vez mais se inserido na chamada “sociedade do espetáculo” de Debord (2003). Afinal, O espetáculo é a outra face do dinheiro: o equivalente geral abstrato de todas as mercadorias. Mas se o dinheiro dominou a sociedade enquanto representação da equivalência central, isto é, do caráter permutável dos bens múltiplos cujo uso permanecia incomparável, o espetáculo é o seu complemento moderno desenvolvido, onde a totalidade do mundo mercantil aparece em bloco como uma equivalência geral ao que o conjunto da sociedade pode ser e fazer. O espetáculo é o dinheiro que se olha somente, pois nele é já a totalidade do uso que se trocou com a totalidade da representação abstrata. O espetáculo não é somente o servidor do pseudo-uso, é já, em si próprio, o pseudo-uso da vida. (DEBORD, 2003, p. 36- 37)

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35 A reforma feita no Maracanã foi custeada com recursos públicos no valor de quase 1 bilhão e 300 mil reais2, no entanto, ao final de sua obra foi feita uma licitação para escolher um consórcio para administrar o Maracanã pelos próximos 35 anos. O consórcio vencedor foi o montado pelas empresas IMX, Odebrecht e AEG Administração de Estádios, onde essas tinham previstas algumas intervenções em todo o complexo do Maracanã, como a demolição do Parque Aquático Júlio Delamare, do Estádio de Atletismo Célio de Barros, da Escola Municipal Arthur Friedenreich e do prédio histórico do antigo Museu do Índio. Devido ao grande clamor popular e inúmeras manifestações de resistência, a demolição desses equipamentos foi deixada de lado, mostrando assim uma vitória da população frente esse modelo capitalista predatório.

36 Portanto, esse “Novo Maracanã” que foi erguido está cada vez mais deixando de lado o espírito do antigo estádio, que foi criado para as massas, abrangendo todas as classes, com torcedores participativos e vibrantes. Está paulatinamente se tornando hoje em dia um estádio elitizado e completamente excludente com torcedores passivos que parecem muito mais estar em um cinema do que assistindo uma partida de futebol.

37 O padrão FIFA se mostra como uma invenção que inscreve definitivamente o futebol na lógica de uma mercadoria extremamente lucrativa; portanto, este padrão, tão insistentemente contestado nos últimos tempos, é uma tentativa de fazer do espetáculo futebolístico algo próximo a uma sessão de cinema ou teatro. O “Padrão FIFA”, sob este olhar, é ruim até mesmo para os apaixonados pelo próprio futebol. É sobre o encontro, sob as bênçãos do capitalismo, entre o “padrão FIFA de qualidade” e a concepção de sustentabilidade que trataremos a seguir.

“Maracanã Sustentável”: espetacularização e contradições

38 De acordo com Gaffney (2015), os megaeventos esportivos no Brasil indicam uma forte tendência à elitização, transformando a paisagem das cidades, para gerar contratos lucrativos tanto para a construção civil quanto para a rentabilidade dos equipamentos esportivos antes, durante e depois do evento. Estas transformações que estão em curso no Rio de Janeiro não fogem desse quadro.

39 Seguindo essa ideia, Castro et al. (2015), dizem que a realização desses megaeventos no Rio de Janeiro demonstram a expressão de um projeto urbano de reestruturação da cidade que é sustentada por uma união de interesses políticos, econômicos e sociais. Partindo disso, os autores apontam que, essas mudanças são legitimadas discursivamente pela realização desses megaeventos e do suposto legado social que os mesmos seriam capazes de proporcionar à cidade. Não por outra razão, a Prefeitura do Rio de Janeiro denomina de Projeto Olímpico ao conjunto de intervenções planejadas para a cidade, incorporando sob esta marca tanto as intervenções vinculadas à Copa do Mundo 2014 como às das Olimpíadas de 2016. (CASTRO et al., 2015, p. 12)

40 Portanto, após o Brasil ser confirmado como país-sede dos Jogos Olímpicos e da Copa do Mundo de Futebol Masculino, as entidades máximas organizadoras de cada evento, o Comitê Olímpico Internacional (COI) e a Fédération Internationale de Football Association (FIFA), encaminharam para os Comitês Organizadores Locais (COL), órgãos responsáveis pela organização de forma mais local, caderno de encargos, com ações a serem tomadas pelos COLs, para a realização desses megaeventos. Dentro desses encargos existem

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algumas ações que devem ser tomadas com relação à sustentabilidade para construção das arenas futebolísticas e modificações nas cidades-sede em si.

41 A FIFA traz um caderno de encargos3 mais voltados à realização do próprio evento, com especificações para a construção das arenas, hotéis, aeroportos e mobilidade urbana, deixando um pouco de lado ações que realmente causem alguma melhoria de vida para a população daquele local.

42 Com relação ao conjunto das ações sustentáveis para as cidades-sede que a FIFA traz, as únicas que realmente aconteceram, foram os estádios edificados recebendo a certificação de arenas sustentáveis e o investimento em reformas de parques naturais, que segundo o ICMBio, os Ministérios do Meio Ambiente e do Turismo, investirão juntos cerca de R$ 668 milhões4 na melhoria da infraestrutura de 22 parques espalhados pelo Brasil. Da mesma maneira, no que se refere aos encargos relacionados à sustentabilidade das Olimpíadas5, esses são muito melhor detalhados no plano de gestão e sustentabilidade olímpicos, alterando muito mais o cotidiano da população residente nas cidades-sede que o da Copa do Mundo, tendo quatro pontos principais: a responsabilidade, a inclusão, a integridade e a transparência, sendo esses subdivididos em vários outros pontos.

43 Nesse plano olímpico, são abordados vários temas relacionados à sustentabilidade, tanto no âmbito específico do meio ambiente urbano como no cotidiano da população residente. Tendo alguns desses projetos já iniciados, outros em planejamento e alguns poucos já concluídos, estão sendo realizadas reuniões bienais entre os órgãos organizadores, para a discussão do andamento dos projetos das ações sustentáveis. Analisar o Rio de Janeiro Olímpico e Sustentável requer um esforço que extravasa este trabalho, mas não parece ir muito além da superficialidade das ações de praxe neste campo de ação.

44 Como foi dito, o Estádio do Maracanã e todas as outras arenas construídas ou reformadas para a realização dos Jogos Olímpicos e da Copa do Mundo de Futebol Masculino, tiveram que apresentar certificações de arenas sustentáveis, com valor internacional para poderem receber esses megaeventos. Neste item, o Maracanã escolheu a certificação da Leadership in Energy and Environmental Design (LEED) 6, buscando uma certificação apenas básica, por se tratar apenas de uma reforma e de algumas partes da construção não poderem ser alteradas, por conta do tombamento de parte dela, o que em tese dificultou a implantação de ações sustentáveis mais eficazes. O projeto do Maracanã sustentável incluiu ações que vão desde a reutilização dos recursos hídricos à busca de uma melhor eficiência energética.

45 Portanto, após essa última reforma o Maracanã passou a incorporar algumas práticas sustentáveis7, como podemos assim sintetizar:

46 Com relação à reutilização dos recursos hídricos, o Maracanã passou a recolher a água da chuva através da sua cobertura, para a reutilização dessa água nos banheiros, como, por exemplo, nas pias, descarga e mictórios e também no processo de irrigação do gramado do estádio, reduzindo em cerca de 30% a utilização de água potável nesses procedimentos;

47 No caso da eficiência energética, todos os equipamentos utilizados no estádio são de alta performance, como os aparelhos de ar-condicionado e bombas mecânicas, diminuindo assim a utilização da energia elétrica. Outra ação utilizada é a utilização de

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23.500 lâmpadas com a tecnologia LED, que também auxilia nessa redução do uso de energia;

48 Ainda com relação à redução do uso da energia, o novo Maracanã economizará em torno de 8% de energia com um novo sistema elétrico, que prevê a automação e o controle de elevadores, escadas rolantes, ventilação e iluminação dos ambientes. Todo esse sistema diminui o custo de operação do espaço e evita o desperdício de energia, através do desligamento automático de luzes;

49 A cobertura do Maracanã também recebeu painéis fotovoltaicos que transformam a energia solar em elétrica. O uso de energia solar no aquecimento da água dos vestiários e em parte do sistema de automação dos elevadores e escadas rolante também está na lista de procedimentos sustentáveis8;

50 Mais uma ação tomada foi a utilização de estratégias para evitar a contaminação do solo, da água e do ar durante as obras e operação do estádio. Dentro dessas estratégias, podemos citar a proteção de bueiros, a utilização de trincheiras drenantes e tapumes, para evitar que impurezas infiltrem no solo e no ar, proteção e identificação das árvores e cursos de educação ambiental dados para os colaboradores que participaram das obras;

51 O concreto demolido da cobertura, arquibancada, entre outras partes do Maracanã foi tratado, fazendo com que cerca de 30.000m³ desse concreto (o equivalente a 75% dele) pudesse reutilizados em toda a obra de reforma do Maracanã e em outras obras públicas, com os vergalhões sendo enviados para a reciclagem;

52 Quando o gramado antigo do Maracanã foi retirado, os técnicos responsáveis perceberam que o solo que havia embaixo desse gramado era bastante rico em matéria orgânica, então esse solo foi protegido e separado em montes, para que esse não fosse desperdiçado, sendo esse depois destinado a outras obras com fim paisagístico e agricultura;

53 Toda a madeira empregada na modernização é certificada com o selo FSC (Forest Stewardship Council) e o cimento e o aço utilizados têm conteúdo reciclado. A reforma contou ainda com materiais de baixo índice de Composto Orgânico Volátil, o que ajuda a reduzir as emissões de gás carbônico. A lama proveniente da perfuração das estacas da fundação foi destinada a uma cerâmica e se transformou em 2,1 milhões de tijolos e 560 mil telhas.

54 Portanto, algumas ações realmente foram tomadas na construção do novo Maracanã para transformá-lo em um estádio moderno e sustentável, porém podemos ver que essas ações são muito pequenas para realmente considerá-lo um estádio sustentável – vide o fato dele almejar apenas o nível básico da certificação sustentável, dentro dos quatro níveis possíveis. Mas, a ideia vendida e comprada facilmente pelo público é de um estádio 100% sustentável, sem a divulgação de fatos como esse que mostram que a sustentabilidade do estádio está longe de ser completa.

55 Todavia, nem é esta a questão que aqui se coloca: a rigor, o legado deste investimento bilionário não deveria estar rigorosamente circunscrito ao Estádio do Maracanã; aliás, entendendo o meio ambiente como algo ubíquo e indivisível, investimentos desta natureza deveriam se espraiar por toda a cidade, a região metropolitana e, por que não, unidade da federação. Isto revela o quão a sustentabilidade aqui empregada é seletiva e mercadologicamente instituída, como uma valorosa etiqueta fixada junto à mercadoria produzida.

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56 Com isso, podemos concluir que essas poucas ações sustentáveis feitas durante a operação e construção do novo estádio do Maracanã servem apenas para mascarar outras ações completamente insustentáveis, tomadas pelos órgãos responsáveis pela organização dos megaeventos, como a tentativa de demolição de outros equipamentos públicos o Parque Aquático Júlio Delamare, o Estádio de Atletismo Célio de Barros e a Escola Municipal Arthur Friedenreich, que se encontram dentro do complexo esportivo do Maracanã, todas essas ações foram impedidas, graças a manifestações populares.

57 Outra ação temerária desses órgãos foi a remoção de comunidades do entorno, sem a apresentação de projetos para a área e de qualquer justificativa associada ao interesse público. As duas principais comunidades ligadas ao Maracanã que estavam em um plano de remoção foram: a Aldeia Maracanã, que por conta também do apelo popular e das manifestações acabou sendo mantido o prédio, porém a comunidade indígena foi removida – agora o prédio está tombado pelo INEPAC/RJ e pelo Instituto Rio Patrimônio da Humanidade/RIO e antes das Olimpíadas de 2016 deverá ser restaurado e virar o Centro de Referência da Cultura Viva dos Povos Indígenas9 ; e a comunidade do Metrô, que se encontra em frente a estação do metrô do Maracanã, esta não conseguiu se salvar e passou por esse processo de remoção – vale ressaltar que uma parte dessa comunidade foi removida e reassentada em Cosmo, sub-bairro de Campo Grande, a mais de 50 quilômetros do local e as famílias que resistiram vivendo em meio aos escombros das casas demolidas das famílias que haviam saído, conseguiram ser reassentadas em Conjuntos Habitacionais a menos de dois quilômetros do local.

58 Segundo Gaffney (2015), o Museu do Índio apesar da promessa dos gestores do Município e do Maracanã de virar um centro de cultura indígena, tem no seu estado atual do prédio um completo abandono – não dando condições de ninguém sobreviver sem correr risco no local –, sem nenhuma perspectiva de começar a prometida obra de restauração.

59 A abordagem dos temas sustentabilidade e responsabilidade socioambiental deverá ser cada vez mais empregada em eventos, independente do porte que possuam e do público que atinjam, pois fazem parte da cartilha atual de qualquer grande ação público- privada. Torce-se aqui para que tais termos sejam pensados como contribuições para o meio ambiente e para a população inserida no contexto onde acontecerá o evento em questão. Espera-se que o marketing verde deixe de ser usado somente como ferramenta de conseguir visibilidade e lucro para o organizador e passe a ser objeto de todo um planejamento sério e estruturado.

60 Portanto, o Maracanã não era insustentável ambientalmente, e sua mudança para sustentável não pode ter matriz ecológica. Por que transformar em sustentável algo que não era insustentável? A sustentabilidade do Maracanã, assim como dos Jogos Olímpicos, da Copa do Mundo de Futebol Masculino e de todo megaevento, é uma necessidade econômica, um slogan, uma propaganda a mais, uma ideologia; é a espetacularização do meio ambiente como desserviço à população dessas cidades.

Considerações finais

61 No decorrer do trabalho pudemos perceber que a sustentabilidade – se entendêssemos como salvaguarda das riquezas naturais – não é uma invenção, e sim uma necessidade, para que possamos garantir uma qualidade de vida para as futuras gerações. Porém, sob

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o sistema capitalista vigente, sempre haverá a apropriação dessa concepção, para alcançar o seu objetivo de acumular cada vez mais. Sendo assim, a sustentabilidade se torna muito mais uma exigência do capitalismo contemporâneo, como ideologia e como prática, e sua prática, por sua vez, está longe de implicar em uma relação mais harmônica entre sociedade e natureza.

62 No âmbito dos megaeventos, em parte retratados pelo presente trabalho, uma das questões que se coloca, como de grande relevância para uma crítica contundente acerca da sustentabilidade, é a falta de fato um plano de gestão principalmente na Copa do Mundo que ultrapasse as arenas, para que possa ocorrer realmente um desses eventos de forma “sustentável”, não ligando essa sustentabilidade apenas ao mote ambiental, mas se preocupando também com as questões sociais, econômicas e simbólicas já existentes nas cidades-sede.

63 Durante todas as fases de planejamento, execução e conclusão dos megaeventos, a sustentabilidade é tratada apenas como um “slogan”, uma maneira de espetacularizar essa ideia e utilizá-la para outros fins, como mascarar as ações realizadas por seus gestores que caminham de encontro com as necessidades da população local, como a tentativa de destruição de equipamentos esportivos e de uma escola que existem no entorno do Maracanã, que só não acontecerão por conta de um apelo popular muito forte, realizado através de manifestações. Mas, infelizmente, uma dessas ações foi realizada, que foi a remoção da favela Metrô-Mangueira.

64 Portanto, podemos concluir que os megaeventos esportivos trazem como principal mercadoria o esporte, e isso aplica uma condição just-in-time até mesmo em seus estádios; eles estarão sempre inacabados, pois a cada evento novas necessidades virão, tendo em vista que o estádio do Maracanã precisará passar por novas obras para se adequar as exigências olímpicas. Necessidades estas que são inventadas, não obrigatoriamente embelezam o espetáculo e sequer trazem como exigência benefícios para aqueles que apreciam o futebol. A sustentabilidade tem assim o seu papel cumprido: servir como mote de reestruturação.

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NOTAS

1. O termo da ideologia do desenvolvimento sustentável tratada nesse trabalho é referente a teoria apresentada por Leandro Dias de Oliveira [Consultar: http://www.e-publicacoes.uerj.br/ index.php/tamoios/article/view/648/683, acessado em: 04 fev. de 2015], que discute como, no tempo presente, a natureza é enxergada eminentemente como mercadoria, funcionando como um mecanismo de alienação e dominação de classe. 2. Para dados mais detalhados ver: http://www.transparencia.gov.br/copa2014/cidades/ execucao.seam?empreendimento=50. Acessado em: 04 fev. de 2016. 3. Ver mais em: http://www.secopa.ba.gov.br/sites/default/files/ Caderno%20de%20Encargos%20da%20FIFA%20-%205a%20edicao%20-%202011%20- %20Portugues%20-.pdf. Acesso em 22 jun. de 2015. 4. Ver mais em : http://oglobo.globo.com/sociedade/sustentabilidade/governo-investe-015-do- prometido-no-programa-parques-da-copa-12624725. Acessado em: 15 jan. de 2016. 5. Ver mais em: http://www.rio2016.com/transparencia/sustentabilidade. Acesso em: 23 de junho de 2015. 6. Ver em: http://www.copa2014.gov.br/pt-br/noticia/novo-maracana-uso-de-energia-solar-e- economia-de-agua-e-luz. Acesso em: 22 Jun. de 2015. 7. Os dados citados foram retirados em: https://www.youtube.com/watch?v=uDkEG-osezc, http://www.copa2014.gov.br/pt-br/noticia/novo-maracana-uso-de-energia-solar-e-economia- de-agua-e-luz e http://www.rj.gov.br/web/imprensa/ exibeconteudo;jsessionid=898E637AD2B3C3536ECC580F81326EE0.lportal2? p_p_id=exibeconteudo_INSTANCE_2wXQ&p_p_lifecycle=0&p_p_state=pop_up&p_p_mode=view&_exibeconteudo_INSTANCE_2wXQ_struts_action=%2Fext%2Fex Acessado em: 22 jan. de 2016. 8. O recebimento de placas fotovoltaicas para a captação de energia solar em uma área de 2,5 mil m² sobre o anel de compressão do Maracanã tem capacidade para gerar 528 mil kwh por ano – cerca de 20% do que ele consome, o equivalente ao consumo anual de 240 residências. O investimento, avaliado em R$ 6 milhões, ainda pretende evitar o despejo de 2,5 mil toneladas de gás carbônico na atmosfera. Ver: http://conexaolight.com.br/01/maracana-solar-energia-limpa-no-palco-da-final-da-copa- de-2014/. Acesso em: 22 jun. 2015. 9. Informação encontrada no site: http://aldeiamaracana.com/. Acesso em: 5 dez. 2015.

RESUMOS

Ao nosso ver, o conceito de sustentabilidade tornou-se ferramenta de manipulação por parte dos grupos dominantes. Associada aos mega-eventos, esta concepção é utilizada como um slogan segundo o qual a realização deste tipo de acontecimento não vai senão melhorar a cidade e o futuro dos seus habitantes. O presente artigo analisa o caso do Estádio Jornalista Mário Filho (Maracanã), que sofreu intenso processo de modernização por conta da Copa do Mundo (2014) e dos Jogos Olímpicos (2016) sob a égide da sustentabilidade.

We believe the concept of sustainability has become a manipulation tool for dominant groups. Associated to mega-events, this idea is widely used as a slogan which sells these events will

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improve the city and the future of its inhabitants. This paper takes a look at the Jornalista Mario Filho Stadium (Maracanã), which suffered intense modernization due to the World Cup (2014) and the Olympic Games (2016) under the idea of sustainability.

A notre avis, la conception de sustentabilité est devenue un outil de manipulation par les groupes dominantes. Associée aux méga-événements, elle est utilisée en tant qu’un slogan : l’événement ne va qu’améliorer la ville et le futur de ses habitants. Dans ce texte, on analyse le cas du Stade Journaliste Mário Filho (Maracanã), qui a subi un intense processus de modernisation en fonction de la Coupe du Monde (2014) et des Jeux Olympiques (2016) sous l’égide de la sustentabilité.

Este trabajo pretende discutir la concepción de sustentabilidad, que se convirtió por medio de su “espectacularización” en un instrumento de manipulación de los grupos dominantes. La sustentabilidad, viene siendo usada en los mega eventos como una especie de “slogan” para vender la imagen, que el evento está ayudando a construir un futuro mejor del lugar donde el ocurre. En este artículo, se analizará el estadio Jornalista Mario Filho (Maracanã), que sufrió un profundo proceso de modernización para el mundial de futbol y los juegos olímpicos y utilizó los supuestos del modelo sustentable.

ÍNDICE

Keywords: sustainability, mega sport events, World Cup, Olympic Games, environmental issue Palabras claves: sustentabilidad, Mega eventos deportivos, Mundial de futbol, Juegos Olímpicos, cuestión ambiental. Palavras-chave: sustentabilidade, megaeventos esportivos, Copa do Mundo, Jogos Olímpicos, questão ambiental

AUTOR

VICTOR AROUCA GOMES Graduado em Geografia [UFRRJ] e Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Territorial e Políticas Públicas da UFRRJ – Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro [PPGDT/UFRRJ]. Membro do LAGEPPE – Laboratório de Geografia Econômica e Política e Práticas Educativas [DEGEO-UFRRJ]. Email: [email protected]

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Duque de Caxias-Rio de Janeiro: contradições entre crescimento econômico e desenvolvimento social Duque de Caxias-Rio de Janeiro: contradictions between economic growth and social development Duque de Caxias-Rio de Janeiro : les contraditions entre croissance économique et développement social Duque de Caxias – Rio de Janeiro: contradicciones entre crecimiento económico y desarrollo social.

Fernando Ribeiro Camaz

Introdução

1 O município de Duque de Caxias está localizado na Baixada Fluminense, região que engloba, historicamente, desde a área da Baía da Ilha Grande até Campos dos Goytacazes, no limite com o Espírito Santo – atualmente, refere-se particularmente ao entrono imediato da metrópole no lado oeste da Baía de Guanabara. Para nos situarmos quanto às peculiaridades que envolvem o município em questão, vamos acompanhar as regras usadas pelo Instituto Brasileiro de Estatística e Geografia (IBGE), que classificam, para efeito de estudo, o território em seis níveis hierárquicos. Esta sistemática parte do macro para o microuniverso, começando pelo país, passando replicando pelas regiões, estados, mesorregiões e microrregiões, até chegar aos municípios de forma individual.

2 Segundo esta linha de classificação e seus conceitos, as mesorregiões são subdivisões dentro dos estados brasileiros que congregam diversos municípios dentro de uma área geográfica específica, que apresentam similaridades econômicas e sociais. Criadas pelo IBGE são utilizadas para fins estatísticos e não constituem, portanto, uma entidade política ou administrativa. Como já dito, e, seguindo esta linha de raciocínio, microrregião, de acordo com a Constituição Brasileira de 1988, é um agrupamento de

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municípios limítrofes, cuja finalidade é integrar a organização, o planejamento e a execução de funções públicas de interesse comum, definidas por lei complementar estadual.

3 No Brasil, os municípios são uma circunscrição territorial dotada de personalidade jurídica e com certa autonomia administrativa, sendo as menores unidades autônomas da Federação. Atualmente, são 5.570 municípios distribuídos em 27 unidades da Federação. O estado do Rio de Janeiro esta dividido em 92 municípios.

4 O município de Duque de Caxias está localizado na Região Metropolitana do estado do Rio de Janeiro, possui população de 855.046 habitantes, apresentando densidade demográfica de 1.826 pessoas por km2 – a 8ª maior do estado, segundo o Censo 2010, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O total de 590.370 eleitores representou 5,09% dos 11,6 milhões de eleitores do Rio de Janeiro, configurando-se o 3.º colégio eleitoral fluminense. Ainda de acordo com o Censo de 2010, 99,6% da população é urbana e apenas 0,4% é rural.

5 No ranking dos municípios que representavam 25% do Produto Interno Bruto (PIB) nacional em 2002, Duque de Caxias ocupava a 6ª posição, atrás apenas de São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília, Manaus e Belo Horizonte, respectivamente. Segundo o relatório publicado pelo IBGE sobre o PIB dos municípios do país em 2004, Duque de Caxias ocupava a 7ª posição na região Sudeste, ficando atrás apenas das capitais São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte, e dos municípios de Campos, Macaé (RJ) e Guarulhos (SP). O PIB per capita do município em 2007 era de R$ 33.398,00.

6 O município de Duque de Caxias tem como base do seu crescimento econômico o refino do petróleo, operado na Refinaria de Duque de Caxias (REDUC), localizado no seu segundo distrito, Jardim Primavera, onde também está localizada a sede municipal desde 1991. Em 1999 este município correspondia a 0,8% do PIB do Brasil e em 2002 ele já apresentava o 6º lugar no ranking do PIB brasileiro, com 1%. O setor de Petróleo e Gás, especificamente no que se refere à participação da área petroquímica, foi responsável pela inclusão de municípios fluminenses, como Campos, Macaé e Duque de Caxias entre os nove primeiros.

Localização da Refinaria Duque de Caxias

7 O município de Duque de Caxias apresentou um grande crescimento nos últimos anos, com ênfase em dois setores, a indústria e o comércio, entre as suas principais atividades econômicas. O município possui cerca de 810 indústrias e 10 mil estabelecimentos comerciais instalados. Segundo o IBGE, o município de Duque de Caxias registrava o sexto maior PIB (Produto Interno Bruto 1999 - 2002) no ranking nacional e o segundo maior do estado do Rio de Janeiro, em um total de R$ 14,06 bilhões. A cidade ainda hoje, ocupa o segundo lugar no ranking de arrecadação de ICMS do Estado, perdendo somente para a capital. Podemos visualizar na figura 2, a localização da Refinaria de Duque de Caxias e a Baia de Guanabara.

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Figura 1 – Localização da Refinaria de Duque de Caxias

Fonte: Digital Globe (2007)

8 Quanto à educação no município, podemos afirmar, segundo dados do Estudo Socioeconômico dos Municípios Fluminenses, elaborado pelo Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro, o número total de matrículas nos ensinos infantil, fundamental e médio de Duque de Caxias, em 2009, foi de 209.209 alunos, tendo involuído para 193.376 em 2010, apresentando variação de -7,6% no número de estudantes.

9 Empresas de vários segmentos têm-se instalado em Duque de Caxias, tais como o Jornal O Globo e o Carrefour, aproveitando a privilegiada posição do município, próximo das principais rodovias brasileiras: Linha Vermelha, Linha Amarela, Rodovia Presidente Dutra, Rodovia Washington Luiz e Avenida Brasil, além da proximidade do Aeroporto Internacional Tom Jobim e a distância de apenas 17 km do Centro do Rio, levando seus produtos facilmente para grandes centros consumidores: São Paulo, Minas Gerais e Sul do Brasil.

10 O maior parque industrial do Rio de Janeiro fica no município, tendo empresas cadastradas como Texaco, Shell, Esso, Ipiranga, White Martins, IBF, Transportes Carvalhão, Sadia, Ciferal, entre outras. O segmento está mais concentrado nos setores de química e petroquímica, estimulados pela presença da REDUC, a segunda maior do país que possui um Polo Gás-Químico e conta com a Usina Termelétrica (Leonel Brizola), conhecida como Termorio.

11 A Refinaria de Duque de Caxias (REDUC) embora seja a maior empresa do setor petroquímico no município e a maior geradora de empregos, tem 70% de sua mão-de- obra importada de outros municípios do Estado, o que compromete a inserção na economia local da riqueza produzida pela empresa. Fica, portanto, a população local

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restrita a empregos indiretos gerados por empresas terceirizadas, cujas atividades são menos sofisticadas com níveis de remuneração menores. No cadastro industrial da Firjan, Duque de Caxias ocupa a segunda posição em número de empregados no Rio de Janeiro e a terceira em número de estabelecimentos, atrás apenas da própria capital e de Petrópolis.

12 Os principais segmentos industriais são: químico, petroquímico, metarlúgico, gás, plástico, mobiliário, têxtil e vestuário. Apesar de um contexto que combina forte crescimento econômico nacional e consistente diversificação da economia fluminense, Duque de Caxias não experimenta um ciclo virtuoso caracterizado por elevados níveis de investimentos produtivos e em infraestrutura dentro do município, atraídos por suas vantagens comparativas.

13 Conforme podemos visualizar na figura 3, através do número de pessoas admitidas e desligadas por setores de ocupação formal em Duque de Caxias (período de janeiro a outubro de 2010). De forma correspondente, são essas três áreas que mais movimentam o mercado com admissões e desligamentos ao longo do ano (figura 3).

Figura 2: Número de pessoas admitidas e desligadas por setores de ocupação em Duque de Caxias.

Fonte: www.caged.gov.br. Acesso em 06/12/2010.

14 Com isso, a expansão dos níveis de emprego e renda, não estão combinados a uma melhoria generalizada da capacidade dos atores públicos e privados em reduzir os desequilíbrios socioambientais, com resultado no incremento da qualidade de vida da população duque caxiense, aliado a integração ao processo de desenvolvimento da cidade.

Caracterização do mercado de trabalho formal

15 De acordo com o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED), foi possível caracterizar o perfil do mercado de trabalho formal do município. As três principais atividades que empregam a população caxiense são: serviços, comércio e indústria de

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transformação, respectivamente (figura 4). Conforme podemos visualizar na figura 4, os principais setores econômicos e o percentual de empregabilidade por áreas, em 06 de dezembro de 2010, Duque de Caxias.

Figura 3: Cadastro Geral de Empregados e Desempregados.

Fonte: www.caged.gov.br. Acesso em 06/12/2010.

16 Desde a emancipação do município, vários fatores econômicos e sociais contribuíram para o seu crescimento populacional que aumentou em 1.422% nas suas três primeiras décadas de existência. Na década de 1960, a instalação da Refinaria de Duque de Caxias (REDUC) e a formação de um complexo industrial composto por petroquímicas e distribuidoras de gás de cozinha e combustível tornaram-se atrativos à migração de habitantes do interior do Rio de Janeiro e de outros Estados. Outro fator que concorreu para o aumento populacional em Duque de Caxias, ainda na década de 1960, foi à especulação imobiliária na cidade do Rio de Janeiro, quando uma parcela da população carente deste município, em sua maioria de baixa escolaridade e sem qualificação profissional, transferiu-se para os municípios próximos, mantendo vínculo empregatício no centro da metrópole. Contudo, segundo Albuquerque, (1994:89) e Lago (2000), essa ocupação crescente não teria sido acompanhada de obras suficientes de infraestrutura urbana.

17 Segundo IBGE, Duque de Caxias é o quarto município do Estado em população, com densidade demográfica alta e crescimento populacional, acelerado. A densidade demográfica do município é de 1800 pessoas por Km², a 8º do estado. A taxa média geométrica de crescimento anual para os anos de 91/96 foi de 1,38%, muito maior do que as médias do Estado (0,92%) e da região metropolitana (0,76%). A taxa de crescimento anual estimada de 0,7% com esperança de vida ao nascer de 67,49 anos. A população residente estimada do município, em 2009, era de 872.762 habitantes. Conforme podemos visualizar na figura 5, o gráfico a seguir mostra o crescimento populacional de Duque de Caxias de 2000 a 2009.

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Figura 4: População residente/Estimativas utilizadas pelo TCU para determinação das cotas do Fundo de Participação dos Municípios –– FPM.

Fonte: DATASUS.

Índice de Desenvolvimento Humano (IDH)

18 O objetivo da elaboração do Índice de Desenvolvimento Humano é oferecer um contraponto a outro indicador muito utilizado, o PIB per capita, que considera apenas a dimensão econômica do desenvolvimento. O IDH pretende ser uma medida geral, sintética do desenvolvimento humano. Ele parte do pressuposto de que para aferir o avanço de uma população não se deve considerar apenas a dimensão econômica, mas também outras características sociais, culturais e políticas que influenciam a qualidade da vida humana (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, 2010).

19 O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) é uma medida comparativa obtida pela média aritmética simples de três dimensões ou subíndices: longevidade (esperança de vida); educação (taxa de alfabetização de adultos e taxa de escolarização) e da renda (PIB per capita ajustado) e é uma forma padronizada de avaliação e medida do bem- estar de uma população.

20 O índice varia de zero até 1, sendo considerado:

21 muito alto, maior ou igual a 0,800 até 1,000 (1 município);

22 alto, quando maior ou igual a 0,700 até 0,799 (57 municípios);

23 médio, de 0,600 a 0,699 (34 municípios);

24 baixo, entre 0,500 e 0,599 (nenhum município);

25 muito baixo, entre 0 e 0,499 (nenhum município).

26 O IDH de Duque de Caxias calculado em 2000, pelo IBGE, revela um IDH de 0,753, ocupando o 52º lugar no Estado do Rio de Janeiro onde o Município de Niterói tem o 1º maior valor de IDH (0,886). Mas se na virada do milênio, Duque de Caxias começava a expressar um crescimento econômico de fôlego, o mesmo não se vê em sua situação social. O IDH-M brasileiro em 2002 teve a media de 0,764. O IDH-M de Duque de Caxias teve no ano 2000 o valor de 0,753, estando em 56º lugar no estado e em 1796º no Brasil.

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27 Já IDH de Duque de Caxias calculado em 2010, ano do último censo completo do IBGE, revela um discreto aumento no IDH que subiu para 0,711, ocupando o 49º lugar no Estado do Rio de Janeiro e a modesta posição de 1574º no Brasil. Conforme podemos visualizar na figura 6, a tabela com o ranking do IDHM dos Municípios de 2010 (com dados dos Censos 1991, 2000 e 2010).

Figura 5: Ranking do IDHM dos Municípios de 2010.

Fonte: Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil, 2013.

28 O município de Niterói ,apesar de uma pequena queda, continua em primero lugar no estado com o maior valor de IDH (0,837) e ocupando o 7º lugar a nível nacional. O gráfico abaixo compara o IDH de Duque de Caxias com o da capital e com o dos outros municípios da região, com os quais estabelece fronteiras, mostrando o lugar que ocupam no ranking estadual.

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Figura 6: Comparações do IDH de Duque de Caxias com o da capital e com o dos outros municípios da região.

Fonte: Plano Municipal de Saúde 2010-2013.

29 Os dados do quadro acima constatam que, as condições de vida da população de Duque de Caxias, em relação aos demais municípios da região adjacente a ele não é boa, pois Duque de Caxias possui o terceiro pior IDH dentre os municípios vizinhos. Estes indicadores sugerem que as condições materiais de vida são bastante desfavoráveis em todas as áreas do Município. Sabendo-se que a esperança de vida ao nascer em Duque de Caxias é de 67,49 anos (dados do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) / Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) / Fundação João Pinheiro (FJP)) e que o município possui a segunda maior economia do Estado, como é possível que Duque de Caixas apresente um IDH que é o 56º do estado e o 1796º do Brasil?

30 O fato de Duque de Caxias ter um PIB tão expressivo e uma colocação tão ruim no IDH- M é intrigante; logo, temos que questionar como é possível a geração de recursos substanciais, e tudo isso não refletir internamente na melhoria da qualidade de vida da população. A partir disto, indaga-se se: o cerne do desempenho social de Duque de Caxias, não estaria relacionado à gestão de seus recursos?

31 A Região Sudeste, onde se situa o município de Duque de Caxias e o Estado do Rio de Janeiro, é a região geoeconômica mais importante do país, respondendo, juntamente com os estados de São Paulo, Minas Gerais e Espírito Santo, por 55,4% do PIB brasileiro. O território fluminense, com uma área de 43.766,6 km², está dividido em 92 municípios agrupados em oito Regiões de Governo (Metropolitana, Noroeste Fluminense, Norte Fluminense, Serrana, Baixadas Litorâneas, Médio Vale Paraíba, Centro-Sul Fluminense e Região da Costa Verde).

32 De uma forma geral, as capitais concentram especialmente atividades do setor de serviços, como bancos, financeiras, comércio e administração pública. Além das capitais, 11 municípios se destacam na participação do PIB, todos com equilíbrio entre serviços e indústria, agregando 8,6% da renda do país: Guarulhos, Campinas e Osasco, todos em São Paulo têm cada, 1% do PIB nacional; São Bernardo do Campo (SP), 0,9%;

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Betim (MG), 0,8%; Barueri e Santos (SP), 0,7% cada; Duque de Caxias e Campos dos Goytacazes (RJ) têm 0,7% cada; São José dos Campos (SP), 0,6%; e Jundiaí (SP), 0,5%.

33 A Região Metropolitana do Estado do Rio de Janeiro continua concentrando 67,6% do PIB, apesar de ter perdido 7,5% em participação no período de 2002 a 2010. Já as Regiões Norte Fluminense (3,7%), Costa Verdes (1,8%) e Baixadas Litorâneas (1,1%) aumentaram suas participações no PIB. Já o município do Rio de Janeiro, com 46,7%, teve a maior participação, e São José de Ubá, a menor 0,02%. Estes dados são uma ferramenta de análise setorial, para estudos e planejamento do desenvolvimento sustentável.

34 Em relação ao desempenho municipal em 2010, cinco municípios se destacaram na liderança das participações no PIB do Estado, mantiveram suas posições no ranking e concentraram 64,9% da economia fluminense, contra 66,3% em 2009: Rio de Janeiro (48,2% em 2009 e 46,7% em 2010); Duque de Caxias (6,9% e 6,5%); Campos dos Goytacazes (5,7% e 6,2%); Niterói (2,8% e 2,7%); e Macaé (2,7% e 2,8%).

35 A perda de participação do Rio de Janeiro refletiu, em parte, a moderada recuperação do setor extrativo mineral na maior parte dos municípios produtores de petróleo. Já o município de Duque de Caxias sofreu com o aumento nos preços desta matéria-prima, que impactou a atividade de refino, na medida em que expandiu os custos intermediários, reduzindo o valor adicionado do município. A participação do interior retomou sua trajetória de ascensão, passou de 51,8% para 53,3%, registrando acréscimo de 1,5 %.

36 A Região Metropolitana continuou a ter participação preponderante, com 69,1% em 2009 e 67,6% em 2010. Dentre as demais regiões, cinco melhoraram seu desempenho: Norte Fluminense (10,3% em 2009 e 11,2% em 2010); Médio Vale Paraíba (6,4% e 7,2%); Baixadas Litorâneas (5,0% e 5,3%); Costa Verde (2,6% e 2,9%); e Centro-Sul Fluminense (1,0% e 1,1%). Ao contrário, as Regiões Serrana (4,2% e 3,8%) e Noroeste Fluminense (1,0% e 0,9%) registraram perda de participação. Cabe ressaltar que no Norte Fluminense e nas Baixadas Litorâneas é de suma importância o papel desempenhado pela atividade de extração de petróleo e gás. Na região do Médio Vale Paraíba, a atividade automobilística é a que mais influencia o resultado da sua economia.

37 O maior PIB per capita em 2010 é o de Porto Real, seguido de Quissamã, São João da Barra, Carapebus e Angra dos Reis, repetindo as cinco primeiras colocações de 2009. Porto Real se destaca pelas atividades do setor automobilístico, Angra dos Reis pela geração de energia elétrica [pela presença das usinas nucleares] e os demais pela exploração do petróleo e gás natural. Os menores PIB per capita encontra-se em Conceição de Macabu, Trajano de Moraes e Aperibé, onde se destaca a presença do setor de Administração Pública.

PIB alto X IDH baixo

38 PIB alto não significa, contudo, alto desenvolvimento humano, mostra a pesquisa, e os municípios com as maiores rendas per capita do país aparecem mal colocados no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). Essa situação paradoxal é explicada porque a renda per capita é resultado matemático simples da receita do município dividida pela população, sem levar em conta a distribuição dessa renda nem estatísticas sociais, como saúde ou educação. O exemplo limite dessa situação é São Francisco do Conde (BA) que, com 33.172 habitantes, tem uma das mais altas rendas per capita do país (R$ 296.885,00),

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mas que amarga a 2.743ª posição na lista do IDH dos municípios brasileiros. A distorção acontece porque o município, com IDH de 0,714, tem uma população pequena, mas abriga uma das maiores refinarias do país.

39 Ao entender que o município não se resume a uma mera unidade administrativa, sendo um ente federativo do Estado, e que tão pouco se resume ao seu governo, mas reúne governo, sociedade e demais organizações não governamentais, percebe-se que a gestão dos recursos de um município está nas mãos de um amplo corpo social. Neste ponto é pertinente pensar no conceito de desenvolvimento local para elucidar o pífio desempenho social de um município tão rico em cifras como Duque de Caxias.

40 O conceito de espaço no livro Por uma geografia nova (Milton Santos, 1978), é focal, pois “o espaço é no plano microscópico, como a eletrosfera de um átomo, com um campo de forças com energias desiguais. Em função disso, no plano macro a evolução espacial não se apresenta de igual forma em todos os lugares” (Santos, 1978, p.122). Assim, o espaço por suas características e por seu funcionamento, pelo que ele oferece a alguns e recusa outros, pela seleção de localização, atividades e entre os homens, é o resultado de uma práxis coletiva que reproduz as relações sociais, [...] o espaço evolui pelo movimento da sociedade total. (SANTOS, 1978, p. 171).

41 Milton Santos também denomina o espaço como uma instância da sociedade, fator social e não somente como um reflexo social. Ainda, segundo o autor, o espaço organizado pelo homem é como as demais estruturas sociais, uma estrutura subordinada subordinante. É como as outras instâncias, o espaço, embora submetido à lei da totalidade, dispõe de certa autonomia. (SANTOS, 1978, p. 145).

42 O do conceito de desenvolvimento local deve negar o progresso material como suficiente para o processo de desenvolvimento e reafirmar a participação popular, o protagonismo comunitário, o empenho pessoal; ou seja, estimular iniciativas e recursos endógenos atuando pelo bem-estar coletivo, como partes suas imprescindíveis, tentaram compreender esta dinâmica como pode esta vultosa entrada de recursos, replicarem em indicadores sociais pífios.

43 No que se refere à economia do município de Duque de Caxias, esta começa a ganhar relevo a partir da metade da década de 90. Mas, para fins de reflexão, utilizaremos como recorte temporal dos indicadores o período entre 2000 a 2010, quando serão confrontados o desenvolvimento social e o econômico, considerando alguns municípios do entorno.

44 Sendo urgentes as demandas sociais da população duque caxienses, é possível pensar em mais uma “demora” nos avanços sociais. Portanto, teremos que acompanhar o comportamento de seus indicadores, sociais e econômicos. Sinteticamente, a questão a ser respondida é: há avanços sociais associados ao crescimento econômico local? A partir desta indagação podemos analisar esta problemática do “crescimento econômico versus desenvolvimento social”, pois, tendo-se avanços sociais, podemos questionar até onde a participação comunitária, os recursos endógenos e o protagonismo do cidadão estão envolvidos nestas melhorias; caso entendamos que os avanços sociais são modestos podemos questionar quais são os entraves ao desenvolvimento em escala local. Por fim, esta leitura tem o objetivo específico de indicar quais aspectos geográficos, econômicos e sociais se caracterizam como entraves ou fomentos ao desenvolvimento local em Duque de Caxias.

45 A concepção de desenvolvimento econômico e social a partir da geografia não pode prescindir do conceito de lugar. A justificativa para o uso da escala local no estudo

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sobre desenvolvimento regional é que o lugar é o intermédio entre o mundo e o individuo (SANTOS, 1996), ou seja, é o lugar que materializa as potencialidades do mundo e o coloca em simbiose com o individuo. Afinal, “o mundo, porém, é apenas um conjunto de possibilidades, cuja efetivação depende das oportunidades oferecidas pelos lugares” (SANTOS, 1996, p. 23).

46 O desenvolvimento econômico e social liga-se ao planejamento de médio e longo prazo de políticas públicas e projetos integrados para a cidade, servindo de referência institucional e territorial para articular a discussão do planejamento local, criando espaço para a democratização das decisões, não apenas de demandas imediatas, como a resolução de problemas imediatistas nas áreas sociais e econômicas locais, mas também daquelas decisões que definirão a trajetória do investimento na cidade e seus reflexos na região de influência para as próximas décadas.

47 Lugar [e cotidiano] são as potências gerais para o desenvolvimento, que se traduzem na gestão de recursos humanos, materiais e imateriais. A gestão dentro de um projeto de desenvolvimento local não deve abrir mão da participação comunitária, o que sugere deliberação popular sobre as ações governamentais de forma qualificada; se as camadas mais populares não possuírem as informações necessárias não poderão auferir o custo- benefício desta ou aquela proposta nem contribuírem, refletirem e sugerirem de forma relevante para a resolução dos problemas vividos pela mesma. Para tanto, a participação popular implica descentralização do poder e de informações, valorização dos recursos internos, inclusive o humano, e um planejamento adequado a este fim.

48 A comunidade participa da vida política de seu município quando percebe que pode fazer a diferença, quando não se vê mais como uma força completamente esmagada pela imponência do aparelho estatal. É necessário que o governo não seja visto como algo maciço, movido pelos mesmos tradicionais grupos de poderosos, e inacessível ao cidadão anônimo.

49 Floriano de Oliveira, alerta quanto à limitação dos planos estratégicos imposta nos planos de desenvolvimento local: “Com efeito, multiplicam-se os instrumentos de elaboração de planos de desenvolvimento, sem que sejam explicitados os mecanismos que poderiam concorrer para a distribuição da riqueza e a gestão compartilhada do território. São, nesse caso, propostas que mobilizam os poderes públicos para que estes atuem como indutores de um “desenvolvimento econômico local” que, no entanto, é entendido como o resultado da execução de planos estratégicos que visam mobilizar os recursos sociais e naturais, existentes no território, para viabilizar os interesses do capital. Para além das possibilidades reais de desenvolvimento, tais instrumentos, predominantemente, apenas viabilizam o uso do território para os capitais corporativos e isso se evidencia no fato de que apenas os lugares que sejam de interesse direto das empresas logram algum tipo de aprimoramento das forças produtivas”. (OLIVEIRA, 2007)

50 Para tanto, a descentralização política se concretiza em uma estrutura institucional mais paritária, clara e fluida. Além disso, o governo local não pode achar que os recursos endógenos serão suficientes para o desenvolvimento. Mais do que simplesmente acompanhar os processos já em andamento, a apresentação dos projetos antes de sua implementação possibilita a comunidade avaliar quais benefícios e danos serão causados; desta maneira, a comunidade poderá intervir a fim de otimizar os recursos utilizados sobre aquela área.

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51 Logicamente, se as soluções são locais, isto não significa que são estanques à comunidade. É importante a presença dos governos estadual e federal subsidiando este processo iniciado e conduzido pela população local. A contribuição destas forças deve promover o equilíbrio entre as atividades econômicas do município; da mesma forma, tais forças devem desviar da formação de tão somente ilhas tecnológicas isoladas da realidade da força produtiva local, que não dinamizam economicamente o município como um todo. Logo, o conceito de investimento é ampliado, pois se torna a ultrapassagem do entendimento de investimentos como construções materiais ou reposição de capital sobre os serviços públicos. Campanhas de conscientização sobre direitos trabalhistas, educação ambiental, cuidados domésticos com a própria saúde, e coisas afins são exemplos de ações simples, ao alcance do poder municipal, que representam investimentos no capital humano, ou em outras palavras, “investimento não material” (DAWBOR, 1987).

52 Se os recursos humanos dependem também de investimentos não-materiais ao alcance da administração municipal, isto não difere quanto às infraestruturas físicas ou a situação de domicílio. Mas, neste caso, não se prescinde de uma propriedade política que permita articular o projeto de desenvolvimento local com as outras esferas administrativas. E esta articulação deve estar exposta nitidamente para a comunidade.

53 Floriano de Oliveira faz considerações quanto à perspectiva de gestão compartilhada e ao uso deste instrumento, relativamente a favor das lutas sociais: Do ponto de vista da economia, a escala local não se confunde com a esfera municipal, embora tenha se disseminado no Brasil que projetos de desenvolvimento devam ser produzidos nessa esfera. Na esfera do município, é possível a realização de mudanças sociais importantes que melhorem as condições de vida e organização social. Mas como esses objetivos não se dissociam da melhoria geral das condições de trabalho e geração de renda, os planos de integração e crescimento econômico dependem de um uso racional do solo e compartilhamento de fatores situados em espaços sociais muito mais amplos que os territórios municipais. Defendemos, por isso, a gestão compartilhada, tanto internamente ao município, como forma de restringir o patrimonialismo e o jogo de interesses de grupos econômicos locais, quanto para criar maiores níveis de integração econômica entre os municípios, reconhecendo que os fatores produtivos numa economia globalizada não se restringem a uma cidade ou município”. (OLIVEIRA, 2007).

54 Os programas desenvolvidos pela prefeitura têm este papel, de articular recursos endógenos e exógenos a fim de maximizar as potencialidades do município. Esta tarefa, ainda árdua, foi potencializada pela elevação do município a ente federativo, com a nova constituição brasileira de 1988. Hoje os municípios têm maior poder de arrecadação e de autorregulação, permitindo que desenvolvam em sua estrutura, mecanismos de associação e ajuda mútua como os consórcios, e de participação popular como os conselhos municipais ou ainda o orçamento participativo. São as possibilidades abertas ao desenvolvimento local a partir da constituição de 1988.

Considerações finais

55 Observando o panorama, é fácil concluir que a solução para a questão da dicotomia entre o IDH versus PIB é a criação de mecanismos que combinem princípios da democracia representativa brasileira e a descentralização das políticas públicas. Deve haver uma profunda mudança no foco dos investimentos – sempre os aportes

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financeiros em ciência, tecnologia e desenvolvimento estão nos centros e nos “bolsões de riqueza” – com a criação de mais universidades, escolas técnicas, centros de pesquisas, cultura e lazer em áreas menos favorecidas. Os governos municipais, estaduais e a própria gestão federal devem estimular e liderar de forma integrada os investimentos em educação, geração de empregos, novos centros de pesquisas e cultura em áreas carentes ou com índices de desenvolvimento humano baixo.

56 Porém, o que observamos é um tipo de política imediatista que deve ser desestimulada, pois atende apenas aos interesses financeiros de cunho fortemente empresarial, e, estes não refletem os interesses pautados em um projeto de desenvolvimento regional e nacional consistente que integre o país. Para que este tipo de integração – a melhoria do índice de desenvolvimento humano – se torne real, devemos considerar que todas as regiões do país, em cada uma com suas peculiaridades, são merecedoras da atenção dos Poderes Públicos.

57 Podemos inferir na necessidade de disseminar novas prioridades, pois em um país de proporções continentais as mesmas deverão chegar das áreas mais prósperas até as mais opacas.

58 Neste sentido, destacamos que a educação é um exemplo e deve ter um papel fundamental. Mas esta ferramenta deveria ser amplamente patrocinada pelo Poder Público, mobilizando a sociedade e replicando estes valores em toda nação. As estratégias de política educativa podem e devem explorar as margens de autonomia do sistema escolar, bem como apostar na repercussão ao longo da rede da ação exercida sobre os problemas principais. Um e outro processo requerem, contudo, a consciência clara da compatibilidade entre as políticas ensaiadas no nó educativo e aquelas em curso na pluralidade de outros nós estruturais, o que, em democracia, entenda-se bem, passa menos pela imposição de um plano único e central e mais pela consolidação de um quadro regulador onde possam integrar-se, exprimir-se e concorrer os múltiplos projetos sociais que atravessam a sociedade.

59 Assim, a educação profissional e tecnológica tem de ter, necessariamente, a intencionalidade estratégica do desenvolvimento, recusando, pois, reduzir o seu alcance a mera adaptação da formação escolar e para escolar a necessidades dos empregadores, das forças vivas, do mercado de trabalho, sempre imprecisamente esclarecidas, o que vem a ser, em regra, definido em função do estado conjuntural de diversas relações de força. Avanços substantivos poderão ser possíveis no esclarecimento da questão, levando-se em conta que o sistema educativo, não constituindo apenas um subproduto da estrutura social, deverá estar atento à organização social do trabalho para que amplie as escalas do conhecimento.

60 Não é possível aceitarmos que hoje, quando observamos o desejo de diversas nações em se apropriarem dos recursos naturais do país, os cidadãos brasileiros continuem tendo suas habilidades e competências desperdiçadas, por falta de uma política educacional, clara e objetiva. Evidenciamos a necessidade de geração de novos profissionais cidadãos que possam desenvolver a integração nacional. As soluções já foram encontradas, os meios existem, o que falta apenas é vontade política. Este quadro de carências, associado à tradição de centralização política, produziu uma estrutura viciada, onde é bastante comum o exercício de práticas clientelistas, que minam os canais de participação cidadã. Nestes casos, a descentralização e municipalização são insuficientes para garantir o exercício da cidadania.

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61 O país necessita, portanto, de um projeto de desenvolvimento humano que mescle os fatores econômicos e sociais, integrando os diversos saberes e as fontes de produção. O direito aos serviços essenciais como atendimento médico, educação, habitação, são tão importantes quanto o direito à informação para a conformação de cidadãos habilitados a atuarem de forma direta na política local. O exercício dos direitos políticos é indissociável dos direitos civis e sociais. Daí a crítica permanentemente presente de Paulo Freire (1996, p. 14) “à malvadez neoliberal, ao cinismo de sua ideologia fatalista e a sua recusa inflexível ao sonho e à utopia”. Que literalmente, não estejamos abrindo mão dos recursos naturais e humanos por ineficácia de ações governamentais, facilmente superáveis por meio de um projeto de educação.

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RESUMOS

Este artigo tem como objetivo avaliar a qualidade de vida dos habitantes do município de Duque de Caxias nos últimos anos a partir da análise do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) e, particularmente, por meio do índice de educação. Localizado na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, Duque de Caxias, à revelia do seu crescimento econômico, permanece apresentando pequena evolução das condições sociais de seus moradores.

This paper intends to evaluate life quality of inhabitants of Duque de Caxias in recent years, based on the analysis of the Human Development Index (HDI), and particularly through the education index. Located in the metropolitan area of Rio de Janeiro, Duque de Caxias, ignoring its economic growth, remains with insufficient evolution of social conditions for its residents.

A partir des données de l’IDH et en accentuant les renseignements sur l’éducation, on analyse la qualité de vie de la municipalité de Duque de Caxias – Rio de Janeiro. Localisée dans la région métropolitaine et en situation de croissance économique, les conditions sociales de ses habitants présentent cependant encore une très petite évolution.

Este artículo tiene por objeto, evaluar los incrementos en la calidad de vida de los habitantes del municipio de Duque de Caxias en los últimos años, a partir del análisis del Índice de Desarrollo Humano (IDH) y, particularmente, por medio del Índice de educación. Localizado en la región Metropolitana de Rio de Janeiro, el municipio de Duque de Caxias, al contrario de su crecimiento económico, presenta leves mejorías en las condiciones sociales de sus habitantes.

ÍNDICE

Palabras claves: Duque de Caixas, crecimiento económico, desarrollo social, Comarca Fluminense, IDH. Keywords: Duque de Caxias, economic growth, social development, Baixada Fluminense, HDI. Palavras-chave: Duque de Caxias, crescimento econômico, desenvolvimento social, Baixada Fluminense, IDH. Mots-clés: Duque de Caxias, croissance économique, développement social, Baixada Fluminense, IDH.

AUTOR

FERNANDO RIBEIRO CAMAZ Doutorando em Políticas Públicas e Formação Humana [PPFH / UERJ]. Coordenador didático e professor em cursos de formação e de educação continuada na Escola de Implementação de Programas de Capacitação em SMES – Escola de Gestão & Negócio / Universidade Petrobras – PETRÓLEO BRASILEIRO S. A. Professor dos cursos de MBA da Universidade Castelo Branco e Universidade Candido Mendes. Email: [email protected]

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Ação política e afirmação territorial: turismo de base comunitária entre os caiçaras de São Gonçalo, Paraty, Rio de Janeiro Political action and territorial affirmation: community-based tourism among caiçaras from São Gonçalo, Paraty, Rio de Janeiro Action politique et affirmation territoriale: tourisme à base communautaire parmi les « caiçaras » dans le village de São Gonçalo, Paraty, Rio de Janeiro Acción política y afirmacíon territorial: turismo de base comunitaria entre los caiçaras de São Gonçalo, Paraty, Rio de Janeiro

Thiago Lammoglia Monteiro

Introdução

1 Os povos e comunidades tradicionais que habitam o litoral e o interior da região Sul do Estado do Rio de Janeiro historicamente vêm lutando por seus territórios, uma luta violenta que se faz presente até os dias hoje. Caiçaras, quilombolas e pequenos agricultores sangraram em conflitos contra o capital imobiliário direcionado ao turismo. Famílias foram expulsas de suas terras para a construção de condomínios de luxo, hotéis, pousadas, estradas e marinas. O fato é que a população local não participou do planejamento turístico para sua própria região. Nas próximas páginas, pretende-se tratar, ainda que de maneira embrionária, desta problemática, analisando o caso da comunidade caiçara de São Gonçalo no município de Paraty, estado do Rio de Janeiro, trazendo seu histórico de luta pelo território e sua estratégia de, a partir do turismo de base comunitária planejado e protagonizado por eles mesmos, buscar afirmação territorial e fortalecer os conhecimentos locais de sua cultura.

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2 Com vistas a contextualizar a questão, cabe aqui uma breve definição sobre turismo de base comunitária. Segundo o Ministério do Turismo do Brasil, em edital da Chamada Pública MTUR nº. 001/2008 que visava apoiar projetos deste tipo de iniciativa, o turismo de base comunitária, turismo comunitário, solidário, de conservação, entre outras denominações, [...] busca a construção de um modelo alternativo de desenvolvimento turístico, baseado na autogestão, no associativismo/ cooperativismo, na valorização da cultura local e, principalmente, no protagonismo das comunidades locais, visando à apropriação por parte destas dos benefícios advindos do desenvolvimento da atividade turística (BRASIL, 2008).

3 Neste sentido, é possível apreender que o protagonismo dos sujeitos locais representa uma premissa para a efetivação do turismo de base comunitária. Marta de Azevedo Irving sinaliza que este gênero de turismo tende a favorecer os laços sociais e o sentido coletivo de vida em sociedade, promovendo qualidade de vida, inclusão, valorização da cultura local e sentimento de pertencimento (IRVING, 2009, p. 111). Trata-se, portanto, de uma espécie de interpretação “local” do turismo frente às projeções de demandas e de cenários do grupo social do destino, tendo como pano de fundo a dinâmica de um mundo urbanizado e reticular porém praticando uma atividade por fora da avidez do lucro. Não estamos diante de um resort cujo acesso só é possível para alguns poucos F0 privilegiados BE como acontece em várias áreas da região turística que acompanha a Rio-Santos.

4 A intenção da pesquisa é acompanhar o processo de elaboração e execução de roteiros turísticos de base comunitária por parte dos caiçaras de São Gonçalo/Paraty buscando, sobretudo, investigar a dimensão política inscrita neste contexto, a questão referente à produção e mobilização de saberes locais e o entendimento da população autóctone sobre esse processo. Para tanto, separamos o lugar como conceito central de nossa reflexão à luz da perspectiva pós-colonial levada adiante pelo antropólogo colombiano Arturo Escobar (ESCOBAR, 2005), pois nos permitirá pensar o atual momento da referida comunidade caiçara com a implantação do turismo supracitado. Cremos que este movimento não é apenas uma alternativa ao turismo convencional, mas, sim, parte integrante dos esforços de ação política e afirmação territorial em que a própria comunidade toma para si a tarefa de explicar seu lugar e sua inserção no mundo.

5 Ao examinar o surgimento do turismo rural comunitário na América Latina (datado de meados da década de 1980), Carlos Maldonado nos mostra que as pressões mundiais do mercado turístico sobre o patrimônio natural e cultural daquelas comunidades, somadas às necessidades econômicas e trabalhistas das populações, foram fatores importantes para que se estabelecesse o turismo comunitário rural. Ele ressalta ainda que a estratégia política de preservação do território através do turismo comunitário também aparecia como um fator central, uma vez que o movimento indígena e rural entendia que se tratava de uma oportunidade de incorporação de suas atividades ao processo de globalização de uma forma pensada por eles mesmos (MALDONADO, 2009).

6 O objetivo de evidenciar os sabres locais e a troca de saberes vai ao encontro do que propõe o intelectual português Boaventura de Sousa Santos, defendendo intervenções que denunciem a dominação epistemológica do colonialismo, pois este suprimiu inúmeras formas de conhecimento dos povos colonizados. Cabe, agora, trazer à tona, valorizando, os saberes que resistiram a tal dominação e, consequentemente, promover um diálogo horizontal entre conhecimentos, denominado por ele ecologia de saberes (SANTOS, 2009, p. 7). Nesse sentido, o diálogo com a comunidade caiçara de São Gonçalo será uma oportunidade para ouvirmos as histórias de vida e de luta territorial narradas

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pelos atores locais. Assim, a importância do conhecimento local para a pesquisa se manifesta, pelo menos, de duas formas: de um lado, ele aparece junto com o modo de vida comunitário, como atração do roteiro turístico; de outro, mostra a interpretação dos sujeitos locais em relação aos conceitos que são trabalhados na implementação e na vivência deste roteiro.

7 A metodologia de investigação apoiar-se-á nos princípios desenvolvidos por Carlos Rodrigues Brandão ao redor das noções de “pesquisa participante” e “pesquisa-ação”. De acordo com o autor, só é possível conhecer em profundidade alguma coisa da vida, da sociedade ou da cultura quando há um envolvimento ou empreendimento pessoal entre o investigador e o “que” ou “quem” se investiga. Ainda conforme ele, é a “intenção premeditada” ou uma determinada “relação pessoal e/ou política estabelecida” que sugerem como realizar o trabalho de pensar a pesquisa (BRANDÃO, 1984).

O contexto histórico da região e do lugar

8 Dentre os diversos empreendimentos e planos de desenvolvimento que a região do litoral Sul Fluminense recebeu desde a década de 1930, a construção da Rodovia Rio- Santos e a execução do Projeto Turis (ou Plano de Aproveitamento Turístico), criado em 1973 e apresentado pelo Governo Federal através da Empresa Brasileira de Turismo, foram determinantes para o incremento do turismo de massa, trazendo consequências drásticas para as populações locais. Projetada na década de 1970, a Rodovia Rio-Santos (BR-101) foi construída com o intuito de atender demandas turísticas interligando vários trechos litorâneos considerados “isolados” e, não por acaso, favorecendo a especulação imobiliária na região, já que as terras se valorizaram de maneira bastante significativa. As mais estimadas foram aquelas localizadas à beira-mar e, como podemos imaginar, violentos conflitos acabaram por retirar antigos moradores de seus territórios tradicionais. Roças, mangues e rios passaram a ser propriedade privada e, assim, já não era mais possível se sustentar ali. Onde antes se vivia da subsistência, passava-se a viver de forma desigual e dependente, já que as terras estavam sendo progressivamente tomadas pelos grandes empreendimentos, tais como o estaleiro Verolme, as Usinas Nucleares Angra I e II e o terminal da Baía da Ilha Grande em Angra dos Reis e o Condomínio Laranjeiras em Paraty. Por sua vez, o Projeto Turis, intimamente relacionado à construção da BR-101, visava o aproveitamento turístico do litoral. As belezas naturais e a biodiversidade da região levaram a Embratur a classificar Angra dos Reis como “zona prioritária de interesse turístico”(BRASIL, 1973), visando a instalação de condomínios e hotéis de alto luxo na faixa litorânea (BERTONCELLO, 1992).

9 Publicado em dezembro de 2014, o relatório final de violações de direitos no campo da Comissão Camponesa da Verdade possui um capítulo intitulado, precisamente, Violência contra posseiros decorrentes de obras públicas e da especulação imobiliária: o caso do Litoral Sul Fluminense. Nele são apresentados diversos conflitos entre os anos de 1960 e 1980, sobretudo nos municípios de Angra dos Reis e Paraty. Em sua maioria, eles decorreram da especulação imobiliária fomentada pelos investimentos do governo federal na região que, além da construção da Rodovia Rio-Santos, também já havia promovido o tombamento da cidade de Paraty como Monumento Histórico Nacional em 1966 e instituído o Parque Nacional da Serra da Bocaina em 1971 (SILVA, 2014, p. 275).

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10 Todas estas ações fizeram com que as terras se valorizassem e, por conseguinte, o que se viu foi o aparecimento de grileiros (em geral, grupos armados contratados por grupos urbanos paulistas e cariocas de alta renda) ou de empresas nacionais e multinacionais com seus capangas. Além dos despejos violentos, invasões e cobranças indevidas de documentos de arrendamento ou de parceria, as grilagens forçavam os lavradores, caiçaras e trabalhadores rurais, em geral nativos da região, a assinarem contratos de comodato que descaracterizavam a posse da terra do posseiro e instituía o grileiro como proprietário. Estas populações habitavam há mais de três gerações pequenas áreas na faixa onde fora construída a rodovia, ao serem expulsas de suas terras deslocaram-se para favelas e periferias dos municípios. A situação piorava devido F0 à omissão do Estado perante os conflitos BE inclusive nos casos decorrentes dos próprios empreendimentos públicos (SILVA, 2014 p. 276).

11 Na localidade de São Gonçalo, em Paraty, sua comunidade caiçara sofreu e ainda sofre com esta questão, lutando até hoje pelo seu território. Dentre eles, o relatório destaca caiçaras e agricultores que tiveram suas terras griladas pela empresa S/A White Martins. A população local fora ameaçada de despejo por parte da empresa, que podia contar com a colaboração do Departamento Nacional de Estradas e Rodagens (DNER), signatária das ordens de demolições das casas. A mando do mesmo órgão, as casas acabaram sendo destruídas por tratores da construtora Camargo Corrêa S.A. (SILVA, 2014, p.277).

12 Esta história de violência e injustiça permite que se analise a história da comunidade caiçara de São Gonçalo no interior daquilo que o sociólogo brasileiro José de Souza Martins chamou de realidade social de fronteira. A especificidade do presente caso é que estas fronteiras só passaram a existir com a chegada dos grileiros, que funcionaram como os pioneiros das frentes de expansão descritos pelo autor. As vítimas, no caso os caiçaras, configuram a figura central e sociologicamente reveladora da realidade social, para onde o olhar investigativo deve ser direcionado. Na fronteira se conhece de forma mais explícita os conflitos e as dificuldades que ocorrem no encontro de grupos sociais (MARTINS, 1997:12).

Caiçaras e turismo de base comunitária em São Gonçalo/Paraty: olhares e aproximações

13 Ao abordar o turismo de base comunitária, é necessário definir o que se entende por comunidade e por comunidades tradicionais, já que tais expressões são a essência desta modalidade de turismo. Para a turismóloga Cristiane Costa Novo, o conceito de comunidade é utilizado para designar diferentes grupos com características semelhantes, em contextos diversos e com interesses comuns, expressando também a vontade desses grupos de sanar problemas e de buscar oportunidades coletivas com vistas a beneficiar a maioria (COSTA NOVO, 2011, p.25).

14 Em 2007, o Decreto N° 6.040 de 07 de fevereiro, instituinte da Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais (PNPCT), definiu essas populações como grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais, possuindo formas próprias de organização social. Eles ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa,

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ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos pela tradição (BRASIL, 2007).

F0 15 No entendimento de Antonio Carlos Diegues BE em sua já clássica obra O mito moderno da

F0 natureza intocada (DIEGUES, 2008, p. 89-90 [1996]) BE , culturas e sociedades tradicionais são grupos com forte noção sobre o território a partir do qual se reproduzem em termos econômicos e sociais. Em seus territórios, constroem um modo de vida em simbiose com a natureza, sobre a qual possuem aprofundado conhecimento transmitido de geração em geração pela oralidade. Suas estratégias de uso e de manejo buscam respeitar os ciclos naturais e utilizar de forma sustentável os recursos naturais renováveis. Praticam atividades de subsistência e, também, mesmo que de forma pouco desenvolvida, a fabricação de determinados objetos (na maioria das vezes, de forma artesanal), o que os insere no mercado. É dada importância à unidade familiar, aos símbolos, mitos e rituais e, principalmente, ao ato de reconhecer-se como pertencente ao grupo social.

16 Acerca deste ponto, o antropólogo Alfredo Wagner Berno de Almeida destaca a impossibilidade de compreender os povos e comunidades tradicionais apenas com base em fatores agrários ou econômicos. Estes grupos possuem uma consciência de si como grupo distinto, sendo detentores de uma identidade coletiva própria e de formas de organização que, em primeiro lugar, visam o atendimento das necessidades e das demandas locais. São os elementos da autodefinição e da consciência de suas necessidades que permitem a diferenciação de um grupo em relação ao outro (ALMEIDA, 2010, p.105-106).

17 Neste debate, cabe incluir ainda a contribuição de Cristina Adams (2000), cuja detalhada pesquisa bibliográfica sobre comunidades tradicionais revela que, ao produzir suas caracterizações, muitos autores desconsideraram o processo histórico e as mudanças sociais e econômicas pelas quais estas populações passaram. No passado os caiçaras eram tidos como lavradores-pescadores e tinham a agricultura de subsistência como principal atividade, exercendo a pesca de forma pouco desenvolvida. Entre as décadas de 1930 e 1950, com a introdução do cerco e do barco a motor, ocorre uma importante mudança no modo de vida caiçara que resultou em uma dedicação maior à atividade pesqueira. Particularmente, o litoral do Sudeste passou tanto por períodos históricos de prosperidade, em que surgiam alternativas econômicas aos caiçaras, quanto de estagnação econômica, ocasião em que os caiçaras, às vezes, voltavam a trabalhar em suas atividades tradicionais a fim de garantir sua subsistência (MOURÃO apud ADAMS 2000, p. 151). O argumento central de Adams é que muitas das concepções sobre a cultura caiçara vigentes até hoje foram criadas com base em autores que fizeram suas descrições justamente em períodos históricos de estagnação econômica, quando estas populações se voltavam a atividades tradicionais de subsistência, consolidando a ideia de uma sociedade primitiva, isolada e auto-suficiente (idem, p. 152).

18 Recentemente, verificou-se que os caiçaras de São Gonçalo/Paraty estão se reorganizando comunitariamente para construir roteiros de turismo de base comunitária que sirvam como uma fonte de renda alternativa às famílias e que possam funcionar como uma ação política de afirmação no território, uma vez que tais iniciativas têm o papel de evidenciar a cultura, o modo de vida e os saberes desta população.

19 Importante movimento que reúne os povos tradicionais da região é o Fórum de Comunidades Tradicionais de Angra dos Reis, Paraty e Ubatuba. Criado em julho de

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2007 o fórum surge como um espaço de articulação e fortalecimento das comunidades tradicionais com o intuito de promover reuniões para discutir questões comuns a estes grupos ligadas ao território, turismo, educação, cultura, e etc. Visando também reconhecer os direitos destas comunidades e lutar para que se concretize o disposto na Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais (BRASIL, 2007) instituída pelo governo federal em fevereiro do mesmo ano (FÓRUM, 2009).

20 Em setembro de 2015, a comunidade caiçara de São Gonçalo sediou uma reunião ampliada deste fórum, que contou com a participação de mais de setenta pessoas entre indígenas, quilombolas, caiçaras e colaboradores. Nele foram aprofundados os debates sobre estratégias como ações jurídicas na defesa do território, agroecologia e turismo de base comunitária.

21 Como atividade prática, foi proposta aos participantes a vivência de dois roteiros em vias de elaboração pelos caiçaras de São Gonçalo. Um deles trouxe as iniciativas da agroecologia praticadas na comunidade, apresentadas na visita à “roça do Colméia”, onde o grupo familiar trabalha a agricultura em um sistema agro florestal com técnicas de roçada que permitem consorciar a produção em meio a floresta. Outra proposição residiu em um passeio náutico pela costa e ilhas próximas às praias de São Gonçalo e São Gonçalinho enfatizando a beleza natural da região. Porém, mais que um passeio turístico, trata-se de uma oportunidade de reconhecimento (interno e externo) e de comunicação, pois, neste momento, as lideranças locais puderam contar a história da luta pelo território que marca a vida da população local. Uma luta exemplificada com a visita à “Ilha do Pelado”, onde uma família caiçara expulsa da praia de São Gonçalo há cerca de vinte anos resiste, com seu pequeno comércio, às pressões de órgãos ambientais, que insistem em ações judiciais para fechar o estabelecimento (FÓRUM, 2015).

Considerações parciais

22 Percebe-se que os caiçaras de São Gonçalo estão em um momento muito rico de troca de experiências com outros grupos tradicionais, compartilhando saberes e produzindo conhecimentos na elaboração de uma iniciativa nova para eles que é o turismo de base comunitária. A comunidade vê a oportunidade de pensar o seu lugar explicando o contexto em que ele se insere a partir de uma prática de turismo alternativa ao turismo convencional que tanto os prejudicou. Neste caso, uma ação política para evidenciar as injustiças, o histórico de luta, fortalecer a cultura e os saberes locais e assim, continuar batalhando pelo reconhecimento por parte de toda a sociedade civil e do poder público em relação ao seu território. Acompanhar e participar este processo será uma interessante forma de entender a história e a realidade local.

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RESUMOS

O presente texto sintetiza nossas primeiras reflexões (ainda em curso) sobre a criação de roteiros de turismo de base comunitária entre os caiçaras de São Gonçalo, município de Paraty, Rio de Janeiro. Esta iniciativa é entendida como ação política que evidencia o histórico de luta da comunidade por afirmação territorial, ressaltando a importância do conhecimento local na produção dos roteiros e na contextualização do lugar onde a comunidade desenvolve sua existência.

This paper sums up our first thoughts (in progress) on the establishment of community-based tourism routes among caiçaras of São Gonçalo, city of Paraty, Rio de Janeiro. This initiative is seen as political action that reflects the community’s historical struggle for territorial claim, highlighting the importance of local knowledge in producing guides and contexts of places where the community exists.

Ce texte synthétise nos premières réflexions (encore en cours) sur le tourisme à base communautaire parmi les pêcheurs « caiçaras » dans le village de São Gonçalo, municipalité de Paraty, Rio de Janeiro. On comprend que ce genre de tourisme fait partir d’une action politique capable de mettre en évidence une histoire de conflits au nom de l’affirmation territoriale. Au même temps, le tourisme à São Gonçalo signale l’importance des connaissances locales dans la réalisation des voies touristiques et dans la contextualisation de l’endroit où la vie de la communauté se déroule.

El actual texto sintetiza las primeras reflexiones (aún en curso) acerca de la creación de rutas de turismo de base comunitaria entre los caiçaras en la cercanía de São Gonçalo, ciudad de Paraty, Rio de Janeiro. Esta iniciativa se entiende como acción política que evidencia la lucha de la comunidad por afirmación territorial, destacando la importancia del conocimiento local en la producción de las rutas y la contextualización del lugar en donde la comunidad desarrolla su existencia.

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ÍNDICE

Keywords: caiçaras, community-based tourism, local knowledge, territory, Paraty-RJ. Palabras claves: caiçaras, turismo de base comunitaria, conocimiento local, territorio, Paraty- RJ. Mots-clés: caiçaras, tourisme à base communautaire, connaissance locale, territoire, Paraty-RJ. Palavras-chave: caiçaras, turismo de base comunitária, conhecimento local, território, Paraty- RJ.

AUTOR

THIAGO LAMMOGLIA MONTEIRO Graduado em Geografia pela Universidade de São Paulo. Mestrando do Programa de Pós Graduação em Geografia da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (PPGGEO/UFRRJ). Laboratório Política, Epistemologia e História da Geografia(LAPEHGE/UFRRJ). Email: [email protected]

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