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Pe. PASCOAL LACROIX <0. F. M. BUENO DE SEQUEIRA

O À LUZ DA RAZÃO

1941 Ffli.l: Rua São Joié, 38 - Tel.fone 42-8787 RIO DE JANEIRO NIHIL OBSXAT. Taubatö, ln festo Corporis Christi, 1940. P. Ferd. Baumhoff S. C. J. libr. censor ad-hoc.

NIHIL OBSTAT. Rio, 17 de Julho de 1940. Padre ]. Bat. da Siqueira.

IMPRIMATUR Vig. Geral. Mons. R. Costa Re go Rio, 23-7-1940.

IMPRIMI POTEST. TaubatO, in testo A ssum ptionis B. M. V, a n n l 1940 P. P. Storms Praep. prov. brasll. ÍNDICE

Prefácio . . . 9

Introdução — Plano Geral — Cristianismo — M ateria­ lismo — Espiritismo — Noções preliminares . . 18

PRIMEIRA PARTE: FENÔMENOS OU FATOS ALEGADOS ...... 31 Cap. 1." — Relatório dos fenômenos supranormais . 33 A) — Fenômenos experimentais ou provocados 33 1.*) Telccinésia — Levitação — Transporte 33 2.°) T e le p a tia ...... 39 n) As pancadinhas ou tiptologia . . 61 b) Toque com membros invisíveis . . 63 c) Fenômenos telecinéticos .... 64 d) Fenômenos luminosos...... 64 B) — Fenômenos espontâneos...... 76 Série 1.* — Fatos cujos autores preternatu- rais parecem bem definidos .... 1.” — Cenas b a ru lh e n ta s...... 2.° — Telccinésia — transportes . . 81 3.° — Idem — em Paris, Berlim, na Bélgica, em Java, etc...... 82 4." — Fenômenos ligados a pessoas . . 87 Série 2.* — Fatos cujos autores preternatu- rais parecem mal d e fin id o s...... 89 — 6 —

C — O Espiritismo no B rasil...... Cap. 2° — Realidade dos fenômenos supranormais . 10-11 — Estado da questão ...... 104 A) — Critérios gerais ...... 106 1) Confiança que merecem os observa­ dores de fenômenos ocultos . . . 106 2) Confiança que merecem os médiuns 108 B) — Verdadeiros fenômenos do último te m p o ...... 115 C) — A grande objeção contra a realidade . 121 D ) — Resumo das deduções obtidas . . 129 Cap. 3.“ — Causalidade dos fenômenos supranormais — Estado da questão ...... 131 A) 1.* Proposição — Os fenômenos supra­ normais excedem as forças humanas . 133 Art. I — Fenômenos parapsíquicos do telccinésia c de lelcplástica 133 Art. II — Fenômenos paraíísicos . . 152 Art. III — Fenômenos espontâneos 157 B ) 2,a Proposição — Os fenômenos supra­ normais uão são produzidos pelos des­ encarnados ...... 163 I : Pela doutrina Católica — Filosofia — T e o lo g ia ...... 164 II: Pela doutrina dos Espiritas — Teo­ ria do perispírito — Não-idcntifica- ção dos espíritos — Fatos — Con­ fissão de sábios espiritas e de mé­ diuns — Comunicação na teoria an- glosaxônica ...... 170 C) 3." Proposição — Os fenômenos supra­ normais são produzidos por espíritos e estes só podem ser os maus espíritos ou demônios da concepção católica . ■. . 187 Estado da questão ...... 187 I : Fenômenos espontâneos ...... 188 II: Fenômenos experimentais...... 190 a) Fenômenos psíquicos ou parapsíquicos . 190 b) Fenômenos físicos ou parafísicos . 192 C|P. 4.» — Em que sentido entendemos a interven­ ção diabólica no Espiritismo .... 198 a) pelo ambiente das sessões . . . 208 b) pelas circunstâncias de lugar e tem­ po que envolvem as sessões . . 208 ' c) pela instituição do médium . . . 208 Conclusão ...... 231 Cap. 5.“ — A ) Sinais diabólicos que os fenômenos trazem c o n s ig o ...... 233 B) Ação diabólica através dos tempos — Relação do Espiritismo com a necro- inância c a m a g ia ...... 241 C o n c ln s ã o ...... 253

SEGUNDA PARTE: COMUNICAÇÕES OU MEN­ SAGENS ...... 259 Cap. 1.° — Histórico do Espiritismo moderno . . 262 Cap. 2.° — Mensagens de caratcr profano . . . 272 Cap. 3.° — Mensagens de carater religioso — A re­ ligião e s p i r i t a 287 Cap. 4.° — Ainda as mensagens — A rcencarnação 314

TERCEIRA PARTE: CONSEQUÊNCIAS LÓGI­ CAS ví . . . . 335 Cap. 1.° — Superstição c cepticismo . . . 337 Cap. 2° — Imoralidade ...... 342 Cap. 3.” — I.oucura e suicidio . . 356 Cap. 4.” — Condenação .... 379 I : Pela autoridade religiosa .... 379 II: Pela autoridade c iv il ...... 383 C o n c lu sõ e s...... 386 Exortação fin a l ...... 403 PREFÁCIO

O Espiritismo apresenta-se-nos como uma congérie de coisas misteriosas. Entre estas pa­ rece haver fatos incontestáveis ao lado de fraudes inúmeras e inegáveis. Como distin­ guir uns dos outros? Como discernir a reali­ dade da fraude? O meio seguro que nos assiste para conhecermos a verdade c distinguirmo-la da fraude, da ilusão e do erro, é a nossa ra­ zão. Pela razão iios distanciamos dos ani­ mais. Nós não conhecemos a verdade inlul- tivaniente. Intuitivamente apenas percebe­ mos os primeiros princípios universais e. des­ tes nos servimos para chegarmos ao alcance das verdades mediatas. Os nossos sentidos lambem são meios que nos levam à posse da verdade, mas eles não nos proporcionam logo plena certeza da objetividade daquilo que percebemos por meio deles. Apreendem e transmitem sim­ plesmente as primeiras impressões do que acontece fora e dentro de nós, impressões es­ sas que devemos sujeitar ao exame da razão para apurar-lhes o conteúdo de verdade, de falsidade ou de ilusão. Seria insuficiente e superficial estudar o Espiritismo somente À LUZ DOS FATOS. O físico que procede cientificamente não se — 10 — contenta com os contornos e as aparências dos fatos. Procura descobrir a causa intima e até as leis que dirigem a produção dos fe­ nômenos que se lhe oferecem ao exame. Com esta análise chega a estabelecer a realidade dlos fatos físicos. Semelhantemente, temos de proceder com respeito ao Espiritismo. Para não ser­ mos taxados de superficiais e incienlificos, in­ cumbe-nos indagar qual a natureza intima dos fenômenos espiritas, qual a causa que os pro­ duz, e, consequentemente, indagar se êles acreditam ou não as MENSAGENS que o Es­ piritismo oferece a seus crentes. E’ só pelo raciocínio que conseguimos apurar a verda- (io a esse respeito. Eis ai o terreno firme, porque neutro, em o qual só é possível aceitarem-se discus­ sões sobre o Espiritismo; é o único terreno em que podemos terçar armas com espiritas para apurarmos a natureza e a objetividade dos fenômenos e mensagens. Verificando o absoluto acordo dos fatos espiritas com essas primeiras verdades, conseguiremos concluir para a realidade deles e afirmar a sua ínti­ ma natureza. A própria ciência exige conhecimento das coisas pelas causas. Onde não há conhecimen­ to das causas íntimas, onde só se consideram os fenômenos externos, não há ciência. Querendo, pois, tratar do Espiritismo cientificamente, escolhemos para este livro um titulo que mais correspondesse à nossa finalidade:"O ESPIRITISMO À LUZ DA RA­ ZÃO," De-fato, pretendemos examinar, den- — 11 — tro desta oficina das ciências, os dados do ESPIRITISMO. Atirá-los-emos para dentro do cadinho da razão e os iremos distribuin­ do em secções logicamente concatenadas. Só assim esperamos restabelecer a verdade. Só assim esperamos evitar a imensa confusão a que os espiritas arrastam os seus adver­ sários. Não será imodéstia nossa se afirmarmos que o nosso esforço representa um progres­ so na literatura anti-espirita em lingua por­ tuguesa. Geralmente, os autores que nos pre­ cederam fizeram obra de polêmica; e é sabi­ do que as polêmicas nunca obedecem a um plano preestabelecido, -porque, em regra, um contendor atrai o outro para terreno impre­ visto. Alem disso, os nossos predecessores tra­ çaram-se um programa restrito: ou o estu­ do cientifico de uma só parte do problema espirita, ou um estudo geral, mas sem feição cientifica. E assim, no primeiro caso, estu­ dam apenas um lado da questão, — ou os fenômenos, ou as mensagens, ou as causas, ou as consequências, ou a teoria. E, no segundo caso, escrevem livros despidos de aparato científico, sem notas, sem citações autoriza­ das, e, não raro, recheados de anedotas inve- rídicas c de histórias insulsas. Procurando evitar todos os escolhos, to­ mamos ainda o ensejo de ensinar a doutrina católica nos pontos em que ela é negada ou controvertida pelos espiritas. Assim, não nos contentamos em refutar o erro espirita: fornecemos armas para a defesa do catecis­ — 12 — mo e demonstração do dogma católico. De ver que a Sagrada Escritura, neste particular, é o nosso maior arsenal de provas. Sobretudo, estendemo-nos na refutação dos érros mais disseminados e, para sermos completos, nos valemos da Bíblia, assim co­ mo da Filosofia. Deste modo, aí ficam três categorias de argumentos: teológicos, filosó­ ficos e populares, estes tomados de emprésti­ mo à lógica natural, ao bom senso. Isto, de acordo com as várias categorias de leitores que nos lerem a obra. Sc tivermos conseguido estabelecer a verdadeira origem dos fenômenos; se tiver­ mos reduzido a seus justos limites o valor das mensagens; se tivermos mostrado os desas­ trados efeitos do Espiritismo, julgamos ter al­ cançado o nosso escopo: glória de Deus, ser­ viço do Brasil, préstimo à sociedade. Tudo isso pelo êxito, maior ou menor, com que ti­ vermos afastado do perigo espirita tantos mi­ lhões de almas que se acham enredadas cm suas malhas constritoras. E algum êxito esperamos, fiados na pro­ teção da Mãe da Graça, MARIA, a quem de­ dicamos este trabalho. Tudo para maior gló­ ria de Deus! Os Autores. INTRODUÇÃO

Plano Geral

Inegável é a existência de dois mundos bem distintos c separados, — isto é, dois tea­ tros em que há cenas e personagens de or­ dem completamente diferente: 0 Mundo VI­ SÍVEL e o Mundo INVISÍVEL. Inegável é também a relação existente entre esses dois mundos. Seus habitantes po­ dem comunicar-se entre si. Sobre o modo, porem, das comunicações, não estão de acordo os sistemas doutrinários conhecidos. Reduzimos a três pontos a questão sobre as com unicações: O Cristianismo, — admite comunicações razoaveis, restritas, espontâneas; O Materialismo, — não admite comuni­ cações. O Espiritismo, — admite comunicações amplas, contínuas e provocadas. Examinemos as afirmações ou ensina­ mentos de cada sistema. CRISTIANISMO

Deus, — espírito puro, ato puríssimo, en­ te necessário e eterno, — criou: a) Espíritos, ou substâncias incorpóreas intrinsecamente independentes da matéria, criados inocentes, dos quais uns permanece­ ram bons, são os anjos, — e outros se torna­ ram maus, e são os demônios. São invisíveis uns e outros. b) Corpos, ou substâncias corpóreas, — uns organizados, ou vivos; outros, inorgâni­ cos ou inanimados; os primeiros, sempre com­ postos, e os segundos ou elementares ou com­ postos; todos são mudáveis, ponderáveis, es- tensos, e caem sob a ação de um ou mais dos cinco sentidos do homem. c) O homem, que participa das duas substâncias precedentes, por ser composto de corpo, — ou substância corpórea, e alma, — ou substância incorpórea. Pela morte, o corpo se resolve nos seus elementos materiais primitivos, e a alma, que é espirito, segue um destino definitivo, pas­ sando a fazer parte do Mundo Invisível. Tudo que Deus criou c contingente c re­ lativo. Só Deus é Ente necessário e absoluto. Existem relações ou comunicações entre o Mundo Visivel, — o homem, e o Mundo In­ visível, — Deus c os anjos. Mas essas relações, ordinariamente, são invisíveis. Só extraordinariamente, — c por modo de milagre, — c que poderão ser visí­ veis. Deste modo se explica que os espíritos se tornam visiveis ao homem. Os ensinamentos do Cristianismo tem por base a Revelação Divina e a razão humana. A primeira é contida na Escritura Sagrada e na Tradição. A segunda, em uso no homem são, é dirigida pela Lógica, natural ou cien­ tífica.

MATERIALISMO

“E’ o sistema filosófico que considera a matéria como a única realidade no mundo.” (1) Nega comunicações entre o Mundo Visí­ vel e o Invisível, porque só admite o Mundo Visivel. Afirmando que tudo no Universo é resul­ tado das condições ou da atividade da maté­ ria, o Materialismo nega a existência de Deus e da alma. Pode-se dizer que Demócrito, o inventor do atomismo e que viveu no V século antes de Cristo, foi o primeiro escritor materialista; pelo menos, foi o primeiro que negou a exis­ tência da alma. Teve por continuadores: Epi- curo, na Grécia, Lucrécio, cm Roma. Para eles, tudo se resume nos átomos, c estes são eternos e cegos. Nos tempos modernos, Jordano Bruno foi o pioneiro dos materialistas. “A matéria, — disse ele, — é a mãe de todos os viventes.” Mas a idade clássica do Materialismo co­ meça com La M eifric (1709-1751) e o barão Holbach (1723-17S9). Segundo eles, tudo o que

(1) CONSTANTJN OUTBEKLET, In The CntlioUc En- «•yclopeilín, Xe«- York. ai t. Moterialliim. vol. X. — 16 — se supõe existir fora da natureza visivel é criação da imaginação do homem. Foram se­ guidos por Voltaire e pelos Enciclopedistas. Mais tarde, B uechner (1824-1895), M oleschott (1822) e Vogt (1817) tiraram as últimas con­ sequências deste sistema. “0 pensamento, — afirma Vogt, — é mera secreção do cérebro, como a bilis o é do figado.” 0 positivismo, de Augusto Comte, que se abstem de afirmações sobre o mundo invisi- vel, e o transformismo ou darwinismo, de Darwin, que faz o homem vir do macaco, são apenas feições modernas do materialismo, porque, em última análise, negam a ação de Deus no mundo, e negam a espiritualidade da alma. Notemos, por fim, que o Materialismo se opõe a toda doutrina filosófica espiritualista ou idealista.

ESPIRITISMO

“É um conjunto de doutrinas e de práti­ cas encaminhadas a obter a comunicação do homem com os espíritos do outro mundo.” (2) 0 Espiritismo admite os dois mundos, o visivel, constituído dc homens, e o invisivel, constituído de espíritos. Admite tambem co­ municações contínuas c sensíveis entre os ho­ mens e os espíritos. Estes se manifestam por fatos ou fenômenos estraordinários, quase sem­ pre mediante um rito especial com que o homem provoca a manifestação. E é justa-

(2) Revista ••Juvcnttid CnUWkn”, PB- 41. — 17 — mente pela existência desses fenômenos ex­ traordinários ou transcendentais, supostos reais, que o Espiritismo entende demonstrar a realidade das comunicações dos espíritos com os homens, comunicações de toda ordem: pueris ou sérias, individuais ou gerais; sobre assuntos profanos: receitas médicas, literatu­ ra, ciência; ou sobre assuntos religiosos; tal é, por exemplo, a revelação de uma religião toda nova. Tais comunicações, que formam quase to­ do o sistema espirita, são provadas, assim afirmam, pelos fenômenos transcendentais que se verificam nas sessões. Esquecem-se os es­ piritas de provar que, de fato, as causas desses fenômenos são os espíritos ou almas desen­ carnadas, com quem pretendem comunicar- se. É o que iremos verificar. Antes, porem, de chegarmos lá, cumpre examinemos os mesmos fenômenos em si, cumpre indaguemos se, de tantos fenômenos estupendos, ao menos al­ guns são reais, autênticos, provados, inegá­ veis. N Daí a tríplice divisão desta obra:

I - FENÔMENOS OU FATOS ALEGA­ DOS. II - COMUNICAÇÕES OU MENSAGENS III - CONSEQUÊNCIAS LÓGICAS *

No Primeiro Ponts poremos os fenôme­ nos, examinaremos a sua realidade, indaga­ remos a causa, procurando saber se esta é — 18 —

Deus, os anjos, os demônios ou as almas dos defuntos. No Segundo, veremos se as comunicações, como nova revelação sob o ponto de vista religioso, merecem fé. No Terceiro, verificada a realidade e pro­ cedência dos fenômenos, assim como a natu­ reza das comunicações, discorreremos sobre as consequências do Espiritismo como reli­ gião e como sistema, isto é, veremos qual o resultado prático que ele oferece para o in­ divíduo, para a familia, para a sociedade, em relação a esta e à outra vida.

NOÇÕES PRELIMINARES

ESPIRITISMO E OCULTISMO. Os fenô­ menos espiritas, considerados em globo, são multíplices e sumamente complexos. Muitos, é claro, não merecem a atenção do estudioso, porque estão ao alcance da habilidade huma­ na ou explicam-se pelas leis conhecidas da psicologia. Quanto a outros, nem todos pre­ cisam de exame pormenorizado, visto como um exame genérico explica os casos particu­ lares. Estabelecidos alguns fatos de comuni­ cação com os mortos, fatos certos e provados, está demonstrada a possibilidade de outras comunicações nas mesmas circunstâncias. Os fenômenos rasteiros, reais ou imagi­ nários, devidos, muitas vezes, à fraude, per­ tencem ao Baixo Espiritismo, — o chamado Espiritismo de Terreiro ou Macumba, — e já foram esmiuçados e até ridicularizados por escritores de toda classe. — 19 — Dirigiremos nossa critica para os fenôme­ nos extraordinários, notórios, relatados por sábios e pessoas fidedignas. O Espiritismo vulgar não passa de uma explicação pronta e cômoda de fenômenos ocultos. Verdade é que tais fenômenos são, às vezes, examinados; como, porem, nas ses­ sões de baixo espiritismo, falta, por comple­ to, o rigor da verificação científica, deles não nos ocuparemos. Para termos noções claras acerca do Es­ piritismo, — científico ou vulgar, — cumpre que digamos algo sobre o OCULTISMO que, através dos tempos, foi o antecessor e prepara­ dor do atual Espiritismo. O Ocultismo pode ser: a) Prático, lambem denominado CABA­ LA ou MAGIA. b) Científico. O primeiro é péssimo, pernicioso. A ma­ gia negra sempre se caracterizou pela práti- tica de todos os malefícios e pelo comércio com os defuntos, como se pode ver já em Ho­ rário (3) e Apuleio (4). O cientifico não trata de práticas religio­ sas. Ocupa-se da in\estigação dos fatos, pro­ cura determinar as causas dos fenômenos, busca a verdade; não invade o terreno da re­ ligião. Seus cultores, muito numerosos na Ale­ manha, não admitem reencarnação e abs- teem-se de evocar os mortos. O Ocultismo científico assemelha-se muito ao Espiritismo

(3) HORÁCIO, Sat. contra CnutiUn. Epôdos, V. (4) M etam orfoses ou Aninus AnrenH, pnsslm. — 20 — Experimental. Ambcs fazem sessões, ditas ex­ perimentais; os espiritas procuram, antes de tudo, satisfazer sua curiosidade, e os ocultis- tas se empenham em estabelecer a verdade objetiva do fatos.

SESSÕES ESPIRITAS, (4-a) — Seus agen­ tes. Tratamos das sessões familiares, onde se pode supor haver alguma sinceridade e nas quais, por hipótese, falta a razão de fraude e o desejo de enganar. Sessões espiritas, pois, são reuniões familiares de crentes, que que­ rem entrar em comunicação com os habitan­ tes do Alem, — os espíritos, isto é, com os desencarnados, como afirmam eles. São as se­ guintes as figuras principais de uma sessão: a) M édium, que é o agente principal, é o elemento intermediário entre os crentes e os espíritos. É o m eio de que se servem os es­ píritos, para se porem cm comunicação com os vivos. Segundo a afirmação dos espiritas, o m édium é a pessoa capaz de fornecer ao es­ pírito parte de seu fluido, sem o que o espíri­ to não pode manifestar-se. “O espírito, sepa­ rado, pela morte, da matéria grosseira, não pode atuar mais sobre esta, nem manifestar- se com o meio humano, sem o concurso de uma força ou energia que o organismo de um ser vivente lhe proporcione. Toda pes­ soa susceptível de subministrar, exteriori­ zando-a, esta força, é médium”. (5) A Cons-

(4-a) Limitamo-nos a reproduzir o que escrevem os autores. (5) AI.LAN KARDEC. Instrnetions prn«lqncn Hur le SpIrUIsmc. art. íncdium. E Livro dou médiuns, piiHxlui. — LÉOX DENIS, Dniw 1’inviaiblc, pg. G2-G3, donde tiramos a citação supra. - 21 — tituição físico-psiquica ou organização espe­ cial, — inata, natural, — pela qual uma pes­ soa tem o privilégio de ser médium, chama- se mediunidade. A mediunidade, afirmam ainda, é susceptível de desenvolver-se, dimi­ nuir-se e perder-se. Pode ser dom hereditário. c) Guia ou operador. É o espírito do Alem, que se comunica com os presentes por meio do médium. Este, dizem, trabalha sob o império ou inspiração do espirito guia. O' espirito é a causa principal; o médium, a cau­ sa instrumental. E’ uso empregar-se a pala­ vra Inteligência, em vez de espírito guia ou operador. (6) TRANSE. — Agindo, geralmente, sob o império do espírito operador, o médium passa para um estado mental especial, chamado transe. De todos os fenômenos espiríticos, é o mais importante, sem dúvida. E’ um estado de arrebatamento em o qual o médium pare­ ce não pertencer mais a si; age como uma máquina, sob a direção do espirito comuni­ cador. O transe resulta numa dupla modifi­ cação da pessoa do médium: a) Quanto ao corpo, este se torna insen­ sível, ou quase insensível, devido ao estado de letargia em que caiu e, sob este aspecto, o transe é um estado que arremeda o êxtase dos santos. (Diabolus est Dei simius). b) Quanto à mente, a imaginação do mé­ dium é superexcitada, e a exaltação, afirmam

(6) O «splrltlam o lnglOs, segundo Malnage, adm ite um espirito chamado controle, o qual servo de Interme­ diário entre os espíritos e os membros de uma sessáo. E’ uma espécie de médium de lá para cá, um pouco diferen­ te do gnln dos espiritas continentais. — 22 — os espiritas, transporta-a para um mundo su- pra-sensivel; ao mesmo tempo, a inteligên­ cia do médium não funciona e a vontade é tolhida ou mesmo completamente abolida. Para operar, o médium ordinário deve cair em transe, no qual ou entrará espontanea­ mente, ou hipnotizado pelo experimentador ou por outro assistente; o médium forte, porem, pode funcionar mesmo sem estar em tran­ se. O estado de transe muito se parece com o sonambulismo hipnótico e tem alguma coi­ sa do sonambulismo natural. (7) Como o transe sonambúlico da hipnose, o transe me- diúnico pode ser passivo ou ativo: no pri­ meiro caso, o médium está completamente imovel; no segundo, movimenta-se, em obe­ diência ao guia. A razão fisiológica do transe explica-se, segundo Grasset, pela dissociação dos centros nervosos. O Psiquismo Superior ou Centro “O” dissocia-se do Psiquismo Inferior ou Polígo­ no a que M yers chamou Subliminal, c outros chamam Subconciente. Pela dissociação, o centro “O” paralisa-se. Só o sub-liminal ou subconciente é que age. (8) Os espiritas dão outra explicação da fi­ siologia do transe. O médium cai ein transe, dizem, desde que seja obrigado a abandonar uma parte maior ou menor de seu fluido, a favor de um espirito livre no espaço. (9)

(7) BOIRAC, I,'a venir des .science* pHj-ehologl.nie«, pg. 261. Cf. tambem “O espiritism o, ucls conferencias", do Pc. dr. V alérlo A. Cordeiro, pg. 13. (8) Dr. GRASSET, Idée* médicales, llbr. Pion. Paris, pg. 4 e 13. (9) Dr. POODT. Lo* fenômeno* m isterioso* dcl psl- uulsmo, pg. 282. — 23 — Algumas condições particulares. — Todo indivíduo, afirmam os espiritas, pode ter o dom da mediunidade; umas pessoas, porem, são mais aptas do que outras, visto como a me­ diunidade depende da constituição individual. O m édium, em geral, é um indivíduo muito sen­ sível, — anormal, nevrosado; pode-se dizer que a mediunidade é sempre uma modalida­ de do histerismo. Se é certo que nem todo histérico é m édium , é certo que todo m édium é histérico. Os m édiuns mais célebres foram, desde crianças, sujeitos à auto-hipnose; de uma fantasia excessiva, próxima da haluci- nação, bem cedo produziram fenômenos es­ pontâneos de mediunidade. (10) Ligada a uma disposição fisiológica e, ao mesmo tempo, psicológico-idiosincrásica, a mediunidade é ainda segredo em psicolo­ gia. (11) Pretende-se até que seja dote here­ ditário, c, a-propósito, cilam-se casos de crian­ ças de nove dias (Valentina Kirkup), de seis meses (Kalie Fox) e de dois anos (Essie Mott), as quais, sendo filhas de médiuns, ma­ nifestaram fenômenos de mediunidade pre­ coce. (12) Os médiuns distribuem-se em três gru­ pos: a) Físicos, — os que, de preferência, são instrumentos para a manifestação de fenô­ menos fisicos: levitação, transportes, etc. b) Psíquicos, — os que o são de fenôme-

(10) MAN'S ARNOLD, SeNsOes E spirita», Pgr. 23-66, Editora “O Pensamento”, S. Paulo. (11) Id, Ibid.. Cap. Sonambulismo, pg. 34. (12) Id, Ibid.. SenfiüeH E spiritas, pg\ 28-39 e p*\ 61. Editora "O Pensamento". S. Paulo. — 24 — nos mentais: vista dupla, telescopia, psico- mctria, epigaslria, etc. c) Físico-psíquicos, — os que fazem os dois grupos de fenômenos, ou os fenômenos de natureza mista, como escrita automática, etc. A uma destas três classes pertencem quaisquer dos médiuns geralmente citados: videntes, sensitivos, pneumatógrafos ou es­ creventes, psicógrafos, tiptológicos, audien- tes, ou ouvintes, psicômetras, xenoglóticos (xenoglossia), etc.

CONDIÇÕES PRÁTICAS DAS SESSÕES ES­ PIRITAS. — Para a organização de um cír­ culo. afirmam os espiritas, exigem-se condi­ ções quanto a local, pessoas, tempo... Pessoas, — que sejam simpáticas aos es­ píritos. O fluido comum de todos os assisten­ tes aumentará a força do médium. Há-de ha­ ver a direção do pensamento de todos para iun mesmo fim . (13) Núm ero de pessoas — Devem ser poucas. Segundo Gijcr (14), hão-de ser, no máximo, 10. Todavia, conforme a força do médium, pode-se aumentar o número dos assistentes da sessão. (15) Local, — que seja reservado e silencioso. Haverá um gabinete à parte; é ai que o mé­ dium se isola e se concentra antes das sessões.

(13) HANS HARNOLD, Senates E sptrltas, pg. 105-108. Rdltora “O PcnBamento". S. Paulo. (11) Dr. E. GYEL, EapirltlHmo, pg. 42. L lvrarla G ar­ nier. Rio. (15) HANS HARNOLD, SessCes E aplrltas, pg. 97-98. — 25 — Temperatura do ambiente: fresca. Nun­ ca demasiado quente. Luz, — fraca. Pode ser aumentada de acordo com a força do médium. Fenômenos à plena luz só se dão em ca­ so de grande força mediúnica. O Dr. Gatterer cita vários casos de escri­ ta, a lapis, verificados com D. Silbert, sob luz elétrica intensa e até de dia. (16) (Como já dissemos, limitamo-nos aqui a relatar o que escrevem os autores, som entrarmos em aprecla- ç5es históricas e filosóficas).

DIVISÃO

Deixando de parte o que pode ser expli­ cado pelo subconciente do médium e dos as­ sistentes, assim como tudo o que poderia ser atribuído a truque ou fraude, conciente ou inconciente, iremos tratar apenas de fenô­ menos certos; e não de quaisquer fenômenos, que talvez pudessem ler explicação natural, mas sim de fenôm enos “maravilhosos”, — a que chamamos transcendentais ou supranor- mais, isto é, que parecem exceder todas as forças humanas, e devem ser atribuídos a in­ teligências exíra-terrenas. Veremos:

(16) Pg. 83 do livro citado adiante. PRIMEIRA PARTE

FENÔMENOS OU FATOS ALEGADOS

Tratando dos fenômenos transcendentais, examinaremos:

A - RELATÓRIO DOS FENÔMENOS SU- PRANORMAIS. B - REALIDADE DOS FENÔMENOS SU- PRANORMAIS. C - CAUSAS DOS FENÔMENOS SUPRA- NORMAIS.

NOTA: Heredia (17) e outros (18) preterem o nome de Fenômenos Psíquicos para os Fenômenos Superiores ou supranormals. O termo psíquico nos parece Impró­ prio; primeiro porque não denota, por si, o carater maravilhoso e de preternaturalldade que reveste tais fenômenos, e, segundo, porque pode referir-se a qual­ quer fato relativo & inteligência humana e é, neste sen­ tido, que se emprega geralmente, da mesma forma que os outros termos da mesma raiz, como psiquismo, psi­ cologia. Se dissermos força psíquica, ninguém enten­ derá que falamos de força oculta ou extra-terrena.

(17) O Espiritismo e o Bom Senso. (18) D. OTÁVIO CHAGAS DE MIRANDA, “ Os fenô­ menos pslquteos e o Espiritismo”. E' o titulo do livro. — 28 —

A expressão Fenômenos Supra-normais d usada pelo dr. Poodt e outros. (19) Grasset e os ocultistas em geral preferem dizer Fatos ocultos. Esta expressão tambem não é exata, porque os fenômenos não são ocultos; a causa deles é que é oculta. Richet criou a expressão Fatos Metapsíquicos, — isto é, — fenOme- nos que e3tão alem do alcance da inteligência humana. Esta é que seria a expressão precisa, mas evitamos empregá-la, não 6ó porque é pouco conhecida, como tambem porque se pode aplicar fora do terreno do Espiritismo. E’ muito geral. Referindo-nos, pois, a Fenômenos Transcenden­ tais, Fenômenos Supra-ncrmais ou Fenômenos Ultra- Ffsicos, queremos falar dos Fenômenos Psíquicos dos outros autores, isto é, os fenômenos que tem:

* a) como instrumento o médium, b) como causa principal, um ente intelectual oculto, c) como forga de que se servo o agente intelectual, alguma energia geralmente desconhecida. Os fenômenos metapsíquicos se dividem em: a) Fenômenos parapsíquicos, b) Fenômenos paraffsicos. Os primeiros são os de ordem puramente psíqui­ ca, como a telepatia, e se dizem assim para se distin­ guirem dos fenômenos psíquicos comuns. Os segundos são os de ordem física, e se dizem assim para se dis­ tinguirem dos fenômenos físicos normais ou naturais, como os da lei da gravidado, etc. Para nos orientarmos neste labirinto que é o Es­ piritismo, valemo-nos de uma centena de obras espe­ cializadas, tanto antigas como modernas.

(10) Dr. POODT, Loa fenOmenos misteriosos de] Pal. qtilNmo, versilo espanhola de Joaquim F uster, pp. 222 e paeslm. Ed. Sucessores Juan GUI, Barcelona. — 29 —

Para a verificação dos fenômenos ultra-físicos, — que é a base de todo trabalho do feitio do nosso, — seguimos principalmente o livro alemão Wlssenchaf- tlicher Occultismus, — sein Verhaeltnis zur Philoso- plile, do sábio jesuita Ur. Gatterer, 1927. No Brasil não estamos em condições de verificar pessoalmente o que se passa no Espiritismo. As nossas Universidades não se preocupam com estes assuntos. Pelo que, fomos obrigados a servir-nos de trabalhos estrangeiros e teremos de, rto decurso deste trabalho, mencionar alguns fatos que o dr. Gatterer teve oca­ sião de verificar pessoalmente, em companhia de ou­ tros observadores fidedignos e habilitados cientifica­ mente para isso. PRIMEIRA PARTE

FENÔMENOS OU FATOS ALEGADOS CAPÍTULO I

I - RELATÓRIO DOS FENÔMENOS SU- PRANORMAIS: Passaremos em revista dois GÊNEROS de fenômenos: EXPERIMENTAIS e ESPON­ TÂNEOS.

PRIMEIRO GÊNERO: FENÔMENOS EX­ PERIMENTAIS ou PROVOCADOS.

Estes se dividem em duas espécies: 'Objetivos, ou Parafisicos, e Subjetivos, ou Parapsiquicos.

A — FENÔMENOS EXPERIMENTAIS:

1) - TELECINÉSIA, ou movimento à dis­ tância, LEVITAÇÃO, ou suspensão -no ar, TRANSPORTE, ou adução de objetos.

Aos fenômenos ordinários das sessões ex­ perimentais pertencem os movimentos de objetos ponderáveis, sem contado do médi­ um ou de qualquer pessoa presente. É o cha­ mado movimento à distância, fenômeno que — 34 — Charles Richet denominou com o nome grego de Telednésia (20). Quando os objetos ou o próprio médium não só se levantam no ar, mas ate permanecem algum tempo suspen­ sos, como a pairar, sem apoio, e cm franca infração da lei da gravidade, o fenômeno sc chama, propriamente, Levitação. Se os obje­ tos não são do recinto, mas procedem de fo­ ra, o fenômeno se chama transporte, em francês "”. Os movimentos não se desenvolvem con­ forme as leis físicas ordinárias. Os objetos fazem percursos complicados, às vezes vaga­ rosamente, às vezes rapidamente, como trans­ portados por uma força inteligente. As nossas fontes dc informação, a respei­ to desta espécie de fenômenos, são os livros do Dr. Gatterer, jesuila, de Charles Richet, fisiólogo francês, e do barão Schrenk-Notzing, psiquiatra alemão. As obras deste último au­ tor foram acremente criticadas por diversos sábios, mas os fatos por ele narrados foram, em grande parte, examinados e autenticados pela Society for Psychical Research (S. F. P. R. ou S. P. R.), de Londres. Aceitamo-los com a reserva que deve fazer quem só quer a ver­ dade. Por agora, deixando dc parte o exame desses fatos, apraz-nos citar os médiuns que

(20) Telcelnéüla 6 composto de Tcle, de longe, Iíi- neln, mover. Richet, Ignorando as leis da translltoracuo. escreveu Teleltlnesln, com k. Mas 0 sabido que o k grego se translltera para c em latim, ror exemplo, com, clro. cfnemn. clulsmo, cético, etc. que em grego se escrevem kero, klrlos, klnemn, klnlsniog, skcptlcox, etc.. Quanto ít pronúncia, profer.mos dlzcr telccluéxia, embora reconhe- ijainos que lambem telcclnexln ê certo. — 35 — mais se notabilizaram nesta espécie de fenô­ menos. Estanislawa Tomczyk, polaca, de Varsó­ via. A sua mediunidndc se manifestou aos 20 anos de idade, estando ela fraca, doente, em estado de extrema nervosia. Quando o médi­ co lhe fazia uma receita, o tinteiro começou de mover-se com grande espanto dc todos. Desde então Estanislawa se deu ao espiritis­ mo, operando sob a direção do Dr. J. Ochoro- loicz, em Varsóvia, e de Von Schrenk-Notzing, em Munique. Durante a elevação dos objetos, veem-se formações filamentosas no espaço, o que faz pensar em fraudes. As sessões são realizadas em ambiente claro, à luz branca. O m édium está sempre cm estado de sonambulismo, e diz-se dirigido pelo seu guia invisível Olga, espírito de uma menina que falecera aos dez anos de idade. Ensúpia Palladino, italiana, 1854-1918, en­ tregue ao espiritismo desde os 12 anos, atri­ buía os seus fenômenos telccincticos à místi­ ca personalidade de “John K ing’’. De ne­ nhuma instrução, quase analfabeta, Eusápia, entretanto, era de grande sagacidade natural. Muito viva, foi apanhada cm fraude duran­ te as experiências de Gambridge, na Inglater­ ra. Operou, por muito tempo, sob a direção dc vários cientistas, como Courtier, E. Bran- ly, P. Curie, 3. Perrin. G. V. Schiaparelli, Lom- broso e outros. Do protocolo das investigações dos expe­ rimentadores salientamos os seguintes fatos: Deslocamento e levitação de objetos pesados. — 36 — Diferença de peso do médium durante as experiências, diferença para mais e para me­ nos, registada automaticamente por uma ba­ lança sobre a qual Eusápia se encontrava. Fenômenos de natureza não definida. Toques e apalpadelas denunciados por alguns assis­ tentes. (21) Tendo sido descobertas algumas fraudes da parte de Eusápia, a S. P. R. suspendeu as experiências; mas tantos foram os testemu­ nhos posteriores, que a Sociedade resolveu reassumir o serviço, chegando, enfim, segun­ do afirmam, a estabelécer a realidade de mui­ tos fenômenos ocultos. Eusápia trabalhava quase sempre em transe, abrangendo a sua esfera de ação um raio de um metro apenas. Luz muito fraca. De uma feita, conseguiu levitar uma m áqui- na-de-escrever que pesava quinze kilos. Os ob­ jetos em movimento seguiam direção em zi- zue-zague, caminhos tortuosos, como para evi­ tar ferir os assistentes. (22) Kathleen Coligher, americana, num am­ biente familiar conhecido com o nome de Cir­ culo Coligher, operou sob a direção do engen- lhciro W. J. Crawford. (23). Tendo-se este suicidado em .30 de julho de 1920, encarregou previamente, por carta, o seu amigo Fournier — 37 — d ’Albc, dc continuar as experiências. Four- nier descobriu fraudes, devidas à cooperação da família do m édium c, em vista disso, não só concluiu que as suas experiências pessoais não acharam fenômenos supranormais, como lambem que Grawford tinha lido confiança demasiada nas pessoas do circulo. (24) Crawford chama “operadores” aos espí­ ritos serviçais. O fenômeno principal foi sem­ pre a elevação da mesa, sem contacto. Varia­ ção de peso do médium, com diminuição até de vinte kilos. Crawford supôs que os opera­ dores formavam um membro mediímico, — a “alavanca psíquica”, — com matéria tirada do corpo do médium, e era essa alavanca que movia a mesa. Pedindo ele, uma vez, aos ope­ radores que diminuíssem o máximo de peso do médium, sem prejudicar-lhe a vida, veri­ ficou que Coligher perdeu, na experiência, 21 kilos, quase a metade do peso total de seu cor­ po. A perda não foi uniforme. Até 13 kilos foi vagarosa c ritmada; daí por diante rápida e com contrações musculares. e Rudi Schneider, irmãos, apresentaram as mais recentes experiências sobre movimento à distância. Estes médiuns eram filhos de um tipógrafo, José Schneider, de Braunau, Alemanha. (25) Willi, segundo dizem, manifestou faculda­ des mediúnicas desde 16 anos de idade. De de­ zembro de 1921 até fevereiro de 1922 realizou

(24) PAUI-. HEUSI5, Oíi o» o.xt In M(-tnii.iycIil

104 sessões em Munique sob a direção de Von Schrenk. Vive ainda. Interessantes são algumas observações de Von Schrcnk acerca das qualidades pessoais deste médium: “Willi é inclinado à mentira, ao desperdício, à dissipação, à vida perdulá­ ria, à basófia. Gosta de vestes elegantes, de lu­ xo; frequenta cinemas e teatros. É imoderado no uso de charutos. Às vezes, mostra-se ama- vel e modesto. Bem que normal, revela dis­ posições um tanto histéricas.” (26) Quando em transe, Willi se diz dirigi­ do pelo espírito chamado “Mina.” Em tran­ se e na vigília, o médium denuncia duas per­ sonalidades muito diferentes, em flagrante contraste uma com a outra. Willi deu sessões experimentais peran­ te a Universidade de Munique (Alemanha), a Universidade de Viena (Áustria) e comis­ sões da S. P. R., de Londres. Rudi, irmão de Willi, e no qual se incor­ porava o espírito chamado Olga, realizou tambem muitas sessões positivas, das quais relataremos algumas daqui a pouco. Ainda sobre telecinésia e transporte me­ recem lembradas as experiências de Zõllner com o médium Slade, e as sessões das Senho­ ras Vollhart e Maria Silbert. (27) SiSÍ* Si - 39 — A-niiutlc, a telecinésia é acompanhada de fenômenos luminosos e auditivos.

2) TELEPLASTIA, ou Materialização. O fenômeno mais surpreendente e, mes­ mo, o mais discutido e posto cm dúvida, do hodierno ocultismo, c o chamado Teleplas- lia ou ecloplasmia... (28). Surgem formas fantásticas, membros, mãos e até fantasmas inteiros, vivos e animados. Iiá, primeiro, um simples filamento, uma formação esponjosa e indistinta, que se avoluma e se condensa até formar o membro ou o fantasma. E’ o pe- riodo de MATERIALIZAÇÃO. Depois, a for­ ma fantástica se dilui, se sutiliza, regride: é o período de Desmaterialização. Num caso e noutro, o espectro é ligado ao corpo do mé­ dium, e parece estar em simbiose com ele, percebendo-se a ligação, entre o médium e o fantasma, por meio de um filamento a que chamaram “cordão umbilical.” A 'desmate­ rialização é, quase sempre, rápida, e feita por obscurecimento dos contornos ou por reabsorção no corpo do médium. Notabilizaram-se nesta espécie de fenô­ menos os médiuns seguintes: Florence Coolc a qual, em 1873, durante quatro meses, trabalhou com o sábio Croo- kes, em Londres. Em presença do médium pbysIkallRchen Phaeuomene der rrouen Medlen, pg. J25-273. (28) Tclei>liiN«ln, do grego, quer dizer formoçao no longe: _ telc - longe, plmaso, . form ar. Ectoplnsm la. - for- maoáo dc dentro para fora: extes, — fora. Uxtoplnsiun, como termo de zoologia, já era usado antes de IUchot. Significa: zona periférica do protoplasma da ameba. — 40 — aparecia um fantasma feminino, muito pa­ recido com o médium, e que se dava o nome de Iialie King. Esse fantasma-fêmea ca­ minhava no recinto, conversava com os as­ sistentes, oferecia presentes. Oito anos mais tarde, , tendo trocado de nome e passando a chamar-se Comer, foi apanhada em fraude. Ela, e o fantasma que pretendia materializar, eram uma só pessoa. (29). Além disso, o médium Douglas Home, que, durante muitos anos, tinha trabalhado sob a direção de Crookes em sessões experimen­ tais, afiançou a Camilo Flammarion que a en­ cantadora e gentil senhorita Florence Cook havia ludibriado o bom de Crookes no epi­ sódio de Katie King. (30) Tudo isso fez crer que as cenas de Katie King não passavam de uma farça pregada a um velho, demasiado crédulo, por uma moça, bastante esperta. Não obstante, Crookes, que era míope c que nunca tocou no fantasma, eslava convencido da realidade deste. “Tenho absoluta certeza, — disse ele, — que K atie King e Florence Cock, são duas individualidades completa­ mente diferentes.”

EVA CARR1ÈRE, francesa, nossa con­ temporânea, e cujo nome verdadeiro é Marta Béraud, realizou memoráveis sessões na Vi­ la Carmen, em Argel (África), em presença do General Noel e sua esposa, em 1905. O cientista francês Charles Richet foi a princi­ pal figura entre os assistentes. Durante as sessões apareceu o fantasma de Bien Boa, antigo grão sacerdote de Golconda, c que era frequentemente acompanhado pelo fantas­ ma de sua irmã Bergolia. Tais sessões foram em 1905, e já em 190G o c/r. Roubij, após in­ quérito rigoroso, chegou à conclusão de que a jovem Marta Béraud havia representado, perante Richet, uma impagavel comédia. Tu­ do não passara de um grotesco conto-do-vi- gário. Rouby cita o testemunho dos árabes Aleski e Mary, criados do General Noel, e que haviam sido comparsas ou cúmplices da mistificação. Cita ainda o testemunho de Mme. Cochet, do sr. e da senhora Portal, todos eles presentes às sessões. Aliás, o pai de Marta, e ela própria, de­ clararam a Mme. M ersault que, tanto Bien Boa como Bergolia, tinham sido produto de uma brincadeira. Fora tudo uma mistifica­ ção. Declararam isto a diversas pessoas, em­ bora a protagonista, Marta Béraud, para não desconcertar o sábio Richet, sempre lhe ga-, rantisse a realidade do fantasma. (31)

(31) PAUL HEUSÊ, Oú cn eat la M etnp.ychlqne, psr. 115 e seguinte«. — 42 — Mais tarde, Marta Bérautl, já então Eva Carrière, tornou-se médium de Mme. Bisson e realizou sessões experimentais com Richcl, em Paris, com Schrenk-Nolzing, em Muni­ que, com G. Geley e perante comissões da S. P. R., de Londres (1920), e da Sorbona. G. Geley confessa ter visto membros materiali­ zados, — dedos, mãos e cabeças. Diz ele: “Vi um crâneo vivo cujos ossos toquei debaixo do cabelo denso. “ (32) E, com excessivas mi­ núcias, descreve o resultado de todas as ses­ sões, em que apareceram ectoplasmas ou fantasmas. Observemos, porem, que o relatório da Sorbona sobre as experiências com Eva Car- riere foi “inteiramente negativo" e que o da S. P. R. ficou reservado, por só se terem da­ do fenômenos sem importância. (33) , polaco, de Varsóvia, poe­ ta, entregou-se ao espiritismo e trabalhou junto à Sociedade Polaca para Pesquisas Psí­ quicas. O fenômeno mais singular que dizem ter-se dado com Franek foi a materialização de um espírito, em forma de animal. Trata- se de um monstro, — cara de macaco, corpo de cachorro, — que passeou no recinto, lam­ bendo e faTejando os assistentes. Chamaram- lhe antropopiteco, nome criado pelos trans­ formistas para designar o hipotético inter­ mediário entre o homem e o macaco.

(32) RICHET, GrnndzueBC (H‘r PHrniiHycholojglc der PnrapcjoliophjMlk, pg. 315. G. GELEY, Dle sog. »uprnnor- mnle Physlologie tiud dle Phnciiomene der Idcoplnatle, 1920. (33) PAUL HEUSC. obra cilada, pag. 12G e seguintes. Veja-so no fira o relatório da Sorbona, assinado por Louis Laplcque, Georges Dumas, Henrl Plóron e Henrl Lauglcr. — 43 — Vindo para Paris, em 1920, Franek ta- balhou no Instituto Metapsiquico, sob a di­ reção de Richet, A. de Gamont e Geleij. Aí, alem de provar as materializações fotografica­ mente, Franek obteve dos espíritos que eles deixassem a impressão dos membros em de­ pósitos de parafina colocados junto do mé­ dium. Dessas moldagens tiraram-se reprodu­ ções positivas, em gesso, representando mãos e pés dos espíritos. (!) E’ de ver que a novi­ dade fez época; é de ver tambem que a frau­ de se insinuou facilmente no novo processo de provas das materializações, e isto não só nas sessões científicas como nos centros sus­ peitos. (34)

Maria Silbert trabalhou com o barão Von Schrenk, com Oesterreich, Harler e Auer, (1921-1922.) As sessões de D. Maria Silbert tem aspecio assombrador e deprimente, por­ que são caracterizadas, sobretudo, pela fre­ quente visita de fantasmas materializados. Para completar a nossa exposição, e dis­ tinguir o que pode ser real, do que é franca­ mente produto da fantasia ou da fraude, tra­ duzimos os relatórios de algumas sessões fis­ calizados pelo Dr. Gatterer, jesuita, e por ou­ tros, reservando para ulterior capítulo o exa­ me crítico dos fenômenos alegados.

(34) O. GEL73Y, Mnlcrjnllxatloonphuenniiiciie m lt Frnuck Klunkl. LelpziK. 1022. G. GKLER, Hc-llcsehen-Te- Icpustlk, vs. 177. SCHRENK-NOTZING, M aterlnllxatlons Phucnomcne, vs. 030. EXPERIÊNCIAS PESSOAIS DO P. DR. GATTERER S. J.

As investigações sobre o ocultismo en­ tram pela maior parte no campo das ciências 'çxperimentais. Para estas, são indispensá­ veis observações e experiências. Sendo pro­ fissional em ciências naturais, o Dr. Galterer timbrava em aproveitai-se de toda ocasião para fazer indagações, ç estabelecer observa­ ções cientificas acerca dos fenômenos ocul­ tos. A idéia de que a investigação católica es­ tava, neste terreno, alc hoje, quase abando­ nada às referências alheias, o estimulava muito à experiência própria. Acolheu por isso, gratamente, os convites que recebeu de várias partes, para convencer-se de visa da realidade dos fenômenos ocultos. Da bem ri­ ca experiência que adquiriu, escolhemos ape­ nas alguns trechos e resultados mais notá­ veis; mas, para sermos exatos, referiremos nesta secção as próprias palavras do relator, devidamente traduzidas. FENÔMENOS COM RCDI SOHNEIDER Em 17 (le janeiro de 1925 anuí ao convile ama- vel do Dr. A. Barão (lo Schrcnk-Notzing, para assistir, no seu laboratório, em Munique, a uma sessão com Riidi. A-fim-de dar idéia exata do que seja uma ses­ são, vou relatã-la mais estensamente, de modo que, nas seguintes, possa restringir-me ao essencial. Na tarde do dia marcado fui á casa do Barão Schrenk, bem antes da hora da sessão. Depois de breve conversação 110 escritório, fomos ao laborató­ rio para examiná-lo minuciosamente. E’ local quadra- do, de tamanho regular. Conforme indica o desenho anexo, um canto da sala é separado com o gabinete por cortina preta, que se pode abrir e fechar. Tam­ bém as paredes internas do gabinete são cobertas com pano preto. Por exame cuidadoso, convencí-mc de que não ha­ via nas paredes acesso secreto que pudesse permitir a entrada de cúmplices. Uma parede do gabinete é exterior; o fundo da secgão pude verificárlo do cor­ redor contíguo. Ao lado direito da cortina, jà fora do local escuro, encontra-se uma porta fechada, selada

Gráfico n.o 1 — 46 —

com uma tira de papel, na qual está legível ainda o nome Dingwal, membro da S. P. R., lembrança de uma sessão anterior. Na frente da cortina, acham-se duas mesas com objetos, que devem servir para operações de telecinésia, movimentações à distância: violino, tamboril, bastões fosforescentes, campainha, argolas, marimba, concertina, etc. Todos são revestidos de ma­ téria fortemente fosforescente, de modo que possa ser notado, com bastante segurança, o sitio deles, mes­ mo em completa escuTidão. Em redor das mesinhas, para a frente, há uma espécie de biombo, forrado de véu preto, mas traus- parente, o qual deve impedir, não a observação, mas sim, qualquer intromissão fraudulenta dos espectado- dores. Esse biombo é, de um lado, ligado com a pa­ rede, de outro fica cerca de 50 ctms. distante dela. Em redor do biombo, por*fora, estão os assentos dos espectadores. * Às oito da noite, na hora determinada, fui à an­ te-sala, onde vários convidados já estavam reunidos: o General Pedro, conhecido escritor espirita, vários professores da Universidade de Munique, enfim o ve­ lho Schneider com o filho Rudi, de 16 anos, que vai funcionar como médium. Rudi dá a impressão de ra­ paz sadio, vigoroso, e tem aparência simpática, mo­ desta. Depois de cumprimentar a todos oã convidados, o Barão von Schrenk chama os que vieram pela pri­ meira vez, juntamente com o médium, para seu ga­ binete de trabalho, onde Rudi, sob controle minucio­ so, veste o traje determinado para as sessões. Consis­ te em calças largas e paletó leve, impregnado, nas articulações dos pés o mãos, de matéria fosforescente, parn que o controle do médium possa ser feito até no escuro e por todos os espectadores. Depois de estarmos convencidos de que Rudi não tem consigo qualquer meio ou aparelhamento mecânico de fraude, entra - 47 — ele, acompanhado por uóa, na aala da sessão, Inspec­ cionada pouco antes. Somos em n.° de 12; cada um toma lugar: Schrenk- Notzing no assento n.° 1; no quadrado preto, o mé­ dium; em S e 9 os controladores. A luz clara e bran­ ca é substituída pela vermelha, reduzida por um reós- tato. Depois dc poucos minutos, cai o médium em transe com alguns estremecimentos. Os controladores seguram as mãos e os pés do médium. Imediatamen­ te anuncia este, cochichando, que chegou a “inteli­ gência”, da qual se crê possuido e dominado em tran­ se. "Olga” anuncia-se, pela voz do médium, com “Deus te salve”, o que é respondido pelos presentes. Schrenk já me tinha explicado antes que, como os médiuns são espiritas, — consequência de sua edu­ cação errada, — devemos, bom ou mau grado, con­ descender com suas idéias, se quisermos obter resul­ tado nas sessões; quanto a ele, estava convencido de que niso não se tratava de intervenção do verdadei­ ros espíritos, mas de manifestações múltiplas da per­ sonalidade, pelo império da chamada subconclência. Por esse motivo, o diretor das experiências dirige a “Olga” verdadoiro discurso de saudação; um ami­ go tinha trazido até um ramalhete de violetas. Em seguida, são apresentados os assistentes, um por um, para que “Olga” queira mostrar os seus belos feitos, ser gentil para com os novos hóspedes e não nos deixar esperar muito. Depois de uma hora inteira, durante a qual nada se deu de importante, deseja “Olga” qne quatro senho­ res deixem n snln, entre eles também o general Pedro e Schneidcr pai. Assentamo-nos, um perto do outro e, a desejo do médium, foi-se alternando uma conversação ani­ mada ao som do gramofone. Advertido pelo vizinho, percebo que o pano preto que cobria os instrumentos — 48 —

da mesa estava sendo tirado; noto ainda o movimen­ to da cortina do gabinete, reconhecível pelo balança- mento das tiras fosforescentes atadas a ela. Durante a marcha alegre, marcava “Olga" o compasso com o bastão fosforescente. Finalmente movimenta-se o vio­ lino, à minha frente; vai subindo e descendo por ci­ ma da mesa e tocando a marcha com toques retum­ bantes. Com tudo isso, não perco de vista o médium; os barbantes de mãos e pés estavam em seu lugar. Dos espectadores ouvem-se aclamações sempre mais animadoras; o experimentador esforça-se por tempe­ rar o efeito. Debalde. Sempre mais retumbantes se tornam as pancadinhas. Percebe-se, pelo som, que o instrumento estã achatado; continua, porem, a mar­ car o compasso exatamente, embora com tanta vio­ lência que, em dado momento, cai em pedaços. Ou­ tros fenômenos produzidos são; forte movimentação da cortina, toque fraco da concertina, toque do tam­ boril, o erguer e palrar no ar, da campainha, que é tocada e, em seguida, atirada por cima do biombo, ao pé de uma assistente. Finalmente ouve-se grande ba­ rulho atrás do biombo, no recinto de experiência. To­ dos os objetos deitados cm cima das duas mesinhas 6ão lançados uns por cima dos outros; as próprias mesinhas finalmente derrubadas, a cortina e o biom­ bo violentamente puxados em sentido contrário. Em luz clara verificou-se o horror da devastação. Durante um intervalo, desenrolou-se entre o Ba­ rão Schrenk c mim uma pequena conversa, ouvida pe­ lo médium, que tinha voltado ao estado normal. Em seguida, continuamos a sessão com luz vermelha; mas, não aparecendo mais outros fenómenos, foi terminada a sessão. Segue o protocolo exato da sessão, o qual foi dita­ do durante a mesma pelo Barão Schrenk a uma este- nógrafa, localizada no fundo da sala. SESSÃO DE 17 DE JAN. DE 1025

Com Rudi Schncidcr, 110 laboratório do Dr. Barão Ton Sclirenk-Notzing, em Munique. PRESENTES: Dr. Kaemmerer, medico, prof. na Universidade de Munique; Dr. Karl Gruber, prof. de zoologia na Politécnica de Munique; Dr. Kurt Slerp, prof. ord. de botânica na Universidade de Munique; Dr. em filosofia A. Gatterer, prof. no Instituto de fi­ losofia, lente agregado na Universidade de Innsbruck; General Pedro; Dr. em medicina e filosofia Krleg, len­ te agregado; Studicnrat Lambert (Stuttgart); pintor Ebers; escritor Schulte-Strathaus; condessa A.; Schnei- der, pai; diretor das experiências. O sr. Prof. Gatterer, de Innsbruck, às 3 e mela horas, procedeu a exame minucioso do laboratório, in­ clusive das paredes, e convenceu-se de que não havia accesso possível ao gabinete, nem de fora, nem de dentro, nem por cima do telhado. O CONTROLE PRÉVIO DO MÉDIUM foi efetua­ do no gabinete de trabalho do diretor das experiências pelo Sr. Pror. Slerp., Prof. Gatterer e Dr. Krieg. O médium foi minuciosamente examinado em todo o cor­ po, até na cavidade da boca, inclusive nariz e ouvi­ dos. Da mesma forma os vestidos do médium, nas dobras e costuras. Resultado negativo. Rudi calça bo­ tinas com atacadores; usa melas, camisa, cueca, cola­ rinho e gravata. Por cima da própria calça, veste ain­ da calça e casaquinho pertencentes ao diretor das ex­ periências, ambos guarnecidos com barbantes fosfo­ rescentes em redor das articulações das mãos e pés. CONDIÇOES DAS EXPERIÊNCIAS: O biombo quadrangular separa, como de costume, o recinto de experiências do dos espectadores. A abertura, do lado do médium, entre o biombo transparente e a cortina do gabinete, é de cinco centímetros. Dentro do cam­ — 50 — po de experiências encontram-se duas mesinhas, colo­ cadas nma ao lado da outra. Sobre a pequena mesa do fumar está o tamboril e um bastão fosforescente. So­ bre a mesa de 4 pés encontram-se concertina, violi­ no, argolas fosforescentes, campainha, alem de um ra­ malhete de violetas, trazido pelo sr. Schulte-Strathaus para "Olga", e tornado visivel por um barbante fosfo­ rescente em redor das hastes. Ao lado da mesinha há um cesto de papéis. A distância do médium (ombros) até a abertura (meio) da cortina é de l,m.20. As 8,40 horas, Inicio da sessão. A 6ala de expe­ riências fica fechada por dentro, à chave. Apaga-se a luz branca.

ORDEM DE ASSENTOS:

CONTROLE DO MáDIUM: Prof. Gruber, no can­ to direito, Schulte-Strathaus, depois Dr. Krieg, Ebers, Condessa A., Prof. Gatterer, Studlenrnt Lambort, Prof. Sierp, experimentador. 2.* FILEIRA — General Pedro, Schnoider, pai. O prof. Kaemmerer, chegado com pequeno atraso, às 8,44 horas entra no circulo. 8,45: começo do transe, primeiro com fraco, depois c&m fo rte estrem ecim ento. S,49: “Olga” anuncia-se com “Deus vos salve!” 8,50: “Olga" deseja pausa de 16 minutos, a-fim- de qué possa ser ventilada a sala, demasiadamente aq u en ta d a. 8,62: o médium acorda. Pausa de 16 minutos. 9,05: Os assistentes retomam os seus lugares nos assentos antes assinalados. A luz branca é apagada, a porta fechada por dentro. 9.08: O médium cai em transe com forte estreme­ cimento. E’ apagada a luz vermelha. Todos os presen­ - 51 - tes controlam-se mutuamente, segurando-se pelas mãos e formando correntes. Alem disso, estão assentados tão perto uns dos outros, que ninguom de fora pode passar a corrente. 9.09: “Olga” pede conversação viva, 9.40: "Olga” deseja que o Sr. General Pedro, Prof. Slerp., Ur. Krlcg e Schneider, pai, abandonem, por enquanto, a, sa la. 9.42: Troca de controle. Prof. Jaemmerer subs- tltue o Prof. Gruber. A corrente é.reduzida, de mo­ do que os assentos dos ausentes fiquem ocupados pe­ los presentes. 9.50: A desejo de "Olga”, a 6ecrctárla fnz o gra­ mofone tocar várias peças (marchas e danças) com ritmo muito distinto. 10.05: Nova troca de controle. 10.22: Leves movimentos da cortina. O pano pre­ to, com que os objetos de cima das mesas foram co­ bertos, para diminuir o seu efeito fosforescente, foi tirado por mão Invisível. 10.26: O sr. Ebers anuncia sentir corrente fria de a r. 10.27: O balanceio da cortina, mormente da metade do lado do médium, é multo vivo; maiores excursões dos barbantes fosforescentes. 10.28: “Olga” marca, com o bastão fosforescen­ te, o compasso para a marcha tocada pelo gramo­ fone. 10.30: O violino começa a movimentar-se. To­ que compassado, com crescente força. O violino cal ao chão. 10.31: O Prof. Sierp reocupa o lugar anterior. 10.31: Nova troca do controle. Em lugar do sr. Ebers, aceita de novo o controle o sr. Kammerer. “Olga” estabelece nova ordem de assentos. Enquanto esse desejo é comprido, o sr. Schulte-Strathaus entra — 52 — no recinto de experiências, para recolocar o violino so­ bre a mesa, de tal forma que o cabo do instrumento ficasse virado para a abertura da cortina. 11.08: As ondulasões da cortina recomegam. 11.10: Toques compassados e crescentes do vio­ lino. 11.12: Movimentos continuados da cortina. O violino marca compasso fortíssimo. 11.13: Veementes balanceios da cortina. 11.14: O médium sente-se animado a pedir maio­ res feitos; depois disso, o toque compassado do vio­ lino vai sempre crescendo até dar golpes violentos. Contínuas sugestões ao médium, da parte dos assis­ tentes, fazem crescer ainda de violência os fenémenos. A força desencadeada se desenvolve e despedaça o instrumento, até que dele não resta senão o cabo, co­ mo resulta da verificação posterior. 11.16: Toque suave do tamboril. 11.17: Começam toques mais surdos sobre a pele do tamboril, como com um objeto meio duro, que po­ deria ser um membro humano. A ala da portinhola virada para o médium move-se para trás; os barban­ tes fosforescentes compridos são puxados, fortemente, para o interior do gabinete. 11.19: Faz-se então ouvir a campainha; elevan­ do-se no ar, é lançada por cima do biombo, e cai ao pé da condessa A. 11.20: A concertina move-se; ouvem-se alguns sons, assim como um golpe de instrumento na mesa. O prof. Sierp e o diretor das experiências erguem-se para melhor observar os fenômenos por cima do biom bo. 11.21: O tamboril, deitado na mesinha de palha, é tocado, de acôrdo com o ritmo da música, e, depois, atirado ao chão. — 53 —

11.22: Ouve-se, depois, um barulho extraordiná- dio atrás do biombo, no recinto das experiências. To­ dos os objetos deitados nas mesas sáo atirados, con­ fusamente, uns em cima dos outros, e as mesas, final­ mente, tombam no chão. 11.24: E’ ligada a luz branca para se verificar o resultado dessas fortes influências. 11.25: k luz clara, vemos as duas mesas viradas no chão; por a{, em todos os sentidos, os pedaços do violino. Alem disso, verificamos que o biombo, do la­ do do médium foi puxado até perto da cortina. No entanto, não pudemos apurar se esse fechamento se deu antes ou após do último fenômeno. O diretor puxa a mesa maior para trás da corti­ na, dentro do gabinete, e, sobre a mesinha de fumar, coloca uma caixinha de música de criança, o tamboril, a campainha e uma argola fosforescente. O experimentador torna a fechar o campo de ex­ periências, de modo que a beira do biombo 'se una à tira fosforescente da cortina. 11.30: Segue pequena pausa, às escuras, durante a qual o médium fica sob controle e pode descansar. Os assistentes ficam todos em seus lugares. 11.42: Os movimentos da cortina recomeçam. 11.50: “Olga” pede uma pausa de 18 minutos. Continuaram depois as experinclas nas mesmas con­ dições. 11.55: Rudi acorda. 18 minutos de pausa. Durante este recreio, no local contíguo, entretem- se os presentes sobre o resultado; e um espectador, que pela primeira vez em sua vida assistiu a uma ses­ são, externou a possibilidade de um dos presentes ter- se introduzido no gabinete, e ter, fraudulentamente, produzido todos esses fenômenos. Com essa falta de compreensão do valor científico do método, era de ro- — 54 — ccar que a conversa, nm tanto Imprudente, pudesse deprimir o tolher as disposições do médium. 12.12:Reinfcio da sessão, como de costume. 12.22: Transe. Não se dando, porem, mais fenô­ meno algum, foi levantada a sessão à 1 hora. A causa do fracasso da última pano deve sor atribuída à perda de disposição do médium, provoçada pela observação mencionada sobre a possivel fraude. Baseado na sua experiência de muitos anos, Schneider, pai, pensa que o médium estava hoje particularmente forte, e que teria dado resultado tambem a última parte, se tivesse sido omitida nquelq conversa. 1.06: Rudl acorda.

OBSERVAÇÕES FINAIS DO DIRETOR DAS EXPERIÊNCIAS

O desenrolar desta sessão foi satisfatório, típico e análogo ao das precedentes. A destruição do violino, em tantos fragmentos, provou que, por continuas ani­ mações, são produzidos efeitos violentos e até bru­ tais; estes podem degenerar numa tal confusão dç fe­ nômenos, que torna Ilusória a solução certa de fenô­ menos predeterminados. Nesse particular pode-se me­ lhorar ainda a disposição das experiências. Não será preciso salientar que a discussão aca­ dêmica da questão sobre se algum dos presentes tenha fraudulentamente cooperado é sem fundamento; pa­ rece absolutamente excusado que um dos presentes tenha podido passar, despercebidamente, do seu lugar até atrás da cortina. Excusado, primeiro porque os assistentes eram todos pessoas sérias, e, segundo, por­ que toda transferência de lugar seria percebida. A-final é de notar que o circulo de observadores muda em cada sessão e em cada lugar. Com Isso se liquida essa objeção teórica. — 55 — Depois de examinado o protocolo, o Dr. Galterer enviou ao Barão von Sclirenk um su­ plemento em que fazia várias objeções con­ tra os resultados obtidos, alegando certas pos­ sibilidades de fraudes. Posteriormente, po­ rem, em outras experiências, viu que suas objeções careciam de fundamento, e aceitou como reais os fatos telecinéticos aqui nar­ rados.

SESSÃO DE 5 DE OUTUBRO DE 1035 COM RUDI, NA CASA DOS PAIS, EM BRAUNAU

O sr. J. Schnelder, pal do médium, para tirar-me as dúvidas, teve a bondade, de convldar-me mais vezes para Braunau. Duas sessões dlstlngulram-se particu­ larmente pela rlquoza de fenômenos de telecinésia e materialização. Por isso passo a fazer o relatório delas. ASSISTENTES: Medlclnalrat Dr. E. Reh, Capi­ tão Kogelnik, S. Rlbel, o sr. e sra. Ramsbacher, pai e mãe do médium, assim como o irmão mais velho, Carlos, com sua mulher Rosa, e o relator Dr. Gattorer. Antes da sessão tive bastante ocasião para exa­ minar tudo, minuciosamente, no local, mormente no canto do quartò que devia servir de gabinete. De mo­ do algum pude descobrir algo de suspeito. Em minha presença, Schneider, pai, prepara o gabinete. O soalho do canto esquerdo do quarto é coberto com pano pre­ to, de K até K vai uma cortina preta pendurada, que se abre com cordas, a partir do meio. Janela I (den­ tro do gabinete) e janela II fora dele, (ambas dão pa­ ra a praça municipal), são igualmente cobertas com pano preto, a-fim-úe que a luz da praça não penetre no local da sessão. Cada pano é por mim minuciosa- — 56 —

mente examinado. A limpada, em frente ao gabinete, está sendo embaciada com papel vermelho. De um la­ do da cortina (Kl), tora dela, o médium Rudl; à fren­ te dele, o Medicinalrat Dr. E. Reh, que segura as ar­ ticulações das mãos de Rudi e aporta as pernas con­ tra as suas; seguem então os demais assistentes; quan­ to a mim, floo no sofá (K),em frente a Rudl. A dls- — 57 — tãncla deste à metade da cortina é de l,m.50. Depois de acesa a luz vermelha, Rudl cal, por sl só, em tran­ se. Em voz cochichada, anuncla-se a "inteligência" que é saudada por todos, em coro: “Deus te salve, Olga!” Schnelder pai, a exemplo do Barão von Schrenk, faz um discurso de boas vindas. “Olga” pcdo então 12 minutos do pausa. Luz branca. Faço questão de que nlnguem entre no gabinete. Recomeça a sessão; transe. Nada sucede. Pergun­ tada pelo motivo, responde “Olga” que o gabinete não está suficientemente escurecido. Entro no gabinete em companhia do sr. Carlos Schnelder. Isolamos a luz branca e tornamos a sair juntos. Olga pede música e conversação. Cantam-se diversas cantigas populares. Alguns dos presentes declaram per­ ceber figura branca; quanto a mim, nada enxergo. Carlos cal em transe, como médium secundário. “Ol­ ga" deseja uma poltrona (cadeira sem espaldar) com campainha. Coloco ambos em frente da cortina. De-re- pente, põe-se esta em movimento vivaz, enquanto a poltrona está sendo puxada para todos os sentidos; a campainha marca o campasso para a canção que 6e vai entoando. Os movimentos, avivados pelas aclama­ ções dos espectadores, tornam-se multo veementes e desenvolvem-se à minha frente. Continua a campai­ nha a ser sacudida, como por mão Invisível, cortina a dentro. De-repente é jogada por cima dos m eus om ­ bros, tocando-mo ao de leve. Por indicação do médium, "Olga” encontra-a logo, atrás de mim. “Olga” deseja que eu a segure em cima da palma, para tlrá-la daí. Seguro, pois, a campainha em cima da palma da mão, debaixo da lâmpada. Na posição em que me achava não podia deixar de avistar qualquer dos presentes que ten­ tasse chegar para perto de mim. Aproximando minha mão mais um pouco (10 cm.) da cortina, vejo apa­ recendo, de-chofre, em direção à. flecha, uma pequena — 58 —

mão. Vejo-a, pelo manos, tão claramente como a mi­ nha própria, à luz vermelha, mas muito pequena e de­ licada. Percebo quatro dedos separados, sem o pole­ gar. A mão era visível só até a articulação. Um tan­ to tímida e precavida, foi a mão apalpando, ao de leve, a minha, sentindo eu algo de frio húmido. De-re- pente apanha a mãozinha a campainha e retira-a, jo­ gando-a com rapidez. Feito isso, desaparece. A mate­ rialização fora visivel pelo espaço de 3 a 4 segundos. O dr. Reh certificou-me de que continuava segurando Rudi. Os demais espectadores eram todos testemunhas da aparição, e não podiam, nas condições dádas, tô-la produzido por fraude; a mão saiu por detrás da cor­ tina e era anormalmente pequena; a distância dos as­ sistentes era minlma. Em seguida, quer "Olga” tocar o alaude. O ins­ trumento está preso ao pescoço com a caixa de resso­ nância. Como a fiscalização se me afigura insuficien­ te, tomo eu e seguro o instrumento. A desejo da “inte­ ligência", aproximo-me da cortina, e inclino então o instrumento para meu lado esquerdo, em sentido con­ trário ao do círculo dos assistentes, de modo que as cordas fiquem bem juntas à cortina. Seguem-se en­ tão puxões no instrumento, aos quais resisto para ve­ rificar o grau de intensidade. Depois, arranhõgs nas cordas, como se alguem passasse as unhas sobre elas brutalmente. Aclamações a “Olga”. Na janela II, de-repente, toques veementes. De­ seja-se certo numero de pancadas, e isso se faz exata­ mente. Eu solicito: 2 golpes rápidos e 3 vagarosos, o que, após pequena demora, se executa prontamente. Ao mesmo modo fui correspondido quando pedi que se batesse na janela I. Em seguida assumo eu próprio a fiscalização, mas, tendo-se verificado só movimentos da cortina, encer­ ramos a sessão, às 11 horas da noite. — 59 —

Semelhante mão materializada apareceu mais tar­ de, várias vezes, em outras ocasiões, como na sessão de 12 de abril de 1926. Como esta apresenta mais ou­ tros pormenores interesantes, dela faço a seguir, uma descrição, de acordo com o protocolo.

SESSÃO DE 12 DE ABRIL DE 102« COM RUDI SCHNEIDER, em casa dos pais.

MEMBROS DA SESSÃO: Prof. Beuler (Zuerlch), Sr. K., capitão Kogelnlk e sra. Poldi Ofenmueller, Franz Cllli, Ransbacher, Rosa e Carlos Schneider, os pais do médium e o relator Dr. Gatterer. Para obter completa certeza, foi executado pelo último, auxiliado pelo sr. K., exame minucioso de to­ dos os objetos do local das sessões e dos quartos con­ tíguos; nada foi omitido, nenhuma gaveta, ou caixa, ou cama, ficando depois as portas fechadas e lacra­ das. Ainda assim continuamos a examinar cuidadosa­ mente, com a lâmpada elétrica, todos os demais can­ tinhos. Início da sessão às 8.26 horas. Seguem 12 minu­ tos de pausa. Reinicio às 8.37. Transe. Controle (pelo cápitão Kogelnih), como sempre. "Olga"*pede a pol­ trona. Puxou-a em diversos sentidos, depois fê-la cair. Colocada novamente em pé, foi coberta com brinquedos para "Olga" (tamboril, campainha). Carlos Schneider cai tambem em transe. “Olga” toca o tamboril, conti­ nua a tocar o tambor na janela II e, a pedido, tambem na janela I. Ouvem-se então pancadinhas no espaldar do sofá e na parede, atrás do médium. As cortinas são levantadas para o ar, até ficarem quase paralelas ao chão. A campainha é levantada e tocada. “Olga” pede que o gramofone seja colocado em cima da poltrona. Como o mais próximo, que é o sr. K., não consegue fazê-lo funcionar, declara g Inteligência: “Vou fazê-lo — 60 — eu própria”. Aparece outra vez, bem visível, ã luz ver­ melha, a mão materializada; jeitosamente faz o ins­ trumento tocar, pega do tamboril, e marca com ele o compasso. Manifestamente mal satisfeita com a mú­ sica, manda "Olga”: “Fora com a velha peça!” O Prof. Beuler, o sr. K. e Dr. Gatterer entregam lenços. Pegados com multo jeito pela mão de “Olga”, desaparecem atrás da cortina, e de lá reaparecem cheios de nós, sendo reentregues a seus proprietários. Ao sr. K., possuidor de bela barba comprida, lhe pe­ dem se aproxime um pouco da cortina. Apenas feito Isso, reaparece, de trás da cortina, a mão materiali­ zada, e puxa-lhe violentamente a barba. Começa “Ol­ ga” então a ocupar-se com o “anjo fosforescente” (fi­ gura de cartão). Como este é fixado com alfinete de segurança em cima da cortina preta, esta, de-chofre, se rasga poderosamente, no mesmo fio, de baixo para cima, de modo que o anjo fica livre, movendo-se ale­ gremente no ar e caindo finalmente no chão. O rela­ tor o recolhe, mas “Olga” lho tira da mão com extra­ ordinária violência. Em todas essas manipulações, a pequena mão materializada era multas vezes bem vlslvel. Além dis­ so, apareceu um fantasma inteiro; o relator viu a fi­ gura nebulosa, bem confusa, que ora foi crescendo, ora diminuindo, tanto no tamanho, como na clareza. As mlnudências não se podiam distinguir. No fim da sessão "Olga” ensaiava ainda efetuar uma levitação do médium. A força, porem, lhe parecia esgotada, de modo que o relator não pode distinguir o fenômeno.

FENÔMENOS COM MARIA SELBERT (Do Graz — Áustria)

As manifestações que se deram com esta sra. eram de espécie essencialmente diferente das que se — 61 — deram com Rudl Schneider. Mme. Sllbert, atualmente quase de 70 anos de idade, ó viuva de funcionário do Ministério da Fazenda, falecido em 1914. Como es­ posa e mãe de família numerosa, tem atrás de si uma vida cheia de trabalho e cuidados. A impressão que eu pessoalmente tive de Mme. Sllbert, tão social, na­ tural e leal em tudo, deve ser apontada como absolu­ tamente favoravel. O que nas sessões com ela é con­ siderado como extraordinário e particularmente agrn- dnvel, é a circunstância de que o “aparato” de lei (eti­ quetas) usado com os demais médiuns, desaparece completamente. Sobretudo, não existe aqui vestígio de gabinete misterioso, que, para um céptico, continua a ser sempre pedra de tropeço. Aqui, a gente se assenta simplesmente & mesa, com luz clara natural, ou ar­ tificial, e as manifestações começam. Antes, porem, de referir os protocolos das sessões mais importantes, dou, baseado na própria experiên­ cia, uma breve descrição dos fenômenos mais comuns que se costumam produzir com ela. a) AS PANCADINHAS (Raps) ou TEPTOLOGIA (85)

As pancadas medlúnlcas são, de certo, o fenôme­ no mais frequente com d. Silbert. Podem ser verifi­ cadas em quase toda visita, e a cada hora do dia. As i continuamente, quanto ao lugar, à e ritmo. As mais das vezes, pa- í o ouvido em cima raps fortes), a vibra- . Silbert se assenta à js para a frente, visi-

,'n£ ,0,s To M X , d£ er.rd: — 62 —

de. Ouvem-se no plano e no espaldar da cadeira, em que cada qual está sentado. As vezes dão um som brando, como se gotas de azeite caissem de pouca altura; ou­ tras vezes, som forte, oco e agudo, como de objeto pontudo. Não raro, as pancadas são estrondosas e re­ tumbantes, como marteladas. Tambem varia o com­ passo. Ora é lento, cada segundo uma pancada; ora avivam-se as pancadas, que chegam a um compasso furioso, como de um radiotelegrama expresso. Perce- be-se que os rnps representam outros tantos sinais ex­ pressivos. A pergunta de "Nell” (a Inteligência) se quer ditar, segue uma forte pnncada que significa afirma­ ção, ou duas que exprimem a negativa. Um ditado in­ teiro, (exige prolongada prática) realiza-so, juntan- do-se as letras, conformo o número de pancadas que lhes corresponde na sequência natural do alfabeto: Uma significa a, 2=b, 3=c etc. A recepção de comu­ nicações é, por isso, muito penosa e comprida, com pe­ rigo de engano na conta, o que causa dúvidas. Mas “Nell” corrige a dúvida existente, se lho pedirem es­ pecialmente. Quando há incerteza se era ra ou n, per­ gunta-se pelo m. Segue então sim (uma pancada) ou não (duas pancadas) Às vezes, abrevia-se o penoso processo, pela presunção ou prevenção. Conjetura-se o que liá-de vir, o que se quer, formando-se então sílabas ou palavTas correspondentes, as quais “Nell" aceita ou recusa sumariamente, por uma ou duas pan­ cadas. Antigamente, refere d. Sllbert, usava-se tambem outro modo mais cômodo de comunicação, a chamada escritura por “chapas”, na qual a resposta escrita era dada prontlnha. Muito interessante é o Instinto de imitação das misteriosas pancadas. Um ritmo marca­ do no tambor é logo imitado; às vezes, um ritmo co­ meçado é continuado dlreltinho. Isso dá-se até com melodias pouco conhecidas, como com melodias brasi­ leiras, etc. Os fenômenos dos raps não dependem da b) TOQUE COM MEMBROS INVISÍVEIS

Tcmando-se lugar junto a uma mesa, e à luz de uma lâmpada de 50 velas, um ou outro assistente de­ clara-se logo surpreso ou espantado: alguem me to­ cou. Ordinariamente tem-se a Impressão de um mem­ bro mole, embotado. Âs vezes, sente-se tambem, bem distintamente, um abraço ou «aperto na parte supe­ rior ou inferior da coxa, ou dos joelhos. A pedido, o toque muda de carater. Estendendo-se, de-repente, a mào, por baixo da mesa, e pedindo-se a “Nell” aper- tá-la, costuma ser então sacudida forto ou levemente. Dá-se tambem frequentemente a seguinte experiência: o médium e a pessoa fronteira unem uma das mãos em cima da mesa, e procuram Juntar, igualmente, as outras debaixo da mesa. No momento em que se to­ cam, junta-se-lhes, não raro, sob um vislumbre, outro membro misterioso. E’ Interessante que até d. Silbert se sente sempre tocada, quando outros o são. Naturalmente, com todas essas experiências, sus­ peita-se da existência de um secreto mecanismo, do qual o médium se serve habilmente. Um exame mi­ nucioso, porem, convence logo da completa inocência do rústico e pesado movei de carvalho. Presume-se, em seguida, que d. Silbert tenlia podido, com seu pé, produzir esses toques fraudulentamente. Tambem esta objeção se desfaz por si mesma. Em si, Já é im­ possível que uma sra., idosa e doentia, fizesse por bai­ xo, com os pés, semelhantes artifícios acrobáticos, sem moveria parte superior do corpo. Ademais, liquida-se a objeção pelos toques de partes superiores; e o mé­ dium permite qualquer verificação dos pés com lâmpa­ da elétrica; suas mãos ficam, quase sempre, por cima — 64 — e bem visiveis. O relator, que fazia multo uso da lâm- pnda elétrica, e recebia muitos toques, nuuca pode perceber motivo para a mínima suspeita.

c) FENÔMENOS TELECINimCO»

São os seguintes que so observam: levantamento, parcial ou total, da mesa pesada de sessão; toque bre­ ve dos Instrumentos que se enconttai$ 110 q u a rto o à boa distância do médium (até 4 metros). Frequente­ mente são movidos, telecinetlcamente, objetos coloca­ dos debaixo da mesa de sessão. Caixinhas de cigarros, relógios, tampas e folhas, campainhas, tudo isso é car­ regado e arrastado pelo chão, eni circuitos compridos, pelo misterioso “alguém”. Não raro, esses objetos sal­ tam bem alto e até acima da mesa. Às vezes, desapa­ recem de-súbito, embora observados com maior aten­ ção, e voltam de-rcpente pelo ar, “trazidos" por in­ termédio do médium, a-pesar-do este sempre conser­ var as mãos visiveis, em cima da mesa. Até chlcaras cheias fazem essas viagens mediúnicas, sem deramnr uma gota 6equer do conteúdo. Em semelhantes “trans­ portes” cai o médium em transe; a luz é diminuída. A expressão e o gesto no transe são misteriosos e um tanto teatrais. O entoar do canções inclodiQ6as, e a de- clamação de poesias que se referem ao mundo dos es­ píritos (tópicos de Fausto, etc.), favorecem muito a produção de fenómenos.

d) FENÔMENOS LUMINOSOS

Posto que efeitos luminosos aqui se relatem (an­ teriores a 1922), restringe-se, a minha experiência pessoa], a fenômenos menos importantes de3t^gônero. Na proximidade do médium aparecem, Içequentemen- te, faixas clariverdes ou raios que, como meteoro mi­ núsculo, traçam uma linha de fogo. Tambem dos de- - 65 - dos do médium irrompem, às vozes, no estiro, ralos auriverdes. * * Pelo que mo informam^os companheiros da ses­ são, tambem d^o corpo do médium saSn nevoeiros fra­ camente luzentes, formando mateijalizaçõss màis den­ sas. O relator nuiicu chegou a vcrlfiaar, com certeza, esse (pnômeno. » Bepçis desta «xpliclição, poderão os protocolos, em sua fer^a breve e escassa, dar uma idéia clara e compreensível -dos fenômenos. Mais outras observa­ ções críticas sobre a fiscalização exercida serão rela­ tadas na II parte destar jsecção. Durante as sessões, íoram^sempre tomados Apontamentos, e, logo na se­ guinte manhã, redigido o protocolo. Só as sessões me- lhor*succdidas é que sertio aqui mencionadas.

SESSâO DE 25 DIO GUTüBKO DE 1025 com D.*Mnrla Silbert, cm sua casa, em tiraz.

ASSISTENTES: Prof. D r. João Ude e seu primo. D. Silbert o o relator. Começo da sessão às 8 horas da noite. Comg local serve um quarto assaz eepaçoso, ro- ta u g u t . QyaOe no meio se acha uma mêsa. pesada, de madeira, cujos quatro pés se U£am por travessas cruzadas; em cima, a lâmpada elétrica (50.*ela6); me­ diante certo didfeositivo pode ser reduzida a luz. Cada qual toma assento o outro lado efe mesa. Imediatamente se fazem ouvir pancadinhas. Co­ meça um ditado. Sai, como primeira palavra: “Coc- mcteiium”. Admiramo-uos do latim. Segue o ditado: “Si paccm dcderltis, lux or. . . “Dcderitis” foi parcial­ mente decifrado por mim. O abrir da porta interrom­ pe o ditadt. Em vez de continuar o texto, bate-se “ejony” e, à pergunta, so estã exato, respoude-se: sim. Segue depois: Tul sempre lux, oviotxm”. Por mim, orlct dcvla ser completado pela silaba “ur; dou, po- — 66 — rem, de-propóslto, as letras erradas “x” e “m”. Fo- Tam afirmadas ambas. Em seguida bate ••NeU”, em alemão: “Eu nãó engano, não enganeis tambem vós”. Depois segue “extltlt”. "Ouviste-nos,' acreditaste na nossa existência”. O primo do Prof. Ude pergunta: "Quem acredita? Meu tio?” “Não”. "Prof. Gatterer?” “Não”. “Eu?” “Sim.". A mesa começa a movor-se e. a erguêr-se de um lado. Com muita surpresa nossa, parece, às vezes, mo­ dificar-se o seu peso. Destes fenômeuos, porcin, não tenho certeza absoluta. Toques por membros invisí­ veis. Bate-se na mesa, e recebe-se o mesmo número do pancadas, como resposta. Recomeça o ditado: “Hoje não estou sozinho, in­ terrompe sempre”. Liguei, primeiro, sem sentido. Fui corrigido. O médium queixa-se de que tudo vai hoje tão desordenadamente; parece que uma inteligência estorva a outra. Às vezes, ressoa de todos os lados verdadeiro concerto de pancadas. Vem então a comu­ nicação: “btptn rosomninlo”, na qual algumas letras

Sllbeit

Gráfico n.“ 3 — 67 — foram talvez por nós mal entendidas. A-final chega de novo um latim mutilado: “Dco sit lep oelom ln ettcr- mim”. Talvez a tentativa de produzir: Deo slt lnus ln coelo ln netermun”. Fim da sessão às 11 horas.

SESSÃO DE 26 DE OUTUBRO DE 1025 com D. Maria Silbert, cin sua casa.

PARTICIPANTES: Sr. E. J. Dingwall (S.P.R. de Londres) e sua esposa, Capitão Scharl, Prof. D. Wal- ter, médium e relator. Comoço da sessão às 9.12 horas da noite. Sauda­ da a “Inteligência" pelos outros. Vem o seguinte di­ tado: “Firmai vossos sentidos, errareis se” — Es-» trondo, comunicação interrompida, transferência no­ tável da mesa. 9.30 lioras. Formação da corrente, escurecimento da luz. D. Silbert parece estar em transe. Ditado: “O sinal aparecerá, quando a missão for cumprida”. Os assistentes sentem fortes toques. Na çruz que està sob a mesa, encoiitram-se os objetos em que ‘‘Nell" deve atuar: 1 caixinha (para gravar), 2 argolas de papel para se compenetrarem, carta bem fechada (com lapisinho dentro para escri­ tura direta, ambos meus), uma tampa em folha, um violino. ’ D. Silbert descreve o aparecimento de um fantas­ ma espiritual. Dentro da mesa, fortes estrondos. Vá­ rios puxões no violino; tampa, várias vezes abatida no chão. Às 10,45 ressoam três séries diferentes de pan­ cadinhas. Ditados: “Acreditareis, quando falardes (?) sinais e milagres” (oráculo). Maior redução da luz. A mesa levanta-se por dois lados. O sr. Dingwall sente forte toque no braço superior; Prof. Walter e Mme. Dingwall tambem recebem toques. A tampa é atirada — 68 —

ao ar. Ditado: “Aceita o sinal, eterna é tua alma”. O relator sente forte toque nas pernas. “Nell”, por meio de três pancadas fortes, dá si­ nal de querer terminar a sessão. Minlia carta (abs- traindo-se de um sinal de lapis no envelope) ficou em branco. Mas, com surpresa do todos, encontramos, gra­ vado na tampa de folha, num triângulo: “Xe’.l". Como cu não tivesse examinado o objeto antes, nada posso aflrmnr acerca da realidade do fenômeno.

SESSÃO DE 3 DE ABRIL DE 1926 Com a Sia. M. Silbevt, cm sn» casa, em Graz.

PARTICIPANTES: Prof. Dr. Mlchelitscb, Minis- tcrialrat, Dr. Minibeck, Dr. Hobenwarter, sr. Rhoden, R. Machado, médium e relator. (36).

OBJETOS APONTADOS PARA EXPERIÊNCIA:

I — Um relógio “Omega", alem da marca da fá­ brica, leva: S. I., guardado em envelope fecliádo. II — Relógio “Aramis”, sem gravação notável, fechado com selos. III — Despertador fosforescente, de aço. IV — Caixinha de rapé, nova; dentro, papel qua­ drado com ponto de agulha em cada canto. — Lapisei­ ra de metal sem gravação. — Estojo de cigarros do re­ lator, fechado com barbante cruzado e colado em pre­ sença dos srs. Rhoden e Machado. V — Carta fechada e lacrada com 3 perguntas cm português, cujo conteúdo só é conhecido dos 2 in­ terrogadores. Papel perfurado com H.R.; nos cantos, com M; incluso, lapisinho.

(36) Machado G o nome de um Ilustre jesuíta portu- guBs. Uhoden é o nosso patrício Padre Huberto Rhoden, que hoje reside no Rio de Janeiro e que então se achava na Alemanha aperfeiçoando os seus estudos eclesiásticos. — 69 —

Sílbett MíelUfckcft

Às 9.15, Inicio da sessão. Esperamos ainda o se­ nhor Ministerlnlrnt. A mesa pesada de carvalho pas­ sou a ser, em segnida, examinada, sendo a gaveta tirada. Colocamos os objetos preparados sobre as duas travessas cruzadas em baixo da mesa: os relógios I - II - III, - relógio de ouro do sr. Michelltsch, estojos de cigarros. Às S.30, chegada do Minlsterialrat Mlnibeck. Sau­ dação geral da Inteligência por "Deus te 6alve!” Se­ guem várias pancadinhas. O ritmo de canções assobia­ das (assobio de canções e batidas de tambor ) é imi­ tado. O sr. Rhoden sente vários toques. E’ executado no tamboril o Rigoletto, de Yerdi. “Nell” deseja di­ tado: Texto do mesmo: gota alguma cai cm vão sobra a terra sedenta. Sr. Rhoden e Prof. Michelitsch perce­ bem vários fenómenos luminosos s toques. Segue o ditado: tempo o espaço são desfavoráveis. À pergunta: ‘‘Por que?” não se dá resposta clara. A Inteligência “Nell" informa que o ditado se dirigo ao sr. Rhoden. Ergue-se a mesa de-repente, do lado estreito (de Gat- terer e Hohenwarter, conforme, esboço anexo). — 70 —

E’ velada a l&mpada (50 velas) com avental azul. Mas a força iluminativa permite ler ainda bem o es­ crito a lapis. Para se satisfazer ao desejo de “Nell”, estabelece-se completa escuridão. O sr. Ministerial- vat recita alguns trechos de Fausto. Seguem frequen­ tes pancadinhas, sobretudo com tópicos místicos, e en­ tão de todos os lados. D. Silbert é controlada em mãos o pés pelo Prof. Michelltsch e peio relator .Levanta-se ela várias vezes, em transe. Sussurra primeiro, rápida e imperceptlvel- mente, a primeira pergunta da carta em português: “Qual é o primeiro verso dos Lusíadas?” Responde depois, bem perceptivelmente, voltando-se para o sr. Machado: "As armas e os barões assinalados”, repe­ tindo várias vezes a primeira parte da última palavra e, não chegando a terminá-la bem, sussurra: “Não co­ nheço isso”. O sr. Rhoden não entende a citação com­ pletamente. O relator ouve bem perceptivelmente o ti­ que-taque do relógio

outro, segura-o com a mão esquerda e faz, com a di­ reita, por cima dele, um sinal. Parece gravar no ar um triângulo. Senta-se, então, e procura, manifesta­ mente, o proprietário do relógio, acertando com o sr. Rhoden; querondo deitar-lho na mão aberta, deixa-o, porem, cair. Todos os pormenores do acontecimento foram observados por todos. D. Silbert declara ter recebido grande influência do sr. Fhoden. O sr. Miche- litsch faz a proposta de trocar o lügar, ficando o Prof. sentado à direita e o sr. Rhoden à esquerda da sra. Silbert. Luz fraca, sem transe. A sra. Silbert faz uma exclamação confusa, estende a mão lentamente para os ombros do sr. Rhoden. Este percebe, sobre o seu ombro direito, um relógio. Ela o apanha e lho entre­ ga. E’ o relógio do Prof. Michelitsch. O estojo de ci­ garros aparece então ao lado do médium, saltando, como por si próprio, sobre a mesa. Um barbante de papel desaparece; o segundo, com a marca de selo, está ainda no lugar. Gravação, nenhuma. O sr. Rho­ den percebe, no canto da mesa, raio forte; o sr. Ma­ chado nota alguns toques fortes, repetidos. O último pergunta, em português e alemão, se pode falar em português. Seguem duas mãos. Pergunta-se, se pode haver ditado em latim, alemão, grego. Vem, cada vez, a resposta; não. Segue o ditado latino: “Dolorcs mia inaterra”. Perturbação no ditado. Faz-se escuridão com­ pleta. D. Silbert parecç observar fortes ralos entre suas mãos e as do sr. Rhoden. Seguem dois raios ex- tra-fortes, claramente percebidos por todos, parecem promanar das pontas dos dedos. D. Silbert move as mãos em cima da chapa, esfregando. Observa que se forma nevoeiro luminoso. O sr. Rhoden sente pontada forte num lado. Liga-se a luz elétrica. Examina-se o relógio e o estojo de cigarros. A-pesar-de repetidas perguntas a — 72 —

“Nell”, e repetidas afirmações dela, não se descobre gravação alguma. “Nell” protesta contra o abrir do relógio do relator, dentro do envelopo. Ele é aberto, não obstante. Segue-se uma ligeira discussão a respei­ to da influência dos esptritos sobre a matéria. As 12.15, encerramento da sessão.

SESSÃO DE 4 DE ABRIL DE 1026. Com D. Maria Silbert, em sua casa, em Graz.

PARTICIPANTES: Os mesmos da sessão prece­ dente. OBJETOS APONTADOS: Relógio I, II, III, estojo do cigarros contendo: cigarros, pedaço de papel e lá­ pis, assim como carta com perguntas, campainha. ORDEM DE ASSENTOS: como no esboço da ses­ são precedente. * As 8,35 horas, começo da sessão. Exame dos sa­ patos. Conversa-so sobre os fenômenos de D. Silbert em Londres, e examinam-se os retratos de “espíritos”, recebidos de lá. As 9,00, “Deus te salve”. Prof. Miehelitsch fisca­ liza rigorosamente os pés, e verifica vários toques do lado contrário. Diversas' pancadinhas, bem fracas, insignificantes. Parece faltar energia, porque D. Sll- bert se acha um pouco indisposta e atacada. Assobiam- se c cantam-se diversas melodias; as mesmas são exa­ tamente tocadas no tamboril e continuadas. Tambcm timn canção brasileira. Canta-se em coro: “Zu Man- tua in Banden”, “Steircr-ldeder”, “Santa Lucin”. For­ mação de corrente. D. Silbert cai em transe. Iluminação reduzida por avental azul, em redor da l&mpada. Sr. Minlsterialrat declama “Dio Kranichc des Ibicus”, e faz alguns riscos magnéticos por cima de D. Silbert, pelos quais ela se sente bem refrigerada. Alguns lo- — 73 - ques. Recai em transe, levanta-se, avança, anda como para o piano, e faz, na direção da porta fronteira, gesticulações proibitivas, como se tivesse em sua fren­ te um fantasma pavoroso. O sr. M inistcrialrat desliga a luz por um momento, mas nenhum de nós percebe a aparição. D. Silbert tranquiliza-se e propõe-se termi­ nar de-pressa a sessão, devido a grande cansaço. Res­ soam então, como protesto, fortes pancadinhas, e o médium recai em transe às 10,30. Levanta-se, estende as mãos, como procurando algo, esfrega-as uma contra a outra. Logo depois aparece cm suas mãos o relógio do relator. Abrimo-lo, sem encontrar gravação. A campainha, colocada nas travessas cruzadas da mesa, retine várias vezes. Veem-se erguer vários relógios e recair, como se a força não desse para sustê-los. O relógio do Prof. Michelltch, colocado perto dos pés dele, foi encontrado do outro lado entre o médium e o sr. Rhoden, melo metro distante da mesa e com o vidro para baixo. Estendem-se as mãos debaixo da me­ sa. Sentem-se, por duas vezes, toques de um terceiro m em bro. Encerramento às 11,16.

SESSÃO DE O DE ABRIL DE 102« Com D. Maria Silbert, cm sua casa, em Graz.

PARTICIPANTES: Prof. Dr. J. Ude, Prof. Dr. A. Michelitsch, Dr. Auer, sr. Machado, sr. Rhoden, re­ lato r. OBJETOS APONTADOS: relógio do sr. Rhoden, ligado num fio de linho cuja ponta guarda sempre na mão; relógio do Prof. Michelitsch; duas chapas ultra- rápidas de Hauff, guardadas em papel próprio, do re­ lator; uma campainha, dois vidrinhos atados um a outro, várias cartas do Piof. Ude. Exame dos calçados abotoados do médliim, pelo sr. Machado. — 74 —

ORDEM DE ASSENTOS: conforme o esboco anexo. As 8,37: Levantamento surpreendente da mesa, do lado do sr. Rhoden. A luz forte fica diminuida por avental azul. Às 9,00: Chegada do Prof. Ude. Pancadinhas. Duas melodias são bem imitadas por “Nell”. Este di­ ta: Sempre se prefere a hora «o dia. "Deveis fazer isso?" Perguntas a Nell pela ordem de assentos. De­ termina que o Prof. Mlchelltscli troque com o relator, o que so executa. O Prof. Michelitsch pede que o lapls do Dr. Gatterer seja tirado de debaixo da mesa. Veri- ficam-se vários toques do lapis. A pedido do Prof. Michelitsch, as pancadinhas tornam-se cada vez mais fortes. Dão-se as mãos debaixo da mesa, juntando-se à do médium. O Prof. Ude e o sr. Machado verifeam toques de um terceiro. Segue ditado: “Atenta no sinal qtie te revelará muitas cousas quo te são escuras ain­ da”. Pergunta-se a quem isso se dirige. A respeito de Rhoden o Machado a resposta 6 duvidosa; para com o Dr. Auer, negativa.

G oã leX ít Silbext — 75 —

9,55. A campainha é derrubada debaixo da mesa e lançada ao chão. sentem-se vãrios toques. 10,00. D. Silbert cai em transe, accrda e recai. O Prof. Ude toma a direção da sessão. 10,35. Transe profundo. O médium murmura, le­ vanta-se várias vezes e faz diversos movimentos. Can­ tam os participantes “Santa Lncla”, “Am Brunnen vor

B. — FENÔMENOS ESPONTÂNEOS

A Sociedade Inglesa para Investigação Psíquica, ou S. P. R., possue rica coleção de relatos sobre fenômenos ocultos espon­ tâneos, cientificamente garantidos e realmen­ — 77 — te acontecidos. A essa Sociedade pertence grande número de professores universitários ingleses. Depois de sua fundação, em 1882, foi designada uma comissão para examinar, criticamente, a realidade dos fenômenos ocul­ tos espontâneos, por ela narrados e acredi­ tados. Cerca de 10 anos após a sua fundação, pode escrever o sr. Podm ore, um dos seus fundadores, o seguinte: “Possuímos já uns duzentos relatórios sobre aparições de cha­ mados espíritos, que foram vistos em diver­ sos tempos, por diversas pessoas, no mesmo lugar, ou por diversas pessoas ao mesmo tem­ po, ou por uma só pessoa, mas em circuns­ tância tal que exclue a hipótese de haluci- nação.” Essa primeira coleção de fenômenos es­ pontâneos, de que fala Podmore, só se refe­ re a aparições de fantasmas, e não conside­ ra os demais fenômenos, sendo isso devido aos preconceitos iniciais da S. P. R. a qual li­ nha sido fundada para manter indagações so­ bre fenômenos ocultos psíquicos, mas não fí­ sicos; este programa se resume no próprio nome da Sociedade. Bozzano, porem, em seu “Fenômenos de Assombramento", estabeleceu uma estatísti­ ca ampla e completa de fenômenos espon­ tâneos, referindo somente aqueles em que via condições cientificas suficientes. Entre fenô­ menos supranormais espontâneos, psíquicos e físicos, que encontrou, contam-se 532, sen d o: — 78 —

374 psíquicos, de natureza imaterial, inclusive os da 9. P . R .; 168 flslcos, de natureza material.

Entre os físicos, Bozzano distingue:

46 chuvas de cascalhos ou de pedras; 39 casos de toques espontâneos de sinos; 7 de incêndios espontâneos; 7 de voz d ireta.

_ Os demais fenômenos referem-se a mo­ vimentos de objetos não tocados. Citaremos abaixo apenas alguns fatos, materiais e ima­ teriais, — criteriosamente escolhidos, que possam proporcionar um conhecimento exa­ to do que se. entende por fenômenos ocul­ tos espontâneos. Enfeixaremos o nosso elenco em duas sé­ ries bem distintas: na primeira irão fatos que não podem ter por agentes almas do outro mundo, mas sim espíritos sabidamente maus e malfeitores; na segunda entrarão fatos cujos autores preternaturais não estão bem defi­ nidos. Chamamos desde já a atenção do leitor para o ponto seguinte: Às vezes, os fe n ô m e ­ nos estão ligados a lugares, e aí são presen­ ciados ou verificados por qualquer classe dc pessoas, mas só nesses lugares; são fenôm e­ nos locais. Outras vezes, os fenômenos são li­ gados a certas pessoas e acompanham essas pessoas se elas mudam de lugar: são fenô­ menos mediais ou mediúnicos. — 79 — PRIMEIRA SÉRIE: Fatos cujos autores preternaturais parecem bem definidos

Cenas barulhentas

O sr. Illig, editor do dlúrio Der Hohcnstaufen, de Goettingcn, Alemanha, conta o que lhe aconteceu a ele pessoalmente. Notemos, antes de tudo, que o sr. Illig, sogundo sua própria confissão, fora raclonalis.ta durante muitos anos. O seu prazer, diz ele, era des­ prestigiar, ironicamente, tudo o que cheirasse a dogma. Com essa disposição espiritual, fixou residência numa cldadezinha da Floresta Negra, na meia-ãgua de uma casa, cujo senhorio o avisou logo de que, no quarto que seria por elo ocupado, se davam cenas es­ tranhas; todos sabiam, afirmou ele, que o chamado “Lotscher” rondava por ai. Illig acolheu esta noticia com hilaridade, afir­ mando que em breve havia-de se entender bem com esse espirito da casa. A princípio a coisa parecia inofensiva; mas, aos poucos, as Importunações do Lotchcr tornaram-se in­ suportáveis. E’ o próprio Illig quem descreve os hor­ rores de uma noite; “Na noite de 23 para 24 de fevereiro de 1892, meu vizinho de quarto estava de viagem, e não havia outro meio senão “entender-me sozinho com o Lots­ cher”. Isso não me era agradavel. De prevenção, só procurei o meu quarto mela hora depois de meia noi­ te. Fechei e aferrolhei bem todas as portas e janelas. Não apaguei, porem, a luz e deixei a vela sobre a ca­ deira, ao lado da cama. No entanto, a excitação da espectativa não me permitiu dormir. “De-fato, começou Lotsclicr de-pressa o seu traba­ lho. Ora foi como se quebrase c esmagas© botões, ben­ galas, guarda-chuvas; ora atirava uma bola contra os paus, a qual chocava contra a parede e ressaltava. Mui­ tas vezes, o “desconhecido” parecia derrubar lenha empilhada. Depois de uma hora de barafunda infer­ nal, que me cansou até ao desespero, dir-se-ia que ia deixar-me em paz. Procurei dormir. Apenas peguei no primeiro sono, aliás muito leve, logo fui despertado por estranhos sonidos, jamais ouvidos por mim. Era coino um respirar, suspirar e gemer, provindo de guela profunda. Nâo sei descrevê-lo. Ouvi-o claro e terrível demais... Ouvi passos, cada qual acompa­ nhado de gomldos e rangidos, vindos do profundezas. Percebi distintamenle que o fantasma se aproximava de méu leito. Que fazer? Havia eu de abalançar-me a indagar a causa? Refleti nisso um momento, mas não tive coragem de executá-lo. Eu me achava dei­ tado do lado esquerdo, virada a cabeça para a pare­ de. O fantasma se aproximava por detrás de minhas costas. Chegado que foi ao meu leito e bufando por cima de mim, senti na nuca um vento gelado. Tal sensação não era, absolutamente, consequência de ex­ citação e de susto, porem efeito da realidade. No mes­ mo momento em que o fantasma tinha chegado, ge­ mendo e bufando, sacudiu várias vezes o meu leito, como a significar que a visita era especialmente para mim. As pancadas eram singulares, sonoras, secas e ocas. . . Da mesma forma que se tinha aproximado do meu leito, assim tambem se foi, afastando-se, pas­ so a passo, dando gemidos horríveis. Dirigiu-se para a porta e saiu do quarto”. Aqui parece não ter havido fraude nem engano. Não foi só o sr. Illig que observou estes fatos, nem foi deles a única testemu­ nha: outras pessoas garantem a realidade das - 81 — aparições contadas pelo sr. Illig. Este con­ seguiu mesmo demonstrar, mediante docu­ mentos seguros, que o fantasma do Lotscher já se vinha manifestando na mesma casa ha­ via mais de cem anos. (Ewiges Schweigen, de Illig, Stuttgart, 1924. pg. 155).

— 2 —

Telecinésia — Transportes, etc. ♦

Ainda para o caso seguinte, lhnilar-nos- emos a resumir o relatório do sr. Illig.

A casa com os currais cm que se passaram os acontecimentos, está situada ao pé da aldeia de Gos-, serlacli, — Wuerttcnbcrg, Alemanha. Essa casa per­ tencia a Rosine Kleinknecht. Seu marido era carteiro e morreu na Grande Guerra, em 1-915.’■No tempo em que se deram os presentes fenOmenos, morava na ca§g da viuva, em companhia de três filhas menores, — a mais velha tinha 11 anos, — e um sobrinho de 14 anos, quo a ajudava nos trabalhos pesados. Os fenOmenos começaram em 31 de abril de 1916. Na manhá desse dia, os animais dos currais manifestaram espantosa inquietação. Suavam como se tivessem derramado água sobre eles. Foram desatados várias vezes por mãos invisíveis, podendo-se observar perfeitamente o processo: as correntes tinham sido atiradas ao chão. Os mesmos fenOmenos se repetiram nos dias 1 e 2 de maio. No último dia começou tambem o barulho dentro de casa.

As crianças declararam ver fantasmas de animais. No dia 13 de maio houve o ponto culminante: “Uma acha de lenha se pOs a dançar em cima do fogão". — 82 — Um lavrador da aldeia vizinha atirou a acha pela ja­ nela; ela voltou, porem, rapidamente, sem que nin­ guém pudesso ver como. Isso se repetiu várias vezes. A acha passava do corredor para o primeiro andar e voltava. Logo depois, novo fenômeno: Um toco voou pela cozinha. À tarde, cinco boiõcs de leite calram da prateleira, quebraram-se e derramaram o conteúdo. De 15 de maio em diante, os fenômenos de dentro da casa andaram de-par com os dos currais. Os animais foram tambem espancados. Os potes de gordura, leite e^çidra, as frigideiras, os pratos e baldes, saltaram de seus lugares, voando pelo quarto e até pela porta da entrada; muitos desses objetos foram mesmo lan­ çados contra várias pessoas. Certo lavrador, que pre­ tendeu dominar o fenômeno a chicote, salu-se mulio mal. A baixela que se achava com comida, sobro a mesa ou na copa, levantou-se no ar e caiu no chão. ’ Um pesado toco, de rachar lenha, foi derrubado. Os potes cheios levantaram-se no ar sçm derramar uma gota sequer. Um dos presentes tomou um pote de ci­ dra e o foi repor no seu lugar, sobre a mesa, mas re­ cebeu, ato contínuo, uma forte pancada na cabeça, pro­ veniente do pote de leite. Tudo o que havia nas ca­ mas íol atirado fora e danificado. Os próprios leitos se levantaram, a alguma altura, acima do chão. Para completar o caso, sairam a-ftnal as portas dos gonzos e calram por cima dos destroços. Alem disso tudo, al­ gumas pessoas foram feridas pelos objetos volantes. A casa fatídica foi, então, abandonada e fechada em 15 de maio.

TELECINÉSIA — TRANSPORTE, ctc. Chuvas de cascalhos ou dc pedras Eis uma das maravilhas cm matéria de fenômenos supranormais espontâneos: As — 83 — chuvas de pedras. Há chuvas de pedras ao ar livre, e há outras que penetram até em luga­ res fechados, através das paredes. Estas se confundem, pois, com os “transportes” de que falam os autores. Das 50 chuvas de pedras, — coleção Puis, — uns 25% são transportes. Alem das chuvas de pedras propriamente di­ tas, são conhecidas tambem: 3 chuvas de ex­ crementos, uma de água quente, uma de car­ vão e uma de m oedas. Das chuvas de pedras só relataremos algumas.

EM PA R IS

Na "Gaascttc des Tribuuaux”, — orgão oficial da polícia francesa cm o n.o de 2 de fevereiro de 1846, lê-se: “Fato extraordinário que nas três últimas sema­ nas se repetiu toda tarde e toda noite,-sem que as mais ativas investigações, a mais estensa e constante vigilância, fossem capazes de lhe descobrir a causa. Tc-m sido muito agitado o populoso bairro de La Mon- (agnc-Salnte Gcnevièvc, da Sorbona e da Place Saint Micliel. O que, pois, aconteceu ê o seguinte: Na região das demolições, empreendidas para abrir nova rua, que deve ligar a Sorbona com o Pantéon, encontra-se um páteo com madeiramento e carvão, pertencente a uma casa de um só andar. Essa casa, que fica a pou­ ca disância da rua, e é separada das demais casas por largas excavagões, todas as tardes e durante as noi­ tes, tem sido atacada com chuva de projeteis, os quais, em consequência do número e da veemência com que são atirados, perfuram as paredes em vários lugares, e destrogam portas e janelas com suas guarnições, co­ mo se ali tivesse havido um cerco realizado com ba­ terias de pedras e tiros de granadas. — 84 —

Esses projeteis consistem em paralelepípedos o fragmentos das paredes derrubadas, e em pedras In­ teiras de construção, que, a julgar pelo peso e pela distância donde são atiradas, só o podem ser à mão. Do onde procederiam eles? A resposta fica ainda à espera de solução. Debalde houve vigilância dia e noi­ te, sob a direção pessoal do comissário de polícia. Em vão ficou no local o clièfe de serviço de segurança. Era vão foram soltos cães policiais nas vizinhanças. Nada pode explicar os fenómenos, atribuídos pelo po­ vo a autores misteriosos. Os projeteis choviam conti­ nuamente, com grande ruido, sobre a casa.e oram atirados^ de altura considerável, sobre a cabeça da­ queles que se tinham postado nos tetos das casas vi­ zinhas mais baixas. As pedras pareciam vir de grande distância. Não obstante, atingiam o alvo com precisão matemática, sem se desviarem de sua curva parabó­ lica. Não queremos entrar em todos os pormenores destes fatos, que, sem dúvida, receberão esclarecimen­ to rápido, graças à atenção geral que provocaram. No entanto, é de notar que, cm circunstâncias análogas, que despertaram em Paris grande atenção, se viu uma chnvn de dinheiro que atraía os vadios de Paris, todas as tardes, para a Rna Montesqnien; ao mesmo tempo, as campainhas de uma casa da rua de Malte foram puxadas por mão invisível. E sabe-se que foi impos­ sível descobrir alguem ou alguma causa tangivel para explicar os fenómenos. Queremos esperar que, dosta vez, cheguemos a um resultado melhor”. Dois dias depois escreveu o mesmo jornal: “O fato singular não pode até hojo ser elucidado, teudo-se repetido a chuva de pedras, a-pesar da con­ tínua vigilância sob que se acha toda a região. Por­ tas e janelas da casa foram substituídas por táboas, pregadas de dentro, para proteger os moradores con­ tra as pedras que destroçaram todos os moveis”. — 85 —

O sr. Mlrville publicou em seu livro “Des esprits et leurs manifestations” mais outras particularidades, que lhe foram comunicadas pelo proprietário da casa. Conforme relata, continuaram os fenômenos durante umas três semanas, após as quais tudo cessou e o pú­ blico se foi tranquilizando. Na visita que fez, viu Mlrville os destroços dos mais diferentes objetos de uso. O proprietário da casa mostrou-lhe um quarto cheio de pedras e de fragmentos de tijolos chatos e compridos. Perguntando Mirvllle qual a razâo da for­ ma singular desses tijolos, declarou o interrogado: “Para proteger-nos contra as pedradas, fechamos a ja­ nela, deixando apenas uma fenda, comprida e estrei­ ta. Fechado que ora o batente da janela, todas as pe­ dras vieram com esta forma e assim puderam passar pela fenda, do mesmo tamanho que elas”. As últimas esserções do proprietário tor­ nam o caso particularmente estranho, e o se­ param das chuvas de cascalhos mais comuns. Notemos ainda que aqui falta qualquer liga­ ção do acontecimento com a pessoa de algum médium.

EM B E R LIM

Menos importante é o caso relatado por Puis, de acordo com os números 33-35 do Bci-linei- Lokulanz.ci- gcr, de 1887. Em janeiro e fevereiro de 1887, na casa n.° 55 da Roa Ellsabeth, Berlim, durante quatro semanas, to­ das as tardes, as vidraças das janelas, que olhavam pa­ ra o páteo, eram quebradas por pedras arremessadas. A-pesar-de todos os esforços da polícia, foi impos3ivel descobrir os culpados. Este caso, como tantos outros, parece uma pilhéria de vagabundos; mas, desde que fo­ ram inúteis todos os esforços da policia no sentido de se descobrir o criminoso, não devemos recusar a pos­ sibilidade de um fato preternalural. O caso, aliás, é muito semelhante ao de Paris, no qual se chegou à conclusão de se tratar de um fenômeno supranormal, devido não a uma, mas a muitas circunstâncias.

NA BÉLGICA (Janeiro e fevereiro de 1913)

O sr. Von Zanten, morador de uma casa da rua Cesar de Faiye, declarou, em 3 de fevereiro de 1913, ao redator de um jornal de Antuérpia, a notícia que havia colhido n^ polícia local: "O que nos causou maior admiração foi que nem uma das trezentas pedras atiradas feriu uma só pes­ soa. No primeiro dia, meu filho estava na horta, e mi­ nha filhlnha dormia em seu berço; nenhum foi mo­ lestado. Apenas a criada recebeu um pedaço de tijolo na cabeça, mas sem ficar ferida. Tendo meu sogro sido atingido por uma pedra na cabeça, exclamou: "E essa! Não senti nada!” O extraordinário deste fato é que as pedras, não tendo magoado as pessoas, fizeram em pedaços todos os objetos quebráveis. Aliás, é este um característico dos fenômenos ocultos: evitam cuidadosamente todo e qualquer ferimento humano. Confirmando isso, dis­ se o Xatlonalrat Joller: “Muitas vezes foram atiradas pedras do alto da chaminé sem nada destruir ou ferir. Até as pedras que cairo m sobre uma ou outra das pessoas presentes, ri- cochetaram quase lmperceptivelmente”.

EM .TAVA

Se os citados fenômenos são maravilhosos, mais exquisltos ainda 6 outra categoria de chuvas de pe­ — 87 — dras, em que parece ter havido penetração da maté­ ria. Um dos mais importantes casos desta espécie deu- se no ano de 1S31, na Ilha de Java, na casa do sr. Van Kessinger, assistente nas Regências de Pranger. Uma verdadeira chuva de pedras caiu alí, durante 16 dias, das cinco da manhã às onze da noite, dentro e fora da residência, a-pesar-de todas as precauções to­ madas pelos 6oldados. Deste acontecimento muitos documentos existem ainda. O relatório de Van Kessin­ ger, dirigido ao então governador geral e conservado no arquivo do departamento colonial holandês, foi tra­ duzido, em 18S7, por A. I. Rlko dè Haag, e publicado em alemão nos “Psychische Stndien”.

N. B. — Antes de passarmos à segunda série de exemplos elucidativos, referiremos aqui um caso típico, em o qual os aconteci­ mentos misteriosos parecem estar ligados a uma pessoa determinada. É o que poderíamos denominar fenômeno oculto medial.

Fenômenos ligados a pessoas

Joana P., natural de Graz, na Áustria, tinha 19 anos quando, em fins de 1921, se empregou num ho­ tel de Sisregg, — Kaernten. Ai se deram com éla os primeiros fenômenos: movimentos espontâneos de ob­ jetos, luzeiros e materializações. Alguns abusos, des­ ordens e prejuízos que com isso lhe advieram, obri­ garam-na a empregar-se em outra casa. Em março de 1922 empregou-se na casa do capitão de navio de linha, J. Kogelnik, em Braunau. Este, juntamente com sua esposa, observou mui atentamente os fenômenos e publicou o resultado na “Psychic Science". (Dezem­ bro de 1922) (37). A principio, a entidade estranha manifestou-se moderadamente; mas, desde que entrou na mesma casa uma certa cozinheira, os fenômenos tornaram-se violentos, tpmando até um carater ameaçador. Muitos objetos de uso fOTam quebrados ou danificados; ou­ tros desapareceram, de modo inexplicável, e reapare­ ceram do mesmo modo. As manifestações atingiram o ponto culminante em S de maio de 1922. “Fomos acordados, — diz Kogelnik, — por barulhos estrondo­ sos que vieram da direção da cozinha, e vimos que co­ lheres, garfos, baixela, tampas, chicaras, pás, — numa palavra, — todos os objetos moveis, voavam pela co­ zinha continuamente. Já me enervava esse estado de coisas, mais nenhum esforço deu resultado no sentido de por fim aos fenômenos. Muito pelo contrário. Duas facas foram arremessadas na minha direção, por ter eu, imprudentemente, proferido palavras de horror”. A cozinheira, nesse dia, ficou tão fora de si que amaldiçoou o invisível autor dessas tropelias. Mas, apenas tais maldições tinham saido de seus lábios, começou a dar gritos lancinantes, sentindo forte aba­ lo na cabeça. Apareceu-lhe aí um inchaço e uma ferida de corte fresco, a verter sangue. H. Mac-Kenzie, vindo a conhecer a Joana P., mé­ dium destas manifestações espontâneas, levou-a para Londres consigo, em fins de 1922. Conforme relatou a esposa de Mac-Kenzie, na Psiquic Science, janeiro de 1923, tambera em Londres se deram fenômenos pa­ recidos, posto que mais fracos.

(37) A. LUDWIG.Lnngjnehrige B eunruhigung einen Hnnxen ilureh Spnkphnenomene, Festnchrift von Parup- ■ycl». (1929). Pag. 23-89. — 89 —

SEGUNDA 6'JÉRIE: Fatos cujos autores preternaturais parecem mal definidos

Ruidos — Luzes — Fantasmas 0 caso de Oels, na Silésia

Foi no ano de 1916 que se passaram coisas ostra- nhas em Oels, na Silésia, (38). O sargento Fenske, administrador de uma olaria, morava com sua mu­ lher e doh filhos numa casa alugada, na rua Kaiser 1-b. A inquietação de que a família foi objeto nessa casa atingiu tal grau, que o chefe requereu judicial­ mente a rescisão do contrato de aluguel, e a restitui­ ção do pagamento feito adiantadamente. A senhora Fenske conta os acontecimento da maneira seguinte: “Em 20 de janeiro principiou o barulho enigmá­ tico, o qual foi ouvido, ao mesmo tempo, em todos os quartos. Nos primeiros tempos dava-se só de noite, na escuridão, à hora de nos deitarmos. Em fins de fevereiro havia-o tambsm de dia ou de noite, d. luz da lâmpada. Cada semana seguia outro programa. Ora ouviamos pancadinhas ou estalidos, ora uma espécie de chilrear ou sibilar. Ouvimos mas­ tigar, como de ruminante gigantesco. Outra vez toca­ ram tambor, e bateram na parede com maTtelo, como um pedreiro que desmancha o muro; mais outra vez, era o canto do cuco ou o toque de violino que tivemos de ouvir. Percebemos, porem, um esgravatar horrível, como se fos6e de uma besta de garras enormes. Ou­ vimos tambem uma espécie de miar; uma vez o estou-

(38) Dr. GRABINSKI.Spnk GeUterachelnuiigeii oder wna aonat? — Borgmelr, Hlldoshelm, 1922, pg. 178. Ou: Paych. Studlen, 191«. Cadarno 6. — 90 — ro, como se abrissem uma garrafa de champagne, o um tique-taque, como se proviesse de um relógio na pa­ rede. Ouvimos baterem fortemente os nossos relógios de bolso. O bater das horas do nosso relógio de pare­ de foi acompanhado de outras tantas pancadas. O mesmo se deu uma vez com o relógio da torre. Bate­ ram tambem na porta, como pedindo entrada. Nas pancadinhas sentíamos, distintamente, correntes frias. Eu e o caixa Opatz, do lazareto de cavalos de Oels, percebemos na èscuridão uma centelha pairan­ do no quarto, a qual desapareceu; de-repente, no mes­ mo momento, bateram na porta. A flamazlnha era aaul- veTmelha. Meu marido e nossos filhos a viram igual­ mente. Às vezes, havia várias centelhas que seguiam as moças. Meu marido declara ter visto clarões como de descargas elétricas. Os barulhos nos perseguiam, obrigando-nos a fugir de um quarto para outro. Não podendo ficar de cama, deitamo-nos no chão, e, não aguentando mais, pedimos rescisão do contrato de in­ quilinos dessa casa”. Perante o Tribunal, 5 testemunhas afirmaram, sob juramento, terem ouvido esses barulhos e visto as faiscas. O próprio secretário do tribunal, Oerter, testemunhou ter visto várias vezes a faisca persegui­ dora das filhas.

O QUE ACONTECEU A UM VIGÁRIO

Muito significativos são os fenônenos obseTvados numa casa paroquial wuorttembergense, que se dão desdo o inverno de 1902 até os últimos anos. Confor­ me a informação do profesor A. Ludwig (Freislng), o cura católico wuertembergense que nos vai referir os acontecimentos é uma figura imponente, de 50 anos. Amostra viva de saude e força. Ao vê-lo, disse de si para si o próprio Ludwig: "Este homem não sofre de haluclnações patológicas!” — 91 —

“As importunações principiaram no inverno de 1902, em cima do meu quarto de dormir. Cena assus­ tadora. De cima para baixo, da escadaria do andar superior ao térreo, desencadeiam uma barulhada in­ fernal, como se um caixão cheio de podaços de vidros fosse atirado para baixo, com força incrível, virando 3 vezes. Correndo para fora e examinando, nada vimos. Mais forte se tornava o barulho quando rezávamos em comum pela libertação dessa praga; batla-se na porta toda vez que rezávamos a ladainha de N. Sra., como se houvesse diante da casa um homem furioso. Mui­ tas vezes foi a campainha puxada por mãos invisivels, mas era “como se o som viesse do outro mundo”. A mãe do vigário e a criada viam, em seu quarto de dormir, uma bolha vermelha, ardente, que se movia da porta para a janela, onde desaparecia. Havia coi­ sas piores. “Tenho”, disse o vigário, "multo bom sono. Muitas vezes, porem, fui acordado, como por mão in­ visível, e eu dizia: agora está ele no meu quaito. Du­ rante algum tempo, ouvia-se um barulho surpreen­ dente, sompre no mesmo momento. Era como estam­ pido de espingarda. Por 15 dias fui acordado alguns segundos antes do Angelus, sempre por um estouro dado no mesmo lugar. Ultimamente, depois de acor­ dado, fui surpreendido por um latido abominavel. Era como se cachorro enorme me ladrasse ao rosto. Ao mesmo tempo sentia, pertinho do monstro, uma cor­ rente de ar gelado, dando-me no rosto. A coisa não era já nenhum brinquedo. Felizmente, recebi de Deus nervos como cordas; não obstante, sentia que todos os meus nervos estavam tensíssimos, como para re b e n ta r”.

E’ para notar que os fenômenos apareciam es­ pecialmente quando o cura, pela benção do ritual, ti­ nha livrado de semelhantes Inquietações alguma casa dos seus paroquianos. — 92 —

Por uma atitude intimorata e enérgica, e dando ordens em nome de Deus, conseguiu restabelecer a paz, pelo-menos pov algum tempo. O caso é tão evi­ dente que.uma explicação por íraude ou ilusão parece impossível.

O OASO DE UMA RELIGIOSA

Aos acontecimentos mais interessantes do campo dos fenómenos espontâneos pertencem os exemplos de sinais deixados impressos num objeto. Alguns desses casos estão solidamente comprova­ dos o não deixam palrar dúvida razoavel sobre sua realidade. Trata-se do fantasma de um morto que, para provar a realidade da sua volta, imprime a mão encandecida em pano, madeira, papel & até em metal. Como exemplo sirva a aparição da freira Marga­ rida Gesta. O acontecimento verificou-se, segundo se afirma, em 16 de novembro de 1869, no convento das Irmãs terceiras franciscanas em Foligno. (39) Depois de vida santa, faleceu a mencionada irmã a 4 de novembro de 1859. Trés dias depois de sua morte, ouviram-se, na proximidade do seu quarto, so­ luços contínuos a que ninguém deu atenção. A 16 do mês, indo a irmã Ana Fellce Menghini, de-manhã ce­ do, à rouparla, ouviu váriaB vezes a mesma voz, en­ quanto abria os armários. Mui distintamente percebeu, então, as palavras da falecida abadessa: “O’ meu Deus, qua grande dor!” Mesmo cheia de temores, re­ solveu perguntar o motivo. Enquanto a falecida dava informações, parecia mover-se, em forma de sombra, na direção da porta. Chegada ali, disse, em alta voz: "Que eu te apareça é uma grande graça. Nunca mais

(39) GRABINSKI, Spnk G< sonstT Fg. 389-385. — 93 — voltarei, e, como sinal, deixo-te isao” — Um golpe for­ te na porta, e a sombra desapareceu. Viu-se então, profundamente impressa dentro da porta, a mão da falecida, e muito mais distintamente do que se fosse a impressão gravada a ferro quente. Este fato, dizem, é comprovado por documentos. Fatos semelhantes são citados como acontecidos em outros lugares. Entre muitos, basta lembrarmos os de Pflogsbach, Fuchsmuehl, Pressburg, Hall und T. Merl, Vinnenberg, Thaur b. Hall, etc.

C — O ESPIRITISMO NO BRASIL

O espiritismo é o mesmo em toda parte. Ao lado de investigadores sérios movimen­ tam-se macumbeiros; mesmo as sessões diri­ gidas por pessoas distintas se caracterizam pe­ la incerteza, capricho e mistura de fenômenos estupendos com fenômenos naturalmente ex­ plicáveis. Nem sempre é facil distinguir entre fraude e realidade. O Brasil não faz exceção à regra. Há aqui muita pantomima, muita comédia e, sobretu­ do, muita discursòira insulsa. Todavia, sessões há, principalmente em S. Paulo, que não dife­ rem muito das sessões européias, relatadas por nós no corpo desta obra. Vamos dar uma amostra. Pura isso, ser­ vimo-nos de apontamentos concienciosamenle organizados por um cavalheiro distinto que, sem admitir o espiritismo como religião, o tem estudado sob o ponto de vista científico. Tra­ ta-se do dr. Shalders. O dr. Shalders é brasileiro, mas filho de pai inglês; estudou na Europa e formou-se — 94 — em engenharia pela Politécnica do Rio. Con­ ta atualmente 77 anos de idade e é engenhei­ ro da Light desde 1899. E’ tambem diretor da Sociedade Mctapsiquica Brasileira. Acostumado a redigir relatórios, — pois trabalha na Secção de Superintendência, — o dr. Shalders tem observado escrupulosa­ mente o que se passa nas sessões a que assis­ tiu, e essus passam de um milhar. Opina que há fenômenos reais, de natureza preternatu- ral, mas abstem-se de se pronunciar sobre as causas dos mesmos, pois até hoje não chegou a formar um juizo definitivo sobre o espiri­ tismo. Ademais, em sua opinião, é dificil in­ dagar as causas dos fenômenos, porque, nas sessões, os assistentes perdem toda liberdade de julgamento, alheiam-se do ambiente e tor­ nam-se fanáticos. Poucos homens, diz ele, conseguem guar­ dar firme e lúcido o juizo habitual. Todavia, espirita a seu modo, o dr. Shalders aceita pa­ ra os fenômenos uma interpretação que em nada difere da teoria espirita geral. Como, porem, esta discussão é tratada em outra parte do livro, limitamo-nos a copiar, data vertia, alguns apontamentos dos cadernos do dr. Shalders.

SESSÃO D1D 11 DE MAIO DE 19S9

Casa (lo Cap. Valença — Assistência: Umas doze pessoas — Médiuns: Orcemy e d. Nenen; depois, Eu- nice, filha de d. Nenen. Prendi o anel de d. Nenen com uin cordão do mais de 5 metros de comprimento. Com o cordão, do­ — 95 — brado ao moio, prendi a aliança ao pulso do médium, dando nó cego. Levei o cordão ao espaldar da cadeira o amarroi-o ali, tambem com nó cego. Fiquei com a outra extremidade presa em minha mão direita. Foito escuro no ambiente, o anel caiu no chão em menos de um minuto, — o tempo exato que bas­ tou para eu contar até seis. Não verifiquei se o cor­ dão teria sido arrebentado para permitir a salda do anel. Mas, ainda que o fosse, não o teria sido por d. Nenen, pois esta não teria força para tanto. Deixei cair o cordão no pavimento. ' Os espíritos que costumam manifestar-se, denun­ ciaram a sua presença com os sinais habituais. São os espíritos Francisco Barreto, Francisco Sousa e Deo- lindo. Francisco assobiou, como de costume. Finda a sessão, que durou muito pouco, estavam cs médiuns amarrados um ao outro, abraçados. Deixou-se a um dos espiritos a tarefa de desamar­ rar os médiuns, o quo ele fez em poucos segundos. Verificou-se então que o cordão, tecido de algo­ dão forte, não atava mais o médium, nem a cadeira, mas estava no chão, picado em pedacinhos de uns 10 centímetros cada. Durante a sessão, um espirito sofredor incorpo­ rou-se no médium Maria, mas foi doutrinado e acal­ mado pelo espirito Francisco Sousa, incorporado uo médium Orcemy (senhorita). Retirando-se de Orce- ray, Francisco assobiou caracteristicamente. Outro espirito, pessoa da família do Cap. Valen- ça, incorporou-se num dos médiuns e começou a con­ versar com o capitão, tendo tido, primeiro, o cuidado do provar sua Identidade. Foi levitada uma corrente luminosa que estava ao longe e dlrlgiu-ae para mim, trazendo na ponta um — 96 — cadargo, tamisem luminoso, que me acariciou as mãos demoradamente. Em seguida, o espirito me entregou a corrente, e eu, de pé, segurei-a bem alto. Mas negou-se a levar a corrente até o teto, conforme pedido meu. Deixei então cair a corrente na mesa, e encerrou-se a sessão. Os médiuns Orcemy e Nenen estavam deitados no chão, abraçados. Pedlu-se ao espirito que acordas­ se as duas senhoras e as fizesse voltar a suas cadei­ ras, — o que foi feito. Dona Eunice, melo acordada, mostrava-se muito nervosa e Inclinada a chorar. O sr. Gastão despertou-a e acalmou-a.

SESSÃO DE 24 DE MAIO DE 10S9

Em casa do sr. Gastão — Assistência: 35 pes­ soas — ÍMédluns: D. Nenen, d. Zilda e senhorita Or­ cemy. Os médiuns Orcemy e Zilda foram amarrados, como de costume, ás suas cadeiras, Orcemy pelo dr. João Dias e d. Nenen por mim. Prendi a aliança desta de tal forma que ela não pudesse tirá-la de nenhum m odo. Fez-se escuro e, em meio minuto, caiu o anel de d. Nenen. Manifestaram-se oa espíritos Francisco Barreto, Fragoso, Joaquim e Deolindo, cada qual pelo sen sinal próprio. Francisco assobiou durante a ses­ são inteira; a meu pedido, e para satisfazer o dr. João Dias, assobiou La Dona é mobile e o Hino Nacional. As cornetas luminosas foram levitadas simulta­ neamente e descreveram no espaço movimentos inte­ ressantes, uma em torno da outra. No fim da sessão estava d. Nenen fortemente amarrada a sua cadeira, com corda nova quo fora le­ vada por mim. — 97 —

Orcemy achava-se assentada em cima do gramo­ fone, no chão, toda envolta, inclusive a cabeça, na toalha da mesa. Amarrada por dentro da toalha. Por fora desta', à altura do pescoço, enrolara-se uma cor­ da. O assobio, era evidente, não podia partir dela. Durante a sessão, o espirito acionou o gramofo­ ne; abriu 2 caixa, escolheu o disco, fez funcionar de um lado e depois, experimentando o outro lado e não gostando, escolheu outro disco. Finalmente, desar­ ranjou o mecanismo da parada automática. Deixando-se aos espíritos a tarefa de acordar os médiuns, eles trouxeram Orcemy para cima da mesa, assentaram-na em cima do gramofone, sobre uma ca­ deira. Acordaram-na, enfim, depois de haverem-lhe tirado a toalha de sobre a cabeça. D. Nenen, depois de desamarrada, foi levantada do chão e colocada em sua cadeira. Zilda foi encon­ trada, ao fundo do salão, amarrada a um banco, jun­ to & porta de salda. Foi depois acordada como as ou­ tra s .

Grande parte da assistência ficou em dúvida so­ bre se as músicas do gramofone partiam dêle mesmo ou de alguma caixa fechada.. . A nota característica da noite foi a variada apre­ sentação de quadros vivos com os dois médiuns. Par­ te desse trabalho foi feito ã mela-luz que o próprio espirito se encarregou de fornecer. A luz apagou-se por fim, continuando a entrar no recinto a fraca luz da noite estrelada. Já quase ao fim dos trabalhos, um espirito se divertiu em fazer cócegas a uma moça que se achava na vizinhança do sr. Gastão. Essa moça, durante mi­ nutos, deu gostosas gargalhadas. — 98 —

SESSÃO DE 3 DE JUNHO DE 1080

Casa do sr. Gastão — Assistência: Mais de 120 pessoas — Médiuns: D. Nenen, d. Maria, senhorita O rcem y. Finda a sessão, o sr. Falcão deu pela falta de seu relógio. Consultado o espirito Francisco, este decla­ rou que o havia levado para a casa de Orcemy. O sr. Falcão ofereceu-se para acompanhar Orce­ my até casa, e logo um grande grupo se reuniu a ambos: fomòs, portanto, até a casa de Orcemy, eu, o cap. Valença, d. Nenen, uma sua filha, sr. Arman­ do Sales, senhora e irmão, e o sargento Mesquita, além do sr. Falcão. Apagamos a luz, e imediatamente o espirito Fran­ cisco começou a assobiar antes mesmo que Orcemy entrasse em transe. Sentei-me em uma cama, ao lado de d. Nenen. Esta entrou logo em transe, inclinando-se para trás com a cabeça apoiada na parede. Dal a pouco o espirito abriu o meu güarda-chuva, que estava sobre a cama, e o deu a d. Nenen, para se­ gurar; ficamos ambos cobertos pelo guarda-chuva. O espírito Francisco, tocando-me, colocou em meus braços um cachorrinho da casa e o levou depois As o u tra s pessoas. Perguntando-lhe eu por que não pudera retirar o nuel do cofre, respondeu que era por ser o cofre de m etal. Dai a pouco Francisco se encorporou em Orcemy e confessou ser êle quem trouxera o relógio para de­ baixo do travesseiro. Perguntei-lhe porque abrira o meu guarda-chuva e respondeu-me: — Para você não se molhar. Observando eu que estávamos dentro de casa, ele — 99 — disse que, se quisesse, poderia deitar água em cima de m im . Em seguida, despediu-se com um boa-nolte e saiu, assobiando. Orcemy voltou a si.

SESSÃO DE 7 DE JUNHO DE 1039

Casa do sr. Gastão — Assistência: Umas setenta pessoas — Médiuns: D. Nfenen, Maria, Orcemy. Sessão multo parecida com as outras. O espirito Deolindo manifestou-se, batendo» palmas fortíssimas. Francisco eutrou com o seu acostumado assobio. Logo depois cantou comigo o hiuo alemão: '‘Heilige N ac h t".

SESSÃO DE 28 DE JUNHO DE 1939

Em casa do sr. Gastão — Assistência de 70 pes­ soas — Médium: senhorita Orcemy Fraga. O espirito, a pedido de alguem, escreve^ seu no­ me num cartão dado pelo sr. Fraga, tendo tirado ~àô bolso deste o lapis. Em seguida, entregou o cartão ao assistente, que lbo havia pedido. Verificou-se, depois, haver o espírito escrito: ‘‘Deus o ajude, José Passarelll”. Este é o nome corre­ to do assistente. Note-se que este era desconhecido de todos os outros assistentes. Numa segunda sessão, a menina Lígia, neta do sr. Gastão, foi transportada para cima da mesa. Ti­ nha aB mãos amarradas atrás das costas. Confessou que havia sido levitada até perto do forro. Observo que a menina não fora adormecida nem antes nem de­ pois do fenêmeno. — 100 —

SESSÃO DE 15 DE SETEMBRO DE 193»

Em casa do sr. João Caiaffa. D. Elvira Caiaffa e d. Hilda Bouclxer manifesta­ vam ã táboa psicógrafa, conservando os olhos fecha­ dos durante todo o tempo. O aparelho la às letras eom precisão e sem erro de ortografia.

(Diálogo sobre assuntos banais, do interesse par­ ticular de alguns dos assistentes). Suspensa a sessão, foi Teaberta depois de um pe­ queno intervalo. As mesmas pessoas, de olhos fechados, maneja­ ram a táboa. Disse o espírito: — ‘‘Boa noite”. Perguntado pelo nome, respondeu: — “ P e d ro ”. — "Pedro, quem?” perguntamos. Respondeu: — “Pedro, chaveiro do Céu. Vou dar uma chave para o velho abrir o purgatório”. Vendo que nos havíamos com um espirito zom­ beteiro, despedimo-lo.

SESSÃO DE 24 DE SETEMBRO DE 1939 Em casa do sr. Valdemar da Silva. Em uma sessão de incorporação, sendo médium o sr. Michel, deu-se um “transporte”. Apareceu um pequeno tallsman, uma espécie de medalha dourada, de forma circular, tendo dentro do circulo o número 13; prendia-se a uma pequena argola, pelo lado de fora do círculo. Foi presenteado a d. Alzira, uma das pessoas presentes. D. Mary Alvim e o sr. Patrocínio disseram que tinham visto o objeto cair. Eu e as demais pessoas presente, seis ao todo, não vimos, mas ouvimos cia- — 101 — ramente o sonido da medalha quando caiu sobre a m esa. Interrogado o espirito acerca de seu nome, res­ pondeu: — “Eduarlo Carlos Pereira”. Perguntei como era possível estarmos ali como espíritas, ele, ministro presbiteriano outrora, o sr. Valdemar, tambem presbiteriano e eu, metodista. Res­ pondeu: “Os caminhos são diferentes, mas o destino é o mesmo. Hoje, irmanados na mesma fé o verdade, se­ guimos de cabeça erguida e peito aberto. Não temos luz, mas vivemos de reflexo. Não conduzimos; somos conduzidos em busca do mesmo ideal”. Perguntando-lhe o sr. Valdemar se o Novo Tes­ tamento não encerra a síntese da verdade religiosa, r e sp o n d e u : — “Meus amigos, a verdade é uma-só — Deus. Os escrevinhadores (sic) do Novo Testamento foram médiuns extraordinários, que tambem :trabalharam para atingir o máximo de perfeição; mas há coisas que não podem ser reveladas. Tudo chegará a seu tem­ po para a humanidade, para a sua evolução natural".

SESSÃO DE 17 DE JANEIRO DE 1940

Em casa do sr. Gastão — Assistência: 50 pessoas — Médium: Carolína. A cadeira do médium foi levitada para cima da mesa, e Carolina, sem saber como, achou-se sentadu na cadeira, com as mãos amaraddas. Viu-se a cadeira subir no ar e, em seguida, des­ cer vagarosamente até o chão, com um pequeno ruido ao tocar no pavimento. O médium esteve sempre as­ sentado sobre a cadeira durante todos esseg movi­ mentos. Mãos sempre presas. — 102 —

Três vezes subiu a cadeira no ar, distinguindo-se claramente que entre ela e a mesa haveria o espaço de metro e meio. O médium acompanhou ainda a ca­ deira no espaço, ficando sentado da primeira vez, do pé na segunda e de joelhos na terceira, — quando, en­ fim, repousou a cadeira definitivamente. Num segundo tempo, a cadeira foi de novo levi­ tada até o forro da sala, onde ficou batendo por al­ guns instantes, ouvindo-se o b a ru lh o . Descendo depois, vagarosamente, girou em tor­ no do si mesma, primeiro bem distante de mim e lo­ go, em seguida, junto a mim, na minha frente. Seu movimento, vagaroso a principio, foi-se tornando cada vez mais rápido, de sorte que a tinta luminosa dos pés fazia círculo luminoso pelo chão. JDurante todo esse tempo, o médium conservou- se deitado sobre a mesa, de mãos sempre amarradas.

CONCLUSÃO De todo o imenso material que nos con­ fiou o dr. Shalders. procuramos transcrever apenas, resumindo-o, o relato de algumas sessões em que houve fenômenos objetivos. Nessas sessões, como em todas, aliás, não houve o controle rigorosamente cientifi­ co que observamos nas sessões européias a que estiveram presentes o dr. Gatterer e o ba­ rão Schrenk-Notzing. E’ natural. Foram reuniões de adeptos fervorosos, que dispensam provas. Por isso, torna-se dificil verificar, nas sessões paulis­ tas relatadas, a dosagem de realidade ou a estensão de fraude que, por ventura, haveria nelas. Achamos, porem, que o dr. Shalders, criterioso como é, seria o primeiro a denun­ — 103 — ciar as fraudes das sessões a que assistiu, se houvesse notado alguma. De-fato, em seu relatório, o dr. Shalders a-miude chama a atenção para a fraqueza de certos fenômenos. Não raro, acha, para alguns, explicação natural. De-propósito, transcrevemos dois peque­ nos diálogos, — fenômenos subjetivos, — em que a feição anti-católica e anti-religiosa do espiritismo c evidente: as palavras do espíri­ to Eduardo Carlos Pereira e as do espírito Pe­ dro, pseudo-chaveiro do Céu. Vimos tambem, numa sessão, a inconve­ niência de um espírito, fazendo cócegas nu­ ma moça. Fatos que tais não são raros em sessões espiritas.

Quanto às sessões do Baixo Espiritismo ou Espiritismo de Macumba, em que predo­ minam ritos africanos, refertos de termos bárbaros, temos tambem copiosa documenta­ ção relativa ao Brasil. Não relatamos, porem, neste livro, as sessões de macumba, pelo sim­ ples motivo de elas fugirem a todo controle cieniifico: com efeito, a fiscalização ou o exa­ me conciencioso não tem lugar nessas ses­ sões, não só por causa da finalidade delas, — despachos e conlra-despachos, — como tam­ bem pela qualidade das pessoas que tomam parte nas mesmas. Aliás, seria dificil verificar se, no baixo espiritismo, há fenômenos extra-normais reais, — üuico escopo a que visamos nesta secção de nossa obra. CAPÍTULO II

REALIDADE DOS FENÔMENOS SUPRANORM AIS

Estado da questão

Na relação dos fenômenos verificamos o grande interesse qu!e, anos atrás, se tinha pe­ lo ocultismo. Encontramos numerosos nomes de importantes investigadores, como H. Driesch,’ K. Grubcr, K. Zimmer, M. Dessoir, J. Maxwell, R. Baerwald, E. Becher, H. Thir- ring, O. Kraus, A. Messer, O. Lodge, etc. Nos últimos 20 anos, tambem entre os ca­ tólicos, so começou a dar atenção sempre crescente a essas questões. Salta à vista a sua importância, tanto para a teologia co­ mo para a vida religiosa do povo. Convem mencionar, pelo menos, os seguintes nomes de escritores católicos: O. Gutberiet, A. Ludwig, N. Bruehl C. Ss. R.. Staudenmaier, A. Mager O. S. B., J. Udde, M. Ettlinger. W . Schneider, Fr. W alter, A. Seitz, W . Kaesen S. J., J. Bes- smer S. .T., G. Beyer S. J., H. Thurston S. J., W . Ellerhost, H. Mainage O. P., H. Malfatti. Até hoje não se chegou a completo acordo na questão fundamental: a da reali­ dade de tantos fenômenos apresentados como — 105 — supranormais. Disto trataremos nesta secção. Cumpre-nos verificar, perante a razão, a rea­ lidade desses fenômenos, ou, por outra, se os chamados fenômenos telecinéticos e teleplás- ticos, são fatos realmente acontecidos; se, rea­ lizados em semelhantes condições, podemos aceitá-los com plena confiança, ou, por outra, se são ou não produtos de fraude ou de ilusão. Quanto aos fenômenos ocultos da telepa­ tia e televisão, como de vez em quando são produzidos em exibições públicas, quase não se duvida já da sua realidade. Não é preciso examiná-la particularmente aqní. O desacor­ do continua, até hoje, só quanto à supranor- malidade dos fenômenos de ordem física, co­ mo os citados atrás. (Rudi Schneider e Mme. Silbert.) Isso é aplicavcl não só aos circulos pro­ fanos, onde grupos monistas-materialistas, como Baerwaldi, Klinchowstroem, H. Rosen- busch, W. Gulat-Wellenburg, M. Dessoir, A. Moll, etc., tomaram posição negativa, mas tam­ bém aos meios católicos. Tambem entre os católicos alguns há que não querem admitir a realidade dos fenômenos supranormais. Ou­ tros há, todavia, que a reconhecem franca­ mente. O motivo geral da atitude negativista é o juizo teórico que se faz, com a alegação de que os casos não foram verificados prati­ cam ente. Na negativa encontramos nomes co­ mo: J. Bessmer S. J., G. Beyer S. J., Bruchl C. Ss. R., Hercdia, S. J., Patrick Gearon, Paul Heusé, Pe. Mainagc, Liljenkrantz S. J., D. Otá­ vio Chagas de Miranda e outros. E na afirm a­ tiva, outros autores salientes: A. W. Kaesen — 106 — S. J., H. Thurston S. J., os teólogos Fcrrères, Tanquerey, Perrone, Sabatti, Aertnys, Ojetti, Noldin, Ballerini-Palmieri, Garrigou-Lagran- ge, Thurston, S. J. Franco S. J., o médico Dr. José Lapponi e, entre nós, o dr. Felicio dos Santos, o dr. Lucio José dos Santos, D. Fer­ nando Taddei, e outros. No Brasil existem os dois pontos dc vis­ ta europeus. Há quem afirme tudo. E há quem tudo negue. Os negativistas parecem ter me­ do de afirmar a verdade toda, com todas as suas consequências. Quanto a nós, entende­ mos que há exageros de parte a parte, c, por isso, procuramos apurar o que há de real. De-fato, considerando a imensidade de material positivo, assim como a qualidade científica de tantos investigadores, achamos que nem tudo pode ser fraude, e que, pelo menos certa porcentagem, deve ser realidade. Antes, porem, de passarmos adiante, de­ vemos estabelecer algumas diretrizes e nor­ mas para nossa investigação.

A — CRITÉRIOS GERAIS Dois pontos a elucidar: 1.® Que confiança merecem os relatores e observadores no terreno oculto? 2.® Que confiança merecem os médiuns nas suas produções?

1.“ — CONFIANÇA QUE MERECEM OS OBSERVADORES DE FENÔME­ NOS OCULTOS. Em toda investigação desta natureza, de- — 107 — ve-se ter em vista a qualidade ciêntifica, con- cienciosidade e experiência do observador c do relator. Por isso não tem nenhum valor os rclátorios de círculos vulgares espiritas. Tratando-se ainda de investigações sérias, é preciso, como é costume entre os cientistas, supor e admitir a honestidade e a boa fé no investigador, o qual deve referir, fiel e con- cienciosainente, o que observou, ou que, pelo menos, acreditava observar. Semelhante su­ posição seria inadmissível a respeito de qual­ quer observador que, anteriormente, já hou­ vesse dado motivo a desconfianças, ou con­ tra o qual existissem motivos atuais de sus­ peita. Os que negam a realidade dos fenôm enos costumam apontar a excessiva credulidade dos espiritas e ocultistas. Dizem: “As afirma­ ções de espiritas convictos não tem valor.” Nesta afirmação há sem duvida muita verda­ de. A convicção arraigada faz que não per­ cebam pontos importantes e leva os espiri­ tas a interpretar violentamente os fenômenos, no sentido dos próprios sentimentos. Con­ forme a afirmação de médiuns fraudulentos, pode-se fazer crer, aos iniciados, tudo quanto se quiser, sem encontrar contradição. Mas, a-pesar disso, é falsa a afirmação supra, na forma em que é dada. Tais convicções podem fundar-se em sólidos motivos. Desde que exis­ tem bases suficientes, a convicção nada perde de seu valor. Deste critério é que nos servimos na apreciação de fatos reputados miraculosos. Entretanto, a confiança no investigador não depende apenas da sua capacidade cien­ tífica ou da sua seriedade, mas tambem das condições sob que hão-dc se observar e fazer experiências. Rcalizam-sc, nas sessões espiri­ tas, as condições, de modo que se possa falar de observação realmente científica? Nesse particular, parece o problema muito mais di­ fícil. A escuridão relativa, a luz fraca verme­ lha, que parecem ser condição para haver fe­ nômenos, podem tornar-se ocasião de faltas graves. Quem trabalhou em gabinete escuro de fotografia, sabe dizer quão dificil é operar em ambiente pouco iluminado. Tambem as chapas fosforescentes e os preparados enga­ nam mui facilmente. Até de relatores conci- enciosos se podem esperar frequentes erros e enganos na própria observação. Faz-se mis­ ter muita cautela e paciência da parte do ex­ perimentador, para se chegar a resultados se­ guros. Outro exagero seria negar a possibilida­ de de se conseguir resultado cientifico. Tam­ bem à luz vermelha se pode distinguir, com se­ gurança, o lado de um vidro e o das chapas fotográficas, verificar a exposição, a densida­ de e a sombra do negativo revelado. Basta a prática antecedente e prolongada. Havendo de ocupar-nos ainda com as condições da observação, passamos à outra questão.

2.° — CONFIANÇA QUE MERECEM OS MÉDIUNS

Tambem a este respeito há muitas diver- — 109 — gcncias. Ocultislas entusiastas e, mais ainda, espiritistas ferrenhos garantem que os médi­ uns merecem absoluta confiança. Irritam-se, quando se ventila a questão da possibilidade de engano. Os representantes da opinião con­ trária comprazem-sç em enumerar então a série intérmina de desmascarações, e con­ cluem: “Isto e aquilo foi reconhecido como engano on fraude; o que ainda não foi desco­ berto, sê-lo-á certamente mais tarde. Logo, tudo é fraude e engano!” Quem tem razão? A nosso ver, ambas as partes desconhecem o estado real das coisas. No que se segue, procuraremos discutir o pró e o contra da questão, e veremos o que se há- de concluir. A primeira questão é, pois, a seguinte: Pode-se, na verificação cientifica dos fenôme­ nos, confiar na honestidade de qualquer mé­ dium? A isto se responde com um "Não” ca­ tegórico. Eis a linguagem inequívoca dos fa­ tos! Foram verificados muitas vezes, nas cha­ madas desmascarações, fraude intencional completa, fraude não intencional, e até gros­ seiros embustes. Não se trata aqui de simples falhas pe- í^ante comissões de inquérito, mas de positi­ vas fraudes. Enumeremos alguns casos mais notáveis.

Eis alguns casos de engano grosseiro. O médium H. Bnstian tirou cópias de mãos célebres habsburguen- ses. A desmascaração pelo Kronprinz Rodolfo é co­ nhecida. Florcnce Cook, célebre médium de experiên­ cia de W. Crookes, íoi mais tarde desmascarada, quan­ do U3ava o pseudônimo de Cômer. (40) Tambem o fa­ moso H. Slade empregara artifícios bem engenho­ sos. (41). Apanhado em fraudes, foi condenado a tra­ balho forgado. Bugnet, o fotógrafo de espíritos, foi obrigado a confessar que suas chapas tinham sido submetidas a duas exposições, para simularem pre­ sença de espíritos. (42). O americano I. Godfrey Rau- pert, anteriormente membro da S. P.R., tinha obtido, com um fotógrafo de Londres, sob condições aparen­ temente severas, retratos de espíritos. Raupert fazia tirar, em chapas próprias, à luz do dia, retratos seus, e apareceram então, perto dele, claros fantasmas. Pa­ ra excluir todo engano, dava, às vezes, minutos antes, ordens inesperadas aos seres materializados por ele. (43). A-pesar-de todo cuidado, dois espíritos foram reconhecidos como pessoas vivas, pelo que ficou clara­ mente demonstrada a fraude. A célebre Eusâpia Palladino enganava sempre que podia. A sua fraude foi descoberta, indubitavelmente, em Cambridge, por R. Hodgson. Eusápia teve a má sor­ te de perder em Paris um pedacinho de ferrocérlum, com que manifestamente produzia fenómenos luzen­ tes. (44). Por fotografia instantânea foi verificada a fraude de Von Guzik (45). Islo produzia “Ectoplas- ma’ de algodão e gordura etc. (4G). Como conclusão geral de Inúmeras experiências, pode-se afirmar que todos os feitos de médiuns profissionais foram resul­ tados de embuste. Ch. Richet (47) escreve o seguinte; “Miller Bailey, Jlmc. Williams Snmbor, Ana Rothe fo-

(10) R. FISCHNBR, Genchlel»«e der occultist. F or- ■chung. Pg. 16 e 167. — 111 - ram desmascarados. Eldrcd escondia, no espaldar gros­ so de uma poltrona, tudo quanto precisavu para suas apresentações. O fotógrafo de espiritos Boursnell foi condenado pelo Tribunal. Mmc. 'Williams foi desmas­ carada em Paris, e tinha em seu poder dlversfssimos objetos que empregava, (como Eldred,) para a pro­ dução de fantasmas. O caso de Sambor é notável. Um amigo, aparentomente muito honesto, o auxiliava. Afirma Grassct, que Ebstcln representou um fantas­ ma com um grupo de membros superpintados. Balley, que pretendia produzir transportes, foi surpreendido, em Grenoble, no ato de comprar os passarinhos que, conforme afirmava antes, lhe vinham diretamente da índia, por Tia transcendental. Meddok foi condenado por fraude. “Eu, (fala Ricket), pude provar a fraude de Ana Rothe: é fato que escondera as flores debai­ xo do seu vestido. Antes da experiência pesou 58 Kg. e, depois, 57; as flores aparecidas pesavam exatamen­ te 1 Kg.” Maxwell cita o caso das damas suspeitas, Wood e Fairlainb. Paul Hcusé relata ainda os seguintes casos de fraudes descobertas: Cruddock, Snriak, Lúcia Sordi, MUler, Cnrnncini, Linda Gnzzcrn, Elisabct Tomson. Craddock tinha co­ mo cúmplice sua própria esposa, que, durante as ses­ sões, lhe passava os objetos necessários para a “cara­ cterização”. Desmascarado pelo coronel Mnrk Mnyhew, foi condenado. Lúcia Sordi foi desmascarada pelo ba­ rão Schrcnck-Xot/.lng. Cnrncini fazia, como Eusápia, a “substituição’’ das mãos. Linda Gazzern, idem. Eli­ sabct Tomson se envolvia em gaze de seda, para si­ mular espectros; um moço desmascarou-a, dando va­ lente dentada no pretenso ectoplasma. (48). Tambem Haxby enganava desvergonhadamente.

(48) PAUL HEUSÉ, Ou cn eat Ia U etapsrclilqne. Pg. 142-143. — 112 — Alem dessas fraudes engenhosamente preparadas, deve-se contar ainda com a frau­ de mais ou menos inconcientc, que resulta do estado hipnótico do médium. No transe, que acarreta estado anormal da personalidade, desaparecem muitos empecilhos, próprios de pessoa acordada e conciente. O m édium é pre­ so pela idéia fixa, de que deve produzir de qualquer modo. Se não bastam as forças su- pranormais, para produzirem os fenômenos desejados, é então levado, instintivamente, a supri-las fraudulentamente, o que faz, mui­ tas vezes, até de modo muito grosseiro, desa­ jeitado. Semelhantes fraudes podem esperar- se tambem de pessoas que, no estado normal de vigília, merecem toda confiança. R. Fisch- ner, representante desapaixonado e sóbrio do ocultismo, diz isto mesmo, nas seguintes p alavras: Um médium honesto não existe e, falan­ do paradoxalmente, podemos afirmar: não é suspeito o médium que engana, mas o que não engana." Queria dizer: se um médium nunca for apanhado em fraude, será, ou porque a sua força m edial é anormalmente desenvolvida, ou porque se tem na frente um embusteiro de alta marca, que sabe esconder os seus truques. E com isso parece termos chegado, em a nossa análise, ao ponto morto, anulando toda tentativa de provar cientificamente a não-realidade dos fenômenos ocultos. De fa­ to, muitos autores tiram esta conclusão, co­ — 113 — mo 7. B appert (49), A. Moll., M. Dessoir, A. Scilz, V. Bruehl, etc. Tal conclusão, porem, não nos parece logicamente justificada. Sem dúvida, esse estado do coisas não c agradavel para o investigador e deve aconselhá-lo a to­ mar grande cautela. Isso não tira a esperan­ ça de êxito positivo. Procure-se que haja to­ das as condições de observação e de experiên­ cia, excluindo-se, com certeza científica, toda fraude, intencional ou não, mormente da par­ te do m édium. Certamente há, neste terreno, numerosos exemplos, em que, provadamente, ou pelo menos, com grande probabilidade, interveio fraude maldosa ou jocosa. Mas devem por isso todo os fenômenos espontâneos ser con­ siderados como simples embuste ou ilusão?- Não o afirmamos. Se há observações bem fei­ tas e concienciosas, devem ser aceitas sem res­ trição. Se, por exemplo, ante numerosos e sé­ rios expcctadores, como em Grosserlach (Wucrtembcrg), uma acha de lenha por si própria desaparece pela janela, e isso se re­ pete várias vezes; se pratos e boiões por si próprios saltam do seu lugar, caem no chão ou voam pela porta; se, finalmente, diante de tantas testemunhas, as portas saem dos gon­ zos e se atiram ao chão, sem causa visivel, tais fenômenos devem ser aceitos como fatos. Ora, o juizo que vale sobre fenômenos espontâneos, vale também, como norma ra- zoavel, para a experiência. Se muitos enga-

(49) I. BAPPERT, Kritik de» Okkultlsmmi. — Pat- mosverlaff. Frankfurt a. U„ 1921. — 114 — nani, nem por isso diremos que todos enga­ nam. E’ muito razoavel pensar que. com o mesmo médium, andem, de-par, fenômenos genuínos c fenôm enos fraudulentos. Mor­ mente vale isso para a fraude, mais ou me­ nos concientc, no transe. Dirão talvez: “Onde está o critério certo, para distin­ guir verdadeiros fenômenos de fenômenos fraudulentos?” Responde-se: Tudo se reduz à habilida­ de e sagacidade, não do m édium , mas do ex­ perimentador; devem os fenômenos ser produ- duzidos e observados, sob condições que sim­ plesmente excluam a fraude. Eis aqui, como resultado prático do que foi exposto, algumas diretrizes orientadoras, no terreno oculto, de alto valor, tanto para os ocultistas, quanto para os anli-ocultistas. a) Se, a-pesar-de cuidadosa observação, não se verificar fenômeno fraudulento algum, por isso só não fica cientificamente provada a realidade. Resta ainda a possibilidade ou mes­ mo a probabilidade de um truque desco­ nhecido. b) Se, cm caso particular, ficou provado, com certeza, engano ou fraude, ter-se-á, nis­ so, o aviso de se tomar todo cuidado na inves­ tigação. Mas, nem por isso diremos que todos os demais fenômenos do médium sejam frau­ des; nem isso anula o valor de verificações an­ teriores bem evidentes. c) Para se provocar a realidade de fenô­ menos ocultos, com sériedade científica, o úni­ co caminho é dem onstrar ^que, debaixo de se­ — 115 — melhantes condições de experiência, se torna impossível a fraude. Essas declarações e diretrizes estão de pleno acordo com as excelentes explanações de R. Lam bert (50) e Ch. Richet (51)

B — VERDADEIROS FENÔMENOS DOS ÚLTIMOS TEMPOS

A investigação oculta dos últimos anos pa ­ rece, de-fato, ter provado a realidade de fenô­ menos supranormais. Quanto a fenômenos es­ pontâneos, conhecem-sc fatos do nosso tem­ po, comprovados com rigor e aceitos, mesmo por tribunais. (C/r. os relatados na parte pre­ cedente). Mas, os resultados de muitas sessões ex­ perimentais modernas, não são menos garan­ tidos. Esta opinião supõe a circunstância de que a maioria dos m édiuns que trabalham com êxito produziram, anteriormente, fenô­ menos espontâneos, que trairam a sua capaci­ dade m edial. Pode-se apelar aqui para as ob­ servações mais antigas e exalas. Existem de Eusápia Paladino tantos fenômenos tclcciné- ticos c telcplásticos, otimamente acreditados, que só um crítico que se esquivar da leitura — 116 — dos relatórios poderá chegar a um resultado totalmente negativo, ou ao cômodo “non li- quet", não é claro. Tomo-se, p. ex., conheci­ mento dos relatórios de Morselli, Vassalo, Venzano, Botazzi; examinem-se os protoco­ los da comissão inglesa de prestidigitadores, (Carrington, Feilding, Bazzally), cuja conclu­ são é absolutamente positiva. Nas mãos de M orselli e B ottazzi, desfizeram-se, várias ve­ zes, membros materializados. As condições de verificação desses fenômenos excluem toda fraude, intencional ou não, às quais Eusápia era indubitavelmente muito inclinada, em consequência de sua índole hisiérica. No que lhe diz respeito, encontram-se, portanto, ao lado de fenômenos fraudulentos, outros cer­ tamente reais. Muito em particular, porem, devemos apontar as mais recentes e exatas indagações dos irmãos Rudi e Willi Schneider, de Brau- nau. Como já declaramos atrás, Willi Schnei­ der, desde princípio de dezembro de 1922 ate fins de fevereiro de 1923, operou em 104 ses­ sões, 16 delas no Instituto Psycológico da Uni­ versidade de Munique. Após as experiências de movimentos à distancia, foram convoca­ dos 27 intelectuais, na maioria professores de Munique, c 29 outros observadores cientifica­ mente interessados. Com excepção de alguns céticos, atestam todas as testemunhas, clara e insofismavelmente, a realidade da teleciné- sia, acompanhada muitas vezes de materiali­ zações. Repetidas vezes afirmam que a fisca- lisação nada deixava a desejar. Assim se ex­ terna o Prof. Dr. G ruber: — 117 —

"Foi feita, durante a sessão, a verificação decisi­ va , contra a hipótese de fraude, pelo flscallzador principal. Consistiu em que um assistente so assen­ tou em frente ao médium, apertando-lhe as pernas com as próprias, e segurando-lhe, alem disso, as mãos. Outro assistente, — o supercontrolador, assentado ao lado do médium, fiscalizou, por contínua observação, a própria fiscalização. Fm nenhuma das numerosas sessões foi observado o caso de que o médium tivesse, uma só vez, procurado ou podido libertar qualquer mão ou pé. “Ainda que estas disposições de vigilância tor­ nassem Impossível toda fraude, sem embargo, foi re­ forçada a vigilância, em sessões subsequentes. Coloca­ ram o médium numa gaiola de gaze, em cuja frente havia, na altura de um metro, uma estreita abertura por onde o médium passava as mãos, seguras pelo fiscal. Tamboin neste caso se deram fenômenos tele- cinéticos, assim como no caso inverso de se colocarem os objetos dentro da gaiola, e o médium, fora. E, finalmente, houve ainda fenômenos teleciné- ticos, quando médium é assistentes ficavam separa­ dos do campo de ação medial, por um biombo de ga­ ze de l.m.SO de altura. Essa alteração das condições mais severas de fiscalização nunca puderam Impedir a produção de fenômenos telecinéticos. Eis, pois, a pro­ va clara em favor da realidade dos fenômenos. El-la cientificamente provada”. Costuma-se aludir à grande desmascara- ção de “W)7/í”, pelo sr. Seeger (52). K. Gru- ber, que não nega a fraude, salienta, porem, que nessa ocasião não havia sessão científica; pois essas só começaram um ano e meio mais

(52) W. VON GULAT — WELLENDURO. C. von KLINICOWSTRÔM. — H. ROSENBUSCH. — IJer pliyxlU. HedlnnlxmaH. Ulsteln, Berlln, 1925, pg. 414,, etc. — 118 — tarde, razão por que esse episódio não entra em questão. Alem disso, contestam a garantia cientí­ fica de Schrenk-Notzing, diretor das expe­ riências. Dizem que, nas indagações com Eva Carrière, foi ele vítima de uma embusteira e que, com a edição de "Fenômenos de mate­ rialização”, perdeu a sua fama científica. Quem acompanhou a literatura dos últi­ mos vinte anos. sabe suficientemente que as experiências com Eva Carrière foram sujei­ tas a ataques violentos. M. von K em itz, W. von Gulat-W ellenburg e G. Kafka abriram o debate contra a realida­ de. Mais extensamente expõe Gulat os seus argumentos no “Dreimaennerburch" (Livro dos Três), no qual dedica ao caso Eva Carriè­ re oitenta e sete páginas. Admitamos que todos esses fenômenos sejam engano ou fraude. Daí, em absoluto, não se segue que o mesmo devamos conceder quanto aos fenômenos de Willi Schneider. Sc os que negam a existência da telecinésia e da materialização não dão importância ao juizo de Schrenk-Notzing, todavia, não po­ dem, no caso dos irmãos Schneider, ignorar os numerosos pareceres positivos de notáveis experimentadores e cientistas, os quais ates­ tam que, nas experiências, processaram com científica exatidão e severidade, pelo que fi­ cou afastada toda possibilidade de fraude. Em mais de uma centena de sessões pro­ duziu W illi, sob a melhor veiúficação e em diversíssimas condições exteriores, fenôme­ nos telecinéticos e teleplásticos, em Braunau, — 119 — Munique, Viena e Londres. Seria possível que todos os cientistas, médicos c prestidigitadores do a descobrir os seus truques e falcatruas? E’ fato. confessamos, que certos observa- s foram enganados mui­ tos impostores; mas quase t repetição prolongada das impostores acaba- i por ser definitivamente desmascarados. E’ o que se não dá no caso vertente. A convicção da realidade afirma-se pelas continuas investigações. O que dissem os sobre AVilli Sclm cldcr, va le qu an ­ to à mediunidade de Maria Silbcrt, sobretudo no que toca a fenômenos telecinéticos, atestados com toda exatidão por numerosas e competentes testemunhas, entre as quais se encontra o conhecido prestidigitador R. AVinterri. (53). Em comparação com o grande nú­ mero desses pareceres, favoraveis, empalidece a ale­ gação daquelas poucas testemunhas, aduzidas pelo professor Bcnndorf, contra a realidade dos fenômenos de Mine. Silbert. (54). Quanto às investigações e experiências do Padre Dr. Gatterer, coloca a minuciosa repro­ dução dos protocolos que fizemos o leitor em condições de formar jüizo sobre a realidade ou irrealidade dos referidos fenômenos.'An­ tes de mais nada, avulta, com segurança, a in­ — 120 — consistência da teoria halucinatória. Se, em plena luz, um violino se despedaça, se mesas são derrubadas e campainhas atiradas ou ar­ rancadas da mão, e se esses efeitos são con­ firmados por todos os assistentes, é que aqui não há ilusão nenhuma. Mas teria sido o Dr. Gatterer, a-pesar-dc tudo, iludido ou enganado? Em vista dos refe­ ridos relatórios, replica ele o seguinte:

“Nas sessões com Rudi Schneider e Mnrla Sllbcrt nunca Be encontrou nada de suspeito, não obstante a mais rigorosa investigação. Várias vezes, e com sufi­ ciente iluminação, realizaram-se movimentos teleciné- ticos diante dos meus olhos e à pequena distância de mim, como, por exemplo, o despedaçar do violino jun­ to do Sclircnk-Notzlng. Do mesmo modo pude verificar em Braunnu, com toda calma, o aparecimento de pe­ quena mão materializada, a qual arrancou a campai­ nha de minha mão. í.lostrou-se, ainda, várias vezes, nas mais diversas funções e com suficiente claridade. Isso aconteceu em claridade perfeitamente sufi­ ciente, e posso garantir que não era a mão de Rudi ou dc algum membro da sessão. As condições de obser­ vação e de fiscalização eram tais que devo qualificá- las de Irrepreensíveis. Nas sessões com Maria Silbert, o mais claro fenô­ meno foi a mensagem ditada por pancadinhas, e isso foi observado inúmeras vezes, com a mais clara luz de lâmpada, e mesmo de dln, e eu próprio pude ve­ rificar esse fenômeno, em cada sessão. A3 circunstân­ cias que rodearam o fenômeno, excluem, a meu ver, toda fraude. Nos relatórios foram, repetidas vezes, menciona­ dos tambem transportes que puderam ser verificados por vários observadores, em todas as suas fasea. Alem — 121 —

disso, realizaram-se em condições de verificação tais, que excluem produção mediante prestidigitação ou fraude. Tambem pude verificar fenômenos luzentes que se realizaram nas proximidades do médium, sem utilização dos seus membros .Não cheguei, porem, a persuadlr-me da realidade da materialização, neste último caso. N. Bruchl e A. Seltz notaram falhas na redação do3 relatórios. Mas essas falhas, se existem, são mais de cunho literário, e não destroem o valor das expe- riéucias pessoais minhas e de outros observadores sa­ gazes. Quanto ao valor do controle, no próximo capitulo ventilaremos a questão. Não hesito em exprimir, neste lugar, a minlia convlcçoã pessoal nos fenômenos para-flsicos. No en­ tanto, isso não dispensa todo exame posterior e toda confirmação dos fatos. Pelo contrário, um juizo cien­ tifico deve estrlbar-se, em primeiro lugar, num rico material de fatos, o que mo falta ainda quanto à ex­ periência própria. Crelo-me, porem, autorizado a preencher tal la­ cuna, com as já mencionadas indagações de outros investigadores, ao menos pela maior parte . Quem, livre de preconceitos, der ao meu honesto testemunho alguma importância, navegará na mesma esteira dos numerosos investigadores que já, por mui­ tos anos, se ocupam, cientificamente, com esses fe­ nômenos; e concluirá que, tambem no nosso tempo, há verdadeiros fenômenos ocultos, — assim espontâ­ neos como experimentais”.

C — A GRANDE OBJEÇÃO CONTRA A REALIDADE E’ pedida ao desastre de muitos médiuns, mormente perante comissões científicas, e à — 122 — luz clara. Aos adversários da realidade, esse desastre parece fornecer a prova evidente, de que todos os fenômenos ocultos são produtos da fraude. O desastre de muitos médiuns é um fato. Dc vez em quando se dá o mesmo a respeito de fenômenos esponiáneos. Primeiramente, havia um barulho, um grande barulho; de­ pois, sobrevindo a invostigação funcionária ou policial, a paz se restabeleceu. Às vezes, nem c preciso tanto. Num circulo simpático, realizam-se coi­ sas maravilhosas. Chegando, porem, uma co­ missão científica ou um verdadeiro cético, quase sempre a glória se desvanece e, quanto mais rigorosas e científicas forem as condi­ ções de verificação, tanto mais fracos ou nu­ los se tornam, em regra, os fenômenos. Willi Sclmeider manifestou, junto ao la­ boratório psicológico da Universidade de Mu­ nique, um gradual decréscimo de sua capaci­ dade mediúnica. Os fenômenos de ambos os irmãos Sclmeider dão o melhor resultado no círculo familiar de Braunau. Von GuziU, que trabalhou muito bem sob G. Geley, falhou completamente na investigação da Sorbona. tendo sido apanhado em fraude pela Comis­ são Investigadora. Não será uma prova manifesta dc que, em todas as suas produções, os médiuns em­ pregam fraudes, se precisamente em frente de observadores científicos, tantos, desastrosa­ mente, falham? Do fato de nada conseguir o médium quando trabalha à luz clara, o observador su­ — 123 — perficial é levado a declarar que fenômenos parafísicos não existem; que todos são frau­ dulentos. Sem dúvida, a maioria dos médiuns só produzem fenômenos maiores, mais certos e rápidos, ou em completa escuridão, ou em am­ biente iluminado por luz vermelha, que é a regra. À luz branca, e até .de dia, poucos há que produzem, c menos ainda que produzem fenômenos notáveis. Ao que parece, o único motivo disto é que a luz branca, intensa, impede aos médiuns, mais ou menos astutos, empregarem truques para produzirem certos fenômenos. A favor da explicação pela fraude invo­ cam ainda outro fato experimental: os maio­ res médiuns foram surpreendidos cm fraude, para não falar dos médiuns vulgares, cuja ar­ te parece ser quase exclusivamente baseada em engano propositado. Tais os argumentos de que se servem os adversários da realidade. Pretendem negar até a mínima porcentagem de fenômenos me- diúnicos reais. A fraude, auxiliada pela cre­ dulidade dos assistentes, c quanto lhes basta para explicarem tudo, e tirarem ao ocultismo todo fundamento real. C. von Klinckoivstro- em, por exemplo, em sua citada obra, enume­ ra prosaicamente todos os grandes e pequenos truques, como se pode ver no livro “ Confes- sions of a médium." (55) E como von Klin- ckowstroem pensam H. Rosenbusch e Gulat- Wcllenburg.

(55) D er pbyaicalUche Madlunlamnx, pg. 76-95. — 124 — Para anular a grande objeção, basta evi­ denciar que as provas em que ela se apoia são dois sofismas: Primeiro, — concluir-se da pos­ sibilidade da fraude para sua realidade; se­ gundo, — indevida generalização, concluindo- se de muitos casos de fraude para todos sem excepção ou com excepção raríssima. O que se deveria inferir da possibilida­ de de fraude, é a suspeita de que ela possa ocorrer nos casos vertentes, e a prevenção contra ela, tendo-se os olhos abertos para' desmascará-la, tão pronto seja descoberta. Do fato da impotência de muitos médiuns, evidenciada perante comissões c à luz clara, só concluiremos que eles fraudaram sempre, se provarmos que as precauções tomadas con­ tra a fraude a impediram. Mas isso só se pro­ varia, demonstrando-se que a única explica­ ção dos desastres é a impossibilidade de en­ ganar em que se encontram os médiuns. Ha várias explicações da falência even­ tual do poder mediúnico. Entre outras, cita­ mos duas, — uma da parte da causa instru­ mental, outra da causa intelectual. Para melhor elucidar a questão, obser­ vemos que a produção de uma série de efei­ tos só se poderá exigir com rigor, quando se trata de causas e efeitos mecânicos, e is­ so mesmo nem sempre com absoluta certeza, mas só na suposição de que a máquina esteja em perfeito estado de funcionamento. Na sua crítica, os adversários da realidade se esque­ cem de que a energia que produz os fenôme­ nos ocultos não é nem força mecânica, nem força natural, que sempre produz os mesmos — 125 - efeitos com necessidade física. Nos fenômenos ocultos atuam energias vivas, espontâneas, sensitivo-espirituais, primeiro no próprio mé­ dium, — o que já torna incerta a produção ou repetição do mesmo fenômeno, — e segundo, fora do médium. Com efeito, outro fator importantíssimo dos fenômenos transcendentais, do qual tra­ taremos adiante, c que, nesses casos, estão em cena não só o organismo e a psicologia do mé­ dium, mas, probabilissimamente tambem, t muitas vezes, outro agente, i. é, alguma po­ tência espiritual, que transcende a vontade do médium, e intervem arbitrariamente no cur­ so dos acontecimentos. Desta forma, torna-se compreensível que os fenômenos ocultos experimentais apresen­ tem, como os fenômenos espontâneos, o ca­ racterístico de capricho, travessura e malda­ de, porque os primeiros como os segundos são, frequentemente, o produto de semelhan­ tes poderes. Nestas condições parece sumamente difí­ cil, senão impossível, promover experiências regulares. Não é possível aumentar arbitra­ riamente as condições de fiscalização e exigir, em todos os casos, resultado infalível. O po­ der superior recusa-se simplesmente e aban­ dona o médium à sua miséria. Pelo mesmo motivo, fica explicado por­ que é que tantos grandes prêmios oferecidos para a produção de determinados fenômenos ocultos, sob determinadas condições, não en­ contraram pretendentes. Como notamos, o médium não pode confiar incoDdicionalmen- — 126 — mente em sua capacidade supranormal, nem pode dispor dela à vontade e por capricho próprio ou alheio. O segundo motivo apontado por nós, é a indevida generalização, que consiste em con­ cluir da fraude de muitos casos, para a fraude em todos os fenômenos ocultos, ou concluir para a nulidade dos fenômenos por causa da falha de muitos médiuns, perante comissões cientificas, e à luz do dia. Com efeito, se alguns fraudam, não é ló­ gico afirmar que todos fraudem. Se muitos médiuns não podem produzir senão à luz ver­ melha, não se segue que não haja outros que produzam, perfeitamente, á luz clara do dia. Existe bom número de casos em que não há o mínimo sinal de impostura, para provar a última afirmação, basta apontar­ mos as experiências de AVilli Schneider. O médium te­ ve mãos e pés amarrados por pessoas de confiança, de modo que ficou seguro como num torno. Não obs­ tante, aparecem os fenômenos: várias vezes levantou- se a cestlnha de papéis e, a mandado, soou a caixa de música. Como o auxílio fraudulento da parte dos as­ sistentes está afastado, por vários motivos, (separa­ ção do campo de ação por um biombo de gaze), seria preciso que AVllU efetuasse esses movimentos com bas­ tão comprido, dobravel, saindo da boca por si próprio, se se quisesse salvar a teoria da fraude. Impossível, is­ so. Um prestidigitador a quem se prendessem mãos e pés teria encerrada a sua carreira, ainda que fosse um gênio.

Com razão diz K. Gruber: “Queiram indlcar-me um prestidigitador, que, em — 127 — transe, com as mãos e pés seguros e até ua escuridão, visível por alfinetes fosforescentes, o corpo Inteiro em contínuos calftfrios, produza calmamente fenômenos como pudemos observar com W1UI milhares de vezos. Quem tiver compreendido com justeza todo o comple­ xo do uma sessão positiva, vê, sem mais, a lnsustenta- bllidade da hipótese de prestidigitação". (56). Para quem, nesle assunto, mais valem os pareceres de prestidigitadores, lembramos aqui (57) um tópico do discurso (13-7-1922) de E. J. Dingwalls, Secretário da S. P. R. (Londres), especialista neste terreno. “Por fim", — declara este investigador perante a S. P. R., — “queria lembrar-vos que este caso (Wllll) é único na história do mediunismo. Com EusApla Pal- lnriino a fiscalização era multo dlficll, e os fenômenos manlfestaram-se, ordinariamente, a muito pequena distância dela. Com Eva Carrlère a fiscalização ainda mais dlficll. Com Cnthleln Coligher, em Belfast, o Dr. Craivford ensaiou fiscuUzor, ao mesmo tempo, sete médiuns, e acabou por não ter fiscalizado nenhum. Com Linda Guzzci-n a fiscalização era mais complicada do que com Eva Cnrrièrc, e com Kuskl, tão dlficll co­ mo com . De-fato, não posso lembrar- me de médiuni algum que se submeta a semelhante fiscalização como Wllll Schnclder. Não é preciso ler conhecimento do prestidigitação, enquanto produz os seus fenômenos costumeiros. Seguro por duas pessoas e marcado com alfinetes fosforescentes, é-lhe impossível esquivar-se, e fora- lhe inutil, se fosse possível”.

(56) Die phjeleallxchen Phaenoniene der grouei Me­ dien, pg. 219-220. . (57) SCHRENK-NOTZING Experimente der Trul!- wcBung,, pg. 272. — 128 —

Tais fenômenos genuínos manifestaram-se fre­ quentemente, não só com AVilli Schneider, mas também com outros médiuns conhecidos mais antigos. Alegam ainda que o simples uso dos sen­ tidos da vista e do lacto não é suficiente para uma verificação cientifica. A objeção vem de R. IV. Schulte que pro­ vou. experimentalmente, que enganos podem dar-se sob a influência de fadiga, espanto re­ pentino, etc. (58). Responder-se-á que ninguém contestará a possibilidade de uma ilusão. Nós mesmos já apontamos isso expressamente. Contra o que, porem, temos de protestar é o exagero, que consiste em querer negar todo valor científi­ co das experiências feitas até hoje, com ob­ servância de todos as boas e cuidadosas con­ dições óticas e tácteis de verificação e exigir que se execute tudo à luz do Sol. Uma última observação: Quando é que uma fiscalização é perfei­ ta? Não se trata de uma perfeição absoluta, mas relativa; quer dizer: de acordo com a es­ pécie de fenômenos que se devem verificar no médium. Se, por exemplo, numa sessão em que são seguras as mãos e os pés do médium por pessoas de confiança, um violino se mo­ vimenta no ar com veemência, marcando o compasso, de acordo com a música tocada, a distância de um metro e vinte centímetros do médium, e finalmente se quebra na mesa em mil pedaços, não se podia exigir, para ve-

(58) A. SEITZ — Zum sogenannten wlssenachafllchen Okkultismus — St. Beilage z. Bayr. Kurier (1927), n.° 19. — 129 — rificar isso, um exame ginecológico, ao qual dona Silbert se recusou terminantemente. Apresentando-se bem ludo isso, chega-se facilmente à conclusão de que essa senhora produziu, nas citadas sessões, não poucos fe­ nômenos sob fiscalização perfeitamente sufi­ ciente. Efetivamente, comeiendo-se a falta de ignorar todos os casos onde boa luz e boas condições de experiência permitem excluir, com segurança, toda fraude, é facil para uma critica severa rejeitar a realidade de fenôme­ nos ocultos, com apelar para a onipotência da prestidigitação. É o que, infelizmente, foi fei­ to no já citado "Livro dos Três”, razão por que não pode ser considerado como obra sé­ ria, a-pesar-do precioso material que ajuntou, inas sim como fautora de erro. Cfr. Psychol. Studien de Schrenk — Notzing e R. Lam- bert (1925, p. 625-649), Beuler "D ie physisch. Fhacnomene der grossen Medien”.

D. — RESUMO DAS DEDUÇÕES OB­ TIDAS.

Da exposição supra resulta o seguinte: o problema dos fatos do mediunismo fisico não é, de-certo, simples, mas, ao contrário, muito dificil e complicado. O aspecto jocoso dos fe­ nômenos ocultos tambein dificulta, c muito, uma verificação severamente cientifica. Gran­ de parte dos referidos fenômenos deixa de ter, conforme notamos, o carater da genuini­ dade, c apoia-se na inexata observação, ou na concicnlc fraude da parle dos médiuns. — — 130 — Outra parte subtrai-se, pelo menos hoje, a um jugamente científico definitivo e cai na cate­ goria do “Non liquet", não é claro. — O resto, a nosso ver, engloba os fenômenos que satis­ fazem às justas exigências da crítica científi­ ca e devem, portanto, ser considerados reais. Católicos há, que rejeitam, sistematica­ mente, a realidade de quaisquer fenômenos ocultos. Vem aqui a propósito a palavra de pro­ fundo conhecedor do ocultismo físico, Her- bert Thurston, S. J., membro da S. P. R. de Londres. Esse guia de confiança dos católicos ingleses, neste terreno, escrevendo ao Pe. Dr. Gatterer, disse o seguinte sobre a atitude dos católicos acerca do ocultismo: “A meu ver, a opinião segundo a qual Io­ dos os fenômenos ocultos físicos devam atri­ buir-se à impostura, não só é inveridica co­ mo tambem perigosa para a sã apologética." E’ este o resultado a que nos levou tambem a nossa investigação cientifica.” CAPITULO III

CAUSALIDADE DOS FENÔMENOS SUPRANORMAIS

Estado da questão

Nas duas primeiras secções do nosso tra­ balho vimos que existem realmente fenôme­ nos supranormais; que liá fatos inegáveis que ficam por explicar. Nesta terceira secção, in­ cumbe-nos indagar da causalidade desses fe­ nômenos; se são produzidos naturalmente pe­ los homens, em torno dos quais se manifes­ tam; se são produzidos pelo médium só ou com auxilio de outra pessoa; ou se os fenô­ menos excedem toda força humana c recla­ mam a intervenção direta de uma causa pre- tcrnatural: Deus ou dc qualquer espírito, bom ou mau. Os fenômenos do espiritismo apresentam- se ao espírito humano investigador do mesmo modo como os fenômenos do hipnotismo. Quanto a estes, a ciência já reconhece que são, material ou instrumentalmente, produzi­ dos pelo hipnotizado, mas provocados e diri­ gidos, moralmente, pelo hipnotizador. Assim — 132 — também os fenômenos do espiritismo expe­ rimental parecem ser produzidos pelo me­ dium. Incumbe-nos, pois, indagar se os fenôme­ nos ocultos excedem as forças naturais, e só podem ser produzidos com o auxilio de espí­ ritos, e, caso se verifique esta última hipóte­ se, se são esses espiritos as almas dos mortos, ou são os puros espíritos, anjos ou demônios. Para podermos melhor discutir estes pon­ tos, convem separá-los uns dos outros e apre­ sentar cada um por si só. Daí a divisão desta secção toda nas seguintes afirmações:

A - Os fenôm enos supranormais exce­ dem as forças humanas. B - Os fenôm enos supranormais não são produzidos pelos desencarnados. C - A verdadeira causa dos fenômenos supranormais. Este ponto é tratado em três capítulos: I - Os fenôm enos supranormais são produzidos por espíritos, e estes só podem ser os maus espíritos da con­ cepção católica. II - Em que sentido entendemos a in­ tervenção diabólica no espiritismo. III - Sinais diabólicos que os fenômenos espiritas trazem consigo, e a ação diabólica através dos tempos. — 133 —

A — PRIMEIRO PONTO OS FENÓMENOS SUPRANORMAIS EXCEDEM AS FORÇAS HUMANAS.

Art. I.

FENÔMENOS PARAPSÍQUICOS DE TELEVISÃO E DE TELEPATIA. Criptestesia

Sendo o espiritismo, antes de tudo, cená­ rio de manifestações supranormais, e queren­ do nós indicar as causas profundas de tais manifestações, claro está que os fatos físicos são mais importantes, a este respeito, do que os psíquicos, porque são sensíveis e exteriores. É mais facil verificar a preternaturalidade c o extraordinário de um fato físico, do que de fato psiquico. Por isso, o espiritismo, para sua propaganda entre o povo rude. mais se vale dos fenômenos físicos, apresentados nas sessões. Não obstante isto, os fenômenos psíqui­ cos são parte integrante e, até, essencial do espiritismo. E m édiuns há, — os que denomi­ namos físico-psiquicos no princípio desta obra, — que se notabilizaram nas duas clas­ ses de fenômenos. Pela razão acima exposta, isto é, por serem exteriores os fenômenos fí­ sicos, estes foram sempre tratados, com mui­ ta minúcia e desenvolvimento, em todos os relatórios, ao passo que, para os fenômenos — 134 — psíquicos, só se mencionam os mais impor­ tantes e estupendos, os que são indiscutivel­ mente de natureza transcendental. Os fenôm enos do domínio puramente psi- quico são tratados debaixo do nome geral de Criptestesia, palavra grega formada pelo prof. Richet e que significa sensibilidade oculta. (59) A Criptestesia é uma sensação anormal, que leva ao conhecimento de coisas secretas, ou que atua à distancia, nos espíritos alheios, provocando neles processos psíquicos análo­ gos aos do agente. A criptestesia é uma sensação anormal, primeiro porque é adquirida sem o auxilio dos meios perceptores ordinários, — olhos, ouvidos e demais sentidos, — e, segundo, por­ que é produzida à distancia. Compara-se com a telegrafia sem fio, onde há um aparelho transmissor, — o agente, — e um aparelho receptor, — o sujeito. A única diferença está em que, na telegrafia, o meio transmissor é conhecido, a mensagem é feita por sinais convencionais, e os aparelhos obedecem à di­ reção humana. Na criptestesia, porem, faltam tais elementos. A criptestesia desdobra-se em Telepatia e Televisão, e a estas duas espécies se subor­ dinam todas as modalidades de sensibilidade oculta, como: lucidez metapsíquica, clari-vi-

(ff9) D« grege cryptoü, — oculto, — e neetixéM*. — sonslbllldade. No mesmo sentido se emprega o termo ME- TAGNOMIA, form ado de m eta. — alem. — e asiomela. — eonheelnpeBte. — 135 — dência, monição, premonição.- cumberlandis- ino, psicometria, rabdomância, etc.

TELEPATIA

Telepatia c, propriamente falando, a atuação à distancia, de uma mente em ou­ tra. (60) Para que se dê, o agente deve con­ centrar suas faculdades nos elementos con- cientes que quer transmitir; transmissor e re­ ceptor devem harmonizar-se, apresentando afinidade espiritual. A influência telepática é favorecida pela hipnose do receptor. Fenômeno extraordinário, de dificil ex­ plicação, a telepatia está hoje cientificamente provada. E’ fato que não mais se discute. Mes­ mo aqueles que não admitem outros fenô­ menos ocultos, aceitam a realidade da tele­ patia. Experimentalmente e em sessões públi­ cas, às vezes a telepatia se apresenta sob duas modalidades: a) As duas pessoas não estão cm comunicação direta; b) As duas pessoas se tocam. No primeiro caso, temos transm is­ são de pensamentos; no segundo, leitura mus­ cular ou cumberlandismo. (61) R ichet fez nove experiências telepáticas com uma sonâmbula, distante dele 500 me-

(60) MYERS preferia dizer Tclestesla (tele acathesis), de sua criação. .. (61) Cumberlandismo deriva-se do nome do sábio nor­ te-americano Siuurt Cumberlnnd. Tambein se diz Wil- llHR-Knme (jogo da vontade), em vez de cumberlandismo. O sujeito passivo, no cumberlandismo, chama-se bnrnam, derivado também de um nome próprio. Cf. Grasset, Idées médicales, pg. 190. — 136 — tros, tentando hipnotizá-la telepaticamente, através dessa distância. Duas vezes obteve êxito completo; quatro vezes, êxito médio, — simples sonolência; três vezes, resultado nulo. (62) Outros experimentadores conseguiram hipnotizar sujeitos a dez kilom etros de dis­ tância. Mais dificilmente se transmitem ordens relativas à ação. Esta experiência, — que pou­ cas vezes teve resultado pleno, — consiste em encerrar o paciente num quarto; estando aí, incomunicável, o paciente deverá executar um desenho determinado, uma casa, um ani­ mal, segundo a ordem que o agente lhe trans­ mitirá de longe, mentalmente. Até aqui estamos vendo fatos da telepa­ tia dirigida. O que, porem, torna a telepatia fato notado por todos, não é a sua produção experimental, mas sim a sua espontaneidade. E’ fenômeno espontâneo por excelência. Os memhros da Sociedade para Pesquisas Psí­ quicas (S. R. P. R.) relatam número prodi­ gioso de fenómenos telepáticos, hoje cons­ tantes das atas dessa sociedade, c que podem ser consultados por todos os interessados. Aqui se agrupam todo3 os casos trágicos, os avisos dados por moribundos, ou pelas vi­ timas de naufrágios e de desastres, a parentes ou amigos distantes. Sendo os fenômenos telepáticos fatos mais espontâneos do que experimentais, deles

(G2) I.OEVENFELD — Sonambulismo c Espiritismo. Wiesbaden, 1900, ps- 41. — 137 - trataremos especialmente na secção se­ guinte. Mas, conquanto sejam mais numerosos os fatos de natureza espontânea, existe todavia farto material de experiências cientificamen­ te verificadas. Recordemos apenas as expe­ riências feitas por R. Fischner e V. Wosie- leski com a senhorita B. (63 e 64), por A. Cho- win (65) com a sta. M. Merecem menciona­ das tambem as experiências de K. Krall (66) com o leitor de pensamento N. Ninoff (67) e G. Geley com Ossowiecki. (68) Muitos ou­ tros autores apresentaram trabalhos sobre es­ te assunto. Deixamos de citá-los por amor à brevidade.

TELEVISÃO

É a percepção ou conhecimento supra- normal de coisas objetivas. Reporta-se, pois, a objetos reais, colocados fora do sujeito. A te­ levisão é local, se o sujeito vê ao longe, simples­ mente, através de objetos opacos, às escuras, sem auxílio dos olhos; é a esta televisão que se costuma dar o nome de clari-vidência. A televisão se diz temporal quando descobre acontecimentos futuros, sobretudo trágicos,

(C3) a (04) — U. FISCHNER — T elepathie and Helle- Hchen — Bergm ann, Munique, 1921 — V. von WOSIE- LEAVSKI — Telepathie nnil HelledehCn. E. MARKOLD, Halle a <1. Saale, 1922. (05) A. N. CHOWIN — Experim entelle U ntersu­ chungen auf dem Gebiete dev rncumllehen Hellcoehenu — Reinhardt, Munlque, 1919. (06) K. KRALL — D enknebertragung bol Blenoeh u. Tier, Zeitschrift f. Farnpoyehologle, 152G. (67) G. GELEY — Helleoehen und Tclopnthle. alemfto de R. Lam bert, Union d. Verlags. S tu ttg a rts 1926. — 138 — e chama-se especialmente vista dupla ou se­ gunda vista. Tambem a televisão é frequentemente es­ pontânea. Os fatos abundam e são inegáveis, E existem mesmo, no globo, regiões geográ­ ficas, nas quais é frequente esse dom entre pessoas do povo: tais são, na Europa, a Westfália, a Escócia e o Tirol. (68) Muitas previsões feitas por essas pessoas realizaram- se nas suas linhas gerais. Anunciadas que fo­ ram com muita antecedência não se podiam deduzir de causas conhecidas. Os professores Ch. Richet, francês, e Sidgwick, inglês, fize­ ram experiências em torno da televisão, e concluíram que ela existe realmente, posto que seja muito irregular. Experiência notável foi a de Richet com um sujeito que descreveu um instrumento complicado. — o podômetro, — escondido no bolso de Richet, e que o su­ jeito nunca tinha visto. Conhecida é tambem a seguinte expe­ riência de Crookes: Uma senhora estava escrevendo com a pranche­ ta. Crookes, que tinha atrás de si um número do Ti­ mes, perguntou à dita senhora se ela era capaz de ler o jornal, sem vê-lo. A uma resposta afirmativa, Croo­ kes pediu que lesse a palavra que ele cobria com o dedo. De-vagar, e com grande dificuldade, saiu a pa­ lavra hovvever (entretanto), que era justamente a pa­ lavra coberta pelo dedo do professor.

À televisão se reduzem os sonhos profé­ ticos. A previsão, quer seja cm sonho quer na

(6S) Cf. ZURBKNSE>T:A Seguuda.Vlata. Baden, ColO- — 13# — vigília, chama-se monição quando é simul­ tânea com os acontecimeutos, e premonição, quando precede os acontecimentos. O nosso amigo Mngld Bnruch, de S. Gonçalo do Sapucaí, refere vários fatos de monição e de premo­ nição sucedidos em sua vida. Uma vez, no Monte Li- bano, escondera-se numa gruta, durante horrorosa tempestade: de-repente, sem saber porque, desconfiou do local e resolveu continuar a viagem, a-pesar da chu­ va e da ventania. Mas, o mesmo foi por o pé fora da gruta e afastar-se um pouco, quo vê-la desabar ime­ diatamente, como se houvesse um movimento sismico na montanha.

O seguinte fato lhe sucedeu em S. Gonçalo, e várias testemunhas são ainda vivas. Foi em 1923. O sr. Mngid tinha negócio de fazendas em uma casa, à Rua Rui Barbosa, e morava com a família em outra casa, na Rua Raimundo Corrêa. Uma noite, sonhou quo via dois individuos roubando-lhe o negócio. Viu os ladrões distintamente, tendo notado a estatura, os sinais de cada um e as roupas. Um era branco, e ou­ tro, negro. Àcordando, sobressaltado, disse è. esposa: “Fomos roubados: vi os ladrões em sonho”. Logo de-nianhâ cedo, ao ir atender a um irmão que lhe batia á porta, o sr. Magid disse: “Já sei o que vem fazer: Você vem dar-me notícia de que fomos roubados. ‘‘E’ isto mesmo”, — confirmou o irmão. Cientificada a polícia, esta comunicou o fato aos delegados dos municípios vizinhos e, depois de várias batidas, foram descobertos t presos os dois ladrões, sendo apreendidas as mercadorias. A prisão deu-se no distrito de CareassA. Oito ou dez pessoas, convidadas pela policia, foram encarregadas de escoltar os pre­ — 140 — sos para S. Gonçalo. E’ de notar que, uesse tempo, co­ mo não liavia polícia nos distritos, os delegados Inti­ mavam populares para servirem de soldados em caso de necessidade. Sabendo da prisão dos gatunos, a po­ licia de S. Gongalo foi ao encontro deles, na estrada de Carenssú. For curiosidade, o sr. Magid quis acom­ panhar os soldados. Uma hora depois, como a escolta que conduzia os presos já era vista ao longe, o sr. Magid disse para o comandante do destacamento: “Sou capaz de indicar os dois ladrões entre os homens da escolta”. De-fato, quando a polícia se aproximou, os la­ drões e seus guardas, (estes à paisana), estavam as­ sentados a meio da estrada . “O sr. Magid vai indicar-nos os ladrões", — dis­ se o com andante. Note-so que tanto os ladrões como os guardas eram desconhecidos de Magid. Em vista da ordem do comandante, o sr. Magid aproximou-se e, olhando para o grupo, distingue lo­ go um dos presente o diz:

— “Este é o branco que eu vi no sonho”. Depois, apontando um preto: — “O negro que eu vi é aquele”. De-fato, os dois indicados eram os ladrões.

Outro curioso caso de monigão contou-nos o sr. M agid: Uma vez, chegando ao seu negócio, notou falta de uma caixa de gravatas caras. Ora, na praça fron­ teira, estava armado um circo de cavalinhos, e velo logo a Magid a idéia de que algum empregado do cir­ co lhe houvesse roubado a mercadoria. Eram seis horas da tarde. Sem tomar o chapéu, sem pedir licenga aos presentes, Magid saiu apressado, — 141 —

semi-inconciente, como um sonâmbulo, dirigiu-se pa­ ra o circo, entrou por ele a dentro, foi até à barraqui- nha dos artistas, tomou de uma escada, suspendeu-a, subiu por ela e, estendendo o braço, encontrou, atrás de uns embrulhos, a caixa de gravatas. Descendo com ela na mâo, e só então notando a presença de estra­ nhos, disse: — “Alguem trouxe esta caixa, por engano do meu negócio. E’ minha”. * À criptestesia reportaremos os estranhos fenômenos que se ligam à rabdomância ou radiestesia. Chamam-se eleclromotores ou radiestesistas os indivíduos dotados de sensi­ bilidade extraordinária, que, sem auxílio dos sentidos, percebem a existência dc veios de água, fontes, jazidas de metais, espaços va­ zios, galerias subterrâneas, etc. Para suas pesquisas, os rabdomantes ser­ vem-se ora de um pêndulo, ora de uma vari­ nha flexivel, que pode ser metálica ou de ma­ deira. É a vara divinatória, baguette em fran­ cês, e virga divinatória em latim. Poi graças ao seu dom criptestéslco que os rab­ domantes Po. Marmct e Pe. Baullt prestaram ao go­ verno francês inestimável serviço, localizando os obu­ ses que os alemães haviam deixado ocultos, no terre­ no francês, após o armistício que pós fim â Grande Guerra. Notemos outros serviços prestados por electo- motores célebres: O prof. Bcrit Reese descobriu os mananciais de petróleo de RookfcUcr. M. Boulengcr, professor belga, descobriu os mananciais de água que servem o Hos­ pital Bruginanii, de .Tolte-St. Píerre. Emilio Jan.só des­ cobriu jazidas de petróleo nas propriedades da prince­ — 142 —

sa Radziwl » jazidas de carvão nas terras do conde Potocki, na Polônia. Molneau descobriu mananciais de água abundante com que a cidade de Toulon, na Franga, pode aumen­ tar o abastecimento público. O conde Beausolell, apri­ sionado na Bastilha em 1641, pode, gragas a sua va­ rinha metálica, descobrir na Franga 172 jazidas de vá­ rios metais, algumas das quais são exploradas ainda hoje. Outro rabdomanle do sec. XVII, Jacques Aymurd, foi tido por feiticeiro por causa das grandes correntes de água que descobriu. (69) À criptestesia referiremos ainda a psi- cometria. É a faculdade que tem certas pes­ soas de, vendo um objeto, determinar-lhe a história bem como a de seus possuidores ou dons. Exemplo clássico de psicometria é o da Senhora Plpcr, cujas demonstrações constam de muitos volu­ mes da S.P.R., quo podem ser consultados em seus arquivos. O Pe. Geraldo Binncnndljk, Tedenlorista residen­ te no Brasil, mandou para sua família, em Amsterdão, um dente de onça que havia ganho em Minas Gerais, e trouxera consigo durante muito tempo. Uma psicô- metra holandesa, boa católica e amiga da família do Pe. Geraldo, pode descrever o fisico do sacerdote, dar algumas das suas qualidades morais, e reconstituir muitas de suas viagens missionárias, peio só recur­ so de segurar na mão o dente de onça e, de olhos fe­ chados, concentrar o pensamento na pessoa que pos­ suíra tal objeto. N. B. — A telepatia tambem se manifesta sob for­ ma da transmissão de pensamentos e de televisão.

(69) Dr. POÓDT. — Loh fcnOracno* m isteriosos dei psiquismo. Traduzido do holandês de Joaquim Fuster. Bar­ celona. Sucessores de Juan Gili, 1930. — 143 —

Um exemplo desta lê-se na obra de Thomson Jag Hu- dlson, “A lei dos fenCmeuos psíquicos”. O autor ou­ viu, um dia, de ura médium, a descrição que fizera da ocupação de um axamlnador, no departamento de pa­ tentes dos Estados-Unidos. Médium e examinador nun­ ca se tinham visto. Foi em sessão. Os membros da reunião, entre os quais o pró­ prio Hudison, introduziram-se com noines supostos, e falaram com o médium sobre hipnotismo até que se es­ tabeleceram "condições harmônicas”. O médium, en­ tão, começou: "Vejo um grande edifício, com muitos quartos. Num deles fica um senhor, assentado junto a uma grande carteira, em que há grande papelada. Vejo de­ senhos, ao que parece, de máquinas, estendidos em cima da carteira, o suspeito que se trate de paten­ te s". A uma observação dos assistentes sobre a exati­ dão de suas informações, o médium acrescentou: , "Mas não é a única ocupação do senhor que eu vejo. Ei-lo agora no seu escritório, em casa, rodeado de manuscritos e livros. Parece escrever. Sim, escreve um liv ro ”. Depois disso, descreveu os moveis, as estantes de livros e os moveis do escritório.

Entende-se por transmissão de pensamen­ to a faculdade de descrever o que se passa na mente de outra pessoa, sem auxilio dos or- gãos corpóreos conhecidos. Assaz notório é o caso de Ludovico de Angers, exposto por Mons. Albert Farge, em sua obra Phénomèncs Mystiques. Ludovico, filho do Dr. X., tinha a faculdade de ler os pensamentos do sua mãe, e esta podia sugerir- lhe respostas á3 mais variadas perguntas. Ludovico, — 144 — tinha apenas sete anos. E respondia exatamente a to­ das as questões, desde que estas fossem conhecidas de sua mãe. A mãe sugeria a Ludovico, com o pensa­ mento e sem concurso da voz ou dos outros sentidos, a resposta que ele cicria dar às perguntas feitas. Era o filho que parecia ler o pensamento de sua mãe e não esta a do filhe. Outras vezes a mãe abria um livro, tapava coin o dedo uma palavra ou ura algarismo, e a resposta era invariavelmente certa. Alarmado com o fenômeno o temendo que seu fiiho, devido a essa pas­ sividade nativa, se 1 amasse imbecil, o pai se apressou em separar o filho de sua mãe. Desde então o fenô­ meno cessou de produzir-se. (70) Diferente da transmissão de pensamento é a leitura muscular, feita pelos músculos, e exibida às vezes em sessões públicas. Uma pessoa diz os pensamentos de outra, seguran­ do-lhe o pulso ou tocando-lhe em algum membro.

Para chegarmos a melhor discernir quais os fenômenos da criptcstesia que excedem as forças humanas, reduzimos a questão a 4 per­ guntas e respectivas respostas. 1.® PERGUNTA: — Basta, para a aquisi­ ção de semelhantes conhecimentos, um au­ mento anormal das funções das faculdades cognoscitivas atuais, ou são necessárias ou­ tras faculdades especificamente novas? E’ fato que a chamada clarividência en­ contra sua próxima explicação numa ativida­ de sensória extraordinária, excitada, aguça­ da e anormalmente desenvolvida. (70) Apud Dl'. POODT, ibidimi, pg. 205-20G. — 145 — E’ conhecido o aumento da percepção sensitiva, quer por dom natural, quer por exercício continuo, ou pela concorrência de vá­ rias circunstâncias exteriores. O sentido da vista e o do olfato são naturalmente desenvol­ vidos em muitos animais. Admiramos o tacto maravilhoso de muitos cegos, o qual pode quase suprir a falta da vista. Por encurta­ mento hipnótico do campo da conciência, é possivel multiplicar esses resultados estupen­ dos, desconhecidos no estado normal. Quan­ do, pois, um médium vidente pretende ver fantasmas que, nos primeiros momentos, nin­ guém pode ver ainda, mas que, logo depois, são distintamente vistos por todos os assisten­ tes, temos então, em semelhante clarividência, apenas um caso de hiperestesia. Trata-se da promoção da linha percepliva, ou da divisa seusóría.

2." PERGUNTA: — Podem talvez todos, ou quase todos os casos de criptestesia, ser reduzidos a semelhante acuidade das facul­ dades sensitivas comuns? Alguns investigadores parecem simpati­ zar com este modo de explicar os fenômenos. Assim, por exemplo: A. N. Couvin (71) e Ch. Richet (72). O último pretende explicar to­ da espécie de clarividência por uma extraor­ dinária hiperestesia do tacto. No entanto, concede, francamente, que sua opinião apre-

(71) E rn erlm c n ld le Unter*uchun,ruiiKen, pc;. 31. (73) RICHET — Grundrliui der ParnpMycliolOKic der Parnpsyohophyfiik, pgr. 147. — G. G1CLEY — Hcllexehcn- TeleplnsMk, pg. 72. — 146 — senta falhas. E’ uma hipótese provisória. 0 médium seria determinado para a clarividên­ cia por finas vibrações. Esta hipótese encer­ ra vários elementos: a) Admite a existência de certas vibra­ ções que partem das coisas animadas ou ina­ nimadas, e determinam o conhecimento ou a visão supranormal. Seria o caso dos raios vi­ tais (Od), ou das vibrações cerebrais ou ner­ vosas. b) O orgão receptor dessas vibrações é o orgão do tacto comum, embora muito aper­ feiçoado ou excitado. A essa explicação da criptestesia opõem- se insuperáveis dificuldades. Alem das pou­ cas matérias rádio-ativas, a ciência natural conhece ainda irradiações electromagnéticas e as de luz e calor, emitidas por coisas inani­ madas. Não está demonstrada a existência de outras irradiações, espontâneas e sutis, ne­ cessárias na hipótese dc Richet. Permanece, porem, uma certa possibilidade de virem a ser descobertas no futuro. Não demonstram os constantes resultados, já mencionados, com a bagueta mágica c o pêndulo, a proba- bilissima existência de emanações ou irradia­ ções desconhecidas, seja no observador, seja nos objetos visados? Mas, ainda supondo a existência de vibra­ ções sutis, mesmo assim teremos adquirido o conhecimento apenas de uma pequena par­ te dos próprios fenômenos de clarividência. Quem poderá, com éfêito, aceitar essa expli­ cação, no caso em que um clarividente consiga descobrir, com sua faculdade, o conteúdo de — 147 — um grosso tubo de chumbo, fechado à solda, como o conseguiu, deTato, Ossoviecki? (73). Mais improvável ainda é a hipótese de irradiações, quando provas, escritas à mão, são várias vezes dobradas ou enroladas e o resultado se obtem da mesma maneira. (74) E quanto à visão real do passado ou do futu­ ro, de nenhum modo d possivel, por meio de raios emitidos pelas coisas vistas, a não ser que se arquitetem teorias inadmissíveis sobre a realidade do tempo. Menos absurda parece a hipótese de “On­ das cerebrais”. Todas as operações psíquicas são acom­ panhadas de especiais processos no cérebro e no sistema nervoso. E* bem possivel que es­ tes processos sejam físico-químicos e que, sob certas condições, possam ser irradiados num médium predisposto. Semelhante opi­ nião parece ter encontrado recentemente a confirmação experimental direta. No 1.° e 2.° cadernos (1926) da “Zeitschrift fuer Pa­ rapsychologie”, F. Cassamalli, professor da Universidade de Milão, refere-se à ação de ondas cerebrais em fenômenos lelepsíquicos. Suas experiências, porem, não encontraram aplauso, conforme se vê de uma exposição critica de R. Fischner (75) na mesma revista (4 e 10). Contra a teoria de ondas telepáticas — 148 — levantaram-se dificuldades muito sérias. H. Driesch (76), por exemplo, observa: se a co­ municação telepática se fizesse pelo modo de emissor e receptor de ondas, o estado men­ tal do receptor deveria ser idêntico ao do emissor, o que em absoluto não acon­ tece. Um homem em perigo de morte, pensa "ier. Esta, no mesmo momento, nte a imagem do marido, mas lecimento algum das idéias que > o agitam. Seja como for, o que ficou exposto acon- ' i dar simples analogias como ex- üíficas de valor. Mas nem por is- icusar à teoria de ondas todo va­ lor explicativo. Que se liá-de entender do “tacto” de que faja Richet? A nosso ver nem o tacto comum, por de­ senvolvido e excitado que seja, dá explicação nceitavel. O próprio Richet tira-lhe o sentido geral. Diz ele: “No mais, devemos entender-nos sobre a palavra i é tão fundamentalmente ue parece mesmo ser um . 73). Trata-se, pois, aqui stado normal, não existe, tão fantástica é inútil”. m suma, se há quase só probabilidades í existem ondas emitidas por certos ob- — M9 — jetos, e que possam impressionar alguns indi­ víduos, é mais razoavel recorrer à hipereste- sia para explicar os casos de telepatia. Assim, teriam os mécliuns o sensório bastante sensí­ vel para os casos mais simples de criptestesia, mas não para casos transcendentais. 3.» PERGUNTA: — Qual a relação da te­ lepatia com a televisão? Poderá uma reduzir- se à outra? De-fato, isso acontece muitas vezes. 0 di­ retor das experiências ou outras pessoas ne­ las participantes conhecem quase sempre o conteúdo de envoltórios fechados, ou de car­ tas; conhecem também mais ou menos a pre- história dos objetos apresentados fora ou den­ tro de envoltórios. Clarividência e psicome- tria explicam-se, em semelhante caso, por uma transmissão telepática de pensamentos. Ainda mais: para que esta se realize, nem pa­ rece absolutamente necessário que o experi­ mentador, ou os participantes, estejam real­ mente cientes desses conhecimentos. O viden­ te pode tambem “ler” no subconciente. Nes­ tes casos temos apenas clarividência aparen­ te ou psicometria aparente. O m édium entra com os seus consulèntes ou correligionários cm contacto anímico, e participa, assim, de al­ gum modo, de suas esperanças, apreensões e suspeitas acerca do futuro. Por isso a pergun­ ta acima se reduz à seguinte: 4.* PERGUNTA: — Serve a telepatia co­ mo explicação universal pata todas as espé­ cies de criptestesia? — 150 — A grande maioria dos investigadores res­ ponde negativamente e com plena razão. Em todo caso. nunca diremos que há aqui verda­ deira profecia. Ademais, os fatos psicométri- cos de Mrs. P iper e Ossonviecki são tão estu­ pendos, que só hipóteses fantásticas podem querer explicá-los pela telepatia. Semelhante tentativa encontra-se, por exemplo, com Baernwald (78). Segundo esse autor, um te­ lepata pode tirar, do subconciente alheio, con­ teúdos que nunca foram concientes. Absurdo manifesto. Esta hipótese tenta desvirtuar as tentati­ vas, sobre clarividência, de Wasileneski, Ri- chel e Geley. (79) Semelhante subconciência é, a nosso ver, mera fantasia — Indemonstrada e indemons- travel. Ao lado de uma hiperestesia larga, ex­ tensa, serve, apenas, a quem pretende negar o “maravilhoso” ou o preternatural dos fenô­ menos. Sua base é fraquissima. Outros admi­ tem que o médium fique em relação telepáti­ ca com todos os contemporâneos vivos, a-pe- sar da distância. F. K. Oesterreich parece sim­ patizar estranhamente com semelhantes idéias extravagantes. Vai mais adiante. Fala de uma “tradição telepática”, continua, desde a origem da humanidade. As perspectivas se­ riam então magníficas. “Um médium perfeito poderia referir-nos os acontecimentos de Rhamsés ou de Alexandre. Poderia ser teste-

(78) H. BAISRNWAJLD — Dlc Intellcktnellen PJineno- mene. Der Okknltlnmun In Urkmiden II. Uistein, Berlin, 1925. (79) Id., Ibidem. PB- 194. — 151 — munha espiritual da construção das pirâmi­ des e da querela dc Júpiter Amon, e a histó­ ria teria contacto imediato com o passado, des­ pertando, os grandes médiuns, nas almas dos homens, os traços dos tempos idos. Que pers­ pectiva! Supor que uma pessoa abismada, em transe, possa descrever-nos a batalha de Ma­ ratona, ou o julgamento de Sócrates!... E se um médium se mostrasse capaz de fazer mais ainda, descrever os acontecimentos ante­ riores à história humana? Se nos revelasse todo o passado? 0 pensamento é fantástico, mas não sabemos onde fica o limite da^psi- cometria”. (80) Até aqui Oesterreich. Dc-fato, semelhantes pensamentos são ad­ miráveis, mas não passam de romance, as­ sim como romance e fantasia será sempre a telepatia universal. Outra hipótese para explicar a psicome- tria: é a de “sopro vital”. Os objetos históri­ cos ficam penetrados de influência e, por elas, a mente do médium se orienta, como o cão pelo faro. Há ainda a das “qualidades psíquicas” (Aura), invisíveis aos mortais comuns, mas que envolvem todos os objetos. Por último, a teoria das “Remanescências da memória", à qual se deve reduzir, conforme alguns, a continuação da existência de perso­ nalidades psíquicas.

(80) T. K. OESTERREICH — Der OkkulílsmuB Im Modernen Weltbild, Slbyllen-Verlng. Dresda, 1028, p*. 81. - 152 —

Art. II.

FENÔMENOS PARAFÍSICOS DE TELECINÉSIA E DE TELEPLASTICA.

Quais as hipóteses que se nos apresentam para explicar fenômenos tão estupendos que se realizam a-pesar-de inúmeras dificul­ dades? Comecemos pelos “transportes”, muitas vezes verificados cientificamente, não por meio de prestidigitação, pois os médiuns es­ tavam imobilizados. Como se explica que de­ sapareça, de-repente, por exemplo, o relógio do bolso e dai a poucos segundos desça do teto, pelo ar? Várias hipóteses explicativas foram excogiladas, que nos colocam no meio das questões mais dificeis da ciência natural. Mencionemos algumas. 1.° — A hipótese da 4.a dimensão local, segundo Zoelner; 2.° — Desmaterialização e imediata ma­ terialização do objeto transportado; 3.° — Tudo isso com ou sem formação de orgãos m ediúnicos para efetuar o serviço. Quanto à hipótese de Zoelner, pai-ece absurdo que, ao lado das três dimensões lo­ cais, acessíveis aos mortais comuns, possa existir uma quarta, na qual sejam introdu­ zidos, por momentos, certos objetos, tirados até de recintos inteiramente fechados. Com is­ so seria explicada a compenetração que, não raro, anda de-par com fenômenos de trans- porles. Mas nem toda possibilidade se pod# taxar de hipótese científica; esta exige tam­ bém alguma confirmação na experiência. Ima­ ginada, porem, como essa foi, especialmente para explicar transportes, não tem base al­ guma na realidade, e não encontra, hoje-em- dia, senão poucos partidários. A 2." explicação, peio processo de mate­ rialização, conta presentemente com mais adeptos; mas oferece maiores dificuldades ainda. O objeto deve ser desmaterializado, is­ to é, reduzido aos seus elementos primários (átomos etéreos), ser levado neste estado, in­ visivelmente, para certo lugar, c aí ser ins­ tantaneamente rematerializado, isto é, re­ constituído no primitivo estado químico-fisi- co. Quase nada destas ousadas afirmações é compreensível ou aceitavel para um químico ou físico. Essas “profundas” análises e sínte­ ses deveriam produzir, de acordo com as ho­ diernas opiniões teóricas sobre átomos, pro­ cessos monstruosos de energia, em compara­ ção com os quais até os estupendos processos rádio-ativos seriam brinquedos de crianças. Nada disso, entretanto, existe. A única coisa que se sente no local on­ de se efetuam esses fenômenos é a imponde­ rável “Corrente fria”, conhecida pelos fre­ quentadores de sessões experimentais, e, cm consequência desse frio, o abaixamento da temperatura ambiente. Mencionemos ainda um terceiro ponto. Quando o m édium realiza um transporte, fá- lo, quer pela energia espiritual da sua vonta­ de,. sem instrumento algum, quer mediante orgão material. A primeira suposição é ex- — 154 —

tremamentc inverossímil e, presentemente, não a defende conhecedor algum desta maté­ ria. A última exige materialização de orgãos do médium, seguida de imediata desmateria­ lização dos mesmos, processo esse que, por inverossímil que pareça à primeira vista, é menos absurdo do que o primeiro, como ve­ remos adiante, nas reflexões psicológicas que seguem. Entretanto, nem a última suposição traz, para o nosso caso, explicação satisfató­ ria. Que adianta a formação de orgãos me- diúnicos, quando são trazidos os objetos de uma distância de cem metros e mais, ou até de milhares de quilômetros? Vê-se que um problema escuro acarreta outro ainda mais escuro. A questão das ações à distância ou te- lecinésia sugere quase as mesmas hipóteses ora ventiladas. De alguns destes fenômenos, em particular, falaremos adiante. CONCLUÍ­ MOS : Fenômenos parafísicos distinguem-se dos fisicos normais não porque a alma do médium opera diretamente em duas; maté­ rias ( dentro e fora do organismo vivo), mas porque exerce diretamente, na mesma ma­ téria, diversas influências. No médium efetua- se, sob a direção de qualquer principio inteli­ gente, uma transformação carateristica de sua substância orgânica. Eis ai realidades estupendas do ocultis­ mo e do espiritismo que se apresentam ao nos­ so exame, para que lhes indaguemos e estabele­ çamos a causa ou as causas. Trata-se, repeti­ mos, de saber, se os fenf nenos parafísicos são produzidos só pelo médium, auxiliado ou não, por outras pessoas, ou se excedem todas — 155 — as forças humanas, de modo que sua causa eficiente deva ser uma entidade inteligente colocada fora do mundo visivel. E aqui chegamos aos dois sistemas ge­ rais em matéria de interpretação dos fenôme­ nos: METAPSÍQU1CA e ESPIRITISMO. A Metapsíquica quer explicar todos os fe­ nômenos pelo ANIMISMO, isto é, pelo concur­ so das forças naturais. O Espiritismo, ao contrário, quer expli­ cá-los todos pelas COMUNICAÇÕES, isto é, pela intervenção de espíritos do OUTRO MUNDO, os quais, devidamente evocados, se comunicam com os homens. Os espiritos seriam a causa única ou principal, e operariam ou sós, ou em conjun­ to com o m édium , sendo eles, neste caso, os agentes principais, e o m édium a causa ins­ trumental. Assim sendo, poderia o Animismo ^er chamado “teoria imanente", e o espiritismo, “teoria transcendental”. A diferença entre um e outro sistema é simplesmente a que há entre a explicação na­ tural e a pretexmatural. Para chegarmos a uma solução, faz-se mister sujeitemos as teorias, representadas ca­ da uma por cientistas notáveis, a um exame metódico. Neste capitulo falaremos da pri­ meira, isto é, do animismo. Segundo essa teoria, o médium efetua, so­ zinho, em transe e subconcientemente, a mis­ teriosa transformação da sua matéria corpo­ ral, exterioriza-a, forma membros momen­ tâneos e até fantasmas, e os reabsorve final­ mente no corpo. O animismo pretende estribar-se nestes fatos: 1.° - O pequeno raio de ação da energia mediúnica. 2.° - O enorme esforço fisico do médium, durante as produções, movimento sincrônico dos músculos do médium durante os fenôm e­ nos telecinéticos, desaparecimento aparente ou real da matéria corporal, paralisação mus­ cular. 3.° - Em conexão com isto, forte m odifi­ cação do peso próprio, nos fenômenos teleci­ néticos e fantasmagóricos. Eis aí os motivos pelos quais os autores do animismo pretendem provar ser o médium a causa eficiente dos fenômenos experimen­ tais. Espantosa pobreza de argumentos! Que c que demonstram os motivos enumerados? Apenas que, em muitos casos, os fenômenos ocultos dependem do médium, no que esta­ mos de acordo. Mas demonstram eles, com a mesma certeza, que a força natural do mé­ dium é a causa única dos fenômenos? Certa­ mente que não. Com semelhantes argumentos, ambas as teorias, animismo e espiritismo, ficam longe de resolver o problema da causalidade. Sem dúvida, devemos encarar sempre, com sim­ patia, uma explicação natural, moderada, que rejeita a intromissão de causas super-huma- nas, quando bastam as já conhecidas e apon­ tadas. — 157 — Para, enfim, chegarmos a um resulta­ do bem fundado, devemos, antes de tudo, atender a duas coisas. Em primeiro lugar, não se liá-de separar uma parte pequena do mate­ rial de fatos, para formar com eles uma teo­ ria. E’ preciso, na investigação, atender ao complexo inteiro dos fatos. Quem fizesse o contrário, assemelhar-se-ia a um investiga­ dor que se esforça por estabelecer a diferen­ ça entre o animado e o inanimado, restringin­ do, porem, a sua indagação às bactérias pri­ mitivas, que só podem ser examinadas por meio dos mais perfeitos microscópios. Em segundo lugar, deve-se começar com uma categoria de fenômenos, cuja explicação não encontra dificuldade e está garantida de- antemão. Partindo desta base certa, pode-se subir, como por degraus, para os fenômenos claros.

Art. III.

FENÔMENOS ESPONTÂNEOS

Como já vimos, na parte dos respectivos relatórios, existem duas categorias destes fe­ nômenos: Uma, a dos ligados a lugares; e outra, a dos que se ligam a pessoas. Esta è tratada com os demais casos mediúnicos, por­ que nela entra um m édium , embora inteira­ mente passivo, ou mais passivo do que ativo. Serve de transição entre os fenômenos espontâneos c os experimentais. Da categoria dos fenômenos propriamen­ te espontâneos é preciso dizer, desde já, que — 158 — nela falha completamente a teoria do Ani­ mismo, visto como aqui não existe m édium algum. Mas de sua existência dão testemunho centenas de fatos bem averiguados e incon­ testáveis, como provam os respectivos rela­ tórios da S. P. R., as coleções de E. Bozzam o (81), Dr. Gvabinski (82) J. llleij, (83). R. Lam bert (84), M. Kem m erich e outras, (85). t Em determinados casos pode-se, incon­ testavelmente, provar que os fenômenos de objetos inanimados, formação de fantasmas, vozes misteriosas, foram verificados durante muitos decênios, no mesmo lugar, do mesmo modo característico, a-pesar das diversas pessoas que sc sucederam nesses lugares. Pa­ rece, portanto, de-antemão, excluida toda coo­ peração medial, a não ser que se arquitetem hipóteses fantásticas, como seria supor exis­ tirem m édiuns que, durante 70 anos e mais. produzissem os mesmos fenômenos, no mes­ mo lugar, de uma distância de muitos quilô­ metros. Hipótese até inutil, porque lugares houve onde os fenômenos continuavam du­ rante vários séculos. Para explicação destes casos, apresen­ tam-se algumas hipóteses muito interessan­ tes, não porque nos levem à solução, mas uni-

(Sl) E. BOZZANO — Le« phénomènes de H nntlse — Alcan., Pai ls, 1920. (82) BR. BRABINSKI — Spuk-GclHterscbelnunK. Hil­ desheim, 1922. (83) J. ILLE Y — Ewiges Schwelgen? — Union Deuts­ che Verlagsges. Stuttgart, 1924. (84) R. LAMBERT — Spnk, Gepennter, Apportpliiieuo. mene. Pyrnmidenverl, Berllm, 1923. (Su) M. KEMMERICH — Gepenuter. Spuk. Ludwlgs- tanfen, 1921. — 159 — camente por sua originalidade. Dedicar-lhe- emos poucas palavras a modo de refutação. Vem primeiro a hipótese de Podmore, um dos chefes da S. P. R. 0 expectro de um morto seria projetado, telepaticamente, por um contemporâneo seu, ainda vivo, para o lugar onde aparece ou pa­ ra o lugar em que viveu. Semelhante fantasia é contra a regra fun­ damental de telepatia, segundo a qual toda pessoa só pode projetar, telepaticamente, a sua própria imagem, e não a de outrem. A segunda hipótese é a fonográfica. Os seculares acontecimentos ficariam im­ pressos, como numa chapa fotográfica ou fo­ nográfica, nas paredes e mobílias das ca­ sas onde se deram, reproduzindo, em dadas ocasiões, os barulhos e espantalhos, como se aí estivesse fuiicionando um fonó­ grafo ou uma lanterna-mágica. que projetas­ se fantasmas, visiveis ou invisíveis. Vivos ou inanimados, esses fan.tasmas causariam toda sorte de espantos, maldadcs e desordens. Mais absurdas são a hipótese psicométri- ca e a biomagnética. São fantásticas em de­ masia. Não merecem discussão. Do que acima expusemos, resulta eviden- m ente: o princípio dirigente dos fenômenos espontâneos locais não é a mente de um mé­ dium vivo.

l3to mais evidente se torna, quando as aparições manifestam tendência perseguidora ou destruidora. Pelos relatórios citados, conhecemos o caso de Oels (Silésia) do ano de 1916. O alvo da perseguição eram — 160 — duas filhas do oleiro Fenscke; e tão persistente se tor­ nou, que as pobres meninas, de espanto, se refugia­ vam ora num quarto, ora em outro. O acontecimento se Tepercute no tribunal, onde Fcnscke exigiu a devo­ lução do aluguel pago adiantadamente, retirando-se imediatamente da casa. Quem iria supor que ambas essas crianças tivessem perseguido, cruelmente, a si próprias, durante um mês, pela infeliz "descarga'’ de seu subconciente?! Mais fantástica ainda se torna a explicação ani- mista, quando inimizades degeneram em distúrbios comoventes, como, p. ex:, em Grosscrlag CWuertem- bcrg), na casa da sra. Klcinknccht, maio de 191G. Sem que se pudesse verificar qualquer ligação com pessoa ali presente, o duende transformou e devastou tudo, deixando só ruinas e desolação. Poderia o subconcien­ te de algum médium desconhecido causar tantos estra­ gos, chegando até a arrancar as portas dos gonzos e atirá-las em cima dos destroços?!

E para continuar nos absurdos, seria pos­ sível ao subconciente incendiar objetos, dei­ xar a impressão de mão incandescente, em pano, madeira e até metal? A teoria de sub­ conciente tem, de-certo, direito na explicação dos fenômenos anímicos. A-miude, porem, é um “Refugium ignorantiae”, que só serve pa­ ra encobrir ignorância, cepticismo e má von­ tade de conhecer a verdade. Nada mais ridí­ culo do que explicar pelo subconciente seme­ lhantes fenômenos. O próprio Schrenk-Not- zing, animista entusiasta, se vê forçado a con­ fessar :

“Em vista da análise comparattVft do material até lioje adquirido, deve-se conceder que o método ex- — 161 — plicatlvo animlsla só é suficiente para determinados casos, niio sendo de nenhum modo aplicarei a nume­ rosos outros".

Já podemos concluir, sem mais delongas, que a explicação razoavel. pelo menos desta categoria de fenômenos, não se pode deduzir da alma humana ou do seu subconciente. Por isso, somos forçados a concluir que semelhan­ tes fenômenos excedem as forças humanas Eis aí o eixo da nossa tese. Da compara­ ção dos fenômenos supranormais, pelo me­ nos físicos, com os espontâneos, é que have- mos-de concluir para a natureza íntima de todos eles! Se os fenômenos supranormais es­ pontâneos são preternaturais, e transcenden­ tais, tambem o hão-de ser os fenômenos su­ pranormais fisicos. Porque a analogia entre uns e outros é flagrante. Num caso como no outro, há o apareci­ mento de diversos fenômenos de sonidos, o espontâneo movimento de objetos inanima­ dos, a característica correnteza de ar frio no inicio dos fenômenos, a sensação de toque por membros invisíveis e certos fenômenos luzentes. Semelhantemente, observa-se que a meia- escuridão ou a pouca luz favorece os fenôme­ nos de ambas as categorias. Tambem os fe­ nômenos experimentais fantasmagóricos (por exemplo, os de Maria Silberl) oferecem com os fenômenos espontâneos perfeita analogia. Schrçnk-Notzing chega ao mesmo resul­ tado quando escreve: — 162 —

“Do toda parte vemos os mesmos fenômenos d© movimento, como puderam ser observados em Dietcrs heim, ainda que em forma proporcionalmente fraca. Estes são fenômenos da mesma natureza que os veri­ ficados com os mencionados médiuns: num caso, ma­ nifestam-se quase sempre em presença de pessoas me­ diais; no outro, são provocados, artificialmente, nas experiências com essas pessoas”. (86).

Em vista de tão perfeita semelhança de efeitos, não é çazoavel se conclua que as cau­ sas são as mesmas? Pois bem: Efeitos iguais só podem provir de uma causa eficiente comum. Ora, vimos que só duas fontes de causas são apresentadas para a explicação dos fenômenos: O Animismo, que os atribue a forças na­ turais, conhecidas umas, desconhecidas ou­ tras: O Espiritismo, que os atribue à inter­ venção de espiritos. Ora, Os fenômenos es­ pontâneos não podem ser explicados pelo Ani­ mismo. Mas os fenômenos experimentais ou provocados tem a mesma natureza que aque­ les. Logo os fenômenos experimentais, quer parafísicos quer parapsiquicos, não podem ser explicados pelo animismo, isto é, pelas forças naturais. Resta, pois, que o sejam pela intervenção de espiritos. Estaremos, pois, de acordo com a teoria do espiritismo? Em parte, somente. Convi­ mos em que ha fenômenos produzidos por

(86) Cf. Paych. Studlen, 1921, pg. 257. — 163 — espíritos, mas não admitimos que esses espí­ ritos sejam as almas dos desencarnados. É o que provaremos em seguida.

B — SEGUNDO PONTO

OS FENÓMENOS SUPRANORMAIS NÃO SÃO PRODUZIDOS PELOS DESENCARNADOS

Estado da questão.

Como argumentamos com os espiritas, somos obrigados a servir-nos de termos de sua doutrina. Assim, deve o leitor saber que eles chamam desencarnados àqueles que já morreram. A alma, uma vez desencarnada, — ou se reencarna, indo habitar em outro corpo, na Terra ou em outros planetas, — ou fica em estado de erraticidade. Este estado de erraticidade é o a que outros escritores chamam de sobrevivência ou sobre-vida. A alma desencarnada tem o nome de espirito. Na teoria espirita, os desencarnados é que são a causa dos fenômenos ocultos. Daí o enunciado de nossa tese. Para provarmos que OS FENÔMENOS NÃO SÃO PRODUZIDOS PELOS DESEN­ CARNADOS, servimo-nos de duas espécies de provas: uma, ministrada pela Doutrina Ca­ tólica; outra, pela Doutrina dos próprios es­ piritas. — 164 —

I. — PELA DOUTRINA CATÓLICA. a) PELA FILOSOFIA. A alma e o corpo formam um só indiví­ duo; assim como o corpo precisa da alma, — anima, — para ser matéria viva ou animada, assim a alma precisa do corpo para adquirir conhecimentos das coisas. A ciência humana, pois, só tem duas origens naturais: sentidos orgânicos e raciocínio. Todo o conhecimento que a alma possa ter das coisas ou foi adqui­ rido por meio dos sentidos naturais, ou foi deduzido de outros conhecimentos. Mas estes, cm última análise, tambem lhe vieram pelos sentidos do corpo. Não há outra fonte natu­ ral de conhecimentos. É vendo uma áruore, é tocando uma pedra, mesmo sem vê-la, isto é, é pondo em função um dos cinco sentidos, que eu tenho idéia de áruore ou de pedra. A alma que habitasse um corpo privado dos cin­ co sentidos, desde o nascimento, não saberia o que é coisa alguma, — cor, extensão, chei­ ro, calor, dores, sons, gostos... Só poderia ter conciência de sua própria existência, porque, conforme, Santo Tomaz, o conhecimento de si mesma, para a alma, é intuitivo: seipsam cognoscit directe, suam essentiam intuendo. (81) O cego de nascença pode saber o nome das cores; nunca terá idéia de cor, nunca sa­ berá o que é cor. A razão disto é que “o conhecimento exi-

(87) SANTO TOMAZ — Soma TIicol. Q. DIspos. De Aulnia» Qa. unlca» a* 17» c. - 165 — ge a união do objeto conhecido com a facul­ dade que conhece. Mas o objeto não pode unir-sc à faculdade, por meio dc sua própria substância. Logo, precisa unir-se a ela por meio de uma imagem que o represente, e es­ sa imagem só pode ser apreendida ou reco­ lhida pelo orgão corpóreo.” (88) Essa ima­ gem é que se chama idéia, noção, espécie in- Icligivel ou. conforme o caso, fantasma. Ora, a alma separada do corpo não mu­ da de natureza. Portanto, só pode conhecer por meio de espécies inteligíveis. E essas espé­ cies, — ou são as que a alma adquiriu en­ quanto estava unida ao corpo, — ou são ou­ tras que Deus lhe infunde, necessárias então para o exercício do novo estado que passa a viver. Sendo assim, a alma separada só pos- sue duas espécies dc idéias: umas, antigas, ad­ quiridas por si mesma enquanto era unida ao corpo; outras, novas, infundidas por Deus. Não possue, portanto, idéias novas adquiri­ das por si mesma. Numa palavra: A alma separada conhece os espíritos, as causas imateriais do mundo corpóreo e os objetos materiais singulares, — parentes, amigos, pátria, — ou por meio das idéias an­ tigas, adquiridas, ou por meio das idéias no­ vas, infusas. Mas não conhece os acontecimentos hu­ manos, — porque estes se deram depois de sua separação do corpo, e não estão incluidos nas idéias infusas ultimamente. É o que diz

(88) SINIBALDI — Kleiuentoa dc Filoaoflu. Antropo­ logia, n.» 222. — 166 — o Doutor Angélico: Ea quae apud nos agun- tur ignorant (animae separatae). (89). Podemos agora fechar o nosso argu­ mento: A alma separada do corpo só tem ciên­ cia das coisas, ou por meio de idéias antigas, adquiridas em vida, ou por meio de idéias novas, infusas por Deus; mas os aconteci­ mentos humanos não se deduzem das idéias antigas, porque são posteriores a elas, nem se deduzem das idéias infusas, porque estas en­ volvem coisas e não fatos. Logo, a alma hu­ mana separada não tem ciência do que se passa nas sessões espiritas, — preces, evoca­ ções, perguntas e outros fatos. Mas os fenô­ menos ou são fatos ou se relacionam com os fatos; logo a alma não tem com eles nenhuma ligação. Está claro que aqui nos referimos ao conheci­ mento natural da alma separada, — àquele que com­ pete à alma segundo a exigência da natureza, e não ao conhecimento sobrenatural, — àquele que os bem- aventurados tem de tudo, Intuitivamente, pela Visào Beatífica da Essência Divina. (90) Quanto aos fenômenos de levitação e de outros, com contacto do espírito, devemos acrescentar o seguinte: A alma humana, sendo substância in­ com pleta e destinada naturalmente a animar um corpo, que a completa, só pode mover os corpos enquanto ela vivifica ou anima o seu

(8!)) ST. TOMAZ — Sunimn Thcol. — Q uartus Scnt., .lispo.s. ([. 1.*. a. 1. q. 3. c. CIO) SINIBAT.DI — Antroiiol.. n.° 222 o seguintes. — 167 — próprio corpo; por outras palavras: a alma só move os corpos por meio de seu próprio corpo. E’ o que ensina Santo Tomaz: “A alma separada não poderia mover um corpo por sua própria virtude natural. E’ manifesto que, quando a alma está unida ao corpo, não pode mover outro corpo, senão aquele que ela vivifica; e se um membro do corpo morre, ele não obedece mais & alma segundo o movimento local. Ora, é certo que a alma separada não vivifica nenhum corpo; por conseguinte, nenhum corpo lhe obedece segundo o movimento lo­ c al” . (9 1 ).

Os espiritas estão de acordo com esta doutrina. Admitem que a alma separada na­ da pode, por si, no mundo físico. Foi por is­ so que, para explicarem a intervenção da al­ ma, inventaram a teoria do perispirito, que examinaremos adiante; e puseram em cena a indefectível pessoa do m édium . (92).

b) PELA TEOLOGIA. As Sagradas Escrituras nos dão informa­ ção exata do que se segue após a morte: pri­ meiro, o juizo particular: ”E’ facU para Deus retribuir a cada um no dia da morte”. (Livro do Eclesiástico, 11:28). “Está decretado que os homens morram üma só vez; depois da morte, porem, vem o julzo”. (Aos He­ breus, 9:27).

^ (91) SANTO TOMAZ — Sumnia Theologlcn — IA qu. ZMzt «ár asm «•* Feilo ou processado o julgamento, a al­ ma segue para um dos três destinos: INFER­ NO, PURGATÓRIO OU PARAÍSO. Mas re­ pugna que a alma saia de um desses três lu­ gares e venha, a chamado de um homem, — o médium, — intervir no mundo visivel. 1.° - Não sai do inferno. O inferno, com efeito, é comparado a um lago em que a al­ ma está sepultada: "Quem não foi escrito no livro da vida, foi man­ dado para o lago do fogo". (Apocalipse, 20:15).

Alem disso, e este é o ponto principal pa­ ra o nosso escopo, as almas dos réprobos estão em imobilidade absoluta: “Ligadas as mãos o os pós, maudal-os para as trevas exteriores”. (S. Mateus, 22:13).

O inferno é uma prisão: “Serão fechados no cárcere”. (Isalas, 24:22). O rico avarento morreu e foi sepultado no inferno. Não podendo vir a este mundo, pede a Abraão que mande Lázaro a casa do pai dele, rico, a-fim-de avisá-lo do que se passa com ele no inferno: Rogo te, pater ut mittas eum in domum patris mei.” (S. Luc., 16:28). 2.° - A alma não sai do purgatório. Este tambem é um cárcere: “Reconcilia-te de-pressa com teu adversário en­ quanto estás de vtagem com ele; não suceda acaso que teu adversário te entregue ao Juiz e este ao mi­ nistro, e sejas mandado para o cárcere; na verdade te — 169 — digo que não sairás dai enquanto não pagares o últi­ mo ceitil". (S. Mat., 5:25). Ora, todo encarcerado, enquanto cumpre a pena, não pode sair da prisão, à sua vonta­ de. Que o citado texto se refere ao purgató­ rio é certo: primeiro, porque, no caso, não se trata de culpa grave, mas só venial, — uma simples inimizade, que, portanto, não pode­ ria ser castigada com as penas do inferno; segundo, porque a pena a que alude o texto não é eterna, mas temporária. 3.° - Enfim, as almas dos bem-aventura­ dos. Estas poderiam comunicar-se com os vi­ vos; é o que pensa Santo Tomaz: “Sancti, cum volucrint, nppnrcre possunt viven- tlbus, non nutem dnmnati”. (93) Mas, mesmo no caso de almas bem-aven­ turadas. falta uma razão suficiente para que se deem comunicações constantes e provoca­ das. Primeiro, da parte das mesmas almas: a felicidade delas é completa e não precisam do comércio humano: ‘‘Eia, servo bom, entra no gozo de teu Senhor”. (Mateus, 25:21. Confira-se ainda: S. Paulo aos Co- rintios, Primeira, 2:29).

Segundo, da parte dos que vivem neste mundo. Deus proporcionou aos homens meios ordinários e permanentes de salvação e, as­ sim, tornou desnecessário o comércio com as almas boas. É o que nos ensina ainda a pará­ bola do rico avarento:

(93) SANTO TOMAZ — Seat., quartua, dist. 46,a.l. q. 3, c. — 170 —

"Abraão respondeu (ao rico sepultado 110 In fer­ no e que pedia mandasse Lázaro em missão especial a este mundo): Os vivos tem a lel de Moisés e dos pro­ fetas. Olgam a estes. Se não ouvirem a Moisés e aos profetas, nem acreditarão'em algum morto que ressus­ cite.” (S. Mateus, 5-29).

O católico, pois, com 0 livro dos Evan­ gelhos em punho, não pode admitir a inter­ venção dos mortos neste mundo. Diz o Pe. H eredia: "Deus pode, em casos especiais, permitir que uma alma apareça por sua divina disposição. Porem, ne­ nhum cristão, que tenha respeito a Deus e a sua Di­ vina Providência, acreditará que ele permita às al­ mas dos bem-aventurados ou às almas do Purgatório palrarem sobre a Terra, prontas às intimações dos di­ versos médiuns de carater duvidoso, assoclarem-se às travessuras de uma sessão espirita, moverem mesas, tocarem trombetas ou guitarras, agitarem pandeiros, conversarem sobre assuntos tolos, comunicarem meras ninharias e, às vezes, até proferirem blasfêmias. E, tendo em vista a idéia católica do infeTno, parece im­ possível que Deus permita às almas dos condenados assistirem, a pedido, às orgias de uma sessão ordiná­ ria”. (94).

II. — PELA DOUTRINA DOS ESPIRITAS

a) TEORIA DO PERISPÍRITO Definição. Os espiritas, indo na esteira dos ocultis- tas, admitem uma composição ternária do ho-

(91) Po. HEREDIA — O CHplrltlHmo e o. bom sen«», Trad. brasileira, ps, 175. — 171 — m em: corpo, alma e perispirito. O perispí- rito é o laço que prende o espírito ao corpo. Os próprios autores espiritas não estão de pleno acordo quanto à definição do perispi­ rito. Copiamos D. Otávio, que nos fornece uma boa explicação: “O perispirito é um envoltório semi-ma- terial da alma. uma substância vaporosa, for­ mada de fluido universal, participando, ao mesmo tempo, da eletricidade, do flúido magnético e, até certo ponto, da matéria iner­ te. Poder-se-ia dizer que é a quintessência da matéria. Desenvolve-se e progride com a al­ ma, tornando-se tanto mais sutil e menos material, quanto mais elevado é o espirito. “O perispirito pode irradiar-se fora do corpo encarnado, formando a chamada au­ ra. Pode mesmo separar-se momentaneamen­ te do corpo, ao qual fica unido por um laco fluídico, chamado por alguns cordão umbili­ cal. Neste caso de desencarnação relativa, a pessoa pode tomar conhecimento de aconteci­ mentos distantes e mostrar faculdades anor­ mais. Se, neste êxodo, o perispirito levar con­ sigo moléculas materiais em grande número, poderá impressionar a vista e outros senti­ dos das pessoas que encontrar. Em tais con­ dições, formará ele o duplo de seu corpo. “As pessoas capazes deste desdobramen­ to constituem os médiuns, que servem de in­ termediários aos desencarnados, para que estes possam comunicar-se com os vivos. “Nos casos de materialização, o espirito serve-se do perispirito do médium, para ti­ rar do corpo carnal deste os elementos neces­ sários à materialização.” (95). O dr. E. Gyel, escritor espirita, pg. 19-22, não difere muito da exposição de Dom Otávio.

SINÔNIMOS

Vimos, acima, que o perlspírito tambem se cha­ ma aura, quando irradiado fora do corpo, e duplo, quando condensado nas materializações. Alem destes nomes, muitos outros lhe dão os vários autores que consultamos. Assim 6 que, como sinônimos de perls- pirlto, achamos as seguintes expressões: Corpo astral, fluido perispiritual, fluido humano, corpo ódico, od, força ectênica (96), corpo psfqnico (97), cctoplasma. Segundo Grasset, os ocultistas foram os primeiros que usaram a expressão corpo astral. Mediador plás­ tico ô de Cudtvorth. Ectoplasma foi dado pelo prof. Richet ao perlspfrlto materializado. Todas estas deno­ minações do perispírlto se diferenciam entre si confor­ me a mente ou concepção dos vários autores. Em subs­ tância, porem, vem a significar a mesma coisa. (98).

IMPORTÂNCIA.

“ O perispirito, — diz o dr. Poodt, — é a chave do espiritismo moderno”. (99). Mainage tambem escreve: “O perispirito — 173 — derantc no sistema. Graças a ele, os fatos mais prodigiosos perdem o seu segredo”. (100). O corpo astral é uma espécie de “segun­ do eu”, que poderia ser despedido pelo ho­ mem, voluntária ou involuntariamente. Em veementes abalos nervosos, em graves peri­ gos de vida, na hipnose e, sobretudo, à noite, ficaria afrouxado o liame do corpo astral com o corpo físico, e aquele poderia separar- se deste, indo aparecer em outros lugares, — como provam frequentes anúncios de mori­ bundos ou sinistrados. Marcinoivski pensou levantar, sobre a base do duplo, uma teoria de todos os fenô­ menos ocultos. Tudo fantasia, posto que en­ genhado com talento e poesia. (101).

HISTÓRICO.

A doutrina do perispirilo não constitue novidade. É apenas uma renovação da teoria do corpo astral dos Ocultistas. Mas nem es­ tes inventaram essa teoria. Já Cudworth, teó­ logo inglês (1617-1688), lembrara a hipótese do mediador plástico, hipótese que o francês Leclerc perfilhou mais tarde. (102) Mesmo alguns Padres da Igreja, como S. Basilio e S. Cirilo de Alexandria, haviam já pensado na existência de uma substância corpórea

(100) MAINAGE — La rcUrfon «pirite, pgr. 96. (101) R. MARCIXOWSKI — D er Okkultlrau*. P. von rarap.sych., 1926 .caderno 11-12.. (102) Cf. D ictionnaire LnroasRe, médio s. v. Cudworth, e Slnlbaldl, Antropofogln, n.° 46, nota 1, D. — 174 — inerente aos anjoá e às a Imas. (103) E vários filósofos, antigos e modernos, como Ahrens, Occam, Bacon, Gassendi, Guenther, Baltzer e outros, admitiram no homem duas almas, das quais uma é o princípio da vida intelectual e outra o é da vida vegetativo-sensitiva. (104) Assim, a alma superior ou imaterial chamar-se-ia espirito, e a alma inferior ou material, perispirito. Mas a origem da teoria é mais antiga: “Certos platônicos afirmaram que a alma inte­ lectual possue um corpo incorrutivel que lhe está unido por natureza, — corpo tle que cia uiio se separa nun­ ca, — e pelo qual está unida ao corpo humano corru- tivel”. (106). Enfim, diremos, com o Pe. Mainage, que o corpo astral é um produto da psicologia ru­ dimentar de todos os tempos. E’ o Ka egípcio, o Manas do Veda, o Linga Charira pre-búdi- co, (10(j), o Koma dos leósofos (107). üs ocultistas, depois dos já citados filó­ sofos, entenderam provar a existência do cor­ po astral pela existência das operações orgâ­ nicas, que são distintas das operações inte- lcctivas e concientes. “O corpo astral, — diz Papus, — sendo a alma no ente humano, pre­ side à elaboração de todas as forças orgâni­ cas.” (108) Isto equivale a dizer que o homem

(lUZ) I. BERTRAND — Le» «norts revlenncnt-il»? — Citado por d. Otávio, Oh (cnCmcno* pxfqnlcoH, pg. G8. (104) S1NIBALDI — A ntropologia, n.» 49, nota 1. (105) SANTO TOMAZ — Sumnm Tlieologlcn, Qu. 7G, art. 7. (106) MAINAGE — Ba rellglon «pirite, pg. 112. (107) Dr. POODT — Lo» fenómeno« mixtcrioHOH. no dicionário Inicial, artigo “cuerpo astral”. (108) PAPUS — One é o ocultlxmo — Editora “O Pensam ento”, S. Paulo, pg. 13-14. - 175 - tem duas almas, — uma imaterial e outra ma­ terial.

DEMONSTRAÇÃO.

Postas estas noções preliminares e neces­ sárias, argumentamos: NO DIZER DE TODOS OS AUTORES ES­ PIRITISTAS, É POR MEIO DO PERISPÍRI- TO QUE OS DESENCARNADOS SE COMU­ NICAM COM O MUNDO VISÍVEL. MAS O PE- RÍSP1R1TO NÃO EXISTE. LOGO OS DESEN­ CARNADOS NÃO SE COMUNICAM COM OS VIVOS, e portanto, não são os autores dos fe­ nômenos supranormais. Provemos as premissas. Quem afirma que o perispirito é o m eio de comunicação entre os mortos e os vivos são os próprios autores espiritas: Diz AUan Kardec: “Por causa de sua natureza etérea, o espirito não pode atuar sobre a matéria pri­ mitiva sem um intermediário, isto é, sem o laço que o liga & matéria. Esse laço, formado pelo que se cha­ ma perispirito, dá a chave de todos os fenômenos espi- ríticos materiais". (109). Th. Flonmoy: “Para que a alma possa agir e im­ pressionar os nossos sentidos fislcos, é necessário um intermediário seml-materlal. Esse intermediário é o perispirito, nome dado ao envoltório fluidico da alma, o qual é invisível e imponderável. Na sua ação se ha- de buscar o segredo dos fenômenos espiritas". (110).

(109) ALLAN KARDEX — Livro ilon m édium , 2.* parte, c. IV. CllO) FLOURNOY —De» Inde» à ln Plnnétc Mor», ci­ tado por Poodt. Los fenómenos misteriosos, pgr. 272. — 176 -

Léon Denis: "0 médium é o agente Indispensá­ vel e com a ajuda do qual se realizam as manifesta­ ções do mundo Invisível. . . Pelo seu envoltório flnídl- co participa da vida do espaço, o por seu corpo físi­ co, dff vida terrestre: assim, ele é o intermediário, indispensável entre os dois mundos. “O espírito, sepa­ rado da matéria grosseira pela morte, não pode atunr sobro a matéria nem mnnifcstar-se no melo humano, sem o concurso de uma força ou energia que o orga­ nismo do médium lhe proporciona”. (111).

Assim, é por meio de seu próprio perispí- rito, combinado ou sincronizado com o perispí- to do m édium , que o espírito se manifesta: “O corpo astral do espirito se instala no corpo astral do médium o serve-se deste como um organista executa uma melodia no teclado de seu instrumento. No caso da materialização, o morto se serve do corpo astral vivo, para tomar, no corpo carnal deste, os ele­ mentos necessários à materialização". (112). MAS O PER1SP1R1T0 NÃO EXISTE, dis­ semos nós. Com efeito, a Filosofia, a experiên­ cia e a Sagrada Escritura provam que o peris- pírito não existe.

l.o) A FILOSOFIA. a) Se o homem tivesse espirito e perispí- rito, — isto é, dois princípios de operações vi­ tais. essas operações seriam completamente in­ dependentes entre si; mas a biologia atesta que elas não são independentes. Logo proce-

(111) LÉON DENIS — DniiN 1’lnrim ble. Splrltl.m * et M édiniunlté. Pfif. 02. (112) MA1NAGE — La rellglon «pirite. Pg. 97. — 177 — d cm de um só princípio, — que é o espiritual. — a alma única. Com efeito, as funções vegetalivo-sensiti- vas dependem do psiquismo; o psiquismo de­ pende daquelas funções, E’ sabido como as secreções, a digestão, a fagocitose, a função do coração, dos intestinos, dos músculos, dos or- gãos sexuais e outras funções dependentes do grande simpático e do sistema espinal, podem ser favorecidas, dificultadas e até impedidas pelo psiquismo. E, vice-versa, o psiquismo está intimamente ligado à fisiologia orgânica. Há síncopes cardíacas motivadas por emoções vio­ lentas. b) A conciência atesta que, em nós, o su­ jeito que pensa é o mesmo que sente e vegeta', idem homo percipit se sentire et intelligit se in- telligere. (113) Ora, se 110 homem existissem dois principios de vida, — espírito e peris- pírito, — o sujeito que pensa, sendo distinto do sujeito que sente e vegeta, — não poderia sen­ tir nem vegetar, pois as operações vitais, por isso que são imanentes, tem o term o no mesmo sujeito em que tem o começo. Mas o sujeito que pensa é o mesmo que sente e vegeta. Logo o homem tem um só princípio de vida. E este princípio, ou c o perispírito ou o espírito; se é 0 perispírito,o espírito é uma ficção; se é o espírito, o perispírito é que é uma ficção. O homem não teria conciência da dor física na hipótese absurda de haver dois principios dis­ tintos de vida. c) Alem disso o perispírito c dado como

(113) SANTO TOMAZ — Sanimn, l . \ 76, Cf. GARRI- GOU-LA.GRANQE, T heolotla Fundam ental!*, v. II, p?. 9. — 178 - intermediário entre a alma e o corpo. “Mas a alma, — anima, — é, sem intermediário, a for­ ma substancial do corpo, pois, ao contrário, o corpo não se poderia dizer anim ado; logo, o principio radical da vida intelectiva e o da vi­ da sensitiva e vegetativa é o mesmo.” (114). Por conseguinte, os espiritas afirmam gra­ tuitamente a existência do perispirito. O que gratuitamente se afirma, gratuitamente se ne­ ga. O perispirito seria um amontoado de con­ tradições, seria um absurdo crasso.

"Admitir o perispirito, disse Luclcn Roure, é ima­ ginar uma substância que seja, ao mesmo tempo, ea- tensa e lnestensa, material e imaterial, com figura e sem figura. A hipótese implica desconhecimento da noção de espiritualidade”. (115). Escreve Tiago Sinibnldi: “Se existisse uma subs­ tancia entre a alma e o corpo, deveria possuir, ao mesmo tempo, todos os atributos do corpo e todos os atributos da alma, e, por isso, deveria ser simples e composta, corpórea e incorpórea, racional e irracio­ nal, e isto repugna". (116).

2.°) A EXPERIÊNCIA. A experiência é contra a existência do pe­ rispirito. De-fato, a existência do corpo pro­ va-se pelos sentidos; a da alma demonstra-se pelas suas operações e pela conciência. Mas a do perispirito não tem nenhuma prova. Ob­ serva o dr. P o o d t:

(ll-l) GARRIGOU-LAGRANG1S — Theologln Fnm ln- mcntnlls, c. II, pg. 9. (115) Apud Dr. POODT — Los fenómenos m isteriosos, pag. 276. (116) SINIBALDI — Antropologia, -16, nota 1, D, b. — 179 —

"A teoria do fluido vital não descansa em nenhu­ ma base cientifica, não se apoia em nenhuma expe­ riência demonstrativa, em nenhum feito rigorosamen­ te comprovado. “Sondo fluido ou substância semi-materlal, o pe- rlspírito poderia ser registado por aparelhos sensibilís- simos. Pois bem. Tentou-se Isto. Mas todas as tenta­ tivas fracassaram”. (117).

Lembremos os principais aparelhos tenta­ dos. O Pe. Fortin inventou o seu m agnetôm e- tro; Baraduc, o seu biômetro; Paul Joire, o seu estenômetro; Puifontaine, o seu galvanômetro; Fayol, o seu cilindro. Grasset acrescenta ainda os biôm etros de Louis Lucas e de A ndollent. (118). Nenhum aparelho, porem, por mais sensí­ vel que fosse, conseguiu “isolar” o perispíri- lo. De duas uma: ou o perispirito é imaterial, e então não é distinto da alma; ou é, de algum modo, material, e então deveria ser sentido de qualquer maneira. E isto nunca foi provado. Logo não existe. Notemos que as experiências do barão de Reichenbach sobre os eflúvios ódicos, e as do coronel De Rochas sobre a “exteriorização da sensibilidade”, alem de infrutíferas, nada tem que ver com o perispirito. (119). Enfim, posta de parte a natureza do ho­ mem, consultemos a:

(117) Dr. POODT — I,on fenúmcnn» mister psiqnlMmo, pg. 274. ~ (US) GRASSET — Idée« inédlcnlex. pg. 15: (119) MAINAGE — La religion «pirite, pg. : — 180 — 3.“) SAGRADA ESCRITURA. Onde, na Bíblia, uma alusão ao perispí­ rito ou a qualquer coisa que se lhe pareça? 0 que se lê nos Santos Livros c que o homem é composto de corpo e alma. O corpo foi for­ mado da terra: Formavit Deus hominem de limo terrae; e a alm a lhe foi infundida à seme­ lhança de um sopro: et inspiravit in faciem ejus spiraculum vitae. Observemos que a Bí­ blia fala spiraculum, — alma, no singular, e não spiracula, — almas, no plural. (Gênese, 2:7). NOTAS sobre a doutrina do perispírito.

a) Ainda mesmo que o perispírito existisse, não ficaria provado que os espíritos precisam dele para se manifestarem. Ma3, como os espíritos afirmam Isto, e acham que, sem o perispírito, não há manifestações, nós nos servimos da própria doutrina espirita para derrubá-la. Diz Grnssct: “Puis, cettc demonstra tion scraU-ellc falte, rlen ne prouverait que cette nouvcllc force pâjchique constituo vraiinent un ogcnt de comnuinicntion direc­ to entre deux psychlsmcs sépnrés". (120). O mesmo sente Lucien Roure. (124). b) O Pe. Mainngc observa, mui judiciosamente, que, se existisse perispírito, todos os fenómenos pode­ riam ser atribuídos ao perispírito do médium, e assim poderiam excluir a hipótese da intervenção do espi­ rito. Tal intervenção seria desnecessária, porque o perispírito do médium seria bastante para explicar os

(120) GRA3SET, Op. Cltatum , pg. 159. (121) TAJCIEN ROURE — Le M ervelllcux «pirite, .pa*- 92. — 181 — fenômenos, e teríamos então uma explicação natu­ ral. (122).

CONCLUSÃO. “Segundo os espiritas, a revelação nova está estreitamente ligada à sorte do perispíri- lo. Mas este não existe.” Provem, portanto, antes de tudo. a existência deste estranho per­ sonagem. (123).

b) NÃO IDENTIFICAÇÃO DOS ESPÍRITOS 1.) - FATOS. A comunicação dos desencarnados esbar­ ra numa dificuldaderirremovivel: a identifi­ cação dos espíritos. Suponhamos que uin es­ pirito se comunique, Suponhamos que afirme ser o espirito de Sócrates. Como saberemos que, de-falo, é Sócrates que se comunica? Os espiritas, em todos os tempos, tentaram resol­ ver essa dificuldade. Tentaram, até, recorrer a experiências e verificações. O método é sim­ ples: Basta que alguem, antes de morrer, nos prometa aparecer depois de morto e, uma vez morto, venha conversar conosco sobre assunto previamente combinado. Hodgson teria feito à Psycliical Socioty uma pro­ messa desta natureza. E, tendo morrido logo depois, teria vindo cumprir n promessa: islo 6, viera dar as suas impressões sobre o Alem. Este fato,que Poodt

(122) MAINAGE — I.n relltlo n »plvitc. PnBs. 99 c so- ntes. (123) MAINAGE — Ibltlem, pff. 118. supõe verdadeiro (124), não o é. ' balela. O prof. Hyslop des do. E. Funk declarou que "a notícia <5 absol falsa”. Kodgson nunca apareceu. (125). Outro caso.

Para Pesquisas Psíquicas, de de seu espirito, depois veu uma comunicação, tório espesso e selado, e qi por intermédio de Olivcr m em bro d a m esm a Soci< 1891. Deveria ser aberta depois < e depois que algum médium decl municação com o espírito

cação. morreu (12G). > espirita adre- médium senho- i todas as precauções dos membros da S.P.R., verificou-se “que não hav semelhança alguma entre o conteúdo da carta e o < escrita automática de Vcrrall, que pretendia estar e comunicação com o desencarnado Myers em pe soa”. (127). ido, Oliver Eodge teve de alegar qu s houvesse esquecido, no Alem, o que e — 183 — crevera na carta, quando vivo. E dodd cita uma car­ ta de Eveleen Myers, viuva do filósofo, declarando que o espírito de seu marido não se comunicara nunca, nem com ela nem com seu filho. (128). Mesmo antes da verificação definitiva, já Sir Oliver Dodge tinha tentado, Inutilmente, uma comunicação entre o es­ pírito do Myers e o médium senhorita Plper. (129). Nós católicos acreditamos que a prova não seria definitiva, ainda que a comunicação fos­ se verdadeira, porque o demônio poderia reve­ lar ao m édium o mie se continha na carta, Mas Deus não permitiu que o espirito das trevas tivesse aqui a mínima intervenção, e assim o espiritismo ficou desmascarado por iniciativa de seus.próprios fautores.

2.) - CONFISSÃO DE SÁBIOS ESPIRI­ TAS E DE MÉDIUNS. Muitos m édiuns notáveis, assim como muitos cientistas que foram adeptos do espi­ ritismo. confessam que a prova da identi­ dade dos espíritos nunca foi dada. Mais. Em vista das comunicações frivolas e cretinas, atribuídas a espiritos de homens que foram verdadeiros sábios nesta vida, dizem que es­ sas comunicações provam justamente o con­ trário da identidade. Oiçamos algumas des­ sas confissões: Camilo Flammarlon: “De que espécie são esses seres? Nenhuma idéia podemos ter a tal respeito. Al-

(128) CI.ODD — The Onentlon, pp. 220, citado por Heredla. (129) PATRICK .T. GEARON. — T.e Splriflsm ci Sn fninitc. Pari». P. T.ollilellcnx. T.lbrnhc-Pdltcur. Pp. 88-84. (180) IA.'CIEN ROURE — J,e mcrvcUlcnx »pirite, PP- 83:1-82-1. — 184 — mas dos mortos? Estamos multo longe de dar a prova disso. Minhas observações de mais de quarenta anos provam o contrário. Nenhuma identificação já so foz satisfatoriamente”. (131). li. P. Jacks, professor de Oxford, presidente da S. P. R.: “Na minha opinláo, o problema da identida­ de pessoal completa deve ser examinado e pesado de­ tidamente, antes que comecemos a produzir provas em favor dessa identidade". (132). Artur Conan Doyle, conhecido romancista: “Vós estais numa extremidade do telefone, se se pode re­ correr a esta comparação; mas não sabeis com certe­ za quem está na outra extremidade". (133). AksAkof, cientista russo, diz que as provas da identidade não se podem deduzir com seguro das ma­ nifestações espiritas, pois o que um morto diz, outro espirito podia saber e imitar o primeiro. E conclue: “A prova absoluta da identificação para as perso­ nalidades que se manifestam é impossível”. (134). , o célebre médium do prof. Crookcs e que, para Conan Doyle, foi o maior homem depois dos Apóstolos, (135), declarou ao dr. Felipe David, pouco antes de morrer: “Depois de tudo, a verdade é que essa multidão de espíritos, ante os quais se ajoelham as almas cré­ dulas e supersticiosas, nunca existiram. Eu, pelo me­ nos, não os encontrei nunca em meu caminho. Servi- me deles para dar a rainhas experiências ess^ apa­ rência de mistério, que sempre agradou às massas e, sobretudo, às mulheres: nunca acreditei na interven-

(131) CAMILO FLAMMARION — As Forcas Xnturnla Desconhecidas, 1906. pg. 563. (132) Apud D. TADDEI — O Moilcrno Espiritismo, pag. 21. 0.33) CONAN DOYLE — The New R evelation. pg. 21. (134) AKSAKOF — Anlmlinic et e, Pg. 623. (135) Segundo refere Ileredia — “O Espiritismo e o Bom Senso” pg. 90, nota. — 185 —

çâo deles nos fenômenos... Não! Um médium não pode crer nos espiritos. E’ o único que não pode crer neles”. (136). Gastuo Mcry: “Será possivel que um espirito evo­ cado dê provas da sua idontidade? Não o julgo pos­ sível”. (137). Cnmilo Flnmmarlon: "Em vão procurei até aqui prova certa de identidade nas comunicações medlúni­ cas”. (138).

3.) - A COMUNICAÇÃO NA TEORIA ANGLO-SAXÔNICA. Oulro aspecto interessante da não-inter- venção dos desencarnados é o que se inclue, implicitamente, no espiritismo europeu em geral. A doutrina corrente entre os europeus, pelo menos ingleses e alemães, é que os desen­ carnados não intervem diretamente neste mundo. Conforme esses espiritas, os desen­ carnados, para se comunicarem conosco, se servem de um espírito intermediário, cha­ mado guia ou controle. E’ este que recolhe as mensagens de lá, e as transmite ao mé­ dium de cá. O médium humano é aparelho em geral. Cada médium tem um guia ordi­ nário. De-fato, como vimos, o guia ou contro­ le de Stainton Moses, era o espirito “Impera- tor”; e de Eusápia Palladino, “John King”; o de Piper, “Dr. Phinuit”; o de Rudi Schnei- der, “ Olga”, etc.

(136) PH1LIPPJC DAVID — Ln Mn

Assim, o guia é um m édium no outro mundo; os vivos se servem de um médium- vivo, e os desencarnados de um médium-es- pirito. Portanto, as comunicações são feitas de médium a médium; os assistentes de uma sessão e os desencarnados evocados ficam estranhos uns aos outros. Nesta teoria, o espírito guia pode muito bem não ser um “desencarnado.” E mesmo que o fosse, os outros desencarnados nunca se comunicariam conosco, já que a comuni­ cação c privativa do guia. Oiçamos um pa­ ladino do espiritismo europeu, :

“No estado de transe, surge uma caracterização dramática, com o aparecimento da entidade chamada "CONTROLE”, que, na aparente ausência de seu do­ no, ocupa o corpo do médium”. (139). “O tipo de mediunidade a que neste livro recorri, é o em que o médium fala ou escreve, sob a direção de uma inteligência tecnicamente chamada “controle” ou “ g n la ” . “O guia ou a terceira personalidade que fala du­ rante o transe, pnrece estar mais em contacto com o qne 6 vulgarmente chamado o “outro mnndo” e, por­ tanto, toma-se capaz de transmitir mensagens de PESSOAS MORTAS”. (140).

(139) OLIVER LODGE — “ Ilnjinonü". Trad. de Mon­ teiro Lobato, pg. 5G e pcgulnles. (140) Id. Il>„ pg. 56. — 187 —

TERCEIRO PONTO OS FENÔMENOS SUPRANORMAIS SÃO PRODUZIDOS POR ESPÍRITOS, E ES­ TES SÓ PODEM SER OS MAUS-ESPI- RITOS OU DEMÔNIOS DA CON­ CEPÇÃO CATÓLICA.

Estado da questão

No capítulo precedente demos as teorias do animismo e espiritismo como opostas e exclusivas. Assim, o primeiro significa que a personalidade do m édium é a única causa efi­ ciente dos fenômenos supranormais. O espi­ ritismo, porem, afirma que energias inteligen­ tes e invisiveis, diferentes do homem, quer so­ zinhas nucr juntamente com as forcas inter­ mediárias mediais, produzem esses fenô­ menos. Essas duas denominações, porem, não se empregam sempre em sentido tão absoluto e oposto. Entendem-se tambem em sentido lar­ go e até completivo: o animismo, como sis­ tema que atribue às forças psíquicas e fisio­ lógicas da alma a maioria dos fenômenos supranormais; o espiritismo, coni© sistema que atribue aos espíritos do outro mundo a produção dos demais fenômenos supranor­ mais. Neste sentido, ambos os sistemas se completam mutuamente, e isso não é de cau­ sar estranheza, já que os conhecimentos atuais, neste terreno escuro, não permitem demar­ car uma linha divisória definitiva. Tanto entre os partidários de um sistema como entre os sequazes de outro, há manifes­ to exagero. Admitindo que há fenômenos reais, os partidários do animismo pretendem que quase todos eles são produzidos pela for­ ça psíquica do m édium e dos seus auxiliares; os sequazes do espiritismo, ao contrário, acre­ ditam que todos ou quase todos os fenôme­ nos ocultos são produzidos pelos espíritos do Além. Veremos ao depois, o que se apura de uma e outra opinião. Posto isto, entremos a provar a afirma­ ção:

A) SAO PRODUZIDOS POR ESPÍRITOS. A verdade desta primeira afirmação re­ sulta do que se expôs, atrás, na secção B. Com efeito, excedendo os fenômenos supranormais as forças humanas, forçoso é que sejam pro­ duzidos por seres extra-mundanos. Alem di- so, sendo os fenômenos experimentais da mes­ ma natureza que os fenômenos espontâneos e sendo estes, evidentemente, produzidos por espíritos, tambem aqueles o devem ser. São consequências rigorosamente lógicas. Estas provas indiretas poderiam bastar. Mas, dada a singular importância da presen­ te tese, para tantos céticos que se recusam a admitir a intervenção dos espíritos nos ne­ gócios deste mundo, convem trazer, em apoio dela, algumas provas diretas c sólidas.

I — FENÔMENOS ESPONTÂNEOS A prova, realmente convincente, de que são espíritos do outro mundo que produzem — 189 — os fenômenos espontâneos, c o fato de que es­ ses fenômenos, principalmente quando são lo­ cais, se encontram longe de qualquer influên­ cia humana. Todos os casos que referimos na Primeira Série denunciam um autor com duas caracte­ rísticas, que o colocam acima das contingên­ cias humanas: a) Força invulgar, capaz de atirar gran­ des pedras de grandes distâncias, sem o em­ prego dos conhecidos meios de propulsão; b) Inteligência primorosa, — que zombou de todas as pesquisas policiais, e só se manis- festou cm condições estranhas c desconcertan­ tes. Essa inteligência revelou tambem muita astúcia c muita intenção preconcebida; é que o autor, ou autores dos fenômenos, — que­ rendo, naturalmente, ocultar-se ou despistar, — só apareceram em lugares onde, anterior­ mente, tinha havido morte trágica ou violen­ ta. Assim, julgando apenas pelos anteceden­ tes, seriam os homens levados a atribuir tais fenômenos aos espíritos das pessoas falecidas em tais lugares. Os casos de Oels e Grosserling fornecem acertadas instruções. Em 'Oels foi verificado que, naquela casa mal-assombrada. vivera um homem perverso, que costumava armar insí­ dias a crianças. Temendo perseguição da po­ lícia. suicidara-se e, desde então, começaram os fenômenos espontâneos ali. Do que até aqui expusemos, duas conclu­ sões se tiram. Primeira: O princípio teleológico diri­ gente da grande maioria dos fenômenos es­ — 190 — pontâneos não é, pelo menos exclusivamente, a mentalidade dum médium vivo; Segunda: O princípio teleológico dirigente da grande maioria dos verdadeiros fenôme­ nos espontâneos, é exclusivamente um espí­ rito do outro mundo. Mas será que esse principio espiritual, que se manifesta tão visivel nos fenômenos espontâneos, se manifesta tambem nos fenô­ menos experimentais, quer sejam físicos, quer psíquicos? Respondamos.

II. - FENÔMENOS EXPERIMENTAIS

a) Fenômenos psíquicos ou parapsíquicos.

Serão tambem inteligências extra-mun- danas, de natureza superior à do m édium , a principal causa de certos fenômenos psíqui­ cos? Ou por outra: A interpretação preterna­ tural, tambem neste terreno, será possivel e até necessária? Muito importa à nossa questão a lingua­ gem, a expressão e o comportamento do m é­ dium “inspirado”; nem havemos-de por de parte o conteúdo das mensagens, que, sendo geralmente sem importância, não raro reve­ lam um carater íntimo e pessoal. Mas, uma das provas mais valiosas para a explicação preternatural de certos atos de clarividência, c, sem dúvida, a visão do futu­ ro, no caso de serem profetizadas ações livres, em circunstâncias imprevisíveis pelo espírito humano. A visão certa de decisões livres da vonta- — 191 — dc só é possivel a Deus, razão por que, no ca­ so de se realizar a profecia, a inspiração há- de ter vindo dele. (141) As atas referentes à realização de verdadeiras profecias, feitas por m édiuns e pessoas profanas, não são dignas d^fé. Muitas das conhecidas profecias não passam de conjeturas. Outras são atribuídas falsamente a dadas personagens. Assim, por balela deve ser tida a conhecida profecia de Lenine; outra célebre mistificação é a “pro­ fecia” de S. Malaquias sobre os papas até o fim do mundo (142); não merece, tampouco, ser citada a coleção de profecias do famigera­ do Nostradamus, cuja única força persuasiva é devida à interpretação elástica e capricho­ sa dos discípulos daquele feiticeiro. Mais atenção merecem, talvez, alguns ca­ sos de segunda vista: a predição do dr. Gal- lat, a do m édium polaco Sra. Przybylska. Es­ ta vidente fez conjeturas bastante exatas so­ bre a guerra entre a Polônia e a Rússia; as suas previsões, exaradas em escritos e coloca­ das antes da realização, nos arquivos da So­ ciedade para Investigação Psíquica, de Varsó­ via, despertaram verdadeira consternação.

(141) Cf. A. ZEITZ — OkknltlHmuN, WiHNCiiHchnft, Rellglon, pg. 117 e A. LUDWIG: Okkulti.imu», Splritl*- iuuh, per. 18. (142) E. VACANDARD — ÉtiulcH de Critique llêllglcii- KC, 1923, pg. 43-63. Cf., eobre Lenine. A. ZEITZ: “DIe Lc- nlniHche KloHterwclMiinguiig”, 1919, 20, pg. 146-162, 182- 193, 227-233. Sobre S. M alaquias, o mesmo a utor: “ IÍIe PnpgtwelnKagung nnch MnlnchinM”, 1920, 20, pg. 336-367. e 1921, pg. 137. O Pe. MENESTKIER. S. J. (1689), o Pe. PAPEBROECK, e, ultim am ente, DE BUTE (1SS5), ADOLF IIARNACK c o Pe. THURSTON, S. J., dem onstraram quo a famosa profecia dc S. Malaquias foi forjada entre 1686 e 1590. E' seu autor provável o beneditino Arnold Wlon, e a finalidade da profecia era favorecer a alguns car­ deais papavels, por ocasião do Conclave que se seguiu ã morte de Urbano VII. 1690. — 192 —

b) Fenômenos físicos ou parafísicos

Os fenômenos físicos bem desenvolvidos, não raro são tais que excluem uma explica­ ção natural para sua realização. Como é pos­ sível existir uma causa, plausivelmente natu­ ral, que, em tempo brevíssimo, pudesse efe­ tuar, no m édium , a enorme perda de peso de até vinte e cinco kilos? Por que leis fisioló­ gicas ou biológicas poderá ser diminuída, em poucos minutos, quase a metade da substân­ cia viva do organismo e, em seguida, ser re­ constituída, sem que o todo sofra prejuizo perceptível? Esta diminuição atinge bilhões de células. Que são, junto dela, as inocentes ruborizações da epiderme e as borbulhas que, às vezes, podem ser produzidas em pessoas histéricas, após vivas sugestões? Estas últi­ mas modificações físicas nunca nascem es­ pontaneamente, e nunca tkisapareccm ime­ diatamente. Como encontrar uma causa natural, quando se trata de materializações e de re­ constituição anatômica de certas formas vi­ vas, — membros ou fantasmas inteiros? Qualquer investigador imparcial, sobretu­ do quando puder ler em vista experiências pessoais, reconhecerá a total impotência da teoria do subconciente. Nem vale apelar para processos análogos, naturais e biológicos, co­ mo o fato da geração. Analogias pouco pro­ vam e, ademais, em nosso caso, a analogia é puramente exterior. Na verdade, ambos os processos tem de comum que, por eles, é for­ mada uma espécie de figura viva. Mas o ser — 193 — vivo natural e o fantasma espirita são total­ mente diferentes em todas as suas fases.

B) E ESTES SO’ PODEM SER OS MAUS- ESPÍRITOS OU DEMÔNIOS DA CONCE­ PÇÃO CATÓLICA.

Quanto aos fenômenos psíquicos. Aceitando, como certos, os casos de co­ municações sem meios naturais e, sobretudo, os casos de previsões do futuro, ninguém es­ tá obrigado a atribui-los à inspiração divina. Conquanto a razão humana não possa prever os acontecimentos futuros, podê-lo-á. com grande probabilidade, uma inteligência supe­ rior, — criada, — que poderá tambem revelar o futuro próximo a qualquer pessoa de seu agrado. A circunstância de se tratar, às vezes, de atos livres, não é de suma importância. Conforme nos ensina a experiência, mes­ mo esses atos estão, a-miude, tão intimamen­ te ligados à índole do individuo, e tão cone­ xos com as condições externas, que podem ser previstos com certeza moral e fundamentar uma certa estabilidade estatística. E’ pelo estu­ do desta estabilidade e daquela certeza moral, que a História é considerada uma Ciência e não uma simples narração de fatos. Ora, quem, acima de nós e abaixo de Deus, percebe incomparavelmente a conexão das coisas, — causas e efeitos, — são os espí­ ritos. bons ou maus, angélicos ou diabólicos. Uns como outros estão em condições de pre­ ver esse futuro previsível, e de revelá-lo aos — 194 — homens, havendo permissão divina. Portanto, conforme forem as circunstâncias, poder-se-á concluir, acerca de certas profecias profanas, que houve inspiração diabólica ou angélica. Da mesma forma, a respeito de certos casos de segundo vista: se as revelações superam a inteligência humana, hão-de ser interpreta­ das segundo este critério. Aliás, alguns visionários parecem possuir pre-vidência puramente natural. Sonhos pro­ féticos e casos extraordinários de psicometria devem ser julgados de acordo com as normas supra. Nem se dirá que, para explicar tais fe­ nômenos, bastam as causas naturais. Porque as forças naturais tem um limite. E aqui, co­ mo é evidente, esse limite já foi ultrapassado pelos fatos, em que pese aos simpatizantes da teoria pan-telepática. (143) E acerca de muitos fatos da vida dos san­ tos, um estudo exato mostra que só poderão ter explicação razoavel se se admitir inspira­ ção divina, mediata ou imediata. Quanto aos fenômenos físicos. Os fatos verificados em sessões experi- — 195 — capitulo antecedente, são tão estupendos que, por força, conduzem a esta conclusão: o prin­ cipio inteligente, que for a causa eficiente deles, há-de superar, de muito, qualquer es­ pirito humano, mediúnico ou não, e só pode ser um espírito. Postas estas considerações preliminares, podemos argumentar da maneira seguinte: Os fenômenos supranormais só podem re­ conhecer dois gêneros de causas: uma, — natural, — outra, — cxtra-natural. Mas vimos, 110 capítulo segundo, que tais fenômenos excedem as forças naturais. Logo, só podem ser produzidos por forças extra-na- turais. Ora, a causa cxtra-natural só pode ser uma das três seguintes: Deus, as alm as e ou­ tros espíritos. Ninguém, nem mesmo os espiritas, ousa atribuir os fenômenos à intervenção divina. Não os católicos: a majestada de Deus é obs­ táculo a que ele intervenha, direta ou indi­ retamente, em reuniões inteiramente profa­ nas, de caratcr particular e, às vezes, manifes­ tamente suspeito. Nem os espiritas: o Deus deles ê um deus longinguo e indiferente; se­ gundo eles, os espíritos agem com inteira in­ dependência do chamado “Criador.” Resta, portanto, que os fenômenos são causados pelas almas ou por outros espíritos. Mas não o são pelas almas, como o vimos 110 capitulo anterior. Logo, lião-de ser causados por outros es­ píritos. Mas os espíritos, — causa dos fenômenos — 196 — supranormais, — só podem ser os maus-es- pírilos da concepção católica ou biblia. Com efeito, os espiritas tambcm admitem a inter­ venção de maus espíritos; mas o mau espírito da concepção cardecista não existe. De-fato, nessa concepção, o espírito só pode ser mau "provisoriamente." E’ que os espíritos, dizem os cardecistas, estão em evo­ lução, e aqueles a que se dá o nome de maus são apenas inteligências grosseiras e imper­ feitas; ora, ninguém vê nexo necessário en­ tre esses dois conceitos: inteligência imperfei­ ta e maldade intrínseca ou conciente. Os es- píritos-maus, — ou são maus visceral e per­ manentemente, conforme a concepção bíbli­ ca, — ou não são maus de forma alguma. No mundo espiritual, não há grau intermediário de maldade. Ou o espírito é bom, definitiva­ mente. isto é, sem possibilidade de perder a bondade ou é mau definitivamente, isto é, sem esperança de tornar-se bom. Logo, se espiritos maus intervem na cau­ salidade dos fenômenos transcendentais, só podem ser os espíritos maus da concepção bí­ blica. Eis como, por exclusão, chegamos a des­ cobrir o demônio na base do sistema espirita. Mas lemos tambem provas diretas: é que a ação do demônio é conhecida. Devemos, pois, indicar os sinais que caracterizam a ação diabólica, quer sob influência física, quer sob influência moral. Dovemos ainda examinar se a ação do demônio se limita a uma época histórica ou se exerce através dos tempos. Antes, porem, de tocarmos esse derradei­ — 197 — ro assunto, temos obrigação de definir o nos­ so diabolismo. Daí os dois capítulos se­ guintes: A. - Em que sentido entendemos a inter­ venção diabólica no Espiritismo; B. - Sinais diabólicos que os fenômenos espiritas trazem consigo, c a ação diabólica através dos tempos. CAPÍTULO IV EM QUE SENTIDO ENTENDEMOS A IN­ TERVENÇÃO DIABÓLICA NO ÈSPIRITISMO I No tratarem do espiritismo, dividem-se os autores não-espiritas em duas grandes cor­ rentes : a) Uma que atribue os fenômenos supra- normais a forças naturais, conhecidas ou des­ conhecidas; b) Outra, que os atribue a inteligências do outro mundo, que só podem ser os maus espíritos, — os demônios. Quanto à realidade dos fenômenos: To­ dos os autores estão dc acordo nestes pontos: a) A maioria dos fenômenos é produto da fraude, do embuste e do truque. Quer di­ zer que não são fenômenos reais, mas pseudo- fenôm enos. b) A realidade de um pequeno número de fenômenos supranormais é incontestável. Quer dizer que há fenômenos supranormais reais. — 199 — Praz-nos citar, em comprovação, os auto­ res mais céticos que trataram do assunto: Fadre Hercdla, S. J.: “Não pretendo que todos os fenômenos sejam frau­ d u le n to s” (1 4 4 ). “Haverá fenômenos realmente supranormais? Em presença de todo o material acumulado durante sé­ culos, parece que se deve responder que sim”. (145). Padre Mainagc: “Confesso, simplesmente, e sem esperar o vere- dito definitivo dá ciôncia, confesso acreditar na ob­ jetividade dos fenômenos espiritas. Há mesas que giram e que falam. A escritura mediúnica não é inven­ ção de imaginações em delírio. Nem todas as apari­ ções são o resultado de halucinações falsas, nem todas as materializações obtidas pelo Dr. Geley são puras quimeras". (146). “Sob a condição de não encararmos o exame dos fenômenos com a idéia preconcebida de negar tudo, e sem sermos, de nenhum modo, obrigados a partilhar o ponto de vista espirita, podemos conceder um lu­ gar, no estudo filosófico da sobrevivência da alma, a este conjunto de fatos singulares, agrupados hojo sob o termo de metapslquica”. (147). IiUclcn Houre: “Já se disse repetidamente que. os fatos estranhos, desconcertantes, do espiritismo e do psiquismo, sob todas as suas formas, são tão nume­ rosos e atestados por testemunhas tão graves que, não admití-los, é renunciar a toda certeza histórica. Atri­ buir todos esses fatos a uma colossal mistificação, de-

(144) Pe. HEREDIA — O .Euplridumo e o Bom Sen- bo. Trad. da Livraria Católica, Rio dc Janeiro, 1926, pg. 98. (145) Id., ibidein. pg. 136. (146) TH. MAINAGE — La Rellglon Splrlte — Edi- tlon de la Revue des jeunes. Pg. 87. (147) TH. MAINAGE — L’Inunort«Uté — Passlm. — 200 — sembaraçar-se deles, em bloco, com as palavras de embuste ou halucinação, n&o é processo que a razão deva aprovar. Tal é o nosso sentimento”. (148).

Agora, se é falo que há tanla fraude no espiritismo, é fato tambem que nem tudo é fraude. Resta, pois, saber a percentagem que sc apura de fenômenos reais. Antes de tudo, afirmamos que os fenômenos reais são muito poucos. Lucio José dos Santos, repetindo quase as palavras de Lucien Roure, acima citadas, é da mesma opinião que nós: "Existem fenômenos espiritas? Algumas pessoas aceitam tudo; outras Tejeitam tudo. Nem uns nem ou­ tros tem razão. Atribuir todos esses fenômenos a uma colossal mistificação, sob o fundamento de que a maioria deles está nesse caso, não é possivel". (149). Conforme notou Lucien Roure, o grande prestidigitador Remy admitia um pequeno nú­ mero de fenômenos reais: “Parece impossível dizer que tudo, no espiritismo, seja fraudulento ou imaginado”. (150). Apenas Paul Heusé se recusa a admitir fenômenos reais de metapsiquica objetiva. E assim, coerentemente, aceita só os fenômenos supranormais psíquicos (metapsiquica subje­ tiva) e rejeita os supranormais físicos. (151).

(148) LUCIEN ROUKE — Le Merveilleux SplrHe — Paris. Gabriel Beauchesno, édlt., 1919, pp. 182. (149) LUCIO JOSE' DOS SANTOS — Uma sOrle do artigos do DIArio, de Belo Horizonte, sobre O Espiritismo. O trecho citado é do número de 18-10-1939, quarta-feira. (150) LUCIEN ROURE — Le Merveilleux Splrlte. pg. 218. (151) PAUL HEUS1Î — Où en cat Iq Métapsyclilqne. Gauthier-Vlllara. Parle, pg. 84. — 201 -

O já citado prestidigitador Rem y, “após 29 anos de estudos, de controvérsias, de ob­ servações e de experimentos pessoais, afirma que não é possivel cepticismo absoluto ante os resultados.” Julga que se pode atribuir à frau­ de, concientc ou inconciente, cincoenta por cento (50%) dos fenômenos espiritas. Quan­ to ao resto, refere quarenta por cento (40%) a causas fisicas naturais, e reserva apenas dez por cento (10%) ou mesmo uns cinco por cento a agentes preter-naturais. (152). O Padre Heredia, com lodo o seu cepticis­ mo, ainda supõe um ou outro fato que requer explicação prelernatural: “Por conseguinte, ficarão apenas poucos casos que não admitirão facilmente a possibi­ lidade de uma explicação natural.” (153). Os próprios espiritas reduzem muito o âmbito dos fenômenos reais. Geley diz que os bons médiuns são raros. O mesmo sentem R ichet ç outros. (154). Portanto, chegamos à conclusão de que uns poucos fenômenos reais, uns dez por cen­ to quando muito, não tem explicação natural. Não tiveram, até aqui, explicação natu­ ral satisfatória. Mas poderão tê-la um dia? Al­ guns autores respondem afirmativamente. Com efeito, os autores anim istas e anti-dia- bolistas afirmam, com visos de verdade, que ainda não conhecemos todas as forças da na­ tureza e apelam para as maravilhas da eletri-

(152) HOUIÍE — Le Mervelllenx Sulrlte. Pag. 218-21D. (153) Pe. C. M. DE HEREDIA — O EHpIrltlsino c o n«n Senso, pg. 101. (154) Cf. CARLOS IMBASSAHY — “O Espiritism o à lo* do« fato«”, Livraria Edlt. da FedcraçUo, 1935, pe. - 202 - cidade, — desconhecidas até há pouco tempo. E assim, — concluem. — o que se não explica hoje, explicar-se-á daqui a anos. Quanto a nós, achamos que os poucos fe­ nômenos reais, irredutíveis hoje, nunca po­ derão ser explicados por forças naturais. E’ que as forças naturais tem um limite. E esse limite nos é conhecido. A força de atração, por exemplo, compreendida na lei de gravi­ dade, só pode ser contrariada por uma força fisica maior. Ninguém poderá nunca fazer parar um pedra no ar só com um ato da von­ tade, ou só com a força do olhar. Alegam as maravilhas do rádio. Mas, an­ tes de ser conhecido, ninguém enviava mensa­ gens pelo ar, empregando uma força então desconhecida, e atribuindo o efeito a fatores preternaturais. Se a força era desconhecida, tambem não havia fatos produzidos por essa força. O contrário se dá nos fenômenos ocul­ tos. Há fatos sem força. O argumento: “Não conhecemos todas as forças naturais, e estas forças, uma vez co­ nhecidas, explicarão muitos segredos,” é usa­ do pelos racionalistas para rejeitarem os mi­ lagres de Cristo. “Jesús andou sobre as on­ das; entrou, a portas fechadas. 110 cenáculo; curou enfermos incuráveis”... Milagres. Mas não conhecemos todos os segredos da na­ tureza, dizem eles. A ciência explicará tudo mais tarde. Quem não vê aqui, em jogo, o sofisma dos racionalistas? Sim. Fatos há, irredutíveis, hoje e sem­ pre, às forças naturais, conhecidas ou desco- — 2©3 — nhecidas. É a opinião dos mestres. Ouça­ mo-los :

“Não é possível esperar que venham todos esses fatos a encontrar explicação natural, uma vez que muitos a tiveram já; porquanto, mesmo sem conhe­ cer todas as forças naturais, é possivel conhecer o li­ mite, alem do qual não podem ir. Há fraudes. Há fe­ nômenos naturalmente explicáveis. Há fatos irredutí­ veis às leis naturais". (155). “O espiritismo age na obscuridade mais ou me­ nos completa, no meio de uma assistência iniciada e favoravel. ^Há, porem, fatos reais. Como interpretá- lo? Há propriedades Interessantíssimas do corpo hu­ mano, que só foram conhecidas ultimamente, e cada dia se descobrem novas. Ora, poderemos esperar do futuro a explicação? Duvidamos. Certos fenômenos aparecem de tal modo contrários às leis naturais, que a sua origem preternatural é, pelo menos, vcrossi- mU”. (166).

Portanto, uns poucos por cento de fenô­ menos não podem ser causados por forças na­ turais. Logo, a causa deles só pode ser um agente extra-terrestre:

“Admito, pois, que, em alguns fenômenos, mui poucos, se manifeste uma inteligência, outra que não a do médium ou a dos assistentes”. (157).

/ Befo )Ho?lzoiUe"I

II QUEM É ESSE AGENTE EXTRA-TERRES­ TRE OU ESSA INTELIGÊNCIA? Não pode ser Deus, nem os anjos bons, nem as almas. Logo ó o demônio. A esta con­ clusão, para os poucos fenômenos, chegaram os próprios autores anti-diabolistas. Alguns d eles: “Nesta questão do preternatural, não se há-de admitir uma causa preternatural senão nos casos em que toda explicação natural for impossível”. (15S). “Outros autores afirmam que apenas um certo substratum, será devido à intervenção diabólica”. (1 5 9 ). “Do que fica dito não se segue que a explicação diabólica deva ser sistematicamente rejeitada”. (160). “Ninguém duvida que o espiritismo seja um ter­ reno propício à intervenção dos espíritos. Os próprios espiritas se gabam de estar em relação com o mundo dos espíritos desencarnados, que, já o vimos, só po­ derá ser o mundo dos espíritos maus. . . Certos fatos dos - mais perturbadores da história do espiritismo tendem a demonstrar que esta ação dos espíritos (maus) foi, algumas vezes, real”. (161). “Uma parte dos fenómenos deve ser atribuída & intervenção de agentes sobre-liumanos, que, segundo o que foi dito, só podem ser espíritos maus. Concebe-se mesmo, da parte deles, uma intervenção mais larga... quando se trata de estimular certas práticas que (158) Rev. PATRICK J. GEARON, O. C. C. -A Splrltlxraci Sn Fnllllte”. Paris, ed. Lcthlellcux, pa (159) Id„ Ibldcm. (160) D. OTÁVIO CHAGAS DE MIRANDA — «O»? 9 ndnwnoi Pxlqulcon e o Explrltlxmo pernnte n I*cri 1926, pç. 40-41. (161) LUCIEN ROURE — “ I.e M ervelllenx Splx PST. 336-337. — 205 — de ser para os humanos a fonte de tantas decepções, de desordens e de distúrbios”. (162). CONCLUSÃO. Os espíritos que aparecem nas sessões são os maus espíritos da con­ cepção católica. São os demônios. Aliás, os próprios espiritas admitem que, se algo há de real nos fenômenos, deve ter por autor o demônio. Com efeito, confessam que maus espíritos se imiscuem com os bons na escuridão das sessões. Esta é a doutrina de Kardec. E o sr. Im bassahy, espirita brasileiro, vai mais longe ainda. Diz ele: “Os demônios, os espíritos impuros da Bíblia, os áugures do paganismo, os deuses (que falavam pe­ la boca das estátuas), os gônios são simples nomes dados às entidades manifestantes”. (163). “Não importa o nome com que cada um batiza o fato supranatural”. (164).

A divergência, pois, entre os espiritas e nós está no sentido ligado às palavras alm a e espirito. Para nós, espírito é gênero e alma é espé­ cie. Assim, a alma é espírito num sentido, e o demônio o é em outro. Ou melhor: a alma e o demônio (ou os anjos) são espíritos, mas não no mesmo conceito ou em toda a extensão. Explicamos tambem a diferença, dizen­ do que os anjos e os demônios são puros es­ píritos, e a alma, não. A alma é forma subs­ tancial da matéria organizada, é pa rte do ho-

(152) LUCÍEN K O riíE — “ I.c Spirltixmc «Vnujour- (l'hul et «1’hler", ed Uccichesnc, pp. 92 e pg. 121. (103) CARLOS IMBASSAHY — ” 0 Explritlxino à luz üox futos», pg. 229. (101) Id., Ibidcm, pg. 229-230. — 206 — mem, ao passo que os espíritos puros não são formas substanciais nem são partes de ne­ nhum todo. Para os espiritas, ao contrário, alm a e dem ônio são espíritos no mesmo sentido. Alem disso, na doutrina católica, o de­ mônio é um espírito decaido e irremediavel­ mente perdido. Na doutrina espirita, todos os espíritos estão em evolução, e serão salvos ou aperfeiçoados um dia. Mas os espiritas estão em erro. Para provar que a alma e o demô­ nio são espiritos de natureza diversa, temos a fiiosofia. E para provar que o demônio é es­ pirito decaido c irremediavelmente perdido, temos a Bíblia. Assim, é doutrina filosófica assente que, se o espírito puro pode naturalmente manifes­ tar-se, a alma não o pode. (165). Baste-nos, p.orcm, a confissão dos espiri­ tas: “As entidades manifestantes são os de­ mônios, os espiritos impuros da Bíblia.” Mas será que o demônio intervem siste­ maticamente nas sessões, pela força de um rito? Não. Admitir isso seria admitii', em lar­ ga escala, um grande sistema de possessões diabólicas. A-propósito, diz muito bem o teó­ logo Patrick Gearon: “Julgamos que é impossivel admitir a teoria dia- bólica cm geral, sem admitir, ao mesmo tempo, quo 1 ?vrs. i*«s — 207 — Espírito enganador, de poder apenas re­ lativo dentro da criação, o demônio é capri­ choso. Tendo .ambiente preparado, intervem quando lhe apraz e se Deus lh’o permite. É o que pensam os Padres do Segundo Concílio de Baltimore e os senhores Bispos do Nor­ te do Brasil. Dizem os primeiros: “Vix clubltandum tamen videtur qunedam saltem cx ©ls a Satanlco lnterventu repetenda esse, cuin vix alio modo satis explicarl possint; isto é: Dificilmente se poderá duvidar que ao menos alguns desses fenô­ menos devam ser atribuídos à intervenção de Sata- áaz, já que dificilmente se poderão explicar de outro modo”. (166). E os segundos confessam: “Não nos custa pensar que, de-fato, alguma vez, nas sessões espiritas, se faça sentir a intervenção diabólica”. (167). Mas repugna-nos admitir que o demônio esteja ligado a um rito, de modo que apareça, sempre que seja invocado, com o nome de “evocação de tal espírito desencarnado.” Custa-nos admitir isto. Primeiro, porque, em tal hipótese, o demônio estaria sujeito aos homens, e, segundo, porque o demônio não precisa intervir fisicamente para ter os ho­ mens em sua sujeição. Admitimos, pois, um meio termo entre as teorias extremas. Em resumo: O demônio intervem mas os assistentes não sabem, previamente, quando

(1GC) Apud. HEREDIA — O Espiritismo e o Dom Senão, pç. 195. (167) Senhores Bispos do Norte do Brasil, «P astoral”, — 208 — é que ele vai intervir. A intervenção só se tor­ na conhecida post factum, depois do evento. Todavia, mèsmo que a presença física de Satanaz não possa sempre ser provada, o ESPIRITISMO É SEMPRE DIABÓLICO, por­ que o demônio cxcogitou meios de estar pre­ sente, — fisicamente, algumas vezes, — mo- ralm enle, as outras vezes.

O ESPIRITISMO É DIABÓLICO:

a) Pelo ambiente das sessões, — ambien­ te de nervosismo, de hipnose coletiva, de te­ mores; b) Pelas circunslâncias de lugar e de tem­ po que envolvem as sessões; c) Pela instituição do médium. Trataremos dos dois primeiros itens num só artigo, e do terceiro ein artigo separado.

Art. I.

a) Quanto ao ambiente. Haja médium ou não, o fato de algumas pessoas se reunirem cm torno de uma mesa, e esperarem comuni­ cações com o invisível, cria um estado nervo­ so nos assistentes em geral, estado que pre­ dispõe para a loucura, para o suicídio, para todas as aberrações, e, sobretudo, para o trans­ torno da Lógica Natural c negação das doutri­ nas religiosas puras e tradicionais. O espirita tem uma lógica diferente da dos outros ho­ mens, e seu cérebro se torna impermeável aos raciocínios faceis e sadios. É um homem — 209 — evadido do senso comum. Daí, a dificuldade de um espirita vir a abandonar as suas prá­ ticas supersticiosas. b) Quanto às circunstâncias. É certo que a luz ou as trevas materiais não podem ter nenhuma influência no poder do espírito do outro mundo. Da luz mais intensa às trevas mais opacas não há mais do que uma ques­ tão de graus. Mesmo entre os animais, o que é escuro para uns, é claro para os olhos de outro. Para o espírito, portanto, não há dife­ rença entre a luz e a treva deste mundo. Por conseguinte, o demônio iião precisa da treva para agir. Pode aparecer tanto de noite como de dia, tanto em meia claridade como à luz viva. Entretanto, fez crer a seus adeptos que a escuridão ou a pouca claridade são condi­ ções necessárias para a produção dos fenô­ menos. Conseguiu convencê-los de que o m é­ dium só pode emprestar o seu fluido ao es­ pírito, se agir à noite e com pouca luz. E os imbecis acreditaram. Compararam mesmo os fenômenos espiritas com certos fenômenos químicos que só se realizam à noite, ou na au­ sência da luz direta; por exemplo: o despren­ dimento do gás carbônico, das plantas. Por que essa tática de Satanaz? Simples­ mente porque a luz prejudica os seus inte­ resses, e as trevas os favorecem . As sessões noturnas, portanto, realizadas quase ao escuro, com promiscuidade de ma­ chos degenerados e dc fêmeas histéricas, são dc criação nitidamente diabólica. 0 diabo aí — 210 — está sempre presente, embora nem sempre apareça.

Art. II.

QUANTO AO MÉDIUM O demônio, teoricamente falando, não precisa de intermediários. Provam-no as suas aparições espontâneas, a Cristo no deserto, e aos homens, várias vezes, como consta da his­ tória. Para a organização, porem, de uma Re­ ligião ou Sistema de comunicações, a Insti­ tuição do M édium foi necessária. O m édium : Primeiro, serve para ocultar Satanaz; c, segundo, é o seu procurador bastante no ca­ so da ausência do Chefe. Assim, podemos definir o médium: PESSOA EM PRESENÇA DA QUAL OU POR MEIO DA QUAL O DEMÔNIO OPERA FENÔMENOS TRANSCENDENTAIS. O m édium é: A — Pessoa em presença da qual o de­ mônio opera fenômenos transcendentais. M axwell tambem entendia que o agente dos fenômenos era outro que o m édium , sen­ do este apenas uma condição para os fenô­ menos : “M édium , — diz ele, — é a pessoa em pre­ sença da qual podem ser observados os fenô­ menos psíquicos.” (168)

(168) Citado por CARLOS IMBASSAHY — «O E spiri­ tismo & lus do« Fato«”. PÇ. 165. — 211 — Neste caso, o m édium não opera. Fica imó­ vel, como extático, no seu gabinete, ou no meio dos assistentes. Quem realiza os fenômenos é o demônio em pessoa, e os fenômenos, então, excedem as forças naturais. É assim que a força da gravi­ dade, a lei da inércia e o poder de percepção dos orgãos sensoriais do homem são impedi­ dos por forças contrárias, acionadas por agente invisível: é o caso de Eusápia Palla- dino, Rudi Schneider, Maria Silbert, etc. O estado de inconciência e inibição men­ tal em que cai o m édium , é efeito da união :oom o espírito do Alem. É o que se chama, geralmente, transe; o m édium é um quase possesso, senão um possesso total. Os pró­ prios espiritas confessam que a possessão dia­ bólica, cujos sinais são descritos no Ritual Ro­ mano, está muito próxima do estado de tran­ se. (Cf. Ritual Rom., Tit. XI, c. I, n.° 3. Carlos Imbassahy escreve: "Por esse fenômeno o espírito so incorpora ao médium, por cujos sentidos se manifesta”. (1G 9). E, à pagina 3S0, descreve a me- diunidade do médium MirnbclU como verdadeira pos­ sessão diabólica, tanto assim que a aproximação do exquisito personagem causa a todos verdadeira re­ pulsa. Todavia, somos levados a declarar que vemos alguma diferença entre o transe me- diúnico e a possessão diabólica do Ritual. 0 transe não traz, geralmente, o sofrimento fí­ sico que, às vezes, acompanha a possessão. O

(169) CARLOS IMBASSAHY, opus cltatum , pg. 427. — 2)2 — transe é fenômeno passageiro da parte do es­ pirito, e voluntário da parte do m édium , o que se não dá na possessão. Por isso, o tran­ se deveria chamar-se antes uma usurpação e o sujeito usurpado, pois o espirito não está como quem julga ter direito de posse (pos- séssio). (170). Do que ficou dito acima se conclue que, na presença do m édium , entregue a este esta­ do de transe mediúnico, o demônio realiza fenômenos que, evidentemente, excedem as forças naturais. Mas alem desses fenômenos, ainda existe outro mais estupendo: o da m a­ terialização. Sobre este devemos notar o se­ guinte: As aparições das alm as e dos espíritos podem explicar-se de dois modos: a) O espirito age na imaginação do vi­ sionário, e este julga ver externamente o que, na realidade, só existe na sua fantasia. É o que se chama Visão Imaginativa; b) O espírito se manifesta externamente por meio de uma forma material que im­ pressiona os orgãos visuais do vidente. É o que se diz Visão Corpórca-Real. Este segundo modo está mais de acordo com as faculdades psíquicas do homem, so­ bretudo quando a visão é prolongada, e quan­ do são muitas as pessoas que veem o fanlas-

(170) Diz PATJIICK GEAIION: "Os esforços do m6- dium podem ftcarreUir esgotamento nervoso: mas, geral­ mente. nilo lid. nenhum sinal de sofrimento agudo, nenhum traço de tormento. Não se lhe veem essas ferozes con- torsões da face que, de ordinário, acompanham a posses­ são. “I.e Splritl.sme: Su Fnlllite”, pg\ 1:)2. — 213 — ma. Deve ser o caso da materialização espi­ rita. (170, a). Neste caso, como o espírito, naturalmen­ te. não pode ser visto, deve servir-se de m até­ ria criada, preexistente, para formar com ela o invólucro materializado, para formar um corpo momentâneo ou somente membros, mãos, cabeça, etc. É o que Lucien Roure diz com estas palavras: “A visão dos mortos não-ressuscitados e a dos pures espíritos é um aparecimento que consiste em certo arranjo de raios luminosos”. (171) e 171-a). E Santo Tomaz já havia dito o mésmo, nestes termos: “Neste caso, os anjos tomam verdadeiramente as aparências humanas: o que pode dar-se por ceita con­ densação da atmosfera, sob a ação divina". (172). Portanto, nas materializações espiritas temos duas hipóteses a considerar: a) O demônio toma matéria orgânica do médium, desagrega-lhe, por uns instantes, al­ guns milhões de células e com estas forma os membros da materialização. Toma células e não fluido, — a existência deste não está pro­ vada, — e isto explicaria a modificação so-

(170-a) Na Bíblia temos muitos exemplos de apari­ ções corpflrens-reais, como: Aparlçilo do anjo a Tobias, dos anjos às 660 pessoas logo apôs a Ascensio de Cristo, S. Gabriel a M aria SS., etc. (171) LUCIEN ROURE, In Cnthollc Encyclopedlo, New York, sub voce Vlalon. (171-a) Baltazar viu trís dedos de uma mâo invisível, escrevendo na parede as palavras Mané. Tocel, Farés. Cf. Daniel, 5:20. ^ (17£) SANTO TOMAZ DE AQUINO — »ummn Theol. — 214 — m ática do médium, inclusive a diminuição do peso. b) 0 demônio toma matéria orgânica fo­ ra do m édium , o que Santo Tomaz exprimiu com a expressão “condensação atmosférica.” É a hipótese que está mais dç acordo com a natureza decaida do demônio e o respeito de­ vido à pessoa humana do m édium . Neste ca­ so, o m édium é completamente alheio à ma­ terialização. O demônio não precisa do or­ ganismo do m édium . Não obstante isto, a presença do m édium continua necessária. O demônio fez crer, a seu adeptos, que o espírito só pode agir, ajudado por um m édium . Convenceu-os de que o m édium empresta fluido ao espírito e é por isso que cai em transe. É para fazer acreditar tudo isso, que o demônio teria, então, diminuido o peso físi­ co do m édium , durante as operações. O demô­ nio, com efeito, para materializar-se, no caso da segunda hipótese por nós estabelecida, não precisa de matéria orgânica do m édium . Nem este poderia perder quase metade de seu peso, sem sofer desequilíbrio molecular. Uma pessoa que, num instante, perdesse vin­ te ou mais kilos de peso, morreria de inibi­ ção. Logo, — conclusão forçada, — a perda de peso seria só aparente e não real, seria só na balança e não no corpo. É facil ao de­ mônio temperar as conchas ou os braços de uma balança, e fazer aparecer o peso, para mais ou para menos, que bem lhe aprouver. Neste caso, o transe ou êxtase mediúnico - 215 — seria consequência da presença ou da visão do demônio, e não condição prévia para ela. O m édium , ante a presença do Malvado, so­ fre forte abalo no seu psiquismo e, em segui­ da, cai em transe. A presença do m édium , portanto, disse­ mos atrás, continua necessária ainda nos ca­ sos em que o demônio age por si. Porque es­ tes casos, que são rarissimos, acreditam os outros casos, — cotidianos e costumeiros, — em que o m édium age sozinho, e em que o de­ mônio não está presente fisicamente, como veremos daqui a pouco.

Observações.

1.°) O demônio fez crer ainda, a seus adeptos, que, nas materializações, se alguem tocar nestas, pode prejudicar a saude do m é­ dium , pode, até, causar-lhe a morte. (173). “ .. .o neófito, para apanhar o embuste, co­ meteria erros graves, que poderiam, até. acarretar a mortç do sensitivo.” (174). O demônio não quer que alguem tente des­ mascarar as fraudes, porque estas tambem fazem parte do plano diabólico. Daí a proi­ bição de se tocar nas materializações. Puro engano. Seja o fantasma materializado real, ou não, não tem nenhuma ligação fisica com o corpo do m édium . Não se cita nenhum caso de m édium que m orresse em sessão, em vir­ tude da infração deste preceito, embora, al-

(173) IMBASSAHY, “O E rplrillsm o à luz doa Fntoa”, pg. 180. (174) Id„ lbldem, pg. 109. gumas vezes, houvesse desabusados que ten­ taram segurar as materializações. Quando muito, alguma dor de cabeça, efeito do desaponto. 2.°) Dizem tambem que a boa saude do m édium ajuda os fenômenos, e a saude má os prejudica: Le medium doit être en bonne santé, — é regra de Geleij. (175). Tudo isso, embuste de Satanaz. Tais im­ posições rituais tem por fim, justamente, fa­ zer crer que os fenômenos dependem do m é­ dium . A instituição do m édium era util e ne­ cessária à Nova Religião c, por isso, Sata­ naz tudo fez para tornar indispensável, ao menos no conceito de seus sequazes, a presen­ ça do chamado sensitivo.

B — O médium é, as mais das vezes, pes­ soa por meio da qual o demônio opera fenô­ menos transcendentais.

Queremos dizer que aqui o demônio não intervem pessoalmente. Fica de longe, ou es­ tá ausente, mas o m édium o representa, e o m édium que aqui opera é o mesmo que apa­ receu, como condição sine qua non, nos casos verdadeiramente supranormais. Por conse­ guinte, os fenômenos praticados aqui pelo m édium , sem o deçmônio, são atribuídos à mesma causa que os fenômenos praticados ali, pelo demônio, na presença do m édium .

(175) Apud CARLOS IMBASSAHY — “O Espiritism o à Inz dos Futoa”, pgs. 1S2 e 186. — 217 — Por conseguinte, o m édium é pessoa que, devido à sua constituição fisiológica especial, produz fenômenos sem recurso a um poder fora da natureza. Esses fenômenos não são propriamente transcendentais. São, todavia, anorm ais. porque são atos da psicologia anormal. Esse ponto deve ser explicado: Em casos psicológicos anormais, dá-se, no homem, a dissolução dos psiquismos. (176) O psiquismo superior, dissociado, anu­ la-se, e o psiquismo inferior passa a dirigir sozinho os atos mentais. Então, o homem faz, inconcientemente, coisas que nunca poderia fazer no estado de conciência, ou que só faria imperfeitamente. Resolve problemas mate­ máticos, compõe músicas inspiradas, faz poe­ sias admiraveis. Devido à dissociação dos psiquismos, em estado de sonambulismo natural, Fartini compôs a sua sonata “Diabo", La Fontaine a sua poesia “Les denx Pigeons” e Voltaire m o­ dificou todo um canto da sua Henriade. (177) Em sonambulismo mediúnico, Andrew Jack- son D avis ditou o seu livro “The Principies of N ature” (1847), que é todo feito de remi­ niscências de Swendenborg. (178) Em consequência da dissociação dos psi­ quismos, o homem age por instinto, e é sabi­ do como o instinto é, muitas vezes, mais sábio do que a inteligência. É neste caso de psiquis-

(176) Cf. GRASSET — Iiléea Médlcnlea, de pas. 1 a 27. (177) GRASSET, Ibidem, PS. 5. (178) Cnthollo Uncyclopedla — New York — s. voe. BpIrltUm. — 218 — mo inferior dirigindo o homem, que as idéias e os sentimentos, até então em repouso no subconciente, vem para o plano da frente e passam a governar o homem. O subconcien- te, plano inferior da conciência. “andar-ter- reo” da mentalidade, foi reconhecido pelos antigos neo-platônicos e, .ultimamente, reto­ mado por Freud e seus discípulos. (179) A dissociação dos psiquismos se dá em vários casos, sendo, umas vezes, parcial, e, ou­ tras vezes, total. É parcial em estados men­ tais de anormalidade não aguda, como em certos delírios febris, e em momentos em que o sujeito não se esforça por unir os dois psi­ quismos, — por exemplo, na distração, na abs­ tração, na atenção intensamente dirigida para um dado assunto. Foi assim que Napoleão, no fragor da batalha de W agran, desceu do ca­ valo e, esquecido do momento, se pôs a co­ lher flores distraidamente. (180) É total, so­ bretudo, no SONAMBULISMO, quer natural, quer artificial. O Sonambulismo artificial é o que se chama, em linguagem técnica, hipnose. (17D) Foi P atrick Genron, cremos nós, quem prim ei­ ro notou que a doutrina do subconciente Já tinha sido exposta por Santo Agostinho e outros. Disse Santo Agos- “Entro nos vastos domínios e nos vastos palácios de minha memória onde estão os tesouros de Infinitas Im­ pressões trazidas por objetos sensíveis de toda espécie. AI dormem todas as reflexões feitas por nós: todo desen­ volvimento, toda redução, toda modificação das coisas que os sentidos atingiram e que o esquecimento ainda não nhsorven nem sepultou”. Confissões, llv. 10, c. 8. S. Ber­ nardo, em Tratado da Concléncla, c. I. diz a mesma coi­ sa. Portanto, só o nome de subconciente ê que é novi­ dade. E mesmo quanto ao nome não há completo acordo entre os modernos. Myers preferia dizer enb-Umlnal. Cf. PATRICK J. GEARON — Le Sptrltlsme. 9a r*IUKe, — pg. 97-98. (180) Apud GRASSET, op. clt., pg. 7. — 219 —

Ora, ninguém ignora que o transe é uma hipnose. É, muitas vezes, hipnose espontânea, devida à constituição mórbida do sujeito, c, outras vezes, provocada. Quando o m édium custa a cair espontaneamente em hipnose, es­ ta lhe é imposta ou provocada; depois diso- so, cairá espontaneamente nela, desde que concorram as mesmas circunstâncias que cer­ caram o primeiro transe: expectativa dos pre­ sentes, silêncio, luz apoucada ou luz verme­ lha, música, religiosa ou profana, etc. Então, ou quase sempre, o transe é uma AUTO-HIP- NOSE. Um dos diretórios de sessões espiritas, que temos em mão, consagra capítulo inteiro ao Sonambulismo. É daí que colhemos estas preciosas confissões: “E' de máxima Importância, pois, que as faculda­ des mediúnicas de qualquer pessoa se.jam elevadas sempre, constantemente, para a mais alta esfera da força psíquica por meio do sonambulismo. “Daqui resulta que é de grande vantagem para os círculos espiritas procurarem transportar para o estado sonâmbulico, não só o médium, como tantas pessoas, quantas seja possível’’. (181). “O hipnotismo tambem oferece vantagem para o desenvolvimento da mediunidade, pois que, como no magnetismo, tambem pode o sonambulismo elevar-se, por meio dele, ao seu mais alto grau”. “Dal se çonclue que é de máxima importância a

(181) HANS HA RN OLD — SessSes Espirito» — T rad da Em presa Ed. "O Pensam ento”. S. Paulo, 1938. Pg. 30 e seguintes. — 220 — existência de um magnetizador ou de um hipnotizador, nos cfrculos espiritas em formação”. (182).

O mais erudito dos espiritas brasileiros, Carlos Imbassahy, tambem identifica transe com hipnose; diz ele: "O transe vai do simples desprendimento ao so­ no profundo. E’ nos graus adiantados da hipnose, e com sujeitos especiais que se verificam, em via de re­ gra, os bons fatos espiritas.” (183) Portanto, conhecidas as maravilhas da PSICOLOGIA ANORMAL, e sabendo-se que esta é que governa e domina as sessões espiri­ tas, nada de admirar que se deem, nessas sessões, casos assombrosos de telepatia, de psicometria, de televisão, de memória regres­ siva, etc. As idéias sub-concientes dominam todo o âmbito da vida mental. E disto temos exemplos fartos e comprobantes. Heleno Smith, o médium do prof. Flomnoy, com­ põe, em transe, toda uma curiosa linguagem, que atri- bue aos habitantes do planeta Marte. Essa linguagem, entretanto, nada mais é do que um francês transfor­ mado. Helena lera, em tempos idos, uma antiga histó­ ria da índia, escrita por Marlès, em 1822. (184). Isto lhe inspirou, em transe, um complicado romance so­ bre a princesa Simandlnl, que fora esposa de Sivronka Nayaka, príncipe de Kanara, em 1400 de nossa era. Como fizera a respeito dos marcianos, Helena atribue

(182) Idom, ibidem, p*. 38. (183) CARLOS IMBASSAHY — “O Eaplrltlam o A lua do» Fatoa” — Pa. 234. (184) MARLÉS — HUtolre de l'Inde Anelcnne — Pa­ ris, 1828. — 221 — aos Indús uma linguagem difícil e incompreensível, o que bem prova a intrujice de um médium espirita, pois é sabido que todas as línguas da índia, ainda a3 mais remotas, são bastante conhecidas dos filólogos modernos. Tendo na mente, em estado de vigília, à crença da reencarnação, vários m édiuns hip­ notizados criaram romances relativos a suas “pretendidas” existências passadas. Foi assim que Mndnnie J., hipnotizada pelo coro­ nel Albert do Rochas, descreveu dez vidas anteriores “que ela teria vivido''. Helena Smitli, tambem, hipno­ tizada por Flournoy, diz ter sido primeiro a princesa Simnndini, no século XV, e, depois, Maria Antonicla, no século XVIII, e, fantasiosa, refore coisas interes­ santíssimas que se teriam dado nesses tempos idos. Estes, como todos os casos de regressão da memória, observados pelos hipnotizadores Marata, Bouvier e tíertrand, nada mais são do que criações que o sub-conciente arqui­ teta com elementos confusos, armazenados no estado de vigília. Queiram ou não os espiritas, o sub-con- eiente, posto em atividade durante o tempo dc dissociação dos psiquismos, dá a chave de quase todos os fenômenos subjetivos. Explica muitos casos tidos por assombrosos pelos lei­ gos em psicologia anormal. Esses casos, se fos­ sem realizados por um Santo, não poderiam, hoje-em-dia, ser tidos como milagícs; se fos­ sem, tambem, realizados por uma pessoa qualquer fora de uma sessão espirita, seriam anormais, mas não supranormais. Praticados, porem, numa sessão espirita, tem ligação mo­ — 222 — ral com os fenômenos transcendentais que aí, por ventura, se praticaram em outras oca­ siões. 0 m édium , portanto, não passa de uma pessoa de psicologia anormal, pessoa que, pe­ lo hábito ou por estado mórbido congênito, fa­ cilmente dissocia os seus dois psiquismos. Quando em transe, isto é, quando caido em auto-hipnose, o m édium é um cérebro per­ meável aos pensamentos dos presentes. Lê nos pensamentos. O demônio não está pre­ sente fisicamente, nem isto lhe é necessário, porque ele tem o seu representante-capaz, — o m édium . Os próprios autores espiritas notaram que a chamada mediunidade pode ser, mui­ tas vezes, estado mental natural. É de Léon D enis: “Em certos casos, vê-se aparecer em nós um ser muito diferente do ser normal, possuindo não apenas conhecimentos e aptidões mais estensas que as da per­ sonalidade comum, mas, alem disso, dotado de mo­ dos de percepção mais poderosos e variados. . . ” “Cumpre fazer bem a distinção entre esses casos e os fenômenos de “Incorporação de defuntos”. (1S6). A literatura espirita está cheia de episó­ dios interessantes, — maravilhosos para um espirita, porem naturais para um psicólogo moderno. Este caso, por exemplo: Hodgson, australiano, tendo sido noivo de uma moça com quem não pudera casar-se, vai para a Ingla-

(185) LÊON DENIS — Le Probléme de 1’Être et de la Deatlnée, citado por Imbassahy, o Eaplrltlam o. pg. 388-389. — 223 — terra. Um dia, em sessão espirita, a senhora Piper, em transe, lê na mente de Hodgson toda a história de sou antigo noivado. O interessante é que, contan­ do essa história, Piper se julga em comunicação com a própria noiva de Hodgson, e dos relatos não consta certo que essa noiva já houvesse falecido. Mesmo, po­ rem, que esta última hipótese se houvesse realizado, a presença de Hodgson na sessão é suficiente para ex­ plicar a leitura de seus sentimentos pelo médium hipnotizado. (186).

Observação.

É comum ouvir-se falar em médium for­ te, em bom médium, ele. De-fato, os m édiuns não são todos iguais. Quanto mais facilmen­ te puder um m édium dissociar os seus psi­ quismos, e quanto mais profundamente cair na hipnose, tanto melhor m édium e mais for­ te será, porque realizará fenômenos mais es­ tupendos e com mais prontidão. Tambem na hipótese da intervenção do demônio nos fenômenos, ainda é exata a ex­ pressão médium forte ou fraco. O demôuio tem os seus m édiuns prediletos, — os mais sensitivos, — os que se lhe entregam sem re­ serva nenhuma, mesmo sem terem conciên- cia disso. Esses são os bons médiuns.

Já que identificamos o transe com a hi­ pnose, e dissemos que ele não passa de uma auto-hipnose, cumpre digamos algo sobre o HIPNOTISMO.

(ISO CARRINGTON — The llUtory of Paychlc Scien­ ce, citado por Imbassay. — 224 — Por hipnotism o ou hipnose entendemos um “sono nervoso induzido por meios artifi- ficiais e externos.” (187) Atribuem-se-lhe dois gêneros de efeitos: A ltos e com uns; os primeiros constituem o HIPNOTISMO TAUMATURGO e parecem re­ querer um autor preternatural; entre eles es­ taria a xisão à distância, a autoscopia e a lie- teroscopia (ver os orgãos internos próprios ou alheios), a visão através de corpos opacos, a epigaslria ou transposição dos sentidos, co­ mo ver com o ventre, ouvir com as mãos. Os efeitos comuns constituem o HIPNOTISMO FISIOLÓGICO e parecem não exceder as for­ ças naturais: obediência total, halucinação, so­ no hipnótico, etc. O hipnotismo foi estudado por dois gru­ pos de sábios: a Escola de Paris ou de La Sal- pêtrière, chefiada por Charcot, e a Escola de Nancy, chefiada por Bernheim. Não confundamos Magnetismo com Hi­ pnotismo. O primeiro admite que o sono é provoca­ do por um fluido humano, que sai do corpo do agente e penetra no cérebro do paciente. E’ tambem chamado magnetismo animal, zoo- m agnetism o ou mesmerismo. (188) O segundo ensina que o sono induzido por sugestão ou auto-sugestão. Leva tambem

(187) SURBLED, In Cntholic Encyclopedia, art. Hyp. (188) Zoomagnetlsnio, do gr. zoon, — .mimai. Mcxmc- rlsrao 0 derivado do nome próprio Mcsmer. Franz Mcs- mor, autor dn teoria do magnetismo, nasceu em 1733, cm Viena, Austria. Morreu em 1815. o nome de neuro-hipnotismo ou braidis- m o. (189) Já os antigos conheceram os fenômenos principais do hipnotismo. A cris talo maneia nada mais era do que o hipnotismo praticado mediante a visão atenta de um copo de cris­ tal. 0 livro do Gênese se refere a uma taça de cristal que servia para augúrios (190) O magnestismo ou mesmerismo parece destituído de base cientifica e está hoje aban­ donado. A existência do fluido animal não foi ainda demonstrada. O hipnotismo admite três fases: Letargia, — sono profundo, imobilidade; Catálepsia, — inflexibilidade do corpo, rigi­ dez muscular; e Sonambulismo, — vigilia aparente. O sonambulismo, a que reduzimos o tran­ se, de acordo, aliás, com a própria confissão dos espiritas, é uma vigília aparente. O su­ jeito anda, fala, opera, — tudo sob o impé­ rio do hignotizador. E’ um autôm ato. Um vi­ sionário. Vê com os olhos fechados. Vê, entre muitas pessoas, apenas aquela ou aquelas que o hipnotizador quiser. O hipnotismo é um caldo de cultura apto para todos os fenômenos da PSICOLOGIA — 226 —

ANORMAL. É. sobretudo, o clima natural da TELEPATIA. Já vimos, com efeito, que a te­ lepatia experimental, ate aqui, só deu resul­ tado quando praticada com hipnotizados, is­ to é, com m édiuns em transe. Os casos de icom zação (francês: Envoûtement), (191) de psicometria, de exteriorização da sensibilida­ de, — demonstrados pelo cel. De Rochas e por outros, só o foram em pacieutes hipnotiza­ dos, e isto evidencia o poder estranho que há no hipnotismo. Iuutil querermos compreender a natureza- za intima do hipnotismo. Patrick tíearon con­ fessa que, mesmo sem ter nada de diabólico, o hipnotismo constitue ainda hoje um misté­ rio. (192) “O sono nervoso, com os ostranlios e múltiplos fenômenos que o acompanham, não é compreendido à luz de nossos atuais conhecimentos”. Surblcd acrescenta: “E’ prática perigosa, senão moralmente detestável. Todavia, a Igreja, sempre pru­ dente nos seus julgamentos, só condena os abusos do hipnotismo, deixando caminho aberto para as pesqui­ sas cientificas. (193). O HIPNOTISMO FISIOLÓGICO, portan­ to, conquanto seja fenômeno natural e nada tenha de diabólico, c o maior e o mais eficaz auxiliar do espiritismo. Graças ao liipnotis-

(191) Envoûtement, cm francês, 6 a transferência da sensibilidade de uma pessoa para a sua Imngem, em cera, geralmente para Intuitos maléficos. Criamos, para esta noção, o termo grego Iconlznçüo, de leon, — Imagem. En­ voûter, — Iconlzar. (192) PATRICK GEARON, opus cltatum , pg. 10S. (193) SURBLED, ln Cotholic Encyclopedla. — New York, s. v. Uvpnotlam. — 227 — mo, — provocado coletivamente nas sessões, — estas se enchem de fantasmas, de espíritos, de ectoplasmas, e se ambientam de nervosis- mos e “presenças” fantásticas. Graças a ele, a telepatia aí reina. Graças a ele o DESDOBRAMENTO DA PERSONALI­ DADE do m édium e dos assistentes faz pro­ dígios. Em todas as personificações que se di­ zem aparecer nas sessões, já M axwell acredi­ tava encontrar a mentalidade do m édium e da assembléia, ou as suas conciências, amal­ gamadas e intercompcnetradas, — graças à hipnose coletiva c frequente ” (194) Até aqui temos estudado duas hipóteses relativas à instituição do m éd iu m : a) Uma em que o médium é pessoa c/n presença da qual o demônio opera fenômenos supranor- m ais; b) outra em que o médium é pessoa por meio da qual o demônio opera os mesmos fenôm enos. Tanto numa hipótese como na outra, o médium-pessoa pode ser substituído por uma Mesa. Então, a mesa é que é o m édium . Faraday (1853) e G arpenler foram os pri­ meiros que se lembraram de explicar o fenô­ meno das mesas girantes pelos movimentos musculares inconcientes (muscular action), movimentos provindos do m édium e das pes­ soas que tomam parte na operação. (195) Es­ ta teoria conquistou terreno em meios cien-

(194) LUCIEN ROURE — Le Merveilleux Splrlte — pg. 193. (195) Cnthollc Encyclopedlo» New-York, art. Splrltlam. — 228 — tíficos. Mas hoje é tida como insuficiente pa­ ra explicar os complicados fenômenos da me­ sa. Observa Lucien Ronre: “Enquanto os movimentos só eram obtidos me­ diante contacto, tínhamos o direito de explicá-los pe­ la teoria dos movimentos inconcientes. Hoje, tal teo­ ria já não pode ser considerada como suficiente, e é claro que, no caso das mesas girantes, intervem fre­ quentemente uma força ainda mal definida”. (196). Para nós, que não temos medo de expres­ sar alto o nosso pensamento, essa força está bem definida. Com efeito, é sabido que, mui­ tas vezes, a mesa dá oráculos, até em língua estrangeira, sem a presença do médium-pes- soa, mas apenas suscitada pela “corrente” das mãos dos crentes. Portanto, ou diremos que todos os presentes são m édiuns ou que o m édium é a mesa. E’ verdade que quase to­ dos os médiuns operam com mesa. mas há casos cm que dispensam a mesa, e, vice-ver­ sa, a mesa pode operar sem a presença de um m édium . Allan Iíardec tentou resolver uma dúvi­ da que ocorre a muitos autores católicos: “Por que mesa e não outro m ovei qualquer, por exemplo, um banco, uma canastra? E por que mesa de m adeira e não de outra ma­ téria, por exemplo, pedra, metal?” “E’ porque, — diz ele, — a mesa, e m e­ sa de madeira, é o movei mais comum, que nunca falta, nem mesmo numa casa de gente pobre. Assim, sempre haveria facilidade, pa-

(196) LUCIEN ROUHE — Le Merveilleux Splrlte — pg. 105. — 229 — ra todos, dc se porem em comunicação com o Astral.” Isto, porem, observou aquele corifeu, não obsta a que se possam obter fenômenos com uma mesa de metal, ou com um banco de pe­ dra, como aconteceu com ele mesmo no wso da cesta. O seguinte episódio da vida de Eusápia Palladino é referido por escritores espiritas. Não lhe garantimos a autenticidade, mas, se tiver sido real, prova duas coisas: que não é só com mesas de madeira que se obtem fenô­ menos, e que o autor destes é um espirito mau.

“Sucedeu, então, um fato extraordinário. Em pleno dia, viram todos, na sala, duas longas linhas de matéria branca sairem das mãos de Eusápia, e es­ tenderem-se até alcançarem a mesa. Quando as linhas esbranquiçadas tocaram a mesa, esta começou a balan­ çar. Era uma mesa grande, pesadíssima, formada a parte superior de uma só peça de mármore de Car- rara. “A princípio, mexeu-se fracamente, depois rapi­ damente; e, com espanto geral, parecia impelida, por força irresistível, na direção do major Davis. “Palladino não se movera da posição que toma­ ra, no centro da sala: estava ali como uma estátua, suas mãos estendidas na direção da mesa, porem com uma expressão vaga nos olhos, como se não a inte­ ressasse o que se estava passando. “A mesa aproximou-se rapidamente do major I)nvis. Este ainda estava soprando as fumaças de seu enorme charuto, com uma expressão de incredulidade estampada no rosto. A extremidade da mesa alcan- çou-o e começou a imprensá-lo de encontro a uma - 230 - outra mesá de carvalho, que estava atrás dele. O ma­ jor Davls não se deixava vencer facilmente. Lutou enquanto pode para livrar-se da pressão, até que pediu socorro. Sir Fletcher Moulton, — o eminente advogado e eu, — diz Cheiro; — fomos em seu auxi­ lio. Esforçamo-nos por afastar a mesa, foi tudo lnuttl. Chamamos, então, quatro criados, homens fortes, des­ temidos; eles lançaram-se & tarefa, porem a pressão contra o major se tornava cada vez mais forte. "Não sabemos o que teria acontecido, — conclue o professor Cheiro, — se eu não tivesse agarrado En- sápla, e, arrastando a fragil figura, não a colocasse entre a mesa e o major. Ela parecia estar em transe, porem, desde que pfls as mãos no movei, começou a operar-se uma ação reversa: a mesa entrou a mover- se vagarosamente para trás, até que alcançou o pon- ío em que estava antes, e al parou”. (197). Quanto a nós, achamos que o demônio escolhe, de preferência, mesa de madeira, pe­ la mesma razão por que escolheu o m édium - pessoa, a saber: Pode ser que a mesa de madeira produ­ za efeitos que não excedam as forças natu­ rais. Pode ser que os raps seiam, portanto, provocados pelo fluido dos “correnteiros”, através das moléculas da mesa, fluido esse que seria o hipotético fluido humano, ainda não identificado. Nesse caso, ela reproduzirá o que está no sub-conciente dos ou de alguns dos presentes Fenômeno natural, portanto. Mas, para acreditar este fenômeno na­

do? 1 Prof. CHEIRO — Mynterlea nnd Romnnpca nf the World’» Grcr.(e„t Occultists, Llghí, 21-2-36. Citado DOr Im bassahy, pg. 338-339. — 231 —

tural e dar-lhe as aparências de preter-na- tnralidade, para fazê-lo seu, o demônio inter­ vem algumas vezes, e assim fica parecendo que a mesa é sempre um norta-voz do Alem. — tanto nos casos raríssimos de fenômenos transcendentais, — como nos casos, corriquei­ ros, que parece não excederem as forças na­ turais. Portanto, o pedir oráculos às mesas, con­ quanto seja prática antiquíssima, já do tem­ po de Tertuliano, é um culto diabólico, mero capítulo da necromância.

& CONCLUSÃO.

Há, no Espiritismo, fenômenos anormais reais. Desses fenômenos, alguns, — pouquís­ simos. — são supranormais. Quer dizer que excedem as forças naturais conhecidas e as “possibilidades mesmas” dessas forças. A na­ tureza fisica não os explica, nem os explicará iamais. Portanto, como repugna apelar para Deus e os Anjos, e como as almas não podem intervir, força é admitir a intervenção diabó­ lica. Esta intervenção não é apenas uma hi­ pótese, como querem alguns (198), mas, em nossa opinião, um fato positivo, demonstrá­ vel e demonstrado. Os outros fenômenos anormais, — nume­ rosíssimos e quase cotidianos, — não são su­ pranormais. Pertencem ao terreno da Psico-

(108) Pc. HEREDIA « todos os do sua escola, — 232 - logia Anormal e explicam-se naturalmente. Mas, — realizados no Espiritismo, — tem co­ nexão com os supranormais ou diabólicos e, por isso, são aproveitados pelo demônio e ser­ vem a seus desígnios. PORTANTO, O ESPIRITISMO É SEM­ PRE DIABÓLICO, já que o DEMÔNIO IN­ TERVEM NELE. — raras vezes, fisicamente, e nas restantes vezes, moralmente. CAPÍTULO V

SINAIS DIABÓLICOS QUE OS FENÔMENOS ESPIRITAS APRESENTAM, E A AÇÃO DIABÓLICA ATRAVÉS DOS TEMPOS

A. - Sinais diabólicos dos fenômenos es­ piritas.

Entre as manifestações divinas c as dia­ bólicas vai tanta diferença como entre a luz e as trevas. Deus é o Criador, infinitamente sábio, verdadeiro, justo, santo e poderoso. O contrário de tudo isso c o demônio, o anjo prevaricador, criatura rebelde e empederni­ da, astuto, mentiroso e hispócrita, alem de toda imaginação, inimigo implacavel de Deus e dos homens. É evidente que tudo o que faz, deve espelhar a origem, a perversidade c in­ capacidade diabólica. Pelos frutos se conhece a árvore. Vale dizer que o fruto traz a marca de seu prin­ cípio causal. Quem estudar os prpeessos e os resultados do espiritismo, não terá nenhuma dúvida quanto ao princípio causal dos fenô­ menos reais, que por ventura se apurem em toda a feitiçaria moderna. Os processos: mentira, embuste, perfídia, astúcia, ação nas — 234 —

trevas. Resultados: loucura, nervosismo, ob- cecação, ódio contra a Igreja Católica. Tudo isso denuncia um autor moral crue há-de ser o mesmo autor físico dos fenômenos espi­ ritas. Alem disso, as obras do demônio trazem outras marcas que servem para identificar, sem receio de errar, o autor fisico dos fenô­ menos. Citemos alguns sinais da ação dia­ bólica. 1.° Prodígios e não milagres. Como é sabi­ do, só Deus pode operar verdadeiros mila­ gres: mas esse poder, exclusivo da Divinda­ de, Deus costuma delegá-lo a seus humildes servidores; nunca, porem, a seus inimigos. O demônio bem o sabe, e consola-se de sua im­ potência. imitando os milagres com tal prodi­ giosa habilidade que chega a enganar os pro­ fanos. Mas os “prodígios” diabólicos não pas­ sam de simples contrafacções dos milagres divinos, c, se nos causam admiração, é por ignorarmos as forças escondidas da natureza e a dos próprios anjos decaidos, — força do Mundo Invisivel. Como distinguir o milagre divino do prodígio diabólico? Pela causa instrumental, nelo processo e pela cstensão da força expendida. A causa instrumental do milagre é, em geral, pessoa de costumes puros. É um Santo, conforme o termo consagrado pelo . uso. A causa instrumental dos prodígios, — e tais são os m édiuns, no caso vertente, — pode ser um velhaco qualquer, ou qualquer indivíduo de maus costumes. Os próprios autores espiritas. - 235 -

— Kard.ec, Richet, Flammarion, Imbassahij e outros. — confessam que os médiuns, na im­ possibilidade de produzirem verdadeiros fe­ nômenos. lançam mão da fraude: são trapa- cpiros. pois. E, conforme disse Imbassahij, não raro são rivais uns dos outros. Injuriam- se. São ciumentos. (199). O processo do milamre é sim nles: haven­ do necessidade. — manifestação do poder di­ vino. glorificação do nome de Deus, prova da origem de uma missão celeste, — o Santo invoca o nome de Deus, e faz o milagre em nome de Deus. Nunca em seu próprio nome. Tampouco procura as trevas. Nem ambiente sim pático. Nem circulo de ooucas pessoas. 0 Santo não alardeia poder. Muitas vezes, nem dá pelo milagre. S. João Bosco, conforme nos contou o Pe. João Scotti, de Itamonte, distri­ buiu uma cesta de avelãs, — (umas vinte ave­ lãs), a trezentos alunos, dando uma avelã a cada um. O Santo fez uma multiplicação de frutas e nem percebeu o milagre. Foi o Pe. João Scotti, então aluno,quem chamou a aten­ ção ao fato. Nada disso se verifica nos prodígios. Pri­ meiro, o m édium não atribue o “ fato” a Deus; não opera “em nome” de Deus; evita a luz. Seja ou não praticado no espiritismo, o pro- digio diabólico é sempre espetaculoso. O “ins­ trumento” prepara o terreno. Chama a aten- — 236 — rimentais de “prodígios”, — como fez Simão Mago e como fazem os m édiuns atuais. Estensão da força. O poder do demônio é limitado. Deus, — criador das forças, — po­ de suprimir a força natural, pode suspendê- la. Pode criar forças novas e contrárias. Deus só não pode fazer o que é “contraditório”: um circulo quadrado, por exemplo. Quanto ao demônio, este só pode servir-se das forças naturais existentes. E assim, o “prodígio” nun­ ca atingirá a estensão de um milagre: o de­ mônio não poderá nunca ressuscitar um mor­ to, nem fazer que o fogo não queime. O demônio pode “transformar”, mas não pode “transsubslanciar”. Pode, por ex., trans­ form ar uma estátua de Júpiter em estátua de Venus, mas não pode “m udar" uma está­ tua de m adeira em estátua de pedra. Não po­ de “mudar” água em vinho, como fez Cristo em Caná. Leiamos o texto sagrado:

“Aarão, pegando na vara, estendeu a mão e fe­ riu o pó da terra, e os mosquitos cairani sobre os ho­ mens e sobre os animais; todo o pó da terra se con­ verteu cm mosquitos por toda a ten-a do Egito. E os magos fizeram semelbantemente com seus encan­ tamentos para produzir mosquitos, e não puderam. . . Então os magos disseram a Faraó: O dedo de Deus está aqui”, (ftxodo, 8:1G-19). (200).

Vê-se, pois, que os magos, agentes do de­ mônio, puderam imitar as duas primeiras pragas, mas não puderam imitar as outras,

(200) A tradução do João de Almeida traz “piolho”, em vez de “mosquito”. — 237 — embora o tentassem. Isto prova que o poder do demônio é limitado. 2.° - A ação divina é marcada pelo ca- rater de seriedade e de sobriedade. “Não ten­ tarás ao Senhor teu Deus.” Por isso, o mila­ gre é raríssimo. Deus só o faz quando há uti­ lidade “real”, c para ensino dos homens. E isto, quando não é mais possivel o recurso às forças naturais. Dai, este outro característico da ação dia­ bólica : Quanto mais insensato e, ao mesmo tem­ po, ridículo é o fenômeno, tanto mais é cer­ tamente diabólico. Nesta categoria devem entrar os inúme­ ros fenômenos espiritas, que não tem motivo razoavcl dc se produzir, e que só servem para entreter curiosidades malsãs, como acontece com as mesas girantes, os raps, as materiali­ zações. 3.° - llogismo e imoralidades. As ações di­ vinas tem, entre si, uma ligação consequente. A sã razão e o respeito da ética presidem à sua realização. Deus é a suma verdade, digni­ dade e santidade. O demônio é mentiroso, iló­ gico, indigno e imoral. Tudo o que vem de Deus ou do demônio deve trazer os caracte­ rísticos de um e de outro. Ora, o espiritismo é um amontoado de contradições e imoralidades. Se, pois, de se­ melhante prática, nascem fenômenos trans­ cendentais, estes só podem ser produzidos pe­ lo demônio. 4.® - A instantaneidade é um carater da ação divina. Exceto os casos em que Deus - 238 ^ deixou a ação secundária ao encargo das cau­ sas segundas, — geração, fecundação, frutifi­ cação, evolução, etc., — sempre que Deus in­ tervem na natureza visivel, é instantanea­ mente. As materializações angélicas são realiza­ das sem perda de tempo. O anjo aparece a Maria e, em seguida, desaparece, suavemen­ te, como se isso lhe fosse natural. A ação do demônio, ao contrário, é, qua­ se sempre, sujeita a condições embaraçosas, como vemos a cada passo. As materializações, obtidas pelo espiritismo produzem-se, fre­ quentes vezes, gradativa, e tão lentamente, que Delaune cita um caso em que um homem não pode reconhecer a figura do espírito, da­ do como de sua esposa, senão após a sessão quadragésima terceira. Bracket, de seu lado, refere ter visto, nu­ ma sessão, um moço alto que se dizia irmão de uma dama presente. Tendo-lhe esta ob­ servado: “Como poderia eu reconhecê-lo, se só o conheci como criança?”, a figura dimi­ nuiu logo paulatinamente de talhe, até tor­ nar-se o rapazito conhecido antigamente por essa dama. Dir-se-ia que o demônio, para reconhe­ cer a sua inferioridade, só tem o poder de se manifestar gradativamente e como por saltos. Só assim se explicam as imprecisas manifes­ tações do Perverso. 5.° - A arma predileta do demônio é a mentira, o engano, o disfarce. Apresenta-se como anjo da luz e, o que apresenta, reveste-o com a aparência de verdade, de beneficência, — 239 — de caridade, de consolo e até de ternura. Atrai, sobretudo, por meio daquilo que lisonjeia os sentidos. Só assim consegue prender os ho­ mens, firmá-los no seu serviço e arrastá-los, enfim, para o abismo. Escreve S. Paulo: “Os seus falsos apóstolos são operários engana­ dores, que se transfiguram em apóstolos de Cristo. O que não é de amirar: pois o próprio Satanaz se trans­ figura em anjo de luz. Portanto, não é grande mara­ vilha se os seus ministros se transfigurem como mi­ nistros da caridade (justiça). O fim deles será con­ forme as suas obras". (201). Usando de sua arma predileta, o demô­ nio “substitue” a Deus a cada passo, e faz-se passar por ageute diviuo. Imita, grosseiramen­ te, as obras divinas, o que fez a Santo Agosti­ nho chamar-lhe o macaco de Deus: simius Dei. Para enganar, tenta imitar a Deus, tauto na ordem fisica, como na ordem espiritual; na ordem física, fazendo prodígios; na ordem espiritual, “inventando” os seus “santos.” E assim, trabalha por contrafazer as obras divi­ nas, não só as externas, como os próprios dons internos e extraordinários. Quer ser um deus às avessas, a antítese de Cristo. Do mes­ mo modo que Deus tem os seus estigmatiza­ dos e extáticos, Satanaz procura ter os seus, aos quais comunica dons permanentes, e tão estupendos, que viriam a ser tidos como de

(201) “ Nam ejus pBeutlo-npoHtoll sunt opcrnrll Nubilo- II, tranHflKurantcs He In npoHtolOH ChrlKtl. Et non minimi Ipue cnim Sntnnnn triinHfigurnt He In nngelum InclH. Non out ergo magnum nl mlnlntrl ejaii trnnHflgnrentur velut mlnlHtrl JUHtltlnc: quorum flnl» erlt »eeundum opern Ipno- rum. (II aos Corlnttos, 11-14). — 240 — Deus se, por fim, não acabassem sempre por denunciar a sua origem. É o que se verificou no exemplo seguinte:

Em melados do século XVI falava-se, na Espa­ nha, quase só da vida, das austerldades, revelações, êxtases o milagres de uma religiosa clarissa, chama­ da Madalena da Cruz. Príncipes, reis, bispos a consul­ tavam sobro os negócios do seus estados e de suas dioceBes. Revelava-lhes segredos, aparentemente impene­ tráveis, descobria-lhes acontecimentos distantes, e predisse que Francisco I entregaria sua espada a Pa- vla, e Roma seria pilhada pelos Imperiais. Suas pre­ dições eram acompanhadas de prodígios que provoca­ vam admiração, sem, todavia, esclarecerem as almas, nem fortalecerem os corações. A multidão, seduzida, não se cansava de manlfestar-lbe, de todos os meios, a sua veneração. Nos dias de gTandes festas, caia a freira em êxta­ se e elevava-se frequentemente dois ou tres pés acima do clião. Quando la ii capela para comungar, antes de aproximar-se da santa mesa, mostrava, triunfante, nos lábios, a hóstia, que a mão de um anjo, — dizia ela, — havia tirado do sacerdote para trazer-lha. Tais eram as maravilhas que ecoavam então na Espanha e alem. Passaram-se muitos anos sem que Madalena se desmentisse. Um santo religioso, perce­ bendo nela, um dia, um fundo de amor próprio, pou­ co compatível com a santidade aparente, apertou-a com perguntas. Tocada pelas exortações, lançou-se ela aos pés desse religioso o, desfivelando a máscara da hi­ pocrisia, confessou, para consternação geral, que, por suas astúcias sacrílegas & conivôncias com o demônio, tinha indignamente iludido a confiança de todos os que se aproximavam dela. — 241 —

Prestara-se, voluntariamente, às seduções do es­ pirito da mentira. Criança ainda, tinha aceitado, com discernimento bastante, as falsas visões, as alegrias sensíveis que lhe proporcionara. Mocinha, tinha assi­ nado um pacto odioso, e entregara corpo e alma a Satana(z, a-fim-de obter dele revelações, o dom de pro­ dígios, e a força de executar macerações pavorosas. Em consequência de suas confissões, que fizeram estremecer toda Espanha, diz um historiador, Mada­ lena foi conduzida para fora da cidade e, longe do convento que tinha deshonrado, acabou os dias na pe­ nitência. (202).

B - AÇÃO DIABÓLICA ATRAVÉS DOS TEMPOS. — RELAÇÃO DO ESPIRITIS­ MO COM A NECROMÂNCIA E A MAGIA.

Como demonstramos, as almas dos mor­ tos nada tem que ver com a fenomenologia es- pirítica, nem com as mensagens, nem eom as sessões. Se, pois, algo existir de real nos fenô­ menos ou nas comunicações, isso se há-de atribuir ao espirito mau e não às almas. Ora, o comércio com as almas do outro mundo, antes do espiritismo moderno, chamava-se ne- crom ância; e o comércio com os espíritos, magia. Por isso, como o agente preterualural que aparece na necromância é o mesmo que aparece na magia, vemo-nos na necessidade de identificar necrom ância e magia, — os dois sistemas de comércio com o outro mundo, que precederam o espiritismo. A necromância pode reivindicar origens

(202) HistOrla dc Santa Teresa de Jesfis — Bolnndla- tns, 1285, PB. 145. — 242 — antiquíssimas. 0 povo da Babilônia cria em espíritos que davam golpes. Os historiadores e filósofos, — Heródoto (484 antes de Cristo), Sócrates, Platão, Aristóteles e outros, — fa­ lam de comunicações com as almas dos de­ funtos. (203) No cabo Tênaro, Calondas evocou a alma de Arquilau, que ele assassinara (204). Entre os romanos, Horácio alude à evocação das al­ mas. (205) Cicero afirma que seu amigo Ápio prati­ cava a necromància (206) e que Vatínio cha­ mava as almas do mundo inferior. O mesmo se diz de Druso (207), de Nero (208) e de Caracala; Sexto Pompeu consultou o má­ gico Ericto, da Tessália, pará saber, dos mor­ tos, o resultado da lula entre seu pai e Cesar. (209). A Bíblia várias vezes menciona a necro- mância, proibindo o seu uso, e censurando aqueles que a ela recorrem. Os espíritos dos mortos, — pithones, na Vulgala, — eram consultados em ordem a predizerem o futuro, (210) e davam respos­ tas por meio de certas pessoas dentro das quais residiam (211), justamente como acon­ tece no espiritismo moderno. Nos primeiros séculos da era cristã, a pai-

(203) POODT — Lon FenAmcno» Mlatcrloiioa dei PhI- “(201) PLUTARCO — “ De ser» Nnmini» vlndleín”, 17. (205) Q. FL. IIORÀCIO — SAtlrnis — I, 8. 25. (206) CÍCERO — T uhcuI. — quaest. I, 10. (207) TÁCITO — Annl* — II, 28. (208) SUETONIO, 24, e PLÍNIO SÊNIOR — IIlstArln Nnt„ 30, 5. (209) DION CASSIO, 77, 15. LUCANO, FiimAUn, 6. (210) DenteronOmlo, 18:10 e I UelH, 28:8. (211) LEV1TICO, 20:27 e I Rela, 28:7. — 243 — xão do maravilhoso existia em todos os meios sociais. Apareceram seitas de iluminados que pretendiam comunicar-se com os mortos. Da mesma forma que nos antigos mistérios de Eleusis, tambem aqui a luxúria e a impudi- cícia se entremearam com as práticas evoca- doras dos espíritos. Os ginosofistas da índia, quase nus, entregavam-se à contemplação das belezas da natureza, realizando a evocação das almas por meio de mesas falantes. Tertuliano, século II, descreve cenas da magia de seu tempo, em termos tais, que bem lembram o espiritismo atual. Fala de fantas­ m as (ou materializações), fala da evocação dos defuntos; fala do hipnotism o ou transe, isto é, sono provocado; fala da intervenção do dem ônio na adivinhação pelas mesas falan­ tes: phanlasmata edant... defunctorum in- famant animas...; somnia immittunt...; mensae (per daemones) devinare consuerunt. (212). A bruxaria subjuga o mundo durante a Idade-Média, até o século XVIII. Nessas epi­ demias de feitiçaria de salões, os maus espí­ ritos desempenham o papel principal. No sé­ culo XVIII, os maus espíritos encarnavam-se nos tremedores ou convulsivos de Cevennes, e inspiravam as penitentes do cemitério de |5. M edardo. (213) . Se a necromância mascara todos os espí­ ritos do outro mundo com o nome de almas dos mortos, o mesmo não sucede a respeito da m agia. O comércio desta é com os espíri-

(212) TERTULIANO — Apologctlcum. c. XIII. (213) Dr. POODT — Lo» Fenômenos, pg. 250. — 244 — tos invisíveis, — bons ou maus, quaisquer que sejam; nunca diz que evoca almas dos mor­ tos, mas sim espíritos independentes. É, a bem dizer, a religião de Satanaz, por antítese da Religião Divina. Os seus sacerdotes são os magos ou feiticeiros. Já M axwell definiu a magia como sendo a sujeição da vontade a seres sobrenaturais (214) Os filósofos de Alexandria admitiram duas espécies de magia: Goelia e Teurgia. (215). Goetia é a magia malfeitora, cujos efei­ tos são atribuídos aos demônios. Teurgia, a magia benfeitora, cujos efeitos se atribuem a gênios bons, amigos dos homens. A goetia era praticada, sobretudo, de noite, e por isso é ho­ je conhecida com o nome de Magia Negra. A teurgia, em oposição a esla, é chamada Magia Branca. A distinção entre espíritos bons e maus, na magia, é apenas teórica. Porque, mesmo os espiritos maus podem fazer um benefício atual, com vista a um mal remoto, mediato e real. Usando desta tática, os espiritos até revelam inteligência, como o fazem os ho­ mens perversos neste mundo. O benefício é, apenas, um engodo, — isca para apanhar in­ cautos. * É dificil julgar da autenticidade de todos os documentos existentes sobre magia e ne-

(211) MAXWELL — Mngle, PB. 3. (215) Goetia. gr. eoetela, vem (lo gr. goí» (-éton) que significa feiticeiro, — Teurgia quer dizer nçfio divina, theoM, deus, e ergon, trabalho. — 245 — cromância. Mais dificil ainda pronunciar-nos acerca da realidade de tantas aparições de almas do outro mundo, e de intervenções vi­ síveis de demônio. Na mcgia e na necromância há uma co­ mo familiaridade entre este mundo c o ou­ tro. Os magos tem o espiritual sob o seu poder. Ninguém, de bom senso, acreditará nessa vizinhança dos dois mundos, e, muito menos, na facilidade com que os espíritos acodem ao chamado dos homens. Todavia, algumas aparições de almas pa­ recem inegáveis. Aparições há espontâneas e reais. A própria Escritura refere o caso da evocação da alma de Samuel, pela pitonisa de Endor. Na vida dos santos da Igreja referem-se aparições de almas e de demônios. Muito co­ nhecido é o caso que sucedeu a Santo Tomaz. Ele e seu amigo Reginaldo haviam combinado que o primeiro que morresse viria dar ao ou­ tro informações sobre o mundo espiritual. Morto Reginaldo, este apareceu a Santo To­ maz e entreteve com ele, em cumprimento do compromisso passado, uma rápida palestra so­ bre o Céu. Ainda mais. De tempos a tempos, há co­ municações telepáticas, de natureza pouco de­ finida, comuns entre um moribundo e seus amigos e parentes próximos. É ainda de nos­ sos dias o que aconteceu com Monsenhor La- nyi, que tinha sido professor do Arquiduque da Áustria, assassinado em Serajevo, em 1913. Na manhã da tragédia, Mons. Lanyi viu, em — 246 — sonho, todo o desenrolar dos acontecimentos e, ainda em sonho, recebeu uma carta em que D. Fernando, o príncipe assassinado, lhe co­ municava os fatos lamentáveis. A carta era deste teor: “Eminência, eu vos anuncio que acabo de ser, com minha mulher, em Cerajevo, vítima de um crlmo político. “Nós nos recomendamos às vossas preces. Seraje- vo, 23 de julho de 1914, às 4 horas da manhã”. (216).

EM CONCLUSÃO. — Admitimos que as almas se manisfestam algumas vezes: espon- tâneamente, porém, e só por motivos que uni­ camente Deus conhece. E admitimos tambem a intromissão do demônio, neste mundo, através dos tempos. Não. porem, uma intromissão constante e vi- sivel. O pretendido comércio ou familiaridade que alguns homens do passado teriam tido com o demônio, nasceu, em parte, da crendi­ ce popular, e em parte, da esperteza e ambi­ ção de alguns velhacos, que sempre os houve. É imoossivel que o Doutor Fausto histórico do Médio-Evo. e Paracelso, e Nostradamus, c Cagliostro, e esse fantástico Hcinrich Come­ tia Agripa, de Nettesheim, e outros, tenham tido tantos colóquios com o demônio quan­ tos lhes aprouve entreter. Mas o que admitimos, à Juz da fé e da his­ tória, é uma intromissão invisível permanen-

(11*) niC U E T — “ T.’A v«i!r ei ln Prémonitlon". cita­ do por Tmbassahy, pg. 491. O* jornais da época muito fa­ laram do caso. ~ 247 -

te, de todos os instantes, e uma intromissão visivel, esporádica, uma vez que outra. Quanto à intromissão invisível, isso é fa­ to incontroverso. As Sagradas Escrituras dão testemunho da guerra sem trégua que o de­ mônio faz aos homens. Basta ler S. Pedro pa­ ra se ter disto uma prova irrefragavel: "Irmãos. Sedo sóbrios © estai vigilantes, porque o (lcmônio, vosso Inimigo, vos assedia, à maneira de leão furioso. A ele deveis resistir, fortalecidos pe­ la fé”. (I Petr. 5:8). A intromissão visivel, dissemos nós, é esporádica. É rara, mas existe. À luz da fé, ninguém duvidará do seguinte: Que o demônio, servindo-se da serpente, apareceu visivelmente a Adão e Eva no Pa­ raíso. e mudou o curso da História da Huma­ nidade. Assim, a serpente foi o primeiro m é­ dium que existiu no m undo; (217) Que o demônio, intrometendo-se na scoi- sas humanas, foi o causador de toda a tra­ gédia do Santo Jó: matou-lhe os filhos, pér- deu-Ihe a fortuna, corrompeu-lhe a saude; (Jó, 1:6 e 12). Que os magos do Egito, por arte diabóli- lica. puderam imitar alguns milagres de Aarão, não todos: assim, por encantamento, fizeram as águas do Nilo tornarem-se de san­ gue e, logo depois, fizeram aparecer um gran­ de numero de rãs que cobriram a terra. (218) (217) A expressíio 6 do Pe. DUHAULT — Trnltó deH Démonn — na Introduqilo. Olisnrveinns que íi Btblla nflo fala, expressamente. que a serpente 6 o demônio ou que este se servira da serpente. Mas todos os expositores, nnllrros r modernos, nsslm o entenderam . (21S) Êxodo: 7:22 e 8:7. — 248 —

Que o diabo tentou apoderar-se do cor­ po de Moisés (S. Judas, 1:9-10); Que um espírito, vindo do Senhor, per­ turbou a mente de Saul; (1. Rcg. 19:9); Que a ação do demônio Asm odeu, do livro de Tobias (3:8), m atando os sete primeiros maridos de Sara, foi uma ação visiuel e ne­ fasta. Asmodeu é, ao que parece, o mesmo de­ mônio Abaddon, ou Destruidor, do Apoca­ lipse, 9:11. Que, no tempo de Cristo, sobretudo na Galiléa, eram frequentes os casos de posses­ são. A ação do demônio era visivcl nos efei­ tos físicos. As vítimas, muitas vezes, eram pri­ vadas da vista e da fala (S. Mateus, 12:14) ou só da vista (Mat., 9:32 e Luc., 11:14); outras' vezes, horrivelmente atormentadas: (Marcos, 9:17-21). Essas pessessões, na maioria, não podem ser confundidas com “doenças nervosas”, pois, não raro, o possesso ostenta força sobre-hu­ mana, como no caso referido por S. Marcos, 5:2-4. Algumas vezes, o possesso é séde de mui­ tos demônios (Mat., 12:43 e Marcos, 16:9) ou de m ilhares, (Marcos, 5:9 e Lucas, 8:30), Ainda no caso das tentações de Cristo, a ação do demônio só pode ter sido “visivel e atual’’, como disse E. Gigot. (219) Comparem- sc entre si os textos dos Sinóticos: Mateus, 4:1-11 e Lucas, 4:1-13. Nos Atos dos Apóstolos, lauto na Pales­ tina como, sobretudo, no mundo pagão, en-

(219) E. GTGOT — Cnthollc Enojclopcdln, New-York, s. voc. T em ptatlon of Chrlvt. — 249 — contramos os representantes do demônio fa­ zendo prodígios estupendos. Na ilha de Chi­ pre, S. Paulo encontrou o mago Elim as ou Barjesu, que procurou embaraçar-lhe a pre­ gação. S. Paulo chama-lhe pseuclo-profela c, para castigá-lo, pede a Deus que o torne cego usque ad tempus. (Atos, 13:4-12). Em Filipos, na Macedônia, S. Paulo hou­ ve de expulsar o demônio do corpo de uma moça que o seguia, importunando-o c procla­ mando, alto, a missão divina de S. Paulo c seus companheiros. Diz o texto sagrado que essa moça, em a qual habitava o espírito pi- tão, era para seus senhores uma verdadeira fonte de renda, por causa de suas adivinha­ ções. (Atos, 16:16-18). Saindo do campo das Letras Divinas, en­ contramos por toda a parte, na história dos povos, traços da ação visivel do demônio. Si mão Mago, cuja história é iniciada nos Atos dos Apóstolos (8:9-29) .e completada pe­ la tradição (220), teria deslumbrado Roma com seus prodigios estupendos, o último dos quais foi o fenômeno de levitação. Junto ao Forum, na Via Sacra, foi erigida aos apósto­ los uma igreja, no mesmo local em que se esborrachou o corpo de Simão, quando pre­ tendia voar ao Céu. Claro é que, se algum fe­ nômeno foi real na vida de Simão Mago, o autor só pode ter sido o demônio. Ainda no primeiro século de nossa era, o pitagórico A polônio de Tiana, segundo nar-

(220) S. JUSTINO — Prim . Apologl-tic-n, 26. Tambem nas Pseudo-Clementinas e nos Atos de S. Pedro, apócri­ fos. — 250 —

ram, aterrorizara o mundo pagão com sua vi­ da de prodígios os mais assombrosos. Expli­ camo-los pela ação diabólica. (221). Nesse tempo, ao dizer de Tertuliano, o demônio dava oráculos, e falava pela boca das estátuas dos deuses: "Quando o possesso é levado aos tribunais, o mau espirito, intimado pelos seguidores de Cristo, confes­ sa que é um demônio; e é esse mesmo espirito que, horas antes, havia declarado que ele é um deus. A se­ gunda confissão é que representa a verdade, Isto é, que ele é demônio”. (222). Santo Agostinho, na Cidade de Deus, ex­ planando o texto da Escritura. — que todos os deuses das nações são demônios, — acha que muitas vezes os demônios falaram pela boca dos ídolos, ou pelos oráculos das pito­ nisas. Alem dos casos históricos de possessão, a intromissão do demônio no mundo visivel, através dos séculos, é atestada pela vida dos Santos do Cristianismo. Tornaram-se célebres as aparições do de­ mônio a Santo Antão, no deserto. (223)

- O demônio apareceu um dia a S. Martlnho de Tours, na figura de jovem formoso, vestido de púr­ pura e coberto de pedrarias finas, e lhe disse: “Eu sou o teu amigo e senhor. Reconhece que sou Jesús-Crlsto em pessoa”. O santo refletiu um pouco e ,em seguida, objetou: "Jesús prometeu que voltaria a este mundo sobraçado com sua cruz. Reconhecerei que és Jesús-

(221) FTT.OSTRATO _ Opera Oninln. Lolpzlg, 170B. (222) t e r t u l i a n o — Apoio*., tr.-d. Inglesa. pg. 23. (223) SANTO ANASTACIO — Vltn Snuctl Antonll. — 251 —

Cristo se me apareceres com a cruz às costas, e osten­ tando nas mãos e pés os estigmas da paixão”. A estas palavras o demônio desapareceu, deixando a cela do santo lmpOgnada de odor intolerável. (224).

Nos nossos dias, S. João Batista Vianney, cura d’Ars, teve de desmascarar o espírito das trevas, que ora se lhe manifestava sob formas horrendas, ora.sob anarências encan­ tadoras. (225) O mesmo se lê na vida de S. Geraldo e de outros santos. Mas não foi só aos bons que o Malvado se mostrou visivelmente. Tambem a seus repre­ sentantes e instrumentos. No século XVI, Lutero feria lançado um tinteiro contra o demônio, um dia que este lhe apareceu visivelmente, como reclamando o que era seu. Maspero, Lenormant, Ward, Roberts e D oolittle descrevem os casos de possessão dia­ bólica, com manifestações visiveis do demônio, não só entre os povos antigos, como entre os pagãos atuais, — Chineses, Indús, Persas, etc. (226). Comuns, sobretudo, são as manifestações demoniacas nas regiões onde, ainda hoje, ha­ bitam povos grosseiros que não receberam os benefícios da Revelação Divina.

(224) Vila Snncti Mnrtlnl, na coWção ratres Lntlnl, XX, 174. (225) ALFRED MONNIN — Vida do Cura d’Ar» — passim. (226) MASPERO — H istoire Ancienne dc» Peuple» dc 1’Orlent, pg. 41 — LENNORMANT — L» Single cher le» ChnMôen». — WARD — H istory of the Hindoo», v. I, 2. — ROBERTS — Orlentnl Illnatrntlon» of the Scriptures. — DOOLITTLE — Social Life of the Chinese. — 252 — No referente à Africa, pode-se consultar W ilson (227) e W affelaert (228). Também entre algumas tribus selvagens da América, certas práticas denunciam, senão a presença visivel, pelo menos a influência de Satanaz. E’ o que está suficientemente docu­ mentado, quanto aos Bororos do Brasil, pelos missionários Pe. Dr. Carlette e Pe. Antônio Colbacchini, salesianos. (229). Entre os Bororos o bari é o homem temi­ do. Acreditam os selvagens que ele tem con­ tacto com o vciire (espirito mau, em geral) e com o búpe, que é um demônio particular. As relações entre o bari (feiticeiro) e o espírito mau tem algo que lembra o transe dos mé­ diuns espiritas: Para operar as suas curas, o baçi chama o seu vaire em voz alta e com grandes gritos prolongados. Quando diz que o espirito já. o ouviu e que já vem vindo, entra em movimentos convulsivos do corpo, acompanhados de tremores impressionantes: arqueia o corpo para trás, ergue os braços, berra, urra, escu­ ma pela boca... E’ uma cena horrivel, asquerosa! Parece um verdadeiro possesso”. (230). PORTANTO, a AÇÃO do DEMÔNIO, — invisível quase sempre, — VISIVEL às vezes, é manifesta em toda parte e em todos os tem pos.

(227) WILSON — W enleni Afrlcn, pg. 217. (22S) W AFFELAERT. in U ictlonnlre ApologíU.me «lo In Foi Cnthollqnc, sub voc. PosseNslon Dlnbol. (229) Pe. Dr. E. CARLETTE — IIcrtH« AntCntlcos — Ed. Vozes de Potrópolls, 1939. — Pe. ANTONIO COLBAC- CHINI — A Inz do Crnzelro do Snl, Escolas Saleslanas, S. Paulo, 1939. (230) Pe. A. COLBACCHINI — A Inz do Cruzeiro do Sul, pg. 27-31. — 253 —

CONCLUSÃO. Da exposição rápida que fizemos ressal­ ta a relação do ESPIRITISMO MODERNO com a MAGIA e a Necromância de todos os tem pos. A identidade entre a magia e o espiritis­ mo moderno evidencia-se pelos processos e ritos usados por um e outro. Evidencia-se tambcm pelos resultados, que são sempre nefastos, tanto na magia co­ mo no espiritismo. Aliás, os próprios autores espiritas confessam que m agia e espiritismo é uma só coisa. Diz Carlos Imbassahy, o che- fe m ental dos espiritas brasileiros contempo­ râneos: ‘‘Os chineses conhecem a divisão de espíritos, em superiores e interiores, e não lhes é estranha a no­ ção do perispírito. OS SEUS FEITICEIROS EQUIVA­ LIAM E EQUIVALEM, — COMO EM TODA A PAR­ TE, — AOS NOSSOS MÉDIUNS”. (231). Portanto, o que se apura de real na ma­ gia tem por autor o mesmo autor do que se apura de real no espiritismo.

APARIÇÕES DE ALMAS

Segundo observam D ubray e outros, a Igreja não nega a realidade de algumas apa­ rições espontâneas das almas. Estas, por mis­ são de Deus, podem, às vezes, vir a este mun­ do, e até manifestar aos vivos coisas desco-

(231) CARLOS IMBASSAHY — O Eifplrltlamo k lua doa Fato», pg. 223. — 254 —

nliecidas. Mas a necromância, entendida co­ mo arte de evocar as almas dos mortos, é ti­ da, por todos os teólogos, como prática dia­ bólica. Santo Tomaz e os demais teólogos são explícitos. Declaram eles que os fatos reais de aparições de almas, quando se empregam ritos especiais evocativos, são devidos à in­ tervenção diabólica. Quem aparece não são al­ mas, mas demônios. (232) Tertuliano, século U, é categórico: “Os cristãos devem acautelar-se contra as práti­ cas necromânticas, nas quais os demônios sc apresen­ tam como sendo as almas dos mortos”. (233). Não negamos, pois, que haja casos reais de aparições espontâneas. Casos há, supostos reais, referidos nas A tas de Sta. Perpétua, nos escritos de S. Cipriano, nos Diálogos de S. fíregório e outros. (234) S. Pedro de Alcân­ tara, depois de morto, apareceu a Santa Te­ resa, conforme ela mesma relata. (235) Tais aparições, porem, são sempre es­ pontâneas. Não se trata de evocações. E San­ to Agostinho, que, como nós, não admite co­ municações visiveis, diz que mesmo as apari­ ções espontâneas são excepcionais e raríssi- mas. (236)

(232) SANTO TOMAZ — Sumnin Theologien, II-II, Qu. 95, a. II. (233) TERTULIANO — De Anlmn, 57, na coleção P a­ troa Latinl, II, pp. 793. (231) Cf. LUCIEN ROURE — I.c Splrltleme d’nojor- tl'hitl et d’hier, pg. 119. (235) SANTA TERESA — Autoblogrnfln, c. 27. (236) SANTO AGOSTINHO — Dc enrn pro m ortale ge- rendR, c. 26, ln col. Patroa Latlni, t. 60, pg. 600. — 255 — Quanto ao famoso caso de Samuel, cuja alma foi evocada pela sibila de Endor (237), notemos:

Tendo Saul consultado o Senhor, não obteve res­ posta nem por sonhos nem por profetas. Então, deses­ perado, foi a Endor, a uma mulher que “tinha o espí­ rito adivinhador”, e pediu-lhe que chamasse a alma de Samuol. Este não apareceu a Saul. Só a mulher é . que viu o profeta, mas Saul, pela descrição que a fei­ ticeira fez da sòmbra que via, reconheceu tratar-se da pessoa de Samuel. E Saul, mesmo sem ver, dirigiu a palavra ao “invisível”, e ouviu dele a profecia rela­ tiva a sua própria derrota e morte próxima.

Tal narrativa tem tido muitas e diferen­ tes explicações. S. Jerônimo e Teodoreto ju l­ gam a aparição falsa. Saul foi enganado e a profecia teria sido feita por algum anjo, pa­ ra confusão do próprio Saul. S. Basílio, S. Gregário de Nissa (240) e Tertuliano atri­ buem a aparição ao demônio, o qual tomou a aparência de Samuel e, compelido por Deus, para castigo de Saul, fez a predição certa. Porem a maioria dos escritores supõem real o fato. Assim Josefo, S. Justino, 'Oríge- nes, Sanio Ambrósio e outros. Nesse caso, en­ tão, Deus teria permitido a aparição da alma de Samuel, como faz crer o livro do Eclesiás­ tico, 46:23. (cf. 1 Reg. 28,7...).

(237) I RcIh, 28:7. (238) S. HIER. — In Inalam, col P. Latlnl, 24, 108. (239 In Ianlnm, Padres Gregos, 30, 497. (240) S. GREG. NISSENO — P adres Gregos, 4G, 107. — 256 —

EM CONCLUSÃO: Aparições de almas dos mortos, — pro­ vocadas, — não existem. Aparições espontâneas, raras, podem dar- se. Mas, mesmo estas continuam no rol da­ queles casos de causalidade mal definida, a que aludimos no princípio do livro, pois, se­ gundo Santo Tomaz, ninguém terá certeza de que se trata de almas dos mortos: podem, conforme o caso, ser anjos bons, — e tais se­ riam as vozes de Santa Joana d’Are., — ou demônios, como nos casos de infestações ou malfeitorias. (241)

Razão teve, pois, Nosso Senhor Jesús- Cristo de, na única fórmula de oração que compôs, concitar-nos a que, cotidianamente, peçamos a Deus-Pai nos livre do Demônio, pois a lula contra este há-de ser sem tréguas: sed libera nos a Maio. NOTA — O Piulre-Xosso não está bem traduzido na6 línguas modernas. A tradução legitima do latim sed libera nos a Maio deve ser: Mas livrai-nos do Mau e não “livrai-nos do Mnl”. Com efeito, em libera nos a Maio, esta última palavra é nblativo de Mnlus, o mau, o perverso, e não de Maluin, o mal, o contra­ tem po. Horbcrt Thurston escreve: “Deve-se notar que a opinião geralmente aceita sustenta que a tradução da última cláusula deve ser “livrai-nos do mau (de- Ilvcr us from tlic evil ono)“, tradução que justifica o

(241) SANTO TOMAZ — Suma Theolcg., I Pars, qu. 91, n. 3. - 257 - uso de "sed”, (mas) e converte as duas últimas cláu­ sulas numa só $ mesma petição. (242). O original grego é mais claro do que a Vulgata latina. Nele temos o adjetivo ponóros, que, no caso, só podo ser adjunto de possoa. Para significar o mal te­ ríamos ponería c não ponéros. Os cristãos do Oriente são fiéis ao texto primiti­ vo do Padre-Nosso. A versão árabe tem charrir, — o fazedor do mal, — palavra antiga que, na lingua atual, só se aplica ao demónio. Cliarrir é o adjetivo com que o Alcorão sempre designa o diabo. Na lingua aramálca, ainda hoje empregada no rito maronita o que era a língua falada por N. S. Je- sús-Cristo, temos a palavra bicho onde o latim tem maio. Ora, bicho é adjetivo e significa, propriamente, mau; correntemente, porem, é o termo com que se designa o demônio. Tanto o árabe charrir como o ara- máioo biciio correspondem ao liebráico ral>, do igual significação. Não sabemos a razão por que as tradu­ ções modernas do Padre-Nosso suprimiram o nome do PERVERSO e, em lugar dele, puse­ ram uma palavra que indica o efeito da ten­ tação e não o autor dela. (242, a). Os primeiros cristãos, ao reduzirem a siinbolo a última petição do Padre-Nosso,

(242) Re. H EHEERT THURSTON, S. J. — Catkollc Kncyclopcdia, New-York, sub voce Lord’n prayer. (212-a) Comentando esta cláusula, escreve Cornéllu a Lápide. (Mat. Vi). - Sed libcrn nos n maio: prlnielranicuto da tentação, do que se falou; cm segundo lugar do dlnbo, artífice da tentação; em terceiro lugar, do mal gcrul, que nos a tra i ao pecado., ou Impede a virtude o a perfeição. Sobre o mesmo assunto escreve FIL.LION — Scd libera... listas 'palavras são geralmente, e com razão, consideradas como uma petição distinta. ORIGINES. S. JOÃO CRISÓS­ TOMO etc. as consideram como uma parte Integrante do que procede; por Isso, traduzem o substantivo maio, como se estivera no masculino o designasse o dcmOnlo, mas muito melhor ê traduzf-lo pelo neutro — o mal em geral: empregaram tambem o substantivo concreto e não o abstrato: Per signum crucis, de inimi- cis nostris, libera-nos, Deus nosler. Pelo si­ nal da santa cruz, livra-nos, Deus, dos nossos INIMIGOS SEGUNDA PARTE

COMUNICAÇÕES OU MENSAGENS COMUNICAÇÕES OU MENSAGENS

Como vimos, os fenômenos metapsiqui- cos se dividem em dois grandes grupos: os objetivos, ou físicos, e os subjetivos, ou psí­ quicos. Entre estes últimos, ocupam o primei­ ro lugar as MENSAGENS do Alem. O Espi­ ritismo apresenta-se como sendo uma mensa­ gem enviada, pelos desencarnados aos ho­ mens deste planeta. As mensagens, ora são simples revelações de ordem individual, — conselhos, consolações, receitas terapêuticas, etc., — ora revestem o carater de uma gran­ de c nova Revelação Religiosa, e contem en­ sinamentos éticos e dogmáticos que consti­ tuem a Religião Espirita. Vamos, pois, examinar a natureza e o va­ lor dessas mensagens, tanto as de carater pro­ fano como as de carater religioso. Como, po­ rem, tais mensagens teriam sido feitas a pes­ soas históricas conhecidas, devemos dizer al­ go dos iniciadores do movimento. Dai a tríplice divisão desta parte: 1) História do Espiritismo Moderno; 2) Mensagens de carater profano; 3) Mensagens de carater religioso. CAPITULO I

Histórico do Espiritismo Moderno.

O Espiritismo data de 1847 e teve come­ ço no sitio de Hydesville, perto da cidade de Arcádia, Condado de W ayne, Estado de No- va-Yorque, nos Estados-Unidos. Ai morava a família do dr. João Fox, constituida dos mem­ bros seguintes: Margarida Fox, esposa do dr. João, e as filhas Margarida ou Margaretta. cujo apelido familiar era Maggie, e Catarina, apelidada K atie; Maggie devia ter 16 anos, quando, inconcientemcnte, iniciou a conversa­ ção com os espíritos. Nascera em 1840. O casal Fox tinha dois filhos que mora­ vam fora da casa paterna: David e Ana Leah (ou Lia), esta mais velha do que Maggie 23 anos. Notemos ainda que os Fox eram protes­ tantes (243) e deviam ser de origem alemã, visto como o nome primitivo da família cra Voss (pronuncie fós). Maggie e Katie Fox foram as iniciadoras da negregada superstição. Morava a família Fox numa casa tida como assombrada. De tempos imemoriais notava-se ai algo de anor-

(243) Protestante», metodlatas. segundo Tanquery — Thtol. Dogmatlca. — 263 — mal que obrigava os moradores a mudar de residência. 0 último inquilino anterior à fa­ m ília Fox fbra um tal W eekm an, o qual, em 1847, tendo várias vezes ouvido baterem à porta e não lendo descoberto quem fosse, re­ solvera deixar a casa. (244). Uma noite, estando as irmãs Fox pales­ trando, descuidadas, num cios aposentos da casa, ouvem ruidos estranhos na parede ou na porta, os mesmos ruidos que haviam ater­ rorizado o sr. Weekman. Maggie, então, dan­ do pancadas com uma das mãos, lembra-se de convidar o ruido a lhe dar reposta. O rui- do, de-fato, responde. Logo em seguida sobre­ vem a mãe das duas meninas, e, sabedora do que se passa, inicia uma conversação median­ te golpes combinados: “Se és espírito, dá duas pancadas.” Resposta afirmativa, mediante dois gol­ pes na parede. “Morreste de morte violenta?” Duas pancadas, isto é, sim. De pergunta em pergunta, as Fox vieram a saber que o espírito era a alma de Carlos Rayn, assassinado naquela casa em tempos idos e enterrado na dispensa. Brevemente chegaram, de acordo com o espirito, a combi­ nar um sistema de abreviaturas que permitia conversar mais de-pressa. Avisada a polícia, esta promoveu rigoro­ sa investigação em todos os cômodos da casa e não conseguiu descobrir os ossos do supos-

(244) ERNEST BERSOT, citado por Luclen Roure — Le Mervelllenx Splrlte, pg. 7. - 264 _

to Carlos Rayn, nem vestígio algum de crime cometido, donde se conclue que a história do assassinato era uma fábula. 0 espirito men­ tira. Não obstante, as relações entre esse su­ posto espirito e as irmãs Fox continuaram. E tal foi a intimidade estabelecida entre elas e ele que, quando a família Fox transferiu residência para Rochester, o espírito houve por bem acompanhá-las. A elas veio juntar- se então a irmã mais velha, Lia, casada com um sr. Fish, e esta, espírito prático e interes­ seiro, viu logo no espiritismo uma fonte de lucros. Foi Lia a primeira que se lembrou de atribuir as pancadas das mesas aos diversos espíritos do outro mundo. (Gearon, 23-24) (245) 0 espiritismo, assim, assumia a sua fei­ ção definitiva. Após quatro meses de residência em Ro­ chester, os Fox vão para Nova-Yorque e o espiritismo em breve se dissemina. Margarida casou-se com o Dr. Kane, ca­ tólico, explorador dos mares árticos, e Cata­ rina com o sr. Jencken, protestante. Vemo-las assinar, respectivamente, Margaretta Fox Ka- nc (Maggie) e Catherine Fox Jencken (Ka­ tie). Em junho de 1853, o navio Washington leva a epidemia de Nova-Yorque para Bre- men, de onde ela invade a Alemanha e a Fran­ ça. (246).

(245) PATRICK J. GEARON — De Splrltism ct Sn PntlUtc. pg. 23-24. (246) CD REUBEN DAVENPORT — The Death Blow to , pg. 89. — LUCTEN ROURE — I.c Mervcll- — 265 —

Entretanto, desde a sua origem, o espiri­ tismo suscitou duvidas quanto à intervenção dos espíritos. Já no começo, os cientistas Agos­ tinho Flint, Lee e Coventry, de Búfalo, que haviam examinado a questão, declararam que as pancadas podiam provir facilmen­ te dos movimentos das articulaçções de Katic c Maggie. (247). Mas foi só em setembro de 1888, — qua­ renta anos depois do episódio de Hydesville, — foi só então que Margarida, numa entre­ vista ao jornal New-York Herald, se lembrou de declarar que, desde o princípio, ela e Ka- tie haviam sido vitimas da esperteza da ir­ mã mais velha e da idiotice da mãe. Imita­ vam pancadas com estalidos dos dedos. De sua parte, Catarina confirmou, logo depois, esta confissão de sua irmã. (248). Por fim, a 21 de outubro desse mesmo ano, 1888, Margarida apresentou-se na Aca­ demia de Música de Nova-Yorque e, “peran­ te um grande auditório, manifestou o méto­ do que tinha usado para produzir os estra­ nhos estalidos.” (249). Todavia, as mesmas irmãs Fox, um ano depois, retrataram publicamente a confissão — 266 — que haviam feito. Declararam que. atribuin­ do os fenômenos espiritas a uma fraude in­ tencional, haviam agido a pedido de pessoas hostis ao movimento, e tinham sido bem pa­ gas para isso. (250). Margarida foi mais longe ainda: disse que altas personalidades católicas queriam encerrá-la num convento. De tais contradições das irmãs Fox, o Pe. Thurston, jesuita, conclue o seguinte: 1.°) Margarida Fox Kane, como todos os médiuns, empregou algumas vezes a fraude para produção das pancadas; 2.°) E ambas, Maggie e Katie, quando atribuiram tudo a uma fraude interessada e conciente, ainda mentiram, porquanto nem sempre haviam empregado fraude. Quer di­ zer: Nas sessões das irmãs Fox, os espíritos umas vezes intervieram, outras não. Catarina Fox Jencken morreu em março de 1893, vítima de excessos do álcool. Eis co­ mo o jornal Washington Dayly Star descreve os últimos momentos de Katie: “A casa n.o 456 Oeste da Rua 57, Nova-Yorque, se encontra atualmente quase deserta. Apenas um de seus quartos está ocupado; habita-o uma mulher que orça pelos seus 60 anos: verdadeira ruina mental e física, essa mulher vive da caridade pública e só tem apetite para os licores Intoxicantes. O rosto, em que se percebem os traços da idade e de uma vida de pra- zeres, mostra que essa mulher foi bela um dia. “E’ a ruina viva de uma mulher que frequentou os palácios e as cortes. As faculdades desse espirito.

(250) PATRICK J. GEARON — opus cllatum , pg. 26. - 267 — caído agora na imbecilidade, foram admiradas e es­ tudadas pelos sábios da América e da Europa. O no­ me dessa mulher tornou-se alternativamente célebre: cantado, ridicularizado numa dúzia de línguas. Esses lábios que, hoje, só articulam banalidades, promul­ garam outrora a doutrina de uma “religião nova" que conta ainda seus aderentes e seus admiradores por de­ zenas de milhares”. (7 de marco de 1893). Margarida, que se casara com o sr. Be- lisha, tornou-se católica, recebeu o batismo e abjurou o espiritismo durante a vida de seu marido. Mas, dez anos depois de enviuvar, voltou à prática da nova religião, c veio a fa­ lecer em junho de 1892. em condições tão de­ ploráveis quanto as de sua irmã. Sobre sua morte, nada mais eloquente do que o necroló­ gio de seu correligionário James Burns, pu­ blicado no jornal espirita Médium and Day- b rea k : “Temos aqui debaixo de nossas vistas um espetá­ culo duplamente surpreendente: uma mulher que transmite aos outros manifestações espirituais e que, em si mesma, está, sob o aspecto espiritual, perdida e extraviada. Já não tem nem senso moral, nem do­ mínio sobre seus pensamentos, nem desejos. Em t$tls circunstâncias, — sem falarmos da embriaguez, da sensualidade, da degenerescência moral sob todas as suas formas, — será de admirar que essa espécie de coisa tenha multiplicado os escândalos e tenha dei­ xado, no decurso de seus 45 anos, um montão de Imundícies?" (28 de abril de 1893) (251).

Maggie, como r,ua irmã e como seu pai, (251) LUCIEN ROURE — De Spfrltlame d’onjord’hnl et d’hier, pg. 88-89 e PATRICK J. GEARON — De Splrt- tlam ei 6a FalUlte, pg. 166-167. — 268 — morreu vítima dos excessos do álcool. O al­ coolismo, pois, foi o triste legado de um pai degenerado. Segundo Lucien Roure, o con­ vento cm que quiseram encerrar Margarida nada mais era do que um asilo para mulhe­ res alcoólicas, asilo que ela tomava por um convento. (252).

Mas o verdadeiro “Américo Vespucci” do Espiritismo, — aquele que codificou os ensinamentos religiosos transmitidos pelos espiritos cm diversos lugares, — é o francês Allan Kcirdec. Pode-se mesmo dizer que ele c o fundador do Espiritismo como religião. Chamava-se Léon-Hippolyte-Denizart Ri- vail e nasceu em Lyon, cm 1804. Foi educado na Suiça, na Escola de Pestalozzi, em Yver­ dum. Da mesma forma que todos os iniciado­ res do espiritismo, tainbem ele se deixou in­ fluenciar pelas idéias liberais, hauridas no pro­ testantismo. De 1835 a 1843 manteve em Paris um curso gratuito de ciências naturais e astrono­ mia. Publicou, ao mesmo tempo, obras didá­ ticas sobre aritmética e gramática francesa. Em 1855, Rivail ouve falar das mesas gi- rantes. E, em 1855 assiste, pela primeira vez, a uma sessão espirita. Desde então, achando- se médium, dedica-se ao espiritismo, sob a direção de um espírito-guia chamado Zéfiro, sucedido por um outro chamado Verdade. Em abril de 1856, uma cesta (corbeille)

(2í>3) LUCIEN ROURE — Le SpIrKI.ime d’nnjorrt’hnl «Uhler. pp. 8"J. — 269 — revelou a Leão Hipólilo Rivail a grande mis­ são que teria de cumprir. Acreditando no es­ pírito que falava por meio da cesta, Rivail deixou-se consagrar Pontífice da nova reli­ gião. Daí por diante, ajudado por mais de dez médiuns, recolhe os ensinamentos dos Es­ píritos Superiores e, em 1857, publica a pri­ meira edição do Livro dos Espíritos. Entre­ mentes, Rivail passou a chamar-se Allan K ardec; é que, instruído pelos espíritos, Ri­ vail soube que havia vivido oulrora na pes­ soa de um velho poeta celta chamado , poeta esse que, provavelmente, nun­ ca existiu. (253) Ao Livro dos Espíritos seguiram-se ou­ tros, do mesmo gênero e estilo. Kardec faleceu ein 14 de março dc 1869, vítima da ruptura de um aneurisma. Confor­ me revelações posteriores, o espírito de Kar­ dec se reencarnou. no Havre, em 1897. Mas, não obstante estar reencarnado, apareceu cm 1898 numa sessão regida pelo médium Mine. Maia, e continuou a intervir em outras sessões, sempre como desencarnado. Para terminar, observemos que Rivail era m au pagador. Em 1840, morando na casa n.° 35 da rua de Sèvres, de propriedade dos je­ suítas, fôra obrigado a despejar o imovel, por estar em atraso com os aluguéis; rnas, talvez por vingança, talvez por incúria, deixou o prédio em péssimo estado de conservação.

(253) Tambem PITAGOKAS, o introdutor da m etem p­ sicose na Europa, dizia que tinha sido, em tempos idos, um dos liorúls de Homero — Euforbion. — Moderna­ mente, porem, ficou provado que esse herói nunca oxis- — 270 — Tendo por auxiliares, na confecção dos Ensinamentos dos Eppiritos, a Flam m arion e outros, R ivail deu como comunicação dos Espíritos as idéias científicas mais em moda nesse tempo: o evolucionismo de Darwin, a origem simiesca do homem, etc. Os espíritos, neste particular, cederam a palavra aos sábios ainda vivos. Outro colaborador valioso de Ri­ vail foi Victorien Sardou. "Era no momento daa primeiras experiências de espiritismo em Paris; Sardou devorava os livros de filosofia e de metafísica, ocupava-se de astronomia, estudava e perfilhava as teorias de João Reynaud. Foi no salão da sra. Jafet que ele encontrou Allan Kar- dec. O próprio Sardou confessou: “Quando, de comum acordo com Allan Kardcc, pedimos ao espirito presen­ te determinasse a base do dogma espirita, fui eu que, guiado por minhas leituras, restabeleci o sentido das respostas mal Interpretadas ou obscuras do espirito; o assim, em trõs sessões, pude ditar o cenário da dou­ trina que Allan Cardec, ao depois, devia desenvolveT”. (2 5 4 ). O sucesso dos livros de Kardec há-de ser atribuído, cremos nós, à clareza de seu estilo c à convicção com que escreve. O seu siste­ ma é de afirmar, simplesmente. Allan Kardec fundara a Revue Spirite, em cuja direção lhe sucedeu Leym arie. Apar- ceirando-se com o famigerado Buguet, fo­ tógrafo de espíritos, Leymarie acabou sendo processado, como trapaceiro, pelos tribunais francesses. (255). Numa das sessões rcaliza- (254) LUCIEN ROURE — Le Merveilleux Spirite, pg. 346, nota 2. das para fotografar espíritos, Laymarie foto­ grafou o espírito de Allan Kardec, e presen­ teou a viuva do Patriarca com essa impressio­ nante fotografia. Viu-se, depois, pelo proces­ so judicial, que tudo era truque. (256).

Depois de Allan Kardec, muito contribui- ram para a sistematização do espiritismo: Léon Denis, Gabriel Delanne e Camilo Flam­ m arion, na França, Oliver Lodge e o roman­ cista Conan Doyle, na Inglaterra. Todavia, a difusão do espiritismo, alto ou baixo, doutrinário ou experimental, não con­ tou só cem o valor intelectual de seus funda­ dores. Os seus principais fatores de êxito tem sido: As pretensas curas dos males físicos, — terapêutica barata e facil, em confronto com a carestia dos remédios alopáticos e das re­ ceitas médicas, em geral; a exploração da sensibilidade humana, fazendo crer aos re­ centemente viuvos ou orfãos que eles estão conversando com os parentes falecidos; a in­ sinceridade dos espiritas, os quais ocultam os intuitos do espiritismo c dizem, a princípio, que não é religião, mas apenas sistema filo­ sófico próprio para conciliar todos os crentes espiritualistas.

(25G) LUCIEN ROURE, Ibidem, pg. 51. CAPÍTULO II

MENSAGENS DE CARATER PROFANO.

As comunicações dadas como transmiti­ das pelos defuntos podem considerar-se quan­ to ao tempo, ao assunto, ao destinaiário, à causa eficiente. Referem-se, em geral, ao tempo presen­ te e ao passado. Quando, porem, se repor­ tam a acontecimentos futuros, tem o incsmo valor das “profecias” das cartomantes e dos astrólogos: são vagas, imprecisas e comuns a toda classe de pessoas. Qualquer que seja o agente transmissor dessas mensagens, temos que elas nunca pas­ sam de simples conjeturas, visto como só Deus pode prever os futuros contingentes, co­ mo são os que dependem do ato livre da von­ tade humana. O próprio Allan Kardec, no L i­ vro dos Médiuns, confessa que os espíritos não podem revelar o futuro, “porque, se o homem conhecesse o futuro, negligenciaria o presente.” (257). Em 1899, a senhorita Pieper fez aparecer o “espirito” de Moisés que pre­ disse a Grande Guerra e profetizou que o dr.

(257) L.UCIEN ROUBE, Ibid«iu, Pg. 222. — 273 — Hodgson viveria bastanle para ver as hostili­ dades. A profecia de Moisés era um tanto in­ teressante: predizia com efeito que, nesse con­ flito, a Rússia e a França se aliariam contra a Inglaterra e a América, ao passo que a A le­ manha ficaria praticamente neutra. (258). E são assim as outras profecias. Nada mais fá­ cil do que prever uma guerra... Há tantas guerras todos os anos!... Quanto ao destinatário das mensagens c ao assunto, muito teríamos que dizer. Geral­ mente, as mensagens são de ordem indivi­ dual: assuntos relativos a alguem da sessão, uma receita médica, umas palavras de conso­ lo... Às vezes, alguma intriga ou calúnia e, não raro, alguma imoralidade... De Irês fontes podem provir as mensa­ gens: do embuste ou trapaça, do psiquismo dos presentes c de uma inteligência preterna­ tural. Para evidenciarmos o alegado, bastan­ te é que examinemos as próprias mensagens e, querendo julgá-las, não precisaremos lou­ var-nos cm autores católicos: espiritas e sim­ patizantes do espiritismo dir-nos-ão do valor da maioria das comunicações.

I

Antes de tudo, convem firm ar que a m aio­ ria das mensagens são forjadas pela esperteza dos m édiuns e diretores dos círculos. Esses es­ píritos vagabundos que aparecem, — um, o de

(25S) PATRICK J. GEAUON. l.e Spirltism c: Sn Fnll- liti-, pê:. S-l. — 274 — um filho que vem consolar o pai ou a mãe, outro, o do marido, que vem consolar a espo­ sa sobrevivente, — e outros, tudo isso não passa de uma comédia insossa e canalha. O m édium ou o seu dirigente agiu por vias tra- versas, tomou informações clandestinas, “pes­ cou” e, assim, chegou a conhecer os hábitos do falecido, e, habilmente, consegue imitar- lhe a voz, o sotaque, o estilo. O sr. Franscisco Reed, médium norteame- ricano, revelou os truques usados na Améri­ ca para a “pesca” de informações. Diz ele:

"Em cada cidade, pelo mundo Inteiro, há alguns médiuns praticando estas diferentes fases de medluni- dade, e, a-fim-de manterem o favor de que gozam, é muito essencial que tenham, à mão, um bom deposito dessas informações; assim, cada médium faz um “ca- nhenho” e conserva-o para servir-se dele a qualquer hora que precisar... Um médium está sempre alerta, e faz memornnduus da conversação dos assistentes. Tambem corre os diários, procurando noticias de fa­ lecimentos . . . e apanha boa parte de informações fa­ zendo inquirições indiretas. Alguns desses médiuns, sob pretexto de Indagar acerca de amigo que partiu ou dasapareceu, visitarão o ofício de registos onde se conserva a nota de todos os que falecem”. (259).

No Brasil os processos podem variar, m as a “ pesca” sempre se faz. Os tais m édiuns curadores são simplesmente pessoas que en­ tendem um pouco de homeopatia, — m edi­ cina inócua, — e que se põem a receitar em

(250) J. FRANCES REED — T ruth anil Foot* pertai­ ning to Siilrltiinlliim, pg. 27-28. Cf. Pc. HEREDIA — O Ea- plrltlwmo e o Bom Scnuo, pg. 120. a sagulnl.ee. - 275 — nome de grandes médicos falecidos. O exqui- sito é que os médicos do espaço são quase sempre homeopatas, mesmo que, quando vi­ vos, fossem inimigos da homeopatia. Estra- nhavel é tambem que, a-miude, os farmacêu­ ticos se veem obrigados a corrigir a receita de um Miguel Couto ou de um Torres Homem... Depois de desencarnados, os grandes médicos esqueceram a arte de réceitar...

II

A segunda fonte das mensagens há-de ser buscada na sub-conciência do m édium ; este, quando em transe, ou diz o que os assis­ tentes, sem o saberem, lhe transmitem por telepatia, ou reproduz o que ouviu ou leu an­ teriormente, em estado de vigília. Os próprios espiritas confessam isto. Diz Oliver Lodge: Só assim se explica a infantilidade das mensagens, os lugares comuns c, não raro, as tolices mais grosseiras; é que as mensagens corresponcfem admiravelmente ao nivel in- tcctual do m édium e dos seus ouvintes. Ora é o espirito de um notável poéta que vem di­ zer versos medíocres, ora é o espírito de um sábio legitimo que vem repetir coisas sabidas até pelos alunos primários de uma escola ru­ ral. (261) Em todo caso, o que os espíritos “comunicam”, quase nunca excede a inteli­ gência comum de qualquer “encarnado”. Os próprios espiritas se veem embaraçados para explicar a degeneração mental que devasta a mente dos grandes homiens que se desencar­ nam : "Alem disso, o osplrito, em consequência do obs­ curecimento relativo da conciência e da diminuição da vontade livre, sofrerá facilmente as sugestões, mais ou menos voluntárias, dos assistentes, cujos pensa­ mentos muitas vezes reproduzirá". (262). “Outras vezes há uma curiosa mistura de ele­ mentos originais e de elementos evidentemente saidos do médium ou dos assistentes”. “Em certos casos. . . as comunicações são um re­ flexo do pensamento e dos conhecimentos dos evoca- dores”. (263). — 277

Espanta-nos a ginástica mental que faz Carlos Imbassahy, para explicar a pobreza de ideias de que sofrem os desencarnados: “Quando o médium tem opiniões firmadas sobro determinado assunto, repele, conciente ou inconciente- mente, as opiniões espirituais contrárias. Repelido, o mensageiro afasta-so, e o médium fica falando ou es­ crevendo por conta própria. Há mais os casos em que muitos são os seres que se querem comunicar; uns procuram tomar o lugar dos outros; as comunicações saem então truncadas, Ininteligíveis; há pontos ad­ miráveis, que causam surpresa e estupefação, ao lado de trivialidades e até disparates”. (264). Adiante, o espirita brasileiro vem a res­ ponsabilizar os próprios espíritos: "Em suma, a lucidez do espirito manifestante nem sempre é completa. . . A perfeição das respostas depende... da perfeição do espírito... (265). Admiramos a boa vontade de Im bassahy que, mesmo sem ter procuração bastante, ten­ ta defender a imbecilidade dos desencar­ nados. A verdade é que, a-miude, “os fatos, tes­ temunhados até pelos próprios espiritas, pro­ vam que as mensagens do espiritismo não passam do reflexo do m édium ou dos assis­ tentes.” (266) Em 7 de maio de 1S99, num artigo que foi am­ plamente transcrito por toda a imprensa, Camilo F lam -

(264) CARLOS IMBASSAT — O Espiritism o & Ims «lo» Fatos, PR. 179-180. (2G5) Idem. Ibldem, pp. 259. (266) P. OTÁVIO CHAGAS DE MIRANDA — Os F c- nOmcnos Fstçnleos e o Espiritismo perante a Icreja, pgr. .7. — 278 — marlon exprimia a opinião de que o espirito que, em Jersey, se entretinha com Vlctor Hugo, sob o nome de Sombra do Sepulcro, era o próprio Vlctor Hugo, dan­ do respostas a si mesmo”. (267).

Para estudar as mensagens, Flournoy rea­ lizou um inquérito; obteve 42 respostas e 81 observações, de várias partes do mundo. “Es­ tudou-as c publicou os resultados. Tudo ba­ nal! Se tais mensagens vem do outro mundo, concluiu ele, esse outro mundo pouco vale.” (2G8). Richet, tido como espirita, escreve: “As manifestações dos desencarnados contem tan­ tos erros, infantilidades e deslembranças, que ó im­ possível aceitar que se trata de almas que voltani a este mundo. Nada nos obriga a supor que os mortos tenham os mesmos sentimentos e juizos que tinham em vida. Os personagens do outro mundo gostam de pilhérias ridículas e de trocadilhos infantis. Os desen­ carnados esquecem coisas essenciais, e se ocupam com ninharias de que, nesta vida, não se ocupariam sequer um minuto. Alguem disse: “Se a outra vida hà-de con­ sistir em ter a mentalidade de um desses desencarna­ dos, prefiro então continuar a viver aqui mesmo. "Com algumas excepções, o que os desencarnados apresen­ tam são fragmentos de uma inteligência paupérrima. Voltar à Terra por causa de uma abotoadura é su­ mamente improvável”. (269).

(2G7) “Annales politique* e t pnrlnmentnlreH”. Cf. ain­ da «L’An-Delà et le« force« Inconnue*”, por Jules Bols, pg. 256, cltados por Lucien Boure — Le Merveilleux Spl- rltc, pg-. 231. (268) Dr. LÜCIO JOSE’ DOS SANTOS — “O D iário”, de Belo Horizonte, número de outubro de 1339, atrás citado. (269) CHARLES RICHET — Grundrlss der Parapsy­ chologie, pg. 472. — 279 —

0 mesmo sentem Felipe Davis e Maurí­ cio Maeterlinck:

"Posbo dizer de minha parte que, em vinte anos do estudos. . . nunca obtive, nem vi obter por outros, uma única comunicação que possa realmente merecer a atenção de um filósofo ou de um sãbio”. (270). “A menor revelação astronômica ou biológica, o menor segredo de outros tempos, por exemplo, uma particularidade arqueológica, um poema, uma estátua, um remédio que se encontrasse, seria um argumento mais decisivo do que centenas de reminiscências mais ou menos literárias”. (271). Conhecidas são as tolices que um m é­ dium impingiu a Sir Oliver Lodge, dando-as como comunicações de seu falecido filho Raim undo. Enfim, para concluir, um autor católico: “So as comunicações vem dos espíritos, como ad­ mitir que almas bem educadas, incapazes de uma men­ tira durante a vida, desçam a dizer mentiras e trapa­ ças? Como é possível que um suposto comércio de oitenta anos com os espíritos do mundo Invisível, não tenha esclarecido nenhum fato novo da ciência, ou descoberto nenhuma verdade nova, para o bem e o consolo da humanidade? “Não há sesssão espirita a que não compareçam Shakespeare ou Aristóteles, os quais parece até pos­ suírem várias personalidades, pois são encontrados ao mesmo tempo em diversas reuniões. “Como é possivel que sábios, homens de gênio

(270) LUCIEN ROURB — Le M ervclllenx Splrlte, pg. 230. — FELIPE DAVIS — Ln (In dii monde de» Euprlt», pg. 166. (271) MAURÍCIO MAETERLINCK — La mort, pg. 13S, eitacR^pelo Dr. T. Poodt — Lo» FenOmeno» Mtaterloao» — 280 — que, nesta Terra, tanto contribuíram para difundir a lu z ... como é possivel que esses sábios, esses gênios, voltando a visitar-nos, se mostrem tão cretinos e lou­ cos?”. (272). E um autor nem espirita nem católico: “Porque é que não percebem que essas elucubra­ ções, mesmo quando apresentem combinações inteli­ gentes, são, om essência, horrivelmente estúpidas... Corneille, quando fala pela boca dos médiuns, só faz versos de calloiro, e Bossuet subscreve sermões de que se envergonharia qualquer vigário da roça. Wundt, de­ pois de ter assistido a uma sessão de espiritismo, quei­ xa-se amargamente da degenerescência que atingiu, depois da morte, o espirito das maiores personagens... Deia-so o depoimento de Jo b a rd ... do príncipe Ou- ran, o ver-se-á que esses valentes espíritos não estão melhor informados do que nós, sobre qualquer assun­ to. Realmente, deveríamos renunciar à vida futura se fosse preciso que a vivêssemos ao lado de individuos dessa espécie". (273). O fato mais notável de reminiscência literária é o que aconteceu ao médium T. P. James. Dizem que terminou o romance Edwin Drood, de Charles Dickens, cm dezembro de 1872, romance que o autor deixara Inacabado. Sob ditado do espirito de Dickens, teria o médium escrito todo um volume de 4 00 páginas. Posteriormente, porem, descobriu-se que esse sr. James passou dois anos estudando o estilo do escritor inglês, e só então conseguiu concluir “a seu modo” o romance começado. Bcrnhardt, amigo que fora de Charles Dickens, tendo sido consultado pelo dr. Surbled,

(272) 1'ATRICK J. GEARON — Lc SpIHGi.ni«-: Sn Fntlllte. pp. 124-5. (273) PXERRE JANET, citado peio dr. Grassct, Idíea .Méillcnlex, pp. 45-40. — 281 — declarou que não foi apenas o sr.Jamcs que tentou completar o romance; outros pasUclies apareceram, todos indignos do autor de Edivin Drood. E outro escritor, o sr. Fnirbnnkg, provou que, nos papéis de Dickcns, foi encontrada toda uma cena destinada a figurar no romance, cena essa que em vão se procura no romance do médium; isso prova que o espirito de Dickcns nenhuma intervenção teve no acabamento póstumo de seu romance. (274).

III

Enfim, dentre milhões de pretendidas mensagens enviados do Alem, fraudulentas umas, naturalmente explicáveis outras, apa­ rece, de quando em quando, uma ou outra co­ municação que pode ter sido transmitida por um agente intelectual extra-terreno; uma que outra comunicação enexplicavel pelas forças naturais. Entre elas, — se o fato for admitido co­ m o real, — devemos colocar em primeiro lu­ gar a chamada correspondência cruzada, — "Cross correspondence” dos ingleses, a que Flournoij chamou “Mensagens complementa­ res.” (275). “Trata-se de respostas dadas por diversos médiuns mediante escrita automática. São mensagens Incom­ preensíveis quando tomadas isoladamente, mas, apro­ ximadas umas das outras, se esclarecem e se comple­ tam como fragmentos de um mosáico”. (276).

(274) LCCIEN ROURE — Le Mcrvclllcux Snlrlte, pgr. 186-138. (275) FLOURNOY — E sprlts et Medlniu«, pg. 459. — 282 —

Os m édiuns podem estar em diversos paises, falar linguas diferentes e até desco­ nhecidas de alguns deles e, alem disso, não ter nenhum entendimento entre si. Está visto que o caso não pode ser explicado pela telepatia, porque, se uma pessoa viva trans­ mite a outra, telepaticamente, um pensamen­ to, é razoavel que lho transmita completo e inteligível. Portanto, se tais manifestações existem, só podem vir do outro mundo. Mensagens há ainda que, pelo complexo de sua contextura, não terão nunca uma ex­ plicação natural; confessemos, porem, que se trata de casos raríssimos. São as Mensagens que sa emparelham com este modelo: “Um médium, em transe, escreve automaticamen­ te esta comunicação: Vejo um homem de uns sessen­ ta anos, um tanto robusto, barbado e usando óculos de arco metálico. Acaba de morrer em um desastro do automovel, em Melbourne, Austrália. O seu nome, — diz ele, — é Thomas J. Queen, e estava antes em I,os Angeles. Quer que o snr. se comunique com seu filho João que está agora era S. Francisco”. O especta­ dor investiga o caso. Acha que existe um tal João Queen em S. Francisco; que o pai dele, Thomas Queen, estava em Melbourne, Austrália, e que foi morto no mesmo dia em que o médium lhe fez a comunica­ ção". J277). O próprio Padre Heredia, que propõe a telepatia para solucionar todos os casos de

(27G) LUCIEN ROURE — I.e Mervcllleux Splrlte, pg. 254-266. (277) Pe. HEREDIA — O Eoplrltlomo e o Bom Senão, pg. 139. — 283 — comunicações, confessa que “neste caso hi­ potético a telepatia não tem pronta explica­ ção de como o médium conheceu a fisiono­ mia do homem”, etc. (278) Em seguida, com uma tanta incoerência, dá explicações que não satisfazem nem mesmo a ele, mas conso­ la-se com dizer que o futuro há-de esclare­ cer muita coisa. Nestes casos complexos, assim como nou­ tros, todos eles decorrentes do estado de tran­ se, o mais razoavel é admitir, logo de inicio, a intervenção de um agente intelectual. Esta é, aliás, a opinião do próprio Padre Here- dia, e não sabemos a razão por que os auto­ res que se estribam no jesuita mexicano, para verem em tudo fenômenos naturais e te­ lepáticos, não prestaram atenção nesta pas­ sagem luminosa de seu livro: “Nesses casos (de transe), o médium muitas ve­ zes tala ou escreve automaticamente, ou faz ambas as coisas, manifestando um conhecimento de que, em seu estado normal, nilo tem experiência. Conforme certas relações, ESTE CONHECIMENTO E ’ DE TÃO EXTRA­ ORDINÁRIO CARATER QUE NÃO ADMITE EXPLI­ CAÇÃO SATISFATÓRIA, A NÃO SER A DE UMA TER­ CEIRA INTELIGÊNCIA". (273).

Enfim, há ainda certas comunicações que exigem, ua outra extremidade da linha, um transmissor intelectual: são aquelas que se — 284 —

transmitem em lingua que o médium não co­ nhece. Chama-se glotolalia ou xenoglossia (280) a esta ordem de comunicações em lín­ gua estrangeira. Ouçamos a experiência pessoal do dr. Fe- licio dos Santos. Diz ele: "Entre muitos fatos estupendos de mediunismos diversos, por mim observados, referl-lbe (a Carlos de Laet) as comunicações em latim, do falecido dr. L., que fora nosso amigo e professor, meu e dele. “Contei-lhe que, exigindo eu como prova de iden­ tidade uma comunicação em latim bom, e não ma- carrOnico, como me dera outro espírito; que, sendo assunto da atualidade a pastoral de Leão XIII aos bis­ pos franceses, fora eu surpreendido por esta comuni­ cação, em Ictrn própria do dr. L., que me era bem conhecida: Commovlt Petrum gallus, ploravit et illc; Nunc Pctrus galluni oorrigit, illc negat. Isto é: um galo comoveu a Pedro e ele chorou; agora, Pedro corrige o galo e este nega. Note-se o tro­ cadilho de gallus, — o galo, e gallus, — o francês. Como se sabe. Leão XIII aconselhara aos católicos franceses aceitarem a república como governo de-fato, e cuidarem em cristianizá-la. Não foi ouvido pelo maior número. “E contel-lhe mais que, estando presente minha esposa, depois de o pretenso espirito do dr. L. se ma­ nifestar por sinais inequívocos e particularidades que, entre os assistentes, só eu e ela lhe havíamos conhe­ cido, ofereceu tambem a ela um autógrafo, Indican­ do onde devia colocá-lo. E foi este:

(280) Term os form ados do grego: Glotolalia, de glosaC ou glnttt, — lingua. — e Inlein, — falar. Xenogloailn, do xenos, — estrangeiro, o glossê, — lingua.' — 285 — “Heus! vintor: hlc vir et uxor non Iitigant. (Olá, viandante! Aqui marido e mulher não disputam). E agradecendo eu o madrigal, apareceu outra co­ municação, — essa era português, a qual nos fez pas­ sar do prazer ao despeito: Isto é um dístico que copiei da pedra de um se­ pulcro. ' “Realmente, dentro dele podiam estar marido o mulher sem brigas. “Entre outras comunicações curiosas, citarei es­ ta: Pedindo eu um pensamento em inglês, sobre Wa­ shington, ao mesmo dr. L., que tambem ensinara essa lingua, apareceu este autógrafo: Hc was a sworcl whoso blado has ncver bccn wet but in Iibevty’s foc. (Ele foi uma espada cuja lâmina jamais se molhou em outro sangue senão no dos inimigos da liberdade). “Não se pode contestar a tal ciência do verdadei­ ro Espírito do espiritismo; se é um serafim decaído é chefe de legiões angélicas. . . Perdendo a inocência, não perderam eles a inteligência; aplicam-na para su­ gerir o mal, — a sujidade e a mentira principalmen­ te”. (281). (Casos Reais a Registar, empresa Editora A. B. C. limitada, 1937, pág. 185-7).

** O dr. Felicio dos Santos não fora homem tido como demasiado crédulo; político notá­ vel na monarquia e na república, homem de ciência, médico notável, abandonara a reli­ gião católica, que era a de sua familia, e tor­ nara-se, primeiro, materialista e, depois, es­ pirita praticamente. Voltando ao grêmio da

(2S1) CnxoH ItcalH n ReglNtiir — E inprssa ed. A.B.C., 1927, PB. 185-187. — 286 — Igreja, recuperando a fé, escreveu o seu Ca­ sos Reais a Registar, e ninguém lhe contestou as declarações que fez sobre o que vira no es­ piritismo. CAPITULO III

MENSAGENS DE CARATER RELIGIOSO. - A RELIGIÃO ESPIRITA.

A RELIGIÃO ESPIRITA

Os espiritas, quanto ao modo de encara­ rem a religião cristã, dividem-se em dois grupos: a) Os grandes teóricos, — Grupo A; b) Os praticantes, — Grupo B. Os primeiros são negativistas. Negam tu­ do. A julgá-los peks suas palavras, diremos que em nada diferem dos materialistas. Os segundos dizem-se cristãos. Citam os Evange­ lhos. Admitem, pois, os Livros Santos como fonte uutorizada de ensinamentos religiosos. Admitem, portanto- de acordo com os Evan­ gelhos, a existência humana de Jesús-Cristo. Pretendem que a doutrina espirita é emimen- temente cristã. (282). Julgaremos os dois grupos num só capí­ tulo. Já que o grupo B cita a Bíblia e se diz

(282) ALLAN KAKDEK — Lo Livre des EprI«*, pg. — 288 — cristão, quer dizer que admite a Bíblia como palavra de Deus. Aceita os ensinos de Cristo. Vamos provar, contra esse grupo, que to­ da a doutrina “dos espíritos” c contra a dou­ trina da Biblia. Como o grupo A nega as mesmas verda­ des negadas pelo grupo B, refutado este, esta­ rá refutado aquele. Mostraremos qufe^o Espi­ ritismo nega todos os dogmas da Religião Ca­ tólica, dogmas estes contidos, explicita ou im­ plicitamente, na Bíblia. Procederemos por partes. DEUS. a) Para a Religião Católica, há um só Deus. (Deut., 6:4). Mas esse Deus é pessoal, visto como se distingue das coisas que criou. (Gen., 14:19). E’ eterno, é ato puro, é ens a se, necessário, espirito puríssimo. O que fez, podia não fazer. Quer dizer que agiu livre­ mente, criou livremente: “Fez tudo o que quis fazer, no Céu, na Terra, no mar e cm todas as profundezas.” (283). “E Deus criou no tempo c não na eterni­ dade, visto como ele “criou no principio (Gen., 1:1)” e a eternidade não tem princi­ pio. b) Os espiritas, grupo A, afirmam que a m atéria é eterna e que Deus não se distingue da matéria; a matéria é deus. Panteism o, por conseguinte. Não existe um Deus pessoal. Mas um Deus, que não seja pessoal, não é

(233) “ Omni» qtiiicouniquc volult feclt ln coelo, ln terrn, lu marl ct ln ouinlbux iiIij-hhI*'’. Salmo 134:0. — 289 —

Deus. Logo, por ilação, negam a existência de Deus. São ateus: “Para nós, a idéia de Deus não exprime a idéia de um ser qualquer, mas a idéia do ser, que contem todos os outros seres... O mundo renova-se incessan­ temente em suas partes: o todo é eterno". (284). “A ciência já destruiu as concepções ancestrais do universo, como: Divindade exterior ao universo, C é u .. . ” (28B). “O Ser Supremo não existe fora do mundo, mas é parte integrante e essencial dele.” (286). Outros espiritas, — grupo B, — admitem Deus, mas negam-lhe atributos essenciais: a justiça, a providência, a necessidade, a onipo­ tência. Assim, o Deus desses espiritas ou é a matéria, o grande Todo, ou é um Deus mu­ tilado, sem atributos essenciais. (287) Para eles, Deus não é criador no sentido de enle necessário, que tudo tirou do nada: “A palavra criar, dizem, deve desaparecer dos di­ cionários, porque é uma palavra sem sentido. Deus não criou; produziu. Não criou, porque tudo é maté­ ria; mas condensou as matérias imponderáveis, que ti­ nha eni seu poder, e animou-as pela sua força e von­ tade. Estas moléculas em suspensão. .. são precisa­ mente os materiais de que se serviu, e é esta conden­ sação maravilhosa que constitue a sua obra.” (288). Alem disso, afirmam que Deus criou ne­ cessariamente, c assim negam a liberdade de

(284) LÉON DENIS — Aprio In Mort, pg. 144-145. (2S5) Dr. E. GYEL — EHpIrKIxnio, passim. (28G) LÉON DENIS — Ln grande Ênlgmc, pg. 1G. (287) Dr. E. GYEL, opus clt., pg. 115. (2SS) CH, D'ORlNO — Ln geníxc de pg. 15. — 290 — Deus. Por conseguinte, se Deus criou neces­ sariamente, criou desde que é Deus; por isso, todo o criado é eterno, inclusive a matéria: "A produção (de Deus) é eterna, porque Dous, por existir sempre, também sempre produziu. Deus n3o pode estar nunca sem agir”. (289). “Forçoso é supor o universo co-eterno com a di­ vindade”. (290). Em conclusão: a doutrina espirita leva para o panleism o, para o ateísm o e para o mais radical dos materialismos.

SANTÍSSIMA TRINDADE. a) Para a Religião Católica existe um só Deus. Mas em Deus há três pessoas, Pai, Filho e Espírito-Santo. Isto é, Deus é uno em essência e trino em pessoas. E’ o grande dogma da Santíssima Trindade. (Mateus, 28:19). “Três são que dão testemunho no Céu: o Pai, o Verbo e o Espírito-Santo; e estes três são um só.” (I Jo., 5:7). b) Os espiritas, de ambos os grupos, ne­ gam que em Deus haja três pessoas. Não ad­ mitem, portanto, a Santíssima Trindade. Es­ tão contra os Evangelhos de Nosso Senhor Jesús-Cristo. “Quantas pessoas há em Deus? pergunta Xata- linl. E responde: Uma só. Deus criador, Deus salva­ dor”. (291).

(289) CH. D'ORINO. op. clt„ ps. 15. (290) MARTINS VELHO — Aa potCnclaa ocultr.H iln nl- mn, pk. 345. citado por Valérlo Cordeiro, O Espiritismo, Pg' (291) UMBERTO NATAL1NI — Glt Splrltl e II loro Mondo, PB. 82. — 291 —

JESÜS-CRISTO.

a) Para a Igreja Católica, Jcsús é o Fi­ lho de Deus feiio lioniem: ‘‘O Verbo fez-se carne” (S. João, 1:14). E’ a segunda pessoa da Santíssima Trin­ dade: “Batizando-os em nome do Pai, e do Fi­ lho e do Espirito-Santo” (Mateus, 28:19). “Nasceu de Maria Virgem”: (Evangelhos Siuóticos). “Não teve pai, segundo a carne, mas foi concebido por obra do Espirito-Santo.” (Lu­ cas, 1 :35). E’ Deus, como o Pai e o Espirito-Santo. Só Deus tem o poder de perdoar c pe­ cado, porque o pecado é ofensa de Deus e só o ofendido pode perdoar a ofensa; ain­ da mais: só Deus pode fazer milagres em seu próprio nome, porque o milagre é uma suspensão particular da lei natural, e só o le­ gislador pode suspender a sua lei. Orn, Je- sús perdoa pecados e, para provar que po­ de fazê-lo, opera milagres em seu próprio no­ me. (Mateus, 9:6). Logo Jesús é Deus. Alem disso, o Evangelho de S. João decla­ ra explicitamente que Jesús, o Verbo de Deus, é Deus e que, como Deus, já existia quando as coisas começaram a exislir; portanto, vindo para o mundo visivel, veio para o que era seu, porque por ele tudo se fez que foi feito. “No princípio existia o Verbo. . . O Verbo era junto de Deus, o Verbo era Deus. Tudo por ele foi feito. Velo para o que era seu, e os seus não o quise­ ram reconhecer”. (João, 1:1-15). — 292 —

Assim, Jcsús é Deus; mas d homem tam­ bém, descendente de Adão, por Maria. (Ma­ teus c Lucas, Genealogias). Como Deus, os seus atos tem valor infi­ nito; como homem, Jesús representa o ofen- sor na obra da Reparação do pecado. (292). Veio a este mundo para salvar os homens, para dar-lhes a graça da salvação: João, 1 0 : 10 . Foi assassinado, mas sua morte teve por fim salvar os homens: Isaias, 57:7 e II Cor., 5:15. Ninguém pode salvar-se a não ser em nome de Jesús-Cristo — : “Non est in alio ali- quo salus, nec aliud nomen est sub caelo da­ tum Iwminibus, in quo opporteat nos salvos fieri.” (Atos, 4:12). b) O espiritismo nega toda esta doutrina relativa a Nosso Senhor Jesús-Cristo. Para os espiritas, Jcsús não é Deus; é, quando mui­ to. um deus da Terra, expressão que nada significa. (293) É um m édium , — um espí­ rito superior que se encarnou para instruir os homens; é um filósofo, um grande homem, mas sim ples homem. " . . .espírito superior, colocado por suas virtudes, muito acima da humanidade terrestre, Jesús era o módium de Deus”. (194). Sc Jesús-Cristo não c Deus, os seus mere­ cimentos não são infinitos, não tem valor de resgate divino. Aliás, todos são unânimes em dizer que Jesús se encarnou, não para salvar (202) rc . D r. VALÉRIO CORDEIRO — O E spiritis­ mo, pp. 61. (203) CIT. D’ORINO — Lo pènese de 1’flme, pp. 3G5. (201) ALDAN KARDEC — Genesis, c. 15. — 293 — os homens, mas para ajudá-los a progredir in- leciual e moralmente. (295) Logo, os homens podiam prescindir da vinda de Jesús. Assim, o espiritismo nega os dogmas da Incarnação e da Redenção, segundo o conceito biblico. Depois, nada havia a resgatar, porque, conforme veremos, o espiritismo nega tam­ bém o fato do pecado original.” O espiritis­ mo, destruindo a divindade de Cristo, negan­ do o pecado original, a Redenção e a Graça, leva os seus adeptos ao racionalismo.” (296) Até aqui tínhamos visto já duas conse­ quências perniciosas do espiritismo: panteís­ m o e ateísm o. Junte-se mais esta: raciona­ lismo. O HOMEM. a) A Religião Católica ensina que o cor­ po do homem não foi criado imediatamente, mas form ado de matéria preexistente, signi­ ficada pela palavra barro ou lim o: “Formauit igitur Deus hominem de limo le rra e — ” (Gen., 2:7). Isto não quer dizer que o corpo humano seja o resultado da evolução lenta de corpos animais inferiores. A Religião Católica, se não condena o evolucionismo aplicado aos animais, condena-o, quando aplicado ao ho­ mem, porque este foi objeto de uma ação di­ vina direta e especial; a respeito da produção dos animais a Bíblia diz que a terra se encar­ regou de realizá-la: “Produza a terra a alma vivente, — gado e repteis, e bestas-feras.“ (Gen., 1:2-1). (295) LÉON DENIS — CaterhlM ue Spirlte, pg. 89. (296) Po. CORDEIRO, op. cit., pg. 64. — 294 — Mas a respeito do homem, De. s aparece agindo por si: “Façamos o homem à nossa imagem e semelhança.” (Gen., 1:26). Isto a respeito do corpo. Quanto à alma, é certo que esta não foi formada de matéria preexistente, mas criada em primeira mão, imediatamente: “Inspirou Deus na face dele um sopro de vida.” (Gen., 2:7). Para a primeira mulher temos isso mes­ mo, com diferença de que o seu corpo foi for­ mado já de matéria viva, e não de elementos inanimados. É pelo lado da alma e não pelo lado do corpo que o homem foi criado à imagem e semelhança de Deus (Gen., 1:26), pois Deus não tem corpo. Por ai conhecemos algo da na­ tureza da alma. Ela é sim ples, isto é: não tem parles integrantes; é im aterial, isto é. in­ corpórea; é espirito, isto é, intrinsecamente independente da matéria; é im ortal, porque, sendo simples e incorpórea, é incorrutivel, e, sendo espirito, não depende da matéria, para existir. Do primeiro par, — Adão e Eva, — pro­ cedem todos os homens. O corpo aparece por via de geração e as almas são criadas, direta­ mente, por Deus, à medida que os corpos vão sendo concebidos: “De um só homem fizera Deus descender todo o gônero humano que habita sobre a Terra inteira”. (2 9 7 ).

(297) “Fecit es uno oiunc jçenus komlnnm inhnbltnre mper unlversam fedem terrae”. (Atos dos Apóstolos, 17:26). - 295 —

0 primeiro casal foi criado inocente e, não sendo isso exigido pelas condições da na­ tureza pura, foi elevado à ordem sobrenatu­ ral. por extremos da bondade de Deus; dai, duas ordens de dotes que devia transmitir a seus descendentes: os dotes naturais, — a vida e seus benefícios, e os dotes preter-natu- rais, que constituíam um privilégio da espé­ cie humana: isenção de dores, saude perpé­ tua, imortalidade. Tendo, porem, pecado, Adão e Eva perderam os dotes preter-natu- rais. O seu pecado foi pessoal e representati­ vo. Enquanto pessoal, foi-lhes perdoado; mas enquanto representativo da espécie, privou-os temporariamente do Céu e, alem disso, pas­ sou para todos os seus descendentes. É o que se chama pecado original: “Assim como, pelo pecado de um eó homem, fi­ caram todos sujeitos à condenação, assim, pela justiça de um só, Jesús-Cristo, veio para todos a justificação que dá vida“ (Rom., 5:18). "Pelo que, como por um homem entrou o pecado no mundo, e pelo pecado a morte, assim tambem a morte passou a todos os homens, por isso que todos pecaram nele”. (Rom., 5:12). b) Tudo isso é negado pelo ESPIRI­ TISMO. Quanto ao corpo, o espiritismo nega a. sua formação imediata por Deus; admite o transformismo rigoroso, não só quanto ao corpo, mas ainda quanto à alma: "A noção da evolução anímica unida à noção da Evolução orgânica. . . explica tudo”. (298). (298) Dr. E. GTEL, — E»pirltUmo, Dff. 10S. — 296 —

As formas teriam aparecido espontanea­ mente; evolucionaram, em seguida, até o apa­ recimento do homem. Isto é diametralmente oposto ao ensino de Cristo. A Bíblia diz, cla­ ramente, que o homem foi feito por Deus já cm estado adulto, e dotado de sexo. 0 sexo foi dado para a transmissão de um ser especi­ ficamente igual ao pai, e em estado orgânico perfeito, sem necessidade de posterior evolu­ ção. E isto desde o primeiro homem. Portan­ to, nada de evolucionismo. Mas o espiritis­ mo dogmatiza o contrário. Diz ele: “E’ verdade que todos nós passamos pelos orga­ nismos interiores. . . e os animais tambem estão des­ tinados a chegar à humanidade”. (299). “A alma vai primeiro encarnar no mineral, de­ pois no vegetal, enfim no animal precursor da huma­ nidade, para, ultimamente, afetar o corpo do ho­ mem”. (300). Logo, os homens descendem dos animais. (301) Dos espiritas, uns afirmam que Adão não foi o primeiro homem, outros lhe negam existência, e relegam-no para o terreno dos mitos. (302) Sendo assim, os homens não pro­ cedem de um casal único. Vimos que o corpo precede à alma; não só para o primeiro homem como para os seus descendentes, a alma foi criada diretamente por Deus, depois de o corpo estar formado: “Formou o homem... e lnspirou-lhe um espiri­ to, — spirneulum vitnc”. (Gen., 2:7). (299) Idem, Ibidcm. pg. 132. (300) CH. D’ORINO, op. cit., pg. 23. (301) Dr. E. GYEL,. op. clt.. pg. 88-87. (302) ALLiAN KARDEC — Lc» Livre» de» E«prl(», n.o» 43 a 50. — 297 —

Para o espiritismo, porem, a alma sem­ pre existe antes do corpo: “A alma subsiste à destruição do organismo, co­ mo preexiste à sua formação". (303). “Com a preexistência da alma tudo se explica ló­ gica e naturalmente”. (304). Na Bíblia, a alma é criada. No espiritis­ mo, é produto de evolução da matéria: “Há evolução para o principio psíquico. No co­ meço da evolução, a alma é simples elemento de vida, uma inteligência potencial”. (305). “A alma humana não foi criada completa, com todas as faculdades que aprouve dar-lhe o Criador. Forma-se e desenvolve-se por si”. (306). Sobre a natureza da alma, o espiritismo confessa a sua ignorância. (307) Tudo, pois, que afirma sobre a alma é apenas hipótese. Numa coisa, porem, estão de acordo quase todos os teóricos espiritas: no negarem a ima­ terialidade da alma. Para eles, a alma não é imaterial nem simples: “Não sabemos se o princípio inteligente tem a mesma origem que a matéria. .. ou se é uma emana­ ção da Divindade". (308). Em todo caso, “é menos eia- to dizer que os espíritos são imateriais... porque o espirito, sendo uma criação, deve ser alguma coisa: é a quinta-essência da matéria”. (309).

(303) Dr. GYEL, op. clt., pg. 8. (301) ALLAN K AR DEC — Le Livre deH Eeprltn, n.» 130. (305) Dl'. GYEL, op. clt., pg. 13. (30G) Dr. GYEL, op clt., pg. 116. (307) Dr. GYEL, op. clt., pg. 28 e LÉON DENIS, Cn- teehlNine Splrlte. passlm. (30S) ALLAN KARDEC — Le Livre deg Egprltg, pg. 12. (309) Idem, Ibldem, n.og 78 • 82. — 298 —

"A nosso ver, as duas expressões espírito e maté­ ria deveriam ser banidas. Em vez delas, empregaría­ mos apenas a palavra substância para designar a es­ sência das coisas... Desta sorte acabaria toda diver­ gência entre materialistas e espiritualistas, porque a matéria e o espírito passariam a ser simples modali­ dades ou estados de substância”. (310).

Portanto, alem de levar ao atéism o, ao panteísm o e racionalismo, o espiritismo leva tambem ao materialismo. Errando sobre a origem da alma huma­ na, os espiritas erram ainda sobre o seu des­ tino, pois, como veremos adiante, origem e destino são coisas conexas. FRATERNIDADE HUMANA — PECADO ORIGINAL. . Vimos que o espiritismo não admite a origem monogenética dos homens. Para ele, os homens foram aparecendo na Terra, em consequência de uma evolução lenta e pro­ venientes de germes esparsos. Por conseguinte, se os homens não proce­ dem todos de Adão e Eva, o pecado original é uma fábula. É isto, de-fato, o que vocife­ ram os autores espiritas: "Desapareceu o dogma do pecado original com suas consequências Injustas e bárbaras". (311). Negaram, pois, o pecado original, mas, não podendo negar as suas consequências, — a existência do mal, os sofrimentos, as pena­ lidades, — tentaram explicar estas de um (310) Idcm, ibldem, pg. 35. (811) Dr. GTEL — Eaplrltlam o, pg. 114. — 299 — modo grotesco: ressuscitando o velho absur­ do da reencarnação. Outra consequência do erro espirita: o desaparecimento da fraternidade humana. Com efeito: se os homens se dizem irmãos, não é por terem sido todos criados pelo mes­ mo Deus, não; aliás, todas as criaturas se­ riam irmãs umas das outras, porque todas foram feitas por um mesmo Deus. 0 burro seria irmão do homem. A pedra seria nossa irmã. Isto é erro. Na doutrina da Bíblia, somos todos ir­ mãos, porque somos todos filhos de um mes­ mo pai remoto, segundo a carne: Adão. Se cha­ mamos a Deus "Pm nosso que lestais no Céu”, é porque Deus é pai desse nosso pai. Adão procede diretamente de Deus e não de ma­ cacos ou de causas materiais fortuitas— : “Jesús, conforme julgavam, era filho de Jo­ sé, ie este veio de Heli, e este de Matat, e este de Levi... e este de Set, e este de Adão, e es­ te de Deus." (S. Lucas, 3:23-48). Portanto, o conceito de fraternidade, hu­ mana não existe no espiritismo. Se ós espiri­ tas se dizem irm ãos é com impropriedade de linguagem; força do hábito somente, por estarem acostumados com os termos cristãos.

ANJOS. a) De negação*em negação, toda a dou­ trina dê Jesús se esboroa no ensino espiriti- tico. A Bíblia admite três categorias de cria­ turas: — 300 —

1.°) As criaturas materiais, com suas 'energias c propriedades; 2.°) As criaturas imateriais, ou espíritos; 3.°) As criaturas mixtas, — que são os homens. Quanto às coisas materiais e às mixtas, isto é, quanto à criaçãço do mundo visivel, bas­ te consultar os dois primeiros capítulos do G ênese: “No principio Deus criou o Céu c a Herra.” Mas Deus não fez só o mundo visivel; fez tambem o invisível: "Nele foram criadas todas as coisas, nos Céus e na Terra, — as coisas invisíveis e as visiveis, — quer os tronos, quer as dominações, quer os principados, quer as potestades”. (Colossenses, 1:16).

Nas Escrituras Sagradas, temos ainda dois ensinos importantes relativos ao anjos: 1.°) Os anjos não são as almas dos ho­ mens; 2.°) Os anjos são bons, uns, e maus, ou­ tros; mas, no princípio, todos foram bons. A alma distingue-se do anjo, primeiro, porque a alma foi criada no corpo e em or­ dem ao corpo, ao passo que o anjo não; este foi criado separado e independe dle corpo; se­ gundo, porque o anjo exerce misteres especi-: ais dcLerminados por Deus, — como ser en­ viado embaixador junto aos homens, ser guarda de indivíduos, cidades, reinos. E is­ — 301 — so não se lê das almas. Cf.: Lucas; Atos, 12:11; Mat., 1:11. Grande é o poder do anjo no mundo vi- sivel: (4.° li v. dos Reis, 9:35; 2.° dos Mac., 15:22); o da alma separada do corpo é nulo. Morrendo Lázaro, “a sua alma foi levada pe­ los anjos ao seio de Abraão”; isso prova que a natureza da alma é diferente da do anjo, e que a alma e anjo são seres diferentes e dc poderes diferentes; são espíritos, mas em sen­ tido diverso. (Lucas, 16:22). O anjo mau, a quem chamamos demônio, que quer dizer gênio, ou diabo, que significa caluniador, não se distinguie do anjo bom quanto à natureza, mas sim quanto ao esta­ do. Os anjos maus foram criados bons c, de­ pois, tornaram-se maus e foram condenados, sein remissão possivel: “Como caiste do Céu, ó Lúcifer?” (Isaias, 14:12). “Deus não perdoou aos anjos que pecaram”. (2.* de Pedro, 2:4). “Eu via a Satanaz cair do Céu como relâmpago”. (Luc., 10:18). “Jesús subjugou nas cadeias eternas, sob as tre­ vas, os anjos que não conservaram o seu principado, mas abandonaram a sua liabltagão". (S. Judas, 1:5-7). A Sagrada Escritura ensina a existência dc um agente real, pessoal e não metafórico, inimigo dc Deus, espírito imundo, cujo ofício é guerrear a Deus e perverter os corações dos homens. No Levitico Deus proibe oferecer sa­ crifícios aos demônios: “E nunca mais imolarão suas vítimas aos demó­ nios." (Lev. 17:7) — 302 -

Alhures, Deus se queixa de que seu povo oferece sacrifícios aos demónios: (Deutcronô- mio, 32:17). “Imolaram aos demônios os seus filhos e as suas filhas.” (Salmo 105, 37). b) O espiritismo batalha todas estas no­ ções. Para ele, não há anjos bons nem demô­ nios. Os anjos bons são almas boas desencar­ nadas. Os diemônios são tambem almas de­ sencarnadas, que ainda não atingiram a per­ feição. E, como as almas desencarnadas se chamam espíritos, segue-se que anjo, demô­ nio e alm a são a míesina coisa, porque tudo é espírito. “Segundo o doutrina espirita, os anjos não são seres à parte e de natureza especial; são os espíritos de primeira ordem, isto é, aqueles que atingiram o estado de puros espíritos, dopois de terem passado por todas as provações”. (312).

Contrariando a doutrina divina, exara­ da nas Sagradas Letras, ensina Allan Kar- dec: “Satanaz é evidentemente a personificação do mal, sob uma forma alegórica; porque não se pode admi­ tir um ser mau que luta, potência contra potência, com a Divindade, e cuja única ocupação é contrariar os seus desígnios. (313). “Os espiritas nos ensinam que Deus não pode criar seres votados ao mal o infelizes eternamente. Se­ gundo* eles,não há demônios na acepção absoluta e restrita deste termo; o que há são espíritos imperfel-

(312) ALLAN KARDEC — Inetrnctloii Pratique «nr les M aulfeutntlonn «pirites, s. v. nnge, pg. 8. Paris 1923. (318) Idem — Lc Livre des Esprlta, pg. 39. — 303 — tos que podem, todos, tornar-se melhores pelos seus esforços e por sua vontade". (314). A confusão cardecista é manifesta. Há má fé da parte de Kardec. A Igreja nunca ensinou que Deus criou seres votados ao mal. Deus não criou ninguém destinado ao infer­ no; não criou o demônio para o inferno, mas sim o inferno para o demônio, segundo o tex to : "Afastai-vos de mim, malditos, e Ide para o fogo eterno que foi preparado para o diabo e para seus se­ quazes”. (Mat., 25:41).

NOVÍSSIMOS. a) A alma humana, separada do corpo, segue para um dos três destinos: purgató­ rio, que é temporal, Céu e inferno, que são eternos. Nada há mais certo, segundo o texto bí­ blico. Quanto ao Céu e inferno, se conside­ rarmos, no segundo, o tormento íniimo do condenado, — o remorso, a pena de dano, — e, no primeiro, a felicidade perfeita dos bem-aventurados, — podemos dizer que são dois estados, e, como tais, são independentes de lugares. Mas não há dúvida que, tanto o Céu como o inferno, são tambem dois luga­ res determinados, onde as almas gozam ou sofrem o seu estado definitivo. Quanto ao Céu, consulle-se, por exem­ plo, S. Marcos, 16:19; aí se lê que Jesús su­ biu para o Céu, onde está sentado à mão di- (311) ALLiAN KARDEC — Instructlon pratique, s. v. demon, pg. 10. — 304 —

reita de Deus Pai. Veja-se ainda Gen.; 28:17. etc., etc. Quanto ao inferno, a Escritura o descrie- ve como lugar de tormentos (315) e dele fa­ lam os Evangelhos 17 vezes. Aqui se diz que o rico, morrendo, foi sepultado no inferno; ali sentencia Jesús: “Ide, malditos, para o fo g o » Em resumo: Os maus irão para o suplí­ cio ieterno, os bons para a vida sem fim . (S. Mateus, 25:46). Quanto ao Purgatório, dele há menção bastante clara nos Livros Santos. Alem do 2.° livro dos Macabeus, 12:44, leia-se: Ma­ teus, 5:26 e 12:32, Filip. 2:3, la. Petri, 3:19 je: “... o fogo provará qual seja a obra de cada um; se a obra de alguem se queimar, sofrerá detrimento; porem o tal será salvo, todavia como pelo fogo.” 1.“ aos Cor., 2:14-15. b) Os espiritas põem por terra toda es­ ta doutrina de Jesús; negam a Justiça Di­ vina. Todas as religiões querem uma sanção condigna após a vida terrena. O espiritismo prescinde dessa sanção. Com efeito, exami­ nando o sistema íespirita, encontramos nele esta série de afirmações:

1.') Céu e Inferuo, nos Evangelhos, são nlcgo- rin s; 2.°) Céu c Interno são estados da alma, e não lu­ gares de prêmio e castigo; 3.°) Fogo eterno é uma metáfora e não uma rea­ lid ad e; 4.o) A eternidade das penas não existe;

(315) I.ociim tormentoriim, Lucan, 1G:23. — 305 —

5.u) O Purgatório é neste mundo, para o qual a alma volta, reencarnando-se. “Não há inferno localizado no sentido vulgar li­ gado a este termo; cada qual o traz em si mesmo pe­ los sofrimentos que tolera”. (31G). “Os espíritos rejeitam o dogma da eternidade das penas”. (317). “A localização absoluta da região das penas e das recompensas só existe na imaginação do ho­ mem”. (318). “O purgatório existe nos mundos de expiação co­ mo a Terra, onde os homens expiam o passado e o presente, em proveito do futuro”. (319). "A doutrina espirita nos mostra a habitação do3 bons, não num lugar circunscrito, mas onde quer que haja bons espíritos, — r.o espaço para aqueles que são errantes, nos mundos menos perfeitos para os que estão encarnados". (320). Cf. ainda D’Orino, La gcnc- so de râme, p. 318, e Dénis, Catéchisme Spiritc, p. 31. etc.

OUTRAS VERDADES. Indo dc negação em negação, os espiri­ tas destroem toda a doutrina de Nosso Se­ nhor Jesús-Cristo: Negam a economia da Graça, — porque a graça dc Deus c inutil; Negam a ressurreição da carne, — por­ que o corpo é apenas uma roupa que a al­ ma veste e despe, à vontade; a alma não tem mais relação com o corpo de uma encarna- (31G) ALLAN KARDEC — IiiHtruction Pratique aur ManlfcHtatloiiu Splrltcn, |)g. 13. (317) Idem, Ibldem, pg. 41, 31 e 36. (31S) e (310) ALLAN KARDEC — O Cíii e o Inferna, c. 3 c seguintes. E O Livro dos KsptrlloM, parte 4.*, c. 2. (320) Jdem. Instructlon pratique snr Ich aianlfcstn- tloiiN Spi-Ut-x. ps. 33 o 34. — 306 —

ção anlericv desde que se reencarnou num oulro; Negam os Sacramentos. No espiritismo não há batism o, porque não existe pecado original; ,e este não existe, porque os ho­ mens não procedem de Adão e Eva. Não há confirmação, nem matrimônio, nem ordem , nem penitência, nem extrema-unção, porque a finalidade dos sacramientos c a infusão da graça, que o espiritismo não admite. Negam a SS. Eucaristia, porque o fundamento desta c a palavra infalível de Jesús-Cristo, — Deus ie H om em , — mas Jesús não é Deus no sis­ tema espirita; Negam a Divina Maternidade de Maria e os dogmas relativos a Maria porque, se Je­ sús não é Deus, Maria não é Mã;e de Deus. Negam a ressurreição de Cristo. Como já dissemos, negam a ressurrei­ ção dos corpos. Ou implicitamente, ensinan­ do que a alma não retorna nunca para seu próprio corpo, mas para outro. Ou explici­ tamente: “Os corpos ficam toialmente destruídos, nem há possibilidade alguma de algum dia ressuscitarem". (3 2 1 ). Os Evangelhos, porem, afirmam, a cada passo, o falo “da ressurreição” dos corpos: “E eu o ressuscitarei no último dia”. (João, 6:53). “Bem sei que ha-de ressuscitar na ressurreição do último dia”. (João, 11:21). Cf. ainda: João, 5:23-29. Atos, 17:23:24), Cor., 25:51 e 42, etc.

(321) ALLAN KARDEC — O Livro do* EapfrMoa, n.o 1010. — 307 —

E no Símbolo dos Apóslolos: “ Creio na ressurreição da carne, na vida eterna. Am em .” Negam a necessidade de oração e o valor do arrependimento: "A prece serve somente para nos fortaleceT em nossos so frim e n to s” e a s faltas.pão reparadas, não pe­ lo arrependimento, mas "pela prática do bom”. (322).

MORAL.

Segundo o espiritismo, a lei divina con­ siste apenas “na máxima do amor do pró­ xim o.” (323) Fazer o bem c o único diever do homem. O homem deve abster-se somen­ te do prazer que prejudica o próximo. (324) Assim, portanto, “não deverá rejeitar os pra- zeres da existência, nem considerá-los como pecados.” Dentro desta moral ampla e imprecisa, cabem todas as patifarias, — o adultério, a prostituição, a avareza, os vícios solitários, o homo-sexualismo, .etc. É o hedonismo de Epicuro em ampla escala. Ademais, o espi­ ritismo não aceita o decálogo como moral inspirada. A moral espirita condena o celibato e as mortificações do corpo. (325) “Não enfraqueçais o corpo com privações inúteis e macerações desnecessárias”. (32G).

(322) LÜON DENIS — Cntechísmc Splrlte, pg. S e 9. (323) Idem — Cntcnul»«>c Splr., pg. 11. (324) Dr. E. GYEL — E spiritism o. pg. 128. (325) Dr. E. GYEL, Ibidom, pg. 128. (32G) ALLAN KARDEC — O Evungelho scgnndQ o E s­ piritism o, c. 6. - 308 - Na indissolubilidade do matrimônio es­ tá fundada a existência e santidade da fam í­ lia cristã. Jesús-Crislo afirma que a indis­ solubilidade do vinculo c lei d ivin a : “ O que Deus uniu, o homem não separe.” (S. Ma­ teus, 19:6). O divórcio c condenado. O espiritismo, porem, ensinando que a indissolubilidade é contrária à lei natural, justifica o divórcio onde existe, e autoriza um cônjuge a abandonar o outro, onde não há divórcio. (327). Conforme observou Felicio dos Santos, — que foi espirita, — o espiritismo reprova o suicídio. Mas tal reprovação é apenas teó­ rica; na prática, o suicídio é aprovado pe­ lo espiritismo, não só porque o estado men­ tal, criado pelas sessões, leva ao suicídio, como porque a doutrina da reencarnação autoriza a desejar e procurar uma encarnação nova, mais perfeita do que a atual, e isto se pode conseguir pelo suicídio. Alem disso, qual o castigo que aguarda a alma do suicida? Nenhum. “Náo há penas determinadas para o suicida. Há, porem, uma consequência a que o suicida não pode escapar: é o desaponto". (32S). Para resumir, diremos que a moral dos espiritas c uma doutrina fragmentária, im­ perfeita e infantil. Como muito bem notou o Pe. Cordeiro, o espiritismo conservou, da

(327) ALLAN KARDEC — I.e Livre 7, 1)5. 297. — FIGUIEK — Hlntolre dn Mervelllcuv, pE. ‘ (32S) I.c Livre iIch E sprllx, n.-> 937, pE. 397. — 309 — moral evangélica, apenas o que é suave c in­ dulgente. (329) Podemos, enfim, dizer que toda a dou­ trina espirita, — dogma c moral, — se sin­ tetiza nisto: plágio amplo e vergonhoso. Tu­ do o que o espiritismo afirma ou nega, já foi afirmado ou negado por algum sistema religioso antigo. É o que, inconcientemente, confessa um escritor espirita, — o dr. E. Cyel; diz ele: “Pretendem os espiritas que os principais ele­ mentos de sua doutrina estão incluídos em todas as grandes religiões da antiguidade, dissimulados sob símbolos e em manifestações exteriores do culto. Cons­ tituíram um ensino secreto, reservado aos iniciados superiores. Encontram-se esses elementos nas religiões dos Druidas, nas da índia e, sobretudo, nas do Egi­ to”. (330). Uma coisa, é certo, avulta no sistema es­ pirita, mas sem originalidade: o seu ódio im­ placável à Igreja Católica, fundada por Nos­ so Senhor Jesús-Cristo, e aos ministros dessa Igreja. Oiçamos a hipocrisia com que fala Kardec: “Esta nova religião ó chamada a exercer uma grande jnfluôncia na sociedade. . . E’ ela quem hi-de restaurar a religião de Cristo, agora tão rebaixada pelos padres a uma especulação comercial.. . E’ ela a religião natural, que brota do coração e vai direta­ mente a Deus, sem ter por intermediários as batinas ou os degraus do altar”. (331).

(329) Pe. Dr. VALÊRIO CORDEIRO — O E spirltls- ino, pg. 73. (330) Dr. E. GYEL — E spiritism o, pg. 109. (331) Stmlles, cltndo por Vnlérlo Cordeiro — O Espi­ ritism o, pg. 66. — 310 — Embora finjam não ser inimigos do Cris­ tianismo, todos os espiritas se mostram hos­ tis ao Catolicismo. “ O espiritismo, — vocifera o sr. De Noy- es, — vai ser a morte de todas as superstições, que serão destruídas como fumo; o credo de Santo Atanásio será abolido.” (332) Aprescnta-se, pois, o espiritismo como uma Nova Religião. Mas em que se baseia? Quais as credenciais dos seus fundadores? Afirmam que sua doutrina representa uma terceira revelação feita por Deus aos ho­ mens: “A lei do Antigo Testamento está personificada em Moisés, a do Novo Testamento no Cristo. O espiri­ tismo é a terceira revelação da lei de Deus; mas não a personifica indivíduo algum, por ser o produto do ensino dado em todos os pontos da Torra, não por um liomem, mas pelos espíritos, que são as vozes do Céu, e por uma multidão inumerável de intermediá­ rios. (333). Mas esta pretensa revelação é nula: fal­ ta-lhe base, visto como os espíritos evocados não podem provar se vem de Deus ou de Sutanaz. A revelação judeo-crislã foi feita em plena luz, e a missão dos intermediários ou apresentadores foi provada por milagres autênticos, praticados em presença de teste­ munhas inúmeras e em pleno dia. Em con­ traste com esta clareza meridiana, a chama­ da “revelação dos espíritos” é dada como feita nas trevas, a uma meia dúzia de his-

(332) Apud Cordeiro, pg. 56. (333) ALLiAN KARDEC — O Evangelho negando o EnpIrltUmo, c. 1. — 311 — téricos e por espíritos desconhecidos, isto é, não identificados. Depois, e este ponto merece frisado, a pseudo-revelação ensina doutrina contrária à doutrina de Cristo: é, pois, como vimos, anti-cristã. Não há espiritismo cristão. Quem o qui­ sesse defender, defenderia uma tolice. Diremos, enfim, que o Doutor das Gentes, — São Paulo, — prevendo que, no decurso dos tempos, herejes se apresentariam como novos intermediários entre Deus e os ho­ mens, antecipadamente condenou toda nova revelação que estivesse em contradição com a revelação primeira, embora se inculcasse como provinda de Deus. “Ainda que nós ou um anjo do Céu vos anuncie outro evangelho, diferente do que vos tenho anunciado, seja anátema. (Aos Gá- latas, 1:8)

B. - O espiritismo científico-indigena. Há um grupo de espiritas nacionais que se intitulam, modestamente, científicos, ra­ cionais e cristãos. Constituem, entre nós, a ala esquerda do espiritismo. Referimo-nos aos sócios do “Centro Espirita Redentor." De cristãos nada tem. São tão científicos e cristãos como os mussulmanos e os bu­ distas. Afii’mam que Jesús-Cristo é simples hu­ mano: “E’ sabido que ele foi Crishma na fndla, Hermes no Egito, Confúcio na China, Platão na Grécia, e o quo ele pregou nessas encarnações devia ser conti­ nuado na última". (334).

O que caracteriza a gente do “Centro Re­ dentor” é o ódio rubro que vota à Igreja Ca­ tólica. Na pena de seus escribas, os papas são homens corrutos e venais (335), os car- diais uns- ignorantes. O Vaticano personifi­ ca a vaidade e a .prepotência. (336). Os impagaveis dirigentes do “Centro Re­ dentor”, notando que a doutrina cristã, con­ tida nos Evangelhos, está em franca contradi­ ção com o espiritismo cristão, pregado pelo Centro, resolveram a dificuldade de maneira simples e sumária: Condenam os Evan­ gelhos. Dizem que os Evangelhos estão cheios de falsidades; que foram organizados pelo con­ cilio de Nicéia. Que esse Concílio rejeitou ou­ tros 54 evangelhos autênticos, só porque os tais não falavam na divindade de Jesús. Que foi, portanto, esse Concílio quem “promul­ gou” n divindade de Jesús. (337). É isso. Porque os Evangelhos estão em desacordo com as patifarias espiritas, os Evangelhos são falsos. Mas. senhores do “ Cen­ tro Redentor”, a vida de Cristo só nos é co­ nhecida pelos textos dos Evangelhos. Sc, pois, os Evangelhos são falsos, Cristo não existiu. E’ uma lenda. Se Cristo não existiu, o epí-

(334) Confci-Onelaa nobre Ciencin o Rellglllo, ed. do Centro E spirita Redentor, 1027, pg. 26 a 218, (335) Idom, Ibldem. pe. 124. (336) Idem. pe. 127. (337) Idem, pe. 216. teto “cristão”, usurpado, aliás, por muitos “Centros Redentor”, nada significa. Uma consolação. Os membros do “Cen­ tro Redentor” não constituem perigo para ne­ nhuma religião a que se oponham: Porque a ignorância nunca fez medo a ninguém. E na literatura dos escritores do espiritismo cien­ tífico cristão se depreende, sobre qualquer assunto, uma ignorância tão compacta, tão crassa, que causa piedade. Esses “cicntistas-cristãos” seriam de todo ponto inofensivos se não fossem tão odien­ tos e truculentos. CAPITULO IV

AINDA AS MENSAGENS

A REENCARNAÇÃO

O espiritismo tem dois ensinamentos centrais: a comunicação com os mortos e a reencarnação. E’ por isso que, tratando da doutrina espirita, deixamos para um artigo especial a refutação deste erro.

a) TEORIA ESPIRITA DA REENCAR­ NAÇÃO. A reencarnação é a volta do espírito à vida corpórea. Separando-se do corpo, a al­ ma passa a chamar-se espírito. Fica algum Tempo em estado de erraticidade, no espaço, e então, por sua livre vontade, procura um fe­ to humano em formação, no qual se reencar- na para começar outra vida na Terra. Diz Iíardec: "A reencarnação pode dar-se imediatamente de­ pois da morte, ou depois de tempo mais ou monos longo, durante o qual o espirito é errante. Pode rea­ lizar-se nesta Terra ou em outros planetas, mas sem­ pre num corpo Uumano e nunca no de um animal. E’ — 315 — progressiva ou estacionária. Nunca é retrógrada”. (3 3 8 ). Finalidade da reencarnação: progresso ou evolução do espírito, e expiação de faltas cometidas em existência anterior: “O fim objetivado com a reencarnação é a ex­ piação ou melhoramento progressivo da humanida­ de”. (339). "Atingida a perfeição, o espirito não se reencarna mais: torna-se puro espirito". (340). "Os suicidas expiam a falta numa nova existên­ cia que será pior do que a primeira”. (341).

b) NOMES DA REENCARNAÇÃO:

A ricencarnação foi admitida em outros sistemas filosóficos, sob diversos nomes: PALINGENÉSIA ou nova existência, pa­ ra os Pitagóricos, METEMPSICOSE, ou transmigração das almas, METASOMATOSE, ou mudança de corpo. O nome que, nos sistemas antigos, se dá a cada uma das encarnações é AVATAR ou AVATARA. (342).

(338) ALLAN KARDEC — Inntrnctlon prntlqne «nr les BlnnlfeMntlon* Splrltes. pg. 42. (339) Idem, I,e Livre deu Esprit», n.° 167. (340) Idem, n.» 170. (341) Idem — Le Livre den E prlt», n.» 957. (342) Dr. POODT — Lon Fenômeno» Misterioso» dei Psiquismo, pg. 349. — 316 -

c) DIFERENÇAS.

Nos sistemas antigos, a alma humana desencarnada podia ir habitar no corpo de um animal irracional. No espiritismo, não. Só se reencarna em corpo humano. (343).

d) HISTÓRICO.

Entendida neste sentido, a rccncarnação contitue o fundo de todas as crenças religio­ sas não-reveladas por Deus. É o sistema gros­ seiro encontrado pelos povos primitivos co­ mo o melhor mieio dc explicar alguns fatos tidos como certos, mas de dificil explicação: 1.°) Entidade da alma como ser distinto do corpo, 2.°) A sobre-vivência ou imortalidade da alma, 3.°) A necessidade de uma retribui­ ção futura, de recompensas e castigos, de acordo com o bom ou mau procedimento nesta vida e 4.°) Desejo de explicar, por qual­ quer forma, os fenômenos da hereditarieda­ de, hoje esclarecidos pela embriologia, pelo atavismo, pelo mendelismo, etc. Assim, por estes motivos ou por outros, a metempsicose foi admitida pelos selvagens do Brasil, pelos aztecas do Mexico, pelos bárbaros da Germânia, pelas tribus célticas, pelos aborígines da Austrália, da Nova-Ze- lândia e das ilhas Sandwich, c por vários po-

(343) ALLAN KARDEC — Inslrnctlon pratique, otc. pg. 30-31, s. v. Réencnrnntlon. — 317 —

vos da África. (344) Os druidas, das Gálias. conforme observou Cesar, ensinavam “que as almas não perecem, mas passam dc uns para outros, depois da morte.” (345). Na índia, admitiram a metempsicose: primeiro, o Bramanismo e, depois, o Budis­ mo. Para o budismo, porem, quem se rccn- carna não é a alma, mas o karm a ou a ação, isto 6, a soma das ações do homem, o resul­ tado ético de sua vida anterior. Para os egípcios, a metempsicose tinha uma feição própria: só os malfeitores é que eram condenados a uma nova existência ler- nena, — feição que parece ler vindo do bra­ manismo. Na Grccia, foi Pitágoras quem propa­ gou o sistema, no sentido mais largo; e. as­ sim, como os animais eram sede de almas re- encarnadas, os Pilagóricos, à semelhança dos Indús, abslinham-se de comer carne. Antes, porem, de Pitágoras, já Museu e Orfeu haviam ensinado a metempsicose. E’ o que nos diz Píndaro, na II V. Ode. Empé- docles, Platão e os platônicos continuaram a mesma doutrina. Entre os judeus, a seita dos Fariseus ad­ mitia a metempsicose e é por isso que di­ ziam ser Jesús algum dos antigos profetas, redivivo. A metempsicose judáica, porem, admitia que só os bons podiam renascer. A recncar

IlUf (1(1 IlllUM". — 318 — nação, portanto, não era para expiação do reencarnado, e sirn para edificação e exem ­ plo dos não-reencarnados. Os bons, — os pro­ fetas, sobretudo. — voltariam a este mundo para pregar e-dar bons exemplos. Nisto, a reencarnação judáica era diferente de todas as outras. (346). Já nos tempos cristãos, a metempsicose ainda encontrou defensores: Origines, os Ma- niqueus. os Albigenses, os Cálaros. Origines achava que a existência corporal é condição penal, extra-natural, — punição de pecados. Modernamente, professaram a metempsi­ cose Lessing, na Alemanha, Fournier, na França, Soame Jcnnyns, na Inglaterra. (347). Enfim, o erro multi-secular foi readmi­ tido, nas suas linhas gerais, pela maior par­ te dos espiritas. Notemos, todavia, que os es­ piritas ingleses restringem o numero das existências, e alguns chegam mesmo a rejei­ tar, por obsoleta .e absurda, toda a doutrina da reencarnação. (348).

e) REFUTAÇÃO. I - PELA SAGRADA ESCRITURA. Segundo a Doutrina Revelada, há, no fim

(:t4C) Idem, lbidcm, a rt. MetcmpsychoHl». (347) Cf. a B lblografla citada pela R evista “ Broté- rln”. vol. 7.®, 1928, principalm ente: R obcrt Falko, — Die Seelenwnndcrnng, Theodor Devaranne — Seelonvrnnde- rnng, Den Stcln, — Untcr den NuturvocIUeru Zcntrnl- BrnNlllenM, Berlln, 1894, Herm ann, — Xordlschc M ytholo- glc, Joseph Huby, — CliriHtti», 192G, Frledorlcli Ueber- weg, — Gruiidrl»» der Gcwoliichte der Phll. de» Altertum», 1920. (348) Pe. MAINAGI3 — Ln Rcllglon Splrlte, pg. 1G7- 168. — 319 — da carreira mortal do homem, duas coisas certas, indiscutíveis: 1.°) A morte é um fato definitivo, — que se dá uma só vez; 2.°) Após a morte, a alma segue um des­ tino imediato, que é tambem definitivo, — e será ou alma bendita (Purgatório, Céu) ou alma m aldita (Inferno). Sendo assim, não há ocasião para uma nova existência corporal. E’ por isso que os textos sagrados salientam a importância da presente vida, e nos advertem da necessida­ de d,e morrermos bem, de estarmos prepara­ dos para a morte e termos por certo que, da morte, depende o futuro eterno do homem. Tudo isso seria inutil se o homem devesse ou pudesse morrer mais de uma vez. Lembre­ mos alguns textos: 1.") “Em todas as tuas obras lembra-te de teus novíssimos e nunca pecarás”. (Eclesiástico, 7:40). 2.°) “Está decretado que os homens morram uma só vez; e depois disso segue-se o juizo”. (Hebreus, 9 :2 7 ). 3.o) “Vigiai, porque não sabeis o dia nem a ho­ ra”. (Mat., 24:42 e 25:13; Marcos, 13:35). 4.“) "Enquanto temos tempo, operemos o bem”. (Gaiatas, 6:10). 5.») “Felizes os mortos que morrem no Senhor. Sim, diz o Espirito; para que descansem dos seus tra­ balhos e as suas obras os sigam”. (Apocalipse, 14:13). 6.°) “O mendigo morreu e foi levado pelos anjos para o selo de Abraão. E morreu tambem o rico, e foi sepultado no Inferno. Disse Abraão; Lembra-te de que - 320 — recebeste 03 teus bens em tua vida e Lázaro someule males". (Lucas, 1G:22-2õ). O mau rico, portanto, não voltou a re- encarnar-se para reparar a má vida anterior. 7.°) "No último dia hei-de ressuscitar e, de novo, serei revestido com minha pele, e verei a Deus nesta carne, e o verão os meus olhos, c não outros”. (Jó, 1 9 :2 5 ). Portanto, a ressurreição, no mesmo cor­ po, exclue a existência em outros corpos. 3.o) ‘-virá a noite em que nlnguem poderá ope­ rar”. (S. João, 9:4). 9.°) "Hoje estarás comigo no Paraíso”, disse Je­ sus ao bom ladrão arrependido. (Luc. 23:43). Por­ tanto, aqui temos um ladrão e assassino que não se reencarnou para expiar seus crimes.

NOTA: Os espiritas costumam citar, a favor da reenearnaçâo, algumas passagens da Bíblia. Notemos, porem, que eles falseiam e torcem o sentido dos textos. Uma dessas passagens é aquela em que Jesús fa­ la a Nicodemos: “Se alguém não nascer de novo, não podo ver o reino de Deus”. (João, 3:1-G). E’ claro, porem, é evidente que Nosso Senhor não fala de um renascimento físico, no sentido da reenearnaçâo, mas sim de um renascimento espiritual, conferido pelo sn- crnmcnto do batismo. Queiram ler a passagem toda, e não truncada: “Se alguom não renascer pela Agua e pelo Espí- rito-Snnto, não pode entrar no reino de Deus”. Outra passagem 6 aquela em que o Evangelho diz que S. João Batista "irá diante delo (Jesús) no espírito e na virtude de Elias” e que S. João “E’ Elia3, que há-de vir”. (Lucas. 1:17 e Mateus, 11:14). — 321 —

Os textos não dizem respeito com a reencarnação. S. João irá no espírito cio Elins, porquo a missão de João tem algo da missão de Elias. A palavra espírito está empregada num dos seus sentidos metafóricos. Aliás, Elias não podia estar rccncarn»do em João, pois a reencarnação supõe morte anterior, e a Escri­ tura afirma que Elias ainda não morreu: 5.° livro dos Reis, 2:11. Jesús mesmo se encarrega de dizer que João não é Elins, pois João era seu contemporâneo e Elias bá-de vir; portanto, ainda não veio. Os judeus esperavam, como nós esperamos, a vol­ ta de Elias, não como rccncnrnado, mas como vivo que ainda não morreu. João Batista passara a infância fora do convívio dos fariseus. Por isso, quando apareceu no meio dejes, julgaram que talvez fosse o profeta Elias, que viera completar o ciclo da vida terrena. Tendo eles, porem, perguntado a João se ele era Elias, João respondeu: “Não sou”. (João, 1:22).

II - PELA FILOSOFIA.

a) Natureza da alma. 1.°) A alma se singulariza por ter rela­ ção para um corpo determinado, do qual é forma substancial. Sè a alma não tivesse re­ lação para um corpo determinado, não seria singular ou individual, e assim, em vez de ha­ ver muitas almas, como há, haveria uma só alma universal para todos os corpos, — o que seria absurdo. Ora, na teoria da reencarna- ção, a alma deixa de ter relação para um de­ terminado corpo, e torna-se indiferente pa­ ra animar este ou aquele corpo. Logo, nessa teoria, não haveria alma singular, isto é, não haveria alma. A reencarnação, portanto, des- — 322 —

trói a natureza da alma, pois a alma, ou é una ou não é alma. Logo a reenearnaçâo é ab­ surda. Pondera Santo Tomaz: "A proporção que existe entre a alma do homem e o corpo do homem, essa mesma proporção existe en­ tre a alma deste homem e o corpo deste homem. Por­ tanto, não é possível que a alma deste homem entre para outro corpo que não seja o corpo deste ho­ mem". (349). 2.°) Na teoria da reenearnaçâo, a alma deveria ser anterior ao corpo. Mas se a alma fosse anterior ao corpo, seria substância com­ pleta, como o seria tambem o corpo. Mas se a alma e o corpo fossem substâncias completas, a união dos dois seria um agregado de sub­ stâncias e não um com posto substancial e, assim, a alma e o corpo não formariam um só indivíduo ou uma só pessoa, mas dois in­ divíduos acidentalmente unidos. O que é fal­ so. (350).

b) Psicologia experimental.

Desde Aristóteles sabemos que há no ho­ mem duas memórias: uma, sensitiva, comum aos animais, e que reside no conjunto ani­ mal; outra, intelectual, que é função da in­ teligência, e que reside na alma, exclusiva­ mente. Ora, se a alma tivesse tido outras existências antes da atual, poderia ler per­ dido a lembrança das coisas materiais, por

(349) SANTO TOMAZ — Contra G enl, 1. II, c. 73. n. 3. (350) D. TIAGO SINIBALDI — FUoh., Antropologia, n.» 190. nota 1. a. — 323 —

ter perdido a memória sensitiva, mas nunca teria perdido a lembrança das coisas abstra­ tas, porque estas estão gravadas na inteligên­ cia, que tem sede na alma e não 110 corpo. Mas a alma não tem nenhum gênero de lem­ brança, nem de coisas materiais, nem de coi­ sas abstratas relativamente a uma existência anterior à atual. Logo a alma não teve ou­ tras existências. Escreve o dr. Huddleston S later: “Se fosse realidade a reencarnação, o menino em que se reencarnasse a alma de um matemático, por exemplo a do Euclldes, ao ver um triângulo, ainda que fosse pela primeira vez, poderia logo compreender que a soma dos ângulos seria lfO graus, e disto se lembraria imediatamente, sem ensino, sem demonstra­ ção. E assim das outras ciências. Todo dia estaríamos vendo meninos que, aos seis anos de idade, esponta­ neamente se revelariam grandes médicos, grandes ma­ temáticos, grandes jurisconsultos, etc.” (351).

No argumento supra, concedemos, mas só para argumentar, que a alma poderia ter perdido a lembrança das coisas materiais. A verdade, porem, é que todos os conhecimen­ tos, mesmo os das coisas materiais, se arma­ zenam na alma, depois de sc tornarem abs­ tratos ou imateriais; e a prova disto é que nos lembramos de coisas passadas conosco há vinte ou trinta anos atrás, quando é cer­ to, pelos dados científicos, que as células do cérebro se renovam continuamente, de tal

(351) Dv. JACOB HUDLESTON SLATER — A C lin d a enndena u EMplridnmo, pg. G2, c Mons. MIGUEL MAR­ TINS — ProtextanllMnio c Exoirltiamo, passim. — 324 — modo que, oito ou dez anos depois, não só o cérebro, mas o corpo todo, está completa­ mente outro. Um sexagenário, pois, nada tem, histologicamente falando, do que tinha aos vinte anos dc idade. Portanto, o homem de­ via ter lembrança de sua vida anterior, se sua alma tivesse vivido anteriormente.

III - PELA TEOLOGIA.

Atributos de Deus. 1.°) A reencarnação c contra a justiça di­ vina. Ora, negar a justiça de Deus é negar o próprio Deus, porque em Deus os atributos não se distinguem realmente da essência di­ vina. Logo a reencarnação é uma doutrina ímpia. Provemos que a reencarnação é contra a justiça divina. Duas hipóteses se apre­ sentam : A) A alma reencarna-se para expiar cri­ mes de uma existência passada; B) A alma reencarna-se para seguir o processo da evolução e aperfciçoar-se. a) Na primeira hipótese, temos que Deus nos impôs a condição dc nos rccncarnarmos para expiar faltas cometidas numa existência anterior. Mas, pode Deus impor-nos castigos por faltas dc que não temos lembrança nem conciência? Não é isto indigno dc sua jus­ tiça? Logo, é falso que estejamos expiando faltas passadas. Todos os Códigos Penais admitem que - 325 - a base da responsabilidade é o conhecimento do fato como coisã proibida em lei. E’ por isso que as circuntâncias que impedem esse conhecimento constituem dirim ente 'em Di­ reito Penal. (Cf. Consol, das Leis Penais Bras., art. 27) Mas a responsabilidade não sc limita ao tempo da transgressão: deve estar presente à memória até o tempo do prêmio ou do castigo, c, por isso, se alguem, côn- cio da responsabilidade no alo da transgres­ são, viesse a perder a memória dessa trans­ gressão, perderia tambem a responsabilidade do ato perpetrado. Assim dispõem todas as jurisprudências a respeito dos desmemo­ riados. Deus, juiz justo, não podia, pois, disso­ ciar a nossa memória de atos cometidos em outra vida, porque isso acarretaria a perda da responsabilidade. E se. não obstante, im­ pusesse penas por aqueles atos, seria juiz in­ justo. Mas isto é indigno de Deus. Logo, a existência atual não tem razão de castigo e não se relaciona a uma existência anterior. b) Seria indigno die Deus caotigar-nos por faltas de que não nos lembramos. Com efeito: A pena tem duas finalidades: é expiató­ ria ou vindicativa, c m edicinal ou corretiva. No caso de pena vindicativa, o criminoso de­ ve saber o motivo por que é castigado, por­ que, ao contrário, acusará o Juiz de injusto, arbitrário e perverso; no caso de pena correti­ va, o criminoso deve ainda saber o motivo de sua condenação, a-fim-de evitar recair nas — 326 — mesmas faltas que motivaram o castigo, pois, ao contrário, a pena torna-se inútil e má. Portanto, se Deus nos castiga, sem saber­ mos porque, Deus é juiz injusto, arbitrário, irracional e mau. c) Outros espiritas, porem, dizem que “Deus criou todos os espíritos grosseiros e imperfeitos”, e que as reencarnações são ne­ cessárias para o aperfeiçoamento de cada es­ pírito. Nesta teoria, temos que Deus ainda é in­ justo, porquanto o homem não tem culpa de ter sido criado imperfeito e grosseiro. Suponhamos, todavia, que, atualmente, o homem está sendo castigado por faltas co­ metidas numa existência anterior. Como, po­ rem, o homem não é eterno, segue-se que ele começou a existir; portanto, uma de suas existências foi primeira, tanto na hipótejse A) como na hipótese B). Se houve, pois, uma primeira existência, esta não foi iniciada pa­ ra castigo de faltas cometidas anteriormente. Logo, uma existência houve que não tem ra- zão-de-ser segundo a teoria da reencarnação. E se admitirmos que a existência é sempre um castigo de erros pessoais, temos que Deus foi injusto essa primeira vez, infligindo pe­ nas a quem ainda não tinha existido c que, por isso, ainda não tinha praticado faltas. E que o homem começou a existir, ao menos neste planeta, isto se prova com as estatísticas. Nascem mais homens do que mor­ rem. Logo, ao menos no principio das eras, apareceram na Terra espíritos que aqui nun­ ca tinham estado, — espíritos que se encar- — 327 — nararn pela primeira vez. Logo, um dia se ma­ nifestou uma primeira existência que não te­ ve razão-de-ser, a menos que o ’espírito pri­ meiro escarnante viesse pagar na Terra fal­ tas que cometeu em outros planetas — supo­ sição gratuita, 2.°) A personalidade humana é o com pos­ to todo, e não só a alma ou só o corpo, por­ quanto pessoa “é substância completa, sub­ sistente em si e racional.” (352). “0 eu é um todo substancial, que nem é corpo nem é espírito, mas ambas as coisas ao mesmo tempo.” (353). Alem disso, as operações atribuem-se à pessoa, e não só à alma ou só ao corpo, pois, conforme um axioma corrente, "operar é pró­ prio do suposto ou pessoa.” Portanto, se a alma tiver de receber cas­ tigos ou piêmios unida a um corpo, este cor­ po só poderá ser aquele com que ela mereceu ou desmereceu. Mas a reencarnação admite que a alma cometa faltas, unida a um corpo, numa existência, e pague essas faltas, unida a outro corpo, em outra existência. Logo, a reencarnação injuria a sabedoria divina, por­ que esta faria uma personalidade pagar por outra. 0 mesmo diz d. Otávio, nestes termos: “Outro asp'ecto injusto da doutrina da reencarnação está em que as provas expiató­ rias das existências posteriores não atingi­ riam mais a mesma personalidade: pagaria

(352) SINIBALDI — PrlIOH., Ontologia, 108. b. (353) Rnlon

(354) D. OTÁVIO CHAGAS DE MIRANDA — O» F í- nOmeno.H PnlnulvoM, ps. 72. (.755) MONSABRE’ — Conferenclna. conf. 94, A Vldn — 329 —

Ora, dizendo os espiritas que a alma se reen- carna livremente, sem termo fixo quanto ao número das rcencarnações, implicitamente afirmam que a alma é independente de Deus. O que repugna. (358).

IV. - PELA MORAL.

1.°) A doutrina reencarnacionista admite que os bons c os maus, depois de uma série de­ sigual de reencarnações, (os bons mais cedo, c os maus mais tarde), terão a-final os mes­ mos direitos. Ora, repugna à Moral que os bons e os maus tenham iguais direitos a uma felicidade futura. "Coerente com sua doutrina, o espirita pode dizer a si mesmo que, por maiores crimes que cometa, che­ gará cedo ou tarde à plena felicidade, da mesma for­ ma que seu vizinho honesto e virtuoso, da mesma forma que a inocente vitima de seus vícios”. (359). 2.°) A esperança de reencarnações futu­ ras para expiar os atos maus da presente vi­ da, estimula o homem a perseverar no peca­ do. Mas toda doutrina que auxilia, direta ou indiretamente, a prática do mal, c uma dou­ trina imoral. Tal é a teoria da reencarnação. 3.°) A reencarnação destrói os laços de família, pois, segundo os espiritas, a pessoa pode mudar de sexo ao passar de uma encar­ nação à outra. Assim, aquela que ontem,

(358) RnloM «lo Sol, 1.* sírie, 1931, pg. 63. (359) LUC1RN ROURE — I,e McrvelUeox SpirHc, pg. r 4. — 330 — quando viva, era tua avó, pode ser hoje, de­ pois de reencarnada, o pa i de teu vizinho. Como irás, pois, cultuar a memória de tua mãe, que hoje é um menino do sexo masculi­ no, ou a de teu pai, que hoje é, talvez, uma menina recem-nascida? 4.°) A reencarnação é contrária ao livre arbítrio, e destrói a responsabilidade de nos­ sos atos. Com efeito, se os males desta vida são in­ fligidos para expiação dos pecados antigos, o malfeitor não é mais do que um executor das ordens divinas, e, portanto, não é responsá­ vel pelos seus atos maus. Quem mata, aplica o merecido castigo a uin indivíduo que foi as­ sassino em existência anterior. Se, quem mor­ re matado, expia um crime antigo, quem ma­ ta é apenas um instrumento de expiação. Lo­ go não é responsável. Por conseguinte, quem matar e não pagar nesta vida, nem em outra deverá pagar, porque, na verdade, não deve nada. Matou em virtude de ordens superiores. Assim, a doutrina da reencarnação leva para o FATALISMO. De-fato, mesmo sem quererem tirar as últimas consequências de seus erros, os autores espiritas caminham diretamente para a negação do livre arbítrio. Imbassahy é claro: “O que nos parece, entretanto, é que os Inciden­ tes da vida já estão previamente escritos; eles obede­ cem a desígnios que nem sempre podemos perscru­ tar”. (360).

(360) CARLOS IMBASSAHY — O Eaplritlaiue à In* doa Fatoa, Pff. 477. — 331 — Puro FATALISMO! Eis o resultado hor­ roroso da doutrina reencarnacionista. 5.°) A doutrina da reencarnação conde­ na a prática da caridade. Com efeito, “os males do corpo .são efei­ tos dos males do espírito.” (361). 0 que o ho­ mem sofre é merecido, é uma dívida sagra­ da, contraída em outras existências. Portan­ to, não devemos procurar aliviar os sofrimen­ tos do próximo, porque, com isso, iremos im­ pedir que ele pague o que deve. Nós é que es­ taremos sendo injustos perante a Justiça Di­ vina. O nosso papel estará sendo igual ao da­ quela pessoa que dá liberdade a um presi­ diário que cumpre penas justas e merecidas. Portanto, na doutrina espirita, quem cura, quem dá esmolas, quem distribue caridade, está impedindo o progresso do próximo, porque impedindo o sofrimento, necessário e merecido. O homem sofre, porque deve. Deixemos que sofra. 6.°) A reencarnação ó inutil, porque, ou o número das reencarnações é limitado ou ilimitado. Se é lim itado, a alma poderá che­ gar à última reencarnação tendo ainda cri­ mes e imperfeições que, então, só poderá ex­ piar em algum lugar de castigos, determina­ do por Deus. Se é lim itado, a alma nunca poderia chegar ao termo da prova, porquan­ to o número das reencarnações dependeria de seu esforço; mas, ignorando ela quais as faltas que cometeu anteriormente, recairá sempre nas mesmas faltas. E assim, a Jus-

(361) Idem, Ibidem, ps- 437. — 332 — liça Divina seria impotente para impor uma sanção a suas leis. A alma viveria sempre, — sempre expiando e sempre pecando, sem nunca ser compelida a deixar de pecar.

V. - A REENCARNAÇÃO E A IGREJA.

Alem de ser condenada indiretamente, visto que se opõe ao valor do arrependimen1 to, e ao dogma do pecado original, a doutri­ na da reencarnação foi condenada, direta­ mente, pela Igreja, no Concílio Particular de Braga (362). O canon do Coreilio de Constantinopla assim reza: "Se alguém ifirma ou crê que as almas dos ho­ mens preexistlrim. . . e que... foram para castigos introduzidas r.os corpos, seja excomungado”.

S. Leão Magno tambem condenou a teo­ ria da preexistência das almas, teoria a que ele chama de “fabula.” (Epist. 15. c. 10). E Lactando, escritor do século IV, opina que tal teoria nasceu de cérebros delirantes e é tão ridícula que só merece cscárneo. (363)

Notas finais:

De nada vale dizer que a teoria da reen­ carnação explica a existência dos monstros dos imbecis, dos tarados, ou que é uma res­ posta aos sofrimentos da vida.

(362) DENZIGER. 236. (363) LACTANCIO — IimtKuHone» Dlvlnnc, Uv. VII, c. 12. — 333 —

Monstruosidades, aleijões, Imbecilidade. . . são produtos de causas segundas, — naturais, — como sí­ filis, alcoolismo, hereditariedade, consanguinidade, etc. E é sabido que Deus não contraria a ação das causas seguudas senão era casos excepcionais. O que se nota nos homens tambem se vê nos animais, onde liá tipos anormais ou degenerados. Há monstros até nos rei­ nos vegetal e mineral: “As rosas mais bonitas de nossos jardins são, se­ gundo nossos botânicos, monstros vegetais". “E para completar. . . recordemos que os geólo­ gos, principalmente Beaudant e Hauy, descobriram certos monstros mineralógicos, como os géodos, cujo modo de formação contraria todas as leis da cristali­ zação". (364). As causas segundas são o que chama­ mos Natureza. E Deus não contraria, ordi­ nariamente, as leis naturais. Na doutrina católica, o homem sofre pa­ ra receber no futuro. Na metempsicose, so­ fre para pagar um passado hipotético. Quão sábia e conforme à razão c a doutrina da Bí­ blia, revelada por Deus!

A reencarnação não é aceita por todos os espiritas. “Certas escolas espiritistas comba­ tem, ostensivamente e não sem êxito, a dou­ trina oficial do espiritism o.” (3C5). No Congresso Espirita Internacional, que se reuniu em Liège, em 1923, D roiw ille propôs a seguinte dúvida:

(3G4) Dr. POODT — Los Fenômenos Mlsjerloso.n dei Psiquismo, pg. 3G7. (3G5) Dr. POODT, Ibldem, pg. 3G1. “Em geral, diz-se que a Reencarnação ó uma lei graças à qual o espirito evoluciona e se eleva, ex­ piando as faltas cometidas em existências preceden­ tes. O que eu queria saber 6 a razão por que o es­ pirito tem necessidade de matéria para evolucionar e elevar-se, e, sobretudo, como pode ser admitido por algunB que, estando apagada a idéia do passado, se­ ja possível a expiação”.

A. Dragon respondeu: "Posso dizer: A Reencarnação, tal como tem sido exposta até hoje, não passa de uma teoria boa para meninos de escola primária”. (36G).

Richet também escreveu: “Sobre a Reencarnação só temos dados tão frá­ geis e tão Incompletos que, sob o ponto de vista cien­ tífico, podemos dizer que estão no vácuo”. (367). TERCEIRA PARTE

CONSEQUÊNCIAS LÓGICAS CAPÍTULO I

SUPERSTIÇÃO E CEPTICISMO

Há propriedades que dimanam da pró­ pria essência das coisas. Assim, o Sol pro­ jeta luz, mas um corpo opaco, interposto, in­ tercepta-lhe essa luz: porque é da essência do Sol ser luminoso e dos corpos opacos se­ rem impenetráveis. As árvores tambem pro­ duzem frutos conforme sua própria nature­ za: as boas, bons frutos; as más, maus. O espiritismo não é boa árvore. Como ciência, falta-lhe base cientifica: experimen­ tação metódica e princípios certos, axiomáti­ cos, para alicerce de demonstrações poste­ riores. Como religião, falta-lhe origem divi­ na. Seus fundadores visíveis foram umas moças alcoólatras, e os fundadores invisíveis são os demônios da Biblia ou uns espíritos vagabundos, segundo o conceito espirita. Assim, de acordo com sua essência, o es­ piritismo só produz efeitos desastrosos, para a alma e para o corpo, para o indivíduo c para a sociedade. — 338 —

0 espiritismo arruina a mente do ho­ mem. Todo aquele que se entrega às práti­ cas da seita danada, torna-se um vizinho in­ cômodo: só fala em espíritos, fantasmas, ectoplasmas... O espirita não raciocina. Não investiga. Não procura “soluções natu­ rais” para as coisas. Os princípios naturais, para ele, não existem. A Física, a Química, a Medicina são “tapeações”... Se a pedra cai não é pela lei de Newton; se o fogo queima, não é por uma virtude inata: insila vis, como falou Vergí- lio; se a strienina convulsiona, se o cianeto de potássio inibe, se o bicloreto de mercúrio corrói, nada disso se realiza pela natureza das coisas; se alguem adoece, nem é por cau­ sa da fabricação de toxinas por um germe infeccioso, nem por causa de um desequilí­ brio molecular... Nada disso. Tudo são espíritos obsesso­ res. Por conta desses velhacos correm as doenças dos homens e dos animais, a loucu­ ra, o sofrimento físico ou moral. Tudo é castigo por faltas cometidas em outra existência. A imbecilidade é um espí­ rito; a pobreza, outro espírito; a aleijão, ain­ da outro espirito. Se nascem monstros, não vá a ciência dizer que foi porque uma causa intercorrenle impediu o desenvolvimento normal do oviim ; os monstros explicam-se pela doutrina da reencarnação. Os espíritos, bons ou maus, impregnam as coisas, e dão-lhes forças inatas, — Repugna aos espiritas a “ciência oficial”, (a que cha­ mam de míope e retrógada), quando afirma — 339 — que há causas proporcionais ç efeitos neces­ sários. Os espiritismo, matando a razão, mata a ciência. E aqui surgem duas consequências, — aparentemente contraditórias, — a que o espiritismo leva o homem: SUPERSTIÇÃO E CEPTICISMO. Superstição, em sentido largo, — o cul­ to religioso sem motivos intelectuais ponde­ rosos, o respeito que se consagra a coisas e fa­ tos, que não tem nenhuma ligação com a Re­ ligião Revelada, ou que a razão reprova. Cep­ ticismo, — a dúvida a respeito de tudo, — no terreno da ciência e no campo da religião. Coisas digna de notai O católico, quando instruido na sua religião, é um verdadeiro filósofo, que, se presta assentimento a uma verdade religiosa, é porque sua razão achou nisto motivos de credibilidade. Rejeita o que a razão não aprova. A própria fé deve estri- bar-se, direta ou indiretamente, em argumen­ tos racionais: O católico instruido, portanto, é o que se pode chamar um “homem supe­ rior”, — realização desse herói intrépido de que fala Horácio numa de suas odes: "Justum ac tei>:.eem propositi vlrnm nou civium ardor prava jubcntlum, iion vultus lustnntls tyrnnni inente quntit solida. . . neque fulminantis Jovig mauus:

SI FRACTUS IliLABATUR ORBIS, IMPAVI DUM FERIEXT UUINAE. (368)

(3GS) “O varão justo e tenaz em suas resoluções, nilo o sacudirá o Ímpeto dos cidadãos que ordenam lie- - 340 — O espirita, — o mesmo diremos do ateu c do materialista, — ainda que seja homem instruído, não passsa, por vezes, de um su­ persticioso tipo hotentote: acredita nas maio­ res tolices, crê em feiticeiros, em adivinhos, cm cartomantes. A isto se reduz o incrédulo: não crô em Deus, mas crê em latidos de cães e em can­ tos de aves agoireiras. Vamos aos fatos. Faz pena ver, por exemplo, um homem do estofo de Carlos Im- bassahy defender a crença na bruxaria. Is­ to está escrito no seu livro:

“O homem traz escrito o seu luturo! E esse fu­ turo lê-se-lhe nas llnlins

Alem disso, a Religião de Katie c Maggie Fox desnorteia o homem quanto às condi­ ções da vida. Dá ao homem um destino falso. Levanta um castelo de mensagens sem base, ridículas,

galldades, nilo o abalará, com sua fera catadura, o rosto do tirano presente, nem ainda o comoverão as mios de Juplter (|uando despede os seus ralos: Se o mundo, dos- podnçando-se, vier abaixo, poderá esmagá-lo, mas há-de encontrá-lo de pá, Impávido”. Horáclo, Odes, III, 3. (3GD) CARLOS IMBASSAHY — O E spiritism o à luz dos Fulos, pg. 522-523. — 341 — fantasiosas, e coloca o homem no vazio desse castelo. Cria um mundo subjetivo, sem reali­ dade, destituído das regras do bom senso, e situa o indivíduo 110 centro desse mundo. A fé cristã, a crença cm Jesús-Cristo, os ensinos do Mestre Divino dessipam-se, tor­ nam-se ilusões quando entregues à interpre­ tação dos novos fariseus, chamem-se estes es­ piritualistas ou espiritas, Allan Kardec ou Oliver Lodge. 0 Deus verdadeiro, tão próximo do ho­ mem, amigo cotidiano e familiar, distancia-se deste mundo, na doutrina espirita. É um deus distante e indiferente. Os espíritos c que, bem ou mal, governam o mundo desses doutrina- dores ingênuos. Deus evapora-se. Como que não existe. Que será feito do homem, — sem Deus, sem luz, sem força? Torna-se um desgraçado, presa facil do desespero e do incontenta- mento. Abandonado o culto esplêndido e os ri­ tos eficazes que a Religião Cristã oferece ao homem, o espirita entrega-se às experimen­ tações, às práticas ilusórias e imorais. Daí a cair no cepticismo vai um só passo. Desde que as práticas religiosas a que se afez não lhe trazem uma gota sequer de felicida­ de, o espirita, no fim da carreira, c um cada- ver moral, que não crê em Deus nem nas coi­ sas da Outra Vida. O excesso de contacto com o invisível, criou-lhe na alma o desgosto do invisível. CAPÍTULO II

IMORALIDADE

O espiritismo, desligando o homem dos laços da Religião Cristã, libertou-o das peias da moral perfeita. As leis da moral, dadas por Deus a Moi­ sés primeiro, aos cristãos depois, ficam sujei­ tas a uma nova homologação de uns espíritos desconhecidos. Estes, umas vezes, aprovam, outras censuram os preceitos divinos. Dessa libertação é facil deduzir as conse­ quências fatais: a porta aberta a toda imora­ lidade. Imoralidade tomamos cm sentido objeti­ vo: desrespeito aos ditames da Ética natural, confirmados e tornados explícitos pelos orá­ culos divinos. Pois a imoralidade è o alvo a que visam os espíritos do espiritismo. Queremos supor bem de muitos espiri­ tas bem intencionados, homens filantrópicos e cidadãos prestimosos. Mas não julgamos a religião pelos homens. Julgamo-la em si, nos seus ritos e na sua doutrina. Os ritos ou as práticas do espiritismo fa­ vorecem a imoralidade. A doutrina espirita justifica a imoralidade. — 343 — PRÁTICAS. Círculos estreitos de pessoas que se reunem em plena escuridão. Misturas dc homens com mulheres. Não só mistura: ni- mia aproximação e até contactos. O m édium , muitas vezes, é uma mulher, e, nem sempre, mulher normal, mentalmente sadia. Não ra­ ro, é uma histérica, atacada de ninfomania. Essas pessoas que se reunem em tais cir­ cunstâncias, podem estar bem intencionadas a principio, mas a ocasião faz o ladrão. DOUTRINA. Os autores espiritas confes­ sam que, de permeio com espíritos bons, com­ parecem, nas sessões, espMtos depravados. Qual pode ser a finalidade dessa6 aparições macabras? Facilmente se adivinha. “Persuadidos os homens de que não tem de temer castigo algum na outra vida, pelos crimes e más obras praticadas nesta vida, não haverá jamais freio capaz de os conter e de os desviar de cometer toda classe de malda- des.” (370). Melhor, porem, do que argumentar, de­ duzindo, é argumentar com os fatos concre­ tos, e com as confissões dos doutrinadores es­ piritas. É o que faremos. Kardec ensina que “os espíritos levianos pululam em volta de nós, e se aproveitam de todas as ocasiões para se meterem nas comu­ nicações. Estas não diferem absolutamente das que poderiam ser dadas por homens vi­ ciosos e grosseiros. São comunicações que repugnam a to­ da pessoa de sentimentos delicados, porque

<370) “Ralos 4* S«l" — primeira Bêrle, pgf. 86. — 344 —

procedem de espíritos triviais, dcshoncstos, obscenos, insolentes, arrogantes, maléficos e, até, ímpios. (371). Eliphas Levy confessa: "Nas assembléias vulgares, certos espíritos dese­ nham frequentemente, nas lousas e no papel, obsce­ nidades imundas e vis, com que os moleques viciosos sujam as paredes das casas”. (372).

O mesmo Eliphas Levy, falando de ses­ sões a que assistira como espirita fervoroso: "Mãos vlsiveis e tangíveis saem ou parecem sair das mesas. .. Mostram-se principalmente na escuri­ dão ... Os circunstantes sentem-se tocar e apertar por mãos invisíveis. Estes contactos parecem dar preferên­ cia às damas, carecem de seriedade e mesmo de de­ cência”. (373). O professor Falcomer fala de um caso cm que, depois de piedosas manifestações, se fez ouvir “uma linguagem impia, ditada pe­ los golpes do médium, dirigida a três senho­ ras e a uma jovem. Essa linguagem, era a de um ser impudico e feio, que não se pode trans­ crever.” (374). Imbassahy confessa: “A mã amblência atrai seres inferiores, só poden­ do os resultados redundar em desmoralização e male­ fício para o espiritismo”. (375).

(371) ALLAN KARDEC — O Livro dos Médiuns, 2.* parte, c. 10. (372) ELIPHAS LEVY — La clef des grnnds mystè- re», Paris, 1861, pg. 248. (373) Idem. ibldom, pg. 145. (374) FALCOMER — Phénoménologlc. apud Dr. POODT, Los Fenômeno» Misteriosos, pg. 353. Na Rcvne Splrlte. 1902. (375) CARLOS IMBASSAHY — O Espiritism o * loa dos Fntos, pg. 181. — 345 ~

Falando, porem, de imoralidade, con­ vem distingamos duas espccies: a) Crimes contra a integridade fisica, b) Crimes contra a honra. O ambiente das sessões espiritas, os dis­ cursos inflamados de m édiuns inescrupulo- sos, as comunicações vindas de espíritos maus ou de subconcientes deshonestos, tem, não ra­ ro, levado certos “irmãos” à prática do cri­ me. Ainda não houve, entre nós, trabalho es­ tatístico, acerca de todos os fatos delituosos, oriundos das sessões espiritas. Entretanto, os jornais, a cada passo, dão notícia dos crimes espiritísticos levados a juizo e devidamente apurados. D. Otávio Chagas de Miranda, tratando do assunto, colheu vários casos ocorridos no curto espaço de três meses, só no Estado de S. Paulo. Citemos: O assassinato de d. Maria Adélia Batista por seu próprio marido, em 1926. D. Maria Adélia era espi­ rita e, numa sessão, um espirito lhe comunicou que seu marido António havia cometido vários crimes an- tos de casar-se. Antônio Luiz provou sua inocência, mas, mesmo assim, Maria Adélia desquitou-se dele e, nas repetidas visitas que (azia aos filhos, procurava sempre despertar neles sentimentos de ódio contra o pai. Em conclusão: Antonio Luiz, irado contra a mu­ lher perversa, matou-a com seis tiros de revolver. Tu- res. (376). — 346 —

Em dezembro de 1925, na cidade de Jaú, Sebas­ tião Gonçalves matou a cacetadas o seu próprio tio, José Camilo. Sebastião frequentava o espiritismo e, assistindo às sessões, viera a convencer-se de que seu tio lhe punha agouros maus, (377). Célebre é o caso do indivíduo J. A. de L., relatado por Heitor Carrilho, do Manicômio Judiciário, do Rio: Esse sujeito, ao regressar de uma sessão espiri­ ta, em Santa Cruz, matou a sua amasla A. C., a faca­ das, devendo-se notar aue ambos viviam em grande harmonia, e que não houve entre eles, antes do crime, nenhuma desinteligência. Consumado o ato delituoso, o criminoso põs-se a proferir palavras de arrependi­ mento e a chorar; em seguida, tomando de uma vela, colocou-a, acesa, à mão da moribunda, segundo o uso religioso. (378).

O dr. Xavier de Oliveira, no seu livro Es­ piritismo e Loucura, refere ainda dois casos impressionantes: um, acontecido em Campi­ na Grande, Estado da Paraíba, outro no Rio. O de Campina Grande é relativo ao bárbaro as­ sassinato de uma senhora, d. Lidla, pelos componen­ tes de um cnndoblé, os quais, narcotizados pelo espi­ rita Tenório, lhe obedeceram cegamente, trucidando a “Irmã” d. Lidla a socos, ponta-pés, murros, denta­ das e pauladas. (379). O segundo caso diz respeito ao crime de Luiz de Oliveira, no Rio de Janeiro. Numa sessão espirita,

(378) LEON1DIO RIBEIRO e MURILO CAMPOS — O EaplrltIn:..o no Brasil, Cia. Edit. Nacional, Sio Paulo, 1931, ps. 138-142. (379) o (380) Dr. XAVIER DE OLIVEIRA — “ Eopl- ritlnnio e Loucura”, A. Coalho France, editor, 1931. ps. 264-266 s 267-273. - 347 -

Luls conseguiu hipnotizar Carolina Ribeiro e Desdô- mona Granado, espancando-as em seguida, barbara­ mente. Denunciado, o réu foi condenado, em primeira instância, pelo juiz Fructuoso Moniz Barreto, e, em segunda instância, pelo tribunal de apelação da Capi­ tal da República, em tnarço de 1927. (380).

Não precisamos ir longe. Os próprios fun­ dadores do espiritismo confessam que “espí­ ritos inferiores, às vezes, dominam e subju­ gam as pessoas fracas... Em certos casos, o domínio desses espíritos assume tais propor­ ções que podem levar as suas vítimas até o crim e e a loucura.’’ (381). O espiritismo baixo, nome moderno com que se mascara a feitiçaria antiga, só se tor­ nou conhecido pelos seus processos de fazer mal ao próximo. “Despacho” é o termo em­ pregado para indicar o malefício. Diz o dr. Xavier de Oliveira: “Pedaços de velas, de charutos, folhas de alecrim o de outras ervas, contas de rosário, farófia de fubá com azeite mal cheiroso. . . tudo pode ser colocado numa encruzilhada qualquer, altas horas da noite. Ou­ tras vezes, lançado ã casa da vitima, só o médium curador pode inutilizar os seus efeitos danosos”, pg. 241. (382).

A O dr. B. Ilatch, marido de Cora Hatch, célebre m édium americano, declara que o es­ piritismo nenhuma couta faz do que se cha-

(381 LÉON DENIS — Apre» la Mort, pg. 330. (382) XAVIER DE OLIVEIRA — Espiritismo e Lou­ eur«, pg. 241. — 348 —

ma "fidelidade conjugal.” Em poucas obser­ vações, conseguiu identificar uns setenta m é­ diuns que haviam abandonado completamen­ te os seus deveres conjugais... Outros tinham mudado de “Companheiras”... (383). A vida dos m édiuns e dos praticadores do espiritismo confirma, a cada passo, a ob­ servação do dr. Hatch, marido de uma sacer­ dotisa espirita. O m édium Slade, quando esteve no Rio de Janeiro, cometera inconveniências tais e tantas que, para não ser preso e processado, houve de deixar precipitadamente o nosso pais. (384). “Não há muito, — escreve d. Otávio, — a policia carioca varejou o “Centro Espirita S. Jorge”, e pren­ deu o presidente do centro com todos os assistentes. Entre estes encontravam-se quatro moças menores, que so diziam deshonestadas pelo presidente do Cen­ tro. A polícia apurou que o mesmo individuo abusava realmente de menores que frequentavam o centro". ( 3 S 5 ). Leonidio Ribelro-Murilo de Campos abrigaram no seu livro “O Espiritismo no Brasil” o caso de de­ floramento, publicado por Afrãnio Peixoto, em 1909. Idalina, de 16 anos de idade, foi levada pela própria mãe ao espirita Bomfim e este, descobrindo na menor qualidades de médinm, começou a instrui-la e presen- teá-la até que conseguisse perpetrar o crime. . . Des- virginou-a. Afrãnio acrescenta: “Alem disso, pude verificar que, no estado de

C.-ÍS3) Cf. “Ralos de .Sol”, 1.* série, pg. 29. (3S4) JUSTINO MENDES — Médiuns e Fnklrea, Llvr. Católtcn. A. Campos, S. Paulo, 192S, pg. 48. Slade velo ao Brasil n convite do proí. Alexandre, do Colégio Pedro II, - 349 — passividade automática ao qual reduz suas médiuns femininas, nas sessões públicas e privadas, é facil abu­ sar delas sem dificuldade, quando não há testemu­ nha”. (386). Falando do espiritismo, alto e baixo, es­ creve Xavier de Oliveira: "O complexo sexual empolga a quase totalidade dos médiuns que tenho observado. Conheci, até, um deputado federal, especialista nesta matéria. Dizia- se espirita.... e cercava-se de senhoras crédulas, em geral praticando nos hotéis onde morava. Depois de certo tempo, algumas hóspedas, mais dadas à seita de Kardec, já não podiam sustentar o olhar dele, de­ putado. “O processo falhava muito; mas, às vezes, dava certo. “Uma pobre insana deu entrada no Pavilhão, com inúmeras equimoses, tomando-lhe metade do corpo. “Foi a perversidade de um médium que jurou vingar-se dela, e vingou-se, de-fato, por não ter ela querido aceitar as propostas de amor que lhe fizera. “Ela., não teve mais sossego... até que, em franca e forte crise nervosa, lhe foi cair aos pés” e ele a contundiu toda para tirar-lhe o espírito mau que se apossara dela”. (387). E m ais: “As danças sensuais, quase sempre, fecham essas assembléias de exploradores e explorados, a que nem falta a nódoa da lascivia imunda, que é uma das suas características principais. “Nos trejeitos de seus passos sensuais, vê-se bem

(3S5) D. OTÁVIO CHAGAS DE MIRANDA, opus clt., PB. 89. . • (386) LEONIDIO RIBEIRO-MURILO CAMPOS — O Esplrltlxni» uo Brnsll, pg. 136-138. (3S7) Dr. XAVIER DE OLIVEIRA — Espiritism o e — 350 — o instinto brutal da besta que tem dentro de sl cada conviva dessas orgias macabras. “ Um eteiTO carnaval satânico, com todo o seu cortejo de misérias e com todas as suas consequências lastimáveis. “E é a isto que chamam uma ciência, uns, e uma religião, outros.. . “Espiritismo, LOUCURA EPIDÊMICA, que ora devasta a humanidade, digo eu. “Nem o fundo Íntimo da sua causa precipua di­ verge, hoje, da que sempre foi inerente à clássica his­ teria de Sydenham: o COMPLEXO SEXUAL”. (388).

É de notar que as perversões do instinto sexual andam, muitas vezes, de-par com as sevícias praticadas contra a pessoa “que se deseja”. A necrofilia e o sauismo, em que se celebrizaram os Febrônios e, mesmo, certas pessoalidades de alto conturno, a-miude se revelam na prática do baixo espiritismo. É no paroxismo de uma crise nervosa que “o pervertido” se sente com tendências necró- filas ou sádicas. Aliás, o nivel de imoralidade a que che­ gou, entre nós, o espiritismo, já foi denuncia­ do pelos próprios espiritas. Luiz de Matos, presidente do "Centro Redentor”, entidade espirita que se insurge contra a “modera­ ção” da doutrina de Allan Kardec, editou, em volu­ me, as CARTAS OPORTUNAS que o jornal “A Pátria” publicara em 1924. Nessas cartas, o sr. Luiz de Matos atassalha a fa­ ma de seus “irmãos” divergentes. Numa linguagem crua e violenta, lardeada de termos soezes, vergasta

(38S) XAVIElt DE OLIVEIRA, opiu cU., Pg. 241-242. — 351 — aqueles que ele denomina “praticadores da feitiçaria cardecista”. Denuncia o que de abjeto vai pelas ten­ das e centros. Põe a descoberto o lamaçal de poi-néln, que constitue o substratum e a própria razão-de-ser do Espiritismo. Do outro lado, — agora um cardecista, — Car­ los Imbassahy ataca tambem os centros "mal afama­ dos” d<“ *iaixo espiritismo. E’ verdade que esses autores fazem ressalva a respeito de seus respectivos grémios: Luiz de Matos, defendendo o espiritismo anti-carcedista; Imbassahy, o espiritismo cardecista. Na opinião de um e de outro, existe um espiritismo puro e um espiritismo degene­ rado.

O que vemos, na polêmica, é que os pró­ prios liomens de bem, — que ainda os há no espiritismo, — se assustam com o resultado da doutrina espirita, tenha ela origem em Kardec ou alhures. Reproduzamos, porem, como pratinho delicioso oferecido ao leitor, alguns trechos da verrina de Luiz de Matos: “Da frequência a tais sessões... resulta o alas­ tramento desse veneno astral que produz suicídios, as­ sassinatos, deshonra de donzelas, prevaricação de mu­ lheres casadas, aos milhares, que os jornais mencio­ nam no seu noticiário”. (389). Mais: “Se tais mulheres que querem passar por senho­ ras virtuosas e rainhas do lar, como muitas existem por toda parte, tivessem vergonha, não desceriam a ponto de se nivelarem com boçallssimos pais de mesa

(389) LUIS DE MATOS — Cnrtns Oportunns. Edlç&o do Centro E spirita Redentor, 1924, pg. 34. - 352 - e médiuns tovpíssimos dos antros que frequentam, de que são “freguesas” e que pagam”. (390). A dispula entre espiritas cardccistas e an- ti-cardccistas, ou entre os sequazes do alto espiritismo e os do espiritismo baixo, não tem razão-dc-ser. Parece mais uma briga de ofi­ ciais do mesmo ofício. Rivalidade, e nada mais. De-feito, as práticas religiosas decorrem, sempre e necessariamente, da doutrina teó­ rica. Ora, a doutrina do chamado espiritismo racional-cristão, quanto aos pontos essenciais, cm nada difere da doutrina de Allan Kardec. Logo, as práticas de cardecistas c anticarde- cistas são iguais. São IMORAIS TODAS ELAS. Esta é que é a verdade. E os fatos aí estão, registados c documentados, nos autos policiais, nas colunas dos jornais e nos livros dos cientistas. Para sermos justos, somos forçados a de­ clarar o espiritismo “racional-cristão,” do Centro Redentor, mais perigoso do que o espi­ ritismo de qualquer outra feição. Já Leonidio Ribeiro c Murilo de Campo observaram que o espiritismo do famigerado Centro Redentor é “fundamentalmente anti-religioso.” Os fu­ riosos membros desse Centro chegam até a insurgir-se contra a nomenclatura religiosa, e aconselham a substituição do nome de Deus pelo de Grande Foco e zombam da expressão “Nosso Senhor Jesús-Cristo”, tão cara aos ou­ vidos dos católicos. (391).

(390) LUIS DE MATOS, Ibidem, pg. 40. (391) LEONIDIO RIBEIRO-MURILO CAMPOS, opu» clt>, pg. 100. — 353 — 0 ódio desses homens contra a Igreja Ca­ tólica parece antes dc energúmenos. Passando, porem, da teoria à prática, os membros do Centro Redentor aconselham o castigo físico contra os seus inimigos (392) e, no terreno da terapêutica, lançam mão dos métodos mais violentos: “O Centro Espirita Redentor" faz o alie­ nado voltar à situação de possuido... pelo espírito mau, e, nessas condições, prescreve a “limpeza psíquica, as amarrações” c os casti­ gos corporais.” (393). O livro Espiritismo Científico e Cristão, manual ritualistico desse Centro, não se en­ vergonha de exibir fotografias de instrumen­ tos de suplicio, usados na terapêutica espirita “i’acional-cristã.” Assim, numa fúria de inconoclastas, os “espiritas racionais-cristãos e científicos”, ne­ gam as mais claras verdades do Evangelho, e tentam destruir os próprios Evangelhos. Rancorosos e demolidores. Podemos, portanto, igualar todas as mo­ dalidades de espiritismo. As pequenas dife­ renças, entre elas, são apenas acidentais. Não passam de necessárias evoluções do sistema, porque a prática de uma doutrina está sujeita a acomodações várias, dc acordo com o nivel mental dos crentes, desde que a doutrina se preste a isso. "Múltiplas são as variedades de espiritismo, pois vem desde o que dizem ser a sua feição cientifica, até

(392) LUIZ DE MATOS — CnrtnH OpordmnH, pB. 140. (393) LEON1DIO RIBEIRO-MURILO CAMPOS, opus cit., per. 100. — 354 — a baixa feitiçaria que assenta as suas bases nele tam­ bém, DE ACORDO COM O NIVEL MENTAL E A CUL­ TURA INTELECTUAL dos seus sectários”. (394).

Toda doutrina espirita, qualquer que se­ ja, leva a práticas imorais. A imoralidade parece ser a finalidade do espiritismo neste mundo. Imoralidade e des­ respeito ao corpo, porque o espiritismo reduz a zero o valor ou a importância do corpo no composto humano. Na doutrina da Igreja, o corpo é cerca- cado de lodo respeito, e isto pelo papel impor­ tante que o corpo representa no composto. A alma sem o corpo, vimos, é incapaz de adquirir conhecimentos, que são colhidos mediante os sentidos corpóreos. Alem disso, a união da al­ ma com o corpo é uma união substancial. Pe­ la morte, estabelece-se, entre a alma e o cor­ po, uma separação de-fato, mas não uma se­ paração de-jnre. A alma continua a ter direi­ to à posse de seu corpo e este à posse de sua alma, de modo que esta não se unirá nunca com outro corpo que o seu. Assim doutrina Santo Tomaz. E a união de-fato se restabelecerá um dia. A ressurreição dos corpos é dogma de fé. O corpo é a morada da alma, e se esta esti­ ver em graça, o corpo c morada da graça. Por isso disse São Paulo que o corpo do cristão é templo do Divino Espírito Santo. O corpo, portanto, — belo ou feio, fisi­ camente, — tem uma importância enorme na

(394) XAVIER DE OLIVEIRA — EspirltUmo e Lou­ cura, p s. 196-196. — 355 — doutrina da Igreja. Os sacramentos santifi­ cam a alma, mas se exercem no corpo e pelo corpo. Por isso é que são “sinais sensíveis.” Mas o espiritismo reduz o corpo humano, vivo ou morto, a uin punhado de sais. O cor­ po não passa de uma casca da alma. É apenas uma vestimenta temporária que, depois de gasta, será trocada por outra ou por outras. Ruinoso para a alma, o espiritismo o é tambem para o corpo. Até as belas artes per­ dem com a adoção dessa religião funesta. O ESPIRITISMO É O INIMIGO DO HO­ MEM, do homem todo. CAPÍTULO III

LOUCURA E SUICÍDIO

Ninguém desconhece o parentesco de grau próximo, que há entre a prática do espiritis­ mo e a loucura. Os casos de espiritas que en­ louqueceram são tão comuns, que chegaram a preocupar os próprias representantes da ciência oficial, e os responsáveis pela saude do povo. Já não somos nós, — os sacerdotes católicos, — que estudamos o problema sob este aspecto. Sobre nos faltar competência, julgamos desnecessária toda investigação nos­ sa, uma vez que o assunto já foi tratado, pro­ ficientemente, pelos maiores psiquiatras bra­ sileiros. Limitar-nos-emos, pois, a seguir as pegadas desses especialistas. Antes de mais nada, manda a sincerida­ de confessemos que o espiritismo não é uma causa fatal de loucura. É, apenas, uma causa coadjuvante, uma concausa. Neste particular, equipara-se à sifilis e ao álcool. Mesmo por­ que, assim dizem os especialistas, não exis­ te fator especifico de loucura: esta é uma nevrose, aguda ou não, e a etilogia da neuro­ se é ainda ponto obscuro em medicina. Isto, porem, pouco importa ao caso. 0 — 357 — certo e indiscutível c que o espiritismo leva para a loucura. Xavier de Oliveira reduz a loucura dos espiritas a um sindrômio histeróide, e diz que ela se manifesta, via de regra, nos indivíduos de constituição mitopática. A mitopatia, no caso, nada mais é do que a “facil sugestibili- dade” dc Bernheim. (395). O espirita, diz o dr. Xavier, é um indiví­ duo ainda não declaradamente enfermo, mas que tem a sua meiopragia nervosa, sua tara, c é, assim, um receptivo mental, terreno pre­ parado, que, dedicando-se ao espiritismo, aca­ ba por adoecer, mentalmente, dc uma psicose que se liga aos fenômenos espiritas. (396). Desta forma, o espiritismo d “um gênero de ocupação que concorre, não somente para a modelagem dos sintomas, como tambcin pa­ ra a provocação da loucura.” (397). Entre as perturbações mentais, produzi­ das pelo espiritismo, umas, — os delírios epi­ sódicos, — são curáveis, e outras são incurá­ veis. Mas “em todas, ocorrem perturbações graves, inclusive o suicídio, porem sem gran­ de repercussão no estado somático. (398). Melhor, porem, do que todas as afirma­ ções, falam as estatísticas. O dr. Xavier de Oliveira é professor de psiquiatria na Universidade do Rio de Janei­ ro e, nessa qualidade, observou mais dc de­ zoito m il loucos no Parvilhão de Assistência a

(395) Idem. Ibidem, pg. 191. (39C) Idem, Ibidem, pg. 195. (397) I.EONiDIO RIBEIRO-MURILO Campos — O plrltlnmo no Brnail, pg. G4. (398) Idem, Ibidem, pg. G7-C8. — 358 —

Psicopatas, da Faculdade de Medicina. Con- clue ele: "Numa estatística de doze anos, por nós alí le­ vantada, de 1917 a 1928, num total de 18.281 entra­ das, encontramos 1.723 Insanos, portadores de psi­ coses causadas, só c exclusivamente, pelo espiritismo, e que, alí, se registam sob a denominação geral de — Delírio episódico”. “E’ dizer que 9,4% das entradas alí são devidas às práticas espíritas, de onde concluir que, após a sífilis e o alcool, é o espiritismo o terceiro fator de alienação mental no Rio de Janeiro”. (399).

Portanto, as três principais causas de loucura, na capital da República, foram, de 1917 a 1928: 1.*: A SÍFILIS. 2.a: O ALCOOL. 3.■: O ESPIRITISMO. Segundo Henrique Roxo, estes três fato­ res concorrem com 90% dos casos de aliena­ ção mental, ficando apenas 10% para outras causas de loucura. (400). E’ a eloquência dos fatos! E note-se que ai estão quase que só os loucos miseráveis. Os outros, em grande parte, hão-de ter ido para casas de saude particulares, ou foram tratados domiciliarmente. E no interior do país? Pelas nossas obser­ vações pessoais, podemos afirmar que os es­ tragos mentais do espiritismo não são nada

(399) XAVIER DE OLIVEIRA, lbldem, pg. 197-198. (400) IIENRIQUE ROXO — Modern.is «enrtOncin» de pnlqnlntrln, cit. peloa dra. Leonldlo e Murilo, opus cit., pag. 61. — 359 — inferiores aos do Rio de Janeiro. Serão, até, maiores. “O livro dos médiuns, de Allan Iíardec, é a cocaí­ n a d03 debilitados nervosos que se dão à prática do espiritismo. “E com uma agravante a mais: é barato, está ao alcance de todos e, por Isso mesmo, leva mais gente, muito mais, aos bospicios, do que a "poeira do diabo”.

Os seus efeitos funestos para a mentalir dade do homem, o Espiritismo os começou a produzir, desde que apareceu. Já em 1852, o jornal The Boston Pilot, cm seu número de 1.° de julho, notava o grande contingente de doidos fornecido pelo Espiritismo: “A maior parte dos médiuns acabam, com o (em­ po, por tornar-se intratáveis, loucos, idiotas, e o mes­ mo sucede lambem aos seus ouvintes. Não passa se­ mana em que não tenhamos ocasião de ver algum desses desgraçados sulcldar-se, ou entrar para alguma casa de saude. Os médiuns dão sinais inequívocos de um estado anormal de suas faculdades mentais, e não poucos deles apresentam sintomas bem pronunciados de verdadeira possessão diabólica". (401).

Segundo Mirville, grande número de lou­ cos foram internados em Bicêtre (França), em 1881, todos eles vitimas das práticas espi­ ritas. (402). Em 1877, o dr. L. S. W inslow escreveu: “Dez mil pessoas estão atualmente encerradas em

(101) FIGUIER — H istoire da M erveilleux, 1881, v. IV, pg. 343. (402) MIRVILLE — ancxtlon de« E sprits, 1885, pg. 65, clt. pelos “Ralos de Sol”, pg. 28. — 360 —

iuanlcOmios dos Estados Unidos, por se terem imiscuí­ do com o sobrenatural”. (4C3,.

Os próprios autores espiritas reconhecem a grande contribuição de dementes que sua religião fornece aos hospícios. É verdade que procuram explicar o fenômeno a seu modo; mas, em todo caso, confessam o fato e isto nos basta. , Diz o sr. Carlos Imbassahy: “A debilidade dos nervos é, algumas vezes, tão somente efeito, consequência do esgotamento físico do paciente, esgotamento produzido pelo esforço em­ pregado, pela perda constante de fluidos, pelo abuso das sessões experimentais”. (404).

Gibier, tambem espirita, observa: “E’ necessário desaconselhar as práticas do espi­ ritismo experimental a certos Indivíduos... E’ do nosso dever assinalar o perigo inerente às experiên­ cias de psiqulsmos, com as quais, entretanto, se brin­ ca, sem pensar no grande risco que oferecem. (405).

De Léon Denis, já citamos o trecho em que ele confessa que o domínio dos espíritos pode levar as suas vitimas até aò crime e à loucura. (406). Allan Kardec, em linguagem prolixa, ex­ plica os pejggos do fenômeno a que chama obsessão, fascinação e subjugação e que, na

(403) FORBES WINSLOW — Louenrn EKpIrltunlIatn» cit. pelos “Raios dc Sol”, pg. 29. (104) CARLOS IMBASSAHY — O Esplrltlsuio h Ia* ilos Falou, pg. 182. (405) Dr. GIBIER — Le Splrltlnmc, pg. 3S5. citado por D. Otávio, «Os FenOmenos Psíquicos”, pg. 78. (406) LÉON DENIS — A prís In inort, pg. 230. — 361 —

sua opinião, os espíritos exercem contra os ex­ perimentadores c m édiuns : “Entre os escolhos que apresenta a prática do espiritismo, cumpre por em primeira linlia a obsessão, isto é, a posse, que certos espíritos sabem tomar de certas pessoas. O espirito dirige, como a um cego, a pessoa de que conseguiu apoderar-se, e pode fazer-lhe aceitar doutrinas extravagantes e as mais absurdas. Pode tam­ bém induzir a ações ridículas, que lhe comprometam a honra e acarretem perigos. "A obsessão apresenta três graus: obsessão sim­ ples, fnscinnção e subjugação”. (407). Com estes termos, Kardec entende expri­ mir os vários graus de loucura individual ou coletiva. O dr. Seabra, espirita brasileiro, escre­ veu: “O aspecto religioso que o espiritismo assume nas sessões correntes poderá ter servido de consolo a mul­ ta gente... mas expõe muitos de seus praticantes a desordens mentais o nervosas, e, com semelhantes de­ sagregações, desaparece a paz, a tranquilidade, o con­ solo que haviam encontrado em outros tempos”; (408). No afan baldado de defender um siste­ ma religioso prejudicial à sanidade mental do indivíduo, os espiritas alegam que produzir loucura não é só próprio do espiritismo, mas também de todas as grandes preocupações hu­ manas; e retrucam que, dentro mesmo do ca-

(407) ALLAN KAltDEC — Livro dos Médian*, c. 23. (408) Dr. SEABRA — “A nlmn c o nub-condente”, pg. 94, citado por D. Otávio, Os FcnOmcno* Palqulcoi, — 362 — tolicismo, existem as vítimas da misticom a- nia ou mania religiosa. (409). A evasiva é futil. Nunca a Medicina des­ cobriu que o excesso de práticas religiosas do católico o levasse à loucura; excessos, quando os haja, já são efeito dc perturbação mental, causada por um motivo profano qualquer. No espiritismo, a loucura é consequência das prá­ ticas religiosas, isto é, da assistência a sessões e leituras. Fora do espiritismo, o fervor religio­ so vem depois da manifestação de loucura. Não raro, uma pessoa que adquire mania religio­ sa era um ateu ou incrédulo antes de enfra­ quecer mentalmente. Por outras palavras: no espiritismo, a sua prática faz loucos; fora do espiritismo, a loucura costuma fazer misticos.

A Denunciada a confissão, explícita ou im­ plícita dos próprios autores espiritas, citemos agora a opinião valiosa dos homens de ciên­ cia. O problema da espiritopatia ou loucura espirita tem preocupado a todos. Na França, são notáveis os trabalhos de A. Vigouroux, de A. Marie et Viollct, de Duhen e de outros. (410). Entre os primeiros que se preocuparam, em França, com os desastrosos efeitos do es­ piritismo, salienta-se o dr. Mareei Viollet, mé­ dico dos asilos de alienados de Paris. Sua

(409) ALLAN KARDEC — “O livro doa capfrltoa», e outros autoros. (410) Veja bibliografia «m Leonfdlo Ribslro-Murllo Campos, opas cltntnm , pg. ST. — 363 —

opinião sobre o perigo 'espirita sintetiza-se nas palavras seguintes: “Os elementos que entram na constituição espi­ ritista são análogos aos elementos que entram na constituição do delírio: a o-rigem em fatos miracu­ losos, a estrutura puramente hipotética. A doutrina espiritista abre largo campo a todas as hipóteses; es­ sa doutrina não conhece limites; é o Infinito que se propõe como problema ao finito; sob este ponto de vista, O ESPIRITISMO CONSTITUE UM ÓTIMO CAL­ DO DE CULTURA PARA TODOS OS ERROS, PARA TODA ESPÉCIE DE DESEQUILÍBRIO E PARA TO­ DA ESPÉCIE DE LOUCURA. Assim, pois, não pode­ mos deixar de admitir verdadeiros casos de loucura espirita”. (411).

No Brasil, onde a doença espirita se vai tornando epidêmica, não há um só psiquiatra que se não tenha manifestado contra as prá­ ticas necromânticas do espiritismo, pródomos da vesania. E aqui há unanimidade. Todos os médicos alienistas condenam o culto espirita, e são acordes em o apontarem à sociedade como o perigo negro. De notar é que os cientistas, espontanea­ mente uns, consultados outros, tem emitido a sua opinião de-público. Vários inquéritos já foram organizados, e neles depuseram os mais notáveis sociólogos. Desses inquéritos o mais antigo foi o promovido pelo dr. JOÃO TEI­ XEIRA ALVARES, distinto médico mineiro, residente em Uberaba. Isto em 1914. O dr. João Teixeira formulou os dois que­ sitos seguintes: (411) Dr. MARCEL VIOLLET — Le SplrltUm e dono •eu rapports nvec la Folie”, pg. 38. — 364 —

a) Que idéia faz V. S. do espiritismo co­ mo fator da loucura e outras perturbações nervosas? b) O médium, principalmente o vidente, pode ser considerado um tipo normal? Responderam os seguintes médicos, todos eles práticos no tratamento de loucos. FRANCO DA ROCHA, diretor do Hos­ pício de Juquerí, S. Paulo; JULIANO MOREIRA, diretor do Hospí­ cio Nacional, RIO; JOAQUIM DUTRA, diretor do Hospício de Barbacena. Minas; HOMEM de MELO, diretor de uma casa de saude, S. Paulo; ANTONIO AUSTREGÉSILO, conhecido psiquiatra, e professor da Faculdade de Me­ dicina, do Rio de Janeiro. Eis as respostas:

Dr. Frnnco da Rocha: a) Quanto ao primeiro quesito, lê-se em livros do autor: “A-propóslto das reuniões espiritas, num trabalho recente escreveram Solier e Bolssier: “Em benefício da profilaxia, seria de conveniência divul­ gar os acidentes causados pela frequência às sessões espiritas. Charcot, Forel, Vigouroux, Henneberg e ou­ tros publicaram exemplos de pessoas, sobretudo mo­ ças, ANTERIORMENTE SANS, QUE SE TORNARAM HfSTERO-EPILÉPTICAS, em consequência da prática do espiritismo. Aqui as sessões fazem explodir ou agra­ vam a nevrose, acolá despertam e sistematizam a ten- - 365 —

dêncla & Vesanla, que uma vida regular e bem diri­ gida teria evitado”. (412). b) “O médium vidente, em minha opinião, não é um tipo normal; é quase sempre um desequilibrado. Devo-lhe dizer que eu, pelo menos, nunca vi um mé­ dium quo fosse indivíduo normal. Pode ser que exista; eu, porem, não o vl ainda. *

Dr. Julinno Moreira: a) Tenho visto muitos casos de perturbações ner­ vosas e mentais evidentemente despertadas por ses­ sões espiritas. No HOSPITAL NACIONAL, não raro, vem ter tais casos". b) “Até hoje ainda não tive a fortuna de ver um médium, principalmente dos chamados videntes, que não fosso ncvropata”.

Dr. Joaquim Dutra: “As prálicas espiritas estão incluídas, e eom cer­ ta proeminência, entre essas causas e efeitos, influin­ do diretamente, pelas perturbações emotivas, como um COEFICIENTE AVOLUMADO para a população dos manicômios. “Exageradas, ató se tornarem preocupação dominan­ te, elas preparam a loucura, quando não são mesmo uma denúncia da sua existência. “Por impressionáveis, tais práticas concorrem pa­ ra a halucinação... etc.”.

Dr. Homem de Melo: a) “Considero o espiritismo, como o praticam, um grande fator de perturbações mentais e nervosas; atualmente o espiritismo concorre com a herança, com a sífilis e com o álcool, no fornecimento dos hos-

(412) FRANCO DA ROCHA — Esboço de PsIqulntrJo Forense, pg. 32, citado pelo dr. Jotto Teixeira. — 366 —

pícios o casas de saude; acho tão forte o sen contin­ gente, que a lei devia tolher-lhe a marcha”. b) “O médinin 6 um tipo degenerado”. O Dr. Austregésilo, em resposta ao dr. João Teixeira, exprimiu a sua opinião assim: "O espiritismo é, no Rio de Janeiro, uma das causas predlsponentes mais comuns da loucura”. (413). Depois do inquérito do Dr. João Teixei­ ra, outro houve promovido pelo “O Jornal”, do Rio, em 1926, cm forma de entrevistas. Das opiniões então emitidas, duas merecem destacadas, porque emanam de dois cientis­ tas de nome: Henrique Roxo e Juliano Mo­ reira. Disse o dr. HENRIQUE ROXO: “O espiritismo é, pode-se dizer sem exagero, uma verdadeira fábrica de loucos. Entre os dementes que, diariamente, dão entrada no Hospicio, grande parte, — a maioria mesmo, — vem de centros espiritas. “Compreende-se, porem, que eu não digo que o espiritismo possa, sozinho, perturbar o cérebro de um indivíduo normal e são. Afirmo, todavia, graças à ex­ periência que possuo, que ele é um agente provoca­ dor dè delírios perigosíssimos, quando praticado, co­ mo o é vulgarmente, por pessoas de pouca cultura. E’ facil imaginar, de resto, o efeito que deve ter num es­ p irito já naturalmente fraco. . . E’ claro que esse efei­ to só ó tão forte e decisivo nos indivíduos já predis­ postos; em todo caso, não me parece menos claro, tam­ bém, que, se esse estimulante indesejável não se íl-

(413) D r. JoAO TEIXEIRA ALVARES — O Espiri­ tismo, artigos publicados na "Lavoura e Comércio'’, da Uberaba, enfeixados em livro, tlp. Jardim, Uberaba, 1914. — 367 — zesse Eeutir, talvez a demência, em tais indivíduos, ja­ mais se manifestasse, ou então demoraria a se mani­ festar. O espiritismo, portanto, é uma fábrica de iou- cos, sendo, desse modo, nefasto”. (414).

O dr. JULIANO MOREIRA assim se expressou:

“Tom razão o dr. Henrique Roxo quando diz que o espiritismo por ai praticado é uma verdadeira fá­ brica de loucos. Realmente, é grande o número de doentes, procedentes de centros espiritas, que vão ba­ ter às portas do Hospício Nacional de Alienados. “E’ claro, entretanto, que o espiritismo não é, por si só, capaz de produzir a desordem num espirito são e equilibrado... a prática do espiritismo, por con­ seguinte, está muito longe de ser Inofensiva, conforme se apregoa geralmente”. (415).

. Por fim, o mais recente e, ao mesmo tem­ po, o mais autorizado inquérito que houve entre nós acerca do espiritismo, foi o que a Sociedade de Medicina e Cirurgia, do Rio de Janeiro, por iniciativa do dr. Leonídio Ri­ beiro, promoveu entre especialistas brasilei­ ros, depois de 1927. Esse inquérito reduziu-se a quatro que­ sitos, dois sobre a parte teórica do espiritis­ mo, e dois sobre as suas consequências para o indivíduo e para a sociedade. Pelo visto, só os dois últimos quesitos interessam a esta par­ te de nosso trabalho. Diziam:

(414) Cf. “O Jo rn a l”, do Rio, 12 da março da 1*26. (415) Cf. "O Jo rn a l”, 25 da da março de 1926. — 368 — 3.° - A prática do espiritismo pode trazer danos à saude mental do indivíduo? 4.° - O exercício abusivo da arte de curar pelo espiritismo acarreta perigos para a sau­ de pública?

Responderam os seguintes especialistas:

ANTONIO AUSTREGÉSILO, catedrático de clini­ ca neurológica, da Faculdade de Medicina, da Univer­ sidade do Rio de Janeiro; HENRIQUE ROXO, catedrático da clínica psiquiá­ trica da mesma Faculdade; ESPOZEL, substituto de clinica psiquiátrica e neu­ rológica da mesma Faculdade; TANNER DE ABREU, catedrático de medicina legal da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro; JULIO PORTO CARRERO, catedrático de Medi­ cina pública da Faculdade de Direito da Universidade do Rio de Janeiro; JOÃO FROIS, catedrático de medicina pública da Faculdade de Direito da Baia; CARLOS SEIDL, catedrático de medicina públi­ ca da Faculdade de Direito da Universidade do Rio de Ja n e iro ; RAUL LEITÃO DA CUNHA, catedrático de ana­ tomia patológica da Faculdade de Medicina da Uni­ versidade do Rio de Janeiro; FRANCO DA ROCHA, ex-diretor do Hospício do Ju q u e ri, S. P aulo; PACHECO E SILVA, diretor do Hospício de Juque­ ri, S. P a u lo ; PERNAMBUCO FILHO, docente de psiquiatria da Faculdade de Medicina, do Rio de Janeiro; EVERARDO BACKEUSER, proí. da Escola Poli­ técnica e sociólogo; - 369 —

MIGUEL OSÓRIO DE ALMEIDA, professor da Fa­ culdade de Medicina, este na sessão da Sociedade de Medicina, a 19-4-27. *

Procurando, por amor à brevidade, cingir-nos só ao que diretamente se refere ao quesito, omitimos as divagações que precedem ou seguem certas respostas. Reproduzimos o quesito.

3.« — A PR A TIC A DO ESPIR IT ISM O PO D E TR A ­ ZER DANOS A SAUDE MENTAL DO INDIVÍDUO?

Austregésilo: “Sim. Estou convencido que as prá­ ticas espiritas tem produzido, em predispostos, verda­ deiras psicoses e agravado muitos estados mentais já Iniciados por pequenos distúrbios psíquicos”. Henrique Roxo: “O número de alienados, em que as perturbações mentais surgiram em consequência de frequências de práticas espiritas não tem diminuído, e sim, pelo contrário, aumentado”. Espozcl: “A influência da prática do espiritismo na produção de distúrbios mentais é incontestável; basta uma pequena vida clínica na especialidade para se ter ocasião de observar numerosos casos, em que as perturbações psíquicas giram em torno de fatos ocor­ ridos nas sessões espiritas. Assim sendo, repito, consi­ dero a prática espirita possível de produzir desarran­ jos mentais, maximé nas pessoas predispostas, as quais devem evitá-la por perigosa". Tanner do Abreu: “Sim. Basta compulsar os re­ gistos de nosso Hospital Nacional de Psicopatas, para ter a segurança de que não raro figura como elemento etiológlco das doenças mentais a prática do espiritis­ mo pela comparência às respectivas sessões”. “Esse conceito é, ademais, firmado por mostres da psiquiatria. Bastará citar o maior deles, o saudoso — 370 —

professor da Universidade de Munique, EMILIO KRAEPELIN, que, depois de aludir aos casos do lou­ cura comunicada ou de contágio psíquico, acentua que deles podem ser aproximados os distúrbios mentais... em consequência e sob a influência de sessões hipnó­ ticas ou de ESPIRITISMO”. Porto Carrcro: “Assim, espiritismo e neurose tem o mesmo caminho e encontram-se, é bem de ver, ora no começo, ora no fim do trajeto. “Os hospitais de pslcopatas estão repletos desses casos; e, em semiótica psiquiátrica, é de regra, hoje, a pesquisa de antecedentes cspiriticos”. João Frois: “Certamente a prática do espiritis­ mo pode trazer e tem produzido danos à, saude men­ tal dos adeptos e frequentadores de sessões chamadas espiritistas”. Franco da Rocha: “No indivíduo normal, equili­ brado, tais práticas não produzem dano. Aos desequi­ librados, nas classes de mentalidade inferior, pode fa­ zer dano, pois que não sabem Interpretar as coisas co­ mo as pessoas equilibradas e as de mentalidade su­ perior. “Sob esse ponto de vista, a prática do espiritismo, entre gente de baixa mentalidade, é realmente um grande mal”. Leitão da Cunha: "Sim, e tão grandes, a meu ver, que julgo Indispensável e urgente que se estabeleçam leis que regulem esse casó”. Pacheco e Silva: “Sim. Acredito que o espiritis­ mo exerça Influência sobre a saude mental do indi­ víduo. Esta é tambem a opinião do meu eminente mes­ tre e antecessor. Franco da Rocha, — que, a respeito, escreveu vários trabalhos”. Pernambuco Filho: “E’ evidente. Todos aqueles que se dedicam ao estudo de doenças mentais, tem - 371 — observado imimeros casos de desordens psíquicas pro­ duzidas pela prática do espiritismo”. Everardo Bnckouscr deixa de responder, por não ser médico. Quanto ao 4.o quesito: O EXERCÍCIO ABUSIVO DA ARTE DE CURAR PELO ESPIRITISMO ACARRETA PERIGOS PARA A SAUDE PUBLICA? Austrcgósilo: “Sim. Os prejuízos são resultantes dos erros ou comissão, não só atinentes ao indivíduo como à coletividade". "Aplaudo, calorosamente, a atitude da digna So­ ciedade de Medicina, nesta campanha de saneamento psíquico, e envio algumas liuhas que escrevi sobre o assunto: O espiritismo é urna psico-ncurose, semelhan­ te ã histeria, etc.”. Henriquo Roxo: “Finalmente, ao último quesito respondo: o exercício da arte de curar pelo espiritis­ mo acarreta prejuizós para a Saude Pública”. Espozcl: “Incontestavelmente”. Tanner de Abreu: "Sim. A esse respeito convem lembrar a omissão do tratamento conveniente, e não cumprimento da disposição regulamentar, que impõe o dever de notificação compulsória de determinadas doenças transmissíveis”. Porto Cnrrero: “Os prejuizós que o espiritismo traz à Saude Pública são evidentes. Primeiro, metem- se os espiritas a curandeiros, criando ambulatórios e hospitais, onde tratam os psicopntas a pancadas ».ve­ jam-se as publicações do próprio “Centro Redentor"), e onde medicam pela homeopatia, — terapêutica nem sempre inócua. “Com isso, prejudicam ao doente, agindo sem conhecimento de causa, com medicação insuficiente ou contra-indicada, e cultivando a tendência pqsftlciosa para o maravilhoso”. — 372 —

João Frois: “Não há possivel dúvida em afirmar que o exercíclp abusivo da arte de curar pelo espiri­ tismo acarreta prejuízos & Saude Pública". Leitão da Cunha: “Inquestionavelmente, pois o carater misterioso, que tem esse exercício, dificulta a aplicação das medidas profiláticas, facilitando o en­ tretenimento das endemias e a difusão das epidemias”. Franco da Rocha: “Acho que sim, como em geral a prática do curandelresmo, quer seja espirita quer não. “VI muitos doentes mentais, cuja afecção explo­ diu logo depois das práticas do espiritismo. Mas não se deve atribuir exclusivamente ao espiritismo o mal que se tem observado”. Pernambuco Filho: “Sim. Os prejuízos vem não só da deficiência ou erro de tratamento, como tambem pela falta de notificação de doenças contagiosas, o que, sob o ponto de vista profilático, é um grande mal”. Pacheco e Silva: “No meu entender, é uma práti­ ca perniciosíssima, que deverá ser combatida a todo transe, por isso que, sobre prejudicar a Saude Pública, contrlbue para a rulna de muitos lares e dá margem a explorações as mais ignóbeis". O Dr. Carlos SeidI deu uma bó resposta aos dois quesitos: “Friso entretanto, que opino serem conde­ náveis as práticas que se realizam nas sessões espiri­ tas, com pretensos fins terapêuticos, e as chamadas evocações. A minha qualidade de católico não admite estas; e os meus estudos médicos desaconselham a q u e la s”. O Dr. Miguel Osório de Almeida assim se refere, relativamente ao magno problema: “A intervenção do espiritismo no tratamento de qualquer nevrose é sempre prejudicial. . . O espiritis­ mo é. nnde-so dizer sem exagero, uma verdadeira fá- bvica Vticos. Entre os dementes que diariamente — 373 — dão entrada no Hospício, a maioria veri dos centros espiritas”. (416).

Uma das manifestações ordinárias da lou­ cura c a mania de suicídio ou desgosto da vi­ da. É por isso que os casos de suicídio são tão comuns no espiritismo: são uma como consequência lógica da doutrina da reencar- nação e do nervosismo gerado nas sessões. Aliás, espiritas houve que chegaram mesmo a fazer a mais descarada apologia do suicídio. Haja vista o barão Du Potet, espirita de mar­ ca, de quem são estas palavras: "Felizes aqueles que morrem de uma morte rá­ pida, de uma morte que a Igreja Católica reprova! Todos os que são generosos 6e matam ou sentem de­ sejo de matar-se!” (417).

** Para corroborar tudo o que até aqui le­ mos exposto com respeito ao espiritismo — causa de loucura, devemos agora referir al­ guns casos concretos. A dificuldade está em escolher, entre milhares, aqueles que mais im­ pressionem. Para sermos breves, vamos ci­ tar alguns fatos, porem despidos das circuns­ tâncias e incidentes. Mas, por isso mesmo, in­ dicamos as fontes em que os colhemos; se o leitor se interessar pelas circunstâncias, po-

(416) LEONÍDIO RIBEIRO c MURILO CAMPOS — O Espiritismo no Brnsll, contribuirão no seu estudo Cllni- co-Legal, Cia. Ed. Nacional, 1931. (417) BARAO DU POTET — Ensino do Mngnctlsmo. PS. 107. — 374 — derá servir-se de nossos dados e ir às fontes, próxima ou remota, ambas aqui registadas.

EXEMPLOS DE LOUCURA ESPIRITA

Loucura coletiva numa sessão de espiri­ tismo em Taubalé, em 1885. É um dos mais antigos e, ao mesmo tem­ po, dos mais deploráveis casos de demência causada pela seita de Kardec no Brasil. Um advogado e toda a sua família, enlouquecen­ do, procederam a uma ceremônia a que cha­ maram “Construção da Arca de Noé.” “Estava assentado que, naquele dia, havia de ser imolado um dos crentes: seu sangue deveria ser be­ bido por toda a comunidade”. Crianças eram submetidas a torturas. Foi preciso que a policia Interviesse para evitar a continuação das desagradablllsslmas cenas. Este caso é descrito minuciosamente pelo Dr. Franco da Rocha, em seu livro “O Espiri­ tismo e a loucima”, pg. 22. Tambem o refere o dr. João Teixeira, louvando-se numa carta de testemunha ocular, carta reproduzida no seu livro.

Uma senhora americana, da mais alta sociedade do Roston, cnlonquccendo, pratica atos ridículos, por ordem dos espíritos. “Um dia os invisiveis convidaram-na a ir ao po­ rão da casa, sem lhe explicarem por quê. Ela acedeu, contra a vontade. Lá chegando, man­ daram-na que virasse uma tina de fundo para baixo e — 375 —

se metesse dentro dela. Sempre relutando, ela acabou por obedecer". Internada num hospício, sarou, abandonando, em seguida, as práticas espiritas. (Bracket, na Revista es­ pirita Iilght, 1886). (418).

Uma cpldeinla de loucura, na vila de Algezur (Portugal), por cnusa do espiritismo. Enlouquecem homens, mulheres e crianças. Isto obriga a policia a fechar os centros. (Jornal do Bra­ sil, 28-4-1929) (419).

O jornal “A Noite", de 15-7-1929, dá noticia do enlouquecimento de toda a lamllia Farqulm de Al­ meida, de Guarapuava, Paraná. (420).

Outra familla, composta de onze pessoas, em Co­ lônia, Paraíba, enlouqueceu toda, por causa do espi­ ritismo. Um dia, essas onze pessoas, em estado lasti­ mável, entraram em Guarabira, amarradas e entoan­ do cânticos religiosos. Vide “A União", orgão oficial do Governo da Paraíba, 18-1-1930. (421).

O “ Correio da Manhã”, de 9-12-1924, na secção Declarações, traz uma noticia curiosa: Um senhor F. R. T., avisa a seus irmãos espiri­ tas que, tendo sido escolhido para representante do Ser Supremo neste planeta, e tendo 6xercldo tal en­ cargo por 25 anos, não quer mais continuar a missão.

(419) CARLOS IMBASSAHY, opiiH clt„ pg. 183. (419), (420), (421) o (422) NATHANIEL SCHWARTZ, MnrnvIlhnN «lo EuplrltUmo, A Cruzada Editora, Rio de Janeiro, 1931, de pgs. 12 a 15. — 376 —

“Prefiro a morte, dizia, a ser representante do Ser Supremo um só minuto".

Os seguintes casos pertencem à coleção do dr. João Teixeira, páginas 1G5-117, do seu livro “O Espiritismo”: A família do sr. João da Silva Lucas, composta de 12 pessoas enlouqueceu toda, em consequência das práticas espiritas. Essa família residia no Rio, à Rua Alegria, n.° 171. Pode-se ler, na “Gazeta de Notícias”, de 8 de Novembro de 1913, a narração das cenas mais como­ ventes a que ficaram sujeitas essas doze miseráveis pessoas. Joseflna Rodes, mãe de t:>4s filbos menores, dada à prática do espiritismo, enlouquece, e, em consequên­ cia, suclda-se, ateando fogo às vestes. (Cidade de Campinas", sem Indicação de data).

Um estudante de Medicina, da Fac. do Rio, rapaz distintíssimo, enlouquece, por ter assistido a uma única sessão espiritista. (Notícia, de primeira mão, do dr. Feliclo dos Santos).

Uma carinhosa esposa, desvairada pelo espiritis­ mo, assassina seu marido a golpes de machado. ("Jor­ nal do Comércio”).

Um velho professor público, na Idade de 60 anos, enforca-se, levado pelo estudo do espiritismo. (“A Palavra”, de Belem do Pará).

Cristiano Alves Feo, de Jundlaí, sobe ao forro de uma casa e enforca-se, depois de se ter entregado — 377 — a praticas espiritas. ("O Lábaro”, de 23-4-1914, e “A Cidade de Campinas", de 19-4-1914).

Distinto rapaz, no verdor dos anos, deixa a casa paterna e vai viver dentro de um lamaçal, por se jul­ gar um porco, idéia macabra que, lhe havia sido su­ gerida por um espirito, em sessáo. (Cidade de Cam­ pinas”, 3 de Agosto de 1908).

O chefe da estação ferro-viárla de Ribelrãozinho, Estado de S. Paulo, começando a frequentar as ses­ sões espiritas, enlouquce. (Jornais do Matão, 1914).

Em S. José de Alem Paraíba, Minas, uma mulher, dada à prática do espiritismo, enlouquece, e, em conse­ quência, vai à igreja matriz em dia de domingo, e ten­ ta, a toda força, celebrar missa em vez do vigário. Es­ tava convencida da que era homem e sacerdote. (“O Movimento”, de 22-3-1914).

Mais dois casos lamentáveis, uin de suicídio e ou­ tro de uxorlcídio, são relatados pelo “O Movimento”, 22-3-1914 e 19-3-1914).

Distinto professor, inteligente o cheio de espe­ ranças, arrebenta os miolos com um tiro de carabi­ na, levado pelas práticas do espiritismo. (“Jornal do Comércio, 10 de Março de 1914).

O dr. Carvalho Ramos, juiz de direito da capital do Goiaz e notável jurisconsulto, enlouquece, e, logo depois, morre no Hospiclo Nacional, em consequência das pTáticas do espiritismo. (423).

Outro caso de loucura espirita e eonsequente

(123) Dr. JOAO TEIXEIR/V, opus elt., In fine. — 378 — suicídio vem narrado pelo "Estado de S. Paulo", de 28 de abril de 1914.

Como viu o leitor, os exemplos colecio­ nados pelo dr. João Teixeira referem-se a acontecimentos que se agrupam nas imedia­ ções de 1914. data em que ele escreveu o seu livro. Não quisemos tomar o trabalho que esse ilustre medico se deu, — o de anotar fa­ tos próximos de nós, — porque achamos isso desnecessário. O escopo de nosso livre é ou­ tro. E a questão da loucura entra aqui apenas para sermos completos. Aliás, cada qual co­ nhece exemplos sobejos e não seria dificil, como fez o dr. Carlos de Laet e, mais recen­ te, o dr. Xavier de Oliveira, apontar cada um os casos de que tem ciência própria. CAPÍTULO IV

CONDENAÇÃO

I. - PELA AUTORIDADE RELIGIOSA

Tratando-se do espiritismo em face da autoridade religiosa, isto é, com respeito à Bí­ blia e à Igreja, somos obrigados a distinguir as duas feições do espiritismo através dõs tempos: A Necrom áncia Antiga e a Necro- mância Moderna ou Espiritismo.

1.° - Espiritismo antigo ou NECROMÃN- C1A. Em vários tópicos do Antigo Testamen­ to, encontramos a condenação formal da evocação das almas; vale dizer: condenação da Necrománcia. Citemos alguns textos: “Nem se ache entre vós quem pretenda purificar seu filho ou sua filha, fazendo-os passar pelo fogo, nem quem consulte adivinhos ou observe sonhos ou agouros, nem quem seja feiticeiro ou encantador, nem quem consulte pitonisas ou adivinhos, nem quem in­ dague dos mortos a verdade: porque todas estas coisas abomina o Senhor”. (Deuteronômio, 18:10-11). “A alma que se desvia p procurar mágicos e adi- — 380 — vinlios. . . Porei a minha face contra ela e a destrui­ rei do meu povo”. (Levlt., 20:6). “Feiticeiro* não permitirás que vivam”. (Êxodo, 2 2 :1 8 ). Depois da vinda de Nosso Senhor Jc- sús-Cristo, a necromância ficou sendo su­ perstição circunscrita a algumas zonas mais atrasadas. Nunca foi prática generalizada. Por isso, a condenação dessa forma de es­ piritismo veio apenas prolatada em concílios particulares. Segundo o Pe. Heredia, o espiri­ tismo antigo vem condenado pelos seguintes concílios: Quarto de Cartago, Segundo de Tours; Sexto de Paris; Primeiro de Ancira; Quarto, Quinto, Duodécimo, Décimo-Sexto e Décimo- Sétimo. de Toledo. 2.° - Espiritismo moderno. Sem entrar na discussão da teoria, e sem se pronunciar sobre a realidade ou natureza dos fenômenos, a Igreja tem condenado por diversas vezes as práticas espiritas. Já em 23 de junho de 1840 e 28 de julho de 1847, o Santo Oficio, regulando o uso do hipnotismo, proscreveu o emprego de princí­ pios e meios puramente físicos ultilizados pa­ ra explicar “coisas e efeitos verdadeiramen­ te sobrenaturais.” Em 30 de julho de 1856, a Encíclica Sancti officii explicando as anteriores deter­ minações acima citadas, reporta-se mais di­ retamente ao espiritismo e estabelece: “In lilsco omnlbus, quncumqtie dennun ntantur nrfco vcl lllnsionc, ctim ordlnatur m edia plijslca ad ef- — 381 - fccius iicn nnturnleg, repcrltur dcccptio omnino illl- citn et contra honcstatem moruin”. A sabor:

empregam moios físicos para se obterem efeitos na­ turais, há um engodo inteiramente iliclto e dirigido contra a honestidade dos costumes”. (424). Em 1898, a mesma Sagrada Congregação do Santo Ofício declarou novamente que “não c licito consultar as almas dos mortos ainda quando se exclua o pacto com o espírito ma­ ligno.” (42ó). Por último, em 1917, dando resposta a uma consulta que se lhe fez, o Santo Ofício foi muito mais explicito e declarou: “Não é lícito, nem com a intervenção do médium nem sem essa intervenção, assistir a quaisquer falas ou manifestações espiritistas, nem mesmo às que tenham aparências de honestidade e piedade, quer pretenden­ do interrogar almas ou espíritos, quer ouvindo res­ postas, quer simplesmente assistindo, ainda que haja protesto tácito ou expresso contra a comunicação co:n os espíritos malignos”. (426). Alem destas condenações emanadas di­ retamente da Santa Sé, há as proibições par­ ticulares, dadas como normas diretivas pa­ ra os católicos. Vejam-se as atas do Segundo Concilio de Baltimore (Estados-Unidos), II, n.° 36, e as do Concílio Plenário Latino-Ame­ ricano, sob o n.° 164. Entre nós: a Pastoral íils; S sãs — 382 —

Coletiva dos Bispos do Sul do Brasil, sob os n.°s 6Í e 63. o Aviso n.° 89 da Cúria Metropo­ litana do Bio de Janeiro e diversas cartas pastorais, como a do sr. Bispo de Uberaba, d. fr. Luiz de Sant’Ana, a de d. Fernando Taddci, bispo de Jacarezinho, etc.

*** O que ai fica refere-se principalmente às práticas espiritas. Mas existe tambem a con­ denação canônica relativa à parte doutriná­ ria do espiritismo. De-fato, como vimos em outro lugar, a doutrina religiosa dos espiri­ tas é a reafirmação de muitas heresias já con­ denadas pela Igreja, antes de aparecer o es­ piritismo moderno. Os espiritas, por conseguinte, são equipa­ rados aos herejes e, assim, estão incursos na pena de excomunhão, cominada pelo canon n.° 2314, § 1.°, n.° 1, do Código de Direito Canônico. Não podem receber os sacramen­ tos da Igreja, a não ser que, primeiro, se re­ conciliem com a Igreja, pela abjuração do erro, de acordo com o estatuído no art. 731, § 2.° do Código Canônico. Alem disso, há a pena de excomunhão reservada, speciali mo­ do, à Santa Sé, contra todos os que lerem ou guardarem consigo livros espiritas, pena es­ sa em que incorrem tambem os ediiores ou defensores de tais livros. A-propósito, já o Concilio Plenário La­ tino-Americano havia resolvido: “Visto como os sequazes do espiritism o... fre­ quentemente admitem e promovem operações diabó- — 383 — lieas o espalham multas heresias... não podem ser reconciliados, nem no foro interno nem no externo, apenas como pecadores ordinários, mas devem ser jul­ gados como herejes ou fautores de heresias; nem po­ dem ser admitidos aos sacramentos, a não ser que re­ parem o escândalo, façam abjuração do espiritismo e omitam a profissão de fé, segundo as normas pres- Gritas pela teologia”. (N.* 104).

2.“ - PELA AUTORIDADE CIVIL

O Hipnotismo, que é o principal auxiliar do espiritismo, tem sido proibido, ou restrin­ gido quanto ao uso, em diversos paises. As­ sim, a Áustria, a Itália e a Bélgica proibi­ ram sessões públicas. Na Dinamarca e na Alemanha só pode praticar hipnotismo quem for médico diplomado. O mesmo se deu com o espiritismo, cu­ ja prática foi proibida ou limitada por di­ versos Códigos Penais. No Brasil, conquanto as nossas Constituições tenham garantido a liberdade de culto, todavia o emprego largo do espiritismo em atividades alheias ao cul­ to religioso foi tambem proibido. Assim estatue o art. 157 da Consolidação das Leis Penais brasileiras: Al t. 167. — Praticar o espiritismo, a magia © os seus sortilégios, usar talismans e cartomâncias, para despertar sentimentos de ódio ou amor, incnlcar coras de moléstias curáveis ou incuraveisi enfim, para fasci­ nar e subjugar a credulidade pública; Penas: Prisão celular por um a seis meses e mul­ ta de 1009000 a 6009000. — 384 — § l.o — Se, por Influência ou consequência de qualquer destes meios resultar ao paciente privação ou alteração temporária ou permanente das faculdades fisicas: Penas: Prisão celular de um a seis anos e multa de 200$000 a SOOÍOOO. § 2.o — Em igual pena, e mais na privação do exercido da profissão por tempo igual ao da conde­ nação, incorrerá o MÉDICO que diretam ente praticar qualquer dos atos acima referidos, ou assumir a res­ ponsabilidade deles. O sentido exato da lei foi esclarecido pelo co­ mentário de Macedo Soares, e existe um acordão do Supremo Tribunal, 6ob o n.° 4.055, negando habens corpus, em grau de recurso, ao farmacêutico Francis­ co Nery dos Santos, que tentara infringir o dispositi­ vo do Código Penal, em Santa Maria Madalena, Esta­ do do Rio. (427).

É lamentavel que o praxismo da juris­ prudência e a tolerância policial tenham con­ corrido para que esta lei, como outras muitas, se tornasse letra morta entre nós. A propó­ sito observa d. Otávio: “Entretanto, a tolerância dos poderes públicos é geralmente muito grande nesta matéria, sendo raros ou quase mal sucedidos os processos instaurados con­ tra os violadores deste artigo do Código. “Em consequência, os charlatães e exploradores proliferam por toda a parte, enganando o pobre povo, a distribuírem garrafadas de água fluidificada, — le­ gitima água de pote, — por esta forma atraindo os

(427) MACEDO SOARES — Coillgo Penal, cd. de 1910. PET. 31 C. (42S) D. OTÁVIO CIIAGAS DE MIRANDA, opnM cl(., — 385 - simples e ignorantes para as suas baiucas de perdi- ç&o”.

RESUMINDO. O ESPIRITISMO É CONDENADO, e suas práticas são proibidas, NÃO SÓ PELAS LEIS DIVINAS, MAS AINDA PELAS LEIS HU­ MANAS. CONCLUSÕES

I

Objetivo é de nossa obra abrir os olhos aos católicos e a muitos que, sugestionados pelo maravilhoso, em boa fé se deixam ar­ rastar por esta antiga superstição chamada, hoje, espiritismo. Seguindo a ordem lógica, depois de ter­ mos apresentado as noções indispensáveis sobre Cristianismo, Materialismo e Espiritis­ mo, demos um relatório dos fenômenos pro­ vados ou espontâneos, considerados supra- normais. Antes de entrarmos na questão filosófi­ ca sobre a causa eficiente de tais fenômenos, resolvemos, à luz de critérios gerais, a ques­ tão histórica sobre a sua realidade. Quanto à questão principal: “Qual a causa eficiente de tais fenômenos?”, cumpre- nos declarar que não ignoramos a tendência moderna de tudo explicar naturalmente, mas sabemos tambem que reputados católicos, fi­ lósofos e escritores estão pela explicação pre- — 387 — ternaltural. Alem dos autores citados atrás, outros ainda poderíamos alinhar aqui, co­ mo Zacchi. Oldrá, etc. (429). Chegando à ultima conclusão, afirmam os citados autores que tais fenômenos tem por causa o eterno inimigo do homem. Le­ mos em Horácio Mazella: “Fenômenos há no magnetismo, no espiritismo e no hipnotismo só explicáveis por uma causa preterna­ tural, que outra não é que o demônio”. (430). Tanquerey, mais explicito escreve: "Os fenômenos do magnetismo, do hipnotismo e do espiritismo que envolvem manifestações de coisas ocultas, remotas e futuras (futuros livres), são dia­ bólicos. Os demais não parecem transcender as leis naturais”. (431).

A Civiltà Cattôlica, depois de ter lido e examinado tudo que fora escrito, em sentido naturalístico, pelos autores modernos, vol­ ta a repetir e sustentar o que, com muito bom senso c ponderação, haviam escrito os seus predecessores. (432). Os próprios autores que defendem o naturalismo admitem a intervenção diabóli­ ca em alguns fatos espiríticos. (433). Conclue Oldrá o seu livro, reproduzindo a gravíssima observação que o calmo e dou­

(429) ZACCHI — Lo Splritlumo, pref. V III - X, Roma, F errari. 1922; Clvlltà CaUollcn, 1917, vol. II, pg. BC8. • (430) HORACIO MAZELLA — Thcol. D opn., vol. I, da 4.* edlç&o. pg. 42C. (431) TANQUEREY — Thcol. Dogra., 13.* ed. 1911, PS. 49C. to Lepicier faz ao dr. Liljencrants sobre a vertente questão: “Observe-se que o só fato de apresentar como possivel uma explicação diversa da que, quase unani­ memente, dão os teólogos católicos, isto é, uma ex­ plicação que vai de encontro aos princípios comumen- te recebidos pela Igreja, equivale a abandonar a tra­ dição e é uma aberta adesão às novidades de palavras e & oposição da ciência de falso nome, que S. Paulo fortemente condena. (I Tím., G:20). (434).

Seguimos, pois, a opinião tradicional. Em capítulo especial, explicamos o senti­ do em que entendemos a intervenção diabóli­ ca no espiritismo. Não deve o critico católi­ co separar os fenômenos espiritas do conjun­ to de circunstâncias que os acompanham: o ambiente das sessões, o lugar e o tempo em que se realizam, a intervenção de um mé­ dium e, sobretudo, a doutrina que ensinam os agentes invisiveis. Perfeitamente confirmada ficou a nossa proposição principal pelo estudo da ação dia­ bólica através dos tempos e pelo cotejo que fizemos com a necromância e magia antiga. Depois de um breve estudo sobre o espiritis­ mo moderno, analisamos as mensagens de ca- rater profano e religioso, sobre as quais se apoia a religião espirita. Mereceu-nos espe­ cial estudo a famosa reencarnação que, so­ bre ser um erro filosófico, é formalmente oposta à doutrina católica. (422) CivllOi Cnttollrn, fn«cl. 17, Dez., 1921, pg. 549- 561; fase. 21 de Jan. 1921, pg. 143-151). (433) Cf. OLDRA, S. J. — Op. Clt.» pg. 396. (434) D EriC IK R — II mondo InvlHlblle Splrltc. VI- conza. 1920, App., pg. 237. — 389 — II

Ao claríssimo autor Th. Mainage, tão ze­ loso pelo bom nome da Igreja, aqui damos a resposta sobre o ponto que atinge os defen­ sores da sentença média. Escreve: “Ah’ Quel soutire et quel dédain sur les lèvreg des hommes attentifs A surprendre les faux coups de bnrro du nantonier qui dirige ici-bas la barque divi­ ne, si un jour venait où les faits spirites seraient clas­ sés sans appel dans la catégorie des effets naturels! Ils mépriseraient l’Église”. (435). Estas palavras equivalem a uma congra­ tulação com a Igreja pelo fato de não se ter ela pronunciado ainda sobre a causa eficien­ te dos fenômenos espiríticos. Respondemos: Sc um dia ficar provado que todos os fenômenos considerados supra- normais são naturalmente explicáveis, nem assim haverá lugar para o desdem dos ho- ftiens malévolos. Próprio é de quem verdadeiramente ama a verdade imitar o grande Santo Agostinho que, para edificação dos homens superiores, escreveu o seu livro Das Retratações. Vem aqui a-propósito uma observação de Van d er E lst: "Il semble qu’on puisse avec Huysmans s’étonner, A bon droit, qu’ après avoir vu le diable partout, on ne le reconnaisse aujourd’hui nulle part”. (436).

(433) TH. MAINAGE — Ln Religion Splrltc, cd. 3.» 1921, ps. 182. Modificou Malnago sua oplnlso? (436) VAN DER ELST, In Dlct. Apol. do autor d'Alès, art. occultisme, fase. XVI, pg. 1128. — 390 — E’ esta, aliás, a artimanha do inimigo in­ fernal. Ele opera nas sessões espiritas, mas, como sempre, habilmente se oculta. Vê-se que seu ideal é a destruição do Cristianismo. Confiados em Deus, que é a Verdade, e na Virgem Imaculada, que esmagara a cabe­ ça do pai da mentira, esperamos que estas pá­ ginas abram os olhos a muitos iludidos e, mais uma vez, lhes mostrem, através dos fatos e da doutrina espirita, a influência do eterno inimigo de Cristo. Quanto ao valor histórico dos fatos espi- ríticos, narrados por milhares de pessoas, sub­ screvemos o que, a-respeito, escreve Oldrú, S. J.: "Opor-se a todas ns testificações gravíssimas e numerosas é, pelo menos, inqualificável ousadia, ain­ da que se apresente com o ar e o tom da mais severa crítica". (437).

III

Já não é mais possivel negar os progres­ sos do espiritismo 110 Brasil. O erro procede dos grandes centros urbanos, cujos habitan­ tes não se envergonham de ombrear com os tabaréus em matéria de superstição. A capi­ tal da Republica dá o exemplo. Os morros, os bairros longínquos e até algumas ruas cen­ trais povoam-se de templos, de candoblés e de tendas. Ha livrarias iespecializadas em obras espiritas. Há mesmo casas comerciais que sc encarregam de vender objetos de cul­

(437 OLiDRA’, S. J. — Op. C lt, Pff. 103. — 391 — to espirita, amuletos, artigos de emprego for­ çado nos despachos e malefícios. Niterói rivaliza com o Rio. No interior do país, seja no norte seja no sul, prospera esta praga social. S. Paulo tem m ais de trezentos centros ^espiritas. O Diário Oficial, desse Estado, é uma amostra disto. Basta ler a lista das sociedades espiri­ tas que ali publicam seus estatutos para ob­ tenção de personalidade jurídica. Contam-se por milhares. Ultimamente, na linda cidade bandei­ rante, instalou-se também uma estação radio- emissora, — a Radio Piratininga. Ótimo pro­ grama artístico. Mas francamente espirita. O ataque à Religião Cristã faz-se abertamente. A teoria cardecista é inculcada aos radio-es- culas, sob aparências sedutoras. Os próprios publicistas estrangeiros já observaram que as publicações espiritas, no Brasil, são em muito maior número do que em qualquer outro país da América ou da Eu­ ropa. Eis aí os fatos.

IV

Como explicar a disseminação rápida e ampla de uma religião tão nefasta? Muitos são os fatores que respondem pe­ lo progresso do espiritismo entre nós. Citemos os principais. E’ na própria índole do brasileiro que va­ mos encontrar o primeiro motivo de sua ade­ são a um crcdo diametralmente oposto à Re­ — 392 —

ligião Cristã: o brasileiro é. por índole, sen­ timental, e, por formação, supersticioso. As­ sim, diante da promessa de poder falar com os queridos defuntos, e, na presença de prá­ ticas impressionantes, o homem do povo não resiste à tentação: dá-se ao espiritismo. Alem da receptividade própria do brasi­ leiro, respeito à aceitação do espiritismo, de­ vemos lembrar ainda, como fator de êxito, os métodos dos propagadores da doutrina. E, em primeiro lugar, citemos a hipocrisia dos falsos profetas, a má-fé e o cálculo dos mé­ diuns e experimentadores. Começam por apresentar a seita como um “passa-tempo” uma “curiosidade”, uma “inocente conversa com os m ortos”, uma “ciência” e não uma religião. Negam, sistematicamente, o carater religioso do espiritismo. De inicio, chegam até a pedir missas em sufrágio dos espíritos sofredores. Só com o tempo é que irão desfi- velando as máscaras, acabando, por fim, num ataque desleal c acre à Igreja Católica. O espirita reçuma ódio aos sacerdotes ca­ tólicos e a tudo quanto c caro ao coração dos católicos. Outra fase do método de conquista con­ siste no exercício ilegal da medicina. A vai­ dade humana afasta a idéia da morte. O ho­ mem não sc convence de que deve morrer um dia; se, pois, nas suas enfermidades, não consegue melhoras, dentro da ciência verda­ deira, recorre aos raizeiros, aos macumbeiros, aos exploradores. O espiritismo vem, então, ao encontro dos que sofrem. Dá-lhes um consolo falso e mo­ — 393 ~ mentâneo, mas muito de acordo com a estul­ tícia humana. Aqui avultam duas vantagens da chama­ da “medicina” do espaço: a) Consultas e re­ médios gratis; b) Promessa de curas inau­ ditas. Entre nós, com efeito, os médicos são ca­ ríssimos; os remédios, custosos. E doenças que a medicina considera incuráveis, a incon- ciência dos médiuns garante debelar graças ao receituário dos médicos do Alem. Ultimamente, até, conforme observa d. Otávio c conforme nosso conhecimento pes­ soal, os médicos do espaço deram para pra­ ticar cirurgia. Em S. Paulo conhecemos ilustre senhora que se diz curada de uma calculose biliar depois de ter sido operada por um “in­ visível ”. Outra, e esta é notável: Já houve quem consultasse “advogados do espaço” a respei­ to de litígios judiciais. Alem de clínicos e ci­ rurgiões, o Alem possue ainda os seus rábu­ las e causídicos.

V

Como remediar a tantos inales, a tanta perfídia? Não é facil combater o espiritismo neste terreno, porque, aqui, nem sempre podemos opor método a método, já que não podemos praticar o charlatanismo e exercer a medici­ na com infração das leis. Todavia, tentemos apontar alguma terapêutica. A primeira refere-se à educação. No lar, — 394 — antes de tudo, e, depois, na escola, é que se há-de torcer a índole sentimentalista do bra­ sileiro. E’ preciso formar espíritos práticos e lógicos, gente acostumada a viver no real e não no fantástico. < A literatura infantil tem muito que fazer neste terreno.

VI

As pretensas curas espiríticas explicam- se pelas forças curativas do espírito. Trata-se da influência do moral sobre o físico. São as chamadas forças psíquicas, a que iludia Grassett numa de suas conferências. Até autores espiritas são unânimes em afirmar que muiios “milagres” se devem ao poder da “sugestão”. Em todo caso, convem não esquecer que liá muito charlatanismo de permeio com algum conhecimento de homeopatia entre os médiuns curadores. As doenças que os médicos deste mundo não curam, tambem não conseguem curá-las os médicos do “espaço.” Quando foi que o es­ piritismo sarou um tuberculoso, um morfé- tico, um canceroso? Isto prova que os desen­ carnados nada progrediram; não merecem, pois, nenhuma preferência. O que é mais cer­ to é que os diagnósticos e receitas de origem espirita são apenas produto da imaginação e da esperteza dos médiuns. Ainda há pouco ficou evidenciado, pela justiça especial, que os médicos desencarna­ — 395 —

dos não sc imiscuem nas coisas deste mundo. O caso merece lembrado.

CONDENADO TJM “MÉDIUM CURADOR”

"O Juiz do Tribunal de Segurança, almirante Le­ mos Bastos, julgou ontem o farmacêutico Wistremun- do Alves Simões, desta capital, denunciado sob a acu­ sação de explorar o público com anúncios em que afir­ mava que o Centro Amor e Fé em Deus fornecia gra­ tuitamente diagnósticos de qualquer moléstia median­ te a remessa do nome, profissão e residência. “O fato foi denunciado pelo dr. José Segadas Viana, que, enviando oito cartas ao médium invisível, todas com nomes de pessoas supostas, como supostos eram os demais informes, recebera respostas acompa­ nhadas de dirgnóstlcos e receitas. “A defesa foi feita pelo advogado Frederico Muel- ler e a acusação pelo procurador adjunto Clovls Kruel de Morais. “O juiz, findos os debates, lavrou a sentença, em que, depois de vários consideranda, condenou o acusado a seis meses de prisão e à multa de dois con­ tos de réis”. (“Correio da Manhã”, 30 de Dezembro de 1939). No processo, pois, ficou provado que os “médicos do espaço” receitam para doentes que não existem... Quanto às intervenções cirúrgicas, pude­ mos verificar que elas existem só na imagi­ nação dos fantásticos... Os pacientes, con­ vencidos, momentaneamente, de que fo­ ram “operados invisivelmente”, experimen­ taram melhoras passageiras. Depois, com o recrudescer da moléstia, acabaram na sepul- — 396 — tura, se, a tempo, não procuraram os cirur­ giões em carne e osso.

* **

Todavia, tanto no terreno da clínica co­ mo no da cirurgia, não nos repugna admitir a possibilidade de algumas curas extraordi­ nárias, devidas à intervenção de fatores pre- ternaturais. Aos espiritas, porem, incumbe provar, cientificamente, a realidade de tais curas. Deviam, em tais casos, adotar a pra­ xe da Igreja no referente aos milagres admi­ tidos para a canonização dos Santos, isto é, a produção de duas séries de próvas: 1.°) Atestados, firmados por médicos não-espiritas, comprovando o carater incurável das doen­ ças; de médicos que teriam examinado os doentes antes da cura; 2.°) Atestados, da mes­ ma natureza, provando a cura. O fato histórico de uma doença incurá­ vel e o de sua cura extraordinária não per­ tencem ao domínio da religião: pertencem à História. Como tais, devem ser provados por pessoas não interessadas na crença religiosa. De nada valem puras alegações. Tam­ bém não valem afirmações de médicos espi­ ritas, por mais honestos que pareçam. Fora do espiritismo é que se hão-de analisar os fatos passados lá dentro. Aqui, como alhures, opomos a clássica condicional: “Se.” Se os fatos alegados fo­ rem reais, valem, para explicá-los, os prind- pios expostos neste livro. — 397 —

Sobre as consultas jurídicas, podemos in­ formar o seguinte: O sr. Carlos Monteiro de Barros, herdeiro pre­ suntivo do Barão de Paraopeba, resolveu reivindicar a fazenda do Xicão, município de S. Gonçalo do Sapa- cai, fazenda que pertencera a seu avô, mas que, fa­ zia mais de cincoenta anos, já tinha sido vendida a diversos. Antes de propor a agão, o sr. Carlos consul­ tou o jurisconsulto francês Cujas ou Cujácio, faleci­ do em 1590. O espirito de Cujas, evocado, proferiu um parecer por escrito, opinando pela liquidez dos direitos de Carlos Monteiro. Aconselhou-o, mesmo, a demandar, garantindo-lhe que a vitória era certa. Carlos Monteiro, louvando-se na ciência do es­ pirito, demandou com a Companhia Xicão e com o coronel Manuel Alves de Lemos. Resultado: O sr. Carlos perdeu a demanda em todas as instâncias.

O que prova que os desencarnados são tão maus juristas como maus médicos...

VII

Um meio prático para contrabalançar a propaganda espirita será opor método a mé­ todo, dentro da permissão de nossas leis. As Ordens Terceiras, as Irmandades, as Conferências de S. Vicente de Paulo ç outras instituições de caridade, poderiam, neste in­ tuito, organizar ambulatórios e serviços de assistência médica e farmacêutica domici­ liária. — 398 ~ Assistência sanitária gratuita, correndo as despesas com médicos e farmacêuticos por conta das Instituições Católicas... Seria, até, preferível que as Ordens Ter­ ceiras e Irmandades cortassem nas suas des­ pesas com o esplendor do culto em beneficio da salvaguarda da fé e da propaganda da re­ ligião de Cristo. No interior, os vigários seguiriam o mes­ mo programa. Poderiam, de acordo com os próprios médicos, estudar um pouco de medi­ cina prática c ser os melhores auxiliares da saudc pública, sem prejuizo da dignidade sa­ cerdotal e sem prejuizo dos interesses dos médicos. Meras sugestões, já se vê...

VIII

A polícia deve saber que, em muitas so­ ciedades espiritas, se está fazendo propagan­ da comunista velada. No “Centro da Juven­ tude Espirita”, de São Paulo, largo do Ria- chuelo, um de nossos colaboradores assistiu à defesa de uma tese francamente comunis­ ta. Ilouve debates. Alguns espiritas rebate­ ram a opinião do orador, mas outros acei­ taram-na sem restrição alguma.

IX

Acautelem-se os católicos contra os esta­ belecimentos de caridade mantidos pelos es­ piritas. A caridade, é, apenas, um chamariz — 399 — de necessitados, que serão, em breve, conta­ minados pelo vims doutrinário. O demônio, para enganar, inspira a fa­ zer boas obras. Esse é o seu velho estrata­ gema. E’ um erro auxiliar, pecuniariamente, as instituições espiritas. E’ pecado grave dar o dinheiro para o levantamento e o custeio de hospitais e asilos que servem de meios para a destruição da fé, a corrupção dos costumes e a perdição das almas.

X

Para cúmulo da hipocrisia, e em obedi­ ência aos estratagemas de Satanaz, é vezo dos espiritas usurparem os nomes dos nos­ sos santos para o batismo dos seus Institutos: “Abrigo Teresa de Jesús”, “Hospital Vicente de P aulo”, etc. Por que é que não dizem “Asilo Camilo Flammarion”, “Orfanato Conan Doyle”, etc. Pensando bem, aí temos os espiritas con­ fessando que a sua doutrina não produz San­ tos. Os espiritas roubam os heróis da Reli­ gião Católica. Apresentem-nos os seus Santos. A doutrina é a moral dos santos católi­ cos estiveram em oposição absoluta com as práticas espiríticas. Portanto, homenageando os nossos santos nas fachadas dos seus hospi­ tais e asilos, os espíritas confessam que a dou­ trina dos espíritos é falsa e que sua moral é imoral. Para alguém ser santo tem de prati­ car a religião católica, receber os sacramen­ — 400 — tos, confessar-se, comungar, ouvir missas, morrer no seio da Igreja. Isto é que aceitam, sem o pensarem, os espiritas. É o demônio, forçado pela evidência, clamando a Jesús: “Vós sois o filho de Davi.”

XI

Nos grandes centros, sobretudo em São Paulo e no Rio, há católicos demasiado in­ dulgentes no que diz respeito à religião es­ pirita. Zeladoras do Apostolado da Oração as­ sistem a sessões espiritas e se dizem, inocen­ temente, espiritas católicas. Pode haver maior absurdo? É que não conhecem nem a doutri­ na católica nem a espirita. Cúmulo da igno­ rância !

XII

E’ nos escritores espiritas que encontramos as maiores acusáções contra a honra dos mé­ diuns. São “feiticeiros”, “velhacos”, “rivais”, “invejosos”, “trapaceiros”, (438). Tomem nota os católicos á-fim-de não se meterem entre essa gente.

XIII

Cumpre evitar certos modos de dizer to­ mados da doutrina espirita. Católicos há que

(438) Cf. C. IMBASSAHT — Obra citada, pgs. 181, 228. 348. 187, «tc. — 401 — dizem: “Em outra encarnação eu farei isso, evitarei aquilo.” É fazer concessão tácita a respeito da me­ tempsicose. Está errado. Para o católico não há reencarnação; só haverá a ressurreição final, única e definitiva.

XIV

O espirita, em geral, não se converte. Tem o cérebro endurecido, a lógica transtor­ nada. Por isso, o combate ao espiritismo há- de ser mais preventivo do que curativo. A campanha anti-espirita deve ser como a cam­ panha empreendida contra as doenças con­ tagiosas consideradas incuráveis, — a tuber­ culose, a morféia, etc. Deve ser antes profi­ lática do que terapêutica. Falc-sc, desde o púlpito, contra o perigo do contágio. Fale-se aos católicos, não aos es­ piritas, aos sãos e não aos doentes. Para que a campanha surta efeito have­ mos mister conhecimento de causa. Não va­ mos atribuir tudo a causas naturais, nem tu­ do ao demônio. No primeiro caso, não se com­ preenderia bem a razão do combate nem a razão por que a Igreja condenou repetida­ mente a prática do espiritismo. A razão do estudo c de pesquisa científica justificaria a assistência a sessões espiritas. No segundo caso, teriamos contra nós a psicologia, que ex­ plica quase todos os fenômenos subjetivos. - ^02 — XV

Seria de todo conveniente que se instituis- se nos Seminários um pequeno Curso de Es­ piritismo, onde se estudassem as teorias, os erros dogmáticos, os meios de combate. Nós chegamos a esta situação aparente­ mente contraditória: temos de combater o pa­ ganismo nas regiões não-pagãs, temos de pre­ gar Cristo aos cristãos. Podemos e devemos auxiliar a cristianização da África e da Ásia, mas não podemos afrouxar a re-cristianiza- ção do Brasil. Não basta rezar. Não adianta lastimar. É preciso lutar. Quem finge desconhecer a devastação operada pelo espiritismo é porque não saiu nunca de seus alcáçares, de suas casas, de seus lazeres. Não percorreu, como nós, os bairros pobres de S. Paulo e do Rio, nem perlustrou o interior do país. Não feriu o as­ sunto no seio de certas famílias elegantes que, a-pesar-de tudo, ainda vão a missas de sétimo dia e ainda toleram a existência dos sacerdotes católicos. (439). EXORTAÇÃO FINAL

Via o Apóstolo os primitivos cristãos em­ penhados numa luta perene contra os pode­ res que se manifestam nos ares e não se can­ sava de animá-los a que perseverassem na lu ta : “Mortos éreis em vossos crimes e peca­ dos, quando caminháveis segundo o espírito deste mundo, segundo o príncipe dos ares, que ainda não cessa de operar entre os filhos da desobediência.” Não ha negar. Poder sombrio, horrível e devastador vagueia em torno de nós. Príncipe poderoso infesta os ares que respiramos e em que nos movemos. Não c de carne e osso, esse príncipe. Não tem a forma que os poetas lhe emprestam e com que o vestem os pintores. Invisível, age assim mesmo por toda parle. Tem milhares de fauces e milhares de olhos. Servem-no ministros sem conta, ásseclas de todos os matizes; por meio deles, espreita- nos, arma-nos insídias, procura perder-nos em todos os instantes. Riem-se os homens deste nosso linguajar. Com ares de “iluminados” asseveram que no “século das luzes” já não há lugar para o es­ pirito das trevas. Mas enganam-se. Descrendo do poder in- — 404 — visivel, tornam-se as primeiras vítimas do Dragão Infernal. A mais retumbante vitória de Satanaz, nos tempos que correm, é esta: fazer crer aos homens que ele, — Satanaz, — não existe. Como disse GOETHE, esse profundo co­ nhecedor dos homens,

“Não percebe a gentinha ao diabo, Inda que a tenha toda no gasnete...”

Os surtos do pensamento humano confir­ mam as verdades em que, de pequeninos, fo­ mos instruídos nas aulas de História Sagrada. O cepticismo sistemático não modifica o curso das coisas. Conforme disse Fenelon, no Telêmaco, as coisas são como são e não como queremos que sejam. Queira ou não queira o MATERIALISMO moderno, as Sagradas Letras não deixam, por isso, de atestar a sinistra atividade da “ser­ pente”, do “homicida desde o inicio”, do “ad­ versário nosso que, leão faminto, nos anda farejando, buscando quem devore.” E Crisio, o nosso amigo, nos está sempre alertando, não venhamos a cair nas malhas do “inimicus homo” que, pelas caladas da noite, sorrateiro e manhoso, sói espalhar a erva daninha no campo das almas. A História da Igreja atesta a ação oní- moda de Satanaz, esse Proteu real e perver­ so. Uma das manifestações de sua atividade foi e será sempre concretizada na forma c!c heresias. A heresia é o joio abafador da se­ mente divina, plantada por Cristo no terreno das almas boas e generosas. — 405 — O INIMIGO não dorme. Quando uma he­ resia se desvanece, ele suscita outras. Aí está a última em ordem cronológica: o ESPIRITISMO. Os seus fautores foram uns viciados. Os seus crentes são, via de regra, homens nevrosados, — almas doentias que re­ negam os ensinamentos de Cristo e despre­ zam as normas da SÃ RAZÃO. Leitores! Estai alerta. Não vos deixeis co­ lher nas redes do Grande Sofista, cujos argu­ mentos capciosos tanto se traduzem na elo­ quência de um médium como no hálito de uma serpente. Nunca podereis prescindir daquele que c “ o Caminho, a Verdade e a Vida.” Não podeis passar sem Cristo, assim nas horas amargas como nos momentos de alegria. Quereis baralhar os ensinamentos dos Evangelhos com as mensagens do Inferno? E’ o que muitos estão fazendo. Contemplai, porem, vós-outros, o olhar tão meigo de Jesús e ouví-lhe a queixa dorida e ansiosa: “E vós? Quereis tambem deixar-me?” Não! Como Pedro, como todas as almas bem nascidas, como todos os predestinados, respondei do imo do peito: “SENHOR! PARA ONDE IREMOS NÓS? Vós tendes palavras de VIDA ETERNA.”

O. A. M. D. G.