FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS ESCOLA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ECONOMIA MESTRADO EM FINANÇAS E ECONOMIA EMPRESARIAL

Eduardo Santos da Costa

Regulação do Preço do Acesso no Setor Ferroviário

RIO DE JANEIRO 2019

Regulação do Preço do Acesso no Setor Ferroviário

Dissertação apresentada na Escola de Pós- Graduação em Economia da Fundação Getúlio Vargas como requisito parcial para obtenção do Grau de Mestre em Finanças e Economia Empresarial. Orientador: Fernando Tavares Camacho

RIO DE JANEIRO 2019

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Ficha catalográfica elaborada pelo Sistema de Bibliotecas/FGV

Costa, Eduardo Santos da Regulação do preço do acesso no setor ferroviário / Eduardo Santos da Costa. – 2019. 101 f.

Dissertação (mestrado) - Fundação Getulio Vargas, Escola de Pós-Graduação em Economia. Orientador: Fernando Tavares Camacho. Inclui bibliografia.

1. Transporte ferroviário - Regulação- Brasil. 2. Agências reguladoras de atividades privadas. 3. Ferrovias – Brasil. 4. Concorrêncial. I. Camacho, Fernando Tavares. II. Fundação Getulio Vargas. Escola de Pós-Graduação em Economia. III. Título.

CDD – 385.0981

Elaborada por Márcia Nunes Bacha – CRB-7/4403

AGRADECIMENTOS

Ao Mauricio Neves pelo incentivo no início da jornada, ao Fernando Camacho pelo apoio para concluí-la, e à Jacqueline Lacerda por cumprí-la ao meu lado.

RESUMO

Indústrias baseadas em rede são frequentemente objeto de ocupação dos reguladores e de economistas. Dentre estas, a indústria de transporte ferroviário de cargas combina elementos de competição e de monopólio na oferta dos serviços. Partindo do pressuposto geral de que o regulador busca eficiência produtiva e alocativa na provisão do serviço de transporte ferroviário, o presente trabalho buscou avaliar os critérios e metodologias para definição do preço do acesso de terceiros à rede no setor ferroviário, que se encontre sob regulação discricionária ou desregulamentada, bem como e seus impactos na eficiência econômica, na competição e na realização de investimentos. Partindo do referencial teórico e da experiência internacional, buscou-se elaborar um quadro referencial e analítico das opções disponíveis para a definição da tarifa de acesso e compartilhamento da infraestrutura ferroviária, que possa auxiliar na identificação de melhorias ao marco regulatório brasileiro, considerando aspectos relevantes como a promoção da competição, a eficiência produtiva e alocativa, a viabilidade financeira das firmas e os incentivos à realização de investimentos.

ABSTRACT

Network-based industries are often object of attention by regulators and economists, and rail freight industry is one that combines elements of competition and monopoly. Based on the general assumption that regulators seek productive and allocative efficiency in the provision of rail services, the present work sought to evaluate the criteria and methodologies used for setting third party access prices when sharing network infrastructure in the railway sector, which might be under discretionary regulation or even deregulated. Based on access pricing literature and international experience reviews, this work sought to construct an analytical framework of available options for third party access tariffs regulation in Brazil. This framework may help to identify improvements for brazilian regulatory framework, regarding relevant aspects such as incentives on competition, productive and allocative efficiency, as well as the financial viability of firms and investments incentives.

SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO ...... 7

1.1 TEMA E PROBLEMA ...... 7

1.2 DELIMITAÇÃO DO ESTUDO ...... 11

1.3 OBJETIVOS ...... 11

1.4 JUSTIFICATIVA E RELEVÂNCIA ...... 12

1.5 METODOLOGIA E ESTRUTURA ...... 13

2. ESTRUTURAS TARIFÁRIAS ...... 15

2.1 ESTRUTURAS DE MERCADO ...... 15

2.2 MODELO TARIFÁRIO ...... 19 2.2.1 Nível da Tarifa de Acesso e Regulação Ótima ...... 20 2.2.2 Tarifa de Acesso, Entrada e Estruturas de Mercado ...... 24 2.2.3 Tarifa de Acesso e Incentivos ao Investimento ...... 30 2.2.4 Tarifas de Acesso na Prática ...... 34

3. EXPERIÊNCIA INTERNACIONAL ...... 48

3.1 AUSTRÁLIA ...... 48

3.2 ESTADOS UNIDOS ...... 59

3.3 REINO UNIDO ...... 68

4. APLICAÇÕES AO MERCADO BRASILEIRO ...... 72

4.1 REVISÃO TARIFÁRIA E ALTERAÇÕES DE 2011 ...... 76

4.2 TARIFAS DE ACESSO NA TENTATIVA DE REFORMA DE 2012 ...... 80

4.3 SITUAÇÃO ATUAL ...... 86 4.3.1 Inovações Regulatórias ...... 87 4.3.2 Nível Tarifário ...... 88 4.3.3 Estrutura Tarifária e Entrada ...... 90 4.3.4 Discriminação de Preços ...... 90

5. CONCLUSÕES ...... 92

6 .R EFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...... 99

7

1. INTRODUÇÃO

1.1 TEMA E PROBLEMA

Indústrias baseadas em rede são frequentemente objeto de ocupação dos reguladores e de economistas, que buscam compreender as características próprias que as impediriam de funcionar como preconizado em modelos econômicos tradicionais. São diversos os exemplos de indústrias dessa natureza que exigem ao menos algum grau de regulação de agências especializadas ou constante supervisão de órgãos de defesa da concorrência: telecomunicações, transporte de gás (gasodutos), transmissão e distribuição de energia elétrica, e ferrovias são alguns dos exemplos mais notáveis. Conforme destacam Willig e Kessides (1995), durante um longo período, o paradigma de utilidade pública com regulação governamental foi aplicado ao setor ferroviário sob a premissa de que as características de mercado impossibilitavam a competição ou a sua capacidade de resposta a demanda. Segundo os autores, os exemplos ao longo do tempo demonstraram, contudo, que o mercado relevante das ferrovias pode sofrer competição efetiva, principalmente o mercado de transporte de cargas, objeto central da presente análise. O desenvolvimento do transporte rodoviário a partir da segunda metade do século XX intensificou a competição intermodal para parte relevante do transporte de cargas, evidenciando com maior força o que já ocorria com outros modais, como o transporte marítimo e hidroviário. Na análise de Willig e Kessides, os sistemas de regulação historicamente falharam em lidar com os problemas inerentes ao setor ferroviário: a mistura de elementos de competição e de monopólio na oferta. Em sua visão, ao tentar proteger o público da exploração de eventual poder de mercado das empresas ferroviárias, muitas vezes a regulação atuou no sentido de limitar a competição, restringindo benefícios das economias de escopo, atrasando a introdução de inovações, e promovendo serviços ineficientes. Os autores concluem que, em mercados de transporte contestáveis por modais alternativos, a precificação deveria ser livre, ressalvadas as circunstâncias em que esta pressão competitiva, seja ela intermodal, intramodal ou geográfica, não está suficientemente presente. Isso significa que caso a competição entre os diferentes ativos de uma indústria ( facility based competition ) não seja forte o suficiente, o regulador deve introduzir a competição baseada em serviços ( service based competition ). Tendo em vista a atual conformação do mercado ferroviário brasileiro, a presente análise está centrada na competição baseada em serviços. 8

De fato, nos mercados com maior grau de maturidade regulatória, os objetivos da política pública têm se voltado com maior frequência à introdução de forças competitivas, prevenindo a obstrução das redes ( foreclosure 1) e o abuso de poder de mercado. Em uma indústria sujeita a entrada de competidores, a regulação por forças de mercado é eficiente, ainda que existam poucas firmas atuando, como demonstra Baumol (1983) em sua teoria de mercados contestáveis. Essa forma de regular importa em liberdade na fixação dos preços quando os serviços enfrentam competição efetiva em seu mercado relevante. O foco dos reguladores passa a ser então a identificação de barreiras à entrada, práticas anticompetitivas, e abuso de poder de mercado. Nesse aspecto, a possibilidade de acesso a infraestrutura por terceiros passa a ser essencial para a contestabilidade das firmas verticalmente integradas. A questão regulatória inicial que se apresenta no setor ferroviário é a escolha entre diferentes modelos de regulação e seus efeitos sobre a estrutura de mercado resultante. Os modelos adotados usualmente podem permitir a existência de firmas verticalmente integradas, detentoras da infraestrutura e prestadoras dos serviços de transporte, competindo entre si, atuando com ou sem acesso mandatório para permitir a prestação dos serviços também por terceiros ou, ainda, exigir a separação entre as atividades de serviços de infraestrutura e serviços de transporte ( unbundling ), com a possibilidade da venda da capacidade em atacado pela firma de infraestrutura. Alternativamente, o setor ferroviário pode ser objeto apenas de supervisão de órgãos de defesa da concorrência, baseada em princípios gerais, em uma espécie de livre mercado com regulação ex post cujo objetivo é, geralmente, evitar o abuso de poder de mercado. Com as devidas adaptações, o escopo exploratório do presente trabalho pode ser aplicado a todos os modelos supracitados, desde que exista a possibilidade ou vontade de que um terceiro compartilhe a infraestrutura de rede. O pressuposto geral é de que o regulador busca a eficiência produtiva e alocativa na provisão do serviço de transporte ferroviário. O mercado final, no caso do presente trabalho, deve ser entendido como o serviço isolado de transporte ferroviário de cargas, ofertado sobre uma infraestrutura em rede existente. A eficiência produtiva é perseguida no sentido de que as firmas venham a adotar os métodos de produção mais eficientes, isto é, que minimizem os custos. Já a eficiência alocativa significa que os recursos disponíveis são empregados para serviços que maximizam os benefícios à sociedade, isto é, o custo marginal de prestação dos serviços é igual à

1 De acordo com Tirole e Rey (2003), a prática de foreclosure consiste em uma negativa de acesso a um bem essencial produzido por uma firma detentora de poder de mercado, com a intenção de estender seu poder de monopólio deste segmento de mercado (segmento em que produz o bem essencial) para um segmento adjacente e potencialmente competitivo. A prática surge quando o bem essencial é usado como insumo por uma indústria a jusante que é potencialmente competitiva ou quando os bens são vendidos a consumidores finais para uso com bens complementares. No primeiro caso, considera-se que as firmas que atuam no mercado competitivo a jusante e que têm o acesso negado encontram-se espremidas ou squeezed out . 9

disposição dos consumidores a pagar por eles, na ausência de custos de transação. Os dois objetivos relacionados à eficiência econômica estão circunscritos pela restrição de que a ferrovia deve obter receitas adequadas para manter sua viabilidade financeira no longo prazo ou receber algum subsídio governamental. Exceto no modelo norte-americano de desregulamentação do setor ferroviário, em que a existência de concorrência intra ou intermodal é uma premissa, na maioria dos modelos adotados nos demais países os objetivos de eficiência econômica são perseguidos por meio da ação do regulador visando introduzir algum grau de concorrência no mercado final. Essa abordagem é compatível com o paradigma mais contemporâneo, que recomenda o incentivo a competição como instrumento de regulação, e que está baseado na teoria de mercados contestáveis. Em seu modelo de mercados contestáveis, Baumol propõe uma generalização do conceito de mercados perfeitamente competitivos, demonstrando que um monopólio contestável poderá apresentar comportamento consistente com a precificação prevista por Ramsey. Em mercados perfeitamente contestáveis, o equilíbrio ocorreria com a firma obtendo lucro econômico zero, mesmo em situações de oligopólio ou monopólio 2. Como destacado por Dewenter e Haucaup (2007), a ideia básica é que, enquanto algumas infraestruturas de rede podem configurar uma situação de monopólio natural, os mercados a montante e a jusante são potencialmente competitivos bastando, portanto, que os competidores tenham garantia de acesso às infraestruturas essenciais a prestação dos serviços. Mesmo em mercados considerados desregulamentados como o norte-americano, o poder público reserva-se o direito de demandar o acesso a infraestruturas consideradas essenciais e estabelecer as tarifas de acesso em caso de identificação de exercício de poder de mercado 3. Dewenter e Haucap sugerem que o acesso mandatório a uma determinada infraestrutura considerada essencial dever ser exigido observando-se quatro critérios essenciais: (a) se a infraestrutura é controlada por uma firma com poder de mercado significativo; (b) se não é factível que os potenciais competidores venham a reproduzir a infraestrutura; (c) se o acesso à infraestrutura é necessário para competir em um mercado a jusante ou a montante; e, (d) se é tecnicamente factível conceder o acesso a infraestrutura.

2 Deve-se notar que em um mercado perfeitamente contestável, o incumbente está vulnerável à prática de hit and run por parte de novos entrantes. Essa possibilidade está baseada em premissa relevante do modelo de Baumol, qual seja, a livre entrada e saída sem custos de um mercado, características que não estão presentes no mercado de ferrovias. 3 Os Estados Unidos possuem extenso histórico de aplicações da legislação anti-trust no mercado ferroviário, como no famoso caso United States v. Terminal Railroad Association – 224 U.S. 383 (1912) , no qual o consórcio detentor da ponte sobre o Rio Mississipi foi condenado e obrigado a compartilhar esta infraestrutura, considerada essencial a movimentação de cargas interestaduais, com as demais ferrovias. 10

Na prática, os quatro fatores apontados não são facilmente observáveis pelos reguladores. Os critérios utilizados para definir poder de mercado, por exemplo, podem diferir entre reguladores de diferentes mercados. Da mesma forma, o julgamento sobre a possibilidade de reproduzir determinada infraestrutura pode perpassar critérios técnicos, legais, econômicos e ambientais. Também o julgamento do item (c) dependerá de critérios adotados pelos reguladores e alguns exemplos estão presentes neste trabalho, como na análise realizada pelo National Competition Council (NCC), órgão australiano cuja função é assessorar os ministérios nos assuntos vinculados ao acesso de terceiros às infraestruturas consideradas monopolísticas, emitindo recomendações de adoção de políticas. Em sua resposta ao pedido de acesso formulado por The Pilbara Infrastructure (2007) às redes ferroviárias detidas e operadas pela BHP Billiton 4 para transporte de minério de ferro, o NCC apresenta os critérios utilizados para suas recomendações de que o acesso viesse a ser concedido. O primeiro critério a ser avaliado pelo NCC é exatamente se o acesso promove aumento material na competição de ao menos um mercado além daquele do serviço em si, ou seja, deve-se identificar se existe um ou mais mercados a jusante ou a montante, e se este mercado pode ser separado ou não do mercado do serviço de transporte. No seu encaminhamento favorável ao acesso à infraestrutura ferroviária, o NCC entendeu que o mercado de compra, venda e prospecção de minas da região de Pilbara por investidores independentes pode ser claramente separado do mercado de transporte ferroviário, e que os atuais detentores e operadores das ferrovias, que atuam também no mercado de mineração, poderiam usar o monopólio da rede ferroviária para distorcer o funcionamento do mercado de prospecção de novas minas, além de praticar foreclosure , visando aumentar seu poder de barganha na aquisição das novas minas. Portanto, uma vez que o modelo de regulação foi escolhido e o mercado encontra-se estabelecido, a segunda questão regulatória relevante seria como avaliar, diante das economias de escala e de escopo presentes em investimentos ferroviários, da indivisibilidade da infraestrutura, dos enormes custos de entrada e custos afundados, todas estas características que apontam para uma situação de monopólio natural, se um determinado serviço de transporte ferroviário (ou de serviço de infraestrutura) possui ou não a discricionariedade para fixar preços, que caracterizaria o monopolista típico. Independente do modelo adotado para formação do mercado, os reguladores frequentemente se deparam com a tarefa de avaliar solicitações de terceiros visando acesso e fixação do preço para compartilhamento de determinada infraestrutura em rede. Como frisado anteriormente, tal fato ocorre mesmo em mercados operados integralmente por companhias privadas e considerados

4 Pilbara vs Mt Goldsworthy, Hamersley Iron e Robe River Iron Associates , National Competition Council Final Recommendation, Austrália, 2008. 11

desregulamentados, como o norte-americano. Como será visto adiante, o regulador norte-americano pode e, de fato, tem intervindo quando provocado em processos sobre abuso de poder de mercado no setor ferroviário. Decisão semelhante será exigida do regulador discricionário, modelo adotado no Brasil, na Europa e na Austrália. Chega-se, portanto, a questão regulatória da qual se ocupa o presente trabalho, qual seja, a determinação do preço do acesso de um terceiro a rede ferroviária que se encontra sob regulação discricionária ou desregulamentada, e seus impactos na eficiência econômica, na competição e na realização de investimentos.

1.2 DELIMITAÇÃO DO ESTUDO

O estudo ora apresentado limita-se a analisar os critérios e metodologias para definição do preço do acesso de terceiros à rede no setor ferroviário. A aplicação das diferentes metodologias para determinação do preço de acesso pode ensejar a necessidade de aprofundar questões subsidiárias, como as metodologias para estimação e apropriação dos custos no setor ou dos métodos para calcular os custos de capital dos participantes do mercado. O presente trabalho não tem como objetivo analisar as metodologias subsidiárias, mas apenas as ferramentas diretamente ligadas à determinação do preço, sob a ótica da viabilidade financeira, da eficiência econômica e dos incentivos aos participantes do mercado.

1.3 OBJETIVOS O principal objetivo é a elaboração de um quadro referencial e analítico das opções disponíveis para a definição da tarifa de acesso e compartilhamento da infraestrutura ferroviária, que possa auxiliar na identificação de melhorias ao marco regulatório brasileiro, considerando aspectos relevantes como a promoção da competição, a eficiência produtiva e alocativa, a viabilidade financeira das firmas e os incentivos à realização de investimentos. Alguns objetivos específicos da análise são: - analisar os impactos da definição da tarifa de acesso em aspectos considerados relevantes como a eficiência das firmas, as estruturas de mercado, os incentivos a práticas anticompetitivas e a realização de investimentos; - avaliar os modelos usualmente adotados, suas vantagens e desvantagens em relação a cada aspecto relevante; - estudar a experiência internacional e os resultados obtidos a partir das escolhas dos reguladores em relação a tarifa de acesso; - identificar as particularidades do mercado brasileiro, sua atual configuração e a aplicabilidade das soluções existentes às mudanças em curso; e, - propor aperfeiçoamentos para o caso brasileiro. 12

1.4 JUSTIFICATIVA E RELEVÂNCIA

Conforme destacado, a regulação de infraestruturas baseadas em rede e, em especial do setor ferroviário, tem avançado no sentido de buscar a introdução de competição, tornando mercados anteriormente considerados monopólios naturais em mercados contestáveis. Seja por meio de separação vertical, do acesso mandatório ( open access ) ou de regulação ex-post , os reguladores devem estar atentos a práticas anti-competitivas por parte das firmas detentoras das infraestruturas ferroviárias essenciais. Concomitantemente, a intervenção do regulador não deve ser tal que comprometa a viabilidade das firmas que ofertam e investem na infraestrutura ferroviária, devendo cuidar-se que os usuários contribuam adequadamente para a manutenção da infraestrutura. Como será visto ao longo do trabalho, enquanto essa dualidade está fortemente presente no referencial teórico, por vezes uma das faces da questão passa ao largo do olhar do regulador. A partir de 1996, a malha da Rede Ferroviária Federal S.A. (RFFSA), até então detentora da infraestrutura e operadora monolítica de serviços de transporte, foi concedida ao setor privado, em um modelo de concessão de serviço público por período determinado com arrendamento dos bens da União pelo período da concessão. As firmas operam no setor por sua conta e risco, conforme determinado na Lei das Concessões (Lei n o 8.987, de 13/02/1995). Do ponto de vista da estrutura de mercado, o modelo adotado consistiu na divisão da malha da RFFSA em malhas regionais verticalizadas, formando corredores de escoamento e de retorno em direção aos portos. Seguiram-se à concessão, períodos de forte investimento das firmas em melhorias operacionais e aumento da capacidade de transporte da rede existente, principalmente por meio de ganhos de produtividade. A pequena expansão da malha verificada desde então, contudo, permaneceu sendo realizada com investimentos públicos e a inserção do modal ferroviário na matriz de transportes brasileira permaneceu baixa. O sistema ferroviário está apoiado no formato de corredores de exportação de commodities minerais e agrícolas (77% e 15% da produção, respectivamente), com baixa interconectividade e integração das malhas. O transporte de carga geral de produtos industrializados, normalmente voltado ao atendimento do mercado interno, tem baixa inserção, representando apenas 6% do volume transportado. Embora o modelo regulatório brasileiro preveja a figura do direito de passagem e do tráfego mútuo, inexiste, na prática, competição intramodal, predominando a prestação de serviços pelas incumbentes das redes, com ausência de compartilhamento da infraestrutura e de operadores independentes. 13

Nesse contexto, o Governo Federal vem buscando, desde 2011, introduzir reformas no setor ferroviário com intenção de aumentar o compartilhamento de infraestrutura e aumentar a competição intramodal. Esse esforço culminou com a publicação do Decreto n o 8.129/2013 por meio do qual a VALEC estaria autorizada a adquirir a capacidade das concessionárias de infraestrutura de rede que vencessem os processos licitatórios para outorga dos direitos de concessão, operação e manutenção dos novos trechos ferroviários. O objetivo dessa tentativa de reforma era promover a competição entre operadores ferroviários, introduzindo na regulação brasileira o conceito da separação vertical e do livre acesso ( open access ). No entanto, esta tentativa de reforma foi abandonada a partir de 2015 e o Decreto n o 8.875/2013 foi revogado na íntegra em 2016. O Governo Federal retornou então para o modelo inicial de concessões verticalizadas, procurando, contudo, aprimorar os mecanismos de competição, incluindo a garantia de direito de passagem em novos contratos com os concessionários. Em novembro de 2016, o Governo Federal editou a Medida Provisória n o 752, convertida na Lei n o 13.448 em junho de 2017. Esta lei estabelece diretrizes para prorrogação antecipada de contratos de concessão rodoviárias e ferroviárias. Dentre os principais objetivos da legislação está a viabilização de investimentos imediatos no setor. Nos termos da Lei 13.448/2017, a prorrogação antecipada tem por orientação a adoção de garantias ao direito de passagem e de tráfego mútuo, incluindo a exploração de sua rede por operadores independentes. Nota-se, portanto, o retorno a discussão sobre o acesso de terceiros a infraestrutura concedida, tendo como janela de oportunidade regulatória a repactuação dos contratos vigentes. Em março de 2017, foi aberta a consulta pública acerca da prorrogação do prazo de vigência contratual da concessionária América Latina Logística Malha Paulista S.A. (Rumo). Entre agosto e setembro de 2018 ocorreram as audiências públicas acerca da prorrogação das concessões detidas pela Vale S.A. (Estrada de Ferro de Carajás e Estrada de Ferro Vitória a Minas). Os instrumentos contratuais propostos pela ANTT incorporam diversas inovações na regulação do direito de passagem, incluindo a obrigatoriedade da concessão do acesso e regras para sua precificação. Nesse contexto, o presente tem por objetivo analisar o histórico recente e as propostas atuais para reforma da regulação do acesso a rede ferroviária, a luz do referencial teórico no tema e da experiência internacional.

1.5 METODOLOGIA E ESTRUTURA

A presente pesquisa pode ser classificada como aplicada, tendo em vista seu objetivo de gerar conhecimento aplicável a questão específica da regulação do mercado ferroviário. Tendo como finalidade investigar a regulação do preço eficiente do acesso a partir da teoria aplicável ao problema e das práticas adotadas por reguladores internacionais, a pesquisa tem objetivo exploratório, visando contribuir com maiores informações sobre o tema e problema estudados. 14

Os procedimentos de pesquisa adotados foram bibliográficos e documentais, com informações e dados obtidos em fontes secundárias. Foram consultados livros, trabalhos acadêmicos e dissertações, relatórios produzidos por agências governamentais e multilaterais, legislação aplicável ao setor ferroviário no Brasil e no exterior, decisões dos reguladores relativas a disputas e arbitragens, dentre outros. Destaca-se que há grande disponibilidade de informações e publicações sobre o tema, com farta produção a partir da década de 1990, quando a temática do livre acesso a redes essenciais ganhou maior relevância mundialmente, na esteira de privatizações e concessões de infraestruturas anteriormente detidas pelos governos nacionais e locais. O mérito do presente trabalho é reunir e agregar informações sobre práticas regulatórias, cotejando- as com o referencial teórico produzido recentemente e analisando sua aplicabilidade ao caso particular da precificação do acesso de terceiros às redes ferroviárias brasileiras. O trabalho está organizado em cinco capítulos. O Capítulo 1 apresenta o tema e problema a ser estudado, incluindo os objetivos e metodologia, com destaque para a relevância da questão no corrente debate sobre o setor brasileiro. ` No capítulo 2, recorre-se à teoria econômica moderna para avaliar as tarifas de acesso por três óticas principais. A primeira, baseada em Tirole e Laffont, refere-se ao nível da tarifa e respectivos impactos na eficiência alocativa e produtiva do mercado ferroviário. Em segundo lugar, tendo como referência Gautier, analisa-se a estrutura da cobrança da tarifa e os impactos na formação do mercado, em especial nos incentivos à entrada de novos competidores. A terceira ótica está relacionada aos incentivos ao investimento quando o acesso à infraestrutura é regulado, cuja análise está baseada em modelo proposto por Gans. Ao final do capítulo, apresenta-se os principais métodos adotados pelos reguladores, bem como suas principais vantagens e desvantagens. No capítulo 3, faz-se uma análise do setor ferroviário e da regulação do preço do serviço ou do acesso nos Estados Unidos, Austrália e Reino Unido. A análise é descritiva, e buscou identificar práticas de referência nesses mercados, bem como conhecer as dificuldades e visão das agências reguladoras e antitruste sobre a temática. No capítulo 4, com fundamentos nos teóricos e experiências internacionais, é feita uma análise das recentes tentativas de reforma do setor ferroviário brasileiro, com foco na regulação do acesso e de seu respectivo preço, avançando até o momento presente, quando inovações regulatórias estão sendo propostas no âmbito de renegociações de antigos contratos de concessão. Por fim, a última seção apresenta as conclusões do estudo realizado.

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2. ESTRUTURAS TARIFÁRIAS

2.1 ESTRUTURAS DE MERCADO A preocupação com as condições de acesso às infraestruturas essenciais encontra-se presente em mercados com as mais variadas configurações. No entanto, cabe ocupar-nos de apresentar os diferentes modelos existentes no setor ferroviário, tendo em vista que a adequação dos modelos tarifários e as conclusões apresentadas nas próximas seções também poderão diferir conforme a conformação do mercado em questão. Gómes-Ibañez e de Rus (2006) apresentam três opções de modelos que permitem a ocorrência de competição no setor ferroviário: a separação vertical, a desregulamentação e a privatização ou concessão da infraestrutura a uma firma verticalmente integrada. Segundo os autores, a partir de 1980, diversos países, notadamente na Europa e a Austrália, iniciaram a separação vertical das empresas ferroviárias. Inspirada nas experiências prévias nos setores de telecomunicações e elétrico, a aplicação do unbundling no setor ferroviário consistiu em separar as atividades de operação e manutenção da rede das atividades de transporte de cargas. Em alguns casos, a separação foi instituída apenas gerencial e contabilmente, em combinação com a exigência de livre acesso a operadores independentes 5. Em outros modelos, as companhias verticalmente integradas foram desmembradas, isolando as duas atividades em firmas distintas 6. Nestes casos, para cumprir com o objetivo de separação das atividades, o detentor da infraestrutura não está autorizado a prestar serviços de transporte, reduzindo riscos de subsídios cruzados 7 e práticas de foreclosure . A separação vertical isola as estruturas que respondem pelos significativos custos afundados no mercado ferroviário, especificamente a superestrutura e a via permanente. Deixa-se, assim, o serviço de transporte em uma operação competitiva com flexibilidade na fixação de preços e nas condições contratuais, simplificando, nesse aspecto, as exigências regulatórias. Nash (2005) apresenta uma avaliação sobre o modelo de separação vertical adotado nos países europeus. O autor relembra que a necessidade de reformas foi identificada pela Comissão Europeia na década de 1980, tendo em vista que ferrovias do continente não apresentavam bom desempenho, mesmo em um crescente mercado de fretes internacionais de longa distância. O contexto, na visão da Comissão, era de pouca coordenação, com diversos operadores necessários à

5 Como adotado inicialmente na França e na Espanha. 6 Como na Grã-Bretanha e Suécia. 7 A prática de subsídio cruzado ocorre quando um operador transfere custos de um segmento no qual aufere a maior parte de seus lucros para outro segmento no qual consegue maiores “reembolsos” regulatórios destes custos. 16

conclusão de um frete ponta a ponta, fazendo com que a qualidade do serviço de transporte fosse limitada pelos operadores menos eficientes da cadeia. De fato, a legislação supranacional europeia inclui um leque de opções para a reforma do setor ferroviário, permitindo diferenças na forma como os países vêm implementando as resoluções da Comissão. Em primeiro lugar, as diretrizes não requerem necessariamente a privatização de qualquer das partes da indústria ou mesmo, em um primeiro momento, a separação vertical em firmas distintas. As resoluções exigem que atribuições como alocação de trechos e definição de tarifas de acesso sejam fixadas por estruturas gerenciais separadas dentro das firmas, inclusive com a contabilidade segregada. Embora alguns países europeus tenham optado pela separação vertical, o livre acesso, por exemplo, foi requerido oficialmente apenas a partir de 2007, e inicialmente aplicado apenas para o mercado de fretes internacionais e nacionais. Os modelos predominantes seguiram ou a linha daquele adotado na Suécia – com separação das atividades, ficando o setor público responsável pela infraestrutura de rede – ou o modelo alemão, no qual a empresa pública é verticalmente integrada, sendo as suas subsidiárias responsáveis, separadamente, pela manutenção e operação da rede, e pelo atendimento dos mercados finais de fretes e passageiros. Enquanto a principal vantagem da separação vertical é a introdução de competição no mercado a jusante, a literatura apresenta diversas desvantagens da aplicação da separação vertical no setor ferroviário, que são resumidas a seguir:

• Dificuldade de alinhamento das decisões de investimento na rede para que sejam orientadas às necessidades do mercado. • Altos custos de coordenação para uso eficiente da infraestrutura, especialmente se houver congestionamento na via. • Custos associados à não otimização da interface roda-trilho, isto é, de a manutenção inadequada na via vir a elevar os custos de manutenção do material rodante, e vice-versa. • Dificuldades em identificar corretamente os custos associados a prestação isolada de cada serviço.

A separação vertical está parcialmente presente no modelo australiano e foi adotada na Inglaterra, casos analisados no capítulo 3 do presente trabalho. A concessão da infraestrutura ferroviária a firmas verticalmente integradas é o principal modelo adotado por países da América Latina, inclusive pelo Brasil. Nesse modelo, a propriedade da infraestrutura permanece detida pelo governo que concede a sua exploração por um período de tempo a firmas privadas, mantendo algum grau de regulação sobre as tarifas, embora na maioria dos casos a intervenção sobre a definição de preços seja considerada branda. Gomes-Ibanez e de Rus 17

destacam que, em países como o Brasil e Argentina, a concessão das malhas ferroviárias não obteve sucesso em incentivar a competição, em parte pela própria distribuição geográfica das ferrovias, e em parte porque a competição não constou dentre os objetivos da reestruturação do setor, com aplicação limitada do acesso mandatório na região. Deve-se notar, contudo, que o direito de acesso (direito de passagem) não é incompatível com o modelo de concessão, cabendo ao poder concedente estabelecer tais obrigações nos contratos de concessão. Daychoum e Sampaio notam, contudo, que no Brasil os contratos de concessão previram a obrigação do tráfego mútuo como regra geral e o direito de passagem apenas no caso de impossibilidade deste primeiro, revelando-se, assim, uma preferência pela verticalização das operações em detrimento do compartilhamento da infraestrutura. A opção de conceder a infraestrutura ferroviária incluindo a obrigação de direito de acesso distingue- se, portanto, da opção de separação vertical. Trata-se de um modelo em que há uma exigência de que o operador verticalizado disponibilize sua rede a terceiros de forma justa e equânime, sendo central que essa opção avalie os incentivos existentes para que o operador integrado aceite os demais participantes que então participariam de forma eficiente na produção. Uma outra vertente é a busca de competição por meio da menor interferência governamental sobre os preços e sobre os serviços ofertados pelas firmas. A premissa subjacente nesse caso é de que as ferrovias sofrem intensa competição tanto de outros modais, quanto de outras localidades geográficas e produtos. Isso significa que, ao avaliar o poder de mercado de uma determinada ferrovia sobre um usuário final como, por exemplo, um produtor de grãos, o regulador deve não somente considerar as opções alternativas disponíveis ao produtor em questão, mas também incorporar a competição com produtores de grãos em outras localidades. Assim, a firma verticalmente integrada estaria limitada em suas tarifas também pela competição que seus clientes finais enfrentam. Com base nessa premissa, pode-se compreender o modelo norte-americano de desregulação. Adotada a partir da década de 1980, a desregulação do mercado ferroviário norte- americano, composto majoritariamente por firmas privadas e verticalmente integradas, relaxou diversas imposições regulatórias vigentes anteriormente e que, na visão dos legisladores, vinham impedindo as firmas de obterem retornos adequados em um ambiente de crescente competição com o modal rodoviário. De fato, até a aprovação do Staggers Act (1980) , a agência reguladora de ferrovias nos Estados Unidos (anteriormente ICC e, atualmente, Surface Transportation Board - STB) tinha permissão para especificar as tarifas, autorizar fusões entre ferrovias e decidir até mesmo sobre o abandono de trechos. As firmas que atuavam no setor, por sua vez, enfrentavam sérias dificuldades financeiras, especialmente com o aumento da competição intermodal com o transporte rodoviário a partir da década de 1950. Por esse motivo, a desregulação por meio do Staggers Act baseou-se em um modelo de mercado competitivo tendo como princípio fundamental que os 18

mecanismos regulatórios não devam impedir as firmas de obterem as receitas consideradas adequadas. Com a desregulação do setor, a agência passou a atuar na supervisão do mercado, em uma regulação por ameaça, garantindo liberdade de fixação e discriminação de preços em operações e serviços que enfrentam competição efetiva no mercado relevante. Ainda, ao contrário da regulação vigente antes de 1980, não existem restrições a novos investimentos ou ao abandono de trechos e encerramento de atividades. O regulador supervisiona os preços praticados a clientes cativos sobre os quais a firma integrada possui poder de monopólio, podendo ser acionado em casos de disputas e arbitragens 8. Deve-se ressaltar que a opção de desregulamentar o setor por meio do Staggers Act deve ser compreendida não apenas no contexto das dificuldades financeiras enfrentadas pelas ferrovias norte-americanas nos anos que precederam as mudanças, mas também no contexto de uma rede de alta capilaridade e madura, cuja expansão havia iniciado no início do século XIX. Como destacado no relatório da consultoria Laurits R. Christensen Associates (2010) elaborado a pedido da Surface Transportation Board (STB), o total de milhas operadas pelas ferrovias norte-americanas declinou no período compreendido entre 1987 e 2006, embora a produção e o market share no período tenha aumentado significativamente, evidenciando que à desregulamentação seguiu-se uma racionalização da indústria. Goméz-Ibañez e de Rus destacam que a separação vertical é incompatível com a desregulamentação do mercado. Ao reconhecer que a competição ocorre somente no âmbito das operações de transporte e que a infraestrutura permanece operando como um monopólio, a regulação torna-se imprescindível para o funcionamento do mercado desverticalizado.

8 Segundo Hausman e Myers (2002), o Staggers Act permitiu a realização de contratos privados entre os clientes e as ferrovias, permitiu que as ferrovias encerrassem a prestação de serviços em determinadas situações, e mais importante, permitiu que as ferrovias fixassem suas próprias tarifas exceto quando fossem provedores dominantes para determinada rota origem-destino (OD). A definição de dominância foi deixada para regulação futura, mas uma salvaguarda foi criada utilizando como regra que, quando a razão (arbitrária) de Tarifa/Custo Variável<1,8, a dominância é considerada inexistente. 19

Tabela 1 – Estruturas de mercado, propriedade, regulação e regime de acesso

Propriedade, regulação e regime de acesso

Público Concessão Privado Separação Vertical Austrália, Inglaterra e

Suécia Verticalizado com Open Austrália, Alemanha, Austrália Austrália Access Itália, Áustria e França Verticalizado com Direito Brasil, Argentina e Estados Unidos,

de Passagem México Canadá e Japão

Verticalizado sem Espanha Nova Zelândia regulamentação de acesso Monolítico China e Índia Fonte: Adaptado de Rail Infrastructure Pricing: Principles and Practice, Bureau of Transport and Regional Economics [BTRE] Australia, 2003 A compreensão dos modelos adotados deve passar ainda por questões relacionadas aos mercados atendidos pelas companhias, pelo grau de maturidade da indústria e necessidades de investimento em expansão. Enquanto nos países europeus tem-se uma rede madura com participação relevante na movimentação de cargas e passageiros, países como Austrália e Brasil ainda possuem grande potencial de expansão com foco na movimentação de cargas. Nos Estados Unidos, por outro lado, tem-se uma rede madura e de alta capilaridade, que atende principalmente a movimentação de cargas.

2.2 MODELO TARIFÁRIO

A estrutura do setor ferroviário tem como característica o monopólio da infraestrutura, resultado das economias de escala e de densidade subjacentes a sua tecnologia, bem como a presença de vultosos custos afundados e não recuperáveis. Em linhas gerais, as funções de custo no setor são subaditivas 9 para o trecho relevante da demanda por serviços ferroviários, isto é, os custos médios da firma incumbente declinam constantemente ao alocarmos maiores volumes de tráfego na rede previamente instalada. Segundo Baumol e Willig (1998), as características presentes no setor ferroviário implicam que medidas de custo tradicionais não devem ser diretamente usadas para formação dos preços dos

9 Baumol (1982) destaca que a subaditividade é um conceito geral aplicável às funções custo que significa que é menos custoso produzir uma quantidade de um bem em uma firma do que dividir esta mesma produção em diversas firmas. Os autores definem subaditividade estrita se:

1 k j para qualquer quantidade da produção de um bem y ,…,y , y ≠y,j=1,…,k, tais que , tem-se ∑ = < 20

serviços de transporte, uma vez que, na presença de economias de escala, a precificação pelo custo marginal de curto prazo significa que a firma não obterá os retornos adequados para sua sustentabilidade no longo prazo. Como destacado por Tirole e Laffont (2000), as tarifas de acesso devem endereçar as questões principais das quais se ocupam os reguladores, tais como o uso eficiente das redes, os incentivos corretos à realização de investimentos, a entrada eficiente de competidores, tudo isso obtido a um custo regulatório razoável. Neste capítulo faz-se uma revisão de modelos que avaliam: (i) o nível da tarifa e seu impacto no bem- estar, (ii) a estrutura tarifária, seu impacto no bem-estar e na estrutura de mercado, e (iii) os impactos da tarifa de acesso nos investimentos. Por fim, apresenta-se uma revisão das metodologias comumente utilizadas para fixação da tarifa de acesso na prática.

2.2.1 NÍVEL DA TARIFA DE ACESSO E REGULAÇÃO ÓTIMA

Como ponto de partida da análise da precificação do acesso à infraestrutura ferroviária, recorre-se ao modelo proposto por Tirole e Laffont (1994), que o exemplificaram para os mercados de redes de telecomunicações, utilizadas tanto para serviços de ligações locais, originadas e concluídas dentro da rede de uma mesma firma e, portanto, monopolísticos e com clientes cativos, quanto para serviços de ligações de longa distância, originadas (concluídas) na rede de uma firma mas concluídas (originadas) em rede de um terceiro sendo, portanto, um serviço sujeito a concorrência. Embora uma revisão mais ampla do modelo esteja além do escopo do presente trabalho, algumas das premissas adotadas e conclusões são úteis para a análise que ora se propõe, especialmente quando confrontadas com as regras usualmente adotadas pelos reguladores do setor ferroviário. O modelo é inicialmente derivado para a situação de informação completa, no qual a firma verticalmente integrada e monopolista tem uma função custo relativa a operação da sua rede dada por , com . = , , , > 0, < 0, , > 0 Q é a quantidade total de uso da rede, é um parâmetro de produtividade e e0 o nível de esforço para operar a rede. é o parâmetro de seleção adversa distribuído no intervalo [ , ], conforme ̅ função de distribuição de probabilidade acumulada F(.).

A firma verticalmente integrada oferta uma determinada quantidade do serviço intra-rede (q 0), que gera utilidade S(q 0) aos consumidores. Além deste serviço, a firma oferta o serviço extra-rede, que está sujeito a competição e tem, além do custo de uso da rede, um custo adicional dado por

A desutilidade da firma pelo esforço exercido é dada por ψ(e0+e 1) com ψ’>0, ψ’’>0 = , , . e ψ’’’≥0. 21

O entrante, que acessa a rede da firma verticalmente integrada para prover o serviço sujeito a competição, oferta a quantidade q2 e, portanto, o total de serviços finais produzidos na rede da firma verticalizada é = + + . A firma entrante paga a tarifa “ a” para acessar a rede e incorre no custo individual c para prover o seu serviço. O lucro da entrante será, portanto, Π = − − . Inicialmente, presume-se que o regulador observa todas as variáveis, tendo informação completa sobre os custos, utilidades e tipos de ambas as firmas. Por simplificação, o regulador reembolsa os custos da firma verticalmente integrada, ficando responsável por arrecadar a receita de venda dos serviços e os impostos, realizando uma transferência no valor de t para cobrir os custos fixos da firma. Esta última, por sua vez, recebe diretamente a tarifa de acesso. A utilidade da firma verticalmente integrada é dada por . = − + + Afim de reembolsar os custos fixos da firma, o regulador deverá arrecadar montante equivalente à transferência . Considera-se que os impostos são distorcivos e têm preço + + − − sombra dado por (1+ λ). A utilidade do consumidor (contribuinte) será função do seu excedente em relação a produção total, deduzido do preço e do custo social da transferência:

[1] + , − − − − 1 + + + − − Com informação completa, o regulador incorpora ainda as restrições para participação da firma e maximiza a função de bem-estar social que tem a forma final 10 dada por:

+ , + + + − 1 + [ + + , , + + + [2] , , ] Das condições de primeira ordem que otimizam o problema, derivam-se os índices de Lerner para cada um dos serviços ofertados pelas firmas:

, , [3] = = = Onde são as superlasticidades preço dos serviços. A tarifa de acesso é então calculada no nível

[4] = +

10 A forma final já contém as restrições de participação da firma verticalizada e da firma entrante, estando ambas ativas no presente caso, respectivamente: , a firma monopolista tem utilidade ao menos zero. = − + + ,≥ a 0firma entrante tem lucro ao menos zero. As duas restriçõesΠ = estão− ativas− no≥ problema 0 do planejador. 22

O resultado significa que, não só os preços dos serviços excederão os respectivos custos marginais, mas também a tarifa de acesso será estabelecida acima do custo marginal de operação da rede ( C0Q ).

O termo é uma forma de “taxar” o acesso para contribuir com a cobertura dos custos fixos e comuns da infraestrutura. A tarifa de acesso dependerá do preço praticado pela firma entrante e da elasticidade dos seus clientes finais. A firma entrante contribuirá mais com a cobertura dos custos fixos conforme mais inelástico venha a ser o mercado final em que atua. Dada a impossibilidade de cobertura dos custos fixos com a precificação pelo custo marginal, aplica-se uma regra second best e compatível com preços Ramsey, que são os menores preços compatíveis com a sustentabilidade financeira das firmas resultando, portanto, em eficiência sob a ótica social. As informações acerca da demanda, expressas nas superelasticidades são essenciais para o funcionamento do mecanismo de apreçamento Ramsey. Em seguida, Tirole e Laffont reapresentam o modelo relaxando parte das premissas para endereçar problemas que surgem com a assimetria de informação presente nos mercados. A primeira premissa relaxada é a de que o regulador conheceria o parâmetro de produtividade da firma verticalizada (β) ou seja, incorpora-se a possibilidade de seleção adversa, e afasta-se ainda a premissa de que seria capaz de observar seu nível de esforço, possibilitando o comportamento de azar moral. O regulador ainda conhece e observa as funções de custo das firmas de forma segregada, ou seja, é possível auditar as funções de custo intrarede C0 e os custos adicionais para os serviços extrarede C1 e C2. Em função das assimetrias de informação sobre o tipo (produtividade) e sobre o esforço da firma verticalizada, uma renda informacional surgirá no contrato com o regulador, que dependerá das caraterísticas da função de distribuição acumulada F(.), da função de esforço ψ e da resposta da função custo aos parâmetros de produtividade e de esforço. Os índices de Lerner no ponto ótimo alteram-se para:

,, [5] = + − ,,

,, ,, [6] = + − + − ,, ,,

,, [7] = + − ,, Os índices de Lerner serão maiores do que aqueles encontrados na solução com informação completa, equações [3], resultado da necessidade de corrigir os incentivos relacionados às relações entre funções de custo C0 e C1 com os parâmetros desconhecidos de produtividade (β) e de esforço. O novo nível da tarifa de acesso é superior ao calculado em [4] e está definido como:

[8] = + + ′ − 23

A tarifa de acesso incorpora agora um termo que está relacionado as restrições de compatibilização de incentivos. O termo é a taxa pela qual a firma verticalmente integrada substitui −⁄ marginalmente o esforço e a produtividade de forma a manter o nível dos custos de operação da rede, sendo um parâmetro essencial para definição da renda informacional que será apropriada pela firma.

Como o regulador busca minimizar a renda informacional, quando o parâmetro é positivo − (negativo), a tarifa de acesso aumenta (diminui) e as quantidades produzidas diminuem (aumentam). Assim, a compreensão dos efeitos da assimetria de informação na tarifa de acesso recai sobre a avaliação se é positivo ou negativo. − Por construção, C 0β>0 e parece razoável supor que maiores esforços reduziriam o custo marginal, de forma que C0e0<0. Contudo, rearranjando o parâmetro na forma C 0e0Q C0β – C0βQCC0e0 , vemos que o sinal resultante é ambíguo. Tirole e Laffont apresentam uma intuição para este resultado dual. A produção deve diminuir (aumentar) se aumentos em Q aumentam (diminuem) a habilidade de a firma mentir sobre suas características, isto é, a quantidade produzida é usada para atingir um equilíbrio separador. Deve-se, portanto, comparar os efeitos dos impactos no custo marginal das variações de quantidades quando se alteram produtividade e esforço.

Por outro lado, se é independente da quantidade, então , e a tarifa de acesso não − = 0 exigirá correções para assimetria de informação, replicando o resultado obtido em [4]. Ainda, dependendo das características da função de custos, a ambiguidade acerca do sinal do parâmetro de correção também é eliminada. Segundo os autores, as funções de custo mais relevantes costumam exigir maior nível de esforço quanto maiores forem as quantidades produzidas, características que induzem a maiores rendas informacionais. Nesse contexto, os preços de acesso seriam majorados para a firma entrante, mas, em compensação, a firma monopolista também deveria praticar preços mais altos. Naturalmente, a firma verticalmente integrada poderia mentir sobre sua eficiência para majorar as tarifas de acesso enquanto praticaria preços mais baixos quando usa sua rede para serviços próprios. Nesse caso, caberia ao regulador a vigilância para evitar que a firma monopolista revele custos elevados de acesso quando, na prática, há evidências de eficiência nos seus preços próprios. Em seguida, Laffont e Tirole verificam os efeitos sobre a tarifa de acesso quando o regulador não é capaz de auditar separadamente os custos da firma monopolista ( C0 e C1), isto é, quando os custos de construir e manter a rede não são separáveis dos custos totais da prestação de serviços. O objetivo do regulador é firmar um contrato de alto poder, levando a níveis de esforços ótimos na produção de 24

cada um dos serviços ofertados. Quando não é possível observar os custos isoladamente, a firma monopolista minimiza os esforços para um determinado nível de custo total, escolhendo o vetor de nível de esforço {e k} que minimiza , sujeito a C0+C1=C. No ponto de mínimo, o ∑ , , esforço marginal para reduzir cada um dos custos não observáveis são equalizados. Os autores destacam que sob determinadas condições da função custo, em especial quando o esforço marginal em relação a variações no custo e na produtividade é constante e igual para todos os serviços prestados pela firma monopolista, os resultados são idênticos com ou sem a observação dos custos separadamente. Portanto, quanto mais homogêneos os serviços prestados pela firma e os recursos necessários a prestação do serviço, menos relevante será para o regulador a observação dos sub-custos. Outra análise útil é a adaptação do modelo para o caso em que o regulador não transferirá recursos a firma monopolista, particularmente interessante para análise do setor ferroviário brasileiro. A conclusão de Tirole e Laffont é de que quando a premissa de não ambiguidade é válida, os índices de Lerner não são afetados por haver ou não transferências governamentais. A estrutura de preços, contudo, é deslocada dependendo da restrição orçamentária da firma monopolista. Isso significa que a tarifa de acesso seria maior (menor) do que no caso com transferência quanto maior (menor) fosse o custo fixo da firma.

2.2.2 TARIFA DE ACESSO , ENTRADA E ESTRUTURAS DE MERCADO

No modelo de Tirole e Laffont (1994), assumiu-se uma estrutura de mercado exógena e o nível das tarifas de acesso foi obtido de forma a maximizar o excedente do consumidor, sujeito as restrições de compatibilização de incentivos e de participação da firma regulada. Para além do nível da tarifa de acesso, outra questão regulatória sobre a qual a formulação de política se ocupa é a estrutura tarifária a ser adotada, isto é, se a tarifa será composta de uma parcela integralmente variável conforme volume contratado ou se será dividida em duas parcelas – uma fixa visando a cobertura dos custos fixos e comuns, e uma variável para cobrir o custo variável. Segundo Gautier e Mitra (2003), ao escolher a estrutura da tarifa de acesso o regulador enfrenta um problema dual, em que as duas dimensões são a promoção da competição que reduz os lucros da firma verticalizada e a necessidade de recuperar os custos associados a infraestrutura. Por esse motivo, a estrutura do mercado em que ocorre a competição, como por exemplo o mercado de transporte de cargas, é parte crucial do ambiente regulatório do mercado em que se insere a infraestrutura essencial. Nesse aspecto o modelo para referência da presente análise é aquele apresentado por Gautier (2006), no qual o autor analisa os impactos no bem-estar e as estruturas de mercado resultantes a depender da estrutura tarifária adotada. Gautier demonstra que, não somente o nível, mas também a estrutura tarifária afeta as decisões de entrada e de oferta dos 25

competidores. Neste modelo, os custos dos potenciais entrantes e a decisão de entrada não são conhecidos ex ante pelo regulador, sendo a estrutura de mercado endógena e dependente do sistema tarifário utilizado. Na prática, os dois sistemas, a cobrança de uma tarifa única, linear e variável com a produção em TKU, ou a tarifa em duas parcelas, uma fixa e outra variável conforme produção, são utilizados pelos reguladores. A DB Netz (companhia estatal responsável pela rede ferroviária alemã) aplicou a tarifa em duas partes entre 1998 e 2001. Atualmente, a DB Netz aplica uma tarifa única, cujos preços variam por quilômetro percorrido e dependem das características do trem e da via. Na reforma pretendida pelo governo brasileiro em 2012, foi prevista uma intrincada estrutura tarifária, resultando em um modelo de tarifa em duas partes sob a ótica dos operadores independentes, sendo a parcela fixa devida à VALEC e a parcela variável a ser paga diretamente à concessionária da rede. No modelo proposto por Gautier, a rede é detida pela firma incumbente que concede o acesso a um potencial entrante para que este último preste um serviço homogêneo. O regulador firma o contrato com a firma incumbente, especificando a sua oferta, a eventual contribuição do governo à manutenção da infraestrutura (na forma de uma transferência) e as condições de acesso ao potencial entrante, que observa as condições e decide se participará ou não do mercado de serviços. A regulação se dá em ambiente de assimetria de informações a respeito da tecnologia e estrutura de custos do entrante, ou seja, o regulador não sabe se o entrante é mais eficiente que a firma incumbente. A entrada e a estrutura de mercado resultante são, portanto, endógenas ao modelo. Naturalmente, uma estrutura de mercado ineficiente será aquela na qual uma firma mais (menos) eficiente não entra (entra) no mercado. A demanda no mercado final é linear e caracterizada por P(Q)= a-bQ . O custo de manutenção da rede é C e o uso da infraestrutura implica em um custo unitário de ψ para a firma incumbente. O custo marginal da firma incumbente ao prover o serviço final é ϴ e, do entrante, φ. O regulador conhece os custos da firma incumbente, onde, C>0, ψ≥0 e , com 0< 1. A função objetivo do regulador é maximizar W(Q,t)=S(Q)-P(Q)Q-λt, onde o excedente do consumidor é dado por . = A restrição de participação da firma incumbente está associada a auferir lucro de pelo menos zero. 26

O contrato regulatório [M(ϴ)] especifica a oferta do incumbente [q i(ϴ)], a transferência ao incumbente [t(ϴ)] e as condições de acesso. As estruturas tarifárias disponíveis são: (a) em partes, com parcela fixa de A(ϴ) e parcela variável equivalente ao custo marginal de uso da rede ( ψ); (b) tarifa única, onde o entrante paga ψ + α(ϴ) para cada unidade de rede consumida. Por simplificação, a parcela ψ destinada a cobertura do uso da infraestrutura é fixada em zero. A suposição é de que as tarifas de acesso independem da tecnologia do entrante, ou seja, que não há discriminação no acesso. Isso importa dizer que dois entrantes com custos ψ’ e ψ’’ observam a mesma tarifa de acesso. As firmas competem em quantidade e o entrante é um seguidor do tipo Stackelberg. Os eventos seguem a seguinte sequência: (i) o regulador escolhe a estrutura tarifária e (ii) desenha o contrato com a firma incumbente (especificando quantidades e tarifa de acesso), (iii) o entrante observa seu próprio custo (φ) e o contrato regulatório, decidindo a quantidade que irá produzir. O preço (iv) é definido de forma a equilibrar oferta e demanda. No modelo de Gautier, o benchmark utilizado para comparar as alterações no bem-estar é o caso de monopólio regulado, sem ameaça de entrada de competidores. Na situação de monopólio regulado, o regulador especifica, dado o custo ϴ, a dupla que maximiza o bem estar e garante lucro zero a firma incumbente.

[9] max , , = − sujeito a restrição de participação da firma incumbente . − − + ≥ 0 Como a restrição está ativa, a solução ótima no monopólio regulado será a dupla:

(i) [10] = , (ii) [11] = − −

Com a possibilidade de acesso, o regulador passa a escolher um contrato definido pela tripla

, quando a estrutura da tarifa é em duas partes, ou = , , = , quando a estrutura da tarifa é do tipo única. A função lucro do entrante será , , definida por com tarifa única, ou zero se Π, , = + − − , optar por não entrar.

Se o entrante decide participar do mercado, então oferta a quantidade ∗ , = . A solução do problema da entrante será dada por Π, , ∗ [12] , = 27

A entrada ocorrerá se ∗ é positivo, isso é, se Π , ,

[13] ≤ = − 2

Gautier ressalta que é a probabilidade de entrada associada com o contrato . ∆ Com a estrutura de tarifa única, o modelo é derivado seguindo-se os mesmos passos. Há uma diferença, porém, na quantidade ótima do entrante:

∗ [14] , = O entrante participará do mercado se ≤ = − . O regulador tem como objetivo maximizar o bem-estar esperado considerando as possíveis decisões de participação do entrante. Assim, a solução para as funções objetivo do regulador para cada tipo de estrutura tarifária são apresentadas a seguir. (i) Tarifa em partes

∗ ∅ , ∅ [15] = ∆ ∅ + ∆ ∅ − . O primeiro termo é o bem-estar quando o entrante participa do mercado e o segundo termo quando não há entrada, ambos ponderados pela probabilidade de entrada. Notar que a função k é uma transformação do custo da incumbente que distorce a decisão de entrada. A restrição de participação da firma incumbente é obter lucro de ao menos zero na função lucro a seguir:

∅ [16] − + ∆ ∅ + − ≥ 0 A solução do problema do regulador dependerá se o custo da incumbente é menor ou maior do que o custo da entrante: (i) Caso ∈ , , = (a) = , (b) ≥ ,

(c) = − − 1 −

(ii) Caso ∈ , ,

(a) = , (b) ≥ , 28

(c) = − − Como a probabilidade de entrada depende da amplitude do intervalo , um aumento da ∆ parcela fixa da tarifa (A f) impacta diretamente a decisão do entrante, já que a condição expressa em

(13) reduz reduzindo a probabilidade de participação do entrante. Como consequência, o , excedente do consumidor diminui e o preço esperado de equilíbrio aumenta, com maior lucro para a firma incumbente e redução de eventuais transferências governamentais. O aumento na parcela fixa da tarifa além de determinado limite pode, no entanto, vir a reduzir o lucro da firma incumbente ou mesmo inibir todos os potenciais entrantes de participarem do mercado. O regulador enfrenta, portanto, um tradeoff em que aumentar a parcela fixa da tarifa de acesso gera um impacto negativo no excedente do consumidor, mas contribui para a viabilidade da firma incumbente. Gautier nota que, se o regulador contrata com uma firma incumbente que é relativamente mais eficiente, o benefício potencial da entrada está limitado, uma vez que a firma incumbente poderá ofertar no ótimo se devidamente regulada.

(ii) Tarifa Única A solução no caso de tarifa única e variável conforme quantidade de acesso contratada, também passa pela maximização do bem-estar, dado pela equação:

∗ ∅ , ∅ [17] = ∆ ∅ + ∆ ∅ − . também sujeito a restrição de participação da firma incumbente:

∅ [18] ∗ − + ∆ ∅ , + − ≥ 0 E para cada valor de teta pertence a , o contrato ótimo especificará a tripla regulatória: [ − ] (i) = , (ii) = > 0, (iii) ∗ = − − − 1/∆ , O preço de equilíbrio com o acesso regulado com tarifa única será igual aquele obtido no caso de monopólio regulado, porém as transferências governamentais realizadas para a firma incumbente

são menores, reduzidas pelo termo ∗ . A participação da entrante ∆ , ocorre sempre que o preço sem entrada é maior do que o seu custo marginal somado a tarifa unitária de acesso. 29

Gautier compara os dois sistemas e nota que a estrutura de tarifa ótima dependerá do custo da firma incumbente. Se esse custo é alto, a entrada beneficia tanto o entrante como os clientes finais, e uma estrutura em partes é preferível, visto que distorce a decisão de oferta do entrante e aumenta o valor arrecadado com a parcela fixa, destinado a cobertura de custos fixos da firma incumbente. Se a firma incumbente tem custos baixos, a adoção de parcela fixa da tarifa em partes poderá inibir a participação de entrantes eficientes, e o ótimo ocorreria adotando-se a tarifa única. Assim, a entrada de um competidor mais eficiente não ocorrerá necessariamente, já que o regulador enfrenta um conflito entre mais competição e capacidade de financiamento da infraestrutura. A estrutura de mercado resultante dependerá das funções de probabilidade de entrada , e do custo marginal do entrante ( ). Se , então o entrante participará do mercado ativamente. Como demonstrado por Gautier, o limite dependerá do contrato firmado pelo regulador. A Figura 1 apresenta as estruturas de mercado resultantes de uma forma bastante intuitiva. Na região (I) o entrante é menos eficiente que a firma incumbente e, portanto, não participará do mercado, permanecendo o mesmo como um monopólio regulado. Na região (II), o entrante é mais eficiente do que o incumbente, mas não participa do mercado devido a estrutura tarifária. Na região (III) o entrante participa apenas com estrutura de tarifa única e na região (IV) com quaisquer das duas estruturas tarifárias. Gautier conclui que a probabilidade de participação de entrantes é maior com a utilização de tarifas únicas em comparação com a tarifa em partes, pois neste último caso o entrante deve ter eficiências relevantes para que seja possível cobrir a parcela fixa da tarifa.

Figura 1: Estruturas de Mercado, Entrada e Tarifas Fonte: Gautier (2006) O regulador poderá decidir qual a estrutura tarifária será adotada ou conceder aos entrantes a discricionariedade de optar. Quanto menos informações o regulador possuir sobre as estruturas de custos das firmas, mais apropriado será que os próprios participantes decidam pela estrutura que 30

viabilize sua entrada. Pequenos operadores tendem a optar por uma tarifa única enquanto grandes operadores tendem a optar por uma tarifa em duas partes.

2.2.3 TARIFA DE ACESSO E INCENTIVOS AO INVESTIMENTO

O impacto da regulação do acesso nos incentivos ao investimento e, mais especificamente, no cronograma de realização de um determinado investimento ou inovação é explorado por Gans e Williams (1999) e Gans (2007), que avaliam a possibilidade de postergação ou antecipação deste cronograma quando comparado com aquele que levaria ao ótimo social. De forma a incorporar esta dimensão ao presente trabalho, o modelo proposto por Gans será utilizado para estabelecimento tanto do benchmark, quanto da avaliação qualitativa quando uma firma incumbente grande provê acesso a firmas menores, entendidas como aquelas que não oferecem risco de duplicação da infraestrutura a incumbente. Gans apresenta uma proposta em que a firma que decide investir em T o faz a um custo de F(T) ert , sendo a taxa de desconto e F(0)=F o valor presente (observado no instante T=0) dos = , investimentos. O custo dos investimentos declina ao longo do tempo devido ao progresso tecnológico, o que significa que, e ⁄ < 0, / > 0. Como premissa simplificadora, o custo marginal de operação é definido em zero, já que o foco do modelo é a avaliação do impacto da tarifa de acesso sobre investimentos fixos a serem realizados. O modelo pressupõe informação completa. No mercado atuam a firma incumbente (I) detentora da infraestrutura em rede e um potencial entrante (E) que busca acesso à rede. Seja o lucro da incumbente quando opera na situação m monopolística e e os lucros das firmas na situação com acesso e competição. S é o excedente do consumidor na situação de monopólio e o excedente na situação em que o acesso ocorre com tarifa . Assume-se que e o planejador social resolve o seguinte problema de ≥ , bem-estar:

[19] max , + + + + − As condições de primeira ordem para o problema do planejador são dadas por:

(I) [20] − + 2 + − = − (II) [21] = 0 A taxa marginal de substituição entre o nível da tarifa de acesso e o bem-estar total estão em equilíbrio. Ademais, a taxa de decaimento do valor do investimento iguala o diferencial dos excedentes do consumidor e das firmas. 31

O benchmark apresentado por Gans é o mercado operando sem acesso regulado. A firma incumbente (I) investe e a entrante (E) pretende, mas não possui garantias, obter o acesso. Para compreender os motivos que levariam ao acesso, deve-se avaliar os incentivos a cada uma das participantes. Gans destaca que, na ausência de regulação, o acesso só ocorrerá se houver ganhos de troca. Sob a ótica de I, dois incentivos de sentidos opostos estão presentes, pois negar o acesso preserva seus lucros de monopólio mas pode aumentar a chance de que a infraestrutura venha a ser duplicada.

As partes negociam uma tarifa em duas partes com parcela fixa (P i) e unitária (a i). Se + , a incumbente negará o acesso a entrante, optando pela situação de monopólio. Gans < analisa ainda a possibilidade de duplicação da infraestrutura pela entrante. Essa possibilidade impõe um limite superior na tarifa de acesso que seria aceitável pela entrante, a partir da qual compensaria duplicar a infraestrutura. Contudo, por ter como objeto o setor ferroviário, no qual a probabilidade de duplicação de infraestrutura é remota, o caso em que a entrante é pequena e não duplicará a infraestrutura parece mais adequado como parâmetro para avaliação. A negociação sobre o acesso ocorre imediatamente após a decisão de investir por parte da firma incumbente. Como vimos, se os lucros na situação de monopólio excedem os lucros obtidos na situação com acesso, então I negará o pedido de acesso. Gans assume que a dinâmica de negociação sobre o acesso em um ambiente não regulado assume a forma de uma barganha de Rubinstein, com equilíbrio no qual a oferta inicial é aceita imediatamente. Mantendo-se a premissa de que não haverá duplicação da infraestrutura, o preço do acesso equilíbrio sem regulação será:

(i) , se = 1⁄ 2 − + + ≥ (ii) , caso contrário. = 0 A entrante busca acesso assim que a infraestrutura é construída e a incumbente ajusta sua decisão sobre o cronograma de investimentos considerando tal comportamento, resolvendo seu problema de maximização e escolhendo o momento do investimento ( TI):

[22] = arg + + , − A escolha ótima por parte da firma incumbente satisfaz:

[23] + + , = −′ O investimento é postergado relativamente ao ótimo social, uma vez que a incumbente não apropria todos os retornos sociais derivados da decisão de investimento. Com a regulação de acesso e o estabelecimento de tarifa de acesso em duas partes, a análise de

R Gans recai sobre o componente fixo desta (P i), o preço do acesso com regulação. Apesar de notar-se 32

c SO S SO que o regulador poderia implementar a situação ótima fixando Pi=S (a ) + π E (a ), essa situação levaria a necessidade de subsidiar-se a atividade da incumbente. Na prática, os reguladores usam soluções baseadas em alguma métrica de rateio ligada aos custos de realizar determinado investimento ou melhoria como, por exemplo, , com uma parcela do custo de = reposição da nova infraestrutura avaliado no momento em que o entrante requer o acesso F(T E). De acordo com Gans, a proporção α deve satisfazer a dois desejos. Em primeiro lugar, de que o acesso seja requerido pela entrante imediatamente e, em segundo lugar, que a incumbente tenha os incentivos apropriados para investir. Para um dado α, os momentos de investimento (TI) e de entrada

(TE) serão dados pelas condições de primeira ordem derivadas das decisões individuais de disposição a pagar das firmas.

, [24] = −′ = −′

[25] = Cada firma contribui na proporção dos custos auditáveis de acordo com sua participação nos lucros totais que derivam do novo investimento. Se o regulador conseguir observar estes custos, poderá incorporá-los à regulação do acesso, buscando aproximar o tanto quanto possível o timing da decisão de investimento ( TC) do momento socialmente ótimo ( TSO ), sem que sejam requeridos subsídios, ou seja, TC>TSO . Isso deve ser feito de forma que satisfaça a condição:

[26] + = −′ Deve-se notar que o modelo foca na parcela fixa da tarifa em duas partes como forma de repartir os custos de novos investimentos. Gans argumenta que a parcela variável da tarifa deve ser fixada de forma a garantir a participação do entrante, considerando as restrições de viabilidade da firma verticalmente integrada, em linha com as conclusões apresentadas no modelo de Gautier. Naturalmente há dificuldades na implementação da proposta de Gans. Em um ambiente tão incerto quanto aquele em que os investimentos ocorrem, o regulador normalmente não possuirá informação completa sobre custos para que seja possível propor uma distribuição entre as firmas antes da realização dos investimentos, principalmente nos casos de projetos com riscos elevados de implantação e operação. Na prática, portanto, o autor argumenta que o regulador terá dificuldades em comprometer-se com uma fórmula para regular o preço do acesso de maneira antecipada, dada a incerteza inerente aos investimentos. Em artigo publicado por ocasião do aniversário de 10 anos da Política Nacional de Competição australiana, Gans e King (2003) argumentam que o problema do comprometimento do regulador é mais grave nos casos de construção de novas infraestruturas essenciais. Isso porque, nos casos em 33

que os ativos já existem, ainda que o preço do acesso venha a ser fixado em nível inadequado, os ativos não desapareceriam, embora ao longo do tempo a reposição da depreciação possa se tornar um problema. A implantação de novas redes, por outro lado, estaria ameaçada e o resultado da fixação de tarifas em nível inadequado poderia simplesmente inibir a sua construção. Estes autores entendem que, em um país com as características da Austrália, o incentivo a realização dos projetos em determinado timing deve ser objeto de preocupação do regulador. Tal percepção também seria aplicável ao mercado ferroviário brasileiro, dada a baixa densidade da malha e o potencial de sua expansão. A dificuldade de os reguladores compromenterem-se com a tarifa de acesso ex ante à realização de um projeto de alto risco é agravada pelo fato de que este acesso será requerido apenas nos casos em que o investimento é realizado com sucesso. Essa característica leva o desenvolvedor do projeto a enfrentar um problema no qual a distribuição de probabilidades dos seus retornos está truncada, absorvendo integralmente as perdas em caso de insucesso e compartilhando a infraestrutura em caso de sucesso. Crítica semelhante é feita por Hausman e Myers (2002) em relação a aplicação da metodologia de Stand Alone Costs por parte da Surface Transportation Board em casos de disputas tarifárias nos Estados Unidos. Em seu trabalho, estes autores identificam que a avaliação do regulador norte americano por esta metodologia desconsidera que em cenários favoráveis, uma eventual infraestrutura duplicada também seria alvo de competição e requerimentos de acesso e, por este motivo, subestimam os retornos que seriam exigidos por um investidor que viesse a construir uma nova ferrovia. Segundo Gans e King, o formulador de política deve considerar este componente adicional ao tratar projetos de alto risco. Como a intervenção regulatória em favor do acesso tende a ocorrer somente se determinado projeto for executado com sucesso, ainda que os reguladores permitam uma taxa de retorno adequada para novos projetos, o truncamento da distribuição dos resultados poderá desincentivar, ex ante , a realização dos investimentos. Se o regulador pudesse se comprometer ex post, em fixar preços de acesso suficientes para gerar um retorno adequado a todos os riscos incorridos ex ante , o truncamento dos retornos desapareceria. Esse compromisso é, contudo, bastante improvável, uma vez que além de grandes dificuldades informacionais, a inconsistência intertemporal permaneceria, pois, o incentivo para o regulador (ex post ) é fixar uma baixa tarifa de acesso. Na visão de Gans e King, uma forma de reduzir o problema causado pela incerteza e truncamento da distribuição dos resultados é o estabelecimento de períodos de exclusividade da exploração da nova infraestrutura por parte do incumbente (access holidays ). Esse mecanismo tenta equilibrar os incentivos de realização dos investimentos por parte do incumbente e a busca por acesso por parte dos entrantes. O período de exclusividade ajuda a mitigar o problema de distribuição de retornos 34

truncada, pois o regramento pode ser definido antes da construção da infraestrutura. Além disso, sua adoção não significa que inexistirá acesso durante a vigência da exclusividade, mas sim que o acesso não é mandatório nesse período. Os termos para eventual compartilhamento da infraestrutura ainda poderão ser negociados entre as partes se assim desejarem. Em alguma medida, o estabelecimento de períodos de exclusividade é semelhante a concessão de patentes para processos e produtos inovadores. Tanto a patente quanto o período de exclusividade devem ser definidos de forma a compensar as perdas temporárias de bem-estar com o maior incentivo ao investimento, resultando em um resultado ótimo sob a ótica intertemporal. Gans e King ainda apresentam elementos para definição dos períodos de exclusividade, indicando que este não deve ser sempre o mesmo para todo e qualquer tipo de investimento. Em particular, os autores indicam que a duração apropriada deste período dependerá dos riscos que o projeto enfrenta e da possibilidade de rivalidade na sua implantação. Quanto menor o risco e maior a rivalidade pela implantação de um projeto, menor devem ser o período de exclusividade. Contudo, os autores argumentam que mesmo para projetos de baixo risco em setores monopolizados, um pequeno período de exclusividade pode acelerar o investimento para que seja realizado em tempo socialmente desejável.

2.2.4 TARIFAS DE ACESSO NA PRÁTICA

Como visto anteriormente, a introdução de competição em mercados baseados em infraestruturas de rede tem sido a política adotada com maior frequência por reguladores e, nesse contexto, a tarifa de acesso a infraestrutura essencial é variável chave para conversão de mercados monopolísticos em mercados contestáveis. Embora funcionem como um guia aos formuladores de políticas de regulação, as soluções encontradas a partir dos modelos apresentados anteriormente são de difícil aplicação prática. Como exemplo das dificuldades enfrentadas, ainda que as funções de custo das firmas reguladas possam vir a ser aproximadas, as informações acerca da demanda (curvas de demanda e superelasticidades) dificilmente encontram-se disponíveis aos reguladores com o refinamento necessário para aplicação da precificação por Ramsey. Por outro lado, a alternativa de livre negociação da tarifa de acesso entre o detentor da infraestrutura essencial e um potencial concorrente dificilmente resultará em resultado ótimo. Dewenter e Haucap argumentam que, embora um monopólio não regulado possa vir a utilizar-se da lógica da precificação de Ramsey para discriminação de preços e, dessa maneira, replicar uma estrutura de preços do tipo Ramsey, o nível dos preços geralmente excederá aquele encontrado na solução de second best encontrada no modelo de Tirole e Laffont. 35

Da mesma forma, os modelos que avaliam os incentivos a entrada de novos competidores e ao investimento em tempo ótimo também devem ser entendidos como referenciais para o estabelecimento da regulação adequada aos objetivos de política pública. Na prática, portanto, os reguladores buscam estabelecer métodos mais simples, com base em seus objetivos de política pública. Nessa seção, pretende-se analisar os modelos tarifários comumente adotados pelos reguladores, cotejá-los com os referenciais teóricos apresentados anteriormente, identificando suas vantagens e desvantagens. A depender do modelo adotado, a tarifa de acesso poderá tanto ser fixada pelo regulador em um modelo de regulação discricionária 11 , como no caso de adoção de tabelas com tarifas-teto e baseadas em custos, quanto ser definida a partir de uma contestação ex post , como nos casos de determinações em disputas levadas a arbitragem. Ainda, os métodos podem ser adotados para fixação das faixas de valores mínimos e máximos em um modelo do tipo negociar-arbitrar, no qual a firma verticalmente integrada negocia diretamente com o interessado em acessar a sua rede e, apenas em caso de impasse, acessa o regulador para que este último arbitre a tarifa de acesso. (a) Custos Integralmente Distribuídos (Fully Alocated Costs )

Este é o método mais tradicional de precificação do acesso, e que consiste em alocar os custos fixos e comuns entre os usuários da rede, com base em uma mecânica arbitrária e pré-determinada como, por exemplo, uniformemente entre os contratantes da firma monopolista, consistindo em fazer com que:

, , [27] = + = + + = +

Com Q=q 0+q 1+q 2 e custos fixos igual a k0. A receita gerada pela tarifa de acesso neste caso cobriria os custos fixos, embora tenha sido gerada a partir de um critério arbitrário de alocação. Os critérios utilizados para rateio dos custos podem incluir ainda o volume movimentado, ser feito de acordo com juízos de valor sobre os custos diretamente gerados por determinado serviço, ou conforme a receita gerada por um determinado serviço. Willig e Kessides criticam o sistema por não gerar preços economicamente eficientes. Diversos são os defeitos apontados pelos autores com relação às regras arbitrárias de apropriação de custos, como o fato de que custos incorridos no passado não refletirem adequadamente a estrutura futura e as dificuldades em alocar os custos aos serviços isoladamente, a partir das estimativas de custos diretamente gerados por uma movimentação de carga.

11 A regulação por contrato não é comum no setor de ferrovias. Para o bom funcionamento deste modelo de regulação é fundamental que o contrato seja o mais completo possível, situação improvável em um mercado de complexidade como ferroviário, em que a heterogeneidade dos serviços e dos usuários finais dificulta a fixação de condições para vigência por 30 anos. 36

Além das dificuldades em apropriar custos corretamente entre os diversos usuários da rede, o método desconsidera qualquer informação sobre a demanda. Ao se utilizar de custos incorridos no passado para estabelecer a distribuição de preços futuros, o método ignora potenciais alterações na demanda pelos serviços ao longo do tempo, resultando em graves ineficiências alocativas. A viabilidade da firma detentora da rede estaria condicionada a contratação da demanda conforme previsto no modelo de referência utilizado para pré-estabelecer os preços. No entanto, a competição excessiva com entrantes nos segmentos mais rentáveis (creamskimming ) e frustrações na demanda não poderão ser compensadas por ajustes em preços para outros clientes, pois os mesmos são rígidos e distribuídos de maneira arbitrária. Em geral, a aplicação deste modelo resulta em déficits ou desequilíbrio para a firma detentora da infraestrutura essencial. O método também não atende à solução apresentada por Gans para incentivos ao investimento em tempo ótimo. Deve-se recordar que Gans propõe que a apropriação dos custos de uma inovação seja realizada conforme os lucros auferidos pelas firmas. A distribuição dos custos arbitrariamente dificilmente coincidirá com as proporções adequadas. (b) Regra de Apreçamento por Componente Eficiente (ECPR) e Regra de Margem (Retail Minus)

Baumol (1993) propôs uma regra de precificação de acesso bastante difundida e direta, denominada Regra de Precificação de Componente Eficiente (ECPR), baseada nos princípios da teoria da contestabilidade, e que pode ser resumida na recomendação de que o preço de acesso seja igual a diferença entre o preço praticado pela firma verticalizada no mercado final e o custo marginal incorrido na prestação do serviço.

[28] = − Armstrong (2001), por sua vez, considera formas alternativas para expressar o ECPR, a qual denomina regra da margem (retail minus ). De forma geral, Armstrong define a tarifa de acesso com base no ECPR como a soma do custo de prover o acesso (C a) e o lucro perdido no mercado final (P-

C1), na forma:

[29] = + − A forma funcional proposta por Armstrong inclui o parâmetro , que mediria quantas unidades de serviço final a firma verticalizada deixa de ofertar quando destina a capacidade da sua rede ao entrante, reconhecendo que esta relação pode ser diferente de 1. O ECPR, portanto, define que as tarifas de acesso estão baseadas no custo de oportunidade de a firma verticalmente integrada prestar diretamente o serviço quando concede o acesso a um terceiro para que o faça. Um entrante mais eficiente e com custos marginais inferiores aos da firma monopolista irá acessar a rede para oferecer o serviço. Por outro lado, qualquer tarifa abaixo daquela prescrita no ECPR levaria a uma 37

excessiva entrada de competidores ineficientes. Algumas premissas são importantes para o funcionamento da regra proposta por Baumol:

(i) os bens/serviços são substitutos perfeitos; (ii) o regulador conhece o custo marginal da firma monopolista quando esta oferta o bem/serviço equivalente; (iii) o entrante não tem poder de mercado; (iv) a tecnologia de produção tem retornos constantes de escala; e, (v) o benchmark para os preços é o custo marginal.

Tirole e Laffont (1994) argumentam que, se as condições (i) a (v) são satisfeitas, então ocorrerá especialização na prestação dos serviços, no sentido de que a firma monopolista proverá apenas o acesso, e o serviço ao consumidor final será sempre ofertado pela firma mais eficiente. Apesar de geralmente estar caracterizado por firmas integradas, há evidências de que não parece ser esse o caso do funcionamento do setor de transporte ferroviário. Nesse ponto é interessante notar quais premissas exigidas para o bom funcionamento do ECPR seriam mais (menos) aderentes ao mercado de transportes ferroviário. Em relação a premissa (i), poder-se-ia argumentar que a movimentação de carga entre dois pontos fixos é um serviço, em linhas gerais, bastante homogêneo. Deve-se considerar, contudo, que a movimentação pode ser feita combinando trechos de vias férreas de diferentes maneiras, inclusive com outros modais disponíveis. Em relação a premissa (ii) tem-se uma dificuldade de ordem prática, embora não se possa descartá-la. Trata-se aqui de grau do esforço regulatório e do enforcement do regulador em relação a transparência das informações prestadas pela firma regulada, que tem incentivos a não revelar estas informações. Quanto ao item (iii), enquanto a firma verticalizada possui poder de mercado, o entrante independente não o terá da mesma forma. Deve-se atentar, contudo, que o compartilhamento da infraestrutura pode ocorrer entre duas firmas verticalizadas e, em geral, as firmas que atuam no mercado de logística de carga possuem algum grau de poder de mercado, uma vez que controlam alguma parte relevante da cadeia. Por fim, como visto anteriormente, devido a presença de grandes economias de escala, a precificação pelo custo marginal no mercado ferroviário resulta, invariavelmente, na impossibilidade de a firma cobrir seus custos fixos. Tirole e Laffont analisam o modelo ECPR introduzindo diferenciação de bens e serviços, com competição entre diversas firmas, aplicando a regra proposta por Baumol na sua análise de determinação da tarifa de acesso ótima e concluem que, sob determinadas condições ela aproxima- se da precificação Ramsey, concluindo que: 38

(i) quando a demanda e os custos das duas firmas são simétricos, o ECPR é consistente com a regulação ótima; (ii) com custos simétricos mas existindo clientes cativos da firma monopolista, a regulação ótima seria a

a determinado contratante e a parcela variável definida conforme o custo marginal de uso da rede. Em geral, as tarifas baseadas em capacidade têm sido utilizadas como forma de fragmentar um monopólio natural em partes menores, com a competição ocorrendo entre as firmas menores que adquirem a capacidade da detentora da rede. Trata-se de uma regra bastante utilizada em setores nos quais os custos de reserva de capacidade são altos, devido a existência de picos de demanda, como telecomunicações e transporte de gás. Um caso particular de tarifas baseadas em capacidade apresentado por Tirole e Laffont (1994) é a regra desenhada pela Oftel 12 para acesso a rede da British Telecom (BT). , = − e denotam o lucro da incumbente nos diversos serviços = − − , = − , ofertados (sendo B0 o serviço intrarede, B1 o serviço competitivo, e B2 o acesso). Define-se o Déficit de Acesso (DA) como o valor equivalente ao custo fixo k0. Pela regra, a margem sobre o custo de prover o acesso é proporcional ao DA por unidade da produção total da incumbente e aos lucros oriundos da respectiva atividade. Como exemplo, tome-se o serviço 1.

= + + + Se o orçamento da firma monopolista está equilibrado, então DA = B0+B1+B2, e a formula de Oftel reduz-se para a=p1-c1, que se traduz exatamente no custo de oportunidade da incumbente na atividade de rede, de forma equivalente ao ECPR. Essa metodologia incorpora indiretamente informações acerca da demanda, já que as unidades de lucro ponderadas são formas de substituir as elasticidades. Quanto aos incentivos a entrada de competidores, a imposição de uma parcela fixa na tarifa de acesso que será proporcional ao déficit tenderá a limitar a entrada de competidores de menor porte e a regra adequa-se a indústrias em que a competição ocorre entre firmas grandes. (d) Tarifas Baseadas em Custos Como destacado nos manuais de economia, a precificação pelo custo marginal de curto prazo garante a eficiência produtiva. No entanto, em monopólios que operam na região subaditiva da função de custo, a precificação nesse nível levará a perdas substanciais para a firma detentora da infraestrutura e, no longo prazo, para a própria sociedade, uma vez que o capital instalado não poderá ser reposto. Tipicamente, a demanda pelo uso da infraestrutura ferroviária encontra-se abaixo da capacidade instalada, mais especificamente em uma faixa de utilização na qual os custos marginais de curto prazo são inferiores aos custos médios. Adicionalmente, a precificação pelo custo médio, ao ignorar as informações oriundas da curva de demanda, induzirá a graves ineficiências alocativas, e tanto a utilização de custos marginais quanto de custos médios levará ao excesso de entrada no mercado.

12 The Office of Telecommunications (Oftel), regulador do mercado de telecomunicações da Grã-Bretanha. 40

Além de ser insuficiente para cobertura dos custos da firma detentora da rede, a precificação do acesso pelo custo marginal é considerada um mau sinalizador para a realização de investimentos eficientes do ponto de vista intertemporal. Isto ocorre porque, apesar de o modelo em geral inibir os investimentos, uma vez que a firma opera grande parte do tempo fora do equilíbrio financeiro, em situações de saturação da rede ocorrerão incentivos pontuais ao excesso de investimento. Em seu relatório “Rail infrastructure pricing: principles and practice” (2003), o Escritório de Transportes e Economia Regional da Austrália destaca que, a medida em que a utilização da ferrovia se aproxima de sua capacidade máxima, os congestionamentos levam ao aumento do custo de oportunidade da utilização das linhas em determinados horários. Nessa faixa de utilização, o custo marginal de curto prazo sobe substancialmente e torna-se volátil. A precificação do acesso nesse elevado nível poderia até servir ao propósito de recuperar custos e sinalizar adequadamente quanto à alocação de tráfego. Contudo, em tal situação uma firma poderia imaginar que seria justificável uma expansão de capacidade, quando o simples aumento dos preços poderia auxiliar a readequar a demanda, de forma a evitar a realização de eventual investimento que, no longo prazo, não seria justificável. Pelas características dos investimentos em ferrovia, em especial as economias de escala associadas aos investimentos, uma vez concluída a expansão, a nova capacidade disponível leva a queda do custo marginal e, consequentemente, dos preços, tornando difícil a recuperação do capital investido. Esta dinâmica é apresentada na Figura 2.

Figura 2 – Curvas de Custos de Curto Prazo e Longo Prazo Fonte: Rail Infrastructure Pricing (Australia)

Uma forma de evitar as dificuldades com a precificação com base no custo marginal de curto prazo, seria o uso de custos incrementais, que consideram variações na produção maiores do que aquelas usadas para cálculo do custo marginal. Uma dessas metodologias é aquela denominada custos incrementais de longo prazo (LRIC). 41

De forma geral, os LRICs são os custos que uma firma evitaria se determinado serviço não fosse mais produzido no longo prazo, o que importa dizer que os custos fixos específicos à provisão daquele serviço também são considerados nesse método. Como, neste método, assume-se que todos os fatores de produção são variáveis no longo prazo, a produção é otimizada no horizonte de tempo relevante e a oferta ocorreria ao custo mínimo, igualando o resultado no caso de mercados perfeitamente contestáveis. Sob a ótica do regulador, adotar diretamente o LRIC para fixação dos preços é, na prática, adotar uma regulação discricionária baseada em custos de serviço, caso sejam utilizados os custos efetivamente incorridos pelas firmas. Como destacado em Camacho e Rodrigues (2014), a firma regulada dessa maneira não dispõe de incentivos para ser eficiente, além de poder ser incentivada a sobreinvestir quando a taxa de retorno estabelecida pelo regulador exceder o custo de capital observado na prática. Além dos problemas comuns à regulação baseada em custos, algumas premissas relevantes para justificar a adoção do LRIC são frequentemente incompatíveis com as características das indústrias baseadas em rede: inexistência de economias de escala e de escopo, e inexistência de custos afundados. Wilig e Kessides destacam outra desvantagem desse método, pois identificam que pode vir a ser eficiente para a firma praticar preços abaixo do seu custo marginal de longo prazo. Segundo os autores, movimentar cargas que cubram o custo marginal de curto prazo e uma parcela dos custos fixos e comuns pode ser melhor do que abandonar o ativo no curto prazo. A situação proposta por Wilig e Kessides pode surgir em diversos momentos, já que o mercado de transporte de cargas está exposto a flutuações dos mercados de destino dos produtos, cujas demandas podem variar significativamente ao longo do tempo. Assim, operar por um tempo abaixo do custo marginal de longo prazo pode ser compensado por operar por um período acima desse custo, desde que a demanda se comporte nesse sentido. Gómez-Ibanez e de Rus defendem os preços baseados no custo marginal de longo prazo, embora reconheçam que sua adoção resultará em perda na eficiência alocativa, visto que existiria um trade- off entre promover a utilização eficiente da infraestrutura já instalada e a dinâmica de longo prazo de investimentos adequados. Uma vantagem desse modelo reside no fato de que o esforço regulatório é baixo. Talvez por esse motivo, apesar dos pontos negativos apontados, o LRIC é frequentemente adotado pelas autoridades regulatórias em setores como o de telecomunicações e ferroviário. Contudo, em mercados que ainda demandam fortes investimentos para expansão das redes, a adoção deste modelo pode resultar em subinvestimento ou atrasos significativos na implantação de novas infraestruturas. 42

(e) Tarifas-teto e Receita-teto

A regulação discricionária por tarifa-teto é caracterizada por ser uma regulação ex ante , ou seja, o regulador estima os custos eficientes na prestação do serviço para o próximo ciclo regulatório e estabelece o preço que cubra os custos estimados (Camacho e Rodrigues, 2013). A tarifa-teto é usualmente derivada a partir da Receita Requerida (RR) para um determinado período. Para estabelecimento da RR é usualmente utilizada a abordagem de “ building blocks ”, na qual o regulador estima os custos de capital da firma regulada a partir da incidência de uma taxa de retorno (Custo Médio Ponderado de Capital) sobre uma base de ativos regulatórios considerada necessária para a prestação do serviço. Somam-se aos custos estimados de capital as estimativas para despesas operacionais e de manutenção que seriam necessárias para que uma firma eficiente ofertasse a infraestrutura em questão. A aplicação conjunta da regulação discricionária com tarifas- teto resulta em um mecanismo com flexibilidade para enfrentar incertezas e capacidade de adaptação as mudanças no setor regulado ao longo do tempo. Pela sua natureza, a regulação discricionária e o estabelecimento de tarifas-teto requerem esforço regulatório substancial e equipes qualificadas para sua utilização e como destacado por Camacho e Rodrigues, requerem agências reguladoras preparadas tecnicamente. Deve-se atentar aos possíveis impactos da combinação de uma tarifa-teto de acesso com preços desregulados no mercado final. Laffont e Tirole (2000) propõem uma estrutura de preço-teto (price cap ) global para o setor de telecomunicações, ficando a cargo do detentor da rede a definição dos preços para os diversos usuários da mesma, incluindo rivais que buscam interconexão e clientes finais. Os autores argumentam que esse modelo levaria a escolha de estrutura Ramsey ótima. No caso de uma firma verticalmente integrada do setor ferroviário, a aplicação de um price cap global significaria que a firma deveria obedecer ao limite estabelecido considerando, em conjunto, os preços praticados diretamente ao usuário final e aos terceiros que requerem acesso a rede para prestação de serviços concorrentes. O contrato price cap é um arranjo regulatório de alto poder de incentivos, uma vez que a firma regulada maximiza seu resultado escolhendo o nível ótimo de esforço e apropriando-se da renda residual. Contudo, Tirole e Laffont argumentam que a definição das tarifas-teto de forma isolada pelo regulador pode gerar incentivos inadequados ao interferir na estrutura relativa entre preços aos usuários finais e ao atacado (acesso), especialmente se as firmas também atuarem em nichos que não estão regulados. Mais especificamente, nesse último cenário, a firma verticalmente integrada teria fortes incentivos à prática de foreclosure no mercado de acesso de terceiros, normalmente por meio de atrasos na concessão do direito de acesso, ou por meio de estabelecimento de requerimentos excessivos, 43

levando a aumentos do custo de seus concorrentes. Como será visto na revisão da experiência internacional, há fortes indícios desta prática no setor ferroviário australiano. Outro comportamento incentivado seria o de subsídio cruzado entre atividades da firma regulada. Se a tarifa de acesso está sujeita ao preço-teto, mas a firma verticalizada tem liberdade de negociação de preços com os clientes finais, há incentivos para que, tanto quanto possível, os custos sejam alocados no segmento de infraestrutura da rede (acesso), enquanto recursos eficientes seriam direcionados para a operação de transporte, no caso, sua linha de negócio desregulada. Ainda que o regulador possa escrutinar os custos da firma verticalmente integrada, aumenta-se o esforço regulatório e reduzem-se as chances de entrada de competidores. Esta conclusão sugere que o caminho mais promissor para implementar a precificação ótima seria permitir que as decisões de preços relativos sejam tomadas de forma descentralizada. A sugestão de Tirole e Laffont seria, portanto, impor uma restrição no nível de preços global e permitir que a firma verticalmente integrada selecione a estrutura relativa entre os diversos serviços prestados, observada a restrição global. Nesse modelo normalmente é permitido que a firma regulada pratique discriminação de preços de acesso entre clientes com características distintas, desde que respeitados os limites de receita definidos em contrato. Os incentivos à eficiência permanecem fortes no modelo de price cap global, uma vez que a firma permanece apropriando-se da renda informacional, ao menos até a ocorrência da próxima revisão regulatória. As práticas de subsídio cruzado e de exclusão de rivais também são desincentivadas, uma vez que tendem a reduzir o lucro da firma verticalmente integrada. Note-se que a exclusão de um entrante eficiente que recolhe a tarifa de acesso reduzirá os lucros da firma verticalmente integrada, pois esta última deixa de ter um operador eficiente remunerando sua infraestrutura e, por consequência do limite global de preços, se verá obrigada a cobrar tarifas mais elevadas dos usuários finais com impacto na sua própria demanda. Tirole e Laffont argumentam ainda que, embora o modelo indique que, sob premissas ideais, o ótimo social seria implementado, as fricções práticas provavelmente levariam a um resultado menos eficiente do que o previsto. Em geral, os problemas são os mesmos que surgem na implementação de um modelo de tarifa-teto tradicional: possibilidade de diminuição na qualidade dos serviços prestados, investimentos em expansão da rede abaixo do nível ótimo e aumento dos riscos do negócio para as firmas reguladas. Além disso, nos modelos de preço-teto, global ou tradicional, não é usual que exista previsão para a prática de tarifas não lineares. O mercado de transporte de cargas é caracterizado por grandes volumes contratados e, neste caso, a possibilidade de praticar tarifas diferenciadas por volume pode ser desejável para oferecer uma opção eficiente. Embora existam trabalhos que indiquem como 44

incluir preços não lineares em regulação price cap , na prática os reguladores adotam um preço único e médio. Outro fator apontado como desvantagem por Tirole e Laffont são os riscos de revisão regulatória e a tentação que o regulador enfrenta em buscar reequilibrar a divisão dos lucros excedentes, tornando o price cap não crível e levando a perdas financeiras e comprometendo a viabilidade da firma. Esta crítica também foi apresentada por Willig e Kessides que identificam que nos setores de telecomunicações e de energia os reguladores têm tido dificuldades em comprometer-se de forma sustentada com nos níveis pré-estabelecidos, impedindo que a renda informacional seja apropriada. Outro risco do modelo de price cap global proposto por Tirole e Laffont ocorre quando o serviço tem demanda elevada e é ofertado por preços inferiores ao custo marginal. Nesse cenário a firma verticalmente integrada poderia racionar a capacidade do serviço ou do trecho específico em que a oferta ocorre a preços baixos e, ao mesmo tempo, aumentar substancialmente o preço praticado nos demais serviços ou trechos, cumprindo com o price cap global. Os autores sugerem que este incentivo seja anulado pela exigência de que os preços sempre superem os custos marginais e pelo monitoramento da firma por meio de indicadores de qualidade que penalizem o racionamento e não atendimento de demanda. Ainda, os autores sugerem a adoção do ECPR como teto para a tarifa de acesso como forma de prevenir possíveis comportamentos predatórios de price squeeze out por parte da firma verticalmente integrada. Assim como os demais métodos que de alguma maneira estão baseados em estimativas de custos eficientes, os modelos de preço-teto e receitas-teto também são criticados pelas diversas dificuldades em aplicar a metodologia de building blocks e estimar corretamente os valores futuros.

(f) Stand Alone Costs

Um ponto crítico na regulação ferroviária é a determinação dos preços quando existe um cliente cativo e situação de dominância de mercado pela firma verticalmente integrada. Uma solução comumente utilizada no mercado norte-americano para mediação de disputas em torno de tarifas de prestação de serviço de transporte ou de acesso à rede ferroviária é a adoção do critério de Stand Alone Costs, como forma de estabelecer um teto para o preço praticado pela detentora da infraestrutura. O método busca estimar o custo de construir e operar uma infraestrutura hipotética habilitada a prover o serviço apenas para um determinado cliente ou conjunto de clientes que se utilizam de uma determinada rota ferroviária, considerando-os, inicialmente, isolados dos demais usuários. Esse seria o valor máximo aceito pelos clientes finais sem que houvesse incentivos para replicação da 45

infraestrutura. O objetivo é simular uma tarifa competitiva com base na teoria de mercados contestáveis para um mercado em que não há competição. Ao incluir um componente competitivo nos preços, o método impõe um limite à prática de abuso de poder de mercado por parte de monopolista, embora resulte normalmente em valores máximos substanciais. A justificativa para sua adoção é a de que, no longo prazo, nenhum cliente ou grupo de clientes aceitaria pagar mais pelo serviço de transporte do que lhes custaria produzi-los por eles mesmos ( make it or buy ). Wilig e Kessides argumentam que o SAC deve ser aplicado em conjunto com a possibilidade de abandono de trechos economicamente inviáveis. Se uma ferrovia não puder descontinuar um serviço que remunera seu custo abaixo do ideal, o uso do SAC não permitirá recuperar os custos em trechos potencialmente lucrativos. Ainda, o SAC inviabilizaria o subsídio cruzado entre clientes ou serviços na ferrovia, uma vez que ele precifica cada serviço de acordo com o custo de prestá-lo isoladamente. O SAC é consistente com os modelos de tarifa-teto adotados usualmente, desde que atualizados periodicamente para incorporar ganhos de produtividade e atualizações monetárias. Wilig e Kessides concluem ainda que, quando as receitas da firma estão em nível inadequado, isto é, quando esta não está obtendo a taxa de retorno esperada, a aplicação do teste de Stand Alone Costs seria suficiente para verificar a adequação dos preços globalmente praticados. Isso porque a firma poderia adotar os preços de Ramsey por ela mesma, levando as receitas para o nível de equilíbrio operacional. Restaria, como única preocupação do regulador, evitar o abuso da cobrança de tarifa discriminatória aos clientes cativos. Pelo contrário, caso a ferrovia consiga obter mais receitas do que considerado adequado, então pode ser necessário adotar medidas regulatórias adicionais e os mercados em que há pouca ou nenhuma competição devem ser observados com maior atenção. Hausman e Myers (2012) apresentam uma crítica a metodologia de Stand Alone Costs aplicada pela Surface Transportation Board (STB), agência responsável pela supervisão dos transportes ferroviários nos Estados Unidos, e propõem aperfeiçoamentos. Os autores argumentam que a Teoria da Contestabilidade é fortemente dependente da premissa de que não há custos afundados, característica não encontrada no mercado ferroviário. Apesar de reconhecer a existência de custos afundados, a STB argumenta que estes estão presentes tanto para a ferrovia existente quanto para a ferrovia hipotética. Contudo, ao simular os resultados da ferrovia hipotética, a STB o faz por meio de uma estimação pontual e que não reconhece a ameaça de entrada de uma futura ferrovia, ou seja, a agência não estaria incorporando incerteza em sua análise e não aplicaria uniformemente o critério de mercados contestáveis. Hausman e Myers argumentam que os investimentos em ferrovias ocorrem em ambiente de grande incerteza e a ferrovia hipotética também estaria sujeita a entrada de um novo competidor no futuro, truncando a distribuição dos seus resultados em caso de cenários favoráveis. Por outro lado, em caso 46

de insucesso ou de realização de cenários negativos na demanda, os custos afundados na sua implantação seriam irrecuperáveis. Essa característica levaria a uma assimetria na distribuição dos resultados da ferrovia hipotética, o que tornaria as exigências de capital para a implantação da ferrovia hipotética maiores do que aquelas estimadas pela STB. Os autores sugerem a aplicação da teoria moderna de opções e usam simulações de Monte Carlo para estimar os erros na determinação de tarifas por meio do método SAC em decisões da STB desfavoráveis as ferrovias. A Tabela 2 sintetiza as metodologias usualmente empregadas para estabelecimento da tarifa máxima de acesso em um contexto de regulação discricionária, o esforço regulatório necessário para sua implementação e impactos na viabilidade das firmas e nos dois principais objetivos de política do regulador: Tabela 2 – Métodos de Precificação, esforço regulatório, viabilidade financeira e eficiência econômica Viabilidade Eficiência Método Esforço Regulatório Eficiência Alocativa Financeira Produtiva Custos Diretamente Baixo, não incorpora informações sobre a demanda e geralmente resulta em distorções graves. Atribuídos Pode ser alta se os preços ECPR/Regra da Baixo Alto Alto finais são regulados. Risco Margem de subsídio cruzado. Em geral baixa, mas pode Tarifas por ser alta se for baseada em Baixo Alta Alta Capacidade informações sobre receitas geradas (Regra Oftel)

No longo prazo Custo Marginal Baixo Alta Baixa será baixa Médio, a depender do LRIC método de estimação de Alta Baixa Baixa custos Geralmente alta, embora Price Cap/Revenue Alto Alta Alta ineficiente quando preços Cap finais são desregulados. Stand Alone Costs Alto Alta Alta Alta Fonte: Elaborado pelo autor Como se pode notar, as principais opções regulatórias que demandam baixo esforço por parte do regulador resultam em combinações que ora impõem riscos a viabilidade financeiras das firmas ferroviárias, ora geram ineficiências produtivas e alocativas graves. Assim, embora ainda sejam adotadas por alguns reguladores, as opções de Custos Integralmente Distribuídos, tarifas baseadas em capacidade ou em custos marginais e incrementais devem ser evitadas. Uma exceção é a adoção do ECPR ou da regra da margem quando o mercado final também está regulado. Nesse caso 47

particular, a aplicação dessas metodologias pode resultar no ótimo, desde que o regulador assegure a correta apuração do custo marginal da prestação do serviço pela firma verticalizada. Os contratos regulatórios de alto poder, baseados em tarifa-teto e receita-teto, levam a melhores resultados sob a ótica da eficiência econômica. Como destacado anteriormente, os riscos de práticas anticompetitivas, como tentativas de exclusão ou de precificação predatória, não são necessariamente eliminados nestes modelos. Contudo, atribuir objetivos muito amplos para a tarifa de acesso pode desviar o regulador dos objetivos principais deste instrumento. Por seu turno, o controle de práticas anticompetitivas pode ser realizado com regras complementares. A adoção de uma tarifa-teto global permite que a precificação descentralizada aproxime a solução de second best. Caso a metodologia de building blocks tenha sido corretamente aplicada, os incentivos a realização de inovações e investimentos também estarão presentes. A metodologia de Stand Alone Costs exige grande esforço regulatório. Embora garanta a viabilidade das firmas, a sua adoção para estabelecer a tarifa de acesso a clientes cativos pode resultar em preços substancialmente altos, que podem ser questionados quanto à equidade e justiça. A metodologia é normalmente empregada com intuito de encontrar um limite superior para a tarifa de acesso, principalmente quando o regulador realiza uma apuração sobre eventual prática de abuso de poder de mercado. Apesar de geralmente resultar em preços altos, a metodologia também é empregada para estabelecer a tarifa-teto em modelos regulatórios do tipo negociar-arbitrar, como aqueles adotados na Austrália. Uma crítica bastante comum aos modelos negociar-arbitrar com tarifa-teto baseada em Stand Alone Costs é o fato de que a banda para negociação da tarifa resulta muito ampla, dificultando o acordo entre as partes e levando a processos de arbitragens muito custosos. 48

3. EXPERIÊNCIA INTERNACIONAL

Os desenvolvimentos no setor de transporte ferroviário nas últimas décadas têm se caracterizado por experiências diversas em termos de regulação, embora a tendência geral seja em direção à introdução de elementos competitivos em um mercado até então compreendido como monopólio natural. Enquanto alguns mercados caminharam na direção da desverticalização com garantia do direito de passagem, outros experimentaram desregulamentação da tarifas e menor intrusão regulatória. Nessa seção, são avaliadas as experiências regulatórias da Austrália, dos Estados Unidos e do Reino Unido. Austrália e Estados Unidos são países de dimensões continentais, com predominância do transporte de commodities por longas distâncias. Há certa semelhança com o perfil de transporte de cargas no Brasil e a análise das experiências dos dois países parece interessante para a compreensão das oportunidades para o mercado brasileiro. A malha norte- americana foi desenvolvida majoritariamente por investidores privados, possuindo alta densidade (20 km/mil km 2) o que contribui, inclusive, para a competição intramodal. Trata-se de um mercado maduro e que, como será visto adiante, passou por uma racionalização dos ativos nas três últimas décadas. Já na Austrália, enquanto as extensas linhas interestaduais na região sul do país foram implantadas pelo governo, os corredores de exportação de minério foram desenvolvidos por grandes empresas do setor de exploração de minério de ferro. Embora apresente baixa densidade da malha (5 km/mil km 2), o market share do modal ferroviário na Austrália é superior a 40%, indicando que a malha se insere em grande parte das regiões responsáveis pela originação de cargas. Já a experiência do Reino Unido traz o elemento da desverticalização com manutenção da infraestrutura sob controle estatal, em modelo que guarda semelhança com a proposta de reforma apresentada pelo governo brasileiro em 2013. Em especial, nota-se uma certa convergência dos princípios enunciados nos modelos regulatórios para fixação de preços, muito embora os três mercados difiram em questões como desverticalização, livre acesso e propriedade das ferrovias. Ainda assim, a avaliação das metodologias de precificação, seja na definição de tarifas ao operador que busca acesso seja na definição de tarifas ao usuário final, lança luz a questões relevantes para a análise do mercado brasileiro.

3.1 AUSTRÁLIA O sistema ferroviário australiano consiste em aproximadamente 33 mil quilômetros de vias férreas, sendo 10% deste total eletrificado. Os principais mercados ferroviários na Austrália são: (i) o corredor de exportação de minério de ferro no noroeste; (ii) o corredor de exportação de carvão na costa leste; (iii) o corredor de exportação de grãos no sudoeste e na costa leste; e (iv) o transporte interestadual de cargas gerais e de aço (Recent Developments in Rail Transportation , OCDE, 2013). A Figura 3 apresenta as principais movimentações de carga na Austrália nos anos de 2006 e 2007. 49

Figura 3 – Sistema de Transportes Australiano Fonte: Recent Developments in Rail Transportation , OCDE , 2013 O transporte ferroviário de carga é de extrema relevância para a economia australiana, em especial para o escoamento da produção de minério de ferro e de carvão do país. Em geral, as ferrovias destinadas à exportação do minério de ferro caracterizam-se por sistemas fechados de propriedade de firmas privadas que pertencem às mineradoras, e foram responsáveis por 49% do volume de cargas transportadas por ferrovias no biênio 2006-2007. Já as ferrovias destinadas ao transporte de carvão atualmente operam em regime de open access , e responderam por 26% do frete ferroviário total em 2006-2007 ( Recent Developments in Rail Transportation , OCDE , 2013). Os principais investimentos do setor público concentram-se nas redes interestaduais destinadas ao frete de granéis agrícolas e carga geral, bem como utilizadas para o transporte de passageiros, enquanto os investimentos do setor privado concentram-se em sistemas fechados, principalmente voltados para escoamento da produção de minério de ferro. Como destacado anteriormente, dadas as características do território australiano, a densidade da malha é comparável a brasileira, muito embora seu market share no transporte de cargas do país seja bastante superior. As principais reformas regulatórias do mercado australiano ocorreram nas décadas de 1990 e de 2000. O Regime Nacional de Acesso 13 australiano foi criado em 1995, no âmbito da Política Nacional

13 O National Access Regime (NAR) foi a proposta resultante das conclusões do Relatório Hilmer (1992), que recomendou a garantia do acesso de terceiros às infraestruturas de firmas integradas sempre que não fosse possível realizar a separação vertical. 50

de Competição (PNC 14 ). O objetivo do Regime de Acesso é promover operação, investimento e uso eficientes da infraestrutura ferroviária, com competição efetiva nos mercados a jusante e a montante. Em relação à formalização do acesso de terceiros as redes, a PNC prevê três alternativas: decretação, compromisso voluntário e certificação, sendo os dois primeiros os mais usuais. A firma detentora da infraestrutura ferroviária pode apresentar ao regulador nacional (ACCC) ou estadual um compromisso voluntário com as principais condições pelas quais pretende conceder o acesso à terceiros. Se aceito pelo regulador, a ferrovia firma um contrato regulatório com os principais termos e compromissos, celebrando posteriormente os contratos de acesso com os operadores nos quais constam as condições do serviço contratado. A decretação pode ser provocada tanto pela firma detentora da infraestrutura quanto pelo operador que busca o acesso à rede, por meio de requerimento ao regulador. O processo é conduzido pelo Conselho Nacional de Competição (NCC), responsável por exarar recomendação às agências e aos ministérios acerca do acesso mandatório e seus respectivos termos. Para recomendar o acesso mandatório, o NCC estabeleceu alguns critérios para avaliar se a infraestrutura é considerada essencial, como por exemplo, se o acesso promoverá competição em algum outro mercado, se é inviável a sua duplicação e a importância da infraestrutura para o comércio interestadual e exterior no país. O Regime Nacional de Acesso é complementado pelos regimes regulatórios específicos dos estados e territórios australianos, uma vez que a regulação das ferrovias na Austrália é descentralizada. Segundo relatório da OCDE (2013), em 2009 existiam sete regimes de acesso distintos no país: nacional (ARTC), New South Wales (RIC), Victoria (regional), Austrália Ocidental (regional), South Australia (regional), AustralAsia (Tarcoola–Darwin) e Queensland . Em três destes regimes (ARTC, RIC e Austrália Ocidental) houve a separação vertical da infraestrutura da prestação dos serviços. Aderiram ao Regime Nacional de Acesso principalmente as ferrovias públicas que, quando foram posteriormente privatizadas, permaneceram com as obrigações de acesso anteriormente assumidas. Alguns regimes de acesso que funcionam na modalidade de certificação, como o da Austrália Ocidental 15 , mostram dificuldades na solução de conflitos, como visto no caso de disputa entre Co- Operative Bulk Handling (CBH) e Brookfield Rail (atual ARC), analisado mais adiante. Outra questão regulatória sensível tem sido a aplicação do Regime Nacional de Acesso às malhas ferroviárias construídas e detidas por firmas privadas, geralmente operando em sistemas fechados

14 Em 1995 os governos nacionais, dos estados e dos territórios australianos adotaram a National Competition Policy (NCP), que incluía o princípio de acesso a terceiros e definiu obrigações para as esferas de governo com intuito de criar um ambiente de neutralidade. A Política Nacional de Competição instituiu o Conselho Nacional de Competição (NCC), órgão responsável por proferir recomendações sobre acesso a infraestruturas e revisar o papel das agências. 15 Malha ferroviária concedida pelo governo da Austrália Ocidental. 51

para transporte de commodities . O caso emblemático dessa dificuldade tem sido as disputas na região produtora de minério de ferro de Pilbara. A tabela 3 apresenta as firmas operando no mercado ferroviário australiano, classificadas conforme a estrutura e a sua propriedade. Tabela 3 – Propriedade e Estrutura das Ferrovias Australianas

Estrutura Companhia Propriedade Separação Vertical Rail Infrastructure Corporation (RIC) Pública Australian Rail Track Corporation (ARTC) Pública Verticalmente Integradas Queensland Rail (QR) Pública

Australian Railroad Group (ARG) Privada NRG Privada Asia Pacific Transport Consortium Privada Freight Australia Privada Australian Transport Network (ATN) Privada Mt Goldsworthy, Hamersley Iron, Robe River (Pilbara) Privada

Fonte: Adaptado de Rail infrastructure pricing: principles and practice , Escritório de Transportes e Economia Regional da Austrália, 2003.

Destaca-se a atuação da ARTC, companhia estatal desverticalizada criada em 1997 para oferecer acesso aos operadores interessados em prestar serviços de transporte na rede ferroviária interestadual que expandiu progressivamente suas operações para oferecer serviços de acesso e de transporte em outras malhas. A atuação da ARTC na rede interestadual e nas ferrovias para transporte de carvão da região de Hunter Valley é regulada pela Australian Competition and Consumer Commission (ACCC), órgão regulador de alcance nacional. A ARTC foi a primeira companhia de infraestrutura ferroviária a submeter proposta de compromisso de acesso voluntário nos termos do Anexo IIIA da Lei de Competicão e Consumo 16 . A firma estatal apresentou dois compromissos de acesso, sendo um para a malha interestadual ( Interstate Access Undertaking – IAU ) e outro para a malha de Hunter Valley em New South Wales (HVAU ). O compromisso de acesso sob o IAU incorpora um modelo híbrido de tarifa-teto e receitas-teto. Os preços-teto para um menu de serviços de referência são determinados no início de um ciclo regulatório e ajustados a cada ano conforme índice de preços, ficando a receita global da ARTC limitada ao teto estabelecido. Em sua avaliação da proposta de acesso voluntário da ARTC, a ACCC esclarece que, com esse modelo, a ARTC pode praticar algum grau de discriminação de preços, o que é desejável e auxiliaria a companhia na recuperação de seus custos. De fato, a ACCC estabelece duas

16 Deve-se notar que a submissão de uma proposta de acesso voluntário que venha a ser aceita pela ACCC afasta a possibilidade e que o serviço venha a ser decretado nos termos da seção IIIA do Trade Practices Act . O provedor passa a ser obrigado a fornecer acesso nos termos da proposta submetida a ACCC, o que configura um mitigador de incertezas e riscos para os terceiros que buscam acesso à infraestrutura. 52

opções para regulação do provedor de infraestrutura que deseja a fixação de tarifas ex-ante , por tarifa-teto ou por receita-teto, incluindo a possibilidade de um modelo híbrido, sempre implementados por meio da abordagem de building blocks (Railway Reform: Toolkit for Improving Rail Sector Performance , Banco Mundial, 2011). O compromisso voluntário HVAU foi formalizado em 2011 e renovado em 2017. Este acordo segue o modelo do IAU mas, nesse último caso, a ACCC aprovou a inclusão de abordagem do tipo capitalização de perdas. Com esse mecanismo, a ARTC incorpora a frustração de receitas ocorrida em determinado ano a sua base de ativos regulatórios para recuperação nos períodos subsequentes. A justificativa do regulador para o uso do mecanismo é o fato de que a região em que a malha está inserida tem diversas minas em fase de desenvolvimento e que a abordagem incentiva a ARTC a realizar investimentos para servir a estes clientes, garantindo que no longo prazo a volatilidade inicial da demanda seja devidamente compensada (Railway Reform: Toolkit for Improving Rail Sector Performance , Banco Mundial, 2011). Além da fixação de tarifas-teto ex-ante e da publicação de tabelas tarifárias de referência, o acesso na Austrália também pode ser baseado em um modelo de negociar-arbitrar, no qual a firma que busca o acesso inicia uma negociação com a firma de infraestrutura para definir o preço que pode estar dentro ou fora de intervalo de preços previamente estabelecido pelo regime regulatório. Em caso de impasse, o regulador arbitrará o valor da tarifa dentro do referido intervalo. O modelo pressupõe um preço mínimo regulado baseado nos custos evitáveis da manutenção de determinado segmento da malha. Isso significa que o limite inferior do intervalo de preços estará baseado em alguma medida do custo marginal e incremental de manter os segmentos nos quais o acesso irá ocorrer. Como apresentado no relatório do Escritório de Transportes e Economia Regional (2003), apesar de o princípio ser aplicado nos diversos regimes de acesso australianos, há diferentes interpretações por parte dos reguladores sobre que componentes devem ser incluídos no cálculo destes custos, diferindo em aspectos como: a inclusão da depreciação, o período de apuração dos custos e a inclusão de custos de capital relativos aos ativos existentes. Em relação a fixação da tarifa-teto, os regimes australianos também apresentam bastante diversidade. Geralmente aplica-se o Custo de Reposição Otimizado Depreciado (DORC) 17 ou alguma metodologia semelhante para a avaliação da base de ativos da firma. O retorno dos ativos e do capital é normalmente avaliado com base na metodologia de Custo Médio Ponderado de Capital

17 Nessa metodologia, os ativos são avaliados pelo custo de substituição, não necessariamente por ativos idênticos, mas sim em uma configuração ótima de ativos na tecnologia corrente que resulte nas mesmas funcionalidades. Trata-se de uma metodologia que aloca o risco tecnológico à firma privada, uma vez que eventuais reduções de custos resultantes de inovações podem reduzir a base de ativos a valores inferiores aqueles efetivamente investidos. Este risco parece ser menor no setor ferroviário, tendo em vista a maturidade da indústria e a característica dos principais elementos da rede – obras de arte especiais, via permanente e sinalização. 53

(CMPC). Para a determinação da tarifa a ser cobrada de um determinado operador, o ponto de partida é geralmente a alocação dos custos calculados pela metodologia de building blocks integralmente ao operador em questão, em uma abordagem do tipo Stand Alone Costs . Deste custo inicial são deduzidas a receita projetada ou a atualmente gerada pelos demais usuários do trecho em análise. A estrutura para cobrança é tipicamente baseada em tarifa em duas partes, embora o cálculo das partes fixa e variável seja diferente entre os diversos regimes, pois alguns calculam a parte fixa com base no número de trens movimentados, enquanto outros calculam pela extensão da malha a ser acessada ou mesmo como um valor arbitrário. A ARTC, por exemplo, opera com tarifas de referência em duas partes, com o componente fixo por trem, mais um elemento variável que depende da toneladas-quilômetro-útil produzidas. O elemento fixo também dependerá da distância da rota e da velocidade em que os trens trafegarão. Esta componente fixa é devida pela reserva do trecho, independente do seu uso pelo operador. A Queensland Rail (QR) 18 , por exemplo, adota o modelo de negociar-arbitrar conforme disposto no seu compromisso voluntário de acesso. O framework está baseado em uma receita-teto, que deve ser suficiente para igualar os custos de provisão da infraestrutura, incluídos os custos de capital ajustados aos riscos envolvidos no negócio. O compromisso da QR indica ainda quais fatores serão utilizados para determinar a discriminação de preços, incluindo: (i) estimativa de receitas a serem geradas; (ii) características técnicas do serviço, como carga por eixo, velocidade, comprimento dos trens, horários, destino/origem, entre outros; (iii) potencial de crescimento do negócio; (iv) consumo da capacidade da QR; (v) risco de crédito; e, (vi) valor de mercado do trecho que se pretende acessar. No entanto, a QR compromete-se a não discriminar serviços idênticos, isto é, entre dois terceiros que pretendam oferecer o mesmo tipo de serviço aos clientes finais. Se um cliente que possui contrato de acesso acredita que, após a celebração do seu acordo, a QR entrou em acordo com um outro cliente com características similares mas cujas tarifas contrariam o especificado no compromisso, o reclamante poderá requerer arbitragem para resolução da disputa e, caso reste comprovado que houve acordo que contraria as regras, o árbitro poderá determinar que o reclamante contrate nas mesmas condições ou, caso considere que as condições são inapropriadas, ou condições especificas que a critério do arbitro neutralizem a disparidade. A discriminação de preços está, sob determinadas condições, expressamente prevista nos diversos regimes de acesso, indicando que o modelo australiano de negociar-arbitrar busca resultar em preços de mercado do tipo Ramsey, auxiliando a recuperação de custos por parte das ferrovias. Os resultados das negociações entre operadores e ferrovias desverticalizadas têm, de fato, chances de

18 Queensland Rail’s Access Framework , Junho de 2018, apresenta os termos para compromisso voluntário da malha ferroviária detida pelo estado de Queensland. 54

aproximarem uma precificação do tipo Ramsey. As dificuldades são maiores, contudo, quando o modelo é aplicado para operações verticalizadas ou ferrovias privadas que operam em sistemas fechados, como as que servem às mineradoras do noroeste do país. Como vimos, nestes casos o operador integrado possui incentivos a favorecer suas próprias operações e praticar algum tipo de exclusão ou de price squeeze out . O Escritório de Transportes e Economia Regional destaca que essa dificuldade pode ser evitada, limitando-se a discriminação de preços para que seja aplicada apenas com base nos produtos transportados, proibindo a fixação de tarifas diferentes entre operadores que transportam os mesmos produtos, como disposto nos compromissos da ARTC e da QR. Deve-se atentar que, ainda assim, existiria o risco de que a ferrovia verticalizada praticasse maiores margens na tarifa de acesso para aqueles produtos em que seu operador tem baixa presença.

Avaliação dos Resultados

Em seu relatório Rail infrastructure pricing: principles and practice (2003), o Escritório de Transportes e Economia Regional da Austrália indica que o modelo de negociar-arbitrar gera significativa incerteza, em especial pela amplitude do intervalo entre a tarifa mínima e a tarifa-teto, dificultando uma sinalização mais adequada aos operadores 19 . Uma forma de mitigar esse problema, em sua visão, seria a publicação de tarifas de referência, como previsto do compromisso voluntário da ARTC. Observa-se, no entanto, que o tabelamento das tarifas pode levar a perda de flexibilidade, característica relevante para que as firmas possam responder adequadamente as oportunidades de mercado. Além disso, a capacidade de a ferrovia variar suas tarifas pode ser uma importante ferramenta para incentivar os operadores a contratarem a capacidade por períodos mais longos, reduzindo os riscos do negócio. De fato, uma das falhas apontadas pelo Escritório de Transportes e Economia Regional é de que os regimes de acesso não incluem previsão de descontos por volume e prazo, características que estão presentes na maioria dos contratos junto aos clientes finais. Na visão do Escritório de Transportes e Economia Regional, o modelo de negociar-arbitrar ainda precisaria ser testado mais extensivamente na Austrália. Aparentemente, destaca, os operadores preferem ter maior certeza sobre as tarifas, com maior aceitação de modelos com tarifas de referência e tabeladas do que aqueles em que precisam negociar em um amplo intervalo de preços mínimos e máximos. A opinião do órgão, contudo, é de que como a regulação discricionária é baseada em performance, isto é, na eficiência em custos, a utilização de tabelas tarifárias rígidas resultaria em mau uso do mecanismo de preços, pois limitar as negociações reduziria o componente informacional do processo e limitaria a recuperabilidade dos custos da ferrovia.

19 A título de exemplo, o relatório apresenta os preços mínimos e máximos no regime de acesso da South Australian. Enquanto o preço mínimo encontra-se cerca de 1/6 abaixo da tarifa de referência, a tarifa-teto é cerca de sete vezes a tarifa de referência. 55

Outra preocupação relatada pelo Escritório de Transportes e Economia Regional é o fato de que a tarifa em duas partes, geralmente utilizada nos regimes de acesso, pode conter um componente fixo que dificulte a entrada de novos operadores, principalmente se este componente fixo da tarifa for definido de maneira uniforme. De fato, como vimos no modelo de Gautier, a aplicação da tarifa em duas partes resulta em menor entrada de novos concorrentes. A ARTC, por exemplo, aplica uma tarifa fixa por trem, modelo que incentiva a formação de trens mais longos, trafegando com menos frequência, reduzindo a flexibilidade de horários, que pode ser um diferencial competitivo para o transporte de algumas cargas, como argumentam alguns operadores. Segundo o Escritório de Transportes e Economia Regional (2003), a parcela fixa cobrada pela ARTC representa entre 20 e 40% do total cobrado pelo acesso. Na visão da ACCC, a aplicação de uma tarifa uniforme por trem dificulta o acesso de operadores menores e, por esse motivo, a agência tem sugerido a adoção de preços Ramsey para a parcela fixa da tarifa, permitindo a discriminação também nos valores dessa parcela, como forma de encorajar a movimentação de volumes menores (ACCC 2001, pp. 108-109). Modelos alternativos para precificação e estrutura das tarifas também têm sido aventados. A ARTC, por exemplo, já manifestou interesse de alterar a precificação para um sistema de leilões de rotas. A ACCC alertou que tal sistema não garantiria resultados eficientes, pois poderia levar a geração de rendas de escassez em momentos de baixa capacidade, resultando em rendas de monopólio à ferrovia que poderá restringir propositalmente a capacidade (ACCC 2001b, p.117). Os operadores também são contrários ao modelo de leilões, pois argumentam que o grau de incerteza introduzido inviabilizaria o comprometimento das firmas com contratos de longo prazo, inibindo os investimentos no setor (ACCC 2001d, p.357-58). Em relação a viabilidade financeira das ferrovias, a ACCC manifestou preocupação sobre a capacidade de que as ferrovias recuperem seus custos totais no longo prazo. A comissão indica que em mercados nos quais há competição, as ferrovias podem ter a capacidade de fixar preços constrangida, inviabilizando a recuperação de custos e o reinvestimento no longo prazo. Deve-se notar que não se trata aqui de abandono da precificação do tipo Ramsey, mas sim de mercados muito elásticos nos quais o mark-up do custo marginal será baixo em função da competição. Em circunstâncias como estas, com tarifas em níveis mais próximos ao custo marginal, algum grau de discriminação de preços, mesmo entre usuários do mesmo tipo de serviço, pode ser uma prática desejável (ACCC 2001b, p. 103). Fagan (2008) analisou os resultados obtidos com o Regime Nacional de Acesso e relatou não haver evidências de que as firmas de infraestrutura australianas estivessem obtendo retornos adequados ao negócio, citando exemplos como o da ARTC, que cobraria tarifas de acesso muito próximas ao seu custo marginal de longo prazo, e de outro operador que, apesar de ter obtido retornos acima da média durante um período, alienou a infraestrutura em condições precárias para o governo. Relatório do Banco Mundial (2011) também nota que poucas malhas 56

ferroviárias têm sido capazes de recuperar os custos econômicos a partir das tarifas de acesso, uma vez que a maioria está baseada em preços de mercado, constrangidos muitas vezes pela competição com o modal rodoviário. Em seu relatório, Fagan estima que, dez anos após a introdução do Regime Nacional de Acesso, 15% do frete era movimentado por entrantes. Esses eram, na maioria dos casos, operadores logísticos que já se utilizavam dos serviços ferroviários e passaram a movimentar as cargas em trens próprios, como a SCT Logistics e a Toll. Os motivos apontados por Fagan para a baixa presença de entrantes incluem: (i) a limitação do livre acesso apenas ao uso da via permanente, sem incluir terminais e facilities de apoio, exigindo investimentos vultosos por parte dos entrantes; (ii) baixa interoperabilidade do material rodante; e (iii) o fato de que diversos operadores tinham aplicado solicitações para obter acesso por meio de decretação mas, até aquele momento, nenhum havia obtido o acesso. Como exemplo de dificuldades na concessão de acesso a redes verticalizadas privadas, podemos citar as disputas entre mineradoras da região de Pilbara. As ferrovias da região são detidas por joint ventures formadas por grandes exportadores de minério de ferro 20 , e associações de mineradores independentes tem buscado acesso por meio de decretação da malha ferroviária operada por estas joint ventures . Em 1998, a Robe River Iron Associates protocolou solicitação de decretação da rede da Hamersley Iron Pty Ltd (subsidiária integral da Rio Tinto Iron Ore). Este pedido foi inicialmente aceito pelo NCC 21 , mas Hamersley Iron apelou a Corte Federal, sob a alegação de que a ferrovia era utilizada como parte do processo produtivo da Rio Tinto, e sua disponibilidade a todo instante seria essencial para seu negócio. A Corte Superior acatou as alegações da Hamersley Iron afastando a aplicação do regime nacional de acesso, pois considerou que a ferrovia era parte do processo produtivo, uma vez que não transporta o produto final, que seria o blend de minério no porto. Em 2007, a The Pilbara Infrastructure Pty Ltd (subsidiária da Fortscue Metals Group ) protocolou novo pedido para decretação de acesso de três malhas detidas joint ventures de grandes mineradoras. A requerente pretende oferecer serviços de transporte utilizando suas próprias locomotivas e vagões e alega que o acesso às ferrovias promoveria aumento substancial em dois mercados dependentes: serviços de transportes ferroviários e mineração de ferro ou outros minérios na região. As pequenas mineradoras alegam que seus depósitos não podem ser desenvolvidos sem que consigam o acesso para escoar a produção, uma vez que não seria viável duplicar a infraestrutura. As ferrovias têm negado sistematicamente a concessão de acesso solicitada pelas mineradoras independentes e alegam que o volume de minério na região seria muito pequeno para promover aumento da

20 BHP Billiton Minerals Pty Ltd, Mitsui Iron Ore Corporation Pty Ltd, ITOCHU Minerals and Energy of Australia Pty Ltd e Rio Tinto Iron Ore. 21 http://ncc.gov.au/application/third_party_access_to_various_pilbara_railways 57

competição no mercado de mineração e que os projetos da região não seriam economicamente viáveis. Além disso, entendem que o transporte do minério por rodovia seria uma alternativa viável para projetos na região do entorno da ferrovia e que não haveria capacidade ociosa nos segmentos da ferrovia que chegam aos portos, exigindo investimentos vultosos para incrementar o volume transportado. O NCC não acatou os argumentos das ferrovias e recomendou novamente a decretação das malhas da região de Pilbara. O órgão entendeu que é possível separar os mercados de operação da infraestrutura e o serviço de transporte em si, atribuindo a situação de verticalização a questões históricas e escolhas comerciais nem sempre eficientes. Ainda, o órgão entende que o mercado de compra e venda de minas e prospecção de minério é claramente separado do mercado de transporte ferroviário e que estão sujeitos a uma dinâmica de competição local. O NCC concluiu também que o transporte de minério de ferro por rodovia não é uma alternativa ao transporte por ferrovia e que o mercado é, de fato, dependente e cativo (Application for declaration of a service provided by the Goldsworthy Railway Final Recommendation , National Competition Council, 2008). Além disso, o conselho não acatou os argumentos de que as restrições na capacidade dos acessos ao porto, alegando que para sua decisão seria suficiente verificar que há opções para superar os obstáculos a competição. Embora tenha reconhecido que havia restrições de curto prazo no acesso portuário, estavam ocorrendo desenvolvimentos de projetos públicos e privados para expansão da capacidade. Posteriormente à decisão do regulador, as ferrovias apelaram aos tribunais federais que reverteram parte das decretações, excluindo duas das três ferrovias do acesso mandatório, tendo concluído que não restou comprovado que uma ferrovia alternativa não seria viável. De fato, o histórico de litígio na região de Pilbara converge com o diagnóstico apontado por Fagan, que argumenta que o regime de livre acesso com a forma negociar-arbitrar tem contribuído com custos de transação significativos, tendo em vista o tempo despendido para solucionar controvérsias. Outro exemplo dos enormes custos e dificuldades para solução de impasses é a disputa entre a Co- operative Bulk Handling (CBH) e a atual ARC Infrastructure (anteriormente Brookfield Rail). A CBH é uma cooperativa agrícola do oeste australiano, região que concentra 50% da produção total de grãos exportados pela Austrália (CBH Review of the Western Australian Rail Access Regime Issues Paper, 2007). A ARC explora malha ferroviária com extensão de 5.500 quilômetros na região oeste, por meio de uma concessão com prazo até 2049. Em função de reestruturações societárias e desmembramentos, a ARC é, atualmente, desverticalizada, tendo como objetivo oferecer sua infraestrutura para operação por terceiros. Ademais, a ferrovia não assumiu compromisso voluntário de acesso no âmbito da Política Nacional de Competição, operando em regime de certificação, conforme regime próprio do estado da Austrália Ocidental. 58

Em 2010, a CBH decidiu realizar investimentos em operações ferroviárias, adquirindo material rodante a ser operado pela sua subsidiária, Watco WA Rail mediante acesso a rede da ARC. Deve-se notar que a CBH é um cliente cativo da ferrovia da ARC uma vez que a sua carga de grãos trafega em direção aos portos da região sudoeste da Austrália. Em 2013, a CBH buscou a celebração de um contrato de longo prazo para acesso à infraestrutura e em dezembro de 2013, após quatro meses de negociações, decidiu acionar a Economic Regulation Authority , responsável pela regulação do setor ferroviário no estado da Austrália Ocidental. A negociação e posterior arbitragem têm sido custosas e demoradas e, até setembro de 2018 22 , o processo ainda não havia sido encerrado. Ao longo do processo, as partes acionaram a Suprema Corte e negociaram diversos acordos interinos de curto prazo, causando inclusive a interrupção do transporte de grãos em momentos de impasse. No regime de acesso da Austrália Ocidental, o proponente deve cumprir diversas etapas antes de iniciar formalmente as negociações com a ferrovia. No caso das negociações entre CBH e ARC, apenas em março de 2015 as etapas iniciais foram cumpridas, permitindo o início formal das negociações. Deve-se notar que, até esse momento, a ferrovia não estava obrigada a negociar. Na visão da CBH, os procedimentos iniciais dependem do envio de informações por parte da ferrovia, que tem diversas oportunidades de atrasar os procedimentos, muitas vezes descumprindo os prazos determinados para envio de documentos. Essa procrastinação é agravada por inexistir no regime de acesso um procedimento transitório claro para que uma operação padrão seja oferecida enquanto o processo de negociação e arbitragem é concluído (Review of the Western Australian Rail Access Regime, CBH Group, 2017) . Com relação ao mecanismo de preços, a CBH entende que o intervalo entre o piso e o teto de preços é muito amplo e as duas premissas que geralmente levam a divergências nos modelos de determinação do preço são exatamente o CMPC utilizado para calcular a taxa de retorno permitida, e a metodologia para avaliar a base de ativos regulatórios 23 . Outra crítica é que a metodologia DORC permite que a ferrovia recupere custos como se a infraestrutura fosse de alta qualidade, quando muitas vezes se encontra sucateada. Nesse aspecto, retornamos às prescrições apresentadas no Capítulo 2, em relação aos objetivos da tarifa de acesso, ressaltando que a qualidade pode ser avaliada pelo regulador por meio de outros mecanismos que não a tarifa em si. Em contraste com o compromisso voluntário da ARTC (regulado pela ACCC), a negociação entre CBH e ARC não dispõe de tarifas indicativas pelo regulador, uma vez que a ARC não apresentou proposta

22 http://www.farmweekly.com.au/news/agriculture/agribusiness/general-news/rail-access-deal-on-arbitration-track/ 23 No caso das negociações entre a CBH e a ARC, o preço-teto anual para acesso a rede resultaria em AUS$ 526 milhões a mais que o preço-piso, para um volume transportado de 6 milhões de toneladas, ou AUS$ 87,66 a mais por tonelada (Review of the Western Australian Rail Access Regime, CBH Group, 2017). 59

de compromisso voluntário para acesso. Outra crítica apresentada pela CBH diz respeito ao fato de que a Brookfield Rail obteve controle das ferrovias por meio de uma concessão pública, não tendo sido responsável pela construção da infraestrutura. Ao fazer isso, a Brookfield Rail pagou um valor de outorga que foi estabelecido em um processo competitivo que, na opinião da CBH, teria um significado fundamental para o estabelecimento das tarifas, sendo muito inferior aos valores estimados pela metodologia DORC. Fagan (2008) conclui que, após 10 anos da implementação do livre acesso nas ferrovias australianas, os benefícios antecipados ainda não haviam sido materializados. Duas medidas de aumento da competição – novos entrantes e novos serviços – ocorreram em quantidades modestas. Esses resultados são consistentes com aqueles observados em outros países. Também a competitividade do modal ferroviário frente aos demais modais não parecia ter aumentado em função do regime de livre acesso, permanecendo a maior parte dos investimentos em infraestrutura sendo realizado pelo governo e não pelo setor privado. A compreensão das dificuldades enfrentadas no mercado australiano é relevante para a formulação de uma política de acesso efetiva no caso brasileiro. Nos casos em que o governo realiza os investimentos e opera a infraestrutura (ARTC, RIC e QR), o mecanismo de livre acesso tem obtido resultados mais satisfatórios, embora o regulador ressalte os riscos de não serem auferidas receitas em nível adequado a recuperação dos custos. Nos sistemas privados fechados ou trechos concedidos a parceiros privados, notam-se maiores dificuldades no enforcement do acesso e na negociação das respectivas tarifas. Algumas práticas que consideramos boas referências são o framework utilizado nos compromissos voluntários da ARTC, prevendo revisões periódicas em um modelo misto baseado em tarifa-teto e receita-teto e a divulgação de tabelas tarifárias de referência. Como alertas para a formulação das tarifas de acesso, destacamos (i) a excessiva a rigidez em relação a discriminação de preços, em especial quanto a possibilidade de descontos por volumes; (ii) os incentivos decorrentes do componente fixo da tarifa ser cobrado por trem, inibindo a formação de composições curtas com horários mais flexíveis; e (iii) o excesso de burocracia na resolução das disputas, resultante da complexidade do método negociar-arbitrar e da ausência de regras mais simplificadas para dirimir os conflitos.

3.2 ESTADOS UNIDOS As ferrovias são infraestruturas essenciais ao funcionamento da economia norte-americana e o mercado é caracterizado por ferrovias privadas e extensas e densas malhas nacionais, transportando uma ampla variedade de cargas. O maior volume transportado é de carvão, seguido por carga geral, produtos químicos e agrícolas. Como exemplo da sua relevância, a Associação Americana de Ferrovias (AAR) reportava ao final da década de 2000 que o Sistema ferroviário transportava 70% da 60

produção doméstica de automóveis, 70% do carvão transportado para usinas térmelétricas e 35% dos grãos cultivados no país (Description of The U.S. Freight Railroad Industry, STB, 2009). Após décadas de perda de participação de mercado para outros modais, principalmente para o transporte rodoviário, a participação das ferrovias na movimentação de cargas nos Estados Unidos voltou a crescer a partir da década de 1980, como pode ser visto na Tabela 4. Tabela 4 – Movimentação de Cargas nos Estados Unidos Modal 1980 1985 1990 1995 2000 2005 Total 3.404.015 3.313.968 3.621.943 4.104.235 4.328.642 4.537.921 Aéreo 4.849 6.719 10.420 12.720 15.810 15.731 Rodoviário 629.675 716.808 848.779 1.034.041 1.192.825 1.293.326 Ferrovia 932.000 876.209 1.064.408 1.317.010 1.546.319 1.733.777 Água 921.835 892.971 833.544 807.728 645.799 591.276 Dutos 915.835 821.210 864.792 932.737 927.889 903.811 Share Ferrovia 27% 26% 29% 32% 36% 38% Fonte: “A Study of Competition in the U.S. Freight Railroad Industry and Analysis of Proposals that might Enhance Competition ” (2009)

Apesar de o mercado norte-americano ser caracterizado pela diversificação das cargas transportadas, o volume está bastante concentrado no transporte de carvão. Note-se, contudo, que apesar de representar cerca de 44% do volume total movimentado, o transporte de carvão responde por apenas 21% das receitas geradas. Por outro lado, o transporte de produtos de alto valor agregado, como veículos automotores e carga geral, que somados correspondem a apenas 8% do volume transportado, geram cerca de 22% da receita. Tabela 5 – Frete Ferroviário por Mercadoria nos Estados Unidos (2007)

Toneladas Movimentadas Receita Bruta Produto (mil) (%) ($ milhões) (%) Carvão 849.630 44% 11.471 21% Químicos 177.612 9% 6.885 13% Agrícolas 152.242 8% 4.529 8% Minerais não metálicos 137.556 7% 1.527 3% Outros 124.531 6% 7.863 14% Alimentos 105.457 5% 4.041 7% Minerais Metálicos 59.162 3% 542 1% Produtos de Metal 57.046 3% 2.353 4% Petróleo e Coque 56.262 3% 1.797 3% Vidros, Argila e Rochas 48.115 2% 1.607 3% Descarte 48.034 2% 1.276 2% Madeira 36.152 2% 1.987 4% Celulose e Papel 35.269 2% 2.100 4% Equipamentos Motores 31.682 2% 4.016 7% Outros Produtos 20.989 1% 2.642 5% Total 1.939.739 100% 54.636 100% Fonte: “A Study of Competition in the U.S. Freight Railroad Industry and Analysis of Proposals that might Enhance Competition ” (2009)

O mercado ferroviário norte-americano é regulado atualmente pela Surface Transportation Board (STB), responsável por decidir sobre disputas envolvendo tarifas, a fusão de empresas e a venda ou 61

desativação de malhas ferroviárias. A STB sucedeu a antiga Comissão Interestadual de Comércio (ICC), dissolvida em 1996 após uma série de reformas regulatórias implementadas a partir da década de 1970. O mercado norte-americano de ferrovias apresenta características particulares que o diferem significativamente do mercado brasileiro, como a relativa competição intramodal, ou seja, entre diferentes ferrovias, e a diversificação das cargas transportadas, incluindo cargas industriais de alto valor agregado. Por outro lado, assim como no mercado brasileiro, as ferrovias norte-americanas são utilizadas para transporte de commodities por grandes distâncias, formando corredores em direção aos portos. Outras características relevantes do mercado norte-americano são a verticalização das firmas e o tratamento regulatório conferido ao direito de passagem. Em “ A Study of Competition in the U.S. Freight Railroad Industry and Analysis of Proposals that might Enhance Competition ” (2009), descata- se que, como a indústria de ferrovias não utiliza de recursos públicos para a infraestrutura, o grau de exigência de acesso é inferior ao de outras indústrias, como aquele aplicado ao transporte rodoviário. Embora algum grau de acesso seja exigido pela STB, não se trata de uma exigência tão extensiva quanto aquela encontrada, por exemplo, no mercado de telecomunicações. A agência possui normas específicas para requerimento de direito de passagem, incluindo as tarifas associadas. Exige-se que, antes de protocolar um pedido de prescrição regulatória, as partes busquem negociar livremente as condições e preços de acesso. A STB poderá determinar o acesso mandatório e a respectiva tarifa se necessário para remediar uma conduta anticompetitiva e se o reclamante for utilizar o trecho em questão para uma parcela significativa do seu volume transportado. Alguns fatores considerados pela STB para avaliar os impactos na competitividade incluem as receitas das ferrovias envolvidas, a eficiência da movimentação no trecho, as tarifas e compensações a serem pagas à ferrovia visitada e os mark-ups resultantes. Apesar da previsão regulatória, houve poucos casos de disputas por direito de passagem em ferrovias norte-americanas sob regulação da STB 24 . Contudo, o mercado norte-americano é proeminente em decisões regulatórias sobre adequação das tarifas praticadas pelas ferrovias em casos de disputas com seus clientes e, por esse motivo, analisar

24 Em Central Power & Light Co. v. Southern Pacific Transportation Co. , et al., a STB recusou o estabelecimento de uma tarifa para direito de passagem de um segmento considerado um gargalo logístico. A agência reiterou seu compromisso em contribuir para que as ferrovias obtenham receitas adequadas, incluindo a permissão para que a ferrovia diferencie preços desde que necessário para obtenção das receitas em nível adequado. A agência afirmou ainda que “por meio do Staggers Act , o congresso encerrou o sistema de livre acesso que requeria às ferrovias a manutenção de interconexão e direito de passagem em praticamente todas as combinações de vias”. Neste caso, a agência concluiu que o cliente não foi capaz de demonstrar que a ferrovia utilizou seu poder de mercado para extrair preços irrazoáveis (Surface Transportation Board , “ An Update to the Study of Competition in the U.S. Freight Railroad Industry ,” Volume 3, preparado por Laurits R. Christensen Associates , 2010, p. 20-21). 62

a abordagem utilizada pela STB pode trazer luz à discussão sobre a adequação das tarifas de acesso e bem como sobre as metodologias de precificação. A partir da década de 1970 a indústria ferroviária norte-americana tornou-se mais concentrada, resultado tanto de falências quanto de um intenso processo de consolidação. De acordo com o U.S. Government Accountability Office (GAO) , em 1976 existiam 63 empresas ferroviárias Classe 1 25 operando nos Estados Unidos. Segundo relatório “ A Study of Competition in the U.S. Freight Railroad Industry and Analysis of Proposals that might Enhance Competition ” (2009), em 2006 haviam 559 ferrovias nos Estados Unidos, predominando as sete companhias de Classe 1. Dentre as demais infraestruturas ferroviárias, haviam 33 ferrovias regionais, 323 linhas locais e 196 linhas de interconexão e de terminais. Atualmente, a indústria é dominada por quarto ferrovias nacionais, sendo duas no leste (CSX e Norfolk Southern) e duas no oeste do país (BNSF and Union Pacific). Na visão dos reguladores, o processo de consolidação é resultado da otimização da infraestrutura e necessário para o equilíbrio financeiro das firmas, embora tenha suscitado preocupações quanto à efetiva competição e nível de qualidade dos serviços prestados 26 . O atual arcabouço regulatório norte-americano para o mercado ferroviário foi estabelecido a partir do final da década de 1970. Naquele momento, embora a base de ativos estivesse consolidada, a indústria ferroviária enfrentava significativas dificuldades financeiras, tendo a sua participação no mercado de transporte de cargas reduzido de 75% no final da década de 1920 para 27% no final da década de 1970 27 . O diagnóstico apontava para uma dificuldade de as firmas competirem adequadamente com os demais modais, derivada da estrita regulação aplicada ao setor pela ICC, que incluía a fixação de tarifas, a proibição de abandono de trechos e a aprovação de novos investimentos. Na esteira da falência de nove firmas ferroviárias da região nordeste dos Estados Unidos, o congresso aprovou uma série de leis para reformar a regulação aplicável às ferrovias norte-americanas. Inicialmente, para lidar com a crise das firmas do nordeste, estabeleceu-se uma estatal denominada United States Railway Association (USRA), responsável por formular um plano para o setor na região,

25 U.S. Government Accountability Office, “ Freight Railroads: Industry Health has Improved, but Concerns about Competition and Capacity Should be Addressed ,” GAO-07-94 (Washington, DC, 2006). De acordo com a AAR, as ferrovias Classe 1 são aquelas cujas receitas somaram ao menos US$ 346,8 milhões (“ Overview of America’s Freight Railroads ,” Association of American Railroads, 2008, p. 1.). 26 Em estudo contratado pela STB, Laurits R. Christensen Associates (2009) analisam os índices de Lerner praticados em diferentes rotas ferroviárias nos Estados Unidos. Nesse estudo, os consultores concluem que as tarifas tendem a ser menores quando há competição com outras ferrovias ou quando o embarque ocorre perto de alternativas de transporte aquaviário. 27 Braeutigam, Ronald R, Consequences of Regulatory Reform in the American Railroad Industry , 59 So. Econ. J. 470 (1993). 63

e consolidou-se as firmas em dificuldade em outra empresa estatal Consolidated Rail Corporation (Conrail) 28 . Em 1976 o congresso norte-americano aprovou o Railroad Revitalization and Regulatory reform Act , que modificou uma série de regras aplicadas pela ICC, incluindo a flexibilização na fixação de tarifas, permitindo que fossem definidas dentro de uma faixa aprovada pelo regulador. A partir dessa reforma, foi permitida a aplicação de tarifas que excedessem os custos desde que aplicadas ao tráfego não cativo. Em 1980 foi aprovado o Staggers Act , considerado o marco na desregulamentação do setor ferroviário nos Estados Unidos. O principal objetivo desta reforma era restaurar a eficiência econômica da indústria, conferindo condições para que as firmas ferroviárias competissem entre si e com os modais alternativos com base em preços e qualidade dos serviços, estabelecendo ainda a adequação das receitas como prioridade regulatória (STB, 2016). A reforma regulatória incluiu novas atribuições à ICC, dentre as quais destacamos as seguintes: “manter tarifas “razoáveis” onde inexistir competição efetiva e onde as tarifas resultem em receitas que excedam o montante necessário para manter o sistema ferroviário e a atração de capital” “proibir a prática predatória de preços, para evitar a concentração de poder de mercado e a discriminação ilegal” “oferecer tratamento e resolução expedita de todos os procedimentos obrigatórios ou permitidos que venham a ser apresentados a esta parte” Nota-se, portanto, que o regulador tem a vigilância acerca da razoabilidade das tarifas em seu mandato, embora esta atividade esteja restrita aos casos em que inexista competição efetiva e as receitas sejam suficientes para cobrir os custos. Os procedimentos padrão para determinação da razoabilidade das tarifas não foram detalhadas na legislação, ficando sua regulamentação a cargo da ICC, que publicou uma série de regras aplicáveis a determinação das tarifas, baseadas nos princípios de Preços de Mercado Restritos 29 (CMP). Como descrito pela ICC, pelo princípio de CMP, um cliente cativo não deve contribuir mais do que o necessário para que a ferrovia possa obter receitas adequadas à sua manutenção, incluindo as margens de lucro normais, tampouco deverá pagar mais do que o necessário para a prestação de um serviço eficiente. O cliente cativo também não deve suportar custos de infraestruturas das quais não obtém quaisquer benefícios 30 .

28 A Conrail foi posteriormente privatizada em 1987. 29 Constrained Market Prices (CMP). 30 An Examination of the STB’s Approach to Freight Rail Rate Regulation and Options for Simplification, The Surface Transportation Board, 2016, p.34. 64

O CMP não conflita com a precificação Ramsey, uma vez que os preços são determinados de acordo com a demanda e, globalmente, devem cobrir os custos de uma ferrovia eficiente. Dessa forma, a ICC reconheceu que existe um montante de custos não atribuíveis a clientes em particular, mas cuja distribuição será determinada de acordo com forças de mercado. O resultado do processo deve ser uma estrutura de tarifas que reflita os custos marginais de longo prazo, a elasticidade da demanda e a discriminação de preços de forma semelhante àquela prevista na precificação Ramsey (Coal Rate Guidelines , 1 I.C.C.2d pag. 534). Para implementação dos princípios CMP, o regulador observa três restrições aplicáveis ao mercado ferroviário. A primeira, em prioridade, seria a restrição da adequação das receitas obtidas pela firma. Assim, ao afirmar que os clientes cativos não devem pagar de forma contínua tarifas mais elevadas do que os demais quando esse diferencial não for mais necessário para garantir a sustentabilidade financeira da ferrovia, o regulador também está afirmando que, caso a ferrovia não esteja obtendo receitas adequadas para cobrir seus custos, haverá uma restrição para julgar a irrazoabilidade de determinada tarifa. A segunda restrição trata da eficiência da ferrovia, indicando que clientes não devem suportar custos resultantes da má administração da infraestrutura. A terceira restrição é o Custo Isolado ( Stand Alone Cost ou SAC), que visa proteger os clientes cativos do abuso do poder de mercado, de ineficiências da infraestrutura ou do subsídio cruzado entre trechos e clientes. Assim, como pré-requisito para que a agência inicie uma revisão sobre a razoabilidade das tarifas, deve-se identificar se existe a ferrovia tem poder de mercado. A legislação estabelece uma medida mínima para testar e provar a inexistência de poder de mercado 31 . Presume-se, de acordo com o Staggers Act , que a ferrovia não terá poder de mercado se a relação entre a receita e os custos variáveis de determinado serviço não excederem 180%. Assim, a apelação em relação às tarifas só poderá ocorrer se as receitas geradas pelo cliente reclamante forem superiores a 180% do custo variável do serviço contratado. Ainda que a relação das receitas e custos variáveis exceda 180%, uma avaliação qualitativa é realizada pela STB, com considerações sobre as alternativas de transporte disponíveis para o reclamante.

31 Por definição, a fixação de preços acima do custo marginal é o exercício do poder de mercado, embora o exercício não signifique abuso. Na avaliação apresentada por Laurits R. Christensen Associates (2009) para a STB sobre custos e receitas, os autores concluíram que: “houve períodos tanto de aumento quanto de redução do exercício de poder de mercado entre 1987 e 2006. Os maiores aumentos ocorreram nos períodos em que o custo marginal estava se reduzindo; entre 1987 e 2006, não parece que houve excesso de receitas decorrentes do exercício de poder de mercado, uma vez que a indústria como um todo buscava atingir receitas suficientes para cobertura dos custos. No período recente da análise, as receitas passaram a exceder significativamente os custos; e, economias de densidade e custos fixos são os fatores primordiais a influenciar o mark-up sobre o custo marginal.” 65

Caso demonstre que uma tarifa não é razoável, o reclamante poderá receber indenizações baseadas nos valores pagos a maior desde os dois anos anteriores ao protocolo da contestação e a STB poderá prescrever um valor para a tarifa a ser praticada nas movimentações futuras. Ao longo do tempo, a STB tem revisado os procedimentos para contestação de tarifas ferroviárias, incluindo a previsão de ritos simplificados que visam reduzir os custos de litígios e permitir que clientes de menor porte possam recorrer ao regulador. Atualmente, são três os procedimentos previstos para a resolução de disputas sobre tarifas ferroviárias. O procedimento mais utilizado é o teste SAC completo. Como apresentado na seção 2.2.4, o teste SAC está baseado na teoria de mercados contestáveis de Baumol e consiste na elaboração de um estudo detalhado sobre a implantação de uma ferrovia hipotética para servir ao tráfego objeto da disputa. Trata-se de um procedimento considerado complexo e custoso, tendo em vista os recursos necessários para elaboração detalhada de um projeto de ferrovia. O primeiro passo na construção de um teste SAC é a definição do grupo de tráfego a ser transportado, sendo esse passo inicial objeto de frequente contestação entre as partes. Isso porque a metodologia da STB permite que a reclamante inclua a movimentação de cargas adicionais a sua própria, de forma que a ferrovia hipotética venha a valer-se das economias de densidade e escopo existentes na indústria ferroviária 32 . Uma vez que o tráfego é validado, o reclamante precisa estimar os investimentos para construção da infraestrutura, baseado no traçado da ferrovia e nos estudos de engenharia. Em seguida, é necessário estabelecer um plano operacional 33 para movimentação do grupo de tráfego escolhido e estimar as respectivas despesas operacionais. Uma vez que os investimentos e custos operacionais estão estimados, o reclamante deve estimar as receitas requeridas para operação da ferrovia hipotética usando um modelo de fluxo de caixa descontado. O teste SAC consistirá da comparação entre a receita exigida para cobertura dos custos da ferrovia hipotética e a receita que seria gerada pelo grupo de tráfego escolhido usando a tarifa praticada pela ferrovia incumbente. Se o valor presente da receita gerada pelo tráfego for maior do que a receita necessária para viabilizar a ferrovia hipotética, a tarifa será julgada irrazoável. A partir do julgamento sobre a razoabilidade, a STB fixa a tarifa no maior valor dentre a tarifa do teste SAC e o limite de 180% dos custos variáveis 34 . A principal crítica ao teste SAC completo recai sobre a sua complexidade e os custos de elaboração dos casos, embora o método seja reconhecido como um mecanismo preciso para julgamento da

32 An Examination of the STB’s Approach to Freight Rail Rate Regulation and Options for Simplification , The Surface Transportation Board, 2016, p.50-51. 33 O plano operacional é uma simulação com requisitos técnicos para operação da ferrovia hipotética. O nível de serviço resultante do plano operacional deve ser igual ou melhor que o nível de serviço prestado pela ferrovia incumbente. (An Examination of the STB’s Approach to Freight Rail Rate Regulation and Options for Simplification , The Surface Transportation Board, 2016, p.57). 34 An Examination of the STB’s Approach to Freight Rail Rate Regulation and Options for Simplification , The Surface Transportation Board, 2016, p.59. 66

razoabilidade das tarifas. O teste tem sido o principal procedimento escolhido pelas empresas reclamantes. Dos 50 casos de tarifas contestadas desde 1996, 35 foram protocolados na metodologia SAC 35 . Nota-se, contudo, que as firmas envolvidas são de grande porte, sendo 34 casos envolvendo a movimentação de carvão e produtos químicos. Em 7 casos a STB julgou que as tarifas não eram razoáveis, prescrevendo reduções tarifárias e compensações aos clientes. Como o procedimento para o teste SAC completo pode se mostrar inviável para a parcela de clientes das ferrovias formada por firmas de menor porte, a regulação prevê procedimentos simplificados para avaliação das tarifas. O teste SAC simplificado consiste em aplicar a mesma metodologia de avaliação do SAC completo, exceto pelo requisito de redesenho da malha ferroviária, isto é, a infraestrutura hipotética deve replicar aquela já existente e que serve atualmente ao tráfego em questão. As demais etapas são conduzidas como no teste completo. Embora esteja previsto desde 2007, o teste simplificado foi aplicado apenas em dois casos que foram descontinuados em virtude de acordo celebrado entre as partes. O procedimento mais simples disponível para contestação das tarifas é aquele denominado teste de 3-Benchmarks . Neste teste, são avaliadas três medidas relacionadas às restrições aplicáveis ao mercado ferroviário pela STB, representando de forma simplificada os princípios do CMP em uma avaliação da dispersão tarifária dentro do universo de clientes considerados cativos. Em primeiro lugar o regulador avalia a alocação do excesso ou déficit de receitas, encontrando uma medida uniforme do mark-up sobre os custos variáveis que seria necessário praticar sobre os clientes potencialmente cativos (aqueles cujo mark-up já excede 180%) de forma a cobrir os custos fixos da ferrovia. Esse benchmark tem relação com a prioridade conferida a adequação das receitas e decorre do reconhecimento de que clientes cativos são menos sensíveis a variação de preços e, portanto, são capazes de contribuir mais com a cobertura dos custos fixos e comuns da ferrovia 36 . Outro indicador utilizado mede o mark-up médio praticado dos clientes potencialmente cativos, levando em consideração todo o tráfego com mark-up acima de 180%. É utilizado para verificar se o reclamante paga um valor desproporcional aos demais clientes potencialmente cativos. Finalmente, o último benchmark utilizado avalia o mark-up de um grupo comparável de clientes cativos, isto é, uma média dos mark-ups praticados para cargas e trechos compatíveis com o perfil da movimentação do reclamante. Esse indicador visa aproximar um teste para precificação Ramsey, pois cargas com elasticidade preço semelhante, deveriam enfrentar mark-ups semelhantes. As partes litigantes devem apresentar a STB sugestões para o grupo de cargas comparável e a agência decide qual grupo representa mais adequadamente o serviço do reclamante.

35 Surface Transportation Board, 2017 Annual Report . 36 É importante lembrar que a rigidez nos preços praticados a clientes mais sensíveis, isto é, com maior elasticidade preço, leva a perda de tráfego para modais concorrentes, exigindo maiores contribuições dos clientes cativos. 67

O teste inicia verificando se a ferrovia está obtendo receitas adequadas a partir de seu tráfego cativo, comparando os dois primeiros indicadores, ou seja, o mark-up que deveria ser cobrado do tráfego cativo para obter receitas adequadas e o mark-up médio praticado para o tráfego potencialmente cativo. A segunda parte do teste consiste em verificar a razoabilidade da tarifa praticada ao cliente que está contestando, construindo um intervalo de confiança baseado nos mark-ups para o grupo de comparação, ajustado para eventuais necessidades de adequação de receitas. Se a tarifa praticada estiver fora do intervalo construído pela metodologia, a tarifa é julgada não razoável e a STB prescreverá uma tarifa dentro do intervalo. Embora esta abordagem simplificada não esteja diretamente baseada nas equações de preços de Ramsey, o que exigiria que o regulador conhecesse as superelasticidades dos clientes da ferrovia, a metodologia guarda uma relação com dois elementos centrais do CMP: a ferrovia deve obter receitas não maiores que as adequadas a partir de seus clientes cativos, e uma eficiência econômica maior é atingida se a firma puder praticar discriminação de preços 37 . Um dos riscos com a metodologia de benchmark s é a formação de grupos comparáveis imprecisos que resultem em um equilíbrio de baixas tarifas, uma vez que a cada adequação decidida pelo regulador o grupo comparável tende a exercer pressão para que se reduzam as tarifas dos demais clientes cativos. Além disso, os dados de custos utilizados para cálculo dos benchmarks podem ser imprecisos, em particular porque o regulador geralmente não tem acesso a informação completa sobre custos 38 . Como o procedimento é simplificado, a maior parte das discussões ocorre em torno da definição do grupo de movimentos de cargas comparáveis e os a base de custos aplicável. A metodologia de benchmarks foi aplicada em cinco contestações desde 2009, todas protocoladas por clientes da indústria química. Em quatro processos as partes chegaram a um acordo antes da decisão final e em um a STB concluiu que a tarifa estava acima do nível razoável, prescrevendo uma tarifa mais baixa39 . Como pode ser visto, a experiência norte-americana traz exemplos de casos em que o regulador decidiu sobre a adequação das tarifas com base em metodologia e princípios regulatórios pré- definidos. Ainda que as características particulares do mercado norte-americano recomendem que os exemplos sejam analisados com a devida cautela, algumas lições relevantes podem ser anotadas. Em primeiro lugar, a primazia pela adequação das receitas parece ter reestabelecido a capacidade de o modal ferroviário competir efetivamente com as alternativas de transporte sem comprometer as firmas sob a ótica financeira, com destaque para o aumento da participação relativa da ferrovia nas cargas transportadas. Em segundo lugar, a convivência de procedimentos de maior complexidade e

37 An Examination of the STB’s Approach to Freight Rail Rate Regulation and Options for Simplification , The Surface Transportation Board, 2016, p.71. 38 Id., p.72-73. 39 U.S. Magnesium v. Union Paficif ( janeiro de 2010 ). 68

simplificados para resolução de controvérsias nos parece mecanismo razoável para garantir processos mais expeditos e justos para com os usuários do sistema, viabilizando a apreciação tanto de casos emblemáticos quanto de casos relativos a firmas de menor porte. Com a desregulamentação, a supervisão das tarifas está restrita a parcela cativa dos clientes que, de acordo com o exposto em Fritelli (2007) 40 , são minoria dentre os usuários da ferrovia, respondendo por algo entre 15 e 20% do total movimentado. Mais recentemente, a partir de 2013, a Comissão de Comércio, Ciência e Transportes do Senado norte-americano emitiu relatório concluindo que as ferrovias têm atingido níveis recordes de eficiência operacional, forte crescimento do resultado operacional e do lucro aos acionistas. Nesse contexto, o relatório concluiu ser conveniente reavaliar o arcabouço regulatório aplicado a indústria ferroviária. A comissão ressaltou que o atual sistema regulatório foi elaborado com forte ênfase em auxiliar as ferrovias a obterem maiores receitas em um momento em que enfrentavam sérias dificuldades financeiras. Desde então, o mercado norte-americano experimentou uma grande consolidação, acompanhada de abandono de trechos antieconômicos, combinação que levou a uma configuração eficiente do sistema. Com os lucros e retornos adequados, a comissão recomenda que seja avaliado se a atual regulação equilibra os interesses das ferrovias, donos de carga e consumidores 41 . A evolução do setor sugere que a desregulamentação do mercado e o foco na adequação das receitas teve efeitos positivos na recuperação de fatias do mercado pelas firmas ferroviárias. Em um contexto de necessidade de expansão da malha, como o caso do Brasil, a recuperação de custos e adequação de receitas também seriam fatores fundamentais para incentivar a realização de investimentos por parte das firmas privadas. Outro destaque do modelo norte-americano são os procedimentos para resolução das disputas. Ainda que os processos nos EUA sejam custosos e demorados, sua eficácia parece maior do que no modelo australiano, e a objetividade dos procedimentos parece ser um fator fundamental.

3.3 REINO UNIDO Os princípios fundamentais da regulação adotada no Reino Unido durante a década de 1990 não focaram apenas na privatização da companhia estatal British Rail, mas também em introduzir competição nos principais mercados da cadeia produtiva, como operações, engenharia e

40 U.S. Library of Congress, Congressional Research Service, “Railroad Access and Competition Issues,” by John Fritelli, RL34117, (2007): 1, http://www.publicpower.org/files/PDFs/CRSReportoRailCompetitio80307.pdf 41 An Examination of the STB’s Approach to Freight Rail Rate Regulation and Options for Simplification , The Surface Transportation Board, 2016, p.23. 69

infraestrutura 42 . Glaister (2006) destaca que apesar de extremamente complexa e implementada às pressas, a reforma funcionou razoavelmente bem por um período de tempo. O objetivo do governo era reduzir as demandas por recursos públicos sem impactar o nível de serviço prestado pelas ferrovias. A opção regulatória originalmente idealizada pelo governo seria a desverticalização do mercado, com a imediata privatização das operações ferroviárias e com a infraestrutura administrada por uma companhia estatal (Railtrack) a ser privatizada apenas no médio prazo. No entanto, a opção original foi alterada e o governo optou por privatizar também a administradora da infraestrutura. A Railtrack teria como fonte de recursos unicamente as tarifas de acesso a serem recolhidas pelos operadores de transporte de passageiros (concessões outorgadas pelo governo) e pelos operadores de transporte de cargas (mercado desregulamentado e formado por firmas privadas). Segundo Glaister, coube ao regulador (Office Rail and Road – ORR) quatro funções principais: (i) a concessão e monitoramento das licenças para operar os ativos ferroviários; (ii) a aprovação dos contratos de acesso entre a Railtrack e os operadores; (iii) a aplicação da lei de competição nacional; e (iv) a aprovação de abandono de trechos ferroviários. Ao contrário do minucioso arranjo elaborado para o transporte de passageiros 43 , com relação ao mercado de frete, o desenho pretendido foi o de operação por companhias privadas com livre acesso à rede da Railtrack. Segundo Glaister, inicialmente as tarifas de acesso foram definidas de forma a cobrir estimativas modestas do custo variável apenas, com intuito de maximizar a chance de entrada de novas firmas competidoras no mercado de frete. Na visão do autor, esta estratégia continha duas falhas. Em primeiro lugar, com tarifas em nível baixo o volume de frete de cargas pesadas aumentou e ficou aparente que os custos de depreciação das vias eram significativamente maiores do que o estimado inicialmente, resultando em vultosas despesas que foram cobertas com recursos públicos. Em segundo lugar, conforme as vias tornaram-se congestionadas, foi necessário estabelecer um racionamento no uso das malhas para transporte de cargas, uma vez que o preço próximo ao custo marginal não estimulava o uso eficiente da via, levando ao excesso de demanda. Na sequência de decisões comerciais consideradas equivocadas por parte da administração da Railtrack, como a ampliação de capacidade da Linha Principal da Costa Oeste que resultou em

42 O mercado de transporte de passageiros foi formado por 25 concessões que não competiriam entre si no mercado, mas que competiram pelo direito de explorar parcela do mercado de transporte de passageiros. Como forma de reduzir as barreiras à entrada no mercado de transporte de passageiros, o governo criou três companhias destinadas a adquirir, alugar e investir em material rodante para transporte de passageiros (Competition in the Railway Industry, Gómez-Ibáñez, J. and de Rus, Ginés, 2006, p.72). 43 Glaister (2006) atribui tal decisão à recomendação dos mercados financeiros face as dificuldades de privatização dos operadores e ao desejo do partido conservador de concluir a reestruturação do setor ferroviário antes das eleições gerais de 1997. 70

enormes sobrecustos, de reiterados incidentes e três graves acidentes 44 , e da acusação de que a Railtrack não estava investindo o suficiente na manutenção da via, a administração da Railtrack concluiu que o sistema poderia apresentar riscos, e passou a impor severas restrições no uso da linha, causando massivos cancelamentos de viagens e de transporte de cargas. A empresa, diante da desconfiança, iniciou um vultoso programa de emergência para reparo das vias. O programa sofreu inúmeros atrasos, o que levou a queda brusca de passageiros, causando perdas financeiras enormes para a companhia. O tesouro passou a conceder subsídios para tentar recuperar a companhia e, em outubro de 2001, a companhia foi colocada em uma forma especial de falência prevista na legislação específica para ferrovias. A companhia foi rebatizada como , e passou a operar como uma empresa sem fins lucrativos e sem acionistas. Os novos investimentos na malha ferroviária passaram a ser realizados por meio de sociedades de propósito específico (SPE), de forma a beneficiar a Network Rail da expertise e da capacidade de mobilizar recursos da iniciativa privada. Na opinião de Glaister, o arranjo atual resulta em significativa confusão sobre a governança da Network Rail, que permanece como provedora nacional de infraestrutura, com diversas firmas competindo no mercado de transportes de passageiros e de cargas 45 . A Network Rail tem seus custos cobertos parcialmente pelas tarifas de acesso e parcialmente por subsídios governamentais. De acordo com relatório da ORR, no biênio 2013-2014, a Network Rail incorreu em custos totais de £6,2 bilhões, dos quais £3,7 bilhões foram provenientes do governo e £2,4 bilhões foram obtidos por meio de tarifas de acesso 46 . Semelhante ao modelo australiano, os operadores que desejam acessar a rede da Network Rail para transporte de cargas devem formalizar junto a ORR a celebração de um contrato de acesso, que cobre as principais condições, como nível de serviço, responsabilização, operação e manutenção de trens, cobrança de tarifas e outros custos. A ORR estabelece uma determinação de receita requerida para a Network Rail, cuja metodologia consiste em determinar para um horizonte de cinco anos: • receita requerida, baseada em custos; • o montante a ser contribuído pelo governo; e, • o resíduo que deverá ser gerado pelas tarifas de acesso. Em relação às tarifas de acesso praticadas para operadores de carga, a Network Rail tem certa liberdade para fixação dos preços, dentro de uma base previamente aprovada pela ORR. Os principais aspectos da regulação para tarifa de acesso a fretes são: (i) a tarifa de acesso para

44 Em 1997, em Southall, sete pessoas morreram. Em 1999, em Ladbroke Grove, 31 pessoas morreram. Os dois acidentes foram causados por falha dos trens em parar conforme sinalização. Em 2000, em Hatfield, um trem em alta velocidade descarrilhou devido a problemas na via, 4 pessoas morreram. 45 Great Western, Virgin Trains, London Midland, First ScotRail, etc. 46 O valor restante foi proveniente de rendas de aluguel, operações de varejo em estações, frete e outros clientes (“An Examination of the STB’s Approach to Freight Rail Rate Regulation and Options for Simplification”, The Surface Transportation Board, 2016, p.79). 71

transporte de frete deve cobrir os custos variáveis da operação de frete em questão; (ii) alguma contribuição acima dos custos variáveis é desejável; e (iii) a contribuição deve ser baseada na demanda com diferenciação de preços. Um princípio a ser seguido é de que a tarifa para determinado operador deve ser tal que ele não transfira o tráfego para fora do sistema ferroviário; e (iv) não é esperado que as receitas obtidas com tarifas de acesso cubram os custos totais da Network Rail 47 . O relatório “ An Examination of the STB’s Approach to Freight Rail Rate Regulation and Options for Simplification ” (Surface Transportation Board, 2016) destaca que os princípios adotados no Reino Unido são semelhantes aqueles utilizados no mercado norte-americano e australiano: requerimento de receitas baseado em custos e custos estimados com uma visão prospectiva. Nota-se, contudo, que a utilização de fundos públicos para cobertura da maior parcela dos custos da rede resulta em incentivos diferentes para a administração da Network Rail quando comparados aqueles com que se deparam os administradores das firmas norte-americanas. Adicionalmente, a ORR e Network Rail estabelecem um mecanismo de tarifa em duas partes para cobrança da tarifa de acesso: os operadores recolhem uma parcela fixa para cada trem movimentado na malha e uma parcela variável que depende do peso e distância percorrida (TKU). As tarifas variáveis dependem do tipo de produto transportado. Trata-se de um mecanismo baseado em discriminação de preços, de forma a aproximar uma precificação Ramsey. Não há regulação das tarifas cobradas pelos operadores aos clientes finais, apenas em relação às tarifas de acesso. As dificuldades em avaliar os resultados dos mecanismos adotados no Reino Unido decorrem dos enormes subsídios concedidos à Network Rail, o que resulta em tarifas muito inferiores aquelas calculadas, por exemplo, em um teste de Stand Alone Costs . Considerando que há uma diversidade de firmas atuando no mercado de transporte de cargas, mesmo uma avaliação do mecanismo de tarifa em duas partes, que como vimos tenderia a limitar a entrada de novos competidores, resta prejudicada frente às baixas tarifas para acesso à rede da Network Rail. A análise do modelo adotado no Reino Unido e sua evolução traz importantes lições em uma eventual tentativa de implementação da desverticalização. A contínua dependência dos subsídios governamentais é uma característica marcante no período pós reforma, indicando que a recuperação dos custos a partir das tarifas de transporte é uma questão central ao discutir-se propostas nesse sentido.

47 “An Examination of the STB’s Approach to Freight Rail Rate Regulation and Options for Simplification”, The Surface Transportation Board, 2016, p.80. 72

4. APLICAÇÕES AO MERCADO BRASILEIRO

O sistema ferroviário brasileiro conta com 30,6 mil quilômetros de extensão 48 , sendo a nona rede mais extensa do mundo 49 e a sexta maior em produção, com 375 bilhões de TKU 50,51 em 2017. Apesar de figurar entre as maiores redes em termos absolutos, quando se observa a densidade da rede brasileira (medida pela razão entre extensão e superfície – km rede/km 2) e a produtividade da rede (medida pelo volume transportado por km), nota-se que o Brasil se encontra em situação bastante inferior aos países de dimensões comparáveis, com baixa inserção do transporte ferroviário na matriz de transportes brasileiras, em cerca de 14,9% (EPL, 2016). A partir de 1996, a operação do setor ferroviário brasileiro deixou de ser realizada pela Rede Ferroviária Federal S.A. (RFFSA), até então detentora da infraestrutura e operadora monolítica de serviços de transporte. A exploração do serviço de transporte ferroviário foi outorgada ao setor privado, em um modelo de concessão de serviço público por período determinado com arrendamento dos bens da União pelo período da concessão. As firmas operam no setor por sua conta e risco, conforme determinado na Lei das Concessões (Lei n o 8.987, de 13/02/1995). Do ponto de vista da estrutura de mercado, o modelo adotado consistiu na divisão da malha da RFFSA em seis malhas regionais 52 que foram concedidas, em um processo licitatório, a firmas verticalmente integradas. A escolha teve fundamento em um estudo realizado pela consultoria Ernst & Young , que indicava que a maior parte do transporte de cargas apresentava fluxos intrarregionais (FERREIRA e AZZONI, 2011). Outras opções estruturais também foram consideradas à época pelo BNDES, gestor do Plano Nacional de Desestatização, inclusive a desverticalização do setor, mantendo-se a rede física sob propriedade do Estado, com ou sem livre entrada ao mercado de prestação de serviços de transporte ferroviário de cargas (ESTACHE et al., 2001). Contudo, optou-se por manter a estrutura de mercado composta de firmas verticalmente integradas. Concessões realizadas após a extinção da RFFSA também seguiram o modelo de verticalização, como no caso da Ferrovia Norte Sul (FNS) e da Ferrovia Transnordestina.

48 Fonte: Anuário Estatístico de Transportes 2010-2016 (Empresa de Planejamento e Logística S.A.) 49 As oito maiores redes ferroviárias mundiais são: Estados Unidos, com 194.136 km; Rússia, com 85.266 km; China, com 66.989 km; Índia, com 65.808 km; Canadá, com 52.131 km; Alemanha, com 33.426 km; Austrália, com 33.343 km; e França, com 30.013 km (UIC, 2014, apud BNDES Setorial 46, p.83). 50 TKU = tonelada.quilômetro útil, unidade que representa a produção ferroviária. 51 Fonte: Anuário Estatístico ANTT 2018, disponível em http://www.antt.gov.br/ferrovias/arquivos/Anuario_Estatistico.html . 52 Posteriormente foi incluída a malha paulista, anteriormente Ferrovias Paulistas S.A. – FEPASA detida pelo Estado de São Paulo. 73

Tabela 6 – Principais Concessões Ferroviárias no Brasil

GRUPO CONCESSIONÁRIA VIGÊNCIA EXTENSÃO ECONÔMICO Estrada de Ferro Paraná Oeste S.A. Estado do Paraná 2079 248 km Estrada de Ferro Carajás (EFC) VALE 2027 892 km Estrada de Ferro Vitória a Minas (EFVM) VALE 2027 905 km Ferrovia Centro Atlântica (FCA) VLI 2026 7.215 km Ferrovia Norte Sul (FNS) VLI 2037 720 km MRS Logística MRS 2026 1.674 km Rumo Malha Paulista RUMO 2029 1.989 km Rumo Malha Sul RUMO 2027 7.304 km Rumo Malha Norte RUMO 2079 617 km Rumo Malha Oeste RUMO 2026 1.973 km Ferrovia Transnordestina (FTL) CSN 2027 1.191 km Fonte: Ministério dos Transportes e ANTT

Seguiram-se à concessão, períodos de forte investimento das firmas em melhorias operacionais e aumento da capacidade de transporte da rede existente. Com base nos dados do Anuário Estatístico de Transportes 2010-2016, compilado pela EPL, apenas entre 2010 e 2016 foram investidos R$ 49,5 bilhões no setor ferroviário, sendo R$ 36,5 bilhões investidos pelo setor privado. Apesar disso, os principais investimentos em expansão da malha permaneceram sendo realizados majoritariamente pelo governo federal. O sistema está atualmente apoiado no formato de corredores de exportação de commodities minerais e agrícolas (77% e 15% da produção, respectivamente), com baixa interconectividade e integração das malhas. O transporte de carga geral de produtos industrializados, normalmente voltado ao atendimento do mercado interno, tem baixa inserção, representando apenas 6% do volume transportado em ferrovias. Há trechos subutilizados ou mesmo abandonados, cuja operação é considerada antieconômica pelos concessionários atuais 53 . Tabela 7 – Movimentação Acumulada por Mercadoria (2010 a 2016)

PRODUTO (VOLUME ACUMULADO (2010 A 2016) TKU 10 6 PART. Minério de Ferro 2.612.022 74% Soja e Farelo de Soja 274.436 8% Produção Agrícola 159.825 5% Ind. Siderúrgica 97.798 3% Comb., Deriv. do Petr. e Álcool 74.290 2% Açúcar 68.891 2% Granéis Minerais 63.541 2% Adubos e Fertilizantes 44.569 1%

53 As estatísticas de subutilização de trechos diferem conforme a fonte – 24% da malha ou 7.000 km, de acordo com a Associação Nacional dos Transportes Ferroviários (ANTF), e 41% da malha ou 12.000 km, segundo a Associação Nacional dos Usuários do Transporte de Carga (Anut). (BNDES Setorial 46, 2017, p. 88) 74

Carvão/Coque 44.448 1% Contêiner 26.375 1% Extração Vegetal e Celulose 23.270 1% Cimento 22.394 1% Ind. Cimenteira e Const. Civil 16.871 0% Carga Geral-Não Conteinerizada 3.424 0% Demais Produtos 4 0% Fonte: Anuário Estatístico ANTT 2018. Elaborado pelo autor.

A concentração do transporte ferroviário no transporte de minério de ferro poderia sugerir que as principais ferrovias brasileiras se constituem em sistemas fechados e integrados a produção minerária. No entanto, ainda que a integração ferrovia-mina seja grande, dois dos principais corredores ferroviários de transporte de minério encontram-se em regiões industrializadas, a malha da MRS S.A. atravessa os estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, e a malha da Estrada de Ferro Vitória a Minas (EFVM) atravessa os estados de Minas Gerais e Espírito Santo. Embora o modelo regulatório brasileiro preveja a figura do direito de passagem e do tráfego mútuo, inexiste, na prática, competição intramodal. Os volumes movimentados por meio de acordos deste tipo concentram-se em trechos finais das linhas na chegada aos portos 54 , ou em operações realizadas entre concessionárias e operadores do mesmo Grupo Econômico ou com acionistas em comum, sendo raro o compartilhamento das infraestruturas entre as firmas. Entre 2010 e 2016, uma média de 24,9 bilhões de TKU foram produzidos em acordos de tráfego mútuo ou direito de passagem, representando cerca de 8,1% da produção total do período. Porém, se eliminarmos os acordos realizados por concessionárias de um mesmo Grupo Econômico (Rumo ALL), o percentual reduz-se para 3,8%. Ainda, excluindo a produção das concessionárias da VLI (Ferrovia Centro Atlântica S.A. e Ferrovia Norte-Sul) nas malhas detidas pela sua principal acionista, a Vale S.A., a produção compartilhada reduz-se para 1,2% do total no período analisado. A tabela 8 apresenta a produção ferroviária por meio de tráfego mútuo e direito de passagem acumulada entre 2010 e 2016 por Grupo Econômico. Conforme destacado por Daychoum e Sampaio (2017),

“a preferência regulatória no modelo brasileiro é pelo tráfego mútuo, modalidade na qual se compartilha com outra concessionária, mediante pagamento, via permanente e recursos operacionais para prosseguir ou encerrar a prestação do serviço de transporte . ” Na visão destas autoras, “ a preferência pelo instituto do tráfego mútuo em detrimento ao direito de passagem acabou por reforçar o modelo de integração vertical, limitando as possibilidades de uma concessionária visitante se valer de suas

54 A Ferrovia Transnordestina Logística S.A. (nova denominação da Companhia Ferroviária do Nordeste) possui infraestrutura utilizada para acesso ao porto de Itaqui (MA). A Ferrovia Centro Atlântica (FCA) não possui acesso direto ao porto de Santos (SP), e o faz por meio de acordos operacionais com RUMO e MRS. A Rumo Malha Sul provê o acesso ao Porto de Paranaguá (PR), São Francisco do Sul (SC) e Rio Grande (RS). 75

eventuais eficiências e apenas remunerar a contraparte pelo uso da via permanente visitada ”. Tabela 8 - Produção em Tráfego Mútuo e direito de passagem (TKU 10 3) acumulada (2010 a 2016)

VISITANTE FERROVIA VISITADA GRUPOS VALE VLI RUMO MRS FERROESTE CSN VALE - 5.680.231 - 528.399 - 29.502 VLI 49.824.980 - 9.813.222 590.452 - 73.773 RUMO - - 92.443.478 2.364.608 744.787 - MRS 592.775 329.616 10.463.078 - - - FERROESTE - - 564.502 - - - CSN ------Fonte: Elaborada pelo autor a partir de dados SAFF/SIADE 2010 a 2017.

Pela Tabela 8, nota-se que a produção por tráfego mútuo e direito de passagem concentra-se em operações entre concessionárias do Grupo Rumo, além de operações entre o Grupo VLI e VALE. Cabe notar que a Vale S.A. é acionista da VLI S.A. e possui acordos para que esta venha a transportar cargas não minerais pela Estrada de Ferro Carajás e Estrada de Ferro Vitória a Minas. Os dados analisados sugerem que apenas a Ferroeste e Rumo Malha Sul possuem volume bidirecional significativo, isto é, uma produção equilibrada por meio de compartilhamento de infraestrutura entre as duas ferrovias. Além disso, pela regulação brasileira, a movimentação de uma determinada carga cuja origem e destino encontram-se em rede de uma única concessionária não está elegível a tráfego mútuo ou direito de passagem o que, na prática, limita a competição pelo serviço de transporte de forma isolada, uma vez que as antigas malhas da RFFSA formam corredores de exportação integrados. Ainda que tal disposição pareça uma obviedade para o caso de tráfego mútuo, o direito de passagem mais abrangente poderia incentivar maior competição da prestação de serviços de transporte entre concessionárias, com maior semelhança aos modelos de acesso adotados na Austrália e na União Europeia. Atualmente, o setor ferroviário é regulado pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), agência regulatória constituída somente em 2001, portanto, após o processo de concessão das malhas ferroviárias ao setor privado. O modelo tarifário adotado para as concessões verticais, desde sua outorga na década de 1990, tem sido o estabelecimento de tarifas-teto para subgrupos das principais mercadorias transportadas nas malhas. Os preços máximos constam de tabelas anexas aos contratos de concessão e são atualizados anualmente com base em índice de preços (IGP-DI). Deve-se notar que as tarifas-teto são aquelas pagas pelos usuários finais, uma vez que os contratos de concessão não regularam os preços para serviços de tráfego mútuo e direito de passagem, embora tenham previsto estes institutos como forma de compartilhamento de infraestrutura. Contratualmente, também foi estabelecida uma tarifa 76

mínima, que não poderia ser inferior aos custos variáveis de longo prazo, embora nossa pesquisa não tenha encontrado a definição deste valor pelo regulador. Os contratos de concessão da década de 1990 contém previsão para ocorrência de revisões extraordinárias das tarifas-teto para mais ou para menos, seja por solicitação da concessionária em casos de alteração justificada de mercado, ou por determinação do poder concedente a cada cinco anos. Assim, nota-se que a regulação aplicável ao setor é discricionária por meio de estabelecimento de tarifas-teto pelo regulador. Não obstante a previsão contratual, até 2011 não havia ocorrido nenhuma revisão tarifária extraordinária ou quinquenal. Segundo Pinheiro ( 2014 ), reagindo ao diagnóstico de falhas no modelo vigente, o Governo Federal deu início, em 2011, a uma significativa reforma regulatória. O primeiro passo dessa reforma envolveu a criação de três Resoluções pela ANTT. O segundo passo, foi uma ampla revisão tarifária.

4.1 REVISÃO TARIFÁRIA E ALTERAÇÕES DE 2011 Em 2011, por iniciativa do Poder Concedente, a ANTT analisou a situação das tarifas na Nota Técnica 142/SUCAR/SUREG – ANTT. Segundo este documento, enquanto nos reajustes tarifários anuais as tarifas são apenas atualizadas de acordo com o IGP-DI, a revisão tarifária quinquenal pressupõe o cálculo das receitas necessárias à cobertura dos custos operacionais e custos de capital da concessão, indicando a receita requerida (RR). Neste mesmo ano, a ANTT publicou a Resolução N o 3.695, que aprovou, mais de 15 anos após a outorga das concessões, o regulamento das operações de direito de passagem e de tráfego mútuo. De acordo com esta resolução, as tarifas devem ser estabelecidas por meio de negociação entre as partes, observando-se as regras gerais: “(...) (a) a tarifa só será composta por parcelas de custo operacional e remuneração de capital; (b) a parcela de custo operacional será composta pelos custos fixos e variáveis, bem como os custos de arrendamento, se houver; (c) a parcela correspondente à remuneração do capital será calculada como uma alíquota sobre uma base de remuneração do capital, acrescida dos tributos incidentes sobre o resultado; (d) a alíquota de remuneração será estabelecida pela ANTT para cada concessionária detentora dos direitos de exploração de infraestrutura ferroviária; (e) a base de remuneração será composta pelo capital empregado necessário à prestação do serviço; (f) para efeito de apuração da base de remuneração, serão considerados os efeitos da depreciação e da perda de poder aquisitivo da moeda.” Nota-se aqui que, ao conceder o direito de passagem nos termos das regras gerais definidas na resolução da agência reguladora, a firma verticalizada não tem a prerrogativa de discriminar preços conforme a elasticidade-preço do visitante em sua malha. Tampouco resta esclarecido como se daria o cálculo da parcela correspondente à remuneração do capital e sua atribuição específica à 77

movimentação de determinada carga, a serem expressos na “base de remuneração”. Apesar disso, é possível identificar alguns conceitos utilizados na revisão tarifária de 2011 que auxiliam no entendimento dos parâmetros que o regulador buscava, como será visto adiante. Nota-se que o racional empregado para revisar as tarifas segue a abordagem de building blocks para regulação discricionária, no sentido de ajustar os preços praticados aos custos de uma firma de referência eficiente, com taxa de retorno arbitrada pela agência reguladora, sendo as tarifas-teto o parâmetro relevante para implementar a regulação. Atualmente, a ANTT está realizando a revisão da Resolução nº 3.695/2011, buscando adequá-la à regulação vigente, em especial quanto à atuação do Operador Ferroviário Independente no contexto atual das concessões 55 . Em sua revisão tarifária de 2011, a ANTT reiterou o modelo de concessão do serviço de transporte ferroviário de cargas no Brasil como sendo regulado discricionariamente por meio de tarifas-teto, primando-se pelos princípios da eficiência e modicidade tarifária (grifos nossos). A revisão extraordinária das tarifas em 2011 demonstra uma tendência do regulador em buscar estabelecer os preços máximos a partir dos custos estimados para movimentação da carga aos usuários finais, dependendo da mercadoria transportada, em uma medida de alocação dos custos. O ponto de partida da revisão consiste na análise das parcelas de custos incorridos pelas firmas, incluindo custo do capital, adotando a metodologia de building blocks para determinação das tarifas cobradas dos usuários finais pelas firmas 56 . Para atribuir diretamente os custos à movimentação das cargas, a ANTT desenvolveu uma metodologia para apuração e rateio dos custos unitários, em duas dimensões principais: operacional e financeira, alocando os gastos proporcionalmente ao esforço estimado de produção associado a determinada mercadoria, conforme denota-se a partir do exposto na Nota Técnica: “O componente operacional da análise diz respeito às especificidades de operação das concessionárias, levando em consideração, por exemplo, fluxos operados, mercadorias transportadas, tipos de vagão utilizados para cada produto, frota de vagões, entre outros. O componente financeiro é extraído a partir das demonstrações financeiras das concessionárias, traduzindo custos incorridos para a operação do transporte ferroviário, criando-se “drivers” financeiros que resumem os custos e despesas. (...)

55 Revisão da Resolução ANTT nº 3.695/2011 - operação de Direito Mútuo de Passagem e Tráfego Mútuo, disponível em http://agendaregulatoria.antt.gov.br/index.php/content/view/3006/Revisao_da_Resolucao_ANTT_n__3_695_ 2011___operacao_de_Direito_Mutuo_de_Passagem_e_Trafego_Mutuo.html 56 Deve-se notar que neste momento não houve estabelecimento de tarifas-teto para serviços de direito de passagem e tráfego mútuo. 78

Com a integração dos dois componentes descritos anteriormente, são obtidos os custos por unidade operacional, que aplicados à produção de cada concessionária retornam os custos incorridos por elas com a operação de cada fluxo/mercadoria.” (ANTT, 2011) Assim, o regulador buscou identificar que características da movimentação das cargas seria responsável pelos custos, rateando entre os usuários finais tanto os custos de operação, incluindo tanto o desgaste da infraestrutura ( wear and tear ), quanto os custos de capital. A tabela tarifária para movimentação de determinada mercadoria é obtida a partir de equações que correspondem a uma determinada faixa quilométrica 57 pois, para cada faixa quilométrica existe um custo variável por quilômetro que tende a diminuir à medida que aumenta a distância a percorrer, decorrente dos ganhos de escala do transporte ferroviário. Como premissa para estabelecimento das tabelas de referência, a ANTT destaca: (i) a simplicidade na sua construção; (ii) o agrupamento de mercadorias com custo operacional semelhante; (iii) o estabelecimento de tarifa fixa a partir de uma regressão linear dos custos atribuíveis a movimentação de cada mercadoria; e (iv) aplicação de ganho de escala estimado em 10% para cada 400 km. A Figura 4, extraída da Nota Técnica 142/SUCAR/SUREG – ANTT, apresenta as etapas para construção dada tabela tarifária. Ao final do processo, a ANTT estabeleceu uma nova curva de tarifas construída a partir dos custos unitários de transportar determinada mercadoria. O passo final consistiu na aplicação de um fator de ajuste, de forma que

“os tetos a serem estabelecidos atendam, em certa medida, tanto aos usuários com grandes volumes, como aqueles usuários com menor volume, comportamento observado na base de dados das tarifas praticadas. Além disso, os tetos devem atender usuários com contratos de longo prazo e de curto prazo, e outras variáveis que porventura possam trazer maiores ou menores ganhos de escala ao transporte ferroviário, como eficiência na carga/descarga. ” Segundo a ANTT, o fator de ajuste aumentou a tarifa-teto para acomodar variações decorrentes de negociações por volume e prazo, de forma a evitar que o novo teto tarifário inibisse ou levasse ao comportamento de exclusão de determinados usuários da ferrovia. A Nota Técnica classifica o ajuste como uma “folga no teto tarifário”, estabelecida pela relação entre o desvio padrão e a média do chamado Produto Médio (R$1000/TKU) para fluxos de carga geral e de minérios.

57 Foram estabelecidas quatro faixas quilométricas para cada concessão ferroviária. 79

Figura 4 – Etapas da Revisão Tarifária de 2011 Fonte: ANTT

Tabela 9 – Percentuais de Ajuste do Teto Tarifário de 2011 Concessionária Carga Geral Heavy Haul MRS 42% 35% EFVM 51% 66% EFC 5% 17% ALL MS 46% - FCA 37% 32% FTC - 46% Fonte: ANTT, Nota SUREG Conforme destacado anteriormente, a atribuição de custos fixos e comuns entre diversos usuários finais da ferrovia é tarefa regulatória de grande dificuldade e, como destacam Laffont e Tirole (2000) o estabelecimento de preços relativos pelo regulador resulta, geralmente, em graves ineficiências alocativas. Essas ineficiências também foram apontadas por Willig e Kessides (1995), que destacaram ainda a dificuldade em apropriar corretamente os custos. Erros no rateio dos custos não são incomuns, derivados inclusive da realização de demanda diversa da previsão que embasou a alocação dos custos fixos e comuns. Uma consequência negativa das distorções de preços é a 80

dificuldade de as ferrovias recuperarem adequadamente os custos. Ainda, a adoção desse modelo tarifário tende a desincentivar a realização de investimentos em expansão das redes de ferrovias. De fato, a documentação que embasou a revisão tarifária extraordinária de 2011 não traz considerações sobre informações da demanda ou da disposição a pagar de clientes que transportam determinadas mercadorias. A perda na eficiência alocativa de fixar os preços relativos com base nos custos diretamente atribuíveis também é reconhecida por Gómez-Ibanez e de Rus (2006). A tabela de tarifas-teto proposta não vai ao encontro da precificação do tipo Ramsey ótima. Ainda, em um contexto de rigidez dos preços-teto estabelecidos para cada mercadoria, não será possível que clientes com menor elasticidade contribuam na proporção ideal com os custos fixos e comuns, resultando em potencial inadequação das receitas obtidas pelas firmas. Uma alternativa seria a adoção de um modelo de receita-teto simultaneamente ao estabelecimento de limites para o mark- up praticado sobre os custos variáveis. De fato, o fator de ajuste proposto ao final da Nota Técnica, ao considerar o desvio padrão das tarifas praticadas pelas concessionárias acaba por incorporar alguma informação acerca dos mark-ups praticados pela firma e mesmo reconhecer a possibilidade da discriminação de preços acima dos custos. Como será visto adiante, na reforma de 2012 a ANTT estabeleceu um limite para o mark-up a ser praticado pelos operadores independentes na prestação de serviços aos usuários finais, a partir do qual o abuso de poder de mercado seria investigado pela agência reguladora. Ainda, nota-se que a metodologia utilizada pela ANTT incorporou reconhecidas ineficiências ao cálculo de custos que, ao menos em tese, deveriam replicar a operação de uma firma eficiente. Por exemplo, ao incluir nos chamados drivers operacionais de custo as restrições nas vias resultantes do estado de conservação das mesmas, incorpora-se as ineficiências na operação e manutenção das vias, em aparente contrassenso ao prescrito na regulação discricionária. Outro ponto a destacar é o fato de que as tabelas foram construídas para os produtos com maiores movimentações em cada malha, ficando as mercadorias com baixa movimentação corrente classificadas como “demais produtos”, com preço-teto bastante próximo aquele praticado para commodities agrícolas e minerais. A restrição ao preço praticado para produtos não previstos na tabela poderia inibir o desenvolvimento por parte das ferrovias de serviços de transporte para novos produtos ou trechos, uma vez que a precificação de acordo com a tabela tarifária poderia não justificar o investimento requerido, limitando a capacidade de a ferrovia extrair o valor adequado do transporte.

4.2 TARIFAS DE ACESSO NA TENTATIVA DE REFORMA DE 2012 Em 2012 o Governo Federal lançou o Plano de Investimentos em Logística (PIL) que previa mudanças institucionais significativas para o setor ferroviário tendo como objetivo resgatar o modal ferroviário 81

como alternativa logística com a quebra no monopólio na oferta de serviços ferroviários, e a redução nas tarifas 58 . De acordo com Daychoum e Sampaio (2014), a mudança regulatória proposta pelo PIL constituiu em uma tentativa de reverter o baixo investimento na infraestrutura do setor ferroviário e de inserir maior competitividade, afastando a preferência pelo tráfego mútuo e abrindo espaço para a realização do direito de passagem, como regra geral. Em primeiro lugar, a Medida Provisória n o 576/2012, posteriormente convertida na Lei No 12.743/2012, autorizou a criação da Empresa de Planejamento e Logística – EPL, com objetivo de planejar e promover o transporte ferroviário de alta velocidade e prestar serviços na área de projetos, estudos e pesquisas para subsidiar o planejamento da logística e dos transportes do país. Além da criação da EPL, a Lei N o 12.743/2012, incluiu a figura do operador ferroviário independente, desvinculado da exploração da infraestrutura. Em seguida, as principais disposições da tentativa de reforma encontraram-se no Decreto nº 8.129/2013, de 23 de outubro de 2013, que instituiu a política de livre acesso ao Subsistema Ferroviário Federal. Este Decreto foi posteriormente revogado na íntegra pelo Decreto nº 8.875, de 11 de outubro de 2016. No Decreto nº 8.129/2013, as principais diretrizes para promover a competição no setor ferroviário eram: (i) a separação vertical nas concessões ferroviárias 59 , (ii) a garantia de acesso aos operadores ferroviários a toda a malha, (iii) a remuneração das concessões de infraestrutura, isto é, do concessionário responsável pela rede com base nos custos fixos e variáveis; e (iv) a centralidade da VALEC 60 no gerenciamento da capacidade de transporte, ficando esta última responsável pela comercialização da capacidade operacional do sistema como um todo. Assim, por

58 Ministério dos Transportes (2012). 59 Tendo em vista que os Contratos de Concessão oriundos da privatização da RFFSA estarem vigentes o modelo conviveria com firmas verticalizadas e desverticalizadas. Não ficou claro se a proposta pretendia realizar uma posterior separação vertical das concessões então vigentes, a medida em que estas concessões verticalizadas chegassem ao seu termo final, o que ocorreria entre 2026 e 2028. O modelo regulatório previa então a coexistência de “concessionárias verticais” e “concessionárias horizontais”. Enquanto a primeira poderia prestar diretamente o serviço de transporte de cargas, esta atividade estaria vedada à segunda. 60 A VALEC – Engenharia, Construções e Ferrovias S.A foi constituída em 1972, sob a denominação de VALEUC Serviços Técnicos Ltda. e, em 1992, foi incluída no PND, através do Decreto nº 473/1992 (o mesmo que incluiu a RFFSA). Todavia, em 2008 a empresa foi reestruturada e, em 2010, excluída do PND por meio do Decreto nº 7.267/2010. Em 2013, a empresa foi novamente reestruturada por meio do Decreto nº 8.134/2013, que aprovou novo Estatuto Social. As principais atividades exercidas pela VALEC são: (i) administrar os programas de operação da infraestrutura ferroviária, nas ferrovias a ela outorgadas14; (ii) coordenar, executar, controlar, revisar, fiscalizar e administrar obras de infraestrutura ferroviária que lhes forem outorgadas; (iii) desenvolver estudos e projetos de obras de infraestrutura ferroviária; (iv) construir, operar e explorar estradas de ferro, sistemas acessórios de armazenagem, transferência e manuseio de produtos e bens a serem transportados e, ainda, instalações e sistemas de interligação de estradas de ferro com outras modalidades de transportes; (vi) promover o desenvolvimento dos sistemas de transporte de cargas sobre trilhos, objetivando seu aprimoramento e a absorção de novas tecnologias; (vii) celebrar contratos e convênios com órgãos nacionais da administração direta ou indireta, com empresas privadas e com órgãos internacionais para prestação de serviços técnicos especializados; e (viii) exercer outras atividades inerentes às suas finalidades, conforme previsão em seu Estatuto social. 82

meio de mero ato do Poder Executivo, propunha-se uma alteração substancial do mercado de transporte ferroviário brasileiro, instituindo-se o unbundling, o open access e a centralização do sistema de alocação de capacidade na empresa pública VALEC. Daychoum e Sampaio destacam que o expediente de expedição de atos monocráticos do poder executivo tem sido a regra para implementações de mudanças do marco regulatório do setor ferroviário ao longo do tempo, quando uma tramitação pelas casas legislativas traria maior segurança jurídica e participação social à regulação. Chama atenção na reforma proposta o papel central atribuído a VALEC que “ compraria anualmente toda a capacidade operacional da ferrovia e faria ofertas públicas da capacidade adquirida, garantindo-se o direito de passagem na circulação de trens ao longo de toda a malha .” A VALEC compraria a capacidade ociosa das concessionárias verticais, por preço a ser negociado entre as partes, e a capacidade integral das concessionárias horizontais, por preço a ser definido em processo de leilão. Outros pontos de destaque da tentativa de reforma foram as inclusões de objetivos como modicidade tarifária no transporte de ferroviário e de investimento no sistema. Segundo o disposto no Decreto nº 8.129/2013, a VALEC teria como competência investir no sistema, inclusive mediante transferências para as concessionárias de infraestrutura:

“a possibilidade de aporte financeiro nas concessões de infraestrutura ferroviária para garantir o atendimento à demanda por transporte e a modicidade tarifária .”

Posteriormente, em junho de 2014, a ANTT editou a Resolução n 4.348, que disciplinou a prestação do serviço de transporte ferroviário de cargas não associado à exploração da infraestrutura (unbundling ), a ser realizada por Operadores Ferroviários Independentes - OFI. Nesta resolução, a ANTT buscou fixar as condições gerais de funcionamento do mercado ferroviário em linha com o previsto na Lei N o 12.743/2012 e no Decreto nº 8.129/2013. Com relação as tarifas, o modelo proposto caracterizava-se por uma significativa complexidade em que múltiplos agentes negociam as componentes do preço de acesso à rede em momentos e mercados distintos. A coexistência de firmas verticalizadas e desverticalizadas durante a transição do modelo também era um outro elemento a contribuir para a complexidade do sistema. Respeitando os Contratos de Concessão então vigentes, a tarifa de disponibilidade pela qual a VALEC compraria capacidade ociosa das concessionárias verticais seria objeto de negociação entre a VALEC e as concessionárias 61 , tendo como características principais: ser composta pela parcela de custo fixo associada a capacidade adquirida, sendo uma parcela destinada a remunerar o capital da concessionária. A remuneração do capital seria calculada pela aplicação de uma alíquota

61 Tarifa de Disponibilidade de Capacidade. 83

estabelecida pela ANTT sobre uma base de ativos regulatórios pré-estabelecida. A legislação previa a possibilidade de conciliação ou arbitragem por parte da ANTT. Nota-se que apesar de prever uma negociação entre as partes, a regulação pretendia manter a aplicação de um modelo de tarifa-teto calculada com base em custos, possivelmente seguindo a linha de alocação de custos adotada na revisão tarifária de 2011. Já em relação as concessionárias horizontais, modelo a ser adotado para as concessões ainda por licitar, a VALEC seria responsável pela aquisição da totalidade da capacidade da ferrovia a ser construída, remunerando a concessionária conforme a Tarifa de Disponibilidade de Capacidade, estabelecida a partir de licitação. A VALEC seria a responsável por ofertar a capacidade adquirida das concessionárias verticais e horizontais aos Operadores Ferroviários Independentes (OFI), mediante recolhimento da Tarifa de Capacidade de Tráfego, a ser definida por meio de oferta pública (leilões) da capacidade conforme critérios isonômicos. Deve-se notar que essa parcela da tarifa pode ser entendida como uma parcela fixa, uma vez que é devida pela compra de capacidade junto a VALEC, independente do seu uso efetivo. Pelo disposto no regulamento, subentende-se não haver possibilidade de discriminação dos preços praticados entre os diferentes OFIs, exceto pelo resultado dos leilões de capacidade. Já a chamada Tarifa de Fruição seria a parcela variável a ser cobrada pelas concessionárias diretamente aos OFIs em função do uso da infraestrutura ferroviária. Conforme definido na Resolução 4.348, essa parcela da tarifa deveria ser composta somente pela parcela do custo variável associado ao uso da rede, e seria negociada livremente entre os OFIs e as concessionárias verticais, e resultante do processo de licitação quando se tratava de concessionárias horizontais. Novamente, nota-se que a Tarifa de Fruição a ser recolhida pelos OFIs não guardaria relação com as condições de mercado vigentes à época do efetivo uso da infraestrutura ou das condições de demanda, tampouco permitiria a discriminação conforme a mercadoria transportada por cada OFI. Com relação aos preços praticados pelos OFIs aos usuários finais, a Resolução 4.348 estabeleceu a livre negociação entre as partes, devendo a ANTT instaurar processos de apuração de prática de abuso de poder de mercado quando os preços finais excedessem o limite de 150% da soma da Tarifa de Fruição e da Tarifa de Capacidade de Tráfego. O modelo também vedava a transferência de capacidade entre os OFIs. Não tardou a surgirem diversas críticas e objeções ao novo modelo regulatório. A centralidade da VALEC ao assumir os riscos financeiros e de demanda foi duramente questionada, tendo em vista a dependência desta estatal de aportes do Tesouro Nacional. Como destacam Dayochum e Sampaio, as concessões são caracterizadas pela afetação do risco do negócio a parte privada (Lei N o 8.987/1995 - Lei das Concessões). Mesmo em casos de PPPs embasadas pela Lei No 11.079/2004, que prevê a possibilidade de partilha dos riscos do negócio, não é usual que o parceiro público seja responsável 84

por todo o risco de demanda. A própria Secretaria de Fiscalização de Desestatização – Transportes do Tribunal de Contas da União (TCU) sustentou que o modelo proposto não poderia ser classificado como uma concessão comum, visto que (i) a prestação do serviço de construção e manutenção da ferrovia seria pago diretamente pela Administração Pública, que (ii) o risco de demanda estava integralmente alocado no poder concedente, e que (iii) seriam necessários subsídios para viabilização da infraestrutura. De fato, a alternativa de assunção de obrigações de pagamento por parte da VALEC, especialmente junto ao concessionário horizontal, deveria ser avaliada sob a ótica da metodologia de Value for Money 62 , principalmente em um projeto no qual os principais custos são decorrentes da fase de implantação. De fato, o modelo empregado pela VALEC nos trechos construídos da Ferrovia Norte-Sul sob sua concessão tem sido a contratação de obra pública, ficando a VALEC responsável pela contratação e supervisão das obras. A figura 5 resume as relações contratuais e tarifárias estabelecidas na reforma regulatória de 2013.

Figura 5 – Estrutura de Tarifas da Proposta de Reforma Regulatória de 2012 Fonte: ANTT Passemos a análise das diversas tarifas propostas na reforma de 2012, seus impactos (i) na eficiência produtiva e alocativa, (ii) na viabilidade financeira das partes, e (iii) nos incentivos à entrada no mercado de novas firmas independentes. Sob a ótica das concessionárias horizontais, a sua remuneração ocorreria pelo recolhimento da tarifa de disponibilidade de capacidade e da tarifa de fruição, ambas definidas em processo licitatório. Ainda que esse processo possa resultar em eficiência produtiva, uma vez que a competição pelo mercado tenderia a selecionar as firmas com menores custos para construir e operar a infraestrutura, a eficiência alocativa dependeria da capacidade de a VALEC identificar corretamente a demanda por serviços de transporte de cargas de forma a escolher corretamente os projetos a serem desenvolvidos. A viabilidade financeira das firmas horizontais estaria diretamente atrelada às estimativas de custos utilizadas para participação no leilão e à sua eficiência em construir e operar a linha. Isso porque as firmas horizontais estariam competindo pelo mercado de venda de capacidade

62 Value for Money é definido na literatura quando o setor privado provê um determinado serviço homogêneo serviços por custos menores do que aqueles incorridos pelo setor público. Os menores custos ofertados pelas companhias privadas derivam da maior eficiência quando comparadas com organizações públicas. As PPPs são capazes de criar Value for Money se a eficiência existente na firma privada compensa a diferença entre o custo médio ponderado de capital (WACC) do projeto e a taxa pela qual o governo se financia. (Public-Private Partnerships: Risk Allocation and Value for Money , Sarmento, Joaquim M e Renneboog, Luc, 2014)

85

à VALEC e não mais pela oferta direta da capacidade aos operadores ferroviários, sem risco de demanda. Para as concessionárias verticais, uma vez que as tarifas seriam livremente negociadas entre as partes para a capacidade ociosa das linhas, os incentivos dependeriam do preço permitido pelo regulador para o acesso. A fixação de um preço de acesso baseado em custos limitaria a capacidade de a concessionária verticalizada praticar discriminação de preços e recuperar custos fixos, potencialmente transferindo rendas da concessionária vertical para a VALEC e o próprio OFI. Nesse cenário os incentivos à realização de novos investimentos por parte das concessionárias verticalizadas seriam baixos. Com relação ao mercado de compra de capacidade por parte dos OFIs, a tarifa proposta seria definida com base em leilões de capacidade realizados pela VALEC. A quantidade ofertada pela VALEC nos leilões de capacidade seria fundamental para determinação do preço e, consequentemente, para a sua própria sustentabilidade financeira. Contudo, um dos objetivos declarados da reforma era a modicidade tarifária. Assim, um racionamento proposital pela VALEC seria contrário aos objetivos da política a ser implementada. Regra geral, como os investimentos em ferrovias são de grande escala, da demanda por transporte em novas infraestruturas ocorre em região em que o custo médio encontra-se acima do custo marginal de transportar um trem adicional. Assim, a realização de leilões de capacidade pela VALEC sem permitir a discriminação de preços levaria a receitas insuficientes para recuperação dos custos, resultando em dificuldades para a sustentabilidade financeira da VALEC, exigindo fortes subsídios governamentais. Por outro lado, a tarifa de transporte cobrada pelos OFIs encontrar-se-ia livre de regulação, sendo objeto de supervisão pelo regulador a partir de um mark-up sobre as tarifas de acesso à rede (150%). Como visto anteriormente, a existência de um componente fixo na tarifa tende a gerar menor entrada de novos competidores do que a cobrança apenas por movimentação. No entanto, como a tarifa de capacidade seria definida em leilão, o volume ofertado poderia estimular uma forte entrada de operadores. Há autores que defendem o leilão de capacidade de tráfego como forma de gerar preços de equilíbrio, desejáveis em situações com excesso de demanda e saturação da rede, permitindo a alocação de capacidade mais nobre, entendida como a melhor combinação de trechos e horários, aos clientes que mais valorizam e podem pagar. Essa situação estaria limitada, contudo, nos casos de ferrovias recém implantadas que, como destacado anteriormente, tendem a operar com significativa capacidade ociosa e que teriam a capacidade garantida pela VALEC. O modelo de leilão pode levar, contudo, a maior instabilidade e falta de previsibilidade sobre os preços a serem praticados. Isso porque o contexto seria de grande complexidade para reunir os 86

interessados e concertar os investimentos em vagões, locomotivas, terminais e outras estruturas, de forma a mitigar o risco de descontinuidade da prestação do serviço.

4.3 SITUAÇÃO ATUAL

Em novembro de 2016, o Governo Federal editou a Medida Provisória n o 752, convertida na Lei n o 13.448 em junho de 2017. Esta lei estabelece diretrizes para prorrogação antecipada de contratos de concessão rodoviárias e ferroviárias 63 . Os contratos de concessão das ferrovias celebrados na década de 1990 previram o prazo de vigência de 30 anos, prorrogáveis por igual período. Dentre os principais objetivos da legislação está a viabilização de investimentos imediatos no setor. Nos termos da Lei 13.448/2017, os processos de prorrogação antecipada devem demonstrar a vantagem em adotar-se esta medida alternativamente a relicitação das concessões, prevendo a realização de consulta pública e visto prévio do Tribunal de Contas da União (TCU). Dentre as orientações estabelecidas para a prorrogação dos contratos de concessão ferroviária, destacamos as seguintes: “adoção, quando couber, de obrigações de realização de investimento para aumento de capacidade instalada, de forma a reduzir o nível de saturação do trecho ferroviário, assegurado o reequilíbrio econômico-financeiro do contrato; e, garantia contratual de capacidade de transporte a terceiros outorgados pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), garantindo-se o direito de passagem, de tráfego mútuo e de exploração por operador ferroviário independente, mediante acesso à infraestrutura ferroviária e aos respectivos recursos operacionais do concessionário, garantida a remuneração pela capacidade contratada .” O Governo Federal justificou a possibilidade de prorrogação antecipada pelo “interesse público em antecipar novos investimentos em infraestrutura ferroviária, buscando assegurar a prestação de serviço adequada aos usuários, em especial quanto às condições de eficiência, continuidade, atualidade e modicidade das tarifas, e ainda na adequação dos contratos de concessão ferroviária às boas práticas de regulação, nos termos da legislação vigente” (Relatório Final da Comissão Instituída

63 “Art. 6o A prorrogação antecipada ocorrerá por meio da inclusão de investimentos não previstos no instrumento contratual vigente, observado o disposto no art. 3o desta Lei.” (Lei n o 13.448/2017)

§ 1o A prorrogação antecipada ocorrerá apenas no contrato de parceria cujo prazo de vigência, à época da manifestação da parte interessada, encontrar-se entre 50% (cinquenta por cento) e 90% (noventa por cento) do prazo originalmente estipulado.

§ 2o A prorrogação antecipada estará, ainda, condicionada ao atendimento das seguintes exigências por parte do contratado: (....) II - quanto à concessão ferroviária, a prestação de serviço adequado, entendendo-se como tal o cumprimento, no período antecedente de 5 (cinco) anos, contado da data da proposta de antecipação da prorrogação, das metas de produção e de segurança definidas no contrato, por 3 (três) anos, ou das metas de segurança definidas no contrato, por 4 (quatro) anos.” 87

pela Portaria DG N.º 582, de 27 de outubro de 2015, e alterada pela Portaria DG N.º 430, de 18 de outubro de 2016). Assim, a legislação aprovada dispõe que as repactuações dos contratos de concessões ferroviárias devem adotar as melhores práticas regulatórias, incorporando novas tecnologias e novos investimentos, com previsão de disponibilização de capacidade mínima de transporte para terceiros, com claro enfoque para o compartilhamento de infraestrutura e de recursos operacionais. Nesse aspecto, convém destacar as inovações regulatórias que estão presentes nas minutas aos Aditivos aos Contratos de Concessão, divulgados por ocasião das audiências públicas sobre repactuação da ALL Malha Paulista, Estrada de Ferro de Carajás e Estrada de Ferro Vitória a Minas 64 . Embora as consultas populares tenham sido encerradas, até o presente momento a prorrogação e celebração dos aditivos contratuais ainda não foi realizada.

4.3.1 INOVAÇÕES REGULATÓRIAS A proposta de aditivo contratual prevê expressamente o compartilhamento da infraestrutura ferroviária com terceiros interessados que possuam outorga para prestação de serviços de transporte, sem preferência definida entre o compartilhamento por meio de tráfego mútuo ou direito de passagem. Nesse aspecto, nota-se um avanço ao afastar a situação atual de preferência pelo tráfego mútuo, instituto não aplicável aos operadores independentes. Os termos do compartilhamento devem ser objeto de Contrato de Operação Específica – COE, livremente negociados entre a concessionária e os operadores interessados em acessar à infraestrutura 65 . Não há previsão contratual para arbitragem perante a ANTT em caso de impasse entre as partes na celebração do COE, fator que pode inibir a entrada de operadores independentes com menor poder de barganha. Há previsão de sanções à concessionária que não venha a conceder o acesso ao terceiro que possua outorga para transporte de cargas, embora a minuta de aditivo não esclareça como impasses operacionais e na celebração dos COE seriam tratados. O aditivo prevê a cobrança da tarifa de transporte (aos usuários finais), da tarifa de direito de passagem e da tarifa de tráfego mútuo, sendo as tarifas-teto de transporte e de direito de passagem estabelecidas em tabela de referência, anexa ao contrato de concessão. Também está permitida a cobrança por operações acessórias, pactuada livremente entre as partes. As tabelas tarifárias de

64 Audiência Pública n o 010/2016 da Concessionária América Latina Logística Malha Paulista S.A., Audiência Pública n o 010/2018 da Concessionária Estrada de Ferro Vitória a Minas – EFVM operada pela Vale S.A., e Audiência Pública n o 009/2018 da Concessionária Estrada de Ferro Carajás – EFC, também operada pela Vale S.A. 65 As condições para compartilhamento estabelecidas no COE não devem ser mais restritivas do que o regulamento da ANTT. 88

referência guardam semelhança com aquelas aprovadas na revisão tarifária de 2011, exceto pela previsão expressa de tarifas-teto a serem cobradas para o serviço de direito de passagem 66 . Nota-se que as minutas de aditivo não preveem mais a revisão extraordinária das tarifas-teto a cada cinco anos, mas apenas a sua atualização pela variação monetária anual. Se este for o modelo definitivo, a agência reguladora estaria alterando a forma dos contratos de concessão no setor ferroviário de regulação discricionária para regulação por contrato. De fato, a minuta dos aditivos contém uma série de previsões usualmente utilizadas na modalidade de Regulação por Contrato, como por exemplo: (a) inclusão de investimentos obrigatórios com prazo de execução pré-determinado e investimentos obrigatórios condicionados à demanda, conforme disposto no “Caderno de Obrigações”; (b) mecanismo de acréscimo à outorga devida ao Poder Concedente em caso de inexecução das obrigações contratuais de investimento, com taxa interna de retorno do contrato fixada em 11,04% a.a. em termos reais; e, (c) recomposição do equilíbrio econômico-financeiro do contrato pelo método de Fluxo de Caixa Marginal, em caso de ocorrência de desequilíbrio econômico-financeiro cuja responsabilidade venha a ser atribuída ao Poder Concedente.

4.3.2 NÍVEL TARIFÁRIO Considerando a homogeneidade dos serviços prestados ao longo da ferrovia, o nível das tarifas-teto estabelecidas para o direito de passagem e para os serviços prestados diretamente aos usuários finais pela concessionária verticalizada é fator fundamental para determinar se haverá entrada ou não de operadores independentes no mercado de prestação de serviços ferroviários. Uma análise das tabelas propostas pela ANTT indica que o mark-up “padrão” entre as tarifas-teto para o direito de passagem e para o preço verticalizado são uniformes entre todas as mercadorias, variando apenas de acordo com a concessionária. Como exemplo, para cada mercadoria listada na tabela tarifária de referência da Estrada de Ferro Vitória a Minas, as tarifas-teto para direito de passagem foram estabelecidas em cerca de metade das tarifas-feto verticalizadas. Essa relação é de cerca de 45% para a EFC e de 58% para a ALL Malha Paulista. No caso da tabela proposta pela ANTT, as tarifas-teto aos clientes finais e de acesso foram definidas com base em alocação dos custos de prestação dos serviços, buscando refletir a eficiência produtiva, isto é, a precificação com base nos custos eficientes, também na oferta do acesso. Embora exista um limite aos preços praticados nos dois mercados, acesso e final, o modelo de price cap é

66 As tarifas-teto para direito de passagem constam de tabela tarifária com preços máximos para o mesmo conjunto de mercadorias com preço-teto da tarifa de transporte. 89

perfeitamente compatível com a concorrência e entrada de operadores ferroviários independentes. As mercadorias com tarifas-teto especificadas dependem da malha, conforme apresentado na Tabela 10. Na EFVM, as principais operações de compartilhamento de infraestrutura ocorrem em operações de tráfego mútuo com a FCA, visando o transporte de produtos agrícolas e siderúrgicos. Essas mercadorias estão incluídas na categoria “Demais Produtos” na tabela de referência da EFVM. A partir das demonstrações financeiras da EFVM e da produção em tráfego mútuo reportada para o período de 2013 a 2016 67 , observa-se a tarifa média praticada de R$ 0,04/TKU. A tarifa-teto proposta para o direito de passagem na tabela de referência da EFVM para os demais produtos é de R$ 0,05/TKU que estaria, portanto, próxima aos preços atualmente praticados. Na EFC, a infraestrutura é compartilhada por direito de passagem com a Ferrovia Norte Sul (FNS), operada pela VLI, principalmente para transporte de produtos agrícolas e granéis líquidos. A partir das despesas com direito de passagem reportadas nas demonstrações financeiras da FNS e da produção em direito de passagem no período de 2014 a 2016, observou-se que a tarifa média do direito de passagem praticada foi de cerca de R$ 0,02/TKU. De acordo com a tabela de referência proposta, a taifa-teto para a distância padrão visitada da EFC 68 seria de R$ 0,04/TKU para produtos agrícolas e de R$ 0,09/TKU para óleo diesel, por exemplo.

67 Fontes: SAFF/SIADE e Demonstrações Financeiras da EFVM, disponíveis em http://www.antt.gov.br. 68 Distância entre o entroncamento da FNS com a EFC em Açailândia (MA) até o Porto de Itaqui em São Luis (MA) – 550 km. 90

Tabela 10 – Mercadorias com Tarifas-Teto de Transporte e de Acesso Reguladas ALL Malha Paulista EFC EFVM Açúcar Cobre Adubos e Fertilizantes Adubos e fertilizantes Demais Produtos Antracito Álcool Ferro Gusa Cal Calcário Siderúrgico Gasolina Calcário Siderúrgico Contêineres Manganês Carvão Mineral Demais produtos Minério de Ferro Celulose e Toras de Madeira Escória Óleo Diesel Contêineres Gasolina Coque Óleo Diesel Demais Produtos Produtos siderúrgicos Escória Veículos Ferro Gusa Manganês Máquinas, Motores, Peças e Acessórios Minério de Ferro Pedras em Blocos e Placas Produtos Siderúrgicos Fonte: Minutas de Aditivos aos Contratos de Concessão (ANTT, 2018)

4.3.3 ESTRUTURA TARIFÁRIA E ENTRADA As tarifas-teto de direito de passagem não incluem um componente fixo por trem, como no exemplo da ARTC (Austrália) ou no modelo adotado no Reino Unido para a Network Rail. A tabela proposta pela ANTT para o direito de passagem emula a tabela a ser praticada para usuários finais, com uma parcela fixa por tonelada movimentada somada a parcela variável que dependerá da distância percorrida. Como a parcela fixa varia com a tonelagem, para movimentações por grandes distâncias, a parcela fixa representaria entre 15% e 50% do valor total a ser recolhido pelo direito de passagem, sendo a participação relativa maior para o transporte de cargas em contêineres. Não obstante, por estar vinculada diretamente à carga movimentada e não a movimentação de trens, à luz do referencial teórico e da experiência internacional a estrutura tarifária proposta pela ANTT tende a ser mais favorável à entrada de operadores independentes no mercado. A depender do nível da tarifa praticada, poderia haver incentivos à formação de trens menores por parte desses entrantes, fator que deve ser avaliado sob a ótica da eficiência do uso das redes, especialmente em horários de grande procura.

4.3.4 DISCRIMINAÇÃO DE PREÇOS Está previsto ainda um limite de dispersão tarifária a ser observado pela concessionária, que poderá ser praticado pelas concessionárias, desde que baseado em critérios objetivos e isonômicos, como prazo, volume, sazonalidade e condições de pagamento, ficando as concessionárias sujeitas a multa em caso de “ discriminação de qualquer natureza, incorrendo em abuso de poder econômico , ou não 91

atendendo às condições de regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade das tarifas”. Apesar de não preverem a realização da revisão das tarifas-teto, afastando a necessidade da apuração da receita requerida e da abordagem de building blocks , as minutas de aditivos contêm regulação acerca da dispersão de preços a ser praticada pelas concessionárias, que consiste em avaliar se as tarifas praticadas respeitam a faixa delimitada por:

( , − , )≤ , ≤( , + , ), onde i corresponde a cada mercadoria transportada e t ao ano de apuração. Assim, de acordo com o disposto no aditivo as tarifas praticadas devem estar em uma faixa delimitada por um desvio padrão de distância da média aritmética simples das tarifas de transporte da mercadoria “i”, exigidas no ano “t”, medidas em R$/1.000 TKU. Assim, reforçando a tentativa de abordar contratualmente o aspecto da discriminação de preços, o regulador está buscando estabelecer objetivamente um intervalo que seja considerado adequado já no próprio contrato.

92

5. CONCLUSÕES Desde 2011, foram diversas as tentativas de alterar o marco regulatório do setor ferroviário. Em todas as tentativas, a busca pelo compartilhamento da infraestrutura e aumento da competição intramodal esteve presente, desde a regulamentação do direito de passagem em 2011, passando pela introdução da figura do operador independente até a tentativa de alteração radical da estrutura de mercado proposta em 2012. Apesar das diferenças na intensidade das mudanças propostas, todas buscaram aproximar a regulação brasileira das práticas adotadas no setor ferroviário internacional, tendo como paradigma vigente as concessões de ferrovias outorgadas pelo governo federal. Mesmo a tentativa de unbundling realizada pelo Governo Federal encontra paralelos em experiências como a australiana, embora a principal ferrovia desverticalizada australiana seja detida pelo governo. Em seguida apresentamos as conclusões em relação a algumas das dimensões afetas à regulação do preço do acesso e seus impactos no mercado ferroviário. Ao final, tecemos algumas considerações sobre modelos com participação privada na implantação de novos projetos.

Forma de Regulação

Atualmente, estão em discussão as alterações propostas pela ANTT para os aditivos aos contratos de concessão no âmbito das prorrogações contratuais, que mudam substancialmente a forma de regulação até então adotada, embora mantenham a ferrovia verticalizada como concessionária do serviço público. A partir dos documentos disponibilizados para as consultas públicas, depreende-se que uma das principais intenções do regulador é aumentar os investimentos das concessionárias privadas em expansão da capacidade e em soluções para os conflitos urbanos ainda existentes. Para alcançar tal objetivo, a ANTT está propondo a inclusão de elementos típicos da regulação por contrato e afastando a regulação discricionária do setor ferroviário. Conquanto a eliminação dos conflitos urbanos seja desejável, não nos parece que a mudança do modelo regulatório seja imprescindível para atingir este objetivo, uma vez que o nível de serviço pode ser objeto de regulação e metas de redução de conflitos urbanos poderiam ser incluídas e fiscalizadas. Em relação a expansão da capacidade, deve-se avaliar, ainda, se os incentivos de preço não deveriam ser suficientes para que a própria concessionária identificasse a partir da sua demanda os investimentos intra-rede necessários. Ao longo da vigência da concessão das ferrovias podem ocorrer mudanças relevantes nos mercados atendidos, impactando tanto as informações de demanda quanto as infraestruturas necessárias ao seu atendimento. A luz da experiência internacional, a regulação discricionária das concessões parece mais adequada para lidar com a incompletude dos contratos de longo prazo no setor ferroviário. 93

Tarifas de Acesso Em relação às tarifas de acesso, nota-se a incompletude subjacente à tabela tarifária que deverá vigorar por cerca de 35 anos, em que os preços-teto relativos a serem praticados para diferentes grupos de mercadorias encontrar-se-ão fixos. Conforme destacado por Tirole e Laffont (2000), a definição das tarifas-teto de forma isolada pelo regulador interfere na estrutura relativa entre preços aos usuários finais e ao atacado (acesso). Na visão destes autores, a decisão descentralizada sobre o nível tarifário teria maior propensão a gerar precificação ótima do ponto de vista alocativo. No caso do modelo proposto para o Brasil, tanto as tarifas máximas relativas ao direito de passagem, quanto as tarifas máximas relativas ao serviço de transporte encontram-se reguladas e seu valor relativo estariam fixados pelo período da concessão. Outro aspecto que chama atenção é o mark-up uniforme entre a tarifa de acesso e a tarifa de transporte para todas as mercadorias. A revisão periódica da tabela à luz da metodologia da receita requerida seria um mitigador às potenciais distorções resultantes. Segundo Camacho e Rodrigues (2014), na Regulação por Contrato, como os parâmetros econômicos são definidos ex ante e fixos ao longo de todo o contrato, o processo competitivo pelo direito de prestar o serviço é o único momento em que é possível extrair sinais do mercado. No caso do atual processo de repactuação dos prazos dos contratos de concessão do setor ferroviário, a negociação está sendo realizada de maneira bilateral, com tabelas tarifárias construídas a partir da metodologia de building blocks e da estimação dos custos atribuíveis ao transporte de determinadas mercadorias . Como destacado por Rey e Tirole (2003), a estimativa do custo marginal é matéria difícil, pois a alocação de custos comuns entre usuários costuma ter embasamento teórico incipiente. Os reguladores usualmente não possuem expertise suficiente para conduzir estudos extensivos sobre os custos, sendo mais usual incumbir a parte que se considera prejudicada de provar a precificação incorreta. Diante da ausência de sinais de mercado no processo de estabelecimento dos preços cobrados aos usuários finais e operadores independentes, da dificuldade em estimar corretamente custos diretamente atribuíveis a movimentação das cargas e das ineficiências alocativas derivadas da adoção de métodos de distribuição de custos, seria desejável uma possível revisão periódica das tarifas máximas ao longo dos 35 anos de concessão vindouros. Como o mercado ferroviário brasileiro está caracterizado pela concessão da exploração da infraestrutura por tempo determinado e mediante compensação financeira à União, o modelo aplicável às ferrovias públicas australianas, como no caso da ARTC, parece se adequar melhor. O modelo assemelha-se ao proposto, ao estabelecer as tarifas-teto para direito de passagem conforme mercadorias transportadas, com revisão quinquenal dos níveis praticados circunscritos pela receita requerida para remunerar os custos de operação globais. Também a fixação de uma tabela de referência é prática identificada como positiva no setor ferroviário australiano. 94

Como o compartilhamento de infraestrutura é atualmente realizado majoritariamente entre empresas do mesmo grupo econômico e a movimentação por direito de passagem é desprezível no transporte ferroviário brasileiro, prevalecendo o tráfego mútuo, torna-se difícil avaliar a razoabilidade das tarifas de direito de passagem propostas a partir dos preços praticados atualmente. A fixação simultânea das tarifas para acesso e para o consumidor final pode resultar em duas falhas principais caso a tarifa-teto desrespeite a regra da margem (retail minus )69 : excesso de entrada de operadores ineficientes ou incentivo ao foreclosure por parte da firma verticalizada. Considerando os serviços das concessionárias atuais e dos operadores independentes como homogêneos, a regra para haver entrada seria isto é, o entrante deve obter lucro − ≥ , econômico maior ou igual a zero. Para a firma verticalizada, a provisão do acesso deve resultar em lucro ao menos igual ao observado quando presta o serviço diretamente ao cliente final, isto é, . Assim, para que os incentivos de cooperação estejam presentes, o preço do acesso ≥ + − deve cobrir não apenas o custo de ofertar a infraestrutura, , mas também o lucro cessante da prestação direta do serviço 70 , Cabe destacar que a adoção da solução Ramsey, aplicada na − . hipótese de que os preços ao consumidor final são resultantes de ambiente de competição, prescreveria uma tarifa de acesso ainda maior do que aquela prescrita pelo ECPR, tendo em vista uma correção adicional para a elasticidade preço relativa ao entrante 71 . Para que as duas potenciais falhas não ocorram, torna-se relevante que o regulador, ao estabelecer as tarifas máximas de acesso, tenha considerado corretamente os custos de provimento do acesso e os lucros obtidos pela firma verticalizada na prestação direta e eficiente dos serviços de transporte. Da análise de Armstrong (2001), conclui-se que o principal risco seria a subestimação dos custos fixos e dos lucros potenciais da ferrovia em prestar diretamente o serviço. Nesse caso, a ferrovia verticalizada teria fortes incentivos para praticar foreclosure e prestar diretamente os serviços ao cliente final. O regulador poderia intervir e exigir o acesso mandatório, o que levaria a prejuízos e desincentivo ao investimento por parte da ferrovia. Pela análise de Armstrong, a superestimação dos custos e lucros não levaria necessariamente a perda de bem-estar, pois a ferrovia verticalizada tem incentivos a conceder o acesso a entrante eficientes se puder capturar parcela do lucro total igual ou superior àquela que obteria prestando diretamente o serviço de transporte.

69 Armstrong (2001) demonstra que a tarifa ótima quando o preço final está fixo é a soma do custo de acesso a um fator de correção para os lucros da incumbente no mercado a jusante. 70 Ao considerar os produtos homogêneos, a representação do ECPR proposta por Armstrong (2001), torna-se pois 71 = 2 + − 1, = + − , = 1. Armstrong (2001) apresenta a solução Ramsey como Não obstante, o autor destaca = + − + . que, a depender da homogeneidade dos serviços prestados pelas firmas, o resultado Ramsey aproxima-se do cálculo retail minus. 95

Tomando os preços aparentes de compartilhamento de infraestrutura da EFC e EFVM, os tetos fixados estariam acima do valor praticado atualmente. De fato, no caso das ferrovias administradas pela Vale S.A. (EFVM e EFC), a supervisão sobre o acesso de operadores independentes para transporte de cargas não minerais encontraria menores dificuldades, tendo em vista a priorização da companhia verticalizada pela movimentação da sua produção própria de minério de ferro. Maiores dificuldades poderão surgir na supervisão das tarifas praticadas pelas demais malhas, que concorreriam por cargas diretamente com os operadores ferroviários independentes. Isso porque a firma verticalizada poderia ter sucesso em excluir seus rivais, caso o preço relativo entre a tarifa de transporte e a tarifa de direito de passagem esteja desalinhado na partida. Nesses casos, parece desejável manter-se as revisões tarifárias em ciclos regulatórios, apurando a receita requerida e ajustando periodicamente as tarifas-teto para transporte e para direito de passagem. Adicionalmente, a aplicação do teste ECPR e da regra da margem poderia mostrar-se adequada para reavaliação periódica e supervisão das tarifas de direito de passagem a serem praticadas pelas firmas verticalmente integradas, uma vez que a principal desvantagem dessa metodologia, qual seja o arrasto de preços de monopólio quando o mercado final não está sujeito à regulação, não está presente no setor ferroviário brasileiro. Armstrong argumenta que o ECPR é o instrumento correto para precificar o acesso quando não há outras medidas de compensação ao incumbente da infraestrutura, como subsídios ou impostos diferenciados para entrantes. Além disso, tendo em vista que uma unidade de carga transportada pelo operador ferroviário independente é equivalente a uma unidade de carga transportada a menos pela firma verticalizada, pode-se aproximar o ECPR pela regra da margem sem perda das suas propriedades desejáveis. Assim, a avaliação sobre a adequação da tarifa-teto de direito de passagem poderia estar baseada na fórmula onde a é a = + [ − ], tarifa de acesso, C é o custo de prover acesso a si mesmo ou a terceiros, P é o preço cobrado pela firma verticalizada no mercado final e é o custo marginal do transporte da mercadoria. Resolução de Disputas Em relação ao controle da dispersão tarifária, o mecanismo proposto guarda semelhanças com métodos aplicados nas regulações australiana e norte-americana. Como visto, ferrovias australianas como a ARTC e a Queensland Rail comprometem-se a não praticar discriminação de preços entre serviços idênticos, permitindo a revisão tarifária motivada pelo terceiro que considera que sua tarifa de acesso é injustificadamente diferente da de usuários com mesmas características. No modelo norte-americano de 3-benchmarks o desvio padrão das movimentações de carga consideradas comparáveis com o serviço objeto da arbitragem é utilizado para construção do intervalo de 96

confiança 72 para avaliação da razoabilidade ou não da tarifa praticada 73 . Assim, a preocupação em estabelecer um critério para avaliar a discriminação de preços pela ANTT está alinhada a práticas internacionais 74 . Porém, como a ANTT está aproximando-se da regulação por contrato, há um imperativo para estabelecer uma regra contratual completa, quando a prática internacional mais eficaz parece ser a adoção de procedimentos gerais a serem submetidos a apreciação do regulador, este último atuando como árbitro. A fixação ex ante de uma fórmula contratual fechada limita a função arbitral do regulador, ainda que novos elementos ao longo do tempo indiquem solução diversa daquela contratada hoje. Ainda, no caso de avaliação ex post , a aplicação da dispersão sobre mark ups é mais usual do que a simples verificação do nível tarifário absoluto, pois permite a comparação de transportes que incluam diferenças nos custos variáveis. O exemplo adotado pela STB no procedimento simplificado de 3-benchmarks é um bom referencial para solução de controvérsias quanto à discriminação de preços no setor ferroviário. Adicionalmente, deve-se notar que a fórmula proposta para controle da dispersão tarifária estabelece um intervalo dependente do desvio padrão populacional, em regra menor do que a amplitude das tarifas cobradas 75 . Para um bom funcionamento dos mecanismos de limitação da dispersão tarifária e de livre acesso à operadores ferroviários independentes, o grau de transparência do setor deveria ser substancialmente incrementado, de forma a permitir a verificação independente das medidas propostas pelo regulador, incluindo as tarifas praticadas com amplo acesso pelas partes interessadas.

Incentivos à Novos Investimentos Recomenda-se ampliar a discussão acerca do livre acesso e da respectiva tarifa, para projetos de implantação que venham a ser realizados por investidores privados, como a construção de novos ativos em sistemas fechados de transporte ou mesmo aqueles destinados a prestação do serviço de transporte a terceiros. Nota-se que as inovações regulatórias analisadas constam de proposta do Poder Concedente elaborada tendo como referencial o modelo de concessões de ativos públicos existentes. Ainda que existam exemplos correntes no Brasil, não nos parece que as previsões sejam diretamente aplicáveis quando se tratar do desenvolvimento de novos projetos por firmas privadas. Isso porque, a regulação estrita, abrangendo o livre acesso, fixação de tarifas-teto para prestação do

72 Em geral a metodologia de 3-benchmarks adota um teste de hipótese unicaudal cujo intervalo de confiança é de 90%. 73 Deve-se lembrar, contudo, que a metodologia de 3-benchmarks só é aplicável ao tráfego considerado cativo, isto é, aquele cujos mark-ups excedem 180% do custo variável. Ainda, o parâmetro avaliado é o mark-up praticado e não a tarifa em unidades monetárias. Além disso, aplicam-se prioritariamente restrições quanto à adequação de receitas obtidas pela ferrovia. 74 Um contraponto apresentado por Rey e Tirole (2003) é o de que regras para impedir a discriminação de preços pode ter um efeito perverso pois, ao forçar a oferta da capacidade pelo mesmo preço para os usuários de mesma categoria, a firma verticalizada pode ser incentivada a racionar a quantidade disponibilizada. 75 , para ao menos um par i,j se i≠j. − > ∑ − 97

serviço e para acesso a rede, a não discriminação de preços e a modicidade tarifária, tendem a desincentivar a participação privada em projetos de alto risco, como a implantação de ferrovias greenfield . Como destacado na seção 2.2.3, ao analisarmos os impactos das tarifas de acesso sobre incentivos ao investimento, o investidor que enfrenta os riscos de implantação ex ante deve obter, na média, os retornos adequados ao risco. A fim de evitar o truncamento dos resultados, impedindo que o retorno esperado ( ex ante) justifique o investimento, recomenda-se afastar, ao menos por um determinado período, os elementos de regulação aplicáveis às concessões existentes, concedendo períodos de exclusividade para exploração das ferrovias, sem acesso mandatório e com livre fixação e negociação de preços entre as partes. A tabela 11 apresenta um resumo das principais conclusões e recomendações deste capítulo. Tabela 11 – Conclusões e Recomendações Forma da Regulação • Manutenção do modelo de regulação discricionária para as concessões existentes, permitindo revisões periódicas das condições com base na metodologia de building blocks . • Caso existam projetos desenvolvidos exclusivamente por parceiros privados, recomenda-se a adoção de práticas de supervisão e regulação por ameaça. Modelo Tarifário • Maior flexibilidade na fixação do nível tarifário, aplicando-se um modelo baseado em price cap global, afastando a fixação das tarifas com base na estimação de custos diretamente atribuíveis aos serviços. • Revisão periódica e aplicação do teste ECPR e “ teste da margem” para supervisão dos preços relativos praticados na concessão de acesso a terceiros. • Cobrança da tarifa de acesso em duas partes de forma a incentivar a entrada de operadores independentes mais eficientes. • Cobrança da parcela fixa da tarifa de acesso por volume, incentivando a formação de trens menores, permitindo maior flexibilidade nos cronogramas para transporte de carga geral e incentivando a entrada de operadores independentes. • Divulgação de tarifas de referência. Resolução de Disputas • Definição de guia de procedimentos e metodologias objetivos e compreensíveis. • Definção do regulador como árbitro para julgar as disputas ex-post, a luz das informações mais atualizadas. • Evitar a fixação em contrato de fórmulas que limitem a dispersão tarifária ex ante . 98

Novos Investimentos • Concessão de período de exclusividade na exploração de novos Privados ativos antes de exigir o acesso de terceiros, como forma de adequar os retornos esperados aos riscos do desenvolvimento de projetos greenfield . • Fixação de período para livre fixação de preços pelo investidor, a fim de viabilizar empreendimentos de alto risco. Fonte: Elaborado pelo autor.

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6 .REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ANTT . Relatório Final da Comissão Instituída pela Portaria DG N.º 582, de 27 de outubro de 2015, e alterada pela Portaria DG N.º 430, de 18 de outubro de 2016. Brasília, dezembro, 2016. ANTT. Nota Técnica N o 142/SUCAR/SUREG, de 26/12/2011: Processo de Revisão Tarifária das Concessionárias de Serviço Público de Transporte Ferroviário de Cargas . Brasília, dezembro, 2011. ANTT. Resolução N o 3.695/2011, de 14/07/2011. Brasília, 2011.

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