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RESENHA DE NOTÍCIAS CULTURAIS

Edição Nº 56 [ 22/9/2011 a 28/9/2011 ] Sumário

CINEMA E TV...... 4 Folha de S. Paulo - 'Doce Brasil Holandês' divaga sobre colonização do Nordeste...... 4 O Estado de S.Paulo - O filme das maravilhas...... 4 Folha de S. Paulo - Indicação de 'Tropa 2' mostra que ficha caiu para o establishment...... 5 Folha de S. Paulo - Obras literárias premiadas irão migrar para o cinema...... 6 Correio Braziliense - Candango em transe...... 7 O Globo - Conde Belamorte ...... 8 O Estado de S.Paulo - Rock in Rio? Não, Brasília...... 9 Folha de S. Paulo - Festival de Brasília começa hoje repaginado...... 10 Correio Braziliense - O canto das guerreiras ...... 11 Correio Braziliense - Pela bandeira da identidade...... 13 Correio Braziliense - Cidade partida...... 14 O Estado de S.Paulo - Uma professora de classe...... 15 Estado de Minas - O mundo é aqui Mostra ...... 16 Correio Braziliense - Assombros do cotidiano...... 18 Correio Braziliense - Rock in Brasília ...... 19 Correio Braziliense - Cinema sem preconceito ...... 20 O Globo - ‘Jornal Nacional’ festeja vitória no Emmy...... 23 TEATRO E DANÇA...... 23 Correio Braziliense - Ó, abre-alas...... 23 Correio Braziliense - Cronista de veia satírica...... 25 Correio Braziliense - Celeiro de intérpretes ...... 26 Correio Braziliense - Humor marca homenagem a Autran ...... 28 Estado de Minas - Eterna vanguarda...... 29 O Estado de S. Paulo - Brilho próprio ...... 30 O Globo - A subversão da obra de ...... 31 O Globo - Uma crise existencial dos novos tempos...... 32 O Estado de São Paulo - Partitura de haicai...... 33 O Globo - O Rio leve e divertido de Flávio Marinho ...... 34 O Globo - Tipo exportação ...... 35 O Estado de S.Paulo - Uma pobre versão de Puchkin...... 39 O Estado de S. Paulo - Enfim, termina a rivalidade...... 40 ARTES PLÁSTICAS...... 41 Correio Braziliense - Geografias afetivas...... 41 O Estado de S.Paulo - Explosão pós-moderna...... 42 O Estado de S. Paulo - Novo polo argentino de artes...... 43 Folha de S. Paulo - Bienal de Lyon tem forte presença de brasileiros...... 44 Folha de S. Paulo - Exposição mostra todas as faces de Oswald de Andrade...... 45 FOTOGRAFIA...... 45 O Globo - Memórias coloridas...... 45 MÚSICA...... 48 Estado de Minas - Baixo que canta ...... 48 Folha de S. Paulo - Jazz Sinfônica toca hoje com Hamilton de Holanda em SP...... 49 Correio Braziliense - Rock (DF) in Rio...... 50 O Globo - Honoris Alma...... 51 O Globo - O moderno poeta do sertão mostra sua roupa nova ...... 53 Correio Braziliense - Marina na maturidade...... 54 Correio Braziliense - Apoteose do samba...... 56 Estado de Minas - Zé Geraldo lança DVD na capital...... 56 Estado de Minas - Bendita loucura ...... 57 O Globo - Espaço para nova MPB e cena instrumental...... 58 Correio Braziliense - Um homem mais que desejado ...... 59 O Globo - Maria Rita, direto do palco para o disco...... 60 O Globo - Arquitetura e amplidão na música do Caymmi caçula...... 62

2 LIVROS E LITERATURA...... 63 Agência de Notícias Brasil-Árabe - Alberto Mussa em árabe...... 63 Folha de S. Paulo - Prêmio Jabuti anuncia os finalistas em 29 categorias...... 64 O Globo - Livro registra a história do desenho de humor ...... 64 O Estado de São Paulo – Tradição brasileira...... 65 O Estado de S. Paulo - Oswald de Andrade é tema de mostra em São Paulo...... 66 O Globo - Reunida em livro, a obra de uma artesã das palavras...... 67 Correio Braziliense - Espectros do passado...... 68 O Estado de S. Paulo - Glauber e os anos verdes...... 69 Folha de S. Paulo - Antes do mito...... 70 OUTROS...... 71 Folha de S. Paulo – Barrados na Bélgica...... 71 Folha de S. Paulo - Belgas admitem conhecer Brasil só pelos clichês...... 72

3 CINEMA E TV

FOLHA DE S. PAULO - 'Doce Brasil Holandês' divaga sobre colonização do Nordeste

Filme investiga ocupação holandesa e reúne família Van der Ley

ELISANGELA ROXO, COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

(22/9/2011) Se Nassau não tivesse sido expulso de Recife no século 17, como teria sido um Nordeste colonizado pelos invasores holandeses? O documentário "Doce Brasil Holandês", de Monica Schmiedt, que estreia hoje na "Faixa Imperdível", do GNT, vai além dessa pergunta. Duas linhas narrativas conduzem a coprodução entre Brasil e Holanda: entrevistas com especialistas e histórias de gente de verdade. Historiadores tentam explicar o período de 24 anos em que os invasores estiveram por aqui (de 1630 a 1654) e a saudade que os recifenses dizem sentir da época.

Além dos depoimentos, é possível acompanhar a viagem da alemã Sabrina van der Ley, uma historiadora da arte, descendente de holandeses em busca das influências dos antepassados em Pernambuco. Em Recife, ela vai encontrar diversos representantes das famílias Vanderley e Wanderley, também descendentes de holandeses.

As cenas mais bonitas, porém, são as montagens sobre as pinturas de Albert Eckhout e Frans Post, que retrataram as cores e os personagens do Recife do século 17.

O ESTADO DE S.PAULO - O filme das maravilhas

Nascido de uma carta-manifesto, Desassossego usa poesia de Pessoa como farol para viajar na aventura

LUIZ CARLOS MERTEN

(23/9/2011) Pode ser que a melhor coisa de Desassossego seja o próprio título do filme que estreia hoje. Desassossego, segundo o dicionário, quer dizer inquietação, agitação, ansiedade. Essa última carrega um componente talvez negativo, mas a inquietação e a agitação podem reverter em mudanças, transformações. Some-se a isso o subtítulo - O Filme das Maravilhas. O desassossego reverte em maravilha. Temos aí, quem sabe, uma metáfora do próprio cinema. Do projeto da distribuidora Vitrine.

Desde que surgiu, a Vitrine tem colocado nas telas o cinema dos jovens realizadores, as novas propostas estéticas, o desassossego autoral. E tudo isso tem produzido filmes maravilhosos como Estrada para Ythaca, do coletivo Pretti/Parente, ou Além da Estrada, de Charly Braun. A estrada tem estado em pauta no projeto da Vitrine. Estrada da vida? Do cinema?

Gustavo Bragança foi o artífice de Desassossego. Com Marina Meliande, é o diretor de A Alegria. Com todas as especificidades que tem aquele filme, ele dialoga com outros títulos da produção recente brasileira e que também colocam na tela a juventude dos anos 2000. "Em comum, acho que temos o desejo de lançar um olhar sobre questões da formação de identidade de uma geração crescida de 1992 para cá - num país e numa perspectiva planetária de utopias rarefeitas e referenciais políticos amenizados. Em A Alegria, especificamente" - ele dizia numa entrevista na época do lançamento -, "a ideia se dá dentro e através da cidade na qual os personagens vivem, habitam e se desenvolvem."

Na origem de Desassossego, está O Livro do Desassossego, do poeta português Fernando Pessoa. O livro reúne hoje cerca de 50 textos, dos quais apenas 12 foram publicados pelo próprio Pessoa. Até hoje se discutem a questão da autoria e os critérios para a reunião dos textos. Interessava a Bragança trabalhar a fragmentação que está na essência de Desassossego, mas o filme também dialoga com outro lançamento da Vitrine, Pacific, de Marcelo Pedroso. Quando Desassossego surgiu como projeto, Bragança ainda não conhecia o filme pernambucano, mas ambos terminam trabalhando sobre imagens colhidas por outros.

4 Bragança baseou-se num bilhete encontrado no armário de uma adolescente, Luiza. Ela virou a personagem emblemática de A Alegria, que ele fez em parceria com Marina Meliande. O bilhete virou a carta-manifesto que Bragança enviou a 14 diretores, convidando-os a expressar seu desassossego. Surgiram esses fragmentos de cinema para falar de amor, aventura e utopia nos dias de hoje. Como ele diz - a ideia nunca foi fazer um filme em episódios, mas criar um fluxo contínuo a partir dos fragmentos filmados e que os diretores selecionados iam enviando.

Bragança, Marina e também Ivo Lopes Araújo, Marco Dutra, Juliana Rojas, Caetano Gotardo, Raphael Mesquita, Leonardo Levis, Andrea Capella, Carolina Durão, Helvécio Marins, Clarissa Campolina. Todos eles e mais Karim Aïnouz, o diretor de Madame Satã, O Céu de Suely e Viajo Porque Preciso, Volto Porque Te Amo, que, rapidamente, se converteu no emblema de um cinema que, sem deixar de ser autoral - e até radicalizando a autoria -, é também pop. O novo Karim Aïnouz, lançado no Festival de Cannes, em maio, chama-se Abismo Prateado e inspira-se em canções de Roberto Carlos. O rei tem feito obra de sutileza, cantando o desassossego de amor e sexo dos brasileiros há décadas. E ele o faz por meio de uma doce subversão dos padrões comportamentais.

Quais são as histórias - os fragmentos - do Filme das Maravilhas? Marco Dutra e Juliana Rojas enviaram um filme de 40 minutos, Karim Aïnouz enviava o material que ia filmando, em São Paulo como em Berlim, onde se estabeleceu para desenvolver outro projeto. O desafio era sempre chegar ao 'ápice do sonho', ao fragmento capaz de se integrar na utopia de Desassossego, no processo que Bragança roteirizou e Marina montou. Ambos se tornaram conhecidos graças à trilogia de A Fuga da Mulher Gorila, A Alegria e, agora, Desassossego. E tudo ocorreu rapidamente. O Filme das Maravilhas tem a cara da Vitrine e no novo cinema autoral brasileiro.

FOLHA DE S. PAULO - Indicação de 'Tropa 2' mostra que ficha caiu para o establishment

Filme que tenta vaga no Oscar pelo Brasil foi recorde de bilheteria e uniu direita e esquerda, público e crítica

RICARDO CALIL, CRÍTICO DA FOLHA

(23/9/2011) Quando a comissão reunida em 2007 pelo Ministério da Cultura escolheu "O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias" como representante do Brasil no Oscar daquele ano, preterindo "Tropa de Elite", havia lógica nessa opção.

Era um filme de molde clássico e mensagem humanista, com mais potencial para agradar aos velhinhos da Academia que votam na categoria de filme estrangeiro.

Mas também havia, e isso parece mais claro hoje, uma dificuldade de identificar o óvni que era "Tropa", de reconhecê-lo como um caso de exceção, que merecia que a lógica fosse deixada de lado.

Como diria depois o crítico Gustavo Dahl, "Tropa" "salva o cinema brasileiro da irrelevância" -não estética, mas social: um filme pautando o debate sobre segurança pública no país.

Os camelôs da rua 25 de Março, a torcida do Flamengo, os fabricantes de brinquedos e o júri do Festival de Berlim entenderam isso. O establishment cinematográfico brasileiro -da comissão do ministério até nós, da crítica, passando por distribuidores e exibidores- não. Narciso acha feio o que não é espelho.

Preferimos rotular o filme -fascista, "Rambo" à brasileira- a olhar para ele. Ignoramos o elefante na sala de estar, em vez de despachá-lo para o Oscar.

Quatro anos se passaram, "Tropa 2" foi lançado, virou recordista de bilheteria, e a ficha caiu de vez para o establishment. O "mea culpa" do capitão Nascimento ajudou: ele continuou sendo truculento e incorruptível, mas reconheceu que o sujeito dos direitos humanos tinha lá sua razão.

"Tropa de Elite 2" se tornou, então, um filme de coalizão nacional, unindo direita e esquerda, público e crítica, o fã de MMA e o praticante de ioga. Nada mais justo que ele se torne também nosso produto de exportação. O elefante está no rumo certo.

5 FOLHA DE S. PAULO - Obras literárias premiadas irão migrar para o cinema

Adaptações serão filmadas em 2012 e 2013 por nomes importantes do cinema

Cristovão Tezza e Ronaldo Correia de Brito acabam de negociar os direitos autorais de seus livros

JOSÉLIA AGUIAR, COLUNISTA DA FOLHA

(24/9/2011) "O Filho Eterno", de Cristovão Tezza, multipremiado em 2008, vai virar filme pela RT Features. Do mesmo autor, "Juliano Pavollini" é agora de Caio Blat.

De Ronaldo Correia de Brito, "Galileia" já havia sido comprado pela RT Features. E agora seu "Retratos Imorais" está "de namoro com contrato acertado", como diz , o diretor.

De , três obras literárias estão no caminho para as telas.

"Dois Irmãos" será dirigido por Luiz Fernando Carvalho, de "Lavoura Arcaica".

"Relato de um Certo Oriente", por Marcelo Gomes, de "Cinema, Aspirinas e Urubus". E "Órfãos do Eldorado", por Guilherme Coelho, de "Fala Tu".

A coincidência parece se explicar: após algumas temporadas de prêmios, obras que venceram ou se destacaram como finalistas são preparadas para virar filmes, com filmagens previstas para 2012 e 2013.

Rodrigo Teixeira, da RT Features, que comprou direitos de vários livros, diz que os prêmios não influenciaram tanto.

"Gostei do que li. E alguns comprei até antes de serem premiados", afirma.

Entre as que estão com Teixeira, há "Pornopopeia", de Reinaldo Moraes, finalista em dois prêmios em 2010. E obras de Sérgio Sant'Anna, Lourenço Mutarelli, Daniel Galera e Carol Bensimon.

Teixeira diz que lá fora é maior a influência dos prêmios nos preços. Os valores no Brasil variam de R$ 10 mil a R$ 200 mil.

Das mais esperadas, a minissérie da Globo baseada no "Dois Irmãos", preparada por Luiz Fernando Carvalho, ainda está sem data para estreia.

"Parte da demora se deve à busca pelas locações. Adaptações literárias para os meios visuais têm mistérios que se revelam aos poucos. O que persiste na memória nem sempre sobrevive na paisagem", diz Carvalho.

"Retratos Imorais", um dos finalistas anunciados pelo Jabuti na quarta, já é, segundo seu autor, Correia de Brito, "um recordista em adaptações para o teatro e em propostas para o cinema".

Afora as citadas, um dos contos serviu de mote para um documentário da BBC e outro deve se tornar filme. Contos vão ser encenados por dois grupos de teatro pernambucanos.

ADAPTAÇÕES DE OBRAS LITERÁRIAS

Cristovão Tezza - "O Filho Eterno": vai virar filme pela RT Features - "Juliano Pavollini": comprado por Caio Blat

Ronaldo Correia de Brito - "Galileia": comprado pela RT Features - "Retratos Imorais": contrato assinado com o cineasta Walter Carvalho

6 Milton Hatoum - "Dois Irmãos": será dirigido por Luiz Fernando Carvalho - "Relato de um Certo Oriente": será dirigido por Marcelo Gomes - "Órfãos do Eldorado": será dirigido pelo cineasta Guilherme Coelho

Reinaldo Moraes - "Pornopopeia": direitos autorais comprados pela RT Features

CORREIO BRAZILIENSE - Candango em transe

Dispensa do ineditismo para os filmes concorrentes e outras inovações podem revelar uma edição imprevisível e inovadora da mostra

Yale Gontijo, Tiago Faria e Felipe Moraes

(25/9/2011) Com a promessa de uma edição “nova, moderna e instigante”, o Festival de Brasília do Cinema Brasileiro completa 44 anos diante de um desafio que deve se revelar decisivo para a história da mostra mais antiga do país: mudar para permanecer relevante. No papel, a intenção pode parecer bem-vinda, e acima de qualquer polêmica. Mas as alterações radicais no perfil do evento, divulgadas há quatro meses pela Secretaria de Cultura do DF, instalaram um clima de incerteza entre cineastas, críticos e cinéfilos. Sabe-se que o Festival de Brasília não é mais o mesmo. Mas que festival será este? A resposta ao mistério será conhecida a partir de amanhã, quando o roteiro de novidades finalmente entra em cartaz.

Para se impor diante da concorrência de festivais, Brasília aboliu a valorização do ineditismo na escolha dos longas-metragens, se antecipou no calendário do ano cinematográfico e instituiu prêmios maiores em dinheiro. A série de medidas foi tomada para garantir uma programação mais robusta. Na prática, no entanto, o pacote de reformas trouxe efeitos que preocupam uma parte da classe cinematográfica. A mais controversa envolve o novo critério de seleção de filmes: entre jornalistas que cobrem o evento, correm críticas de que uma competição “de segunda mão” (com longas que disputaram em outras mostras brasileiras) pode enfraquecer o prestígio da capital.

O argumento é defendido por membros da Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine), e rejeitado pela coordenação do Festival de Brasília, que aposta no objetivo de exibir “o melhor da produção nacional”, independentemente do ineditismo. “As mudanças conceituais precisavam ter sido feitas. O festival tem que voltar a ser importante para Brasília, para o cinema brasileiro e para o país”, afirma Nilson Rodrigues, coordenador geral do evento.

Entre cineastas e produtores, não há consenso em relação ao vespeiro: a maioria vê a alteração com simpatia, já que ela alarga a rede de exibição onde os filmes podem circular e competir. Na Associação Brasiliense de Cinema e Vídeo (ABCV), também não há posição unânime, ainda que grande parte seja contrária à queda do ineditismo (leia mais na página 3). “É bom lembrar que o ineditismo nunca foi uma obrigação no Festival de Brasília. Existia a preferência pelo ineditismo”, observa o crítico João Carlos Sampaio, secretário da Abraccine, que já integrou a comissão de seleção há dois anos.

Para Sampaio, os filmes que não são inéditos poderiam ter sido exibidos numa mostra paralela, de caráter informativo (e não competitivo). “Faltou coragem e ousadia. O festival optou por filmes que já foram testados, que já passaram por um crivo. Os filmes são o patrimônio, a matéria-prima de qualquer festival. Por mais que mudanças sejam necessárias, não se pode rasgar a sua história”, destaca. Ele desconfia que a comissão julgadora não teria tido tempo hábil para ver todos os filmes — foram 624 inscritos, sendo 110 longas (56 inéditos), 415 curtas e 99 fitas de animação. O processo de seleção abarcou o período logo após 30 de junho (o último dia das inscrições) até 15 de julho, quando foi divulgada a lista dos escolhidos. “Não recebi nenhuma reclamação da comissão de seleção nesse sentido”, garante Nilson.

Reprises Entre os seis longas que disputam Candangos, três já foram exibidos em outras mostras nacionais de grande porte: Trabalhar cansa, de Juliana Rojas e Marco Dutra; e Meu país, de André Ristum, competiram em Paulínia — e perderam para A febre do rato, de Claudio Assis. Já As hiper mulheres,

7 de Carlos Fausto, Leonardo Sette e Takumã Kuikuro, estreou em Gramado. Os três filmes foram vistos pela equipe do Correio. Os inéditos no país, que começam a trajetória em Brasília, são Hoje, de Tata Amaral; O homem que não dormia, de Edgard Navarro; e Vou rifar meu coração, de Ana Rieper. Além da mostra principal — que este ano será exibida simultaneamente em mais três cidades (veja quadro) —, o festival contará com cinco seminários, cinco oficinas, quatro mostras paralelas e a Mostra Brasília, agora transferida para o Museu da República.

Cineastas que participam da edição não fazem ressalvas quanto às mudanças promovidas pela Secretaria de Cultura e preferem elogiar o aumento da premiação, que se iguala ao maior prêmio nacional (R$ 250 mil para o melhor longa, o equivalente ao prêmio máximo de Paulínia). “O valor do prêmio, por si só, já sinaliza que o festival quer apoiar o lançamento dos filmes. Isso devia servir de exemplo”, comenta Tata Amaral. Já Edgard Navarro, vencedor do Candango em 2005 (por Eu me lembro), acredita que o festival está se comportando “de uma maneira inteligente”. “Por ser o festival mais tradicional, ele precisava de uma renovação. A mudança de data foi um avanço: antes, ele ficava com o rebotalho dos outros festivais”, diz.

O GLOBO - Conde Belamorte

Redescoberto em Bangu, escritor ‘macabro’ que despontou nos anos 60 vira documentário

Mariana Filgueiras

(25/9/2011) Em meados do ano passado, pouco depois de ganhar o Prêmio da Música Brasileira com sua orquestra Frevo Diabo, o compositor e músico pernambucano Armando Lôbo teve um encontro macabro. Num sebo do Largo da Carioca, no Centro, fuçava entre os livros velhos quando se deparou com um de capa grotesca, intitulado “A dança dos espectros”. A obra, de 1963, era de um tal Conde Belamorte. No prefácio, o autor dedicava o livro à morte, “esta vetusta e invisível senhora, que amo com um amor transcendental, o qual nenhuma mulher ainda se fez digna de merecer”. Encantado pelos poemas sombrios e sofisticados da coletânea, decidiu levá-la. Desde então, a obra de Belamorte virou uma paixão.

— Primeiro notei a riqueza vocabular e o artesanato métrico dos poemas. Depois percebi que o grotesco do Belamorte era apenas parte de um projeto transcendente. Ele é um parnasiano com tons simbolistas, e isso em pleno século XXI — elogia Armando.

Decidido a musicar um dos sonetos do livro para seu álbum seguinte, “Técnicas modernas de êxtase”, lançado em julho último, Armando começou a procurar o autor por toda parte para pedir autorização. Mesmo sem saber sequer se ele estava vivo. Alguns poucos resultados no Google indicavam seu nome verdadeiro: Joviano Martins Soares Filho. Foi assim que ele assinou o primeiro livro, “Rosas do meu altar”, de 1955, em Nova Lima, na região metropolitana de Minas Ge rais. Depois, já como Conde Belamorte, publicou ainda “A dança dos espectros”, em Belo Horizonte, e “Tonico Tinhoso, o afilhado do diabo”, no Rio, em 1985. Sempre fiel ao aasunto preferido, a morte, muito antes que os temas soturnos virassem um filão literário incrustado de vampiros e lobisomens.

Ao comentar a história com amigos num bar de Santa Teresa, onde vive, Armando ouviu do garçom, que passava de relance: “Belamorte? Ele mora perto da casa da minha mãe, em Vila Kennedy.” E foi assim que, em mais uma coincidência espantosa, o músico conseguiu o contato de Belamorte, que vai ser tema de documentário.

Foram quatro cartas até o primeiro encontro, que a Revista O GLOBO acompanhou. Naquela sexta- feira de agosto, Belamorte abriu a porta da casinha humilde em que vive na Travessa da Paz, em Vila Kennedy, encoberto por uma capa preta adornada com correntes e efígies de caveiras. Mas com aquele sorriso dócil, aos 73 anos, Belamorte não assusta ninguém. Nem a filha, Semiramis, de 10 anos, que interrompe a entrevista para se despedir do pai com um beijo na testa e ir para a escola.

De um lado da sala, uma estante guarda livros de Allan Poe e Baudelaire entre dicionários de alemão. Do outro, uma cortina amarela esconde um sarcófago apelidado de “mausoleia”, o local onde ele leva as mulheres à mais desejada das mortes. Belamorte mostra a foto na parede em que aparece lutando caratê. O caderno aberto sobre a mesa indica um soneto em progresso. Dentro do armário do quarto, tem 17 pastas pretas repleta de versos alexandrinos à espera de quem os tire do limbo.

8 Com a fala pausada e erudição desconcertante, Bela, como é chamado, conta que é de Nova Lima. Na infância, os pais se mudaram para uma casa ao lado do cemitério, que acabou virando seu quintal. Cresceu sem entender por que as pessoas tinham tanto medo daquele jardim.

Bela começou a escrever, na juventude, quando era trompista da Banda da Polícia Militar de Belo Horizonte. Com os instrumentistas estrangeiros, tomou gosto por Bach, aprendeu alemão e leu poetas românticos. Nesta época, seu “chefe” era o então governador de Minas, Juscelino Kubitschek, que o encorajou a publicar o primeiro livro de poesias. A alcunha Conde Belamorte veio mais tarde.

— Senti a necessidade de escrever sobre coisas mais profundas, que fizessem mais sentido para todos, não só para mim — diz Bela. — Muitos poetas já celebraram a vida, a beleza, isso fez com que eu me sentisse vulgar. Os temas mais bonitos da música e pintura tem ligação com a morte, que é bela, não é o fim. E pus “Conde” porque é bonito, não é?

Bela foi ainda livreiro, costureiro, barbeiro. Completamente adepto de uma estética funesta, a primeira mulher o abandonou. Foi quando a italiana Gillida Bettoni se apaixonou por ele, tornando-se a Condessa Belamorte, dividindo seu caixão e lhe dando a primeira filha, Euterpes. A história de outro mundo ganhava as ruas e Bela virou uma lenda. Foi descoberto pela revista “O Cruzeiro”, que o comparou a Augusto dos Anjos, e por programas de rádio e TV, que buscavam semelhanças com o diretor José Mojica Marins, o Zé do Caixão.

— Não desmereço o cineasta, mas não sou um personagem. A minha relação com a morte é sincera — refuta Bela.

Depois de uma certa fama, e nenhum dinheiro, veio tentar a vida no , deixando para trás outros cinco filhos, de nomes como Júpiter ou Tucídides. Chegou a lançar o último livro num cemitério, em 1985, mas hoje se mantém com a aposentadoria da Polícia Militar. Vive só, ajuda a cuidar de Semiramis, que mora com a mãe, pratica caratê (quando veste branco), lê e escreve. Muito. Mas a carreira de escritor ainda está enterrada viva nos sebos, onde um exemplar seu vale até R$ 130. E na memória afetiva dos mineiros: a filial de Belo Horizonte da rede Devassa batizou um prato com seu nome.

— Embora as pessoas possam se interessar só pelo lado exótico, Belamorte não se rendeu a isso. Ele é muito autêntico, um documentário pronto. Não sei como ainda não foi feito — diz o diretor Rodrigo Montenegro, da produtora Panorâmica, já em negociação para produzir um filme sobre sua história.

Haja assunto. Belamorte também tem centenas de poemas eróticos dedicados às mulheres que passaram pela sua “mausoleia”, como “A desforra de Albanice” ou “Cristina Quebra-Cama”.

— Quanto mais velho fico, quanto mais eu percebo a presença da outra vida, tanto mais erótico me sinto — atesta Belamorte, que garante que o caratê tardio fez toda a diferença para a libido. — Apesar de ter sofrido nas mãos das mulheres, escrevo muito sobre elas. Sou muito lascivo.

O ESTADO DE S.PAULO - Rock in Rio? Não, Brasília

Que País É Esse? Embala o belo documentário Rock Brasília, que abre festival hoje

LUIZ CARLOS MERTEN

(26/9/2011) Vladimir Carvalho deve sua fama a documentários de recorte político e social, como O País de São Saruê e Conterrâneos Velhos de Guerra. O segundo investiga a morte de candangos, durante a investigação de Brasília. Carvalho, paraibano de origem, não renega suas raízes, mas ama Brasília. Marcado, como todos os homens e mulheres de sua geração - não apenas diretores - pelos acontecimentos de 1964, ele sonhou durante anos com um filme contando a história da invasão da Universidade de Brasília pelos militares, e fez Barra 68.

9 Foi como se se encerrasse um ciclo. O velho guerreiro deu continuidade à sua obra, nos anos 2000, de certa forma mais liberto. Fez O Engenho de Zé Lins, metaforizando, por meio das ruínas do engenho que pertenceu à família do escritor, uma indagação sobre o próprio sentido de sua obra, e da permanência dos seus escritos. José Lins do Rêgo foi, com certeza, Confissão. Dado Villa-Lobos relembra o Legião uma influência forte sobre Carvalho. Falar dele, ou sobre ele, foi ferramenta para o diretor falar de si, da sua geração. E aí veio Rock Brasília.

É significativo que, em pleno Rock in Rio, o filme esteja inaugurando hoje o Festival de Brasília. Rock Brasília é político, como O Engenho de Zé Lins, mas de um outro jeito. Vladimir Carvalho, aos 70 e tantos anos - nasceu em 1935 -, parece estar começando de novo e fazendo os melhores filmes de sua carreira. O longa reúne depoimentos raros e inéditos dos protagonistas daquele movimento inspirado nos punks de Londres, como , Dado Villa-Lobos e Marcelo Bonfá, do Legião Urbana; Dinho Ouro Preto, Fê e Flávio Lemos, do Capital Inicial; e Philippe Seabra, do Plebe Rude. Também dão seu testemunho outros artistas que se aproximaram da 'tchurma', como , do Paralamas do Sucesso, e .

Numa entrevista por telefone, Carvalho confessa que o fato de ser um veterano não significa muito. Qual é sua expectativa para a exibição de hoje? "Estou com aquele friozinho na barriga", admite. O Engenho e Rock Brasília são seus melhores filmes? "Estou filmando há 50 anos. A gente termina por aprender", ele diz (e ri). Seu público nem deve se lembrar, mas havia rock em O País de São Saruê, Conterrâneos e Barra 68. Ele conta: "Sou 13 anos mais velho que o Walter (Carvalho, o grande fotógrafo). Walter é filho do segundo casamento de minha mãe e eu meio que fui seu pai, cuidando dele. Quando Walter virou adolescente e descobriu o rock, eu, como irmão mais velho, segui todo o processo. Foi muito importante ter assistido a Sementes da Violência, de Richard Brooks, aos 22 anos."

Rock Brasília está saindo no momento em que Walter Carvalho finaliza seu filme sobre . Rock, rock, rock. Vladimir lecionava documentário na Universidade de Brasília, no final dos anos 1970. Naquela época se esboçava a transição para a democracia e ele estimulava seus alunos a documentarem tudo o que ocorria na cidade. Havia o mito de que Brasília tinha 200 bandas. A garotada e o próprio Vladimir Carvalho começaram a documentar o nascente rock brasiliense. Ele lembra que Renato Russo era um personagem extraordinário, completamente fissurado pelos sonetos de Shakespeare. "Todos aqueles garotos que faziam rock vinham da classe média, eram filhos de professores, diplomatas. Mesmo que talvez não fosse conscientemente, o rock passou a canalizar o anseio por mudanças políticas e sociais."

O novo documentário encerra uma trilogia sobre a construção cultural e ideológica da Capital Federal - que começou com Conterrâneos e prosseguiu com Barra 68. As cerca de 40 horas que Carvalho conseguiu coletar - e que, depois de um ano de montagem, viraram o longa - incluem momentos como o quebra-quebra no show do Legião Urbana no Estádio Mané Garrincha, em junho de 1988, e o grande show do Capital Inicial na Esplanada dos Ministérios em 2008, com Dinho cantando a música do colega Renato Russo, Que País É Esse? As mudanças do Brasil estão na tela. E o friozinho na barriga cresce à espera do que poderá ser - tomara - uma apoteose, hoje à noite. Rock Brasília estreia em outubro, dia 21.

FOLHA DE S. PAULO - Festival de Brasília começa hoje repaginado

Evento aboliu exigência de ineditismo de longas e traz títulos já conhecidos do público

10 AMANDA QUEIRÓS , DE SÃO PAULO

(26/9/2011) Em seu 44º ano, o Festival de Brasília resolveu mudar. Após sucessivas edições que apontavam para um esgotamento, o evento começa hoje testando novo formato.

O ineditismo exigido na escolha dos longas-metragens caiu e, em vez de encerrar a temporada de festivais, em novembro, a mostra ocorre agora, antes da Première Brasil do Festival do Rio, sua rival direta na disputa por títulos nacionais fresquinhos.

As medidas visam turbinar a competição. Nos últimos anos, o fator ineditismo fez Brasília amargar com uma seleção pouco atraente, já que muitos produtores passaram a apostar no Festival de Paulínia, que ocorreu em julho.

A novidade, no entanto, deve ser acompanhada por uma certa sensação de dejà vu. A abertura exibirá "Rock Brasília - Era de Ouro", de Vladimir Carvalho -melhor documentário em Paulínia.

Além disso, dos seis longas da competição, três já deram as caras. "Trabalhar Cansa", de Juliana Rojas e Marco Dutra, e "Meu País", de André Ristum, foram exibidos no festival paulista, enquanto "As Hiper-Mulheres", de Carlos Fausto, Leonardo Sette e Takumã Kuikuro, passou no Festival de Gramado.

As expectativas, portanto, se voltam para os novíssimos "Hoje", de Tata Amaral, e "O Homem que Não Dormia", de Edgard Navarro. Completa a seleção o documentário "Vou Rifar Meu Coração", de Ana Rieper.

A premiação recebeu ainda um incremento e o melhor longa receberá R$ 250 mil -mesmo valor de Paulínia.

CORREIO BRAZILIENSE - O canto das guerreiras

Trio de estreantes em longa-metragem abre a mostra competitiva do Festival de Brasília com o documentário As hiper mulheres.

O filme registra um ritual feminino no Alto Xingu que não ocorria desde 1982

Ricardo Daehn

11 (27/9/2011) Houve um momento em que, no meio dos elementos do “outro planeta” chamado Alto Xingu, Leonardo Sette, um dos três diretores do documentário As hiper mulheres, caiu em torpor. “As câmeras estavam lá, na praça central da aldeia onde acontecia um ritual faraônico, e me perguntei: ‘Cadê o filme aqui? Vou montar uma aventura como o Corra Lola, corra e não uma fita que tenha algo de Robert Flaherthy”, diverte-se ele, numa referência ao cineasta que fundou uma escola atenta às relações entre os humanos e a natureza.

Superadas as dificuldades, Sette, ao lado do colega Takumã Kuikuro (cineasta saído do povo indígena Kuikuro), completou a obra, que dá a partida na competição do 44º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, hoje, no Cine Brasília. Exibido no Festival de Gramado em agosto, As hiper mulheres é definido pelo terceiro diretor, o antropólogo Carlos Fausto, como “um filme sobre música, memória e transmissão do conhecimento, que passa pelo afeto das relações pessoais”.

“Foi uma operação de tentar desconstruir e envolver — começar naquilo pequeno, no cotidiano dos índios. Se entrássemos logo com uma monumental sequência de dança, as pessoas iam dizer: ‘Ah, tá, filme de índio? Não, vira um mantra e eu tô fora’”, completa Sette.

Ciente da resistência do público a produções etnográficas ou que supracontextualizem o tema, o trio tem o olhar sintetizado pela visão de Fausto: “Filmes que tenham índios como personagens ficam num nicho restrito: ninguém vê. Há duas correntes, em geral: uma atitude é encantada — ‘índio, natureza, harmonia? Que lindo, que bacana!’ — e a outra associa o filme a atraso e a algo que não queira ver”. É por outra via — “fruto de um longo trabalho que conquistou a intimidade e a liberdade dos indígenas diante da câmera” —, portanto, que As hiper mulheres chegou às telas.

Produto de uma política de Estado, pelo incentivo à valorização de patrimônio imaterial (o canto das mulheres Kuikuro), o longa derivou do projeto Vídeo nas aldeias, implantado em 1987 pelo diretor Vincent Carelli. O ritual capturado no Mato Grosso para o filme não ocorria desde 1982.

O contato com a contemporaneidade no documentário detido nos festejos — que culminam em menos de um dia (mas que exigem mais de 30 dias de prelúdio) e reúnem mais de 1.400 pessoas — transparece de modo surpreendente: há registros de divertidos jogos eróticos, na tribo, e a “sacanagem” também alcança parte das legendas que enveredam para o cômico — longe “do pudor e da distância”, segundo Sette, empregada nas legendas de outros documentários.

Tradição convalescente. A dramaturgia de As hiper mulheres se fortaleceu, num impasse oferecido pelo acaso: adoentada, Kanu é uma espécie de guardiã das músicas entoadas no maior ritual feminino Kuikuro, o Jamurikumalu (relacionado ao termo itão kuegü, mulher e hiper, pela ordem, designador de seres extraordinários), à beira do precipício, diante do escasso número de conhecedoras.

“As mulheres são a própria essência do filme. O ritual defendido tematiza uma espécie de utopia feminina de ocupar também a posição masculina, numa situação de conflito. Elas acabam demonstrando que uma sociedade não é possível sem homens e mulheres”, comenta o diretor Carlos Fausto. No cenário onde vivem — em três aldeias estão 700 kuikuros —, curiosamente, as mulheres ainda tendem a não empregar a língua portuguesa.

Saber que o acervo de cantos foi constituído por 130 horas de músicas gravadas (à capela e sem repetição) dá a medida da revitalização cultural em jogo em As hiper mulheres. Para tornar tudo ainda mais complexo, o aprendizado, na tradição oral, tem que seguir métrica preestabelecida e organizada em nós, feitos em palhas de buriti.

Em quase 100 horas de imagens, o entrosamento do trio de diretores com as mulheres da tribo foi privilegiado. “É difícil eu chegar perto delas. Na aldeia, se fica perto da mulher, pensam que a gente tá namorando”, observa Takumã. Ele explica que o processo, grosso modo, foi o de “ficar filmando, e deixar eles (os índios) agirem naturalmente, pra não ficar um documentário, assim, falso”.

“Nem tudo é verdade no filme, mas tudo é verdadeiro. A câmera estar, permanentemente, na mão deles permite resultados impossíveis para quem não seja do Xingu”, completa Carlos Fausto. Apesar de algumas encenações (sem diálogos impostos, mas esboçados pelos “personagens de si

12 mesmos”), o antropólogo conta que tudo foi muito autêntico. “Não tivemos treinamento de atores, a maior parte do documentário segue a linha stricto sensu (em sentido restrito)”, conta.

Arredias para tomarem parte nos meandros técnicos, as índias se animaram diante do resultado obtido. Termômetro para as reações, Takumã explica que “no começo elas se acharam feias, mas foi brincadeira — na verdade, elas estão gostando muito. Elas têm o pensamento da maioria, por terem participado do filme. Dizem: ‘A gente não vai morrer mais, a gente vai sobreviver, o tempo todo’”.

CORREIO BRAZILIENSE - Pela bandeira da identidade

Ricardo Daehn

(27/9/2011) Numa cadeia energética cultural fortalecida pelo tão valorizado “herói Sol”, um dos definitivos traços dos índios Kuikuro, a língua se debate, com vigor mirrado. O lamento compartilhado com a Lua — também prezada no mundo celeste, quando a “akunga” (a alma indígena) ganha o primeiro plano — tocou três artistas (os diretores do longa As hiper mulheres), num interessante jogo de contrastes e formações acadêmicas: do cineasta Leonardo Sette ao antropólogo Carlos Fausto, passando por um guardião de costumes do grupo situado em Mato Grosso, o índio Takumã Kuikuro. Nesse somatório, engana-se quem espera um registro tradicionalista e engajado da reunião de interessados na cultura examinada, originalmente, em fins do século 19 pelo etnólogo alemão Karl Steinen.

Não faltariam dados — como os males da gripe e do sarampo que abateram 80% dos indígenas nos últimos 75 anos — para uma defesa desenfreada daqueles que prosseguem na ocupação sistemática do Alto Xingu. Sai de foco, por igual, o detido olhar sobre a exuberância dos bens de luxo criados com madeira, palha e cerâmica. Mas, o que fica, se até a habitual reverência ao mundo dos autóctones se ofusca? Muito da resposta está na camiseta verde que estampa Darth Vader no peito de um dos índios. Coloquial, a narrativa na tela se atém, em grande parte, à atividade dos itseke (seres sobrenaturais) que deflagram o destino das aldeias Ipatse, Ahukugi e Lahatuá.

“Será que tem algum espírito de olho em você?”, pergunta Ajahi, a mãe da bastante adoentada Kanu, protagonista do drama de não ter a certeza de que a filha (Amanhatsi) terá a capacidade de levar adiante a dormente condição do ritual Jamurikumalu. É a partir de incertezas como essa — a mais grave delas relacionada à quebra da corrente secular da transmissão oral — que As hiper mulheres progride. Da apropriação do gravador (sem o teor justiceiro do xavante Mário Juruna) à sinergia interna da tribo (incluída a maturação do projeto Vídeo nas aldeias), tudo conspira a favor do mais abstrato bem dos Kuikuro.

Sem ladainhas À primeira vista estagnada (com incômodo tempo dilatado, para maior ambientação dos espectadores), a fluência cotidiana se impregna no longa-metragem, por sorte, solto das ladainhas de queixumes e de reivindicações. Naturalmente, e para desespero dos puristas, os índios confirmam postura pouco naïf. Arregaçam as mangas (sim, alguns de t-shirt) e assumem o desafio e as benesses da recomposição cultural. Impossível, daí, não perceber o esplendor de uma sociedade na qual a chefia, por exemplo, é fixada por atos de ampla generosidade; a aprendizagem é dado valorizado e o insondável se promove com o xamanismo.

Ao apropriar-se da denominação criada pela antropóloga Bruna Franchetto no título (As hiper mulheres), o filme entrega boa pista de forte ponto de contato com a atual sociedade dos brancos. Sufocados pela objetividade das mulheres no tocante ao sexo (“Você não quer derramar leite?”, pergunta, por sinal, uma anônima), de modo insuspeito, os índios experimentam o crepúsculo do macho.

Para além dos movimentos sinuosos e coloridos do vigoroso ritual registrado, marcam presença elementos de descontração, erotismo e zombaria. Ainda que inconscientes quanto ao final feliz da história que escrevem, no filme, os kuikuros se provam ótomos (proprietários) daquilo que mais lhes dá unidade: uma invendável riqueza cultural. E, melhor, com a bênção da eternidade atrelada ao cinema, num eco positivo para a sabedoria dos índios mais experientes, que antes diziam “não vou ser filmado, não, porque, se for, eu não morro mais”.

13 CORREIO BRAZILIENSE - Cidade partida

Mostra de curtas brasilienses passa a ser realizada no Museu da República, mas os longas continuam no Cine Brasília.

Tiago Faria, Yale Gontijo e Felipe Moraes

(27/9/2011) Entre todas as novidades que entraram em cena na 44ª edição do Festival de Brasília, uma alteração em especial mexeu com os humores de cineastas e produtores da cidade. A Mostra Brasília, uma das maiores conquistas da classe cinematográfica local, muda de endereço, deixando de ocupar o Cine Brasília (a principal vitrine do festival) e a Sala Martins Pena. A seleção paralela — composta por filmes do Distrito Federal que não entraram na competição — foi transferida para o Auditório 1 do Museu da República.

Os curtas brasilienses, que antes eram exibidos também em 35mm, serão todos concentrados no novo espaço de projeção, em formato digital. Somente os longas continuam a ser exibidos no Cine Brasília, na programação das mostras paralelas Primeiros Filmes e Panorama Brasil. Um rearranjo que surpreendeu principalmente os curtas-metragistas. “O Cine Brasília é o grande palco do festival. Não diria que perde o glamour, mas, para o realizador, é melhor exibir os filmes naquele espaço”, aponta Antonio Balbino, 33 anos, diretor de Pique-salva.

Presidente da Associação Brasiliense de Cinema e Vídeo (ABCV), João Procópio acredita que as mudanças diluíram o prestígio da Mostra Brasília. As sessões no Cine Brasília, segundo ele, funcionavam como uma “curadoria” para as produções, selecionando automaticamente as mais profissionais. “Com o fim da diferença, que é algo que a gente defende e apoia, toda a produção de curtas da cidade entrou na mesma sessão. Ali, tem de tudo: de filmes bem produzidos a gravações surradas”, observa. “Já que todos os filmes inscritos passam na Mostra Brasília, você vê curtas que não teriam condições de estar no festival, às vezes, sem captação de som decente. Isso tem que ser analisado mais à frente”, comenta.

Em assembleia da ABCV, o clima era de desânimo. “Neste ano, a produção local é tratada como um problema, e não como celebração. Vi realizadores desacreditados, achando que tanto faz passar o filme ou não. Teremos muitas emoções nesta semana”, prevê Procópio. Segundo o coordenador- geral do evento, Nilson Rodrigues, a troca de salas se fez necessária para resolver o problema da lotação da mostra. “Ela estava ficando muito cheia. Não cabia mais na Martins Pena. No Museu da República, o espaço é maior”, explica.

Desconfiança O cineasta Gustavo Serrate, 30 anos, também encara com desconfiança a alteração na estrutura da mostra. Ele participa de um grupo de discussão no Facebook que debate o tema. “Não fomos avisados sobre o motivo da mudança, não sei o que levou a Secretaria de Cultura a mudar (a sala de exibição). Ainda não sabemos se o museu será um lugar adequado, nos fins de semana, a mostra sempre atraía um público grande”, lembra. Na terceira participação no Festival de Brasília, Serrate exibe os curtas Pingo e Alice, Casais de domingo e Ascensão.

Ao todo, serão 60 curtas em cartaz, quatro deles em animação. Eles e os cinco longas da cidade (Rock Brasília, de Vladimir Carvalho; Cru, de Jimi Figueiredo; Periférico 304, de Paulo Z; A cidade é uma só?, de Adirley Queirós; e Sagrada terra espetacular — A luta contra o setor Noroeste, de Zé Furtado;) disputam os troféus da Câmara Legislativa, que distribui R$ 150 mil em prêmios.

A antecipação da data do festival também provocou irritação entre os cineastas que estavam em meio ao processo de finalização dos filmes. “Perdi patrocínio, ator, foi difícil encontrar equipamento na cidade. Não tivemos tempo suficiente, já que nos programamos para entregar o filme na data de costume”, afirma Antonio Balbino, que participa do festival pela terceira vez.

Apesar do predomínio quase absoluto de diretores que ainda não têm longas-metragens no currículo, a Mostra Brasília contará com a participação de André Luiz Oliveira, que venceu o Candango de melhor longa com Louco por cinema (1995). “A mostra tem sido ampla, e muito boa para cineastas novos. É um estímulo excelente, já que funciona como uma amostragem de primeiros filmes”, aponta. Procópio, da ABCV, concorda. “A mostra é uma vitrine maravilhosa para as nossas obras”, afirma. No

14 entanto, pondera: “Do jeito que está, ficou tudo separado: os longas no Cine Brasília, os curtas no museu. Mudanças são bem-vindas, mas não se pode criar algo irreconhecível”, conclui.

O ESTADO DE S.PAULO - Uma professora de classe

Luiz Carlos Merten

(27/9/2011) Gente doce não faz filme amargo - a definição é do próprio Ziraldo, sobre a adaptação do seu livro Uma Professora Muito Maluquinha. Ziraldo refere-se aos diretores César Rodrigues e André Alves Pinto, aos atores Paola Oliveira e Joaquim Lopes. Paola é um encanto e superou suas mais íntimas expectativas sobre a professora maluquinha, que é, é bom lembrar, uma personagem real. Lopes é tão bom que Ziraldo, machão de carteirinha, faz uma confissão inesperada: "Até eu queria casar com Paola Oliveira é perfeita como heroína de Ziraldo no filme que ele". estreia dia 7. O filme estreia em salas de todo o Brasil em 7 de outubro, às vésperas do Dia da Criança. Como o francês O Pequeno Nicolas, de Laurent Tirard, Professora Muito Maluquinha também é um infantil com atrativos para adultos. O encanto do filme está neste voltar-se para o passado, para os anos 1940, numa cidade interiorana. Foi feito em São João Del Rei, onde Paola desfila o mais vaporoso guarda-roupa recente do cinema brasileiro - como se ela precisasse daquelas roupas para ficar bonita. 'Mais'bonita, vá lá que seja.

Paola confessa que foi um prazer usar todos aqueles modelitos. Ela entende uma observação do repórter. Um dos bons filmes brasileiros do ano é Riscado, de Gustavo Pizzi, com Karine Teles. O filme é sobre uma atriz que sonha com - e se candidata a - papel que poderá mostrar seu talento. Entre outras coisas, Pizzi e Karine falam de 'sorte'. Paola sabe quanto a sorte é importante para alavancar uma carreira. Desde seu primeiro papel importante - em Belíssima, novela de Sílvio de Abreu -, ela tem sido bafejada pela sorte. O papel em Insensato Coração veio a partir da desistência de Ana Paula Arósio.

"De sorte eu entendo", ela diz, mas acrescenta. "Só que, por mais importante que seja, sorte não é tudo. Tem de estar associada a talento, trabalho. O sucesso é uma soma de várias coisas, mas sorte conta, sim." A sorte e um certo grau de acaso. Paulistana da Penha, Paola foi morar no Rio, em função da carreira, mas os pais ainda moram aqui. E ela não perdeu em nada seu carinho pela cidade. O acaso? Paola está ficando firme com Joaquim Lopes, o Padre Beto da história. "Mas não começamos no filme. Joaquim é muito bacana, mas durante a filmagem não rolou nada. Éramos amigos, companheiros de set, num clima de camaradagem, porque filmar o Professora foi muito divertido, lá em Minas." Eles se reencontraram cinco meses depois, no Rio, quando Joaquim foi tentar ampliar seus horizontes (e a carreira).

O filme tem um quê de O Padre e a Moça, o clássico do Cinema Novo que Joaquim Pedro de Andrade adaptou do poema de Carlos Drummond de Andrade. Negro Amor de rendas brancas... Como foi criar a personagem? "Ah, não teve muita invenção, não. Embora filtrada pela ficção do Ziraldo, a personagem é real e, quando a personagem é real, o que a gente tem de fazer é torná-la verdadeira." Paola foi escolhida pelo próprio Ziraldo, que a recomendou para o produtor Diller Trindade, impressionado com a semelhança física da moça com a professora Cate da vida. Antes, Paola já havia feito cinema, um papel importante com Reynaldo Gianecchini em Entre Lençóis, transposição, para o Brasil, de um filme chileno. O outro filme tinha cenas calientes de sexo, Uma Professora Muito Maluquinha é o que há de pudor.

Avançada. Embora a personagem tenha um comportamento adiante de sua época - e faça uma escolha ousada, no desfecho -, a professora maluquinha é carola, sobrinha do bispo, papel

15 interpretado por . "Chico foi maravilhoso no set, todo o elenco foi muito bacana. César (Rodrigues) e André (Alves Pinto) escolheram as crianças por meio de teste e a gente teve um período, uma semana, para se ambientar e começar a trabalhar junto. Mas, durante as filmagens, muitas vezes com aquela confusão dentro da sala de aula, eu tinha de bancar a professora de verdade, impondo a disciplina."

Como era Paola na escola? Baderneira? "Que nada! Eu era totalmente introspectiva, cdf e muito, mas muito envergonhada. Meu ideal era passar despercebida, que ninguém me visse." E a Paola teve uma professora muito maluquinha em sua vida? "Não digo que fosse maluquinha, mas a D. Samira, na 5ª série, foi muito importante. Ela foi especial porque foi um pouco como a Cate para mim. Era inspiradora, fazia a gente aprender alguma determinada coisa e ir além do que estava dentro da aula e da escola. Ela era um pouco como a minha heroína."

Sexo em Entre Lençóis, carolice na Professora. Em qual dos papéis Paola se sentiu mais à vontade? Baixa uma mineirice na garota da Penha. "Uai, mas é cinema, não sou nenhuma delas, embora as duas tenham coisas de mim." Ela admite que seu nome tem sido trabalho. "Desde 2005, com Belíssima, tenho emendado uma novela na outra. É bom, porque mostra que a emissora (a Globo) está apostando em mim e contente com o resultado, mas ando cansada. Preciso de um tempo para mim, para descansar. Vou dar uma parada em 2012."

E o que Paola gostaria de fazer, em seu ano sabático? "Ah, tanta coisa... Gosto de viajar, de estudar. Gostaria de fazer um curso de canto, para valer. Acho que ia ajudar bastante, não digo na carreira, mas no meu desenvolvimento pessoal." Há, por sinal, uma cena de canto e dança na sala de aula, um eco de High School Musical - O Desafio, que César Rodrigues dirigiu. "Foi muito gostoso, adorei", Paola diz. Embora sua escalada tenha sido intensa, e contínua, nos últimos anos, ela não vê sobressalto nenhum nessa evolução. "Tem sido tudo tranquilo, não tem rolado estresse nenhum." Antes de virar atriz, Paola cursou fisioterapia, exercendo a profissão na periferia de São Paulo. "Foi uma experiência que trago para as minhas personagens, quando tenho de deixá-las mais humanas, mais sensíveis. A Marina, de Insensato Coração, por exemplo. Como mocinha era real, a gente encontra pessoas assim na esquina. Elas não têm de ser, necessariamente, boazinhas, perfeitinhas."

Comparativamente, fazer uma vilã é muito mais fácil. "Tudo o que você faz pode ser encarado como uma atitude de vilã. A mocinha, não. Vem sempre acompanhada de várias coisas, desde a música até você convencer se está sendo boa ou não." Ela reflete que muita gente tentou não gostar da Marina, mas a personagem terminou vencendo, e se impondo na trama. Cate, na Professora Muito Maluquinha, também está longe de ser perfeita, mas quando ela entra naquela sala e as crianças ficam, boquiabertas, os espectadores, independentemente de idade, experimentam a mesma sensação diante de Paola. Ela sabe que é bonita, e nem poderia ser diferente. Mas gosta quando o repórter diz que sua beleza é natural. Paola não é fatal, não faz o modelo vamp. "Gosto quando as pessoas me dizem isso e me veem como uma delas. Não sou melhor do que ninguém, mas acredito no que faço e gosto de fazer bem feito." Ziraldo tinha toda razão. Paola tem physique du rôle - e temperamento - para ser a professora muito maluquinha. O 'mercado' já foi aquecido pela professora sem classe de Cameron Diaz. Vem aí, agora, a com classe.

ESTADO DE MINAS - O mundo é aqui Mostra

CineBH começa quinta-feira com a proposta de exibir filmes na rua para o público e incentivar negócios entre cineastas e produtores internacionais. O palhaço abrirá o evento

16 Mostra CineBH mantém a tradição: a partir de quinta-feira, vai transformar a Praça de Santa Tereza em cinema ao ar livre

(27/9/2011) - A indústria cinematográfica mundial pode até passar bem longe de Belo Horizonte, mas isso não significa que a cidade fique fora das discussões que envolvem esse lucrativo mercado globalizado. Pelo contrário: além de antecipar nas telas daqui longas exibidos em festivais badalados como Cannes, Veneza e Berlim, a 5ª Mostra CineBH apostará fichas na consolidação do Brasil CineMundi, evento criado para fomentar discussões em torno das coproduções. O evento começa quinta-feira.

“Queremos internacionalizar BH. Uma de nossas metas de médio a longo prazo é atrair a indústria para cá”, planeja Raquel Hallack, coordenadora da Universo Produção, responsável pela Mostra CineBH e pelos festivais de Tiradentes e CineOP, em Ouro Preto. Inspirado em modelos que funcionam na França, Alemanha e Holanda, o Brasil CineMundi é um evento de negócios que atrai profissionais estrangeiros para a aquisição de conteúdo audiovisual.

Segundo Raquel Hallack, a ideia de promover na CineBH um evento com foco no mercado surgiu em 2009, em Tiradentes, quando franceses se surpreenderam com o recorte curatorial. “Eles perguntaram por que esse cinema brasileiro não chega à Europa. É o que eles querem conhecer por lá”, ressalta.

Na primeira edição, o foco do Brasil CineMundi se concentrou no debate sobre coproduções. Agora, além da oferta de oficinas sobre roteiro e prática de peeting, realizadores brasileiros foram estimulados a inscrever projetos. “Tivemos um leque bem amplo de temas, gêneros e orçamentos – alguns bem elevados, outros menores. Há propostas que exigem coprodutores, por pretenderem ser filmadas fora do país, outras bem regionais, mas com tema universal”, comenta Paulo Roberto de Carvalho, parceiro da Universo Produção.

De 40 projetos, 10 foram escolhidos considerando-se o equilíbrio entre a proposta estética e o perfil dos convidados. “Essa busca de certo equilíbrio é importante, tendo em vista o poder econômico dos fundos internacionais, os produtores e o perfil dos agentes de vendas internacionais em relação ao orçamento das propostas. Tudo isso na tentativa de que realmente as coproduções sejam concretizadas e uma rede de contato se estabeleça e se amplie, facilitando a troca de ideias e experiências”, explica Carvalho.

De quinta-feira a 4 de outubro, profissionais da França, Itália, Colômbia, Estados Unidos, Suíça, Holanda, Alemanha e Argentina virão a Belo Horizonte negociar diretamente com diretores e

17 produtores. Entre os convidados estão Vincenzo Bugno, curador da Berlinale World Cinema Fund (criado pelo Festival de Berlim para incentivar novas produções), e Janneke Langelaan, coordenadora do fundo holandês Hubert Bals Fund, do Festival de Roterdã.

O pernambucano Leonardo Lacca vai se reunir com equipes do exterior. Depois de incluir Permanências na roda de discussões do Festival de Cannes, em maio, agora o projeto de filme dele será avaliado por estrangeiros no Brasil. “O encontro daqui é mais interessante, mais focado. Os projetos têm sintonia maior. Existe uma questão de estilo e diálogo estético”, ressalta.

O evento mineiro se diferencia de outros modelos. O Brasil CineMundi já nasce especializado no mercado independente e focado no trabalho autoral de realizadores brasileiros. Para Leonardo Lacca, a discussão de coproduções tem importância por ser uma alternativa até para a evolução do cinema. “É uma forma de desenvolvimento de filmes, permitindo ampliar tanto o mercado como o olhar estético sobre os projetos. Ou seja, estar aberto e perceber a universalidade das coisas”, completa.

O produtor mineiro Matheus Oliveira levará para a mesa de discussões Nem mais um copo de leite, do diretor Thiago Taves – o primeiro longa-metragem da dupla. Para Matheus, mesmo que as negociações não avancem concretamente, só o debate valerá a pena. “Muita gente já leu, deu opinião. Agora, ele entra em outra era. Esse intercâmbio cultural é essencial para o cinema”, conclui.

CORREIO BRAZILIENSE - Assombros do cotidiano

Exibido em Cannes, Trabalhar cansa mistura drama social e história de mistério, na segunda noite da mostra competitiva no Cine Brasília

Yale Gontijo

(28/9/2011) - Um gene híbrido foi inserido no DNA de Trabalhar cansa, longa-metragem de ficção da segunda noite da mostra competitiva do 44º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro. O primeiro filme de longa duração assinado pela dupla paulistana Marco Dutra e Juliana Rojas comporta-se como um mutante. Trafega do realismo ao fantástico. Inclui trama de fundo social, sem apresentar qualquer sintoma de crise de identidade. “É da natureza deste filme não se enquadrar numa categoria de gênero. É um drama social, com relações de Marat Descartes e Helena Albergaria interpretam Otávio e Helena no longa. família e uma história de mistério. Tudo isso articulado com o mesmo peso. É um filme que funciona se você não tem nenhuma expectativa sobre o que vai ver. Por isso, pode ser uma jornada prazerosa. Mas, claro, envolve risco”, comenta Juliana.

Na trama, o cotidiano de um casal paulistano de classe média é afetado por elementos reais e outros que habitam a imaginação (a da plateia inclusive). O marido, Otávio (Marat Descartes), é demitido após anos de trabalho numa mesma empresa. O sustento da casa passa a ser responsabilidade da esposa, Helena (Helena Albergaria), inserida no mercado de trabalho ao se transformar em dona de um mercadinho na região central de São Paulo. Inicia-se aí um processo de transformação dos personagens.

A culpa dessa curva, segundo os diretores, pode ser explicada na herança cinematográfica brasileira. “Ao mesmo tempo em que admiramos Joaquim Pedro de Andrade e vários diretores do cinema novo, gostamos de José Mojica Marins e Walter Hugo Cury. Eles são diretores consolidados historicamente e entraram no universo do fantástico. Não são artistas que desapareceram na história. Existe uma

18 tradição no cinema brasileiro que talvez não seja muito reconhecida. A gente gosta dessa linhagem”, afirma Dutra.

O hibridismo brasileiro de Trabalhar cansa desfilou pelo tapete vermelho da mostra Um Certo Olhar no último Festival de Cannes. O frenesi da Croisette não é exatamente novo para a dupla de diretores. Eles participaram em edições anteriores com os curtas-metragens O lençol branco e O ramo. “Deu para perceber que o filme não é hermético. Ele estabelece comunicação com a plateia”, analisa a diretora sobre a sessão estrangeira.

Sessão de casa Na casa dos 30 anos, Marco e Juliana fazem parte da geração de realizadores brasileiros formados pela chamada “cinefilia de apartamento”. Além dos estudos formais nos bancos da ECA — a Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (USP), onde começaram a produzir juntos o curta-metragem Notívago —, eles acompanham pela internet cinematografias de outros países, antes inacessíveis no Brasil. E não negam a influência dessa miscelânea no que produzem. “Não trabalhamos com referência direta. Apreciamos vários tipos de filme e somos contaminados por elementos muito diversos. Na verdade, o que sempre manda é a história. Temos um prazer até meio lúdico para contar histórias”, reflete Juliana.

Assim como os cariocas Marina Meliande e Felipe Bragança, que participaram do Festival de Brasília de 2010 com o filme de super-heróis A alegria (o segundo da trilogia Coração no fogo), os paulistanos gostam da narrativa do tailandês Apichatpong Weerasethakul consagrado com a Palma de Ouro em Cannes por Tio Boonmee que pode recordar vidas passadas. As duas duplas se arriscam num tipo de cinema incômodo e autoral, sem negar influências mainstream e filmes de Sessão da tarde dos anos 1980 e 1990.

CORREIO BRAZILIENSE - Rock in Brasília

Documentário de Vladimir Carvalho, atração principal da cerimônia de abertura, comove e entusiasma a plateia, com a presença de ídolos e anônimos da geração 1980

Tiago Faria, Felipe Moraes, Ricardo Daehn e Yale Gontijo

(28/9/2011)- Dois dias depois de se apresentar para uma multidão de 100 mil pessoas no Rock in Rio, Fê Lemos parecia ter se despido da condição de astro de rock. No foyer do Teatro Nacional, o baterista do Capital Inicial não precisou se preocupar com o assédio de fãs enquanto esperava o início da sessão de Rock Brasília — Era de ouro, o filme de abertura do 44º Festival de Brasília. “No show do Rio, a sensação era de nervosismo mesmo”, explicou. “Aqui é diferente. A emoção é outra. O momento é de rever os amigos e os parentes, lembrar o que aconteceu na nossa juventude”, comparou. Diante de um público de cerca de 1,5 mil espectadores, sala lotada, Fê assumiu um papel diferente daquele a que está acostumado: virou personagem de cinema brasileiro.

A confusão entre o “elenco” do documentário de Vladimir Carvalho e a plateia do teatro se tornou inevitável. Numa noite restrita a convidados, os ilustres e os anônimos da “época dourada” do rock candango se emocionaram com um documentário sobre a trajetória das três bandas brasilienses mais populares dos anos 1980, que se destacaram no cenário nacional: Legião Urbana, Capital Inicial e Plebe Rude. Além de Fê, o irmão Flávio (também do Capital), e os também protagonistas Philippe Seabra e André X (ambos da Plebe) assistiram à projeção do longa-metragem, recebido com aplausos demorados — em dois momentos, foi ovacionado em cena aberta.

Vencedor do prêmio de melhor documentário no Festival de Paulínia de 2011, o filme de Vladimir Carvalho chegou à cidade poupado das pressões de uma estreia típica. Ainda assim, o clima era de apreensão até entre os que já haviam passado pela experiência de assistir ao filme numa sala escura e lotada. “Perto do teatro, no carro, já comecei a tremer um pouquinho. É mais tenso porque é Brasília”, admitiu Carmem Manfredini, irmã de Renato, que viu o filme há três meses, na mostra paulista. “O público daqui é sempre muito exigente. E as pessoas que vieram assistir ao filme viveram um pouco dessa história”, observou, quando já se formava uma longa fila de convidados na entrada da Sala Villa-Lobos.

19 “Tenho o privilégio de apresentar um filme que já foi premiado em Paulínia. Ele foi feito com afetividade, solidariedade. Estou convicto de que vai ser bem recebido em Brasília, porque essa história começou na sala de jantar de cada um desses roqueiros”, comentou Vladimir, de Conterrâneos velhos de guerra (1991) e O país de São Saruê (1971). O produtor Marcus Logocki também confiava na boa receptividade da plateia. “É algo muito especial exibir este filme na semana em que o Capital Inicial fez um show histórico no Rock in Rio, e pouco antes de uma grande homenagem à Legião Urbana também no Rock in Rio. E, recentemente, a Plebe Rude foi indicada ao Grammy Latino”, apontou, para ressaltar a vitalidade dos veteranos.

Antes da sessão, no entanto, o pulso seguro de Vladimir foi amolecido pela emoção. “Sinto meu coração aos pulos, embora não pareça. Sinto o mesmo frio na barriga que a nossa distinta Dilma Rousseff sentiu quando abriu a conferência da ONU”, afirmou, feliz com a chance de contar a história de uma “rapaziada fabulosa, exemplo de crença em um ideal juvenil”. “Essa geração só pode ser motivo de orgulho para Brasília. A cidade foi difamada, maltratada, sofreu as agruras dos poderosos”, comentou, sob aplausos. “No fundo, fiz (esse filme) para poder dizer, em alto e bom som: eu te amo, Brasília”, exclamou. Rock Brasília — Era de ouro está previsto para chegar às salas de cinema em 21 de outubro.

Reações adversas Suscetíveis ao crivo do crítico público local, tradicionalmente participativo nos festivais de Brasília, os contornos políticos de discursos e observações no palco geraram reação. Um sinal de reprovação da plateia apareceu quando Vladimir Carvalho elogiou a “amiga dileta”, a ministra da Cultura, Ana de Hollanda, que estava presente: ela foi vaiada duas vezes. “Registrar a presença da ministra é motivo de regojizo. Ela é uma amiga que acompanhei à Angola, no início da carreira artística”, lembrou, sem a adesão dos convidados.

Mestre de cerimônias, o ator (filiado ao PT) José de Abreu imprimiu tom quase de palanque, em alguns momentos do evento, iniciado sob alguma pressão do público, com 50 minutos de atraso. O secretário de Cultura do DF, Hamilton Pereira, sob palmas moderadas, ouviu alguns méritos, ao microfone, como a marca de 624 produções inscritas para a competição e a projeção de 150 produções nacionais, ao longo dos oito dias de festejos de cinema.

Exaltando a sanção da Lei nº 12.485 (“um novo marco legal que dinamiza o setor”), José de Abreu puxou as palmas para a medida que dá maior atuação às produtoras brasileiras independentes e estabelece cotas, “em espaço qualificado”, de produtos nacionais a serem respeitados pelos canais de tevê a cabo. “Uma ação que amplia o mercado visual brasileiro só merece palmas”, bradou. Incógnito, o governador Agnelo Queiroz também participou da cerimônia. “O que temos percebido é uma confusão entre o histórico do festival mais politizado do país com vitrine partidária. Estamos tentando vivenciar esta edição do festival para saber como nos posicionar”, acredita o presidente da Associação Brasiliense de Cinema e Vídeo (ABCV), João Paulo Procópio.

Se comparadas as sessões de abertura das edições recentes do festival, a reação do público foi a mais calorosa desde 2006, quando foi exibido o documentário — A vida é um sopro. Na tela, além de exibir cenas raras da música de Brasília (como o show trágico da Legião Urbana no Mané Garrincha, em 1988), Vladimir reúne pais e filhos da geração de Renato. Briquet de Lemos, pai de Fê e Flávio, toma a palavra em alguns dos momentos mais emocionantes do longa. Dona Carminha, a mãe de Renato, também aparece em cena, tal como Sílvia Seabra, mãe de Philippe. Rock Brasília — Era de ouro será reprisado domingo, às 17h30, no Cine Brasília. O longa integra a mostra paralela Panorama Brasil e concorre ao troféu Câmara Legislativa.

CORREIO BRAZILIENSE - Cinema sem preconceito

O diretor de Filmefobia, vencedor do Festival de Brasília em 2008, fala sobre a relação entre filmes comerciais e autorais e destaca a importância dos festivais para os independentes

Felipe Moraes

" Temos bons diretores, e em todas as linhas: do trash ao muito bem acabado. A princípio, todo cinema pode ter seu público"

20 Conversa com cineasta - Kiko Goifman

(28/9/2011) - O novo filme de Kiko Goifman, Olhe pra mim de novo, dirigido com a mulher dele, Claudia Priscilla, não compete no 44º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro. Em agosto, concorreu em Gramado, e, na primeira quinzena de outubro, disputa prêmios no Festival do Rio, na categoria de longas documentários. Por isso, ele prefere não tomar partido nas discussões sobre as mudanças do festival daqui — do qual recebeu cinco prêmios em 2008, pelo seu único longa de ficção, Filmefobia —, mas vê com otimismo a queda do ineditismo e a entrada de filmes digitais na mostra competitiva. Na conversa com o Correio, Goifman também detalha a importância dos festivais (nacionais e internacionais) para a produção alternativa e discute o crescimento do circuito comercial.

No contexto atual do cinema brasileiro, em que filmes comerciais começam a encontrar um público cada vez maior, qual é a importância de um festival? De vez em quando, aparece um filme que faz R$ 1 milhão. Mas também, quase semanalmente, filmes pretensamente comerciais vêm sendo lançados e não cumprem essa expectativa. O cinema comercial está no meio de um caminho. Por outro lado, para o filme mais experimental, radical, autoral — esses rótulos são sempre ruins —, que tem mais a ver com meu tipo de filme, os festivais são espaços fundamentais. Começo a ver um certo interesse por iniciativas de novas distribuidoras ou mesmo de pessoas que começam a achar que esse tipo de cinema, que a princípio não é pensado em mercado como fim útil, pode ter um público. É muito importante essas iniciativas estarem atreladas aos festivais, que são lugares de visibilidade, não só no Brasil, como no mundo. A história já nos mostrou, até os Estados Unidos, o quão importante é você se representar nas suas telas. E a gente vive um momento difícil. Você entra com um filme de 300 cópias num parque que não tem nem 3 mil salas, você está falando de 10%, às vezes 20%, 30% das salas. Querendo ou não, meu tipo de cinema é impactado, sim, pelo Capitão América.

Você acha que o nosso circuito de festivais pode ter o poder de pautar o comércio? Pautar, não. Os grandes lançamentos acontecem até à revelia dos festivais. Em produções grandes, inclusive, existe a opção de não participar de um festival para não perder. Cabeça de júri, a gente nunca sabe… Muitas vezes, os lançamentos mais comerciais acabam tomando as bordas dos festivais: filme de abertura, de encerramento, para não correr o risco de uma derrota. E você não tem controle nenhum, porque é a organização do festival que define o júri, talvez um júri com olhar menos favorável ao cinema comercial. Eles vão ter que encarar coletiva de imprensa, às vezes uma coletiva agressiva. Como estratégia, eu até entendo.

E os festivais têm cumprido o papel de dar espaço para os independentes e autorais?

Acho que, como esforço, sim. É difícil também generalizar e falar de todos. Vejo um esforço de curadoria, pelo menos de tentar não fixar em certos estilos, porque um filme independente nem sempre vai ser bom. Percebo um certo desejo de ecletismo. O júri é formado por pessoas que têm uma visão diferenciada de cinema. E não acho que o festival tenha que ter uma vocação interna, que seja sempre a Meca do experimental. Essa questão varia de acordo com o que está sendo produzido. Um ano vai ser mais instigante, o outro menos. Esse imponderável tem que existir. É diferente quando você pensa nos festivais europeus. Se você tirar Cannes, Veneza e Berlim, a qualidade também varia em função de safras. São os festivais que os diretores querem muito.

O cinema comercial brasileiro, como você disse, talvez ainda esteja trilhando um caminho. E parte dele passa por gêneros, como a comédia e o policial. Acha que esses estilos podem ficar saturados?

Mesmo se você for pensar em termos de cinema de gênero e público, é engraçado como existem certos preconceitos. Por exemplo: terror é um gênero que não se filma no Brasil. E é um gênero que atrai um público jovem. Você tem uma produção interessante de terror no curta-metragem, que, pela característica dele, não é pensado em primeiro plano dentro do mercado comercial. Temos bons diretores, e em todas as linhas: do trash ao muito bem acabado. A princípio, todo cinema pode ter seu público. Vai depender do olhar, da forma de você divulgar o filme, de estar atento ao circuito, de investir dinheiro em publicidade. Um exemplo ótimo é a Lume Distribuidora, do Frederico (Machado), de São Luís (MA), que é de DVDs, mas está começando a colocar filmes em cartaz. E ele traz filmes — é mais uma expressão difícil — de arte, experimentais. Está conseguindo, e vê isso como negócio.

21 Sempre se falou de uma influência televisiva e publicitária no cinema comercial. Já temos condições de superar essas referências?

A engenharia do cinema é complexa. Se não fosse, todos os estúdios estariam ricos e não fariam fiascos. E, mesmo filmes que partem desse princípio, que pegam ator da tevê, usam modo de filmar muito próximo da estética da tevê, às vezes não dão certo. Não sei se consigo entender tanto da indústria para dizer que esse formato televisivo será superado. O publicitário também, acho um pouco mais difícil. (Fernando) Meirelles, hoje em dia: parece ingênuo colocá-lo como cineasta-publicitário. Não sou dessa turma que faz um cinema experimental e que considera a publicidade uma doença que não tem cura. Esses paradigmas também devem começar a mudar com uma certa mudança na tecnologia da área.

Como?

Se você tem equipamento mais barato, como já temos hoje em dia a possibilidade de projeção sem passar pelos 35mm, vem uma moçada aí para experimentar que, muitas vezes, terá sido formada em escola de cinema e que, eventualmente, pode, sim, produzir um filme que seja interessante. O nó que eu acho mais difícil é o de como chegar ao público sem ter a parceria concreta de uma grande emissora de televisão. Ela se autoalimenta. Diretores e atores do filme, como fazem parte da emissora, aparecem nos programas jornalísticos. No meu caso, sou chamado para programas de tevê pelo tema e não pelo meu filme. As pessoas querem que eu vá falar de fobia. Querem que eu vá falar de adoção. E não do Filmefobia (risos). Ou não do 33. A gente acaba tendo um espaço marginal que também cresce. Canal Brasil e canais a cabo que precisam de programação acabam chamando a gente. Mas é um resíduo. É um país muito televisivo.

Muitos dos filmes que chegam ao circuito brasileiro de festivais geralmente estreiam em mostras nacionais e internacionais. Qual é a importância dessas mostras para os filmes com esse perfil?

Fundamental. Já aconteceu comigo, de estar fora, queria ver um filme, voltar e ele já ter saído de cartaz; entrou com cópia única e ficou duas semanas. Como você vai ver o filme? Acho mostras temáticas importantíssimas, de diretores, de cinema brasileiro e estrangeiro. Até porque, nas mostras, você tem uma visão diferente por causa dos outros títulos que estão em contato. Você começa a perceber que o filme tem relação com o filme “x” do David Lynch, por exemplo. Os centros culturais devem se dedicar a isso. A mostra tem público, tem uma chegada legal com estudantes e também pessoas que não veriam esses filmes. Às vezes, o ingresso é barato ou gratuito. Meu primeiro longa, 33, está vivo. Volta e meia, está em alguma mostra, seja sobre cinema em primeira pessoa ou cinema noir. A mostra dá uma longevidade para os filmes.

Qual é a sua avaliação das mudanças aplicadas à atual edição do Festival de Brasília?

Já chegaram pessoas para mim, principalmente em Gramado, com um recorte muito crítico a essa nova postura do festival, querendo pegar aspas para a gente entrar destruindo. Não quero só estar numa coisa dessas. Dentro do festival, acho que há mudanças saudáveis. Sou favorável que não tenha obrigatoriedade de 35mm. A questão do ineditismo virou uma grande polêmica. Os jornalistas estão a fim de filmes inéditos. Para a gente, que é realizador, é muito bom: meu filme estava em Gramado e agora está no Rio, e tudo bem. O ineditismo está mais relacionado a uma questão de pauta de vocês da imprensa. Para o espectador e para o diretor, o ineditismo não é muito legal. O desejo pelo inédito é uma questão internacional. Você pensa muito em qual festival vai tentar antes, e depois passar em outro país. Sei que teve um aumento grande no valor do prêmio principal. Não sei se é bom ou ruim. Não é segredo para ninguém que a grana é importante para Paulínia, além do fato de ela ter virado um polo cinematográfico. Então, as pessoas querem participar porque filmaram lá ou porque querem filmar lá. Na hora que o seu filme está pronto, normalmente você está devendo. Prêmio é sempre bem-vindo (risos).

O mercado internacional se tornou uma meta cada vez mais frequente entre os filmes de baixo orçamento. Seria uma reação ao domínio do circuito brasileiro por fitas comerciais?

Não acho que seja uma reação. É uma estratégia normal. Alguns festivais de fora querem a première mundial. Isso chama a imprensa. Você passa num festival grande. Se a sessão for bem cheia, bombada, vai ter debate, você pode estar associado a novos projetos, coproduções. É aquela fala do

22 Nelson Rodrigues, o “complexo de vira-lata”. Às vezes, o filme nem vai tão bem em determinado festival, mas o fato de passar lá também cria uma possibilidade. Os festivais daqui também ficam ávidos em pegar. Eu estou no meu quarto longa. Este foi o primeiro que lancei antes em festival brasileiro. Filmefobia e 33 foram em Locarno; Atos dos homens, em Berlim. Esse novo, tive desejo de passar logo no Brasil, porque queria a presença do personagem (Sílvio Lúcio, um transexual masculino, em Pacatuba, no Ceará). Nossa opção foi até mais sentimental.

O GLOBO - ‘Jornal Nacional’ festeja vitória no Emmy

(28/9/2011) - As antológicas imagens exibidas pelo “Jornal Nacional” da o p e r a ç ã o p o l i c i a l realizada no Complexo do Alemão, no final de novembro do ano passado, entraram não apenas na memória televisiva do telespectador. A cobertura minuciosa rendeu ao jornalístico da Globo uma estatueta no International Emmy Awards 2011, na noite de segunda-feira passada, em cerimônia realizada no Lincoln Center, em Nova York.

O “Jornal Nacional” foi laureado na categoria Notícia, pela qual já concorreu sete vezes nos últimos nove anos. A cobertura foi indicada ao lado de produções da Islândia, do Reino Unido e das Filipinas.

— Esse é o prêmio mais importante que ganhamos até hoje. É o reconhecimento e a confirmação do trabalho que a gente vem fazendo no dia a dia dos nossos telejornais no Brasil — disse Carlos Henrique Schroder, diretor-geral de Jornalismo e Esporte da emissora.

Além de Schroder, estiveram presentes no evento William Bonner, editor-chefe e apresentador do “Jôrnal Nacional”, os chefes de redação Carlos Jardim e Marcio Sternick, o repórter André Luiz Azevedo, a apresentadora do “RJTV” Ana Paula Araújo — repórter do “Jornal Nacional” naquela edição —, o cinegrafista Sergio Costa e o operador de câmera do Globocop Francisco de Assis, que flagrou a impactante cena dos traficantes em fuga.

— Esse prêmio comprova o que sabemos: a confiança do brasileiro no jornalismo que a Globo faz. Em especial dos moradores do morro do Alemão e das comunidades que o cercam, que dividiram conosco aquele momento tão importante de reconquista de território das mãos do tráfico — disse Ana Paula Araújo que, no dia da invasão, ficou mais de sete horas no ar, ao lado de Rodrigo Pimentel, ex- capitão do Batalhão de Operações Especiais da Polícia Militar do Rio (Bope).

Ao todo, mais de 20 repórteres da Rede Globo participaram da cobertura durante o cerco e a tomada da favela, momentos exibidos ao vivo pela TV Globo.

O prêmio inédito vem confirmar a boa campanha do “Jornal Nacional” nos últimos anos. Em 2002, o jornalístico foi indicado pela cobertura dos atentados do 11 de Setembro no ano anterior; em 2005, o jornal concorreu com matérias sobre a reeleição do então presidente George W. Bush em 2004; em 2007, ele foi indicado pela cobertura da Caravana JN na eleição presidencial de 2006. Em 2008, o “JN” concorreu pela reportagem do acidente com o avião da TAM; em 2009, com a matéria da morte da jovem Eloá Pimentel, mantida em refém pelo namorado por cem horas. Já em 2010, o jornal concorreu com a cobertura do apagão, em novembro de 2009.

— Isso é uma prova da qualidade da televisão e do jornalismo que fazemos na Globo — comentou Bonner, que fez o discurso em inglês, no palco. TEATRO E DANÇA

CORREIO BRAZILIENSE - Ó, abre-alas

Espetáculo sobre sambas de carnaval, criado por Rosa Maria Araújo e Sérgio Cabral, estreia turnê nacional em Brasília, de amanhã a domingo.

23 Irlam Rocha Lima

(22/9/2011) Diante do sucesso de É com esse que eu vou — O Rio inventou a marchinha, que estreou no verão de 2007 e se manteve em cartaz por três anos, a historiadora Rosa Maria Araújo e o jornalista e biógrafo Sérgio Cabral passaram a ser cobrados por quem gostaria de ver encenada uma segunda versão do espetáculo — em razão do vasto material que ficara fora do roteiro.

Mesmo considerando justa a reivindicação, os dois optaram por outra saída, ao criarem É com esse que eu vou — O samba de carnaval na rua e no salão. “Queríamos mostrar o outro lado da festa, ao reunir sambas que embalaram os foliões e entraram para história do carnaval”, justifica Rosa Maria. Entre o segundo semestre de 2008 e o primeiro de 2009, ela e Cabral fizeram aprofundada pesquisa, ouvindo mais de mil sambas, até chegarem aos 82 do repertório.

O musical, dirigido por Cláudio Botelho e Charles Möeller, depois de cumprir longas emporadas nos teatros Oi Casa Grande e João Caetano, no Rio de Janeiro, e de ser aplaudido no Festival de Teatro de Curitiba, inicia em Brasília, neste fim de semana, sua turnê nacional. As apresentações serão amanhã e sábado, às 20h; e domingo, às 19h, no Teatro da Caixa.

Alfredo Del-Penho, Pedro Paulo Malta, Marcos Sacramento, Mackley Matos, Soraya Ravenle, Beatriz Faria e Juliana Diniz, acompanhados por banda sob a direção musical do violonista Luis Filipe de Lima, interpretam sambas clássicos como Com que roupa (), O bonde de São Januário (Wilson Batista), Agora é cinza (Alcebíades Barcelos e Armando Marçal), Leva meu samba (Ataulfo Alves), Mora na filosofia (Monsueto e Arnaldo Passos) e É com esse que eu vou (Pedro Caetano). Eles também dançam e representam.

Para o cantor capixaba Makley Matos, que começou a carreira em Brasília, apresentando-se em lugares como o Feitiço Mineiro e o Bar do Calaf, É com esse que eu vou foi a grande oportunidade para mostrar seu talento a um público maior. Ele foi escolhido para integrar o elenco por meio de seleção, após ser descoberto no circuito dos bares da Lapa. “Minha trajetória artística divide-se entre antes e depois desse espetáculo. A partir daí muitas portas se abriram para mim”, comemora.

Antagonismo De acordo com Rosa Maria, o roteiro do espetáculo é temático, desenvolvido a partir do conceito de antagonismo e dividido em sete blocos — rico x pobre, orgia x trabalho, cidade x morro, tristeza x alegria, solteiro x casado, feminismo x machismo e briga x paz —, culminando com a apologia do

24 samba. “A pesquisa obedeceu ao critério de seleção de sambas que retratassem a história social do Brasil, entre os anos 1920 e 1970, período em que foram compostos”.

Segundo Sérgio Cabral, esse tipo de música assumiu sua forma definitiva em fins da década de 1920, “com jovens compositores da época, entre eles Noel Rosa e , que foram seguidos por Ataulfo Alves, Roberto Martins, Haroldo Lobo, Wilson Batista e todos que se dedicaram a criar sambas para o povo cantar no carnaval”.

Rosa Maria e Sérgio são, ainda, autores do texto do vídeo O morro e o asfalto (exibido durante o musical), com imagens cedidas pelo Arquivo Nacional e pelo Museu da Imagem e do Som. Narrado por e dirigido por Rodrigo Ponichi, o curta traz, também, cenas dos filmes O assalto ao trem pagador, de , e Escola de Samba Alegria de Viver/ 5 x favela, de Cacá Diegues.

Com a assinatura de Rogério Falcão, a cenografia remete ao glamour do Rio antigo, representado pelo Cassino da Urca, o luxo dos grandes bailes, além de reproduzir imagens do bonde, dos Arcos da Lapa e do Pão de Açúcar. Na criação dos figurinos, Ney Madeira teve como inspiração as ilustrações do cartunista carioca J. Carlos. O elenco usa roupas de base, superpondo peças. “Lado a lado, a seda, o lamê, o cetim e o algodão se renovam e constroem o democrático pano de retalhos que veste os boêmios, trabalhadores, cabrochas e madames retratados nos sambas”, explica Ney.

CORREIO BRAZILIENSE - Cronista de veia satírica

Juca Chaves realiza shows, de hoje a sábado, inaugurando o Centro Cultural Brasil 21.

Irlam Rocha Lima

(22/9/2011) A ligação de Juca Chaves com Brasília é antiga. A capital estava sendo construída, em 1957, quando o então jovem compositor fez Presidente bossa nova, sua primeira música de sucesso, em que satirizava o presidente Juscelino Kubitschek. Em trecho da letra, diz: “Bossa nova mesmo é ser presidente/ Desta terra descoberta por Cabral/ Para tanto basta ser tão simplesmente/ Simpático, risonho, original/ Depois de desfrutar da maravilha/ De ser o presidente do Brasil/ Voar da velhacap pra Brasília/ Ver o Alvorada e voar de volta ao Rio…”.

Num primeiro momento, a música não foi bem assimilada, principalmente pelo assessor pessoal de JK, Geraldo Carneiro. “Mandei Presidente bossa nova para o presidente, mas o Geraldo não permitiu que ele ouvisse. Aí eu botei na cabeça que iria cantá-la no Palácio Alvorada. O Juscelino acabou me recebendo, ouviu a sátira ao vivo e a achou simpática.”

O público também gostou. Tanto que o 78 rotações com a gravação de Presidente bossa nova, de um lado, e da bela modinha Por quem sonha Ana Maria, rendeu a Juca um disco de ouro na época. “Foram vendidas mais de 500 mil cópias, e contribuiu para isso a permanência da música na programação das rádios por um ano. Em consequência, passei a receber convites para shows em todas as regiões do país”, recorda-se.

Aos 72 anos, Juca, que já se apresentou em Brasília incontáveis vezes, estava sem fazer show aqui havia algum tempo: “Cheguei até vir, mas foi para marcar presença num evento fechado.” De hoje a sábado, às 21h, o brasiliense poderá revê-lo no stand-up Finalmente em pé… quase, um recital de voz e alaúde, entremeado de piadas “curtas, grossas, mas inteligentes, que levam o público a raciocinar”. O espetáculo marca a inauguração do Centro Cultural Brasil 21, no Complexo Brasil 21.

Stand-up

“Vemos, atualmente, essa onda de stand-up que assola o país. Isso, porém, José Vasconcelos (antigo comediante paulista), eu e outros artistas já fazíamos, na década de 1970. De qualquer maneira, é bom que surjam novos valores no humor brasileiro, tanto no teatro como na tevê.” No show de Juca, obviamente, não faltarão canções como A cúmplice, que ele compôs para a mulher, Yara, que estará na plateia do teatro, com as filhas —adotivas — Maria Clara e Maria Morena, de 12 e 13 anos respectivamente.

25 Embora as modinhas sejam também destaque na obra do Menestrel Maldito — o pseudônimo lhe foi dado por um amigo português, quando ele esteve exilado em Lisboa, durante a ditadura — são as sátiras que mais chamam a atenção. “Faço sátiras desde o começo da carreira. Algumas se tornaram famosas, como Dona Maria Teresa (mulher do presidente João Goulart) e O Brasil já vai à guerra, sobre a compra de um porta-avião pela Marinha, que quase o levou à prisão.

Feita no governo do Juscelino, O Brasil já vai a guerra, produziu dissabores no período dos governos militares. “Por causa dela, quiseram me prender, porque na letra há um verso que diz: O povo sem comida escuta as tais lorotas dos patriotas.” Depois, Juca faria: Fricote do pacote (governo Sarney), Ah se seu fusca falasse (governo Itamar Franco), “a que satirizava Fernando Henrique Cardoso, chamando-o de Júlio César brasileiro; e O rei está nu, no primeiro governo do Lula, quando explodiu o escândalo do mensalão”, lembra.

Simpatia por Dilma

Com Dilma, por enquanto o menestrel pegou leve. “No meu próximo CD vou gravar a música que compus para a nossa presidenta, falando:‘Bom-dia, amiga Dilma, minha presidenta, que é gente como a gente/ Numa só mulher, mulher que já lutou e luta, haja o que houver, por um Brasil mais justo e autossuficiente/ Assim posso ajudar com meu talento/ Dando à criança um lar para ela ser feliz/ Apenas adotar o que eu também já fiz/ Ama com adoção mas sem preconceito….”

Em Salvador, na década passada, Juca adotou duas crianças afrodescendentes. Depois de encontro com a ministra Maria do Rosário, em agosto último, ele se engajou na campanha Adoção sem Preconceito, do âmbito da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República. “Levei a ela a minha experiência, buscando incentivar outras pessoas a fazerem o mesmo”, justifica.

O artista, nascido no Rio de Janeiro e criado em São Paulo, mora há 25 anos em Salvador. Por conta disso, vem sendo chamado de soteropaulistano. “Mantenho apartamento em São Paulo, onde tenho, também, no Itaim Biibi, um teatro que leva o meu nome. Mas estou pensando em me fixar em Brasília”, revela. O artista lançou 18 LPs e seis CDs. O mais recente é O melhor de Juca Chaves — O Menestrel do Brasil, um pacote com três discos, que saiu pelo selo Sdrwa Records.

CORREIO BRAZILIENSE - Celeiro de intérpretes

Ao longo de décadas, escolas de teatro da cidade estimulam adolescentes a se tornaram profissionais do teatro

Mariana Moreira

(23/9/2011) - Rosanna Viegas surgiu recentemente na novela Ti-ti-ti no papel de Rosário, empregada de Jacques Leclair. Agora, o desempenho daatriz pode ser visto na série Malícia, do canal Multishow. O ator Vinícius Ferreira estreou como músico, enveredou pelo teatro e atualmente exerce a faceta de iluminador. Luana Proença estudou teatro, tomou gosto pela educação e hoje ensina o ofício a jovens aspirantes aos tablados. Em comum, esses artistas de Brasília têm uma característica: todos passaram por escolas teatrais da cidade voltadas para o trabalho com jovens e adolescentes, a exemplo de Neia e Nando, Mapati, Oficina dos Menestréis, de Deto Montenegro (que não existe mais) e a Companhia da Ilusão. Apesar do preconceito que enfrentaram no meio acadêmico por essa experiência independente, esses atores são unânimes ao afirmar: foi, nesse espaço, que eles aprenderam que ser um “homem de teatro” não se limita ao subir no palco.

Rosanna chegou à oficina de Deto Montenegro para se divertir e nunca mais deixou o teatro. “Comecei pela farra, mas o bicho me mordeu”, conta. Enquanto integrou a Oficina dos Menestréis, ministrada pelo ator, ela assimilou princípios básicos da profissão, que carrega para todos os trabalhos que faz, como chegar no horário e ter senso de equipe. “Hoje, me impressiono com atores que chegam atrasados, que não decoram o texto. Nos tempos do Deto, era preciso saber as falas de todos os atores, para poder substituir qualquer um. Ele te ensinava a estar sempre de prontidão”, afirma.

Para ela, a experiência serviu como uma espécie de introdução às matérias da universidade. “Quando entrei no curso da UnB, as primeiras disciplinas não foram novidade. Na Oficina dos

26 Menestréis, os atores eram formados dentro dos princípios de Stanislavski e Peter Brook, mas sem academicismo”, reconhece.

O voo de Aladim

Egresso da Cia Neia e Nando, Vinícius Ferreira precisou enfrentar a derrocada de sua banda de samba para descobrir que seu lugar era mesmo no palco. Encontrou um anúncio do grupo especializado em peças infantis e resolveu tentar a sorte, mesmo diante dos protestos dos professores da universidade. “Na academia, dizem que falta estética, falta um monte de coisas. Mas é um recalque da intelectualidade. Essas companhias tiram o público de casa e levam para o teatro, e isso já é muito bom”, defende o ator e iluminador, que reconhece que boa parte de sua geração de colegas atores passou por uma dessas companhias de formação da cidade.

Além de se descobrir ator (ele foi o protagonista Aladim), Ferreira precisou a aprender os rudimentos de iluminação, cenário, figurino, maquiagem, produção e até mesmo o desenvolvimento de material publicitário das peças. Em dois dias, chegou a fazer 17 apresentações, em teatros, shoppings e festas de aniversário. “A faculdade me deu a possibilidade de pensar o teatro, mas não me deu 1% da prática e da vivência que a companhia me permitiu”, admite.

Luana Proença, também presença constante no universo cênico da cidade, pode se considerar uma especialista na iniciação teatral oferecida em Brasília.Ela recebeu ensinamentos do Mapati, da Cia Neia e Nando e de Deto Montenegro. Em cada uma delas, aprendeu um pouco das lições que ultrapassam o ofício de interpretar. Limpou banheiro de teatro, vendeu ingressos para as sessões, pediu patrocínio para as padarias e locadoras dos arredores. A dedicação fez com que ela descobrisse sua paixão por compartilhar o aprendizado. Hoje, mantém a escola No Ato Produções, atividade que alterna com as aulas de mestrado.

A escola já oferece cursos de teatro básico e intermediário e de teatro-esporte e se prepara para uma expansão. “Me apaixonei por dar aula, por ver o crescimento diário das pessoas, por perceber que os alunos se tornam pessoas mais alegres, vibrantes e expressivas. O teatro promove mudanças nas pequenas coisas da vida”, acredita.

Com a palavra, os professores

A Cia Teatral Neia e Nando completa 13 anos como uma das poucas que se sustentam financeiramente em Brasília. Apesar disso, o começo foi penoso. Para sobreviver na cena teatral e atrair público (“no começo havia mais gente no palco do que na plateia”, afirma Nando Villardo), o casal que idealizou a trupe investiu em aulas de formação. Hoje, já contabiliza mais de quatro mil alunos e 47 atores no elenco fixo, 39 deles com registro profissional e atuantes nas produções brasilienses, e brasileiras. “Tomamos cuidado com o ego dos meninos. O ator é protagonista em uma peça, porteiro na outra, faz uma ponta na seguinte e, na quarta produção, nem aparece”, ensina.

Outro ator e diretor atuante na cidade é Alberto Bruno, da Companhia da Ilusão. Sua escola surgiu quando Bruno, recém-formado em artes cênicas e entusiasta de Stanislavski, perdeu o emprego em um órgão público. Por sua sala de aula, já passaram mais de dois mil atores, que além do curso básico de dois anos e meio, podem continuar atuando nos núcleos de pesquisa e montagem da companhia. “O Brasil ainda não reconheceu a importância dos pequenos espaços de divulgação do teatro, que pagam tantas taxas que acabam trabalhando de graça. Esses batalhadores são formadores de plateia e ainda empregam muita gente”, exemplifica.

27 Teresa Padilha, do Teatro Mapati, começou seu magistério artístico também por acaso. Depois de montar o grupo de teatro, passou a receber visitas diárias de uma menininha que se plantava diante de sua porta, pedindo por um curso de atuação. “Muitos dos que passaram por aqui estão atuando nos grandes centros ou foram embora do Brasil”, destaca.

CORREIO BRAZILIENSE - Humor marca homenagem a Autran

Mariana Moreira

(23/9/2011) O termo homenagem pode soar melancólico e tendente ao saudosismo. Mas a atriz Karin Rodrigues e o ator e diretor Elias Andreato fugiram da obviedade e imprimiram um tom leve ao tributo que o projeto Mitos do Teatro Brasileiro fez, na última quarta-feira, ao ator . Ao falar dele, a dupla manteve sintonia no humor e na emoção, exaltando em uníssono características que toda a classe artística atribui ao senhor dos palcos: a grandeza cênica, a humildade nos Cenas dos atores Silvana de Faveri e J. Abreu intercalaram depoimentos relacionamentos e a entrega incondicional ao teatro. A noite ainda teve cenas que revelaram a intimidade e a trajetória do homenageado, interpretadas por J. Abreu e (a surpreendente) Silvana de Faveri no tablado.

As participações de Autran, em cenas e entrevistas exibidas no telão, foram um indício do clima cômico da noite. Sua sinergia com Tônia Carrero durante um especial da peça Um Deus dormiu lá em casa, exibido pela televisão nos anos 1980, divertiu o público. Em outra passagem bem-humorada, protagonizada pelo ator, ele contou a respeito de sua primeira peça. O texto, retirado de uma revista infantil, chamada Tico Tico, originalmente se chamava O tio da roça. Paulo demonstrou intimidade com o tema ao fazer sua primeira adaptação — o tio virou tia, para que a mãe do vizinho pudesse interpretá-lo. Em sua primeira produção, ele cobrou ingresso da vizinhança, com valores diferenciados para adultos e crianças.

28 Karin Rodrigues arrancou gargalhadas da plateia com as histórias contadas: graça aprendida com o marido

Karin começou o depoimento com voz embargada. “Esta é a primeira vez que venho a Brasília sem o Paulo”, contou a viúva do ator. Em seguida, assumiu sua porção espevitada e arrancou gargalhadas da plateia. Para mudar um pouco o discurso de exaltação, a atriz elencou defeitos do marido. “Ele não gostava de perder no jogo, fumava muito, dirigia mal, queria as janelas sempre fechadas e não deixava os cachorros subirem no sofá”, enumerou. Pequenas intimidades ganharam tom jocoso: “Ele nunca engordou. Manteve o peso e as mesmas roupas de solteiro”, brincou.

Cinzas no jardim Nem ao falar da morte Karin deixou a graça de lado, habilidade que diz ter aprendido com Autran. “Ele parou de fumar por um ano e meio e fez cinco pontes de safena. Ele era sempre o máximo”, destacou. Um dos episódios que mais despertaram risadas foi o relato sobre a cremação do ator. Ao receber seus restos mortais, a atriz teve a ideia de atirá-las no jardim. “É gostoso pensar que ele está no meio das flores”, afirmou. Amigo e parceiro profissional de longa data, Andreato emendou: “O Paulo detestava ir para o jardim. Queria ficar fumando dentro de casa. Enquanto a Karin jogava as cinzas, ela dizia: ‘Agora você vai para o jardim’”. Ao ser perguntada se Paulo gostaria de morrer no palco, a atriz cravou: “Todo ator gostaria de morrer no palco, assim como todo nadador gostaria de morrer na piscina”.

Andreato sustentou o bom humor de Karin e também leu um poema, inspirado na amizade que manteve com Autran e a mulher: “Amigo que não ri junto não sabe chorar junto”. A risada foi uma das lições que o amigo deixou. “Nos últimos seis anos em que convivi com eles, a vida foi mais leve, mais alegre. A gente deu muita risada, até o último momento”, relata. Sentado na plateia, Sergio Mamberti foi convidado a se juntar a eles no palco. “Vi Paulo e Tônia em Um deus dormiu lá em casa. Ele foi meu modelo de ator”, afirmou Mamberti.

ESTADO DE MINAS - Eterna vanguarda

29 (22/9/2011) - O Ballet de Londrina traz a BH o espetáculo A sagração da primavera. Leonardo Ramos oferece releitura do clássico modernista, que mudou a história da dança ao estrear em Paris, em 1913, chamando a atenção para a parceria do músico Igor Stravinsky com o coreógrafo Vaslav Nijinsky. Vaias retumbantes consagraram aquela novidade estética, estarrecendo a plateia do Théâtre des Champs-Élysées.

Aos 18 anos, o grupo paranaense contabiliza 22 espetáculos, 11 turnês nacionais, 10 viagens internacionais e cerca de 500 apresentações para 150 mil pessoas.

Baseada em antiga lenda russa, A sagração da primavera conta a história da imolação de uma virgem, oferecida aos deuses da primavera em troca da fertilidade da terra. Freneticamente, a jovem eleita dança até a morte.

O ESTADO DE S. PAULO - Brilho próprio

A Revolta da Lantejoula é resultado de profunda pesquisa de linguagem

(22/9/2011) Apostar naquilo que ainda se tem dificuldade em identificar. Esse parece ter sido o admirável e arriscado objetivo da dupla Ângelo Madureira e Ana Catarina Vieira em sua mais recente obra, A Revolta da Lantejoula. Recém estreada na Bienal Sesc de Dança, em Santos, e reapresentada em uma curtíssima temporada de apenas um fim de semana no novo Sesc Bom Retiro, nos fala do que nos falta: a esperança de que será no coletivo que a dança recuperará uma potência que hoje anda enfraquecida.

A obra termina assim, com esse 'recado'. Enfrentando um dos interditos mais severos do Index (não formalmente publicado, mas bastante seguido) da dança contemporânea, A Revolta da Lantejoula propõe um uníssono muito sonoro de corpos que fazem a mesma coreografia ao mesmo tempo, e de frente para o público. Seria um anúncio da volta do velho corpo de baile?

Não parece ser essa a leitura que cabe, pois a corte que gestou o formato do corpo de baile se faz presente, sim, mas de outro modo. Está não somente no balé que se mistura à cultura popular e à dança contemporânea naqueles cinco corpos, como também nos desenhos coreográficos, que aproximam, por exemplo, às guirlandas das danças da corte do passa-passa da dança popular. E nos figurinos de Gustavo Silvestre e Luiz Parisi, que misturam as rendas dos nobres com as texturas da terra do cangaço. E está, sobretudo, nas muitas alegorias a um poder que tudo controla e que vão conduzindo a coreografia.

30 O chão se torna uma superfície de percussão e passa a fazer parte da trilha sonora. São os corpos e o banco-abrigo-fronteira que o vão transformando em uma partitura.

Continuando o assunto de seu último trabalho, que focou a sustentabilidade da dança, agora demonstram, de forma quase literal, que nem todos conseguem caber no mesmo banco e que, quando nele se ajeitam, alguém sempre acaba sendo derrubado. Todas as cenas se conectam, de alguma forma, com a questão central das atuais políticas públicas que vão produzindo rápidas inclusões à custa de um rodízio nas exclusões.

No lugar das coleções de movimentos que foram estruturando em séries de frases, e que alimentavam a sua composição, surgiram pequenos gestos e novas ênfases. Não é um espetáculo para ser assistido de longe, pois é preciso identificar essa nova força que parece querer dar ao "menos poder ser mais".

Como ocorreu com todas as produções anteriores, essa, a décima desde 2003, quando estrearam no Rumos Dança, provavelmente continuará a ser trabalhada e chegará aos ajustes finos que ainda lhe faltam, e que somente a reapresentação constante permite que aconteçam. Mas o principal já está de pé, e o título indica: não se trata somente de uma revolta, mas também, e principalmente, de uma revolta da lantejoula. Ela volta para a cena com o elenco composto pela dupla e por Beto Madureira, Luiz Anastácio e Patrícia Aockio

Uma lantejoula brilha sozinha, mas é o seu conjunto colorido que se associa com a nossa cultura popular. Cada uma conta, e cada uma faz falta. A força da metáfora de um corpo-lantejoula (brilha sozinha, mas precisa dos outros para expandir esse brilho) constitui o estímulo para que repensemos o papel político da dança nesse cenário, que se desenha a partir das leis que regulam as condições de existência nelas formulados.

O GLOBO - A subversão da obra de Nelson Rodrigues

Luiz Felipe Reis

(22/9/2011) - Há alguns meses, a presidente da Casa França-Brasil, Evangelina Seiler, procurou a diretora Christiane Jatahy e lhe fez uma proposta.

Queria mais atividades ligadas à dramaturgia para preencher os espaços da casa. Christiane se animou, lembrou o centenário de Nelson Rodrigues e alinhavou a proposta que se concretiza a partir de hoje com a estreia do projeto In Drama.

Até fevereiro de 2012, performances de seis artistas irão apresentar releituras de textos de Nelson, a começar pelo trabalho do coreógrafo João Saldanha para a peça “Senhora dos Afogados”, que poderá ser conferido de hoje a sábado, de graça, sempre às 19h.

— Ela queria trazer o teatro para mais perto, e pensou numa série de leituras dramatizadas, mas como sempre enxerguei a França-Brasil como uma casa multidisciplinar e de integração, achei que era mais interessante um evento focado na dramaturgia do Nelson, mas que a revelasse a partir de diferentes perspectivas.

Músicos, artistas, diretores...

Habituada a trafegar na fronteira entre ficção e realidade em suas encenações, e, mais recentemente, a borrar os limiares entre cinema e teatro, Christiane viu no convite uma oportunidade de estender suas pesquisas que estimulam o cruzamento de variantes artísticas. Pensou numa série que pudesse reunir músicos, artistas plásticos, atores, diretores e coreógrafos, como é o caso de João Saldanha. Em outubro, será a vez da companhia Foguetes Maravilha, de Felipe Rocha e Alex Cassal, subverter “Toda nudez será castigada”. Em novembro, o artista plástico Guga Ferraz recria “O beijo no asfalto”, e, no mês seguinte, o baterista e compositor Domenico Lancelotti intervém sonoramente em sua abordagem para “Boca de ouro”.

Em janeiro, a coreógrafa Dani Lima brinca com “Os sete gatinhos”, e a própria Christiane fecha a série relendo “Vestido de noiva”, em fevereiro.

31 — A ideia é que cada artista se aproprie do que está inserido em cada texto e o recrie através de sua própria linguagem, explorando fronteiras, estimulando a gente a olhar o que já conhece por um outro viés — explica a diretora.

Para que a ideia não descambe para o nonsense completo, alguns dogmas foram estabelecidos. Cada um dos textos de Nelson estará disponível na íntegra para que os espectadores possam ler, cada performance deve ter entre 20 a 30 minutos, e, em todas elas, os artistas devem encontrar modos de dizer fragmentos dos textos assinados pelo dramaturgo, que poderão ser cantados, contados, interpretados...

— Cada um terá de descobrir um modo de fazer a mediação entre a performance e a obra.

Na perspectiva de Christiane, o caráter transgressor do evento está absolutamente conectado ao legado e às contribuições oferecidas pela obra de Nelson.

— Escolhi “Vestido de noiva” por todo o simbolismo e transgressão contida na origem dessa dramaturgia. Nelson revolucionou o modo de se lidar com o tempo, com os espaços, uma peça que tem em sua estrutura a ideia de trangressão.

O GLOBO - Uma crise existencial dos novos tempos

(22/9/2011) - Eles não se desgrudam mais. Após o sucesso de “A forma das coisas”, de Neil LaBute, e um ano depois da estreia do segundo trabalho em conjunto, “Estragaram todos os meus sonhos, seus cães miseráveis”, de Daniela Pereira de Carvalho, os atores e produtores Pedro Neschling e Pedro Osório mais uma vez retornam juntos à cena; e agora fortalecidos pelo acréscimo da experiência de outro Pedro, Paulo Rangel, que a partir de amanhã contracena com Osório na montagem de “Um número”, texto da inglesa Caryl Churchill que ganha direção de Neschling.

— Depois de “A forma...” queríamos continuar a trabalhar juntos, e quando o Osório mostrou esse texto, não pensei duas vezes e liguei para o Pedro Paulo.

Trabalhar com ele tem sido impressionante — conta Neschling.

— O Pepê traz uma bagagem de mais de 40 anos no palco, uma gama de recursos inacreditável.

Tenho uma ideia, uma visão do que eu quero, mas vira e mexe ele tira da propostas que eu nunca poderia imaginar. Eu me pego com cara de bobo. Ele me pergunta o que eu achei. E eu: “Não muda nada, por favor!” Aí, ele brinca e diz que já nem se lembra do que fez.

Na peça, Caryl Churchill põe em perspectiva uma espécie de crise existencial dos novos tempos.

Em cena, uma homem passa a questionar o seu lugar no mundo e sua condição de indivíduo ao descobrir que existem vários clones seus espalhados pelo mundo. Descobre também que ele próprio, na verdade, não passa de um clone de um filho original que seu pai abandonou e entregou para adoção.

— Mais do que clonagem, o texto trata das relações humanas.

É sobre um pai que abandona o filho por se ver incapaz de criá-lo, e que depois, arrependido, tenta se redimir e começar tudo de novo da forma torta dele, que é fazer um clone do filho original — conta Pedro Paulo Rangel.

Tudo começa a partir de uma conversa entre o pai, Salter (Pedro Paulo Rangel), e o filho, Bernard (Pedro Osório). Angustiado pela hipótese de não ser o filho original, Bernard inicia um interrogatório que, aos poucos, desvela o que ele, ao mesmo tempo, quer e não quer saber: sim, ele foi gerado através de uma clonagem.

— A grande preocupação da Caryl é fazer pensar na natureza humana, e discutir a relação familiar, a culpa que um pai sente ao abandonar um filho para cuidar de um clone, e a conseqüência disso na

32 vida dos dois. Ou seja, o sentimento de abandono de um, e a sensação de ter vivido enredado numa teia de mentiras do outro. Então não se trata de defender ou condenar a clonagem, mas, sim, de tocar em questões existenciais, mais do que científicas — diz Neschling.

A partir da clonagem, uma série de questões subjacentes se encadeiam, como o limite ético na criação de vida artificial, a conduta de um pai para a formação e o futuro de um filho, a conseqüência das escolhas individuais de cada ser humano...

— Falamos sobre a formação do indivíduo, a responsabilidade ou culpa dos nossos pais, as interferências da natureza no meio em que a gente vive, as decisões que nós mesmos tomamos — diz o diretor.

Vilão marcante

Ao longo da encenação, fica-se sabendo que a equipe médica que conduziu a clonagem replicou o experimento e gerou uma série de outros filhos. Descobre-se também que o filho natural de Salter ainda permanece vivo. Três décadas depois, os dois se reencontram. E é aí que um carrossel de sentimentos represados passa a girar e alimentar os atores em cena.

— O Osório se desdobra em três personagens em cena, enquanto o Pedro Paulo vive o Salter, que é tão ambíguo que é como se ele fizesse cinco ao mesmo tempo. É um parque de diversões para os atores — comenta Neschling.

Pedro Paulo concorda: — Outro dia um rapaz da técnica soltou: “Mas esse cara é um filho da p...!” Eu queria muito fazer um vilão, e o Salter realmente é um canalha, mas a gente acaba torcendo por ele. É uma personalidade camaleônica, age de modo diferente com cada um para poder salvar a sua pele, porque o que ele fez é abominável. Coitado, eu tenho pena dele.

O ESTADO DE SÃO PAULO - Partitura de haicai

Dividido em "10 composições", Oxigênio traz números de rock que contaminam a prosa poética

MARIA EUGÊNIA DE MENEZES

(23/9/2011) A combinação é estranha. Terrorismo, pedofilia, fanatismo religioso, amor romântico e rock pesado: todas essas são questões que despontam em Oxigênio, espetáculo que a Cia. Brasileira de Teatro estreia hoje no Sesc Consolação. Não dá para negar o inusitado da combinação. O surpreendente é quanto essa miscelânea funciona no palco.

Depois de se destacar como revelação do Festival de Curitiba deste ano e cumprir uma temporada no Rio, a montagem já aporta em São Paulo com a chancela da crítica. Cercada pelo mesmo lastro de unanimidade que envolvia Vida, criação anterior do grupo do diretor Marcio Abreu. As temáticas dos dois espetáculos, aliás, são completamente diversas. Seus processos de criação também: um deles partia de uma dramaturgia própria, o outro de um texto acabado. Ambos, porém, dão notícia da maturidade que a companhia curitibana alcançou e ajudam a demarcar o novo lugar que ela passa a ocupar na cena nacional.

Oxigênio empreende um mergulho em um autor inédito no País. O siberiano Ivan Viripaev é hoje um dos nomes de maior destaque da dramaturgia russa. Já foi descoberto na Europa. Mas seguia desconhecido por aqui. Fortemente marcada pelo contexto em que foi concebida, a obra de Viripaev dá conta de uma série de particularidades da Rússia hoje. Também evoca o passado soviético, ao impregnar sua história de ecos de Crime e Castigo - a obra máxima de Dostoievski.

Curiosamente, foi nesse texto que o diretor Marcio Abreu encontrou o esteio para reafirmar vários dos princípios estéticos que já notabilizavam a companhia: a maneira peculiar com que os intérpretes se colocam em cena, a linguagem que escapa de uma prosa lógica e coerente, a recusa à representação. "Fizemos um pouco mais do que uma tradução", explica o diretor. "Essa obra está

33 marcada por uma realidade muito específica, da nova dramaturgia russa. A grande chave dessa escrita era como tirá-la dessa sua especificidade e ampliar as suas questões."

Em seu drama, Viripaev mobiliza uma fábula aparentemente simples. Um homem do interior da Rússia apaixona-se por uma moça que conhece em Moscou. Mobilizado pelos sentimentos imprevistos, retorna a casa e mata, com golpes de pá, sua mulher. Tal enredo é apenas um pretexto para que outra coisa se dê em cena. Ainda que não seja, em absoluto, desimportante. Será justamente por meio dele que o autor se lançará a outros temas. Abrirá dezenas de janelas. Sem necessariamente deter-se sobre nenhuma delas.

Marcio Abreu considera Oxigênio uma peça de geração, dos que nasceram nos anos 1970. Não só pelos assuntos que mobiliza. Mas pela forma como o faz. Sem empunhar qualquer bandeira. Relativizando qualquer moral ou verdade. Movendo-se por paradoxos, dúvidas. "É uma maneira de se relacionar com as coisas com certa fragilidade. De ser passional e racional ao mesmo tempo", diz o encenador.

Em nenhum momento, os intérpretes Rodrigo Bolzan e Patricia Kamis representam personagens. Entre um número de rock e outro, eles apenas narram a história do arrebatado amor de Sacha. E são, constantemente, instados a reafirmar sua presença diante do público. O procedimento não é novo. Remete ao tom performático que contamina o teatro contemporâneo há algum tempo - pelo menos desde os anos 1970. Mas exibe um frescor raro na forma como transfere o centro da cena para o espectador. Constrói um espaço onde quem assiste e quem está no palco compartilham uma mesma experiência.

Dividido em "10 composições", o texto de Viripaev assemelha-se a uma partitura musical. Existem trechos inteiros que se repetem. Funcionam como refrões e contaminam a prosa com laivos de lirismo. "Essas repetições possuem um valor sonoro e de sentido que remetem a forma de um poema, de um haicai", considera Abreu. A partir de determinado momento, a história do romance entre os dois personagens termina. A peça, contudo, ainda segue por algum tempo. Permanece no encalço de algumas perguntas: o que é essencial para cada um? O que é oxigênio para você?

O GLOBO - O Rio leve e divertido de Flávio Marinho

Barbara Heliodora

Habilidade e humor dão o tom em comédia de costumes bem carioca

(24/9/2011) Não há ninguém que possa romantizar o aqui e agora; a distância, no entanto, faz milagres, e em seu exílio copacabanense Maria Elvira e Maurício Otávio só veem encanto e qualidade de vida na Bangu que abandonaram. Nesta nova “Abalou Bangu 2 — A festa”, Flávio Marinho continua a documentar a vida diária de um casal representativo de uma boa fatia da sociedade brasileira, seus modo de vida, seus preconceitos, suas noções do que seja a ascensão social. Nesta ocasião, no lado da novidade na rotina temos Maria Elvira salpicando sua conversa com termos em inglês, mas como tema principal a confrontação dos preconceitos de Bangu com o simpático e prestimoso casal gay que, em momento de inexplicável generosidade, Maurício convidou para a festa que comemora 40 anos de casamento dos donos da casa. Com um diálogo fluente e antenado para todos os acontecimentos que os jornais e a TV trazem para o dia a e Cristina Pereira: domínio do dia, o encontro dos dois casais é tratado com habilidade e jogo teatral humor e não resvala para o exagero sem que alguém intervenha com um “Menos!” que traz tudo de volta à normalidade.

34 A encenação é tão hábil quanto foi a primeira, e entramos na cozinha de Maria Elvira (cenário de Ronald Teixeira) nos sentindo em casa. Ele também veste a protagonista, deixando claro que, em matéria de moda, ela continua longe da Zona Sul, com os três personagens masculinos corretos. A coreografia de Mabel Tude acerta em cheio o clima da peça, tudo bem iluminado por Paulo Cesar Medeiros. A direção é de Flavio Marinho, que sendo também autor (ele ainda é responsável pela trilha sonora) sabe bem a linha que o texto pede, e o que pode pedir a seu elenco.

Claudio Galvan e Luciano Borges estão muito bem no casal gay, evitando exageros mas sabendo usar as dicas que o texto lhes dá para explorar seus personagens divertidamente conservadores.

Com saudades de Bangu estão, nos papéis de Maria Elvira e Mauricio Otávio, dois atores altamente competentes que são, inclusive, comediantes de primeira linha:

Cristina Pereira e Paulo Goulart. Os dois sabem servir texto e público, os dois dominam como poucos o jogo teatral, e por isso mesmo contribuem muito para tornar esse “Abalou Bangu 2 — A festa” um espetáculo leve e divertido, que não deixa de nos dizer muito sobre o Rio de Janeiro e a grande variedade de cariocas que o habita.

O GLOBO - Tipo exportação

Formação mais apurada e mercado de trabalho restrito levam jovens bailarinos clássicos a tentar a sorte em companhias do exterior

Joana Dale

(25/9/2011) De segunda-feira a sábado, Helenilson Ferreira, de 20 anos, acorda às 6h30m. Em uma hora, toma um copo de leite, come dois mistos-quentes e desce correndo a Vila do João, no Complexo da Maré, até o ponto de ônibus para pegar o 665 (Pavuna-Saens Peña) e chegar à sede da Cia. Brasileira de Ballet antes das 9h. No salão sem ar-condicionado e com janelões fechados para o vaivém da Rua Santo Afonso, na Tijuca, o bailarino rodopia e salta incessantemente durante o ensaio da primeira valsa de “O lago dos cisnes”, no papel de bobo da corte. São 40 minutos de intervalo para o almoço. O trabalho de repetição, numa busca constante por perfeição, continua até as 16h. Quando os outros 21 integrantes do grupo já mostram sinais de cansaço, eis que Helenilson

35 manda um giro sem sair do eixo, mais conhecido como pirouette à la seconde, registrado na sequência de fotos acima.

— Meu objetivo é ser contratado pela San Francisco Ballet — conta Helenilson, que começou no balé clássico aos 11 anos.

O sonho de conquistar uma vaga numa companhia de dança estrangeira é compartilhado pelos outros dez rapazes que integram a Cia. Brasileira de Ballet, a segunda mais respeitada da cidade, só perdendo para a do Theatro Municipal, e uma das que mais exportam talentos. É um retrato de um movimento que ocorre em todo o país.

— Nunca tantos bailarinos homens foram exportados do Brasil. É uma revoada — afirma Ely Diniz, presidente do Instituto Festival de Dança de Joinville. — O bailarino clássico está parecendo jogador de futebol. Quando começa a ficar bom, vai embora para a Europa ou para os Estados Unidos.

Guardadas as devidas proporções, a comparação do balé clássico com o futebol tem fundamento. Um exemplo carioca: ano passado, dez bailarinos da Cia. Brasileira de Ballet foram dançar em instituições gringas, sendo que, desse total, seis são homens — número maior do que o de jogadores que o Fluminense, o Campeão Brasileiro de 2010, vendeu para times de fora (quatro atletas) no mesmo período, segundo o Departamento de Registros e Transferências da CBF. O jogo pode até estar virando para o lado do balé, mas é bom deixar claro que, na questão salarial, o futebol ganha de lavada. Um craque das sapatilhas do quilate de Thiago Soares, o primeiro bailarino do Royal Ballet, de Londres, ganha um salário de cerca de R$ 210 mil anuais, fora cachês de espetáculos. Kaká, por exemplo, recebe cerca de R$ 2 milhões ao mês do Real Madrid.

Números à parte, o grande salto tem dois motivos principais. Em primeiro lugar, graças à queda do preconceito, os meninos que outrora se iniciavam no balé por volta dos 15 anos agora estão fazendo os primeiros pliés cada vez mais cedo — o que resulta em melhor desenvolvimento técnico. Por outro lado, o campo de trabalho continua restrito. O Ballet do Theatro Municipal do Rio, principal companhia de repertório clássico do país, é o único porto seguro. Por isso, a necessidade de alçar voos no exterior.

Até ganhar corpo, o movimento “tipo exportação” de talentos masculinos do balé clássico começou com casos isolados, tendo sempre o Rio como celeiro principal. Nascido em Manaus e criado aqui, Marcelo Gomes, que faz 32 anos amanhã, foi o primeiro brasileiro contratado por uma companhia estrangeira de renome, há 14 anos. Hoje, é o primeiro bailarino do American Ballet e, sem exageros, chega a dar autógrafos nas ruas de Nova York. Marcelo começou a dançar aos 9, na escola Ballet , na Gávea. Assim como ele, quase todos os dez bailarinos recém- contratados pelo Theatro Municipal calçaram o primeiro par de sapatilhas por volta dos 10 anos — hoje, estão em média com 18. Sinais dos novos tempos, como observa Ana Botafogo, primeira bailarina do tradicional corpo de baile há três décadas.

— Começar cedo faz toda a diferença, pois aos 18 anos eles conseguem ter o físico do bailarino e o domínio da técnica. Salvo raras exceções, antigamente, por causa do preconceito, eles só se iniciavam no balé quando já eram homens feitos — lembra Ana.

Neste cenário, o bailarino Lúcio Kalbusch, de 21 anos, um dos novos integrantes do Municipal, acha que iniciou tarde na dança, aos 14. Nascido em Joinville, Santa Catarina, ele começou por acaso. Foi fazer um trabalho do colégio na Escola do Teatro Bolshoi, apaixonou- se por balé e acabou ficando por lá. Embora a filial da ortodoxa companhia só aceite estudantes de 8 a 12 anos, foi aberta uma exceção para o então promissor adolescente. Tempos depois, cansado da disciplina russa, ele resolveu tentar a sorte no Rio e ganhou uma bolsa no Conservatório de Dança (a escola da Cia. Brasileira de Ballet). Ficou nela por três anos, até chegar à primeira divisão do balé clássico, no Municipal.

— Disse à minha mãe que precisava me mudar para o Rio com a desculpa de que aqui é sede da mais respeitada companhia de dança clássica do Brasil — lembra. — Ainda bem que, três anos depois, passei na audição e consegui pisar no palco do Municipal pela primeira vez, numa montagem de “Carmen”.

36 Agora, Lúcio ensaia pesado para incorporar um dos cinco Romeus da coreografia de John Cranko (1927-1973), que a companhia vai estrear no dia 13 de outubro. Será o seu primeiro papel principal.

— Estou tendo boas oportunidades e quero crescer aqui primeiro. Depois, pretendo ir para fora. Gosto muito do balé da Alemanha — diz.

Outro recém-contratado do Municipal, e também joinvilense, Denis Vieira, de 19 anos, pensa parecido com o conterrâneo:

— Dançar fora do país é uma consequência natural da carreira — diz ele, que começou aos 11 anos e se formou ano passado, após oito anos do curso técnico da Escola de Teatro Bolshoi.

Com três turmas formadas, o Bolshoi Brasil exportou oito profissionais masculinos para companhias de Estados Unidos, Polônia, Argentina, Canadá e Rússia nos últimos tempos — mesmo número de jogadores que o Flamengo vendeu em 2010, segundo a CBF. Mês passado, o último a fazer as malas foi o paulistano Erick Swolkin, de 20 anos, o primeiro brasileiro convidado a integrar o elenco profissional do Bolshoi de Moscou.

— Quando comecei a dançar, aos 10 anos, já sonhava em ir para o Bolshoi — conta Erick.

De um modo geral, as instituições estrangeiras contratam bailarinos a partir dos 18 anos. A maior parte dos brasileiros, no entanto, têm chegado lá entre os 22 e 23. É o caso do carioca Reginaldo Oliveira, de 28 anos, que saiu há cinco do Complexo da Maré para ser contratado pela Badisches Staatstheater Karlsruhe, sediada numa cidadezinha perto de Frankfurt, na Alemanha. Ele espanta o frio dançando diariamente em dois turnos: das 10h às 14h e das 18h às 21h30m, e ganha salário de C 1,9 mil mensais. Antes, bailou por cinco anos no Rio, também cumprindo o circuito Ballet do Theatro Municipal e Cia. Brasileira de Ballet.

— Dançava o dia inteiro para dar conta do trabalho nas duas companhias. O lado bom é que cheguei à Alemanha já preparado para enfrentar a rotina pesada — conta Reginaldo.

Pensando no futuro, o gaúcho Iuri Loureiro, de 18 anos, tem uma disciplinada rotina no Rio. Ele faz duas aulas na Escola de Dança Maria Olenewa (preparatória para o Municipal, e também financiada pelo governo do estado) durante a tarde e uma noturna na Cia. de Dança , de balé contemporâneo. De manhã, cursa Direito na Estácio de Sá:

— O Direito é a segunda opção. A primeira é entrar para o American Ballet Theatre.

Toda regra tem exceção. De uma geração anterior, o paulistano Felipe de Sousa, de 30 anos, recém- promovido a primeiro solista do Municipal, está satisfeito na sólida companhia estadual, fundada em 1927, que paga salário inicial de R$ 3 mil. Ele voltou para o Rio após uma temporada na São Paulo Companhia de Dança e acaba de recusar um convite para dançar no Miami City Ballet.

— É mais fácil conseguir reconhecimento no próprio país. Botei na balança e vi que não vale a pena viver longe da família — pondera Felipe, que ganhou um motivo a mais para não sair daqui: sua mulher, a também bailarina Hélida Roberta, de 30, está grávida.

O talento do gaúcho Gabriel Fernandes, de 20 anos, mobilizou a sociedade de Porto Alegre, que no ano passado fez uma vaquinha para bancar a viagem do rapaz para o Rio. Atualmente, vira-se com o salário de R$ 700 que recebe da Cia. Brasileira de Ballet. Ele começou a dançar aos 8 anos, escondido da mãe, evangélica fervorosa.

— Na igreja, eles acham que dança é coisa do capeta — lamenta o bailarino.

O aluguel do apartamento que Gabriel divide com outros dois bailarinos do grupo, na Tijuca, é pago pelo diretor da companhia, Jorge Teixeira. Dois quarteirões ao lado, fica uma espécie de república, onde seis rapazes se dividem em dois quartos.

— Já fomos 12 morando juntos — conta o gaúcho Anderson Manuel da Luz Souza, de 19 anos, que mora no Rio desde 2008.

37 Quando a república lota, volta e meia algum bailarino pede abrigo na casa de Gustavo Carvalho, de 15 anos, que mora sozinho com a mãe, Sônia. Para apoiar o trabalho do filho, ela fechou a loja de material de construção que tinha em Cabo Frio e se instalou no Rio.

— Queria que meu filho fosse nadador, mas ele fez futebol, judô e ginástica olímpica, e nada o agradava. Um dia, quando ele estava na aula de teclado, viu algumas meninas indo para o balé e foi atrás — recorda a mãe.

Sônia virou a faz-tudo da trupe. Rende a secretária quando preciso, costura fantasias, é camareira. Já o pai de Gustavo não o apoia.

— Meu pai nunca me viu dançar — conta o bailarino.

Quando o papo vai tomando um caminho dramático, o carioca Thiago Pires, de 24 anos, pede licença e agradece às tias que o criaram e sempre o levaram ao teatro.

— Meu negócio sempre foi palco — diz ele, que aos sábados costuma arrasar na boate The Week, no Centro. — Sem querer esnobar, é claro que a gente chama mais atenção na pista de dança.

Numa linha mais low profile, o paulista Louiz Rodrigues, de 21 anos, conta que também teve acesso à cultura desde o berço: o pai é diretor de teatro; a tia, cantora; e o tio, músico.

— Sempre ouvi música clássica — diz ele, que antes de se mudar para o Rio ficou seis meses na Escola Bolshoi. — Preferi vir para a Cia. Brasileira de Ballet porque o Jorge investe na formação do bailarino com técnicas russas e francesas adaptadas para o jeito brasileiro de dançar.

Há um ano, Louiz divide apartamento com o casal de bailarinos mineiros Murilo Silva de Oliveira e Luciana David, ambos de 25 anos. Os namorados vieram juntos de Uberlândia para fazer um curso de férias e acabaram ficando. Hoje, ela dança, e ele só olha. Há dois meses, rompeu os ligamentos do joelho e, como não tem grana para pagar uma cirurgia orçada em R$ 15 mil, está esperando a chance de fazê-la pelo SUS.

— Sempre joguei bola, mas fui me machucar no balé — conta Murilo.

Diante da evolução dos rapazes da companhia, Luciana faz uma observação:

— É mais fácil os homens se destacarem e receberem convites para dançar fora porque há menos opções de profissionais no mercado, tanto aqui quanto no exterior — diz ela.

Morador do Cantagalo, Leomir Franklin, de 18, sabe que a maré está boa para os rapazes e não quer perder o bonde. Ele passa o dia inteiro na Cia. Brasileira de Ballet e à noite vai para a escola, onde termina o Ensino Médio.

— Quero dançar na Europa para poder sustentar minha mãe e irmãs — conta Leomir, que deu os primeiros passos no balé aos 9 anos, no projeto social “Dançando para não dançar”, na própria comunidade.

O miúdo Maurício da Silva Geageiro Neto, de 10 anos, observa com atenção a conversa e todos os movimentos dos mais velhos, antes de se exercitar na sala de aula.

— Vi o balé pela primeira vez na televisão — lembra. — Quando crescer, decido se vou continuar no Brasil ou se vou para fora.

O sonho de todos é que, quando Maurício for maior de idade, realmente haja mais companhias e estrutura para a dança no país. A própria Cia. Brasileira de Ballet sobrevive aos trancos e barrancos. Até o fim do ano, o salário de cada bailarino e o aluguel do prédio da sede (R$ 20 mil) estão garantidos por um patrocínio da SulAmérica. Depois disso, não há nada certo. Jorge Teixeira trabalha como coreógrafo da comissão de frente da Grande Rio, dá aulas em Macaé no fim de semana e mais o que pintar para sustentar o grupo.

38 — Hoje, até a história do futebol está mudando. O Neymar, por exemplo, recebe propostas de fora mas consegue ficar no Santos, perto da família. Queria que os nossos bailarinos também tivessem a oportunidade de ficar — diz Jorge.

Nascido em São Gonçalo, o já veterano Thiago Soares, de 31, conta que gostaria de ter tido essa opção:

— Se o país tivesse companhias de acesso internacional, talvez eu não fosse embora, há 12 anos. Mas chegou um ponto em que eu queria crescer — diz. — Há uma linha entre os talentosos e os aventureiros, que querem virar estrelas em dois anos. O Brasil está evoluindo e os bailarinos têm que saber aproveitar o fato de a nossa reputação estar tão boa na Europa quanto a dos jogadores de futebol.

O ESTADO DE S.PAULO - Uma pobre versão de Puchkin

Em Tatyana, Deborah Colker não consegue traduzir literatura em coreografia

Crítica: Helena Katz

(26/9/2011) Traduzir literatura em dança não é tarefa simples. Palavras e movimentos têm características tão distintas que transformam a contação de história com dança em um domínio específico. Sem qualquer familiaridade com suas exigências, Deborah Colker decidiu nele começar pelo Euguêni Oniéguin que Puchkin (1799-1837) escreveu ao longo de mais de sete anos, publicando-o em capítulos entre 1823 e 1830. Teve a sabedoria de convidar Irineu Franco Perpétuo, tradutor de Puchkin, para ser seu consultor literário nessa aventura, porém faltou-lhe a humildade de buscar apoio em um profissional correspondente neste tipo de dança.

Antes de aprender a construir um personagem literário com dança, decidiu começar esse assunto com uma complexidade para a qual ainda lhe faltam todos os requisitos. Em vez de investigar como se transpõe para a dança, que tem outra densidade poética, a precisão que o verbal da literatura abriga com tanta propriedade, multiplicou por quatro os seus personagens. Quem vai em busca de Oniéguin e Tatyana, encontra quatro de cada um deles em cena, além de dois Puchkins narradores, dos quais um é feito pela própria Deborah.

Sem saber como construir dramaturgia de dança, vai tentando ancorar-se na trilha de Berna Ceppas, que colabora com a companhia desde o começo, há 17 anos. Em torno do Concerto n.º 2 para piano e orquestra de Rachmaninov, que estrutura todo o segundo ato, e que Deborah conta haver conhecido por indicação do maestro e músico Jaques Morelenbaum, Ceppas convocou outros compositores russos ligados a Puchkin, como Prokofiev, Tchaikovsky e Stravinski. A eles somou ainda vários outros, como Louis Hardin, Steve Reich, Terry Riley, Górecki, Kraftwerk e agregou temas que compôs (inclusive para a breve aparição de Colker).

Como não consegue definir seus personagens usando dança, recorre a uma "tradução meteorológica" dos "climas" das músicas para tentar compô-los - recurso sempre inadequado, por empobrecer tanto o papel da música quanto o da dança. A ficha técnica indica a preparação teatral de Fabianna de Mello e Souza, mas os poucos momentos em que uma "teatralização" desponta são de grande simplificação, evidenciando uma constrangedora inadequação do material coreográfico para essa tarefa.

Evidentemente, não faltam os efeitos especiais, pois, afinal, são eles que sustentam a enorme empatia que a companhia vem desenvolvendo com o seu público. Dessa vez, Gringo Cardia, outro colaborador habitual, aquele que tem sido o responsável pelas imagens-marcas das obras, instalou uma escultura gigante de uma "árvore" que tem textos como frutos no primeiro ato.

No segundo, a iluminação de Jorginho de Carvalho se torna a estrela. Inicia com as projeções que vão perspectivando o espaço com traços de luz, e termina com uma "chuva de papéis em branco". Não abre mão do jogo de efeitos de escuro-claro em nenhum instante, e com ele distrai o olhar da fragilidade da coreografia. É também na segunda parte que ocorre a citação da cenografia de

39 Benguelê (1998), do Grupo Corpo (o momento no qual o elenco da companhia mineira caminha por uma plataforma elevada, ao fundo do palco).

O difícil, em figurino para a dança, é fazê-lo perder a cara de enfeite. Dá para identificar que a intenção de Fabia Bercsek era a de trabalhar com rastros de referências ao tempo histórico do texto de Puchkin e sua cultura. Mas foram tantas as sobreposições, fendas, texturas, cortes e detalhes que utilizou, que o excesso vitimou seu bom objetivo.

Tatyana, que estreou no 20º Festival de Teatro de Curitiba, expõe também uma questão que diz respeito ao elenco. Evidencia a atual impossibilidade daqueles bailarinos transformarem seu bom desempenho técnico (com passos de dança) na habilidade artística que faria deles intérpretes. Todavia, como o corpo é o que resulta das trocas com os ambientes, se o seu alimento coreográfico não estimular a construção de um artista da dança, ele não surgirá em cena. E quando a obra pede justamente esse tipo de intérprete, a sua ausência compromete muito o que se vê.

O ESTADO DE S. PAULO - Enfim, termina a rivalidade

Musical em cartaz no Rio reúne fãs de Emilinha e de Marlene, a maior parte, órfãos da Rádio Nacional

ROBERTA PENNAFORT / RIO

(28/9/2011) No auditório da Rádio Nacional, a cena seria inimaginável: três centenas de fãs de Emilinha e de Marlene assistindo lado a lado, e pacificamente, a um show das duas, aplaudindo e cantando juntos seus sucessos. Passado mais de meio século - Emilinha morreu em 2005, Marlene está com 87 anos -, a rivalidade, à época inflamada por locutores sensacionalistas e por reportagens tendenciosas, não faz mais sentido.

É o que confirma a plateia do musical Emilinha e Marlene - As Rainhas do Rádio, sucesso de público há oito semanas no teatro Maison de France, no centro do Rio, uns dois quilômetros distante do velho auditório. Na entrada do teatro, perto de onde foi montada uma banquinha com souvenirs com o rosto de cada uma, veem-se as fotos da fase áurea das duas cantoras, indicando a "divisão" da plateia, tal qual se fazia nos anos 50: Emilinha à direita, Marlene, à esquerda.

Mas no público, embora haja preferências, o espírito é de paz. Embora de vez em quando percebam um saudável campeonato para quem bate mais palmas, as atrizes Vanessa Gerbelli, Stella Maria Rodrigues (que se revezam fazendo Emilinha) e Solange Badin (Marlene) contam que a recepção é afetuosa de senhores e senhoras de ambos os "lados", incluindo dos afiliados aos fãs-clubes "rivais", que se enfrentavam nas ruas décadas atrás.

40 "Estou vindo pela sétima vez. Sou marlenista, mando rezar missas para ela, mas adoro a Solange", dizia há duas semanas a dona de casa Lea Pimentel Matos "Borba", de 71 anos, com a camisa com a foto do fã-clube.

"A Marlene se sobressai, o que é normal, porque sempre foi mais arrojada. A Emilinha era sem sal, apagadinha", opinava o funcionário público Moiséis Carvalho, de 66 anos. "Não põe lenha na fogeira!", brincava a mulher dele, a aposentada Selma Alves, de 73. "O repertório da Emilinha é mais bonito, muitos boleros. Só acho uma pena que essas homenagens aconteçam quando as pessoas não estão mais aí."

Ela se enganou. Marlene - que, de fato, é, na peça, um personagem mais interessante - não só está aí como esteve com o elenco - além das três atrizes, os atores-cantores que fazem outros personagens da rádio, além das duas irmãs que contam a história das cantoras relembrando a pinimba entre elas próprias.

"Marlene veio antes da estreia. Foi emocionante vê-la estando vestida como ela. Tenho certeza de que ainda virá para receber a homenagem", torce Solange, que vem de vários musicais bem- sucedidos e tem mais uma performance arrebatadora. Um dos desafios foi incorporar o "r" de época e do sotaque paulistano de Marlene, e reproduzir sua incrível expressão corporal. "As músicas têm muita força, muita atitude."

De Marlene, são lembrados clássicos como Lata D'Água, Qui Nem Jiló, Mora na Filosofia, Brigas Nunca Mais; de Emilinha, marchas carnavalescas, como Chiquita Bacana, Tomara Que Chova e Mulata Bossa Nova e os famosos boleros - Se Queres Saber é um ponto alto de um repertório de mais de 50 canções, com músicos tocando ao vivo.

Nostalgia. Vanessa acha que, para além de qualquer resquício de rivalidade, o que fica no ar é a nostalgia - são raras as pessoas com menos de 60 anos na plateia (o que é comum em vários espetáculos, musicais ou não, vide a tradicional figura da "velhinha que chega de van"). Ou seja, todos ali ouviram as duas vozes no rádio e conhecem suas histórias, nem que as memórias sejam de uma infância remota.

"Uma vez, na cena em que Emilinha está no hospital e acena para os fãs, algumas pessoas foram para a beira do palco entregar flores. Já tinham assistido e pensaram a situação cenicamente", conta a atriz, que penou para compor sua Emilinha enquanto já gravava a novela Vidas em Jogo, da Record. "Sofri por não poder ensaiar tanto quanto os outros." ARTES PLÁSTICAS

CORREIO BRAZILIENSE - Geografias afetivas

Paisagens, horizontes e coordenadas propõem reflexões sobre relações humanas em exposição de Geórgia Kyriakakis no Espaço Ecco, que também abriga a primeira mostra individual de Raquel Nava

(24/9/2011) A geografia de Geórgia Kyriakakis abriga paisagem, afetos e relações. É vasta, cheia de significados e sutilezas. Em Coordenadas, em cartaz no Espaço Cultural Contemporâneo (Ecco), sobra pouco espaço para certezas e o desequilíbrio reina como tema na maioria das instalações da artista. No universo de Geórgia, o equilíbrio é uma metáfora para a vida e encerra noções de fragilidade e instabilidade. A exposição em

O pó de ferro é responsável pelo equilíbrio na obra de Geórgia Kyriakakis: a fragilidade intriga a artista

41 Brasília — a maior já realizada pela artista na cidade — é uma síntese das questões que motivaram a produção dos últimos 10 anos.

Nascida na Bahia e radicada em São Paulo, Geórgia criou três trabalhos para a exposição. No centro da galeria está a obra que dá nome à mostra, um conjunto de mesas suspensas fora do eixo e niveladas com pó de metal, o mesmo utilizado para fixar no chão a cadeira que sustenta a mesa em Let it be. Mais adiante, Deixa passar consegue efeito intrigante com sucessivas correntes que descem do teto, atravessam mesas de madeira e recortam o ambiente.

“O que me motiva muito são as relações geográficas. Coordenadas são linhas imaginárias que nos situam em determinado lugar no espaço. E me interessam também as relações de verticalidade e horizontalidade, de equilíbrio e fragilidade, de permanência e impermanência contida nisso tudo”, diz a artista. Para ela, falar de geografia significa falar também de paisagem.

Essa paisagem fica mais aparente em Outros continentes e Horizontes elásticos, séries de fotografias nas quais a linha do horizonte e o cenário marítimo Biscoito e jujuba tingidos com a cochonilha do carmim, ponto de partida do trabalho de Raquel Nava ajudam a artista a questionar a relação do homem com a natureza. Há algo de político na postura de Geórgia: até que ponto o homem é capaz de dominar a natureza e, ao mesmo tempo, reconhecê-la? A Terra é redonda, mas ninguém percebe o fato, assim como longitudes, latitudes e trópicos são linhas imaginárias que perpassam o planeta e são fundamentais para o deslocamento.

Em Outros continentes, a artista desenha bolhas de sabão no formato dos continentes para lembrar o quão frágil é nossa percepção. Já Horizontes elásticos carrega alguma dureza: para manter a linha do horizonte contínua e coerente é preciso inclinar e entortar as molduras. Simbolicamente, é a mão do homem obrigando a paisagem a se manter coesa. “Todos esses limites são ilusórios”, repara Geórgia. “Para esse trabalho pensei muito no poder, esse poder que a gente acha que tem de submeter a natureza, de nivelar o que não está nivelado, uma ilusão de poder submeter a natureza à vontade humana.”

O bom humor tem espaço na instalação Por motivo de força maior. Pares de copos dispostos em prateleiras atingem o equilíbrio graças ao próprio peso. Forças contrárias ou complementares ajudam a estabilidade, por isso cada copo está preenchido com materiais como pó de ferro, pedras, areia. Para ficar divertido, Geórgia criou subtítulos para cada par. Assim, Por motivo de força maior — carga se refere ao pó de ferro e um equilíbrio frágil mantido graças a uma corrente virou Atração. “Para mim, as relações humanas fazem parte da geografia”, avisa a artista.

O ESTADO DE S.PAULO - Explosão pós-moderna

Bienal de São Paulo celebra 60 anos com grande mostra de arte criada nos EUA e pertencente a museu de Oslo

CAMILA MOLINA

(26/9/2011) A bandeira norte-americana na obra do artista Frank Benson é um leve e humorado comentário sobre os EUA - pintada em náilon, está representa como se estivesse agitada pelo vento, em turbulência. O contemporâneo Benson, homônimo de um pintor impressionista do século 19, não

42 é uma estrela da arte contemporânea como Damien Hirst ou Jeff Koons, mas integra, ao lado desses criadores, a exposição Em Nome dos Artistas - Arte Contemporânea Norte-Americana na Coleção Astrup Fearnley, que será inaugurada amanhã para convidados e no sábado para o público na Bienal de São Paulo.

A sutileza da bandeira criada por Benson em 2005 entra num turbilhão diverso das obras da arte contemporâneas realizadas nos EUA nos últimos 20 anos e representada na exposição que a Fundação Bienal de São Paulo trouxe da Noruega para comemorar seus 60 anos. É uma mostra de peso e ocupa quase a área total do pavilhão da Bienal com mais de 200 obras da coleção do Astrup Fearnley Museum of Modern Art de Oslo. "Muitos dos artistas da exposição nunca foram mostrados no Brasil", diz o curador Gunnar Kvaran, diretor do museu norueguês.

Ele se refere, por exemplo, à exibição de Mother and Child Divided, uma vaca e um bezerro cortados ao meio e expostos dentro de vitrines com formol, uma das tantas polêmicas obras do britânico Damien Hirst. Apesar de inglês, Hirst abre a mostra por ser um dos icônicos nomes da contemporaneidade - o que dizer de seu golpe de marketing de 2008, quando leiloou suas obras em Londres e arrecadou US$ 127 milhões? "Em 1995, quando (Hans Rasmus) Astrup (empresário e colecionador) comprou Mother and Child, nenhum museu na Europa a queria e não foi nada caro na época", diz Gunnar, sem revelar, afinal, o valor. "Desde então o seguimos e o colecionamos por ser tão importante nos anos 1990 e uma influência para a jovem geração na América", continua o curador. O Adão e a Eva de Hirst também são chocantes, deitados sobre macas cirúrgicas com apenas seus sexos expostos.

Mercado. Como sugere o próprio título da exposição, ela reflete uma ambiguidade latente na arte contemporânea: nome e imagem podem valer mais que as próprias obras no recente processo de valorização registrado pelo mercado de arte. No entanto, o curador Gunnar ressalta que a mostra já foi apresentada anos antes em Oslo e dedicada a um dos segmentos mais importantes da coleção norueguesa, o de arte norte-americana (outros pontos fortes são arte chinesa, indiana e grandes instalações), referindo-se ao caráter prospectivo do acervo do Astrup Fearnley, ou seja, o de apostar em aquisições abrangentes de cada criador. "A coleção não é sobre representar movimentos ou períodos históricos, mas enfatizar a criação artística individual", diz Gunnar, completando que o museu está voltado para a realização, em setembro de 2012, de mostra e aquisição da emergente arte brasileira (terá curadoria sua, de Paulo Herkenhoff e Hans Ulrich Obrist).

Sendo assim, Em Nome dos Artistas concentra-se em exibições individuais de 50 nomes. Os mais destacados estão no terceiro piso da Bienal, onde foram montadas 12 mostras de estrelas como Jeff Koons. O americano é representado por pinturas coloridas - dentre elas, a série Blow Job em que ele se retrata com Cicciolina, ex-atriz pornô e sua ex-mulher. "Alguns chamam sua arte de kitsch, mas o projeto de Koons é sólido e original, ao se apropriar dos conceitos estéticos da classe média e elevá- la ao nível da perfeição", afirma Gunnar. Há ainda solos, por exemplo, de Matthew Barney, Cindy Sherman e Richard Prince.

A mostra, que tem projeto expográfico de Daniela Thomas e Felipe Tassara, traz ainda os mais jovens, como Nate Lowman, Paul Chan e Trisha Donnelly. Questões como a apropriação (principalmente, da mídia e cultura de massa) e criações de narrativas perpassam as obras.

O ESTADO DE S. PAULO - Novo polo argentino de artes

ARIEL PALACIOS, CORRESPONDENTE / BUENOS AIRES - O Estado de S.Paulo

(25/9/2011) O seleto bairro portenho de Puerto Madero contou, desde a semana passada, com um novo centro de artes e museu, o Faena Arts Center. Seu dono, o empresário argentino Alan Obra do artista brasileiro Ernesto Neto inaugura, em Buenos Aires, o Faena Arts Center

43 Faena, inaugurou suas instalações formalmente na quinta-feira com a exposição da obra Hipercultura Loucura na Vertigem do Mundo, do artista plástico brasileiro Ernesto Neto. A obra - uma mega- escultura flutuante feita com crochê - cuja curadoria é de Jéssica Morgan, do Tate Modern de Londres, pode ser vista desde sexta-feira, quando o centro foi aberto ao público.

Faena, considerado o promotor do desenvolvimento de Puerto Madero desde a crise de 2001-2002, reciclou as instalações dos maiores moinhos de trigo do país, construídas originalmente há mais de um século, para transformá-las na nau capitânia de seu "Art District", composto também por um hotel que conta com um music hall e um edifício residencial.

O Faena Arts Center, cujo edifício original é um dos marcos arquitetônicos da Belle Époque portenha, possui 4 mil metros quadrados de área coberta. Segundo o empresário, "este é um espaço para as vanguardas artísticas, não convencional, algo que não existia na capital argentina". Em novembro, o centro será a sede do Fashion Edition Buenos Aires.

"Conheci Neto em Veneza, durante a bienal dessa cidade. Na hora decidi que ele seria a pessoa indicada para inaugurar meu centro em Buenos Aires", disse Faena ao Estado. "Este centro será uma ponte cultural que aproximará a todos as artes e as novas tecnologias", completou.

As imensas janelas do centro de artes, favorecido por seu teto, a dez metros de altura, permitiram que a obra de Neto - que pende do alto da sala central de exposições - pudesse ser exibida em toda sua magnitude. "É uma escultura-aventura", definiu o artista ao Estado, enquanto seus próprios filhos subiam pelos corredores flutuantes de crochê.

O novo centro cultural também pretende atrair os turistas para uma área da cidade diferente do tradicional centro histórico, um lugar no qual o boom da construção deixou para trás a vida pública.

FOLHA DE S. PAULO - Bienal de Lyon tem forte presença de brasileiros

A 11ª edição do evento reúne 77 artistas que operam noções distintas e complementares: construção e destruição

FABIO CYPRIANO, ENVIADO ESPECIAL A LYON

(26/9/2011) A primeira experiência, para quem entra na Sucrière, umas das quatro sedes da 11ª Bienal de Lyon, aberta ao público no último dia 15, na França, vem na sonoridade da obra da brasileira Lenora de Barros, "O Encontro Entre Eco e Narciso", uma instalação com vozes e luzes, baseada na mitologia grega.

O ambiente de mistério, onde uma voz recita frases nem sempre compreensíveis, dá o tom da mostra, organizada pela argentina Victoria Noorthoorn, que já foi curadora da Bienal do Mercosul.

Intitulada "Uma Terrível Beleza Nasceu", a bienal de Noorthoorn, que segue até 31 de dezembro, reúne obras de 77 artistas operando com duas noções distintas, mas um tanto complementares: construção e destruição.

Esse conceito está presente, por exemplo, nos poemas do brasileiro estampados em dez paredes da exposição, revelando sua forte concepção estética e sua crítica ao uso tradicional da escrita.

A seleção de brasileiros, aliás, é generosa. São nove, onde predominam latino-americanos, africanos e artistas do Leste Europeu.

Ocupando quatro espaços, Noorthoorn deu a cada um características distintas. No Museu de Arte Contemporânea de Lyon foram criados cinco pequenos percursos.

Em um deles, , com sua "A Bruxa", um cabo de vassoura de onde saem dois quilômetros de fios negros, invade e transforma as demais obras da sala.

44 "Uma Terrível Beleza Nasceu" é o tema do evento que, a partir desse nome, aborda o bizarro em suas várias formas, como o jardim neoclássico criado pelo argentino Jorge Macchi sob os detritos em frente a outro espaço da mostra, a fábrica T.A.S.E., um lugar que parece abandonado. Esse tipo de procedimento um tanto surreal permeia a montagem de forma coesa, apontando que a arte existe para criar conflitos.

Por isso, muitos trabalhos questionam o espaço expositivo, como o de Laura Lima, o "Puxador", que dá a um homem nu a impossível tarefa de mover as colunas do local. E o melhor, é uma bienal essencialmente política sem nada que seja literal.

FOLHA DE S. PAULO - Exposição mostra todas as faces de Oswald de Andrade

'O Culpado de Tudo' traz poemas e instalações com a vida e a obra do autor

O curador José Miguel Wisnik buscou ligar a obra do modernista ao espaço do Museu da Língua Portuguesa

MARCIO AQUILES

(28/9/2011)- A exposição "Oswald de Andrade: O Culpado de Tudo", no Museu da Língua Portuguesa, traça um panorama da vida e obra do escritor, um dos criadores da Semana de Arte Moderna de 1922.

O projeto assinado por Pedro Mendes da Rocha propôs um diálogo entre o espaço interno da mostra e a cidade. Os tapumes das janelas da esquerda foram retirados para que o público pudesse ver tanto o jardim quanto a Estação da Luz. Parede composta de frases do autor ilustradas por pichadores. A ideia é mostrar a relação de Oswald de Andrade com a cidade e a Segundo o curador José Miguel Wisnik, contemporaneidade o espaço urbano foi importante na obra de Oswald: "A Estação da Luz era um lugar por onde todos passavam, e ele era um escritor viajante".

A exposição está dividida de forma a salientar "suas dimensões poética, histórico-biográfica e filosófica". O "Manifesto Antropófago" está reproduzido na íntegra em uma parede vermelha.

Trilhos no teto carregam painéis suspensos que ficam em constante movimento, transportando as frases mais emblemáticas do autor, como "Tupi or not tupi, that is the question" ou "Eu menti".

A seção "As Mulheres" traz poemas dedicados à mãe e a algumas companheiras, como Pagu e Tarsila do Amaral. Há também uma escultura que Oswald encomendou a Brecheret para uma de suas mulheres, a "Deisi", com quem ele se casou quando ela, então com 19 anos, estava no leito de morte.

No banheiro, uma instalação com frases pornográficas reflete todo o espírito provocador do escritor, que pretendia "a transformação permanente do tabu em totem".

Já lá fora, um luminoso ao estilo dos hotéis decadentes traz o nome "Oswáld" com o acento piscando - marcando as possíveis pronúncias do nome. O sinal, diz Wisnik, "dialoga com os prédios da região". "Teve turista achando que aqui era um hotel." FOTOGRAFIA

O GLOBO - Memórias coloridas

45 Ivan Cardoso revira seu baú e transforma fotos de estrelas como Caetano, Melodia e Glauber em obras de arte, expostas a partir do dia 5 na nova galeria Graphos

(27/9/2011) - Enquanto fala sem parar, Ivan Cardoso segura um de seus trabalhos nas mãos e dá uma risada. É uma fotografia de , tirada ali pelo início dos anos 1980. Darcy está com um olhar brilhante e, sem medo de encarar a câmera, enrola um cigarro de maconha do tamanho de uma caneta. A foto, pintada em cores vivas sobre o original em preto e branco, faz parte da exposição que Ivan abre no próximo dia 5, na galeria Graphos, em Copacabana.

São quase cem retratos de artistas e personalidades brasileiras. Todos eles juntos — na invenção, na malandragem, na maluquice, na sacanagem, na pop art, nos oiticicas e nos melodias, na farra, na vampiragem, no gozo e na vida de verdade — formam, de muitas maneiras, um autorretrato de Ivan.

Ivan Cardoso está com 58 anos, uma careca reluzente e um fôlego de menino. Poucas horas antes da entrevista, estava pintando mais uma de suas fotos — um Raul Seixas tinindo de novo.

Ivan ficou conhecido por seu trabalho de cineasta em filmes como “O Segredo da úmia” e “As sete vampiras”. Inventou a expressão “terrir”, mistura de terror e comédia que designa também a maneira como vê o cinema.

Seus filmes — como as fotos expostas — sempre deram um jeito de enfiar chanchada, Godard, terror e mulher pelada no mesmo balaio.

São produções baratas, filmadas quase que numa tacada só. É o seu jeito. Ele mesmo diz que é direto, intuitivo, do contra, autêntico e quase sempre genial. Modesto?

— Eu sou primo do FHC, cara. Modéstia não é nosso forte.

A ideia de montar a exposição veio depois de revirar seu baú. Ivan fotografa desde os 17 anos. Trabalhou para revistas, jornais, filmes e, na maioria das vezes, para ele mesmo. Com poucas exceções, se dá bem com todo mundo que posou para ele. Começou flagrando Hélio Oiticica (fez mais de 300 retratos, seis deles expostos em uma série vermelha e gloriosa) no meio dos anos 1970, depois que o artista foi dar uma palestra em sua escola. Ivan estudava na São Fernando — “Entra burro e sai malando” —, na Urca. Ficaram parceiros.

— Eu vivia na casa dele, era um acordo de camaradas. A gente entrava com a maconha e ele com a casa — diz Ivan, que fez um curta com o artista plástico, até hoje o melhor registro cinematográfico do criador do Parangolé.

— Ele me deu um conselho: faça o que não pode ser feito. É o meu lema. “O segredo da múmia”, por exemplo, um filme que custou duas mariolas das grandes, é um dos que, a princípio, “não poderia ser feito”. “As sete vampiras”, rodado num Quitandinha em festa, também não. Já “O Escorpião Escarlate” — um equívoco de cabo a rabo — talvez não devesse mesmo ter sido feito.

46 Altos e baixos.

Nas fotos da mostra, registradas por uma Laika ainda em funcionamento, Ivan partiu de seu lado intuitivo para intervir do jeito que quis. Usou guache, pilot, cuspe, o diabo a quatro.

O resultado são intervenções que quase sempre complementam, com intimidade, a personalidade do fotografado.

— O Ivan me levou para uma praia estranha que eu até hoje não seu onde era — explica , que tinha acabado de sair do Secos e Molhados e posou deitado em piscinas naturais. — Não tinha muita conversa. O Ivan me pedia para ir a um determinado lugar, eu ficava à vontade e ele ia fotografando. Quando vi o resultado, percebi que tinha um lado erótico, mas nada vulgar, ao contrário, pareciam pinturas.

Maria Gladys — companheira de muitos filmes e que posou, magrelinha, recostada em um banco — completa: — Ele é o nosso Man Ray. Só fotografa os grandes. , com o rosto amarelo, está lá.

Luiz Melodia, nu, também. E uma Débora Bloch novinha em folha, coberta com pintas coloridas. E Caetano, e Gil, e Tunga, e Glauber, e Wilson Grey, e . Fora os convidados especiais, como Darcy Ribeiro, Burle Marx e um lisérgico João Havelange nadando em uma piscina de cores. Ivan diz que sempre quis ser artista. Apesar de naturalmente ter trabalhado com o preto e branco, diz que aprendeu a gostar da cor. Adora Mondrian, mas desdenha de Klimt. Diz que sua verdadeira escola foi a coleção inteirinha dos “Gênios da Pintura”, que tem até hoje. Chegou a ter aulas com Vergara, mas o cinema o capturou antes.

— Fiquei amigo do Rogério Sganzerla, e ele me chamou para ser assistente de direção.

Quando o filme acabou, comprei uma roupa igual à dele. Não dizem que o hábito faz o monge? — ri Ivan, para quem o cinema atual está sob medida para ele. — Sempre ostei de filme ruim, e está cheio deles.

O caminho de Ivan Cardoso, nas próximas semanas, passará necessariamente pelos corredores e escadas rolantes do Shopping dos Antiquários, em Copacabana, onde está instalada a Graphos. A galeria fica na sobreloja, entre um lugar que vende anjinhos de louça e um inferninho onde garotas de saltos muito altos entram e saem sem parar.

Ricardo Duarte, o dono da galeria (e que representa no Rio de Janeiro), tinha uma loja de antiguidades funcionando no lugar. Resolveu mudar. Ivan, Copacabana, antiguidades, garotas de salto alto, transformações.

47 Tinha a ver. Ivan promete estar lá todas as noites.

— Não saio muito. Meu melhor amigo atualmente é Olavo, meu dálmata. Ele escreve melhor que o Jabor, filma melhor que o Cacá e dorme todos os dias na minha cama — provoca Ivan. — E ele me reconhece! É um privilégio.

O artista normalmente só é reconhecido depois da morte.

Às vezes eu penso em simular a minha morte só pra ver se a glória vem logo.

As fotos da exposição — envoltas em uma moldura preta e elegante — estarão à venda. Ricardo estima que a mais barata sairá por cerca de R$ 1,5 mil, e a mais cara, por R$ 8 mil. O mais fotografado de todos é Raul Seixas. Foram 500 fotografias e uma amizade que atravessou os anos. Continua atravessando.

— A paixão de Raul pelo cinema era tão grande quanto a pela música. Ele dizia que era tão bom ator que fingia que era cantor — diz Kika Seixas, viúva de Raul. — O Raul dizia que, se fosse diretor de cinema, gostaria de ser o Ivan Cardoso. Ivan Cardoso, é claro, gosta um bocado de ser ele mesmo.

Gosta dos filmes que fez, das fotos que tirou, das reportagens que escreveu, das viagens (todas elas) em que embarcou, das brigas que brigou e das mulheres que amou — mesmo as que lhe deram um pé na bunda.

Tem uma frustração: nunca ter fotografado Roberto Carlos. Mas diz que está disposto a começar novas coleções.

— Agora, eu quero fotografar o Loco Abreu. É o cara! MÚSICA

ESTADO DE MINAS - Baixo que canta

Considerado um dos mais versáteis músicos brasileiros, Arthur Maia lança CD com composições próprias e temas de Ernesto Nazareth, Dilermando Reis e

Eduardo Tristão Girão

(22/9/2011) - Com trânsito livre por todos os estratos da MPB, o baixista carioca Arthur Maia é uma das grandes figuras da música instrumental brasileira, mas não do choro. No entanto, foi num reduto do gênero, o Clube do Choro, em Brasília, que ele iniciou a gestação de seu quinto álbum, O tempo e a música (Biscoito Fino). Foram quatro temporadas lá, o que o levou a fazer grande pesquisa de compositores nacionais para formar repertório, de Ernesto Nazareth a J. Cascata, de quem é sobrinho. Por isso, considera este “o mais brasileiro de seus discos”.

Nascido e criado no Bairro de Cascadura, subúrbio do Rio de Janeiro, Arthur, de 48 anos, usou cabelo black power até os 14. Começou tocando bateria e cantando em bailes. Ganhou seu primeiro baixo aos 15 anos, presente do pai, que tinha o mesmo nome dele e tocava vários instrumentos. Isso ajuda a entender por que gosta de citar Brejeiro, clássica composição de Nazareth, para falar do novo trabalho: quarta faixa do disco, ganhou roupagem moderna na interpretação do

48 baixista, que a tocou utilizando a técnica de slap (som estalado), popularizada entre os anos 1960 e 1970 com o funk, soul e disco.

“É um crossover tocar Brejeiro assim. A música renasce na mão do intérprete e essa é a ideia desse disco. As pessoas às vezes se impressionam quando me ouvem tocar algo assim. A galera mais nova, por exemplo, não se liga muito em compor usando ritmos como valsa ou frevo. Isso também faz parte da reciclagem”, explica Arthur. Nesse espírito, incluiu também Abismo de rosas, peça de Garoto que ganhou inspirada versão com baixo fretless (sem trastes, como o do lendário Jaco Pastorius) e cordas.

Das 11 faixas, Arthur assina seis. Todas levam seu carimbo jazzístico, mas cada uma tem suas peculiaridades. Enquanto Forró em Havana tem o inconfundível sabor latino de ritmo e percussão (Carlos Bala na bateria), Tuca revela compositor e instrumentista de talento em bela melodia e fraseados, tudo envolvido em sonoridade doce – a participação do gaitista Gabriel Grossi é destaque. Macabu e To Nico são faixas de sonoridade mais internacional com bom trabalho de vocalises e a rica base musical pernambucana é devidamente explorada na deliciosa Frevo do compadre, que assina com o guitarrista Fernando Caneca.

Além de Fernando, a banda base que o acompanha no disco é formada pelo saxofonista Josué Lopez, pelo tecladista Cláudio Andrade e pelo baterista Di Stéffano. No entanto, nem todas as faixas contam com essa formação completa, já que convidados proliferam pelas fichas técnicas do álbum. Gilberto Gil (violão), Mart’nália (voz), Carlos Malta (saxofones), Marcelo Martins (saxofone e flautas), Kiko Continentino (piano), Gustavo Di Dalva (percussão) e Scott Henderson (guitarra) são apenas alguns deles. O disco foi gravado no estúdio de Arthur, QG, em Niterói.

Palco e estúdio Dividindo o tempo entre shows com outros artistas (com Gil, com quem trabalha há 19 anos, são os mais constantes), produções (assinará o próximo disco de Mart’nália) e gravações (com o pianista norte-americano Herbie Hancock e o baixista camaronês Richard Bona, entre outros), Arthur está no meio de uma turnê nacional para divulgação do novo disco e comemora o momento atual. São 16 shows solo na agenda até novembro. “Poder fazer meus shows e ter o espaço que tenho é algo a que tenho de dar valor. É ótimo poder colher o que a gente plantou”, reflete.

Tudo isso é resultado de uma vida dedicada ao baixo. O artista, que já tocou com nomes como Caetano Veloso, Placido Domingo e Carlos Santana, contabiliza participação em aproximadamente 2 mil músicas ao longo de sua carreira. A primeira gravação profissional que fez foi em 1980, num disco do cantor e compositor mineiro Marku Ribas. Depois vieram convites para tocar com , e Banda Black Rio. O curso de música foi abandonado quando decidiu cair na estrada com o Projeto Pixinguinha, quando tinha 17 anos. Só com o lendário grupo Cama de Gato foram 14 anos de colaboração.

Pixinguinha e Prince

“Meu estilo de tocar pode ser definido como groove melódico, pois gosto dessas duas coisas. Groove é ritmo, e melodia é criatividade, é composição”, sintetiza Arthur Maia. Ele se considera discípulo de James Brown, Stevie Wonder, Martinho da Vila, Pixinguinha, Prince e do rock. Ao lado do pai, de Jaco Pastorius e de Sizão Machado, considera o tio, Luizão Maia, sua grande referência no instrumento. Considerado o “pai do baixo brasileiro moderno”, Luizão aprendeu a tocar violão com o pai de Arthur (seu irmão) e desenvolveu modo peculiar de tocar samba, utilizando as notas graves como se fizessem o papel do surdo.

FOLHA DE S. PAULO - Jazz Sinfônica toca hoje com Hamilton de Holanda em SP

Bandolinista interpreta 'The Mediterranean', de John McLaughlin, feita originalmente para violão e orquestra

Apresentação, que terá peças de Bernstein, ocorre no Auditório Ibirapuera, com regência de Gil Jardim

ROBERTO KAZ, DE SÃO PAULO

49 (23/9/2011) "Quinze segundos de silêncio. Se a gente se concentra, isso não acontece", bradou o maestro Gil Jardim, na última terça-feira, durante um ensaio com a Jazz Sinfônica.

Em seguida, ao sinal da batuta, fez soar os primeiros acordes de "The Mediterranean", concerto para violão e orquestra composto em 1988 pelo guitarrista inglês John McLaughlin.

A peça, inspirada no "Concerto de Aranjuez" do espanhol Joaquín Rodrigo (1901-1999), será tocada hoje e amanhã, no Auditório Ibirapuera, com um tom abrasileirado: em vez de violão, o solo caberá ao bandolinista Hamilton de Holanda. Holanda, três vezes indicado ao Grammy Latino, passou os últimos dois meses estudando a obra.

Em outubro, ele ainda se apresenta com a Orquestra Sinfônica Brasileira, no Rio, e com a Nacional de Mont pellier, na França. "Mas, tecnicamente, com orquestra, essa é a música mais difícil que toquei", conta.

Já o maestro convidado Gil Jardim diz ter alimentado o desejo de tocar o concerto de McLaughlin por 15 anos. "Pensei: ou toco com o próprio McLaughlin, ou com alguém que tenha o mesmo 'punch'."

Surgiu, então, a ideia de transpô-lo para o bandolim de Holanda. "E ficou mais bonito assim", diz Jardim. "O violão soa mais grave, uma oitava abaixo, e acaba engolido pela orquestra."

A apresentação, que começa às 21h, ainda conta com "Danças Sinfônicas de West Side Story", de Leonard Bernstein (1918-1990), e peças da compositora brasileira Lea Freire.

CORREIO BRAZILIENSE - Rock (DF) in Rio

Além de homenagem à Legião Urbana, o gigante festival carioca terá duas bandas brasilienses, Faluja e Móveis Coloniais de Acaju

Pedro Brandt

(23/9/2011) Depois de sua terceira edição, em 2001, o Rock in Rio se internacionalizou, montou palco quatro vezes em Lisboa e duas em Madri. Uma década depois de passar pelo Rio pela última vez, o evento carioca volta à cidade onde nasceu e que lhe dá nome. O Rock in Rio 2011 segue de hoje a domingo e, semana que vem, de 29 de setembro a 2 de outubro. Durante os sete dias de shows, a Cidade do Rock (estrutura montada para abrigar o festival, localizada na Barra da Tijuca) receberá dezenas de atrações, nacionais e internacionais, em uma programação bastante eclética. A Faluja sobe hoje ao Palco Sunset com Artur Roman (Sabonetes), Diego Miranda e Débora Teicher (Scracho) Além da homenagem à Legião Urbana, programada para a próxima quinta com a participação da Orquestra Sinfônica Brasileira, Dado Villa- Lobos, Marcelo Bonfá e convidados, a música de Brasília será representada em mais duas ocasiões, tanto no dia de abertura quanto no de encerramento do evento.

Hoje, a partir das 14h40, a banda Móveis Coloniais de Acaju inaugura o Palco Sunset na companhia da baiana Orquestra Rumpilezz e da cantora paulistana Mariana Aydar. Os primeiros acordes ouvidos no último dia do festival serão tocados pela banda Faluja, que também está encarregada de abrir os trabalhos no Sunset.

“Quando recebemos o convite da produção, foi aquele impacto”, conta o baixista Fábio Pedroza, integrante dos Móveis. “Mais novo, eu almejava tocar no Abril pro Rock e no Porão do Rock. O Rock

50 in Rio estava além do meu horizonte. Acho que toda banda sonha em tocar num festival desse porte. Não só pelo tamanho do festival, mas pelo reconhecimento que é participar dele”, continua Pedroza.

Móveis, Orquestra Rumpilezz e Mariana Aydar serão os primeiros a se apresentar na dinâmica do Palco Sunset, que tem como proposta o encontro — exclusivo — de artistas. Ao longo de 50 minutos, eles se revezarão no palco, mostrando músicas próprias e interagindo uns com os outros.

Recentemente, Letieres Leite, saxofonista, maestro e idealizador da Rumpilezz, tocou com o pessoal do Móveis no projeto Compacto Petrobras. “A linha de orquestração, de arranjo que eles seguem é única, um trabalho de melodias sobrepostas que me soa muito original”, comente Leite (também integrante da banda de Ivete Sangalo) sobre os brasilienses.

O maestro assina, com Duane, a produção de Cavaleiro selvagem aqui te sigo, terceiro e recém- lançado disco de Aydar. “Sou apaixonada pela Rumpilezz. A primeira vez que vi show deles me emocionei muito, chorei o show inteiro. Será muito bom dividir o palco com eles e com os Móveis”, conta Mariana. Juntos, os artistas devem tocar uma música dos Beatles.

Produtor do disco da Faluja, Henrique Portugal (Skank) indicou a banda brasiliense para Zé Ricardo, curador do Palco Sunset. “O Henrique tem um programa de rádio voltado para bandas novas e sugeriu ao Zé mostrar essa nova geração do pop rock brasileiro no festival”, conta o guitarrista Eduardo Azambuja. Como convidados para o show, a Faluja escolheu Artur Roman, vocalista do quarteto curitibano Sabonetes, Diego Miranda e Débora Teicher, respectivamente, vocalista e baterista da banda carioca Scracho.

A expectativa da Faluja, prestes a lançar o primeiro disco, é enorme. Para Eduardo, tocar no mesmo festival de várias bandas que ele sempre admirou é motivo de grande satisfação. Ao mesmo tempo, aumenta a responsabilidade. “Não sabemos se vamos tocar em outro Rock in Rio, então estamos preparando o nosso melhor”.

BSB in Rio » A história do rock de Brasília no Rock in Rio começa de maneira simbólica, logo na primeira edição do evento, em 1985, quando os Paralamas do Sucesso fecham seu show no festival com Química, música de Renato Russo que fazia parte tanto do repertório do trio carioca quanto da Legião Urbana. No terceiro Rock in Rio, em 2001, Brasília foi representada por Capital Inicial, Plebe Rude e Sem Destino — esta, vencedora do concurso cujo prêmio era a participação no festival.

O GLOBO - Honoris Alma

Sua infância, seus discos, seu piano; as memórias de Nelson Freire também dariam uma sinfonia

João Luiz Sampaio

(24/9/2011) Nelson Freire está em seu estúdio, ensaiando - e, enquanto ele não vem, a sala de sua casa no Rio fala em seu lugar. Sobre o piano, programas, troféus, fotos e partituras, com destaque para os prelúdios de Debussy. Há também discos, em especial da cantora Ella Fitzgerald, ao lado de uma seleção de recitais da pianista brasileira Guiomar Novaes e alguns filmes, entre eles, A Doce Vida, de Fellini.

Sobre a mesa de centro, uma cópia do discurso com o qual ele agradeceria, no último dia 15, o título de Doutor Honoris Causa oferecido pela Universidade Federal do Rio de Janeiro: "Na música instrumental, é possível expressar toda a complexidade da experiência humana, sem utilizar uma só palavra." Minutos depois, quando encontra a reportagem, Freire brinca. Tímido, brigou 'desde sempre' com as palavras.

51 Mas a música fala em seu nome. E, nos últimos tempos, bastante foi dito. Depois de assinar contrato com o selo Decca, no início dos anos 2000, suas gravações têm sido celebradas mundo afora. Seu último álbum, por exemplo, com os Estudos Transcendentais e as Valses Oublièes, entre outras obras de Liszt, foi considerado pelo crítico americano Alex Ross o mais importante lançamento da avalanche de homenagens pelo bicentenário do compositor. E ele já prepara um novo disco, agora dedicado a autores brasileiros, que será gravado em janeiro, na Alemanha, como conta na entrevista a seguir.

Você foi escolhido para receber o título de Doutor Honoris Causa da Universidade Federal do Rio. Qual o significado que essa homenagem tem para você?

Eu me sinto nervoso (risos). Já imaginou, ter que subir na frente de todo mundo e falar sobre minha carreira? Mas é uma honra enorme. E se tratar de uma instituição carioca só torna tudo ainda mais especial, é uma cidade que adoro. E não só isso. Eu brinco sempre, digo que sou mineiro de alma, mas carioca de coração. O Rio foi a cidade que me viu crescer, em todos os sentidos. Os momentos mais importantes da minha trajetória foram vividos aqui, meus primeiros 14 anos, que é um período no qual você se forma como pessoa. O Rio ainda hoje é a minha referência, é para onde volto.

Você ainda era criança quando saiu de Boa Esperança, em Minas, para o Rio. Qual a memória que restou dessa viagem?

Eu estava com cinco anos, prestes a completar seis. E a primeira sensação era de libertação. Eu era muito doente, cheio de alergias, asma, o que me fazia sofrer demais. Mas, no Rio, eu logo comecei a melhorar e isso mudou minha vida.

Você fala no Rio como o local para onde você sabe que pode retornar. E, em diversas ocasiões, já manifestou uma indisposição com a rotina de viagens e recitais que a carreira internacional exige. Já pensou em parar?

No início, diversas vezes. O que acontece é que as sensações são muito fortes. Eu lembro da primeira viagem para a Europa, com 14 anos, para estudar em Viena. Peguei o navio com o professor que me daria aulas lá, o Bruno Seidhofler. Foi uma festa, tudo era novidade. Meu apelido a bordo era 'boizinho', porque eu comia tudo o que via pela frente. Foi a primeira vez que comi presunto de parma (risos). Estava sozinho na cabine, que tinha três camas. Achava aquilo uma curtição, cada noite dormia em uma cama. Chegamos em Gênova, pegamos o trem para Viena, onde fomos recebidos pela família que me abrigaria por uns dias. Jantamos, conversamos, e então fui para o meu quarto. Quando fechei a porta, me dei conta de que estava sozinho, a ficha caiu. Aquela sensação foi horrível, lembro dela até hoje.

E mais tarde a vontade de parar voltou?

Quando eu estava começando minha carreira internacional, fiz uma turnê latino-americana, eu estava com pouco mais de 20 anos. Estavam previstos dois concertos em Lima e, entre eles, uma passagem por Bogotá. Quando cheguei lá, fiquei sabendo que ficaria na cidade duas semanas. Eles me deixaram no hotel e falaram: "Não saia daqui, a cidade é perigosa, vá só ao teatro e retorne ao hotel. Voltamos daqui a duas semanas para te levar para o recital." E assim foi. Todo dia ia ao teatro estudar, mas precisava passar por uma ruela estreita, que me deixava assustadíssimo. E, no resto do tempo, não saía do quarto, ficava escrevendo cartas. Momentos como esse foram muitos em minha vida, você precisa ter muita saúde para tolerar. Não é à toa que muita gente desiste no meio do caminho, pessoas que têm um talento musical excepcional, mas não dão conta desse tipo de vida.

Você nunca foi grande fã de gravações. Como mudou sua carreira depois da assinatura do contrato com o selo Decca, no início dos anos 2000?

Estamos vivendo uma nova fase interessante. Eu recebo relatórios da gravadora dizendo que tal disco foi vendido em 60 países diferentes e fico impressionado. O mundo mudou tanto, todo mundo se comunica, todo mundo sabe o que está acontecendo em todo canto. Mas é tudo muito estranho. Dizem que o CD vai acabar e, ao mesmo tempo, as pessoas voltaram a comprar vinil, e estão pagando caro! Aliás, eu prefiro o vinil, acho o som muito mais interessante, se presta melhor ao repertório clássico, que não é digital, não se resume a ondas, degraus. Enfim, fico feliz com a

52 recepção que meus álbuns têm conseguido, mas, você sabe, eu não ouço o que gravo, então não sei ao certo como ficou, e acho que prefiro assim.

Seu último álbum é dedicado a Liszt. Em um momento de efeméride como esse, como foi a escolha do repertório? Como ser original ao gravar o compositor?

Não era essa a minha preocupação, o repertório na verdade foi se transformando muito enquanto eu montava a gravação. No final das contas, acabou ficando um pouco diferente do que se costuma fazer, abordando um aspecto menos explorado da obra do Liszt. Mas não foi de propósito, não foi premeditado. Aliás, está sendo a mesma coisa agora com o próximo disco, com música brasileira, o repertório já mudou dezenas de vezes. E, até eu entrar em disco, vai mais ainda.

Como será este álbum? Ao menos a versão atual…

Será algo na linha Villa-Lobos e Amigos. Villa é conhecido lá fora, sim, mas não é tão tocado quanto deveria. Imagine, então, outros autores, como Francisco Mignone, Camargo Guarnieri, Barroso Netto, Alexandre Levy, Henrique Oswald. Por isso achei interessante ter Villa como eixo condutor, mas também abrir as portas a outros nomes. A gravação será em janeiro, em Hamburgo, onde gravei também o Liszt.

Você interpretou recentemente o Concerto de Schumann com a Osesp, em leitura bastante elogiada pela crítica. Tem vontade de gravar esse e outros concertos que são pilares do repertório para piano e também da sua trajetória. Penso no Grieg, nos concertos de Chopin, Beethoven, Rachmaninoff...

Eu tenho muita vontade de fazer tudo isso, vamos ver se acontece. Quando eu gravei os concertos de Brahms com o Riccardo Chailly, em Leipzig, ele me convidou para fazer os cinco concertos de Beethoven. Mas eu não quis.

Por quê?

Porque não funciono bem sob encomenda, não me dá tesão. Nos anos 70, o selo Teldec me convidou para fazer a integral dos Noturnos de Chopin. Comecei mas, logo, abandonei o projeto. Não estava preparado para aquilo. Sabe, Chopin passou a vida toda para escrever aquelas obras e eu vou sentar no piano e tirar da cartola uma interpretação? No caso do Beethoven, toco bastante o quarto e o quinto concertos, com os demais a relação não é tão próxima, não sei se seria o caso de gravá-los.

Com mais de 50 anos de carreira, você se sente tentado a fazer balanços?

Nunca. Eu olho muito para o passado, mas para lembrar, não para sentir falta, não para fazer balanços. Tento sempre olhar para frente. Gosto, claro, de coisa antiga (risos), do cinema, das gravações dos antigos mestres. Mas a memória, para mim, não está ligada necessariamente ao passado ou a qualquer tipo de nostalgia. Lembrar é gostoso, mas pode ser algo leve, que te joga para frente. Quando estou no piano, isso acontece muito. Toco uma nota, uma passagem, e uns pedaços de memória voltam, lembranças claras ou entrecortadas, um pouco de psicanálise (risos). O segundo concerto para piano e orquestra de Brahms, por exemplo, me transporta para Ipanema em 1958, e isso é maravilhoso, muito bom, não é um peso.

O GLOBO - O moderno poeta do sertão mostra sua roupa nova

Ex-líder do Cordel do Fogo Encantado, o compositor Lirinha inicia carreira solo com o lançamento do CD ‘Lira’

Luiz Felipe Reis

(24/9/2011) Foram três álbuns lançados e um punhado de prêmios em 11 anos de carreira. Mas o que se acende na memória é a performance incendiária, os olhos vidrados e a devoção de fãs rodopiando à beira do palco. Em 1997, José Paes de Lira criou uma performance teatral que logo se transformou em banda, varrendo o país do sertão ao litoral. Criou também um personagem que tomava a cena como um trovador, disparando palavras entre o canto e o recital poético.

53 Agora, tanto o Cordel do Fogo Encantado como a persona que o liderava já não o representam mais. Lirinha está de alma lavada, roupa limpa e disco novo, “Lira”, seu primeiro solo. Satisfeito com a reinvenção do presente

— “Estou tão feliz com o que atingi que se alguém não gostar vai alterar pouco a força dessa transformação que eu vivo” —, Lirinha aponta o horizonte sem negar as origens.

— Sinto a presença do sertão de Arcoverde, de São Paulo, do meu filho LIRINHA e o CD “Lira” (no detalhe): produzido pelo baterista Pupillo, que mora no País de Gales e de todos da Nação Zumbi, o álbum traz 12 canções carregadas de versos os elementos que compõem a minha sobre o amor e suas desilusões pessoa, que agora será apresentada pela primeira vez — diz Lirinha.

O menestrel, assim como a musicalidade “simbólica e teórica” estão superados, ele diz.

— A decisão de sair do grupo foi difícil, mas não foi motivada por briga ou desgaste de relacionamento. Foi uma ruptura estética, um objetivo artístico. O Cordel pode ter ficado para trás, mas o experimentalismo e a provocação de novas sonoridades, não. A percussão e o violão acústico de outrora cedem espaço para as guitarras de Fernando Catatau e Neilton, da banda de hardcore Devotos, para os sintetizadores e o baixo de Bactéria, a bateria stand-up de Pupillo, os metais do Maestro Forró e o inusitado tricórdio de Lula Côrtes.

— Recrio a noção de estranheza do Cordel, que tinha uma pegada punk e recitava poemas, com uma banda em que os músicos habitam uma zona inusitada — compara. — Nos anos 1990, era preciso levantar bandeiras territoriais, chamar a atenção para o sertão frente à globalização. E então as músicas e os arranjos eram construídos para causar esse impacto.

Poética em primeira pessoa

Em “Lira”, a poética também se transforma. Cenas e histórias, antes apoiadas em personagens, tomam a pele do autor, que navega pela abstração de versos que orbitam por ilusões e desilusões, amores perdidos e criados, melancolia e esperança.

— Foi uma espécie de suicídio, ou um renascimento que serviu para potencializar a minha escrita, colocar para fora uma nova visão. Acho que consegui respeitar e dar mais evidência à poesia, incorporando uma carga pessoal. Não me sentia no direito de exercitar isso à frente de um grupo.

No novo mundo de Lirinha, o passado é zona de afetos sem ressentimentos, enquanto o futuro é resultante de um presente no qual a tripla alquimia entre música, teatro e poesia continua a assumir a dianteira.

— Quero atuar nessa zona fronteiriça. Mas agora é o momento da música, e percebi que é no show que eu posso unir com máxima liberdade o teatro e a poesia — diz Lirinha, que pode ser visto nos cinemas no longa “Transeunte”, de Eryk Rocha, em cartaz no Museu da República e no Instituto Moreira Salles.

CORREIO BRAZILIENSE - Marina na maturidade

Pedro Brandt

Gravado na Joia Moderna, do DJ Zé Pedro, álbum é o primeiro da cantora em terras paulistanas

54 (25/9/2011) A capa de Clímax, 19º disco de Marina Lima, tem um quê erótico, com a cantora empunhando uma guitarra e fazendo uma expressão facial sugestiva. Mas, quando Marina fala do disco, fica claro que o clímax ali é outro. “É mais fácil falar de um disco logo que eu o faço, quando ele está mais vivo dentro de mim. Depois, já falo de coisas que senti ontem, fica mais difícil me reportar às sensações de quando eu fiz as músicas. Mas o clímax desse disco tem a ver com maturidade. Para mim, isso é clímax — é vida. É o clímax da minha autonomia”, explica a cantora, referindo-se ao bom momento em que vive, depois do abalo causado pela perdas de pessoas queridas na família.

O disco é o primeiro feito pela cantora depois de se mudar para São Paulo. Nas músicas, a cidade aparece tanto de maneira subjetiva quanto explícita, como na canção SP feelings. Produzido por Edu Martins e Alex Fonseca (que se dividem entre os instrumentos), Clímax tem 12 faixas inéditas, todas assinadas por Marina ou por ela com parceiros.

A exceção fica por conta de Call me, de Tony Hatch, sucesso na voz de Chris Montez, em 1966. Como de costume, amor e relacionamentos são os temas das letras. A lista de convidados do álbum conta com Vanessa da Mata, Karina Buhr, Edgard Scandurra, Samuel Rosa e Adriana Calcanhotto (esta, apenas na coautoria da faixa de abertura, Não me venha mais com o amor).

Sonoramente, Clímax não apresenta novidades. O instrumental das canções se divide entre o orgânico e uma eletrônica discreta, nem tanto nas batidas, mas nos teclados, sintetizadores e programações. Tudo bem dosado, quase minimalista. “Os meus arranjos nunca são muito cheios. Gosto do vazio, do silêncio, da pausa”, afirma a cantora. O território é familiar dentro da obra da cantora. Mas o que impede o disco de soar como repetição é a própria força das composições e a interpretação de Marina — a voz não é mais a mesma, mas o charme continua intocado.

Lado B Idealizado pelo DJ e produtor Zé Pedro, Literalmente loucas é o nome do tributo à Marina recém- lançado pela gravadora Joia Moderna (de propriedade do Clímax 19º disco de Marina Lima. 12 faixas. Produzido por Edu Martins e produtor). A proposta dada às Alex Fonseca. Lançamentro Libertà Records/ Fullgás/ Microservice. participantes do projeto, todas jovens cantoras brasileiras (Tulipa Ruiz, Nina Becker, Bárbara Eugênia, entre outras), era reler, livremente, canções do “lado b” da discografia de Marina. A opção é interessante, até porque se fossem regravados os hits de Marina, as novas versões poderiam sofrer com a comparação das originais.

No entanto, essa mesma proposta se mostrou um faca de dois gumes. Principalmente por que as composições escolhidas estão longe de serem as melhores de Marina. E talvez por isso, as cantoras não tenham conseguido abraçar as músicas e defendê-las como se fossem suas.

O problema de Literalmente loucas é mesmo linearidade das interpretações. Falta personalidade tanto nos arranjos, quanto nas vozes das cantoras. Não que todas elas careçam de talento. Mas aqui faltou aquele “algo mais”. Entre as poucas exceções, estão Tão fácil, com Karina Buhr (justamente uma das novas parcerias de composição de Marina), e Anelis Assumpção, com A meia voz.

55 CORREIO BRAZILIENSE - Apoteose do samba

Irlam Rocha Lima

(27/9/2011) Uma pena. Somente pouco mais de 1.200 brasilienses tiveram o privilégio de assistir a É com esse que eu vou — O samba de carnaval na rua e no salão, no último fim de semana. Como o Teatro da Caixa comporta apenas 409 espectadores, muita gente voltou da porta, uma vez que os ingressos se esgotaram com dois dias de antecedência, e não houve a possibilidade de uma apresentação extra.

A plateia lotou a sala nas três noites — de sexta-feira a domingo —em que o musical de Rosa Maria e Sérgio Cabral ficou em cartaz e presenciou o espetáculo de primeiríssima qualidade. Primeiro, pela qualidade do repertório: 82 sambas feitos para o carnaval, por grandes compositores, entre as décadas de 1929 e 1970. Depois, pela interpretação dessas músicas por um elenco formado por cantores de vozes privilegiadas, que exibiram, talento, também, como atores.

Os tarimbados Pedro Paulo Malta, Alfredo Del-Penho, Soraia Ravenle e Juliana Dinis já haviam feito o vitorioso Sassaricando — E o Rio inventou a marchinha dirigidos, como em É com esse que eu vou, por dois mestres encenadores, Charles Moëller e Cláudio Botelho. A eles, juntaram-se Marcos Sacramento, sambista de grandes virtudes e duas ótimas revelações: a carioca Beatriz Faria (filha de Paulinho da Viola) e o capixaba-brasiliense Makley Matos — excelentes na estreia em musicais. Todos, acompanhados pela orquestra afinadíssima — sopros, percussão e cavaquinho — dirigida pelo brilhante violonista Luís Filipe de Lima.

Em Brasília, pelas dimensões do Teatro da Caixa, houve necessidade de adaptação do cenário, com a consequente redução do escadaria, que dá um charme a mais à montagem. Nada, porém, que comprometesse a qualidade do espetáculo. O público, na verdade, se deixou levar pela magia proposta pelo roteiro, que trouxe, ainda, o vídeo O morro e o asfalto, narrado por Paulinho da Viola, a partir de texto escrito por Rosa Maria e Cabral.

Blocos de temas O espetáculo, dividido em blocos, foi desenvolvido a partir do conceito do antagonismo. Em cada bloco os personagens representados pelos artistas usavam figurinos solicitados. Em rico x pobre, por exemplo, via-se em cena Alfredo Del-Penho, em andrajos, carregando sua marmita, na interpretação de Zé Marmita, samba de Brasinha e Luís Antônio. Já em orgia x trabalho, surgiu em cena, devidamente caraterizado, o “barnabé” Pedro Paulo Malta, cantando Falta um zero no meu ordenado (Ary Barroso e Benedito Lacerda). No solteiro x casado, Makley Matos tira onda em Solteiro é melhor (Rubens Soares e Felisberto Silva); enquanto em feminismo x machismo, Beatriz Faria sai em defesa de sua classe soltando a voz em Você me paga o que fez (Antônio Nássara).

Quase todos os sambas do roteiro eram conhecidos de Regina Azmbuja, que, mesmo baixinho, fez coro em O orvalho vem caindo (Noel Rosa e Kid Pepe), Isaura (Robrto Roberti e ), Atire a primeira pedra (Ataulfo Alves e Mário Lago) e A fonte secou (Monsueto e Tufic Lauar). “Esse espetáculo maravilhoso me transportou para os velhos e eternos carnavais”, disse a professora, cheia de entusiasmo.

Ela e as mais de 400 pessoas presentes — a maioria já na maturidade — tiveram motivos de sobra para celebrarem, principalmente na parte final, a Apologia do samba, em que foram reunidos clássicos do gênero.

No encerramento apoteótico, os cantores, fantasiados de arlequim, pierrô e colombina, uniram as vozes em Tristeza (Haroldo Lobo e Niltinho) e É com esse que eu vou (Pedro Caetano), sob chuva de serpentinas, arremessadas pelos espectadores. Cantor, com participação em musicais, Leonardo Soares, que assistiu a tudo da terceira fila, elogiou bastante o espetáculo. “Os cantores são afinadíssimos, a orquestra muito boa. Juntos, formaram conjunto harmonioso e transformaram o musical num espetáculo encantador.”

ESTADO DE MINAS - Zé Geraldo lança DVD na capital

56 Zé Geraldo e a filha, Nô Stopa, dividem o microfone no DVD Cidadão: trinta e poucos anos

(27/9/2011) O cantor, compositor e violonista Zé Geraldo faz pocket show hoje, às 19h, na Fnac do BH Shopping, para divulgar o DVD Cidadão: trinta e poucos anos. Nascido em Rodeiro, interior de Minas Gerais, o artista iniciou a carreira tocando em bailes, bares e festivais. O primeiro disco chegou em 1979: Terceiro mundo trazia a faixa Cidadão (Lúcio Barbosa), sucesso da carreira dele.

Com as participações de Geraldo Azevedo, Xangai, Chico Teixeira e Nô Stopa, o DVD relembra a obra de Zé Geraldo. O mineiro faz homenagem ao amigo Renato Teixeira, interpretando Aprendendo a viver, e a Raul Seixas, em Cachorro urubu (de Raul e Paulo Coelho).

O xote Pelas chaves de São Pedro foi o escolhido para receber Geraldo Azevedo, que marca presença também em O amanhã é distante, versão de canção de Bob Dylan. Xangai canta Tão bonita e o compositor Chico Teixeira participa de Galho seco. Ao roqueiro Landau coube Vaqueiros urbanos.

Zé Geraldo conta que uma das alegrias de sua vida foi a filha, Nô Stopa, decidir seguir a carreira musical. O pai coruja compôs Um simples olharzinho especialmente para cantar com ela. A herdeira também interpreta o samba Nega. O BH Shopping fica na BR-356, Belvedere. Informações: (31) 3878-2000. Entrada franca.

ESTADO DE MINAS - Bendita loucura

Zé Pedro reedita discos emblemáticos lançados por cantoras na década de 1970 e produz CD com a releitura da obra de Marina Lima por jovens cantoras. O selo do DJ já soma 20 álbuns

Mariana Peixoto

É admirável o trabalho que o DJ Zé Pedro vem fazendo em seu selo Joia Moderna. Criado este ano, vai fechar 2011 com 20 produtos. Detalhe: só vozes femininas em discos raros, boa parte deles fora de catálogo. O selo também conta com projetos originais, produzidos exclusivamente para ele. É o caso do álbum Literalmente loucas, que integra a terceira fornada de discos da marca. Lançado este mês, chega ao mercado ao lado de três reedições: Feiticeira (de Marília Pêra, 1975), Vanusa 30 anos (1977) e Filme nacional (de Marília Barbosa, 1978).

“Estava magoado e apreensivo com o nosso mercado, que só absorve cinco novas cantoras por vez. Ou seja, transito por lugares escuros: quem foi sucesso outrora e não tem mais espaço, ou jovens em processo de fazer o primeiro disco”, comenta Zé Pedro. Boa parte da leva de álbuns que ele relança só tem edição em vinil, muitos encontrados a preço de ouro em sebos. Vários vieram da coleção do próprio Zé Pedro.

“Os discos são parte do meu gosto pessoal, espero que atinjam muitas pessoas. Paralelamente, peso quais deles valem ser relançados”, explica. Feiticeira, por exemplo, é guardado por Zé Pedro desde a infância. “Era da série Super luxo (lançado originalmente pela Som Livre), mais caro e com capa dupla”. O nome do álbum de Marília Pêra era o mesmo do espetáculo que ela montou em produção de Nelson Motta, seu marido na época. Foi um fracasso de público e crítica, no Rio de Janeiro e em São Paulo. “Injustiça”, de acordo com Zé Pedro. A atriz canta composições de (Samba dos animais), Jards Macalé (Sem essa) e Eduardo Dussek (Alô alô Brasil). Da gravação do álbum participaram outro maldito, Walter Franco (em Dança da feiticeira), e o grupo Vímana (formado por Lobão, Ritchie e Lulu Santos), que gravou com ela a canção Avô do Jabor.

57 Literalmente loucas relê a obra de Marina Lima em gravações atuais. Zé Pedro e a jornalista Patrícia Palumbo escolheram o repertório e quem o gravaria. Fugiram do lugar-comum. A maior parte das canções vem do lado B de Marina. Entre as intérpretes estão Tulipa Ruiz (Memória fora de hora), Karina Buhr (Tão fácil), Karina Zeviani (Confessional), Nina Becker (O meu sim) e Iara Rennó (Alma caiada, primeira parceria de Marina com o irmão, Antônio Cícero). Como cada cantora fez a própria produção, o tom é bem diverso. Elas atualizaram ainda mais a obra de Marina, compositora que já nasceu moderna.

Zé Pedro brinca, dizendo a suas cantoras que é amante, não marido. O próprio explica melhor: “Não quero um casting. Faço 1 mil cópias de cada disco, que pertencem a mim. Assim que a tiragem se esgota, o trabalho volta para cada uma delas, que pode vender de maneira independente ou procurar outra gravadora”. Dessa maneira, ele vem atingindo, de forma pontual, um mercado carente e fazendo seu papel: lançar luzes sobre trabalhos esquecidos.

Entre os produtos do selo Joia Moderna, o mais procurado foi o primeiro disco, Dama indigna, de Cida Moreira. Lançadas no início do ano, as primeiras 1 mil cópias se esgotaram em 15 dias. Atualmente, está na quarta tiragem, divulgada pela própria cantora.

No forno Já está na fábrica a próxima fornada de álbuns do Joia Moderna, que devem ser lançados no mês que vem. Três são inéditos: Janelas do Brasil, que marca a volta de Amelinha, depois de 16 anos sem gravar; Ame ou se mande, de Jussara Silveira; e o álbum de Izzy Gordon, filha do músico Dave Gordan, com Denise Duran, irmã de Dolores Duran. Serão relançados Wanderléa maravilhosa (1972) e Sweet Edy, de Edy Star (1974). Nesse último caso, Zé Pedro abriu rara exceção para relançar o álbum de um cantor, conhecido pela androginia e pelo lado glam.

O GLOBO - Espaço para nova MPB e cena instrumental

Leonardo Lichote

27/9/2011 - As obras do Studio RJ — filial do Studio SP que promete aquecer a cena musical carioca, repetindo o que fez em São Paulo — estão terminadas, a data de abertura (hoje para convidados, sexta-feira para o público) e a programação do primeiro mês, definidas. A cena musical identificada com o perfil já consolidado da casa, uma certa nova MPB, está bem representada, com nomes como Kassin, Letuce, Domenico, Tono e Do Amor. Mas dois dias temáticos se destacam dentro da programação, apontando para outras direções.

As terças-feiras são da Noite Jazzmania, que celebra a lendária casa que funcionava onde hoje é o Studio RJ, no Arpoador, com uma programação voltada sobretudo para a música instrumental.

Quarta é o dia do projeto

Cedo e Sentado, dedicado a bandas mais novas. Janelas entre o passado e o futuro? Ale Youssef, sócio da casa (ao lado de Maurizio Longobardi, Plinio Profeta e Luis Antonio Cunha) diz que não é tão simples assim.

— Seria fácil colocar de maneira antagônica essas duas noites.

Artistas mais velhos e mais clássicos de um lado, gente nova e maluca do outro. Mas temos muita gente fazendo música nova em formatos mais tradicionais.

E sei que os artistas identificados com nossa programação normal estão interessados nos shows da Jazzmania. Todos querem ver Orquestra Ouro Negro — afirma, citando a atração da primeira terça. — Nossa idéia é inclusive aplicar o Cedo e Sentado dentro da Noite Jazzmania.

Se Vitor Araújo estivesse começando a tocar hoje, por exemplo, seria um nome perfeito para uma ocasião dessas.

Idealizador — com Mario Adnet — da Orquestra Ouro Negro e curador da Noite Jazzmania, Zé Nogueira também vê o projeto como algo integrado à concepção da casa (“Hoje as gerações mais

58 novas ouvem todos os tipos de música nos iPods, na época do Jazzmania, nos anos 80, era mais segregado”, diz). E ele vê proximidade não só na aposta na ousadia, mas também na própria lógica de atuação da casa, que ambiciona ser um agente do fortalecimento da cena carioca.

— Queremos que a Ouro Negro seja residente na casa, pelo menos uma terça por mês, com participações especiais de músicos que são fãs — explica Zé Nogueira.

— É uma forma de fazer um público, algo que está dentro da filosofia do Studio RJ. Assim como o desejo de trazer artistas de outros lugares do país, atrações Internacionais, num movimento paralelo à valorização da cena local. É algo que já funciona muito bem no Studio SP.

O Cedo e Sentado é outro braço da mesma estratégia, como explica Pablo Capilé, programador do projeto e representante do Circuito Fora do Eixo, parceiro do Studio RJ e do SP:

— Tentamos, por um lado, trazer a diversidade da música brasileira. Em São Paulo, fomos do carimbó de Felipe Cordeiro e Mestres da Guitarrada ao metal de Madame Saatan. Aqui, faremos como lá noites temáticas, sobre Belém, Acre, Fortaleza, Mato Grosso, Rio Grande do Sul, Goiânia... Queremos trazer uma nova cena do rap paulistano também. Claro, misturando sempre com as bandas locais. Ao lado da Noite Jazzmania e do Cedo e Sentado, as festas devem marcar a cara do Studio RJ.

Elas serão realizadas depois dos shows (que começarão pontualmente às 22h, sempre, garantem os sócios), em parceria com produtores da noite carioca.

— Nas sextas, teremos a Hub, com o melhor da música eletrônica, e no sábado a festa Coqueluxe, onde eu e Ale Youssef discotecamos de tudo um pouco, para nos divertimos e recebermos amigos e convidados. Abrimos esse espaço para curtir também — conta Plinio Profeta.

Vinícius Louzada, vocalista da banda Tereza, uma das atrações do Cedo e Sentado, resume a expectativa em torno da casa:

— Não há uma cena só. São 500 nichos que vão ser beneficiados com esse palco.

CORREIO BRAZILIENSE - Um homem mais que desejado

O Rei Roberto Carlos une diferentes classes sociais e várias gerações em torno de uma carreira construída com trajetória de coerência e fé

Mariana Moreira

(28/9/2011) - Os anos passam, os nomes se sucedem no panteão de celebridades, mas Roberto Carlos não perde a majestade. Desde que surgiu, como um garoto cabeludo cantando iê- iê-iê, o ídolo romântico consolidou uma legião de fãs. Sua presença desperta uma idolatria quase beatlemaníaca, homens e mulheres que disputam palmo a palmo os botões de rosa que ele atira do palco. Seja em sua fase soul/funk, seja nas exaltações à natureza e às mulheres, o cantor nunca perdeu o lugar cativo no aparelho de som dos brasileiros. E as razões para essa consagração vão além das mais de 500 músicas que ele compôs. Algumas delas estarão no repertório do show que o cantor fará em Brasília, no sábado, às 21h, no Ginásio Nilson Nelson.

“Roberto é um símbolo de pureza e honestidade. Tem uma postura exemplar, nunca se envolveu com drogas ou escândalos, como tantas outras celebridades. É um exemplo para todo mundo”, acredita o auditor Gilson Araújo, 64 anos. Na década de 1960, Araújo, que compartilha a paixão pelo cantor com a mulher (a técnica em contabilidade Sandra Oliveira, 47 anos), frequentava as gravações de um programa de tevê que Roberto Carlos apresentou, na TV Tupi, no Rio de Janeiro. Queria ver de perto

59 a mudança que aquele capixaba estava operando na música brasileira. “Ele fala em Deus. E mostra a relação especial que tem com as mulheres, como Maria Rita, a última esposa, e a mãe, Lady Laura”, destacou.

“Morro por ele, mas não tenho nenhum disco”, confessa a dona de casa Terezinha dos Santos, 57 anos. Os originais são caros e ela se recusa a aderir à pirataria. Por isso, interrompe o que está fazendo quando escuta os acordes das músicas do rei no rádio ou na televisão. E garante que a adoração vem de longe. Nos anos 1960, em uma das primeiras vindas de Roberto Carlos à cidade, uma Terezinha adolescente conseguiu se aproximar e até tocar a mão do cantor. “Ele é minha paixão e torço muito pelo seu sucesso. Fico triste quando algo ruim acontece, quando ele se separa, ou uma mulher morre. Quando a Nice morreu, chorei muito. Não sei se por ela ou se foi pena dele”, admite. O motivo de tanta devoção? “Ele é um cara dez. Não, é mil. É uma pessoa boa, de coração, de fé”, defende a fã incondicional da canção O portão.

No sangue “Roberto Carlos está no sangue, corre nas veias de todos nós. Toda melodia dele conta uma história do brasileiro, um povo apaixonado por natureza”, acredita o comerciante Nonato Forte, 83 anos, que frequentou muitos shows do jovem cantor, nos primeiros 20 anos de carreira. Para ele, o artista se diferencia de seus pares por compor melodias e letras atemporais. “Ontem mesmo, estava ouvindo rádio com minha mulher, quando uma música dele começou a tocar. É impressionante. A obra dele não envelhece”, elogia. Forte não consegue calcular o imenso contigente de fãs do cantor, mas dá um palpite: acredita que 80% dos brasileiros tenham o mesmo encanto pelo Rei.

Encanto não é o bastante para definir o sentimento da doméstica Ivete Pereira, 45 anos. “Sou apaixonada por Roberto, de verdade. Quando entra no palco, ele sabe cativar, sabe conduzir o público às músicas”, ressalta. Canções que, por sinal, fazem parte de sua trilha sonora pessoal. “Às vezes, parece que ele adivinha nosso passado ou nosso presente nas letras. Sempre tem alguma coisa pela qual passei ou estou passando”, diz. A fidelidade dela ao astro já foi estopim, inclusive, para o fim de um casamento. Na noite de um dos especiais anuais de televisão, o ex-marido insistia em mudar de canal. Ela protestou e o companheiro, enciumado, fez as malas e foi embora. A tietagem ao cantor atravessa gerações em sua família. “Tenho uma sobrinha de 23 anos que acha ele tudo de bom”, diverte-se.

O GLOBO - Maria Rita, direto do palco para o disco

(28/9/2011) Sentada numa cadeira de acrílico de frente para uma vista exuberante da Lagoa Rodrigo de Freitas, Maria Rita se debruça sobre o janelão, mira um sujeito lá embaixo e brinca: — Esse cara não tá correndo para emagrecer, né... All Star, camisa preta... Tá correndo é pro Rock in Rio — diz a cantora.

Coisa que ela fará amanhã para assistir ao show de Stevie Wonder na Cidade do Rock. O ícone da soul music tem a ver com o que ela anda escutando nos últimos tempos: um mix de novas divas inglesas, que vai da finada Amy Winehouse à estrela Adele. Já as novas cantoras brasileiras, ela confessa, vêm sendo observadas “bem menos do que deveria”.

No ano que vem, Maria Rita completa 10 anos de carreira.

Diz não saber ao certo o que a faz sobressair-se em meio à profusão de cantoras surgidas nos anos 2000. O que ela sabe bem é da sua devoção pelo palco — a razão, por sinal, para construir e lançar seu quarto álbum solo, “Elo”. — Havia terminando a turnê de “Samba meu” (2006), e mesmo depois de dois anos e meio não queria me afastar do palco.

O nome do disco tem a ver com essa ligação com o público. É uma paixão absurda, um vício. Meu grau de confiança vai às alturas quando estou no palco.

Maria Rita tentou descansar. Pensou num isolamento de seis meses, mas não agüentou seis semanas. Um convite para uma miniturnê na Europa jogou o retiro para outro campo. Juntou três músicos, um punhado de canções e caiu na estrada com um show sem nome, sem cenário... E que resulta agora em “Elo”.

60 — Cheguei a me perguntar:

“Mas qual o sentido?” Mas aí comecei a reunir umas canções que eu gostava de cantar, alguns pedidos de amigos, a gravadora também pediu um disco...

Não era o que eu imaginava, mas como não sou muito de encrenca comecei a gravar e foi bom para todo mundo — conta.

— Além disso, senti a necessidade de fazer um exercício que fosse radicalmente diferente ao “Samba meu”. Entendi que só através da música eu poderia me desprender, curar um novo amor com outro, velha música com nova música.

Além da ligação com o público, “Elo” tem outros pontos de conexão. Nele, ouvem-se ecos dos três primeiros trabalhos da cantora. Nos arranjos, baixo acústico, piano e bateria guiam uma pegada semelhante ao seu disco de maior sucesso, o álbum de estreia, “Maria Rita”.

— Tem essa relação com o primeiro show que fiz antes daquele disco, então é como voltar ao começo da carreira, quando eu fazia shows com liberdade, sem cobranças. E também com aquela proximidade com o público que dá um frio na barriga...

Já do “Segundo”, Maria resgatou algumas sessões de faixas que chegaram a ser buriladas no estúdio com Lenine — produtor daquele disco — mas que acabaram não entrando no trabalho. Na linhagem de “Samba meu”, Maria Rita presta tributo a Monarco, com a faixa bônus “Coração em desalinho”, e deve ainda o fato de “Elo” ter surgido pela tal saudade incurável da turnê daquele disco, inteiramente dedicado ao samba.

— Eu era muito feliz com “Samba meu”. A grandiosidade da apresentação, trocas de figurino, cenário, luz, a sonoridade lá na frente. O Seu Jorge disse que era uma orquestra de samba. Então eu sofri, porque eu não queria p a r a r d e f a z e r. Chorava, mas não porque meu mundo caiu... Era pela separação, pelo divórcio, que foi unilateral. Ele que foi embora e me largou em casa, não eu.

O corte se evidencia nos primeiros segundos. “Elo” começa com uma espécie de faixa-oração, escrita por Lula Queiroga, “Conceição dos coqueiros”, em que Maria Rita se aventura por alterações radicais na dinâmica de seu canto. Oscila entre líricos momentos de intimismo e rompantes de exuberância em versos como “Vem desabençoar essa tristeza intrusa, faz a ciranda na ladeira”, entoado nos momentos finais da canção, que se despede em meio aos sintetizadores pulsantes de “Santana”, um samba eletrificado assinado por Junio Barreto. Daí para a frente, “Elo” navega pela sinuosa e fragmentada “Perfeitamente” (Fred Martins e Francisco Bosco) até pousar em duas das faixas mais arredondadas do álbum, as inéditas “Coração a batucar” (de Davi Moraes e Alvinho Lancelotti), e o single “Para matar meu coração”, parceria de Pedro Baby e Daniel Jobim. As duas surgiram no caminho de Maria Rita em uma viagem a Jericoacoara, quando foi convidada a participar de um programa de TV comandado por Davi.

— É a primeira vez que gravo uma canção do Davi. Sempre tive uma admiração brutal, mas ficava de longe, tímida de chegar perto, mas como fui convidada, foi mais fácil. Não sou compositora, nem toco nada, mas lá ele e o Domenico foram me mostrando as canções, e aprendi na hora.

Quando voltei, as músicas não saíam da minha cabeça, estudava a melodia sem parar.

A partir daí , “Elo” envereda por uma série de releituras, como a bela versão para “Menino do Rio” (Caetano Veloso), “A história de Lily B r a u n ” ( C h i c o Buarque e ), “Nem um dia” (Djavan) e “A outra”, de Marcelo Camelo, um dos compositores mais assíduos na obra de Maria Rita.

— Escolho as canções por ligação afetiva, relação emotiva mesmo. O Camelo, por exemplo, é muito acessível. Tem uma facilidade de unir letras e melodias, uma relação que se completa. É tudo muito belo, simples e cinematográfico.

Se eu pudesse faria um disco todo com as músicas dele. Nesse caso, “A outra” é muito potente, e quem já foi a outra sabe bem...

61 Se “Elo” traduz a ligação com o público e com a própria obra pregressa da cantora, emerge também a sensação de fecho de um ciclo, como se Maria Rita habitasse uma zona de transição, cumprindo uma etapa ao mesmo tempo em que inicia um novo caminho ainda sem ponto de chegada. Diz que tem dois novos projetos nas mãos, mas, supersticiosa, se nega dizer o mínimo.

— Vou falar não... Aí já chega olho gordo. Tem um álbum que está quase pronto, mas ainda precisa de um caminho de amadurecimento.

O GLOBO - Arquitetura e amplidão na música do Caymmi caçula

Leonardo Lichote

(28/9/2011) Deitado, violão sobre o peito, procurava os acordes certos, compondo para o que seria o disco “Alvear”, que acaba de lançar pela Biscoito Fino. A TV sem som o inspirava: vistas aéreas de São Paulo, o horizonte sem fim. E, de repente, a expressão raivosa de José Luiz Datena, apresentando o programa policial “Brasil urgente”.

— Quando vim para Copacabana, para ficar mais perto de papai (o compositor , morto em 2008), que já estava doente, perdi aqueles horizontes vastos que tinha na Barra.

E preciso muito dessa amplidão para compor — conta Danilo, na sua sala com janelas copacabanamente voltadas para outras janelas. — As cenas aéreas do programa do Datena me davam isso. Às vezes, o que passava não era muito condizente com o lirismo, é verdade (risos). Mas era bom que dava uma realidade.

Uma realidade brasileira. Ele explica que, musicalmente, a estrutura das canções carrega essas distâncias, com temas cortados por passagens que vão “para outro lugar”, com uma nota que, como que vinda de longe, instaura uma dissonância quase incômoda. As letras — dos parceiros Ronaldo Bastos, Paulo César Pinheiro, Geraldo Carneiro, Dudu Falcão e Alice Caymmi, sua filha — também carregam essa ideia. Há versos como “Na imensidão do teu caminho iluminado”, “O revés do mar é meu deserto/ (...) Amores findos na miragem”, “Tanto de amar me perdi/ Pelo teu labirinto-mar”.

Voando mais alto, a amplidão pode ser entendida no tempo — passado e futuro como sul e norte de uma grande planície. O fato de ter no álbum sua mãe Stella Maris (“Un air embaumé”, parceria com Arthur Verocai, com letra de Danilo, tem o nome do perfume dela) e sua filha (parceira e responsável por discretos vocais), além da participação da irmã, Nana, é uma pista disso. Mas há outras, nas letras (“Tempo aprisionado”, “A vida é um carrossel em movimento”, “Atrás ficou meu pai/ Na frente vai meu cão/ E pela cor do arrebol tem muito sol e muito chão”) e na música.

Rock e uísque nos anos 1970 — Há muitos matizes da minha vida ali. É a primeira vez que faço um disco sem interferência nenhuma — conta o compositor, cantor e flautista. — Com essa coisa de Facebook, YouTube, reouvi muito Led Zeppelin, que me foi apresentado por Geraldinho (Magalhães) nos anos 1970, quando eu, ele, Paulo Jobim, Ronaldo Bastos e Maurício Maestro íamos à casa do Tom e acabávamos com o uísque dele, ouvindo Hendrix, Emerson Lake & Palmer...

Esse mundo está no CD, assim como (Henry) Mancini, Claus Ogerman... Em “Canção do amor rasgado” pensei muito nas modinhas de voz e piano que gravei com Tom (quando integrou a Banda Nova). Danilo fez sua estreia em estúdio tocando flauta no disco “Caymmi visita Tom”, de 1964.

Quatro anos depois, veio o enorme sucesso de “Andança”, parceria com Edmundo Souto e Paulinho Tapajós (“Não sabia nada e estava cheio de dinheiro no bolso, fazia coisas como pegar um avião e ir passear em Porto Alegre”). Mesmo da faculdade de Arquitetura, que abandonou no 5º ano, ele diz trazer lições para sua composição.

— A noção de estrutura — explica. — “Canção do amor rasgado”, que entrou na trilha de “O astro”, tem uma cara simples, direta, como tem que ser uma música para a TV. O mais difícil na arquitetura é fazer a casa mínima: sala, quarto, banheiro e cozinha.

62 Mas “Alvear” — termo que carrega a ideia de passagem do tempo, do embranquecer do cabelo, do apagar de fotos e memórias, mas também, lembra Danilo, o sentido de “tornar claro, limpar o céu das nuvens, e alvejar, ir na direção de um alvo” — não se limita a um balanço passadista.

As canções são inéditas — com exceção de “A vida vai mudar” e “Branca”. E a sonoridade não segue cartilhas ortodoxas da MPB (“Estou apreensivo para mostrar para Dori e Paulo César Pinheiro”). O lançamento será sexta-feira no Rival. Além de preparar o show, Danilo se ocupa com as comemorações do centenário de Dorival, em 2014. LIVROS E LITERATURA

AGÊNCIA DE NOTÍCIAS BRASIL-ÁRABE - Alberto Mussa em árabe

Escritor carioca, considerado uma das revelações da atual safra literária brasileira, terá um dos seus livros, 'O enigma de Qaf', traduzido para o árabe e publicado no Egito. Isaura Daniel

(22/9/2011) São Paulo – O escritor Alberto Mussa, uma das revelações contemporâneas da literatura brasileira, terá pela primeira vez um livro traduzido para o árabe. O romance "O enigma de Qaf", lançado no Brasil em 2004, está sendo traduzido no Egito e deve chegar às livrarias do país ainda este ano. O livro é ambientado na Arábia Pré-Islâmica, na rotina dos poetas da época, e conta a história de um deles, apaixonado por uma mulher de quem conhece só os olhos. Para conquistá-la, o poeta precisa decifrar um enigma relacionado ao alfabeto árabe.

Mussa é descendente de libaneses e um dos seus livros, "Poemas Suspensos", é justamente a tradução de poemas dos dez maiores poetas da Península Arábica do período pré-islâmico. Foi quando esteve dedicado a essa obra, aliás, entre 1996 e 2004, que Mussa resolveu escrever "O enigma de Qaf", que se passa no mesmo local e está imbuído do contexto dos poemas. Além da trama do romance, a obra traz a biografia de 13 poetas árabes. O livro já recebeu vários prêmios, entre eles da Associação Paulista de Críticos de Arte 2004 e Casa de Las Americas 2005.

"O enigma de Qaf" é o livro de Mussa mais traduzido e publicado no exterior. O autor acredita que isso tenha relação com a trajetória da obra no próprio Brasil, onde fez sucesso de crítica e leitura. No Egito, a possibilidade de tradução se abriu a partir do interesse do ensaísta de literatura do país árabe, Wail Hassan. Ele trabalha nos Estados Unidos, mas leu a obra de Mussa, entrou em contato com o escritor carioca e o indicou para tradução no Centro Nacional de Tradução do Egito, de onde deve sair a publicação de "O enigma de Qaf".

Mussa é autor também de "Elegbara", "O movimento pendular", "O trono da rainha Jinga", "Meu destino é ser onça", "Samba de enredo: história e arte" e "O Senhor do lado esquerdo". Ele já teve obras publicadas na Argentina, Cuba, Portugal, Itália, França, Inglaterra, Romênia, Turquia e em breve uma delas deve sair na Espanha. O último livro lançado pelo autor carioca, que trabalha com a editora Record, foi "O senhor do lado esquerdo". O romance se passa no Rio de Janeiro, a partir de 1913, quando o secretário da Presidência da República é assassinado em um prostíbulo de luxo.

63 O escritor acredita que "O senhor do lado esquerdo" terá uma boa demanda para tradução, já que se trata de uma história bem brasileira. "Existe no exterior uma carência de histórias ambientadas no Brasil", afirma. A próxima obra de Mussa também deve ser "bem brasileira", já que ele pretende ambientá-la nos primeiros trinta anos do Brasil, à época dos piratas, anterior às capitanias hereditárias. O objetivo é centrar o enredo no mito das amazonas, mulheres guerreiras que viviam sem maridos.

FOLHA DE S. PAULO - Prêmio Jabuti anuncia os finalistas em 29 categorias

Resultado será em 18/10 e premiação, em 30/11

(22/9/2011) A Câmara Brasileira do Livro (CBL) divulgou ontem, em São Paulo, os finalistas da 53ª edição do Prêmio Jabuti, o mais tradicional do país. São dez concorrentes em cada uma das 29 categorias; quando há empate, podem se classificar mais que dez. Colunistas da Folha, , na categoria poesia, Antonio Prata e Rubem Alves, na de contos e crônicas, e José Roberto Torero, na de romance, estão entre os indicados.

São também concorrentes, entre outros, Rubens Figueiredo, João Almino e José Castello, na categoria romance; e Alberto Martins e Ricardo Aleixo, na de poesia. Os cinco também são finalistas do Prêmio Portugal Telecom.

Rubens Figueiredo foi o vencedor neste ano do Prêmio São Paulo de Literatura. E João Almino levou o Zaffari & Bourbon, em Passo Fundo (RS).

Os vencedores de cada categoria serão apurados em 18 de outubro. A festa de premiação ocorre em 30 de novembro.

No evento serão anunciados o melhor do ano de ficção e não-ficção, escolhidos entre os autores que levaram o primeiro lugar em cada categoria (excluindo capa, projeto gráfico, ilustração e tradução).

A lista completa da disputa pelo prêmio está no site www.cbl.org.br/jabuti.

O GLOBO - Livro registra a história do desenho de humor

Suzana Velasco

(22/9/2011) - A história do desenho de humor brasileiro fica em cartaz só até domingo, mas estará para sempre registrada no catálogo que será lançado hoje, às 18h, no Museu Nacional de Belas Artes, que abriga o 3o- Festival Internacional de Humor do Rio de Janeiro. Apesar de interrompida pela greve dos funcionários do Ministério da Cultura, a mostra foi sucesso de público ao reunir trabalhos dos séculos XIX, XX e XXI, desde a caricatura “A campainha e o cujo” (1837), de Manuel de Araújo Porto Alegre, até novíssimos talentos, passando por desenhos de Nássara, J. Carlos, Di Cavalcanti, Millôr, , , Jean, Paulo Caruso, Chico Caruso, Ziraldo e — os três últimos com presença confirmada no lançamento.

Mais dez desenhistas Os 160 cartuns, caricaturas e charges, de 40 criadores, fazem parte da exposição “Traçando o Brasil: três séculos de desenho de humor”, com curadoria de Ângela Porto. A mostra é a atração principal do festival, que inclui ainda os vencedores do Prêmio Nacional de Desenho de Humor 2011 e do Concurso Internacional Press Cartoon 2011. Todas elas foram contempladas pelo catálogo, que inclui ainda mais dez desenhistas, como Loredano, Caulos, Reinaldo e Cavalcante, este último da editoria de arte do GLOBO, vencedor do prêmio nacional na categoria caricatura, com sua Amy Winehouse, também presente na exposição e no livro.

— Quisemos quebrar a idéia de que o catálogo só dá uma pequena amostra da exposição.

64 Ele é um livro que conta a evolução do desenho de humor e registra a produção contemporânea brasileira e estrangeira, com o histórico de cada desenhista — afirma Eliana Caruso, diretora do festival e organizadora do catálogo.

— O humor sempre abre as portas, ele nos une a todos, independentemente de classe social e faixa etária.

Chico Caruso, que tem criações na exposição “Traçando o Brasil” e foi um dos jurados do Prêmio Nacional de Desenho de Humor deste ano, destaca o caráter histórico da exposição e do catálogo.

— É importante para o Brasil mostrar esse percurso cronológico do desenho de humor em três séculos — afirma Chico.

O ESTADO DE SÃO PAULO – Tradição brasileira

Com as crônicas de As Coisas da Vida, António Lobo Antunes confessa paixão pelo gênero consagrado no País

UBIRATAN BRASIL

(27/9/2011) Tudo começou como um exercício estilístico - em troca de um ínfimo soldo, o escritor António Lobo Antunes, um dos mais festejados da atualidade, começou a escrever crônicas dominicais para a imprensa portuguesa. "Depois de um tempo, quando já não estava mais disposto a continuar, pedi um valor bem mais alto, acreditando interromper a colaboração", contou ele ao Estado, em entrevista por telefone desde Lisboa. "Para minha surpresa, eles aceitaram e tive de manter a rotina."

Nada surpreendente, no final das contas, esse interesse dos editores. Conhecido por levar ao extremo a subversão da estrutura narrativa - cada capítulo de seus romances se compõe de frases que vão criando melodias e ritmos insuspeitos que conduzem a uma leitura vertiginosa -, Lobo Antunes, em suas crônicas, volta-se para a intimidade, navegando entre saudosas lembranças familiares e observações de seu cotidiano. É quase como outra faceta do mesmo escritor, menos experimental mas igualmente contagiante.

Basta conferir as 60 crônicas que compõem As Coisas da Vida, recentemente lançado pela Alfaguara, selo da editora Objetiva. Ali estão textos selecionados de dois volumes que já circulam em Portugal, Livro de Crônicas e Segundo Livro de Crônicas, que, por sua vez, reúnem material publicado no jornal Público e na revista Visão. Uma adorável viagem em que Lobo Antunes navega entre experiências pessoais, quando trata do tempo em que trabalhou como médico na guerra em Angola, de amigos que cruzaram sua vida e, principalmente, dos momentos passados em Belém do Pará, onde morava o avô e um bando de tias.

Engana-se, porém, quem acredita que o escritor sente prazer nesse tipo de escrita. "É uma chatice, pois interrompe o ritmo do romance que escrevo no momento - para voltar, é complicado", afirma Lobo Antunes, que lança em outubro, em Portugal, Comissão das Lágrimas. "Quando não estou escrevendo um livro, não tem problema. Mas, se estou trabalhando em algo, sou obrigado a sair do ritmo do romance para o da crônica, que é bem diferente. Também não posso ser muito profundo, pois o gênero não permite."

Não se trata de descaso - íntimo conhecedor da crônica, Lobo Antunes resigna-se a louvar aquela que, em seu parecer, é a mais perfeita: a brasileira. "Se há algum país que tem de se orgulhar de seus cronistas, é o Brasil. E não falo apenas de , Carlos Drummond de Andrade, - há um escritor que considero importante salientar seu trabalho: Paulo Mendes Campos."

Da mesma forma que se rende à técnica seca e precisa do verso de João Cabral de Melo Neto, o escritor português maravilha-se com os textos do colega mineiro, que morreu em 1991. "Suas crônicas sobre literatura são maravilhosas: Paulo Mendes Campos fez considerações fundamentais sobre Virginia Woolf, além de ter escrito a melhor análise que já li sobre o Coração das Trevas, de Conrad. Outro dia, li em voz alta esse texto e percebi que é uma lição de teoria literária", observa.

65 "Também as crônicas de futebol são empolgantes mesmo para quem não conhece nada do esporte. E não vi, em língua portuguesa, melhor tradução dos poemas de Dylan Thomas que a feita por ele. Não o conheci, mas o considero um artista injustamente esquecido. Era um homem com um conhecimento ético da profissão."

Esse detalhe é essencial no exercício do ofício, segundo Lobo Antunes. Para ele, a crônica é uma intervenção cívica e cita Carlos Drummond como exemplo. "Apesar de não gostar tanto de sua prosa como amo a poesia, há sempre um sentido ético em seus textos. Sempre aprendo muito quando releio o Drummond cronista."

Apesar de bom leitor, Lobo Antunes confessa-se um novato na escrita de crônicas. Ele conta que nunca tinha escrito uma até surgir o convite da imprensa lisboeta. O assunto era o que mais lhe preocupava. "Quando comecei, pensava em temas comuns pois seria dirigido ao leitor de fim de semana. Depois, pensei em usá-las como um contraponto dos livros, algo como anotações feitas às margens dos escritos. É prazeroso o trabalho, mas a crônica condiciona o número de palavras e não pode ser profunda."

Na conversa com o Estado, Lobo Antunes quis saber se a seleção publicada pela Alfaguara trazia textos relativos ao Brasil. Sossegou ao descobrir que constam algumas, especialmente a que traz lembranças do avô que morava em Belém, ao lado de tias muito velhas, que moravam "no fundo de corredores compridíssimos entre brilho de pratas, latas de biscoitos e objetos sem sombra de que as pessoas idosas se rodeiam".

"Escrevi várias crônicas sobre meu avô que nasceu em Belém", conta. "O Lobos saíram de Portugal antes dos Antunes. Foi durante a inquisição e, depois de perambular pela Europa, eles chegaram ao Brasil. Quem me contou isso foi um senhor, em Jerusalém, que sabia detalhes dessa diáspora portuguesa. E também a saga dos Lobos até chegar ao Brasil. Os Antunes eram do meu tetravô, que foi ao Brasil e conheceu minha tetravó Lobo, que já estava lá. Creio que o ramo dos Lobos da minha família está há 300 anos no Brasil."

Mais que da política e da vida real, Lobo Antunes trata, na verdade, da vida interior. Há obsessões que se repetem em seus romances, uma delas é a inexorável decadência física que leva à morte. O mesmo acontece em suas crônicas, nas quais as palavras geram umas as outras. Sem plano nenhum. "Eu me sinto à mesa e a mão funciona quase que mecanicamente. Faço uma primeira versão, corrijo as patetices, pleonasmos e parvoíces como 'colocar o chapéu na cabeça' - vai colocar onde, no pé?"

O resultado, como se espera de uma boa crônica, são textos aparentemente simples, em que passagens triviais da vida ganham dimensão universal.

O ESTADO DE S. PAULO - Oswald de Andrade é tema de mostra em São Paulo

(27/9/2011) Em cinco anos e meio de existência, o Museu da Língua Portuguesa nunca fez uma exposição de um autor paulistano. Hoje, às 19 horas, suas portas serão abertas para os convidados de uma mostra em homenagem ao primeiro deles, "Oswald de Andrade: o Culpado de Tudo", que ficará aberta para o público de quarta-feira até janeiro de 2012, um mês antes das comemorações dos 90 anos da realização da Semana de Arte Moderna de 1922, da qual o escritor foi um dos mentores.

Não se trata de uma mostra museológica no sentido tradicional. Nem poderia. Oswald de Andrade (1890-1954) odiaria uma exposição com muitos objetos e poucos roteiros, ele que aconselha o leitor do seu "Manifesto Antropófago" (1928) a reagir contra todas as catequeses e acreditar nos sinais. Assim, o curador José Miguel Wisnik, poeta, músico, professor, ensaísta - enfim, um homem multidisciplinar como o homenageado -, preferiu estabelecer um roteiro para os visitantes, que cobre todos os períodos da vida do escritor, da infância ao triste epílogo da trajetória do autor de "Serafim Ponte Grande".

Esse roteiro começa com painéis ilustrados por meio de textos e desenhos extraídos do poema "As Quatro Gares" (1927), escrito um ano antes do "Manifesto Antropófago". Eles introduzem o visitante no roteiro traçado por Wisnik com as quatro fases da vida do modernista: a do pirralho abastado sob

66 as ordens da mamãe (1890-1919), a do vanguardista que revolucionou a literatura e ajudou a introduzir a modernidade artística no Brasil (1920- 1929), a do revolucionário que abraçou causas populares (1930-1945) e, por fim, a fase da utopia, em que Oswald, no seu último decênio (1945- 1954), tenta retomar o ideário antropofágico e cai no ostracismo, sendo recuperado nos anos 1960 pelos poetas concretistas e os criadores do movimento tropicalista.

O movimento que o visitante fará na exposição é circular. Tudo volta ao mesmo ponto, afinal, na vida de Oswald. Wisnik recorre a uma correspondência analógica, a do sambódromo, para explicar o desfile que organizou, começando com as quatro gares da vida, passando pelo carrossel amoroso de Oswald - outra sessão cíclica com suas nove mulheres - e chegando à apoteose, sua afirmação da antropofagia cultural. Por esse carrossel passou a bailarina americana Isadora Duncan (1877-1927), que dançou "quase nua" para ele em Osasco. O círculo fecha-se com a última esposa, Maria Antonieta d?Alkmin, sua sexta mulher, que tinha características próximas à da figura da mãe, Inês Henriqueta Inglês de Sousa Andrade. Oswald não escapou de Freud e da própria ficção. Vagou de porto em porto como os passageiros de sua nau dos insensatos em "Serafim Ponte Grande".

Essa inconstância teve um preço amargo. No carrossel das amantes, duas figuras se destacam: a de Deise, poeta que frequentava a garçonnière de Oswald na Rua Libero Badaró - morta aos 19 anos, em consequência de um aborto malsucedido - e a bailarina Landa Kosbach, que conheceu em 1912, numa viagem de navio ao continente europeu (ela se tornaria, na maturidade, a professora de dança de sua filha Marília). Por causa de Landa, que tinha 16 anos na época, o impulsivo Oswald foi acusado publicamente de pedófilo. Próximo à "Praça da Apoteose" do metafórico sambódromo montado na Luz, Wisnik aponta o único objeto de arte da época, o busto de Deise esculpido por Brecheret. Caminhando para a direita, o visitante terá acesso a um simulacro da garçonnière de Oswald, onde o escritor produziu o diário coletivo "O Perfeito Cozinheiro das Almas Deste Mundo". Como os amigos do escritor, que deixavam recados e desenhos nesse livro, o visitante poderá fazer o mesmo. Na praça, ele entra definitivamente no universo literário do autor: lá está a íntegra do "Manifesto Antropófago". Em frente a essa síntese do pensamento modernista brasileiro destaca-se uma parede com o esboço do cenário da peça "O Rei da Vela" (desenhado por Hélio Eichbauer). Atrás dela, trechos de filmes baseados em obras modernistas são exibidos em looping.

Na Praça da Apoteose o visitante verá ainda como o escritor e ensaísta, nascido no berço esplêndido da alta burguesia paulista, traiu sua classe social para abraçar a causa socialista. Imagens da crise de 1929 mostram como ela empobreceu os barões de café um ano depois de Oswald ter decretado a "revolução caraíba" em seu "Manifesto Antropófago". Excertos de livros mostram como Oswald antecipou a sintaxe literária modernista em "Memórias Sentimentais de João Miramar" (1924) e tratou de temas políticos com humor em "Serafim Ponte Grande" (1933), sobre um funcionário público que rouba o dinheiro dos revolucionários e foge num navio para a Europa. Completam a "apoteose" uma instalação de Laura Vinci feita de notas de mil cruzeiros (com a estampa de Pedro Álvares de Cabral) manchadas como as de um caixa eletrônico arrombado - além de uma obra inédita de Cildo Meirelles (uma variação de sua nota de zero cruzeiro, em que a imagem de Cabral recebe o carimbo "O culpado de tudo").

O GLOBO - Reunida em livro, a obra de uma artesã das palavras

Mauro Ventura

(27/9/2011) - Entre o primeiro e o segundo convite de Heloisa Buarque de Hollanda para que editasse seus poemas, passaram- se quase treze anos. Mas Mana Bernardes acha que valeu a pena esperar.

— Na época, falei: “Não to pronta.” Não queria publicar naquele momento tão virgem.

Foi muito interessante fazer agora, e não aos 17 anos. O livro é um dos suportes existentes para a poesia, mas não o único. Isso me libertou. Fiz joias que partiram de princípios poéticos, tenho poemas que viram esculturas e roteiro para cinema, escrevo paredes inteiras, tem coleção de roupas com poesias minhas.

Vera Holtz dirige performance. Dessa vez, ela não só aceitou a proposta de Heloisa como preparou um lançamento em grande estilo de “Mana e os manuscritos” (Aeroplano Editora): hoje, amanhã e

67 quinta, na Livraria da Travessa do Leblon, às 19h30m, fará a performance “Desembrulho poético”, que contará com os músicos Jacques Morelembaum e Pedro Bernardes, seu irmão, com direção de Vera Holtz. O livro vem com um CD em que em que ela lê os poemas, musicados por Pedro. Nada mal para quem, na primeira vez em que apresentou publicamente seus escritos, em 1998, no CEP 20.000, escondia-se atrás de um lençol.

— A poesia é um lugar absolutamente íntimo. Mas tudo que estou buscando é fazer com que ela possa chegar mais perto das pessoas.

Os textos de Mana são escritos à mão.

— A caligrafia me ajuda a trazer o conteúdo, a expressar o que eu quero.

Nunca escrevi um poema sentada no computador, o pensamento não sai.

Seus poemas caligráficos atraíram a atenção de Arnaldo Antunes, que assina a introdução da parte poética do livro. Para ele, Mana desenha e escreve: “Como Arthur Bispo do Rosário, Gentileza ou o Waly Salomão dos Babilaques, Mana criou um alfabeto próprio (...) que nos reeduca a ler, para reaprendermos a ver.”Mais conhecida por suas joias, que são vendidas até no Museum of Modern Art (Mo-Ma) de Nova York, ela diz que o eixo de todo o seu trabalho é a poesia. Escrevia desde os 14, mas a primeira “importante” veio aos 17. Produzia compulsivamente, e, quando Heloisa a procurou a primeira vez, já tinha cerca de cem poemas.

Além dos textos, o livro tem partes dedicadas às joias — ela começou a fazer colares aos 7 anos —, às instalações e peças artísticas, e aos projetos educacionais e sociais que ela desenvolve desde os 14 anos. Em oito anos, formou 400 meninos e meninas de comunidades carentes.

Mais tarde, criou sua própria metodologia. Mana, que sempre foi artesã, é uma fábrica de criatividade.

— Adoro dormir exausta.

CORREIO BRAZILIENSE - Espectros do passado

(28/9/2011) - É com liberdade e fluidez que o advogado e escritor Luis Carlos Alcoforado expressa sentimentos e vivências por meio da poesia. A publicação Escola de Fantasmas (Dom Quixote, 2011) é resultado desse processo criativo e será lançada hoje, às 19h, no Espaço Chatô (SIG, Q. 2, Lt. 340, sede do Correio Braziliense; 3214-1350). Esse é o terceiro livro de poemas, antecedido de E o mundo se vai (Letrativa, 2002) e Cenário de Palavras (Letrativa, 2005). Além disso, Alcoforado escreve peças teatrais.

As referências para a produção das poesias são baseadas em momentos significativos da vida de Alcoforado e “construídas na intercorrência de um período histórico”, sem seguir métricas ou escolas, e sim a presença de experiências passadas. “Eu acho que o processo de construção, que faz com que as palavras falem de um sentimento, tem toda a impulsão do passado. Por isso, digo que o passado é uma escola de fantasmas. Tudo está no nosso passado”, explica Luis Carlos.

Grande parte dessa compilação aborda o papel da memória, pois ele a concebe como algo determinante para compreender a existência. Cada pessoa está diretamente ligada à sua história. Os versos memoriais também dividem espaço com temas como desejos amorosos e de denúncia social, em que ele escreve sobre os direitos homoafetivos.

68 Reminiscências O contato com essa linguagem foi despertado na juventude, período no qual tinha contato com vários nomes da poesia. Ele diz que seria injusto eleger, somente, um ou alguns autores como construtores do seu “roteiro criativo”. Mas, admite uma admiração pela escrita apocalíptica de Augusto dos Anjos; pela “leveza mágica” de Cecília Meireles; também reconhece a obra de João Cabral de Melo Neto; e vê como um “poeta dos sentimentos”, que deixou uma obra consistente sobre a liberdade da alma e sobre “o aprisionamento que o amor nos põe”.

A poesia é o instrumento usado por Luis Carlos Alcoforado “para dialogar com o universo existencial do homem, ambiente de extrema complexidade intelectual, no qual parteja opiniões, você se insere socialmente, quebra com a neutralidade, com a ausência e fica presente no processo social. Eu a entendo como uma linguagem indispensável para o homem”.

Poema Escola de fantasmas Os caminhos estão fechados pela atuação Poderosa do passado, Que se renova na memória Perdida para provocar a dor da existência.

O passado é uma cruel escola de fantasmas Que se animam a conviver Como a eternidade de uma vida sem futuro.

Somos o futuro do passado, Sem correção para o presente do futuro, Envelhecido pelo tempo, Tempo sempre do passado.

O ESTADO DE S. PAULO - Glauber e os anos verdes

Biografia detalha da formação intelectual à sua consagração em Cannes

UBIRATAN BRASIL

(28/9/2011) Nelson Motta foi um dos jornalistas que, em 1964, assistiram assombrados à pré-estreia de Deus e o Diabo na Terra do Sol, vertiginoso exercício que se tornaria a obra máxima do cineasta . "Então com 25 anos, ele era um homem que impressionava pela inteligência e pela forte presença", lembra-se Motta, que iniciou ali uma amizade que durou até a morte do diretor, em 1981. "Conheci bem essa segunda fase de sua vida, mas me interessava a primeira, ou seja, a juventude." A curiosidade o levou às pesquisas e, depois de vários anos, Motta conseguiu concluir A Primavera do Dragão, que a editora Objetiva lança nesta semana.

Trata-se de uma detalhada descrição em tom romanceado dos anos verdes do cineasta que passou como um furacão pelas artes brasileiras, deixando rastros que modificaram e influenciaram carreiras diversas. Colunista do Estado, Motta relata desde o nascimento de Glauber, em 1939, quando quase matou sua mãe no parto, até a consagração no Festival de Cannes de 1964, onde, apesar de não levar nenhum prêmio relevante, conquistou prestígio e consolidou seu nome como um dos principais diretores do mundo naquela época.

Nelson Motta conta que o próprio Glauber não gostava de lembrar de seu passado, preferindo sempre tratar de projetos futuros. "Com isso, ele escondia histórias maravilhosas", observa. Como a

69 da precocidade intelectual - ainda moleque, ele impressionava os professores ao discutir sobre Nietzsche. A escola, aliás, era um palanque para sua rebeldia, traduzida nos virulentos discursos contra a forma como era praticado o ensino.

Mais curiosas, no entanto, são as histórias envolvendo o início de sua carreira cinematográfica. Barravento, seu primeiro longa-metragem, rodado em 1963, teve a providencial ajuda de outro cineasta, Nelson Pereira dos Santos, considerado o iniciador do Cinema Novo com Rio 40 Graus - diante do desespero de Glauber na sala de montagem, ele conseguiu alinhar as cenas de forma a terem coerência.

O filme foi dublado no Rio de Janeiro e, como não havia verba suficiente para levar os atores originais, Barravento ficou com as vozes da catarinense Edla van Steen e dos cariocas Norma Bengell e Jece Valadão. Glauber, no entanto, esqueceu de levar as anotações sobre os diálogos que, por terem sido improvisados, não batiam com os do roteiro. A solução foi contratar um surdo-mudo craque em leitura labial. "Pena que o surdinho fosse carioca e não entendesse o 'baianês' dos atores", escreve Motta. "Só a chegada de um deficiente auditivo baiano permitiu que os diálogos fossem recuperados e dublados."

A odisseia que marcou a realização de Deus e o Diabo, no entanto, ocupa boa parte do livro - e com justiça. Financiado por um playboy da sociedade, Gugu Mendes, interessado em ver sua namorada, a atriz Yoná Magalhães, no elenco, o filme que se tornaria um marco do cinema mundial foi rodado em Monte Santo, no sertão da Bahia, onde a filmagem foi acidentada. Afinal, logo no primeiro dia, a lente da câmera se quebrou, provocando um atraso de quatro dias na produção.

O mais difícil foi contar com o apoio da população local para trabalhar como figurante. Além de supersticiosos (temiam Antônio das Mortes), eles funcionavam melhor quando recebiam algo em troca, como latas de leite em pó. "Tudo conseguido por Gugu, que desviara do escritório político do pai", diverte-se Motta.

O aliciamento, aliás, era providencial pois, ao constatar que uma das principais cenas - a da multidão de fanáticos - ficara inutilizada por defeito da câmera, Gugu rifou duas máquinas de costura no povoado, o que atraiu mais interessados que os participantes da primeira rodagem.

Encerrado a tempo de ser inscrito para o Festival de Cannes, Deus e o Diabo precisava, para isso, ser legendado em francês. Descontente com a primeira versão, clássica e rebuscada, Glauber, que estava em Paris, contou com a ajuda de Vinicius de Moraes, que adorou o filme. O livro termina com a consagração do longa, mesmo sem nenhum prêmio. "Eu preferi escrever sobre a juventude de Glauber por ser uma fase mais feliz de sua vida", conta Motta, que iniciou o projeto em 1989, quando entrevistou amigos de Glauber que ainda estavam vivos.

Ao descobrir, porém, que o jornalista Zuenir Ventura também preparava uma biografia do cineasta, Motta desistiu. "Não podia competir com mestre Zu." Mas o colega também abriu mão do projeto ao ter todo seu material de pesquisa furtado. "Vinte anos depois, Zuenir me incentivou a retomar o livro. Achei que era chegada a hora de contar essa história."

FOLHA DE S. PAULO - Antes do mito

Novo livro de Nelson Motta reconstrói a precoce e turbulenta formação de Glauber Rocha

FABIO VICTOR

(28/9/2011) - Apresentado a Glauber Rocha na pré-estreia de "Deus e o Diabo na Terra do Sol" no Rio, em 1964, Nelson Motta estreitaria a partir dali sua relação com o cineasta.

Nos últimos anos de vida, Glauber (1939-1981) posfaciou o primeiro livro de Motta e, já amigos, eles foram vizinhos em Ipanema. Mas é sobre a fase anterior ao primeiro contato que Motta, 66, se debruçou para escrever "A Primavera do Dragão", espécie de biografia da infância e da juventude de Glauber, que sai pela editora Objetiva, coincidindo com os 30 anos da morte do diretor.

70 O livro vai do nascimento de Glauber à apresentação de "Deus e o Diabo..." em Cannes, em 64, que lançou o cineasta baiano ao mundo. Motta conta que focar esse período foi "uma maneira de fugir do final" da vida de Glauber, "uma época de muita incompreensão". "Teve o fracasso de 'A Idade da Terra' em Veneza, a mudança para Portugal, a morte. As lembranças que eu tinha do Glauber nos últimos anos eram tristíssimas."

Foi para descobrir a formação de Glauber e saber o que ele tinha lido, visto e ouvido que Motta iniciou o projeto. Tudo começou em 1989, quando o jornalista e produtor musical entrevistou a mãe de Glauber, Lucia Rocha, e amigos de infância e juventude do cineasta em Salvador.

Motta abortou seu plano ao saber que Zuenir Ventura preparava uma biografia de Glauber e o retomou quando o amigo desistiu do projeto.

Fracionado em capítulos curtíssimos, com fotos, o livro tem dois blocos mais significativos. No primeiro, Motta reconstrói a infância e adolescência de Glauber, empenhando-se em demonstrar o gênio precoce, que lia filosofia e fazia crítica de cinema aos 13 anos.

O segundo é dedicado aos bastidores da feitura de "Deus e o Diabo..." e à calorosa recepção em Cannes. Entre o homem em formação e a figura atormentada de que Motta buscou fugir, esteve Glauber no auge do cinema novo, com filmes como "Terra em Transe" (1967) e "O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro " (1969). Tudo isso ficou fora do livro. OUTROS

FOLHA DE S. PAULO – Barrados na Bélgica

Projeto de R$ 30 milhões, festival Europalia dispensa nomes mais ousados do país da lista que levará à Europa

SILAS MARTÍ

27/9/2011 - Maior e mais caro projeto da atual gestão do Ministério da Cultura, o festival Europalia, que começa na próxima terça em Bruxelas, chama a atenção pelos artistas que ficaram de fora de sua seleção.

Numa parceria entre os governos do Brasil e da Bélgica, a ideia era homenagear a produção cultural brasileira num grande evento europeu, mas produtores nacionais enfrentaram a resistência dos belgas para emplacar nomes mais ousados e experimentais na programação do festival, que custará aos cofres brasileiros R$ 30 milhões.

As 16 exposições de artes visuais, com cerca de 1.500 obras, entraram na lista, mas áreas como literatura, música, teatro e dança sofreram.

Segundo os brasileiros, os belgas queriam receber artistas mais populares na Europa, como Caetano Veloso, Gilberto Gil e .

71 "Isso existe mesmo, a visão dos belgas não é a mesma que a nossa, precisa haver um afinamento", admitiu a ministra da Cultura, Ana de Hollanda. "Não vou dizer que não houve divergências."

"Eles pedem o que conhecem e o que para eles é garantia de casa cheia", diz Benjamim Taubkin, responsável pela programação musical do festival. "A Europa tem suas inseguranças, vive sua crise."

Ficaram fora da lista de Taubkin músicos como Arrigo Barnabé, e Jards Macalé, além da execução do repertório erudito de Camargo Guarnieri. "Nem sempre eles estão tão abertos como a gente desejaria."

DESINTERESSE No caso da literatura, a curadora Flora Süssekind diz que viveu um processo "apavorante" e reclamou do lado belga. "São pessoas despropositadas, que não têm informação sobre o que está acontecendo", disse. "Tudo acontece à revelia do Europalia, eles têm total desinteresse."

Süssekind lembra que o foco dos belgas eram autores vivos e comerciais e que não houve interesse por nomes clássicos como Machado de Assis nem pela obra de pensadores como Sérgio Buarque de Hollanda e Gilberto Freyre.

No ponto mais crítico das negociações, acabou desistindo de usar o auditório do Bozar, um dos centros culturais mais importantes de Bruxelas, porque produtores de lá insistiam em receber o autor de "O Alquimista", na esperança de lotar sua sala.

"Disseram que não podiam receber ninguém menos que Paulo Coelho, então eu disse que não queríamos aquele espaço mais", diz Süssekind. "Achei sem graça."

Responsável pela programação teatral, João Carlos Couto diz que foi obrigado a procurar "coisas mais simples" para levar à Bélgica, dispensando peças de grupos como Os Fofos Encenam.

"Eles não foram porque as pessoas não entendiam o texto, era muito codificado para eles", diz Couto. "Insisti muito nisso e depois desisti, até porque não queria correr o risco de fazer um espetáculo para um teatro vazio."

FOLHA DE S. PAULO - Belgas admitem conhecer Brasil só pelos clichês

(27/9/2011) Diretora do Europalia, a belga Kristine de Mulder reconheceu, em entrevista à Folha, que houve discordâncias entre brasileiros e belgas na hora de fechar a programação do evento bienal, que recebeu investimento, do lado belga, de cerca de 13 milhões de euros (R$ 32,2 milhões).

"Existe simpatia na Europa pelo Brasil, o país do sol, das cores e ritmos", diz De Mulder. "Mas é um lugar conhecido por clichês, pelo samba, pelo futebol, pela criminalidade. No caso de arte e cultura, as pessoas sabem muito pouco."

Segundo ela, outro problema era conciliar a expectativa de público de centros culturais e teatros belgas e as ambições dos curadores brasileiros, que defendiam uma programação mais experimental.

"Houve muitas dificuldades e alguns mal-entendidos", diz a diretora. "Somos os organizadores aqui do lado belga, mas trabalhamos com uma rede de 250 centros culturais, teatros e cinemas, e o que estamos propondo exibir nesses espaços passa pela chancela deles." (SM)

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