UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA FACULDADE DE EDUCAÇÃO CURSO DE JORNALISMO

GENIVAN DIVINO FERNANDES JÚNIOR

AMOR NÃO PERMITIDO: UMA ANÁLISE ACERCA DA HOMOSSEXUALIDADE REPRESENTADA NA LIBERDADE, LIBERDADE

UBERLÂNDIA/MG 2021

GENIVAN DIVINO FERNANDES JÚNIOR

AMOR NÃO PERMITIDO: UMA ANÁLISE ACERCA DA HOMOSSEXUALIDADE REPRESENTADA NA TELENOVELA LIBERDADE, LIBERDADE

Monografia apresentada ao Curso de Jornalismo, da Universidade Federal de Uberlândia, como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Jornalismo. Orientadora: Prof.ª Dr.ª Adriana Cristina Omena dos Santos.

UBERLÂNDIA/MG 2021 GENIVAN DIVINO FERNANDES JÚNIOR

AMOR NÃO PERMITIDO: UMA ANÁLISE ACERCA DA HOMOSSEXUALIDADE REPRESENTADA NA TELENOVELA LIBERDADE, LIBERDADE

Monografia apresentada como exigência parcial para a obtenção do título de bacharel em Jornalismo pela Universidade Federal de Uberlândia.

Uberlândia, 10 de junho de 2021.

BANCA EXAMINADORA

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Prof.ª Drª Adriana Cristina Omena dos Santos - UFU Orientadora

______

Prof.ª Drª Ana Paula de Moraes Teixeira - UFU Examinadora

______Prof.ª Drª Mirna Tonus - UFU Examinadora

Dedico esta monografia à minha avó que se foi pouco antes de eu iniciar o curso, mas sei que de onde estiver está orgulhosa de mim.

AGRADECIMENTOS

Agradeço primeiramente aos meus pais, pois sem eles nada disso seria possível, foi graças a toda estrutura e apoio que me proporcionaram nesses mais de quatro anos, que me permitiu chegar até aqui. À minha tia, que sempre tinha palavras de apoio e conforto nos momentos que mais precisava e ao meu irmão por sempre me incentivar e apoiar em todas as minhas decisões. Agradeço aos amigos que estiveram comigo durante todo esse tempo, eles sabem quem são, em especial à Vanessa, que é minha companhia desde o início desta jornada, sendo meu suporte e aguentando minhas loucuras, e ao Pedro, que chegou um pouquinho mais tarde, mas logo ganhou meu coração, sempre me ouvindo e me entendendo. Com ambos tive a chance de saber o poder que a amizade tem em nossas vidas. Embora tenha me afastado no decorrer do curso, agradeço também à Cecília, que foi essencial para que eu não desistisse do curso logo no primeiro ano. Sou grato também a todos os professores com quem tive a chance de me descobrir jornalista, mas em especial a três mulheres, são elas, Raquel Timponi, que me apresentou ao universo da pesquisa e me deu tantos conselhos em um momento que me encontrava perdido e cheio de dúvidas existenciais quanto ao meu futuro, não que hoje eu saiba o que quero da vida, mas nossas conversas foram muito importantes. Diva Silva, por todo o carinho, acolhimento e compreensão que recebi durante toda a graduação, principalmente enquanto petiano no PET Conexões de Saberes: Educomunicação, e, por último, mas não menos importante Adriana Omena, por quem sempre nutri grande admiração, mas nunca imaginei que estaria comigo em um momento tão importante como este, te agradeço por ter acreditado em mim e pela confiança em me orientar em um tema que não se inseria nas suas pesquisas no momento. A todos, sou imensamente grato.

FERNANDES JÚNIOR, G. D. Amor não permitido: Uma análise acerca da homossexualidade representada na telenovela Liberdade, Liberdade. 2021. 87 p. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Jornalismo) – Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, 2021.

RESUMO

O presente trabalho de conclusão de curso investiga de que maneira são apresentados os conceitos relacionados à homossexualidade na telenovela Liberdade, Liberdade. Para alcançar os objetivos propostos, discorre-se sobre os conceitos de telenovela, homossexualidade e heteronormatividade, por meio de uma contextualização dos termos do passado ao presente. Os resultados alcançados baseiam-se em uma análise documental e descritiva, que por meio da análise de conteúdo dos capítulos da obra nos permitiu inferir sobre como era a vivência homossexual no período em que a novela é ambientada (século XIX), bem como refletir sobre as determinações culturais, sociais e históricas daquela época.

Palavras-chave: Telenovela. Homossexualidade. Heteronormatividade. Liberdade, Liberdade.

FERNANDES JÚNIOR, G. D. Amor não permitido: Uma análise acerca da homossexualidade representada na telenovela Liberdade, Liberdade. 2021. 87 p. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Jornalismo) – Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, 2021.

ABSTRACT

The present work to conclude a research course in which the concepts related to homosexuality in the soap opera Liberdade, Liberdade are needed. To achieve the proposed objectives, the concepts of soap opera, homosexuality and heteronormativity are discussed, through a contextualization of the terms from the past to the present. The results achieved are based on a documentary and descriptive analysis, which, through the content analysis of the chapters of the critical work, inferred us about what the homosexual experience was like in the period in which the novel is set (19th century), as well as reflecting on cultural, social and historical determinations related to the time.

Keywords: Soap opera. Homossexuality. Heteronormativity. Liberdade, Liberdade.

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Cartaz veiculado na época de exibição de 2-5499 ocupado 17 Figura 2 - Cartaz veiculado na época de exibição de O direito de nascer 18 Figura 3 - Cartaz veiculado na época de exibição de Beto Rockfeller 20 Figura 4 - Cartaz veiculado na época de exibição de Irmãos Coragem 22 Figura 5 - Morte de Odete Roitman em Vale Tudo 23 Figura 6 - Mães na Candelária durante exibição de Explode Coração 25 Figura 7 - Logotipo da novela Liberdade, Liberdade 27 Figura 8 - Mimi fica nua na frente de André 51 Figura 9 - André ensinando tabuada a Mimi 52 Figura 10 - André após conversar com Ascensão e espiando Saviano e Luanda 53 Figura 11 - André contemplando o corpo de Tolentino 54 Figura 12 - André admirando Saviano 54 Figura 13 - André se despedindo do amigo e se questionando na Igreja 56 Figura 14 - Tolentino descobrindo André 56 Figura 15 - André chora a morte do pai 59 Figura 16 - André e Tolentino se acariciam 59 Figura 17 - Gironda flagra André e Tolentino se beijando e o fidalgo é preso 60 Figura 18 - Enquanto se reconciliam, André e Tolentino são interrompidos por Otto 64 Figura 19 - André recebe a extrema unção e é levado à forca 65 Figura 20 - André é enforcado 67

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ...... 10 2 O CAMPO DA TELENOVELA E O OBJETO DE ESTUDO ...... 13 2.1 BREVE CONTEXTUALIZAÇÃO DA TELENOVELA ...... 13 2.1.1 O Melodrama ...... 13 2.1.2 Do melodrama e o romance-folhetim às ...... 14 2.2 A TELENOVELA TOMADA COMO OBJETO DE ESTUDO ...... 26 3 HOMOSSEXUALIDADE E HETERONORMATIVIDADE: CONTEXTO HISTÓRICO E CONTEMPORÂNEO ...... 29 3.1 A HOMOSSEXUALIDADE NO BRASIL COLÔNIA ...... 31 3.1.1 Origem bíblica da expressão sodomia ...... 33 3.1.2 A Santa Inquisição levada pelas Ordenações do Reino Português ...... 33 3.2 PERSONAGENS LGBTQIA+ NAS TELENOVELAS DA REDE GLOBO ...... 39 4 A HOMOSSEXUALIDADE NA TELENOVELA “LIBERDADE, LIBERDADE” ..... 45 4.1 DESCRIÇÃO DA PESQUISA ...... 45 4.2 ANÁLISE DE CONTEÚDO COMO PROPOSTA METODOLÓGICA ...... 45 4.3 A HOMOSSEXUALIDADE EM LIBERDADE, LIBERDADE ...... 47 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ...... 68 REFERÊNCIAS ...... 70 APÊNDICE A - CATEGORIAS DE ANÁLISE DOS CAPÍTULOS E CENAS DE LIBERDADE, LIBERDADE ...... 75 10

1 INTRODUÇÃO

A primeira participação de um personagem homossexual nas telenovelas da Rede Globo deu-se em 1970, com o costureiro Rodolfo Augusto interpretado pelo ator Ary Fontoura, na telenovela das 22h Assim na Terra como no Céu. De lá para cá, 50 anos se passaram e a presença desse personagem ainda suscita debates. Por ser um meio de comunicação massivo, a televisão tem função crucial na produção e circulação de significados e sentidos, ela chega a milhões de brasileiros pautando e orientando debates no cotidiano. Dentro da comunidade LGBTQIA+ (lésbicas, gays, bissexuais, transexuais, queer, intersexo, assexual), a presença de personagens homossexuais em telenovelas apresenta uma série de consequências que afetam não apenas a sociedade heteronormativa, mas também a imagem que os homossexuais têm de si mesmos. Além disso, as discussões sobre os personagens expandem-se para outros produtos da cultura da mídia, como os jornais, programas televisivos, redes sociais e portais de notícias. A partir da década de 1980, com a criação da Constituição Federal de 1988 e o fim da censura, os personagens LGBTQIA+ foram ganhando maior importância nas telenovelas e seriados, e, nos dias atuais, sua presença é maior do que em qualquer outro período. Silva (2015) catalogou 126 personagens LGBTQIA+ que participaram de 62 novelas da Rede Globo entre 1970 e 2013, e somente na década de 2010, os personagens mais que dobraram nessas produções em comparação aos anos 2000. Sobre a presença dos personagens LGBTQIA+ nas telenovelas, Trevisan (2018) diz que um caso homossexual se tornou instituição dentro das telenovelas, sendo usado em momentos pertinentes de modo a garantir o crescimento de audiência das emissoras. Com relação a isso, no dia 12 de julho de 2016, quando no capítulo 54 de Liberdade, Liberdade, objeto de estudo desta pesquisa, ocorreu a primeira cena de sexo gay em um folhetim brasileiro, a trama marcou 17 pontos de média na Grande São Paulo, a segunda maior audiência desde sua estreia – em abril – para uma terça-feira, e 22 pontos no Rio de Janeiro, recorde da telenovela para o dia da semana (SEXO, 2016). A telenovela Liberdade Liberdade foi exibida em 67 capítulos no horário das 23h em 2016 e é ambientada na virada do século 18 para o 19, na capitania de Vila Rica, em Minas Gerais. Mais especificamente, o foco principal desta pesquisa se dará no personagem André Raposo Viegas, interpretado pelo ator , sendo um dos destaques da trama e irmão da protagonista Rosa. André tenta esconder de todos sua homossexualidade e quer a todo custo ter 11

a aprovação do pai, contudo, com sua sensibilidade, ele se mantém distante da brutalidade típica dos homens da época. No final da trama, ele é preso e enforcado pelo crime de sodomia. A telenovela, portanto, é ambientada no período em que o Brasil era colônia e a homossexualidade considerada crime hediondo (SILVA, 2015). Conforme, Lopes (2019) explica, o Tribunal do Santo Ofício exerceu forte pressão para evitar a homossexualidade e aos que contrariavam as regras baseadas na doutrina católica e impostas pelo Estado cabiam severas punições que iam desde açoites públicos até a tortura explícita; confisco de bens; degredo; auto de fé; e a temida morte na fogueira. Partindo desse cenário, o ponto a ser explorado é: de que maneira são apresentados os conceitos relacionados à homossexualidade na telenovela Liberdade, Liberdade? Nesse contexto, a presente pesquisa justifica-se não apenas em razão das telenovelas serem o principal produto de ficção seriada no Brasil, e há décadas se manterem como o produto cultural de ficção mais assistido, mas também pelo fato desse gênero televisivo estimular o desenvolvimento da indústria audiovisual latino-americana, ao combinar os avanços tecnológicos da mídia com as velharias e anacronismos narrativos, que fazem parte da vida cultural desses povos, propiciando o debate sobre a cultura contemporânea que se contorna com as matrizes culturais desses países (MARTÍN-BARBERO; REY, 2001). Além disso, as ficções seriadas, em especial as telenovelas brasileiras, têm suas narrativas perpassadas em hábitos, costumes e valores do país, logo ela é um produto que possibilita inúmeras descobertas a partir dos estudos dos elementos que a constitui, sendo, portanto, elementos importantes para discussão e debates sobre a cultura de massa. Ademais, numa rápida varredura pelo catálogo de dissertações e teses do portal da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), é possível verificar que a telenovela já foi objeto de centenas de pesquisas acadêmicas nos últimos anos. Assim, esta pesquisa pretende ser mais uma a se inserir nos estudos de gênero e telenovela, visto sua relevância, que poderá servir de material para auxiliar futuros pesquisadores. Nesse sentido, a pesquisa tem como objetivo geral analisar as construções visuais (imagem) e textuais (verbais/palavras) sobre a homossexualidade do personagem André, em Liberdade, Liberdade. Para atingir o objetivo geral, foram necessários os seguintes objetivos específicos: 1) Acompanhar analiticamente o desenvolvimento do personagem André e, consequentemente, a progressão do tema da homossexualidade na trama; 2) Examinar a composição cênica (cenários, figurinos, etc.) nas cenas em que André é o protagonista; 12

3) Refletir sobre as determinações culturais, sociais e históricas brasileiras sobre a masculinidade e a homossexualidade na trama dessa telenovela e presentes ainda hoje na sociedade brasileira; 4) Investigar como a novela faz uma leitura de temas contemporâneos num enredo de época (século XIX).

Nessa perspectiva, o percurso metodológico da pesquisa envolveu-se em fazer um levantamento bibliográfico acerca dos conceitos de telenovela, homossexualidade e heteronormatividade para subsidiar a análise do objeto. Assim, além da introdução, os capítulos desta monografia subdividem-se em trazer o campo da telenovela e o objeto de estudo, visando apresentar uma breve contextualização da história do gênero e a obra que será analisada. Na seção seguinte, busca-se discorrer sobre o contexto histórico e contemporâneo da homossexualidade, bem como a heteronormatividade, afinal, sendo uma trama de época, entender essas concepções se mostrou necessária para analisar a abordagem dada ao tema da homossexualidade na novela. Além disso, analisou-se como se deu a representação dos personagens LGBTQIA+ nas telenovelas da Rede Globo ao longo das décadas. Após isso, o percurso metodológico e a análise são evidenciados, por meio da pesquisa de conteúdo, que Bardin (2011) diz se tratar de uma investigação objetiva e sistêmica de descrição dos conteúdos dos meios de comunicação com o intuito de obter indicadores que permitam a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção e recepção dessas mensagens. Foi feita uma análise do material selecionado, baseando-se na categorização dos capítulos, tempo/minutagem, contexto e descrição das cenas, expressões verbais e expressões não-verbais, além da inferência e a interpretação dos resultados, para entender de que maneira eram apresentados os conceitos relacionados à heteronormatividade e à homossexualidade em Liberdade, Liberdade. Por último, são apresentadas as considerações finais e referências utilizadas na pesquisa, seguido do apêndice que permitiu as análises.

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2 O CAMPO DA TELENOVELA E O OBJETO DE ESTUDO

2.1 BREVE CONTEXTUALIZAÇÃO DA TELENOVELA

No Brasil, por ter grande aceitação popular e contar com sua exibição diária como forma de prender a atenção do público, a telenovela tornou-se o principal produto de ficção televisiva. Com 70 anos de história a serem completados em dezembro de 2021, o modelo brasileiro de telenovela caracteriza-se como uma história contada por meio de imagens televisivas, com diálogo e ação, uma trama principal e muitas subtramas que se desenvolvem, se complicam e se resolvem no curso de sua apresentação (PALLOTTINI, 1998). Dentro dos estudos sobre telenovelas, há uma tendência a focalizar o melodrama e o folhetim como suas principais instituições fundadoras. Ainda que ocorra a existência de uma continuidade entre os gêneros, obviamente, ao longo dos anos foram ocorrendo inúmeras rupturas e descontinuidades, além de uma forte influência das radionovelas. Devido a isso, faz- se necessária uma breve contextualização sobre os gêneros:

2.1.1 O Melodrama

O termo melodrama foi criado em 1790 e referia-se aos espetáculos populares que ocorriam na França e Inglaterra (MARTIN-BARBERO, 1997). Através de apresentações ocorridas em meio à Revolução Francesa e encenadas ao ar livre por ruas e praças, ele nascia para um público popular, já que os teatros oficiais eram reservados às classes altas. No melodrama, o povo entrava em cena: “as paixões políticas despertadas e as terríveis cenas vividas durante a Revolução exaltaram a imaginação e exacerbaram a sensibilidade de certas massas populares que afinal podem permitir encenar suas emoções” (MARTIN-BARBERO, 1997, p. 158). Martin-Barbero diz que essa cumplicidade com um público popular e o tipo de delimitação cultural traçado pelo gênero permitiu colocar o melodrama no movimento que o levaria do popular ao massivo. O melodrama, em sua versão teatral de 1800, desenvolve uma série de formas narrativas e estratégias cênicas com o objetivo de expressar os anseios da população, no entanto, sem deixar de captar sua atenção e o interesse (SOUZA, 2004). Tendo o medo, entusiasmo, dor e riso como temas fundamentais, as histórias tinham em comum os discursos moralizantes entre o bem e o mal, além da reparação de injustiças e busca da realização amorosa. 14

2.1.2 Do melodrama e o romance-folhetim às telenovelas

Nos anos 1830, nasce nos rodapés dos jornais franceses o folhetim como o primeiro texto escrito no formato popular de massa. O gênero romance-folhetim, no entanto, só ganharia espaço em 1836, quando ocorre a transformação dos jornais em empresas comerciais, e jornais como o La Presse e Le Scièle incluem a publicação de narrativas escritas por novelistas da moda. Com o surgimento dos romances-folhetins, as tiragens dos jornais sofreram enormes mudanças devido a um aumento na sua circulação. As paredes de Paris ficaram cheias de anúncios divulgando as famosas histórias ficcionais e seriadas, que se consolidaram baseadas na fórmula do “continua amanhã” (MARTÍN-BARBERO, 1997). Em 1843 surge Os Mistérios de Paris de Eugene Sue, e em 1844 Os Três Mosqueteiros e O Conde de Monte Cristo, de Alexandre Dumas, três grandes clássicos do gênero que serviriam de base tanto para construção narrativa como para temáticas que seriam vistas em telenovelas mais de cem anos depois. Tendo seu advento dado num contexto de transformação radical da sociedade francesa, em que assuntos como fait divers1, moda e crime se tornam parte do interesse do grande público, os romances-folhetins se afastam da cultura erudita ou tradição popular e o público devora os jornais, assim como anseiam pelas peças teatrais. De acordo com Silva (2005), são inúmeras as apropriações feitas pelo folhetim em relação ao melodrama. Os folhetins passam a se apoderar dos enredos, personagens, linguagens e ambientação, já vistos no melodrama, em que a luta entre o bem e o mal se orientavam no herói, na heroína e no vilão. Souza (2004) afirma que nessa época já havia a realização conjunta de obras, em que autores como Alexandre Dumas escreveu em conjunto com redatores, um paralelo com o que ocorre hoje nas telenovelas. Ainda no que diz respeito à produção dos folhetins em comparação ao principal produto de ficção seriada brasileira, a autora complementa: Seria possível observar semelhanças com as telenovelas no que diz respeito à organização mercantil, senão fabril, da sua produção. Em primeiro lugar, tanto o folhetim, quanto a radionovela e a telenovela se transformam em devoradores dos seus respectivos veículos, quer dizer, eles ganharão tamanha importância econômica que os veículos se colocarão numa relação de dependência diante das rentabilidades que passaram a proporcionar. (SOUZA, 2004, p. 88).

1 A expressão francesa, que significa “fatos diversos”, é um jargão jornalístico utilizado para identificar aquelas notícias que só são destacadas pelos jornais porque são curiosas e/ou inusitadas. 15

A partir dos anos 1940, especialmente no Brasil, o folhetim impresso foi sendo substituído por tecnologias como o rádio, abrindo espaço para o surgimento das radionovelas. Elas surgem no país financiadas por grandes agências publicitárias, como a Lintas (Gessy- Lever) e Standard Propaganda (Colgate-Palmolive), que objetivavam trazer o gênero para ampliar seu mercado de bens domésticos, especialmente entre as mulheres (ORTIZ, 1989). Assim, em 1941, são lançadas A predestinada pela Rádio São Paulo e Em busca da pela Rádio Nacional, tendo como padrão as temáticas folhetinesca e melodramática e como público-alvo as donas de casa. Essas agências publicitárias criam seus próprios departamentos de rádio e passam a operar como produtoras, adaptando os principais textos que eram sucesso na América Latina, como em O direito de nascer, levado ao ar em Cuba no ano de 1948, e reproduzido nas rádios do México, Colômbia e Bolívia antes de chegar ao Brasil (ORTIZ, 1989). De acordo com Borelli e Mira (1996), nessa época, os ouvintes ainda podiam ter estímulos de sua imaginação e criatividade, o que de certa forma mantinha uma proximidade com o folhetim. Com o advento das telenovelas nos anos 1950, quando além do som o ouvinte passa a usar outro sentido como a visão, esse fio condutor imaginário que ligava o espectador aos folhetins e radionovelas foi rompido. Sobre a aproximação entre os gêneros, Martín-Barbero e Rey (2001) afirmam: A radionovela começou a mobilizar audiências importantes de uma maneira persistente, a gerar cerimônias de sua recepção, que só teriam equivalentes – pela força de suas adesões e pelo acompanhamento de suas entonações – nos movimentos das audiências do melodrama, que se expressam em fenômenos como a ressemantização do melodrama, relocalizando-o de outro modo na cotidianidade, nas emoções postas nas venturas ou desventuras dos personagens ou na fratura apaixonada das regulações do tempo para seguir os avatares do drama. Mas não foram somente essas as razões para a conexão entre radionovela e telenovela. Foram, sem dúvida, as proximidades dos relatos, as conexões vitais que suas dramaturgias expressavam: do amor à aventura, da transgressão das normas às afirmações do institucional. Existiam, decerto, outros motivos que consolidaram as conexões: uma boa parte dos atores da televisão havia tido experiência nas radionovelas e os fervores que estas últimas suscitavam foram, pouco a pouco, se deslocando para os melodramas televisionados. (MARTÍN-BARBERO; REY, 2001, p. 143).

Com o surgimento das telenovelas, por um momento, elas passaram a coexistir em concomitância com as radionovelas, fazendo com que houvesse um intercâmbio entre autores e atores. Assim, em 1951, a primeira telenovela brasileira, Sua Vida me Pertence, de Walter Forster, foi produzida e exibida pela extinta TV Tupi, de 21 de dezembro de 1951 a 8 de fevereiro de 1952. Levada ao ar no horário das 20h, a trama era apresentada ao vivo e exibida 16

duas vezes por semana, sendo encenada por radialistas, com um elenco de grandes nomes dos radioteatros e telenovelas como Vida Alves, Lima Duarte e Lia de Aguiar. Na década de 1950, as radionovelas ainda dividiam espaço com um público que começava a transicionar para a televisão. Todavia, durante esse momento, a telenovela ainda se desenvolvia dentro de uma televisão amparada pela improvisação, tanto técnica quanto organizacional e empresarial (ORTIZ, 1989). É somente a partir da década de 1960 que ocorre o declínio das radionovelas, quando se tem início à fabricação em série de aparelhos televisivos, embora ainda estivesse longe de cobrir todo o país. Com o advento do videoteipe na década de 1960, já era possível fazer com que a televisão tivesse uma memória viva em suas fitas de vídeo, revolucionando o modo de se fazer TV, de modo que os erros de improvisação da televisão ao vivo não chegassem mais aos telespectadores, e permitindo que determinados programas tivessem uma maior circulação. O fato de a telenovela ter se tornado um programa diário está diretamente ligado a esse campo de transformação. Nesse contexto, para as telenovelas, a chegada do videoteipe representou a possibilidade de inserção de cenas externas e efeitos que até então não eram efetuados nas produções. Logo, em 1963, chega nas telas da TV Excelsior a telenovela 2-5499 ocupado, uma trama argentina de Alberto Migré adaptada por Dulce Santucci e protagonizada pelo casal Glória Menezes e Tarcísio Meira, que trazia a atriz vivendo uma presidiária chamada Emily, que trabalhava como telefonista de um presídio, e o ator, interpretando Larry. Na trama, Larry apaixona-se por Emily por um único contato, sua voz ao telefone, sem saber qual é a real condição em que a personagem se encontra. Inicialmente, a novela era levada ao ar com três capítulos por semana, mas que passada a fase de experimentação, passou a ser transmitida diariamente de segunda à sexta-feira.

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Figura 1 - Cartaz veiculado na época de exibição de 2-5499 ocupado

Fonte: Pesquisa documental.

Nesse momento, o sucesso das telenovelas diárias é rápido e aos poucos o público começa a se habituar aos horários que foram sendo fixados pelas emissoras diariamente, sendo, portanto, parte de uma grade horizontal. Então, o vínculo com as agências publicitárias vistas anteriormente nas radionovelas volta a aparecer, pois empresas como Gessy-Lever, Colgate- Palmolive e Kolynos-Van Ess as consideravam a melhor maneira de divulgar seus produtos na televisão, o que pôde ser observado durante toda a década de 1960 (ORTIZ, 1989). Devido a isso, a autora cubana Glória Magadan desembarca no Brasil em 1964 para se tornar supervisora da seção internacional de novelas da Colgate-Palmolive, antes de ser contratada em 1965 para escrever novelas na Rede Globo. As agências, assim como faziam na era do rádio, importavam inúmeros originais cubanos, mexicanos e venezuelanos que eram vendidos para serem adaptados no Brasil (ORTIZ, 1989). É dentro dessas empresas patrocinadoras que são revelados inúmeros autores brasileiros, que mais tarde passariam a escrever suas próprias novelas, como é o caso de Benedito Ruy Barbosa. Entre o final de 1964 e início de 1965, o país já dispunha de 598 mil aparelhos de televisão, enquanto muitas emissoras já haviam se ramificado pelo território nacional 18

(MEDEIROS, 2001). Exibida entre dezembro de 1964 e agosto de 1965 pela TV Tupi, o sucesso de O direito de nascer na rádio repetiu-se em sua primeira adaptação para televisão, tornando- se o primeiro marco da teledramaturgia nacional.

Figura 2 - Cartaz veiculado na época de exibição de O direito de nascer

Fonte: Pesquisa documental.

Borelli Filho, um cronista da Revista do Rádio, descreveu em setembro de 1964 o que preferiu denominar de “A Doce Epidemia das Novelas”: Os senhores dirão que estamos exagerando, mas verdade é que as novelas em TV, por obra não se sabe do que, viraram epidemia neste país. É uma doença agradável, que se contrai com prazer e alcança foros epidêmicos que ultrapassam a imaginação. Famílias inteiras se prostram diante do televisor e acompanham, do neto ao avô, aqueles episódios de folhetim eletrônico. Em consequência alteram-se os hábitos seculares de famílias quatrocentonas. O jantar, servido antigamente às 20h, desceu para às 17, porque pouco depois começarão os romances seriados na TV. (BORRELLI apud ORTIZ, 1989, p. 62).

O último capítulo do drama da TV Tupi encheu o Maracanã de fãs que desejavam ver os atores de perto. Os artigos nos jornais apontavam que as crianças passaram a nascer com o nome de Albertinho Limonta, protagonista da trama, o que revelava que o gênero estava se 19

solidificando e conquistando cada vez mais adeptos, se manifestando como uma verdadeira “mania nacional” (ORTIZ, 1989; MEDEIROS, 2001). Contudo, ainda era possível observar que a produção de novelas demonstrava a falta de um modelo de produção que racionalizasse uma relação entre durabilidade e custo operacional que permitisse determinar qual o número de capítulos necessários para que uma história se auto sustentasse. Nessa época, aparecem novelas com apenas 30 e 50 capítulos e outras que variavam de 150 a 200, até as mais longas, como Redenção que, exibida entre 1966 e 1968, foi finalizada com incríveis 596 capítulos, tendo o mesmo elenco (ORTIZ, 1989). O autor diz que apenas na década de 1970 há uma definição quanto ao número de capítulos ou duração ideal de cada novela. Pallottini (1998) diz que é consenso que a telenovela brasileira tenha por volta de 160 capítulos, e que cada capítulo tenha, em média, 45 minutos, embora muitas tramas fujam dessa norma vigente, conforme agradam o telespectador, sendo as vezes esticadas ou cortadas. O mercado da ficção seriada encontra-se em constante transformação para reconquistar a audiência que há alguns anos vem deixando de consumir novelas e televisão. O objeto de estudo desta monografia, um folhetim de 67 capítulos, é uma dessas obras que foge à regra, pois o horário das 23h foi revisitado com a intenção de atingir um novo público. Do mesmo modo, as telenovelas apresentavam problemas não apenas em relação ao número de capítulos, mas também aos horários em que eram exibidas, que iam desde às 14h30 até às 22h. Na época, ainda não se tinha uma clareza do público que se pretendia atingir, o que será melhor resolvido na década de 1970, por meio de sua horizontalização na grade do Sistema Globo de Televisão (ORTIZ, 1989). Com Beto Rockfeller da TV Tupi, em 1969, há uma inovação no estilo de fazer telenovelas no país e a trama é considerada até hoje um divisor de águas da teledramaturgia nacional. Sua sinopse era a história de um trambiqueiro que se passava por milionário. Escrita por Bráulio Pedroso, baseada na ideia de Cassiano Gabus Mendes, a novela fez tanto sucesso que anos depois fizeram sua continuação, intitulada A Volta de Beto Rockfeller (1973), sem o mesmo sucesso da anterior.

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Figura 3 - Cartaz veiculado na época de exibição de Beto Rockfeller

Fonte: Pesquisa documental.

Beto Rockfeller inova não apenas ao fazer uma ruptura com os diálogos formais vistos até então, por meio da proposição de uma comunicação coloquial com o uso de jargões e expressões populares, mas também com a introdução de temas do cotidiano da época, fazendo com que a audiência se identificasse com o que assistia. Por meio disso, a telenovela consegue romper com o tradicional estilo sustentado no melodrama e abrir um formato que passou a ser seguido pelas demais emissoras, com o ritmo mais rápido e a substituição do dramalhão pela realidade cotidiana. Assim, aos poucos, a telenovela brasileira vai se afastando do melodrama e o momento abre portas para tramas mais conectadas ao ambiente cultural do momento, com anti-heróis, cotidiano e trilhas de sucesso, um período que pode ser chamado de abrasileiramento do gênero (ORTIZ, 1989). Transmitida no horário nobre, a telenovela passa a ser o produto pelo qual as emissoras concorrem entre si, sendo fundamental na distribuição dos horários na grade das estações televisivas, tornando o produto mais rentável e de maior audiência da TV brasileira, em que se mantém desde então. Martín-Barbero e Rey (2001) afirmam que o gênero estimula o desenvolvimento da indústria audiovisual latino-americana, ao combinar os avanços 21

tecnológicos da mídia com as velharias e anacronismos narrativos, que fazem parte da vida cultural desses povos, propiciando o debate sobre a cultura contemporânea que se contorna com as matrizes culturais desses países. Entre as décadas de 1970 e 1980, há um período de grandes transformações entre as emissoras que produziam ficção seriada no país. Se antes as TVs Excelsior e Tupi figuravam entre as maiores produtoras do gênero, a situação se inverte em favor da Rede Globo na década que segue. A cassação da TV Excelsior em 1969, principal produtora do gênero, que vinha desde 1965 enfrentando um embate com o regime militar, fez com que a Rede Globo se acendesse como a emissora mais importante na produção ficcional de telenovelas, pois a Record permanecia com suas exibições irregulares e a Bandeirantes lança apenas Asas para voar em 1970, voltando a se aventurar no universo folhetim apenas em 1979, com Cara a Cara de Vicente Sesso. Assim, a Tupi é a única emissora que permanece no jogo para competir de igual para igual com a emissora de Roberto Marinho, até sua falência em 1980 (ORTIZ, 1989). Nesse período, o que se pôde observar foi a consolidação do gênero telenovela na Rede Globo bem como o seu poder de influenciar os lares brasileiros (SOUZA, 2004). É na década de 1970 que a telenovela se consolida como um produto comercial, seriado e ficcional no Brasil. Desde então, por meio dela, a televisão passa a reforçar seu espaço no cotidiano dos sujeitos (MARQUES; LISBÔA FILHO, 2012). Os anos 1970 são marcados também pela institucionalização das tradicionais faixas horárias, que de acordo com Ferreira e Santana (2013) até hoje faz com que os telespectadores adquiram o costume de “se expor diariamente à telenovela de acordo com seu estilo e gosto pelas modalidades de conteúdos apresentados”, que segundo os autores, se subdividem em: Faixa das seis: geralmente dirigida aos jovens e donas de casa, com adaptações literárias ou históricas; Faixa das sete: normalmente direcionada para os adolescentes, donas de casas e mulheres que trabalham fora de casa, com histórias leves, atuais, românticas e temperadas com humor; Faixa das oito ou das nove: tem como público-alvo o núcleo familiar em geral, com enredos direcionados a adultos. A faixa de horário teve seu nome alterado em 2011 de faixa das oito para as nove, a partir da exibição de Insensato Coração; Faixa das dez ou das onze: direcionada ao público constituído por adultos, ela é a quarta faixa horária que esteve no ar de 1965 a 1979 e ressuscitada em oportunidades específicas com 22

Eu Prometo, de Janete Clair (1983), e Araponga, de Dias Gomes (1990), e entre 2011 e 2018, como forma de experimentação. Entre as transformações ocorridas no período, a alteração do modo de se fazer telenovelas brasileiras, não se restringiu apenas às preocupações quanto à nacionalização do texto, linguagem e temáticas que refletissem o que se vivesse na época. As mudanças também foram sentidas no público, que a partir da exibição de Irmãos Coragem (1970), quando pela primeira vez uma trama ultrapassa os 85% de audiência, houve um aumento significativo de interesse do público masculino, que passaram a assumir que acompanhavam os folhetins. O que começa a romper com o mito criado desde as radionovelas, de que as tramas eram coisas de mulher. Dentre os fatores que podem ser usados para explicar o envolvimento do público masculino está a inserção do futebol na novela de Janete Clair (ORTIZ, 1989).

Figura 4 - Cartaz veiculado na época de exibição de Irmãos Coragem

Fonte: Pesquisa documental.

Outra novela importante para teledramaturgia brasileira foi Selva de Pedra da mesma autora, que chegou a atingir 100% de audiência na cidade do Rio de Janeiro em 4 de outubro de 1972, durante a exibição do seu 152º capítulo. Outro marco que merece ser ressaltado 23

ocorreu em 1973 quando foi produzida O Bem Amado, de Dias Gomes, primeira novela exibida a cores e a ser exportada, pois antes só se exportavam os textos. A partir daí as tramas passam a ser vendidas para o mercado internacional. Mais um ponto que marca a trajetória da telenovela no país ocorreu em 1975, com , de Dias Gomes, que teve uma versão proibida, quando já haviam sido gravados 30 capítulos e estava pronta para ser levada ao ar. O fato deu-se após a Censura Federal constatar de que se tratava da adaptação de um texto teatral vetado anteriormente, o que fez com que uma nova novela fosse escrita às pressas para substituí-la. Em seu lugar, Janete Clair desenvolveu , mas antes, para preencher o buraco deixado na programação, foi exibido um compacto de Selva de Pedra, primeira novela a ser reexibida, em função de seu sucesso na exibição original. Uma sátira à exploração política e comercial da fé popular, Roque Santeiro volta a ter uma nova versão gravada em 1985, quando o país já se encontrava em processo de redemocratização. Em 1988, tornando-se cada vez mais explícitas as referências nacionais, Gilberto Braga mobiliza o país com a telenovela Vale Tudo, que na reta final ocupou as primeiras páginas e esteve em pauta nas principais revistas e jornais da época, com o mistério de “Quem matou Odete Roitman?" (HAMBURGER, 2005).

Figura 5 - Morte de Odete Roitman em Vale Tudo

Fonte: Captura de tela feita pelo autor por meio do serviço de streaming da Globoplay.

De produções promocionais para divulgação de produtos das agências publicitárias, nesse meio tempo, as tramas passaram a ser reconhecidas como um espaço legítimo para a 24

mobilização de diferentes modelos da compreensão nacional e expressão das diferentes formas de estrutura familiar e relações de gênero (HAMBURGER, 2005). Após uma passagem pela Manchete, quando escreveu Pantanal (1990) e pela primeira vez desde a década de 1970, uma emissora conseguiu bater de frente com a Globo, Benedito Ruy Barbosa volta à emissora líder com o status de estrela. O autor já havia tentado emplacar o projeto na Globo, mas tinha sido rejeitado. Como grande reviravolta, para 2022, em comemoração aos 70 anos da telenovela brasileira, a emissora pretende fazer um remake da obra que recusou mais de 30 anos atrás (NOVELA, 2020). De volta à Globo, Benedito escreve para o horário nobre: (1993), (1996) e Terra Nostra (1999), três das novelas mais populares dos anos 1990, em que o autor trata de temas como a luta pela terra e reforma agrária. Em O Rei do Gado, o autor gerou um merchandising social2 e propaganda inédita ao Movimento Sem Terra (MST), fazendo com que a trama atuasse sobre a agenda política do momento. Com relação às referências ao universo exterior, podemos observar que as telenovelas deixam de serem apenas parâmetros de moda e comportamento e passam a ter um papel social, como interventora na história e de prestação de serviços. O merchandising social é marca de autores como Gloria Perez, que já em 1992, ao abordar a temática do transplante do coração em De Corpo e Alma, encoraja a doação de órgãos (HAMBURGER, 2005). Em Explode Coração, que foi ao ar em 1995, a autora abre espaço para que mães divulgassem as fotos de seus filhos desaparecidos, tendo como cenário as escadarias da Candelária no Centro do Rio de Janeiro, a locação aludia à Chacina da Candelária ocorrida em 1992, quando militares assassinaram meninos de rua em frente àquela igreja.

2 Entende-se por merchandising social as ações inseridas nas novelas que promovem a discussão e a conscientização ou despertam a curiosidade de questões de interesse social ou que estão em pauta na sociedade. 25

Figura 6 - Mães na Candelária durante exibição de Explode Coração

Fonte: Captura de tela feita pelo autor por meio do serviço de streaming da Globoplay.

A discussão ganhou a mídia na época e a exposição de fotos durante os capítulos fez com que crianças desaparecidas fossem encontradas, conseguindo promover o reencontro de mães e filhos. Diversos telespectadores entraram em contato com a emissora, dando pistas que pudessem levar ao reencontro das crianças desaparecidas e, nesse momento, a telenovela conseguiu atuar como intermediária mais eficiente que a polícia e o judiciário (HAMBURGER, 2005). Em 2001, na novela , a autora abre discussões sobre a dependência química, por meio da personagem Mel, interpretada por Débora Falabella, que era uma jovem rica que se envolvia com drogas. Em suas novelas subsequentes, Gloria Perez continuou atuando como mediadora social: Em América (2005), com as dificuldades dos imigrantes; em Caminho das Índias (2009), a autora preocupou-se em tratar das doenças mentais; em (2013), a protagonista é vítima de uma rede de tráfico de pessoas; e em A Força do Querer (2017), Gloria Perez traz o tema da transexualidade, bem como o vício em jogos. Contudo, a autora não é a única a ousar incursionar em suas histórias temáticas sociais. 26

Entre 2011 e 2018, como forma de experimentação, novamente a faixa das onze esteve no ar com tramas mais curtas e a Rede Globo exibiu as novelas: O Astro (2011), Gabriela (2012), Saramandaia (2013) e (2014), refilmagens de grandes sucessos da década de 1970; e (2015) e Liberdade, Liberdade (2016), histórias inéditas. Além de (2017) e (2018), quando a Globo passou a adotar o termo supersérie para as tramas desse horário. No entanto, de acordo com Lima e Néia (2018), a utilização da nomenclatura tinha mais objetivos mercadológicos e de atrair um novo público do que se referir a mudanças nas estruturas seriadas e temático-narrativas das ficções, sendo, portanto, telenovelas mais curtas. O horário das 23h foi outra vez extinto em 2018, com a exibição de Onde Nascem os Fortes. É nessa faixa de horário que a telenovela objeto de estudo desta pesquisa foi exibida. As telenovelas, ainda nos dias de hoje, têm demonstrado sua capacidade de inovação na relação entre o diálogo e a composição visual de suas narrativas. Ao longo de quase 70 anos, elas ganharam visibilidade como agente central do debate sobre a cultura brasileira e a identidade do país. Por meio das telenovelas é possível fazer uma discussão de temáticas e problemas históricos e atuais, pois suas tramas são em geral representadas como tendências intrínsecas e simultâneas da sociedade brasileira (LOPES, 2003). Alçada à posição de principal produto de uma indústria televisiva de grandes proporções, a novela passou a ser um dos mais importantes e amplos espaços de problematização do Brasil (LOPES, 2003). Por isso, cabe a esta pesquisa avaliar como a questão da homossexualidade e as questões intrínsecas que a envolve foram retratadas na telenovela Liberdade, Liberdade, considerando o contexto em que o tema foi debatido, bem como o momento em que a trama é ambientada.

2.2 A TELENOVELA TOMADA COMO OBJETO DE ESTUDO

Liberdade, Liberdade é uma telenovela de 67 capítulos, exibida entre 11 de abril e 4 de agosto de 2016, no horário das 23h. Escrita por Mário Teixeira baseada no argumento de Márcia Prates, livremente inspirada no livro ‘Joaquina, Filha do Tiradentes’, de Maria José de Queiroz. O texto tem colaboração de Sérgio Marques e Tarcísio Lara Puiati e direção artística de Vinicius Coimbra. A trama é ambientada na virada do século 18 para o 19, na capitania de Vila Rica, em Minas Gerais, período em que o Brasil era colônia e a homossexualidade considerada crime 27

hediondo (SILVA, 2015). De acordo com Green (2000), entre 1587 e 1794, a inquisição portuguesa registrou 4.419 denúncias de práticas homossexuais, destas 394 foram a julgamento e 30 pessoas acabaram queimadas. Liberdade, Liberdade se passa em um momento que o país passa a ser a capital da coroa portuguesa, após um período de revolução, do movimento da Inconfidência Mineira e de outros movimentos que buscavam a Independência do Brasil. Sendo dividida em duas fases.

Figura 7 - Logotipo da novela Liberdade, Liberdade

Fonte: Captura de tela feita pelo autor por meio do serviço de streaming da Globoplay.

Na primeira fase, que se passa em 1792, Joaquina (Mel Maia), filha de Tiradentes (Thiago Lacerda) e Antônia (Letícia Sabatella) fica órfã de pais e é levada para Portugal por Raposo (Dalton Vigh), um minerador simpatizante da causa dos inconfidentes, que a pedido da mãe, cuida da menina como se fosse sua filha. Em sua segunda fase, Raposo é um nobre da coroa portuguesa, que pelas riquezas adquiridas ao longo dos anos, tornou-se um importante fidalgo. Raposo; Joaquina (Andreia Horta) que agora se chama Rosa; seu filho André (Caio Blat) e Bertoleza (Sheron Menezes), negra alforriada criada como filha, chegam ao Brasil com a comitiva que foge de Napoleão Bonaparte em 1808. Na cidade de Vila Rica, ele encontra-se com sua irmã Dionísia (Maitê Proença) que havia ficado no país para cuidar de seu patrimônio. Apenas em 1830, no Brasil Imperial, o código penal eliminou a sodomia como crime, mas estabeleceu artigos que acabaram criminalizando a prática homossexual, como a previsão de punição para atos públicos de indecência (SILVA, 2015). Portanto, o fato de o personagem 28

André ser homossexual não é nada favorável, e antes dele assumir para si e para todos a sua sexualidade, o personagem tenta esconder de todos a homossexualidade. A análise feita nesta monografia levará em conta o elencamento de cenas-chave para a construção e descrição do personagem André. Para efeito da pesquisa, serão elencadas as cenas em que o personagem está em cena, estando presente ou sendo citado/mencionado; e cenas dele com Tolentino, que surge como um amigo para André e depois acaba tendo um envolvimento amoroso com o personagem. Os critérios de inclusão e exclusão para definição do corpus (quais cenas com esses personagens serão observadas) estão melhor definidos no capítulo metodológico.

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3 HOMOSSEXUALIDADE E HETERONORMATIVIDADE: CONTEXTO HISTÓRICO E CONTEMPORÂNEO

Baseado na constatação de que os papeis sexuais masculino e feminino têm diferentes significados de geração para geração, cultura e período, pode-se perceber que em cada sociedade, classe social e região, homens e mulheres apresentam comportamentos diferentes. Assim como na definição desses papeis, a noção de homossexualidade e heteronormatividade é construída historicamente no interior de tais sociedades (FRY; MACRAE, 1991). Assim, em cada sociedade, milhões de pais criam inúmeras expectativas sobre seus filhos e, desde o berço, estes são criados para seguirem uma “norma” e instruídos sobre o que é comportamento de “menino” e de “menina”, como o modo de se portar, roupas, corte de cabelo e na divisão do trabalho doméstico. Para Butler (2013), essas performances, já pré- determinadas, são definidas como heterossexualidade compulsória, segundo ela “essas ações têm dimensões temporais e coletivas, e seu caráter público não deixa de ter consequências; na verdade, a performance é realizada com o objetivo estratégico de manter o gênero em sua estrutura binária” (BUTLER, 2013, p. 200). Como consequência, diversas crianças são submetidas a pressões psicológicas e até mesmo repreensão caso apresentem algum desvio que difere do costume, para que possam retomar o que seria considerado “normal” (FRY; MACRAE, 1991). Dessa forma, a homossexualidade é vista como fuga à norma e, consequentemente, como um desvio que precisa ser novamente reparado ao que seria o padrão. Este capítulo pretende debruçar-se sobre a questão da homossexualidade, não por meio de um debate sobre sua origem, razões ou motivos, que vem historicamente sendo explorados por médicos e psicólogos nos seus estudos, mas tomá-la aqui como parte de nossa sociedade em seu sentido mais amplo. Nesta é normal pensar que o homossexual masculino seja afeminado e a homossexual feminina máscula, assim, é contínua a perpetuação de pensamentos de uma sociedade machista, que no papel de modelo ideológico oferece representações de identidade para sujeitos homens, mulheres e até mesmo homossexuais, em que seus papeis seguem heteronormatizados. No Brasil, como nossa cultura é vasta e diversa, existem vários papeis que os homossexuais desempenham. Não obstante a isso, esses papeis de gêneros são socialmente construídos e mutáveis no tempo e no espaço. Para Louro (2001 apud DARDE, 2008): [...] a sexualidade tem a ver com a forma como socialmente vivemos nossos prazeres e desejos, com a forma como usamos nossos corpos. Então, homens 30

e mulheres não deixam de ser masculinos ou femininos por exercerem sua sexualidade com parceiros do mesmo sexo. Há muitas formas de masculinidade e feminilidade, mas a sociedade reproduz e mantêm apenas uma forma de cada um como “normal”. (LOURO apud DARDE, 2008, p. 227).

Fundamentados em um padrão normativo ocidental hegemônico, a heteronormatividade enxerga a heterossexualidade como norma na sociedade e marginaliza as outras orientações sexuais que divergem desse tipo de comportamento. Ao pressupor que esse comportamento é a norma, o padrão heteronormativo hierarquiza e atribui valores aos sujeitos, às feminilidades, às masculinidades, aos arranjos socioafetivos e familiares, à sexualidade e às relações de poder (DARDE, 2008). Com isso, os indivíduos acabam internalizando no subconsciente algumas características e qualidades que podem ou não estar em consonância com a realidade e o ambiente em que se vive. A performance de gênero reitera os papeis sexuais binários, inviabilizando a interpretação de outros. Entretanto, sabe-se que os corpos não cumprem totalmente a norma imposta e, por isso, podem requerer para si outras expressões sexuais.

O fato de a realidade do gênero ser criada mediante performances sociais contínuas significa que as próprias noções de sexo essencial e de masculinidade ou feminilidade verdadeira ou permanentes também são constituídas, como parte estratégia que oculta o caráter performativo do gênero e as possibilidades performativas de proliferação das configurações de gênero fora das estruturas restritivas da dominação masculinista e da heterossexualidade compulsória (BUTLER, 2013, p. 201).

Constantemente se tem o costume de supor que atributos relacionados à sensibilidade, emoção, delicadeza, cuidado e submissão são hábitos associados ao papel da mulher, enquanto a agressividade, força, egoísmo, poder e competição são convenções ligadas à figura masculina. O que leva a refletir sobre a forte influência que o padrão heteronormativo tem na sociedade com relação à assimetria dos papeis de gênero de acordo com a lógica de estereótipos. No entanto, quando se analisa o corpo social, a realidade pode ser bem distinta. No Brasil, a cultura enraizada na sociedade está intimamente ligada aos ensinamentos da igreja, que elevou a homossexualidade à categoria de ‘pecado’ e prática ‘antinatural’. Assim sendo, a influência dos católicos e protestantes na visão da sociedade influenciou muito no desenvolvimento da homofobia, ou seja, uma aversão à homossexualidade (DARDE, 2008). O fato é que ao se revisitar a história, encontram-se muitas passagens que apresentam a existência da homossexualidade, bem como as formas de relação homossexuais encaradas pela 31

sociedade. Como a trama da novela, objeto de estudo desta monografia, se passa em uma época que o Brasil era colônia de Portugal e a homossexualidade considerada crime hediondo, faz-se necessário contextualizar o que foi esse período.

3.1 A HOMOSSEXUALIDADE NO BRASIL COLÔNIA

A homossexualidade, que sempre foi um tema polêmico dentro da Igreja Católica, era conhecida, até o século XIX, pelas expressões “sodomia”, “pederastia” ou “pecado nefando”. Ainda hoje é um tema polêmico, principalmente no meio religioso, sobretudo cristão, sendo vista por muitos como um comportamento desviante e pecaminoso que carrega vestígios do passado de uma Igreja que perseguiu e condenou aqueles que atentassem contra os dogmas religiosos. Mesmo que o Papa Francisco tenha, recentemente, se pronunciado de forma mais progressista, como: “os homossexuais têm o direito de ter uma família. Eles são filhos de Deus e também têm esse direito. Ninguém deve ser expulso ou miserável por isso” (JULIÃO, 2020), no documentário “Francesco” do cineasta Evgeny Afineevsky, lançado em 2020, até o momento existem poucas mudanças efetivas dentro da Igreja, que ainda permanece visivelmente homofóbica e carregando muitos resquícios da época em que era assumidamente ultraconservadora. No Brasil, o processo de colonização portuguesa, no começo do século XVI, convergiu com o período de criação do Tribunal do Santo Ofício da Inquisição, em 1536. Monitorada pela Igreja e o Estado português, tais instituições eram responsáveis por perseguir, julgar e punir aqueles que iam contra a doutrina católica, tendo como principais alvos os cristãos-novos, judeus que foram convertidos de forma obrigatória ao cristianismo, mas que praticavam sua religião em segredo (LOPES, 2019). Contudo, não demorou muito para que os delitos inquisitoriais fossem ampliados e o tribunal passasse a investigar os que também praticassem sodomia. Tal pecado referia-se tanto às práticas de sexo oral e anal heterossexual, dentro ou fora do casamento, como principalmente o relacionamento entre pessoas do mesmo sexo (LOPES, 2019). Durante a Idade Moderna, o pecado da sodomia foi amplamente utilizado pelo Santo Ofício para condenar aqueles que eram considerados devassos. A Inquisição determinou severas penas para os que fossem culpados pelo pecado nefando que iam desde açoites públicos até a tortura explícita; confisco de bens; degredo; auto de fé – que consistia em um julgamento 32

no qual o réu deveria pedir perdão pelos seus pecados e receber sua sentença –; até a morte na fogueira (LOPES, 2019). Ainda que Portugal não tenha instituído uma base do Tribunal no Brasil, a Inquisição se fez presente por meio de uma abrangente cadeia de colaboradores que executavam suas atividades estimulando a denúncia e a confissão entre os cidadãos que aqui viviam. Segundo as Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia, elaboradas por D. Sebastião Monteiro da Vide em 1807, o crime de sodomia tratava-se de um pecado “indigno de ser nomeado”, conforme o título XVI acerca “dos delitos da carne'' e “como deve se proceder no crime de sodomia”: E tão péssimo, e horrendo o crime da Sodomia, e tão encontrado com a ordem da natureza, e indigno de ser nomeado, que se chama nefando, que é o mesmo que pecado, em que se não pode falar, quanto mais cometer. Provoca tanto a ira de Deus, que por ele vem tempestades, terremotos, pestes, e fomes, e se abrasaram, e soverteram cinco Cidades, duas delas somente por serem vizinhas de outras, onde ele se cometia. Sobre o dito crime fez o Santo Pio V duas Constituições, em que ordenou o modo que se deve observar no castigo dos Clérigos culpados neste delito, e os Reis deste Reino com santo zelo impetrarão da Sé Apostólica, que para melhor ser castigado este nefando delito, se cometesse o castigo dele aos Inquisidores Apostólicos do Tribunal do Santo Oficio, como se fez por um Breve do Papa Gregório XIII. (VIDE, 1853, p. 331-332).

O Sínodo baiano era o mais importante no Brasil, bem como seu Arcebispo coordenador do Episcopado brasileiro, portanto fazendo com que as constituições eclesiásticas promulgadas em Salvador valessem para as demais dioceses do país, afinal, consistia numa única província religiosa (TREVISAN, 2018). Nesse contexto, é de suma importância para a pesquisa, haja vista o período retratado na novela analisada (Liberdade, Liberdade), conhecer as constituições do Arcebispado baiano em que se afirmava: Por tanto ordenamos e mandamos que se houver alguma pessoa tão infeliz, e carecida do lume da razão natural, e esquecida de sua salvação, (o que Deus não permita) que ouse cometer um crime que parece feio até ao mesmo Demônio, vindo a notícia do nosso Provisor, ou Vigário Geral, logo com toda a diligência, e segredo se informem, perguntando algumas testemunhas exatamente; e o mesmo farão nossos Visitadores, e achando provado quanto baste, prendam os delinquentes, e os mandarão ter a bom recado, e em havendo ocasião, os remetam ao Santo Oficio com os autos de sumário de testemunhas, que tiverem perguntado: o que haverá lugar no crime da Sodomia própria, mas não na imprópria, que comete uma mulher com a outra, de que ao diante se tratará. (VIDE, 1853, p. 331-332).

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3.1.1 Origem bíblica da expressão sodomia

Nas escrituras sagradas, o termo sodomia originalmente está relacionado à destruição das cidades de Sodoma e Gomorra, além de outras cidades do Vale do Sidim narradas no livro de Gênesis do Antigo Testamento. Acerca do assunto, Lopes (2019) informa que: Segundo essa passagem bíblica, Ló, sobrinho de Abraão, hospedara em sua casa dois anjos que foram lhe avisar do castigo de Deus que cairia dos céus sobre sua cidade, devido aos pecados que aquela população estava entregue. Ao saber da hospedagem, uma turba irada de homens moradores de Sodoma tentou invadir a casa de Ló com a intenção de violentar os hóspedes angélicos. Ló saíra para defendê-los, oferecendo suas duas filhas que ainda “não conheciam homens”, mas o grupo lançou-se contra ele, ao passo que os anjos o puxaram rapidamente para dentro da casa e feriram os agressores, milagrosamente, com a perda da visão. No dia seguinte, depois dos anjos apressarem a saída de Ló, sua esposa e suas duas filhas da cidade por atestarem sua bondade e integridade, Sodoma teria sido destruída com uma chuva de fogo e enxofre. (LOPES, 2019, p. 21-22).

A interpretação dada pelos teólogos da Igreja Católica foi a de que a multidão de moradores enfurecidos pretendia fazer um ataque aos visitantes com o intuito de estuprá-los, chegando ao veredito de quão habituais eram em ter relações homossexuais, fator decisivo para a punição impiedosa de Deus. Essa explicação foi usada como justificativa histórica para perseguição aos homossexuais (LOPES, 2019). Contudo, Boswell (1985 apud VAINFAS, 2017) diz haver uma leitura distorcida por parte de alguns apóstolos e teólogos que leram essa parte do Antigo Testamento sugerindo que a hostilidade dos habitantes da cidade contra os anjos e a destruição divina da cidade se referia apenas ao fato dos habitantes daquela cidade não acolherem bem os estrangeiros e a dura desaprovação da tradição judaica a tais atitudes.

3.1.2 A Santa Inquisição levada pelas Ordenações do Reino Português

Tendo atingido seu ápice na Idade Moderna, nota-se que foram durante as ordenações do Reino Português – Ordenações Afonsinas (1446), Ordenações Manuelinas (1521) e as Ordenações Filipinas (1603) – que ocorreram o agravamento das perseguições aos sodomitas. De acordo com Lopes (2019, p. 32), elas “reiteravam o discurso da tradição cristã ao associar o pecado nefando aos castigos divinos, entendido como um atentado contra a natureza e contra a Lei de Deus, seu criador”. 34

Cabe ressaltar que nas Ordenações Afonsinas – publicadas em 1446 no reinado de Afonso V –, as penas já eram tão severas que condenava à fogueira todo homem praticante de tal ato, independentemente da posição social. Nas Ordenações Manuelinas – publicadas em 1521, sob o reinado de d. Manuel – manteve-se a fogueira para os contraventores, além de equiparar o crime de sodomia ao de lesa-majestade (quem cometesse um ato sodomítico sofreria as mesmas sanções de quem traísse a pessoa do rei) e o confisco de bem pela coroa (GOMES, 2010). Ademais, os filhos e descendentes eram condenados à infâmia, não sendo mais aptos a ocupar cargos públicos, havendo também um estímulo à delação por meio de recompensas. Quanto aos parceiros dos sodomitas, o Código Manuelino previa que em caso de delação que resultasse na prisão do acusado, lhe fosse perdoada toda pena cível, independente se houvessem cometido o crime antes da promulgação, ou se por acaso houvessem cometido após ela. A partir das ordenações Manuelinas, as regras também passaram a equivaler para mulheres, já que a sodomia feminina passou a ser julgada pelas Ordenações Régias (GOMES, 2010). As Ordenações Filipinas, editadas em Portugal no início do século XVII, solicitadas por Filipe I, mas somente publicadas em 1603, no reinado seguinte, foram as que vigoraram por mais tempo, ao longo de mais de dois séculos, estas ratificaram todas as penas anteriores, independente se eram homens ou mulheres os acusados. Para os delatores, no entanto, houve o aumento da premiação, se no Código Manuelino era previsto um terço da fazenda do réu ou cinquenta cruzados como recompensa, daí em diante a lei previa o recebimento da metade da fazenda do réu condenado ou cem cruzados, pagos pelo próprio poder real, quando o culpado não possuísse fazenda e já estivesse preso. Manteve-se a pena anterior de confisco de bens e degredo para sempre do Reino Português para quem soubesse e não delatasse aqueles que fossem suspeitos de sodomia (LOPES, 2019). Além disso, as Ordenações Filipinas passaram a criminalizar o pecado de molície, como nos casos em que pessoas do mesmo sexo apenas se masturbassem entre si, o que não estava incluído nas duas ordenações anteriores, prevendo o castigo de degredo para as galés e outras penas extraordinárias, de acordo com a maneira e perseverança do pecado (LOPES, 2019). Com relação ao pecado de molície, este também constava na Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia: É também gravíssimo pecado o da molície, por ser contra a ordem da natureza, posto que não seja tão grave como o da Sodomia, e bestialidade. Portanto ordenamos, que as mulheres, que uma com outra cometerem este pecado, sendo-lhes provado, sejam degradadas por três anos para fora do Arcebispado, e em pena pecuniária; as quais penas se devem moderar, conforme a qualidade da prova, e mais circunstâncias. E sendo homens, que com outros cometerem 35

o dito pecado da molície, serão castigados gravemente com as penas de degredo, prisão, galés e pecuniária. E sendo Clérigos, além das ditas penas, serão depostos do ofício, e Benefício. E os que forem convencidos de cometerem pecado contra, ou prater naturam por qualquer outro modo, serão gravemente castigados a nosso arbítrio. (VIDE, 1853, p. 333-334).

Segundo Lopes (2019), pode-se constatar que apesar de estar em consonância com as Ordenações Filipinas, as Constituições do Arcebispado da Bahia mostraram-se mais severa na punição ao pecado de molície cometido entre homens, prevendo não só o degredo de galés, como a prisão e pena pecuniária. No geral, para os crimes de sodomia bastava uma testemunha de acusação, contudo, para que essas infrações fossem provadas, passou a ser imposta a presença de duas testemunhas, que o código se preocupava em garantir o sigilo. A lei também previa a possibilidade de tortura para que o acusado denunciasse o companheiro. Normalmente, a punição à sodomia não era suscetível de misericórdia, mesmo que os suspeitos fossem nobres ou funcionários da Coroa. No decorrer dos códigos filipinos, também foram proibidos que homens fizessem o uso de trajes femininos e mulher trajes masculinos, bem como o uso de máscaras, com exceções em ocasiões de festas, jogos e procissões da Igreja (TREVISAN, 2018). De acordo com Alves (2011), muitos adeptos da sodomia já chegaram ao país adeptos do pecado nefando que vinham praticando desde que moravam na Europa, por isso, o crime atingia principalmente a parcela branca da população das diversas idades e classes sociais. Dentre eles, havia aqueles que desde crianças nutriam interesse por pessoas do mesmo sexo e não se envolviam com as do sexo oposto e os considerados bissexuais, que praticavam relações tanto com o sexo masculino como feminino. Alguns homens chegaram a se casar com mulheres, mas continuavam mantendo as relações nefandas. É notável que os regimentos internos do Santo Ofício de 1640 delegava aos inquisidores investigar cada denúncia ou confissão a fim de descobrir a consumação ou não do ato sodomítico praticado, especialmente entre dois homens. As punições pela Inquisição brasileira foram as mais variadas: aos que confessassem voluntariamente suas culpas pela primeira vez, seriam apenas advertidos para que nunca mais cometessem o ato. Caso fossem delatados, não seriam castigados com uma pena pública, porém teriam penas mais brandas. Eram muitos aqueles que se apresentavam espontaneamente com medo das penas inquisitoriais (LOPES, 2019). Vainfas (2017) chama atenção para os eventuais problemas intrínsecos à documentação inquisitorial, pois eles podiam refletir não o que de fato ocorria nas relações sexuais, mas o que os agentes do poder que produzia as fontes julgavam por bem registrar. Aos acusados pela 36

primeira vez que confessassem seus crimes de modo incompleto em frente às alegações dos denunciantes, eram castigados com tortura. Àqueles que apresentados de forma primária, mas fossem devassos no pecado, assim como os que confessassem pela segunda vez, mas não tivessem testemunhas, seriam degradados para outras cidades e estados do Brasil ou para países da África em segredo, pena que também era aplicada para os confidentes com provas insuficientes e sendo pessoas qualificadas (LOPES, 2019). No entanto, àqueles que apresentados pela segunda vez: Com provas convincentes, os condenados teriam a maior pena pública extraordinária: se fossem pessoas qualificadas ouviriam suas sentenças na sala do Santo Ofício e teriam a pena de desterro; fossem pessoas ordinárias, seriam condenados em açoites e degredo de galés. Porém, sendo sodomitas considerados escandalosos publicamente ou muito devassos no crime nefando, de qualquer qualidade que fossem, seriam relaxados ao braço secular e seus bens confiscados pela Coroa. Quanto aos apresentados pela terceira vez, se confessassem suas culpas sem testemunhas do terceiro lapso e sem provas contra eles, além da confissão, seriam condenados com pena pública arbitrária, e não sofreriam a terrível pena capital. Mas, tendo provas legítimas do terceiro lapso, seriam relaxados à justiça secular, sendo entendidos como “incorrigíveis” e, por isso, condenados com o “rigor da lei” e com o confisco de todos os bens (LOPES, 2019, p. 40-41).

Pode-se inferir, assim, que a penalidade máxima da fogueira era determinada aos que, apresentados pela segunda e terceira vez, possuíssem contra si provas legítimas de tais pecados, por isso tido como incorrigíveis, quanto aos chamados presos convictos (LOPES, 2019). No último regimento, aprovado em 1774, houve diversas mudanças, na tentativa de assegurar a defesa do réu, com a intenção de submetê-la ao Estado, o que permitiu que a Inquisição durasse até o ano de 1821. Entre as novas determinações estavam: a abolição do segredo processual; a proibição da possibilidade de condenar com base em testemunhos singulares; a condenação da tortura; supressão da inabilitação dos condenados e dos seus descendentes; a condenação da impossibilidade de recurso para o Tribunal Superior da Coroa; e a permissão de escolha livre do advogado de defesa (LOPES, 2019, p. 43).

Segundo Green (2000), entre 1587 e 1794, os tribunais inquisitoriais portugueses registraram 4.419 denúncias de práticas homossexuais, destas 394 foram a julgamento e 30 pessoas acabaram queimadas, no entanto, não há registros de que homossexuais no Brasil tenham sido condenados à fogueira durante o período inquisitorial. Contudo, de acordo com Alves (2011), ocorreram mortes de alguns sodomitas: para ser exato, foram duas execuções, segundo Luiz Mott, a primeira ocorreu 1613 em São Luís do Maranhão um índio Tupinambá, infamado como tibira, foi amarrado na boca de um canhão sendo seu corpo estraçalhado com o estourar do morteiro, e o segundo em 1678, um jovem negro, escravo, foi morto de açoites por ter cometido o pecado de sodomia (ALVES, 2011, p. 8). 37

Logo, o Tribunal do Santo Ofício da Inquisição executou seus poderes em Portugal e em todas as suas colônias por quase três séculos, adequando-se aos diferentes contextos culturais, sociais e políticos, no período que se estendeu de 1536 a 1821, até que o tribunal já não era mais cabível, em meio às revoluções e ao princípio liberal que ecoava pelo continente europeu (LOPES, 2019). No Brasil, a Constituição do Império promulgada após a Independência de 1822 atualizava em linhas gerais as Ordenações Filipinas. No entanto, apenas em 1830 foi elaborado um novo Código Criminal no Brasil Imperial, eliminando a sodomia como crime, mas estabelecendo artigos que acabaram criminalizando a prática homossexual, como a previsão de punição para atos públicos de indecência (SILVA, 2015). Não havia menção explícita à homossexualidade, mas a homofobia ficava subentendida, assim, era claro que o país não havia sido liberto dos preconceitos morais referentes às relações sexuais entre pessoas do mesmo sexo, pelo contrário, o preconceito estava bastante arraigado na nossa sociedade, após séculos de dominação de poder da Igreja Católica, fazendo com que muitos homossexuais, sejam por serem afeminados, se prostituírem ou demonstrarem afeto, fossem vítimas da legislação vigente. Tal situação persistiu por muitos anos, ainda no século XIX e início do século XX, campos de estudo como a Medicina e Psicologia começaram a estudar as manifestações homossexuais, que deixaram de ser vistas como pecado e passaram a ser tratadas como doença, surgindo o termo “homossexualismo” e aumentando os casos de preconceito (BILESKI, 2018). Segundo o autor, na tentativa de curar comportamentos que eram tidos como “desviantes”, “perversos” e “anormais”, foram criados diversos tipos de tratamentos que usavam da tortura, como “o confinamento em hospícios, a prática da lobotomia, da castração, do transplante de testículos, as sessões de eletrochoques e a técnica de aversão” (BILESKI, op. cit.). Ainda de acordo com o autor, apenas no século XX as possibilidades de igualdade passaram a ser vislumbradas e somente em 1990 a Organização Mundial da Saúde (OMS) retirou a homossexualidade da lista internacional de doença, um passo importante, mas que não significou a conquista e garantia dos direitos e deveres de cidadãos homossexuais. Em 1995, as relações homossexuais passaram a ser determinadas como “transtornos de preferência sexual”, com o seu sufixo “-ismo” sendo substituído por “-dade” (caracterizando um “modo de ser”), dando maior sutileza ao termo, diminuindo a ideia de que a homossexualidade seria uma doença (BILESKI, op. cit.). 38

Segundo Facchini (2009), a partir da década de 1990, o movimento passa a diversificar os grupos de referência ao seu sujeito político. Até o ano de 1993, o movimento era descrito predominantemente como Movimento Homossexual Brasileiro (MHB), depois de 1993, ele é reconhecido como Movimento de Gays e Lésbicas (MGL). Após 1995, ele aparece inicialmente como um movimento Gays, Lésbicas e Travestis (GLT) e a partir de 1999 começa a se delinear como um movimento Gays, Lésbicas, Bissexuais e Transgêneros (GLBT), transitando de GLTB ou LGBT, a partir de hierarquizações e com objetivos de visibilização dos segmentos. De acordo com Facchini e França (2009, p. 63): Em 2005, o XII Encontro Brasileiro de Gays, Lésbicas e Transgêneros aprova o uso de GLBT, incluindo oficialmente o B de bissexuais à sigla aceita no país e convencionando que o T se refere a travestis, transexuais e transgêneros. A solução provisória encontrada pelo XII EBGLT foi posteriormente revogada e, em 2008, o evento já se chamava EBLGBT (Encontro Brasileiro de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais). A sigla do EBLGBT acompanhou mudança ocorrida em meados do ano de 2008, a partir da Conferência Nacional GLBT, quando, não sem alguma polêmica, foi aprovado o uso da sigla LGBT para a denominação do movimento, o que se justificaria pela proposta de visibilizar o segmento das lésbicas.

Preocupado em proporcionar maior inclusão às orientações sexuais e às identidades de gênero que divergem do padrão heteronormativo, baseado no binarismo de que há apenas masculino e feminino, o movimento ativista vem incluindo novas letras na sigla que segue em constante mudança, como o “I’ de intersexo, “Q” de queer, “A” de assexual e “+” das outras sexualidades não representadas, além da indicação de possibilidade da inclusão de novas orientações e identidades. Atualmente, convém o uso de LGBTQIA+3 para designar o movimento. Deve-se ter em mente que se trata de uma designação aberta e sempre plausível de mudanças (BORTOLETTO, 2019). Bortoletto (op. cit.) ainda afirma que é a atual militância da comunidade a principal responsável pela difusão da ideia de orientação sexual, surgida como uma forma de rebater o termo comumente usado como "opção sexual”, refutando a criminalização e medicalização.

3 Lésbicas (L) e gays (G) são mulheres e homens que sentem atração afetiva/sexual por pessoas do mesmo gênero que o seu; bissexuais (B) são homens e mulheres que sentem atração afetiva/sexual por ambos os gêneros – até aqui se referindo a grupos associados à orientação sexual. Para a sigla T (transexuais e travestis), diferente das anteriores, não se refere à orientação sexual do sujeito, mas à sua identidade de gênero, assim, corresponde às pessoas que não se identificam com o gênero atribuído em seu nascimento. Queer (Q) são pessoas que transitam entre as noções de gênero, como as drag queens, conceito este que defende que a orientação sexual e identidade de gênero não são resultados da funcionalidade biológica, mas de uma construção social. Intersexo (I) remete às pessoas que estão entre o feminino e o masculino, em que suas combinações biológicas e desenvolvimento corporal (cromossomos, genitais, hormônios, etc.) não se enquadram na norma binária (masculino ou feminino). Assexual (A) remete a pessoas que não sentem atração afetiva/sexual por outra pessoa, independente de orientação sexual e identidade de gênero. O símbolo + é utilizado para incluir outros grupos e variações de sexualidade e gênero, como os pansexuais, que sentem atração por outras pessoas independente do gênero. 39

3.2 PERSONAGENS LGBTQIA+ NAS TELENOVELAS DA REDE GLOBO

Todo o contexto histórico apresentado anteriormente foi necessário para que fosse possível entender em qual período histórico se passa a telenovela. A partir de agora, o objetivo é analisar como se deu a representação dos personagens LGBTQIA+ (lésbicas, gays, bissexuais, transexuais, queer, intersexo, assexual) nas telenovelas da Rede Globo. Hoje, sabe-se que o padrão heteronormativo não comporta o contexto social contemporâneo e que entre os gêneros masculino e feminino há uma gigantesca quantidade de manifestações socioculturais que vão muito além das definições que nos são apresentadas desde a infância. Para o entendimento dessa questão no produto da mídia mais consumido da televisão brasileira, é importante ressaltar que para este estudo serão consideradas, principalmente, a representação dos personagens gays nas telenovelas, pois é a homossexualidade masculina um dos pontos centrais de problematização deste trabalho. Acerca do assunto, Silva (2015) afirma que a primeira participação de um personagem homossexual nas telenovelas da Rede Globo se deu em 1970, com Rodolfo Augusto, um costureiro que vivia em função dos desfiles de carnaval do Teatro Municipal, interpretado pelo ator Ary Fontoura, na telenovela das 22h Assim na Terra como no Céu. Nessa e nas próximas décadas, a presença dos personagens homossexuais masculinos seria predominante, como em O Astro (1978), Dancin’ Days (1978) e Marron-Glacé (1979). De acordo com Silva (2015), os personagens apresentavam um comportamento mais extravagante, bem como formas de falar e se vestir que divergia da perspectiva heteronormativa. Em Dancin’ Days, durante toda a trama, Everaldo (Renato Pedrosa) tinha como única função declamar devoção à atriz Greta Garbo e prestar serviços à sua patroa Yolanda (Joana Fomm), de quem era extremamente submisso, representação que seria vista em muitas novelas posteriores (SANCHEZ, 2013). Outra característica é que a maioria dos personagens estavam no núcleo cômico das tramas, com participações secundárias, portanto, sem narrativas próprias e com raras exceções, servindo de escada para outros personagens heterossexuais. Segundo Sanchez (2013, p. 47), havia uma “heterossexualidade representada sempre em detrimento de uma homossexualidade subalterna e abjeta”. Assim como na década de 1970, nos anos 1980, há uma continuidade da predominância dos personagens homossexuais masculinos com profissões ligadas às classes populares, como mordomos, cozinheiros e gurus em papeis secundários. Algumas novelas com personagens 40

LGBTQIA+ foram Brilhante (1981), (1986), Mandala (1987), Sassaricando (1987) e Pacto de Sangue (1989), sendo, Brilhante (1981) a primeira telenovela que propõe discutir de forma mais aprofundada o preconceito familiar. Na trama, Fernanda Montenegro vive Chica, mãe de Inácio (Dennis Carvalho), uma matriarca que oferece dinheiro para o companheiro do filho se afastar, mesmo vendo o sofrimento dele com sua sexualidade. Inácio chega a se casar e levar uma vida dupla, para que só no final a mãe demonstrasse aceitação com a sexualidade do filho, possibilitando que ele fosse feliz com o companheiro, contudo distante da família, na Europa. Apesar do avanço nas discussões, Sanchez (2013) diz que a trama continuava a endossar o discurso da matriz heteronormativa, demarcando a presença de dois tipos de homossexuais nas novelas da Globo: os viris, independentes e másculos e os afeminados, pobres e marginais. Com a vigência da censura, que vigorava durante a ditadura civil-militar, o autor Gilberto Braga teve de reformular a trama e a forma como a homossexualidade era abordada, já que ele era proibido de usar a palavra homossexual. Uma das únicas referências quanto à sexualidade do personagem é quando Luiza (Vera Fischer) avisa Chica que precisavam falar sobre os “problemas sexuais de Inácio” (SANCHEZ, 2013). Em Roda de Fogo (1986), de Lauro César Muniz, a emissora é novamente censurada ao abordar a sexualidade do advogado Mário Liberato (Cecil Thiré), braço direito do protagonista da trama Renato Villar (Tarcísio Meira). As únicas cenas que indicavam a sexualidade de Mário eram as massagens que ele recebia do seu mordomo Jacinto (Cláudio Curi). No final da telenovela, os dois são assassinados, evidenciando uma maneira heteronormativa de equacionar a situação, tirando-a de vista, mesmo que para isso usasse a morte na novela (SANCHEZ, 2013). A partir desse momento, Sanchez (2013) afirma que as histórias dos personagens gays começam a ganhar contornos narrativos com início, meio e fim, ainda que ao mesmo tempo que suas tramas avançassem, também retrocedessem nas histórias. Contudo, ainda se nota a permanência das histórias dos gays cômicos, caricatos e marginalizados. No final da década, por meio do casal Laís (Cristina Prochaska) e Cecília (Lala Deheinzelin), a novela Vale Tudo (1988), de Gilberto Braga, é responsável pela tematização dos direitos sexuais, pois em consequência da morte de Cecília, pela primeira vez, há um debate sobre a necessidade dos direitos que homossexuais ainda não havia conquistado na década de 1980 e a desproteção em caso de morte de um dos companheiros (SILVA, 2015). Nos anos 1990, alguns debates chamam a atenção do público: em A Próxima Vítima (1995), pela primeira vez é apresentado um casal inter-racial de homossexuais, fator que 41

amplificou a discussão sobre dois temas: casal gay e interracial. O casal Sandrinho (André Gonçalves) e Jeff (Lui Mendes) foi um marco, mas durante essa década, as narrativas de outros casais homossexuais não teriam a mesma profundidade (SANCHEZ, 2013). Em 1998, sob a alegação de rejeição do público, as duas personagens homossexuais de Torre de Babel, Leila (Silvia Pfeifer) e Rafaela (Christiane Torloni), são retiradas da trama na explosão de um shopping. A saída das duas é, segundo Silva (2015), até hoje lembrada como símbolo do preconceito e discriminação da época. Nesse contexto, Sanchez (op. cit.) avalia que de forma geral, durante as décadas de 1970, 1980 e 1990 houve poucos avanços no desenvolvimento dessas narrativas e que os personagens homossexuais estavam sempre ligados ao sujo e ao desvio por serem invisíveis. No novo milênio, desde 2003, todas as novelas exibidas na faixa das oito ou das nove – com exceção de (2016), em que o autor Benedito Rui Barbosa causou polêmica ao afirmar que “odeia história de bicha” (CARVALHO, 2016) – apresentaram ao menos uma personagem LGBTQIA+. De acordo com Silva (2015), nos anos 2000, a tendência de maior visibilidade do homossexual masculino prevaleceu, contudo, houve uma alteração no padrão homossexual que era visto até então na faixa das oito, pois alguns deles passaram a demonstrar um comportamento menos extravagante e afeminado para externalizar arquétipos heteronormativos. Dentro do padrão heteronormativo, são representativos os casais de Páginas da Vida (2006) e Paraíso Tropical (2006), formados por homens brancos de classe média em relações monogâmicas e com profissões liberais (SILVA, 2015). Bem resolvidos, a sexualidade dos dois casais não é motivo de piada nas tramas. Na década de 2000, o casal mais emblemático é o da novela América (2005) em que [...] a discussão sobre a sexualidade está situada no meio rural – espaço onde os preconceitos e discriminações podem estar ainda mais enraizados, dentro de uma lógica de que a tradição (leia-se relacionamentos heterossexuais) precisa ser mantida. A história de Júnior e o peão Zeca, com todo o embate em torno da discussão familiar, foi bastante debatida pelo país a partir da trama (SILVA, 2015, p. 78).

Em 2005, os atores chegaram a gravar a cena que seria o primeiro beijo gay de uma telenovela brasileira. Ela foi gravada, porém cortada poucas horas antes da exibição do último capítulo, o que na época para a autora Gloria Perez e o elenco foi uma grande frustração (SÁ, 2014). O beijo gay em uma novela da Rede Globo só viria acontecer quase 10 anos depois em Amor à Vida (2013) entre Félix (Mateus Solano) e Niko (Thiago Fragoso). Na trama, o grande vilão, Félix, pintoso como os famosos arquétipos estereotipados, mas cheio de conflitos com o 42

pai, acaba se regenerando e ao lado de Niko conquistam o público, se tornando um dos principais casais da trama de Walcyr Carrasco. O casal é um marco da teledramaturgia e sempre será lembrado pelo feito, pois a partir daí o que se percebe é que a emissora se sentia mais livre para abordar os relacionamentos homossexuais em suas tramas. Apenas na última década foram quase 60 produções da Rede Globo com a presença de personagens LGBTQIA+ das mais diversas sexualidades e em toda faixa novelística de sua programação. Após o primeiro beijo entre dois homens da televisão brasileira, Em Família (2014), última telenovela de Manoel Carlos, foi marcada pelo beijo lésbico das personagens Clara (Giovanna Antonelli) e Marina (Tainá Muller). Na sequência, pela diferença de idade entre os atores, a telenovela Império (2014) chamou atenção com o selinho do casal Cláudio (José Mayer) e Leonardo (Klebber Toledo). Em Babilônia (2015), os autores Gilberto Braga, Ricardo Linhares e João Ximenes Braga surpreenderam os telespectadores ao exibir um beijo entre duas mulheres de idade, Teresa e Estela, interpretadas pelas atrizes Fernanda Montenegro e Nathalia Timberg. Além do fator idade, o pasmo pelo beijo entre as veteranas foi devido ao fato de ele ter ocorrido no primeiro capítulo, quando o público estava acostumado com o beijo gay na reta final das tramas. A repercussão negativa, segundo Castro (2015), foi motivo de um boicote promovido à novela pela Frente Parlamentar Evangélica. Ao final, o folhetim não foi bem com a audiência, que migrava para a Record, que exibia a trama bíblica Os Dez Mandamentos (2015), atingindo a liderança em algumas capitais. Em 2016, em Liberdade, Liberdade, além do beijo, a emissora ousou exibir pela primeira vez na história da teledramaturgia brasileira uma cena de sexo entre dois homens, o que era permitido pela faixa em que ia ao ar, às 23h. O feito é considerado um progresso nas narrativas dos personagens LGBTQIA+, contudo, como esperado, a trama sofreu com tentativas de boicote por páginas católicas que, segundo Campanha (2016), afirmavam “que o demônio agirá, por meio desta emissora [Rede Globo]”, o que não surtiu efeito, visto que a novela conseguiu a segunda maior audiência desde a estreia, para uma terça-feira (SEXO, 2016). A forma como a cena foi construída foi celebrada nas redes sociais (VALIATI, 2016). Em 2017, a transexualidade foi tema de discussão na novela A Força do Querer, de Gloria Peres. Pelo personagem Ivan, interpretado por Carol Duarte, foi permitido ao público acompanhar todo processo de transição do personagem, que foi apresentado inicialmente como uma figura feminina com crises de identidade, desde seu entendimento em relação à sua identidade de gênero até suas mudanças físicas. A presença e discussões sobre a 43

transexualidade, aliás, vem ganhando cada vez mais espaço nos últimos anos, como ocorreu nas novelas das nove O Sétimo Guardião (2018) e A Dona do Pedaço (2019), ambas com personagens trans interpretadas por atrizes transexuais na vida real, Nany People e Glamour Garcia. Na última década, principalmente a partir da segunda metade, foram transmitidas histórias das mais diversas sexualidades LGBTQIA+ contadas em todos os horários da teledramaturgia, desde Malhação até a faixa das onze. Na faixa das seis, que por ser exibida mais cedo, conta com um público mais conservador, teve a apresentação de duas histórias de casais homoafetivos nos últimos três anos: Luccino (Juliano Laham) e Otávio (Pedro Henrique Muller) em Orgulho e Paixão (2018), e Valéria (Bia Arantes) e Camila (Anaju Dorigon) em Órfãos da Terra (2019), ambas bastante elogiadas pelo público e crítica. Em Orgulho e Paixão, ambientada no início do século 20, a forma como foi construída as narrativas de Luccino e Otávio sem os tradicionais arquétipos e estereótipos de gênero vem mostrando cada vez mais o afastamento da forma como eram conduzidas as narrativas nas primeiras décadas, ainda que os antigos arquétipos tenham aparecido como o personagem Crô (Marcelo Serrado) de (2011). Exibida como uma edição especial em 2020, o personagem Crô foi alvo de críticas por retratar estereótipos ultrapassados, e do mordomo submisso à patroa (LOPES, 2020), assim como eram representados antigamente. Na faixa das sete, em 2019, Verão 90, ambientada na mesma década do título, trouxe o amor entre a drag queen Sabrina (Miguel Rômulo) e o playboy Candé (Kayky Brito). Na faixa das onze, em Onde Nascem os Fortes (2018), Ramirinho (Jesuíta Barbosa) surpreende a todos ao contrariar as expectativas da família de ser o sucessor do pai, o juiz Ramiro (Fábio Assunção), para trabalhar como drag queen. Além da diversidade sexual e de gênero, os personagens passaram a ter suas próprias narrativas, ganhando, muitas vezes, maiores destaques nas tramas. Se considerarmos todo o histórico apresentado até aqui, assim como a diversidade da representação das sexualidades na teledramaturgia, os direitos LGBTQIA+ também obtiveram grandes avanços a partir da última década. Em 2011, uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) permitiu o reconhecimento da união estável homoafetivo garantindo que casais do mesmo sexo tenham os mesmos direitos familiares e sucessórios dos casais heterossexuais. Em 2013, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) emitiu a resolução que obriga todos os cartórios a realizar a união estável entre casais do mesmo sexo (D’AGOSTINO, 2013), bem como a conversão em casamento desta e a realização do casamento civil entre pessoas do mesmo sexo. Mais recentemente, em 2019, o STF 44

determinou que a discriminação contra pessoas LGBTQIA+ seja enquadrada nos crimes de racismo, que prevê penas de até cinco anos de prisão, até que uma norma específica seja aprovada pelo Congresso Nacional, dentre outros direitos e garantias (OLIVEIRA; BÁRBIERI, 2019). Isto posto, esta pesquisa analisará a questão da homossexualidade na telenovela Liberdade, Liberdade, exibida na última década, em meio a um cenário de transformações e crescimento da representação dos personagens LGBTQIA+ na teledramaturgia, mas que traz um personagem gay vivendo em um período que o Brasil era colônia e a homossexualidade considerada crime hediondo. Esse cenário permite, então, a realização de uma investigação sobre como a novela faz uma leitura de temas contemporâneos em um enredo de época e a reflexão das determinações culturais, sociais e históricas brasileiras sobre a homossexualidade na trama citada, presentes ainda hoje na sociedade brasileira, permitida a partir da construção dos capítulos conceituais.

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4 A HOMOSSEXUALIDADE NA TELENOVELA “LIBERDADE, LIBERDADE”

4.1 DESCRIÇÃO DA PESQUISA

A presente pesquisa, que tem como objeto de análise a telenovela Liberdade, Liberdade e que tem todos os seus 67 capítulos disponíveis na plataforma de streaming do Globoplay, possui viés descritivo, já que os fatos são observados, registrados, analisados, classificados e interpretados, sem que o pesquisador interfira sobre eles. Trata-se, ainda, de uma pesquisa ex- post-facto, pois busca descrever um fenômeno a partir de uma telenovela já exibida no ano de 2016 (PRODANOV; FREITAS, 2013). Quanto aos procedimentos, é uma pesquisa documental uma vez que, de acordo com Fonseca (2002), trilha os mesmos caminhos da pesquisa bibliográfica, recorrendo a fontes mais diversificadas e diversas, sem tratamento analítico. Especificamente nesse caso, em concomitância ao levantamento bibliográfico, foi realizado um mapeamento acerca dos conceitos sobre telenovela, heteronormatividade e homossexualidade para subsidiar a análise do objeto. Quanto à natureza, esta é classificada como pesquisa aplicada, pois será desenvolvida partindo de conhecimentos já observados em um objeto e os resultados podem ser aplicados em curto e médio prazos. A pesquisa quanto ao problema é qualitativa e não quantitativa, já que se pretende utilizar de material bibliográfico e fragmentos da produção para analisar qualitativamente a abordagem dada ao tema da homossexualidade na ficção seriada. Assim, cabe recorrer a Silveira e Córdova (2009) para justificar que se trata de uma pesquisa de natureza qualitativa, por se preocupar com a compreensão e explicação do problema proposto. Essa escolha deu-se por acreditarmos que mais importante que a quantificação de elementos contidos na mensagem passada pela ficção seriada é a análise da mensagem, propriamente dita, veiculada. A pesquisa também se caracteriza como laboratorial, dado que apenas o autor e objeto estão em curso no desenvolvimento desta pesquisa.

4.2 ANÁLISE DE CONTEÚDO COMO PROPOSTA METODOLÓGICA

Dentre os procedimentos adotados para análise e tratamento dos dados, foi escolhida a análise de conteúdo, que de acordo com Bardin (2011, p. 47) é definida como: um conjunto de técnicas de análise das comunicações visando a obter, por procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das 46

mensagens, indicadores (quantitativos ou não) que permitam a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção (variáveis inferidas) destas mensagens.

Embora a análise de conteúdo seja capaz de evidenciar os aspectos quantitativos do material, nesta pesquisa foi utilizada uma abordagem qualitativa, que se mostrou mais eficaz para alcançar o objetivo de analisar as construções visuais (imagem) e textuais (verbais/palavras) sobre a homossexualidade do personagem André, em Liberdade Liberdade. Os demais objetivos propostos foram: 1) Acompanhar analiticamente o desenvolvimento do arco do personagem André e, consequentemente, a progressão do tema da homossexualidade na trama; 2) Examinar a composição cênica (cenários, figurinos, etc.) nas cenas em que André é o protagonista; 3) Refletir sobre as determinações culturais, sociais e históricas brasileiras sobre a masculinidade e a homossexualidade na trama dessa telenovela e presentes ainda hoje na sociedade brasileira; 4) Investigar como a novela faz uma leitura de temas contemporâneos num enredo de época (século XIX). De acordo com Bardin (1977, p. 21), “[...] na análise qualitativa é a presença ou a ausência de uma dada característica de conteúdo ou de um conjunto de características num determinado fragmento de mensagem que é tomado em consideração”. Com essa abordagem, foi possível avaliar de que maneira são apresentados os conceitos relacionados à homossexualidade na telenovela Liberdade, Liberdade, ressaltando os aspectos conceituais e não apenas quantificando o número de vezes em que é inserido e seu tempo de duração. Conforme explicado por Bardin (2011), a análise de conteúdo ocorre em três etapas: pré-análise, exploração do material e tratamento dos resultados, que abrange a inferência e a interpretação. Por isso, uma leitura flutuante da telenovela foi realizada em busca de materiais que pudessem sustentar a análise e responder à questão proposta por este trabalho. Em seguida, durante a organização da análise, isto é, após a pré-análise e exploração do material, foi observado que dos 67 capítulos da telenovela, o personagem André aparecia em 62 deles. Dessa forma, a intenção inicial era de que fosse possível analisar todos os capítulos em que o personagem era presente, contudo devido ao curto espaço de tempo para a entrega da monografia, optou-se pela seleção de 26 capítulos, uma representação simplificada de 42% dos capítulos em que André aparece. 47

Com o objetivo de acompanhar analiticamente o desenvolvimento do arco do personagem André e, consequentemente, a progressão do tema da homossexualidade na trama, foram selecionados capítulos do início, meio e final da obra, sendo que em cada um deles foi decidido pela seleção de uma a cinco cenas pelo fato de elas representarem momentos de discussão sobre as temáticas da heteronormatividade e homossexualidade na telenovela, excluindo as cenas menos expressivas. Após isso, algumas categorias foram levantadas e aprimoradas, de forma que se chegou aos seguintes indicadores (categorias) para proceder a análise: capítulo, tempo/minutagem, contexto e descrição da cena + expressão verbal, expressão não verbal, religiosidade, inferências e a interpretação dos resultados (ver Apêndice A). Contudo, verificou-se que a questão da religiosidade poderia ser observada em apenas três deles, de forma que se preferiu excluir essa categoria, ainda que esta foi analisada nos poucos capítulos em que se mostrou presente.

4.3 A HOMOSSEXUALIDADE EM LIBERDADE, LIBERDADE

A questão da homossexualidade na telenovela Liberdade, Liberdade é apresentada por meio do personagem André, que transitando entre a comédia e o drama, tem todo o seu plot4 construído em torno de sua sexualidade, de um jovem que não se encaixa nos padrões impostos àquela época, cujo personagem passa por transformações ao longo de toda a trama. No decorrer dos capítulos, ele tem sua participação expandida, bem como o debate sobre seus conflitos internos e a própria descoberta de sua sexualidade. O personagem é um advogado formado em Coimbra, mas que ainda não teve chance de exercer a profissão. Irmão da protagonista Rosa, filho de Raposo e irmão de criação de Bertoleza, sua primeira aparição se dá logo no encerramento do segundo capítulo, quando ele anuncia ao pai e as irmãs, a fuga da família real portuguesa ao Brasil. O figurino do personagem é um caso à parte, completamente diferente dos demais personagens, principalmente se comparado às figuras masculinas. Frequentemente ele usava um colarinho alto e engomado, às vezes com um lenço. Como era tradição na época, ele usava uma casaca mais curta na frente e com abas atrás. Destacando-se dos outros personagens, ele era visível e propositadamente elegante, usando roupas sempre combinando, ostentando pompa

4 Na tradução literal plot significa enredo. Ele é a essência da história da personagem, um resumo a partir de um eixo central. 48

e nenhuma discrição, por vezes com cores fortes, se sobressaindo o vermelho. O personagem em algumas cenas ostentava também uma cartola e devido ao calor na colônia tinha habitualmente um leque. Como são nobres, Raposo e os filhos chegam ao país com a comitiva que foge de Napoleão Bonaparte em 1808. Na primeira cena do terceiro capítulo, em diálogo com a irmã, André é relutante em se mudar para as terras tupiniquins e chega a afirmar que uma “masmorra em Paris deveria ser melhor que o Brasil”. Tendo sido criado a vida inteira no continente europeu, não é de estranhar o fato de o personagem ser contrário à mudança da família, pois o Brasil era uma colônia vista como pobre e decadente para os moldes europeus. Na colônia, eles reencontram Dionísia, tia de André que havia ficado no Brasil para cuidar do patrimônio de seu pai. Para que possa haver uma melhor compreensão desta análise, o quadro a seguir apresentará André e os demais personagens, usando descrição da própria página da novela no site do Gshow, que tenham alguma relação com André e são citados nesta monografia, podendo conter spoilers do que virá na análise:

Quadro 1 - Relação de personagens em Liberdade, Liberdade

André Irmão e melhor amigo de Rosa, o rapaz teve um envolvimento amoroso com o coronel Tolentino. Ao fim, é preso e enforcado pelo crime de sodomia.

Tolentino Militar rude e bruto, viveu um caso de amor com André, mas não teve coragem de impedir o enforcamento do fidalgo.

Rosa Filha de Tiradentes e Antônia, foi criada por Raposo em Portugal. Com a vinda da coroa portuguesa ao Brasil, ela retorna com sua nova família ao país e aqui se envolve na luta pela independência e se casa com Rubião.

Raposo Pai de André e pai de criação de Rosa. É assassinado pelo intendente, após descobrir que este havia roubado parte de sua fortuna.

Dionísia Irmã de Raposo e tia de André e Rosa, a personagem faz de tudo para defender sua família.

Bertoleza Negra forra que após ser adotada por Raposo é criada como irmã de André e Rosa.

Mimi Prostituta inserida nos estereótipos de linda e meiga e que fica muito amiga de André. Quando ela fica grávida, o jovem decide assumir o filho que a meretriz esperava.

Rubião Poderoso intendente de Vila Rica e grande vilão, casa-se com Rosa e para acabar com o movimento dos rebeldes, transforma a cidade em uma zona de guerra. 49

Xavier Jovem idealista que atuou em diversos movimentos pela independência no país. Em Vila Rica, apaixona-se por Rosa, mas se casa com Branca, acreditando que ela estava grávida. Após descobrir a farsa, vai atrás de seu grande amor.

Branca Jovem mimada e maquiavélica, fez de tudo para separar Rosa e Xavier.

Alexandra Tia de Branca, Alexandra voltou à Vila Rica para ajudar na causa dos inconfidentes.

Gironda Prostituta com o estereótipo de linda e ardilosa, trabalhava no bordel de Virgínia. Nunca mediu esforços para conseguir o que queria. É assassinada por Tolentino depois que denunciou André por sodomia.

Virgínia Ex-prostituta e dona do bordel de Vila Rica, Virgínia também atuou na causa dos inconfidentes.

Mão de Famoso bandido da região, tinha uma ética própria. Acaba se unindo a Rosa e Luva aos rebeldes para livrar Vila Rica das atrocidades cometidas pelo intendente.

Ascensão Conhecedora dos segredos da natureza, ela chegou a ser presa e acusada de bruxaria. Como curandeira, tratou de muitas pessoas em Vila Rica.

Duque de Interventor em Vila Rica enviado pela Coroa. Ega

Caldeira Marido de Simoa e dono da Taverna/Estalagem.

Simoa Mulher de Caldeira. Trabalhava ao lado do marido na Taverna/Estalagem.

Saviano Escravo dos Raposo.

Luanda Escrava dos Raposo que mais tarde é vendida a Branca.

Otto Amigo de André que vem do Rio de Janeiro para fazer companhia e abalar seu romance com Tolentino.

Omar Militar que servia nas colônias africanas e espião da coroa portuguesa. Mais tarde, volta a Vila Rica como marquês. Fonte: Elaborado pelo autor com base nas informações do Gshow (2021).

Por meio da análise de conteúdo, pode-se observar que ao longo da trama, o arco narrativo de André desenvolve-se inicialmente, partindo de um homem que sofre com o modelo heteronormativo imposto pela sociedade, observado principalmente em nove dos 26 capítulos analisados; em seguida, os capítulos do meio do folhetim tratam da descoberta de sua sexualidade, ocorrência observada com maior relevância também em nove capítulos; e por último, o plot do personagem é de alguém que sofre as consequências de ser um “sodomita", na época considerado crime e pecado, visto nos capítulos finais da telenovela, maiormente em oito dos capítulos examinados. Nesse sentido, para acompanhar quais capítulos abordam mais 50

um conceito ou outro, bem como o tempo/minutagem, contexto e descrição da cena e expressão verbal, expressão não verbal, inferências e a interpretação dos resultados, cabe ao leitor recorrer ao Apêndice A. Na cena do terceiro capítulo, quando Raposo vê a demora do filho, ele acelera André para que arrume depressa os seus documentos e declara a Rosa, que no Brasil, seu filho “irá crescer e aprender a ser homem, longe dos rapapés da corte”, aludindo ao fato de que André era comedido e se o filho estivesse longe das adulações da corte, poderia apresentar um comportamento diferente. O discurso é uma clara reprodução ao discurso heteronormativo, que para Butler (2013) objetiva manter o gênero em sua estrutura binária. O pai demonstra ter comportamentos machistas, já que o filho é um homem adulto e formado, mas Rosa sai em defesa do irmão, ela afirma “que o lugar pode ser diferente, mas as pessoas continuam as mesmas.” revelando como seria a relação das personagens ao longo de toda a narrativa. No final do capítulo, quando chegam à Vila Rica, cidade onde se passa a obra, o Intendente Rubião é quem o primeiro os recebe em sua casa e comenta que pode “apostar que o filho [André] saiu igual ao pai [Raposo]”, ao que Raposo tosse como em teor de ironia discordando daquilo que o intendente disse. Uma situação totalmente frustrante para um filho criado sob as altas expectativas do pai. Adiante, é construído a narrativa de um filho com características totalmente opostas aos modos de Raposo. Enquanto Raposo Viegas é visto como um homem másculo, forte, bruto e agressivo, externalizando um padrão heteronormativo ocidental hegemônico, André apresenta características absolutamente contrárias: mais retraído, sensível e delicado, ele representa uma fuga à norma vigente. Em uma das cenas do sexto capítulo, André e o pai procuram a irmã que desapareceu, após ter sido sequestrada por Mão de Luva, e na floresta, o personagem não demonstra habilidade alguma no meio daquela mata, diferente do pai, que diz já ter sido um “bicho do mato”, enquanto o filho responde que o pai “ainda é”. No fim do capítulo, Bertoleza em conversa com Dionísia afirma estar com dó de André que está no meio do mato com o pai e Dionísia responde que seu sobrinho não é um coitadinho, ele “é um Raposo, além do mais o cavalo dele é manso feito uma galinha, já conhece o caminho de cor e salteado”. A cena realça a ideia da tia de que o fato de o sobrinho ser um Raposo, automaticamente o coloca em um lugar de homem forte e corajoso, em outras palavras, demarcando características que não necessariamente o sobrinho tenha de ter por ser homem. Apesar de Dionísia não demonstrar reações que levem a essa interpretação, ainda assim, seus trejeitos são motivos de deboche, já que a tia goza da situação de que o cavalo de André é manso feito uma galinha. Para encerrar o diálogo, Dionísia insinua a Bertoleza de que os dois 51

já tiveram um caso, deixando-a constrangida, que questiona se é pelo fato de ela “ser negra e ter de servir aos brancos?”. Dionísia afirma que é porque ela se preocupa demais com André. A cena não deixa de ser uma provocação da tia em busca de conhecer a sexualidade do sobrinho. No sétimo capítulo, André faz um elogio à cor do vestido de Bertoleza e a moça diz que ele tem a sensibilidade de uma moça. Aqui, além de haver uma associação com os tradicionais estereótipos de gênero que homossexuais possam entender de moda, mesmo que esse seja o caso, quando ela afirma que ele tem a sensibilidade de uma moça, a personagem inconscientemente atribui tal característica a um papel do gênero feminino. Porém, impactado com tudo que viu na noite em que passou a procura pela irmã, André responde: “quem dera, depois do que eu vi ontem, tanto horror, já estou ficando calejado. Em pouco tempo serei um bruto”, sinalizando que o rapaz tem medo de se tornar como o pai e demais homens representados na época. No oitavo capítulo, Raposo leva o filho no bordel e ‘joga’ uma das moças para cima dele, a prostituta é Mimi, que naquela noite de todas as maneiras dá em cima do rapaz, que rejeita as tentativas. O fato de o pai levar o filho a esse ambiente remete ao fato que desde aquela época muitos pais carregam os filhos para perder a virgindade dentro do bordel. Uma convenção machista, ainda comum nos dias de hoje. No quarto, o nervosismo toma conta de André, ele indica que não sente atração pela moça e oferece dinheiro para que Mimi não revele ao pai que nada aconteceu, transmitindo ao telespectador a sensação de medo que ele tem do que o pai possa pensar. Para completar, Mimi morde seu pescoço, pois era para fingir que algo havia acontecido e Raposo diz que o filho “se divertiu'', reforçando a insegurança do rapaz de que em um futuro possa quebrar as altas expectativas criadas pelo pai.

Figura 8 - Mimi fica nua na frente de André

Fonte: Capturas de tela feita pelo autor por meio do serviço de streaming da Globoplay.

No capítulo seguinte, é exibida uma cena, em que pelo fato de André não desejar beber, Xavier afirma que “nunca viu homem que não bebe”, ato que reforça o constante hábito de se 52

atribuir características a performances de gênero, que por estar preso nessa estrutura binária, acaba inviabilizando os sujeitos a interpretação de outros papeis. De algo que já vinha sendo construído, a partir do 12º capítulo, é possível notar a íntima relação que André cria com a prostituta, apesar de não nutrir nenhuma atração e desejo por Mimi. É evidenciado, portanto, uma relação de adoração e amizade para com a moça, que inclusive faz com que André se disponha a ensinar ela a ler e escrever. Além disso, na cena, André compara o corpo dela com as esculturas de Michelangelo e Leonardo, e afirma sentir um “deleite estético” pela moça. Suas comparações permitem inferir que André é um rapaz culto e estudado. Quando o pai vai chamar André para ir embora e flagra os dois vestidos e o filho ensinando tabuada a moça, André afirma que os dois já tinham acabado, mas não convence Raposo.

Figura 9 - André ensinando tabuada a Mimi

Fonte: Capturas de tela feita pelo autor por meio do serviço de streaming da Globoplay.

Ao fim do capítulo, mais uma cena na mata e tentativa de André em conquistar e obter o orgulho e apoio do pai. Na cena, Raposo busca recuperar um livro que já foi de Tiradentes, pai biológico de Rosa, o livro está com um grupo de salteadores chefiados por Mão de Luva e André afirma que irá com o pai enfrentar o bando. Raposo entrega uma arma para o filho e Dionísia questiona se o irmão enlouqueceu e ele rebate: "Por quê? Meu filho é homem, pode ajudar a defender a família”. Novamente, os dois estão no meio da floresta e Raposo em uma das cenas ergue a mão para ajudar o filho a passar por um barranco, mas André recusa e se desloca sem sua ajuda. Posteriormente, Raposo afirma estar muito orgulhoso do filho e em meio aos confrontos, tiros e temores na mata, ao fim tudo termina bem. O conjunto de cenas no local é mais representativo por ser uma tentativa de André em se aproximar do pai, visto a necessidade que o filho tinha de uma relação paterna, que por acreditar nunca suprir as expectativas de Raposo, existia uma certa dificuldade de aproximação. 53

O 14º capítulo pode ser considerado um dos pontos de virada, ou plot point da narrativa do personagem, André vai entregar uma moeda à Ascensão a pedido da irmã em agradecimento aos serviços da curandeira, a mulher que tem fama de bruxa na cidade revela ao jovem: “você vai precisar ter muita coragem meu rapaz. Você ainda vai sofrer muito nesta vida, porque não se pode fugir de quem se é de verdade por dentro e ‘ocê’ não vai fugir.” André alega não saber sobre o que ela está falando e sai estonteado, mas na cena seguinte ele vai ao rio e fica boquiaberto e visivelmente admirado com o corpo de Saviano que está tomando banho com Luanda, o casal de escravos acabam transando sem saber que estavam sendo observados.

Figura 10 - André após conversar com Ascensão e espiando Saviano e Luanda

Fonte: Capturas de tela feita pelo autor por meio do serviço de streaming da Globoplay.

Os acontecimentos apresentam indícios da homossexualidade de André, seus conflitos e descobertas que poderão ser acompanhados no decorrer da análise, porém, como a homossexualidade era considerada crime hediondo, conforme apresentado nos capítulos conceituais, é esperado o sofrimento do personagem, que como a própria fala de Ascenção indica, ele não teria uma vida dupla e reprimiria sua sexualidade pelo resto da vida, ele viveria seus desejos e sofreria tudo que um homossexual do século XIX poderia suportar ao assumir sua orientação sexual. No capítulo 15, André continua passando por seu processo de descoberta e os seus conflitos internos são cada vez mais aprofundados na trama. Enquanto bebe na taverna, o jovem pensa no banho de rio que tinha visto no dia anterior, quando olhou com admiração o corpo de Saviano. De repente, Tolentino chega e pede para acompanhar o jovem na bebedeira, a partir daí nasce uma amizade. André passa a enxergar o soldado com outros olhos, portanto, há uma prenunciação da relação que os dois iriam criar. O Coronel Tolentino é o responsável por inserir André no mundo masculino, no qual o personagem é fascinado. Diferente do início da trama, quando ele não gostava de beber, André passa a beber todas as noites e frequentar o bordel com o amigo. Mais do que isso, ele passa a sentir atração e desejo pelo coronel. Ainda nesse capítulo, após a bebedeira, os dois vão juntos 54

tomar banho no poço, onde André observa atentamente o amigo sem camisa, se molhando com o balde de água. Uma contemplação que nos infere ao processo de descoberta de sua sexualidade.

Figura 11 - André contemplando o corpo de Tolentino

Fonte: Capturas de tela feita pelo autor por meio do serviço de streaming da Globoplay.

Durante o 16º capítulo, Dionísia flagra o sobrinho contemplando o corpo de Saviano que pingava suor, enquanto trabalhava sem camisa. André admira o físico do rapaz, ao mesmo tempo em que se abana com o leque. Após isso, sua tia repreende o escravo e questiona que trajes eram aqueles, ela ainda ameaça Saviano com a chibata caso ele não coloque uma bata decente. Em seguida, Dionísia oferece uma garapa para que o sobrinho cuide da ressaca e afirma que o jovem está saindo como um verdadeiro filho de Raposo e está impressionada com a sua transformação, em um esforço de realçar a masculinidade do rapaz, por suas bebedeiras e idas ao bordel, mas André reluta e diz que não é igual ao pai.

Figura 12 - André admirando Saviano

Fonte: Capturas de tela feita pelo autor por meio do serviço de streaming da Globoplay.

Dionísia afirma que ele é um homem feito e o jovem retruca, pois se foi comparado ao pai, então acreditava que estava perdendo a sua essência. Sua tia afirma que a vida de solteiro pode ser “uma ruína e que muitos rapazes da mesma idade que André já são pais de família”. Ao fim, ela sugere apresentar uma moça para que ele se case, André não fica satisfeito com as proposições de sua tia, mas não a responde. Se por um lado ele apreciava admirar o corpo de 55

Saviano, o fato de ele não querer se casar expõe o sofrimento de André com a decisão que Dionísia deseja tomar por ele e seus conflitos internos com sua sexualidade. Mais ao fim do capítulo, o jovem encontra Tolentino e afirma que não se aguenta dentro de si, ele pergunta ao coronel se ele nunca sentiu que “a vida lhe pesa demais sobre os ombros?”, afirma se sentir internamente dentro de uma guerra e que “não gostaria de ser ele, mas outro”. O conflito interno apresentado na trama permite inferir que se trata de um estágio de negação e repressão dos próprios desejos. Adiante, no 24º capítulo, após mais uma noite de bebedeira com o amigo no bordel, os dois se abraçam e se despedem na praça da cidade. A forma como os dois se olham já é bem diferente e exterioriza uma possível conexão entre os dois. Além disso, a trilha sonora instrumental usada quando os dois estão juntos corrobora para condicionar ao telespectador um clima de romance proibido. Enquanto sai da igreja com a tia, Branca, ao ver os dois se despedindo, comenta com Alexandra que o rapaz é efeminado e sua tia responde “bom pra ele”, deixando Branca incomodada. Alexandra ainda comenta: “ora, cada um sabe o que lhe convém, oh meu Deus! Você é tão jovem e tão conservadora. É o que dá viver na colônia, em Paris ninguém estranha os efeminados. Estamos no século XIX, minha querida!”. Branca retruca a tia e diz: “acho que preferia o XVIII, onde homem era homem e mulher era mulher", reforçando o modelo heteronormativo que estigmatiza as outras orientações sexuais que divergem desse tipo de comportamento (DARDE, 2008). A surpresa da tia com a reação de Branca demonstra também o conservadorismo que desde aquela época se instaurava no país, que diferente de outras realidades, como o liberalismo que já tomava conta da Europa em meio às revoluções daquela época, deveria ter se alastrado às outras partes do mundo (LOPES, 2019). Insatisfeita com a reação da tia, Branca vai comentar também com Luanda, sua escrava, sobre André. Ela pergunta a Luanda se a moça sabe de algo e afirma que o rapaz é efeminado e que sodomia é crime, portanto André “poderia parar na masmorra”. Luanda, que era uma antiga escrava da família Raposo, diz que não sabe de nada e complementa “um homem servindo de mulher para outro homem, que horror!”. Trata-se de uma alusão à tradição cristã que no Antigo Testamento, mais especificamente no livro de Levítico, capítulo 18, versículo 22, enuncia “não se deite com um homem como quem se deita com uma mulher; é repugnante” (BIBLIAON, 2009). As cenas, além de representar a primeira vez que outros personagens comentam abertamente sobre a sexualidade de André, demonstram o preconceito que ainda existia na época, fora o fato de a sodomia ser oficialmente criminalizada conforme apontado por Lopes (2019). 56

Não bastasse isso, a trama sinaliza que André se sente culpado por seus sentimentos, pois na sequência, o personagem vai à igreja e com seus olhos fixos no altar questiona: “será isso mesmo um crime? Como é que pode um desejo, uma coisa que se sente sem pedir, sem nenhum controle ser um crime? Um pecado?”. André está lacrimejando e triste, nos remetendo ao sentimento de uma culpa católica5.

Figura 13 - André se despedindo do amigo e se questionando na igreja

Fonte: Capturas de tela feita pelo autor por meio do serviço de streaming da Globoplay.

No 25º capítulo, após uma confusão generalizada no bordel, quando André tenta defender Mimi de um dos homens e Tolentino vai ao apoio do amigo, todos acabam sendo expulsos do prostíbulo. Antes de ir para casa, André acompanha o soldado até seu quarto na estalagem; no local, Tolentino afirma que o fidalgo gosta de Mimi, afinal, este foi em sua defesa. André conta que a moça é uma companhia adorável, e Tolentino complementa que além disso é boa de cama, deixando André constrangido e calado, já que nunca transou com a prostituta. André deseja voltar para casa, mas pelo horário Tolentino o convida para dormir com ele na mesma cama. Quando os dois já estão deitados, André com olhos fechados como se estivesse dormindo, Tolentino está suado, suspirando e ao que tudo indica nervoso, aparentando estar também sentindo desejos pelo amigo, pois lentamente ele passa a descobrir André que se envolvia com um lençol.

Figura 14 - Tolentino descobrindo André

Fonte: Capturas de tela feita pelo autor por meio do serviço de streaming da Globoplay.

5 Termo usado para descrever os sentimentos de remorso ou conflito em pessoas que são ou foram criadas dentro da Igreja. 57

Tolentino está com um olhar de admiração no corpo de André, mas se arrepende do que fez, o cobre novamente com o lençol e opta por dormir no chão. Ao fim, é revelado aos telespectadores que André apenas fingia estar dormindo, a cena sinaliza que Tolentino também sente atração sexual pelo amigo e permite inferir uma bissexualidade do rapaz, que já vinha aflorando nos capítulos anteriores, ainda que não citada. Quanto a André, no 27º capítulo, novamente a trama traz à tona a culpa católica que ele ainda sente, pois em casa, enquanto olha para o altar da santa, pensa na noite em que dormiu com o amigo. Avançando um pouco na narrativa, é permitido ao telespectador observar que André está cada vez mais interessado no amigo, nutrindo um sentimento que parece recíproco. No 42º capítulo, após mais uma noite de bebedeiras no bordel, Tolentino acorda nu na presença de André, que revela ter o despido após chegarem sujos da noitada. O coronel pede que o amigo esqueça do que viu na última noite, quando Tolentino estava bem agressivo com Gironda, uma das prostitutas, e foi flagrado por André partindo para cima da moça. Após isso, o coronel ainda tenta transar com a rameira na frente do amigo, mas acaba brochando e quando Gironda zomba dele, ela é novamente atacada até ser salva por André, que impede que Tolentino continue batendo na moça. Coronel Tolentino é um militar agressivo, mas André o vê com outros olhos, tanto é assim que André finge já ter esquecido o que havia visto e Tolentino declara que a amizade dos dois é “muito mais cara que o amor das mulheres”. Tolentino levanta nu e André contempla o seu corpo, o militar se veste, os dois se presenteiam, este dá ao fidalgo um canivete e André retribui com uma moeda e se abraçam. No 45º capítulo, Tolentino chega de surpresa na fazenda de André que o convida para jantar com sua família, na ocasião, o coronel bruto e ignorante como é não demonstra habilidades com os talheres. Após o jantar, os amigos vão para a varanda da fazenda onde André vive e Tolentino afirma que a amizade dos dois está o fazendo mudar, que a vida já não pesa mais como antes, sendo algo que ele nunca tinha sentido, “nem com homem e nem com mulher''. Os dois trocam olhares, Tolentino diz que com André não está mais sozinho e o fidalgo conta sentir o mesmo. Antes que algo mais possa acontecer, Dionísia, que observava os dois, interrompe o diálogo, impedindo que eles continuassem a conversa e assustando o sobrinho. No decorrer da narrativa, Mimi engravida e, especificamente no 27º capítulo, a personagem desiste de um aborto, apesar da vida adversa que a criança poderia levar crescendo em um ambiente hostil como o bordel. Comovido com a angústia e preocupação de Mimi, André decide assumir a paternidade da criança. O que nos leva à análise do 46º capítulo da 58

obra, quando após ver Mimi passar mal no meio da rua, André decide levar a moça para viver junto com sua família. O jovem afirma à tia e às irmãs que a moça carrega seu filho no ventre, causando aborrecimento à Dionísia, que pela moral e os bons costumes é contra o sobrinho assumir essa paternidade. No entanto, Rosa revela que apoiará o irmão, a protagonista afirma: "André, eu sei que esse filho que a Mimi está esperando não é seu, mas quem é o pai não importa, não muda nada. Se você quer assumir o filho da Mimi, eu estou do seu lado. Eu te amo tanto, você é um homem tão nobre!” o que acaba comovendo o irmão e refletindo como o apoio da família é importante para sua aceitação. No 48º capítulo, André recebe uma intimação informando que irá representar Raposo em uma audiência e afirma que a irmã e o pai terão muito orgulho dele, o que permite uma inferência de como esse apoio familiar seria importante, sendo o primeiro lugar que ele busca aceitação. André conversa com o pai sobre a intimação que recebeu, mas o pai não dá muita atenção, o que Raposo realmente deseja saber é se André tem certeza de que irá perfilhar o filho de uma prostituta. O jovem diz não se importar, que o filho poderia ser dele e que não se incomoda em assumir tal responsabilidade. Após ouvir isso, Raposo novamente diz ter muito orgulho dele e mesmo sem querer esboçar reações, nos é permitido inferir como o momento é importante para o personagem. Infelizmente, dois capítulos depois Raposo é assassinado por Rubião, o que leva André a perder não apenas o pai, mas a pessoa que ele nunca quis decepcionar e para quem sempre procurou se devotar. André chora bastante e quem o consola é sua irmã Rosa, o fidalgo afirma que faltou tempo para tudo e que gostaria que o pai tivesse orgulho dele, demonstrando como a necessidade de ligação paterna pode ter sido necessária para o personagem homossexual. Ademais, André ainda complementa que é o filho que o pai nunca quis ter, nos dando a entender que André o ama, mas pelo fato de viver uma homossexualidade reprimida, fez com que ele se sentisse intimidado em ter uma relação de proximidade com Raposo a vida inteira por medo de não corresponder às expectativas do pai.

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Figura 15 - André chora a morte do pai

Fonte: Capturas de tela feita pelo autor por meio do serviço de streaming da Globoplay.

No 54º capítulo, André e Tolentino estão juntos no quarto do coronel e após uma ressaca propiciada pela bebedeira nas comemorações do casamento de Branca e Xavier, o soldado diz ao amigo que se sente humilhado pelo intendente, depois de uma reprimenda que recebeu pela fuga de Ascensão da cadeia, enquanto boa parte da cidade, inclusive os outros militares, comemoravam o evento. Tolentino enquanto desabafa com André diz que ele é seu único amigo e como o fidalgo mesmo afirmou uma vez “todos nós temos uma segunda natureza, que às vezes permanece oculta”. André replica: “mas não para sempre”. Tolentino de uma expressão triste logo muda suas feições para apreensão. Os dois em pé, se olham fixamente e se beijam apaixonados. Ao som de uma trilha instrumental e com intensa carga dramática, André o empurra, os dois tiram a roupa, se tocam e têm uma relação sexual, sendo apresentada aos telespectadores a primeira cena de sexo homossexual da teledramaturgia brasileira após 65 anos de história.

Figura 16 - André e Tolentino se acariciam

Fonte: Capturas de tela feita pelo autor por meio do serviço de streaming da Globoplay.

A troca de carícias e o sexo do casal, no entanto, não foi suficiente para que após a cena ambos tivessem a mesma reação. Enquanto André está visivelmente satisfeito com a noite que ambos tiveram, Tolentino saiu da estalagem arrependido e fica mais bruto e ríspido com o amigo, procurando se afastar cada vez mais. Depois da perda do pai, André aparentemente encontra-se em um estágio mais avançado da autoaceitação. No 56º capítulo, após os dois terem 60

se afastado, Tolentino leva uma das rameiras, a Gironda, para morar em seu quarto, na tentativa de esquecer o amigo, fazendo com que André fique extremamente desgostoso da vida. André, que se encontrava muito triste, vai à taverna beber e Tolentino afirma que é muito cedo para o jovem se embriagar, o fidalgo responde que agora o coronel é um homem casado e que ele deveria aconselhar sua mulher e não a ele. O diálogo entre os dois é um ensaio de reconciliação, pois ambos ainda se preocupavam muito e não deixavam de pensar um no outro. Os dois vão para o quarto de Tolentino, André ainda está muito magoado com o coronel, conversam e o militar diz que agora em diante é melhor cada um seguir sua vida, enunciando que o sentimento dos dois não é apropriado. André questiona se Tolentino vai negar o sentimento e os dois se beijam exatamente no momento em que Gironda abre a porta do quarto e flagra a situação, mas sem falar nada, a meretriz se retira e denúncia ao capitão da intendência o que acabara de ver: “Eu vi um homem com outro. Um efeminado. Um fanchono. Cometendo um crime, o pecado da pederastia. Tendo relações.” A situação relatada por ciúmes faz com que a polícia da intendência leve o fidalgo preso à força.

Figura 17 - Gironda flagra André e Tolentino se beijando e o fidalgo é preso

Fonte: Capturas de tela feita pelo autor por meio do serviço de streaming da Globoplay.

André não nega o crime de sodomia, afirma que o que faz de sua vida privada é sua responsabilidade, ficando subentendido que teria cometido o crime. Ademais, Vainfas (2017) chama atenção para os eventuais problemas intrínsecos à documentação inquisitorial, pois eles podiam refletir não o que de fato ocorria nas relações sexuais, mas o que os agentes do poder que produzia as fontes julgavam por bem registrar. Como o intendente não estava presente, o responsável pelas averiguações dos crimes era o Coronel Tolentino, que por ocupar a patente mais alta na ausência de Rubião chega à intendência para apurar o que estava acontecendo. Como André não quer revelar quem era seu parceiro, o personagem é agredido pelo capitão, mas é defendido pelo coronel que diz que o homem é filho de um par do reino e pede para que o capitão diga se houve flagrante delito. O 61

capitão afirma que: “há uma testemunha e nesses casos isso basta'', André questiona o capitão e diz ser advogado, ao que o militar rebate: “se é advogado, sabe que cometeu um crime de lesa-majestade e pecado nefando”. Por meio de uma leitura, percebe-se anacronismos na cena, pode-se observar alguns equívocos quanto ao que deveria ter sido a ordem natural dos acontecimentos. Como confessou o crime, mesmo depois de delatado, era para André ter tido pena mais branda. Contudo, como confessou seu crime de modo incompleto frente às alegações da denunciante, quase foi castigado à tortura, pois não quis revelar seu parceiro e na época ainda havia muita recriminação pelo fato de a sodomia ser um pecado “indigno de ser nomeado”. Todavia, o fato de a trama se passar no ano de 1808 indica que de acordo com as Ordenações Filipinas já eram exigidas duas testemunhas para que tais delitos fossem provados. Além disso, no último regimento, aprovado em 1774, houve diversas mudanças na tentativa de assegurar a defesa do réu, com a intenção de submetê-la ao Estado, como a abolição do segredo processual e a proibição da possibilidade de condenar com base em testemunhos singulares; a condenação da tortura e a permissão de escolha livre do advogado de defesa (LOPES, 2019). Ou seja, o país já caminhava para o fim da Inquisição que duraria até o ano de 1821 e aquele único testemunho singular já não deveria ser suficiente para manter o réu preso e mais do que isso, passar pelo que passou com os militares. Entretanto, sendo uma obra de ficção seriada, a telenovela é um acordo entre público e autor, devendo o telespectador ‘acreditar’ naquilo que está sendo transmitido, assim como o autor no que está contando. Continuando a análise da cena, Tolentino afirma a André que aquela é uma denúncia muito séria e André chorando revela que pensou nisso: “mas um homem há de ser responsável pelos atos”. Dito isso e somado ao fato de André recusar dizer o nome do parceiro, faz com que ele seja “levado a ferros”, como se denominava a prisão naquela época. Quando Rosa vai visitar o irmão na prisão, ele aparenta estar com medo, pois a pena para sodomia é a morte (LOPES, 2019) e os dois estão bastante emocionados. Rosa desabafa com Rubião que o irmão está sendo humilhado e será enforcado apenas por ser quem é, e porque ousou tentar ser feliz. No início do 57º capítulo, é a vez de Virgínia, dona do bordel, visitar André na cadeia e comentar que a acusação contra ele não se sustenta, ela afirma que ele não cometeu crime nenhum, pois não pode ser culpado por ser fiel a sua natureza, no que André responde que infelizmente se sustenta, uma vez que ele já viu outros acusados serem mortos por isso. Como é advogado, André conta que se defenderá no tribunal e Virgínia diz que pode ajudá-lo na fuga, porém o jovem afirma não querer passar o resto da vida como proscrito e que já cansou de fugir. A cena mostra que André está cansado de reprimir sua sexualidade e irá 62

enfrentar o que fosse necessário, confirmando as pistas deixadas no 14º capítulo, quando Ascensão revelou que o rapaz não vai fugir de quem é, nem que para isso ele pague com a própria vida ao ser enforcado. Ainda no 57º capítulo, o Intendente Rubião questiona Tolentino sobre a relação que ele tem com André e o coronel diz que são apenas amigos e não tem relação alguma com o crime que André cometeu. O soldado afirma que não é um pecador e até colocou uma mulher em sua casa, no que Rubião, rude e grosso como é, afirma que não quer saber de um coronel sob sua responsabilidade envolvido em “atos nefandos”. Tolentino permanece negando e reprimindo sua sexualidade, afinal, sendo crime, o soldado obviamente não deseja morrer, como eram castigados os crimes de sodomia naquela época, que se referia tanto às práticas de sexo oral e anal heterossexual, dentro ou fora do casamento, como principalmente o relacionamento entre pessoas do mesmo sexo (LOPES, 2019). Mais ao fim do capítulo, Duque de Ega, que a mando da coroa chega em Vila Rica para vigiar a conduta de Rubião, deseja que André seja levado à forca pelo crime que cometeu, mesmo com Rubião alegando que o rapaz é um membro da corte. Normalmente, a punição à sodomia não era suscetível de misericórdia, mesmo que os suspeitos fossem nobres ou funcionários da Coroa (TREVISAN, 2018). Então, o Duque informa que a lei deve ser cumprida, mesmo que se tenha apenas uma testemunha no caso, que Ega revela ao intendente ser uma prostituta. Sabendo da informação, Rubião sugere a Tolentino que a testemunha seja eliminada para defender André, assim faz o coronel e assassina Gironda. Portanto, mesmo que o código se preocupasse em garantir o sigilo das testemunhas, o fato de o Duque tornar explícito quem ela era, para uma pessoa diretamente interessada no delito, colocou Gironda em risco, tendo a personagem um final trágico. Com o crime sem testemunhas, após dias de ameaças e ameaças na cadeia, André é colocado em liberdade no capítulo seguinte. Rubião era diretamente interessado na soltura de André, afinal, sendo o grande vilão da trama e apaixonado por Rosa, o fato de ele ajudar o irmão da moça faz com que ele leve os créditos pela liberdade do rapaz. Além disso, essas circunstâncias foram motivadoras para que Rosa, fragilizada pela perda do pai e prisão do irmão, como forma de agradecimento e para proteção de sua família, aceitasse o pedido de casamento e posteriormente se casasse com o intendente. No 62º capítulo é apresentado Otto, amigo de André vindo do Rio de Janeiro para fazer companhia ao rapaz. A partir da análise das cenas, o que se pode inferir é que André tinha intenção de, com o novo amigo, causar ciúmes em Tolentino, que confuso em relação aos seus 63

sentimentos, está frio e afastado do fidalgo. Ao fim desse capítulo, por exemplo, quando ambos estão no bordel, André apresenta Otto à Tolentino, que no momento se divertia com duas prostitutas. Após a atitude do fidalgo, demonstrando sentir raiva, o coronel pede licença e fala que as damas estão ansiosas, evitando qualquer contato e conversa com André e menos ainda com Otto. Ao término do 63º capítulo, enquanto Otto e André se divertem com a leitura de um livro, Dionísia demonstra preocupação com o sobrinho, afirmando que aquilo não está certo, Bertoleza fala que a companhia do amigo está fazendo muito bem para André, depois de tudo que ele passou na prisão. Dionísia conta que esse é o problema: “o André já foi preso por más companhias e isso é crime e pecado. O que que ele está querendo? Ser preso outra vez? Quanta inconsequência". Fazendo papel de defensora da família, a tia tem medo de que o sobrinho vá novamente preso ou algo pior. Pelos acontecimentos que se seguem, pode-se notar que a relação entre André e Tolentino ainda estava muito estremecida, mas no 64º capítulo, após o Coronel Tolentino ser promovido a Capitão-General, André chega à taverna e elogia as novas dragonas do soldado, o fidalgo diz que tem muito orgulho dele e que as pode costurar. Tolentino diz que acreditou que a amizade deles não interessava mais a André, após vê-lo com o “querubim”, se referindo aos cabelos cacheados de Otto e André revela que ele é apenas um amigo. Tolentino questiona então o que ele seria e André prefere não responder. André pede à Simoa uma garrafa de vinho e conta que é dia de comemorações. Os donos da taberna/estalagem se preocupam, Simoa diz que aquilo não iria acabar bem e seu marido Caldeira afirma que o jovem não aprendeu a lição de que Tolentino é uma péssima companhia. Após isso, Otto chega à taberna e Simoa diz que ele pode ir embora, pois André não se encontrava lá. Enquanto bebem vinho, Tolentino que está sem camisa abraça André por trás e começa a cheirar seu cangote. O agora capitão-general, então, questiona André: “cê achou que ia escapar de mim?” e André responde: “foi você que fugiu, mas isso não importa mais”, enquanto recebe o carinho do soldado. Os dois se beijam, se jogam na cama e são interrompidos por Otto que bate à porta, Tolentino abre e acaba agredindo o amigo de André, que sai em sua defesa.

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Figura 18 - Enquanto se reconciliam, André e Tolentino são interrompidos por Otto

Fonte: Capturas de tela feita pelo autor por meio do serviço de streaming da Globoplay.

O contexto dessa cena indicava que o desfecho da relação dificilmente terminaria bem. No 65º capítulo, Otto afirma a André que Tolentino é um bruto e André o defende dizendo que ele apenas quis dar alguns sopapos no amigo por diversão. Otto, que estava com os olhos roxos, afirma que nunca foi tão humilhado. André pede que ele não exagere e Otto diz que tudo aquilo havia ocorrido por sua causa, pois “aquele selvagem é uma péssima influência, não passa de um hipócrita. Eu não sei o que você viu nele”. Otto afirma que voltará para o Rio de Janeiro, pois Vila Rica é uma “pocilga incivilizada''. As cenas apenas confirmam o real motivo da vinda de Otto à Vila Rica, que era um pedido de André para fazer ciúmes em Tolentino. O 66º capítulo, que é também o penúltimo capítulo da novela, infelizmente encerra a jornada de André na trama. Logo em seu início, enquanto está na taberna, o rapaz é novamente preso e este questiona Tolentino de o porquê o estão levando: “Você, Tolentino?”. A polícia da intendência também invade o quarto de Otto e afirma que ele também será posto a ferros: “Você vem conosco seu indecente, imoral, pederasta”. Otto fala que não fez nada e André diz que irá esclarecer a situação, quando são interrompidos por Tolentino que afirma falar em nome do intendente: “Os dois serão presos por pecado e crime nefando de acordo com denúncias chegadas à intendência desta Vila Rica”. Otto sai correndo e é alvejado com um tiro nas costas pela polícia, morrendo ali mesmo para o desespero de André. Na sequência, o Intendente Rubião diz que André será levado à forca, o fidalgo rebate afirmando que seus homens mataram um inocente e Tolentino conta que era o cúmplice de André, mas o filho de Raposo diz que aquilo é um ultraje e que o intendente não tinha aquele poder, pois não é um juiz, nem o príncipe. André afirma ser um advogado que conhece as leis e tem direito a um “julgamento justo''. Rubião dá um tapa no rosto de André, que o faz cair, o intendente afirma que “ultraje é sodomia, ultraje é servir de mulher a outro homem”. Quando André é levado à prisão, Rubião afirma que o coronel agiu certo e que “a coroa agradece a denúncia desses dois degenerados”, confirmando que foi Tolentino quem denunciou a dupla de amigos, o militar afirma que é um soldado e que cumpre ordens. 65

Como exposto no capítulo anterior desta monografia, a penalidade máxima para a sodomia aplicada pela Inquisição era a fogueira, mas diferentemente do que acontecia na época, na trama, André foi condenado à forca. A fogueira só era determinada aos que, apresentados pela segunda e terceira vez, possuíssem contra si provas legítimas de tais pecados, por isso tido como incorrigíveis, quanto aos chamados presos convictos (LOPES, 2019). Todavia, o que se tem contra André pela segunda vez são apenas testemunhos singulares e ele não poderia ter sido condenado, como o intendente assim o quer sem antes ter passado por um julgamento. O telespectador sabe que aquela prisão é ilegal e tem influência do Rubião, que inconformado com a fuga de Rosa, após a moça descobrir toda verdade sobre ele, acredita que com a prisão de André, a moça voltará correndo para casa. Ao saber do que poderia ocorrer com o pai de seu filho, Mimi se aflige. Tolentino é o responsável por avisar Dionísia de que André está preso e seria sentenciado à forca, ela também se desespera. Na prisão, o soldado é quem leva o padre para aplicar a extrema unção aos condenados, quando André é ratificado que por ser sodomita foi sentenciado à forca pelo intendente sem ao menos ter a chance de se defender. André questiona como Tolentino teve coragem de fazer parte daquilo e em seguida a extrema unção do padre é dada: “por esta santa unção e sua infinita misericórdia, Deus te perdoe por tudo que fizeste de mal: por visual, audição, palavras, gestos, passos”. Reiterando o discurso cristão de que tudo que André viveu ao longo de sua vida foi pecado quando associa isso a sua fala, gestos e trejeitos. Na cena, Tolentino está tão envergonhado que não tem coragem de olhar para André, mas ao fim da cena os dois se encaram.

Figura 19 - André recebe a extrema unção e é levado à forca.

Fonte: Capturas de tela feita pelo autor por meio do serviço de streaming da Globoplay.

Os soldados vão apanhar os condenados e André declara: “condenados por um louco, sem nenhuma autoridade!”. Solidificando a tese de que os réus deveriam ter passado por um julgamento, mas os soldados afirmam que foram cumprir as ordens do intendente. André pede que eles não o arrastem e sob as vaias e soco de populares é levado à forca junto com Xavier, 66

acusado de rebeldia. Ambos são informados que aguardam execução de suas penas e só poderão ser poupados se agraciados pelo indulto do intendente, André é acusado de ser sodomita, pecado nefando e imperdoável. A situação se trata de uma circunstância armada pelo intendente perante uma população que gritava e comemorava a morte de civis. Ambas as penas seriam por vingança, além de André, Xavier era o homem que Rosa amava. Rubião reitera ao Marquês Omar, um nobre que era contra o que estava acontecendo, que os dois seriam executados, pois a cidade se encontrava em estado de guerra e culmina na imposição da lei marcial, bem como os julgamentos sumários para a manutenção da ordem pública, quando, na verdade, nada daquilo se justificava. Apesar do desejo de uma revolução que se armava, a morte de André nada tinha a ver com ela e seu enforcamento seria seu ato de vingança. André sabe que será o primeiro a ser enforcado, Xavier afirma que ele é um homem bravo e ambos são colocados na corda. O intendente assina a sentença do enforcamento e faz seu discurso: “o primeiro a ser executado para o vosso gáudio e garantia da dignidade da família em Vila Rica e no Império será o herege, incorrigível e pertinaz, André Raposo Viegas. Seu crime: sodomia, pederastia, pecado nefando contra Deus todo poderoso e contra a Coroa. Prática de atos inaturais, ofensa grave a religião e a santa madre Igreja. Pelo poder a mim conferido por sua alteza, o príncipe regente, eu o condeno à morte na forca!”. O discurso nos remete às determinações culturais, sociais e históricas brasileiras sobre a homossexualidade na trama da novela cuja história se passa em outro período, mas tal visão ainda é presente na sociedade brasileira, em que a cultura enraizada está intimamente ligada aos ensinamentos da Igreja, que elevou a homossexualidade à categoria de ‘pecado’ e prática ‘antinatural’. Tal discurso mesmo, no século XXI, é reverberado por parte dos religiosos, uma vez que a influência dos católicos e protestantes na visão da sociedade influenciou muito no desenvolvimento de homofobia, ou seja, uma aversão à homossexualidade (DARDE, 2008). André pede ao carrasco que faça logo seu serviço, enquanto o executor confere se a corda envolvida em seu pescoço está amarrada ao poste. Tolentino então chega próximo a André e pergunta se ele deseja proferir suas últimas palavras, o fidalgo afirma: “se algum crime eu cometi, foi ter amado”. André é encapuzado e o intendente dá ordens para que ele seja enforcado, e assim o é. Xavier ainda consegue se soltar e tentar salvar o amigo, mas em meio à revolução, que agora sim se disparava, recebe um tiro e cai, fazendo com que ele soltasse o amigo que segurava para que não fosse enforcado.

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Figura 20 - André é enforcado

Fonte: Capturas de tela feita pelo autor por meio do serviço de streaming da Globoplay.

André, portanto, não tem um final feliz, pelo contrário, seu final é a morte, sendo mais uma reverberação do que ocorria com a representação de personagens homossexuais nas primeiras décadas em que foram representados na teledramaturgia. Ainda que o objetivo da obra fosse a arte imitar a vida, ou qual era o fim que os homossexuais tinham naquela época, cabe ressaltar que, conforme Green (2000), não há registros de que homossexuais no Brasil tenham sido condenados à fogueira durante o período inquisitorial.

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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

De acordo com Martín-Barbero e Rey (2001), ao combinar os avanços tecnológicos da mídia com narrativas por vezes anacrônicas, que fazem parte da vida cultural dos povos, as telenovelas propiciam importante debate sobre a cultura contemporânea que se contorna com as matrizes culturais desses países. Dessa forma, em Liberdade, Liberdade, o estudo acerca da homossexualidade na telenovela nos permitiu inferir sobre como era a vivência homossexual naquela época, ainda com os anacronismos narrativos, que envolveram a forma como eram punidos aqueles que não se omitiam e viviam sua sexualidade. Apesar de André ser estereotipado em algumas cenas, devido ao padrão heteronormativo presente em uma trama de época, cabe ressaltar que não apenas dessa estereotipação se constituiu a trama do personagem da telenovela. Pelo contrário, há também um aprofundamento de sua história que ganha narrativas próprias, chegando os dramas do personagem, assumir um papel central no protagonismo na trama, principalmente em sua reta final quando é acusado de sodomia. Em um período que houve intensas transformações na representatividade de personagens LGBTQIA+, principalmente na última década, ainda que André não tenha tido um final feliz, como acontecia nas primeira décadas em que foram representados, sua história pode ser considerada um marco na memória da teledramaturgia, por ser uma trama histórica, buscando refletir sobre as determinações culturais, sociais e históricas daquela época e, além disso, nesse enredo, procurar fazer uma leitura de temas contemporâneos. Ademais, foi exibida a primeira cena de sexo homossexual de uma telenovela brasileira, após a emissora ter passado por boicotes antes com o beijo lésbico em “Babilônia” e novamente organizações religiosas tentarem boicotá-la. Pode-se observar por meio da análise que ao longo da trama, o arco narrativo de André se desenvolve primeiro, partindo de um homem que sofre com o modelo heteronormativo imposto pela sociedade, seguido de uma descoberta da sua sexualidade e por fim sendo um personagem que sofre com as consequências de ser um “sodomita", na época considerado crime e pecado. Mesmo com o encerramento da análise proposta, obviamente outros pontos poderiam ser explorados na trama, como na seleção de cenas e capítulos que não foram considerados na análise, mas a seleção buscou abranger todo o arco narrativo de André. Em um vasto universo de obras ficcionais da teledramaturgia brasileira, o debate sobre a questão de gênero e sexualidade é importante para que se possa entender de que modo ela foi e está sendo retratada 69

em cada época. Nesse ponto, cabe considerar a importância de estudos como este, que pode e merece ser aprofundado, uma vez que a narrativa perpassada em hábitos, costumes e valores do país é um produto que possibilita inúmeras descobertas a partir dos estudos dos elementos que a constitui, ao mesmo tempo em que se pode ter avanços e evitar o risco de retrocessos acerca dos direitos relacionados à temática.

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APÊNDICE A - CATEGORIAS DE ANÁLISE DOS CAPÍTULOS E CENAS DE LIBERDADE, LIBERDADE

Capítulo Minut Contexto e descrição da Expressão não Inferência Prova Validativa / dia em agem cena + expressão verbal verbal que foi da ao ar cena

03 00’53’’ Raposo diz que no Brasil André recusa a reprodução de Raposo afirma que e seu filho irá crescer e ideia de voltar ao discurso no Brasil o filho irá 14 de 01’52’’ aprender a ser homem, Brasil. Ele está heteronormativo. aprender a ser abril de longe dos rapapés da corte. agitado, com as homem. 2016 Ao que a filha, Rosa, pernas tremendo responde que “o lugar e se abanando pode ser diferente, mas as com seu leque. pessoas continuam as mesmas.”

22’01’’ O Intendente Rubião diz Raposo ao ouvir Ao tossir, Raposo Raposo ao ouvir e apostar que o filho saiu isso tosse como rejeita a ideia de isso tosse como em 23’12’’ igual ao pai. em tom de que o filho tenha o tom de sarcasmo. sarcasmo. puxado.

06 03’59’’ André e o pai procuram a André está Na cena é possível André está e irmã que desapareceu, assustado com ver a oposição das assustado com 19 de 04’55’’ após ter sido sequestrada aquilo tudo, pois características aquilo tudo, pois é abril de por Mão de Luva, mas o é a primeira vez entre pai e filho. a primeira vez que 2016 jovem é totalmente que se embrenha Enquanto André é se embrenha na desajeitado e chega a cair na mata. desajeitado, mata. Ao perguntar em cima do pai que pede Raposo é mais para o pai onde ele para ele parar de fazer firme e sabe por aprendeu essas barulho. André questiona onde está andando. coisas (saber andar ao pai onde ele aprendeu pela mata), Raposo essas coisas (saber andar diz que nem pela mata) e Raposo diz sempre morou na que nem sempre morou na cidade, que já foi cidade, que já foi um bicho um bicho do mato. do mato. André diz que ele André diz que ele ainda é. ainda é.

22’56’’ Bertoleza em conversa Bertoleza está Ao fazer a Dionísia responde e com Dionísia afirma estar preocupada com afirmação que fez, que seu sobrinho 23’58’’ com dó de André que está a demora dos Dionísia não é nenhum no meio do mato com o pai rapazes e apesar automaticamente coitadinho, ele “é e Dionísia responde que de não coloca o sobrinho um Raposo, além seu sobrinho não é nenhum demonstrar, num papel de do mais, o cavalo coitadinho, ele “é um Dionísia também homem forte e dele é manso feito Raposo, além do mais, o está apreensiva. corajoso, que não uma galinha, já cavalo dele é manso feito Bertoleza fica necessariamente conhece o caminho uma galinha, já conhece o totalmente tenha de cumprir. de cor e salteado.” caminho de cor e constrangida Dionísia provoca Após isso, Dionísia salteado.” Após isso, com o Bertoleza insinua a Bertoleza Dionísia insinua a questionamento justamente na 76

Bertoleza de que os dois já apontado por busca de conhecer que os dois já tiveram um caso, Dionísia. a sexualidade do tiveram um caso. deixando-a constrangida, sobrinho. que questiona se é pelo fato dela “ser negra e ter de servir aos brancos?”.

07 24’39’’ André elogia a cor do - reforço de Bertoleza diz que e vestido de Bertoleza e ela estereótipos que os ele tem a 21 de 25’29’’ diz que ele tem a gays possam sensibilidade de abril de sensibilidade de uma entender de moda. uma moça. 2016 moça. Além de atribuir o elogio a papeis de gênero.

08 20’14’’ Após Raposo levar o filho André está O fato de o pai André rejeita as e ao bordel, Mimi, uma das suando, ofegante levar o filho para investidas de Mimi 22 de 22’48’’ rameiras tenta de todas as e nervoso com as perder a e oferece mais abril de formas seduzir André. Ela investidas de virgindade neste dinheiro para caso 2016 23’54’’ diz que fazer sem Mimi e rejeita ambiente reforça o o pai pergunte se e vergonhice é muito melhor todas as carícias machismo da tudo ocorreu bem. 25’13’’ do que conversar, põe as da prostituta. época. mãos de André em seus Mimi dá O nervosismo de seios e pergunta se ele mordidas no André com a “não gosta?”. O fidalgo diz pescoço de situação mostra que parece uma pera e André, o que que ele não sente Mimi afirma que é a deixa o rapaz atração pela moça primeira vez que um assustado. e dá dinheiro para homem a rejeita. Mimi, revela que André oferece dinheiro ele prefere que o para que Mimi conte ao pai pai não saiba o que que tudo ocorreu bem. Ela ocorreu, dá uma mordida em seu transmitindo ao pescoço e diz que o amor telespectador, o deixa marcas. Raposo medo que o rapaz afirma que o filho se tem do que o pai divertiu. possa pensar.

09 15’37’’ Xavier pergunta a André o - discurso machista Xavier diz que e que ele bebe e o rapaz diz e atribuição de nunca viu homem 25 de 16’20’’ que não bebe. Xavier então papeis a gênero. que não bebesse. abril de fala que nunca viu homem 2016 que não bebesse e André responde que não bebe naquele horário.

12 14’02’’ André diz que pode André fica Neste ponto, o fato André fica e ensinar Mimi a ler e encantado e dele comparar o encantado e 29 de 15’54’’ escrever e compara o admirado com o corpo feminino admirado com o abril de corpo dela com as corpo de Mimi, com uma obra de corpo de Mimi e o 2016 19’24’’ esculturas de mas como ele a arte revela que ele compara com as e Michelangelo e Leonardo. rejeita, a moça é um homem culto esculturas de 20’28” Mimi pergunta se ele não pensa que assim e estudado. Michelangelo e sente nada ao vê-la e o faz por ter nojo Ademais, ao não Leonardo. 77

29’56’’ André diz sentir um deleite dela ser uma sentir nenhum André se assusta e estético. mulher da vida. desejo e atração com a chegada do 31’08’’ Raposo flagra André André se assusta pela moça, revela pai. Raposo está ensinando tabuada para com a chegada uma adoração para rude com o filho. 34’33’’ Mimi e chegando em casa do pai. Raposo com ela. Raposo afirma e questiona o que ele estava está rude com o André fica estar muito 35’17’’ fazendo vestido dos pés à filho, mas o preocupado com o orgulhoso do filho, cabeça com uma moça. fidalgo acredita que Raposo pode André agradece. André alega que já tinham ter contornado a pensar. acabado. situação, ainda André tenta Dionísia pergunta onde o que o espectador reconquistar e irmão vai e ele afirma que não fique com obter apoio e enfrentará o bando do Mão essa impressão. orgulho do pai. de Luva. Ela questiona se Dionísia fica ele vai se vestir para uma preocupada de o guerra e o fato dele estar irmão enfrentar louco por enfrentar sozinho um sozinho a gangue do bando de bandido, André diz então malfeitores, mas que vai acompanhar o pai. quando o Raposo entrega uma arma sobrinho se ao filho e Dionísia dispõe a ajudar o questiona se ele pai, ela fica enlouqueceu, Raposo ainda mais responde que o “filho é preocupada. A homem e pode ajudar a reação de André defender a família.” também é Raposo vai erguer a mão receosa. para ajudar o filho a passar por um batente, mas André recusa e se desloca sozinho. Posteriormente, Raposo afirma estar muito orgulhoso do filho, André agradece.

14 31’48’’ Ascensão diz para André André fica A partir daqui, as Ascensão diz para e que ele precisará ter muita assustado com as cenas de André André que ele 03 de 33’51’’ coragem e que vai sofrer revelações de vão sendo cada precisará ter muita maio de muito nesta vida, pois não Ascensão. Na vez mais coragem e que vai 2016 pode fugir de quem se é e cena seguinte, indicativas sobre sofrer muito nesta o rapaz não irá fugir. Na André está sua vida, pois não pode cena seguinte, no rio, admirado com o homossexualidade fugir de quem se é e André espia banho de corpo de . É também um ele não irá fugir. Saviano e Luanda. Saviano. ponto de virada na narrativa, que dá pistas sobre o seu futuro. 78

15 21’44’’ Bebendo na taverna, Enquanto está A cena indica o Enquanto bebe na e André pensa no corpo nu bebendo, André que está por vir. A taverna, André 05 de 22’44’’ de Saviano e Tolentino pensa no banho circunstância em pensa no corpo nu maio de chega para beber com o que assistiu, que os dois se de Saviano e 2016 jovem. Ele pede para seguido pela encontram e o fato Tolentino chega acompanhar o rapaz na cena de sexo de de André estar para beber com o bebedeira e diz que um Saviano e pensando no corpo jovem. homem jamais pode beber Luanda. André de Saviano e a sozinho, pois corre o risco também está troca de olhares de não encontrar o com um olhar dele com caminho de volta para diferente para Tolentino, casa. Tolentino. prenuncia uma formação de romance mesmo que na época fosse proibido.

23’33’’ Os dois vão juntos tomar André fica André fica Os dois vão juntos e banho no poço. Tolentino admirado vendo contemplando o tomar banho no 24’33’’ diz que o banho é a melhor o amigo sem corpo do amigo, o poço e André fica cura para a ressaca e fala camisa e que representa um admirado ao ver o que entende do assunto. molhado. processo de amigo sem camisa descoberta de e molhado. sexualidade.

16 07’04’’ Dionísia flagra o sobrinho Dionísia flagra o Se por um lado ele Dionísia flagra o e admirando o corpo de sobrinho está admirando o sobrinho extasiado 06 de 08’45’’ Saviano e repreende o extasiado corpo de Saviano, observando o maio de escravo, perguntando que observando o o fato dele não escravo Saviano 2016 12’11” trajes são aqueles e o escravo Saviano querer casar, trabalhar sem e ameaçando com a chibata. trabalhando sem mostra um camisa e com o 13’43’’ Dionísia pede que o camisa e com o sofrimento do corpo suado, e sobrinho beba uma garapa corpo suado. jovem com as sugere que o para cuidar de sua ressaca, Enquanto decisões que sua sobrinho se case. diz que ele está saindo um observa o tia deseja tomar verdadeiro filho de Raposo escravo, André por ele e sua André se sente e está impressionada com está se abanando própria como dentro de sua transformação. André com o seu leque sexualidade. uma guerra e diz diz que não é igual ao pai, e se assusta com que não gostaria de a tia afirma que ele é um a reação da tia. O fato de André ser ele, mas outro. homem feito e o fidalgo Ele está retraído, desejar ser outro, retruca, pois acredita estar assustado e nada demonstra um perdendo sua essência. Ela satisfeito com as estágio de negação diz que a vida de solteiro proposições de e repressão de seus pode ser uma ruína e que sua tia. sentimentos. muitos rapazes da mesma idade de André já são pais de família. Ao fim, ela sugere que irá apresentar uma moça para que André se case.

André encontra Tolentino e diz que naquela noite não 79

aguenta dentro de si, pergunta se Tolentino nunca sentiu que a vida lhe pesa demais sobre os ombros e afirma se sentir como dentro de uma guerra interna e que não gostaria de ser ele, mas outro.

24 10’32’’ Após uma noite no bordel, André e A sequência de André pergunta na e André e Tolentino se Tolentino cenas revela o igreja se o que 20 de 12’57’’ abraçam. Branca comenta trocam olhares interesse sente é pecado. maio de com sua tia Alexandra que carinhosos. romântico e a Alexandra diz que 2016 o rapaz é efeminado, e ela Alexandra se culpa católica do sua sobrinha é tão responde que sua sobrinha espanta com o rapaz que rejeita jovem e tão é tão jovem para ter conservadorism seus sentimentos. conservadora, que pensamentos o da sobrinha. Também é a na Europa ninguém conservadores. Alexandra Luanda diz que primeira vez que mais estranha estas diz que na Europa isso já é não sabe de nada outros atitudes. Branca comum. Branca pergunta e fica assustada personagens pergunta para também para a escrava ao saber que o comentam Luanda se ela sabe Luanda se ela sabe alguma rapaz pode ser abertamente sobre alguma coisa sobre coisa sobre André e conta sodomita. André a sexualidade de o jovem, que ele é que ele é efeminado e que está triste e André. Pela fala de efeminado e que sodomia é crime. André na culpado por seus Alexandra, a cena sodomia é crime. igreja se questiona sobre o sentimentos. revela ainda um que sente, se é um crime ou conservadorismo pecado. brasileiro frente a outras realidades já vividas na Europa.

25 20’19’’ Após uma confusão no Na mesma cama, Aqui nos é Na mesma cama, e bordel, quando André suado, revelado, o suado, suspirando 23 de 22’56’’ tenta defender Mimi de um suspirando de sentimento de de nervo, Tolentino maio de dos rapazes, ele e nervo, Tolentino desejo que sente desejo por 2016 Tolentino são expulsos, e sente um desejo Tolentino sente André e descobre o no quarto do militar na por André e pelo amigo, amigo enquanto ele estalagem, o soldado diz descobre o confirmando uma dorme. que o fidalgo gosta de amigo enquanto bissexualidade que Mimi, afinal, a defendeu. ele dorme. já vinha aflorando André responde que a Tolentino se nos outros moça é uma companhia arrepende e capítulos. adorável e Tolentino decide dormir no complementa que além chão. Ao fim, é disso é boa de cama. André revelado que quer voltar para casa, mas André estava pelo horário, Tolentino o acordado. convida para dormirem juntos.

27 05’57’’ Rosa chega e vê André Enquanto olha A culpa católica Enquanto olha para e olhando para imagem da para a imagem ainda é algo muito a imagem da santa, 80

26 de 08’03’’ santa. Ela se aproxima e da santa, André forte para o André relembra da maio de começam a conversar, sua relembra a noite personagem. noite que passou 2016 26’44’’ irmã diz que todos têm o que passou com com o amigo. e direito de ser livre. o amigo. André é um 30’36’’ personagem com Mimi perde o André encontra a tia Mimi está muita compaixão e perdão a André por quando vai acompanhado bastante triste e devido à amizade e tê-lo arrastado para de Mimi à Ascensão. Ele chora, pois afeto que nutre por o local e chorando diz que vai prestar ajuda a acredita que o Mimi, decide diz que seu filho irá uma dama e Dionísia filho irá nascer assumir a nascer sem pai. questiona onde se sem pai. Após paternidade do André então decide escondeu a dama, pois não André revelar filho que a assumir a está a vendo. Prestes a que irá assumir a prostituta espera. paternidade da realizar o aborto, Mimi se paternidade da criança e responde: arrepende e diz “não quero criança, os dois “pois o pai do seu matar meu filho, seu choram filho, se você André”. Ela perde o perdão emocionados e quiser já ao amigo por tê-lo se abraçam. encontrou." arrastado para o local. A moça chora dizendo que o filho irá nascer sem pai e André responde: “pois o pai do seu filho, se você quiser já encontrou, se era isso que estava pesando em sua decisão de ter a criança”.

41 17’35’’ Após ter prestado serviços Tolentino não Tolentino é um Gironda chora, mas e ao Coronel, Gironda quer reage bem ao militar bruto e ainda assim, é 20 de 18’55’’ que ele seja responsável que Gironda agressivo, além de violentada pelo junho de por tirá-la do cabaré e se propõe, e depois misógino. Porém, coronel que a 2016 20’10’’ casar com ela. Como assim de enforcá-la, os capítulos que obriga manter e não o quer, Tolentino ri e passa a golpeá-la seguem revelam relações sexuais 21’34’’ agride a meretriz. Ao ouvir com tapas, até que a paixão que contra sua vontade os gritos de fora, ambos ser interrompido André sente pelo na frente de André. são surpreendidos por por André que soldado impede Após brochar, André que questiona a preocupado que ele o veja Tolentino Tolentino: “o que está questiona o que assim. novamente agride a acontecendo aqui?” estava meretriz, até ser André pede que Tolentino ocorrendo. interrompido por conte o que ocorreu e o Gironda chora, André, que soldado responde “não foi mas ainda assim, inconformado com nada meu amigo, são é violentada pelo o que estava apenas os jogos do amor”. coronel que a ocorrendo, afirma O coronel tenta transar obriga manter que o coronel não novamente com Gironda, relações sexuais iria bater mais que chora, na frente do contra sua naquela mulher. amigo, mas acaba vontade na frente brochando, fazendo com de André, que que a prostituta ria na cara assiste do coronel que diz que constrangido. aquilo nunca o ocorreu Como ele antes e parte para cima da brocha, a 81

moça, até que ela seja rameira ri e acudida por André, que zomba de afirma que o coronel não Tolentino, que iria bater mais naquela envergonhado na mulher. frente do amigo, volta a agredi-la. Inconformado com a situação, André impede que o soldado continue batendo na moça.

42 21’30’’ Tolentino acorda nu na Os dois trocam André está cada Os dois trocam e presença do amigo. André olhares, vez mais olhares, Tolentino 21 de 24’14’’ diz que o despiu depois Tolentino interessado no levanta da cama e junho de dele chegar sujo daquela levanta da cama amigo e o André admira seu 2016 noite, Tolentino pede que o e André admira o sentimento parece corpo. O soldado amigo esqueça o que viu seu corpo. Ao ser recíproco. diz que a amizade no quarto do bordel. André fim, o soldado o dele é muito mais finge que já esqueceu e o presenteia com cara do que o amor militar afirma que a um canivete e das mulheres. amizade de André é muito André retribui mais cara do que o amor com uma moeda. das mulheres. Os dois se abraçam.

45 08’13’’ Após chegar de surpresa A troca de Tolentino diz que a e na fazenda da família de olhares entre os amizade dos dois 27 de 09’24’’ André, Tolentino diz que a dois é sincera, está fazendo ele junho de amizade dos dois, o está mas Dionísia os mudar e que a vida 2016 fazendo mudar e que a vida interrompe, já não pesa como já não pesa mais como antes que antes. É algo que antes. É algo que ele nunca pudessem ele nunca sentiu, sentiu, nem com homem continuar a nem com homem nem com mulher. Com conversa. André nem com mulher e André ele não está mais se assusta com a que com André não sozinho e André diz sentir chegada da tia. está mais sozinho. o mesmo.

46 11’27’’ Nos capítulos anteriores, André está O apoio da família Rosa diz saber que e André decide assumir a convicto em é muito importante o filho que Mimi 28 de 12’39’’ paternidade do filho de assumir a criança para a aceitação de espera não é de junho de Mimi e após vê-la passar que Mimi André. André, mas ficará 2016 mal na rua, decide a espera. Após do seu lado. convidar para morar junto Rosa dizer que o de sua família. Rosa diz apoiará, os dois que não será fácil dobrar a se emocionam e tia e que ela sabe que o se abraçam. filho não é dele, mas ficará do seu lado.

48 18’57’’ André recebe a intimação André dá uma de Como o apoio de André recebe a e de que representará o pai durão com a sua família é muito intimação de que 82

01 de 19’26’’ em audiência contra Diogo resposta do pai e importante, André representará o pai julho de Farto e diz que Rosa e o pai busca não deseja a todo em audiência e 2016 22’48’’ terão muito orgulho dele. esboçar reação, momento dar pensa que a irmã e e André comenta sobre o mas o orgulho ao pai e à o pai terão muito 24’05’’ assunto com o pai, mas telespectador irmã em busca de orgulho dele. Raposo deseja saber sabe que o uma aceitação mesmo é se o filho tem orgulho do pai é primeiro no lar. certeza de querer perfilhar importante para o filho de uma prostituta. ele. André diz não se importar, que o filho pode ser dele e não se incomoda em assumir esta responsabilidade. O pai diz ter muito orgulho dele.

50 04’44’’ Raposo é morto, após ser Enquanto chora A perda do pai é André chora a e assassinado por Rubião e a perda do pai, muito perda do pai, diz 05 de 06’22’’ André sente muito, o Rosa é quem o representativa, que faltou tempo julho de fidalgo diz ter faltado consola. pois durante toda a para tudo e gostaria 2016 tempo para tudo e gostaria obra, André teve o que o pai tivesse que o pai tivesse tido objetivo de nunca orgulho dele. orgulho dele. Ele diz saber decepcionar o pai. que é o filho que o pai nunca quis ter.

54 22’52’’ Tolentino de ressaca, está Tolentino está A cena mostrou Os dois tiram a e se sentindo humilhado triste, mas muda uma forte roupa, se tocam e 12 de 28’27’’ pelo intendente, após a sua reação e fica cumplicidade do transam. julho de fuga de Ascensão da apreensivo, casal. Porém, após Tolentino saiu da 2016 29’35’’ cadeia e André o conforta ambos se olham o ocorrido, estalagem e dizendo que ele irá fixamente e se enquanto André arrependido e 30’51’’ esquecer. O militar fala beijam está em estado de quando sai, afirma que André é seu único apaixonados. êxtase com a noite que aquilo não amigo e como ele mesmo Sob uma música que tiveram, o poderia ter disse uma vez: “todos nós e intensa carga soldado se mostra acontecido. André temos uma segunda dramática, arrependido. ainda está natureza, que às vezes André o estonteado, sem permanece oculta'' e André empurra, os dois acreditar no que responde: “mas não para tiram a roupa, se aconteceu. sempre”. tocam e transam. Tolentino ao sair da Tolentino saiu da estalagem diz que isso não estalagem poderia ter acontecido. arrependido. Quando Simoa, dona da André ainda está taverna, pergunta se André meio bobeado e dormiu bem e aceita um distraído, sem cafezinho, o fidalgo acreditar no que responde afirmativamente, acabou de mas depois não consegue acontecer. prestar mais atenção no que ela falava. 83

56 23’24’’ Após Tolentino ter se André está se Como se sabe, André é levado a e afastado de André depois declarando para André confessou o força para a 15 de 25’49’’ do ocorrido, os dois o amigo, crime pela intendência, mas julho de amigos ensaiam uma Tolentino não se primeira vez, mas não nega o crime da 2016 25’50’’ reconciliação. André sente à vontade após ser delatado, sodomia e nem e questiona se Tolentino vai com a situação. por isso deveria revela o nome de 26’28’’ negar o sentimento que No fim, os dois ser castigado com seu parceiro, por sentem e os dois se beijam. se beijam.- penas mais isso é agredido pela 26’42’’ No mesmo momento, são André brandas, o que não polícia da corte. O e flagrados por Gironda, demonstra ocorreu. O réu foi coronel diz que há 30’52’’ uma rameira que Tolentino coragem ao violentado e uma testemunha e tinha trazido para morar enfrentar a ameaçado de para estes casos, 31’20’’ em seu quarto. polícia. tortura por não isso basta. André e Gironda denúncia ao Ao lado da irmã, revelar o parceiro. afirma ser 32’23’’ capitão da intendência o ele não se Antes, para o advogado, e o que viu: o pecado da aguenta e chora. crime de sodomia capitão diz que 33’72’’ pederastia. Rosa está triste e bastava uma então, o fidalgo e André é levado a força fragilizada com acusação, mas a sabe que o que 37’03’’ para a intendência, mas toda fim de que elas cometeu é crime de não nega o crime da circunstância fossem provadas, lesa-majestade. sodomia e nem revela o que está como nos revela a Tolentino diz que seu parceiro, sendo então vivendo, o que a história, as isso é uma posto sob tortura. O motiva a aceitar constituições do denúncia muito fidalgo é agredido pela o pedido de ABP da Bahia séria e André polícia da corte e após o casamento. passaram a exigir afirma que um coronel tentar defendê-lo, duas testemunhas, homem há de ser o capitão diz que há uma o que não ocorreu responsável pelos testemunha e para estes na trama e ainda seus atos. Rosa está casos, isso basta. André que ocorresse, é fragilizada com diz ser advogado, e o sabido que o toda circunstância capitão fala que então, último regimento que está vivendo, o André sabe que o que com o objetivo de que a motiva a praticou é crime de lesa- assegurar a defesa aceitar o pedido de majestade. Tolentino diz a do réu teve casamento do André que isso é uma mudanças, como a intendente. denúncia muito séria e o abolição do jovem afirma que “um segredo homem há de ser processual. responsável pelos seus O casamento entre atos.” Rosa e Rubião não Rosa visita o irmão na seria por amor, prisão, André está pois para Rosa era chorando e com medo de um sinal de morrer. agradecimento ao Rosa desabafa com Rubião intendente, por que após a morte do pai estar ao seu lado e está tudo sobre fora de seu defendendo sua controle. Seu irmão está família. Mais sendo enforcado por ser tarde, Rubião será quem é e ela está o responsável por questionando se a tia tem libertar André da razão em afirmar que “o cadeia. mundo não é um lugar para mulher sozinha”. Rubião 84

diz que estará sempre do seu lado e cuidará dela e de sua família como eles merecem, pois a ama. Rubião faz o pedido e Rosa aceita se casar com ele.

57 05’08’’ Virgínia vai visitar André André está André está Como é advogado e na cadeia e diz a ele que o exausto de se cansado de viver formado, André diz 18 de 06’42’’ crime não se sustenta, o esconder, por no armário, nem que se defenderá no julho de jovem afirma que isso decide viver que para isso tribunal e está 2016 18’15’’ infelizmente se sustenta e a sua sexualidade encare à forca. cansado de fugir. e dona do bordel fala que abertamente. Tolentino O Intendente 19’30’’ André não pode ser permanece Rubião pergunta a culpado por ser fiel a sua negando sua Tolentino qual 20’41’’ natureza. Como é sexualidade, pois relação ele e advogado formado, ele diz não deseja morrer. apresenta com 25’24’’ que fará sua defesa no Diferente do que André. O soldado tribunal e está cansado de acontecia na diz que são apenas fugir. época, em que os amigos. O Intendente Rubião sodomitas eram Duque de Ega pergunta a Tolentino que condenados à deseja que André relação o soldado tem com fogueira, na trama, seja levado à forca André e o militar afirma André seria posto pelo crime que que são apenas amigos e na forca. cometeu. não tem relação alguma com o crime que André cometeu. O Duque de Ega deseja que André seja levado à forca pelo crime que cometeu, Rubião informa que André é um membro da corte e Ega diz que a lei 85

precisa ser cumprida, pois há uma testemunha que é prostituta. Rubião sugere para Tolentino que a testemunha seja eliminada e o coronel assim o faz, matando Gironda. Ele corta seus cabelos e revela a Rubião que resolveu o problema. Como o crime não tem testemunha, a pele de André está a salvo e ele é libertado no capítulo seguinte.

62 20’13’’ Tolentino e André estão Ambos estão A impressão que Ambos estão e em mesas diferentes, sérios, quando fica é de que Otto sérios, mas quando 26 de 20’56’’ enquanto bebem na Otto chega foi a Vila Rica a Otto chega, André julho de taverna. De repente, chega André sorri e pedido de André, sorri e Tolentino 2016 30’16’’ Otto, novo amigo de olha com para fazer ciúmes morre de ciúmes. O e André, e os dois bebem sarcasmo a em Tolentino. soldado demonstra 30’52’’ juntos. Tolentino que sentir raiva de No bordel, André aparenta estar André após ter sido apresenta Otto à Tolentino, possuído dos apresentado a Otto. no momento em que o sentimentos soldado se diverte com ciúmes e raiva. duas prostitutas. O coronel Tolentino, pede licença e fala que as novamente damas estão ansiosas, demonstra sentir evitando qualquer contato raiva de André. e conversa.

63 30’47’’ Dionísia não vê com bons - A tia tem razão em Dionísia tem medo e olhos a amizade entre ter medo de que o do que possa 28 de 31’30’’ André e Otto, ela tem sobrinho vá acontecer e julho de medo do que possa novamente preso desabafa com 2016 acontecer e desabafa com ou algo pior. Bertoleza. Bertoleza.

64 27’21’’ André elogia as dragonas No quarto, O fato de Tolentino diz que e de Tolentino que Tolentino faz Tolentino ter pensou que André 29 de 30’35’’ conquistou a patente de carinhos e cheira ciúme de André não se importava julho de Capitão-General e se o cangote de com Otto e depois mais com ele, pois 2016 dispõe a costurá-las, André. Os dois ainda agredi-lo, o viu com Otto. 86

Tolentino diz que pensou se beijam e indica que aquilo Tolentino agride que André não se pulam na cama não iria acabar Otto e André sai em importava mais com ele, felizes, mas são bem. defesa do amigo. pois o viu com Otto. André interrompidos diz que Otto é apenas um por Otto que bate amigo e pede à taberneira à porta. uma garrafa de vinho para Tolentino agride ambos comemorar. Simoa Otto e André sai e o marido, donos da em sua defesa. taberna/estalagem não veem isso com bons olhos, pois André ainda não parece ter aprendido a lição. Quando ambos vão ao quarto de Tolentino, Oto bate à porta e o soldado não o recebe bem, batendo em Otto. André diz que o amigo não deveria estar lá e sai em sua defesa. Tolentino questiona se André ainda vai defendê-lo.

65 21’32’’ Após apanhar de Otto está se André está cego de André pede que e Tolentino, Otto está com sentindo amor por Otto não exagere e 01 de 22’39’’ os olhos roxos e diz que o humilhado e Tolentino e releva releve o que o agosto de militar é um bruto e que André acha que as atitudes que o soldado fez. 2016 voltará para o Rio de o amigo está coronel tem, Janeiro. André pede que exagerando. mesmo após ter ele não exagere e Otto diz agredido seu que tudo aquilo: “foi por amigo. sua causa. Aquele selvagem é uma péssima influência, não passa de um hipócrita.”

66 01’28’’ André é novamente preso, André e Diferente do que Rubião diz que e ele questiona ao soldado Tolentino se ocorre na trama, a André será levado à 02 de 04’53’’ “Você Tolentino?” ficando encaram, o penalidade para forca. O padre agosto de subentendido de que foi o fidalgo está sem sodomia não era a chega na cadeia 2016 06’03’’ militar quem o denunciou acreditar no que forca, mas a para aplicar e novamente (além do o soldado armou. fogueira. extrema unção aos 09’04’’ ciúme, a questão se trata de - Ademais, André condenados e sob uma vingança pessoal de não poderia ser este discurso, 19’38’’ Rubião, após Rosa tê-la condenado sem Rubião condena e abandonado). antes passar por André a pena 20’41’’ A polícia da intendência um julgamento. capital: “Garantia invade o quarto de Otto e, Quando recebe a da dignidade da 22’05’’ Tolentino diz que ambos extrema unção, família em Vila e serão presos pelo crime de assim como o Rica e no Império. 24’34’’ pederastia, mesmo que o discurso feito por Seu crime: rapaz diga que não fez Rubião no ato de sodomia, 25’14’’ nada. Otto corre e é sua morte remete pederastia, pecado 87

e baleado nas costas para o as determinações nefando contra 27’26’’ desespero de André. culturais, sociais e Deus, todo Rubião afirma que André históricas poderoso e contra a será levado à forca. brasileiras sobre a coroa, prática de Quando os soldados saem homossexualidade atos inaturais, com o filho de Raposo, na trama da novela ofensa grave a Rubião agradeceu a ainda presentes na religião e a Santa Tolentino, por ter sociedade Madre Igreja”. denunciado os dois à brasileira, onde a coroa. Mimi é avisada que cultura enraizada André foi preso e se está intimamente desespera. Rubião acredita ligada aos que com a prisão de André, ensinamentos da Rosa retornará. Igreja, que elevou O padre chega na cadeia a para aplicar extrema unção homossexualidade aos condenados. André à categoria de descobre que seria ‘pecado’ e prática condenado à pena capital e ‘antinatural’. questiona como Tolentino foi capaz de fazer parte disso. O Marquês Omar diz que André merece um julgamento justo e acusa o intendente de abuso de autoridade, mas Rubião afirma que o sítio está em estado de guerra e neste caso, o julgamento sumário se faz necessário para manutenção da ordem pública. Sob este discurso feito por Rubião, André é condenado à forca: “Garantia da dignidade da família em Vila Rica e no Império. Seu crime: sodomia, pederastia, pecado nefando contra Deus, todo poderoso e contra a coroa, prática de atos inaturais, ofensa grave a religião e a Santa Madre Igreja”. Tolentino pergunta suas últimas palavras e André diz: “Se algum crime eu cometi, foi ter amado.”