PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Antonio Ive Marinheiro

Guerra dos lugares, territorialização da produção e desenvolvimento regional: três fatores dissociados no caso da instalação da Ford na BA.

MESTRADO EM GEOGRAFIA

SÃO PAULO

2013 PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP

Antonio Ive Marinheiro

Guerra dos lugares, territorialização da produção e desenvolvimento regional: três fatores dissociados no caso da instalação da Ford na BA.

MESTRADO EM GEOGRAFIA

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de MESTRE em Geografia, sob a orientação da Profª. Dra. Marísia Margarida Santiago Buitoni

SÃO PAULO

2013 Banca Examinadora À Dulcimara, Gabriel e Isabela, pela graça de uma vida compartilhada e pela prova de que todo trabalho, mesmo aquele individual, nunca é realizado de maneira solitária. Agradecimentos

Esta página é dedicada a todos aqueles que de maneira direta ou indireta, contribuíram para a realização desse trabalho. São pessoas e instituições, sem as quais esta pesquisa não teria se concretizado:

À CAPES pelo apoio financeiro imprescindível para levar a termo o presente projeto.

À minha orientadora, Profª Dra. Marísia Margarida Santiago Buitoni, que nos momentos difíceis apontou caminhos.

Ao Prof. Dr. Fábio Betioli Contel, da Universidade de São Paulo, e ao Prof. Dr. João Evangelista de Souza Lima Neto, da PUC-SP, pelas valorosas contribuições no exame de qualificação.

Aos professores do Programa de Mestrado em Geografia da PUC-SP, Profª. Dra. Marcia Maria Cabrera Monteiro de Souza, Prof. Dr. Douglas Santos, Prof. Dr. Gustavo de Oliveira Coelho de Souza e Prof. Dr. Edson Cabral, pelas contribuições ao longo do curso.

À Zeíra Mara Camargo, economista da Subseção do DIEESE – Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, pela disponibilização do acervo e pelas valiosas sugestões.

À Rosiane Reis e Clécio Aguiar, do Sindicato dos Metalúrgicos de Camaçari, pelo compartilhamento de dados e informações atualizadas.

À Ilvanita Barbosa de Souza, Lucas Vieira Carvalho e Guilherme Jaime Castro, pela revisão gramatical e ortográfica.

À Dulcimara Lugoboni Marinheiro, que pelo fato de já ter percorrido esse caminho, tornou meu caminhar mais confortável. Resumo

Esta dissertação teve o objetivo de investigar se programas de incentivos fiscais, adotados por governadores e prefeitos no Brasil, sobretudo nos anos 1990 e 2000, foram capazes de ancorar políticas de desenvolvimento econômico regional. Com o foco na implantação da Ford, na cidade baiana de Camaçari, analisamos se a população de regiões anfitriãs de novas indústrias tem sido beneficiada com o crescimento econômico, fruto das atividades das plantas industriais que foram atraídas por meio de benefícios fiscais. A relevância desse tema emerge do grande impacto que as políticas públicas baseadas na renúncia fiscal têm provocado na sociedade brasileira, tanto nas áreas industrializadas, como a Região Metropolitana de São Paulo, quanto naquelas que não possuem tradição industrial. Baseados em autores que se debruçaram sobre esse assunto e por meio da análise de dados socioeconômicos do município de Camaçari, averiguamos que a melhoria nas condições de vida da população não foi proporcional ao crescimento das atividades econômicas. Alguns fatores que contribuíram para esse quadro foram o acelerado processo de urbanização, insuficientes investimentos em serviços públicos, baixos salários pagos pelas indústrias locais, entre outros.

Palavras-chaves: Ford, renúncia fiscal, desenvolvimento regional, indústria automobilística, crescimento econômico, urbanização. Abstract

This work aimed to investigate whether tax incentive programs, adopted by governors and mayors in , especially in the years 1990 and 2000, were able to anchor regional economic development policies. Focusing on the implementation of Ford, in the city of Camaçari, we analyzed the population of regions host of new industries has benefited from economic growth as a result of the activities of the industrial plants that were attracted by tax benefits. The relevance of this theme emerges from the huge impact that public policies based on tax breaks have caused in Brazilian society, both in industrialized areas, such as the Metropolitan Region of São Paulo, as those who have no industrial tradition. Based on authors who have studied this subject and through analysis of socioeconomic data Camaçari, then used to establish that the improvement in the living conditions of the local population was not proportional to the growth of economic activities. Some factors contributing to this situation are the accelerated process of urbanization, inadequate investment in public services, low wages paid by local industries, among others.

Keywords: Ford, tax breaks, regional development, automobile industry, economic growth, urbanization. SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...... 14

1. DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E A INDÚSTRIA AUTOMOBILÍSTICA NA ERA DA PRODUÇÃO FLEXÍVEL...... 18

1.1. A teoria dos polos de desenvolvimento econômico e a guerra dos lugares...... 18

1.2. A Guerra dos Lugares e a Indústria Automobilística...... 26

1.3. Novo Regime Automotivo ...... 39

2. INDÚSTRIA AUTOMOBILÍSTICA: NOVAS ESTRATÉGIAS...... 42

2.1. Indústria Automobilística: uma cadeia produtiva cada vez mais internacionalizada ...... 42

2.2. Projeto Amazon: a reestruturação produtiva da Ford no Brasil ...... 48

2.3. Os trabalhadores do Complexo Industrial Ford Nordeste ...... 66

3. O IMPACTO DA INDUSTRIALIZAÇÃO NO MUNICÍPIO DE CAMAÇARI APÓS OS ANOS 2000...... 76

3.1. Localização geográfica do município de Camaçari...... 76

3.2. A produção do espaço de Camaçari a partir da segunda metade do século XX...... 77

3.3. Camaçari e seus indicadores de crescimento econômico (1998-2006)...... 85

3.4. Camaçari e seus indicadores de desenvolvimento social (1998-2006)...... 92

CONSIDERAÇÕES FINAIS...... 103

BIBLIOGRAFIA...... 107

APÊNDICES...... 116

Apêndice A ...... 116

Apêndice B ...... 118 LISTA DE FIGURAS DE FIGURAS

Figura 1 - Anúncio publicitário do governo da Bahia ...... 28

Figura 2 - Protestos de Trabalhadores da Ford SBC contra Guerra Fiscal ..... 31

Figura 3 - Comunicado do governo gaúcho à população sobre a Ford ...... 35

Figura 4 - Layout do Complexo Industrial Ford Nordeste ...... 59

Figura 5 - Mapa da Região Metropolitana de Salvador...... 76

Figura 6 - Layout do Polo Industrial de Camaçari...... 83

Figura 7 - Índice de Desenvolvimento Econômico de Camaçari (1998 – 2006)86

Figura 8 - Índice de Infraestrutura de Camaçari (1998 – 2006) ...... 88

Figura 9 - Índice de Qualificação de Mão de Obra de Camaçari (1998 – 2006)89

Figura 10 - Índice de Produto Municipal de Camaçari (1998 – 2006)...... 90

Figura 11 - Índice de Desenvolvimento Social de Camaçari (1998 – 2006) ...... 93

Figura 12 - Índice de Nível de Saúde de Camaçari (1998 – 2006) ...... 94

Figura 13 - Índice de Nível de Educação de Camaçari (1998 – 2006) ...... 95

Figura 14 - Índice de Nível de Serviços Básicos de Camaçari (1998 – 2006) ... 96

Figura 15 - Índice de Renda Média dos Chefes de Família de Camaçari...... 97 LISTA DE QUADROS

Quadro 1 - Dotação de Fatores Naturais (Grupo 1)...... 51

Quadro 2 - Polo Automotivo (Grupo 2) ...... 51

Quadro 3 - Consolidação da Ford (Grupo 3) ...... 52

Quadro 4 - Oportunidades à Curto Prazo (Grupo 4)...... 52

Quadro 5 - Sistemistas do Complexo Industrial Ford Nordeste...... 53

Quadro 6 - Cadeia Totalmente Integrada da Indústria Automobilística ...... 62

Quadro 7 - Distribuição Geográfica da Indústria Automobilística 2012...... 64

Quadro 8 - Unidades Industriais Automobilísticas Anunciadas ...... 65

Quadro 9 - Principais Greves no Complexo Industrial Ford Nordeste ...... 73 LISTA DE TABELAS

Tabela 1 - Relação Emprego, Produção e Faturamento da Indústria Automobilística Brasileira (1990 – 2011) ...... 66

Tabela 2 - Comparação entre as Despesas com uma Cesta Padrão de Consumo dos Metalúrgicos e a Remuneração Média de um Montador em Municípios com Plantas Automobilísticas (2011) ...... 70

Tabela 3 - Jornada de Trabalho nas Empresas Montadoras de Veículos ...... 72

Tabela 4 - Crescimento Populacional de Camaçari (1970 – 2010) ...... 78

Tabela 5 - Índice de Desenvolvimento Humano dos Municípios da RMS ...... 80

Tabela 6 - Evolução do Valor Agregado da Indústria e PIB de Camaçari ...... 84

Tabela 7 - Evolução do Ranking dos Indicadores Econômicos e Sociais - Camaçari (1998-2006)...... 98

Tabela 8 - Estabelecimentos de Saúde e População ...... 99

Tabela 9 - Estabelecimentos de Educação e Matrículas no Ensino Fundamental e Médio – Município de Camaçari (2002-2009)...... 100 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGAS

ANFAVEA – Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores

CHESF – Companhia Hidrelétrica do São Francisco

CIA – Centro Industrial de Aratu

CIFN – Complexo Industrial Ford Nordeste

COFIC – Comitê de Fomento Industrial de Camaçari

COPEC – Complexo Petroquímico de Camaçari

DIEESE – Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos

DIRES – Diretoria Regional de Saúde do Estado da Bahia

ETN – Empresa Transnacional

ICMS – Imposto sobre circulação de Mercadorias e Serviços

IDE – Índice de Desenvolvimento Econômico

IDEs – Investimentos Diretos Externos

IDHM – Índice de Desenvolvimento Humano do Município

IDS – Índice de Desenvolvimento Social

INE – Índice do Nível de Educação

INF – Índice de Infraestrutura

INS – Índice de Nível de Saúde

IPM – Índice de Produto Municipal

IQM - Índice de Qualificação da Mão de obra

IRMCH - Índice da Renda Média dos Chefes de Família

ISB – Índice de Saneamento Básico

NRA – Novo Regime automotivo

ONGs – Organizações Não Governamentais

PFL – Partido da Frente Liberal PIB – Produto Interno Bruto

PIC – Polo Industrial de Camaçari

PLR – Participação nos lucros e Resultados

PMC - Prefeitura Municipal de Camaçari

PMDB – Partido do Movimento Democrático Brasileiro

PRN – Partido da Renovação Nacional

PSDB – Partido Social Democrático Brasileiro

PT – Partido dos Trabalhadores

RAIS – Relatório Anual de Informações Sociais

RMS – Região Metropolitana de Salvador

SBC – São Bernardo do Campo

SENAI – Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial

SEI – Superintendência de Estudos Econômicos da Bahia

SMC – Sindicato dos Metalúrgicos de Camaçari

VA – Valor Agregado INTRODUÇÃO

Esta dissertação teve o objetivo de investigar se determinados programas de incentivos fiscais, adotados por governadores e prefeitos no Brasil, foram capazes de ancorar políticas de desenvolvimento econômico regional, sobretudo nos anos 1990 e 2000. Com o foco na implantação da Ford, na cidade baiana de Camaçari, analisamos se, de fato, a população de regiões anfitriãs de novas indústrias tem sido beneficiada com o crescimento econômico, fruto das atividades das indústrias que foram atraídas por benefícios fiscais.

A relevância desse tema emerge do grande impacto que as políticas públicas baseadas na renúncia fiscal têm provocado na sociedade brasileira, tanto nas áreas industrializadas, como a Região Metropolitana de São Paulo, quanto naquelas que não possuem tradição industrial.

Desde já, deixamos claro que esta é uma tarefa cujos resultados da investigação terão um caráter inconclusivo e parcial, uma vez que o objeto de estudo é relativamente recente (2000). Por outro lado, também acreditamos que tais resultados serão de grande importância, uma vez que poderão apontar tendências sobre as atuais políticas de desenvolvimento regional em nosso país.

Para se tornarem territórios de acolhimento de novos empreendimentos, estados e municípios buscam se qualificar como locais ideais para receberem os novos investimentos. Qualificação da mão de obra, criação de infraestrutura, renúncia fiscal, financiamentos etc., são alguns pré-requisitos para a qualificação local.

O custo dessa qualificação tem sido elevado, conforme apresentamos ao longo do trabalho. Partimos das seguintes indagações: os investimentos públicos (renúncia fiscal, financiamentos e construção de infraestrutura), constituem-se, verdadeiramente, em políticas que promovem o desenvolvimento econômico com claros benefícios para a população, ou são utilizados para atender às necessidades de acumulação de capital de grandes corporações? Ou ainda, estados e municípios têm o poder de orientar ou

14 influenciar as trajetórias do sistema produtivo ou esse papel é exercido exclusivamente pelo capital?

Em 1999, a Ford anunciou que abriria uma nova unidade produtiva no estado da Bahia. Esse fato chamou a atenção geral, devido à região localizar- se distante do eixo Rio–São Paulo, área de maior desenvolvimento econômico do país. Entretanto, a Ford não foi a primeira indústria automobilística a realizar empreendimentos dessa natureza. Em 1976, a Fiat começou a produzir automóveis no Brasil na cidade mineira de Betim.

Outro motivo que realça a importância dessa pesquisa é o fato de que o caminho trilhado pela Ford, implantando uma unidade produtiva distante do grande centro de consumo do país, está sendo seguido por outras indústrias. É o caso da nova unidade industrial da Fiat que será implantada no município de Goiana, em e da JAC Motors, em Camaçari, na Bahia, ambas com previsão de inauguração em 2014.

Para atingir os objetivos delineados, realizamos um levantamento bibliográfico sobre a regionalização no país, buscando comparações com o caso da Ford, bem como os autores que nos auxiliassem a compreender as teorias da localização industrial nos contextos socioeconômicos e políticos do Brasil, correspondentes ao período selecionado para a análise: de 1990 a 2000.

Além da leitura de teóricos que se debruçaram sobre o assunto, fontes nas quais buscamos a fundamentação teórica dessa pesquisa, nos pautamos na análise de dados estatísticos a fim de apreendermos a realidade com a máxima precisão possível, desde já, cientes da incapacidade de conhecê-la na sua plenitude. “O valor de uma concepção, assim como o seu sentido profundo, deve ser determinado através da observação daquilo que um homem chega a realizar com seu auxílio e não daquilo que ele diz sobre ela” (BOUDEVILLE, 1973, p.19).

Na sequência, dividimos essa dissertação em três capítulos, além das considerações finais.

15 No primeiro capítulo, apresentamos os referenciais teóricos que definiram a nossa linha de pesquisa e as características principais da fase atual da indústria automobilística. Para tanto, abordamos a reestruturação produtiva dessa indústria, fruto da transição do modelo de produção fordista para a atual produção flexível e enxuta. A produção flexível, originada no bojo da Terceira Revolução Industrial, realça a importância da escala local, em detrimento, muitas vezes, de áreas de forte tradição industrial. A territorialização da produção, na atual fase, enxuta e flexível, ocorre sobre novos patamares e exigências (VELTZ, 1999).

No capítulo dois, discutimos as novas estratégias da indústria automobilística instaladas no Brasil, o Novo Regime Automotivo, o Projeto Amazon (responsável pela reestruturação produtiva da Ford no país), e as condições de trabalho e renda no Complexo Industrial Ford Nordeste.

Nesse contexto, o papel do Estado se torna vital. Atualmente, grandes corporações multinacionais e governos se unem para a formação de novos distritos industriais em diferentes regiões do mundo (Markusen, 1995) e o Estado assume a função de agente do “empresariamento urbano” (HARVEY, 1996).

Para escolher novos locais de produção e atuação as empresas devem estar aptas a transitar no campo da diversidade. Isso significa que em uma economia cada vez mais globalizada a aplicação dos investimentos exige conhecimento e movimentação pela diversidade local. Torna-se imperativo para o grande capital a adaptação local à diversificação das normas sócio- organizativas (mão de obra, salário, cultura etc.) (VELTZ, 1999).

No terceiro capítulo, foram analisados os aspectos econômicos e sociais do município de Camaçari. A intenção foi a de averiguar se o desenvolvimento econômico se traduziu em transformação de uma economia excludente em outra mais moderna e eficiente, que contemple a melhoria do nível de vida do conjunto da população.

Nas considerações finais foram apontados os principais resultados da pesquisa e esperamos que sejam de grande valia para a compreensão de

16 aspectos importantes das atuais políticas de desenvolvimento regional de nosso país.

Acrescentamos algumas ponderações que nos ajudarão a compreender se o Estado, ao destinar grandes somas de recursos públicos para atrair empresas para determinados territórios, realmente promove o desenvolvimento social da região ou apenas cria condições para a ampliação da acumulação de capital por parte de grandes conglomerados econômicos.

17 1. DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E A INDÚSTRIA AUTOMOBILÍSTICA NA ERA DA PRODUÇÃO FLEXÍVEL

1.1. A teoria dos polos de desenvolvimento econômico e a guerra dos lugares.

Celso Furtado afirmou que a burguesia criou o mito do progresso. Marcado pela ideia da linearidade, esse mito afirmava que o progresso observado nas economias capitalistas centrais poderia ser universalizado. Portanto, os mais pobres e remotos rincões do planeta poderiam ser beneficiados com o desenvolvimento econômico capitalista, mas nunca em condições de igualdade, pois a cada etapa que chegassem, os desenvolvidos já teriam alcançado novos patamares. (FURTADO, 1974).

Entretanto, Furtado (1974) alertou ainda que, se houvesse desenvolvimento econômico universal e os países periféricos tivessem o mesmo padrão econômico dos países de economia central, haveria uma grande pressão sobre os recursos naturais do planeta com graves consequências para a humanidade e o meio ambiente.

O estudo de Celso Furtado foi aqui sucintamente apresentado para auxiliar a compreensão de um fato, que atualmente vem sendo muito discutido, de que o crescimento econômico de regiões brasileiras, historicamente marcadas pelo atraso social e pela pobreza, poderia finalmente ser superado com a atração de indústrias. Em outras palavras, o desenvolvimento regional, por meio da implantação de novas indústrias em locais sem tradição industrial, fato tão defendido por políticos e empresários, será realmente suficiente para a promoção do desenvolvimento regional? Ou será que se trata de um mito?

Como afirmamos anteriormente, com base na implantação de uma unidade produtiva da Ford Company do Brasil na cidade de Camaçari, na Bahia, no ano 2000, pretendemos averiguar com esse estudo, se o que está acontecendo é a manutenção de um mito, ou se de fato, a industrialização nos padrões tecnológicos do início do século XXI irá promover o desenvolvimento econômico e social da região. Em outras palavras, trata-se aqui de tentar compreender as transformações ocorridas no espaço geográfico daquele

18 município, após a ocorrência de um fato econômico importante, a instalação de uma indústria automobilística.

Apesar de outras áreas das ciências sociais estudarem o espaço, partimos do pressuposto de que este é o objeto central da Geografia. A realidade se objetiva no espaço e é na relação sociedade/espaço que a Geografia busca descrever, captar, relacionar, dimensionar, analisar e representar a realidade.

No entanto, outra condição do espaço que aqui se entende como pressuposto básico é a da impossibilidade de aprendê-lo em sua totalidade. Nem a Geografia, nem qualquer outra área da ciência conseguem compreendê-lo na sua plenitude. Para Rodrigues, “perde-se, desta forma, tanto a compreensão do todo pelo privilégio dado às partes, quanto da sua essência não revelada” (RODRIGUES, 1983, p.27).

Sendo o espaço local em que os fenômenos se desenvolvem é importante termos claro que tais fenômenos são frutos das ações humanas. Segundo o materialismo dialético o homem produz o seu próprio ambiente, mas não em condições por ele escolhidas. Isso não implica afirmar que não existam forças hegemônicas que orientam as ações na sociedade.

Estamos nos referindo ao modo de produção capitalista, pois é a partir de seus interesses e necessidades que os espaços são moldados no mundo contemporâneo. Para Rodrigues:

(...) o espaço não é um em si, aberto, à espera das determinações, frutos da liberdade humana, nem um componente de uma rede de relações que determina a direção de seu uso, mas o espaço é apropriado igualmente como componente do modo de produção e tem por função compor condições para o desenvolvimento do modo de produção capitalista (RODRIGUES, 1983, p. 30).

Assim, o espaço na sociedade brasileira atual é construído a partir de interesses capitalistas, cujo objetivo maior é garantir a reprodução do capital e sua acumulação em escala cada vez maior. O capital transforma o espaço e

19 com ele as condições materiais e sociais de sobrevivência do homem que o habita. Conforme Rodrigues:

Nesse contexto, o que ocorre com freqüência é a reconstrução do espaço ocorrer à margem da vontade dos próprios atores do modo de produção capitalista. O modo de produção avança, transforma todo o espaço em mercadoria, este acaba por ser ocupado à margem dos interesses específicos do capital, desorganiza-se, e exige a presença do Estado que, como aliado dos interesses do capital, interfere reorganizando-se para dotá-lo das condições necessárias à reprodução da força de trabalho (RODRIGUES, 1983, p.31).

Para compreender melhor as intrincadas nuances do desenvolvimento econômico do capital, haja vista que ele não ocorre de maneira igual em todo lugar, vários estudiosos como François Perroux, Jacques-R. Boudeville, Albert O. Hirschman, Douglass C. North e Gunnar Myrdal entre outros, realizaram estudos que lançaram luz sobre o assunto.

A teoria dos polos de desenvolvimento, com identificação de três espaços econômicos, elaborada por François Perroux e a identificação de um caráter operacional na noção de espaço, teorizada por Jacques Boudeville, foram, neste estudo, de grande auxílio para a compreensão do processo de desenvolvimento econômico regional.

O polo de desenvolvimento econômico exerce uma força motriz que impulsiona, à montante ou à jusante, unidades industriais que estão em relação econômica com ele. Segundo Perroux (1967), o crescimento econômico promovido por um polo de desenvolvimento somente será possível com a atuação de uma organização que promova o ordenamento da difusão das forças econômicas do polo, direcionando essas forças para o crescimento econômico de toda a nação.

Para analisar as relações econômicas Perroux (1967) destaca três espaços econômicos. O primeiro espaço ocupado por uma empresa é o conteúdo de um plano. Trata-se das relações entre a empresa e seus compradores e entre a empresa e seus fornecedores (output e input,

20 respectivamente). O segundo espaço é aquele em que a empresa exerce simultaneamente duas forças, uma centrífuga e outra centrípeta. São essas forças que determinarão a área de influência econômica da empresa. O terceiro espaço é o espaço homogêneo, que caracteriza o espaço econômico da empresa que pode transcender o próprio espaço vulgar, ou seja, aquele ocupado por ela mesma.

Determinadas indústrias, aquelas que apresentam crescimento de seu produto acima do crescimento econômico nacional, se destacam pelo fato de apresentarem grande capacidade de dinamização da economia. São as indústrias motrizes, que exercem ação à montante ou à jusante da cadeia produtiva, seja pelo grande consumo de insumos para sua produção ou porque produzem matéria prima que será consumida por outras indústrias (PERROUX, 1967). Um exemplo disso são as indústrias automobilísticas e petroquímicas, respectivamente.

Para melhor compreensão do processo de crescimento da economia, Perroux (1967) estabeleceu três elementos de análise: i) a indústria-chave, que é aquele que, à medida que sua produção aumenta (motriz), aumenta também a demanda de insumos provenientes de outras indústrias (moventes); ii) o regime não concorrencial do complexo. Esse elemento de análise resulta de uma ausência de concorrência e a existência de oligopólios que promovem a acumulação de lucros superiores ao que seria auferido se houvesse concorrência entre as indústrias; iii) A concorrência territorial que é fruto da concentração urbana e da proximidade geográfica do polo industrializado. Podemos observar esse elemento a partir do aumento da demanda por habitação, saúde, transporte, consumo em geral etc.

O desenvolvimento econômico somente teria efeitos duradouros se a população vivenciasse uma transformação social e mental. Perroux (1967) afirma que o acesso à saúde, habitação, educação, e até mesmo, a propensão à poupança, são condições essenciais para que o desenvolvimento econômico da nação se consolide.

Portanto, o desenvolvimento econômico de uma nação deve ser fruto de políticas públicas que objetivem não só o desenvolvimento técnico, mas 21 também humano, além da cooperação entre as diversas regiões da nação. Baseada nessa concepção, Perroux afirma que os polos de desenvolvimento são essenciais para uma nação (PERROUX, 1967).

A exemplo de Perroux, Boudeville atribui ao espaço um caráter operacional, enxergando-o também como dinâmico e, consequentemente, passível de mutação. A região, segundo Boudeville, se diferencia de espaço porque tem a superfície contígua, sendo, portanto, mais propensa ao sucesso das políticas de desenvolvimento regional.

Além disso, Boudeville define três tipos de região:

a) a região homogênea apresenta característica semelhante para todo o conjunto. “Corresponde a um espaço contínuo, cada uma de cujas partes, constituintes (ou zonas) apresentam características tão semelhantes quanto possível às da outra” (BOUDEVILLE, 1973, p.13) (grifos do autor);

b) a região polarizada é caracterizada pela interdependência entre as aglomerações urbanas. Embora o espaço seja heterogêneo, há uma hierarquia e interdependência entre as partes que a constituem. “A região polarizada não é uniforme, em razão dos próprios intercâmbios que a constituem” (BOUDEVILLE, 1973, p.14);

c) a região-piloto se forma quando um mesmo espaço contínuo está sujeito à mesma decisão. “Representa um instrumento colocado nas mãos de uma autoridade, sediada ou não sediada na região, afim de que seja atingida uma meta econômica determinada” (BOUDEVILLE, 1973, p.17).

Apesar do caráter operacional das noções de espaço e região concebidas por Boudeville, já que são passíveis de aferições estatísticas, não há uma maneira simples de definir suas fronteiras, uma vez que essas, na maioria das vezes, não coincidem com as fronteiras administrativas (BOUDEVILLE, 1973).

Assim como Perroux (1967), Boudeville (1973) alerta para a importância de políticas de desenvolvimento regionais que objetivem a integração do território nacional e que tenham uma visão do todo. Políticas eficazes são as que não tratam as regiões como unidades independentes e estanques, mas

22 que agem de maneira a promover o crescimento econômico, pois somente assim será possível promover o desenvolvimento contínuo de uma nação.

A partir dessa constatação de Perroux e Boudeville, deparamo-nos com outra questão importante, que é a diferenciação entre crescimento e desenvolvimento econômico. Partimos aqui do pressuposto de que crescimento econômico não leva inexoravelmente ao desenvolvimento econômico. Acreditamos que o crescimento econômico é conditio sinequa non para o desenvolvimento econômico, mas não uma condição suficiente.

De acordo com Souza, (1999) o crescimento econômico não implica necessariamente em melhorias para toda a população, portanto, não leva diretamente ao desenvolvimento econômico, entendido aqui como a acumulação de capital por empresários, mas também à apropriação, por parte dos trabalhadores, de parte da riqueza produzida de maneira que resulte em melhoramento de suas condições de vida.

Em outras palavras, segundo o autor, o crescimento econômico deve beneficiar o conjunto da sociedade, incluindo aqui a população trabalhadora, caso contrário, suas consequências poderão ser negativas, se tiver como características o pagamento de baixos salários, transferências de capitais para outros locais que não aqueles em que houve a geração da riqueza, entre outras (SOUZA, 1999).

Para Hirschman (1961), crescimento econômico é o resultado quantitativo positivo da produção de riqueza de uma economia, enquanto o desenvolvimento econômico é a evolução qualitativa das condições de vida da população local.

Deduzimos então que crescimento e desenvolvimento econômicos não se materializam, necessariamente, em um mesmo fenômeno. Portanto, existe um processo de crescimento de uma economia sem o correspondente desenvolvimento econômico. Para Perroux (1967) e Boudeville (1973) a harmonização entre esses dois fenômenos depende de políticas de desenvolvimento regional implementadas pelo Estado que levem em consideração a totalidade da economia nacional.

23 Observamos, entretanto, que no Brasil, a implementação de políticas de desenvolvimento regional, a partir de uma política industrial, que levasse em consideração a totalidade do território nacional objetivando sua integração harmônica, constituiu-se em um problema na década de 1990.

Botelho (2002, p. 56) chama a atenção para o acirramento das disputas entre as unidades da federação a partir da década de 1990. Afirma ainda que a ausência de uma política industrial de amplitude nacional, nesse período, contribuiu para a desarticulação de áreas tradicionalmente industrializadas, fato esse acirrado pelos incentivos fiscais oferecidos pelos Estados como meio de atração de novas empresas para seus territórios.

Santos (2006) afirma que a disputa entre as unidades federativas do Brasil por novos empreendimentos econômicos por meio da concessão de incentivos fiscais constitui-se em uma “guerra dos lugares”.

Para Santos:

Os lugares se distinguiriam pela diferente capacidade de oferecer rentabilidade aos investimentos. Essa rentabilidade é maior ou menor, em virtude das condições locais de ordem técnica (equipamentos, infra-estrutura, acessibilidade) e organização (leis locais, impostos, leis trabalhistas, tradição laboral) (SANTOS, 2006, p.247).

Portanto, ainda segundo Santos (2006), o nível de produtividade e de competitividade das empresas deixa de ser resultante apenas de sua própria capacidade técnica, pois incorporam também os benefícios que os lugares podem lhes proporcionar.

O acirramento da competitividade capitalista exige das indústrias, cada vez mais, capacidade de se adaptar às vicissitudes do modo de produção capitalista na atual fase da globalização. Benko afirma que:

A dinâmica da industrialização capitalista depende da capacidade de adaptação das empresas às novas condições de produção, o que inclui as mudanças nas relações políticas e sociais. Nesta ótica, as firmas são levadas a se relocalizar para constituir novas relações de trabalho. Os novos centros de

24 crescimento oferecem formidáveis oportunidades. A relocalização pode voltar-se para regiões de produção já existentes, porém como mais freqüência o redesdobramento dos investimentos e dos capitais dirige estes últimos para espaços relativamente pouco desenvolvidos (BENKO, 1995, p.147).

Um aspecto importante a ser ressaltado é que, segundo Harvey (1989), a mobilidade do capital conta como importante estratégia de acumulação capitalista. Alocar ou realocar uma unidade produtiva nessa, ou naquela região é uma prerrogativa que preconiza vantagens ao capital na sua luta contra o trabalho.

De acordo com Santos (2006, p.248), “assim como se fala de produtividade de uma máquina, de uma plantação, de uma empresa, podemos, também, falar de produtividade espacial ou produtividade geográfica, noção que se aplica a um lugar (...). Grifos do autor. Desse modo, fica evidente que com a globalização da economia capitalista o território ganha ainda mais importância no processo de acumulação de capitais por grandes conglomerados.

Diante do exposto, fica evidenciada a importância de políticas de desenvolvimento regional elaboradas pelo governo federal, que levem em conta a totalidade da economia nacional, evitando assim que estados e municípios sejam agentes promotores de uma disputa desenfreada pela atração de novos agentes econômicos, acirrando ainda mais os desequilíbrios regionais, típicos da sociedade brasileira.

25 1.2. A Guerra dos Lugares e a Indústria Automobilística

Abordaremos, a seguir, os principais aspectos do processo de acirramento das disputas entre os estados brasileiros para atrair investimentos produtivos privados por meio de isenções tributárias entre os anos 1990 e o final da primeira década do século XXI. Esse processo, demonstrado por Santos (2006) como guerra dos lugares e discutido no item anterior, ficou conhecido pelo nome de Guerra Fiscal.

Abordar os elementos essenciais do processo de disputa entre as unidades da federação brasileira por investimentos produtivos privados é importante porque auxiliará na compreensão do caminho trilhado pela montadora Ford para a implantação de uma unidade fabril na cidade baiana de Camaçari.

O setor da indústria brasileira que nos interessa no presente trabalho é o automobilístico, portanto, priorizaremos nossa discussão sob a ótica desse setor.

No início dos anos 90, mais precisamente a partir do governo de Fernando Collor de Mello, (1990-1992), eleito pela legenda do Partido da Renovação Nacional (PRN), o Brasil deu início ao processo de abertura e desregulamentação da economia e privatização de empresas estatais1. Foi nesse contexto que o termo guerra fiscal tornou-se recorrente nos noticiários econômicos do país.

Portanto, é necessário nesse momento esclarecer que a aguerrida disputa territorial por investimentos no Brasil, a partir dos anos 1990, está diretamente relacionada à reestruturação produtiva das indústrias brasileiras para enfrentar as mudanças produzidas a partir da adoção de políticas que provocaram a abertura da economia brasileira.

Sobre essa situação Botelho afirma que:

1 Referimo-nos à implantação de políticas neoliberais que se expandiram pelo mundo, sobretudo a partir do final dos anos 70. Os principais defensores dessas políticas foram Margareth Thatcher, na Inglaterra e Ronald Reagan, nos Estados Unidos.

26 a modernização de importante parcela da indústria brasileira, observada ao longo dos anos 1990 foi defensiva e conservadora, num contexto em que as empresas buscavam (e buscam) salvar sua participação no mercado nacional em face de um ambiente cada vez mais competitivo (BOTELHO, 2002, p.56). Grifos do autor.

Guerra Fiscal, de acordo com Dulci (2002, p.97), traduz-se em um “leilão de incentivos”, em que os governos subnacionais tentam “cobrir com vantagens financeiras o custo da alocação de uma empresa em outra parte que não aquela que ela escolheria por uma lógica de mercado”. Ou ainda, como define Varsano (1996, p.2), é “uma situação de conflito na federação em que o ente federado que ganha – quando, de fato, existe um ganho – impõe, em geral, uma perda a algum ou alguns dos demais, posto que ela raramente é um jogo de soma positiva”.

Segundo Boudeville “a região no Estado não deveria ser considerada como uma entidade independente, e sim como uma parte de um todo, ligada às outras unidades regionais e subordinadas à concepção nacional de bem-estar público” (BOUDEVILLE, 1973, p.55).

Arbix chama a atenção para os dois lados da guerra:

Por um lado, a entrada em cena de governadores e prefeitos na implementação de políticas regionais pró-ativas foi positiva ao ajudar a desconcentrar a indústria automotiva; por outro lado, foi negativa ao dissipar valiosos recursos públicos e ao introduzir grandes turbulências ao já precário equilíbrio federativo (ARBIX, 2002, p.114).

O episódio referente à implantação da Ford na Bahia expressou muito bem o clima acirrado de disputa que envolveu o caso. Quando o governo do convocou a Ford para rediscutir os termos do contrato de implantação de uma unidade da empresa no município gaúcho de Guaíba, que depois foi trocado por Camaçari, o governo da Bahia fez o seguinte anúncio em jornal de grande circulação no país.

27 Figura 1 - Anúncio publicitário do governo da Bahia

Jornal O Estado de São Paulo, São Paulo (SP), 13 Abr. 1999, p. A9.

A General Motors foi citada no anúncio porque na época essa montadora também estava em entendimentos com o governo do Rio Grande do Sul para a realização de novos investimentos no estado. Devido ao estágio mais avançado das negociações, o governo manteve o acordado com a GM.

Para Boudeville, “não se pode admitir que exista entre os interesses das diversas regiões um conflito cuja solução deva ser buscada independente dos anseios da nação (BOUDEVILLE, 1973, p.55). Ou ainda, como afirma Franco:

Trata-se de mudanças no papel do Estado, conduzido a um comportamento competitivo e empreendedor, e a novo protagonismo das esferas subnacionais, colocadas em

28 acirradas disputa pela atração dos investimentos (FRANCO, 2009, p.360).

Fica evidente assim que os estados da federação brasileira iniciaram uma disputa dilacerante pelos investimentos industriais. Parece claro também, que as empresas tiraram grande proveito dessa situação, pois as ofertas concedidas pelos estados se traduziriam em benefícios melhores do que aqueles esperados por essas empresas.

Conforme Dulci, outro elemento constitutivo desse cenário de disputas por investimentos diretos por parte das unidades da federação foi a autonomia atribuída aos estados brasileiros pela Constituição de 1988, para definir individualmente suas alíquotas de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) além do esvaziamento das agências federais de desenvolvimento regional (DULCI, 2002).

Há ainda que se destacar a ausência de uma política industrial no Brasil, na década de 1990, que também contribuiu para acirrar a disputa interestadual vista pelos governos como o caminho para o desenvolvimento econômico. “Observa-se também a desarticulação de áreas de industrialização tradicional causada por um processo de deslocamento espacial dos investimentos estrangeiros financiados pelo Estado por meio de incentivos fiscais” (BOTELHO, 2002, p.56).

Em outras palavras, os incentivos fiscais, empregados por estados e municípios para atrair investimentos industriais, provocam grandes prejuízos para regiões industrializadas, uma vez que essas, além serem excluídas das escolhas para alocação de novos recursos, muitas vezes são vitimadas pela evasão industrial em seu território.

Segundo Arbix (2002), “o setor automotivo foi um dos poucos que recebeu especial atenção do governo federal. Talvez por isso, continue como um dos mais bem protegidos em sua estrutura produtiva e em seu mercado” (ARBIX, 2002, p.110). Ainda de acordo com Arbix (2000), os Investimentos Diretos Externos (IDEs) “tornaram-se peça-chave para a política econômica do governo brasileiro [...]” e o setor automobilístico teria papel fundamental na atração desses investimentos (ARBIX, 2000, p.5). 29 O papel de destaque que a indústria automobilística obteve no processo de captação de investimentos diretos por parte dos entes federados do Brasil se deveu à capacidade de encadeamento produtivo desse setor. Em outras palavras, devido ao dinamismo que as indústrias fabricantes de automóveis oferecem à economia, estas passaram a ser o símbolo de prosperidade que estados e municípios brasileiros começaram a disputar.

Entretanto, Arbix alerta para o fato de o protecionismo das indústrias montadoras de automóveis não ter se estendido às indústrias de autopeças, “cuja regulamentação consagrada pelo Novo Regime Automotivo (NRA) privilegiou as corporações internacionais, drenando forças da indústria doméstica, construída ao longo dos últimos quarenta anos” (ARBIX, 2002, p.110).

O NRA desempenhou um importante papel no processo de disputa regional que levou a Ford para a Bahia. Por isso, iremos discuti-lo mais detalhadamente no capítulo 1.3. Mas, ficou evidente que governadores e prefeitos passaram a empregar a renúncia fiscal como política de desenvolvimento econômico, o que, como veremos, pode trazer grandes prejuízos para o país.

Dulci afirma que “a raiz das operações de guerra fiscal encontra-se no processo de desenvolvimento desigual, ou melhor, em estratégias de recuperação econômica adotadas por unidades importantes da federação para enfrentar o seu atraso relativo” (DULCI, 2002, p.97). Arbix avalia que há vício no processo que se manifesta “no desperdício, politização das decisões, na subserviência às grandes empresas, no despreparo técnico e na ausência de prestação de contas” (ARBIX, 2002, p.124).

A disputa territorial é salutar quando contribui para o desenvolvimento econômico local e nacional. Entretanto, quando os saldos positivos são obtidos em detrimento do prejuízo de outras regiões, estima-se o resultado como de soma-zero e quando se contabiliza apenas a dilapidação dos recursos públicos o resultado é classificado como puro-desperdício (CHESHIRE E GORDON, 1996) (grifos nossos).

30 Os metalúrgicos da Ford de São Bernardo do Campo, por meio de passeatas e protestos, expressaram as angústias e incertezas sentidas pela classe trabalhadora da região com a deflagração da chamada guerra fiscal. O ABC Paulista, tradicional região produtora de automóveis do Brasil, foi duramente afetada por essa disputa que contribuiu para que empresas automobilísticas do polo desviassem seus investimentos para outros estados. Inúmeras manifestações foram realizadas, como a da foto abaixo:

Figura 2 - Protestos de Trabalhadores da Ford SBC contra Guerra Fiscal

Foto de Sebastião Moreira, Agência Estado, 1999.

Em um esforço para desvendar ainda mais o fenômeno da guerra fiscal, Arbix (2000) detalha o movimento de desconcentração industrial observado no Brasil a partir da década de 1990 e afirma que ele decorre de quatro fatores relacionados às regiões receptoras das novas unidades industriais, a saber: 1) oferta de mão de obra alfabetizada, apesar de não qualificada, de baixo custo; 2) baixa combatividade sindical; 3) infraestrutura para escoamento da produção; 4) renúncia fiscal, empréstimos e doações de terrenos.

31 Apesar da importância dos quatro fatores descritos acima, Arbix (2000) chama a atenção para o quarto quesito (renúncia fiscal, empréstimos e doações de terrenos), que segundo ele, é o que exerce maior poder de sedução das indústrias.

O que observamos então é que a renúncia fiscal tem sido utilizada por governadores e prefeitos como ferramenta de políticas de desenvolvimento regional. Conforme Prado:

É evidente, contudo, que tais políticas têm como lógica básica tentar interferir num processo de decisão privada que é, no essencial, subordinada a determinantes de natureza muito mais ampla, relativos ao vetor básico de custos, às condições de infraestrutura, distância dos mercados, disponibilidade de mão de obra qualificada, agressividade sindical, etc. (PRADO, 2000, p.6).

Ainda de acordo com Prado (2000, p.7) qualquer ação que altere o “perfil alocativo envolveria, portanto, em princípio, um custo adicional que deveria ser coberto para que se modificasse a decisão alocativa” da empresa. Esse custo adicional seria então arcado por toda a sociedade a partir da renúncia fiscal de prefeituras, de governos estaduais e, em muitos casos, do governo federal.

A guerra fiscal, utilizada por entes da federação, como instrumento de desenvolvimento regional torna-se um equivoco a partir do momento em que está baseada na disputa e não na cooperação (VARSANO, 1996).

O que fica evidente é que, ao interferir na escolha das empresas acerca do local de implantação de um novo projeto industrial, por meio da concessão de isenções fiscais, o Estado interfere diretamente no perfil alocativo desse projeto sem, no entanto, conhecê-lo em sua totalidade. A consequência imediata disso é o fato de que os benefícios concedidos podem ser além do necessário.

Prado alerta para o excesso de benefícios fiscais que são oferecidos às empresas:

Numa suposição mais realista, políticas tais como aquelas em curso no país hoje maximizam o custo fiscal de um volume 32 agregado de investimento altamente inelástico a incentivos, sendo, portanto, a pior alternativa possível para a intervenção do setor público no processo de inversão privada (PRADO, 2000, p.13).

Cabe então investigar se são de fato os incentivos fiscais que direcionam os investimentos industriais. Ferreira (2005) afirma que, de fato, o que orienta os investimentos corporativos são, tanto a concorrência intercapitalista quanto as condições macroeconômicas, uma vez que a guerra fiscal tem início após a decisão de instalação de uma unidade produtiva no país, havendo então uma redundância de oferta de vantagens para as empresas.

Quando uma empresa desenvolve uma política de crescimento em seu planejamento estratégico e decide pela criação de nova unidade produtiva, realizam-se estudos que são divididos em dois grupos: a) fatores sistêmicos ou estruturais; b) benefícios orçamentários e tributários. O fator sistêmico ou estrutural determina o local de instalação da nova planta, e o segundo fator, é o que vai determinar a mudança ou não, do local-sede. Opta-se então pela oferta pública (de governadores e prefeitos) que for mais atraente e que cubra o custo de alteração do projeto inicial (FERREIRA, 2005) (grifos do autor).

Prado (2000) alerta para o fato de que os estudos elaborados pelas empresas são mantidos em segredo, portanto, o setor público desconhece tais estudos, fato que faz com que os entes da federação mantenham uma guerra de ofertas às empresas sem saberem exatamente o quê, nem o quanto necessitam oferecer para atrair os investimentos para o seu território. Portanto, parece óbvio que quem assume o comando do processo é o setor privado.

Alban, Souza e Ferro alertam para o fato de que “as montadoras assumem um enorme poder de barganha, estabelecendo um verdadeiro leilão de incentivos fiscais entre as diversas regiões interessadas” (ALBAN, SOUZA e FERRO, 2000, p.14).

Em relação à indústria automobilística, o que observamos é que após o anúncio de uma montadora de sua intenção de instalar nova planta industrial no Brasil, inicia-se imediatamente uma disputa entre os entes federativos pela

33 oferta do local-sede do novo investimento. Tudo isso realizado nos gabinetes e escritórios, distantes das discussões públicas. “Não é por outro motivo que as comunidades, ONGs, associações, sindicatos, movimentos e a população em geral foram mantidos a uma prudente distância dessas articulações” (ARBIX, 2002, p. 48).

As ofertas dos estados subnacionais às montadoras são recheadas de benefícios como doação de terrenos e infraestrutura, isenções de impostos diversos, empréstimos e garantias, entre outros benefícios como transporte público e creche aos funcionários. Ofertas que invariavelmente favorecem largamente as empresas.

Num certo sentido, os benefícios oferecidos não se distinguem em qualidade dos tradicionais utilizados no mundo todo para a atração de novas empresas. No entanto, ao realçarmos o volume de recursos públicos envolvidos – suficientes para cobrirmos o custo inicial dessas novas fábricas – e a incerteza de retorno para setor público dessas inversões, seja no médio ou longo prazo, teremos um quadro nada otimista sobre os impactos dessa onda de IDEs no desenvolvimento da regiões menos industrializadas e para o país como um todo (ARBIX, 2002, p. 117).

Quando a Ford anunciou que não iria mais se instalar no Rio Grande do Sul, o governador Olívio Dutra publicou uma nota na imprensa expondo os esforços empreendidos pelo governo para manter a empresa no estado. Qualquer oferta para além daquela, iria comprometer as finanças do governo e prejudicar inúmeros setores, como saúde, educação, segurança etc. Vejamos o anúncio do governo gaúcho sobre a intransigência da Ford na renegociação com aquele estado:

34 Figura 3 - Comunicado do governo gaúcho à população sobre a Ford

Jornal Correio do Povo, (RS), 29 abr.1999, anúncio de capa.

A exposição do problema por parte do governo do Rio Grande do Sul trouxe a público uma incoerência da guerra fiscal. Os acordos dos governos subnacionais com as montadoras podem trazer grandes perdas para o conjunto da sociedade, uma vez que os investimentos realizados pelo poder público podem superar o retorno trazido pelo eventual desenvolvimento econômico possibilitado pela implantação da indústria no local. E ainda, sendo as ofertas públicas inúmeras e vantajosas para as empresas, a necessidade de investimento privado reduz-se significativamente.

Há ainda que se destacar que a desconcentração industrial aventada nessas negociações é relativa, pois salvo poucas exceções, a Ford é uma 35 delas, as indústrias instalaram-se próximas das áreas mais ricas e industrializadas do país.

Arbix afirma ainda que a disputa entre os governos estaduais para a atração das montadoras de veículos viveu quatro fases bem distintas:

Primeira: essa fase, menos acirrada, foi marcada pela edição do NRA, que criou incentivos para indústrias que se instalassem no Nordeste, Norte e Centro-Oeste brasileiro. “O nível da disputa no Brasil mal se diferenciava da prática disseminada pelo país de oferecer incentivos locais para favorecer o deslocamento industrial.” (ARBIX, 2002, p.118)

Segunda: essa etapa foi desencadeada quando o governo do estado do Paraná (governador Jaime Lerner, Partido da Frente Liberal - PFL, 1995-1998) ofereceu benefícios mais vantajosos e, até mesmo, investimento público direto. “Nessa fase, não só o volume das ofertas cresceu, como também a qualidade do que passou a ser oferecido” (ARBIX, 2002, p.118). Foi nessa fase que diversos estados criaram grupos de profissionais especializados que visitavam as matrizes das montadoras para apresentar as vantagens comparativas de seus estados.

Terceira: esse momento foi caracterizado pela entrada do Rio Grande do Sul na Guerra Fiscal e sua oferta para seduzir a General Motors e a Ford para esse estado (governador Antonio Brito, Partido do Movimento Democrático Brasileiro – PMDB, 1995-1998). A novidade agora foi o empréstimo de significativa quantia na assinatura do contrato, ou seja, antes mesmo da empresa iniciar suas operações.

A tradicional instabilidade política do país, assim como as constantes alterações de comportamento dos governantes, levaram não só a GM, como também a Ford, a considerar a generosidade gaúcha irrecusável, principalmente porque parte significativa dos incentivos poderia agora ser recebida antecipadamente (ARBIX, 2002, p.118).

Quarta: foi nessa fase que o governo da Bahia entrou na disputa para sediar a nova planta da Ford. A particularidade dessa fase está no envolvimento do senado e do governo federal diretamente na disputa. “De todo 36 modo, nessa quarta etapa, com a estrada no jogo de fundos federais, a guerra fiscal atingiria seu ponto mais elevado” (ARBIX, 2002, p.120). Por tratar-se do assunto principal dessa pesquisa, abordaremos a implantação da Ford em Camaçari, na Bahia, com mais detalhes no capítulo 2.2.

Um aspecto importante no cenário da guerra fiscal é a argumentação da geração de emprego. Trata-se de um verdadeiro marketing cujo objetivo é desenvolver na população um clima de “patriotismo local” (ARANTES, VAINER E MARICATO, 2000; apud FRANCO, 2009, p. 364). O desenvolvimento desse clima patriótico confere legitimidade às políticas locais de atração de investimentos produtivos, transformando outras regiões em adversárias.

Em várias situações, observa-se que houve, por parte dos governos estaduais ou municipais, estimativas otimistas sobre a geração de empregos com a implantação das indústrias automobilísticas em seus territórios. São estudos que muitas vezes representam muito mais o desejo dos representantes políticos do que o resultado de estudos tecnicamente criteriosos e consistentes. Entretanto, as indústrias nunca assumem o compromisso formal de promover a geração da quantidade propagandeada de postos de trabalho.

O não compromisso das montadoras com as estimativas de geração de emprego é óbvio, e não poderia ser diferente, uma vez que os atuais padrões tecnológicos de produção e os novos métodos e processos gerenciais, à medida que aumentam a produtividade, reduzem consideravelmente a necessidade de trabalhadores. Esse assunto será discutido mais detalhadamente no capítulo 2.2, que tratará da nova planta industrial da Ford em Camaçari.

Outro fator que deve ser destacado, de acordo com Varsano (1996), é o prestígio obtido por políticos regionais no processo de guerra fiscal. Muito difícil de serem quantificadas ou mesmo qualificadas, as vantagens eleitorais virtualmente obtidas pelos políticos, são fatores que, muitas vezes, regem as decisões públicas, sem necessária preocupação com a exatidão dos dados apresentados pelas empresas, como por exemplo, os números de postos de trabalho gerados. 37 O dilema é que não há evidências empíricas de que a participação na disputa interterritorial trará os benefícios apresentados nos documentos e nas justificativas dos governos envolvidos nesse processo. Pelo contrário, tendo em vista as novas características de produção e de tecnologia é pouco provável que essas empresas irão gerar o dinamismo econômico esperado (ARBIX, 2002, p.124).

Em resumo, o que observamos foi que a guerra dos lugares, para empregar aqui o termo cunhado por Santos (2006), promove a transferência para o setor privado de vultosos recursos públicos, que certamente poderiam ser investidos em necessidades prementes da população. É prematuro afirmar quais as consequências dos leilões de benefícios públicos às montadoras, entretanto, já é possível vislumbrar que, o que se ganha no plano local, perde- se no plano nacional.

Há ainda que se destacar o fato de que não existe equilíbrio no relacionamento das montadoras com os governos locais. O despreparo dos governos estaduais e o desconhecimento dos custos e reais estratégias das empresas, fazem das negociações um jogo às escuras. Certamente isso é responsável, entre outras coisas, pela ampliação das incertezas quanto à sustentabilidade dos programas de incentivos fiscais no longo prazo e nos faz duvidar de sua eficácia como política de promoção do desenvolvimento regional.

38 1.3. Novo Regime Automotivo

A primeira década do século XXI foi marcada pela queda acentuada das vendas de automóveis nos países mais ricos. Em virtude desse fato, as montadoras começaram a enxergar em países emergentes, como o Brasil, uma possibilidade de atenuar a relativa estagnação das vendas de automóveis nos países centrais. O Brasil passou então a ser visto como um destino em potencial para os investimentos automotivos de grupos internacionais.

Em 1997, o Governo Federal (presidente Fernando Henrique Cardoso, PSDB, 1995 – 2003), promulgou a Lei nº 9.440, na qual estabelecia incentivos fiscais para o desenvolvimento regional. Essa lei ficou conhecida como Novo Regime Automotivo ou Regime Automotivo Especial (utilizaremos aqui o primeiro termo e adotaremos a sigla NRA) e seu principal objetivo era fomentar o desenvolvimento regional através da concessão de benefícios fiscais para as indústrias automotivas, bem como para as fábricas de autopeças, que se instalassem em estados das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste do Brasil.

Vejamos os benefícios oferecidos às empresas que resolvessem implantar uma unidade produtiva nas regiões acima mencionadas:

De acordo com o Artigo 1º da Lei 9.440/97:

 Inciso I - “redução de cem por cento do imposto de importação incidente na importação de máquinas, equipamentos (...) moldes (...) instrumentos e aparelhos industriais (...) bem como os respectivos acessórios, sobressalentes e peças de reposição”.  Inciso II - “redução de 90 por cento do imposto de importação incidente na importação de matérias-primas (...)”.  Inciso III - “redução de até cinqüenta por cento do imposto de importação de (...) veículos automotores terrestres de passageiros, (...), caminhonetes, furgões, pick-up, (...) e veículos automotores terrestres de transporte de mercadorias (...)”.  Inciso IV - “redução de cinqüenta por cento do imposto sobre produtos industrializados incidentes na aquisição de máquinas, equipamentos, (...) importados ou de fabricação nacional (...)”.

39  Inciso V - “redução de 45% do imposto sobre produtos industrializados incidentes na aquisição de matérias-primas (...)”.  Inciso VI - “isenção do aditamento ao frete para renovação da Marinha Mercante – AFRMM.”  Inciso VII - “Isenção do IOF nas operações de câmbio realizadas para pagamento dos bens importados.”  Inciso VIII - “isenção do imposto sobre a renda e adicionais, calculados com base no lucro da exploração do empreendimento.”  Inciso IX – “crédito presumido do imposto sobre produtos industrializados, como ressarcimento das contribuições” do PIS/PASEP.

Como podemos notar, os incentivos são muitos e generosos. Cabe então um destaque para os incisos 1, 2 e 3. Esses incisos tratam de incentivos para importação. Há aqui uma situação que necessita ser analisada mais detalhadamente.

Os incisos 1, 2 e 3 permitem a redução e até mesmo a isenção de imposto para a importação desde máquinas até veículos para a montadora que instalar uma nova planta industrial nas regiões Nordeste, Centro-Oeste ou Norte.

Acontece que uma das expectativas criadas nos territórios anfitriões dessas indústrias é o enraizamento produtivo. Entretanto, como veremos no capítulo 2.1, a indústria automobilística na atual fase da produção flexível, pratica exatamente o contrário, ou seja, o desprendimento territorial. É essencial para o capital a liberdade para alçar voo para outros locais quando as condições favoráveis não mais existirem em um determinado território.

Segundo Veltz (1999), a economia global está imediatamente presente na economia local, entretanto, elas necessitam de total liberdade para partirem com destino às melhores oportunidades de acumulação de capital.

Portanto, o NRA trouxe uma contradição em si mesmo. Com tantas facilidades para importação e sem nenhuma restrição à compra de matérias- primas de outros estados brasileiros, a territorialização da produção na Bahia,

40 também conhecida como “baianização”2 da produção, no caso da Ford Camaçari, ficou comprometida.

2 O termo baianização refere-se à territorialização da produção no estado da Bahia, em outras palavras, ao enraizamento da cadeia produtiva da Ford neste estado. Uma das preocupações do governo baiano era de que a Ford adotasse um sistema produtivo de maquilação, ou seja, apenas montasse os automóveis no estado com peças oriundas de várias partes do país ou do mundo. Nessa dissertação, empregaremos o termo territorialização da produção.

41 2. INDÚSTRIA AUTOMOBILÍSTICA: NOVAS ESTRATÉGIAS

2.1. Indústria Automobilística: uma cadeia produtiva cada vez mais internacionalizada

Uma característica do capital tem sido a de extrair com maestria o que de melhor cada região tem a lhe oferecer. A busca incessante por acumulação o leva a enxergar o potencial de cada local (matérias-primas, mão de obra, infraestrutura etc.) e a submetê-lo aos seus interesses e necessidades. Dessa maneira o capital converte os benefícios e vantagens que cada região pode oferecer em diferencial para as mercadorias ali produzidas, sejam vantagens qualitativas ou valorativas. Segundo Moraes e Costa (1999), os diferenciais de cada região transferem ganho de produtividade aos produtos. Botelho afirma que “a localização das indústrias no território faz parte de um processo mais amplo de produção de um espaço que não é neutro, mas sim projeção de relações sociais, motivo de disputa e lutas de classes” (BOTELHO, 2002, p.55) Com a implantação da Ford na Bahia no ano 2000, finalmente se concretizou um desejo antigo do governo daquele estado, de ver instalado em solo baiano uma indústria automobilística. O sonho acalentado, desde fins dos anos 1980, trazia embutida a ideia de desenvolvimento que iria “quebrar a rigidez do padrão de industrialização local, dada pela concentração na produção de bens intermediários e petroquímicos, cujos efeitos dinamizadores se dão, em boa medida, fora da região” (FRANCO, 2009, p.359), uma vez que a indústria petroquímica dinamiza sua cadeia produtiva à jusante. No caso em questão, em estados mais industrializados e consumidores de derivados de petróleo.

A concordância da Ford de contratar trabalhadores operacionais domiciliados em Camaçari e em cidades vizinhas contribuiu para realimentar os debates cada vez mais acalorados de que um importante passo para o desenvolvimento econômico da Bahia havia sido dado com a implantação de uma indústria automobilística no estado.

Para compreender melhor os fundamentos e as consequências da implantação da Ford em uma região sem nenhuma tradição no setor 42 automotivo, vamos destacar alguns elementos analíticos do atual estágio organizacional e tecnológico da indústria automobilística.

O fato da Região Metropolitana de Salvador (RMS), na qual Camaçari está inserida, ter uma economia alicerçada na produção de bens de consumo intermediários, antes da implantação da Ford, contribuiu pouco para o desenvolvimento social local, uma vez que, além de não haver encadeamento produtivo na região, mas sim, como apontamos no parágrafo anterior, em outros estados, muitos trabalhadores do Complexo Petroquímico são residentes em Salvador e não em Camaçari.

Segundo Franco, “na década de 1990, as desigualdades entre núcleo e periferia destacavam a RMS como a portadora da maior proporção de pobres dentre as regiões metropolitanas brasileiras, presentes tanto no núcleo quanto na periferia” (FRANCO, 2009, p.374).

Com a implantação da indústria automobilística na cidade de Camaçari, criou-se a expectativa, alimentada em grande parte pelo marketing, fruto de interesses políticos eleitorais nem sempre condizentes com as reais necessidades sociais, de que finalmente haveria uma combinação de desenvolvimento econômico com desenvolvimento social.

Entretanto, uma análise mais detalhada constatou que a reestruturação produtiva na qual a Ford estava empreendendo no Brasil, no início dos anos 2000, tinha como pressuposto básico o princípio da flexibilidade. Os fatores que permitiram que a Ford escolhesse uma cidade da RMS para se instalar (região sem nenhuma tradição na produção automotiva), são os mesmos fatores que impedem o encadeamento produtivo da indústria automobilística na região, condição indispensável para que houvesse crescimento e desenvolvimento econômico que compensasse o alto investimento público para levar a empresa àquele município.

Portanto, sendo a indústria automobilística geradora de investimentos “destituídos das propensões enraizadoras no local”, a implantação da Ford na Bahia não produziu os mesmos efeitos sentidos na cidade de São Paulo, e em especial, na região do ABC Paulista, a partir dos anos 1950 (FRANCO, 2009, p.360). 43 De acordo com Guerra, a cadeia produtiva da indústria automobilística “está cada vez mais globalizada do ponto de vista da integração produtiva e antigos fundamentos que garantiam êxito nas atividades manufatureiras estão mudando” (GUERRA, 2002, p.72).

Assim, à montadora compete tarefas de maior valor agregado, e aos fornecedores, atuando de maneira totalmente integrada e sob a coordenação da montadora, cabem realizar as tarefas de menor valor agregado. Enquanto a montadora se concentra em tarefas como armação, pintura e montagem final, os fornecedores de todos os níveis, dedicam-se à produção e montagem de todos os módulos necessários à fabricação do veículo.

Outras etapas importantes que dizem respeito às montadoras são as de pesquisa e desenvolvimento tecnológico, assistência técnica, logística e financiamento. Segundo Guerra:

Apesar desse afastamento, as montadoras preservam um forte papel coordenador ao longo de uma extensa cadeia de suprimentos (supply chain), em razão de seu poder de compra e de definição das especificações técnicas das peças e componentes. Em outras palavras, elas são responsáveis pela governança dessa cadeia, vindo em seguida seus fornecedores globais que, frequentemente, as acompanham em seus empreendimentos pelo mundo (GUERRA, 2002, p.73).

Assim como em outros setores produtivos, na indústria automobilística a competitividade está diretamente relacionada ao grau de organização da cadeia produtiva e de distribuição.

Atualmente, o arranjo institucional produtivo de grandes corporações tem sido o de rede de firmas, caracterizada por grande especialização dos integrantes da cadeia de suprimentos. Nenhum dos agentes integrantes da rede tem o completo domínio do know how necessário para a execução de todas as etapas no decorrer do processo de produção. Por isso, existe uma grande complementariedade entre eles. Esse é o caso do condomínio industrial do Complexo Industrial Ford Nordeste (CIFN).

44 A Ford Camaçari não é uma empresa que simplesmente fabrica um produto específico e o coloca no mercado e que para isso necessita de um conjunto de fornecedores que lhe venderão peças para a montagem do veículo. De acordo com Guerra, a planta do CIFN baseia-se na noção de cadeia de valor, que significa:

Em termos agregados e simplificados, pensando uma cadeia de valor como um somatório das atividades de design, produção, marketing, distribuição/vendas e pós-vendas, as companhias podem usar essa noção para decidirem em quais atividades se concentrar (GUERRA, 2002, p.76)

A cadeia produtiva da indústria automobilística tornou-se tão integrada, que os principais fornecedores dessas indústrias não podem mais ser chamados simplesmente de fornecedores de autopeças, mas sim de sistemistas. Enquanto, anteriormente, as indústrias fornecedoras das montadoras vendiam as peças que aguardavam no estoque dias para serem utilizadas, atualmente, os sistemistas são responsáveis por sistemas que são entregues diretamente na linha de produção, no tempo e no prazo necessário. Há uma completa integração dos dados (Eletronic Data Interchange) entre os parceiros envolvidos no negócio (CARS, 2000).

Os produtos são desenvolvidos com a co-autoria dos sistemistas. Até preços são decididos conjuntamente. Os sistemistas agora têm contratos mais longos, viraram parceiros que dividem os riscos do empreendimento, os investimentos e também os resultados.

Guerra explica que as grandes montadoras “deixam de ser empresas manufatureiras e especializam-se em gerenciar marcas e/ou vender soluções tecnológicas” (GUERRA, 2002, p.76), fato que as coloca na condição de governança da organização em rede. Nessas redes “os produtores (as grandes montadoras) tomam para si a responsabilidade de garantir a eficiência e seus supridores induzindo-os a mudarem procedimento, e a satisfação de seus consumidores” (GUERRA, 2002, p.77). Em outras palavras, “uma grande montadora, por exemplo, tem como função básica coordenar recursos humanos e físicos oriundos de diversas firmas supridoras” e “uma efetiva

45 competitividade requer a otimização da rede total de firmas envolvidas com o mesmo” (GUERRA, 2002, p.77).

Um exemplo que pode nos dar uma ideia do atual estágio de integração produtiva na indústria automobilística foi a concepção e o projeto do próximo lançamento da Ford, o novo EcoSport modelo 2013, que será produzido no CIFN e exportado para mais de 100 países. Para o engenheiro chefe do Projeto Global da EcoSport, Alexandre Machado, o grande desafio foi coordenar uma equipe de quase 500 pessoas que contou com designers e engenheiros de mais de 20 países da América, Ásia, Europa e Oceania. Para isso foi necessário criar uma estrutura de comunicação que permitisse a “confiança mútua intercultural (...) formando um verdadeiro time (...). A diversidade na criação é um dos fatores mais sensacionais desse projeto de engenharia" (FORD, 2012).

Entre montadoras e sistemistas, a relação atual é de parceria. Os contratos com os fornecedores passam a ser regidos com novas características, o global sourcing (os fornecedores podem estar instalados em qualquer região do país ou mesmo do mundo) e o follow sourcing (uma vez feita a parceria com o fornecedor, ele segue a montadora onde ela for produzir o carro). Em um condomínio industrial, o caso do CIFN, pode haver uma mescla desses dois arranjos produtivos. O fator determinante principal para a composição entre esses arranjos é a escala de produção, uma vez que é o volume de demanda que determinará o local de instalação do fornecedor da montadora: se ao lado da fábrica, em outra região do país ou em outro país do mundo (SALERNO e DIAS, 1998).

A estruturação da cadeia produtiva automotiva em rede, com a interdependência entre as empresas cada vez mais visceral e a coordenação global do processo sob controle da montadora, tem por objetivo final a minimização dos custos e riscos, a criação e acumulação de conhecimento no interior da cadeia, a maximização dos lucros e a divisão de eventuais prejuízos. Para Guerra, a Ford comanda um grupo de fornecedores e “exerce uma considerável influência sobre a ação desses agentes, ao definir princípios comuns a serem adotados nas áreas de recursos humanos, controle de

46 qualidade, meio ambiente etc.”. É por isso que as grandes montadoras estão se transformando em “gerenciadoras de marcas” (GUERRA, 2002, p.78).

Gerenciar a marca Ford significa não focar seus recursos e esforços apenas na produção de automóveis, mas em toda a cadeia produtiva, desde a concepção e designer até o pós-vendas. Existe um rico segmento da cadeia automotiva que nasce quando o veículo sai da fábrica com destino à concessionária para ser vendido. São os chamados mercados downstream, que têm despertado cada vez mais interesse e investimento das grandes corporações mundiais.

Os mercados downstream, na indústria automobilística, por exemplo, seriam aqueles ligados ao financiamento, seguros, venda de peças de reposição, produtos & acessórios e serviços de manutenção. Segundo Guerra (2002, p.79), esses mercados têm oferecidos margens de lucro cada vez maiores e menor investimento em ativos do que a produção do veículo propriamente dito, o que transforma esse mercado em área de atuação muito interessante.

Para Wise e Bamgartner (1999, p.139) apud Guerra (2002, p.79), as empresas automobilísticas atuam com a visão de cadeia de valor, cujo automóvel é apenas “uma porta que se abre para a provisão de serviços futuros”. Não é por outro motivo que a Ford adquiriu em 1999 a Kwik-Fit, maior cadeia de reparação automotiva da Europa por 1,6 bilhão de dólares.

47 2.2. Projeto Amazon: a reestruturação produtiva da Ford no Brasil

O Projeto Amazon foi inspirado em uma tendência atual do setor automobilístico em escala mundial. A partir da implantação de um condomínio industrial (arranjo produtivo cujo conceito será desenvolvido na página 56), esse projeto teve por objetivo a integração dos processos logísticos e produtivos com vista a reduzir custos e maximizar o valor agregado aos produtos. Trata-se assim, de uma nova configuração de fabricas em que, seguindo os princípios do modelo de produção enxuta e flexível, minimizam-se os desperdícios, desde a concepção da planta até a comercialização dos produtos, dividindo com os sistemistas os custos e os riscos do empreendimento.

A partir da construção de uma planta industrial moderna, tanto em relação à gestão, quanto à tecnologia, o Projeto Amazon consistiu na reação da Ford à grave crise que a companhia enfrentava desde os anos 1980. Em parte, essa crise teve origem na estagnação generalizada que a indústria automobilística enfrentava no mundo. A situação da Ford do Brasil se agravou particularmente a partir da sua fusão com Volkswagen do Brasil S/A, transformando-se em Autolatina (1987-1994).

A fusão com a Volkswagen do Brasil fez com que a participação da Ford no mercado brasileiro de automóveis caísse de 24% nos anos 80 para a marca recorde de 11,7% em 1995 (ASSEF, 1996). O acordo entre as duas empresas privou a Ford do Brasil de utilizar a tecnologia desenvolvida pela matriz, bem como de processos modernos de produção.

Em 1995, o engenheiro Félix Guillen, gerente industrial da planta da Ford de São Bernardo do Campo na ocasião, afirmou que logo após o desmembramento da Autolatina, a companhia apresentava um atraso tecnológico de 15 anos, o que representa muito de acordo com os padrões competitivos da indústria automobilística (ASSEF, 1996).

A constatação do atraso tecnológico da Ford por parte de seu gerente de produção coaduna com a afirmação de Ferro (1993), de que as indústrias automobilísticas do Brasil apresentavam na época, baixa qualidade em seus produtos, baixa produtividade e reduzido grau de automação de suas linhas. E 48 ainda produziam modelos ultrapassados, conviviam com conflitos na cadeia produtiva (a Ford vivenciou grande crise de relacionamento com sua rede de concessionárias) e tinham atritos constantes com os trabalhadores.

Portanto, a reestruturação produtiva da Ford no Brasil fazia parte do planejamento da empresa para reduzir os prejuízos auferidos devido à crise no mercado de automóveis nos países centrais, que atingiu todas as marcas, e no Brasil em especial, com a criação da Autolatina. Apesar de ser um projeto implantado no Brasil, tratava-se de uma estratégia global da empresa, que na transição do modelo fordista para a acumulação flexível sentiu o impacto da necessidade de mudanças.

A respeito de mudanças na organização da produção, Harvey afirma que:

Novas técnicas e novas formas organizacionais de produção puseram em risco os negócios de organização tradicional, espalhando uma onda de bancarrotas, fechamento de fábricas, desindustrialização e reestruturações que ameaçou até as corporações mais poderosas. (HARVEY, 2010, p.146).

A constatação apontada acima por Harvey nos remete exatamente à situação financeira da Ford, no Brasil e no Mundo, durante as últimas duas décadas do século XX. Portanto, o Projeto Amazon foi concebido para ser uma solução à a crise que essa companhia enfrentava.

Inicialmente planejado para ser implantado no Rio Grande do Sul, o Projeto Amazon, que custou US$ 1,9 bilhão, despertou a esperança de que o Estado da Bahia, a partir desse empreendimento, daria início a um processo de industrialização e consequente desenvolvimento econômico. Essa esperança assentava-se na ideia de que a implantação da Ford em Camaçari, cidade localizada na RMS, iria alicerçar e estimular uma cadeia produtiva local a partir da instalação, naquele estado, de empresas sistemistas em todos os seus níveis, de maneira a promover a territorialização da produção dos componentes automotivos utilizados pela Ford em seus produtos.

O Projeto Amazon estimava que a porcentagem de fabricação de componentes no Estado da Bahia atingiria 60% e que o índice de 49 nacionalização seria de 85%. Segundo Guerra (2002), o objetivo do governo baiano era evitar que a Ford se tornasse simplesmente uma montadora de kits pré-montados oriundos da região Sudeste ou do exterior.

Entretanto, em estudo setorial realizado pela Agência de Fomento do Estado da Bahia - Desenbahia, em setembro de 2002, revelou-se que a simples implantação da Ford não era suficiente para garantir o encadeamento produtivo no estado. O estudo constatou 4 grupos de fornecedores/sistemistas (DESENBAHIA, 2002, p.21):

• Grupo 1: Dotação de Fatores Naturais (empresas cujos fornecedores não deverão instalar-se no estado em virtude de exigirem dotação natural de fatores não disponível na Bahia);

• Grupo 2: Polo Automotivo (empresas cujos fornecedores deverão instalar-se no estado apenas em caso de um aumento substancial do volume de produção na Bahia, requerendo, portanto, a instalação de novas montadoras no estado para sua implantação);

• Grupo 3: Consolidação da Ford (empresas que podem instalar-se no estado e estão aguardando a definição da capacidade efetiva da planta da Ford para subsidiar a decisão de investimento);

• Grupo 4: Oportunidades a Curto Prazo (empresas cujos fornecedores principais podem instalar-se a curto prazo no estado).

Agora vejamos a distribuição das indústrias parceiras do empreendimento CIFN entre os quatro grupos citados acima.

A seguir, o quadro 1 apresenta empresas do grupo 1 que, por diversas razões, não se instalarão na Bahia:

50 Quadro 1 - Dotação de Fatores Naturais (Grupo 1)

Fonte: Desenbahia, 2002, p. 22 – Quadro elaborado por Antonio Ive Marinheiro.

O grupo 2 é constituído por empresas cuja única possibilidade de se instalarem na Bahia é se esse estado virar um polo automobilístico, ou seja, se outras empresas do setor decidirem produzir automóveis no estado. Vejamos o quadro 2:

Quadro 2 - Polo Automotivo (Grupo 2)

Fonte: Desenbahia, 2002, p. 23 – Quadro elaborado por Antonio Ive Marinheiro.

Os fornecedores do quadro 3 correspondem ao grupo 3. São aqueles cuja implantação de uma unidade produtiva no estado depende da consolidação da plena capacidade produtiva do CIFN:

51 Quadro 3 - Consolidação da Ford (Grupo 3)

Fonte: Desenbahia, 2002, p. 24 – Quadro elaborado por Antonio Ive Marinheiro.

O quadro 4 corresponde aos fornecedores cuja implantação de unidade produtiva na Bahia não depende de escala de produção.

Quadro 4 - Oportunidades à Curto Prazo (Grupo 4)

Fonte: Desenbahia, 2002, p. 26 – Quadro elaborado por Antonio Ive Marinheiro.

52 Os dados apresentados nos quadros acima levantam dúvidas quanto ao enraizamento produtivo da Ford na Bahia, uma vez que a indústria automobilística funciona atualmente com enraizamento em todas as partes do mundo. Um automóvel produzido na Bahia pode ser montado com peças de diversas partes do Brasil e do Mundo. No quadro 5, abaixo, apresentamos os sistemistas do CIFN nos anos de 2002, 2005 e 2013. É possível observar que não houve variação significativa entre os sistemistas e nem na quantidade de empresas que trabalham no complexo.

Quadro 5 - Sistemistas do Complexo Industrial Ford Nordeste

53 De acordo com informações do Sindicato dos Metalúrgicos de Camaçari (SMC), o fato de o sistemista estar instalado no CIFN, não significa que ele esteja produzindo os componentes no complexo. Muitos componentes são importados de outros estados ou mesmo países. Portanto, para a maioria dos casos, os funcionários apenas montam os sistemas no sítio, não os produzem. Por isso, segundo dados do SMC em março de 2013, o CIFN operava com aproximadamente 10 mil funcionários, número reduzido para um total de 23 empresas.

Essa situação se comprova pela maneira como funciona o sistema de logística implantado no CIFN, que está sob a responsabilidade da empresa Lean Logistic Ltda., companhia especialmente criada para operar no CIFN a partir da fusão da Excel, tradicional parceira da Ford nos Estados Unidos e Europa, com a TDS Jit.

A Lean é responsável pela entrega de todas as peças e componentes necessárias à fabricação dos veículos, seja para a Ford ou para os sistemistas instalados no sítio do CIFN.

A empresa opera com dois galpões, um de 9 mil m², dentro do CIFN e outro de 3,5 mil m², em São Bernardo do Campo. Esses galpões têm a finalidade de armazenar componentes para que, na planta do CIFN, o estoque não seja superior a três dias (just-in-time).

Em 2001, diariamente, 70 carretas partiam de São Bernardo do Campo (SBC) para o CIFN, em um sistema logístico conhecido como Milk Run, que consiste na coleta e entrega programada de peças. As peças saiam do local de origem (SBC) organizadas de maneira a obedecer a uma ordem pré- determinada de descarregamento para a Ford e para os demais sistemistas (COUTO, 2001). De acordo com o Sindicato dos Metalúrgicos de Camaçari, em 2013 essas operações continuam ocorrendo, tanto em relação à quantidade de carretas quanto em relação aos componentes e sistemas transportados.

A Lean é responsável também pela administração dos estoques no CIFN e pelo transporte interno e abastecimento automático das linhas de produção (COUTO, 2001). Trata-se de um sistema de administração compartilhada.

54 Observamos assim que parte significativa dos sistemas e componentes que alimentam o CIFN não é produzida no município de Camaçari ou na Bahia, mas sim em outros estados. Portanto, concluímos que apenas parte da cadeia produtiva foi implantada na Bahia. Nesse caso, apenas as empresas que montam e instalam os subconjuntos precisam, obrigatoriamente, se instalar no complexo. As demais podem produzir as peças, insumos e matérias primas em outros estados ou países, não necessitando para isso, fazer investimentos para produzir nesse estado.

Percebemos, portanto, que os esforços do governo da Bahia para que a Ford não se tornasse apenas uma empresa maquiladora no estado não foram totalmente recompensados.

Salerno e Dias argumentam que quando não há produção em escala:

(...) pode ser vantajoso o “desmembramento” da produção, concentrando numa planta principal as atividades centrais, como a fabricação propriamente dita dos componentes, e localizando próximo à montadora somente as partes finais do processo, tipicamente as atividades de montagem. Em geral é o que vêm fazendo as empresas participantes de condomínios industriais (SALERNO e DIAS, 1998. p.3).

Outro fato apontado por Cerqueira contribui para o entendimento dessa problemática:

(...) todas essas empresas receberam isenção para operações interestaduais e operações internacionais (Lei 9940/97 – Novo Regime Automotivo), o que inibe a internalização da produção, na medida em que a compra dos componentes de outros estados ou países, dado os incentivos, pode custar menos do que estabelecer a produção no sítio da Ford em Camaçari (CERQUEIRA, 2010, p. 234) destaque nosso.

Na estratégia global da Ford, a planta industrial da Bahia teria como objetivo exportar para países da América Latina, portanto, os automóveis produzidos nessa planta, teriam o perfil dos consumidores dessa região do planeta, ou seja, seriam veículos populares ou médios. Esse fato é importante 55 porque estamos percebendo que a Ford foi agraciada com enormes benefícios fiscais, não apenas do governo federal, mas também estadual e do município de Camaçari, para realizar uma reestruturação produtiva no mercado nacional com alcance no mercado latino-americano e outros países emergentes. Em outras palavras, a Ford objetivava uma recuperação mercadológica com vistas a reocupar seu espaço no mercado nacional e aumentar suas exportações por meio da produção de veículos que obedecessem a padrões internacionais e que estivessem em condições de serem comercializados internacionalmente.

Segundo Dicken, as empresas transnacionais (ETNs) buscam produzir mercadorias que respeitem as características e as culturais locais:

Em geral, a intensificação da concorrência global, em um mundo que tem um alto nível de diferenciação local, gera para todas as ETNs uma tensão interna entre as forças de globalização, por um lado, e as forças de localização, por outro (DICKEN, 2010, p.158). Vender em mercados como os da Rússia, Índia, China e América Latina, além do mercado nacional, são os objetivos do Projeto Amazon, uma vez que esses países possuem semelhanças no que se refere ao mercado de automóveis. Portanto, a planta de Camaçari produziria automóveis para mercados semelhantes ao do Brasil. Concordamos com a afirmação de Lung que se trata de uma estratégia adotada pelas indústrias automobilísticas para enfrentar as incertezas dos países emergentes (LUNG, 2000).

No CIFN foi implantada a modalidade de Condomínio Industrial, que é um estágio intermediário entre o Consórcio Modular (cujas autopeças estão instaladas na planta industrial da montadora e participam do processo de montagem do veículo) e o Distrito Industrial (em que as autopeças estão instaladas na mesma região ou regiões próximas às montadoras).

No sistema de Condomínio Industrial, as autopeças estão divididas em níveis: 1º nível (First Tier) ou sistemistas são responsáveis pelo fornecimento de sistemas completos e não apenas de peças avulsas. No 2º nível (Second Tier) estão aquelas empresas que fornecerão suprimentos para os sistemistas

56 de 1º nível. Nos 3ºs e 4ºs níveis estão as empresas que fornecerão peças mais simples ou matérias primas.

A localização dos sistemistas, principalmente os de 1º nível, deve ser no sítio da montadora, uma vez que eles são responsáveis pela montagem de sistemas pelos esquemas Just-in-time e Just-in-sequence.

Para compreendermos melhor como operam os sistemistas, vamos detalhar a participação da SAS Automotive do Brasil Ltda. no sítio do CIFN. A SAS é uma sistemista de 1º nível e é responsável pela montagem das portas dos veículos produzidos nesta planta.

O processo funciona da seguinte maneira: o veículo entra na linha de montagem final da Ford já pintado. As portas são removidas e enviadas para a área da SAS dentro da fábrica. Lá são montadas em seqüência em doze estações. Após a checagem final, retornam para a linha de montagem, onde são novamente instaladas nos veículos. O ciclo demora em média 1h30 (COUTO, 2001, p.16).

A SAS construiu treze estações de trabalho dentro da planta do CIFN ao custo de R$ 7 milhões, sem incluir ferramentas e custos de engenharia. As estações de montagem das portas operadas pela SAS estão totalmente integradas às linhas de montagem da Ford (Just-in-time e Just-in-sequence). São 120 funcionários trabalhando em 3 turnos (ver o quadro 3 – Grupo 3 - Consolidação da Ford).

O trabalho de montagem da SAS depende de 10 fornecedores que devem abastecer suas estações de trabalho dentro do complexo. São os fornecedores de 2º nível. Esses sistemistas estão instalados dentro do CIFN, não necessariamente em estações próximas às linhas de montagem.

Os sistemistas de 2º nível dependem de outros 20 fornecedores de 3º e 4º níveis, que fornecem peças mais simples ou matérias-primas.

A Ford envia sua programação para a SAS, que por sua vez, retransmite para os sistemistas de 2º nível, que retransmitem para os sistemistas de 3° e 4 níveis. Esse é o sistema just-in-sequence.

57 A integração entre fornecedores/sistemistas e a montadora deve ser profunda. De acordo com Butori:

Para fornecer para uma montadora, o fabricante de autopeças precisa ser competitivo. Trata-se de um conceito complexo, que envolve qualidade de produto e serviço, qualificação da empresa, preço e fôlego financeiro para acompanhar o desenvolvimento de produtos (BUTORI, 1999, p.11).

É importante notar que os investimentos necessários para a implantação das estações de trabalho da SAS, tais como a aquisição das ferramentas e os custos de engenharia e estudos de viabilidade técnico-financeira, foram realizados pela sistemista e não pela Ford. O mesmo se aplica aos sistemistas de 2°, 3° e 4° níveis que fornecem as matérias primas para a montagem das portas, bem como aos demais sistemistas que fornecem outros sistemas completos e operaram no sítio do CIFN.

O layout do CIFN nos ajuda a compreender em detalhe o processo de produção e a integração da Ford com os sistemistas.

58 Figura 4 - Layout do Complexo Industrial Ford Nordeste

Fonte: Intranet da Ford Motor Company (In. LUCKACS, 2005, p.65). Obs.: Os números que demonstram a sequência do processo de produção foram feitos por Antonio Ive Marinheiro.

59 A produção tem início com recebimento das bobinas de aço pela empresa Ferrolene (1), que executa os cortes para obtenção dos blanks. Estes seguem para a BSB (2), que é responsável pela estampagem das peças. Esse processo é totalmente automatizado. Os estampados pequenos são fornecidos pela Sodecia (3).

Após o processo de estamparia, as peças seguem para o setor de carroceria onde trabalham duas empresas: novamente a BSB (4) que produz as partes móveis como portas, capôs e tampa traseira, e a própria Ford (4), que monta a carroceria. O setor de carroceria é totalmente automatizado, com a utilização de 261 robôs responsáveis por 53% das operações. O equipamento para fechamento das carrocerias pode produzir até seis modelos dentro do mesmo ciclo, com a possibilidade de trocar as ferramentas sem paralisar a linha.

A etapa seguinte é a pintura, que está sob a responsabilidade da DDOC (5), que tem capacidade para pintar até 50 veículos por hora. A montagem final reúne, dentro do mesmo prédio, treze fornecedores. Eles trabalham no sistema just-in-sequence.

Cada sistemista executa uma fase da montagem. A SAS (6) monta as portas, a Visteon (7) os painéis, a Intertrim (8) e Pelzer (9) fazem trabalho de revestimento de teto, carpetes e isoladores, a Lear (10) constrói o módulo de bancos, enquanto a Mapri-Textron (11) fornece os parafusos e fixadores. A Pirelli (12) monta o conjunto roda-pneu, a Valeo (13) responsabiliza-se pelo módulo da frente do veículo, a Benteler,(14) entrega o módulo de suspensão, a Cooper (15) instala os tubos e sistemas de freios, a Arvin (16) responde pelos sistemas de exaustão e, a Kautex (17) pelo sistema de combustível.

Localizados ao redor das áreas de montagem, operam outros fornecedores: a Autometal (18), para injeção de plásticos pequenos, a Dow (19), que realiza a injeção dos plásticos grandes, a Pilkington (20), fornecedora dos vidros, a Saargummi (21), fornecedora de borrachas e a Colauto (22) responsável pela pintura de peças médias e pequenas. A logística das operações internas e externas está sob a responsabilidade da

60 Lean Logistic (23). O gerenciamento e a provisão de serviços gerais estão a cargo da ABB Service (24)

Fora do complexo estão quatro fornecedores: Arteb, faróis e lanternas, Borlem, rodas, Siemens, sistemas elétricos e TWE, espumas.

O que podemos observar é que a Ford divide com os sistemistas a responsabilidade até mesmo pela montagem dos veículos, dividindo também os investimentos necessários e os riscos do negócio. Outro aspecto importante a ser observado é que as peças e os componentes não são fabricados no CIFN, apenas montados, de modo a constituírem sistemas completos que, no momento oportuno, irão para linha de produção, onde serão instalados nos veículos.

Pinhão e Santos (2000, p.74) destacam que o relacionamento entre montadoras e fornecedores sofreu mudanças significativas ao longo dos últimos anos: “redução do número de componentes fabricados dentro das montadoras (...); consolidação de uma plataforma base para desenvolvimento de veículos (...); consolidação da base de primeira linha (first tier)”, o que gerou simplificação dos processos de compras; “redução progressiva do número de fornecedores (...); surgimento de megafornecedores (...); política de fornecedor único (...); alteração na forma de produzir (...)”.

Para os fornecedores, as consequências são inúmeras, tais como: pressão constante por redução de preços, interdependência cada vez maior com as montadoras, responsabilidade na transformação de componentes em sistemas, internacionalização da base fornecedora, elevados gastos com pesquisa e desenvolvimento e grande número de aquisições e acordos (PINHÃO e SANTOS, 2000, p.76).

No quadro 6 apresentamos a lista de requisitos exigidos para que uma empresa se torne um sistemista em uma cadeia totalmente integrada de fornecedores:

61 Quadro 6 - Cadeia Totalmente Integrada da Indústria Automobilística

Fonte: CARS - Cadeia Automotiva do RS, 2012. Quadro elaborado por Antonio Ive Marinheiro.

Os fornecedores de primeira linha têm atuação internacional e são qualificados para atender a montadora em qualquer país do mundo onde esta se instale. Possuem alto nível tecnológico e realizam a produção em volume global objetivando os ganhos de escala. Uma mesma planta industrial fornece peças ou sistemas para vários países.

A atualização tecnológica permite, ainda, a realização do fluxo intra firma, já que as diversas unidades de produção possuem o mesmo padrão técnico, bem como, definir a especialização da produção, inserindo essa filial na estratégia mundial da Ford (CERQUEIRA, 2007, p.13).

Portanto, podemos observar que a instalação da Ford em Camaçari não garantiu a territorialização da produção, ou seja, não garantiu o encadeamento, 62 na Bahia, da produção, desde as matérias-primas até os veículos acabados, como desejava o governo.

Para Salerno e Dias, a proximidade dos fornecedores às montadoras somente se justificam se houver escala de produção. “Se o processo produtivo incorrer em muitos custos fixos, e a escala for muito baixa, certamente os custos finais não serão compensados pelas vantagens da proximidade” (SALERNO e DIAS, 1998, p.3).

Outro aspecto importante que necessita ser destacado é o fato haver a predominância de empresas de autopeças de capital internacional sobre as de capital nacional nas atividades de maior valor agregado, ficando para as empresas locais, o fornecimento de peças e suprimentos de menor valor. De acordo com Salerno e Dias:

(...) as autopeças de capital nacional encontram dificuldades em competir e tendem a se posicionar cada vez mais em pontos secundários na cadeia produtiva, onde a políticas que conduzem a redução de custos ditadas pelas montadoras chegam ampliadas por pressões sucessivas ao longo da cadeia, com consequências muitas vezes negativas para a sociedade – demissões, redução de salários, precarização do trabalho, fechamento de fábricas (SALERNO e DIAS, 1998, p.6).

Segundo Ferreira e Lemos, os novos requisitos locacionais estão alicerçados em mecanismos artificiais de atração de investimentos, que se travestem de políticas regionais de desenvolvimento. “Incentivos fiscais, facilidades financeiras, criação de infraestrutura, divisão do risco privado do investimento com o setor público costumam estar presentes nas mesmas, especialmente nos espaços relativamente poucos atrativos para o investimento privado” (FERREIRA e LEMOS, 2004, p.49).

A tecnologia que permite a dispersão industrial, uma vez que as empresas passam a ter mais flexibilidade para escolher novos locais para implantar suas novas unidades produtivas (desenvolvimento dos transportes, das comunicações e das tecnologias da informação) é a mesma que exige

63 maior proximidade em relação aos sistemistas, principalmente os de primeiro nível. Entretanto, se por um lado existe de fato uma desconcentração industrial, por outro há que se afirmar que essa desconcentração está espacialmente limitada. Em outras palavras, com exceção da Ford, que foi para a Bahia, as demais indústrias automobilísticas operam próximas aos grandes centros consumidores das regiões Sul e Sudeste, conforme demonstra o quadro 7.

Quadro 7 - Distribuição Geográfica da Indústria Automobilística 2012

Dados referentes às indústrias associadas à Anfavea Fone: Anuário Estatístico da Indústria Automobilística – Anfavea 1012

Os resultados do Quadro 7 corroboram estudos de Lencioni (1994) sobre a desconcentração industrial. A autora afirma que os centros de decisão, tanto operacionais quanto financeiros, continuam a ser exercidos a partir da metrópole, motivo pelo qual São Paulo continua sendo o centro nervoso do capital nacional e internacional investido no país.

Ao observarmos o quadro 8, percebemos que a tendência apresentada no quadro 7, continua válida para os investimentos futuros da indústria automobilística.

64 Quadro 8 - Unidades Industriais Automobilísticas Anunciadas

Fonte: Anuário Estatístico da Indústria Automobilística Brasileira – 2012 - Anfavea

Com exceção da Fiat em Pernambuco, da fábrica de motores da Ford e da Jac Motors3 em Camaçari, estado da Bahia, as novas plantas previstas para entrarem em operação nos próximos anos se concentram no sul e no sudeste, regiões que já contam com a existência de polos automotivos.

3 A Jac Mortors não aparece no quadro 9 porque o anúncio de que essa empresa instalaria uma planta em Camaçari foi feito em 2012, depois do fechamento do Anuário Estatístico da Indústria Automobilística Brasileira de 2012.

65 2.3. Os trabalhadores do Complexo Industrial Ford Nordeste

A reestruturação produtiva da indústria automobilística, além de elementos tecnológicos, de gestão e de logística como vimos, passa também pela transformação do operariado e do movimento sindical que diferirá certamente, do perfil do metalúrgico do ABC Paulista, tradicional região produtora de automóveis no Brasil.

A saída para a crise do sistema capitalista dos anos 70 do século XX exigiu mudanças que passaram pela redução do valor de remuneração da força de trabalho e o investimento maciço no desenvolvimento tecnológico e de novas estratégias de acumulação de capital. O resultado foi o aumento da produtividade. Vejamos o quadro abaixo.

Tabela 1 - Relação Emprego, Produção e Faturamento da Indústria Automobilística Brasileira (1990 – 2011)

Fonte: Anuário Estatístico da Indústria Automobilística Brasileira – 2012 – Anfavea Tabela elaborada por Antonio Ive Marinheiro 66 A partir da análise do quadro 1 acima, podemos extrair algumas informações que nos ajudam a compreender a evolução da indústria automobilística brasileira no período. A escolha desse período (1990-2011) para compor a tabela 1 se deve ao fato deste ser o período base de pesquisa dessa dissertação.

O primeiro dado que nos chamou a atenção foi o fato de que de 1990 a 2011, a geração de empregos no setor foi de apenas 7,3%, enquanto o volume de produção aumentou 275,3%. Em 1991, cada posto de trabalho era responsável pela produção de 7,8 veículos por ano, em 2011 esse número passou para 27,2 veículos por posto de trabalho por ano. Em 1990, cada trabalhador era responsável por US$ 231.098 de faturamento anual, em 2011 esse valor passou para US$ 742.570 por trabalhador.

As consequências dos fatos apontados acima foram enormes e foram também sentidas de várias maneiras: redução salarial, caça aos direitos trabalhistas, e o refluxo do movimento sindical, entre outros.

Não faz parte do escopo desse trabalho investigar as mudanças na estrutura sindical brasileira das últimas décadas, sob pena de o fazendo, perdermos o nosso foco. Entretanto, não podemos prosseguir essa análise, sem abordar, mesmo que de maneira superficial, o novo sindicalismo metalúrgico nas regiões anfitriãs das novas plantas industriais automotivas.

As indústrias produtoras de automóveis, ao buscarem novos locais para instalarem suas modernas fábricas, estão também buscando uma força de trabalho que seja diferenciada em termos de combatividade em relação às regiões tradicionais. Em outras palavras, o aumento da competitividade das indústrias está vinculado não apenas à produção flexível e enxuta, mas também à relações trabalhistas menos exigentes. Evitar a tradição sindical combativa é também o objetivo da indústria automobilística em seu novo patamar produtivo.

O aumento do lucro, a partir da reestruturação produtiva da indústria automobilística, passa necessariamente pela formação de um novo operário, que seja destituído de espírito combativo e aguerrido. O atendimento desse

67 requisito é mais facilmente atingido com a implantação de novos empreendimentos fabris em área que não possuem essa tradição.

No CIFN o operário de chão de fábrica, que corresponde a 70% da força de trabalho da empresa, não tinha nenhuma experiência de trabalho industrial anterior. Essa mão de obra é predominantemente da cidade de Camaçari e Dias D’Avila e, em sua maioria, vivia do trabalho precário e informal.

Uma das exigências iniciais para a formação técnica do operariado através do Projeto Amazon (...) era de que os trabalhadores não tivessem nenhuma experiência anterior com o trabalho fabril, nenhuma cultura elaborada no contato com a experiência operária (FERRAZ, 2011, p. 4)

Portanto, estamos nos referindo a trabalhadores que, por não terem a vivência fabril, estariam mais propensos à cooptação e à passividade.

Outra tática utilizada pela empresa foi a de não aceitar discutir uma pauta unificada de negociação com os trabalhadores em nível nacional. Negociando sempre localmente, foi possível manter os salários em diferentes patamares. Essa prática permite, entre outras coisas, que um trabalhador da Ford de Camaçari receba um salário menor que outro da Ford de São Bernardo do Campo, mesmo que ambos exerçam a mesma função. Essa situação contribui para aumentar a margem de lucro da Ford na Bahia e fazer dela um modelo de fábrica enxuta.

Além dos salários, uma série de fatores importantes, como jornada de trabalho, custo de refeição, assistência médica, transporte, participação nos lucros e resultados (PLR), abonos, entre outros, seriam equalizados se houvesse unificação da pauta de negociações com as indústrias montadoras de veículos no território nacional.

O Contrato Coletivo ajudará a impedir a competição entre regiões e plantas industriais, fundamentadas no rebaixamento das condições sociais (dumping social). Além da jornada e da remuneração, o Contrato Coletivo Nacional de Trabalho no setor possibilitará a regulação de outros elementos como as condições de trabalho, a representação sindical e a

68 reestruturação produtiva (inovações tecnológicas, terceirização, organização do processo e do ritmo de trabalho, formação e educação profissional, emprego, entre outros) (DIEESE, 2003, p.59).

Apesar do tratamento intransigente dispensado aos trabalhadores por parte da Ford, o movimento operário foi se estruturando e obtendo algumas conquistas que, apesar de significarem melhorias salariais e trabalhistas, ainda estavam muito aquém das condições dadas aos metalúrgicos da Ford de São Bernardo do Campo. Por exemplo, “o salário dos operadores, que no início correspondia a 30% do que era pago na fábrica paulista, passava a corresponder a 50%. O salário médio de um operário da Ford em Camaçari passou a ser de R$ 900,00.” (FERRAZ, 2011, p.14).

A tabela 2 nos apresenta de maneira mais atualizada os rendimentos dos trabalhadores das indústrias automobilísticas do Brasil, fato que nos permite comparar as disparidades vigentes entre as diversas regiões do país.

69 Tabela 2 - Comparação entre as Despesas com uma Cesta Padrão de Consumo dos Metalúrgicos e a Remuneração Média de um Montador em Municípios com Plantas Automobilísticas (2011)

Fonte: MTE / RAIS 2010; Do Salário às Compras (Subseção do DIEESE - Sindicato dos Metalúrgicos do ABC/CNM CUT). * Os dados referem-se à uma cesta pré-definida de 151 produtos, cujos preços foram pesquisados em junho de 2006 e corrigidos pelo INPC-IBGE até abril de 2011.

A tabela 2 elaborada pelo Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (DIEESE), da subseção do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, em São Bernardo do Campo, permite observar alguns fatos importantes da realidade dos trabalhadores metalúrgicos das montadoras de automóveis no Brasil.

70 Mas antes é importante compreendermos a metodologia da pesquisa que proporcionou a constituição dos valores da Cesta de Produtos e da Remuneração Média do Montador.

A composição da Cesta de Produtos foi realizada de acordo com a metodologia desenvolvida pela Subseção do DIEESE do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC e leva em consideração a média de preços de 151 itens que exercem maior peso sobre a estrutura de compra das famílias. Como pode ser observado, o valor da Cesta de Produtos não foi composto a partir de uma média nacional, mas sim através de pesquisa em cada uma das 17 localidades (DIEESE, 2003).

Os valores das remunerações foram obtidos da Relação de Informações Sociais – RAIS, do Ministério do Trabalho e Emprego. Note-se que os valores não se referem a salários, mas sim à remunerações, uma vez que essas incorporam os diversos adicionais recebidos pelos trabalhadores, tais como hora extra, adicional noturno, abonos etc. (DIEESE, 2003).

Uma constatação importante acerca da Cesta de Produtos é que a variação do custo entre os 17 municípios pesquisados foi de apenas 14, 2% (o maior custo foi de R$ 2.188,07 em São Bernardo do Campo e São Caetano do Sul e menor custo foi de Catalão, R$ 1.915,79). Esse dado é importante porque anula o argumento das montadoras de que as disparidades entre os salários pagos aos trabalhadores se devem às diferenças de custos de vida nas diversas localidades.

Os dados da tabela 2 comprovam que, entre os 17 municípios pesquisados, a variação do custo da Cesta de Produtos é muito menor que a variação dos rendimentos dos trabalhadores do setor.

Outro dado importante que podemos extrair da tabela 2 diz respeito à enorme variação do Comprometimento da Remuneração Mensal com a Cesta de Produtos. Podemos observar que em oito municípios (Camaçari, Resende, Gravataí, Betim, Porto Real, Sete Lagoas, Caxias do Sul e Catalão), os rendimentos dos trabalhadores permitem apenas a aquisição parcial da Cesta de Produtos, o que contribui demasiadamente para a perda da qualidade de vida do trabalhador das fábricas instaladas nessas cidades. 71 A pesquisa evidencia a grande diferença de remuneração e de jornada dos trabalhadores da indústria automobilística no país. Mais do que as diferenças de remuneração e de jornadas entre as empresas (que também ocorrem, é verdade), o que chama a atenção é a existência de distintos mercados regionais (locais) de trabalho no país. Não há um “mercado nacional de trabalho” propriamente dito. As remunerações e as jornadas variam acentuadamente entre os 17 Municípios pesquisados. Isto, embora as fábricas do setor atuem em condições similares de processo produtivo, produto final, preços de insumos e produtos finais (sic) etc. (DIEESE, 2003, p.45).

Outra disparidade constatada entre os trabalhadores da indústria automobilística no Brasil é referente à jornada de trabalho. Ao observarmos a Tabela 3, percebemos que há variações de até 10% na jornada de trabalho de uma localidade para outra.

Tabela 3 - Jornada de Trabalho nas Empresas Montadoras de Veículos por Município - Brasil (2002)

Fonte: MTE / RAIS 2001. Do Salário às Compras (Subseção do DIEESE do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC/CNM CUT).

72 Em 2004, os operários da CIFN realizaram uma greve (a segunda de sua história), sendo um dos objetivos a redução da jornada de trabalho, então de 44 horas por semana. Naquela ocasião conseguiram reduzir a jornada semanal para 42 horas. Após várias greves e reivindicações, os trabalhadores do CIFN conseguiram reduzir a jornada de trabalho para 40 horas semanais, equiparando-se aos seus companheiros de São Bernardo do Campo.

No quadro 9, apresentamos as principais greves realizadas no CIFN:

Quadro 9 - Principais Greves no Complexo Industrial Ford Nordeste

Tabela elaborada por Antonio Ive Marinheiro a partir de informações da imprensa.

Os dados expostos nesse capítulo revelam um fato muito importante. Se é verdade que ainda existe enorme disparidade entre os rendimentos dos trabalhadores do CIFN e os da Ford/SBC (que recebem as maiores 73 remunerações pagas pela empresa no Brasil), também é verdade que essa disparidade diminuiu ao longo do tempo, fruto da organização e protesto dos trabalhadores.

Apesar das conquistas dos trabalhadores do CIFN, a isonomia de condições de trabalho e renda com os colegas do ABC Paulista ainda está longe de ser alcançada. E o resultado de tamanha repressão e superexploração da força de trabalho, associado aos incentivos e investimentos públicos e privados foi a antecipação de resultados por parte da Ford. Em 2003, com dois anos de operação, a empresa já tinha atingido as metas de produção projetadas para 2005. A planta de Camaçari foi considerada a benchmarker4 da montadora no mundo (SATOMI, 2003).

A Ford estabeleceu com a sociedade brasileira e, em especial, com o povo baiano, um relacionamento assimétrico. Ela recebeu do governo federal e da Bahia excelentes condições para produzir naquele estado (renúncia fiscal, empréstimos e infraestrutura). O custo adicional de se produzir automóveis a dois dias de distância do estado de São Paulo, maior mercado consumidor do país, foi totalmente absorvido pelo Estado brasileiro nas suas diversas instâncias (municipal, estadual e federal).

Entretanto, a retribuição da empresa para o povo brasileiro, infelizmente não está baseada na reciprocidade. O tratamento dispensado aos trabalhadores do CIFN em nada lembra a sofisticação e o elevado teor tecnológico que pauta a produção de automóveis no complexo.

Alguns acontecimentos ilustram o tratamento da Ford em relação aos seus funcionários. No dia 14 de abril de 2002, a Polícia Militar dispersou uma assembleia dos trabalhadores do CIFN com violência. O saldo foi de 15 trabalhadores hospitalizados, “Nem mesmo uma mulher grávida foi poupada pelos policiais, que a espancaram sem medir as conseqüências” (SOUZA,

4 * Segundo Soria (2007), benchmarker “é um processo de pesquisa que permite realizar comparações de processos e práticas “companhia-a-companhia” para identificar o melhor do melhor e alcançar um nível de superioridade ou vantagem competitiva.”

74 2002a). Ou ainda, “a montadora Ford (...) só emprega baiano em função primária e com salários baixos (...) é quase impossível localizar um baiano com salário superior a R$ 491”. A discriminação salarial atinge também as prestadoras de serviços e as empresas sistemistas (SOUZA, 2002b).

O depoimento de uma operária do CIFN nos auxilia na compreensão do dia a dia da fábrica:

Sou uma trabalhadora do complexo automotivo Ford de Camaçari e venho (...) mostrar uma dura realidade que nós trabalhadores da Ford estamos vivenciando. Em pleno final de Ano a Ford se nega a pagar os direitos dos funcionários o que está causando uma grande revolta e insatisfação por parte dos trabalhadores. Ela diz não ter condições de pagar o que nós temos direitos (sic), visto que, no estado de São Paulo, já foram pagos todos os benefícios e em tempo hábil, já aqui na Bahia a discriminação está em alta e nós trabalhadores estamos sendo alvo de arrogância e intolerância por parte da Ford (...). As relações trabalhistas na fábrica da Ford em Camaçari andam bastante conturbadas. (...) O clima é tenso na fábrica (...) (MURAL, 2011).

Botelho afirma que a reestruturação da indústria automobilística representou um processo de modernização que “fez-se sacrificando parcelas consideráveis de empresários-fornecedores, em geral de pequeno e médio porte (que vão à falência ou vendem suas empresas para companhias estrangeiras)”. Mas, ainda conforme Botelho, não foram apenas os empresários nacionais que sofreram as sérias consequências dessa modernização, segundo ele,principalmente a classe trabalhadora, devido “a redução sistemática de postos de trabalho e a deterioração das relações trabalhistas” (BOTELHO, 2002, p.56).

O que percebemos então é que se por um lado as relações de produção se modernizam cotidianamente, por outro, as relações de trabalho e o tratamento dedicado pela montadora aos seus trabalhadores se tornam, a cada dia, menos humanizados.

75 3. O IMPACTO DA INDUSTRIALIZAÇÃO NO MUNICÍPIO DE CAMAÇARI APÓS OS ANOS 2000.

Para investigar se a implantação da Ford em Camaçari contribuiu ou não para promover o desenvolvimento econômico nessa cidade, faremos uma retrospectiva histórico-econômica, uma vez que o lugar já abrigava um complexo petroquímico antes da chegada da Ford e certamente, esse fato influenciou as condições socioeconômicas do município.

Para não fugir do objetivo central, retomaremos a história econômica do município de Camaçari a partir da segunda metade do século XX.

3.1. Localização geográfica do município de Camaçari.

Camaçari, o mais extenso município da Região Metropolitana de Salvador (RMS), possui uma área de 759,8 Km² e localiza-se no Recôncavo Baiano Norte. Distante 41 Km de Salvador, capital do estado da Bahia, a cidade surgiu à margem da estação de parada do Km 48 da ferrovia Bahia/São Francisco.

Figura 5 - Mapa da Região Metropolitana de Salvador

Fonte: Coordenação Estadual dos Territórios, 2007 – SEI

76 3.2. A produção do espaço de Camaçari a partir da segunda metade do século XX.

Após a descoberta de petróleo no Recôncavo baiano nos anos 1950, a região recebeu investimentos da Petrobrás e da Companhia Hidrelétrica do São Francisco (CHESF), principalmente após a construção da Usina Hidrelétrica de Paulo Afonso, que solucionou o déficit de energia elétrica e criou condições para a implantação de indústrias no Recôncavo (BAHIA, 1971).

Em decorrência da descoberta de petróleo e da oferta de energia elétrica, dois importantes fatos transformam a região nos anos 1960. O primeiro foi o início da produção de petróleo em algumas cidades do Recôncavo Baiano (Mata de São João, Pojuca, Catu e Alagoinha). Por meio de dutovias, a produção petrolífera era encaminhada para a vizinha cidade de Candeias, onde o óleo era processado na recém-construída Refinaria Lundolpho Alves (BAHIA, 1971).

O segundo fator importante foi a criação do CIA - Centro Industrial de Aratu (BAHIA, 1971). Trata-se de um complexo industrial multissetorial localizado nos municípios de Candeias e Simões Filho, que conta com o apoio logístico do Porto de Aratu para o escoamento da produção.

No início da década de 1970, foi implantado o Complexo Petroquímico de Camaçari (COPEC), o segundo polo petrolífero no Recôncavo Baiano. Planejado pelos governos do estado da Bahia e Federal, através da Petrobrás, o COPEC tinha como objetivo promover o desenvolvimento de um parque industrial de transformação a partir do encadeamento produtivo à jusante da indústria petroquímica (BAHIA, 1974).

Esse encadeamento da indústria de transformação não se concretizou. A indústria petroquímica é um ramo com grande capacidade de dinamização da economia à jusante, entretanto, para que o encadeamento produtivo local ocorresse, era necessário a endogeneização do crescimento, o que demandava grandes investimentos (CAMAÇARI, 1975).

Mas, apesar disso, merece destaque o grande crescimento populacional do município a partir dos anos 1970 (Tabela 4).

77 Tabela 4 - Crescimento Populacional de Camaçari (1970 – 2010)

Fonte: Bahia (1976, p. 61), Bahia (1985, p. 75) e IBGE. Tabela elaborada por Antonio Ive Marinheiro.

A tabela acima nos revela o elevado crescimento da população que quase triplicou de 1970 a 1980, pelo impacto dos novos empreendimentos na região. Em 40 anos, quase octuplicou, saltando de 33.273 habitantes (1970) para 242.970 em 2010.

Os dados da tabela também revelam o crescente processo de urbanização do município em razão das migrações do campo para cidade e também devido às migrações internas de trabalhadores atraídos para Camaçari, durante a construção do polo petroquímico.

É importante ressaltarmos que, os trabalhadores mais especializados do COPEC não residiam em Camaçari, mas sim em Salvador (SPINDOLA, 2003). Esse fato criou uma nova dinâmica na geografia urbana do município, que foi o movimento pendular diário Salvador/Camaçari/Salvador. Entre os trabalhadores do setor petroquímico de Camaçari, apenas 30% moravam no município, os demais preferiam morar em Salvador ou outras cidades da região devido à maior oferta de infraestrutura de serviços urbanos (CAMAÇARI, 2005).

Essa característica dos trabalhadores industriais do COPEC se repetiu também com os trabalhadores do CIFN, conforme vimos no item 2.3.

Segundo dados da Prefeitura Municipal de Camaçari:

(...) A média dos residentes é inferior à metade da renda per capita gerada no Município, situando-se em torno de R$ 78 567,00, conforme dados de 2004. Esse nível de rendimento, combinado com uma parcela expressiva da população em idade ativa, que se declara sem rendimentos (49%), formam um contingente aproximado de 160.146 pessoas potenciais dependentes de serviços públicos, correspondente a 86% da população total estimada (CAMAÇARI, 2005, p.21).

Uma pesquisa direta realizada em Camaçari revela a percepção que os moradores do município têm em relação às fábricas instaladas no território. De acordo com a pesquisa, metade dos entrevistados considera pequena a oferta de empregos industriais (apenas 17% dos moradores trabalham nas indústrias do município), acredita que as empresas não se preocupam com a população local e ainda avalia que o polo industrial privilegia outras localidades em detrimento da cidade (SOUZA, 2006, p.199).

Rodrigues, analisando a situação de Betim, no estado de , após a implantação da Fiat Automóveis S/A no município, em 1976, afirma:

As novas formas de produção industrial multiplicam as ofertas de emprego no setor urbano e produzem expectativas de trabalho para essa população afastada de suas fontes naturais de sobrevivência. Descarregam-se, pois, na cidade, enormes contingentes populacionais. Destes contingentes, muitos indivíduos se encontram aptos a exercer certas tarefas nos setores urbano-industriais, mas a maioria não se encontra dotada de condições mínimas suficientes para aí serem alocados. É uma “nova” realidade urbana, construída (...) pela ocupação desorganizada do espaço (...) (RODRIGUES, 1983, p.107).

Em Camaçari, a conjunção dos dois fatores (urbanização e crescimento demográfico) acarretou problemas urbanos, como déficit habitacional, precarização de serviços básicos de atendimento à população como saúde, educação, segurança, entre outros, conforme podemos verificar nos Índices de Desenvolvimento Humano do Município.

79 Tabela 5 - Índice de Desenvolvimento Humano dos Municípios da RMS (2001 – 2006)

Fonte: IBGE – Tabela elaborada por Antonio Ive Marinheiro.

Como pode ser observado, o IDH-M de Camaçari teve um crescimento modesto entre os anos de 2000 e 2006, que não permitiu sequer sua ascensão no ranking estadual, uma vez que o município permaneceu na mesma colocação, à semelhança da maior parte dos municípios integrantes da RMS.

Outra conclusão que podemos extrair da tabela 5 é de que os investimentos no polo petroquímico e no polo automobilístico, realizados entre 1999 e 2006, não contribuíram para a elevação significativa do IDH-M de Camaçari ou das outras cidades da RMS.

A implantação do COPEC transformou o município de Camaçari na maior concentração industrial do estado, formando em 1978 o Polo Industrial de Camaçari (PIC). Entretanto, para que o projeto atingisse sua plenitude, ou seja, enraizasse a produção no município e na RMS, e evitasse que a maior parte do VA da cadeia produtiva não ocorresse fora dos limites territoriais idealizados, era necessária a realização de investimentos em infraestrutura urbana e industrial, o que não ocorreu.

80 Em 1999, a Ford anunciou que iria implantar um complexo industrial em Camaçari, reacendendo as expectativas de desenvolvimento econômico na região. O anúncio da montadora, como já vimos, foi cercado por polêmicas devido à forma agressiva empregada pelo governo da Bahia para levar a empresa para seu território.

As obras de construção do CIFN tiveram início em 2000 e o primeiro veículo da montadora (uma picape Currier) saiu da linha de montagem no dia 12 de outubro de 2001, após receber operações e processos de 512 robôs. Para a montadora, esse complexo também é emblemático, e segundo Couto, significa talvez um ressurgimento da marca na América Latina. Como afirmou Luc Ferran, diretor executivo de manufatura e desenvolvimento de produto da Ford para a América do Sul e responsável pelo projeto Amazon, “já que teríamos que construir uma nova fábrica, decidimos que ela seria a mais moderna do mundo e modelo para tudo o que surgisse para a frente” (COUTO, 2001, p.4).

O sucesso do empreendimento da CIFN foi tão surpreendente que no dia 20 de dezembro de 2011, momento em que a Ford completava 10 anos de operações na Bahia, uma nova unidade da empresa começou a ser construída em Camaçari. Com o objetivo de fabricar motores, que atualmente são fabricados em Taubaté, SP, a nova fábrica tem previsão de produzir 210 mil motores/ano. O projeto receberá investimentos de R$ 400 milhões.

Atualmente, o Polo Industrial de Camaçari tem mais de 90 empresas químicas, petroquímicas e de outros ramos de atividade como indústria automotiva, de celulose, metalurgia do cobre, têxtil, bebidas e serviços. De acordo com o Comitê de Fomento Industrial de Camaçari (COFIC), o investimento global no polo totaliza 16 bilhões de dólares e os novos investimentos somaram cerca de 6,5 bilhões de dólares até 2011. A capacidade instalada é de 12 milhões de t/ano de produtos químicos e petroquímicos básicos, intermediários e finais e de 240.000 toneladas/ano de cobre eletrolítico, no segmento de metalurgia do cobre, e de 250 a 300 mil veículos/ano no CIFN. O faturamento é de aproximadamente US$ 15 bilhões/ano, e as exportações equivalem a 30% do total exportado pelo estado.

81 O Polo contribui anualmente com R$ 1 bilhão em ICMS para a Bahia e emprega 15.000 pessoas diretamente e 30.000 pessoas através de empresas contratadas (COFIC, 2012).

82 Figura 6 - Layout do Polo Industrial de Camaçari

Fonte: COFIC, 2012

83 O Valor Agregado da indústria e o PIB de Camaçari cresceram aceleradamente nos últimos anos. Esse crescimento está relacionado à implantação do CIFN no município, pois esse foi o único empreendimento grande o suficiente para promover tal aumento.

Tabela 6 - Evolução do Valor Agregado da Indústria e PIB de Camaçari (1999 – 2009)

Fonte: SEI – Tabela elaborada por Antonio Ive Marinheiro

No item 3.2. faremos uma análise das condições socioeconômicas de Camaçari, momento em que iremos verificar se o elevado crescimento do VA e do PIB do município foi acompanhado de elevação de melhores condições de vida da população.

84 3.3. Camaçari e seus indicadores de crescimento econômico (1998- 2006).

A Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia (SEI) é uma autarquia estadual criada em 1995 com o objetivo elaborar estudos e pesquisas que subsidiem o planejamento governamental. A SEI é atualmente o principal provedor de dados do Estado atendendo demandas provenientes do Governo, dos municípios e da sociedade civil.

Com o objetivo de avaliar os níveis socioeconômicos municipais, a SEI elabora e publica o Índice de Desenvolvimento Econômico (IDE) e o Índice de Desenvolvimento Social (IDS) dos municípios baianos. Faremos uso desses índices para avaliar o impacto da implantação do CIFN em Camaçari tendo como perspectiva a quantificação do crescimento econômico e do desenvolvimento social do município5.

O IDE é composto pela ponderação de outros três índices: Índice de Infraestrutura (INF), Índice de Qualificação da Mão de Obra (IQM) e pelo Índice do Produto Municipal (IPM), calculados para os municípios baianos com a periodicidade bianual. Esses índices estão atualizados até o ano de 2006.

O INF considera um conjunto de informações quantitativas sobre a infraestrutura do município, no que se refere à quantificação dos terminais telefônicos em serviço, ao consumo de energia elétrica, a quantidade de estabelecimentos bancários, comerciais e de serviços. O IQM considera o nível de escolaridade dos trabalhadores ocupados no setor formal. O IPM considera o nível aproximado de geração de renda do município em todos os setores da atividade econômica (SIDE).

5 Até o mês de março de 2013 a SEI ainda não havia disponibilizado os IDEs referentes aos biênios subsequentes. Apesar disso, julgamos conveniente basearmos nossa pesquisa nesse indicador devido à sua abrangência e representatividade das condições econômicas do município. Com o objetivo de garantir a atualidade da pesquisa e das análises dela decorrentes, apresentamos no capítulo anterior os últimos dados disponíveis sobre demografia, PIB e VA da indústria de Camaçari.

85 A seguir apresentaremos o IDE, e os demais índices que o constituem (INF, IQM e IPM), na forma de gráficos. É importante observar que, a tabela completa com todos os dados encontra-se no Apêndice A desta dissertação.

O Índice de Desenvolvimento Econômico de Camaçari é o segundo maior do estado da Bahia, ficando abaixo apenas do índice da capital, Salvador. O principal setor econômico que contribui para o elevado desempenho econômico do município é a indústria. Utilizamos os índices a partir de 1998 para averiguarmos o desempenho econômico antes e depois da implantação do CIFN.

Figura 7 - Índice de Desenvolvimento Econômico de Camaçari (1998 – 2006)

Fonte: SEI – Gráfico elaborado por Antonio Ive Marinheiro

Percebemos que Camaçari não alterou sua classificação entre os municípios baianos, ou seja, antes da implantação do CIFN já estava classificado como segundo município em termos de desenvolvimento econômico e assim se manteve até cinco anos depois, uma vez que a Ford iniciou suas operações em outubro de 2001.

Não conseguimos observar se a implantação do CIFN alterou significativamente o desenvolvimento econômico do município, uma vez que 86 em 2002 ele voltou ao índice próximo do auferido em 1998. Em 2004, há uma elevação no índice, entretanto, em 2006, esse índice voltou a diminuir, mostrando oscilações.

Os dados referentes a 2008 e 2010 ainda não foram divulgados, motivo pelo qual não podemos averiguar com mais consistência o impacto da implantação do CIFN em Camaçari. Entretanto, é importante registrar que em outubro de 2001 o complexo iniciou suas atividades e, em 2004, atingiu a capacidade máxima de produção, antecipando em dois anos os resultados. Operando em 3 turnos (24 horas), em 2004 a Ford começou a produzir no ritmo de 250 mil veículos por ano, 912 unidades por dia, 1 veículo a cada 80 segundos (PINHEIRO, 2006).

Se em 2004 a Ford atingiu sua capacidade máxima de produção, acreditamos que os índices de desenvolvimento econômico do município de Camaçari de 2006 já reflitam o impacto da montadora sobre a economia do município. O que nos leva a deduzir, portanto, que o impacto foi bem abaixo do que se projetava.

Abaixo os gráficos que apresentam os índices que aferem o desenvolvimento econômico de Camaçari.

87 Figura 8 - Índice de Infraestrutura de Camaçari (1998 – 2006)

Fonte: SEI – Gráfico elaborado por Antonio Ive Marinheiro

As informações do gráfico nos permitem constatar que a implantação do CIFN não representou a melhoria da infraestrutura do município, que era melhor em 1998 do que em 2006, apesar do alto investimento realizado pelo governo do estado e pela prefeitura em infraestrutura necessária ao complexo (pavimentação de estradas, energia etc).

Isso ocorre porque a infraestrutura medida por esse índice está relacionada às necessidades diretas da população, como terminais telefônicos em serviço, o consumo de energia elétrica, a quantidade de estabelecimentos bancários, comerciais e de serviços. Entretanto, os investimentos realizados pelo poder público em infraestrutura ocorreram para atender às necessidades da Ford, tais como estrada, porto privado, etc.

88 Figura 9 - Índice de Qualificação de Mão de Obra de Camaçari (1998 – 2006)

Fonte: SEI – Gráfico elaborado por Antonio Ive Marinheiro

O índice que mede a qualidade da mão de obra em Camaçari foi o único que apresentou um crescimento constante. Isso fez com que a cidade saltasse de 5º lugar para 3º lugar no ranking de mão de obra mais qualificada no estado. Esse índice abrange apenas a escolaridade de pessoas empregadas no setor formal. Ou seja, o município teve que investir na formação profissional e a própria Ford se encarrega do treinamento dos funcionários.

Segundo Maia Filho:

Todos os empregados da linha de produção da fábrica têm no mínimo o 2º grau completo e passam por 900 horas de treinamento, sendo 450 horas no Senai (Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial) e outras 450 oferecidas pela Ford a seus funcionários (MAIA FILHO, 2003, p. B11).

Portanto, esse índice apresentou constante evolução porque a qualificação da mão de obra é essencial para a fábrica e é promovido pelo Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI) em parceria com a FORD, que preparam os trabalhadores para operarem o CIFN.

89 Figura 10 - Índice de Produto Municipal de Camaçari (1998 – 2006)

Fonte: SEI – Gráfico elaborado por Antonio Ive Marinheiro

O índice de Produto Municipal considera o nível aproximado de geração de renda do município em todos os setores da atividade econômica. Como pode ser observado, após uma significativa evolução a partir de 2000, esse índice voltou em 2006, a níveis abaixo de 1998, antes da implantação do CIFN.

Esse fato se justifica porque o encadeamento produtivo esperado com a implantação do CIFN em Camaçari não aconteceu com a pujança esperada. Consequentemente, a capacidade de geração de renda apresentou queda.

Outra causa para o baixo índice de geração de renda no município de Camaçari está relacionado ao nível salarial dos trabalhadores, não só do CIFN, mas também do Polo Petroquímico (apresentado no item 2.3). Deve-se ressaltar novamente o fato de que os trabalhadores com melhores qualificações residem em Salvador e não gastam seus salários em Camaçari.

Após a análise dos gráficos que apresentam os elementos que compõem o desenvolvimento econômico de Camaçari, podemos concluir que o município se caracteriza por trazer de fora a mão de obra mais qualificada e possuir uma população residente carente de serviços públicos de qualidade, apesar da grande riqueza produzida pelo seu polo industrial, conforme

90 podemos observar na tabela 6, que apresenta o VA e o PIB gerados pelas indústrias locais.

91 3.4. Camaçari e seus indicadores de desenvolvimento social (1998- 2006).

O Índice de Desenvolvimento Social (IDS) dos municípios baianos, elaborados pela SEI, é constituído pelo Índice de Nível de Saúde (INS), Índice do Nível de Educação (INE), Índice dos Serviços Básicos (ISB) e o Índice da Renda Média dos Chefes de Família (IRMCH), calculado para os municípios baianos com a periodicidade bianual6.

Até o mês de fevereiro de 2013, a SEI ainda não havia disponibilizado os IDS referentes aos biênios subsequentes. Apesar disso, julgamos conveniente basearmos nossa pesquisa nesse indicador devido à sua abrangência e representatividade das condições sociais da população do município de Camaçari. Afim de garantir análise

O INS é construído a partir de variáveis como, doenças de notificação obrigatória e óbitos por sintomas, sinais e afecções mal definidos (este último entendido como indicativo de deficiência do atendimento médico), pressupõe- se que, se a população estiver bem assistida na área de saúde e saneamento, os níveis de ocorrência das doenças redutíveis por imunização e saneamento básico tendem a ser baixos. O índice afere o nível de atendimento à população agregando indicadores referentes à oferta de serviços como número de profissionais de saúde, estabelecimentos de saúde, vacinações e leitos. O INE é expresso através de medidas quantitativas do atendimento em serviços de educação, na forma de matrículas do ensino básico regular ao superior. O ISB é expresso através de variáveis como, consumo de água tratada e de energia elétrica residencial, considerados serviços essenciais. O IRMCH expressa o rendimento médio dos chefes de família, supondo toda unidade familiar com um chefe auferindo rendimento mensal (SIDE).

6 Até o mês de março de 2013, a SEI ainda não havia disponibilizado os IDS referentes aos biênios subsequentes. Apesar disso, julgamos conveniente basearmos nossa pesquisa nesse indicador devido à sua abrangência e representatividade das condições sociais da população do município de Camaçari. Com o objetivo de garantir a atualidade da pesquisa e das análises dela decorrentes, apresentaremos nas páginas 98 e 99 indicadores de saúde e educação do município com dados disponíveis do Censo IBGE 2010.

92 A seguir apresentaremos o IDS e os demais índices que o constituem (INS, INE e ISB, IRMCH), na forma de gráficos. Entretanto, a tabela completa com todos os dados encontra-se no Apêndice B desta dissertação.

Figura 11 - Índice de Desenvolvimento Social de Camaçari (1998 – 2006)

Fonte: SEI – Gráfico elaborado por Antonio Ive Marinheiro

Apesar de Camaçari produzir o segundo Produto Interno Bruto da Bahia, e de seu crescimento ter sido de 279% em 11 anos (saltou de R$ 4,346 bilhões em 1999 para 12,159 bilhões em 2009), o seu índice de desenvolvimento social evoluiu de maneira negativa.

Em 1998, o IDS de Camaçari era 5.158,90. Até 2006, esse índice apresentou queda constante, chegando a 5.134,40. Esse fato comprova que o crescimento econômico de Camaçari, observado pelo aumento constante e expressivo do seu PIB, não foi acompanhado de desenvolvimento social. O município, que em 1998 ocupava o 8º lugar no ranking do desenvolvimento social no estado, caiu para o 11º lugar em 2006, caminhando na contramão do PIB.

93 O gráfico nos demonstra que, enquanto a atividade econômica do município cresceu, as condições sociais da população decresceram. A degradação das condições sociais dos habitantes de Camaçari se expressa na baixa qualidade do atendimento médico, na tímida melhoria da qualidade da educação, na precarização dos serviços básicos da sociedade e na diminuição dos rendimentos dos chefes de famílias.

Abaixo os gráficos que apresentam os índices que aferem o desenvolvimento social de Camaçari.

Figura 12 - Índice de Nível de Saúde de Camaçari (1998 – 2006)

Fonte: SEI – Gráfico elaborado por Antonio Ive Marinheiro

A saúde pública em Camaçari, se comparado 1998 com 2006, apresentou queda na qualidade. O município que ocupava o 35º lugar em 1999, caiu para a 43ª colocação em 2006.

A oferta dos serviços públicos de saúde, estabelecimentos hospitalares e unidades públicas de saúde, vacinações e leitos não atende às necessidades da população, pois sequer acompanhou o crescimento populacional do município.

94 Figura 13 - Índice de Nível de Educação de Camaçari (1998 – 2006)

Fonte: SEI – Gráfico elaborado por Antonio Ive Marinheiro

No quesito educação, Camaçari apresentou um tímido crescimento. Em 1999, o município ocupava o 89º lugar no estado e, em 2006, subiu para a 56ª colocação. Nada que se possa comparar com o 2º lugar alcançado pelo PIB e pelo IDE.

O fraco avanço do nível de educação do município condena jovens e crianças a, quando chegarem à idade de trabalhar, perpetuarem a situação vivida atualmente pela força de trabalho local, ou seja, realizarem os trabalhos de menor remuneração nas indústrias de Camaçari.

95 Figura 14 - Índice de Nível de Serviços Básicos de Camaçari (1998 – 2006)

Fonte: SEI – Gráfico elaborado por Antonio Ive Marinheiro

O desempenho caótico apresentado por Camaçari em relação ao ISB demonstra claramente que o município está vivenciando problemas decorrentes do crescimento urbano descontrolado (tabela 4). A oferta de serviços básicos essenciais, como água tratada e energia elétrica residencial, está sendo insuficiente para atender satisfatoriamente a população.

Todos os investimentos no município para receber a CIFN não serviram para atender as necessidades mais prementes da população, como água e energia elétrica.

96 Figura 15 - Índice de Renda Média dos Chefes de Família de Camaçari (1998 – 2006)

Fonte: SEI – Gráfico elaborado por Antonio Ive Marinheiro

O índice que afere a renda média dos chefes de família aponta para uma situação dramática, a queda acentuada dos rendimentos. Essa situação é particularmente esdrúxula, pois os maiores argumentos a favor da implantação de uma nova empresa são exatamente o de geração de emprego e renda para a população.

Esse índice, em Camaçari, comprova exatamente o contrário. Se o aumento de rendimentos acontece, nesse caso, ele não está concentrado nos chefes de família.

Essa situação se explica pelo fato de que a maioria dos trabalhadores do CIFN é composta de jovens, com idade média de 26 anos, e baixa experiência profissional. Quase todos foram qualificados na própria empresa e esse é o primeiro emprego.

Com o objetivo de cristalizar ainda mais a diferença entre os indicadores econômicos e sociais de Camaçari, apresentamos abaixo a tabela 7, que expressa a evolução do ranking do município nos indicadores IDE e IDS.

97 Tabela 7 - Evolução do Ranking dos Indicadores Econômicos e Sociais - Camaçari (1998-2006)

Fonte: SEI – Tabela elaborada por Antonio Ive Marinheiro

Os dados examinados nesse capítulo nos permitem afirmar que os indicadores econômicos que avaliam o desempenho do Polo Industrial de Camaçari, como VA e PIB, evoluíram em ritmo acelerado, entretanto, o mesmo não ocorreu com os indicadores econômicos e sociais (IDE, IDS e IDH-M) que avaliam a qualidade de vida da população do município.

Com o objetivo de fazermos uma análise mais atualizada das questões sociais de Camaçari e a partir daí aferirmos as consequências do seu acelerado processo de urbanização, apresentaremos a seguir uma tabela sobre a situação da saúde no município (tabela 8) e outra com dados sobre a situação do ensino fundamental e médio (tabela 9).

Essas tabelas traçam um quadro comparativo da situação da saúde e educação no município no ano de 2002 e 2009, ou seja, no início e no final da primeira década do século, exatamente o período de investigação proposto por esse estudo.

98 É importante destacarmos que escolhemos esses dois indicadores sociais (saúde e educação) por serem indicadores precisos do nível de qualidade de vida da população.

Tabela 8 - Estabelecimentos de Saúde e População Município de Camaçari (2002 e 2009)

Tabela elaborada por Antonio Ive Marinheiro

Os dados sobre a saúde no município de Camaçari, apresentados na tabela 8, revelam que a assistência à saúde da população não acompanhou o crescimento populacional. Enquanto o número de leitos cresceu apenas 9% no período de 2002 à 2010, e a quantidade de unidades de saúde cresceu apenas 12%, o aumento da população foi de 50%. Esses dados revelam que os investimentos em saúde no município não acompanharam a evolução demográfica, fato que certamente denunciam a deficiência desse setor quanto ao atendimento à demanda populacional.

Outro fato que chama a atenção na tabela 8 é que os estabelecimentos particulares de saúde tiveram um crescimento de 100%. Entretanto, é notório que a maioria da população de nosso país é usuária do sistema público de saúde. O que nos leva a concluir que o crescimento dos estabelecimentos particulares evoluiu para suprir uma demanda da população que tem condições de pagar por uma assistência médica particular, mas que não atende à população que depende do serviço público de saúde. 99 A situação da assistência à saúde no município de Camaçari fica ainda mais grave quando levamos em consideração que os hospitais da cidade atendem também a população dos municípios adjacentes, que constituem a 1ª Diretoria Regional de Saúde do Estado da Bahia (DIRES) (SOUZA, 2006, p.120).

A tabela abaixo apresenta dados relevantes sobre a situação da educação em Camaçari, relativos ao Ensino Fundamental e Médio.

Tabela 9 - Estabelecimentos de Educação e Matrículas no Ensino Fundamental e Médio – Município de Camaçari (2002-2009)

Tabela elaborada por Antonio Ive Marinheiro

Para analisarmos a situação da educação no município de Camaçari, utilizaremos apenas os dados relativos ao Ensino Fundamental, uma vez que não localizamos informações sobre o número de crianças e jovens matriculados no Ensino Médio no ano de 2002, sendo, portanto, impossível estabelecermos uma comparação entre os anos de 2002 e 2009.

Ao debruçarmos sobre a evolução do número de matrículas no Ensino Fundamental no período de 2002a 2009 em Camaçari, percebemos um quadro que, de certa forma, espelha a situação de deficiência apresentado pela saúde no município.

No ano de 2002, o número total de matrículas no Ensino Fundamental foi de 31.150. Esse número evoluiu para 35.167 em 2009, resultando em um crescimento de apenas 13%, enquanto o crescimento populacional no período entre 2000 e 2010 foi de 50%. Esses dados revelam que o atendimento à

100 população na área da educação (Ensino Fundamental), não atendeu ao crescimento da demanda.

Outro dado relevante na tabela 9 é o crescimento do número de matrículas no Ensino Fundamental das escolas particulares do município. Esse número saltou de 114 em 2002 para 1.710 em 2009, perfazendo um crescimento de 1.500%. Apesar do elevado crescimento percentual, é importante destacar que em números absolutos, as matrículas em escolas particulares do Ensino Fundamental no município (1.710) são ínfimas, quando comparadas às matrículas na escola pública (35.167) no ano de 2009, fato revelador de que são poucas famílias em Camaçari que conseguem manter seus filhos estudando em escolas particulares.

Para Lencioni, as transformações sócio-espaciais de áreas anfitriãs de novas indústrias acabam por provocar impactos que são sentidos, principalmente, pela população, tais como “degradação do meio ambiente, poluição ambiental, problemas de transporte, saúde, educação, saneamento, delinqüência, moradia, crescimento de favelas e, sobretudo, desemprego” (LENCIONI, 1994, p. 59).

A implantação do CIFN em Camaçari, até agora, apresenta sinais de que vai repetir a trajetória da implantação da Volkswagen em Resende, cidade do Vale do Paraíba, no , que causou decepção para a população local.

Eduardo Meohas, ex-prefeito de Resende, fez a seguinte declaração: “Quero que o Brasil todo saiba que a chegada de uma montadora ou de qualquer outra grande empresa não é garantia de nada”. Declaração semelhante veio também de uma comerciante dessa mesma cidade: “Foi tudo uma grande ilusão” (LANDI, 1999, p.1).

Roberto Barretti, diretor da Volkswagen de Resende, fez a seguinte declaração acerca da tensão criada pelo jogo de números que sempre surge quando uma empresa declara sua intenção de se instalar em um novo local: “Não sei de onde tiraram essa história de 20 mil empregos. Sempre falamos que seriam 1,5 mil. Nunca escondemos os números reais” (LANDI, 1999, p.1).

101 A implantação de uma grande indústria em um novo local sempre é acompanhada de muita especulação e de muitos benefícios fiscais, como vimos no caso da Ford de Camaçari. O poder público local, na maioria das vezes, ofuscado pelos ganhos políticos provenientes da empreitada e sem uma equipe tecnicamente preparada para negociar em condições de igualdade com as indústrias, acaba por minimizar o previsível surgimento de novos problemas sociais no município. O resultado é a aceleração do processo de urbanização sem o respectivo investimento nas demandas sociais da população. E Camaçari não fugiu à regra.

Todos os dados apresentados nessa dissertação apontam para um quadro social em que as demandas populares, oriundas do enorme afluxo de pessoas que migraram para Camaçari em busca de melhores oportunidades de emprego e renda, não foram atendidas pelo poder público

Portanto, o atendimento às demandas da população (que cresceu 50% na década 2000-2010), como saúde, educação, infraestrutura etc., não foi proporcional ao crescimento econômico gerado pela implantação do CIFN no município, crescimento esse observado, sobretudo, pela significativa elevação do PIB e do VA municipal.

Concluímos assim que o crescimento econômico não foi acompanhado de desenvolvimento econômico e social. Devido aos motivos apontados nessa dissertação (como ausência de política industrial no âmbito federal, falta de políticas de desenvolvimento regional, despreparo de estados e municípios para negociar com as grandes corporações, elevada renúncia fiscal como instrumento de atração de investimentos, entre outros), o Estado brasileiro cumpriu o papel de um agente que somou esforços e recursos para viabilizar a acumulação capitalista, relegando para segundo plano as necessidades básicas da população.

102 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nos anos 90 a indústria automobilística passou por um profundo processo de reestruturação produtiva. Tratava-se da superação da crise provocada pela falência do modelo fordista de produção, que tinha suas bases alicerçadas na rigidez da produção.

Como não poderia deixar de ser, a indústria automobilística implantada no Brasil também vivenciou essa crise. Entretanto, países emergentes como o Brasil passaram a ser locais estratégicos para a superação da estagnação pela qual passava o setor automobilístico no mundo, uma vez que os mercados dos chamados países centrais estavam saturados.

A Ford do Brasil, como todas as indústrias automotoras, também foi atingida pela crise. Durante os anos 80 e 90, amargou graves prejuízos financeiros. Sua planta industrial em São Bernardo do Campo estava com defasagem tecnológica de anos. Portanto, a reestruturação produtiva dessa empresa era premente.

No final dos anos 1990, a Ford anunciou o projeto Amazon. Tratava-se de um projeto de implantação de uma nova planta industrial no Brasil. Após o fracasso de uma longa negociação com o governo do estado do Rio Grande do Sul, veio o anúncio de que a nova fábrica da Ford seria instalada no município baiano de Camaçari, na Região Metropolitana de Salvador.

O custo do governo baiano para transformar esse estado em território anfitrião para a nova fábrica da Ford foi muito alto. O valor da renúncia fiscal, dos investimentos em infraestrutura e do financiamento, representa cifras gigantescas, fato duramente questionado por especialistas.

O governo da Bahia pretendia com a implantação da Ford promover a territorialização da produção no estado Entretanto, os novos padrões de acumulação capitalista, desenvolvidos a partir da crise do modelo fordista, baseiam-se na economia flexível e exigem também novos padrões de organização industrial.

Entretanto, o Novo Regime Automotivo, ao conceder isenções e reduções fiscais e creditícias para as empresas que se instalassem nas regiões 103 Norte, Nordeste e Centro-Oeste do país, estendia esses benefícios, também, para a importação de matérias primas. O programa de incentivos fiscais, como estratégias para o desenvolvimento econômico de Camaçari, e por extensão, da RMS, nasceu, assim, com a gênese que o levaria à própria inviabilidade.

Na economia capitalista as empresas elaboram suas estratégias operacionais pautadas na obtenção de lucro e na acumulação de capital, deixando prevalecer sempre a lógica do mercado. Aproveitam ao máximo o que as regiões têm a oferecer e não desenvolvem novas características produtivas se não forem as mais lucrativas (CERQUEIRA, 2010).

Esse processo exigiu a aplicação de muito capital no desenvolvimento de novas tecnologias, a elaboração de novas estratégias de investimentos no plano internacional e a reestruturação de gestões voltadas à produção.

A cadeia produtiva do automóvel passou a ser totalmente integrada. De acordo com as novas concepções de produção, os fornecedores deixaram de ser meros vendedores de peças e demais insumos para as indústrias montadoras de automóveis. Essa era a essência do projeto Amazon que foi configurado como um condomínio industrial. Os principais fornecedores de autopeças transformaram-se em sistemistas, ou seja, que passaram a fornecer subsistemas inteiros.

Divididos em níveis, os mais importantes sistemistas passam a se instalar no próprio prédio de montagem dos veículos. Outros, de segundo nível, instalaram-se no sítio da montadora. Os de terceiro e quarto níveis, fornecedores de peças e componentes mais simples poderiam estar mais distantes do local de montagem do veículo.

Nesses novos modelos de gestão da produção, os sistemistas passam a assumir papéis cada vez mais importantes na produção dos veículos. Por isso, passam a dividir com a montadora os riscos, os investimentos e os lucros do negócio.

O condomínio industrial do Complexo Industrial da Ford do Nordeste funciona baseado no sistema de produção modular sequenciado, com

104 operações de Just-in-time e Just-in-sequence (na hora certa e na sequência certa).

A territorialização da produção de automóveis na Bahia, entretanto, enfrentou alguns empecilhos. Com o alto desenvolvimento tecnológico, os sistemas produtivos e de transporte sofreram grandes transformações. As distâncias foram reduzidas. Desse modo, o encadeamento produtivo vivenciado em São Paulo e no ABC Paulista a partir dos anos 1950, não seria mais possível atualmente.

Muitos sistemistas e fornecedores da Ford não precisam produzir seus componentes no estado da Bahia. Muitos deles estão instalados em outros estados da federação e alguns, até mesmo, em outros países. Como já vimos anteriormente, o NRA criou condições legais para que essa situação ocorresse.

A mão de obra da Ford Camaçari é outro fator relevante. O salário do trabalhador de chão de fábrica do CIFN é 50% menor que o do trabalhador do ABC Paulista. A atuação do sindicato é extremamente dificultada pela postura intransigente da montadora, que se recusa a oferecer aos trabalhadores de Camaçari as mesmas condições de trabalho e de salário oferecidas aos trabalhadores de São Bernardo do Campo.

O custo de vida nas cidades brasileiras onde existem indústrias automobilísticas é muito semelhante, fato que motiva os trabalhadores a lutarem por um Contrato Coletivo Nacional de Trabalho, pois isso eliminaria o tratamento desigual praticado pelas indústrias.

Camaçari sofreu uma explosão demográfica. Os problemas provocados pelo acelerado processo de urbanização são sentidos no cotidiano das pessoas. O Índice de Desenvolvimento Humano do município, bem como os indicadores sociais comprovam que houve degradação da qualidade de vida da população de Camaçari.

A elevação do PIB e do VA do município, não representaram melhorias concretas para a população, que predominantemente, exerce as funções menos qualificadas da CIFN, deixando as de melhor remuneração para moradores de outras cidades e estados.

105 Segundo Oliveira:

“Não de trata mais de integração à economia brasileira. Ela já é perfeitamente integrada. Não se trata mais de benefícios fiscais, e esse é um mecanismo que foi usado ‘a torto e a direito’, perdendo sua eficácia e transformando apenas num valhacouto de ladrões do erário público. Se trata de quê, agora? Trata-se daquilo que ficou devendo. Trata-se da questão social” (OLIVEIRA, 2010, p.18).

As considerações finais dessa dissertação é que a implantação da Ford na Bahia serviu muito mais para a reestruturação da empresa no mercado nacional do que para proporcionar o desenvolvimento regional na Bahia. Pois crescimento econômico sem desenvolvimento social, só atende aos interesses do capital.

106 BIBLIOGRAFIA

ALBAN, M.; SOUZA, C.; FERRO, J.R. O projeto Amazon e seus impactos na RMS. Salvador; SEPLANTEC, 2000.

ANFAVEA. Anuários Estatísticos da Indústria Automobilística Brasileira 2000- 2011. Disponível em www.anfavea.com.br. Acessado em 15 de Julho de 2012.

ARANTES, O.; VAINER, C.; MARICATO, E. A cidade do pensamento único: desmanchando consensos. Petrópolis: Vozes, 2000. Apud FRANCO, Angela. Em tempos globais, um “novo” local: a Ford na Bahia. Caderno CRH, Salvador, v. 22, n.56, p.359-380, mai/ago 2009.

ARBIX, Glauco. Guerra fiscal e competição intermunicipal por novos investimentos no setor automotivo brasileiro. Dados – Revista de Ciências Sociais, IUPERJ, Rio De Janeiro, Vol. 43, n. 1, jul. 2000.

______. Políticas do desperdício e assimetria entre público e privado na indústria automobilística. Revista Brasileira de Ciências Sociais, vol. 17, n. 48, fev. 2002.

ASSEF, Andrea. Uma revolução na calada da noite. Revista Exame.com, 27 mar 1996. Disponível em . Acessado em: 20 de Julho de 2011.

BAHIA. Governo do Estado. Secretaria da Indústria e Comércio. Planejamento industrial de Camaçari: diagnóstico preliminar e termos de referência. Salvador: SIC, 1971.

______. Secretaria de Minas e Energia. Plano Diretor do Complexo Petroquímico de Camaçari. Salvador: SME, 1974.

107 ______. SEPLANTEC. CPE. Comportamento demográfico e divisão territorial da Bahia de 1940 a 1970. Salvador: CPE, 1976.

______. SEPLANTEC. CEI. Anuário estatístico da Bahia. v. 8, Salvador: SEI,1985.

BENKO, Georges. Economia, espaço e globalização na aurora do século XXI, São Paulo, Hucitec, 1995.

BOTELHO, Adriano. Reestruturação produtiva e produção do espaço: o caso da indústria automobilística instalada no Brasil. Revista do Departamento de Geografia da USP, São Paulo, n. 15, 2002, p. 55-64.

BOUDEVILLE, Jacques-R. Os espaços econômicos. São Paulo: Difusão Europeia do Livro, Coleção Saber Atual, 1973.

BUTORI, Paulo. Quadro Realista. Revista Mercado Autopeças. Ano IX, nº 56, mar 1999.

CAMAÇARI. Prefeitura Municipal. Plano municipal de desenvolvimento. Camaçari: COPEC, 1975.

______. Prefeitura Municipal. Secretaria de Planejamento e Meio Ambiente do Município de Camaçari – SEPLAN. Camaçari, perfil e diagnóstico 2000 – 2005. Bahia, s/d.

CARS, Cadeia Automotiva do RS. http://nitec.adm.ufrgs.br/cars/. Acessado em 18 de julho de 2012.

CERQUEIRA, Daniela Franco. Incentivos Fiscais e Investimentos na Indústria de Transformação no Estado da Bahia (1994-2004): Internacionalização Produtiva e Subdesenvolvimento. 2007. 169f. Dissertação (Mestrado em Ciências Econômicas) – Instituto de Economia, Universidade Estadual de Campinas UNICAMP, Campinas.

108 ______.Incentivos Fiscais, desenvolvimento da economia baiana e a Ford Camaçari. Cadernos de Estudos Sociais, , 25, n. 2, p. 219-242, jul/dez. 2010.

CHESHIRE, P.C. & GORDON, I.R. (1996), Territorial competition and the predictability of collective (in) action. Apud ARBIX, Glauco. Políticas do desperdício e assimetria entre público e privado na indústria automobilística. Revista Brasileira de Ciências Sociais, vol. 17, n. 48, fev. 2002.

COFIC. Comitê de Fomento Industrial de Camaçari. Disponível em: . Acessado em: 27 ago. 2012.

COUTO, Ricardo. Trabalho sincronizado. Autodata (encarte: Autodata Documento: Complexo Industrial Ford Nordeste - trampolim para a arrancada). Edição 147, nº 16, p. 16, nov. 2001.

DEPOIMENTO DE TRABALHADORA DA FORD. Jornal Camaçari Notícias online, s/d, Disponível em http://www.camacarinoticias.com.br/mural.php?pag= 11&data=2011-12-07#. Acessado em 30 jul. 2012.

DESENBAHIA. Fornecedores da Ford: Uma Avaliação Preliminar das Oportunidades de Investimento na Bahia (2002). Disponível em Acessado em 24 jul. 2011.

DICKEN, Peter. Mudança Global: mapeando as novas fronteiras da economia mundial. 5ª ed. Porto Alegre: Bookman, 2010.

DIEESE, Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos. Do holerite às compras – remuneração, preços e poder aquisitivo do tempo de trabalho em 17 municípios com produção automobilística no Brasil – subsídios para o Contrato Coletivo Nacional de Trabalho no setor. São Bernardo do Campo, SP, jun. 2003.

DULCI, Otávio Soares. Guerra fiscal, desenvolvimento desigual e relações federativas no Brasil. Revisa de Sociologia e Política, , n. 18, Jun. 2002. 109 FELTRIN, Ariverson. Ford tem concessão portuária por 50 anos. Gazeta Mercantil, São Paulo, 01 de nov. 2005, p. C5.

FERNANDES, Ana C. Da reestruturação corporativa à competição entre cidades: lições urbanas sobre os ajustes de interesses globais e locais no capitalismo contemporâneo. Espaço e Debate: Revista de Estudos Regionais e Urbanos, São Paulo, n. 41, p.26-45, 2001.

FERRAZ, Cristiano. Sindicalismo e Trabalhadores no Setor Automotivo Baiano. In: XXVIII CRONGRESSO INTERNACIONAL DAS ALAS, 2011, Recife: UFPE. Disponível em: http://www.sistemasmart.com.br/alas/arquivos/10_8_2011_10_32_46.pdf. Acessado em 15 set. 2011.

FERREIRA, Fátima e LEMOS, Mauro Borges. A nova configuração geográfica da indústria automotiva no Brasil. Revista de Desenvolvimento Econômico, Ano VI, nº 10, Julho de 2004, Salvador, BA.

FERREIRA, Glenda Dantas. Políticas estaduais de desenvolvimento e guerra fiscal. 2005. 204 f. Dissertação (Mestrado em Economia Regional e Urbana) – Instituto de Economia, Universidade Estadual de Campinas - Unicamp, Campinas.

FERRO, J.R. Estudo de competitividade da indústria brasileira: competitividade da indústria automobilística. Campinas: Mct/finep/padct, mimeo. 1993.

FORD MOTOR COMPANY BRASIL. Complexo Industrial Ford Nordeste. Disponível em www.ford.com.br. Acessado em 19 de Agosto de 2011.

______. Sala de Imprensa. Disponível em: http://www.ford.com.br/sala_imprensa_noticia.asp?id_noticia=859. Acessado em 18 de junho de 2012.

110 FRANCO, Angela. Em tempos, globais um novo “local”: a Ford na Bahia. Cadernos CRH, Salvador, v.22, n.56, p. 359-380, maio/agosto 2009.

FURTADO, Celso. O mito de desenvolvimento econômico. Rio de Janeiro: Paz e Terra,1974.

GLAUBER, William, Resistência sindical começa a brotar na unidade Camaçari. Diário do Grande ABC, São Paulo, 15 out. 2006, Caderno Economia, p. 5.

GUERRA, Oswaldo Ferreira. Rede de firmas e governança: A Ford na Bahia, Revista Econômica do Nordeste, v. 33, n. 1, Janeiro-Junho de 2002, .

HARVEY, David. A condição pós-moderna. São Paulo, Edições Loyola, 1989.

______. Do gerenciamento ao empresariamento: a transformação da administração urbana no capitalismo tardio. Espaço & Debate: Revista de Estudos Regionais e Urbanos, São Paulo, n. 39, p. 48-64, 1996.

______. Condição Pós-Moderna – Uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural. 19. Ed. São Paulo: Loyola, 2010.

HIRSCHMAN, Albert. Estratégia do desenvolvimento econômico. Rio de Janeiro: Fundo de Cultura, 1961.

LANDI, Ana Cláudia. Instalação de montadora não garante crescimento, Jornal da Tarde On Line, São Paulo, 10 Ago. 1999, JT Web. Disponível em http://www.jpdf.jt.com.br. Acessado em 10 Ago. 2010.

LENCIONI, Sandra. Reestruturação urbano-industrial no estado de São Paulo: a região da metrópole desconcentrada. Espaço e Debates, n. 38, Núcleo de Estudos Regionais e Urbanos (NERU), p. 54-61, 1994.

111 LUNG, Yannick. Os mercados emergentes do automóvel na década de 90 — motivações e limitações. Nexos Econômicos. Vol. II, nº 1, Salvador: UFBA– FCE-CME, 2000.

LUKACS, Luciano P. Evolução dos Sistemas de Produção: Ford Amazon na Bahia. 2005. 88f. Dissertação (Mestrado em Administração) – Universidade Federal da Bahia, Salvador.

MAIA FILHO, José Pacheco. Ford consolida pólo em menos de dois anos. Gazeta Mercantil, São Paulo, 1 nov. 2003, p. B11.

MARKUSEN, A. Áreas de atração de investimentos em um espaço econômico cambiante: uma tipologia de distritos industriais. Nova economia: Revista do Departamento de Ciências Econômicas da UFMG, , v. 5, n. 2, dez. 1995.

MORAES, Antonio C. R. e COSTA, Wanderley M. da. Valorização do espaço, São Paulo, Hucitec, 1999.

MURAL de Notícias. Camaçari Notícias, Camaçari, 14 nov. 2011. Disponível em: Acessado em 26 out 2012.

NEVES, Moacyr. Ford aciona polícia em Camaçari para dispersar assembleia de metalúrgicos. Correio Sindical Mercosul, Salvador, 12 abr. 2002. Disponível em: . Acessado em 08 Set. 2011.

OLIVEIRA, Francisco. A criação da Sudene. Cadernos do Desenvolvimento, Centro Internacional Celso Furtado de Políticas para o Desenvolvimento, Rio de Janeiro, out. 2010, ano 5, nº 7.

PERROUX, François. A Economia do século XX. Porto: Herder, 1967.

112 PINHÃO, Caio M. A., SANTOS, Angela M. M. M. Panorama geral do setor de autopeças. BNDES Setorial, Rio de Janeiro, n. 11, p. 71-86, mar. 2000. Disponível em: http://www.bndes.gov.br/SiteBNDES/export/sites/default/bndes_pt/Galerias/Arq uivos/conhecimento/bnset/set1104.pdf.>. Acessado em 25 jul 2011.

PINHEIRO, Lana. Ford baiana faz 5 anos com um carro a cada 80 segundos. Diário do Grande ABC, São Paulo, 15 out. 2006, Caderno Economia, p. 4.

PRADO, Sérgio Roberto Rios do. Guerra fiscal e políticas de desenvolvimento estadual no Brasil, Instituto de Economia – Unicamp – SP, Revista Economia e Sociedade, v.13, 2000.

RODRIGUES, Maria Lúcia Estrada. Produção do espaço e expansão industrial. São Paulo: Edições Loyola, 1983.

SALERNO, Mario Sergio; DIAS, Ana Valéria Carneiro. Novos padrões e relacionamento entre montadoras e autopeças no Brasil: algumas proposições. In: XVIII ENCONTRO NACIONAL DE ENGENHARIA DE PRODUÇÃO, 9, 1998, Niteroi. Anais, Niteroi: UFF. Disponível em: http://www.iautomotivo.com/relaciona_montadoras.pdf. Acessado em 12 jan. 2012.

SANTOS, Milton. A natureza do Espaço: técnica e tempo, razão e emoção. São Paulo: Edusp, 2006.

SATOMI, Liliam. Fábrica Baiana é Referência Mundial: Ford, em Camaçari, faz dois anos, antecipa metas de produção e vira benckmark na corporação. Gazeta Mercantil, São Paulo, 17, 18 e 19 out. 2003, p. A-14.

SEI Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia.

SIDE, Sistema de Dados Estatísticos (Banco de Dados). Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia. Disponível em . Acessado em 29 ago. 2012. 113 SORIA, Washington. Benchmarcking uma Ferramenta de Sucesso. Portal Brasil, 01 Mai. 2007. Disponível em: . Acesso em: 16 set. 2011.

SOUZA, José Giléa. Camaçari, as duas faces da moeda: crescimento econômico x desenvolvimento social. 2006. 235 f. Dissertação (Mestrado em Análise Regional) – Departamento de Ciências Sociais Aplicadas, Universidade de Salvador, Bahia.

SOUZA, Marconi de. PM agride funcionários da montadora Ford. Sindicato Mercosul, Brasil, 14 abr. 2002a. Disponível em: . Acessado em 28 jul. 2012.

SOUZA, Marconi de. Ford só oferece subemprego para baianos. Sindicato Mercosul, Brasil, 14 abr. 2002b. Disponível em: . Acessado e 28 jul. 2012.

SOUZA, Nali de Jesus de. Desenvolvimento econômico. São Paulo: Atlas, 1999.

SPINOLA, Noelio Dantaslé. Política de localização industrial e desenvolvimento regional: a experiência da Bahia. Salvador: UNIFACS/Departamento de Ciências Sociais Aplicadas, IIPrograma de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional e Urbano, 2003.

VARSANO, Ricardo. A Guerra Fiscal do ICMS: quem ganha e quem perde. In: SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS FISCAIS DESCENTRALIZADAS, p.6, novembro, 1996, Brasília.

VELTZ, Pierre. Mundialización, ciudades y territórios: la economía de archipiélogo. Barcelona. Editorial Ariel, 1999.

114 WISE, R.; BAUMGARTNER, P. Go downstream: the new profit imperative in manufacturing. Harvard Business Review, p. 133-141, sept./oct. 1999. Apud GUERRA O. F. Rede de Firmas e Governança: A Ford na Bahia. Revista Econômica do Nordeste, Fortaleza, v. 33, n. 1, jan/mar. 2002

115 APÊNDICES

Apêndice A

Índices Detalhados de Desenvolvimento Econômico de Camaçari (1998 - 2006)

Todas as tabelas foram elaboradas por Antonio Ive Marinheiro

Índice de Desenvolvimento Econômico Camaçari (1998 - 2006)

Ano Índice Classificação no Estado

1998 5.416,43 2 2000 5.347,40 2 2002 5.424,11 2 2004 5.525,75 2 2006 5.401,84 2 Fonte SEI

Índice de Infraestrutura Camaçari (1998 - 2006)

Ano Índice Classificação no Estado

1998 5.389,57 2 2000 5.333,24 2 2002 5.176,71 3 2004 5.176,87 3 2006 5.268,36 4 Fonte SEI

116 Índice de Produto Municipal Camaçari (1998 - 2006)

Ano Índice Classificação no Estado

1998 5.835,41 2 2000 5.641,32 2 2002 6.044,52 2 2004 6.356,07 1 2006 5.695,13 2 Fonte SEI Índice de Qualificação de Mão de Obra Camaçari (1998 - 2006)

Ano Índice Classificação no Estado

1998 5.052,59 5 2000 5.082,24 4 2002 5.100,00 4 2004 5.127,64 4 2006 5.253,46 3 Fonte SEI

117 Apêndice B

Índices Detalhados de Desenvolvimento Social de Camaçari (1998 - 2006)

Todas as tabelas foram elaboradas por Antonio Ive Marinheiro

Índice de Desenvolvimento Social Camaçari (1998 - 2006)

Ano Índice Classificação no Estado

1998 5.158,90 8 2000 5.155,48 10 2002 5.142,23 13 2004 5.140,91 9 2006 5.134,40 11 Fonte SEI

Índice de Renda Média dos Chefes de Família Camaçari (1998 - 2006)

Ano Índice Classificação no Estado

1998 5.256,09 14 2000 5.256,09 14 2002 5.204,45 18 2004 5.204,45 18 2006 5.204,45 18

Fonte SEI

118 Índice do Nível de Educação Camaçari (1998 - 2006)

Ano Índice Classificação no Estado

1998 5.040,09 89 2000 5.030,41 85 2002 5.030,57 106 2004 5.064,65 53 2006 5.063,01 56

Fonte SEI Índice do Nível de Saúde Camaçari (1998 - 2006)

Ano Índice Classificação no Estado

1998 5.058,62 35 2000 5.062,45 34 2002 5.068,06 32 2004 5.067,94 34 2006 5.055,58 43

Fonte SEI Índice dos Serviços Básicos Camaçari (1998 - 2006)

Ano Índice Classificação no Estado

1998 5.285,60 6 2000 5.277,74 6 2002 5.269,53 6 2004 5.228,81 9 2006 5.216,81 10

Fonte SEI

119