ESTRATÉGIA NACIONAL DE DINAMIZAÇÃO DO DESPORTO ELETRÓNICO EM PORTUGAL Photo: Anthony Brolin ESTRATÉGIA NACIONAL DE DINAMIZAÇÃO DO DESPORTO ELETRÓNICO 1 TABELA DE CONTEÚDOS

INTRODUÇÃO 5

HISTÓRIA DO DESPORTO ELETRÓNICO 7

PRESENTE DESDE O INÍCIO DOS VIDEOJOGOS 7

INÍCIO DO DESPORTO ELETRÓNICO EM PORTUGAL 9

CONVERGÊNCIA ENTRE DESPORTO ELETRÓNICO E DESPORTO TRADICIONAL 11

O DESPORTO ELETRÓNICO É EFECTIVAMENTE UM DESPORTO 11

ENTRADA NO MERCADO DE INSTITUIÇÕES DESPORTIVAS 13

O DESPORTO ELETRÓNICO COMO OPORTUNIDADE PROFISSIONAL 15

ORGANIZAÇÃO DO DESPORTO ELETRÓNICO 18

COMUNIDADE E VOLUNTARIADO – A BASE 18

ESTRUTURAS PROFISSIONAIS 19

ESTADO DO ECOSSISTEMA EM PORTUGAL 20

MISSÃO DA FUTURA FEDERAÇÃO DO DESPORTO ELETRÓNICO EM PORTUGAL 21

MISSÃO 21

VALORES 21

MODELO ORGANIZATIVO 22

ESTRATÉGIA 23

PARTICIPAÇÃO 23

ORIENTAÇÃO 24

PROMOÇÃO 24 ESTRATÉGIA NACIONAL DE DINAMIZAÇÃO DO DESPORTO ELETRÓNICO 3 4 ESTRATÉGIA NACIONAL DE DINAMIZAÇÃO DO DESPORTO ELETRÓNICO Pela primeira vez em gerações,estamos a as- sistir ao nascimento deum novo desporto. (ESPN)

INTRODUÇÃO

Com o desenvolvimento e popularidade dos Os , como são hoje conhecidos, ainda são videojogos nos anos 70, surgiram as primeiras uma indústria nova (com cerca de 20 anos) e, como competições, essencialmente de cariz local ou até tal, não está ainda dotada de uma regulamentação nacional. No final dos anos 90, com o desenvolvi- estruturada e coerente, que promova a competição mento e maior adoção da internet, assistimos a justa e salutar, e que seja aceite pelos vários agentes uma globalização dos jogos multijogador, o que da indústria. teve como resultado o aparecimento das primeiras competições mais estruturadas e, acima de tudo, Isto é, essencialmente, e consequência de ser uma mais regulares. indústria que não tem muitos pontos de encontro com as estruturas associativas tradicionais, pois De forma natural, com as primeiras competições ainda é impulsionada por iniciativas privadas e começam a surgir as primeiras equipas que, forças do mercado. alavancadas pela maior digitalização da sociedade e melhoria das infraestruturas de comunicação, Em Portugal, os Esports tiveram aderência desde a evoluíram de um nicho de jogadores e pequenas primeira hora, com múltiplas equipas, competições, equipas para um ecossistema global com equipas e jogadores individuais e comunidades ligadas ao jogadores profissionais, fãs incondicionais ou mais desenvolvimento da prática do desporto eletróni- casuais, marcas de maior e menor capacidade de co, com uma forte componente de desenvolvimen- investimento. Mas, mais importante, o desporto to comunitário, ou seja, amador e motivado pela eletrónico tornou-se um desporto de entreteni- vontade de privados em fazer o ecossistema crescer. mento de massas, com audiências que rivalizam com as das maiores competições dos desportos Como novo paradigma desportivo e social, os mais populares à escala global. Esports ainda lutam pelo reconhecimento daso- ciedade como opção profissional que permita aos É nesta altura que a palavra Esports – contração atletas e equipas serem considerados comoatletas das palavras eletrónico e desportos – aparece. e equipas de alta competição.

ESTRATÉGIA NACIONAL DE DINAMIZAÇÃO DO DESPORTO ELETRÓNICO 5 É nesse contexto que a FNDE – Associação A FNDE conta com membros que têm repre- Portuguesa de Desportos Eletrónicos é criada em sentação na IeSF – International Esports Federation, 17 de Julho de 2016 por diversos elementos da a Federação Internacional de Desporto Eletrónico, comunidade de desporto eletrónico em Portugal, organismo que aglomera como membros todas predominantemente indivíduos que estiveram as Associações e Federações Nacionais de Despor- ligados ao movimento em Portugal desde o início, to Eletrónico, e integra grupos de trabalho com as isto é, desde o final dos anos 90. restantes Associações Internacionais de Desporto Eletrónico. Assim, o aparecimento da FNDE tem a sua origem no sentimento e necessidade, cada vez mais Além disso, foi-lhe também concedido o nome e premente, da própria comunidade em que exista marca registada de “FPDE - Federação Portugue- no ecossistema uma entidade independente que sa de Desportos Eletrónicos” pelo INPI – Instituto o ajude a estruturar e regulamentar, tanto quanto Nacional da Propriedade Intelectual. possível.

Desde então, a FNDE tem desenvolvido diversas O desafio que se coloca à FPDE, para os próxi- atividades no sentido de promover a prática das mos anos, passa por conseguir o reconhecimen- várias modalidades do desporto eletrónico, tanto to do desporto eletrónico como um desporto de em Portugal como internacionalmente, integrando fato, assim como de continuar a trabalhar com os de forma sã, justa e harmoniosa todos os seus par- membros do ecossistema nacional no sentido de ticipantes, desde atletas,clubes, juízes, treinadores atingir a tão desejada regulamentação que permita e adeptos. a obtenção de um ecossistema estruturado, onde todas as competições das várias modalidades do desporto eletrónico se desenrolem de forma justa, sã e com respeito pelos valores do desporto.

6 ESTRATÉGIA NACIONAL DE DINAMIZAÇÃO DO DESPORTO ELETRÓNICO HISTÓRIA DO DESPORTO ELETRÓNICO

PRESENTE DESDE O INÍCIO DOS VIDEOJOGOS

Desde que existem videojogos que existem arcade, as competições de videojogos conheceram competições de videojogos. A primeira competição um desenvolvimento assinalável e passaram a ser de que se tem conhecimento ocorreu em Outubro um dos principais passatempos entre os jovens. de 1972, na Universidade de Stanford, para o jogo Spacewar. Esta competição foi organizada pelos A partir de 1990, com a introdução dos PCs, das próprios participantes e pela Universidade, o que consolas e, sobretudo, com o aparecimento da In- é revelador da relação umbilical que a própria co- ternet, começaram a aparecer competições de vid- munidade tem com a criação do ecossistema dos eojogos de forma cada vez mais regular, manten- Desportos Eletrónicos. do-se a predominância de competições locais

Figura 1 - Campeonato de Space Invaders (1980)

Em 1980, a empresa de desenvolvimento de vid- organizadas por elementos da comunidade, com eojogos Atari, organizou aquela que foi a primei- algumas iniciativas promovidas pelas empresas ra competição de vídeo jogos à escala nacional que produziam os videojogos, casos do Nintendo (nos Estados Unidos da América), que contou World Championships ou, mais no final dos anos com mais de 10.000 participantes e que colo- 90, a Cyberathlete Professional League. cou na ribalta as competições de video jogos. De realçar que a Cyberathlete Professional League Entre 1980 e 1990, com a popularização dos com- introduz o conceito de se referir aos participantes putadores pessoais e o auge das máquinas de destas competições como atletas (ou “ciberatle- tas”).

ESTRATÉGIA NACIONAL DE DINAMIZAÇÃO DO DESPORTO ELETRÓNICO 7 É nesta década que também nasce aquele que a realização dos League of Legends World Champi- é, hoje em dia, o maior festival de videojogos e onships 2014, que esgotaram o LA Staples Center desporto eletrónico do mundo – a DreamHack – (18.000 lugares) em Los Angeles, EUA, durante que introduziu o conceito de festival LAN (Local vários dias e que teve uma audiência global de mais Area Network) de forma massiva, ou seja, a ideia de 32 milhões de espetadores, um valor superior às de os jogadores deixarem o conforto do seu lar finais da NBA desse mesmo ano. e levarem o seu computador pessoal, monitor e periféricos para um local onde, em conjunto com A partir de 2016 começa a ver-se um novo movi- dezenas/centenas (atualmente milhares) de outros mento no mercado, com a entrada de marcas jogadores poderiam jogar juntos, num ambiente desportivas de renome mundial no desporto especialmente criado para o efeito, durante vários eletrónico, casos de equipas como Manchester dias, e de forma competitiva ou apenas casual e por City, Schalke 04, Saint Germain e Philadelphia diversão. 76ers, entre muitas outras.

De 2000 a 2010, o desporto eletrónico entrou em Este movimento levou ao interesse e entrada de fase de crescimento acelerado, motivado pelas ligas nacionais e internacionais no mercado, casos melhorias tecnológicas tanto nos PCs, periféricos e da FIFA, UEFA, Premier League, La Liga ou Bundesli- na qualidade da internet, e pelo aparecimento de ga, sendo rapidamente seguidos por quase todas vários jogos com fortes componentes competitivas as ligas de futebol europeias, assim como as ligas e modos de jogo multijogador. profissionais norte-americanas (NFL, NBA, NHL, etc.). Nesta fase, o principal motor do desenvolvimento do desporto eletrónico foi a Coreia do Sul, onde a construção de uma infraestrutura massiva de inter- net por parte do Governo e a crescente adesão das populações mais jovens aos videojogos de forma tanto casual como competitiva, levou à criação, em 2000, da Korean Esports Association, com ligação directa ao Ministério da Cultura, Desporto e Turis- mo da Coreia do Sul, com o objectivo de promover e regulamentar a prática de desportos eletrónicos no país.

O aparecimento de equipas profissionais e empre- sas privadas focadas na organização de torneios tem o seu principal desenvolvimento nesta déca- da, e começa a falar-se de temas importantes como contratos profissionais para os atletas das equipas, regulamentação de transferências de jogadores entre equipas e estandardização dos regulamentos das competições, sobretudo a nível disciplinar.

Em 2014 dá-se aquele que é considerado como o grande momento de viragem do desporto eletróni- co no sentido da massificação do ecossistema como um verdadeiro espetáculo de entretenimento, com Figura 2 - League of Legends Worlds (2014)

8 ESTRATÉGIA NACIONAL DE DINAMIZAÇÃO DO DESPORTO ELETRÓNICO Figura 3 -Liverpool vence a primeira edição da ePremier League, a competição oficial de desporto eletrónico da- Premier League Inglesa, baseada no simulador de Futebol FIFA19, da EA Sports

INÍCIO DO DESPORTO ELETRÓNICO EM PORTUGAL

A história do desporto eletrónico em Portugal Portugal. Outras equipas relevantes no panora- acompanhou as tendências internacionais e no ma nacional desde esta década eram a Defining final da década de 1990 já existiam algumas com- Stars (atualmente um sítio de notícias de desporto petições locais, essencialmente organizadas por eletrónico), a Excello e a Exotic (ambas inativas at- elementos da comunidade, em ambientes univer- ualmente), a Karma Clan (1999), a Grow uP (2002) e sitários, em escolas secundárias e/ou em grupos de a SAM CLAN (2002). amigos.

As primeiras equipas organizadas começam a Estas equipas não só competiam a nível nacion- surgir no final dos anos 90, inícios dos anos 2000, al como internacional, em grandes competições acompanhadas pela criação de algumas com- como o World Cyber Games, com alguns resultados petições, sítios de notícias em português, fóruns de de destaque, como os alcançados pela equipa dos discussão e outras iniciativas de comunidade. Em K1ck com um Top 16 no Samsung European Cham- 1998 a ClanBase abre portas e revoluciona o pan- pionship Major 2006 e 2008, ou o Top 5 na Dream- orama competitivo na Europa com a promoção de Hack Winter 2009, no jogo Counter Strike. várias competições internas e internacionais, ligas nacionais e taças. Em Portugal aparece a referên- É nesta década que aparece também aquele que é cia War-Zone, promovida pelo portal Sapo, e são considerado o atleta mais bem sucedido da história lançadas as primeiras competições portuguesas do desporto eletrónico em Portugal: Ricardo “Fox” semi-profissionais. Corria o ano de 2001. Pacheco. Desde que começou a sua carreira, este atleta já representou equipas como os Exotic Island Em 2005, a equipa K1ck eSports Club, que teve as (Portugal), K1ck Esports Club (Portugal), Team Kin- suas origens no clube de gaming online K1ck, fun- guin (Polónia), FaZe Clan (EUA), SK Gaming (Ale- dado em 1998, formaliza-se como a primeira equi- manha) ou Team (EUA), representando pa de desporto eletrónico legalmente registada em atualmente a equipa espanhola dos Giants Gaming.

ESTRATÉGIA NACIONAL DE DINAMIZAÇÃO DO DESPORTO ELETRÓNICO 9 Na sua carreira, já venceu variadíssimos torneios Em meados desta década, surgem também mais nacionais e internacionais, tendo ganho mais de competições estruturadas, como a LPLOL - Liga $84.000 em prémios, em adição aos valores ganhos Portuguesa de League of Legends (2015), oficial- em salários e patrocínios directos. mente licenciada pela Riot Games (empresa que desenvolve e detém a propriedade intelectual do Não podemos esquecer o jogador, que durante videojogo League of Legends), ou a Master League anos, foi a referência nacional “fora de portas” – Portugal (2018), destinadas a equipas e atletas Gaspar “Hypno” Machado – jogador de Unreal Tour- profissionais. nament, que foi um dos primeiros portugueses a vencer um prémio relevante para os desportos Em 2017/18 dá-se uma massificação de torneios do eletrónicos portugueses em 2008. jogo EA SPORTS FIFA em Portugal, com o início da

Figura 4 - Ricardo “Fox” Pacheco

É de realçar ainda que vários jogadores e treina- organização de torneios por parte de uma Liga dores Portugueses conseguiram, na última metade Portuguesa nas competições de 1vs1 e ProClubs da presente década, passar a representar equipas (11vs11). A promoção de outras competições por de renome internacional, como o jogador Amadeu parte da Federação Portuguesa de Futebol atrai o “Attila” Carvalho, ou o treinador André Guilhoto. interesse dos clubes de Futebol profissional e as equipas como o Sporting Clube de Portugal, Clube No início da década de 2010, começam a surgir es- Desportivo Estoril Praia, Boavista Futebol Clube e truturas mais organizadas, tanto a nível deequipas Clube Desportivo de Tondela são pioneiros a apre- como de competições, mas ainda muito ligadas a sentar equipas oficiais, logo seguido pela maioria iniciativas de comunidade, na suaessência amado- dos Clubes. Em 2018 acontece a primeira com- ras. Exemplos de equipas mais relevantes no ecoss- petição presencial de Pro Clubs em Portugal (e na istema atual, que foram criadasnesta década, são a Europa), organizada pela Liga Portuguesa de Fu- Eletronik Generation (2010), a For The Win Esports tebol Profissional, com a participação oficial de 12 (2012) e a Offset Esports (2017). clubes.

10 ESTRATÉGIA NACIONAL DE DINAMIZAÇÃO DO DESPORTO ELETRÓNICO Em 2018 surge a realização de eventos de escala internacional em Portugal, casos do Girl Gamer- Festival ou o Moche XL Esports (ambos produzidos por entidades nacionais) e o Blast Pro Series Lisboa 2018, organizado por uma das maiores entidades internacionais de eventos da modalidadede Coun- ter Strike: Global Offensive. Figura 5 (esq.) - O primeiro evento presencial de FIFA Pro Clubs (11v11) que foi realizado em toda a Europa, ocorreu em Portugal, em Janeiro de 2018, numa or- ganização da Liga Portuguesa de Futebol Profissional

CONVERGÊNCIA ENTRE DESPORTO ELETRÓNICO E DESPORTO TRADICIONAL O DESPORTO ELETRÓNICO É EFECTIVAMENTE UM DESPORTO

Um dos principais temas de discussão sobre o “’Desporto’ é um campo de atividade cultural desporto eletrónico tem sido historicamente aque- na qual seres humanos estabelecem relações lerelacionado com a validade ou autenticidade do voluntárias com outras pessoas com uma in- desporto eletrónico como um desporto de fato. tenção consciente de desenvolver as suas ha- bilidades e realizações – particularmente na Existem vários argumentos a favor e contra (em área da locomoção hábil – e com o objetivo de que o principal reside na alegada inexistência de se compararem com estes outros indivíduos de exercício físico por parte dos atletas de despor- acordo com regras pré-definidas e adotadas, to eletrónico.) o reconhecimento do desporto sem danificarem a sua própria condição oua eletrónico como um desporto, e consequente- dos outros deliberadamente.” mente a atribuição do estatuto de atletas aos atletas de desporto eletrónico, e o estatuto de Numa competição de uma qualquer modalidade equipas de alta competição às equipas de desporto de desporto eletrónico, duas ou mais equipas eletrónico. ou jogadores, competem entre si de forma vol- untária, com o objetivo de levarem de vencida a No seu estudo sobre a relevância científica do equipa ou jogador oponente (portanto, tentan- desporto eletrónico, o Prof. Michael G. Wagner (1) do comparar-se por superioridade), seguindo um refere que a definição de desporto proposta pelo conjunto de regras pré-definidas (regras do jogo, cientista Prof. Dr. Claus Tiedemann (2) é generalis- da competição, etc.) e aceites por todos os inter- ta o suficiente para já incluir o desporto eletrónico. venientes, sem o interesse deliberado em causar Diz a referida definição que: dano à condição dos seus oponentes (nem à sua), e desenvolvendo assim, idealmente para melhor, as suas habilidades e realizações enquanto equipa ou jogador.

1 On the Scientific Relevance of eSports - Michael G. Wagner 2 Sport (and culture of physical motion) for historians, an approach to precise the central term(s) – Claus Tiedemann

ESTRATÉGIA NACIONAL DE DINAMIZAÇÃO DO DESPORTO ELETRÓNICO 11 Já num estudo científico liderado pelo Prof. Ingo Estas equipas desempenham um papel importante Froböse (3) acerca dos níveis de esforço e stress dos no desenvolvimento de organizações eficazes, atletas de desporto eletrónico, conclui-se que o dado que são geralmente autónomas nas suas de- tipo de treino necessário para competição ao mais cisões e operam tanto altamente motivadas como alto nível, assim como a atividade física e os níveis são autossuficientes. Para serem bem-sucedidas, as de stress a que os atletas profissionais dedesporto equipas de desporto eletrónico treinam para se eletrónico estão sujeitos são equivalentes, por ex- tornar o que se poderia chamar de “equipas de alto emplo, aos de um atleta de Fórmula 1. desempenho virtual”, exibindo as propriedades de alta performance clássicas de qualquer equipa, No mesmo estudo, o mesmo cientista refere ainda num ambiente virtual. que os atletas de desporto eletrónico que ele e a sua equipa observaram durante 5 anos revelaram Este é o cenário verificado atualmente nas equipas uma capacidade de coordenação entre os mov- profissionais de desporto eletrónico a nível global. imentos da vista e das mãos várias vezes superi- Não só os atletas são sujeitos a testes médicos para ores aos atletas profissionais de ténis de mesa, um certificar estarem numa condição física adequada, desporto comum dos níveis de tempo de resposta, como faz parte integrante do seu dia-a-dia enquan- e coordenação física e motora mais exigentes do to atletas a preparação técnica, tática e mental, as- mundo. sim como é dado especial relevância a questões como nutrição, controlo sobre consumo de sub- Além disso, esse e outros estudos revelam ainda que, stâncias tóxicas e gestão do seu estado emocional. para além das capacidades de coordenaçãofísica e motora, os atletas de desporto eletrónico revelam Indesmentível é o fato de que, hoje em dia, o prin- níveis altíssimos de entendimento e coordenação cipal passatempo das gerações mais jovens,digi- tática para levarem de vencidos os seus oponentes. tais por natureza, está ligado aos videojogos. Hoje em dia o principal passatempo dos jovens é jogar Adicionalmente, diz um livro sobre a teoria da videojogos de forma casual, em que alguns desses gestão, que as equipas que exibem um elevado jovens jogam de forma competitiva e um núme- nível de eficácia com que realizam as suas várias ro menor de adolescentes e jovens adultos joga funções são chamadas de “equipas de alto desem- profissionalmente. penho”.

Figura 6 - Equipa de Esports SK Telecom celebra vitória no Campeonato Mundial de League of Legends

3 Stress im eSport – Ein Einblick in Training und Wettkampf - Ingo Froböse 4 The Wisdom of Teams: Creating the High-Performance Organization – Jon R. Kätzenbach / Douglas K. Smith

12 ESTRATÉGIA NACIONAL DE DINAMIZAÇÃO DO DESPORTO ELETRÓNICO ENTRADA NO MERCADO DE INSTITUIÇÕES DESPORTIVAS

É de fundamental importância notar que, talvez Em paralelo com a entrada destas equipas no ecos- motivadas pela perceção de que o principal pas- sistema, assiste-se ainda ao início da entrada de satempo das gerações mais jovens está ligado organizações profissionais de competições, que aos videojogos de forma casual e ao desporto passaram a organizar competições de despor- eletrónico de forma competitiva, em finais de 2015 to eletrónico das suas respetivas modalidades, começaram a aparecer algumas marcas e clubes como são o caso da NBA2K League (Basquetebol desportivos a dar os primeiros passos nesta in- Norte-Americano, baseado no jogo NBA2K), e ain- dústria. Inicialmente, muitos pensaram que este da da Virtual Bundesliga (Alemanha), e-Ligue 1 seriaum movimento inócuo, vazio de valor e que (França), La Liga Virtual (Espanha), ePremier League rapidamente resultaria numa bolha que rebentaria (Inglaterra) e, também, as competições de despor- assim que “passasse a moda”. to eletrónico da Liga Portuguesa de Futebol Profis- sional (todas tendo por base o simulador de fute- Contudo, não só não foi um movimento tem- bol da EA Sports, o videojogo FIFA18/FIFA19). porário, como hoje em dia a esmagadora maioria das organizações desportivas a nível global, desde Este posicionamento dos principais intervenientes o futebol, ao basquetebol, passando pela Fórmula da indústria desportiva não só legitima definitiva- 1 e até o golfe, se posicionaram, de alguma forma, mente o desporto eletrónico como um desporto neste mercado. de fato, como revela a importância crítica que este ecossistema tem no mercado atualmente, não só a Em 2016 vemos clubes de futebol da dimensão nível global como também a nível nacional. do Manchester City, Schalke 04, FC, Ajax Amsterdão, Paris Saint Germain e os portugueses Acaba por ser uma consequência natural deste Sporting Clube de Portugal, a apostar no merca- movimento, que o próprio Comité Olímpico Inter- dodo desporto eletrónico, com o claro objetivo de nacional sentisse a necessidade de analisar e de- não só promover a sua marca junto das gerações- bater o desporto eletrónico com os principais in- mais jovens, oferecendo-lhes conteúdo relevante tervenientes do ecossistema, tanto os produtores para eles, como também de renovar a sua massa dos videojogos, como as entidades privadas de adepta de sócios, arranjar novas formas de se rel- organização de competições e eventos, como as acionar com os seus adeptos e ainda novas formas principais equipas e jogadores à escala global. degerar receitas, através da criação de uma nova modalidade desportiva dentro dos seus clubes. No final de 2017, já 12 clubes de futebol portugueses têm equipas de eSports em competições oficiais. Um ano depois, mais de 90% dos clubes profission- ais de futebol têm equipas oficiais.

Ainda em 2016 e nos anos seguintes, este movi- mento expande-se a entidades desportivas nor- teamericanas com a entrada da maioria das equi- pas da NBA, NFL, MLB e NHL no mercado, por via de aquisições de equipas de desporto eletrónico já existente ou da criação das suas próprias equipas.

ESTRATÉGIA NACIONAL DE DINAMIZAÇÃO DO DESPORTO ELETRÓNICO 13 Figura 7 - Um dos paineis na Conferência sobre Desporto Eletrónico, promovida pelo Comité Olímpico Internacional, em Lausanne, Suíça (2018)

Em Julho de 2018, o Comité Olímpico Internacional No final, a conclusão generalizada e partilhada por (COI) e a Associação Global de FederaçõesDespor- todos os intervenientes, foi de que existem diver- tivas Internacionais (GAISF) realizaram um fórum sos pontos de colaboração possíveis e que as con- de debate sobre o desporto eletrónico e apossibi- versações deveriam continuar, um processo em lidade de vir a ser integrado nos Jogos Olímpicos, tudo semelhante ao qual passaram muitos out- de futuro. ros desportos antes de serem reconhecidos como desportos olímpicos. Mais de 150 representantes de diversos Comités Olímpicos Nacionais, Federações Desportivas Na- cionais e Internacionais, Atletas, Equipas, Parceiros de Media, Patrocinadores e Organizadores de even- tos reuniram-se para discutir o tema do reconheci- mento do desporto eletrónico como um desporto de fato, e em que forma poderia ser enquadrado nos Jogos Olímpicos de futuro.

14 ESTRATÉGIA NACIONAL DE DINAMIZAÇÃO DO DESPORTO ELETRÓNICO O DESPORTO ELETRÓNICO COMO OPORTUNIDADE PROFISSIONAL

O Desporto Eletrónico é composto por muito de aprendizagem informais conduzidos pelos mais do que apenas competições de videojog- próprios jovens dentro da sua cultura de comu- os. Existem estudos académicos e científicos que nidade dos videojogos. A pesquisa feita às moti- concluem que a maior influência para que um in- vações intrínsecas a estes processos mostra ainda divíduo se envolva em competições de videojogos que os indivíduos motivados por resultados pref- está diretamente relacionada com a forma como erem, invariavelmente, atividades competitivas e as populações mais jovens gerem a informação e a que a avaliação e reconhecimento da competência comunicação como parte do seu desenvolvimento têm efeitos motivacionais positivos em todos os in- cultural, num mundo que é atualmente dominado divíduos, desde que o feedback da avaliação lhes pelas tecnologias de informação. seja providenciado de forma apropriada.

No seu estudo sobre o impacto dos videojogos na A prática do desporto eletrónico possui fortes definição da cultura dos jovens, Johannes Fromme componentes motivacionais, de desenvolvimen- (5) diz que desde a década de 90 que os videojog- to das capacidades físicas e psicológicas dos seus os passaram a ser um dos principais passatempos praticantes, assim como desenvolvimento de com- na vida dos adolescentes e jovens adultos, e refere ponentes importantíssimos nos indivíduos como que qualquer esforço educativo formal que preten- a coordenação motora, o trabalho em equipa, a da ensinar competências nas áreas de Media ou atenção ao detalhe e a definição, planeamento e Tecnologias de Informação (ou Marketing, ou Ciên- procura da obtenção dos objetivos delineados. cias ligadas à lógica, como a Matemática, na nossa opinião) é normalmente precedido por processos

Figura 8 - Equipa Feminina de CS:GO da Team Dignitas a efectuar preparação física nas instalações dos Philadelphia 76ers, clube de Basquetebol norte-americano que adquiriu a Team Dignitas em 2017

5 Computer Games as a Part of Children’s Culture – Johannes Fromme

ESTRATÉGIA NACIONAL DE DINAMIZAÇÃO DO DESPORTO ELETRÓNICO 15 Como tal, todos estes aspetos têm uma importân- Numa das maiores indústrias de desporto de entre- cia fundamental para os indivíduos praticantes tenimento, existe uma miríade de oportunidades do desporto eletrónico, e a aquisição e desen- profissionais, em diversas áreas, de entre as quais volvimento das capacidades acima referidas serão destacamos: também uma pedra basilar, não só no seu eventual futuro como praticantes do desporto eletrónico, • Desportiva: Atletas, Treinadores, Analistas ou mas também em qualquer outra área da sociedade Árbitros; que venham a desempenhar um papel ativo. • Administração: Dirigentes, Gestores, etc.; Com o crescimento do mercado do desporto eletrónico para os parâmetros atuais, sobretudo na • Marketing: Gestão de Marca e Imagem de clubes última década, estamos já a falar de uma indústria e atletas, Gestão de Redes Sociais, etc., que movimenta cerca de mil milhões de dólares anualmente, sendo um segmento cada vez mais • Comercial: Angariação de parcerias, gestão de importante dentro do mercado dos videojogos. As- vendas e merchandising, etc.; sim sendo, não devemos julgar que a única opor- tunidade profissional disponível para os jovens • Recursos Humanos. adultos neste mercado é a de atleta.

Figura 9 - Amadeu “Attila” Carvalho (Jogador profissional de League of Legends) e Rodrigo Samwell (CMO da ESL) são dois exemplos de profissionais portugueses de sucesso no mercado do Desporto Eletrónico

16 ESTRATÉGIA NACIONAL DE DINAMIZAÇÃO DO DESPORTO ELETRÓNICO Para além das áreas competitivas, deve ser sempre utilizador final, gerando uma fonte de receita adi- tida em linha de consideração as ramificações para cional que anteriormente não existia. De notar que a indústria dos videojogos, onde existem ainda a maioria das instituições desportivas que, entre- mais oportunidades profissionais de futuro, des- tanto, entraram no mercado, perceberam que estas de as relativas ao desenvolvimento de videojogos ferramentas de geração de conteúdos poderiam (programadores, analistas, designers gráficos, etc.) ser um veículo importante de promoção das suas até às relativas à geração de conteúdo de entreten- marcas, uma nova forma de chegar a novos clientes imento, uma área cada vez mais valorizada. e adeptos, e também de gerar receitas.

As gerações digitais (Millennials e Geração Z), ou Apenas a título ilustrativo, um dos maiores in- seja, todos os indivíduos nascidos depois de 1985, fluenciadores de opinião atuais na área dos vid- caracterizam-se por hábitos de consumo bastante eojogos, o norte-americano Tyler “Ninja” Blevins, distintos das gerações anteriores, em que impera confessou recentemente, em entrevista ao canal o consumo de conteúdo on-demand, de entreten- televisivo norte-americano CNBC que aufere mais imento e que possa ser distribuído e consumido de $500.000 mensais na sua atividade enquanto em diversas plataformas, com cada vez mais ênfase criador de conteúdos profissional. nos dispositivos móveis.

Na base deste status quo está a proliferação de Quando lhe perguntaram se os seus pais achavam plataformas de distribuição de conteúdo como que ele passava demasiado tempo a jogar, Tyler, YouTube, Netflix, Spotify e Twitch, apenas para citar de 28 anos, afirma que, para ele, sempre foi uma as mais importantes. No que toca ao setor de entre- questão de educação que lhe foi dada pelos seus tenimento dos videojogos, e também do desporto pais, pois, na sua adolescência, ele estudava e era eletrónico, plataformas tecnológicas com a sofisti- bom aluno, praticava desporto e ainda trabalha- cação do YouTube e Twitch têm um papel funda- va em part-time, logo, os seus pais deixavam que mental, pois permitem que qualquer indivíduo ele jogasse tanto tempo quanto tivesse disponível, (atleta ou entertainer) ou organização (equipas, porquanto todos os restantes aspetos da sua edu- organizadores de eventos, etc.) possa criar os seus cação estavam devidamente priorizados. próprios conteúdos e distribuí-los diretamente ao

Figura 10 - Tyler “Ninja” Blevins, em entrevista à CNBC

ESTRATÉGIA NACIONAL DE DINAMIZAÇÃO DO DESPORTO ELETRÓNICO 17 ORGANIZAÇÃO DO DESPORTO ELETRÓNICO

Desde 2010 que o crescimento do desporto Isto acaba por ter um efeito catalisador na comu- eletrónico teve um crescimento exponencial, sendo nidade, dado que funciona como incentivo para o atualmente uma indústria de entretenimento por surgimento de mais equipas, acréscimo que se tem direito próprio que rivaliza com indústrias como a verificado anos após ano. do futebol, basquetebol, fórmula 1 ou até futebol americano, e atraindo vários grupos de media a in- Algumas das equipas atualmente a operar em Por- vestir neste mercado, criando competições, progra- tugal já possuem, inclusivamente, locais físicos para mas televisivos e conteúdo da mais variada espécie. os seus atletas treinarem, assim como desenvolvem É nesta fase que o que começou por ser um ecossis- atividades de sensibilização da população em geral tema de competições passou a ser um ecossistema para o desporto eletrónico, em escolas, eventos e de entretenimento em redor dessas mesmas com- outros locais públicos. petições. No entanto, parece verificar-se que a quantidade Á semelhança do que sucede no desporto tradi- de membros oficialmente registados em asso- cional, existem jogadores, equipas, árbitros, trein- ciações oficial e legalmente constituídas ainda adores, entidades associativas nacionais e inter- dista bastante do número total de praticantes do nacionais. Contudo, ao contrário do que sucede desporto eletrónico, algo que urge ser revisto e en- em todos os desportos tradicionais, o objeto do dereçado. desporto eletrónico não é passível de ser regula- do por uma associação ou federação nacional ou De igual forma, a quantidade de pessoas ligadas a internacional, dado que esse objeto – os videojog- estas estruturas e comunidades é considerável, sen- os – são propriedade intelectual de uma empresa do a esmagadora maioria deles colaboradores em privada: o desenvolvedor/editor do videojogo. regime de voluntariado, sem qualquer remuner- ação financeira, dado que as próprias comunidades Em alguns casos, os proprietários dos videojogos e equipas não dispõem de verbas que possam alo- desenvolvem as suas próprias competições nacio- car a jogadores, treinadores e colaboradores. Na nais e internacionais, ou atribuem licenças a enti- maioria dos casos, a regra parece ser a de direcionar dades privadas de organização de eventos para o o pouco dinheiro existente para os jogadores, em fazer no seu lugar. Isto reduz drasticamente a ca- detrimento dos restantes envolvidos. pacidade de qualquer associação ou federação na- cional ou internacional de regulamentar a atividade Não obstante, a forte componente de comunidade em redor das competições de desporto eletrónico. e voluntariado do desporto eletrónico foi o com- bustível que permitiu a sobrevivência do desporto COMUNIDADE E VOLUNTARIADO – A BASE eletrónico em Portugal e, em alguns casos, a base humilde do sucesso atingido tanto nacional como A larga maioria dos praticantes de desporto internacionalmente. eletrónico organizam-se em comunidades, geral- mente online. Tal como referido na secção INÍCIO É nossa opinião que continuará a ser o caso em Por- DO DESPORTO ELETRÓNICO EM PORTUGAL, essas tugal nos próximos anos, e até mesmo depois de se comunidades começaram em finais dos anos 90 e atingir uma completa profissionalização do merca- evoluíram para Equipas, algumas das quais, legal- do do desporto eletrónico, haverá sempre comuni- mente registadas e funcionais, com uma estratégia dades e voluntariado, pois eles estão na génese do de comunicação, marketing e comercial bastante movimento. bem definidas.

18 ESTRATÉGIA NACIONAL DE DINAMIZAÇÃO DO DESPORTO ELETRÓNICO Figura 11 - Comunidade da equipa Electronik Generation, num evento em Lisboa

ESTRUTURAS PROFISSIONAIS

Em Portugal sempre houve excelentes atletas de Este fenómeno é um sinal de desenvolvimento do desporto eletrónico, embora, e à semelhança do ecossistema e funciona como um catalisador para próprio ecossistema, a falta de estruturas profis- o aparecimento de novos talentos e de novas pes- sionalizadas que fomentem a prática do desporto soas também na área operacional. A este dado, de- eletrónico tenham contribuído de forma decisiva vemos ainda acrescentar que existem já várias or- para que não conseguissem atingir patamares ain- ganizações profissionais de organização de eventos da mais elevados tanto ao nível competitivo, como e competições a operar em Portugal, em diferentes na via profissionalizante. escalas e modalidades, sendo que algumas são es- truturas ainda amadoras, mas existindo também al- Esta é uma área que tem sofrido um franco desen- gumas estruturas totalmente profissionalizadas. volvimento em Portugal na segunda metade da presente década, em que alguns dos melhores atle- Com a entrada no ecossistema de um vasto núme- tas, treinadores e outros profissionais têm começa- ro de Clubes profissionais de Futebol, o panorama do a ser recrutados por algumas das melhores or- ainda evoluiu mais, dado que a sua entrada no mer- ganizações europeias, em diferentes modalidades. cado permite que comecem a ser dadas aos atletas

ESTRATÉGIA NACIONAL DE DINAMIZAÇÃO DO DESPORTO ELETRÓNICO 19 e treinadores as mesmas condições de treino téc- de atletas, rapidamente se chega à conclusão que nico e tático, nutrição, psicologia no desporto e este é um cenário que importa modificar e fazer de- outras, o que permite a todos os intervenientes um senvolver. foco maior na sua performance e nos resultados que obtêm na prática desporto eletrónico. Algumas das Adicionalmente, com a popularização do despor- estruturas de Clubes mais estruturadas de desporto to eletrónico, o número de entidades interessadas eletrónico estão também a começar a implementar (stakeholders) neste fenómeno aumentou sub- as mesmas estratégias, para dotar os seus atletas de stancialmente nos últimos anos, e cada uma dessas maior capacidade competitiva. entidades tem interesses comerciais e privados dif- erentes, o que dificulta ainda mais a tarefa de unir Estas práticas não se limitam apenas ao espectro todos os agentes na prossecução de um objetivo do treino e performance desportiva, mas começam comum. já a verificar-se em todas as restantes áreas das eq- uipas, designadamente áreas comerciais, de mar- À medida que nos aproximamos do final da pre- keting digital, geração de conteúdo, angariação e sente década existem várias certezas: 1) o despor- fidelização de adeptos, entre muitas outras. to eletrónico é já uma indústria de relevo a nível global; 2) existem cada vez mais atletas praticantes, ESTADO DO ECOSSISTEMA EM PORTUGAL clubes, treinadores e árbitros envolvidos de forma profissional e amadora no desporto eletrónico; 3) Com o crescimento do desporto eletrónico no terri- existem cada vez mais competições; e 4) começa a tório nacional surge a noção de que existe a necessi- ser imperativo existir uma regulamentação estru- dade da existência de alguma regulamentação e/ou turada, coerente, que promova a competição justa, estruturação. Atualmente não existe uma prática es- salutar e com valores, e que seja aceite por todos os truturada e regulamentada no que toca a elementos agentes da indústria. importantes como a contratação e transferência de jogadores entre equipas e ligas, acompanhamento É essa a proposta subjacente à criação do nosso do desenvolvimento dos atletas ou até normas ge- projeto federativo, cuja missão e objetivos detal- rais de convivência salutar no mercado do desporto hamos em seguida. eletrónico.

Começa a ser cada vez mais evidente a falta de ca- pacidade no mercado Português, sobretudo finan- ceira, para acompanhar o desenvolvimento de mer- cados como o Alemão, Inglês e Espanhol.

Reflexo disso mesmo, no ecossistema de desporto eletrónico em Portugal existe apenas uma equipa que é verdadeiramente profissional: a equipa de Counter Strike: Global Offensive dos Offset Esports. A principal ocupação dos atletas dessa equipa é exclusivamente a prática desta modalidade, sen- do que este é o principal meio de subsistência dos referidos atletas.

Tendo em conta que existem literalmente centenas Figura 12 - Atleta do Boavista FC Esports sagra-se de equipas de desporto eletrónico e vários milhares vice-campeão europeu de Pro Evolution Soccer

20 ESTRATÉGIA NACIONAL DE DINAMIZAÇÃO DO DESPORTO ELETRÓNICO MISSÃO DA FUTURA FEDERAÇÃO DO DESPORTO ELETRÓNICO EM PORTUGAL

MISSÃO VALORES

A FPDE - Federação Portuguesa de Desportos A prática do desporto eletrónico pretende con- Eletrónicos é uma pessoa coletiva, sem fins lucra- tribuir para o desenvolvimento físico, intelectual, tivos, que tem como principais objetivos: social e cultural dos seus praticantes, promoven- do hábitos de vida saudáveis e equilibrados, com- • Educar a população em geral sobre o que é o petências sociais, culturais e valores morais, entre desporto eletrónico e promover a sua prática de os quais destacamos: forma saudável, equilibrada e sustentável, como meio de promoção da integração e interação 1. Espírito de Equipa; culturais entre os praticantes do desporto 2. Responsabilidade; eletrónico; 3. Perseverança; 4. Solidariedade; • Assegurar o desenvolvimento do ecossistema 5. Tolerância; do Desporto Eletrónico em Portugal, de acordo 6. Transparência; com o espírito desportivo, valores educacionais e 7. Verdade; culturais, e princípios de uma cidadania ativa; 8. Lealdade;

• Criar condições para que todos os atletas possam A FPDE rege-se por princípios que permitem o de- criar o seu próprio percurso desde os escalões senvolvimento sustentado e promove sempre a ob- amadores até atingirem a profissionalização; servância dos mais elevados padrões éticos, sociais e de responsabilidade social, cultural e ambiental. • Organizar um calendário competitivo nacional que inclua as competições de Desporto Um dos pilares fundamentais da atuação da FPDE, Eletrónico mais relevantes; é o de garantir a verdade desportiva em todas as competições de desporto eletrónico, assim como o • Representar e apoiar os clubes e jogadores a nível respeito e transparência nas relações entre os inter- nacional e internacional; venientes do ecossistema do desporto eletrónico, através do funcionamento democrático da sua es- • Organizar os qualificadores nacionais para trutura e do diálogo com os seus membros e par- mundiais e campeonatos internacionais das ceiros. modalidades registadas na Federação; Além disso, encorajamos a inclusão, a aquisição de • Organizar e gerir as seleções nacionais das conhecimentos e um estilo de vida saudável, sem diferentes modalidades do Desporto Eletrónico; prejuízo da salvaguarda do entretenimento e da atividade económica dos desportos eletrónicos, e • Apoiar o desenvolvimento da modalidade a nível uma política de “tolerância zero” em relação à dis- internacional através da Federação Internacional criminação de qualquer espécie, à violência e à vi- de Desportos Eletrónicos (IeSF); ciação de jogos ou resultados. Assim, defendemos a transparência, a integridade, a lealdade e a hon- • Promover iniciativas conjuntas com Federações e estidade, mesmo na ausência de obrigações legais Associações de outros países. das partes envolvidas.

ESTRATÉGIA NACIONAL DE DINAMIZAÇÃO DO DESPORTO ELETRÓNICO 21 MODELO ORGANIZATIVO

A missão de conseguir juntar todos os interven- 2) Associações - Além do modelo tradicional despor- ientes do desporto eletrónico em Portugal afigu- tivo de associações regionais compostas por clubes, ra-se complexa, razão pela qual o projeto federativo existe a possibilidade de ter associações por catego- da FPDE se caracteriza pela total transparência, es- rias de jogos. pírito colaborativo e inclusão de todos os agentes do ecossistema. Propõem-se a criação de Grupos de Coordenação para cada modalidade, sendo que cada modali- O desporto eletrónico perde a sua legitimidade dade corresponde a um género de videojogo, tais e valor se não existir confiança que os resultados como (mas não limitado a): obtidos foram conseguidos num panorama com- petitivo justo e equitativo, que promova a trans- - MOBA (Multiplayer Online Battle Arena): League parência e igualdade de oportunidades para to- of Legends, Dota2, Smite, etc. dos os intervenientes. Presentemente, o desporto - FPS (First Person Shooter): Counter Strike, Call of eletrónico em Portugal não possui um conjunto de Duty, Overwatch etc. regras comuns aceites por todos os intervenientes - Battle Royale: Fortnite, PUBG, etc. no que toca a dopagem, resultados combinados e - Collectible Card Games: Hearthstone, Gwent, etc. outras práticas de competição desleal. - Simuladores desportivos: FIFA, PES, NBA2K, etc

Figura 13 - Modelo Organizativo da FPDE

Eis resumo das propostas de projeto federativo Deve fomentar-se a criação de uma Associação Na- da FPDE - Federação Portuguesa de Desportos cional de Jogadores, uma Associação Nacional de Eletrónicos: Treinadores e, também, uma Associação Nacional de Árbitros, e de quaisquer outras associações na- 1) Membros - A FPDE será sempre composta por as- cionais representativas de agentes do ecossistema sociações que representam clubes, atletas, árbitros do desporto eletrónico em Portugal. e treinadores.

22 ESTRATÉGIA NACIONAL DE DINAMIZAÇÃO DO DESPORTO ELETRÓNICO 3) Transparência e Isenção - O exercício de funções É essa disponibilidade para jogar e para organizar nos corpos sociais da FPDE deverá ser incompatível que deve ser reconhecida e canalizada de forma com o exercício de qualquer cargo nos órgãos soci- construtiva. E se existe algum atraso na adesão ou ais de associações regionais, associações represent- deficiência de dimensão quando comparada com ativas de membros da FPDE, e ainda em entidades outras realidades, o caso português tem todas as públicas ou privadas que celebrem ou possam vir a características para ser analisado com otimismo. celebrar contratos de fornecimento ou parceria com a FPDE. Uma estratégia para um projeto federativo deve assim ter como referência esta realidade. Por isso, a 4) Reconhecimento - Deve ser criado um Grupo de FPDE apresenta uma estratégia inclusiva e catalisa- Trabalho específico para gerir os temas do reconhe- dora, assente nos seguintes pilares: cimento do Desporto Eletrónico como desporto de fato junto do Governo de Portugal. PARTICIPAÇÃO

O mesmo Grupo de Trabalho deve também gerir a Uma entidade com a abrangência de uma Feder- relação com a Federação Internacional de Despor- ação deve ser antes demais uma entidade que pro- tos Eletrónicos (IeSF) e outras associações euro- porcione a participação de todos os intervenientes. peias. Desde logo, os indivíduos, os jogadores, os treina- dores, os dirigentes, os organizadores, os técnicos, Este Grupo de Trabalho deve ainda gerir a relação os árbitros, todos os agentes desportivos que con- com o ESIC – Esports Integrity Coalition, para in- tribuem com a sua disponibilidade e motivação troduzir um programa de integridade nas com- para a modalidade, devem poder fazê-lo também petições nacionais. num projeto federativo.

5) Aconselhamento - A FPDE - Federação Portu- Nesse sentido, a FPDE é gerida atualmente por uma guesa de Desportos Eletrónicos deverá funcionar Comissão de Gestão, um órgão de gestão plural e como um polo agregador dos agentes do desporto alargada que inclui elementos com diferentes ex- eletrónico, e deverá estar sempre em condições de periências e que pretende combinar a capacidade providenciar aconselhamento desportivo, jurídico de juntar diferentes perspetivas, que se traduzam e de várias naturezas aos seus membros. em objetivos e planos alargados aos interesses de todos os agentes. 6) Talento - A FPDE - Federação Portuguesa de Desportos Eletrónicos propõe ainda, a criação de A FPDE criou ainda Grupos de Trabalho onde os um plano nacional de desenvolvimento e formação membros da Comissão de Gestão têm o dever de de talento, fundamental para a melhoria dos re- incluir outros agentes do ecossistema na definição e sultados desportivos e das estruturas organizativas. execução de planos operacionais em áreas específi- cas, exponenciando a capacidade de envolvimento ESTRATÉGIA e obtenção de resultados.

O exemplo empreendedor da comunidade deve Mais ainda, a FPDE criará um Conselho Consultivo ser encarado com reconhecimento e otimismo. A onde se poderão fazer representar agentes com comunidade organizou, promoveu e realizou en- características específicas, através das quais a par- contros, reuniões, eventos, e, claro, muitos jogos, ticipação alargada e inclusiva seja reconhecida pela só possíveis pela coincidência de ambas as partes comunidade. estarem disponíveis para os mesmos.

ESTRATÉGIA NACIONAL DE DINAMIZAÇÃO DO DESPORTO ELETRÓNICO 23 ORIENTAÇÃO

Nenhuma estratégia ficaria completa sem que se A FPDE pretende introduzir critérios quantitativos definam opções. No momento e nas condições at- de valorização da modalidade que identifiquem uais vividas em Portugal, a FPDE - Federação Por- claramente como todos os agentes contribuem in- tuguesa de Desportos Eletrónicos optou por uma dividual e coletivamente para a mesma, como forma estratégia baseada na inclusão e na catalisação. O de secundarizar as pequenas disputas e dar prior- envolvimento abrangente da comunidade é simul- idade às grandes prioridades de promoção global, taneamente um fator de sucesso e uma exigência num verdadeiro trabalho de equipa alargado, que, da própria comunidade. tal como a modalidade, deve ser um exemplo.

Consequentemente, a FPDE dará prioridade à par- Concluindo, o desafio de traduzir facilmente uma ticipação do maior número de agentes em obje- estratégia com alguma complexidade pode, nesta tivos muito específicos, nomeadamente: fase, ser resumido a uma assinatura que representa a motivação de todos os envolvidos: • Criação de um registo dos agentes com o objetivo de facilitar a identificação inequívoca e a Porque juntos somos Desporto. comunicação multinível;

• Criação de Grupos de Trabalho temáticos com foco nos resultados de curto prazo;

• Discussão aberta com os agentes do ecossistema do desporto eletrónico em Portugal no sentido de operar uma revisão estatutária que reflita a defesa dos interesses de todos os agentes, de forma clara, transparente e inclusiva. PROMOÇÃO Sendo evidente que a atividade reúne já partic- ipantes e atenção em dimensão apreciável, a pro- moção da mesma deve ser uma prioridade. Como grande componente do Marketing, a promoção deve ter como objetivo informar e persuadir os des- tinatários dos atributos da atividade, de forma a au- mentar o reconhecimento, o interesse e o valor.

Naturalmente, numa atividade com o índice de competitividade e maturidade já descrito, alguns interesses podem manifestar-se de forma menos colaborativa. A FPDE reconhece a palavra interesse apenas no sentido de valorizar a modalidade, ou seja, no sentido de aumentar o valor que os inter- essados na mesma estão dispostos a investir, em qualquer forma, desde o seu tempo de atenção até a investimentos financeiros.

24 ESTRATÉGIA NACIONAL DE DINAMIZAÇÃO DO DESPORTO ELETRÓNICO REFERÊNCIAS

Esports - Wikipedia Sítio oficial K1ck Esports Club | Liquipedia K1ck Sítio oficial dos Defs Sítio oficial Karma Clan Sítio oficial dos Grow uP Esports Sítio oficial SAM CLAN Liquipedia Ricardo Fox Pacheco Sítio oficial dos EGN Sítio oficial dos FTW Sítio oficial dos Offset Esports Sítio oficial da LPLOL Sítio oficial da MLP On the Scientific Relevance of eSports - Michael G. Wagner Sport (and culture of physical motion) for historians, an approach to precise the central term(s) – Claus Tiedemann Stress im eSport – Ein Einblick in Training und Wettkampf - Ingo Froböse The Wisdom of Teams: Creating the High-Performance Organization – Jon R. Kätzenbach / Douglas K. Smith Computer Games as a Part of Children’s Culture – Johannes Fromme Olympic Movement, Esports and Gaming Communities Meet at Esports Forum Virtual(ly) Athletes: Where eSports Fit Within the Definition of “Sport” - Seth E. Jenny, R. Douglas Manning, Margaret C. Keiper & Tracy W. Olrich

ESTRATÉGIA NACIONAL DE DINAMIZAÇÃO DO DESPORTO ELETRÓNICO 25