LISÉDINO FAGUNDES DA SILVA

CONSEQÜÊNCIAS SÓCIO-ECONÔMICAS DA TRANSFORMAÇÃO DO CARNAVAL DE SALVADOR EM UM NEGÓCIO.

Versão definitiva da Monografia a ser apresentada no curso de graduação da Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade Federal da como Requisito à Obtenção do Grau de Bacharel em Ciências Econômicas tendo como orientador: prof . Luís Alberto Bastos Petitinga.

SALVADOR 2002.

DEDICATÓRIA

Dedico esse trabalho monográfico a todas mulheres que têm fé e esperança em um futuro mais justo e igualitário para todas da sua espécie. Ás mulheres mães, às mulheres trabalhadoras, às mulheres honestas, às mulheres guerreiras, às mulheres que ainda não se corromperam pelos valores do sexo oposto. Às mulheres que conseguiram vencer e se libertar da opressão, ignorância e estupidez masculina. Dedico a todas as mulheres sonhadoras, por que o mundo dos sonhos é muito mais bonito, fascinante e interessante do que esse mundo real. A fantasia e magia que o carnaval proporciona. A todas as belas colombinas meigas, carinhosas, sedutoras, espertas e volúveis que existem na alma de todas as mulheres sensíveis do planeta terra. Ao lema da revolução francesa: liberdade, igualdade e fraternidade. Ao poder de persuasão e convencimento das mulheres. A incógnita e indecifrável alma feminina.

AGRADECIMENTOS

Agradeço a todos que colaboraram neste trabalho monográfico. Isso através de um simples incentivo ou indicando algum texto para ler. Agradeço a meu orientador Luís Alberto Bastos Petitinga. Agradeço a meu colaborador Paulo Henrique Almeida. Agradeço a economista Meire Jane. A todos que acreditaram em mim.Agradeço a Deus. Agradeço por ter conhecido as duas faces da cidade.Aos artistas baianos que contribuem com a música para divulgar a Bahia. A essa Cidade mítica e esse estado que não nos sai do pensamento. A Bahia imortal. Agradeço a essa terra do senhor do Bomfim. A todos os baianos que cultivam suas tradições, suas raízes e sua cultura.

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ...... 8

2 A EVOLUÇÃO DO CARNAVAL DE SALVADOR NA DÉCADA DE NOVENTA...... 13

2.1 O CARNAVAL E AS SUAS ARTICULAÇÕES...... 16

2.2 NEGÓCIOS E NOVOS PRODUTOS...... 20

2.3 “TRIOS ELÉTRICOS” UM PRODUTO DO CARNAVAL SOTEROPOLITANO “MADE IN BAHIA”...... 24

2.3.1 Cronologia do trio elétrico...... 26

2.3.2 Conclusão dessa apologia aos trios elétricos...... 29

2.4 A “AXÉ-MUSIC” E SUA RELAÇÃO COM A TRANSFORMAÇÃO DO CARNAVAL DE SALVADOR...... 30

3 EXTERNALIDADES GERADAS PELO CARNAVAL...... 38

3.1 EXTERNALIDADES NEGATIVAS...... 38

3.2 EXTERNALIDADES POSITIVAS...... 42

4 ESTUDO COMPARATIVO ANALÍTICO ENTRE OS PRINCIPAIS CARNAVAIS DO BRASIL NO ANO DE 2000...... 46

4.1 ASPECTOS FINANCEIROS...... 48

5 A IMPORTÂNCIA ESTRATÉGICA DO CARNAVAL DE SALVADOR PARA O TURISMO NA BAHIA...... 51

5.1 CONCENTRAÇÃO DE RENDA NO CARNAVAL DE SALVADOR...... 55

5.2 A REDUÇÃO NO NÚMERO DE ENTIDADES CARNAVALESCAS APÓS O ANO DE 2001...... 57

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS...... 60 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...... 63

1 INTRODUÇÃO

O objetivo desse trabalho científico é fazer uma abordagem metodológica e econômica de um fenômeno representado pelo carnaval de Salvador. Para isso é feito um estudo econômico do carnaval soteropolitano no fim do século XX e início do século XXI, focalizando e centrando essa transformação no plano econômico. Saber como é atualmente a organização dessa festa, se o turismo nesse período foi afetado por esse “agigantamento” da festa e sua “comercialização em larga escala” . Uma análise recente será útil para entender como essa transformação do carnaval em um espetacular show de negócios se caracterizou. Analisa-se a forma como se processou a apropriação dessa feira de oportunidades comerciais.

As transformações recentes do carnaval vêm suscitando polêmicas. A festa que se organizou e agigantou. Tornando-se hoje um espetáculo show, onde participam muitos empresários, de todos os portes, desde os vendedores de cachorro-quente até os mega- empresários donos de blocos carnavalescos e a própria prefeitura e governo do estado que investe pesado nesse evento. Mas também existem as cervejarias, os empresários das indústrias de reciclagem e os donos das indústrias de confecções, sem contar os grandes portais da internet e os grandes canais de televisão abertos.

O trabalho visa saber como a organização e apropriação do espaço da festa podem interferir na distribuição de renda. Essa transformação da festa gerou externalidades negativas e positivas que se acentuaram à medida que foram introduzidos novos elementos organizacionais.

Essa pesquisa monográfica é importante, pois faz uma abordagem sócio-econômica de um evento turístico que cresce a cada ano em movimentação financeira e permite desenvolver uma análise científica utilizando-se elementos, ferramentas, princípios e fundamentos econômicos. Assim podemos medir o grau de importância estratégica e econômica para o desenvolvimento desse evento turístico, cultural e econômico que é o carnaval de Salvador.

Analisando não só o turismo, mas também fazendo uma análise de uma “festa pagã e profana” que se profissionalizou e organizou em uma grande feira de oportunidade de negócios rentáveis e milionários, onde milhões de dólares circulam durante os sete dias de carnaval, em uma cidade que é o símbolo máximo da má distribuição de renda e da injustiça social no país. Isso gera um contraste muito acentuado e verificado no carnaval entre riqueza e pobreza.

Mas também o carnaval é uma referência do espírito do povo baiano e um dos baluartes representativos do Brasil no exterior. Assim um estudo acadêmico é feito sobre esse carnaval comercial, elitizado e profissionalizado de atualmente. Os fenômenos externos e políticas macroeconômicas afetam o bolso dos foliões, mas nem por isso a festa perde o estigma de ser um espetáculo show. Existe um farto material disponível como livros, periódicos, trabalhos monográficos, jornais, internet, revistas e reportagens sobre o assunto.

A pesquisa científica desenvolvida nesse trabalho tem como objeto de estudo o carnaval de Salvador.Variáveis dependentes como a concentração de renda, turismo e as externalidades geradas pela festa são utilizadas para expressarem magnitude, tendências e implicações desse fenômeno. Então fazemos a pergunta: Será que a transformação da festa em um negócio fez aumentar à concentração 8

de renda?. A metodologia adotada e desenvolvida no trabalho decorre naturalmente de um estudo histórico-analítico-econômico do carnaval comercializado e transformado em feira de oportunidades de negócios no final do século XX e início do século XXI.

O projeto Científico é operacional devido a um estudo comparativo que é feito ao longo de uma amostra de tempo demonstrando o aumento de concentração de renda.

Quanto ao conteúdo, o trabalho monográfico está dividido em seis partes: primeira parte (Introdução); segunda parte (a evolução do carnaval de Salvador a partir da segunda metade do século XX); terceira parte (externalidades geradas pelo carnaval); quarta parte (estudo comparativo analítico entre os principais carnavais do Brasil no ano de 2000); quinta parte (a importância estratégica do carnaval para o turismo de Salvador) e sexta parte (considerações finais).

Cada parte tem sua importância dentro do processo monográfico como um todo. Assim as externalidades serão mostradas e um pouco da injustiça e exclusão social estará de forma explícita no trabalho, como também os benefícios do carnaval para Salvador, dando-lhe a devida importância e ressaltando o que representa essa festa e a quem interessa fazer crescê-la a todo ano. As atividades carnavalescas captam muitos recursos que podem ser utilizados de forma não eficaz a depender da apropriação dos espaços e da organização da festa.

No capítulo que trata da evolução do carnaval de Salvador ao longo da década de noventa, o objetivo é mostrar como foi se estruturando a festa do carnaval até se chegar a essa quase privatização total da mesma, assim milhões de dólares estão ligados direta ou indiretamente ao evento. A questão principal é a privatização gradativa dessa festa ao longo da segunda metade do século XX. O ponto a ser explorado é a sua transformação.

Nos sub-capítulos: “o carnaval e suas articulações” e “negócios e novos produtos” será explorada a hipótese de que alguns grupos participantes da “folia” se beneficiam e outros grupos se prejudicam com a folia. O principal objetivo é mostrar esse contraste e que negócios e produtos novos surgiram com essa evolução. 9

O sub-capítulo “trios elétricos” um produto do carnaval soteropolitano “Made in Bahia” e nos tópicos: cronologia do trio elétrico e conclusão dessa “apologia” aos trios elétricos é na verdade uma referência ao símbolo máximo do carnaval da Bahia há mais de 50 anos que é o trio elétrico. Atualmente é totalmente inconcebível um carnaval sem esses “paus elétricos”, como dizia Dodô e Osmar, o trio também se modernizou, se estruturou e se organizou.Sem contar que é a passarela para produtos como cantores e bandas, lançados e aprovados pela multidão e sendo o alvo de marketing e da mídia local e nacional. O trio elétrico é um produto do carnaval que atravessou cinco décadas e está totalmente assimilado pela indústria de lazer local. Assim o trio elétrico é mencionado, pois é a incorporação material do carnaval de Salvador e sua maior influência e “produto” genuinamente “baiano”. A cronologia trata de fatos históricos que marcaram época.

A“Axé Music” e sua relação com a Transformação do carnaval soteropolitano mostram como esse ritmo musical contribuiu para divulgar o carnaval local no cenário nacional e, com isso, chamou muitos turistas, pois atravessou as fronteiras do estado. Mas não só isso, como também a magnitude desse ritmo para a manutenção desse novo modelo de estruturação da festa e as implicações do mesmo para os negócios oriundos do carnaval.

As externalidades geradas podem ser positivas ou negativas. Apresentou-se também como a forma de organização da festa o transformou o carnaval em um grande evento que interessou grupos que se apropriaram dos espaços da folia.

O capítulo “estudo comparativo analítico entre os principais carnavais do Brasil no ano de 2000” apresenta dados de carnavais de outras cidades que irão dar uma visão dimensional mais ampla do que representa essa festa em termos numéricos e econômicos. A abordagem comparativa e analítica é sem dúvida utilizada para despertar a atenção com dados pesquisados e coletados. Haverá um rápido estudo das cidades que mais se destacaram no carnaval de 2000, incluindo Recife, Olinda, Rio de Janeiro e São Paulo e obviamente Salvador.

O capítulo “a importância Estratégica do carnaval de Salvador para o turismo na Bahia” é muito importante. O carnaval é um meio de atração turística, 10 apresentou-se uma dimensão do que representa essa festa em termos de estratégia. Já que o turismo, pelo menos nos seis dias que acontece e se processa a folia depende do carnaval. O turista nesse período de tanta euforia da população local envolvida na festa está interessado em participar desse evento assistindo o espetáculo show em seus camarotes ou mesmo seguir atrás do trio elétrico em um bloco de carnaval. Vamos nesse capítulo analisar a importância do turismo para o carnaval de Salvador.

O sub-capítulo; “concentração de renda no carnaval de Salvador é um ensaio de pré-conclusão pois aborda o tema básico deste trabalho monográfico reforçando e identificando o problema que gerou esse trabalho monográfico, assim trata de forma nítida das conseqüências sócio-econômicas resultantes da organização do carnaval local em negócio.

No sub-capítulo: “A redução no número de entidades carnavalescas após o ano de 2001”, na verdade expressa uma das tendências dessa mudança organizacional da festa.

Nas considerações finais é apresentado um apanhado geral do que foi exposto e o resultado da explanação deste trabalho, dentro da coerência de conteúdo e do método utilizado. Dessa forma será verificada a hipótese de que a mudança organizacional do carnaval implicou em conseqüências, assim a forma de ocupação e apropriação dos espaços e elementos culturais da festa impediram uma melhor distribuição de renda gerada pelo evento.

11

2 A EVOLUÇÃO DO CARNAVAL DE SALVADOR NA DÉCADA DE NOVENTA

O carnaval evoluiu durante a década de noventa em termos organizacionais de “festa” e desenvolveu atividades empresariais. Assim gerou uma potencialidade de negócio ao longo do tempo com sua cada vez maior privatização. Isso contribuiu para se transformar em um mega evento que é hoje, atraindo cada vez mais turistas e sendo gerador de externalidades que podem ser positivas ou negativas.

Existem dois problemas: o primeiro é saber se a prefeitura municipal de Salvador está criando oportunidades para que os investimentos privados se ampliem de forma eficiente gerando mais empregos e favorecendo a organização da festa pelo setor privado.Isso sem prejudicar a participação popular. O segundo é saber se a magnitude do impacto social é relevante em relação ao volume de investimentos da prefeitura.

Na década de noventa existiu uma preocupação nas contratações das bandas, a questão da segurança, do conforto interno, da indumentária e do "design" dos trios. Inúmeros profissionais da área de engenharia e arquitetura passaram a criar projetos para os trios elétricos. Foi em 1990 que surgiram os chamados blocos alternativos. Constituindo uma 12 alternativa de diversão aos dias do tradicional desfile de blocos nos principais circuitos, nos dias da folia momesca.

Em 1992, o carnaval se consolida no bairro de Ondina como novo espaço destinado à festa. A partir de 1993, o evento teve sua história modificada e se posicionou em um novo patamar de diferenciação dos festejos de todo o país. Assim se consagrou com a explosão nacional da axé-music e pelos êxitos dos empresários ligados aos blocos de trios, que alcançaram novos níveis de profissionalização e montaram verdadeiras máquinas de fazer sucesso. Assim surge uma nova indumentária carnavalesca: o abadá.

O carnaval é trabalhado, nessa nova fase, o ano inteiro. O desfile oficial foi regulamentado a partir de debates entre os diversos segmentos e órgãos envolvidos com a festa. Todos os serviços passaram a ser contratados mediante licitação pública e foi estabelecido o concurso público para seleção das atrações, por currículo e por apresentação. O espaço físico Barra/Ondina recebeu um tratamento diferenciado com a montagem de infra-estrutura necessária ao funcionamento e a consolidação da área. As mudanças e transformações do carnaval ao longo do tempo criaram maior identificação entre população e festa.

A internet faz a festa ganhar o mundo, em 1996, o que possibilitou o acesso às informações básicas da folia momesca. Surgiu o carnaval do centro histórico-Pelourinho com o objetivo de preservar a história e a cultura dos carnavais do passado.

Em 1997, a folia passa por uma retomada da profissionalização. Assim volta a ser desenvolvido segundo um tema de motivação cultural, havendo uma homenagem ao maior romancista baiano: Jorge Amado. A organização e a profissionalização do evento alcançou patamares elevados reposicionando o carnaval de Salvador entre os mais importantes eventos populares do mundo. A estrutura da festa se expande e são introduzidas arquibancadas grátis para o povo, o carnaval de bairros teve seu número reduzido para sete bairros melhorando a qualidade das atrações (um exemplo é a banda araketo se apresentando em Periperi). Pela primeira vez foi realizado um estudo econômico do evento que passou a ser qualificado através de pesquisas de campo e de opinião, entre outros 13 mecanismos, que gerou relatórios contendo sistematicamente informações e dados referentes a todos os órgãos envolvidos com a realização do evento, fazendo com que o carnaval de 1998 pudesse ser subsidiado.

Em 1998 um modelo organizacional é consolidado no carnaval, com base nos resultados obtidos nos estudos econômicos realizados no carnaval anterior, o carnaval de 98 se destacou por uma qualidade nunca vista. O tema escolhido foi referente aos 30 anos do movimento tropicália e teve como homenageados Caetano Veloso, Gal Costa e Gilberto Gil. O bloco da prefeitura voltou a se apresentar com convidados e cantores que além de renderem homenagens à Tropicália, reverenciaram Osmar Macedo, um dos criadores do trio elétrico, falecido em julho de 97. A qualidade das estruturas física montada para o carnaval teve uma melhoria significativa dando melhores condições de trabalho e de funcionamento bem como melhoria do aspecto estético. O circuito carnavalesco do Centro histórico passou a apresentar uma animação estruturada inclusive com programação variada e eclética. A cidade passou a contar com uma iluminação complementar que garantiu o nível de iluminação complementar adequado a um evento carnavalesco de porte, como o de Salvador.

O carnaval de 1999 fez uma homenagem aos 450 anos de fundação da cidade do Salvador. Inclusive esse foi o tema do carnaval desse ano. A maior festa popular da cidade ajudou a resgatar a memória daquele importante momento histórico, homenageando as culturas formadoras da nossa civilização: O índio, o português e o africano. Assim em 1999, os apreciadores da folia cantaram “parabéns para Salvador”, isso durante a apresentação do bloco da cidade. Foi colocada nos circuitos da folia uma sinalização com informações sobre os acessos aos circuitos carnavalescos, locais de estacionamento, pontos de taxi, terminais de ônibus, postos de saúde, da polícia, sanitários públicos. O carnaval dos bairros se revitalizou e estrelas antes restritas à festa foram animar bairros como Itapuã, Cajazeiras, Península Itapagipana, Liberdade e Periperi.

Atualmente o carnaval é o carro-chefe de um negócio altamente rentável, que gera muito dinheiro e é responsável por muitos empregos, tanto diretos, como indiretos. O carnaval da Bahia vem evoluindo com o tempo. No carnaval do século XIX não havia música carnavalesca mas sim trechos que imitavam óperas. Hoje, Salvador é considerada uma usina cultural afro, com 2,7 milhões de habitantes, com 81% de negros e mulatos (segundo estimativa do IBGE, 1999). Salvador é a capital afro do Brasil. 14

Os blocos afros e da periferia vão além do carnaval e se envolvem em projetos de cunho social, filantrópico e beneficente. O criou há três anos a escola criativa do olodum, no pelourinho, beneficiando 300 jovens de 7 a 19 anos, com educação informal, curso de dança, canto, dicção, música, performance e informática, criando um novo horizonte e perspectiva de futuro para esses jovens e os livrando de uma possível marginalização. Isso é uma idéia fantástica, que pode culminar com um desenvolvimento integrado dessas localidades.

A criou o projeto tá rebocado, visando preservar a história, cultura, investimento estético e físico-ambiental do Candeal. O olodum já chegou a manter cursos de primeiro grau para crianças do centro histórico, mas fracassou por questões financeiras.

O carnaval é um negócio lucrativo, Loiola e Miguez (1995, p 344) descrevem: “O carnaval passa a ser visto como um negócio estratégico pelos arranjos institucionais públicos e privados que se desenvolveram em seu contorno”.

Até os anos 80, a música carnavalesca baiana não dispunha de nenhum acesso aos esquemas da indústria cultural. Foi só com a consagração de gente como e Grupos como o Gerasamba (atual É O Tchan), nos anos 90, que o axé music ganha espaço e se insere como um produto “made in Bahia” altamente atraente e rentável.

O carnaval originalmente importado da Europa, através do Entrudo, uma festa portuguesa de violência inconseqüente, sem ritmo, desanimada e sem a malandragem e faceirice do nosso carnaval atual foi criando seu espaço próprio na Bahia, sua identidade própria e acabou se diferenciando bastante das origens herdadas. Mas, para isso, sofreu mudanças e agigantou-se de uma forma inigualável, ganhando cada vez mais espaço no cenário local, regional e até nacional. Assim aquele carnaval puro e ingênuo do passado vai mudando e dando lugar gradativamente a um espetáculo show.

2.1 O CARNAVAL E AS SUAS ARTICULAÇÕES

Os investimentos públicos feitos no carnaval são divididos igualmente entre a prefeitura e o governo estadual. Os recursos são destinados para fins como limpeza, policiamento e outros 15 relacionados com a infra-estrutura. Os recursos privados são utilizados na contratação de trios independentes, na decoração da festa e no bloco da cidade (formado por patrocinadores e convidados da prefeitura). As empresas pagam cotas a Emtursa para terem suas marcas associadas à festa. Através do sistema passam a ter exclusividade em merchandising ao longo dos circuitos oficiais da folia momesca.

A economia do carnaval, dotada de padrões próprios de dinamização, tem como seu eixo principal a produção de bens e serviços simbólicos. Hoje já conta com pompas e números de megaventos, o carnaval produz a inter-relação entre o eixo principal público e um outro, empresarial. Assim, o carnaval passa a combinar prazer e negócio, diversão e trabalho. Particularmente, representa para uma expressiva parcela da população pobre da cidade uma estratégia de vida, durante a realização da festa exercitada, numa economia do lúdico.

Os trios elétricos que circulam livremente nas ruas festivas são patrocinados pelos profissionais da política, sendo que em alguns casos recebem subvenção do estado ou do município, de emissoras de rádios, jornal, emissoras de televisão, bancos e podem ser patrocinadas por fundações culturais.

A consolidação do carnaval-negócio fez com que as organizações empresariais que tomam decisões conjuntas articuladas para gerar um produto ou serviço, ultrapassassem os limites da Bahia fazendo movimentar uma verdadeira máquina de inovações, que, gradativamente, faz com que o maior evento festivo de massa do Brasil seja o carnaval da Bahia.

Uma grande parte das divisas das ações dos grandes blocos situa-se nas chamadas cadeias comerciais. As decisões dessas organizações carnavalescas são orientadas em grande parte pela forma como essas cadeias se desenvolvem. Sendo que essas cadeias comerciais podem e adotam um padrão de conduta similar a qualquer empreendimento produtivo, sendo que o retorno deriva de seu sucesso mercadológico. Esse sucesso mercadológico depende da apropriação das redes secundárias dos valores e bens simbólicos que se originaram nas redes primárias que formam a massa popular. Assim o carnaval soteropolitano é um evento capitalista antes de tudo. 16

O carnaval representa hoje um mega evento de grande porte conseguindo articular eficientemente os agentes públicos e privados em torno de um espetáculo popular e totalmente inserido no contexto capitalista mercantil.

No início dos anos noventa os festejos carnavalescos aconteciam de forma precária e desordenada, a causa era o crescimento da festa que não acompanhava a organização do negócio. Essa desorganização imperava nos festejos momescos, apesar de toda aceitação e da receptividade diante da opinião pública.

Até 1993, a prefeitura se preocupava apenas com o carnaval de fim de ano e articulava com o pessoal técnico e as entidades carnavalescas realizando-se de forma improvisada e com muita informalidade. A grande desorganização do carnaval gerava deseconomias, superposição, disfunções, desperdícios e ineficiência em cadeia. Em 1993, ocorre uma mudança de postura, paralelamente ao surgimento e grande sucesso da “Axé-music” na Bahia, ligando os empresários de trios elétricos aos blocos de carnaval, e buscando a maturidade e a profissionalização necessária ao desenvolvimento dos festejos dentro da visão capitalista. Agora a organização e ordenação do carnaval envolvem milhares de pessoas diretamente ligadas à prefeitura, com vários postos de atendimento e informações, além de articulação entre os efetivos públicos e os segmentos privados.

Os blocos de trio têm custos e receitas. O serviço principal oferecido pelas entidades de blocos é a produção de festejos carnavalescos que não se limitam apenas ao carnaval de Salvador. Esses festejos ultrapassam as fronteiro da festa e promovem a divulgação, promoção e realização de eventos ao longo do ano inteiro no dentro e fora do estado. Assim são os ensaios de bandas ou cantores ligados ao carnaval e as chamadas micaretas, que saíram da Bahia e proliferaram e espalharam para todo o Brasil.

As atividades carnavalescas impulsionadas, na segunda metade do século XX, pela mídia nacional através da música que faz sucesso durante o carnaval e que lançou o caminho para a fama e divulgação do carnaval pelo Brasil Inteiro e para Europa Ocidental e América 17

Latina, e se aproveitando da informática, através da Internet, vem atraindo cada vez mais turistas, além das várias feiras e eventos ligados ao turismo Internacional que mostram o produto carnaval de forma bem acessível e vende o “peixe” carnaval.

A indústria do carnaval constata: R$ 496 milhões em movimento financeiro, 130 mil postos de trabalho criados e um impacto de 180 milhões no Produto interno bruto (PIB) do estado ( Emtursa, 2000). O estado e prefeitura interferem oficialmente, em 2000, investindo R$ 10 milhões em infra-estrutura para organizar a festa. Estes investimentos se traduzem em empregos para quase todos os setores: indústria, comércio e serviços.

A economia soteropolitana tem um certo impulso no período do carnaval, visto que Salvador é uma cidade comercial e de serviços e fica repleta de turistas, o evento acaba ajudando a divulgar a cidade e atraindo mais turistas em anos posteriores atraídos pelo evento. Mello (2000, p.14) descreve: “a receita que o carnaval da Bahia gera fica muito além da que é visível nas ruas. Em meio à multidão que se balança atrás dos trios elétricos, há uma estrutura que envolve segmentos industriais e comerciais de muito peso”.

No carnaval se destacam em vendagem e rentabilidade os segmentos de confecções, bebidas e reciclagem. O setor de indústria do vestuário de Salvador apresenta incremento de 30 % nos dois meses que antecedem o carnaval, porém este movimento é limitado porque os grandes e tradicionais blocos de Salvador compram em sua maioria abadás feitos no sul do país e as estratégias de marketing desses blocos exige abadás oriundos do sul do país tendo em vista que lá existem uma indústria têxtil de larga escala e com preços menores que a insipiente indústria têxtil da Bahia, cujos preços são mais elevados sendo impossível competir com as indústrias têxteis do sul em produtividade. Os abadás vêm de Santa Bárbara do Oeste, em São Paulo e os bonés vêm de Santa Catarina. As encomendas acontecem com até seis meses de antecedência.

A Bahia não tem um parque têxtil consolidado, apenas 20% da estamparia fica nas mãos de empresas baianas. Existe um risco muito grande para o empresariado local, devido à concorrência das fábricas de fundo de quintal que cobram preços baixos, inviabilizando 18 certos empresários de confecções de continuarem nos negócios. Assim com relação à questão dos abadás, os lucros dos negócios não permanecem dentro do estado da Bahia. Os foliões dos grandes blocos do carnaval soteropolitano são um mercado consumidor para produtos têxteis vindos do centro-sul do país.

Já na cervejaria, o volume de vendas é 40% maior, que a média do ano. Existe uma prosperidade da indústria de reciclagem de alumínio, com a instalação de postos de coleta pela Limpurb, fiscalizados pela cooperativa dos agentes autônomos de reciclagem, que conta com 200 catadores congregados.

O apoio oficial da folia carnavalesca de Salvador vem recebendo uma força de políticos influentes, com entrosamento entre prefeitura municipal de Salvador e governo do estado, sendo prestigiado pelo ex-governador Antônio Carlos Magalhães, além do prefeito de Salvador e do governador da Bahia.

Conhecendo-se os traços particulares que singularizam a cidade, em Salvador há todo uma particularidade e articulação entre prefeitura, governo estadual e a festa, essas várias articulações da esfera cultural na conjuntura da festa têm no carnaval o ápice do dinamismo. Salvador se diversifica com essa atividade que gera receitas milionárias para os cofres privados, principalmente e para os grandes empresários dos blocos de carnaval.

2.2 NEGÓCIOS E NOVOS PRODUTOS

O evento turístico do Carnaval foi transformado segundo Fisher (1996, p.28) com o passar do tempo em um produto altamente comercializável, um negócio extremamente rentável, ou uma “feira de negócios e oportunidades”, e que movimenta milhões de reais a cada ano, gerando emprego e captando recursos.

19

A maior característica do carnaval de Salvador é ser uma festa de massa e de rua com grande participação popular, onde foi criado um “chamativo” através do marketing local para chamar a atenção da mídia nacional. Em 2000, foram quatro empresas patrocinando o Carnaval de Salvador.

Em 1997, há uma grande inovação e melhora nos negócios ligados ao carnaval, nesse ano se destacou a divulgação do evento via Internet, um tempo maior de exposição na mídia local e nacional, apresentando inclusive flash no programa fantástico, da rede globo. As vistorias dos veículos das entidades carnavalescas foram feitas em uma central única, que funcionou de maneira efetiva no parque de exposição de Salvador e, a moralização no cumprimento das exigências legais feitas pela prefeitura, através dos órgãos competentes, que passaram a cobrar taxas de licenciamento previstas em lei, bem como as multas devidas pelas entidades.

Em 1999, novos negócios são lançados, principalmente no sentido de modernização da festa. Assim a folia contou com diversas melhorias e aperfeiçoamentos, isso com novos postos operacionais, mais compactos e eficientes, que passaram a contar com uma rede computadorizada de comunicação de dados (Intranet), sanitários próprios, além de postos de informações turísticas com agentes de informações bilíngües, treinados e habilitados para prestar informações relacionadas ao carnaval, como programação, desfile de entidades e prestação de serviços, disponibilizando ainda um banco de dados e linhas diretas de acesso à internet, o que possibilitou inclusive o envio de e-mails dos foliões para suas famílias e amigos em todas as partes do mundo.

Outro negócio inovador se deu com a implantação do espaço infantil no passeio público, contando com uma estrutura destinada a proporcionar animação e recreação ao folião mirim no período do carnaval, segurança, apoio médico, local para lanches, monitoramento especializado, animação, palco para representações musicais e teatrais, concursos de fantasias, som ambiente, decoração especial e publicação reservada ao público mirim.

20

O carnaval se constituiu em uma grande vitrine de produtos comercializados e atrações, com rentabilidade e lucros garantidos para os grandes blocos se constituindo em uma festa de massa popular que aos poucos está sendo privatizada e perdendo suas características estruturais originais.

Fisher (1996, p.28) define: “o carnaval é uma feira de negócios onde existem vários tipos de organizações paralelas e múltiplos gestores. Onde as empresas são geralmente familiares, onde impera a terceirização”. A produção musical ou indústria fonográfica baiana transformou os artistas da “axé music” em mercadorias. A cada carnaval que se passa novos produtos (mercadorias) são lançadas no mercado e algumas são rejeitadas, por isso essa festa serve de palco para consagração ou rejeição dos candidatos ao “estrelato” que são lançados e submetidos à apreciação do público da “axé-music”.

Os blocos de trios surgiram na segunda metade dos anos setenta, mas só entre os anos oitenta e os anos noventa que essas entidades carnavalescas se consolidam e se afirmam como fenômeno transformador da festa, no qual promovem, a partir da década de noventa, com suas cordas a privatização do trio elétrico, uma hierarquia social na ocupação do espaço público da festa. A valorização da “afro-baianidade nagô” vai servir de berçário para o nascimento do que se denominou de “axé-music”.

No carnaval novos empregos são gerados, paga-se mais impostos e se arrecada mais e os setores de confecção, bebida e reciclagem saem ganhando com aumento das vendas ou do lixo reciclável no período.

O legado dos blocos é que ao se organizarem em empresas lucrativas promoveram um grande salto de escala no carnaval baiano, pois não só vão contribuir para a transformação do carnaval em um produto com um ciclo de realizações que ultrapassa os limites da festa e da cidade, como também, estimulam outras organizações carnavalescas, como blocos afros, a se jogarem em aventuras organizacionais semelhantes, ao estenderem a sua afirmação e através do “mimetismo” se lançarem ao jogo de mercado dos mega-blocos com suas mega atrações. 21

Aconteceu uma transformação nos blocos que passaram de simples agremiações sem fins lucrativos a empresas de grande lucratividade responsáveis pela demanda de diversas atividades no setor de serviços, gerando desta forma rendimentos, empregos e aumentos de arrecadação tributária.

O carnaval foi transformado em um negócio lucrativo e profissionalizado, surgindo com isso interesses econômicos. O trio elétrico foi o elemento que diferenciou por muito tempo o carnaval de Salvador em relação a outros centros festeiros do País. Atualmente o trio elétrico está presente em dezenas de carnavais fora de época, isso por quase todo o país, nas cidades mais importantes.

O trio é um caminhão, modificado e estilizado, com um palco que serve de passarela para personalidades, artistas, bandas e cantores com destaque nacional, regional ou até local. Além de ter um som, cuja estrutura é mantida a um custo operacional alto, sua emissão ocorre com uma elevada potência. O trio potencializou o carnaval de massa e de rua, sendo que sua música tem grande alcance e capta um grande público, constituindo a maior atração do carnaval baiano.

O sucesso do carnaval baiano se deve, portanto, ao trio elétrico. O bloco carnavalesco reúne um grupo seleto de associados ao som de um trio elétrico, com uma banda selecionada, com garantia de segurança e privacidade, além de um carro de apoio que é responsável por serviços básicos para garantir o bem-estar e comodidade de seus associados.

A criatividade de negócios no carnaval é imensa. O carnaval baiano também serve de palco para o aparecimento de novos produtos, como o seguro carnaval, desenvolvido pela pequena corretora Ilha Bela, que oferece coberturas de R$ 500 (para pequenos acidentes) a R$ 5 mil (morte ou invalidez).

A maior parte do investimento no carnaval de Salvador, de 2000, foi realizada por empresas como a operadora Telebahia Celular e o Shopping Iguatemi, que desde 1997, substituíram 22 as cervejarias como principais patrocinadores do Carnaval, investindo R$ 150 mil por bloco.

A conclusão é que o novo modelo de organização da festa fez surgir novos produtos, em meio aos produtos já tradicionais da cultura baiana, ocorreu à consolidação dos blocos de trio. A novidade foi à poderosa indústria fonográfica da Bahia que apareceu durante essa transformação do carnaval de Salvador. A criatividade de negócios no carnaval é imensa. Tudo isso serviu para manter o novo modelo de apropriação da festa.

2.3 “TRIOS ELÉTRICOS” UM PRODUTO DO CARNAVAL SOTEROPOLITANO “MADE IN BAHIA”.

Em 1950 surgiu o trio elétrico, originado da criatividade e do espírito inovador de Dodô e Osmar.Aos poucos essa invenção foi sendo desenvolvida gradativamente e incorporando novas tecnologias, e evoluindo no que é atualmente com seus potentes auto-falantes e magnífica iluminação, tornando-se a maior atração do carnaval de Salvador.

O Segundo trio mais importante da história da Bahia é o tapajós que entrou pela primeira vez na folia em 1957, sendo o palco para nomes de peso da música baiana, como Novos Baianos, Luiz Caldas, Sarajane e Cid Guerreiro.

O carnaval de Salvador toma novos rumos na década de oitenta. Tornou-se uma festa de grande estrutura. Nessa época os blocos de trio começaram a se preocupar em contratar bandas , temos como exemplo o Eva, crocodilo, chiclete com banana, Beijo, Internacionais, Corujas, cheiro de amor, Mel e outros.

Nos anos oitenta e noventa cantores de bandas e solistas se destacam, assim temos Moraes Moreira, Armandinho, Luiz Caldas, Sarajane, Ricardo Chaves, Netinho, Cid Guerreiro, Durval Lelis, Bell Marques, Margareth Meneses, Daniela Mercury, Carlinhos Brown, Ivete 23

Sângalo, Carla Visi, Gil da banda Beijo, entre outros. Alguns continuam a fazer sucesso até hoje, se adaptaram as exigências do mercado fonográfico. Outros foram descartados da mídia.

Em 1985 surge o trio elétrico espacial, uma idéia de Osmar. Em 1990 surgiram os trios alternativos e só em 1993 a barra veio a se firmar como um circuito do carnaval.

O Trio elétrico é um novo produto originado do carnaval soteropolitano e já incorporado à pauta de exportação da Bahia. Sendo um produto genuinamente baiano. A Invenção de Osmar Macedo e seu amigo Dodô, que hoje domina o cenário carnavalesco da maioria das capitais do Nordeste, se espalhou pelo Brasil e despertou o interesse de outros países. É uma verdadeira indústria, que movimenta anualmente ao menos US$ 10 milhões e empregou mais de 300 pessoas durante o carnaval soteropolitano de 2002 ( LIMA, 2001, cad 1, p. 22).

No país, atualmente, existem vários pontos onde se constrói trio elétrico, feitos por gente que sai da Bahia para ensinar os segredos da fabricação de um trio-elétrico. Como é o caso do proprietário da oficina e do trio tapajós, Orlando Campos de Souza, que foi a França ensinar aos franceses como se fabrica um trio-elétrico. Foi ele mesmo que em 1960 fabricou a primeira carroceria própria para trios elétricos. Antes os músicos tocavam em carrocerias convencionais de caminhões, iluminados apenas por gambiarras. Os avanços tecnológicos transformaram os velhos trios, inspirados na fobica, o ford 1929 com que Dodô e Osmar saíram pelas ruas de Salvador no carnaval de 1950 em um palco complexo e refinado. . Em 1970, Caetano Veloso homenageou Dodô e Osmar com a música “Atrás do trio elétrico só não vai quem já morreu” que é tocada e idolatrada até hoje, tornando-se uma canção ícone do carnaval, um verdadeiro clássico baiano.

Atualmente o trio elétrico tem sofisticado equipamento de som, na maioria das vezes, importado, com potência que pode chegar a até 140 mil wats, além do camarim requintado e digno de qualquer “pop-star” internacional exigente. Profissionais gabaritados e especializados fazem o design, cada vez mais moderno.Tudo isso alimentado por geradores 24 de até 180 kwa. É energia suficiente para o abastecimento e consumo de uma pequena cidade do interior de até cinco mil habitantes. Os trios elétricos das principais atrações do carnaval baiano custam em média de R$ 240 mil a R$ 1 milhão ( ibid., p. 22).

Em Salvador são produzidos dois trios por ano, isso em cinco pequenas oficinas que tem tecnologia para montar e produzir essa complexa estrutura que caracteriza o trio elétrico. Por enquanto é uma indústria instrumental e artesanal. Com produção em pequena escala, mas um produto que agrega um alto valor, o que compensa essa produção.

A conclusão é que a estrutura do carnaval da Bahia foi modificada pelo trio elétrico de Dodô e Osmar. Isso fez levar às ruas toda uma multidão de pessoas embaladas pelos ritmos carnavalescos que foram surgindo e se extinguindo lentamente e se renovando ao longo do tempo por outros ritmos mais sensuais e com apelos eróticos, atraindo turistas de todas as partes do Brasil e do mundo. Além disso, o trio elétrico é um produto materializado do carnaval de Salvador e tem viabilidade econômica, no sentido de exportação, e requer uma tecnologia avançada e sofisticada, dominada por baianos e por isso o produto tem um elevado valor agregado.

2.3.1 Cronologia do Trio Elétrico

O trio elétrico foi evoluindo e marcando história ao longo do tempo, desde 1950 e aqui estão algumas datas e acontecimentos marcantes nessa evolução. São datas e fatos inesquecíveis na memória dos soteropolitanos.

1950: Apresentou-se em Salvador, o “clube carnavalesco vassourinhas do Recife”, com 150 membros, isso na quarta-feira anterior ao carnaval. No dia seguinte, Dodô e Osmar começaram a arquitetar o que viria a ser a criação de um “trio elétrico”. Osmar retira um Ford 1929, conhecido como fobica, e faz algumas transformações, ele que era dono de uma oficina mecânica, primeiramente pintando o veículo com vários círculos coloridos e 25 confeccionando em compensado, no formato de violão, duas placas com os dizeres “Dupla elétrica”. Dodô, que era formado em radiotecnia, montou uma “fonte” que, ligada à corrente de uma bateria de automóvel, iria alimentar a carga para o funcionamento dos auto-falantes instalados na fobica.

A dupla, em pleno domingo de carnaval, subiu a ladeira da montanha em direção à praça Castro Alves e rua Chile, isso ás 16 horas, arrastando milhares de foliões. Assim foi a primeira aparição dos inventores do trio elétrico, Dodô e Osmar em cima da fobica decorada e eletronicamente equipada e modificada.

1951: surge o nome “trio elétrico”, quando a dupla convida o amigo pessoal Temístocles Aragão para formar o que se chamaria de trio elétrico.

1952: a dupla é patrocinada pela fábrica de refrigerantes “Fratelli Vita” e abandona a velha fobica e passou para um veículo grande, colocando nele oito alto-falantes, corrente elétrica de geradores e iluminação com lâmpadas fluorescentes.

1956: surge o conjunto musical tapajós (montado em uma caminhonete), primeiro seguidor e responsável em grande parte pela expansão e mudança estrutural do trio elétrico. O trio foi firmado como símbolo do carnaval baiano.

1963: O trio elétrico de Dodô e Osmar volta a animar o carnaval de Salvador, sob o patrocínio da refinaria Mataripe. Armandinho com nove anos canta no trio.

1972: Osmar e Armandinho se encontram na Praça Castro Alves, no carnaval. Nesse mesmo ano, Caetano Veloso é homenageado pelo tapajós com o lançamento da Caetanave. Encima do trio estão Caetano Veloso, Gilberto Gil e Gal Costa.

1974: A dupla Dodô e Osmar retorna ao carnaval com uma nova formação que se chamava “trio elétrico Armandinho Dodô e Osmar”. Nesse ano é gravado um disco que comemorava os 25 anos de criação do trio elétrico. O disco trazia no título “jubileu de prata”. 26

1976: O trio elétrico dos Novos baianos canta pela primeira vez nas ruas de Salvador. Maria Bethânia, Gal Costa, Gilberto Gil e Caetano Veloso batizam o grupo de “Os Doces Bárbaros”.

1977: Um gigantesco enfeite em forma de ave branca é colocado no trio de Dodô e Osmar, isso para comemorar o lançamento da música “Pombo Correio”.

1978: Adolfo Nascimento, o Dodô, morre. Como um dos criadores do trio elétrico seu sepultamento foi acompanhado pelo trio tapajós.

1980: O trio elétrico Traz os Montes desfila pela primeira vez nas ruas de Salvador. Esse trio foi o que mais introduziu novidades técnicas no carnaval, possuindo um som extraordinariamente potente e inovando com toda sua aparelhagem transistorizada.

1981: O trio elétrico Novos Baianos é o único que tem uma mulher no comando, Baby Consuelo. A música “Vassourinha elétrica” do trio de Armandinho, Dodô e Osmar estoura como sucesso de vendagem em todo o país.

1988: Com palco giratório e automatizado é criado o trio elétrico espacial.

1997: Morre o outro criador do trio elétrico, Osmar Macedo, seu sepultamento passou pela praça Castro Alves, palco do seu sucesso e da sua criação e se realizou durante o funeral um cortejo de trios.

1999: O projeto Caetanave é retomado pelo percussionista Carlinhos Brown trazendo novo equipamento para as ruas de Salvador.

2000: O trio elétrico completou 50 anos. O jubileu de ouro do carnaval é comemorado, homenageando os criadores do trio elétrico em devoção e agradecimento por sua criação magnífica. 27

O carnaval soteropolitano continua sempre a se expandir em um processo inesgotável de criatividade.E o trio elétrico tem um papel fundamental nessa transformação, pois é o palco do maior show ao vivo e popular da América Latina que é o carnaval de Salvador.

2.3.2 Conclusão dessa Apologia aos “Trios Elétricos”

Antes dos trios elétricos, o carnaval de rua de Salvador se resumia basicamente a carros alegóricos dos chamados grandes clubes que desfilavam na avenida nos três dias de carnaval, assim tinham o Fantoches da Euterpe, Cruz Vermelha e Inocentes em Progresso. Existindo um desfile alegórico, onde os carros eram temáticos e estavam em movimento, tudo isso podíamos dizer que era um pequeno ensaio primitivo do que seriam os desfiles das escolas de samba. Haviam moças que ricamente fantasiadas jogavam beijos para a platéia. O desfile era assistido pela sociedade local que torcia pelo clube de sua preferência.Onde cada clube tinha sua rainha e seu arauto, que disputava o primeiro lugar.

Havia os caretas ou mascarados, que invadiam a cidade, fazendo graça e cada um com sua “caracterização” faziam palhaçadas e ficavam a perguntar: “você me conhece?”. Os foliões se fantasiavam e participavam de desfiles realizados nos bondes abertos que transportavam cargas e eram decorados durante o carnaval. As famílias que moravam no circuito da festa colocavam cadeiras ao longo da avenida e ficavam a assistir aos desfiles, sem temer os ladrões e nem a violência de hoje.

Salvador, antes do trio elétrico era uma cidade extremamente provinciana, com uma população inferior a 350 mil habitantes. Mas era um lugar seguro, calmo e tranqüilo. Hoje no Brasil, qual cidade do centro-norte-nordeste pode se encontrar tranqüilidade. Os tempos mudaram, e o folião também, hoje predomina um folião maldoso e muito mais interessado nos apelos eróticos e sensuais do carnaval. Antes havia as batalhas de confetes e 28 serpentinas, os bailes infantis e os bailes noturnos que eram disputadíssimos pela sociedade local.

O trio elétrico destruiu a estrutura de carnaval do passado, destruindo a batucada, os desfiles em carros de capota arriada em que desfilavam jovens e crianças ricamente fantasiados e os mascarados, mas em compensação proporcionou uma participação absoluta, nivelando todos que pulam atrás do caminhão ornamental e equipado com um som potente.

A conclusão é que esses dois inventores, Dodô e Osmar, mudaram para sempre a estrutura da festa momesca. Nunca mais o carnaval será como antes de se inventar a fobica. O trio elétrico é o veículo motor da transformação do carnaval de Salvador. A cronologia do carnaval está intrinsecamente ligada à evolução e transformação da estrutura do carnaval da Bahia.

2.4 A “AXÉ-MUSIC” E SUA RELAÇÃO COM A TRANSFORMAÇÃO DO CARNAVAL DE SALVADOR

Um movimento musical originário genuinamente da Bahia começou em 1985 com Luís Caldas cantando o “Fricote” e que se denominou de “Axé Music” mudou os rumos da indústria fonográfica da Bahia e também do carnaval baiano. O novo swing baiano classificado no centro-sul do país de melodias de letras fáceis, débeis e apenas feitas para mexer os “quadris” e não para se ouvir. Seria um ritmo descartável de mais um carnaval baiano e que passaria com o tempo. As letras das músicas, assim como os cantores seriam descartáveis. E, realmente a primeira leva de cantores e as primeiras músicas provaram o que a imprensa do centro-sul do país confirmou, ou seja, saíram da mídia e muitos deles entraram no esquecimento do público.

29

No início da “Axé Music”, as músicas eram bem elaboradas, falavam da “mama África”, da injustiça e discriminação racial e enalteciam a cultura negra. O novo ritmo aceito pela população se adaptou a elite local e mudou a estrutura do carnaval, no sentido da estrutura e da maior divulgação do mesmo, uma vez que lançou no mercado centenas de novos produtos baianos em forma de cantores ou bandas. Foram centenas deles almejando uma fatia no mercado fonográfico local e a partir de então seguir para o mercado nacional.

O “É o Tchan” estoura nas paradas de sucesso da Bahia e do Brasil em 1996, nessa época ainda se chamava de “Gera Samba”. A Internet se encarregou de espalhar as notícias da folia para todo o planeta, fazendo com que nada mais que 135 países conectados a rede pudessem conhecer um pouco da cultura baiana através do carnaval.

A indumentária da festa foi se modificando com o tempo, as fantasias opulentas, temáticas e luxuosamente ornamentadas, como as usadas pelo bloco “Os Internacionais” foram sendo substituídas inicialmente por mortalhas em alguns blocos e depois se generalizou para abadás e becas. O que perdeu o brilho e a luz cintilante da festa.A estrutura de alguns blocos também mudara ao som da “Axé Music” e da comercialização da festa. Assim o bloco tradicional “Os Internacionais” passou a aceitar mulheres entre os seus sócios e perdeu suas características iniciais e mudou o nome para Interasa, adaptando-se a nova realidade imposta pela “Axé Music”.

A ditadura da “Axé Music” reinou absoluta durante o carnaval e ultrapassou os limites do carnaval sendo tocada nas rádios o ano todo e quem não aderiu ao ritmo sofre as duras penas do esquecimento e da discriminação nas rádios, simplesmente em muitos casos suas músicas foram vetadas nas rádios. As músicas tocadas no carnaval sofreram mudanças bruscas com a “Axé Music”. Assim ritmos como as antigas marchinhas, sambas e outros ritmos oriundos do carnaval perderam totalmente espaço para a “Axé Music”. Esse último teve sua versão no centro-sul do país, mas nada comparado com o “pagode explícito” e de apelos eróticos produzido em terras baianas, onde se exaltava o “bumbum” com suas danças sensuais que evidenciavam essa parte do corpo com requebros provocativos.

30

Os empresários da “Axé Music”, em grande parte, foram os responsáveis pela generalização do uso das cordas nos blocos e o afastamento contínuo e total falta de contato entre o povo e sócios do bloco.

O trio elétrico serviu de passarela para os cantores e bandas de blocos testarem seus sucessos e depois saírem divulgando em programa de televisão. O cantor que conseguisse chamar a atenção e fazer sucesso no carnaval teria garantido seu espaço na mídia nacional. Muitos cantores e bandas tiveram atenção na mídia local ou nacional e sumiram de circulação. Onde estará Sarajane, a família Caldas, Laurinha, Zé Paulo, Virgílio, Simone Moreno, os vocalistas da Banda Reflexus e muitos outros que estiveram algum dia na mídia. O novo ritmo musical é cruel e ficaram somente os cantores que renovaram seus repertórios e se adaptaram as novas exigências do mercado.

TABELA 1-Vendas de Discos dos Principais Artistas e Bandas Baianas da Axé Music nos Anos 1990 (em milhões de unidades)

Venda Totais de Discos em milhões de unidades nos Artista/ Banda Gravadora Grupo Controlador anos1990(Estimativas) Daniela Mercury BMG Bertelsman 5,0 Ara Keto Sony Corpotation 3,0 Asa de Águia Columbia Sony Corpotation 3,0 Chiclete com banana BMG-Ariola Bertelsman 5,0 Banda Eva Polygram Seagram 5,0 É O Tchan Polygram Seagram 10,0 Cheiro de Amor Universal Seagram 4,0 Timbalada Polygram Seagram 2,5 Netinho Polygram Seagram 2,0 FONTE: ALMEIDA; PESSOTI, 2000, p. 103

31

Existe um círculo vicioso e atípico entre a “Axé Music” e o carnaval na Bahia, sendo que um está na dependência direta do outro e isso ultrapassa os limites do carnaval e gera uma pseudo-indústria ligada a esse ritmo musical que movimenta muitos milhões de reais seja com a exportação do carnaval de Salvador, as franquias dos blocos, os serviços de trio elétrico, a contratação de artistas baianos para animar carnavais fora de época, os shows desses artistas na Bahia e em outros estados. Almeida e Pessotti descrevem: uma banda de sucesso vende, apenas em Salvador, cerca de 50 mil cópias por discos lançados, o que representa um faturamento na ordem de R$1 milhão. A venda de CD´s é algo considerável. Como mostra na tabela 1.

A importância da produção artística para a estrutura da festa e para a Bahia e especialmente para Salvador é vital. A partir da renovação constante e adaptação às novas tendências do mercado uma leva de artistas originários do “axé Music” consolidou-se com a transformação da festa. E não foi o marketing tradicional ou propaganda que consagrou esses artistas, mas a sua criatividade e adaptação às novas exigências do mercado. Esses artistas divulgaram um patrimônio cultural na imaginação de milhões de pessoas em outros estados do Brasil. No exterior muito desses artistas são prestigiados por pessoas mais intelectualizadas e de uma classe média alta européia e americana, que idealiza o lugar de onde vieram de forma mítica e exótica.

As raízes da cultura baiana são exportadas para o mundo, através da força da música baiana em atravessar fronteira e se reafirmando com uma nova geração de artistas e uma nova produção musical. A cada ano que passa é introduzido novidades em forma de novos ritmos da “Axé Music” e novos cantores solos e bandas surgem em um processo contínuo.

Daniela Mercury foi a estrela baiana que apaixonou o país, no início da década de noventa com o samba-reggae “O Canto da Cidade” que vendeu mais de um milhão de CD´s e se consagrou na música popular brasileira, como estrela de primeira grandeza. A cantora baiana cantou até para George Bush, presidente americano, sendo prestigiada e homenageado por grandes astros de Hollywood, como Michael Douglas.

32

Michael Jackson e Paul Simon se renderam ao swing da música baiana representada pelo som do Olodum e levou o ritmo baiano a esfera Internacional. O carnaval baiano foi expandindo no cenário nacional, graças ao Chiclete com Banana, a Banda Eva, a Banda Cheiro de Amor, Ivete Sângalo, a Banda Beijo e toda essa constelação de astros e estrelas da Bahia que divulgaram e democratizaram o carnaval em nível de Brasil. Os brasileiros mais distantes da identidade cultural baiana ficaram atraídos por esse novo ritmo. A música baiana acrescentou uma forma de percussão que influenciou a música internacional, atualmente uma grande parte dos gêneros musicais do mundo ocidental hoje têm um pouco da percussão baiana.

A imagem positiva feita através da cultura e da produção artística pode superar fatos negativos para o turismo local como a imagem degradada do país no exterior. Isso não impediu a vinda de turistas em países onde os cantores baianos se apresentaram e fizeram sucesso. Isso fez surgir nesses povos à curiosidade de conhecer a terra desses artistas com uma maneira tão incomum de dançar ou de cantar ou com um ritmo tão diferente do seu país de origem.

O investimento em artistas que atingem grades platéias no exterior é uma forma de marketing muito mais poderosa do que se investir milhões de dólares em propaganda, visto que esses artistas representam a expressão viva da cultura de nosso estado e do nosso país. É uma forma de mostrar ao mundo a nossa força em forma de expressão musical e artística.

A imagem do nosso estado se consolida no imaginário dos estrangeiros fãs dos artistas baianos, isso se faz ao longo do tempo. Também não se pode deixar de investir em infra- estrutura, equipamentos, especialização e capacitação dos nossos trabalhadores que lidam com os turistas e qualidade dos serviços. Isso é imprescindível, aliado a imagem construída pelos nossos artistas no exterior, o que estimula o turismo na Bahia.

A “Axé Misic” foi logo sendo tomada pelos empresários donos de blocos de trio. Atualmente existem dois blocos de trio. Os Blocos de trio de predominância branca e os blocos de trio de predominância negra. A diferença é que no primeiro a tradição é 33 desvalorizada como condição de inovação e renovação e para o segundo, a tradição é fundamental e representa um processo de invenção, reinvenção e resgate da origem negra.

A cadeia musical por onde se processa um CD da “Axé Music” está representada de forma nítida no quadro 1. É um processo que começa na articulação entre compositores e empresários da Axé Music, passa pelos editores e posteriormente pelos produtores que desempenham um papel crucial nessa cadeia. Depois tem o produto e as promoções que são levados as gravadoras, que são fundamentais, pois decidirão se tal canção terá aceitação no mercado e se as letras são assimiláveis pelo público consumidor.

Nada de música intelectualizada e que coloque o consumidor para pensar. Pode ganhar a antipatia do consumidor. Nesse esquema cantores de renome da Música Popular Brasileira, como Chico Buarque e Maria Bethânia foram vetados por algumas gravadoras por não se adaptarem a essa nova realidade, que visa a quantidade em função da qualidade.

As rádios e televisão desempenham papel crucial na divulgação de um CD, sem contar os vídeos musicais e os shows. Depois o produto transformado em CD chega as principais lojas e supermercados do país e por fim ao consumidor.

Os carnavais fora de época se espalharam pelo Brasil em função da dos cantores da “Axé Music” que levaram o ritmo e swing baiano do Oiapoque ao chuí. Esses carnavais servem como instrumentos promocionais para o turismo baiano e representa um ganho para o estado, pois esses cantores e suas bandas trazem dinheiro para a Bahia em forma de cachê, vendas, produção, entrevistas, etc. Isso o ano todo com os carnavais fora de época e seus shows. E o mais importante que é uma forma de divulgar a cultura baiana e onde a indústria fonográfica baiana conquistou o Brasil com seus artistas e ritmos.

Os artistas muitas vezes são os responsáveis pela reedição do evento em outros estados do país e são uma fonte interminável de fluxo de ganhos e divisas para o nosso estado. Uma quantia de recursos adicional ao estado se faz mediante esses cantores e empresários baianos que organizam de forma profissional os carnavais em outros estados do país. 34

QUADRO 1-Cadeia musical da “Axé Music”

ARTISTAS EDITORES COMPOSITORES (Empresários)

PRODUTORES

PRÉ-PRODUÇÃO Arranjos Seção de PÓS-PRODUÇÃO Músicos Gravação Mixagem Escolha de Estúdio Matriz

Produto GRAVADORAS

Encarte Gravação Desenho Disco Matriz Impressão Prensagem do CD

Planejamento Promoção Propaganda e de Campanha de Discos Publicidade

Cube de Discos DISTRIBUIDORAS

Rádio e TV Vídeo (Clipes) Musicais Shows

Loja de Lojas de Discos Departamentos Supermercados

CONSUMIDOR

FONTE:ALMEIDA; PESSOTI, 2000,p. 91 35

O circuito da festa se expandiu e cresceu para atender a demanda extra e reivindicações dos empresários da “Axé Music” que queriam um espaço mais seletivo para divulgar os produtos da “Axé Music” representados pelos cantores solos e bandas de trio que surgiam a cada carnaval e muitos são vinculados por contratos a esses empresários. Houve uma grande mudança organizacional e de concepção da festa com a “Axé Music” que ajudou a privatizar essa festa seja nos cordões ou nos camarotes que só estão ali para prestigiar os artistas desse ritmo musical. Sem esses artistas, o carnaval de Salvador do jeito que está fundamentado não teria nenhum sentido. A “Axé music” divulgou a imagem da Bahia para o Brasil e para o mundo e consolidou o novo modelo organizacional da festa. Por isso a importância da “Axé Music” na transformação do carnaval de Salvador.

36

3 EXTERNALIDADES GERADAS PELO CARNAVAL

As externalidades podem ocorrer em uma ação que afeta um bem público, sendo este um bem de uso comum. Um exemplo é a poluição sonora em uma rua devido à realização de uma festa ou mesmo de um jogo de futebol. Nesse caso temos uma externalidade negativa. Na instalação de uma fábrica haverá uma externalidade positiva, esta não afeta necessariamente um bem público. Nesse caso, o bem privado que é um bem com direito de propriedade pode ser afetado. Assim a criação de novos empregos pode implicar em conseqüências benéficas para a população e não afetar o bem público. Porém, neste caso, poderá ocorrer externalidades negativas representadas pela poluição dos rios e da terra pelo lixo gerado pelo processo industrial, sem contar a contaminação do ar pela queima de combustíveis tóxicos.

A análise da implantação de um projeto deve considerar se as externalidades positivas serão superiores as negativas. Para isso deve ser feito um estudo bem definido com base sobre os possíveis problemas que os investimentos poderão causar a comunidade.

Assim é importante se fazer um levantamento antes da implantação de um projeto. A partir disso procurar saber se o impacto social será realizado de forma a causar o mínimo possível de interferência ao bem público que possa comprometer a qualidade de vida dos moradores de uma determinada localidade. Pois se ocorrer uma alteração do bem de uso comum prejudicando a comunidade, os investimentos em um evento de porte como o carnaval não implicará em melhoria no padrão de vida da população local.

3.1 EXTERNALIDADES NEGATIVAS

A poluição sonora é um problema gerado pelo carnaval e incomoda a população que mora nos trechos onde a folia ocorre. Os trios elétricos fazem um ruído, às vezes ensurdecedor. 37

Sendo que só a partir de 1996, é que começa uma preocupação mais rigorosa da prefeitura local quanto ao controle e fiscalização do nível do volume dos trios. Sujeitos a multas, caso desrespeite o limite máximo suportável pelo ouvido humano. Moradores antes tinham que ouvir níveis de ruídos acima do permitido pela audição humana. Na Barra foram proibidos os vários ensaios que ocorriam a cada semana. Ocorrendo uma grande quantidade de furtos, atritos entre foliões, insegurança por parte dos moradores, lixo pelas ruas e destruição de bens públicos por parte de vândalos.

A violência durante a folia se constitui em realidade durante os festejos. Sendo que o carnaval de 2001 registrou um número de ocorrências policiais menores que 2000, ocorrendo uma diminuição da ordem de 9,1 %, mas o número de pessoas detidas foi superior em relação a esse ano, ocorrendo um aumento de 300%, sendo registrado 1.267 detenções. Isso segundo a secretária de segurança pública, Kátia Alves (DIAS, 2001, p.3).

O carnaval procura mascarar a desigualdade e a miséria da cidade, porém o efeito é o oposto, pois acaba por revelar esta situação de miséria. Isso porque expõe a miséria de massas pauperizadas que sonham um dia serem considerados e aceitos pela sociedade e pela elite local. Ou pelo menos um dia fazerem parte dessa elite, nem que seja para “olhar” a elite local desfilar em seus blocos de carnaval, com muitos seguranças e felizes, com seus “olhares” de desprezo e indiferença diante da massa popular espremida.

A ordenação e organização do carnaval estão evoluindo, com a elitização cada vez mais acentuada, chamada por Avena (1998), de “camarotização” do carnaval, então a elite local está cada vez mais expurgando, espremendo e roubando o espaço da festa do povo. Estimulando e fazendo cada vez mais que através do desconforto e incomodo o “povo” mais encurralado se retire cada vez mais da festa e saia de cena.

No carnaval de Salvador que se caracteriza como uma festa de massa e de grande participação popular, um “chamativo” criado por marketing local para chamar a atenção da mídia nacional, os dados são manipulados pelas autoridades locais visando atrair a atenção de turistas potenciais. 38

Um fato a ser considerado é o “racismo e discriminação social” oculto existente por detrás da festa. Existe uma espécie de divisão a que está submetido o carnaval de Salvador, com indivíduos de uma raça ou de uma determinada classe social impedidos de participarem de um bloco por serem negros ou por que moram em um bairro da periferia.

Blocos de elite não aceitam negros e nem pobres ou pessoas da classe média baixa, exemplo disso ocorreu um pouco antes do carnaval de 2000, quando um determinado bloco de Salvador, fez prática do racismo, contra a professora negra Roselinda Cruz Martins, de 26 anos, existindo critérios para ser aprovado no bloco de cor da pele e aonde mora o candidato a ingressar no bloco. Se for “branco-pardo” e morar em um bairro classe “A”, mas se não preenche algum desses critérios, o pedido de admissão ao bloco será vetado (RAMOS, 2000, p. 3).

Na transição do carnaval de clubes para o carnaval participação, ocorreram conflitos com os blocos de negros-mestiços. Havia um temor por parte da imprensa local controlada pela elite, em relação a essas manifestações. Com o tempo se consolida o trio elétrico e os primeiros blocos de trios começam a participar cada vez mais da festa, blocos esses compostos por elementos da classe “A”, em sua maioria. Assim logo no início, alguns blocos afros são proibidos de desfilar e a polícia local reage com muita violência. Como em 1977, o bloco apache do Tororó é reprimido na praça da Piedade, com 120 prisões decretadas, um desaparecido. A violência policial só acaba quando são expulsas das ruas todas as pessoas fantasiadas de Apache. Acreditavam que se tratavam de elementos perigosos e nocivos a sociedade e a folia local.

Para Amim: “Os ambulantes obtiveram em prejuízo em 2001, as vendas foram fracas e as mercadorias ficaram sem comercialização”. Isso devido ao baixo poder aquisitivo da população local e da crise econômica que contribuiu para diminuir o poder aquisitivo já baixo da maioria do folião. Isso afetou drasticamente o bolso do consumidor deixando dezenas de mercadorias encalhadas nos isopores desses ambulantes. 39

Uma das coisas que incomodam o folião pipoca são os blocos de cordas, pois as mesmas transformam as ruas em clubes fechados, privatizando uma festa pública por natureza. Os Cordeiros foram introduzidos pelos grandes empresários dos grandes blocos.

A corda física é uma forma de distribuição de espaço. Além dessas, existem as invisíveis, pois o carnaval baiano é muito compartimentado e socialmente hierarquizado em termos de classe social, cor e idade. Cada micro-grupo ou patota materializa-se em pequenas bolhas espaciais-fixas ou itinerantes. A cidade transforma-se, neste período, em territórios com ilhas invisíveis. O carnaval é um arquipélago de mil ilhas, bem delimitadas por cordas invisíveis e onde as multidões estão fora dessas ilhas. Blocos, patotas, clubes de amigos... a folia não é tão misturada o quanto parece. Há uma relação de contigüidade, de fricção admirativa e invejosa entre as tribos diferentes, algumas muito belicosas (CALBO,2002,cad 2,p 1)

A Limpurb, empresa que recolhe o lixo de Salvador, ameaçou apreender caminhões ou contêineres de empresas como a cônsul metais que estiverem nas ruas colhendo latas. A briga envolve a prefeitura, os catadores de cervejas e refrigerantes e empresas envolvidas com o processo de reciclagem desse material. A prefeitura determinou a instalação de oito postos de coleta na cidade ficando sob a fiscalização da cooperativa dos agentes autônomos de reciclagem(Coopcicla). Os empresários se sentiram prejudicados porque a Coopcicla, em parceria com a associação dos catadores de latinhas, anunciou que vai negociar o produto recolhido com exclusividade apenas para duas empresas, a Recipar e a Latasa. Ficando as outras a mercê dos preços inflacionados pelos sucateiros. Acarretando desvantagem e prejuízos econômicos para essas empresas.

Então como se percebe as externalidades negativas existem. A divisão social que se forma no carnaval é uma delas. A questão dos cordões que privatiza um bem público e, portanto ,de uso comum a todos que são as vias públicas. Tudo isso serve para confirmar o problema da baixa renda do folião que não consegue se inserir nesse novo modelo de estruturação e organização da festa visando extrair o máximo de negócio rentável da festa.

40

3.2 EXTERNALIDADES POSITIVAS

Uma característica positiva do carnaval é a geração de empregos temporários, como o aparato de segurança e cordeiros montado pelos blocos. Esses trabalhadores são diaristas, formado em suma por adolescentes pobres da periferia que vislumbram no carnaval a oportunidade de ganhar um dinheiro “extra” e fugirem do estigma do desemprego.

O comércio é estimulado pelo carnaval, sendo este o carro-chefe de um negócio extremamente rentável. O carnaval estimula muitas atividades, é o elemento “chamativo” para atividades como turismo, bebidas, comércio de abadás e muitas outras. Os investimentos em infra-estrutura de lazer, educação e qualificação profissional seriam uma externalidade benéfica gerada pelo carnaval.

O carnaval alimenta o axé music e o axé music o alimenta, estabelecendo uma relação de mutualismo, onde um precisa do outro para sobreviver. Há fatores que contam ponto para Salvador é a sua localização geográfica e o fato de ser uma cidade quente e não sujeita a calamidades da natureza, como terremotos, furacões ou vulcões. Salvador tem belas praias, algumas poluídas, e tem belas ilhas bem em frente à cidade e sol quase durante todo o ano.

O carnaval faz a sociedade local se esquecer do profundo quadro de pobreza crônica de Salvador, um dos mais graves do país e que em alguns lugares poluem a paisagem e denigrem a imagem de Salvador, com barracos em morros ou invasões no meio de um esgoto ou no pé de uma encosta, prontos para serem engolidos pela terra, na primeira chuva que ocorrer, isso através dos desmoronamentos.

Um aspecto positivo é a mídia projetar Salvador, isso divulga a imagem da cidade, despertando o interesse do público que está fora da festa assistindo o carnaval através dos diversos meios de comunicação de massa. Isso faz os mesmos sentirem vontade de conhecer pessoalmente esse carnaval, no próximo ano.

41

A Bahia e especialmente Salvador economizam muito com o marketing. Em 2001 foram 275 horas de imagem de televisão mostrando e divulgando Salvador, dessas 106 foram transmitidas para outros países, e isso geradas pelo carnaval (VASCONCELOS, 2001, cad 1, p.2).

Tabela 2- Relação entre o número de empregos gerados no carnaval e anos em 1000 pessoas.

ANOS EMPREGOS GERADOS NO CARNAVAL 1998 90 1999 117 2000 130 2001 125 FONTE: Emtursa, set/ 2001.

Os empregos gerados no período da festa envolvem segurança, cordeiros, músicos, motoristas, pessoal da área de saúde, eletricistas, técnicos de som, serviços prestados e terceirizados para a confecção dos abadás, faixas, montagem de carro de apóio. Na tabela 2 podemos notar que entre 1998 até 2001 ocorreu uma redução do número de empregos criados no carnaval em relação ao ano anterior. Uma das hipóteses é que ocorreu uma concentração de entidades carnavalescas. Isso provavelmente em virtude de uma maior diminuição no poder aquisitivo do folião. O fato é que é que diminuiu o número de empregos gerados no carnaval.

A prefeitura de Salvador radicalizou a partir do carnaval de 2000, no que diz respeito à reciclagem. Fazendo parecer uma questão estético-higiênica, visando impedir o que designou de “favelização da festa”, havendo um monte de latas espalhadas e empilhadas pela cidade em depósitos de coleta, proibindo os caminhões de coleta de atuarem no circuito do carnaval. Prejudicando no bolso os empresários do setor. Pois se viram obrigadas a assistirem os sucateiros inflacionarem o preço. Isso com a profissionalização da cata de latinhas, com efeito, no preço. Sendo que em 1999, o quilo de lata solta ficava entre 42

R$ 0,50 e R$ 0,80 durante o carnaval. Em 2000, o preço pulou para R$ 1,00.Com o mercado se profissionalizando em todo o país. Sendo cadastrados os profissionais pela prefeitura (ARAGÃO, 2000, p. 1).

A Cooperativa dos Agentes Autônomos de Reciclagem Ltda (coopcicla) é uma das empresas que compram as latinhas dos catadores. No ano de 2001, a coopcicla pagou R$ 1,20 pelo quilo de lata de alumínio, já as de ferro saem por R$ 0,10, a unidade. Um negócio bom para quem compra, já que as latas passam por um tratamento para depois serem recicladas e transformadas em outros produtos. Por dia, a cooperativa chega a comprar dos catadores cerca de uma tonelada de latinhas ( AMIM, 2001, cad 1, p.3).

A expansão do carnaval de Salvador em termos musicais é uma realidade. O carnaval de Salvador no ano de 2002 abriu espaço para o samba, o “folião pipoca” e o repertório dos antigos carnavais, isso tudo aconteceu no Pelourinho. Nomes de peso da “axé music”, como Daniela Mercury, Ivete Sângalo, Carla Visi e até veteranos, como Gilberto Gil aderiram aos chamados trios independentes que não tem cordeiros. Essa nova tendência surge de uma crise na “axé music”.

Uma função do carnaval de Salvador é resgatar o lado cultural da cidade. Através de suas manifestações artísticas e populares. Pode-se verificar através dos foliões quem é o povo de Salvador. Como se formou esse povo.O carnaval esconde a miséria, mas não esconde à verdade.

Negros e brancos, pobres ou ricos se misturam uma vez por ano, nem que seja para dividir o mesmo espaço, uns dentro dos blocos de trios ou camarotes e os outros menos afortunados misturados com o povo ou em blocos afros ou de índios.

O Pelourinho surge como uma resistência a total privatização da festa e ditadura musical imposta pela “axé music”, dessa forma antigos ritmos e marchinhas de carnavais passados são relembrados, havendo um resgate de memória e de consciência passada. Relembrando boas canções do passado. 43

Então podemos concluir que o carnaval tem externalidades positivas marcantes, como criação de empregos, à parte de marketing e divulgação do turismo local tanto a nível nacional, quanto internacional. Atualmente a proliferação de trios independentes beneficia o chamado “folião pipoca”, que não precisa enfrentar a fúria dos “cordeiros” para ficarem perto de seus artistas preferidos. A questão dada pela prefeitura aos catadores de latinhas é um fato relevante.Além de ser ecológico tirar das ruas toneladas de lixo em forma de latinhas, é ajuda para essas famílias tão miseráveis e torna á cidade mais agradável e mais limpa. O resgate cultural de um povo é uma externalidade altamente positiva.

44

4 ESTUDO COMPARATIVO ANALÍTICO ENTRE OS PRINCIPAIS CARNAVAIS DO BRASIL NO ANO DE 2000.

O carnaval é um evento importante não só em Salvador, mas nas principais ou tradicionais cidades brasileiras. O evento se realiza e ganha a atenção da mídia nacional. Assim temos o carnaval de São Paulo que ganha força e participação popular. Os tradicionais carnavais de Recife e de Olinda. O carnaval espetáculo do Rio de Janeiro e o carnaval popular de Salvador.

Cada carnaval tem sua importância e comparar os dados oriundos desses carnavais é importante para se ter uma compreensão maior em relação à transformação sócio- econômica do carnaval de Salvador que o consolidou no cenário nacional e se supera a cada ano que passa em importância em relação aos demais carnavais acarretando um negócio altamente lucrativo. Os carnavais de outras cidades também se constituem em negócios, mas a forma de organização de cada cidade é particularizada e individualizada.

TABELA 3- Distribuição de turistas e empregos gerados entre os principais carnavais do Brasil no ano de 2000 em 1000 pessoas.

NÚMERO DE TURISTAS EMPREGOS GERADOS CIDADES NO PERÍODO DE CARNAVAL NO PERÍODO DE CARNAVAL SALVADOR 300 130 RECIFE 320 165** OLINDA 320* 2 RIO DE JANEIRO 300 300 SÃO PAULO 500*** 250 FONTE: GAZETA MERCANTIL, 28/ 02/ 2000, p. A-6. * turistas por dia, sendo a maioria da grande Recife. ** Sendo 25 mil empregos no setor formal e 140 mil no setor informal. **** A maioria do público é da Grande São Paulo. 45

Note-se na tabela 3 que o número de turistas é praticamente o mesmo em todos os principais carnavais do país, com exceção de São Paulo, devido à população da grande metrópole que se constitui na maioria dos turistas. O carnaval de São Paulo não tem a tradição dos outros carnavais e não se rivaliza com o carnaval do Rio de Janeiro. Na verdade, o modelo organizacional da festa paulistana se inspira no carnaval carioca.

A desvalorização do real em 1999 contribuiu para favorecer o turismo interno, isso fez os destinos turísticos nacionais mais baratos para os estrangeiros que planejam suas viagens com um ano de antecedência. Para os brasileiros fazer turismo no exterior se tornou caro e restou a opção mais econômica que é conhecer o seu próprio e imenso país.

Os empregos gerados no carnaval são desproporcionais em relação a alguns carnavais. Em Olinda são gerados apenas dois mil empregos, isso devido a maior parte dos turistas usarem os serviços de Recife. E muitos desses turistas moram ou estão hospedados na cidade. O carnaval de Olinda se constitui em um dos mais autênticos do país. Os turistas injetam na economia da cidade R$ 6 milhões de reais.

Um fato significante é a quantidade de empregos gerados pelo tradicional carnaval carioca que mobiliza 300 mil pessoas. É quase o dobro dos empregos gerados no carnaval de Salvador. Isso em virtude da magnitude do carnaval do Rio de Janeiro. O carnaval carioca se destaca pelo luxo, beleza e ostentação. O carnaval de Salvador se destaca pela animação e criatividade. O de São Paulo gera cerca de 250 mil empregos diretos e indiretos. As escolas de samba de São Paulo não têm a fama e o prestígio das escolas cariocas.

Em termos de empregos gerados, Olinda é prejudicada por ser praticamente um bairro de Recife e ficar com a missão impossível de competir com os serviços oferecidos pela cidade vizinha. A cidade de Salvador se encontra razoavelmente distante de qualquer rival no período de carnaval, no entanto apresenta a menor quantidade de empregos gerados no período de carnaval, com exceção de Olinda. Isso pode ser em virtude de como à festa está organizada e como ocorre a apropriação dos espaços. 46

A conclusão que chegamos em termos de atração turística é que em 2000, os principais carnavais realizados no país estão nivelados. E que em termos de empregos gerados na festa, o Rio de Janeiro está em melhor posição. Existe um emprego criado por turista. O turista está nas arquibancadas, desfilando na passarela ou nos milionários camarotes, até trabalhando como jornalista para algum canal de televisão de outro estado ou país. Em Salvador existe aproximadamente cerca de três turistas para cada um trabalhador durante o carnaval. São Paulo existe um trabalhador para cada dois turistas no carnaval. Olinda é a cidade onde menos gente trabalha durante o carnaval existindo 160 foliões nas ruas para cada trabalhador. O poder público tem que criar condições para que os investimentos privados no carnaval se ampliem favorecendo a criação de empregos e a organização da festa

4.1 ASPECTOS FINANCEIROS

Analisar o lado financeiro é fundamental para se ter uma noção dos negócios gerados pela festa e compará-los com os dados estatísticos de Salvador. Assim, saber os investimentos das prefeituras, a movimentação financeira e a receita deixada pelo carnaval em 2000 darão uma dimensão maior em termos numéricos e estatísticos da magnitude desse fenômeno que é o carnaval soteropolitano que atualmente chega a rivalizar com o carnaval carioca pela mídia.

A receita gerada pela festa também é de importante, pois reflete se a festa realmente está dando mais lucros em relação aos investimentos realizados. Esses lucros poderão ser melhores reinvestidos para obras de cunho social e econômico. Isso traduzindo uma tendência e implicação da transformação da festa gerar receitas e uma movimentação financeira bastante elevada em relação aos investimentos do setor público.

47

TABELA 4- A movimentação financeira, o investimento da prefeitura e a receita gerada no carnaval de 2000 em milhões de reais.

MOVIMENTAÇÃO INVESTIMENTO RECEITA GERADA CIDADES FINANCEIRA DA PREFEITURA PELO CARNAVAL SALVADOR 496 5 90 RECIFE 130 3 ND OLINDA ND** 2 ND RIO DE JANEIRO 1* 16,7 320 SÃO PAULO 155 13 ND FONTE: GAZETA MERCANTIL, 28/ 02/ 2000, p. A-6. * Em US$ 1 bilhão ** Não-disponível

A movimentação financeira em Salvador no ano de 2000 foi de 496 milhões de reais cerca de cinco vezes maior do que Recife e três vezes maior do que São Paulo. O Rio de Janeiro movimenta um bilhão de dólares em cada carnaval. O carnaval do Rio é bilionário, mas existe todo um esquema e tradição que coloca esse carnaval como o mais luxuoso e dispendioso entre todos do país. A indústria carnavalesca do Rio de Janeiro é milionária, consolidada e bem estruturada. O carnaval de Salvador assume a segunda posição em movimentação financeira.

Os carnavais tradicionais do Nordeste se destacam bastante. A prefeitura de Salvador investiu no carnaval de 2000 cerca de R$ 5 milhões. A mesma quantia investida nos dois maiores rivais juntos, Recife e Olinda. O investimento é alto para cidades de uma região empobrecida e com uma população em geral de baixo poder aquisitivo, com distribuições de renda tão concentradas, e onde a economia gira em torno de serviços e do comércio.

As prefeituras das grandes cidades ricas do centro-sul do Brasil investem muito no carnaval, bem superior a quantia investida no Nordeste. A prefeitura de São Paulo investe mais do que todas as prefeituras das três cidades do Nordeste. E ainda sobram três milhões 48 quantia que a prefeitura de Recife investiu no ano de 2000. Isso em virtude de São Paulo ser uma cidade industrial, com um orçamento muito mais generoso do que o das três cidades nordestinas. O Rio de Janeiro investe mais que São Paulo devido à poderosa indústria do carnaval carioca. São Paulo não rivaliza com o Rio de Janeiro em termo de estrutura e organização da festa.

A receita do carnaval gerada no Rio de Janeiro é de R$ 320 milhões e o investimento da prefeitura é de R$ 16,7 milhões. Já a prefeitura de Salvador investe R$ 5 milhões e a receita gerada é de R$ 90 milhões. Em Salvador para cada um real investido pela prefeitura obtém uma receita de aproximadamente R$ 18 reais. Já o Rio de Janeiro, para cada um real investido obtém uma receita de R$ 20 reais.

O carnaval de Salvador supera em movimentação financeira todos os demais carnavais do país, com exceção do Rio de Janeiro. Em termos de investimentos realizados pelo setor público, a prefeitura de São Paulo investe mais de duas vezes que Salvador, mas a movimentação financeira é um terço de Salvador.

A festa existe, faz parte do calendário dos festejos das cidades e cabe ao poder público municipal possibilitar os meios para que ela funcione de forma ordenada. As prefeituras municipais subsidiam as atividades privadas desenvolvidas durante o carnaval, mas o que interessa é o impacto social resultante do confronto apenas entre dispêndios do governo municipal e sua arrecadação.

49

5 A IMPORTÂNCIA ESTRATÉGICA DO CARNAVAL DE SALVADOR PARA O TURISMO NA BAHIA

A importância do evento maior que é a folia está presente nas estatísticas e dados. No ano de 2000, dos 650 mil turistas que visitaram a Bahia em virtude do carnaval, 300 mil se destinaram a Salvador. No ano de 1999, conforme se verifica na tabela 5, o turismo baiano cresceu 8,2 % em relação ao ano anterior, o maior índice registrado na última década, com fluxo total de quatro milhões de visitantes, contra 3,7 milhões em 1998. A receita gerada foi de cerca de US$ 1 bilhão com um impacto sobre o PIB de US$ 2,1bilhões, cerca de 5 % do PIB Total da Bahia (TRIBUNA DA BAHIA, 04/01/ 2000, p. 6).

TABELA 5- Evolução do fluxo de turistas para a Bahia e o carnaval de Salvador Em 1000 pessoas FLUXO DE TURISTAS NO FLUXO DE TURISTAS ANOS CARNAVAL DE SALVADOR NA BAHIA 1998 178 3.318 1999 190 4.037 2000 300 4.149 2001 400 4.250 FONTE: BURGOS, 2001, p.35; CASTRO, fev/2000, p.8; CELESTINO, fev/2002, cad 1, p.1.

O turismo durante o período de realização da festa vem crescendo a cada ano, como mostra a tabela 5, e o número de turistas em relação ao período de carnaval cresce a cada ano. Entre 98 e 20001 o fluxo de turistas em Salvador cresceu 124,7%, Já na Bahia, no mesmo período, cresceu apenas 28,1%. O carnaval é o veículo motor do turismo e representa um marketing agressivo e vetor de atração máxima para o turismo no verão da Bahia.

Existe uma estreita vinculação entre o turismo e a cultura. O governo estadual investe nesse sentido de promover essa relação. Foi de importância vital para solidificar a imagem da Bahia e de Salvador a recuperação do Pelourinho/ Centro Histórico (ênfase no patrimônio 50 histórico e arquitetônico); a reforma do Solar do Unhão e do teatro Castro Alves (ênfase na cultura); a reforma do centro de convenções e a construção do pavilhão de feiras para exposição. Isso contribuiu para melhorar a imagem da cidade no plano nacional e internacional.

O fluxo de turistas recebidos em Salvador deve considerar não só a rede hoteleira, mas fatores como: apart-hotéis, pousadas, campings, hotéis não classificados e casas de parentes e amigos. Tudo isso influencia nos números e na análise do número de turistas.

O controle e número exato de pessoas que vêm passar o carnaval em Salvador é impossível de ser contabilizado, pois muitos vêm em ônibus clandestinos ou transporte particular. Essas pessoas fazem parte do universo de pessoas presentes no carnaval, vindo e saindo sem que exista nenhuma forma de controle. No ano de 2002, na rede hoteleira, foram cerca de 78 mil turistas. Sendo 312 mil na rede extra hoteleira. Cerca de 390 mil pessoas podem ser contabilizadas através dos gastos médio diário verificado no período em toda a cidade.Em 2001 o número de turistas hospedados no período de carnaval superou em 10 mil ao ano de 2002 (CELESTINO, 2002, cad 1, p.1).

O resultado do carnaval de 2002 para o turismo baiano de um modo geral foi satisfatório, considerando-se toda a renda gerada no período, os 400 mil turistas e principalmente o resultado e importância econômica da festa para Salvador e para a Bahia, no que diz respeito ao marketing e “produto Bahia”.

O turismo é de vital importância para a economia de Salvador e está entrelaçado ao carnaval, para se ter uma idéia, só em Salvador, no ano de 2000, direto e indiretamente trabalharam na área de turismo e entretenimento quase 400 mil pessoas (ibid., p.1).

O evento do carnaval é uma fonte de divulgação para o turismo de Salvador interferindo na rede hoteleira. O carnaval soteropolitano se transformou em uma rede estrutural organizada. As atividades carnavalescas se prolongam além da festa e deixam investimentos e negócios sólidos, como promoções e venda de carnês de abadás, pagos ao 51 longo do ano, sem contar nas chamadas micaretas em cidades do interior e outros estados, que engordam as contas dessas entidades carnavalescas e serão repassados em impostos, como o ISS, constituindo em uma fonte de divisas pela prefeitura. Mas o que importa é o impacto social que deve ser ampliado pelos órgãos públicos.

A receita deixada pelo turismo na Bahia, segundo a secretaria de turismo e cultura não cresceu na mesma expansão do fluxo turístico, nos últimos 10 anos, pois houve um aumento de 109 % no fluxo turístico. A causa é o poder aquisitivo baixo da maior parte do turista que visita a Bahia e a solução é fazer aumentar a capacitação de geração de receita investindo em infra-estrutura e qualidade para atrair um turista com maior poder aquisitivo e que gaste mais.

O turista estrangeiro tem sua importância, como também dos outros estados, pois lotam os hotéis do circuito nesse período. A maior parte dos turistas é originária do interior do estado. Esse turista do ponto de vista social é o mais importante, pois são os mais numerosos. No plano econômico, o turista estrangeiro é o mais importante, pois detém o maior poder aquisitivo, seguido pelo turista nacional. O carnaval de Salvador é divulgado o ano inteiro, o maior exemplo dessa promoção são as dezenas de carnavais fora de época que ocorrem no Brasil inteiro com a presença de artistas baianos.

O estrangeiro é exigente, consumista e é identificado com facilidade. Entre os estrangeiros, existem aqueles que têm poder aquisitivo maior. Esses se limitam a desembarcar no aeroporto e depois se acomodarem em um hotel afastado da cidade, como Praia do Forte e sua estadia em Salvador se faz apenas com um mero passeio em um micro-ônibus alugado. Isso devido à noção de insegurança desse turista e principalmente porque é um turista que procura descansar em um lugar longe da violência urbana. Às vezes, esse turista vem à Bahia em busca apenas de sexo. É o chamado turismo sexual, onde do aeroporto, um carro particular o está esperando com uma garota de programa que o acompanha e o faz companhia para algum hotel do litoral norte de Salvador.

52

Figura 1: Receita Média Turística, por segmento Bahia, 1991-2000

1200 Segmento Estrangeiro Em R$ 1,00 de 2000 Segmento Nacional 1069 1000 967 924 836 831 800 796 787 733 740 676 600

400 392 412 355 365 338 362 312 332 317 336 200

0 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000

FONTE: BURGOS, 2001, p.36

O gasto médio diário de um turista estrangeiro em território baiano em 2000 foi de R$ 924, sendo o triplo de um turista nacional que é de R$ 336. O turista estrangeiro é de um modo geral mais exigente que o turista nacional e para se chegar ao Brasil e à Bahia precisa enfrentar as barreiras lingüísticas, culturais, as longas distâncias de seus países de origem e a moeda instável do Brasil. A figura 1 demonstra que o turista estrangeiro gera uma receita média superior ao turista nacional. Isso pode ser uma solução para o turismo local, estimular o turismo internacional. O que aconteceu no carnaval de 2002 foi um aumento na oferta de leitos nos hotéis. O crescimento da oferta se deve à volta do Hotel Carlton Pestana, o antigo Meridien, a abertura do todos os hotéis da Costa do Sauípe.Isso fez reduzir a taxa de ocupação média nos hotéis do circuito de 90 % em 2001 para 83 % em 2002 ( CELESTINO, 2002, cad 1, p.1).

Em 1991, do total de 1,9 milhão de turistas que visitou a Bahia, 9 % eram estrangeiros (174 mil). No ano de 2000, A Bahia recebeu 4,1 milhão de visitantes, sendo que 7 % (297 mil) eram estrangeiros originários principalmente da Argentina (21 % do total), Itália (11 %), 53

Portugal (11%), Estados Unidos (11 %), França (10 %) e Alemanha (10%) (BURGOS, 2001, p. 31). Ocorre um crescimento muito lento nessa fatia de turismo sendo difícil de atrair grandes levas de turistas de alta renda do primeiro mundo, devido principalmente a imagem negativa do Brasil no exterior.

A conclusão que chegamos é que o carnaval, do ponto de vista do turismo, cria oportunidades para uma maior ocupação na rede hotelaria. A imagem da Bahia é usada pelos meios de comunicação para divulgar a cidade de Salvador. Fazendo um marketing agressivo na mídia nacional e agora ganhando espaço internacional. Transformando a cidade de Salvador em uma das estrelas máximas da “folia” com imagens quase 24 horas por dia, isso via televisão e internet. O turista estrangeiro tem sua importância, como também dos outros estados, pois lotam os hotéis do circuito nesse período.A maioria dos turistas é do interior do estado. Esse turista do ponto de vista social é o mais importante. Pois são os mais numerosos. No plano econômico, o turista estrangeiro é o mais importante, pois detém o maior poder aquisitivo.

5.1 CONCENTRAÇÃO DE RENDA NO CARNAVAL DE SALVADOR

O Carnaval de Salvador se diferenciou em um primeiro momento, pelos trios elétricos que foram um sucesso de participação popular e se especializou e serviu de palco para os blocos de trio, primeiro passo para a privatização da festa, com suas cordas, cercando um espaço público. E agora surge a onda de camarotização da festa. Se antes o pequeno comerciante podia vender suas mercadorias com um lucro considerado na festa. Agora perdeu terreno para esses camarotes que são patrocinados em grande parte por grandes cervejarias e tem toda uma infra-estrutura, onde os seletos participantes não se preocupam com nada. Até os blocos de trio têm os carros de apóio para impedir que seus integrantes comprem alguma coisa de algum comerciante no circuito. A forma de apropriação da renda gerada no carnaval pelos empresários é concentrada.

54

No ano de 2001, dos R$ 536 milhões gerados na festa, cerca de R$ 503 milhões ficaram concentrados entre os donos de blocos e grandes empresas patrocinadoras da festa (nacionais e internacionais). Foram R$ 278,3 milhões para os empresários e outros R$ 225 milhões nas mãos de donos de blocos. Os ambulantes, barraqueiros e baianas de acarajé-que entram com um dos maiores números de trabalhadores (17, 6 mil)- movimentaram apenas R$ 21,4 milhões, ou seja, menos de 5 % do bolo total. Na base da pirâmide tem, ainda, 50 mil cordeiros e 15 mil seguranças de blocos, ganhando uma média de R$ 12, por dia.

A indústria fonográfica (venda de discos) também se apropria de uma boa fatia do bolo carnavalesco, movimentando R$ 70 milhões. Os hotéis concentram R$ 15,6 milhões e os restaurantes, bares e lanchonetes ficam com R$ 40 milhões. A mídia leva R$ 25 milhões e as companhias aéreas movimentam R$ 44 milhões (SOUZA, 2001, p.2).

O que ocorre no carnaval de Salvador é uma disputa pela renda gerada no carnaval, entre donos de blocos e as grandes empresas patrocinadoras dos camarotes. Essa disputa tem como causa única a busca de lucros desenfreada pelos donos de blocos que perceberam que os camarotes são um negócio altamente rentável e que representa a maior parte da renda gerada no carnaval.

Ocorre um mal-estar generalizado por parte desses empresários, que se colocam em favor do povo, mas atrás de tudo estão seus interesses hedonistas e egoísticos. Esses mesmos empresários cercaram o carnaval com suas cordas de blocos e agora se colocam contra os camarotes que tiram o folião da folia. E o que dizer das cordas. Será que não causa desconforto ao folião também ou é medo da classe média-alta se misturar com o povo. E o povo, onde fica nessa história. Será que o povo não teria o direito de ter um espaço somente seu. Será que a festa não estaria na hora de se expandir em mais circuitos, existindo circuitos inteiramente populares, sem blocos de trios, sem camarotes e com atrações artísticas de peso.

Os blocos de trios introduziram as cordas que afastaram o povo das ruas e que de certa forma incentivaram o racismo e o preconceito social, já que os negros e pobres trabalham 55 como cordeiros e seguranças ganhando entre R$ 10 a R$ 12 reais por dia. Esses blocos são apropriadores de grande parte da renda gerada no carnaval (ibid., p. 2).

Como destacado por Souza( 2001), no carnaval de 2001 foram gerados R$ 536 milhões e desses nada mais que R$ 503 milhões ficaram nas mãos desses empresários. Isso demonstra que esses grandes empresários de blocos e empresas nacionais e multinacionais concentram renda no carnaval. Já a maioria esmagadora dos pobres e negros só participa do carnaval como telespectadores ou como seguranças ou cordeiros.

Em 2001, a prefeitura de Salvador e o governo da Bahia investiram em conjunto, R$ 11,1 milhões na festa, mais do que o valor gasto (R$ 10,9 milhões) pelos grandes investidores particulares. A prefeitura só arrecadou em impostos 14 % dos R$ 5 milhões que investiu na festa de 2001( ibid., p.2).

Os números confirmam que o caráter que vigora no carnaval de Salvador é de uma alta taxa de concentração de renda e excludência entre os comerciantes. Os maiores ganhos da festa ficam concentrada nas mãos de um pequeno número de mega empresários dos blocos de carnaval e das empresas patrocinadoras da festa. E apenas 5 % ficam nas mãos dos micro- empresários. Existindo os trabalhadores diaristas, como os cordeiros e seguranças que ficam com menos de 1% dos ganhos. Esses que são os mais numerosos e essenciais para a manutenção do esquema dos blocos e, no entanto são os mais desprezados e totalmente marginalizados e excluídos. No caso dos comerciantes podemos dizer que a renda gerada pelo carnaval é desigualmente distribuída e não nivelada de forma racional.

5.2 A REDUÇÃO DO NÚMERO DE ENTIDADES CARNAVALESCAS APÓS O ANO DE 2001

As entidades carnavalescas vêm diminuindo de forma intensa. No carnaval de 2002, por falta de patrocínio metade dos principais blocos de Salvador deixou de sair às ruas (Souza, 56

2002, p.3). O aeroporto de Salvador estava movimentado muito mais em função de baianos que saiam de Salvador do que de turistas que vinham brincar o carnaval em Salvador, isso na semana do carnaval. Na orla marítima desfilaram muitos blocos com menos de 100 foliões e a famosa praça Castro Alves, outrora palco inquestionável do carnaval, estava abandonada e vazia em horários que por tradição estaria lotada de foliões. Isso é o efeito da baixa renda do folião. As queixas de ambulantes, taxistas, diretores de blocos e artistas foi um ritual nesse carnaval, sendo transmitida em várias emissoras de televisão. uma estratégia usada por alguns empresários para colocar o bloco na rua foi baixar em 50 % o valor dos abadás.

O número de turistas no carnaval de 2002 é impreciso, segundo as autoridades públicas ultrapassaria um milhão, segundo a projeção da polícia rodoviária federal foi de 200 mil visitantes na cidade. Mas o certo é que diminuiu o movimento em relação ao carnaval de 2001.O carnaval está atravessando uma crise cíclica. Souza (2001, p.3) descreve: “Destruíram o sindicato dos músicos, a figura do coordenador da festa, acabaram com a Castro Alves, destruíram os trios verdadeiramente independentes e reduziram a festa de 26 para quatro bairros somente”.

Os camarotes é que dominam o carnaval de Salvador. Esses espaços que foram criados para uma elite privilegiada que não quer qualquer tipo de contato ou mistura com o povo. Alguns nomes importantes da música baiana estão criando seus camarotes como opção para aqueles que não querem estar no chão da avenida. Em breve se tornará outro importante negócio empresariado por artistas.

Os donos de blocos que não fazem parte dos ganhos milionários oriundos das vendas de camarotes se colocaram como fiéis opositores aos camarotes. Para se ter uma idéia, no ano de 2001, Daniela Mercury pagou R$ 600 mil por um camarote onde em um espaço privativo recebia seus convidados famosos. A quantia paga pela famosa cantora da “axé music” foi patrocinada em grande parte. O patrocínio do camarote da cantora veio em grande parte de empresas de grande porte, como a Renault que pagou R$ 150 mil pelo 57 camarote. Os camarotes se tornaram um negócio dos mais vantajosos ( SOUZA, fev/2002, p.3).

A conclusão é que a crise financeira afetou o folião de baixa renda que participava tradicionalmente de blocos de carnaval, comprometendo sua participação nessas agremiações. Isso comprometeu a participação dessas entidades no carnaval de 2002. Pois dependiam da contribuição desse folião para desfilar na avenida. O carnaval de Salvador está se elitizando de maneira rápida demais. Fazendo expulsar o folião da avenida por falta de espaço. Os organizadores do carnaval têm que entender que sua força vem da participação popular e não da participação da elite apenas. O carnaval de Salvador corre o risco de no futuro se tornar uma festa fechada, sem nenhuma espontaneidade e sujeito a rigorosos horários. Atualmente o folião de baixa renda que tem a vontade de ingressar em algum bloco fechado terá que economizar o ano inteiro para comprar o abadá e o direito de sair no bloco.

58

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Existe uma relação direta entre cultura e economia, em Salvador, onde a produção cultural norteia políticas de estratégias dos setores públicos que captam divisas para o setor privado, principalmente os grandes empresários da “Axé Music”, as grandes empresas patrocinadoras do carnaval e as empresas encarregadas dos serviços de iluminação, dos sanitários e marketing da festa. Essas empresas superfaturam com o carnaval e seus empresários são os que mais se beneficiam da renda gerada no carnaval. A poderosa indústria cultural de amplia as relações entre o setor privado e o público. Cabe ao setor público aplicar os recursos disponíveis de forma socialmente eficiente criando condições competitivas necessárias para o setor privado no carnaval se ampliar favorecendo dessa forma a criação de novos empregos, visando um impacto social maior. Isso só pode ser feito através de uma intensa fiscalização e seriedade por parte dos patrocinadores públicos do evento.

O carnaval é de grande importância para a cidade de Salvador, fazendo o mês do carnaval um mês de captação turística e divulgação pela mídia desse evento turístico criando uma imagem agradável de salvador, incentivando o turismo receptivo.

A fantasia coletiva domina a imagem do carnaval em forma de uma mega festa que é a festa de Salvador. Mas ela tem um sentido duplo. De um lado da cidade, a pobreza e extrema desigualdade social, do outro lado, os camarotes milionários. O espaço destinado ao povo se torna a cada ano que passa mais restrito.

Entre as vantagens que o carnaval proporciona para o turismo se encontra a divulgação da festa pela imprensa falada, escrita e televisionada. A atividade turística sai lucrando, pois Salvador torna-se o centro das atenções nesse período pela mídia nacional e se torna o local mais visto no cenário nacional trazendo conseqüências extraordinárias para o imaginário dos futuros turistas que ficam a desejar estar no próximo ano na cidade.

59

O carnaval de Salvador utilizando a cultura negra e produção artística particulariza a festa, a diferencia e a singulariza em comparação com o restante do país e ainda exporta essa festa para outros estados e até para o exterior.A indústria do lazer e do turismo faz surgir um mercado expressivo e atento a mudanças, em constante mutação, com uma efervescente produção cultural, sendo que o carnaval amplia o mercado cultural, através das parcerias que promove entre blocos e artistas, com a qual são articulados trios-elétricos, micaretas, discos e shows. O trio elétrico cumpre seu papel de lançar, afirmar ou descartar produtos no mercado, isso a depender da mídia e especulação dos grandes empresários da “axé music”.

Assim o carnaval de Salvador é caracterizado por um processo de mercantilização da festa, denominado de carnaval-negócio e que atrai cada vez mais os interesses privados e a atenção da mídia pela dimensão que a festa se tornou. Havendo uma cadeia de interdependências. Combinando inovação e tradição, desdobrando a festa em um produto turístico, articulando a esfera privada e a pública.

A mudança introduzida na festa desde meados dos anos oitenta, que tem no ápice o surgimento da “Axé Music” e com ela os chamados empresários e donos de blocos que tinham nesse ritmo seu estilo de música e transformou a festa em um show espetáculo, onde o folião está cada vez mais longe e afastado da festa. Isso foi determinante para acelerar um processo de concentração de renda onde os micro-empresários e o pequeno comerciante foi banido quase totalmente da festa retirando a possibilidade de ganhar um lucro satisfatório.

As externalidades positivas geradas pelo carnaval são muitas, sendo as mais importantes o aumento do turismo pela divulgação da Bahia no cenário nacional e a produção artística cultural que se formou graças a esse evento e serve para projetar no imaginário de platéias de outros estados ou até outros países onde esses cantores fazem show, um desejo de conhecer a Bahia.

A forma como o espaço e os elementos culturais da festa se organizaram e como os recursos foram sendo apropriados impediram uma melhor distribuição de renda. Esse evento é uma grande oportunidade de negócios, porém a população de baixa renda é a mais 60 prejudicada com a distribuição de renda no carnaval. O setor público não consegue de forma eficiente criar condições para que os investimentos no setor privado se ampliem de forma a gerar mais empregos. O carnaval esconde as desigualdades sociais, ao mesmo tempo mostra uma imagem de Salvador representada no folião dos blocos ou nos privilegiados que alugaram um camarote que não correspondem ao universo em geral dos moradores de Salvador.

61

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AMIN, Mônica. Ambulantes acusam prejuízo este ano. A Tarde, Salvador, 28 fev. 2001, cad 1, p.3.

ALMEIDA, Paulo Henrique; PESSOTI, Gustavo Casseb. A evolução da indústria fonográfica e o Caso da Bahia. Bahia Análise & Dados, Salvador, v. 9, n. 4, p. 90-107 março 2000.

ARAGÃO, Carla. Coleta de latas durante o carnaval gera polêmica. Gazeta da Bahia, Salvador, 27 jan. 2000, p.1.

AVENA, Armando. A Economia do axé. Gazeta Mercantil, São Paulo, 8 Fev. 1998, p.6.

AVENA, Armando. A “sapucaização” do Carnaval da Bahia. Néon, Salvador, v. 1, n.2, p 14, fev. 99.

BACELAR, Jefferson. Etnicidade: Ser negro em Salvador. ed.esp. Salvador: Ianamá/ PENBA, 1989. 56 p.

BAHIA recebe 1,2 milhão de turistas no verão. Tribuna da Bahia, Salvador, 4 jan. 2000, p. 6.

BAHIATURSA. Relatório de atividades 1991-1998. Salvador, set. 1998. não paginado.

BARTELÓ, Cassandra. Negócios e vagas para trabalho devem crescer no Carnaval. A Tarde, Salvador, 22 fev.2001,p.3.

62

BASTOS, Geraldo. Prefeitura arrecadará R$ 460 mil com 105 entidades carnavalescas. Secretaria da fazenda vê um aumento de receita em R$ 35 mil este ano. Correio da Bahia, 26 fev.2000, cad 1, p. 5.

BURGOS, Fred. Turismo baiano traça estratégias para ampliar fluxo e receita. Bahia Análise e Dados, Salvador, v 11, n 2, p. 29-40, set. 2001.

CALBO, Iza. Abre alas.A Tarde, Salvador, 7 fev. 2002. cad 2, p.1.

CASTRO, Giovanna. Carnaval soma US$ 180 mil ao Pib baiano. Tribuna da Bahia, Salvador, 22 de fev.2000, p. 8.

CAMPOS, Helena. Carnaval no fim de verão quer motivo melhor para visitar a cidade mais festeira do Brasil. Viagem e Turismo, Rio de Janeiro, v. 6, n.3, p 62-73, mar. 2000.

CARNEIRO, Mariana. Folia em Salvador vai oferecer este ano 130 mil empregos temporários. Entidades carnavalescas, com seus “cordeiros” e seguranças, lideram contratações em um leque que inclui atividades como turismo e serviços. Gazeta da Bahia, Salvador, 27 fev.2000, p.4.

CELESTINO, Mônica. De Salvador para o mundo. Correio da Bahia, Salvador, 20 fev. 2002, cad 1, p.1.

DANTAS, Marcelo. Competitividade internacional em turismo: a identidade cultural contra o mito da qualidade dos serviços. Bahia Análise e Dados, Salvador, v.11, n 2, p. 162-168, set. 2001.

DIAS, Deise. Carnaval da Bahia bate recorde em turismo. A Tarde, Salvador, 28 fev. 2001, p.3.

63

DUMÊT, Eliana Maria Bittencourt. O Gerenciamento do carnaval. Bahia Análise & Dados, v.5, n.4, p. 24-27, mar.1996.

EMTURSA. Indicadores do Carnaval de 2001. Salvador, set. 2001. não paginado.

FISHER, Tânia. O Carnaval Baiano Negócios e oportunidades. Brasília: Sebrae, 1996. 217 p.

FRANCO, Luiz. Sair em bloco de Salvador custa caro. Folha de São Paulo, São Paulo, 11 fev.1996, p 3.

GAUDENZI, Paulo. Turismo e carnaval: Uma estratégia de ação do estado da Bahia. Bahia Análise & Dados, v.5, n.4, p. 13-18, mar. 96.

LAPA, José Pedreira. Armandinho, Herdeiro e memória do carnaval de Dodô & Osmar. Viver Bahia, Salvador, v. 1, n. 5, p 13-14, fev. 2000.

LIMA, Gildo. Bahia exporta tecnologia de trios elétricos. A Tarde, Salvador, 18 fev. 2001, cad 1, p.22.

LOIOLA, Elizabeth; MIGUEZ, Paulo. Lúdicos mistérios da economia do carnaval baiano: trama de redes e inovações. Revista Brasileira de Administração contemporânea. Salvador, v 1, n. 1, p.35. set.1995.

LOIOLA, Elizabeth. Turismo e desenvolvimento. Bahia Análise e Dados, Salvador, v.11, n 2, p56-80, set. 2001.

FRANCO, Luciana; LIMA, Neyse cunha; LIPPI, Roberta et al. Recuperação econômica anima negócios do carnaval. Gazeta Mercantil, São Paulo, 28 fev. 2000, p. A-6.

MELLO, Mônica. Carnaval Indústria em ascensão. Bahia Indústria, Salvador, FIEB, v. 8 , n 86, p 14-15, fev. 2000. 64

MIGUEZ, Paulo. Carnaval Baiano: As tramas da alegria e a teia de negócios. Salvador: Dissertação (Mestrado) Escola de Administração-Ufba, 1996. 234 p.

MIGUEZ, Paulo. Negócios da festa. Bahia Análise & Dados, Salvador, v. 6, n. 4, p. 105- 113, mar.1997.

MIGUEZ, Paulo. Uma estratégia de desenvolvimento pós-industrial para Salvador. Revista de Desenvolvimento Econômico, Salvador, semestral, v. 1, n.1, p. 40-47, nov.1998.

NASCIMENTO, Nilton. Trio elétrico, a imitação que virou invenção. A Tarde, Salvador, 15 fev. 2002, cad esp.p. 2.

PAIVA, Daniela. O Carnaval de Negócios. A Tarde, Salvador, 28 ago. 1996, cad 2, p 1.

QUINTANA, Ignácio. Políticas culturales en las grandes ciudades: las grandes ciudades em la decada de los noventa. Madrid: Editorial Sistema, 1990, p 521-548.

RAMOS, Cleidiane. Racismo do Pinel. A Tarde, Salvador, 13 fev.1999, cad 1, p.3.

RIOS, Márcia. Quem botou grife no meu acarajé? Uma Reflexão sobre Identidade Nacional. Bahia Análise & Dados, Salvador, v 9, n. 2, p 45-46, set.1999.

RISÉRIO, Antônio. Carnaval Ijejá. Bahia e Turismo, Salvador: Corrupio, v.1, n.1, p.56- 60, fev. 1981.

ROSÀRIO, Nádia Barreto do. Música popular à Baiana. Disponível em: http: // www. Ufba. br / folia / artigo 4. html. Acesso em: 5 fev. 2001.

RUBIM, Antônio Albino Canelas. Dos sentidos do Marketing cultural. ed. esp. Salvador: Faculdade de Comunicação da UFBA, nov. 1997. 11 p. 65

SALVADOR. Secretaria Municipal de Educação, Cultura e Turismo. Eta carnaval porreta. Salvador: 1997. 30 p. (Caderno especial da Emtursa).

SANTANA, Valdenor. As peças do axé. Superinteressante, São Paulo: Abril, v. 12, n. 2, p. 30-35, fev.1998.

SOUZA, Marconi de. Blocos e grandes empresários concentram renda do carnaval. A Tarde, Salvador, 22 set. 2001, cad 1, p.2.

SOUZA, Marconi de. Carnaval perde força com menos blocos, trios e foliões em 2002. A Tarde, Salvador, 17 fev. 2002, p.3.

SUAREZ, Marcus Alban. Salvador: uma alternativa pós-industrial. Salvador: Sic/ UFBA, 1980.

SUAREZ, Marcos Alban (coord.). Salvador: Uma alternativa pós-industrial-cultural, turismo, alta tecnologia. Salvador: mestrado em administração pública da escola de administração da Universidade Federal da Bahia/ Departamento de indústria e comércio da secretaria de indústria, comércio e turismo, 1990. 93 p.

VASCONCELOS, Levi. Divulgação da Bahia compensaria despesa. A Tarde, Salvador, 17 set 2001, cad 1,p.2.

VERGER, Pierre. Procissões e Carnaval no Brasil. Ensaios, Salvador, CEAO/ UFBA, n. 5.p.15, out. 1984.

WIEDERHECHER, Angélica. Carnaval omelete. Isto é, São Paulo, n.1533 p. 77-79, 17 fev.1999.