O Direito Animal No Ordenamento Jurídico Brasileiro E O Princípio Constitucional Da Não-Violência
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Revista Latino-Americana de Direitos da Natureza e dos Animais 33 O Direito Animal no Ordenamento Jurídico Brasileiro e o Princípio Constitucional da Não-Violência Animal Law in the Brazilian Legal System and the Constitutional Principle of Nonviolence Lillyan Nascimento de Assis1 Tagore Trajano de Almeida Silva2 RESUMO: O presente trabalho visa abordar o direito animal sob uma perspectiva constitucional, fundamentada no estudo dos princípios basilares do direito animal previstos na Carta Magna de 1988, em especial a vedação à crueldade animal extraída do Art. 225, inciso VII do referido diploma legal. Além disso, outro ponto a ser tratado neste artigo é a correlação entre o dispositivo supracitado e a prática da filosofia pacifista, apresentada a partir da perspectiva dos precursores desse movimento. Palavras-Chaves: Direito animal. Direito Constitucional. Princípios. Pacifismo. Proteção Animal. ABSTRACT: This paper aims to approach animal law in a constitutional perspective, based on the study of the basic principles of animal law provided for in the Magna Carta of 1988, in particular the sealing of animal cruelty extracted from Art. 225, item VII of said legal diploma. Moreover, another point to be treated in this article is the correlation between the above- mentioned device and the practice of pacifist philosophy, presented from the perspective of the precursors of this movement. Keywords: Animal Law. Constitutional Law. Principles. Pacifism. Animal Protection. 1Graduanda em Direito da Universidade Católica do Salvador (UCSAL). Email: [email protected]. 2Professor Orientador. Mestre e doutor em Direito Público pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Revista Latino-Americana de Direitos da Natureza e dos Animais, Salvador, v. 2, n. 1, p. 04-XXX, jan.-jun., 2019. Revista Latinoamericana de los Derechos de la Naturaleza y de los Animales, Salvador de Bahía, v. 2, n. 1, p. 04-XXX, ene.-jun., 2019. Latin American Journal of Nature Rights and Animal Law, Salvador, v. 2, n. 1, p. 04-XXX, jan.-jun., 2019. Revista Latino-Americana de Direitos da Natureza e dos Animais 34 1. Introdução A Constituição Federal de 1988 concedeu uma posição de destaque à proteção ao meio ambiente, possibilitando a tutela jurídica voltada para a preservação da fauna e ainda vedando a prática de atos cruéis aos animais. Trata-se, portanto, de uma grande inovação e marco histórico no direito brasileiro, inspirada em constituições de países europeus que há muito haviam incorporado tais valores em seus ordenamentos jurídicos. A elaboração do Art. 225, parágrafo 1º, inciso VII da Constituição de 1988, possibilitou a inauguração de um debate em prol dos direitos animais. Assim, ao reconhecer valores inerentes aos animais não-humanos, é possível afirmar que o constituinte ampliou até mesmo a possibilidade de aplicação de determinados direitos fundamentais a eles, como o direito à vida, dignidade e o próprio princípio da não-crueldade. Com isso, surge uma série de debates doutrinários acerca da terminologia utilizada pelo constituinte ao enunciar a vedação à crueldade animal. Neste contexto, Tagore Trajano (2015), por meio de análise ao dispositivo constitucional extrai quatro princípios norteadores do Direito Animal, sendo eles: 1) dignidade animal; 2) antiespecismo; 3) não-violência; e 4) veganismo.3 Nesse contexto, outro fator que se origina com o advento da proteção constitucional ao meio ambiente consiste na necessidade de regulamentação infraconstitucional acerca da proteção animal no Brasil. Hodiernamente, apesar de já haverem dispositivos que tratam acerca da temática, como a Lei nº 9.605/98, que regula os crimes ambientais, e a Lei nº 9.985/2000, que dispõe sobre as medidas de conservação da fauna e da flora, estas ainda permitem que grande parte de atos cruéis contra os animais permaneçam impunes. Com efeito, um dos objetos centrais desta pesquisa é a investigação dos fundamentos da não-violência, presente no Art. 225, parágrafo 1º, inciso VII da Constituição Federal de 1988, e como se estabelece o direito animal no ordenamento jurídico. Ato contínuo, será possível estabelecer uma relação entre o referido dispositivo e o movimento pacifista, visando compreender como a cultura da paz pode corroborar para a efetivação dos direitos animais. Para tanto, faz-se necessário promover, antes de tudo, uma breve explanação acerca de conceitos básicos e noções introdutórias ao direito animal, a fim de proporcionar um estudo didático e a exposição linear das ideias aqui desenvolvidas. Ademais, destaca-se que o presente 3 Ressalta-se que apenas os princípios da dignidade animal e da não-violência serão abordados no presente artigo, tendo em vista o objetivo da pesquisa, de modo que os demais princípios poderão ser objetos de outros trabalhos oportunamente. SILVA, Tagore Trajano de Almeida. Princípios de proteção animal na Constituição de 1988. Revista de Direito Brasileira, v. 11, n. 5, p. 62-105, 2015, p. 67. Revista Latino-Americana de Direitos da Natureza e dos Animais, Salvador, v. 2, n. 1, p. 04-XXX, jan.-jun., 2019. Revista Latinoamericana de los Derechos de la Naturaleza y de los Animales, Salvador de Bahía, v. 2, n. 1, p. 04-XXX, ene.-jun., 2019. Latin American Journal of Nature Rights and Animal Law, Salvador, v. 2, n. 1, p. 04-XXX, jan.-jun., 2019. Revista Latino-Americana de Direitos da Natureza e dos Animais 35 trabalho foi elaborado com base no método bibliográfico, fundando-se em uma abordagem interdisciplinar de caráter conceitual e epistemológico. Por fim, faz-se necessário ressaltar desde já que uma das principais teorias elucidadas neste trabalho pauta-se no entendimento de que o abolicionismo animal deve prevalecer sobre a teoria bem-estarista, as quais serão explicadas brevemente no decorrer do presente trabalho, não sendo possível, via de regra, relativizar a vida e a dignidade animal. 2. Vedação Constitucional à Violência e o Princípio da Dignidade Animal Embora a proteção animal seja um fenômeno observado e discutido há algum tempo no Brasil com o advento dos movimentos ambientalistas4, trata-se de uma temática que somente começou a ser difundida ao ganhar espaço no Direito Constitucional, com a promulgação da Constituição Federal de 1988, a qual apresentou a existência de uma nova dimensão ao direito à vida e a dignidade.5 Contudo, o direito animal é uma seara jurídica que ainda não foi reconhecida por grande parte da doutrina brasileira e que está em fase de consolidação. Ainda durante o período de elaboração da Carta Magna de 1988, houve grande pressão da população e de movimentos ambientalistas pela inclusão da temática ambiental no corpo da Constituição, de modo que o constituinte materializou essa reivindicação popular ao conceder status de direito fundamental ao meio ambiente e dedicar um capítulo exclusivamente para tratar da temática.6 Trata-se de um avanço notório, inspirado no constitucionalismo de diversos outros países e na crescente preocupação com o meio ambiente no final do século XX. No referido capítulo, o constituinte dispõe que incumbe ao poder público a proteção da fauna e da flora, vedando as práticas que coloquem em risco a sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade.7 Ao analisar o referido dispositivo, 4 SANTANA, Heron José de. Abolicionismo Animal. 2006. 210 f. Tese (Doutorado) - Curso de Direito, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2006, p. 69. 5 MEDEIROS, Fernanda. Meio ambiente: direito e dever fundamental. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004, p. 113. 6 DIAS, Edna Cardozo. A Defesa dos animais e as conquistas legislativas do movimento de proteção animal no Brasil. Revista Brasileira de Direito Animal. Vol. 02. n. 1. jan/jun. p. 123-142. Salvador: Evolução, 2007. 7 Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. § 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público: VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade. BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: Revista Latino-Americana de Direitos da Natureza e dos Animais, Salvador, v. 2, n. 1, p. 04-XXX, jan.-jun., 2019. Revista Latinoamericana de los Derechos de la Naturaleza y de los Animales, Salvador de Bahía, v. 2, n. 1, p. 04-XXX, ene.-jun., 2019. Latin American Journal of Nature Rights and Animal Law, Salvador, v. 2, n. 1, p. 04-XXX, jan.-jun., 2019. Revista Latino-Americana de Direitos da Natureza e dos Animais 36 é possível compreender que o constituinte possibilitou a inauguração de um debate em prol dos direitos animais, propiciando uma futura pós-humanização das relações humanos/animais. É importante observar que, o discurso que legitima tal entendimento não se pauta na análise do atributo racional ou ainda a capacidade de fala dos animais não-humanos, dos quais o ser humano é dotado, mas sim a capacidade deles em sentir emoções, dores e sofrimento, motivo pelo qual são considerados seres sencientes em muitos dos ordenamentos jurídicos.8 Assim, emerge uma série de debates doutrinários acerca da terminologia utilizada pelo constituinte ao enunciar a vedação à crueldade animal. Neste contexto, Tagore Trajano (2015), ao analisar o referido dispositivo constitucional, extrai quatro princípios