Misael Costa Corrêa

AS RINHAS DE GALOS NO BRASIL: o caso de uma prática diante das alterações de sensibilidades em relação aos animais (1960-2017)

Tese submetida ao Programa de Pós Graduação em História da Universidade Federal de Santa Catarina para a obtenção do Grau de Doutor em História. Orientador: Prof. Dr. João Klug

Florianópolis 2017 4715 - Ano do Galo 雞

Misael Costa Corrêa

AS RINHAS DE GALOS NO BRASIL: o caso de uma prática diante das alterações de sensibilidades em relação aos animais (1960-2017)

Esta Tese foi julgada adequada para obtenção do Título de “Doutor”, e aprovada em sua forma final pelo Programa de Pós Graduação em História.

Florianópolis, 20 de dezembro de 2017.

______Profª. Beatriz Gallotti Mamigonian, Drª. Coordenadora do Curso

para Celeste

AGRADECIMENTOS

Quatro anos é um tempo considerável, o crescimento intelectual, o aumento de capital cultural é de valor inestimável. Nesse meio tempo saí da faixa dos vinte anos para a dos trinta, me lesionei, me recuperei, me mudei, me casei, morei em outro país, me tornei pai... Se foi um período de ganhos também foi um período de perdas, e muito significativas. Em agosto de 2013 perdi minha última bisavó, Líbera Fogliatto Cavassola, aos 93 anos. E perdi meus últimos dois avós: minha avó paterna, Renée Fernandes, que estava com 85 anos e meu avô materno, Waldomiro Costa, que estava com 73 anos. Falecidos respectivamente em 2013 e 2014. Começo meus agradecimentos in memoriam por eles, acrescentando minha avó materna Lídia Cavassola Costa, falecida em 1995, que até o momento foi a perda que mais senti na minha vida, mesmo que na época eu tivesse apenas dez anos. Com ela eu convivi grande parte da minha infância. Acredito que ela, juntamente com meus pais, foram as pessoas que mais contribuíram na formação de minha personalidade. Além disso, permaneço com inúmeras boas lembranças, ensinamentos e uma saudade que nunca vai embora. Agradeço também ao meu avô paterno, Nabor Corrêa da Silva, falecido em 1986, que, muito embora eu não tenha lembranças dele devido minha tenra idade, sempre escutei muitas histórias, contos e causos dele que eram contados por meu pai e minha avó Renée. Inclusive, nos meus tempos de primário, escrevi um pequeno livro intitulado "As Histórias do meu Avô". Credito a ele também o tema dessa tese, pois este meu avô foi um galista, gosto este que meu pai e meu tio Heleno também compartilharam. Atribuo também meu gosto pela História a essa arte popular de uma memória oral da qual minha avó Renée sempre foi grande entusiasta. Era muito comum nos finais de tarde, principalmente quando o clima era mais quente, a família se reunir em frente a sua casa, levando cadeiras para rua, um mate doce ou um chimarrão, e passar horas e horas contando sobre alguma lenda ou história, sobre algum conhecido ou familiar de antigamente. Até hoje é uma prática bem comum no interior do Rio Grande do Sul, sobretudo na região de fronteira, as pessoas levarem suas cadeiras para as calçadas e sentar em frente de suas casas, conversar com familiares, com vizinhos e conhecidos que por ventura por ali transitam. Recordo-me que eu era muito curioso e sempre perguntava a minha avó sobre nossos antepassados, o que faziam, de onde vieram, e acredito que ela se sentia muito contente por compartilhar suas histórias, mostrava-me fotografias de seus pais, seus avós e vários parentes que eu sequer conseguirei recordar. Foi só há pouco tempo, que através de um sítio eletrônico (FamilySearch.com), consegui reunir vários registros de antepassados e reconstruir uma pequena genealogia familiar. Uma pena eu ter descoberto isso após o seu falecimento, teria enriquecido ainda mais nossas memórias. Enfim, foi o gosto pela memória e a curiosidade que me despertou, ainda na adolescência, o gosto pela História como disciplina escolar e, mais tarde, como carreira acadêmica. Se agora recebo o título de doutor em história, apresentando esta tese sobre um tema que permeou minha família e minha existência, muito devo a essas pessoas, muitas delas mal completaram o ensino fundamental, mas que em vivência deixaram muitos ensinamentos. Nada disso existiria se não fossem essas pessoas. Não menos importante, agradeço aos meus bisavós, aos quais tive a felicidade de conhecer: Pelegrino Fernandes, Domingos Guilherme Costa, Elvira Gnoatto e Ernesto Cavassola. Além desses familiares, agradeço a Antonio Schmidt e Nazarino Knabben, depoentes já falecidos, que contribuíram para a realização de minha monografia e dissertação. Agradeço, é claro, aos meus pais, Ieda e Nabor, que sempre priorizaram que eu tivesse acesso aos estudos, mesmo que em alguns momentos as condições financeiras não fossem das mais favoráveis. Agradeço a minha companheira de todos os dias Rochelle e minha enteada Maria Joana. Estivemos juntos, praticamente inseparáveis durante esses sete anos entre mestrados e doutorados, e espero continuarmos juntos ainda por muito tempo, ainda mais agora com a vinda da Celeste. Agradeço à minha tia Ana Luiza, sempre uma pessoa com um coração enorme e disposta a ajudar, ao meu tio e padrinho Jânio, a minha tia e madrinha Lori. Agradeço a minha sogra Elizabeth, ao meu sogro Sérgio, famoso pelo seu codinome de Beleza, ao querido tio emprestado Carlinho, a cunhada Cibele e ao cunhado Fabiano. Agradeço também à Clarice Bueno, que cuidou de mim quando criança. Também a Ana, Márcia, Carla e João Schneider, vizinhos e compadres dos meus avós, onde sempre fui muito bem recebido e amado por todos. Foram anos maravilhosos e nostálgicos.

Agradeço à Elizabeth Anderson, senhora que nos aluga uma casa e tem permitido nossa permanência, mesmo com animais e crianças a fazer barulhos. Agradeço à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), sobretudo no período entre 2010 e 2016, quando, através de políticas de incentivos a educação, fui privilegiado com bolsas no mestrado e no doutorado. Agradeço imensamente ao meu orientador João Klug, não apenas pela orientação e pelo acompanhamento da tese, mas também por todo material que colocou a minha disposição, muitas raridades disponíveis no Instituto Ibero-Americano de Berlim. Os quais sua esposa, Susane, trouxe durante viagem a Europa, do qual também sou muito grato. O doutorado, apesar de nos isolar um pouco, também nos faz conhecer novas pessoas e fazer novas amizades. Agradeço aos colegas e amigos do doutorado: Jackson Peres, Juliana Brocca, Giovana Calado, Mauro Vaz Camargo, Alfredo Ricardo, Elisandra Forneck, Jonatã Clemes, Nilo, Tom, Ângela, Bruno. Acrescento agradecimentos aos colegas de mestrado: Eric Allen Bueno, Maicon Mariano, Elaine Machado, Fábio Garcia, Pedro Eurico Rodrigues, Daniel Boeira e Marcelo Raupp. Agradeço aos meus primos Luciano Anselmini, Leonardo Anselmini, Bruno Corrêa, Renata Corrêa, e aos amigos de longo tempo, aqueles que conheço desde a infância e juventude como Éderson de Góis, Alan Vogt, Luiz Felipe Corrêa, bem como amizades desses anos que compreendem desde a graduação até os dias de hoje: Guilherme Güttler de Oliveira, Lilian Leepkaln, Francisco de Assis Nascimento Neto, Gleide Ordovás, Alan Carlos Ghedini, Thiago Oliva, Daniel Lunardelli, Carlos Eduardo de Souza, Giovanna Poeta, Pedro Paulo Donadelli, Jury Dall Agnol, Antonio Celso Mafra, Renato Santiago Bueno, Gabriel Peruzzo, Elton Francisco, Bruno Zillioto, Aline Zilli, Hudson Campos, Luiz Henrique Vicente, Cíntia Lima, Elizabeth Krammers, Adriano Mafra, Ana Flávia Scaim, Elias Veras e Ronald Vicente. Aos novos amigos além-mar: a sempre otimista Monique Medeiros, ao casal de vizinhos franceses Damien Bonnafous e Amelie Chaneac, e seu sempre simpático filho Andrea. Agradeço a La Cimade (Comité inter mouvements auprès des évacués)1 aos professores voluntários Antoine Dubourg, Lorence

1 A CIMADE é uma associação criada em 1901 com o objetivo de prestar solidariedade com migrantes, refugiados e exilados. É membro da Federação Protestante da França. (N.E.) Dupont, Patrick, Philoméne, Ilhem, Benedicte Leguerinel, à le GREF (Groupement des Éducateurs sans Frontière), as também professoras voluntárias Danielle Antherieu e Cristina, por terem me ajudado a aprender um pouco de francês. Quando se vive em outro país durante um tempo temos a oportunidade de conhecer outras pessoas, e nos deparar com situações muito positivas. Agradeço a Lúcia Laura e Alessandro Pereira, brasileiros amigos da Rochelle, residentes em Lisboa, que foram nossa família no Natal de 2016. Às vezes o mundo parece ser um ambiente inóspito para as pessoas, as relações num mundo pautado pelo dinheiro são degradantes, no entanto, sempre existem pessoas para nos provar o contrário, e para nos deixar marcas de que um mundo melhor é possível, isso depende apenas das pessoas. Por isso, com muito carinho e com um sentimento de profunda gratidão recordarei sempre a super Nathalie Angenot, que mesmo diante de um momento extremamente delicado jamais deixou de estender a mão para ajudar quem quer que seja. Foi uma incrível história que teve início quando inclui as Ilhas Canárias nos meus roteiros para conhecer as brigas de galos em Grã- Canária. Para saber mais sobre a ilha, a Rochelle conversou com uma ex-aluna que tem uma tia que morava em Las Palmas, e nos passou o contato. Entramos em contato com a tia, a Nathalie, para pedir algumas dicas, no que, prontamente, sem nos conhecer, ela nos ofereceu gratuitamente uma quitinete no centro de Las Palmas, próxima a praia de Las Canteras. Agradeço aos ex-professores Marluza Paim, Glaucia Assis de Oliveira, Sílvia Arendt, Reinaldo Lohn, Cristina Scheibe, Eunice Nodari, Bárbara Giese, Paulo Melo, Émerson Campos, Janice Gonçalves, Marlene de Faveri, Paulino Cardoso e Marcos Montyssuma. Agradeço ao professor Luis Felipe Falcão, meu orientador no Trabalho de Conclusão de Curso e, posteriormente, no mestrado, que há anos vem acompanhando e aguentando essa minha história de galos de brigas. Agradeço aos colegas que ainda não oportunidade de conhecer pessoalmente, mas contribuíram na escrita dessa tese, tais como Hervé Muller, João Júlio Gomes dos Santos Jr. e Sérgio Alves Teixeira. Agradeço aos diversos trabalhadores envolvidos desde a coordenação do programa de pós, funcionários de outros setores, o pessoal terceirizado e que fazem funcionar a Universidade, responsáveis pela limpeza, manutenção e pelo Restaurante Universitário. Todos seus

esforços contribuem significativamente para as atividades fins de todos os membros da comunidade. Agradeço aos galistas de Grã-Canária. Ao presidente da Federação Galística Canária, o senhor José Luis Martín Gutiérrez, ao organizador Rony Martinez, ao criador Claudio Rodrigo Betancourt Hernández e ao antropólogo Ricardo Ontillera, doutorando pela Universidade de Roehampton, no sudoeste de Londres, que não conheci pessoalmente, mas temos trocado muitas informações acerca desse objeto de pesquisa, que tem os galos em comum. Agradeço aos galistas da região de Nord-Pas-de-Calais, na França: aos galistas e agora amigos Gilles Christiaens, David Christiaens, Tony Jouy e ao presidente da federação de galistas Francis Mergand, foram receptivos e muito gentis em me receber. Apesar deste trabalho falar sobre brigas de galos e apresentar uma visão positiva sobre a prática e mesmo uma crítica acerca das relações modernas entre humanos e animais, sou deveras muito grato à vários animais que de alguma forma me tocam: a pinscher Rebeca, aos rottweillers Gaspar e Tyson (1995-2010), a fox terrier Pituca, ao vira- latas Amendoim (desaparecido em 2012) ao gato Hadji, aos nostálgicos galos Carijó, Falecido, Aguarráz, Schaffer, Rato, Cego, Barbudo, Maluco, Bola, Amarelo, Picolé, Asinha, Peixe, Split, Sentinela, Pintado, João, Dedão, Preto, Pereira, Pereirinha, Messi, entre outros. Por fim agradeço aos ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Vana Rousseff, pelas políticas de inclusão proporcionadas durante este curto, mas importante período da história brasileira. Políticas estas que perturbaram os setores mais conservadores da sociedade brasileira, que, para reverter várias ações republicanas apelam para golpes de estado. Golpes que não são apenas contra as forças progressistas, mas contra a nação e todos aqueles que mais necessitam do Estado e das políticas públicas.

Vi un gallo de plumaje castellano: de tela negra y blanca cortaron su camisa, sus pantalones cortos y las plumas arqueadas de su cola. Sus patas enfundadas en botas amarillas dejaban brillar los espolones desafiantes y arriba la soberbia cabeza coronada de sangre mantenía toda aquella apostura: la estatua del orgullo. Pablo Neruda - Oda al Gallo

"Deporte estéticamente feo: once jugadores contra once corriendo detrás de una pelota no son especialmente hermosos: mucho más lindas son las riñas de gallos." Jorge Luis Borges, sobre o futebol

"People say it's cruel, but what the hell does a fighting cock like to do?" Ernest Hemingway

RESUMO

Esta tese tem como objetivo tratar de um tema um tanto quanto polêmico: as brigas de galos, também conhecidas como rinhas de galos. Tendo como recorte espacial o Brasil no período que compreende, aproximadamente, o período entre 1960 e 2017, este texto busca criar uma narrativa histórica para as brigas de galos neste país, reunindo como objetivo central a análise de alguns conflitos de ordem social e cultural gerados por posições antagônicas. Nesse aspecto, observa-se através desta atividade disputas de poder e a paulatina transformação das sensibilidades em relação aos animais, que culminam com a consolidação de sua proibição. Para tanto, leva-se em consideração nas abordagens dessa tese a produção de saberes e conhecimentos interdisciplinares, científicos, literaturas produzidas por galistas, notícias, diálogos em redes sociais, vídeos, textos jurídicos e também experiências do autor sobre o tema e atividades de campo. Dessa forma, a escrita inicia com uma problematização bastante atual, no que confere ao estatuto atribuído aos animais na cultura ocidental, ou seja, como as alterações das relações entre homens e animais têm contribuído para a erosão de um antropocentrismo e objetificação de seres ditos sencientes. Isto tem implicações diretas em práticas de utilizam animais para diversos fins, seja como produtos para o consumo humano e/ou entretenimento. Logo, proponho apresentar algumas experiências comparativas sobre as brigas de galos e mesmo o exemplo das touradas, em países como França e Espanha, e as disputas em torno dessas práticas. Na sequência, retomo uma vasta revisão bibliográfica sobre as distintas formas de brigas de galos que foram observadas na história e como o animal biocultural galo se estabeleceu em diferentes culturas e tempos históricos, até afunilar no caso brasileiro. A partir daí, analiso a prática desde o seu auge até os conflitos que remetem às várias tentativas de proibição e, por fim, alguns acontecimentos que culminam na interdição de muitos estabelecimentos. Contudo, é uma história que não acaba por aí, mas tem continuidade na clandestinidade e na persistência de galistas pela legalização e a constituição de grupos de reivindicação, bem como por posições opostas de ONGs na defesa pelos animais.

Palavras-chave: Rinha de Galo. Sensibilidades. Relações humanos e animais.

ABSTRACT

This dissertation aims at dealing with a polemic issue: cockfighting. The text tries to create a historical narrative for cockfighting in Brazil during the years of 1960 and 2017 with the main goal of analyzing some social and cultural conflicts derived from opposite stances. Concerning this aspect, it is noticed through this activity power dispute and Constant transformation of sensibilities towards animals, which lead to the consolidation of its forbiddance. In order to support this point of view we consider the production of scientific knowledge, literature produced by people involved with the practice, news, social media, videos, law texts and also the author’s experience about the subject and field activities. Therefore, the text starts with questioning the current discussion about the status of animals in the West culture, that is, how the changes in the relations between man and animals have contributed to the erosion of the anthropocentrism and the objectification of beings classified as sentient. Thus, we propose to compare the experiences of cockfighting and bullfighting, in France and Spain, and the disputes around these practices. Later on, we analyze the vast bibliography on the different kinds of cockfighting throughout history and how the rooster has been seen in different cultures and times, until we reach the Brazilian case. After that, we analyze cockfighting from its peak until the conflicts that led to the attempts of prohibition and, at last, some situations that led to the shutdown of many places where the practice used to take place. Nevertheless, in spite of that, the practice continues in a clandestine way and by the persistence of the people involved with the practice who struggle for its legalization and, also, the constitution of groups of lobbyists, as well as the resistance of some NGOs in the defense of animals.

Keywords: Cockfighting. Sensibilities. Human-Animal Relations. LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Os atributos, le crochet e as respectivas pontuações...... 70 Figura 2 - Localização das Arenas de Course Camarguaise...... 72 Figura 3 - Course Camarguaise em Saintes-Maries-de-la-Mer, 31 out. 2016. . 73 Figura 4 - As principais vilas taurinas da França...... 77 Figura 5 - Gallera López Socas, 08 abr. 2017...... 86 Figura 6 - Interior da Gallera López Socas, 08 abr. 2017...... 86 Figura 7 - Corridas de Touros em Espanha...... 90 Figura 8 - Nord-Pas-de-Calais e rinhadeiros em funcionamento de acordo com a Fédération des Coqueleurs de la Région Nord de la France...... 97 Figura 9 - Protesto de animalistas em frente ao Gallodrome de Gondecourt em 1º de março de 2015...... 99 Figura 10 - Gallodrome d'Hantay, fevereiro de 2014...... 101 Figura 11 - Esporas e bicos ...... 103 Figura 12 - Vista externa do Gallodrome de Tourmignies, agosto de 2016. ... 105 Figura 13 - Vista interna do Gallodrome de Tourmignies ...... 106 Figura 14 - Homem Ferido, a ave e o Bisonte, ...... 118 Figura 15 - Algumas variedades da espécie gallus gallus...... 120 Figura 16 - Símbolo de Kukkutarma...... 122 Figura 17 - Alto relevo em Angkor Wat (Camboja) representando uma briga de galos...... 129 Figura 18 - Jin-zo e Benkei observam uma briga de galos. (Tanabe - Japão) .. 130 Figura 19 - Pintura descoberta na tumba de Tutancâmon ...... 133 Figura 20 - Trecho de "Varia Historia" sobre as brigas de galos ...... 135 Figura 21 - Rinha de galos romana há aproximadamente 2000 anos atrás...... 137 Figura 22 - O Mosaico da briga de galos encontrado em Pompeia...... 137 Figura 23 - Parte superior de uma coluna da Basílica de Saint-Andoche...... 143 Figura 24 - Ilustração presente no livro Romance of Alexander (1338-44) p.50r...... 145 Figura 25 - Afresco representando uma briga de galos na casa de Vasco da Gama em Évora, Portugal...... 146

Figura 26 - Respectivamente as capas de "The Commendation of Cockes, and Cockfighting" (1607) e a Proibição de Cromwell: "Ordinance Prohibiting Cock- Matches." (1654)...... 149 Figura 27 - Respectivamente as capas de "The Royal Pastime of Cocking"(1709) e British Sports (1821)...... 151 Figura 28 - Rendas da coroa espanhola no México. Valor em Pesos...... 157 Figura 29 - Exemplos de galos do tipo banquivóide (Selo postal cubano) e malaióide, respectivamente...... 166 Figura 30 - Rinhadeiros do Rio de Janeiro...... 192 Figura 31 - Centro Esportivo Carioca...... 193 Figura 32 - Capa do jornal A Folha de S. Paulo de 19 de maio de 1961...... 201 Figura 33 - Esquete do Rinhadeiro Clube Bankiva ...... 219 Figura 34 - Legislações e ações judiciais para permitir as brigas de galos em nível local...... 262 Figura 35 - Anúncio da fusão da ANACOM e ANAPAECO ...... 308 Figura 36 - Tabela com algumas associações de criadores de galos. Dados coletados em outubro de 2017...... 312

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ADI: Ação Direta de Inconstitucionalidade ARENA: Aliança Renovadora Nacional CIDASC: Companhia Integrada de Desenvolvimento Agrícola de Santa Catarina CPDOC: Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil EMBRAPA: Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária DEM: Democratas (antigo PFL) DNA: Deoxyribonucleic acid (ADN - ácido desoxirribonucleico) FFCC: Féderation Française de la Course Camarguaise GTA: Guia de Trânsito Animal IBAMA: Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis IBOPE: Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística MDB: Movimento Democrático Brasileiro MMA: mixed martial arts - artes marciais mistas ONG: Organização Não Governamental PEC: Proposta de Emenda Constitucional PDF: Portable Document Format PDS: Partido Democrático Social (antiga ARENA) PF: Polícia Federal PFL: Partido da Frente Liberal PL: Projeto de Lei PM: Polícia Militar PMDB: Partido do Movimento Democrático Brasileiro (antigo MDB) PP: Partido Progressista (antigo PPB) PPB: Partido Progressista Brasileiro (antigo PDS)

PPS: Partido Popular Socialista PSDB: Partido da Social Democracia Brasileira PT: Partido dos Trabalhadores RSPCA: Royal Society for the Prevention of - Real Sociedade para a Prevenção da Crueldade contra os Animais SNDA: Société Nationale pour la Défense des Animaux - Sociedade Nacional para Defesa dos Animais STF: Superior Tribunal Federal STJ: Superior Tribunal de Justiça UFC: Ultimate Fighting Championship UFRGS: Universidade Federal do Rio Grande do Sul UFSC: Universidade Federal de Santa Catarina UIPA: União Internacional Protetora dos Animais UNESCO: United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization - Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 25 1. CAPÍTULO I — As relações entre os humanos e animais na história: interações e usos para fins lúdicos 43 1.1. As relações humanos e animais na perspectiva das ciências humanas: sensibilidades e humanização dos animais 45 1.2. Uma experiência no velho continente: touros e galos 67 2. CAPÍTULO II — Da culturalização da natureza à naturalização da cultura 113 2.1. Domesticação e difusão do gallus gallus pelo velho mundo 117 2.2. O Brasil e o Novo Mundo: história e prática 153 3. CAPÍTULO III — As Brigas de Galos no Brasil entre 1950 — 2004: consolidação, legislação e interdição. 179 3.1. As brigas de galos permitidas (até 1998) 180 3.2. Legislação, proibição e punição: as brigas de galos até 2004. 226 4. CAPÍTULO IV — Significados em disputa: a permanência ou sobrevida das rinhas de galos face à ilegalidade (2005-2017) 251 4.1. O combate ao combate de galos 252 4.2. Manutenção e lutas pela significação 295 5. Considerações Finais 327 REFERENCIAIS BIBLIOGRÁFICOS 337 ANEXO A – Prefácio da Primeira Edição de "Galos de Briga e Briga de Galos" de Francisco Elias, escrita pelo professor Adelmar Faria Coimbra Filho. 391

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INTRODUÇÃO

Por que escrever sobre brigas de galos na segunda década do século XXI? Talvez esse é o primeiro esforço a ser feito no sentido de situar historicamente esta produção. Em primeiro lugar, não se pode menosprezar o crescimento na oferta de cursos públicos de graduação e pós-graduação, o que implica numa maior variedade de temas a serem abordados contemporaneamente. Isso abre espaço para a inclusão de mais pesquisadores e, consequentemente, um número maior de temas e abordagens. Ressalto que não sou eu apenas a escrever sobre tal tema, por isso não há nenhum ineditismo no fato de ter galos e brigas de galos como um dos objetos de pesquisa. Existe uma extensa bibliografia não acadêmica — que foram escritas durante os séculos XIX e XX, a maioria das quais desconhecidas do grande público — bem como produções acadêmicas ou com aspirações à cientificidade. Dentre os trabalhos acadêmicos produzidos recentemente no Brasil, sem desmerecer vários artigos, cito algumas produções, como a tese de Marcos Lunardi Escobar — "As Rinhas de Galo na Paraíba: Aspectos Histórico-legais e a Falta de Proteção aos Animais"2, defendida em 2015, no Programa de Pós-graduação em Recursos Naturais da Universidade Federal de Campina Grande, Paraíba —, a dissertação de Rafael Leal Matos — "Rinhas de Galos no Litoral Norte Paraibano: performance em um esporte interétnico"3, defendida no ano de 2016 no Programa de Pós Graduação em Antropologia Social da Universidade Federal do Rio Grande do Norte —, a dissertação de Renato de Carvalho Santos Silva — "De homens e galos: um estudo antropológico sobre ‘um jogo absorvente’ na região central do Rio Grande do Sul"4, defendida em 2011, no Programa de Pós-Graduação

2 ESCOBAR, Marco Lunardi. As rinhas de galo na Paraíba: aspectos histórico-legais e a falta de proteção aos animais. 2014. 175 f. Tese (Doutorado) - Curso de Pós-Graduação em Recursos Naturais, Centro de Tecnologia e Recursos Naturais, Universidade Federal de Campina Grande, Campina Grande (PB), 2014. Disponível em: . Acesso em 07 jun. 2015. 3 MATOS, Rafael Leal. Rinhas de galos no litoral norte paraibano: performances em um esporte interétnico. 2016. 169f. Dissertação (Mestrado em Antropologia Social) - Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2016. Disponível em: . Acesso em 26 ago. 2017. 4 SILVA, Renato de Carvalho Santos. De homens e galos: um estudo antropológico sobre “um jogo absorvente" na região central do Rio Grande do Sul. 2011. 137 f. Dissertação (Mestrado) - 26

em Ciências Sociais da Universidade Federal de Santa Maria, Rio Grande do Sul —, o trabalho de conclusão de curso de especialização de Paulo Adriano Jatobá — "A cultura da briga de galos: O Galeão de Jacobina nos anos 1960 a 1970"5, defendida em 2006, no curso de História da Universidade do Estado da Bahia —, o artigo jurídico de Fabrício Cabral dos Anjos Marinho — "Galismo: Cultura Popular e Esporte ou Crime Ambiental?"6 defendido em 2009, no curso de Direito do Centro Universitário de Ensino Superior do Amazonas, Manaus —, além de mim mesmo, em trabalho de conclusão de curso de História em 2009, intitulado "Costumes Incomuns: a rinha de galos no Extremo- Oeste Catarinense"7, bem como minha dissertação, "Costume Proibido: a rinha de galos na Grande Florianópolis (1980-2011)"8 , defendida em 2012, ambas na Universidade do Estado de Santa Catarina, sob a orientação do professor Dr. Luiz Felipe Falcão. No entanto, parece um tema já abordado em outras ocasiões. No auge da antropologia cultural no Brasil, anos 1980 e 1990, há de citar alguns trabalhos, como o de Ondina Fachel Leal, no texto "The Gaucho Cockfight in Porto Alegre, Brazil"9, de 1989, parte de sua tese em antropologia intitulada "The Gauchos: Male Culture and Identity in the Pampas", defendida na Universidade da Califórnia, Berkeley, Estados Unidos. E Sergio Alves Teixeira, antropólogo na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, que veio a contribuir com vários artigos, tais

Curso de Ciências Sociais, Departamento de Ciências Sociais e Humanas, UFSM, Santa Maria, RS, 2011. Disponível em: . Acesso em 27 nov. 2012. 5 JATOBÁ, Paulo Adriano. A Cultura da Briga de Galos: O Galeão de Jacobina nos anos de 1960 a 1970. 2006. 41 p. Monografia de Especialização – Universidade do Estado da Bahia, Departamento de Ciências Humanas, Curso de Pós-Graduação em História, Cultura Urbana e Memória, Jacobina – Bahia, 2006. 6 MARINHO, Fabrício Cabral dos Anjos. Galismo: Cultura popular e esporte ou crime ambiental? 2009. Monografia (graduação) – Centro Universitário de Ensino Superior do Amazonas, Curso de Direito, Manaus, 2009. 7 CORREA, Misael Costa. Costumes incomuns: a rinha de galos no extremo-oeste catarinense. 2009. 74 p.: Monografia (graduação) – Universidade do Estado de Santa Catarina, Centro de Ciências Humanas e da Educação, Curso de História, Florianópolis, 2009. Disponível em: . Acesso em 15 jul. 2009. 8 CORREA, Misael Costa. Costume proibido: a rinha de galos na Grande Florianópolis (1980- 2011). 2012. 149 p.: Dissertação (mestrado) – Universidade do Estado de Santa Catarina, Centro de Ciências Humanas e da Educação, Curso de História, Florianópolis, 2012. Disponível em: Acesso em 28 out. 2012. 9 LEAL, Ondina Fachel. The Gaucho Cockfight in Porto Alegre, Brazil. In: DUNDES, A.. (Org.). The Cockfight: A Case Book. Madison, Wisconsin: University of Wisconsin Press, 1994, p. 208-231. 27

como: "As Brigas de Galos e os atributos morais da masculinidade"10, "Brigas de galos e expressão ritual de atributos morais de gênero"11 e "O Simbolismo Essencial das Brigas de Galos."12 Estes textos, de alguma forma podem ser atribuídos à influência e êxtase de Clifford Geertz (1926-2006) e seu "Um jogo absorvente: notas sobre a briga de galos balinesa", texto que marcou a intelectualidade de uma época, não exatamente por se tratar de brigas de galos em si, mas pelos significados do jogo profundo das práticas e as descrições densas. Entre os historiadores marcou algumas descontinuidades. Hobsbawm (1917-2012),13 denotou como um dos textos que marcou a ruptura entre estrutura e cultura, conforme escreveu:

[...] Talvez a melhor maneira de resumir a mudança seja dizer que após 1945 os jovens historiadores se inspiravam em O Mediterrâneo de Braudel (1949) e os historiadores jovens depois de 1968 encontraram a sua inspiração no brilhante tour de force de "descrição compacta" de Clifford Geertz, "Jogo pesado: notas sobre a briga de galo balinesa". Houve movimento de mudança para longe dos modelos históricos ou "os grandes porquês", um movimento da "chave analítica para a descritiva", da estrutura econômica e social para a cultural, da recuperação dos fatos para a recuperação dos sentimentos, do telescópio para o microscópio. [...]14

Até aqui temos um apanhado geral sobre o que esta prática permitiu pensar, desde os significados socioculturais extraídos pelos antropólogos e que tiveram forte incidência sobre outras disciplinas acadêmicas, passando por estudos de gênero, questões jurídicas, entre outros temas.

10 TEIXEIRA, Sérgio Alves. As Brigas de Galos e os atributos morais da masculinidade. In: TEIXEIRA, Sérgio Alves; ORO, Ari Pedro (Orgs.). Brasil & França: ensaios de antropologia social. Porto Alegre: Editora da Universidade UFRGS, 1992. p. 151-167. 11 TEIXEIRA, Sérgio Alves. Brigas de galos e expressão ritual de atributos morais de gênero. In: FONSECA, Cláudia (Org.). Fronteiras da Cultura: horizontes e territórios da antropologia na América Latina. Porto Alegre: Editora da Universidade UFRGS, 1993. Cap. 15. p. 195-212. 12 TEIXEIRA, Sérgio Alves. O Simbolismo Essencial das Brigas de Galos. Horizontes Antropológicos, Porto Alegre, v. 2, n. 6, p.221-279, out. 1997. Semestral. 13 HOBSBAWM, Eric. Tempos Interessantes: uma vida no século XX. São Paulo Companhia das Letras, 2002. 14 Ibidem, p.324. 28

Contudo, cabe salientar que a proibição das brigas de galos em 1998 no Brasil, através do Código Ambiental, vai gerar outros agravantes e discussões que retornam com outras roupagens. Isto é dizer: escrever sobre as brigas de galos (como sobre diversos outros assuntos) a partir dos anos 2000 torna-se desafiador, pois o pesquisador, obrigatoriamente, está a lidar com o campo do ilegal e, consequentemente, alguns problemas adicionais implicam em diferentes etapas da pesquisa. Por certo, as brigas de galos voltaram a ser um objeto de maior curiosidade e ganharam novamente certa visibilidade no Brasil a partir de sua proibição e criminalização, que ocorreu no final do último século. Pois até então, eram consideradas apenas contravenção penal, quando o eram. Somando-se a isso, em outubro de 2004, a prisão do publicitário Duda Mendonça, durante uma rinha de galos no Rio de Janeiro, gerou um constrangimento político, pois o mesmo tinha sido um dos principais nomes na eleição de Luiz Inácio Lula da Silva à presidência da República em 2002, bem como, naquele momento, era um dos coordenadores da campanha à reeleição de Marta Suplicy à prefeitura de São Paulo. Estes fatos, associados a outros fatores como notícias veiculadas pela mídia, a ascensão de sensibilidades diferenciadas em relação aos animais, ONGs, entre outros, criam um ambiente para discussão desse tema, do qual a academia também não ficou alheia. Mas que problemas, além dos que já foram debatidos, poderia suscitar esta atividade, (considerada por muitos como um resquício de passado) para tomar tanto tempo e dedicação? É claro que, cada pesquisador que se debruçou sobre o tema possui suas perguntas a respeito das brigas de galos, as quais nunca irão se esgotar. Não se trata de fazer meros relatos ou apenas escrever uma história linear dos acontecimentos relacionados a ela, mas buscar entender e atribuir significados sobre os participantes dessa atividade, suas sociabilidades, disputas e alterações de sensibilidades que se alteram constantemente no espaço e no tempo. No caso desta tese, a busca é entender em que circunstâncias as brigas de galos, como prática, sofrem diversas intervenções no sentido de afastá-la / coibi-las do espaço público em geral, tendo como plano dessas mudanças as alterações de sensibilidade. Ou seja, o que tem mudado na sociedade, em tão poucas décadas, para fazer com que esta atividade seja tão rejeitada? Grosso modo, a tese não tem como finalidade provar um problema preestabelecido mas, por meio de alguns marcos temporais em relação às brigas de galos no Brasil, demonstrar as alterações de 29

tratamento em relação a mesma, que, por sua vez, são atribuídas à consolidação de novas formas de perceber e se relacionar com os animais e a natureza. Portanto, esta tese procura contribuir com uma série de investigações sobre as alterações de ordem cultural no Brasil. Como elas incidem sistematicamente sobre diversas práticas, neste caso, nas brigas de galos, no sentido de eliminá-las — muito embora isso não necessariamente aconteça. A partir deste problema, a intenção é produzir conhecimentos sobre as formas de organização social — disputas, resistências, táticas — para se dar continuidade a uma prática, mesmo que clandestinamente, sobre a qual se confere certa singularidade se comparada com outras atividades relacionadas com animais e que, também, foram proibidas. Buscarei, então, criar uma narrativa para esta história, procurando não me deixar levar por questões de ordem moral, mas entendendo que mecanismos produzem tanto rupturas quanto continuidades. Sobre a moral, esta deve ser entendida de forma a ser historicizada e compreendida como discurso, um elemento para compreensão de uma época, que pode ou não ter durabilidade. Assim como as sensibilidades são variáveis, se constituem e também provocam rupturas e consolidam outras formas de relação. Os recortes espacial e temporal, por sua amplitude, podem dar a impressão de serem demasiado ambiciosos. No entanto, o objetivo não passa pela apreensão da totalidade dos acontecimentos destes recortes. Busco entendê-lo e apresentá-lo, a partir de uma ordem mais conceitual. As semelhanças e disparidades resultantes de fragmentações sociais no Brasil tomam outra envergadura, devido às novas sensibilidades em relação ao meio ambiente e no trato com os animais, sobretudo no período em que antecede a ditadura civil-militar e pós-ditadura, e a consequente incidência sobre as brigas de galos. Período este que coincide com o estabelecimento de políticas públicas modernizadoras e a consolidação das mídias. Muitas vezes, também, estes recortes se alongam demasiadamente, mas não sem propósito. Como parte de um estudo ambiental, sou seduzido pelos questionamentos de longa duração, alguns dos quais estão presentes no decorrer do texto, mas que não são tão aprofundados na medida em que não atendem diretamente às expectativas da tese em si. Dito isso, volto a esclarecer alguns dos motivos que me influenciaram na escolha de tal tema, pois penso ser importante esclarecer que trajetória me levou a escrever sobre as brigas de galos, ou 30

melhor, ter dado continuidade, bem como, ser moralmente responsável com os leitores, situando os porquês das escolhas. Minha curiosidade sobre tal assunto teve dois fatores predominantes. O primeiro deles deve-se ao fato de que os galos quase sempre estiveram presentes na minha vida, convivi com essa prática por um longo período. Meu pai, durante muito tempo, criou galos de briga, como também o pai de meu pai. Parte de minha infância e juventude foi dedicada à lida e ao cuidado para com essas aves e à frequência, quase obrigatória, nos finais de semanas, às chamadas rinhas. Para além disso, o que me motivou a pensar a rinha de galos como um tema histórico ou antropológico foi a leitura de Geertz, ainda no primeiro semestre da graduação, no ano de 2004. Em seu livro “A interpretação das culturas”15, no capítulo 9, o autor aborda sobre a prática cultural das rinhas de galo na ilha de Bali, na Indonésia. Na época, eu ainda era um incipiente jovem descobrindo a academia e, aquela leitura, serviu como um incentivo a pensar algo que eu conhecia — "melhor do que Geertz" — como um tema a ser desenvolvido na História, tendo como ponto de partida a minha experiência. Em 2009, então, apresentei meu trabalho de conclusão de curso, tendo a região Extremo-Oeste do Estado de Santa Catarina como recorte, onde entrei em contato com alguns praticantes que foram solícitos em me conceder depoimentos. O objetivo do trabalho, grosso modo, concentrou-se em descrever a prática contemporânea naquela região formada por pequenos municípios, as sociabilidades produzidas pelas brigas de galos e as formas como os galistas16 buscavam legitimar e manter-se frente aos discursos de uma sociedade cada vez mais marcada por diferentes sensibilidades em relação aos animais. No mestrado, concluído em 2012, continuei pesquisando sobre as brigas de galos, contudo, em um recorte espacial diferente: a região metropolitana de Florianópolis. Nesta região outra prática com animais foi amplamente debatida e pesquisada, a chamada farra do boi ou boi na vara. Documentada pela historiadora Maria Bernadete Ramos Flores em sua tese doutoral, transformada em livro sob o título "A Farra do Boi: Palavras, Sentidos, Ficções"17 (1997), como também pelo antropólogo

15 GEERTZ, Clifford. A Interpretação das Culturas. 1ª ed. Rio de Janeiro: LTC, 1989. 16 Pessoa que cria e prepara galos de briga e/ou participa das chamadas rinhas. (N.E.) 17 FLORES, M. B. R. A Farra do Boi: Palavras, Sentidos, Ficções. 1ª ed. Florianópolis: Ed. da UFSC, 1997. 256 p. 31

Rafael Bastos, no livro "Dionísio em Santa Catarina: ensaios sobre a farra do boi" (1993).18 Tendo como suporte histórico estas produções bibliográficas relativas a esta prática, na dissertação pensei o mesmo recorte espacial a respeito das brigas de galos, observando principalmente a relação entre o rápido processo de urbanização e a prática. Além disso, houve uma paulatina diminuição das brigas de galos, causada não só pela proibição, mas pela transformação de áreas rurais em urbanas, as limitações para criação de animais e, o apinhamento, que vai desde as pressões de organização espacial ao constrangimento público pela manutenção de hábitos, que não mais se adéquam à sociedade urbana. Somados a estes, há a reconfiguração social numa época em que as relações entre as pessoas e grupos se alteram significativamente, em razão de toda a parafernália tecnológica que tem invadido a vida cotidiana de bilhões de pessoas. Historicamente falando, é muito recente a massificação dessas inovações que, às vezes, se renovam numa velocidade muito maior do que a das gerações. Há muitos cientistas interessados nessas novas problemáticas. Um deles é Vicenzo Susca.19 Este sociólogo italiano tem observado, com bastante perspicácia, a influência das redes sociais, smartphones, Facebook, Whatsapp e similares, na formação de identidades e comunidades virtuais e as efemérides de contratos que já não se baseiam em contratos racionais e abstratos, mas em uma série de emoções e sonhos do estar juntos. Nesse arcabouço de transformações de sociabilidades e formação de novas sensibilidades e emoções, procuro entender e apresentar uma visão sobre as modificações da relação homens e animais no Brasil, das últimas cinco décadas. Quais dimensões têm adquirido e, mesmo, que alcance e legitimidade têm tomado os direitos dos animais. Ainda assim, a escolha por galos pode parecer um tanto estranha para alguns, pois as brigas de galos, para os defensores dos animais, são vistas como algo mais do que superado em termos éticos, por isso devem ser proibidas, e os envolvidos em práticas como estas deveriam sofrer com os rigores da lei. Contudo, mesmo com todo aparato que confere ilegalidade a elas, com todo o perigo que poderia levar ao constrangimento e linchamento social, elas continuam existindo. E mais do que isso, há muitos de seus

18 BASTOS, Rafael José de Menezes (org.). Dionísio em Santa Catarina: ensaios sobre a farra do boi. Florianópolis: UFSC, 1993. 156 p. 19 SUSCA, Vincenzo. Les Affinités Connectives: Sociologie de la culture numérique. Paris: Les Éditions Du Cerf, 2016. 224 p. 32

adeptos que não escondem seus desejos por participar de rinhas de galos. Isto significa, mesmo diante das mudanças de sensibilidades em relação aos animais — fenômeno contemporâneo que parece ter se acentuado cada vez mais, tornando-se progressivamente presente nas discussões contemporâneas — que ainda se faz necessário um estudo de caso em relação às brigas de galos no Brasil. Assim, podem-se confrontar as alterações ocorridas nas mesmas com as sensibilidades que vêm se modificando de uma maneira mais geral. Uso para isso basicamente os discursos, seja ele no texto de uma lei, num jornal de circulação local ou nacional, nas falas de galistas ou ministros, nas redes sociais e sítios, como Facebook, Youtube, entre outros. Muitas leituras também permeiam a escrita dessa tese. Devido a minha formação voltada para a história cultural, o texto é marcado pela influência de uma historiografia francesa da Escola de Annales e do Marxismo Britânico. Bem como outros intelectuais da filosofia, sociologia e antropologia, extensamente abordados nestas perspectivas historiográficas. Assim, uso discursos numa perspectiva proposta por Michel Foucault (1926-1984)20 sobre uma produção controlada de discursos, com função de estabelecer verdades, e colocadas como uma questão de disputas e luta política. Em praticamente todas as falas e produções de discurso sobre os animais na contemporaneidade existe a procura pela produção de verdades e, no caso das brigas de galos, há algum tipo de intencionalidade em diversos discursos produzidos pelos diferentes atores: se é ou não é crueldade, se deve ou não ser proibida, etc. As perspectivas desta escrita fazem uso de produções do antropólogo e filósofo Gilbert Durand (1921-2012) sobre o conceito de imaginário.21 A imaginação na formação e atribuição de significados que estimulam e oferecem sustentação psicossocial aos seres humanos diante da vida. Durand analisou como o imaginário, durante muito tempo, foi relegado ao segundo plano, sobretudo por ser associado ao ficcional, ao irreal, à fantasia, à crença. Por isso, o pensamento racionalista ocidental geralmente apresentou resistências ao imaginário. Foi a partir de Gaston Bachelard (1884-1962) que o imaginário ganha novas dimensões. Seguiram-se Durand e Michel Maffesoli (1944-

20 FOUCAULT, Michel. A arqueologia do saber. 7ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004. 235 p. FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso: aula inaugural no College de France, pronunciada em 2 de dezembro de 1970. 18ª ed. São Paulo: Loyola, 2009. 79 p. 21 DURAND, Gilbert. O Imaginário: ensaio acerca das ciências e da filosofia da imagem. 5ª ed. Rio de Janeiro: Difel, 2011. 122 p. 33

). Este último, reforçando as características coletivas do imaginário. Para este autor, "o imaginário é o estado de espírito de um grupo, de um país, de um Estado-nação, de uma comunidade, etc. O imaginário estabelece vínculo. É cimento social. Logo, se o imaginário liga, une numa mesma atmosfera, não pode ser individual".22 Ao contemplar as formas imaginárias da sociedade como uma realidade, dá-se ênfase a um mundo marcado pela perda da crença nas racionalidades, nas ciências, por outras formas de ordenamento. É uma ruptura com a própria ideia de modernidade, que se propunha a eliminar o caos e estabelecer unicamente a ordem. No entanto, a vida vivida vai para além disso. A vida ordinária é marcada por emoções, sentimentos, afetividades e tudo quanto constitui a existência humana. Nada mais normal nessa existência do que a contemplação da magia, da imaginação, do lúdico, como constituintes do mundo em que se vive. Tratar de um tema como briga de galos é tratar, pois, de imaginários. Independentemente de estar se falando dos grupos que a praticam ou dos defensores dos animais, todos eles são marcados por estruturas de percepção coletivas sobre os animais. E, numa perspectiva histórica, é tentar entender as mudanças que propiciaram a formação destes "cimentos sociais". Já que imaginários, representações, discursos, entre outras categorias de análise, implicam em um tipo de abordagem que dá preferência ao relativismo e, portanto, há algum detrimento a uma abordagem universalizante. Por isso, busco descrever esta atividade, assim como tantas outras, tendo em mente que noções como crueldade, violência, maus tratos e tanto outros adjetivos, são projeções e produções sociais, culturais e históricas. Ou seja, que se constituíram e continuam a se constituir. Só assim, observando essas mudanças no tempo e no espaço, torna-se possível compreender um pouco como as percepções mudaram e vêm mudando, como elas atingem alguns grupos, quais mecanismos são responsáveis por tornar estas percepções como predominantes em determinadas culturas. Estes desafios recaem diretamente sobre as fontes e a maneira como elas são trabalhadas. Em trabalhos desenvolvidos anteriormente, me debrucei com mais ênfase sobre as fontes orais. Conversei e gravei os depoimentos de galistas no Oeste Catarinense em 2009, para a

22 MAFFESOLI, Michel (Entrevista). Michel Maffesoli: o imaginário é uma realidade. Revista Famecos: mídia, cultura e tecnologia, Porto Alegre, v. 8, n. 15, p.74-82, 10 abr. 2008. Quadrimestral. Disponível em: . Acesso em: 27 nov. 2016. 34

realização da monografia e, na região da Grande Florianópolis em 2011, para a escrita da dissertação de mestrado. Para esta proposta apresentada no doutorado utilizo ainda aqueles depoimentos, de forma a desenvolver algumas das ideias que perpassam esta tese. No entanto, busco trabalhar com outras fontes de maneira mais regular, como fontes literárias, com periódicos e publicações em redes sociais. As fontes literárias não são exatamente obras de cunho ficcional, todavia, mais exatamente as obras sobre brigas de galos, que se constituem muitas vezes em um híbrido entre literatura e um texto científico, pois, a maioria delas busca fazer uma genealogia histórica, dialogam com naturalistas, se colocam como vozes autorizadas e, por fim, servem como manuais aos seus pares. São livros escritos em diferentes épocas e lugares, para tanto, de acordo com Ferreira23, "é preciso estar atento aos ambientes socioculturais do período analisado para se evitar o tratamento anacrônico da fonte". Muitos desses livros foram escritos por galistas e foram selecionados ao passo que atendem objetivos de uma revisão bibliográfica sobre este assunto. Na medida do possível, tento saber quem são estes autores, com quem dialogam e para quem estão escrevendo. Estes livros e autores são frequentemente objetos de minha análise, sobretudo nos capítulos dois e três, na busca por uma historicidade das rinhas de galos de uma maneira mais geral. Quando me remeto a autores e, mesmo aos diversos personagens que permeiam esta escrita, apresento entre parênteses o ano de nascimento e morte, como forma de auxílio na localização temporal, bem como outras características, tais como profissão, naturalidade, entre outros, a fim de reconhecer o lugar de escrita e/ou fala dos mesmos. No rastreio por informações sobre as brigas de galos encontrei matérias jornalísticas, e, por isso, também faço o uso de periódicos como fonte histórica. Portanto, a quase absoluta parte desse material foi colhida na internet, em portais de notícias e acervos digitais das mais diversas empresas de comunicação. Logo, não estou abordando uma série de um determinado grupo de mídia, mas estou interessado na abordagem daquilo que remete ao objeto dessa pesquisa. Então, faço um uso extensivo de fontes midiáticas nacionais e também de outros países,

23 FERREIRA, Antonio Celso. A fonte fecunda. In: PINSKY, Carla Bassanezi; LUCA, Tânia Regina de. O historiador e suas fontes. São Paulo: Editora Contexto, 2013. pp. 61-92. 35

principalmente no que tange à prática das brigas de galos e outras atividades com animais. Como o tema proposto são as rinhas de galos frente às alterações de sensibilidades, o uso dessas fontes é intenso e provém de muitas empresas. Em função disso, a análise de discurso está muito mais focada nos conteúdos do que propriamente nesses meios de comunicação. Mas nem por isso deixo de atentar as questões propostas por Tânia Regina de Luca24, como objetividade de um periódico, a ênfase em determinados conteúdos, suas produções de significados e o público que pretende atingir. Até mesmo pelo fato de não lidar com periódicos impressos, deixo um pouco de lado toda a discussão referente a tal abordagem. Minha presunção é pelas redes sociais, blogs, vlogs, portais, e tudo o quanto for de domínio da internet. Essas fontes implicam em trabalhar com tempo presente, na medida em que os suportes de pesquisa alteram a maneira como os historiadores têm dialogado com as fontes provenientes da internet. Além disso, o espaço virtual cria novas formas de sociabilidades, identificadas por Pierre Levy como o ciberespaço, que por sua vez produz ciberculturas.25 O historiador Fábio Chang de Almeida complementa que, de certa maneira o ciberespaço aboliu o território geográfico no âmbito das comunicações, tornando possível a circulação praticamente instantânea de informações em escala mundial.26 São informações, provenientes das mais diversas fontes que, assim como as convencionais, necessitam de análises. Entretanto, essas fontes necessitam de alguns cuidados diferenciados. Para Almeida:

O caráter efêmero da Internet torna ainda mais importante a tomada de consciência dos historiadores perante esta nova categoria de fontes. Muitos sites são retirados do ar sem aviso prévio e seu conteúdo pode ser perdido, visto à sua inexistência em outro suporte. Dessa forma, o pesquisador do Tempo Presente tem acesso

24 LUCA, Tânia Regina de. História dos, nos e por meio dos periódicos. In: PINSKY, Carla Bassanezi (organizadora) Fontes Históricas. 3ª ed., São Paulo. Editora Contexto, 2014. pp. 111-153. 25 ALMEIDA, Fábio Chang de. O historiador e as fontes digitais: uma visão acerca da internet como fonte primária para pesquisas. In: Aedos, n. 8, v.3, jan./jun. 2011. Disponível em: . Acesso em: 14 mai. 2016. 26 Ibidem. 36

exclusivo a esse material, pois ele só é acessível em uma restrita janela temporal. Como se estivesse em um trabalho de “arqueologia de salvamento”, o historiador torna-se responsável pela análise e também pela preservação da informação. Não fosse a sua intervenção, o documento poderia ser perdido em caráter definitivo.27

Sendo assim, procurei hospedar muitas dessas fontes abordadas em um site de armazenamento de documentos, que pode ser acesso via link no rodapé28, não como "prova", mas como registro. Isto vai se tornando mais visível na medida em que os capítulos foram escritos, ganhando destaque principalmente nas abordagens sobre um tempo mais próximo, como nos capítulos um, três e quatro. No primeiro capítulo, ofereço uma breve abordagem em torno das alterações das relações entre humanos e animais. Muitos estudos e pontos de vista existem sobre este tema, principalmente de outras áreas do conhecimento, como ciências biológicas, psicologia, filosofia e antropologia. Todos eles buscam questões e, ao mesmo tempo, oferecem respostas condizentes com as estruturas metodológicas e suas áreas de atuação. A sugestão visa levantar algumas abordagens relativas aos animais, bem como a proliferação de enunciados e termos muito próprios à formação deste campo do saber. Assim, são apresentados termos como especismo, antiespecismo, abolicionismo, vegetariano, vegano, senciência, animalista, animal humano, animal não-humano, entre outros. Aqui, por outro lado, buscar-se-á compreender alguns aspectos históricos, levando em consideração a existência de alterações de uma época para outra e de um lugar para outro. Mudanças estas que não ocorrem por obra do acaso, nem estão submetidas a regras universais ou metafísicas. Talvez a pergunta chave seja quando e onde essas modificações se mostram de maneira mais efetiva. Longe de ser uma tese dentro da tese, no capítulo primeiro procuro apresentar, com base em leituras e algumas experiências, essas modificações, sobretudo àquelas envolvendo a utilização de animais em sentido lúdico.

27 Ibidem. 28 https://onedrive.live.com/?id=BBE7D60B501DCB1%21447&cid=0BBE7D60B501DCB1 37

O capítulo busca, então, tratar do tema das sensibilidades. A ascensão dos sentimentos e emoções como abordagem também a história. Mas não se limita a isso, tendo em vista tratar-se de um trabalho historiográfico, com forte influência da história cultural, cabe observar as produções de conhecimento como componente das representações, dentro daquilo que Chartier (1945-)29 apresenta como processos de construções de sentido, que buscam romper com estruturas objetivas e sentidos intrínsecos, absolutos e únicos. Assim, a questão dos animais está envolta em disputas paradoxais. Por um lado, a permanência da relação de distinção entre os humanos e os animais e o uso destes nos mais diversos fins, passando pelo uso restritivo, até o absoluto rompimento com qualquer prática dita de submissão ou exploração de outras espécies pelos humanos. Há, assim, uma extensa bibliografia destinada a problematizar estes usos, mas poucos estudos demonstrando como são vistas as brigas de galos. Pois esta atividade tende a ser vista como uma prática já superada. Quando as pessoas descobrem que ela "ainda" existe, geralmente são tomadas por emoções de incredulidade e reprovação. Não raro as pessoas me olharam com alguma desconfiança quando disse pesquisar sobre brigas de galos, ou quando em alguma livraria comprei um livro sobre a atividade. As contestações às touradas e brigas de galos remontam há muito tempo, mas têm tomado uma dimensão mais acentuada, pelo menos, desde as décadas de 1970 e 1980. Elas têm levado a proibição em alguns países, como ocorreu no Brasil e Estados Unidos, mas que persistem de maneira legalizada em outros. Assim, as comparações podem ser pertinentes na medida em que oferecem subsídios para se analisar um fenômeno que transcende fronteiras nacionais. Mesmo que Keith Thomas (1933-) aponte as emoções, as alterações de sensibilidade em relação aos animais, e "a difusão dos animais domésticos entre as classes médias urbanas no início do período moderno" como "um processo de grande envergadura social, psicológica e, inclusive, comercial"30, resta compreender como elas chegam até o século XXI quando, teoricamente, deveriam estar enterradas no passado. Por isso, num segundo momento, concentro os esforços em descrever algumas experiências que tive na França e na Espanha, como a tauromaquia e as brigas de galos. Analisando suas incidências,

29 CHARTIER, Roger. A história cultural: entre práticas e representações. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil; Lisboa [Portugal]: Difel, 1990. 244 p. 30 THOMAS, Keith. O Homem e o Mundo Natural: Mudanças de atitude em relação às plantas e aos animais, 1500-1800. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. p.143-4. 38

disputas, conflitos e problemas contemporâneos entre aficionados e defensores dos animais. Além dessas minhas experiências, apresento, com base em fontes midiáticas e sítios eletrônicos, algumas discórdias entre animalistas31 e tradicionalistas. Como se comportam os grupos de libertação animal em países em que estas práticas são legalmente permitidas e como os poderes públicos locais e nacionais dialogam e reagem às pressões de um determinado grupo ou de outro. O caso espanhol em relação às touradas é muito emblemático. É praticamente um signo de sua identidade. Ou pelo menos tinha pretensões de ser, uma vez que grande parte dos espanhóis já se declara anticorridas. Segundo uma pesquisa encomendada pela World Animal Protection, em três anos (de 2013 a 2016) a porcentagem de espanhóis favoráveis às touradas diminuiu de 30% para 19%, enquanto 60% se colocam de forma contrária. Entre os jovens (16 a 24 anos) a aprovação, segundo a mesma pesquisa, não passa de 7%.32 Claro que, como pesquisa pode apresentar alguns problemas, entretanto, apontam que existe uma transformação acentuada da sociedade que não se limita a estes símbolos, mas também a uma cosmovisão representativa sobre os animais. A Espanha como palco de conflitos dessa natureza, parece acender ainda mais a discussão sobre direitos dos animais, na qual boa parte das pessoas se inclina a discussões que vão para além das touradas, mas ao consumo dos animais como alimento. Dessa maneira, tem se difundido no país os restaurantes vegetarianos e veganos. De acordo com o The Guardian, na Espanha houve um aumento de 94% no número desses restaurantes entre 2011 e 2014, passaram de 353 estabelecimentos para 686.33 Há poucos dados mais sólidos quanto à quantidade de consumidores e adeptos dessas novas práticas alimentares, mas já se aponta algo como 7,8% de veggies. Veggies é o grupo que engloba

31 Diz-se animalistas para aqueles que se preocupam e defendem os direitos dos animais. (N.E.) 32 SERRA, Josep María (Espanha). Cerca del 60% de los españoles se oponen a la tauromaquia: Una encuesta entre 1.059 personas refleja un rechazo a las fiestas taurinas. La Vanguardia. Barcelona. 26 jan. 2016. Disponível em: . Acesso em: 25 set. 2017. 33 BAKER, Trevor (Reino Unido). Spain gets taste for greens as vegans, vegetarians and vegivores flourish: Spanish people have a reputation as diehard meat eaters. But in recent years, as the number of vegan or vegetarian restaurants in Spain has doubled, there are signs of change. The Guardian. Londres. 13 out. 2014. Disponível em: . Acesso em: 27 set. 2017. 39

vegetarianos, veganos e flexitarianos (pessoas que esporadicamente consomem produtos de origem animal). Desse montante, quase 60% alegam razões éticas em relação aos animais.34 Na França, de maneira semelhante, a situação em relação às corridas de touros e brigas de galos também têm apresentado alguns conflitos, o que vem demonstrando menor aceitação do público em relação às práticas que podem produzir sofrimento aos animais. A proposta, ao observar touros e galos, é pesquisar como as discussões sobre os animais têm permeado nestes dois países, membros da União Europeia, e que semelhanças e disparidades podem ser analisadas em relação ao que ocorre no Brasil, o que é deixado para os capítulos finais. No segundo capítulo, ao tratar de brigas de galos, sou induzido a descrever este animal que dá possibilidade à existência desta prática: o galo. No entanto, as considerações recaem a observar esse animal não apenas como um ser vivo biológico e natural, mas constituído também pelas apropriações culturais que foram desenvolvidas pelo homem no contato com essa espécie. Ou seja, apresentar os galos no tempo histórico como parte dessas relações entre homens e galos em diferentes contextos e, como os homens no tempo produzem e realçam estes galos. A verdade é que poucas certezas existem sobre a origem e disseminação das galinhas. Sua existência é perceptível através de poucos e pontuais registros esparsos no tempo e no espaço. Há registros na Índia e civilizações orientais, algumas no Oriente Médio, na Grécia e na Roma antiga. Mesmo os estudos mais recentes no campo da genética e arqueologia têm grande dificuldade em apresentar respostas satisfatórias que façam a ligação entre as espécies selvagens presentes na Ásia e as atuais raças de galinhas domésticas. As galinhas hoje são uma espécie com aproximadamente 24 bilhões de seres, isto é, praticamente três galinhas para cada ser humano. Elas se constituem como commodities e boa parte das pesquisas se dedica ao melhoramento dessas raças para fins econômicos. Todavia, nem sempre foi assim. As espécies selvagens se assemelham muito mais a pássaros do que as galinhas modernas. Elas

34 CARCELLER, Rosanna (Espanha). Estas son las ciudades más ‘veggies’ de España y Europa: La primera en el ranking es andaluza. La Vanguardia. Barcelona. 25 ago. 2017. Disponível em: . Acesso em: 29 set. 2017. LA GULATECA (blog) (Espanha). 20 Minutos. España, cada vez más vegetariana. Casi el 8% de la población opta por este tipo de alimentación. 20 Minutos. Madrid. 13 fev. 2017. Disponível em: . Acesso em: 02 out. 2017. 40

cresceram e engordaram e, hoje, compreendem a mais de 200 raças desenvolvidas pelos humanos. Essa plasticidade tem acendido a curiosidade de alguns cientistas. Assim, existem alguns grupos de pesquisa aplicados nessa tarefa, sobretudo nas Universidades de Oxford, Nottingham e Uppsala. Uma pesquisa coordenada por Greger Larson, biólogo evolutivo, e Naomi Sykes, arqueóloga, chamada "Cultural & Scientific Perceptions of Human-Chicken Interactions” (Percepções culturais e científicas das interações entre humanos e frangos) tem destacado algumas dessas alterações na utilização da espécie, levando em consideração aspectos históricos, sociais, culturais e alterações genéticas. Outras pesquisas têm sido acompanhadas por outros cientistas como Liisa Loog e Anders Eriksson, que combinaram dados de DNA de ossos de frango recuperados em sítios arqueológicos na Europa. Seja como for, as galinhas se espalharam por boa parte do mundo antes da modernidade. Da Ásia tinham sido levadas à Europa e algumas regiões da África. Também foram levadas para boa parte das ilhas do Pacífico pelos polinésios. Quando os europeus chegaram ao Havaí e Ilha de Páscoa, por exemplo, esses animais já eram criados há séculos. Mas nem por isso era uma fonte de proteína da maneira como se dá hoje. Quase todas as investigações apontam que essa espécie foi domesticada para fins ritualísticos. Muitas vezes, estes indícios foram tomados para a formulação de uma escrita que busca dar certa linearidade à difusão dessa espécie e contribuíram, assim, para a formação de um imaginário por parte dos autores que decidiram escrever sobre o tema. Inclusive este próprio. Mesmo assim, nessa trajetória que trata dos galos desde os tempos imemoriais, o objetivo não é apresentar exatamente uma continuidade para as brigas de galos, pois elas são diferentes entre si e mesmo alguns sentidos atribuídos às mesmas se diferem. A proposta busca mostrar as brigas de galos como um costume ordinário até que, em algum momento, ela passou a ser vista como um problema. Por suposto, ela se apresentou como problema social em diversas ocasiões e por motivos diferentes. Desde um problema de poder, quando os homens se associam para além dos fins lúdicos, passando por problemas de ordem moral quando "desvirtuavam" trabalhadores ou levavam muitas pessoas à ruína financeira, até o problema central a ser investigado: a ascensão de discursos de defesa dos animais. A defesa dos animais é algo que, absolutamente, não foi um problema durante os milhares de anos em que as brigas de galos 41

existiram, mas agora se apresenta como um dos principais entraves à continuidade das rinhas de galos. Enfim, o intento do segundo capítulo, além de dialogar com bibliografias sobre o tema, insistindo em numa abordagem holística, visa observar as características desses animais, como eles podem ser empregados em diferentes tipos de combates, da maneira como eles incidem representativamente entre seus adeptos, o uso de apostas e as tentativas em apresentar a atividade como um esporte. Depois disso, no capítulo três, apresento uma trajetória do galismo35 no Brasil, com base nas referências de galista — com destaque para Francisco Elias — principalmente no que concerne aos locais de desenvolvimento da prática, ou pelo menos aqueles que gozaram de maior prestígio. As brigas de galos no Brasil, assim como em outros países, têm uma história cheia de especulações. Muito do que foi produzido se pauta em pressuposições, um ou outro registro esparso. Somente no século XIX, com os registros públicos de concessão de rinhadeiros, foi possível encontrar alguns indícios mais consistentes. Como um caso narrado pelo intelectual Osvaldo Rodrigues Cabral, em relação a esse tipo de licença em Desterro, atual Florianópolis. É provável que existam mais materiais de caráter semelhante espalhados pelo Brasil, todavia, diante da incerteza sobre como e onde encontrá-los, ainda não há uma pesquisa nesse sentido sobre as brigas de galos no Brasil antes do século XX. Já sobre o século XX, aos poucos, começou-se a escrever sobre a atividade. Sobretudo pessoas adeptas ao galismo. Alguns livretos e manuais circularam de maneira bastante restrita, ganhando corpo na segunda metade daquele século. Estes materiais, que nomeio como uma literatura galística, juntamente com legislações, pronunciamentos de deputados, juízes e algumas notícias, oferecem a possibilidade para a elaboração de uma narrativa sobre as brigas de galos no país e, como ela se tornou um problema. Seja dito de passagem, dificilmente ela não foi considerada um problema. Desde o fim das concessões públicas para rinhadeiros na década de 1920, passando pela lei Juarez Távora em 1934, que teoricamente impedia lutas de animais, pela Lei de Contravenções Penais em 1941, que tornava ilegal as apostas, até a proibição pelo presidente Jânio Quadros, em 1961.

35 Atividade relativa as pessoas que se dedicam à criação, treinamento e lutas entre galos combatentes. (N.E) 42

Acredito que a história das brigas de galos no Brasil apresenta três marcos muito importantes. O primeiro deles foi essa proibição por Quadros que, muito embora tenha sido revogada no ano seguinte, permeia até hoje imaginários como algo inédito e definitivo. Recordo- me de uma aula, ainda no ensino fundamental, onde o livro didático apresentava essa proibição como uma das realizações do governo Jânio Quadros. Efetivamente, isto serviu mais para ridicularizá-lo do que o contrário. O texto deste capítulo apresenta várias outras discussões políticas a respeito das brigas de galos até chegar a outros dois marcos: o Código Ambiental, em 1998, com a possibilidade de enquadramento das rinhas como maltrato aos animais e, por fim, o flagrante do publicitário Duda Mendonça no rinhadeiro, chamado Clube Privê Cinco Estrelas, em outubro de 2004. A partir daí o cenário mudou completamente. Chamo a atenção, sobretudo, a um paradoxo nesse período que compreende a segunda metade do século XX: por um lado os rinhadeiros viveram sua era de ouro, por outro, foi (e continua a ser) o período em que se consolidam os direitos relacionados aos animais, e que, mais tarde conferiram legitimidade a uma discussão que relegou a prática à completa clandestinidade. No quarto e último capítulo, começo com os desdobramentos da ação policial no Rio de Janeiro e suas reverberações pelo país, com o fechamento de muitos locais de rinha. Se, por um lado, o Código Ambiental representava um perigo de interdição às rinhas, as reações dos galistas foram rápidas. Diversas leis foram aprovadas em Estados e municípios na tentativa de oferecer proteção legal aos rinhadeiros, mas logo entraram na mira de órgãos de justiça, sendo consideradas inconstitucionais. A isso se sucedeu e se sucede uma série de apreensões, multas e imbróglios por praticamente todo o país, o que poderia apontar para um decréscimo da atividade. Mas não! Aos poucos os galistas têm se reorganizado, formando entidades e associações, questionando a ação dos órgãos de fiscalização e, em muitos casos, levando-os a justiça. Entra em cena o papel das redes sociais, o agregamento de galistas de diferentes lugares do país e, mesmo a realização de simpósios para discutir o tema, buscar apoios políticos. Ou seja, diálogos que visam dar algum tipo de respaldo à prática. O capítulo não oferece uma resposta conclusiva sobre o que acontecerá com as brigas de galos, porém busca compreender um tempo agonístico, no qual se acentuam as disputas e, inevitavelmente, entram em choque algumas das visões de mundo marcadas por dicotomismos. 43

1. CAPÍTULO I — As relações entre os humanos e animais na história: interações e usos para fins lúdicos

Nos últimos anos presencia-se uma crescente preocupação em relação aos animais, desde aqueles que vivem mais próximos aos humanos – como os animais de estimação –, como aqueles utilizados para produção de alimentos ou outros itens de consumo. Também a fauna, como um aspecto ecológico, que deve ser preservada em nome do equilíbrio da natureza. Longe de ser uma novidade, essas preocupações permeiam a história da própria humanidade, mesmo que tenham se apresentado de forma descontínua em diversas culturas e populações. No entanto, nas últimas décadas, talvez, tenham apresentado algumas rupturas significativas, que podem ser observadas, por exemplo, no surgimento e proliferação de grupos ecologistas, preservadores de espécies, causas de proteção dos animais, alternativas alimentares que rompem com o sacrifício de animais (vegetarianismo) ou que se propõe a romper com qualquer tipo de exploração dos animais (veganismo). Neste caso, nem mesmo o uso de derivados dos animais é moralmente aceito: nada de ovos, leite, queijos, mel, entre outros. Por sua vez, as ciências, em um sentido positivista e etnocêntrico do termo, na maior parte do tempo, geralmente, estiveram a serviço dos propósitos de dominação, seja de seres humanos ou do mundo natural. Assim, as técnicas para além de catalogar e justificar a dominação, elas criam saberes36 e reproduzem isso numa escala global. Entretanto, a contínua produção de conhecimento também produz a fragmentação dos mesmos, acelerando consideravelmente rupturas, ao que inicialmente se propunha. Nesse sentido, assim como muitos historiadores deixaram de produzir um conhecimento a serviço da nação, muitos biólogos, veterinários, médicos, agrônomos, químicos, entre outros também buscam romper, ao menos parcialmente, com essa visão mais etnocêntrica e/ou antropocêntrica. Neste contexto, a ciência passa frequentemente a ser evocada para a produção de conhecimentos acerca da vida dos animais e das relações entre humanos e animais. Proliferam-se os debates acadêmicos sobre bioética, direito dos animais, produção de alimentos orgânicos ou

36 ver FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: história da violência nas prisões. 34ª ed. Petrópolis: Vozes, 2007. 288p e FOUCAULT, Michel. op. cit., 2004. 44

agroecológicos e, na antropologia, a humanização dos animais, a formação de coletivos entre humanos e não humanos. Apesar de toda essa produção, pouca coisa existe escrita sobre brigas de galos no contexto da inserção das sensibilidades modernas. Pesquisas em bancos de dados apontam para vários artigos com análises jurídicas. Já na antropologia, os esforços se encaminham por compreender as relações de humanização dos animais domésticos, sobretudo cães e gatos. Como se trata de algo relativamente desconhecido, estes novos objetos de estudo precisam ser abordados agregando saberes de diferentes áreas do conhecimento e, sobretudo, levando em consideração seus aspectos epistemológicos. Neste texto, considero, entre um dos elementos mais marcantes da sociedade pós-moderna, as sensibilidades. E, mesmo estando eu a tratar sobre brigas de galos, essas sensibilidades não se restringem a animais ou ao meio natural. As sensibilidades podem ser observadas em praticamente todas as formas onde se estabelecem relações entre iguais e diferentes, apresentando respostas e questionamentos sobre o momento histórico pelo qual passa o mundo atual. Além disso, nesse esteio de rupturas e descontinuidades surgem vozes dispostas a retomar um imaginário de um mundo passado, no qual, supostamente, as comunidades, tradições, religiões estavam protegidas. Ou seja, o mundo está em conflito sobre quais cosmovisões devem prevalecer. Essa ótica, fugazmente, é lida como um confronto entre progressismo e conservadorismo, no entanto, faz parte de um mesmo sentido histórico e que já não se pauta firmemente na razão. Os confrontos são constantemente marcados pelas emoções, o que, no final das contas tende-se a chamar de sensibilidade. Nessas sensibilidades há, em parte, um retorno às crenças e mesmo aos imaginários coletivos. No esteio desses conflitos podem ser observados, por exemplo, os fluxos migratórios transnacionais, a radicalização religiosa ou política, identidades de gênero ou sexuais, a discussão entre transgenia, alimentos orgânicos e agroecológicos, medicina convencional e medicina alternativa, sustentabilidade e, não menos importante, as relações entre humanos, meio ambiente e os animais. O que vem gerando estes conflitos são o que as pessoas sentem sobre determinado assunto que, muitas vezes, podem se pautar naquilo que se convencionou como racionalismo. No entanto, por mais contraditório que possa parecer, o fator que vem alimentando algumas discórdias é mais propriamente a descrença no racionalismo. 45

Dessa forma, por exemplo, é possível observar a produção, mesmo científica, de milhares de artigos com intenção de comprovar os benefícios da transgenia, como do contrário, os malefícios ou problemas sociais decorrentes do modo de produção dos mesmos. Da mesma maneira, e de forma mais intensa, funcionam os meios de comunicação, divulgando uma quantidade enorme de notícias, muitas vezes insustentáveis — a pós-verdade — mas que tendem induzir um público, que já tem algum tipo de propensão em alguma direção. Dentre todo esse rebuliço de conflitos, meu objeto de pesquisa busca compreender as alterações de sensibilidades em relação aos animais e como escrever uma história das brigas de galos, tendo em mente em que momentos elas passam a ser percebidas de outra maneira, como os mecanismos de controle agem sobre elas.

1.1. As relações humanos e animais na perspectiva das ciências humanas: sensibilidades e humanização dos animais

Quando eu era criança, isso nos anos 1990, jamais havia pensado sobre vegetarianismo ou direito dos animais, sequer recordo-me de qualquer pessoa que fosse vegetariana, muito menos vegana. No contexto sociocultural ao qual eu estava inserido, era absolutamente aceitável comer carne e utilizar os derivados alimentícios que envolvessem animais. Muito embora sempre tive animais e sempre gostei de tê-los, também era absolutamente normal que havia uma hierarquia entre eles, os que eram para comer e os que eram para satisfazer nossas necessidades psico/afetivas. Desta maneira, sempre estabeleci algum tipo de relação afetiva com os animais que existiam na minha casa, tanto os cães como os galos, galinhas, pássaros (em gaiolas ou soltos). Desde muito cedo aprendi que ter animais e conviver com eles era preciso muita dedicação e disciplina — dar comida, dar água, dar banho, higienizar o ambiente, medicar, observar, e outras tarefas. À medida que fui crescendo, conhecendo mais lugares, pessoas, formas de convivências, ideias, entre outras coisas, fui também percebendo como as pessoas interagem com os animais e que imaginários reproduzem sobre eles, ou sobre nossas relações com os animais. E isso se intensifica contundentemente a partir do momento em que passo a estudar, pesquisar e refletir intensamente sobre sensibilidades. 46

De fato, é possível perceber uma grande alteração de sensibilidades na sociedade em que convivo. Hoje tenho vários amigos ou conhecidos que se afirmam como vegetarianos ou veganos, que defendem publicamente esta postura, muitas vezes, como algo político. Algo que eu, de certa forma, compartilho filosoficamente, como críticas ao modo de produção de alimentos, seja de origem animal e mesmo vegetal, o uso exploratório e, também, pelo fato de animais serem dotados de sensações. Por outro lado, tenho tendência a relativizar e, como tal, acredito que existam diferentes formas de compreensão do mundo. Compreensão da relação entre animais e seres humanos, ou animais humanos e animais não humanos, como pretendem os adeptos mais enfáticos na supressão da fronteira entre humanos e animais. Obviamente, estas questões passam por escolhas de minha parte. No momento em que faço opção por uma abordagem relativista, estou negando parte de uma abordagem que se diz universalista e mesmo utilitarista. Entendo que existem diversas formas de sentir, de perceber o mundo, de se relacionar com o que se convencionou como natureza. Entendo, a partir do exposto, que o universal é uma corrente filosófica que pressupõe a existência de uma forma válida e, por isso, busca sua normatização. É muito comum ouvir falar em valores universais da cultura humana e essas formas são muito comuns na linguagem das ciências naturais, mas não são raras na filosofia, ciências sociais aplicadas e direito. Neste contexto, surgem alguns problemas, como as vozes autorizadas. Isso significa que, a voz autorizada sobre determinadas práticas demanda de instituições, as quais compreendem as práticas por meio de outros referenciais, que não os mesmos dos praticantes de uma atividade. Então, é óbvio que os juristas, por exemplo, ao comentar sobre brigas de galos, dirão que ela é cruel, enquanto galistas dizem o contrário. Ou que apesar de violenta, é menos violenta do que várias atividades que são permitidas pelos mesmos poderes institucionalizados. As opiniões, bem como as formas de compreender o mundo, passam por transformações, e parece que as emoções e sentimentos estão tomando grande importância nas decisões em praticamente todas as esferas da vida. As sensibilidades em maneira mais ampla, sem cair nas dicotomias que este conceito pode levar, parecem estar se sobrepondo à racionalidade, ganhando importância ou, ao menos, parece que seus efeitos sobre o mundo real agora podem ser melhor identificados. Ou 47

mesmo porque o papel das ciências sociais passaram a observar esses comportamentos como objetos de análise. Digo isso porque sensibilidades sempre existiram. De diferentes formas, mas sempre estiveram presentes na vida das pessoas, na coletividade e nas tomadas de decisões, como já mencionava Max Weber (1864-1920) sobre os limites da razão e da própria ciência.37 Ainda assim, mais recentemente, a humanidade presencia acontecimentos pouco plausíveis, levando em consideração aspectos científicos. Assim, questionam-se as motivações que levaram a saída do Reino Unido da União Europeia através de um referendo. Que razões haveria para isso se não o recrudescimento de um sentimento nacionalista e protecionista? Ou, que motivos levam Donald Trump ou um Jair Bolsonaro ao sucesso eleitoral? Que tipos de sensibilidades essas figuras conseguem capitalizar a seu favor? O sentido de sensibilidade pode ser empregado não necessariamente relacionado à sensação da expansão de uma empatia ou a solidariedade com os diferentes, mas, nesses casos, parece estar mais próximo de uma postura que confronta, em certa medida, a racionalidade, mesmo que muitas vezes busque se apoiar na mesma. Ou seja, muitas das sensibilidades tendem justamente ao contrário do que delas se pressupõe. É o mundo governado pela desrazão, e, por conseguinte, a expansão de ideologias excludentes. Acrescento ainda, o termo "pós-verdade" (“post-truth”), expressão escolhida como a palavra do ano de 2016, segundo a universidade inglesa de Oxford. Este termo, de acordo com a Revista Nexo,38 é um substantivo “que se relaciona ou denota circunstâncias nas quais fatos objetivos têm menos influência em moldar a opinião pública do que apelos à emoção e a crenças pessoais”. Este neologismo ganhou destaque na eleição de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos e na vitória do Brexit no Reino Unido. Os principais propagadores de notícias "não verídicas" foram as redes sociais, das quais muitos usuários acabam compartilhando informações conforme o agrado de cada um.

37 WEBER, Max. Metodologia das ciências sociais. 2ª ed. São Paulo: Ed. da Universidade Estadual de Campinas, 1993. 38 CABETTE, André Fábio. O que é ‘pós-verdade’, a palavra do ano segundo a Universidade de Oxford: Substantivo diz respeito a circunstâncias nas quais fatos objetivos têm menos importância do que crenças pessoais. Nexo. São Paulo. 16 nov. 2016. Disponível em: . Acesso em: 19 nov. 2016. 48

Nesse contexto, ao falar sobre a produção de emoções, não há como deixar de mencionar o filósofo marxista italiano Domenico Losurdo (1941-). Muito embora ele não faça referência direta às sensibilidades, contudo à utilização de mecanismos midiáticos por parte da burguesia na formação de emoções, me aproprio de suas falas:

Marx fala da classe dominante burguesa que, com o controle dos modos de produção intelectual tem o monopólio da produção e da difusão das ideias. Mas hoje as coisas mudaram porque com a televisão e as novas mídias, a classe dominante não tem somente esse monopólio de produção de ideias, mas também, o que é muito importante, o monopólio da produção das emoções. Transmitem-se imagens horríveis que podem ter sido escolhidas em uma série de outras imagens propositalmente ou que pode até ser falsa. [Através desse artifício] se consegue provocar uma indignação geral [na opinião pública] e esse monopólio de produção de emoções que é muito importante para o início das guerras. Devemos tomar consciência dessa nova situação: das ideias e emoções, com uma tecnologia e psicologia muito refinadas e sofisticadas. Nesse sentido, o aparelho militar do imperialismo ficou mais forte não só no domínio militar clássico, mas no plano multimidiático. Armas midiáticas provocam a opinião pública a ser favorável ao início de uma guerra.39

As guerras, mencionadas por Losurdo, são apenas um dos exemplos desse complexo que ele chama de controle das emoções. Inegavelmente, o controle dos meios de comunicação com maior alcance está nas mãos de uma plutocracia, que de forma sutil, mas eficiente, reproduz informações ideologicamente a serviço de interesses destes mesmos grupos. Mesmo tratando-se de uma produção de conhecimento herdeira do marxismo, é importante afirmar que não se trata de alienações. É um

39 MACHADO, Rodolfo; NOVAES, João. Losurdo: produção das emoções é novo estágio do controle da classe dominante: Para o filósofo marxista italiano, com a televisão e as novas mídias, a burguesia não tem somente o monopólio das ideias. Opera Mundi. São Paulo. 04 out. 2013. Disponível em: . Acesso em: 04 jan. 2017. 49

processo de formação e convencimento muito eficaz, já que há o apelo às emoções, o qual muitas vezes não dá espaços para a contra argumentação, pelo menos não com a mesma simetria ou nas mesmas escalas. Sobre o tema dos animais, o controle das emoções, ou ao menos a pretensão a esse controle, passa por mecanismos midiáticos que dialogam com grande parte do público desde, pelo menos, a primeira metade do século XX. Jornais, revistas, cinema foram importantes produtores de emoções a partir de desenhos animados, ou filmes, onde aos animais são constantemente atribuídos de sentidos próprios aos humanos. Thomas, em seu livro, identifica também, através da literatura, alterações das sensibilidades em relação aos animais que gradativamente cresceram desde o século XVI, segundo este autor,

[...] a metade do século XVIII presenciou um culto da sensibilidade, uma voga de lágrimas e uma ampla aceitação por parte das classes médias do princípio de que “transmitir felicidade é a característica da virtude”. A bondade e a benevolência passaram a ser ideais oficiais.40

Sua pesquisa e considerações são basicamente sobre a Inglaterra, onde ele identificou estas alterações de forma "precoce", se comparado com o restante da Europa, onde, segundo o mesmo, os viajantes ingleses geralmente se espantavam com o tratamento dado aos animais.41 Nesse sentido, o apelo principal para a expansão dessas sensibilidades pode ser datado entre os séculos XIX e XX, pelos quais com suas inúmeras tecnologias, passam a escalas até então não experimentadas na vivência humana. Sendo que, este é um processo histórico constante e que vem se acentuando na atualidade. No final do século XX e início do XXI, as redes sociais online proporcionaram ainda mais avanços, em termos de comunicação e difusão de informações, conhecimentos e trocas das mais diversas. A propalação de ideias, emoções e as alterações de sensibilidade ganham outra dimensão. Nas redes sociais qualquer pessoa pode produzir conteúdo, como postar suas fotos ou vídeos com seu animalzinho de estimação, prestar homenagens, participar de comunidades virtuais, publicar textos, informar sobre animais abandonados ou que estão para

40 THOMAS, op. cit., p. 210. 41 Ibidem. p. 170. 50

adoção, entre outras coisas. Muitas dessas ações, tomando um termo emprestado da publicidade, viralizam,42 alcançando milhões de pessoas. As redes sociais, de certo modo, romperam com parte de uma publicidade dominada por empresas de comunicação impressa e televisiva, pois oferecem ao usuário um papel ativo para a expressão e divulgação de conteúdos. Enquanto as tecnologias anteriores às trocas entre produtores e consumidores se davam de maneira menos horizontal, ainda que, a maior parte da produção ainda esteja concentrada em alguns lugares. Nas redes sociais também são difundidas notícias que tomam proporções mundiais como, por exemplo, as críticas que sofreu o antigo monarca espanhol Juan Carlos I, em 2012, por ter praticado caça a elefantes em Botsuana, sendo que o mesmo era presidente de honra da WWF (World Wide Fund for Nature) em seu país, uma ONG ambientalista.43 Ou ainda em casos que chocaram o público internacional, como um gorila morto a tiros em um zoológico após um menino cair na jaula44, ou o caso de uma girafa sacrificada no zoológico da Dinamarca, para evitar cruzamentos consanguíneos45 ou, ainda, uma onça em cativeiro, utilizada nas cerimônias da passagem da tocha

42 De acordo com o Dicionário on-line Significados: Publicidade viral são técnicas de marketing que tentam explorar redes sociais pré-existentes para produzir maior divulgação da marca. São processos parecidos com o de uma epidemia; uma doença. O conceito de marketing viral está relacionado com a velocidade de propagação da informação. O marketing viral pode ser utilizado também para descrever alguns tipos de campanhas de marketing baseadas na internet, incluindo o uso de blogs, de sites, e de várias outras formas para criar o rumor de um novo produto ou serviço. O termo publicidade viral se refere à ideia de que as pessoas passarão e compartilharão conteúdos divertidos. SIGNIFICADOS. Disponível em: . Acesso em: 16 jul. 2017 43 QUAILE, Irene; RUTKOSKY, Kamila (Alemanha). Deutsche Welle. Após fortes críticas, rei da Espanha se desculpa por caça a elefantes: Presidente de honra da WWF espanhola teria feito viagem cara enquanto povo enfrenta uma grave crise. Porta-voz da WWF alemã defende caça regulamentada para ajudar populações locais e projetos de proteção da natureza. Deutsche Welle. Bonn (Alemanha). 18 abr. 2012. Disponível em: . Acesso em: 23 ago. 2016. 44 G1 (Brasil) (Comp.). Gorila é morto após menino cair em área isolada de zoológico nos EUA: Garoto não teve ferimentos graves. Espécie do animal está ameaçada de extinção. O Globo. Rio de Janeiro. 29 maio 2016. Disponível em: . Acesso em: 04 jul. 2016. 45 BBC Brasil (São Paulo). Execução de girafa em zoológico gera polêmica na Dinamarca: A execução de uma girafa de dois anos e saudável gerou polêmica em um zoológico da Dinamarca. BBC. Londres. 09 fev. 2014. Disponível em: . Acesso em: 11 fev. 2014. 51

olímpica pela cidade de Manaus, em 2016, que foi abatida ao avançar sobre um soldado.46 Todas essas informações, mesmo que aleatórias, além de um tanto espetaculosas e efêmeras, têm obtido eficácia na medida em que existe um público muito propenso a se sensibilizar com o que vem ocorrendo com os animais. Nesse sentido, as tecnologias de informação não são apenas difusoras, mas pendem a reforçar essa tendência em duplo sentido, um público que além de consumidor, se coloca como agente dessa produção. Mesmo com essa horizontalidade proporcionada pelas redes sociais, há escolhas em relação ao que é dito e ao que não é dito, pois geralmente ganha repercussão aquilo que de certa maneira produz emoção na maior quantidade de pessoas. Afinal de contas, animais e pessoas morrem diariamente, acidentalmente ou naturalmente, pelas más condições, por meio de violências, ou para saciar a fome de outros. Galinhas, bois, perus, porcos, entre outros animais, são mortos cotidianamente aos milhões, para suprir as necessidades (ou não) de proteínas de bilhões de pessoas. Mesmo assim, a carga de emoções sobre elas se difere enormemente. Assim, um gorila ou uma girafa de zoológico têm muito mais considerações morais do qualquer frango abatido em uma agroindústria. Apesar da assimetria em que os animais são colocados, essas relações denotam alterações nas sensibilidades, que podem ser observadas no tempo histórico. Essas sensibilidades, principalmente sobre a proteção dos animais, vêm se transformando há vários séculos. Segundo Keith Thomas, foi a partir do crescimento das cidades e o distanciamento do modo de vida rural que se formaram novas percepções e concepções do homem moderno inglês para com os animais:

O novo sentimento começou a ser expresso por citadinos bem situados, afastados do processo agrícola e propensos a considerar os animais como bichos de estimação, não como uma criação para o trabalho, quer por clérigos rurais educados, cujas sensibilidades eram diferentes das dos homens rústicos em cujo meio viviam. No século XVII, notava-se que a caça custava demasiado tempo e

46 FELLET, João. BBC Brasil (São Paulo). Sacrifício de onça exibida em passagem da tocha por Manaus revela drama de espécie ameaçada. BBC. Londres (Reino Unido). 21 jun. 2016. Disponível em: . Acesso em: 23 jun. 2016. 52

dinheiro para ser adequada a homens de negócio; e os movimentos reformistas para a abolição dos esportes cruéis estavam firmemente baseados na cidade.47

Keith Thomas é um clássico ao demonstrar as alterações de sensibilidades que ocorreram na Inglaterra a partir do século XV. É, sobretudo, um dos historiadores materialistas bem-sucedidos ao historicizar as mudanças de relações entre os homens e as criaturas brutas ocorridas nesse período. Os motivos apontados para essa mudança devem-se, segundo o autor, ao processo de urbanização e o distanciamento do mundo rural e do contato direto com os animais. Para Thomas, muitas das sensibilidades modernas em relação aos animais se consolidaram a partir das classes médias inglesas entre os séculos XVI e XVIII, propensas a ver os animais de estimação sob algum tipo de consideração moral. Para o autor, “a observação dos animais de estimação, aliada à experiência com os domésticos, forneciam apoio à visão de que os mascotes podiam ser racionais, sensíveis e compreensivos.”48 Apesar de apresentar uma visão otimista aos hábitos que colocaram os animais, ou alguns deles, sob novas perspectivas, também observou um tipo de pressão, principalmente contra os pobres, para proteger os animais e incluí-los nessa moral que se expandia. Também é verdade que, muitos dos esforços foram contra hábitos da nobreza e suas práticas de caça a raposas e outros animais.49 Thomas afirma que,

[...] nos séculos XVII e XVIII muito das pressões para eliminar os esportes cruéis provinha de um anseio por disciplinar a nova classe trabalhadora segundo padrões mais elevados de ordem pública e hábitos mais industriosos. [...] Desse modo, a S. P. C. A. pode ser vista como mais uma campanha da classe média para civilizar as camadas inferiores. Nos primeiros anos, aqueles que ela processava por crueldade aos animais provinham quase exclusivamente das classes trabalhadoras.50

47 THOMAS, op. cit., p.190-1. 48 Ibidem. p.146. 49 Ibidem, p. 218. 50 Ibidem, p. 221-2. 53

Ou seja, configurava-se um novo quadro, no qual, grosso modo, novos discursos acerca das relações entre os homens e os demais seres, passam a ditar novas regras e experiências sociais. Novas formas de sociabilidades e costumes, paulatinamente, foram substituídas por outros. É preciso esclarecer ainda que, as sensibilidades, por seu turno, são comumente atribuídas de significados dicotômicos, como se a sensibilidade fosse algo que se possui ou não possui, ou ainda, sensibilidade como uma quantidade moral. De acordo com Wickberg,51 as sensibilidades no século XIX, era algo que se tinha em graus variados, da mesma forma que vitorianos viram a cultura como algo que poderia se possuir em quantidades. Em meados do século XX, a partir de desdobramentos nas ciências sociais, o termo sensibilidade deixa de ser singular e, passa desta maneira, a ser compreendido de forma plural: sensibilidades. Isso significa, sobretudo, o rompimento com hierarquias sobre posse versus não-posse, ou possuir mais sensibilidade ou menos sensibilidade.52 Em outras palavras, a categorização não visa medir sensibilidade, mas compreender que todos, assim como cultura, possuem sensibilidades, que estas não podem ser medidas e colocadas de forma crescente. Nesse sentido, na medida em que todos possuem sensibilidades, estamos diante de outros questionamentos, nos quais a compreensão das alteridades, consequentemente, passa pela crítica de um evolucionismo moral, se assim pode ser dito. Destarte, não tomo as alterações de sensibilidades em relação aos animais ocorridas no Ocidente como um fator de evolução. Para tanto, muitas vezes, são necessários esforços de apreensão e mesmo novas metodologias e ferramentas de trabalho, assim como tornam-se imprescindíveis abordagens que não se restrinjam somente a uma historiografia materialista. Busco, então, dialogar com outras correntes teóricas, principalmente dentro do que durante muito tempo convencionou-se chamar de história das mentalidades. Por isso, me aproprio de algumas perspectivas pertinentes à chamada "virada cultural" e à possibilidade de observar algumas mudanças no espaço e no tempo não completamente apreensíveis pela objetividade e racionalismo. Assim, os conceitos como o de representação, identidade, subjetividade, entre outros, coadunam dentro de uma perspectiva que

51 WICKBERG, Daniel. What Is the History of Sensibilities? On Cultural Histories, Old and New.The American Historical Review, Oxford [Reino Unido], v. 112, n. 3, p.661-684, 1 jun. 2007. Oxford University Press (OUP). . Disponível em: . Acesso em: 02 jul. 2013. 52 Ibidem. 54

aborda o tema das sensibilidades. Desta maneira, Daniel Wickberg, contribuiu efusivamente para repensar historicamente as sensibilidades. Wickberg aponta que:

Dada a sua história é compreensível, pois, que o conceito de sensibilidade tenha se revelado fecundo para a historiografia cultural contemporânea: ao reunir os elementos de percepção dos sentidos, cognição, emoção, forma estética, julgamento moral, e diferença cultural, fornece uma maneira de falar sobre um objeto de estudo histórico que é onipresente e ainda estranhamente invisível. Pois tanto o estudo histórico dos valores culturais é focado nos objetos de representação, quanto ao conteúdo do pensamento e da escrita, os historiadores frequentemente negligenciam termos de percepção e as formas de expressão. Ambos encarnam as ligações entre, digamos, compromissos ontológicos e disposições pré- cognitivas, valores morais e das categorias de percepção dos sentidos, ideias e emoções. As sensibilidades, por isso, não são organizadas em arquivos e convenientemente visíveis para fins de investigação; elas quase nunca são temas explícitos nos documentos primários que usamos. Precisamos de um conceito que nos permite escavar sob as ações sociais ao invés do aparente conteúdo superficial que essas fontes destacam: o emocional, intelectual, estético e disposições morais das pessoas que os criaram. Esse conceito é sensibilidade.53

53 Ibidem, p. 669. Given its history, then, it is understandable why the concept of sensibility has proved to be a fruitful one for contemporary cultural historiography: by bringing together the elements of sense perception, cognition, emotion, aesthetic form, moral judgment, and cultural difference, it provides a way of talking about an object of historical study that is both ubiquitous and yet strangely invisible. Because so much historical study of cultural values is focused on the objects of representation, or the content of thought and writing, historians have frequently overlooked the terms of perception and the forms of expression, both of which embody the linkages between, say, ontological commitments and pre-cognitive dispositions, moral values and categories of sense perception, ideas and emotions. But sensibilities are not organized in archives and conveniently visible for research purposes; they are almost never the explicit topics of the primary documents we use. We need a concept that lets us dig beneath the social actions and apparent content of sources to the ground upon which those sources stand: the emotional, intellectual, aesthetic, and moral dispositions of the persons who created them. That concept is sensibility. (Tradução livre do autor) 55

Agregando esta forma de trabalhar as sensibilidades, é possível compreender a pluralidade de sensibilidades e emoções que vão além das pretensões de cientificidade e que buscam uma explicação, ou compreensão, daquilo que não parece ter muita luz sob a ótica de um conhecimento fundamentado em uma ciência, de acordo com Maffesoli54, herdeira do iluminismo. Portanto, ao falar de brigas de galos, touradas, ou qualquer outro tipo de atividade lúdica que envolva animais, estou observando diversos discursos construídos sobre estas práticas. No simplismo das pessoas, que não as praticam, é muito comum encontrar falas que revelam a incredulidade sobre os sentimentos que permitem que, muitas pessoas, ainda desfrutem de tais divertimentos. Geralmente, a compreensão sobre as motivações alheias passam pela condenação e atribuição à defasagem moral, deficiências neurológicas ou psicossociais. Gostando ou não gostando, sentir-se afetado ou desconfortável, são as primeiras impressões sobre o diferente. Assim, para compreendê- las, é preciso ir além e buscar captar seus significados, percebendo-as através de outros referenciais. Isto significa que, para muitos, a briga de galos pode ser considerada uma permanência, pois são sujeitos do presente e marcados por sensibilidades modernas que a praticam. Muito embora, a intensidade com que a prática se dá pode não ser a mesma de outros tempos, algumas explicações são atribuídas às modificações estruturais e às novas sensibilidades que incidiram sobre ela. Pode ser que, a rinha de galos, pareça ter deixado de ser uma diversão tão comum. A lei pode ser uma das explicações, mas trata-se de observar em que momento e como elas são relegadas ao subterrâneo, como elas se alteram, em que áreas persistem mais, ou menos. Quanto aos praticantes das brigas de galos, diante de toda a negatividade discursiva que a prática carrega sobre si, é recorrente a afirmação de que os galos brigam por instinto, nada sendo preciso para que adquiram “caráter belicoso”. Essa é a opinião de muitos galistas, fundamentada na observação frequente de seus animais e mesmo na busca de elementos científicos para tal. Para eles, é comum que o galo goste de brigar, faz parte de sua natureza manter seu vigor ou o seu domínio. Porém esse tipo de fala não é capaz de legitimar a rinha de galos em face aos discursos de bons tratos aos animais,55 pelo menos

54 MAFFESOLI, Michel. A conquista do presente: por uma sociologia da vida cotidiana. Natal: Argos, 2001. 231p. 55 Keith Thomas descreve, ainda, que as rinhas de galo mostraram maior resistência (aos discursos ou as alterações de sensibilidades) pois podiam ser justificadas em nome de uma expressão espontânea dos instintos naturais da ave; até mesmo as esporas dos galos podiam ser 56

para os animais considerados de maior importância dentro de uma hierarquia. Essas novas sensibilidades para com os animais, por seu turno, são decorrentes de mudança no padrão moral, como se ressalta o Thomas:

Já em 1795, um autor podia atribuí-la à “superioridade do presente, em sentimento humano, sobre qualquer período anterior”; e em meados do século XIX o historiador Lecky declarava que a modificação se efetuara, “não por algum acréscimo de conhecimento ou qualquer processo definido de raciocínio, mas simplesmente pela gradativa elevação do padrão moral”. Todavia, os contemporâneos seguramente estavam errados em pensar que as pessoas foram mais ou menos humanas em um período histórico que outro. O que mudara não fora o sentimento de humanidade enquanto tal, mas a definição da área dentro da qual se permitia operá-lo. A tarefa do historiador é explicar por que a fronteira que delimita a região de preocupação moral seria ampliada, de modo a compreender outras espécies, além da humana.56

Essas mudanças no padrão moral vêm ocorrendo há alguns séculos, segundo Thomas. No entanto, não é um processo finalizado. Nesse sentido, nas últimas décadas, no campo das humanidades, o debate da relação homens e animais têm caminhado em diferentes sentidos. Algumas produções de saberes levam as questões culturais humanas como centrais, nas quais a opção ou interesse do pesquisador se concentra nos aspectos que levam diferentes grupos humanos a determinadas práticas com os animais, estes vistos de maneira secundária. Enquanto isso, outros pesquisadores buscam romper com o antropocentrismo existente nessas relações e, portanto, animais e homens fazem parte de um mesmo universo de consideração moral. Ou seja, os animais, surgem como sujeito, sendo passíveis, por exemplo, de violências, sofrimento, dor, entre outros. defendidas, por garantirem a morte mais rápida do combatente derrotado. [...] [Mesmo assim], as rinhas tornaram-se ilegais em Londres no ano de 1833 e em toda Inglaterra em 1835. As brigas de galo foram finalmente proibidas em 1849, embora, como outros esportes animais, tenha sobrevivido de forma clandestina. THOMAS, op. cit., p. 190-1. 56 Ibidem, p. 178. 57

Um longo caminho foi percorrido até que os animais viessem a ser considerados como sujeitos, ainda que, não é nenhuma novidade a expansão da fronteira moral entre os homens e os demais animais. Para Keith Thomas,

[...] em fins do século XVII, a própria tradição antropocêntrica sofria acentuada erosão. A aceitação explícita da ideia de que o mundo não existe somente para o homem pode ser considerada como uma das grandes revoluções no moderno pensamento ocidental.57

Nesse deslocamento da fronteira entre homem e animal, as modificações parecem ter se acentuado significativamente e, até mesmo essas sensibilidades, têm se estabelecido como política de estado na contemporaneidade, na qual os direitos dos animais ganham bastante destaque. Muito desse crescimento nas abordagens em defesa dos animais podem ser atribuídos, pelo menos, a três filósofos de sucesso mundial nessa área: o australiano (1946-) e os estadunidenses (1938-2017) e Gary Francione (1954-). Peter Singer, professor de bioética na Universidade de Princeton, nos Estados Unidos, obteve enorme sucesso com a publicação de "Libertação Animal"58 em 1975. Para ele, um filósofo utilitarista — isto é, filosofia na qual uma ação é moralmente correta se as suas consequências promoverem o bem-estar coletivo —, os animais possuem, ou deveriam possuir, os mesmos direitos que os humanos. Baseado no princípio de igualdade existente entre os humanos, argumenta que a objetificação dos animais se estabelece diante de uma fronteira arbitrária, que compara ao racismo e sexismo que, por sua vez, chama-se especismo.59 Partido dessa premissa, as fronteiras morais são expandidas até o limite da senciência, que nada mais é do que a capacidade de sentir. Assim, torna-se eticamente reprovável o abate para o consumo de carnes, ou ainda a utilização como matéria prima e experimentações.

57 Ibidem, p. 198. 58 SINGER, Peter. Libertação Animal. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2010. 462 p. 59 Termo criado pelo psicólogo britânico Richard D. Ryder (1940-) em 1970. RYDER, Richard. All beings that feel pain deserve human rights: Equality of the species is the logical conclusion of post-Darwin morality. The Guardian. Londres (Reino Unido). 06 ago. 2005. Disponível em: . Acesso em: 26 set. 2017. 58

Num caso mais além, evita-se o consumo de qualquer alimento ou peça de vestuário que faça uso de animais e do que eles produzem, como o leite e derivados, o mel, alguns fármacos, entre outros. A maior parte desses filósofos e seus seguidores são abolicionistas, vegetarianos ou veganos, isso quando não são militantes políticos da causa animal e/ou ambiental. Suas críticas têm como principal foco a produção de animais para consumo humano, logo, o vegetarianismo é vigorosamente incentivado como forma de romper com este sistema de produção. Além disso, muitas das críticas recaem sobre a utilização de animais em laboratórios, pesquisas biomédicas e a utilização de animais em circos. Em muitos casos, esse boicote à produção exploratória dos animais, também se insurge como uma crítica ao sistema de produção capitalista e a tendência de concentração do poder econômico sobre as práticas alimentares. Nesse sentido, aqui mora uma das dificuldades em fazer a transposição das críticas citadas para as práticas lúdicas. Quando falo em práticas lúdicas, me refiro àquelas que envolvem animais e o fim incluem jogos, no quais eles têm papel central nessas atribuições. Muitas dessas práticas são muito anteriores ao capitalismo e suas ações estão reduzidas a universo muito menor. Essas distinções são importantes do ponto de vista ontológico, uma vez que se torna infrutífero tratar de todas as práticas animais como se fosse parte de um mesmo universo, sendo que elas são diferentes umas das outras. Também é importante observar quantas formas de classificação são atribuídas aos animais e demais seres vivos para que possa haver algum tipo de consideração moral ou não. Ou seja, que critérios são utilizados para designar quais sujeitos são de direito e quais estariam à margem dessas regras? Para os abolicionistas, o englobamento moral não pode se resumir a cães, gatos e fauna nativa, o que acaba gerando uma série de conflitos, como expôs Lewgoy:

O pleito por direito de certos animais em situação de vulnerabilidade nem sempre se confunde com um ativismo pelos direitos dos animais. Essa é uma das fontes de tensão entre as protetoras e os grupos abolicionistas (Sordi, 2011), o que gera um campo de discursos repleto de atritos, divergências e acusações mútuas, mas também de negociação de consensos mínimos e articulações táticas, quando se trata de diálogos com o poder 59

público ou com os representantes do poder legislativo.60

Nesse panorama, encontram-se diversas interpretações que vêm se alterando progressivamente, desde aqueles que acreditam serem os animais despossuídos de qualquer direito, aos que atribuem a algumas espécies maiores valores morais e, por isso, estão abarcados por um mesmo direito jurídico — pelo menos em alguns países. Até os adeptos do antiespecismo, que seria um ponto de vista totalmente contrário a qualquer tipo de valoração e discriminação entre qualquer ser vivo senciente, independe da espécie. Esses estudos, por sua vez, buscam romper com a lógica de oposição entre humanos e animais, pois afirmam que esta fronteira é uma escala criada pelos próprios humanos, que coloca este último como superior em relação às demais espécies. Para contrapor o antropocentrismo, muitos cientistas propõe a existência de um continuum entre animais humanos e animais não humanos, tendo como base estudos sobre comportamentos culturais entre animais e algumas capacidades cognitivas decorrente dessas. Desse modo, o homem não se difere por ser marcado pela cultura, enquanto os animais seriam um puro biológico. Javier Vernal61, ao comentar Ryden, destaca:

Ryder destaca a perspectiva de que homens e animais formam um mesmo continuum biológico e não acha razões, exceto as de ordem sentimental, para não colocar os homens e os animais num mesmo continuum moral. Segundo ele, as características mais importantes que o homem compartilha com outros animais são a vida e a senciência, isto é, a capacidade de experimentar prazer e dor.62

60 LEWGOY, Bernardo et al. Domesticando o Humano: para uma antropologia moral da proteção animal. Ilha: Revista de Antropologia, Florianópolis, v. 17, n. 2, p.75-100, 27 dez. 2015. Semestral. Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). . Disponível em: . Acesso em: 08 ago. 2017. p.86. 61 Javier Vernal é doutor em filosofia pela Universidade Federal de Santa Catarina e doutor em química biológica pela Universidade Autônoma de Buenos Aires. 62 VERNAL, Javier Ignacio. Continuidades animais: Argumentos contra a dicotomia humano/animal não humano. Interthesis: Revista Internacional Interdisciplinar, Florianópolis, v. 8, n. 1, p.60-86, 15 jul. 2011. Semestral. Disponível em: . Acesso em: 24 abr. 2016. 60

Isso significa, por assim dizer, que a proximidade entre humanos e algumas espécies é maior do que aquela que separa dicotomicamente os humanos do restante de todas as outras espécies. Vernal, bem como outros autores dão destaque às comparações entre humanos e chimpanzés, gorilas e outros primatas, ou mesmo golfinhos, baleias e elefantes, animais dotados relativamente de capacidades como os humanos. Logo, conforme argumentam os antiespecistas, dentro desse continuum não haveria porque colocar uma única espécie (homo sapiens) em contraposição a todo o conjunto das demais espécies. Nesses casos, o animal poderia ser considerado como sujeito de direito, como pode acontecer em algumas circunstâncias. Em 2005, em Salvador, um promotor de justiça pediu habeas corpus em favor de uma chimpanzé, "argumentando que os chimpanzés são parentes próximos do homem, com 99,6% de genes humanos". A intenção era transferir uma chimpanzé, chamada Suíça, de um zoológico para um santuário de primatas no Estado de São Paulo. 63 Este caso não teve sucesso, o habeas corpus foi negado pelo juiz64 e mesmo antes que a questão tivesse um desfecho, a chimpanzé faleceu uma semana após o pedido.65 Ainda assim, o caso foi bastante comentado, pois se tratava de conceder a um animal uma permissão até então restrita aos direitos humanos, como publicou a revista Época em 2007, ao levantar novamente esse tema, quando um caso semelhante ocorreu na Áustria, com dois chimpanzés.66 Todavia, essas alterações sobre a compreensão de outras espécies não param por aí. Aqui, elas corroboram com a proposta de que existe alteração de sensibilidades no sentido de promover aproximações entre humanos e algumas outras espécies.

63 CONSULTOR JURÍDICO. Promotor pede Habeas Corpus em favor de chimpanzé. Consultor Jurídico. Brasília. 20 set. 2005. Disponível em: . Acesso em: 12 maio 2017. 64 CONSULTOR JURÍDICO. Juiz nega HC a chimpanzé reclusa em zoológico na Bahia. Consultor Jurídico. Brasília. 22 set. 2005. Disponível em: . Acesso em: 22 set. 2017. 65 MANZINI, Gabriela. Chimpanzé morre antes que Justiça decida sobre habeas corpus na BA. Folha de São Paulo. São Paulo. 27 set. 2005. Disponível em: . Acesso em: 22 set. 2017. 66 BOCK, Lia. Macaco também é gente: Uma dupla de chimpanzés causa polêmica ao reivindicar direitos humanos no tribunal. Será que todos os primatas devem ser iguais perante a lei? Época. São Paulo. 23 jun. 2007. Disponível em: . Acesso em: 27 set. 2017. 61

Essa empatia ocorre na medida em que essas espécies apresentam comportamentos aos quais os humanos conseguem identificar traços de humanidade. Nesses termos, não exatamente o sentido de antropocentrismo está sendo refutado, pois os comportamentos de outros animais são medidos em função daquilo que o homo sapiens consegue identificar de suas próprias experiências. Por isso, o antropocentrismo está se expandindo no sentido de incorporar outros animais, para além dos humanos. Se em 2005, a justiça dos homens não forneceu o pedido de habeas corpus a um chimpanzé, uma década depois, na Argentina, a justiça concedeu esse direito a primatas em duas oportunidades. Um caso aconteceu em 2015, quando três juízes concederam esse direito a Sandra, um orangotango fêmea que vivia no zoológico de Buenos Aires, para que ela pudesse ser transferida a um santuário para primatas.67 O outro caso aconteceu em 2017, com uma chimpanzé chamada Cecília, nascida e criada por 19 anos no zoológico de Mendoza.68 Essas fraturas no que vem a ser compreendido como humanidade, vem sendo objeto de análise há muito tempo. Não exatamente com base da questão dos animais, mas baseada nessa diferenciação entre natureza e cultura, na qual boa parte da filosofia ocidental está assentada. O esmaecimento dessas fronteiras colocaria o problema do sujeito histórico e antropológico em questão. Heidegger, por exemplo, demarca a diferença e a recusa do biologismo na compreensão do humano.69 Noutros casos, como teorias sobre biopolítica, Agamben70 preocupa-se com o risco da biologização do homem, o homem nu, e a consequente perda da humanidade e a transformação do corpo em mercadoria. Matéria na qual recaem várias preocupações filosóficas de Michel Foucault. Grosso modo, se os humanos são um puro biológico já

67 COLOMBO, Sylvia. Orangotango ganha habeas corpus para deixar zoo de Buenos Aires. Folha de São Paulo. São Paulo. 27 set. 2015. Disponível em: . Acesso em: 27 set. 2017. 68 O GLOBO. Chimpanzé argentina consegue habeas corpus para ir para santuário brasileiro: Animal é a primeira do mundo a conseguir o direito por medida judicial. O Globo. Rio de Janeiro. 06 abr. 2017. Disponível em: . Acesso em: 27 set. 2017. 69 RIBAS, Ranieri. O Aberto: o homem e o animal de Giorgio Agamben – uma tentativa hipertextual. Pensando: Revista de Filosofia, Teresina, v. 4, n. 8, p.1-30, jun. 2013. Semestral. Disponível em: . Acesso em: 23 set. 2017. 70 AGAMBEN, Giorgio. L'aperto. L'uomo e l'animale. Bollati Boringhieri, Torino (Itália) 2002, 100 p. 62

não haveria fronteiras entre estes e os animais, fazendo com que os primeiros estivessem submetidos às mesmas regras pelas quais são tomadas as bestas: como objetos. Para Agamben, Foucault, Heidegger, Walter Benjamin, entre outros, de diferentes formas, o perigo de objetificação dos seres humanos poderia se apresentar como algo perigoso, como a submissão total num estado de exceção. Mas não necessariamente a redução dessas fronteiras é apresentada como a redução do homem à condição de animalidade. Muitos antropólogos têm produzido saberes buscando compreender as relações entre seres humanos e animais de maneira positiva. Como, por exemplo, Guilherme Sá, no livro "No mesmo galho: antropologia de coletivos humanos e animais".71 Como o próprio título sugere, o autor afirma que seria incompleta certas análises das relações entre humanos e animais não humanos se a pesquisa incidisse apenas sobre os primeiros. No caso de sua observação etnográfica, os muriquis eram parte essencial de sua pesquisa. Em outro tipo de análise, o antropólogo Jean Segata, em pesquisa sobre animais de estimação, os pets, a abordagem recai sobre a humanização dos animais, ou melhor, as negociações que se fazem aparecer entre a humanidade e a animalidade.72 Essas crescentes preocupações em relação aos animais, como não poderiam deixar de ser, têm sido apropriadas cada vez mais pelos meios acadêmicos e, têm formado alguns grupos de pesquisas, principalmente na filosofia e na antropologia. Destaco, grupos de pesquisa na UFSC, liderados pela professora Sonia Felipe, e na UFRGS, onde se destacam pesquisas coordenadas, além de Jean Segata, por Bernardo Lewgoy, que tem como objetivo observar as humanizações pelas quais têm passado os animais, sobretudo cães e gatos. Estes grupos de pesquisa têm fomentado uma grande produção de artigos, dissertações e teses, as quais não há espaço aqui para dialogar com cada uma delas. Destaco autores como Caetano Sordi, Liziane Matos, Leandra Pinto, Érica Pastori entre outros. Boa parte dessas produções acadêmicas conta com grande aporte intelectual de autores franceses, ingleses e estadunidenses, como, por exemplo, Bruno Latour, Philippe Descola, Jean-Pierre Digard e Donna Haraway.

71 SÁ, Guilherme. No mesmo galho: antropologia de coletivos humanos e animais. Rio de Janeiro: 7Letras, 2013. 224 p. 72 SEGATA, Jean. Nós e os outros humanos, os animais de estimação. Florianópolis, 2012. 200 p. Tese (Doutorado) - Universidade Federal de Santa Catarina, Centro de Filosofia e Ciências Humanas. Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social. . Disponível em: . Acesso em: 17 mar. 2015. 63

Dito tudo isso, como seria possível transpor questões como estas para as brigas de galos? No campo da historiografia seria demasiado pretensioso detectar negociações ou coletivos de, ou entre, homens e galos, pois não fazem parte do domínio do historiador trabalhar dessa forma. Ainda assim, buscarei, no capítulo seguinte, apresentar os galos no tempo histórico como parte dessas relações entre homens e galos em diferentes contextos e, como os homens no tempo produzem e reconfiguram estes galos. Resta ainda, para corroborar com a melhor compreensão das páginas a seguir, apresentar alguns dos pressupostos sobre as relações homem/animais que pretendo descrever, assim como lançar as bases para uma leitura mais fluida e focada no objeto a ser narrado. Por fim, a ideia que permeia aqui é a tentativa de compreender como as novas sensibilidades vêm se consolidando e incidindo sobre algumas práticas. E que, apesar de haver discursos hegemônicos totalmente contrários à sua continuidade, práticas lúdicas têm persistido. Essas persistências podem ser observadas de diferentes maneiras. E para isso, é preciso destacar como as sensibilidades são representadas em um grupo em específico e, de outra forma, para outros grupos. A título de exemplo, quando em outras investigações colhi depoimentos de galistas, eles geralmente buscam iniciar o diálogo justificando que os galos brigam em função de seus instintos naturais e que, por isso, se diferem de outras espécies e mesmos outros tipos de galos. Acerca disso, um problema surge ao estudioso das ciências humanas: se os galistas possuem compaixão pelas demais espécies, se estão de acordo com as considerações essenciais no que diz respeito às novas sensibilidades para com o mundo natural, qual é a fronteira que delimita a região de preocupação moral73 entre esses homens e os galos? Será que eles não se preocupam com seus animais ou será que galos de briga são diferentes de outros animais, ou têm outro tipo de consideração? Em primeiro lugar, os galos de briga não são propriamente animais de estimação, embora algumas vezes seus donos demonstrem grande apreço e admiração por eles. Contudo, segundo o que propõe Thomas a respeito do principium divisionis entre animais de estimação e os outros animais, existe algumas diferenças entre galos e outros animais de estimação: galos geralmente não entram em casa,74 até

73 THOMAS, op. cit., p. 178. 74 Ibidem, p. 135. 64

porque isso não seria apropriado para eles; não recebem nomes pessoais individualizados75 (geralmente tem nomes conforme a cor ou outras características), além disso, podem servir também como alimento.76 Dessa forma, entende-se que o galo de briga não é um animal de estimação, mas também não é para o trabalho, nem para fins ornamentais, mesmo alguns criadores apreciando seus dotes e beleza. A criação desse animal existe essencialmente para o prazer de certos aspectos do comportamento masculino, como afirma Thomas:

Eram apreciadas enquanto representação de combate privado. O galo é o símbolo de coragem masculina e façanhas sexuais (duplo sentido muito importante). Ele luta até a morte, ainda que cegado ou gravemente ferido; é louvado por sua “coragem invencível” e sua “resolução”, e o próprio esporte é elogiado como diversão nobre e heroica.77

Outro exemplo claro disso é o que escreve Geertz entre os balineses:

Para quem quer que tenha permanecido algum tempo em Bali, a profunda identificação psicológica dos homens balineses com seus galos é incontestável. [...] O fato é que eles são símbolos masculinos par excellence é indubitável e tão evidente para os balineses como o fato de que a água desce pela montanha.78

São símbolos da masculinidade na maioria dos lugares onde existem galos de briga e galistas, pois, nessas trocas ou negociações, esses homens querem que seus galos sejam supostamente como eles. Entre os galistas brasileiros, como já observei em outros trabalhos, predomina a ideia, por exemplo, de que galo que corre da briga se constitui numa vergonha, das piores que pode ocorrer para um galista. Afinal, há uma grande diferença entre "perder corrido" e "perder caído", porque o homem é inevitavelmente comparado aos seus galos. De acordo com isso, se os galos de um galista só perdem, seus pares o

75 Ibidem, p. 136. 76 Ibidem, p. 139. 77 Ibidem, op. cit. p. 219. Para adequar a citação foi necessária a alteração do pretérito pelo presente. 78 GEERTZ, op. cit., p. 283-4. 65

tomarão como perdedor, se correm: pior ainda. Mas se ganham, serão o deleite para seus donos, que serão respeitados pelos seus adversários. “O que está em jogo é o orgulho”,79 afirmou um depoente, e “quando se ganha de um galista grande você se equipara a ele”,80 reforçou outro. Seja como for, vale sublinhar que a briga de galos é uma prática cultural em que determinados homens encontram divertimento e outras modalidades de socialização, num meio social que ainda traz consigo significativos aspectos de sensibilidades diferentes das quais estão habituadas a maioria das pessoas. E, em face de uma sociedade cada vez mais cosmopolita, na qual prevalecem os padrões de civilidade forjados ao longo dos últimos séculos, a briga de galos, tal como vários outros tipos de divertimento, encontra resistências cada vez mais acentuadas para subsistir. Um dos problemas suscitados é a definição da prática como cruel. Contudo, é preciso observar este objeto além de suas classificações, oferecendo indagações mais específicas, para repensar a larga utilização desse termo, pois o mesmo é uma variável. O que um dia não era considerado cruel, passou a ser visto dessa forma. Sobre a suposta crueldade que é infligida aos animais, Thomas descreve:

Como salienta o historiador W. E. H. Lecky, havia dois tipos de crueldade: um, proveniente do descuido ou indiferença; e outro, do espírito de vingança. No caso dos animais, a crueldade mais corrente, no início do período moderno era a da indiferença. Para a maioria das pessoas, os bichos estavam fora dos termos de referência moral. As pessoas, [...] nem buscam infligir dor aos animais, nem evitam fazê-lo: “a dor nos seres humanos fora do círculo social ou a dor nos animais tende ser um assunto de interesse menor”. Trata-se de um mundo no qual muito do que posteriormente seria visto como “crueldade” ainda não fora definido como tal.81

Um problema recorrente destas linguagens, é que a categoria crueldade sempre é tratada como valor universal, o que se torna inviável quando se faz a opção pelo emprego do conceito de sensibilidade na sua forma plural. Mas, mesmo nas práticas consideradas violentas, os

79 NEREU, 2009. 80 JOÃO, 2009. 81 THOMAS, op. cit., p. 176. 66

valores que as permeiam não são os mesmos dos quais estão imbuídos os observadores externos. O toureiro e os aficionados de uma tourada não vão a um espetáculo buscando crueldade, nem podem ser considerados cruéis por isso, eles buscam beleza, excitação, romantismo. Os expectadores de uma briga de galos buscam sensações semelhantes, gostam de disputar e por em jogo seus egos. E os trabalhadores de matadouros e frigoríficos e os comedores de carne, muito menos, se tornam pessoas cruéis por suas práticas. Philippe Descola, em artigo intitulado "Estruturas ou sentimento: a relação com o animal na Amazônia"82 , se propõe a investigar as relação entre animais e os Achuar, grupo nativo da Amazônia equatoriana. Analisa a dificuldade em fazer a transposição de compreensões, que somente são possíveis em determinado contexto social e histórico. Sobre a suposta má consciência pela qual os Achuar passariam ao caçar um animal, Descola recusa tais comparações,

[...] porque isso implica projetar sobre culturas muito diferentes da nossa uma forma de sensibilidade com relação aos animais que talvez experimentemos espontaneamente, mas que sabemos ser o produto de uma evolução específica das práticas e das mentalidades, traçada em toda a sua complexidade por historiadores como Robert Delort (1984) ou Keith Thomas (1983). Não tivemos sempre má consciência em face do sofrimento dos animais, e muitos turistas ingleses que ficam indignados com a barbárie da tourada provavelmente ignoram que o ataque de molossos a um touro preso (bull-baiting) era um espetáculo apreciado por todas as classes sociais na Inglaterra do século XVIII. Além disso, a má consciência implica um dilema moral, e portanto um quadro ético em cujo seio se desenvolve um sistema mais ou menos explícito de direitos, obrigações e valores. Seria preciso então supor que esse quadro ético seja universal e que se coloque, sempre e em toda parte, o mesmo tipo de dilema quando se mata um animal.83

82 DESCOLA, Philippe. Estrutura ou sentimento: a relação com o animal na Amazônia. Mana [online], Rio de Janeiro, v. 4, n. 1, p.23-45, abr. 1998. Semestral. Disponível em: . Acesso em: 16 set. 2015. 83 Ibidem, p.32-3. 67

As pesquisas antropológicas sempre têm sido eficazes em contestar a universalidade de compreensão do mundo e, talvez isso, seja mais fácil identificar quando o cientista observa etnias com traços culturais completamente diferentes. Muito embora há uma extensa produção antropológica sobre costumes não muito distantes das práticas cotidianas dos grupos mais ocidentalizados, como são as observações sobre a humanização dos animais, como compreender mesmo nessas sociedades continuidades como touradas, brigas de galos, rodeios, entre outras atividades? As questões pelas quais passei até agora são um breve levantamento de alguns estudos sobre essas relações. Dito tudo isso, busco, a partir de agora tratar do meu tema especificamente, trazendo as questões de maneira mais concreta.

1.2. Uma experiência no velho continente: touros e galos

No último trimestre do ano de 2016 tive a oportunidade de viver um pouco fora do Brasil. Juntamente com minha esposa, passei cerca de 10 meses na França, mais especificamente na cidade de Montpellier, no sul daquele país, na região do Languedoc. Essa região se situa na borda do Mar Mediterrâneo, apresentando diversas peculiaridades. Essa vivência na França teve seus propósitos acadêmicos, tanto que solicitei uma permissão para meu programa de pós-graduação para pesquisar naquele país, pois de antemão eu sabia que tanto na França, quanto na Espanha, algumas regiões ainda permitem os combates entre galos de briga, além de outras práticas comuns como o tauromaquia e a caçada. Minha primeira experiência em campo foi em novembro do mesmo ano, quando fui para o Parque Natural Regional do Camargue. Este parque, predominantemente pantanoso, está situado também no sul da França, na região da Provença. Nele fica o delta do rio Ródano, um dos principais rios europeus a desaguar no Mar Mediterrâneo. Durante muitos séculos foi uma das principais rotas de navegação e comércio. Muito embora o Camargue se localize na Provença, fica muito próximo a Montpellier: cerca de 60 quilômetros até a pequena comuna Saintes-Maries-de-la-Mer, com pouco mais de dois mil habitantes.84

84 A título de curiosidade há um vídeo do Canal Rural sobre o Camargue: Renata Maron apresenta série especial "Camargue: o sul da França". São Paulo: Canal Rural, 2014. (6 min.), 68

Apesar de se constituir em um Parque Natural e, de certa maneira, em uma unidade de conservação, ao contrário do que ocorre no Brasil, essas regiões possuem intensa ocupação humana, bem como ambientes visivelmente transformados pela ação humana durante vários séculos. Desta forma, o Camargue é ocupado por salinas, pela agricultura — sobretudo pela viticultura e diversas espécies de arroz — e, pela pecuária, com a criação de cavalos e bovinos (os touros do Camargue). Além de abrigar espécies selvagens, dentre as quais se destacam os flamingos, os quais apresentam a maior população dessa espécie no continente europeu. Outra atividade importante no Camargue é o turismo, que além das atrações naturais, possui diversos patrimônios, entre os quais me interessou, devido à pesquisa, a tauromaquia. Muita gente não sabe, mas não somente a Espanha é um país onde as touradas são permitidas e se apresentam como uma característica da cultura nacional, mas também na França, sobretudo na região sul (também conhecida como Midi), os espetáculos tauromáquicos, em diferentes formas, são permitidos. As touradas são toleradas integralmente ou parcialmente em Portugal, México, Colômbia, Equador, Venezuela e Peru. E Saintes-Maries-de-la-Mer possui uma arena, onde são realizados eventos chamados Course Camarguaise. Ao contrário da tourada ou Corrida, a course se caracteriza principalmente por não haver sacrifício do animal.85 Muitas divergências existem acerca de seu surgimento. Muito provavelmente tenha surgido, como um costume rural, durante a Idade Média ou mesmo nos primórdios do período Moderno. A princípio era praticado em praças e ruas, no entanto, ao ser transformado em tradição, grosso modo, passa a ser realizado em arenas, ou mesmo em antigos anfiteatros romanos, como ocorre nas cidades de Nîmes e Arles. Em 1975 foi criada a Federação Francesa da Course Camarguaise (FFCC) e, ainda no mesmo ano, reconhecida pelo Estado como modalidade esportiva.

son., color. Disponível em: . Acesso em: 06 set. 2017. 85 Além das Corridas e da Course Camarguaise, existe na França outra modalidade, a Course Landaise. Seu nome deriva do departamento de Landes, onde é praticada. Além do Landes essa modalidade de tauromaquia é praticada na região da Gascogne, no sudoeste da França, e, assim como a Course Camarguaise, não há sacrifício nem derramamento de sangue do animal. Nela, os jogadores são chamados écarteurs e sauteur. Os primeiros fazem movimentos rápidos para se esquivar do animal, enquanto os segundos saltam e fazem acrobacias quando o animal tenta desferir as chifradas. Diferentemente das outras práticas taurinas, para esta, geralmente, são usadas vacas ao invés de touros. (N.E.) 69

Para além da preservação da vida do animal, a course se distingue por estar mais próxima à uma modalidade esportiva do que a um espetáculo, como são as touradas ao estilo clássico. O jogo, se assim pode ser dito, é formado não apenas por um toureiro, mas por vários deles, chamados de raseteur, que podem ser dois, até mesmo mais de trinta, dependendo do tamanho da arena. Os touros, chamados de cocardier, em referência a raça desse bovino, também são vários — seis para ser mais exato —, no entanto, entram na disputa um de cada vez. As regras preveem que os raseteurs, retirem alguns adereços amarrados aos chifres dos bois — cocarde, frontal, glands e ficelles — e que valem pontos para a competição. Para retirar esses ornamentos os raseteurs precisam distrair o touro, correr em sua frente ou ao lado e passam sobre o chifre do animal um instrumento metálico (le crochet) que seguram na mão, de forma a agarrar o adereço. Para tanto, estes necessitam de um porte bastante atlético, sendo geralmente homens jovens, na faixa dos vinte anos. Eles necessitam de grande técnica e velocidade para retirar estes atributos e correr em direção à cerca de madeira e, mesmo à grade da arquibancada, pois muitas vezes os touros enfurecidos pulam e quebram parte deste primeiro anel cercado construído em madeira. O público, por outro lado, está bem protegido, uma vez que as arquibancadas ficam em uma altura segura, onde os touros não têm como alcançar. Sobre os touros, são criados soltos na região do Camargue e, alguns deles, são selecionados para a utilização nas arenas. Eles são de uma raça específica da região, são todos de pelagem preta e tamanho menor que os touros espanhóis. Os touros que são utilizados nas arenas recebem nomes e são utilizados vários anos para a prática. Isso faz deles protagonistas dessa prática e os raseteurs conhecem cada um deles, sua fúria e o grau de dificuldade que cada um deles pode oferecer. Muitos desses touros se tornam famosos e permanecem na memória dessas comunidades. Em Saintes-Maries-de-la-Mer, em frente à arena existe uma estátua do touro chamado Vovo, pertencente à manada de Aubanel-Baroncelli entre 1944 e 1959.

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Figura 1 - Os atributos, le crochet e as respectivas pontuações.

Fonte: CLUB TAURIN DE JACOU. La fe di biou. 2009. Disponível em: . Acesso em: 07 jul. 2017.

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Sobre minha passagem pela vila, eu já conhecia um pouco a respeito, em função de um documentário da BBC. Este documentário mostrava vários lugares do mundo e algumas relações entre humanos e o meio. Sobre o Camargue, a ênfase se deu em relação aos flamingos e a Course Camarguaise. Como eu estava próximo àquela região busquei conhecê-la e, no final de semana que lá estive, dia 31 de outubro de 2016, estava acontecendo o encerramento da Course naquela temporada. A temporada tem início no mês de março e se estende até o início de novembro. Na região Sul da França, no Languedoc e Provença existem mais de 60 arenas, espalhadas por diversas pequenas vilas e vilarejos, como pode ser observado no mapa da página seguinte. O espetáculo tem início ainda na rua, onde o público acompanha a chegada dos cavaleiros. Minha expectativa era que a manada de touros viesse pelas ruas, guiada entre os cavalos, mas logo percebi que os touros vinham de caminhão, somente homens a cavalo chegavam como numa representação da condução da manada. Mais tarde fiquei sabendo que desde a década de 1970 os touros não são conduzidos pelas ruas, muito em função do perigo que podem oferecer. Claro que, também expressa a transformação do costume em tradição e a higienização do esporte. Na arena, a entrada é permitida mediante o pagamento de ingresso. Logo no começo, enquanto o público se acomoda, uma pequena banda de músicos tradicionais se apresenta. Em seguida, são acompanhados por quatro cavaleiros com lanças e mais oito senhoras com trajes tradicionais. Então, este grupo faz a recepção aos dez raseteurs, todos vestidos de branco como prevê a regra, com seus respectivos nomes nas costas. Pelo menos assim aconteceu naquele evento, em específico. Finda a abertura, retiram-se todos de dentro da arena. As cornetas soam e o primeiro touro é solto. Seu nome, idade, propriedade e demais características são anunciados pelo narrador no sistema de som. Muito excitado corre na arena, enquanto os raseteurs esperam atrás da cerca vermelha, passar esse primeiro momento de euforia do animal. Em poucos minutos os raseteurs pulam a cerca e provocam o touro. Quem distrai o animal são os tourneurs, antigos raseteurs que têm a função de fazer gestos e chamar a atenção enquanto um dos competidores passa correndo para agarrar algum dos atributos. Logo, ao passar perto do touro, eles correm para fora do cercado, usando a cerca para apoiar os pés, saltando sobre ela e, conforme a proximidade e necessidade pulam em seguida para os alambrados da arquibancada. Em algumas ocasiões mais tensas, quando o touro chega muito próximo do 72

Figura 2 - Localização das Arenas de Course Camarguaise. No primeiro mapa a França Metropolitana, com destaque para área onde é praticada a Course. Na sequência o recorte da área e as respectivas arenas utilizadas para esta modalidade.

Fontes: Carte de La France. 2017. Disponível em: . Acesso em: 18 jul. 2017. e FFCC (França). Localisation des arènes. Disponível em: . Acesso em: 12 maio 2017. 73

toureiro, o público aplaude e o sistema de som toca uma vinheta da música "Carmen", do compositor Georges Bizet (1838-1875). Na imagem a seguir é possível ter uma ideia um pouco melhor de como é organizada a arena.

Figura 3 - Course Camarguaise em Saintes- Maries-de-la-Mer, 31 out. 2016.

Foto: Misael Costa Corrêa 74

A arena de Saintes-Maries-de-la-Mer foi construída na década de 1930. Possui formato circular e tem capacidade aproximada entre 4300 a 4500 pessoas. Observando a imagem, é possível constar que as arquibancadas estão a mais de dois metros de altura em relação ao solo da arena. Esta conta com uma cerca vermelha que tem várias funções: delimitar o espaço onde o jogo é permitido, como proteção aos toureiros e como trampolim para escapar dos ataques do animal. Destarte, observando-se os desportistas de branco, é possível ver à esquerda um deles caminhando tranquilamente. Logo na sequência, outro está junto ao alambrado, indicando que ele recém tinha escapado do touro. Ao centro da fotografia, alguns dos toureiros esboçam pular para fora deste cercado, pois não é comum enfrentar o touro cara a cara. Muito embora exista essa cerca, ela não é exatamente um espaço muito seguro, pois muitas vezes o touro consegue pular e mesmo quebrar as tábuas, que frequentemente são repostas. Muitos touros possuem certa experiência nisso e parece que propositalmente desferem chifradas nessas tábuas, ou ainda, há outros que saltam sobre a cerca com enorme facilidade. Na medida em que o touro corre, ele se cansa, e isso facilita para os competidores. No entanto, o cansaço não pode beirar ao esgotamento e desinteresse do animal, por isso, o tempo de permanência dos touros não passa de quinze minutos, quando então toca o trompete e são substituídos, independentemente se foram retirados todos os atributos presos aos chifres. Para retirar o animal, algumas vezes, basta abrir o mesmo portão por onde entraram. Em outras ocasiões entra o boi condutor da manada, que com seu sino serve como chamariz, conduzindo-o para a saída. Chamou-me ainda bastante a atenção o uso do sistema de som para apostas. Durante praticamente os quinze minutos de disputa, o locutor anuncia as apostas realizadas por associações ou empresas nos raseteurs de suas preferências. Confesso não ter compreendido muito bem o sistema, mesmo depois de uma senhora presente no público ter me explicado. Posteriormente pesquisei sobre a course, acabei por acessar o site da Federação Francesa de la Course Camarguaise86, onde é possível conferir todos os locais dos eventos, o calendário da programação, o

86 Féderation Française de la Course Camarguaise (França). Disponível em: . Acesso em: 14 dez. 2016. 75

regulamento, a listas de classificação dos raseteurs ou daqueles que estão lesionados e ainda diversas informações relativas à entidade. No sítio eletrônico, observando as listas de raseteurs é possível verificar vários nomes não franceses, sobretudo nomes etimologicamente árabes ou magrebinos. Isso indica que, apesar de ser uma atividade tradicional local, o costume não é praticado apenas pelos franceses de longas gerações, mas está aberta à inserção de novos membros e, por se tratar de um evento público, não há restrição àqueles que podem ou não assistir as courses. Quanto à questão legal da prática não há muitas divergências sobre elas, inclusive a course camarguaise busca ser reconhecida como patrimônio imaterial da UNESCO. Ao menos é isso que noticiaram os diários 20 minutes87, Le Figaro88 e France Blue89, nos anos de 2016 e 2017. De acordo com o diário 20 minutes, esta é a terceira tentativa de reconhecer a Course Camarguaise como patrimônio imaterial, as outras tentativas foram em 1997 e 2004. O relatório tem sido encabeçado pelo deputado socialista Patrick Vignal (1958-), representante da região do Herault, no Languedoc. Segundo este deputado, dessa vez o documento se encontra mais bem elaborado e consistente, contando com a assinatura de pelo menos 35 deputados e senadores e mais 55 mairies90. O projeto está agendando para apresentação no início de 2018. Um dos principais argumentos é o temor de que a prática possa se extinguir. As causas são apresentadas de forma dramática, tanto pelo fator econômico, já que é uma atividade a movimentar cerca de 50 milhões de euros por ano, 200 clubes e criadores destes bovinos que vivem em semiliberdade na região do Camargue, quanto problemas ecológicos que teriam impacto na biodiversidade do lugar. Pelo menos é

87 BONZOM, Nicolas (França). Pourquoi la course camarguaise se bat pour être reconnue par l'Unesco: Le député PS Patrick Vignal souhaite déposer un dossier pour entrer au patrimoine immatériel de l’humanité…. 20 Minutes. Montpellier (França). 04 abr. 2017. Disponível em: . Acesso em: 05 set. 2017. 88 PAULET, Alicia (França). La course camarguaise bientôt reconnue par l'Unesco? Le Figaro. Paris. 03 dez. 2016. Disponível em: . Acesso em: 14 jul. 2017. 89 BERCHET, Romain (França). La course camarguaise bientôt au patrimoine de l'Unesco? France Blue. Montpellier. 14 abr. 2017. Disponível em: . Acesso em: 12 jul. 2017. 90 Mairie tem função similar a um prefeito no Brasil, no entanto, traduzir para prefeito pode causar alguns equívocos, pois a designação prefeito em francês remete a um chefe de poder regional e não municipal. (N.E.) 76

o que sustentam tanto os criadores como os responsáveis pelo parque, como também noticiou o diário 20 minutes91. Os defensores da course sempre alegam que ela é completamente diferente das corridas, por não haver prejuízo ao animal, no entanto, não é o mesmo discurso de algumas sociedades protetoras de animais e abolicionistas, como, por exemplo, a Société Nationale pour la Défense des Animaux (SNDA), ao alegar que o instrumento chamado le crochet causa ferimentos no animal.92 Contudo, a prática mais criticada é a tourada convencional, conhecida popularmente como Corrida. Essas despertam maiores compaixões, mesmo entre o público consumidor de carnes e do famoso foie gras (fígado gordo), pelo menos foi o que percebi ao conversar com um amigo francês. Dizia-me que o foie gras era uma tradição nas festas de final de ano, mas não tinha as mesmas convicções a respeito das touradas, mesmo já tendo assistido a uma, tempos atrás. Confesso também não ter me entusiasmado em comparecer a um evento dessa natureza. Muito embora eu conheça brigas de galos e já tenha presenciado a morte de animais, acredito que minhas sensibilidades também são perpassadas por discursos, percepções que não me permitiriam assistir a um espetáculo desses sem que eu deixasse de me incomodar de alguma forma. Que as touradas são um assunto complexo e divergem radicais opiniões não é novidade. Desde o século XVI são ora proibidas, ora permitidas, muito embora as motivações para a proibição não sejam as mesmas de sempre. Pela religião católica foi uma prática que não agradava e fez com que o papa Pio V a proibisse em 1567, através da Bula De salutis gregis dominici. No entanto, essa proibição foi revogada parcialmente em 1575, pelo papa seguinte, Gregório XIII.93 Na França, estão permitidas onde a atividade é considerada uma tradição, contando atualmente com mais de 40 arenas espalhadas pelas regiões administrativas da Occitanie, Nouvelle-Aquitaine e Provence-

91 LAEMMEL, Christine (França). Pourquoi la disparition des courses camarguaises menacerait l’écologie: Ce sport local très populaire dans le sud-est, contribue au maintien de la biodiversité.... 20 Minutes. Marselha. 06 jan. 2016. Disponível em: . Acesso em: 05 set. 2017. 92 SOCIÉTÉ NATIONALE POUR LA DÉFENSE DES ANIMAUX (França). Spectacles indignes, les corridas, la tauromachie. Disponível em: . Acesso em: 29 ago. 2017. 93 OLIVEIRA, Vítor Amaral de. Sebástica: bibliografia geral sobre D. Sebastião. Coimbra (Portugal): Ex Libris Sebasticæ, 2002. 770 p. (Catálogos e bibliografias). p.32. 77

Alpes-Côte d'Azur, conforme o mapa estilizado das principais cidades taurinas oferecido pelo jornal La Dépêche:

Figura 4 - As principais vilas taurinas da França.

Fonte: ATCHOUEL, Guillaume (França). Corrida: le Conseil constitutionnel donne raison aux aficionados. La Depeche. Toulouse. 22 set. 2012. Disponível em: . Acesso em: 24 set. 2017. 78

Muitas transformações aconteceram ao longo desses últimos quatro séculos, mas é, sobretudo a partir do século XIX que se observa uma moral que abrange os animais, ou ao menos algumas espécies deles, num regime de proteção e inviolabilidade do corpo. Nesta esteira, nos últimos anos, o movimento antitouradas vem ganhando cada vez mais visibilidade e adeptos, sobretudo com a ascensão de movimentos abolicionistas, o que indica uma crescente preocupação com o bem-estar animal. Todos os anos vários protestos marcam as touradas, como, por exemplo, em 2014, segundo o jornal O Globo,94 na abertura da temporada taurina, vários ativistas tomaram a arena na cidade de Arles. Na plataforma de vídeos digitais Youtube também é possível acessar a vários conteúdos semelhantes. Num deles, postado em 2011, há um episódio ocorrido na comuna de Rodilhan,95 próximo a Nîmes, onde cerca de 90 ativistas protestaram antes do início de uma Corrida. Todos estavam nas arquibancadas, quando uma parte do grupo abriu vários cartazes de protesto. Logo na sequência, outro grupo posicionado na parte oposta invade a área central da arena. Iniciam, então, um protesto com sinalizadores e palavras de ordem. O grupo das arquibancadas teve seus cartazes tomados pelo próprio público, enquanto isso, os invasores sentaram no chão em círculo e se seguravam uns aos outros para dificultar a retirada à força. O que acabou acontecendo em cerca de 10 minutos, quando aos poucos foram arrastados para fora da arena. Também há ocasiões de intervenções individuais ou em associação de poucas pessoas, como noticiou o Le Monde, em 15 de agosto de 2017,96 num evento ocorrido na cidade de Bayonne e outro em Dax. Quando um militante da associação Vegan Strike Group, correu para dentro da arena com mensagens de protesto escritas nas costas e no peito. Logo ele foi pego pelos seguranças e imobilizado por um policial. No episódio, a associação aproveitou para acusar os aficionados de

94 EICHENBERG, Fernando (França). Touradas da discórdia também na França: Início da temporada acirra ânimos no país entre abolicionistas e seus defensores. O Globo. Rio de Janeiro. 21 abr. 2014. Disponível em: . Acesso em: 17 ago. 2017. 95 Action anticorrida exceptionnelle - 90 militants dans les arènes de Rodilhan. Rodilhan: Animaux En Péril Asbl, 2011. (10 min.), son., color. Youtube. Disponível em: . Acesso em: 02 out. 2017. 96 GARRIC, Audrey (França). Un militant anticorrida saute dans les arènes de Bayonne: L’association Vegan Strike Group veut dénoncer « la barbarie que représente cette pratique ». Elle avait mené la même action à Dax, samedi. Le Monde. Paris. 15 ago. 2017. Disponível em: . Acesso em: 14 set. 2017. 79

violentos, já que na ação de imobilização do invasor, um membro do staff aproveitou para desferir alguns chutes no ativista. No dia 28 seguinte, segundo o sítio BOL97, um casal invadiu uma arena na cidade de Carcassonne. Todavia, o desfecho foi um pouco pior, pois o touro acabou atacando um de seus defensores. Este só não teve um final ainda pior porque os toureiros logo começaram a chamar a atenção do enfurecido animal.98 Ainda, segundo a matéria veiculada pelo O Globo, intitulada "Touradas da discórdia também na França: Início da temporada acirra ânimos no país entre abolicionistas e seus defensores", "em 2012, 65 cidades francesas organizaram um total de 178 touradas, resultando na execução de 1.068 touros." De tempos em tempos, são comuns as sondagens sobre as opiniões acerca das Corridas, que demonstram gradativo aumento do número de opositores das mesmas. Segundo a empresa IFOP (Institut français d'opinion publique), em 2007, 48% dos franceses se posicionaram contrários à atividade. Número que passou a 66% em 2010, e 73% em 2014.99 A pesquisa foi encomendada pela ONG Alliance Anticorrida,100 a qual, no ano de 2017, encomendou uma pesquisa somente nos departamentos de incidência das Corridas (Aude, Bouches-du-Rhône, Gard, Gers, Gironde, Hérault, Landes, Pyrénées-Atlantiques, Hautes- Pyrénées e Pyrénées-Orientales), sendo que 75% dos entrevistados se demonstraram também contrários à continuidade das touradas com morte do animal.101 Outro debate importante nos últimos anos se deu em função da inscrição das Corridas como patrimônio imaterial francês pelo Ministério da Cultura em 2011. No entanto, em 2015, a Corte

97 BOL. Ativista antitouradas invade arena e é ferido por touro na França. BOL Notícias. São Paulo. 28 ago. 2017. Disponível em: . Acesso em: 14 set. 2017. 98 com vídeo: CARCASSONNE: un militant anti-corrida fauché par un taureau dans l'arène. Carcassonne (França): Jean François Lafitte, 2017. (1 min.), son., color. Youtube. Disponível em: . Acesso em: 13 set. 2017. 99 IFOP (França). Les français et l'interdiction de la corrida. 2015. Disponível em: . Acesso em: 02 out. 2017. Conteúdo completo disponível em: 100 ALLIANCE ANTICORRIDA (França). 75% des habitants des départements "taurins" opposés aux Corridas. 2017. Disponível em: . Acesso em: 03 out. 2017. 101 Ibidem. 80

Administrativa de Paris anulou a decisão.102 Como era de se esperar, os embates não se resumem à esfera do judiciário e da opinião pública. Em 2015, de acordo com Le Figaro,103 na contramão dos movimentos pró- animais, o então primeiro ministro Manuel Valls (Partido Socialista) esteve em Camargue e deixou clara sua posição favorável às práticas taurinas. Nas eleições de 2017 o tema foi amplamente debatido e apropriado por partidos políticos, tanto de direita quanto de esquerda. Na pauta, é claro, a interdição das Corridas, a redução dos abates, sobretudo aqueles sem insensibilização, a luta contra experimentos animais, inclusão parcial de dietas vegetarianas nas escolas, regulamentação ou interdição da caça, entre outras ações. A reportagem do Le Monde, em 26 de janeiro, intitulada "os animalistas fazem campanha",104 busca apresentar alguns dos diálogos entre os coletivos e ONGs pró-animais e as candidaturas à presidência. Alguns dos candidatos incluíram algumas pautas de defesa dos animais, entre eles os candidatos Nicolas Dupont-Aignan, de direita, Jean-Luc Mélenchon, de esquerda, e Marine Le Pen, da direita nacionalista. Nas eleições legislativas, pela primeira vez participou o recém- formado Partido Animalista (Parti animaliste),105 fundado e oficializado em 2016, de acordo com matéria do Le Monde, do dia 29 de maio de 2017, apresentou 147 candidaturas à assembleia nacional.106 A mesma reportagem ainda destaca que a causa animalista, segundo uma voluntária da ONG , l’Association végétarienne de France, é

102 GARRIC, Audrey. op. cit. 103 BERDAH, Arthur (França). En Camargue, Manuel Valls défend les traditions taurines. Le Figaro. Paris (França). 12 ago. 2015. Disponível em: . Acesso em: 11 set. 2017. 104 BOISSELIER, Alexis (França). Présidentielle : les animalistes font campagne: Tandis que Nicolas Dupont-Aignan a présenté mercredi son comité de défense des animaux, les partisans de la cause tentent d’avancer leurs idées.. Le Monde. Paris. 26 jan. 2017. Disponível em: . Acesso em: 17 set. 2017. 105 PARTI ANIMALISTE (França). Parti Animaliste. 2016. Disponível em: . Acesso em: 17 ago. 2017. 106 GARRIC, Audrey (França). Elections législatives: à Nantes, la cause animale a trouvé sa candidate: Le tout nouveau Parti animaliste, qui a investi 147 candidats, veut interdire la corrida, la chasse de loisir ou encore réduire la consommation de produits animaux. Le Monde. Nantes. 29 maio 2017. Disponível em: . Acesso em: 04 ago. 2017. 81

apontada com muito entusiasmo como um partido "nem de direita, nem de esquerda". "Um conceito à moda".107 Estas alterações vêm ocorrendo com enorme rapidez e são parte de movimentos bastante horizontais, que têm nas redes sociais e nas campanhas públicas suas mais eficazes formas de disseminação de emoções, assim como a consequente transformação paulatina dessas bandeiras em luta política por via institucional. Ainda que, no institucional, as relações se deem por outras vias e disputas. Outro lugar que busquei incluir no meu roteiro de pesquisas foram as Ilhas Canárias, Comunidade Autônoma integrante do Reino da Espanha. As Canárias são constituídas por um arquipélago situado no Oceano Atlântico e dista aproximadamente entre 100 e 200 quilômetros da costa sul do Marrocos. Sua conquista pelo reino de Castela se deu ainda no século XV, e praticamente dizimou as populações autóctones conhecidas como guanches. A partir do final do século XV e início do XVI, as Canárias se tornam um local estratégico nas conexões entre Europa, América e Oriente. Muitas das naus que partiam ou voltavam da América passavam pelas ilhas para reabastecimento e trocas. Para Crosby,

As Canárias certamente e os dois outros grupos [de ilhas] possivelmente eram conhecidos já dos romanos e de outros navegadores do antigo mundo mediterrâneo, que as chamavam de ilhas Afortunadas. A Europa, entretanto, esqueceu-as ou pelo menos perdeu sua localização exata ao longo dos séculos do declínio de Roma e da Idade Média. Os navegadores da Renascença europeia descobriram ou redescobriram essas ilhas e fizeram delas o laboratório de uma nova espécie de imperialismo europeu.108

Crosby, em seu livro "Imperialismo ecológico", está absolutamente envolto em preocupações sobre a colonização europeia do mundo, a partir da era moderna, através da introdução de espécies exóticas e como esse movimento acabou favorecendo estes povos na formação daquilo que nomeia como neo-europas. Ou seja, sua tese consiste em reafirmar que a conquista europeia se deu em função de um domínio biológico, proposital ou não, sobre diversas espécies.

107 Ibidem. 108 CROSBY, Alfred W. Imperialismo ecológico: a expansão biológica da Europa 900-1900. São Paulo: Companhia das Letras, Schwarcz, 2011. p. 82. 82

Nesse sentido, as Canárias foram conquistadas através do cavalo e, por se localizar na rota das navegações, tiveram importância estratégia na colonização das Américas, de onde partiram com vários animais, entre eles os galos. Hoje, as Canárias, juntamente com a Comunidade Autônoma da Andaluzia, são as únicas da Espanha que ainda permitem a realização de brigas de galos. No entanto, as Canárias foram a primeira região autônoma a interditar as touradas. Desde 1991 não são realizadas Corridas nas Ilhas. A partir de alguns calendários de torneios de brigas de galos, que consegui através de comunidades do Facebook, optei por ir a Las Palmas, em abril de 2017. Seria mais fácil ir para a Andaluzia por questões de distância, no entanto, não consegui nenhum contato e, apesar de ter o calendário dos eventos, não sabia onde eram e a que distância eu poderia me hospedar dos lugares. Nas Canárias as informações pareciam melhor organizadas. Consegui um contato pelo Facebook, que me disse onde era o rinhadeiro, porém acabamos não tendo a oportunidade de nos conhecer. Então, me desloquei às Canárias por uma semana, mais exatamente para a Grã-Canária para — no final de semana dos dias 8 e 9 de abril — acompanhar o Terceiro Torneio Galístico de Primavera, a ser disputado no Centro Polidesportivo López Socas. Este torneio faz parte de um campeonato que ocorre em cinco ilhas do arquipélago (Grã-Canária, Tenerife, La Palma, Fuerteventura e Lanzarote), em dezenove encontros, sempre aos finais de semana. Ao menos era o que indicava o calendário de rinhas. Além desses torneios, soube posteriormente que havia outros que ocorriam paralelamente e não faziam parte do campeonato. Para o campeonato, que funciona num sistema de pontos, era preciso que cada equipe de galistas se inscrevesse e levasse pelo menos três galos a cada torneio, para ao final somarem-se os pontos e chegar a um campeão para a temporada. Nas Ilhas Canárias, bem como na Andaluzia, os galos utilizados para o combate são banquivóides. No arquipélago seus pesos variam entre 800 gramas e dois quilogramas e as unidades de medida são em libras e onças, um método mais preciso para medidas menores de massa. De acordo com Walter Seitenfus, este sistema de medição foi muito utilizado por galistas na fronteira sul do Estado do Rio Grande do Sul, devido à influência uruguaia e argentina.109 Estas peculiaridades

109 SEITENFUS, Walter M. Rinha de Galo. Porto Alegre: Comissão Gaúcha de Folclore, 1967. 40 p. (Comissão Gaúcha de Folclore; 26). p. 36-7. 83

buscarei dar conta no próximo capítulo, ao descrever sobre a difusão dos galos de briga e suas singularidades em algumas culturas. Sobre as Canárias, minha curta passagem pela Grã-Canária, foi uma busca por uma experiência em relação às brigas de galos, onde as mesmas fossem permitidas legalmente. E assim, observar que tipos de comparativos poderiam ser feitos em relação às rinhas praticadas clandestinamente no Brasil, bem como observar algumas das ressonâncias delas para além dos grupos que a praticam. No início, chamou-me bastante a atenção a organização da atividade, que para além do calendário preestabelecido antes de iniciar a temporada, existe uma Federação, a Federación Gallística Canaria,110 que conta com estatutos, criadores e rinhadeiros credenciados, regras que vão para além daquelas praticadas dentro das arenas. No sábado, dia oito, cheguei ao rinhadeiro mais cedo que o programado para o início. Como eu não conhecia muito bem o lugar, para não haver equívoco quanto à localização do rinhadeiro, resolvi me antecipar. O torneio estava programado para começar às 16 horas de sábado, mas quando eram perto das 14 horas eu já estava lá. O rinhadeiro, chamado de gallera, é um ginásio que está localizado num complexo polidesportivo, chamado Vicente López Socas, que conta com um campo de futebol, quadras de tênis, entre outras modalidades. Este complexo está localizado no distrito Cidade Alta que, como sugere o nome, fica em uma região mais alta de Las Palmas. Naquela hora o ginásio já estava aberto e alguns galistas já haviam chegado com seus animais. No centro da quadra já estava montada a arena de luta que, ao contrário das brasileiras, fica elevada em relação ao chão, acerca de pouco mais de um metro de altura. Ela é cercada por uma grade e isso facilita a visualização dos galos no momento do combate. Enquanto no Brasil, elas ficam na altura do solo, as laterais são acolchoadas para que os animais não se machuquem ao lutar encostados das bordas, no entanto, dificulta a visualização para aqueles que não estão nas primeiras filas. Há que se levar em questão o fator durabilidade das rinhas, conforme o regulamento de cada uma. Nas Canárias a regra estabelece 10 minutos de combate entre os animais, logo, não há muito tempo para lutas demasiada disputadas nas bordas do tambor111 , enquanto que no Brasil — com lutas de até 55 minutos — se o tambor não for acolchoado

110 A federação possui um sitio eletrônico, que pode ser acessado através de: 111 O tambor, que não é nada mais do que a arena ou o ringue. (N.E.) 84

pode acontecer de o animal quebrar uma asa ou uma perna e finalizar o jogo de forma não esperada, ou mesmo, numa expressão de Huizinga, "estraga o jogo".112 No rinhadeiro ainda haviam pouquíssimas pessoas, nem o serviço de bar estava funcionando. Logo em seguida, chegaram mais galistas com os galos em caixas. Nas arquibancadas eles se alojaram e começaram a preparar um dos galos para a luta. Isto é, começaram a colocar as esporas113 postiças, confeccionadas em plástico. Fui em direção a eles para estabelecer algum diálogo. Apresentei- me como brasileiro, conhecia brigas de galos e estava lá para conhecer como eram as rinhas naquele lugar. Sempre carregava comigo uma espora brasileira para mostrar aos galistas de lá, de forma a estabelecer um diálogo e, de certa forma, isso ajudava. Eles sempre foram gentis, no entanto, eu continuava a ser um outsider (forasteiro, que não faz parte daquela comunidade). Aliás, alguém só deixa de ser outsider em um rinhadeiro no momento em que faz parte do jogo. Ou seja, quando apresenta galos para a competição ou ao menos participa das apostas. Nessa conversa pude compreender um pouco das regras e do funcionamento do campeonato. Segundo eles, para o torneio cada equipe apresenta três galos para lutar, quem conseguir vencer em menos tempo, somando-se os tempos de cada combate, ganha mais pontos, que são somados durante toda a temporada. As parelhas, isto é, a combinação em pares entre os galos que vão competir, se dá pelo peso, que é informado pelos proprietários aos organizadores do evento dois dias antes. Os organizadores escolhem através dos pesos como serão distribuídas as parelhas, sendo que, no dia da luta, somente se confirmam os mesmos. Se o proprietário não passou o peso correto ele perde a luta. Quando chegam ao rinhadeiro, logo na entrada, toda a programação e ordem das lutas está afixada num folheto, que também é entregue a todos os participantes e/ou disponibilizado via Facebook, em uma comunidade virtual fechada. Quando eu falei que estava fazendo um doutorado sobre as brigas de galos no Brasil, isso parece ter acendido ainda mais a desconfiança deles. Muito embora um deles tenha começado a conversar mais

112 HUIZINGA, Johan. Homo Ludens: o jogo como elemento da cultura. 7ª ed. São Paulo: Perspectiva, 2012. 113 Espora ou esporão é uma excrescência córnea, cônica e aguçada, da parte posterior do tarso dos machos das aves galináceas (dic. Michaelis). Esse apêndice, situado na canela do galo, cresce constantemente, sendo necessário o seu corte oportunamente para que, nas rinhas, seja possível o encaixe da espora artificial. (N.E.) 85

comigo, contando que há pouco tempo um antropólogo114 tinha passado uma longa jornada na região acompanhando as atividades dos galistas, e naquele momento se encontrava na ilha de La Palma. Ainda assim, naturalmente, eles começaram a conversar mais entre si, pois os galistas começavam a chegar e é comum que cumprimentem uns aos outros. Logo também já era o momento de começar as lutas e toda a preparação que isso envolvia. Este galista que conversou mais comigo, sem demora me passou o contato do antropólogo e logo foi avisar da minha presença (para apresentar ou alertar) ao organizador do evento e ao presidente da federação. Isso pode ser banal, mas tem um grande significado. Quando algum membro de um grupo desconfia de um outsider — principalmente de um pesquisador que surge numa atividade envolta em disputas — o encaminha para alguém do grupo que é indicado como a voz autorizada, e pelo mesmo motivo, este tem a função de dialogar e fazer a política com os interesses externos à prática. O presidente da Federação Canária se chama José Luis Martín. Logo, muito educadamente, ele se apresentou, me falou sobre as brigas de galos nas Canárias, sobre a legalidade da prática, sobre o tratamento que é dado aos animais e as regras da atividade. Prontamente tive a impressão que se tratava de uma abordagem mais institucional, pois ele não sabia quais eram meus objetivos e que motivos me levaram àquele lugar. Coube a mim expor que não se tratava de nenhuma visita de caráter investigativo ou causar qualquer tipo de inconveniente aos praticantes. Nossa conversa girou em torno das minhas curiosidades sobre o local, bem como dos problemas que estavam enfrentando os galistas com os "animalistas". Martín me contou que o ginásio foi construído em 1980, especificamente para as rinhas. Posteriormente o local passou também a ser utilizado pela federação de luta canária, uma espécie de arte marcial própria das ilhas. A construção é pública e substituiu uma antiga gallera que ficava em Telde, cidade vizinha ao sul de Las Palmas. O terreno foi cedido pelo Ajuntamento e a construção foi realizada pelo Cabildo. Para melhor compreensão, ofereço as duas fotografias a seguir:

114 Trata-se de Ricardo Ontillera, doutorando em antropologia pela Roehampton University (Reino Unido). 86

Figura 5 - Gallera López Socas, 08 abr. 2017.

Foto: Misael Costa Corrêa

Figura 6 - Interior da Gallera López Socas, 08 abr. 2017.

Foto: Misael Costa Corrêa

Nas fotografias, autorizadas pelos organizadores do rinhadeiro, busco apresentar a estrutura do local que, para realização de combates de galos pode ser considerada como de alta sofisticação, pois, na 87

maioria das vezes são lugares bastante improvisados. A legalidade da prática — apresentarei no terceiro capítulo — possibilita a manutenção de rinhadeiros sofisticados, e mesmo higienizados, o que de certa maneira corrobora na pretensão de ser reconhecido como um esporte. Na primeira imagem apresento uma vista externa do local, muito bem conservado. Ainda é possível ter uma vista parcial do complexo polidesportivo. Enquanto na segunda fotografia busquei captar alguns dos elementos que julgo necessários para descrever o funcionamento do rinhadeiro. Ao centro, como mencionado, está a arena de lutas. Ela tem duas portinholas por onde entram os profissionais encarregados de manusear os galos no início e final do combate. Estes são os soltadores e não é qualquer pessoa que faz esse serviço, é preciso ter um conhecimento e respaldo para tanto. O piso central está revestido por um acolchoado e por lonas que nada têm a ver com as lutas de galos, mas estão lá porque o espaço é utilizado durante os dias de semana como centro de treinamento e lutas marciais, conforme afirmou Martín. Antes, deixou expresso que esta é uma atividade secundária e que, nos finais de semana, a prioridade é da Federação Galística. À direita existe uma mesa onde fica o juiz e seus auxiliares. Sua decisão não foi contestada em nenhuma oportunidade, e isso parece ser uma regra quase universal para as rinhas de galos, a qual Geertz bem observou nas lutas de galos balinesas115, e é recorrente no Brasil e em vários outros lugares onde existem brigas de galos. A estrutura do espaço conta ainda com gaiolas, que na foto apresenta somente a parte traseira das mesmas. Nas maiores, os galos permanecem a maior parte do tempo, na sequência as duas próximas aves a brigar são alojadas nas gaiolas ao lado da mesa do juiz, as quais parecem um armário, mais baixas que as gaiolas iniciais. Os galos retornam às mãos dos proprietários somente após combaterem, quando são recolocados nas mesmas caixas de madeira que os trouxeram. Entre um combate e outro não se perde muito tempo e essa foi uma das principais diferenças que notei em relação às rinhas no Brasil. No sistema espanhol e francês, como apresentarei a seguir, os galos são preparados com bastante antecedência e já estão totalmente prontos quando chega a vez deles de ir para o ringue. Além disso, como as lutas

115 GEERTZ, op. cit., p.290. Jamais vi o julgamento de um árbitro ser questionado sobre qualquer assunto, mesmo pelos perdedores mais desalentados, nem escutei jamais, mesmo em particular, uma acusação de parcialidade contra um deles ou qualquer reclamação contra os árbitros em geral. 88

têm uma duração menor, em cerca de três ou quatro horas se realiza uma quantidade muito grande de combates, entre 15 a 50, por exemplo, no Brasil, para se realizar o mesmo número de combate é preciso ficar o dia todo no rinhadeiro e, às vezes, até mais de um dia, dependendo do torneio e quantidade de parelhas formadas. Para além disso, no Brasil os galos são preparados poucos minutos antes de começarem a lutar, além das esporas nas patas, utilizam bicos metálicos para evitar a perda do bico natural, o que retarda ainda mais o processo de preparação. Como as lutas ainda são divididas em rounds, cada vez que um deles acaba, é preciso refrescar o galo, as vezes trocar bico, entre outros pequenos detalhes que prolongam a estadia dos galistas brasileiros nesses eventos. Conversando com alguns dos galistas canários sobre estes assuntos eles ficavam surpreendidos que as rinhas no Brasil demorassem tanto tempo. Era impensável para eles ficar o dia todo naquele espaço observando galos lutando, ainda mais quando as lutas ultrapassam dez minutos — o tempo máximo de uma luta entre dois galos naquele sistema e que leva, consequentemente, ao empate. Um combate tem final antes dos dez minutos com a vitória de um dos galos. Esta pode se dar por um golpe certeiro que leva ao nocaute, quando não à morte do adversário, ou ainda quando um dos galos foge da luta. Quando nocauteado, o galo é levantado em três tentativas. Quando muito debilitado e mesmo em pé, abre-se uma contagem de um minuto, caso não aja reação em buscar a luta, o combatente é declarado perdedor. As apostas, quando existem, são diferentes do que ocorre no Brasil, tanto em volume de dinheiro apostado, quanto em pessoas dispostas a apostar, quanto em tempo para apostar. Pelo fato da luta ter no máximo dez minutos, elas ocorrem logo no início do combate, e os valores que escutei pareciam modestos, girando entre 10 e 20 euros, ainda escutei alguém que se arriscou a apostar 50, no entanto, essa não foi a regra. Dos que lá estavam, não era uma maioria que estava disposta a propor e aceitar apostas. No Brasil há apostas muito mais variadas. Se aposta no galo, se aposta dando ou pedindo vantagem, se aposta num galo e também no adversário, aposta-se se a luta vai até um dos intervalos ou não, se corre ou se cai, se empata, se ganha, se não perde, entre outras nuances que pode propiciar um combate prolongado, e que tentarei deixar claro à medida que desenvolvo outras ideias. Quanto aos frequentadores nas Canárias, confesso que esperava um público maior, pois se trata de uma atividade legalizada. No entanto, 89

no primeiro dia contei 50 pessoas e no segundo aproximadamente 70. Como, às vezes, há um público que transita é possível que ao final do dia tenham frequentado mais pessoas, mas não muito mais do que isso. Um dos galistas afirmou que o torneio final da temporada, que seria em junho, era o mais frequentado e viriam galistas de todas as ilhas, naquele dia era mais reservado para o pessoal local. Em relação ao gênero, pouquíssimas mulheres, talvez umas três na arquibancada e uma mulher no serviço de bar, contudo, a presença delas foi discreta. A atividade, sem sombra de dúvidas, é marcadamente masculina, muito embora existam algumas mulheres que participam junto a seus maridos ou parentes. Na comunidade fechada do Facebook, frequentemente, são apresentadas mulheres galistas e mesmo aquele primeiro contato que fiz antes de ir para a ilha era de uma senhora que tem galos. Outro fator que me chamou atenção foi as relações entre as Canárias e países latino-americanos, sobretudo Cuba, República Dominicana, Porto Rico, entre outros, onde há certo intercâmbio de aves e mesmo galistas provenientes desses países. Ao fim desta curta experiência, vi 13 combates no primeiro dia e 28 no segundo. Galos pequenos, muito rápidos e com muita disposição em atacar o oponente, como é muito próprio dos galos banquivóides, no entanto, com pouca defesa e resistência como estava acostumado a ver no Brasil, onde predominam os galos orientais. Também não cheguei a conhecer nenhum criatório e não fui às outras ilhas. Como eu já conhecia o calendário oficial sabia que naquele momento não haveria competições em outros lugares. Além dessas poucas observações realizadas in loco, acompanhei e busquei maiores informações através de redes sociais e possíveis notícias vinculadas às brigas de galos nas ilhas e mesmo na Andaluzia, sobretudo àquelas com temas relacionados a disputas e divergências que poderia chamar de sócio-sensíveis. Por suposto as touradas ocupam grande parte do imaginário sobre atividades com animais, sobretudo na/sobre a Espanha. E envolvem questões que transpassam apenas a lógica do tradicional e do combate aos maus tratos aos animais, mas são também perpassadas por questões de identidade e pertencimento, onde talvez o maior exemplo nesse arcabouço foi a proibição das Corridas na Catalunha, em 2011. A medida, apesar de não ser isolada no contexto da tauromaquia, vai de encontro aos ideais autonomistas e separatistas catalãs, que buscam se diferenciar do restante da Espanha. Ainda assim, a redução 90

da prática, não só na Catalunha, é relativamente proporcional à difusão de novas perspectivas sobre os animais. Em 2015, o periódico espanhol El País trouxe uma reportagem acerca da influência dos resultados eleitorais nas práticas taurinas,116 trazendo simultaneamente um mapa das possíveis alterações.

Figura 7 - Corridas de Touros em Espanha.

Fonte: EL PAÍS (Espanha). El nuevo mapa político pone en cuestión los festejos taurinos: Ciudades y regiones que cambian de Gobierno abogan por eliminar o no subvencionar las actividades con toros. La excepción es San Sebastián, que vuelve a permitirlos. El País. Madrid. 31 jul. 2015. Disponível em: . Acesso em: 18 set. 2017.

116 EL PAÍS (Espanha) op. cit., 31 jul. 2015.. 91

Entre os atos dos novos governantes locais, em relação às práticas taurinas, estavam a convocação de referendos, a redução e, mesmo o cancelamento de incentivos, e ainda a declaração de cidade antitaurina e amiga dos animais, como nos casos de Madrid e Palma de Maiorca. A única cidade a retomar as atividades foi San Sebastián, no País Basco. No que tange as rinhas de galos a celeuma é bem menor. Curiosamente, grande parte das pessoas não sabe do que se trata, como também muitas acreditam que nem existam de maneira legalizada, ao menos essa foi uma das impressões que tive ao conversar com algumas pessoas logo que cheguei em Las Palmas. Posteriormente, em conversa com o antropólogo Ricardo Ontillera, ele confirmou essas minhas suspeitas, contando-me que nas ilhas maiores (Grã-Canária e Tenerife) muitas pessoas sequer fazem ciência da existência delas, porém o mesmo não se aplica a La Palma e Lanzarote, onde todos as conhecem. Apesar de menor repercussão, o debate e os conflitos ocasionalmente reaparecem. Em 2015, durante a reforma do Código Penal espanhol, o partido político Esquerra Republicana de Catalunya (ERC), chegou a propor emendas que incluíam castigos a quem praticasse atividades relacionadas às brigas de galos, segundo reportagem do El País intitulada: "Los gallos seguirán peleando en Canarias".117 Por fim, o Partido Popular vetou estas emendas. No entanto, longe de encerrar o assunto, os debates sociais e as desavenças entre aficionados e protetores dos animais seguem sem qualquer diálogo ou solução que venha agradar ambos os grupos. Ao contrário, ao menos os comentários em notícias online apresentam ainda mais desavenças e, por ser um ambiente virtual, permitem abordagens muito mais agressivas do que aquelas entre as pessoas num debate frente a frente. No ano de 2016, a revista da Vice118 produziu um videorreportagem sobre as rinhas de galos nas Ilhas Canárias,119

117 TOLEDO, Octavio (Espanha). Los gallos seguirán peleando en Canarias: El Código Penal no penaliza esta práctica, como pretendía ERC. El País. Santa Cruz de Tenerife. 15 fev. 2015. Disponível em: . Acesso em: 24 mar. 2016. 118 A VICE é uma companhia multimedia para com conteúdos dedicados ao público jovem, com temas que podem ser classificado como de entretenimento e bizarros, Lançada em 1994 no Canadá, a VICE conta atualmente com 36 escritórios por todo o mundo, conta com uma fonte exclusiva de vídeos on-line original, VICE.COM; uma rede internacional de canais digitais; um estúdio de produção de televisão e longa metragens; uma revista; uma discográfica e uma divisão editorial. 119 IBÉRICA: Peleas de gallos en Canarias. Realização de Pedro García. Teguise (Espanha): Movistar+; Vice, 2016. (10 min.), son., color. Série Ibéria. Disponível em: 92

buscando apresentar tanto o ponto de vista dos praticantes como dos animalistas e mesmo colocando-os em diálogo. O repórter Pedro García viajou a Teguise, na ilha de Lanzarote, onde se encontrou primeiramente com Toño Betancourt, presidente da gallera de Teguise, que o levou a um criatório de galos de rinha. No local, o diálogo proposto pelo entrevistador buscava compreender o que levava essas pessoas a se dedicarem a uma atividade como esta. Também conversou com mais dois casteadores (tratadores), observou a criação, treinamentos e cuidados aos quais os galos estão submetidos. Na sequência, García promoveu um encontro entre a ativista Ana Dominguez, da ONG Sara, protetora de animais, e o presidente da federação galística canária, José Luis Martín. Esta ONG, algumas vezes, chamou protestos contra as rinhas em frente aos rinhadeiros nos dias de lutas, no ano de 2016. O debate girou em torno da utilização de esporas artificiais e do corte de cristas que são feitos nos galos. No primeiro quesito, o repórter levanta a questão a respeito de acusações dos animalistas sobre a utilização de elementos externos ao combate, no que prontamente Martín afirma que são utilizadas esporas pelos galos. No entanto, ele rebate a acusação acerca da utilização de esporas metálicas, afirmando que nas Ilhas Canárias, bem como no resto da Espanha, jamais se utilizaram este tipo de espora. Dominguez rebate questionando o que significa "casquillo metálico" ao que Martín redarguiu. Ofereço aqui uma tradução livre para sua fala:

Em Canárias, toda vida as rinhas foram feitas com esporas naturais dos galos. Ou, como substituto, para galos que não tem esporas, que quebraram, ou que foram cortadas, se coloca uma espora [natural] de [outro] galo. Há alguns anos, já não havia a possibilidade de ter tantas esporas de galos para utilizar como esporas postiças, então se permitiu rinhar com esporas plásticas. As esporas plásticas são montadas sobre um casquillo metálico, que nunca estão no exterior.120

Este objeto, chamado casquillo, confeccionado em metal, serve como suporte para espora plástica. Ele é fixado sobre espora natural

. Acesso em: 04 nov. 2016. 120 Ibidem. 93

aparada. Primeiro é passada uma fita ou esparadrapo, para que o casquillo não machuque a pata do galo, em seguida ele é envolto na fita para ficar firme e, imediatamente, coloca-se a espora plástica, que também tem sua base coberta pela fita. Em outros casos, ao invés de utilizar tanta fita, elas são fixadas com uma cola. No Brasil, não se utilizam casquillos, as esporas plásticas são fixadas com esparadrapo diretamente na espora natural do galo, a qual precisa ser cortada caso o tamanho não permita o encaixe. Depois de instaladas as esporas artificiais, o juiz faz a medição, para que o tamanho não exceda e para que os galos possam brigar em condições de igualdade. O debate entre a animalista e o galista seguiu sobre as cristas dos galos que são operadas. Chama a atenção um conflito linguístico entre os debatedores quando Dominguez sugere que o corte se trata de uma mutilação, no que, Martín rebate dizendo que não pode ser entendida através destes termos. Segundo ele, é a parte do animal com mais ramificações nervosas e, brigar um galo com crista, provoca grande hemorragia. Seguramente é uma parte do animal que pode levar a uma grande perda de sangue, mas também é uma parte que pode atrapalhar o próprio animal em outros aspectos. Existem vários tipos de cristas de galos e os fatores culturais levam a vários tipos de excisão das mesmas. A finalidade e justificativa, além das apontadas por Martín, são: não atrapalhar a visão, diminuir a área na qual o outro animal pode fazer presa, diminuir o peso de uma crista muito grande, além de facilitar a limpeza do animal durante o cuido ou a luta. Geralmente os galos banquivóides, utilizados para rinhas em países ocidentais, têm praticamente toda a crista aparada, enquanto no Brasil, por exemplo, deixa-se uma parte da crista, pois esta serve para amarrar o bico superior postiço. Existem também os galos com crista de bola, os quais geralmente não necessitam ser aparados. Além das cristas, pelos mesmos motivos, é comum a ablação das barbelas e "orelhas". Os procedimentos para tais são muito simples, tesouras, algo para cauterizar ou estancar o sangue, o que pode ser feito com as próprias penas do animal, com giz moído ou cinzas. Os galos não esboçam muitas reações e se forem soltos, comportam-se como se nada houvesse lhes ocorrido. No entanto, é preciso evitar que se movimentem muito, não tocando a cabeça em telas, grades ou paredes, para que o sangue coagule e solidifique. As aves são seres vivos com forte poder de recuperação, não sendo afetadas por infecções ou purulências, ainda assim, é preciso resguardar a ave durante algumas 94

semanas, a fim de que tenha perfeita cicatrização das áreas, para que as partes operadas não se abram. Na parte final da matéria, o jornalista acompanha o senhor Betancourt ao rinhadeiro de Teguise, onde também acontece uma manifestação por parte de aproximadamente 30 animalistas, que ficam na parte exterior, há pelo menos 50 metros do local. Não tinha sido a primeira vez a acontecer uma manifestação, como afirmou Ana Dominguez. Aos gritos de "la tortura no es cultura", Dominguez concede entrevista a García, reiterando que o grupo "tenta comparecer todo o sábado para protestar e para que vejam o rechaço, a repulsa, contra esta atividade tão cruenta", nas palavras dela. Esses conflitos vêm indicando que não há negociação entre as partes, mesmo colocados frente a frente, estes grupos possuem experiências e relações diferentes com os animais, as quais dificilmente são traduzíveis apenas pela linguagem. Trata-se, sobretudo de emoções e sensibilidades. De uma sensibilidade que percebe o animal como um ser semelhante e passível dos mesmos sofrimentos e, por isso, necessita ser protegido, para uma sensibilidade que compreende aquele animal como abstração de desejos, de uma catarse aristotélica, mesclada com emoções que vão do orgulho e fascinação à derrota e desalento. No recorte final da reportagem, García e Betancourt conversam enquanto dois galos peleiam, sendo um deles de propriedade deste. García o indaga a respeito de que sentimentos passam ao entrevistado ao ver seus galos sofrendo ou gravemente feridos, ao que responde: "eu não os vejo sofrer, eu os vejo pelear!" Mais recentemente, um dos problemas enfrentados pelos galistas canários tem se dado em função das permissões dos rinhadeiros. Sobretudo na cidade de Güímar, em Tenerife. Tendo em vista que entre março e abril de 2017, galistas e alcadesa de Güímar, Carmen Luisa Castro, do Partido Popular, entraram em desacordo após o fechamento do rinhadeiro sob a alegação de que o mesmo não cumpria a legislação de 1991, sobre a proteção dos animais (mesma lei que havia interditado as Corridas nas ilhas).121 As propostas em Güímar buscam anteceder a uma reforma das leis sobre animais que está marcada para ocorrer em 2018, em toda a Comunidade Autônoma das Canárias, e que podem encerrar atividades,

121 CHIJEB, Norberto (Espanha). La alcaldesa ordena el cierre de la gallera de Güímar. Diario de Avisos. Güímar. 04 abr. 2017. Disponível em: . Acesso em: 27 abr. 2017. 95

como as brigas de galos e as caçadas, ainda muito tradicionais no arquipélago. Todas estas informações obtive acompanhando via uma comunidade no Facebook que, após estes atos tornou-se uma comunidade virtual privada, com acesso somente a membros autorizados. Tive então que insistir para me aceitarem no grupo, no entanto, boa parte das publicações foram deletadas e a nova comunidade só possui postagens a partir de 1º de abril de 2017. Ainda assim, pude acompanhar posteriormente o desenvolver do conflito, que contou inclusive, com uma passeata do coletivo de caçadores, galistas e palomeros, no dia 22 de abril, em Santa Cruz de Tenerife.122 Abro parênteses para chamar a atenção do termo "coletivo", pois ele é constantemente apropriado num sentido positivo pelos mais diversos grupos sociais. O caso espanhol não se resume às Canárias. Também na Andaluzia vários conflitos e intervenções vêm ocorrendo, no sentido de interditar à prática. Esta, desde 2003, conta com uma lei que garante a permanência da prática com a finalidade de seleção de cria, para a melhora da raça e exportação. A permissão se dá para criatórios autorizados e o público é restrito unicamente aos sócios.123 Isso não significa, de nenhuma forma, que não existam rinhadeiros e criadores clandestinos. Retornando à França, em maio, com a chegada de um clima mais favorável, decidi viajar ao Norte, em busca das brigas de galos. Os contatos prévios sempre são mais complicados, pois não é nada fácil entrar em contato através de correios eletrônicos, redes sociais, e conquistar a confiança das pessoas virtualmente. No norte da França as brigas de galos ainda são permitidas, devido uma lei assinada pelo presidente Charles de Gaulle (1890-1970) em 1964, a qual prevê a permissão dos combates onde a tradição é ininterrupta.124 Mesmo assim, os galistas franceses parecem tomar

122 EL DÍA (Espanha). Unos 2.000 cazadores rechazan los "ataques infundados" al colectivo: A la manifestación de cazadores, llegados incluso de otras islas, se sumaron compañeros de otras modalidades como galleros y palomeros Plantean más movilizaciones en mayo. El Día. Santa Cruz de Tenerife. 23 abr. 2017. Disponível em: . Acesso em: 25 abr. 2017. 123 ASANDA (Espanha). Gallos de pelea. En Andalucía está permitida la cría para su selección y exportación. Asanda (Asociación Andaluza para la Defensa de los Animales). Sevilla. 19 fev. 2012. Disponível em: . Acesso em: 24 mar. 2016. 124 FRANÇA. Lei nº 64-690, de 08 de julho de 1964. Loi N° 64-690 Du 8 Juillet 1964 Modifiant La Loi N“ 63-1143 Du 19 Novembre 1963 Relative à La Protection Des Animaux. Paris: Journal Officiel de La Republique Française, 09 jul. 1964. p. 6093-6093. Disponível 96

bastante cuidado para não divulgar demasiadamente a atividade. Tudo para não atrair a atenção dos animalistas. Depois de muitas buscas, enfim, consegui trocar alguns e-mails com membros da Fédération des Coqueleurs Région Nord de la France (Federação dos Galistas da Região Norte da França) e eles me enviaram um exemplar digital da Revista Le Coq Gaulois. No entanto, pediram- me para não divulgar ou repassar a revista. No material, que contém o calendário dos eventos para a temporada, pude fazer um mapeamento e escolher algumas das rinhas para visitar. Parti então para uma jornada de pouco mais de uma semana, em direção a Lille. Lille é uma cidade com fortes características industriais, sobretudo da indústria têxtil. É a décima maior cidade francesa, com uma população de aproximadamente 220 mil habitantes, no entanto, a região metropolitana, que conta com 90 comunas, possui aproximadamente 1,1 milhão de indivíduos, sendo a quarta maior aglomeração da França, após Paris, Lyon e Marselha. As brigas de galos, por sua vez, não existem na cidade, nem mesmo na mesma conurbação que inclui Tourcoing, Roubaix ou Wattingnies. Elas se encontram nas pequenas comunas, algumas delas pertencentes à região metropolitana. Todavia, a maioria delas situa-se ao longo da fronteira belga, nos departamentos de Nord e Pas-de-Calais que, a partir de 2016, na reformulação territorial francesa, passaram a fazer parte da região Hauts-de-France (Altos da França). Nos antigos departamentos estão distribuídos mais de 40 rinhadeiros, conhecidos em francês pelo nome de gallodromes, conforme pode ser observado no mapa da página seguinte. Curiosamente ou não, na França, tanto as rinhas quanto as touradas não estão presentes nas cidades maiores, como Lille, Marselha, Montpellier e Toulouse, mas, sobretudo, nas comunas mais próximas e vilas marcadas pela ruralidade.

em: . Acesso em: 26 ago. 2015. L’Assemblée nationale et le Sénat ont adopté, Le Président de la République promulgue la loi dont la teneur suit : Art, 1". - L’article 453 du code pénal est complété ainsi qu’il suit : «Elles ne sont pas applicables non plus aux combats de coqs dans les localités où une tradition' ininterrompue peut être établie.» Art. 2. - Toute création d’un nouveau gallodrome est interdite sous peine des sanctions prévues à l’article 453, alinéa premier, du code pénal. 97

Figura 8 - Nord-Pas-de-Calais e rinhadeiros em funcionamento de acordo com a Fédération des Coqueleurs de la Région Nord de la France.

Fonte: Elaboração própria a partir de mapa disponível em Cartograf.fr. Disponível em: . Acesso em: 14 set. 2017. 98

Chegando a Lille entrei em contato com o responsável pelo rinhadeiro de Gondecourt, um dos mais próximos da capital regional, ficando em torno de 12 quilômetros. Antes de partir, eu já havia telefonado para saber se haveria rinhas. Este galista, de aproximadamente 40 anos, foi muito gentil comigo e me levou a vários rinhadeiros. Em Gondecourt não havia rinhas naquele momento, houve uma fevereiro, mas como ela é realizada no prédio da escola e a mesma se encontrava em reforma, precisou adiar suas atividades para a temporada seguinte. O importante é, ao menos, organizar um evento por ano naquele local, para garantir a continuidade da prática, caso contrário, perde-se a permissão para realizar novamente os combates. Gondecourt, comuna com aproximadamente quatro mil habitantes, a exemplo de Teguise, também sofreu com protestos organizados por duas sociedades protetoras dos animais. Em primeiro de março de 2015, a Fundação Brigitte-Bardot125 e a Cause Animale Nord organizaram uma manifestação em frente ao local do rinhadeiro. Ao coro de "tradição bárbara" e "assassinos", os galistas entravam no recinto, com seus galos nas caixas, para participar de uma competição.126 127 Não foi a primeira contenda entre galistas e animalistas. Em 2012, um caso semelhante ocorreu na comuna de Laventie, a aproximadamente 25 quilômetros de Lille.128 A alegação das sociedades de proteção aos animais é de que a realização dos combates, nessas localidades, não respeitam a lei da ininterruptibilidade, de 1964.

125 Entidade de proteção aos animais fundada em 1986 pela atriz francesa (1934-), da qual é presidente. 126 LA VOIX DU NORD (França). Tensions autour des combats de coqs à Gondecourt : les défenseurs des animaux mobilisés: Un représentant de la fondation Brigitte-Bardot, une quinzaine de militants de Cause animale Nord ont manifesté, ce dimanche après-midi, à l’entrée d’une école de Gondecourt où étaient organisés des combats de coqs. La Voix Du Nord. Lille. 01 mar. 2015. Disponível em: . Acesso em: 16 nov. 2016. 127 No Youtube e por outros canais on-line é possível encontrar vídeos do ocorrido em Gondecourt. BFM TV (França). Combats de coqs: une coutume dénoncée par les défenseurs des animaux. 2015. (1 min.), son., color. Disponível em: . Acesso em: 14 nov. 2016. 128 DEVRED, Jean-Marc (França). Combats de coqs : polémique à Laventie: A Laventie (Pas- de-Calais), des combats sont organisés à l'occasion des Journées du patrimoine. Cela fait débat.. France Info. Paris. 11 set. 2012. Disponível em: . Acesso em: 26 set. 2012. 99

Figura 9 - Protesto de animalistas em frente ao Gallodrome de Gondecourt em 1º de março de 2015.

Fonte: LA FONDATION BRIGITTE-BARDOT (França). Combat de coqs à Gondecourt. 2015. Disponível em: . Acesso em: 08 ago. 2017.

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No caso de Laventie, o concurso faria parte das Jornadas Europeias de Patrimônio, mas que, no entanto, não eram contínuas e, por isso, não estavam em conformidade com a lei. Dias após a polêmica, de acordo com o jornal Le Parisien, as autoridades de Laventie entraram em acordo para cessar as atividades do rinhadeiro na cidade.129 Já em Gondecourt, o gallodrome parece ter resistido às investidas animalistas. Mesmo o maire da comuna, Régis Bué, um tanto irritado, concedeu entrevista ao jornal La Voix du Nord, defendendo a prática. Segundo ele, por ser um nativo da comuna, afirma que as rinhas existem há muito tempo no lugar e conclui questionando se a Fundação Brigite- Bardot conhece Gondecourt melhor que ele.130 O primeiro rinhadeiro que visitei em funcionamento foi na comuna de Hantay, uma pequena vila com cerca de 1250 habitantes, a 20 quilômetros de Lille. Chegando lá, vários carros na rua, algo bem chamativo para qualquer pequena vila. Entrando pela porta chego à bilheteria, à esquerda outra porta leva ao espaço da rinha, à direita um café, de bom padrão. Servem-se bebidas, alcoólicas ou não, e petiscos. O rinhadeiro está bem identificado, o próprio café se chama Le Gallodrome e, atravessando a rua, existe uma placa em homenagem ao singelo estabelecimento. Todos os gallodromes cobram uma entrada de três euros por pessoa, esse valor serve para custear parte da aposta predeterminada.131 Antes de começar os combates — os quais sempre têm hora marcada para iniciar — a maior parte das pessoas estava no bar, tomando ou comendo algo, várias pessoas paravam de mesa em mesa para conversar. Também havia algumas famílias no local, todos parecem se conhecer e se cumprimentam. Conversei com alguns, na medida em que meu francês me permitia, mostrei as esporas brasileiras para alguns,

129 LE PARISIEN (França). Laventie renonce à organiser un combat de coqs, faute d'autorisation. Le Parisien. Saint-Ouen. 14 set. 2012. Disponível em: . Acesso em: 26 set. 2012. 130 A reportagem original conta: Un courrier qui hérisse Régis Bué, le maire de Gondecourt, une commune de quelque 4 000 habitants. «Je suis Gondecourtois de longue date et pour moi, ces combats de coqs ont toujours existé», affirme-t-il à «La Voix du Nord». « Certains disent que la tradition aurait été interrompue. À ma connaissance, c'est faux. La fondation Bardot connaîtrait-elle Gondecourt mieux que moi ?» raille l'élu. LE PARISIEN (França). Combats de coqs dans le Nord: la fondation Bardot sur ses ergots. Le Parisien. Saint-Ouen. 27 fev. 2015. Disponível em: . Acesso em: 22 nov. 2016. 131 Essas apostas são definidas pelos proprietários da rinha e anunciados muito tempo antes. Por exemplo: 20 x 50. Isso significa que o dono do galo paga 20 para concorrer e ganha 50 se for vitorioso, isto é, ganha seus 20 de volta, mais vinte que foram pagos pelo adversário e os 10 restantes são pagos com o dinheiro das entradas. (N.E.) 101

que se mostravam bastante interessados e impressionados com a "pequenez" da espora brasileira em relação à francesa. Mais admirados ficavam quando eu contava que no Brasil as rinhas tinham duração de 55 minutos, frente aos 6 minutos de rinha na França.

Figura 10 - Gallodrome d'Hantay, fevereiro de 2014.

Fonte: FRANCEINFO (França). Combats de coqs: le Conseil constitutionnel confirme l'interdiction de construire de nouveaux gallodromes: Les Sages valident la constitutionnalité d'un texte de 2006 interdisant la construction de tout nouveau bâtiment accueillant des combats de coqs en France. Franceinfo. Paris. 31 jul. 2015. Disponível em: . Acesso em: 7 jun. 2017.

Quando o relógio se aproximou das 16 horas, o pessoal começou a se deslocar para sala do rinhadeiro. Alguns ficavam do lado de fora, preparando os galos com as armas, o que geralmente é feito entre 15 e 20 minutos antes de chegar a vez da peleja. Logo em seguida fomos assistir aos combates, que naquele dia foram aproximadamente 30. Na França, assim como nas Canárias, as parelhas são feitas pelos organizadores antes do evento iniciar. Para tanto, cada proprietário, pesa seus galos em casa e informa com antecedência, de um dia, o peso daqueles que irão concorrer. Ao contrário do que acontece no Brasil, não se mede altura, não se escolhe adversário e valor da aposta. No rinhadeiro, logo na entrada, uma tabela com os combates estava afixada, e seguiram aquela ordem.

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No rinhadeiro, me chamou a atenção não haver gaiolas. Cada galista leva seu galo numa caixa e estas ficam, às vezes, encostadas nas paredes. A arena dos galos também é diferente, assim como nas Canárias ela fica elevada, no Brasil, como já mencionado, é rente ao chão. A estrutura do tambor também é diferente, enquanto no Brasil as laterais são acolchoadas, na França, assim como nas Canárias, uma tela que divide o ringue do lado externo. Quanto à rinha é complicado fazer avaliações, porque sempre estive acostumado com algo totalmente diferente e que para mim era mais lógico. No Brasil, o lógico é que o melhor galo vença e não o que acertar primeiro. Há muitas variáveis nesse jogo: o tipo de galo e o tipo de espora, para mim, são os mais importantes, pois alteram praticamente tudo, desde a disputa entre os galos, que proporciona ou não a possibilidade de reversão, quanto aquilo que é colocado em disputa entre os homens. Quanto às esporas, as francesas são demasiado longas, com aproximadamente cinco centímetros. São confeccionadas em aço e têm forma de agulha. São feitas para os galos se aniquilarem em seis minutos, muito embora ocorram vários empates. Os galos utilizados nos tempos de rinha curtos necessitam de maior explosão, por isso, partem direto para o ataque e se defendem menos. Então, comparando com galos brasileiros, que necessitam disputar corpo a corpo, manter posições de defesa, torna-se algo muito distinto. Galos franceses, numa linguagem galística, não precisam brigar, precisam bater, morder e atirar. Nada de perder tempo com técnicas de lutas. Como as lutas são curtas também não há muito preparo físico dos animais, logo em poucos minutos estão esgotados e caem no chão. Como a espora é grande, os galos se estragam muito fácil, o componente sorte parece ser preponderante, muito embora existam diferenças na qualidade dos galos. Quando um galo perde ou não tem mais condições de se recuperar eles são sacrificados logo após a luta, e não são desperdiçados. São levados para casa ou dados a alguém para servir como alimento, dos quais se pode fazer diversos pratos, entre eles o famoso prato da culinária francesa chamado "Coq au vin". Naquele dia contei aproximadamente 100 pessoas no rinhadeiro e de certa forma achei mais movimentada do que as rinhas em Las Palmas.

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Figura 11 - Esporas e bicos

Fontes: 1. BANNER, Geonni. Shelter from the Storm: Speaking of Feathers. 2015. Disponível em: . 2. Kit Com 2 Pares De Luva Para Galo Frango Ou Galinha Proteção. 2017. Disponível em: . 3. ROGERS, Darin. Balinese Cock Fight. 2010. Disponível em: . 4. Foto: Misael Costa Corrêa. 5. SADET, Guy. Album - Combats de coqs dans le Nord. Disponível em: . 6. Gallera La Choza. 2008. Disponível em: . 7. VAZ, Claudio. RBS. Combate à rinha de galo na Região Central. Diário de Santa Maria. Santa Maria. 19 dez. 2010. Disponível em: . 8. TRÊS PASSOS NEWS. Proprietários fogem da polícia e deixam veículos em rinha de galo, em Três Passos. Três Passos (RS). 24 dez. 2017. Disponível em: Acessos em: 15 jan. 2018. 104

No dia seguinte, uma segunda-feira, fui a Flines-lez-Raches. Comuna de aproximadamente 5500 habitantes, localizada a 30 quilômetros ao sul de Lille. Naquele local, não havia indicação de que se tratava de um gallodrome, mas duas placas. Uma delas escrita "Salle Yvon Delplanque" e "Societé de Loisirs de Cattelet", localizada em frente a uma igreja e se assemelhava mais a um salão comunitário do que os outros rinhadeiros. Flines-les-Rachez fica muito próximo à Bélgica, cerca de quinze quilômetros, por isso, naquele dia vi muita gente proveniente daquele país, muitos carros nos estacionamentos e na rua. Logo na entrada, um cartaz com os combates, 56 no total. No interior do salão muitas mesas e uma arena montada ao fundo. Sem arquibancada, mas muita gente nas mesas e mesmo em pé. Naquele dia, parecia ter o dobro de pessoas que no dia anterior. Talvez umas 200, e na medida em que os combates eram realizados parte dos galistas que já haviam brigado seus galos iam embora, assim, à medida que se aproximava do final do evento, poucas pessoas restavam no salão. Chamou-me bastante atenção a quantidade de pessoas, sobretudo mulheres, talvez umas quinze, e de várias idades, o que de fato é bem significativo se comparar com brigas de galos em outros lugares. Além disso, algumas tinham um papel muito mais ativo. Vi inclusive uma mulher apostando e outra entrando com o galo no tambor. Quanto à idade dos frequentadores, a maioria aparenta ter mais de 50 anos, o que muitos apontam como um público envelhecido e uma prática que corre riscos de deixar de existir com o tempo. Algo que não estou completamente convencido, pois faz mais de 30 anos que o público majoritariamente composto por pessoas com mais de 50 anos. Acredito que tenha diminuído o número de entusiastas desde 1964, no entanto, em relação à predominância dessa faixa etária, acredito também que ela se dá justamente porque são aposentados e podem dedicar mais tempo para as rinhas, desde a criação até o comparecimento em dias de semanas a esses eventos. Ou seja, faz mais de 30 anos que as rinhas de galos são frequentadas por um público envelhecido, mas que, no entanto, vão sendo substituídos por outros. As brigas de galos também são frequentadas por pessoas mais jovens, talvez um terço tenha menos de 50 anos. É preciso, além disso, levar em consideração componentes de uma sociabilidade marcada pelo masculino, principalmente por homens mais velhos e que, alcançaram um reconhecimento no grupo, isso ajuda a compreender essa predominância. 105

Minha assistência seguinte foi no Gallodrome de Tourmignies, pequena comuna com pouco mais de 800 habitantes, e que dista cerca de quinze quilômetros ao sul de Lille. Este rinhadeiro era diferenciado, pois nele, nas quartas-feiras, a cada duas semanas, ocorria um campeonato de pontos corridos. Isto é, os galistas se inscreviam através do pagamento de uma taxa, no início da temporada, que se dá no início do inverno, e devem levar galos para concorrer nesse torneio. Vitórias, empates e derrotas recebem as devidas pontuações e, ao final da temporada, são somadas de forma a apontar o galista campeão do ano.

Figura 12 - Vista externa do Gallodrome de Tourmignies, agosto de 2016.

Fonte: GOOGLE. Google Street View. 2016. Disponível em: . Acesso em: 10 set. 2017.

Nesse rinhadeiro, que funciona junto a um café, o número de combates foi menor — 16 no total — no entanto, a qualidade dos galos, de maneira geral, era visivelmente superior àquelas dos outros rinhadeiros e, por conseguinte, o entusiasmo do público também. Várias apostas, não muito altas, que começavam em cinco euros e, se aceitas, passavam para dez ou vinte, não mais que isso. Até mesmo apostas de 106

lambuja presenciei, coisa que jamais esperava. Ofertas de cinco contra quatro e cinco contra três nos favoritos. Também era um lugar de afluência dos belgas, já que na Bélgica as rinhas são proibidas desde 1929. Contudo, os criadores mantêm a prática e, na medida do possível, esta é repassada aos filhos e amigos. Muito embora parte dos belgas fale francês, sobretudo os provenientes da Valônia, boa parte dos galistas eram provenientes da região de Flandres, onde a língua neerlandesa ou flamenga é predominante, por isso era comum escutar vários galistas no rinhadeiro conversando neste idioma.

Figura 13 - Vista interna do Gallodrome de Tourmignies

Fonte: Arène cock cockfight combat coq france gallodrome nord ring. Disponível em: . Acesso em: 10 ago. 2017.

É possível afirmar, assim, que as rinhas de galos no norte da França são uma atividade franco-belga, pois mesmo proibidas de um lado da fronteira, é grande o número de criadores e associados à federação. Até mesmo alguns rinhadeiros são mantidos ou recebem a colaboração dos galistas belgas para a sua manutenção. Isso ficou ainda mais claro para mim quando fui a um rinhadeiro em Wannehain. Esta comuna de pouco mais de mil habitantes está junto à fronteira belga. Lá, a maire concede, em alguns finais de semana, um espaço na escola para a realização das rinhas. 107

Ainda estive mais uma vez em Hantay, e alguns galistas devem ter pensado que eu ficaria por mais tempo. Acredito ter sido bem acolhido. Compreendi ainda que se trata de uma atividade na qual o fim é a sociabilidade. Muitos galistas, simpatizantes e suas famílias vão a estes lugares, às vezes, passam mais tempo conversando entre si na parte externa e no café do que assistindo os combates. As apostas são baixas e as expectativas de lucro são menores ainda. Apesar de ser um jogo e, pelo mesmo fato algo sério, as pessoas parecem estar ali mais para conviver umas com as outras do que para vencer. O galismo pode ser uma atividade considerada tradicional, mas não nos termos que Hobsbawm atribui às "tradições inventadas", e sim no que ele descreve como costume.132 Mas é importe notar que ela não representa tradicionalmente essa região de fronteira, seu público é formado por um pequeno segmento, e os únicos dados oficiais para medir são os próprios números concedidos pela federação quanto às licenças para criadores. De acordo com reportagem do Le Parisien, cerca de duas mil licenças foram concedidas no início de 2013.133 Posso supor que existe um público expectador e acompanhante que não é mensurado, mas, mesmo que fosse cinco ou 20 vezes maior que o de licenças, é um número baixo, frente aos quatro milhões de habitantes de Nord-Pas-de-Calais e aos milhões de belgas que habitam em toda a extensão da fronteira franco-belga. Uma das impressões que tive é que, na França, as pessoas desconhecem ainda mais a existência das brigas de galos. Diversas pessoas com as quais conversei não faziam ideia de que isso ainda era permitido em algum lugar do país, inclusive uma pessoa natural de Lille, com a qual conversei, ficou surpresa com a existência de rinhadeiros naquela região. E até em Saintes-Maries-de-la-Mer, em frente à Arena, um senhor frequentador das Courses, ao conversar comigo, ficou surpreendido quando eu lhe falei que pesquisava sobre brigas de galos e que elas ainda existiam no Norte. Na sua reação de estranheza, exclamou: bizarre! Essa suposta invisibilidade e desconhecimento tem ajudado os galistas a manterem sua prática, se comparada com as Corridas, mesmo em face às disputas que se intensificam, principalmente com o

132 HOBSBAWM, E. J.; RANGER, Terence O. A Invenção das tradições. 10ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2008. 392p. 133 LE PARISIEN (França). Combats de coqs dans le Nord: la fondation Bardot sur ses ergots. Le Parisien. Saint-Ouen. 27 fev. 2015. Disponível em: . Acesso em: 22 nov. 2016. 108

estabelecimento e crescimento de sociedades voltadas a causa dos animais, ecologismo, vegetarianismo, veganismo e mesmo na formação de partidos políticos, como exemplo, o surgimento os partidos verdes europeus, na década de 1980 e 1990. A ascensão de várias causas, entre elas as citadas acima, juntamente com o desgaste da política mais tradicional, têm promovido o surgimento de novas frentes na política, sobretudo aquelas destinadas a "pequenas causas", ou as "minorias", em busca de espaços institucionalizados dos espaços de decisão, os quais muitas vezes são os partidos políticos, na sua forma tradicional ou não. Cito aqui o caso de partidos que se colocam como representantes de algumas causas, dentre elas a defesa dos direitos dos animais ou, por outro lado, a defesa das tradições. Na Espanha isso parece ser mais fácil de identificar, como o caso do partido político "Podemos", que vem se manifestando seguidamente contra as touradas, brigas de galos e várias práticas apresentadas como degradantes. Essa é uma imagem que sobressai, sobretudo em outros países da Europa, pois as práticas ditas cruéis em relação aos animais geralmente são associadas a costumes espanhóis. Este é um discurso bastante frequente, observável, por exemplo, na fala de Silvia Barquero, presidenta do partido PACMA (Partido Animalista Contra el Maltrato Animal): "Não podemos seguir sendo um país de festa e sesta no que não se entendem os festejos sem o maltrato aos animais".134 Ou ainda num comentário de uma notícia sobre os caçadores e galistas nas Canárias: "Tem que proibir essa selvageria contra os animais já! Mão dura contra maus tratadores, com penas de prisão duras! Sejamos primeiro mundo de uma vez e deixemos de ser a vergonha da Europa!"135

134 CARBAJOSA, Ana; SÁNCHEZ, Álvaro (Espanha). El triunfo de la España sin toros: Los animalistas dan la sorpresa superando a partidos consagrados como UpyD o Bildu. El País. Madri. 22 dez. 2015. Disponível em: . Acesso em: 21 ago. 2017. Tradução livre para: "No podemos seguir siendo un país de fiesta y siesta en el que no se entienden los festejos sin el maltrato a los animales". 135 EL DÍA (Espanha). Unos 2.000 cazadores rechazan los "ataques infundados" al colectivo: A la manifestación de cazadores, llegados incluso de otras islas, se sumaron compañeros de otras modalidades como galleros y palomeros Plantean más movilizaciones en mayo. El Día. Santa Cruz de Tenerife. 23 abr. 2017. Disponível em: . Acesso em: 25 abr. 2017. Tradução livre para: Hay q prohibir estas salvajadas contra los animales YA. Mano dura contra maltratadores, con penas de cárcel duras. Seamos primer mundo de una vez y dejemos de ser la vergüenza de Europa. 109

Por outro lado, outras organizações se agrupam no sentido de disputar espaços e rebater essas modificações. No caso espanhol, o partido ANATUR (Acción Natural Ibérica)136 se propõe a defender a continuidade das brigas de galos, touradas e atividades de caça. Esse partido, a maneira de tantos outros, se afirma como nem à direita, nem à esquerda. Na França, desde 1989, existe o partido Chasse, Pêche, Nature et Traditions (Caça, Pesca, Natureza e Tradições) (CPNT)137, que foi uma resposta ao avanço "dos verdes". Obteve relativo sucesso nos anos 1990, após isso, tem acompanhado o atual Le Républicains, partido de direita no espectro político francês. Aparentemente, ou na maioria das vezes, os grupos animalistas e ecologistas são compreendidos como de centro ou esquerda, no entanto, não há como afirmar que as brigas de galos, touradas ou a caça se tratam de uma atividade composta por pessoas conservadoras ou de correntes políticos de direita ou esquerda. Isso depende muito do contexto, lugar, período histórico, discursos hegemônicos. Nesse sentido, em diferentes épocas e lugares, é possível citar vários intelectuais e figuras de destaque por seu progressismo, como simpáticos às brigas de galos ou touradas, tais como, Abraham Lincoln (1809-1865), Ernest Hemingway (1899-1861), Gabriel Garcia Márquez (1927-2014), Pablo Picasso (1881-1973), Federico García Lorca (1898- 1936), entre outros. Como também intelectuais defensores das liberdades individuais, como Jorge Luis Borges138 (1899-1986) e Mario Vargas Llosa (1936-)139, na maioria das vezes considerados como conservadores no espectro político.

136 ANATUR. Gallo Combatiente Español. Disponível em: . Acesso em: 5 maio 2017. 137 CPNT (França). Chasse, Pêche, Nature, Tradition: Le Mouvement de la Ruralité. Disponível em: . Acesso em: 26 ago. 2017. 138 En entrevista exclusiva concedida a Fabián Restivo, publicada en el diario limeño La Crónica, el 4 de julio de 1986, Borges manifiesta lo siguiente: [...] recuerdo que cuando yo vivía en Salto, todos los domingos en que estaba aburrido salía para la riña de gallos, que comenzaba a las ocho de la mañana, [...]. DENEGRI, Marco Aurelio. Arte y ciencia de la Gallística. Lima [Peru]: Kavia Cobaya Editores, 1999. p.35. Em outro caso, as vésperas da Copa do Mundo de 1978 a ser disputado na Argentina, o jornal El País publicou uma reportagem descrevendo o desdém de Borges em relação ao futebol, destacando que a este lhe distrai as brigas de galos. GARCIA CANDAU, Julian (Espanha). A Borges y Videla no les gusta el fútbol. El País. Madri. 16 jun. 1978. Disponível em: . Acesso em: 05 out. 2017. 139 Mario Vargas Llosa é um entusiasta das Corridas, as quais já defendeu publicamente em diversas oportunidades, mesmo escrevendo a jornais, como o caso do El País. VARGAS LLOSA, Mario. La “barbarie” taurina: Piedra de toque. Los aficionados amamos 110

Na prática também existem controvérsias, o Regime Comunista na Cuba pós-revolucionária tratou de proibir as rinhas de galos, basicamente em função das apostas. Contudo, anos mais tarde revogou a proibição e Cuba passou a exportar galos para diversos outros países. Levanto essas questões para evitar certos reducionismos e, por ter me chamado muito a atenção algumas das declarações da animalista Brigite Bardot nas eleições francesas de 2012 e 2017, quando em muitas oportunidades declarou apoio a candidata ultranacionalista Marine Le Pen, mesmo quando se pronunciou contra imigrantes não europeus e contra os islâmicos. Outro exemplo de ultraconservadorismo foi a proibição de brigas de galos que aconteceu no Afeganistão, do período Talibã.140 Quando o regime chegou ao final em 2001, as rinhas de galos voltaram aos lugares públicos. Na Catalunha, por sua vez, quando os debates acerca da proibição das Corridas tomaram conta do Parlament, em 2010, saíram em defesa do costume Francis Wolff, filósofo e professor da Sorbonne, autor do livro Philosophie de la Corrida, (ainda sem tradução para o português) e o maire de Arles Hervé Schiavetti, do Partido Comunista Francês, e também presidente da União de Cidades Taurinas da França.141 Estes debates contaram com contra-argumentos também de intelectuais e políticos de diferentes tendências, prevalecendo, no ano seguinte, a compreensão sobre a interdição das Corridas na Catalunha.

profundamente a los toros bravos y no queremos que se evaporen de la faz de la tierra, que es lo que ocurriría fatalmente si las corridas desaparecieran. El País. Madri (Espanha), p. 4-4. 11 ago. 2012. Disponível em: . Acesso em: 13 set. 2017. Mario Vargas Llosa a favor de las corridas de toros, Perú. Lima: BDP, 2012. (3 min.), digital, son., color. Disponível em: . Acesso em: 6 maio 2014. 140 NBC NEWS (Estados Unidos). Afghanistan cock fighting: Though the fights are not to the death, the roosters are bloodied and sometimes blinded before a winner is decided. Cock fighting, an old tradition in Kabul, was banned during the rule of the Taliban. NBC News. Nova Iorque. 11 mar. 2011. Disponível em: . Acesso em: 04 maio 2013. DAILYMAIL (Reino Unido). Cockfighting in Kabul Once-banned bloodsport takes wing. Dailymail. Londres. 9 abr. 2017. Disponível em: . Acesso em: 13 ago. 2017. 141 GELI, Carles (Espanha). "La corrida ya no es la Fiesta Nacional de España, ahora es patrimonio mundial": El alcalde comunista de Arles (Francia) y el filósofo Francis Wolff defienden la fiesta del toro en los debates que celebra el Parlament de Cataluña. El País. Barcelona. 04 mar. 2010. Disponível em: . Acesso em: 27 ago. 2017. 111

É claro que a ascensão dos discursos sobre os maus tratos aos animais fez com que grupos políticos passassem a se apropriar dessas demandas e se colocar como representantes da defesa dos animais. Não raro, essas discussões aparecem nas plataformas e campanhas políticas, como foi, por exemplo, a campanha de Gean Loureiro à prefeitura de Florianópolis em 2016, ao acusar a adversária Ângela Amin de ter feito uso de carrocinha para recolher e abater cães abandonados, em suas gestões como prefeita entre os anos de 1997 a 2004. É difícil medir a precisão com que esses discursos alteram uma disputa eleitoral, mas de fato, poucos admitem, salvo os desavisados que, caso eleitos, irão empregar métodos em relação aos animais que vai contra a corrente do discurso de proteção. E, mesmo quando é para defender a tourada, a briga de galos, ou a caça, boa parte da argumentação dos aficionados se baseia na própria proteção. Termo este que, muitas vezes é substituído pela palavra preservação, que vai além de preservar a cultura ou tradição, mas preservar determinadas raças ou variedades do animal que só existiriam em função da própria prática. Ou seja, caso as touradas deixem de existir, o touro bravo espanhol pode desaparecer, como também os galos de briga poderiam desaparecer em função da interdição total das rinhas. 112

113

2. CAPÍTULO II — Da culturalização da natureza à naturalização da cultura

Neste capítulo abordo a rinha de galos enquanto uma prática, tanto histórica como social, tentando informar ao leitor sobre quais significados estão envolvidos. Sem aprofundar-me excessivamente, aponto alguns registros históricos, sua dinâmica e os problemas suscitados por ela, até chegar ao recorte espacial proposto para problematização da pesquisa. Para tanto utilizo, nesta parte, referenciais como Alan Dundes (1934-2005), antropólogo estadunidense organizador do livro “The Cockfight: a Casebook”,142 que reúne dezoito textos sobre as brigas de galos, escritos em diferentes épocas (entre 386 e 1993) e que vão desde à literatura até textos científicos. Outro autor de referência é o inglês George Rilley Scott (1886-1980), o qual escreveu em 1957 o livro "The History of Cockfighting"143 e outros títulos pretensamente de história universal como, por exemplo, a História da Prostituição e a História da Tortura. Um tipo de historiografia vista com receio por parte de historiadores ligados a uma perspectiva cultural, marxista ou de história problema, ainda assim, é uma das referências do historiador Keith Thomas, um dos que me forneceu importantes suportes teórico- metodológicos sobre as relações entre homens e criaturas brutas. Além destes autores, dialoguei continuamente com vários outros, que trataram diretamente de galos e brigas de galos. Alguns não são acadêmicos, como, por exemplo, Carlos A. Finsterbusch (1888-1970),144

142 DUNDES, Alan. The Cockfight: A Casebook. Madison, Wisconsin [EUA]: Wisconsin, 1994. 302 p. 143 SCOTT, George Ryley. The History of Cockfight. 50ª ed. Midhurst – West Sussex [Reino Unido]: Beech Publishing House, 2009. 221 p. SCOTT (1886-1980) foi membro da F.Z.S., F.R.A.I., F.Ph.S. (Eng.)", o que significa que ele foi um membro da Sociedade Zoológica, do Real Instituto Antropológico e do Serviço de Saúde Pública da Inglaterra. (N.E) 144 FINSTERBUSCH, Carlos A. Cockfighting All Over the World. Royal Parade, Hindhead, Surrey, [Inglaterra]: Saiga Publishing Co. Ltd., 1980. 475 p. Publicado pela primeira vez nos Estados Unidos da América em 1929, pela editora Grit & Steel, editora da revista especializada em galos de briga. (N.E.) Segundo os chilenos Fabres e Uribe, Carlos Adolfo Finsterbusch (1888-1970) era o homem que mais sabia de galos, de suas raças, origens, e tudo o que se referia as aves de rinhas. Autor do livro editado pela “Grit and Steel”, EUA., intitulado Cock-Fighting All Over The World, considerado por muitos como o mais completo e documentado livro já escrito sobre a matéria. Também escrevia em duas revistas que então se editavam no Chile, sobre avicultura em geral, “Chile Avícola” e “Campo Avícola”. Seus artigos foram reproduzidos em revistas de diversos países. 114

Olivier Danaë145 e Francisco Elias146; outros o são, como Maria Justina Sarabia Viejo (1947-2012)147, Pablo Riaño San Marful (1972-)148 e Sérgio Alves Teixeira. Muito embora, alguns dos autores possam causar estranhamentos quanto às metodologias e correntes teóricas, a proposta aqui busca dialogar com eles. Sobre as brigas de galos não é possível apreender quando, ou se foi inventada, e também não é este o objetivo principal. No entanto, por meio de alguns fragmentos de sua existência em diversos povos, pode-se perceber que o galo, geralmente, simbolizava a bravura e a coragem. Exemplo disso é o que Keith Thomas observou sobre várias práticas com animais: “Tal como a caça fora valorizada por simular a atividade bélica, as brigas de galo e o açulamento de ursos foram apreciados enquanto representação de combate privado.”149 A partir disso, na primeira parte desse capítulo, busco orientar a escrita pensando na evolução150 dos galos e homens como uma prática cultural. Através de uma análise de trajetória histórico-linear, com vistas a clarificar o uso deste animal pelo homem, abordo, oportunamente, algumas questões pertinentes às características da espécie, difusão e apropriação cultural.

Havia sido oficial da marina de guerra alemã antes da guerra de 1914, e viajou por todo o mundo, assistindo muitos rinhadeiros, especialmente no Oriente, onde voltou entusiasmado com os galos Asils. Casado com uma chilena, don Carlos se radicou em Santiago [...]. FABRES GUZMÁN, Carlos. URIBE ECHEVARRÍA, Juan. La Riña de Gallos: la India, Grecia, Roma, Europa; Norte y Sudamérica. Valparaíso [Chile]: Ediciones Universitarias de Valparaíso, 1979. p.83. 145 DANAË, Oliver. Combats de coqs: Histoire et actualité de l'oiseau guerrier. Paris, [França]: ACCT & Éditions L'Harmattan. 1989. 256 p. Olivier Danaë, nascido 1944, é advogado em Paris. 146 ELIAS, Francisco. Tratado sobre aves de rinha (galos combatentes). Rio de Janeiro: (sem editora), 1998, 394 p. 147 SARABIA VIEJO, María Justina. El juego de gallos en nueva España. Sevilla, [Espanha]: Escuela de Estudios Hispano-Americanos, Consejo Superior de Investigaciones Científicas, 1972. 143 p. Maria Justina Sarabia Viejo (1947-2012), americanista, doutora em história pela Universidad de Sevilla (Espanha). 148 RIAÑO SAN MARFUL, Pablo. Gallos y Toros en Cuba. La Habana, [Cuba]: Fundación Fernando Ortiz, 2002. 215 p. Pablo Abelis Riaño San Marful (Havana, 1972). Licenciado em Historia (1995) e Mestre em Estudos Interdisciplinares sobre História da América Latina, Caribe e Cuba (1999) pela Universidade de Havana. Historiador e Diretor do Arquivo e Biblioteca de Arquitetura da "Oficina do Historiador" de Havana. Em 2002 ganhou o prêmio Nacional da Crítica ao melhor livro publicado em Cuba: El Sentido de los Espacios. Gallos y toros en Cuba. 1898-1902. 149 THOMAS, op. cit., p. 219. 150 Utilizo aqui o termo evolução como sinônimo de movimento de transformação, sem qualquer perspectiva de progresso ou evolucionismo propriamente dito. 115

A trajetória histórica tem como objetivos mais diretos por em cheque o senso comum, que atribui ser a prática das brigas de galos pertencente a uma única cultura, característica de uma determinada população, geralmente associadas a algo naturalizante sobre povos do terceiro mundo, principalmente, a latinos ou asiáticos do sul e sudeste. Não! A briga de galos foi um "esporte" com incidência relatada em vários povos e em diversos períodos históricos. Muitos destes povos, ficaram muito tempo sem um contato direto, mas, mesmo assim, apropriaram-se desses animais e produziram — simultaneamente ou diacronicamente — diferentes sistemas de combates entre eles. Segundo Dundes,

A briga de galos de nenhuma forma é universal, uma vez que não foi reportada entre os nativos da América do Norte e do Sul, da África Subsaariana, e noroeste da Europa (por exemplo, Alemanha e Escandinávia). Ainda assim, nas áreas do mundo onde a briga de galos prospera, é praticamente o passatempo nacional (masculino) de, por exemplo, Filipinas, Bali e Porto Rico.151

Além disso, Danaë152 aponta como centros contemporâneos a Polinésia; as Américas — todos os países, exceto o Canadá — na Europa: Escócia, Flandres e Andaluzia; na África: Madagascar; na Ásia: China, Tailândia, Filipinas, Bali e Japão. Sérgio Alves Teixeira, corroborando com Danaë, complementa:

Embora ele não inclua a Austrália entre tais centros, tenho seguras informações que autorizam colocá-la entre eles. Daí que não corresponde à realidade dos fatos a vinculação das brigas de galos a nacionalidades, etnias e níveis de desenvolvimento industrial como pretendem alguns.153

As brigas de galos constituem-se numa prática marcadamente urbana, ou pelo menos, que se potencializa e se organiza de maneira mais sistemática em sociedades com algum tipo de aglomeração. Não se trata de um fenômeno metafísico, tanto a prática como o relato se

151 DUNDES, op. cit., p. VII. 152 DANAË, op. cit., p.19. 153 TEIXEIRA, 1993, p. 196. 116

constituem de formas diferentes nas sociedades, principalmente o relato escrito ou imagético, pois as evidências, ou melhor, as fontes que estou evidenciando, são produzidas por sociedades de excedente e não por sociedades rurais marcadamente subsistentes. Não estou defendendo que a briga de galos não existisse em ambiente rural, mas dificilmente teria acontecido de maneira sistêmica, ou alguém que deixasse relatos mais contundentes. Claro que este urbano se dá de diferentes formas. A urbanidade de sociedades antigas não é a mesma do mundo urbano e capitalista surgidas a partir do século XVIII e que, se intensificaram radicalmente transformando o globo nos séculos seguintes. Contudo, o que talvez caracteriza o urbano de uma maneira mais geral, é o fato de se tratar de sociedades que produzam algum tipo de excedente, logo, a possibilidade de sobreviver, não apenas da produção tribal ou individual, mas a partir de trocas que, mesmo incipientes, possibilitam um comércio. Na segunda parte, busco apresentar as brigas de galos no Novo Mundo, as semelhanças e disparidades entre galos e tipos de lutas realizadas no continente americano, bem como uma revisão bibliográfica e um diálogo com autores que se propuseram a escrever sobre este mesmo tema. As brigas de galos, cabe afirmar, estiveram disseminadas em várias sociedades, muito embora elas não possam ser descritas como uniformes, tanto na prática em si, a intensidade, como nas suas representações. Mesmo que se possa falar de uma continuidade entre a distribuição dessa espécie, ainda existem muitas dúvidas sobre a disseminação dos galos e galinhas, que nem mesmo os mais modernos estudos genéticos conseguem dar conta.154 Sobre a prática das rinhas, esse cenário é ainda mais nebuloso e completamente tomado por suposições. Na modernidade, posso supor que, sem intenção de ser, a briga de galos foi um dos “esportes” mais difundidos. Sua suposta diminuição estaria vinculada a uma série de modificações, desde à nova ordem urbana e capitalista, às novas sensibilidades proporcionadas por novas condutas sociais que, por sua vez, modificam as formas de passatempo e lazer. Além disso, busco neste capítulo observar o galo como um ser natural e cultural, pois sua existência deve-se à apropriação cultural de

154 GARCIA, Rafael. Livro conta saga de 4.000 anos da galinha, da selva à globalização. Folha de São Paulo. São Paulo. 25 jan. 2015. Disponível em: . Acesso em: 15 ago. 2015. 117

variedades selvagens pelo ser humano. Apresento alguns aspectos historiográficos da espécie gallus gallus, sua provável origem na Ásia, onde, desde muito cedo, a antropização possibilitou sua domesticação e, posteriormente, sua difusão pelo mundo. Em seguida, faço uma análise com base em pressupostos da história ambiental no que tange à prática das brigas de galos. Seus aspectos menos dualistas — como propôs Pádua155 — entre natureza e cultura, observando, assim, como se deu e se dá a interação entre os homens e os galos. Ou seja, tanto os galos de briga como a galinha doméstica se constituem como tais nessas formas de interação entre homem e natureza. Sem essa interação os galos e galinhas são apenas um apanhado de várias espécies de gallus, nativas das florestas do Sul e Sudeste Asiático. O processo de domesticação pode ser descrito como a interação natureza e cultura, mas também os contínuos cruzamentos controlados pelos homens que produzem as mais diversas raças desses animais.

2.1. Domesticação e difusão do gallus gallus pelo velho mundo

Não há uma exatidão científica sobre o habitat natural dos ancestrais dos galos de briga, ou da galinha doméstica comum. A maioria dos estudos se limita a apontar o Sul e Sudeste da Ásia como prováveis locais de sua existência e domesticação, o que pode ter ocorrido há mais de 5000 anos. A dificuldade em precisar estes números se dá em função da escassez de relatos. Entretanto, pode-se supor que a domesticação de muitas espécies animais, ou de plantas, se deu num período anterior à invenção e difusão da escrita, e mesmo em sociedades letradas, há pouquíssimos fragmentos escritos existem sobre ela. Sendo, ainda, a iconografia a fonte de maior relevância na localização de vestígios. Há que se levar em consideração, sobretudo, que tais práticas culturais se davam em sociedades de forte tradição oral e em camadas sociais que deixaram poucas referências sobre suas manifestações. Deste

155 PÁDUA, José Augusto. As bases teóricas da história ambiental. Estudos Avançados, São Paulo, v. 24, n. 68, p.81-101, 2010. (quadrimestral). Disponível em: . Acesso em: 30 mar. 2013. 118

modo, a ciência histórica moderna possui poucos recursos para descrever o cotidiano de civilizações e sociedades que pouco sabem sobre sua existência. A paleontologia é uma das maneiras de reconhecer alguns fragmentos dessas sociedades e, a partir disso, produzir interpretações. A pictografia auxilia na compreensão das relações do homem com o mundo ao seu redor, através dela é comum observar que muitos animais foram representados e, dentre eles, também as aves, que muitas vezes permitem ser interpretados como galináceos, galos ou espécies que deram origem à espécie como será reconhecida atualmente.

Figura 14 - Homem Ferido, a ave e o Bisonte, Gruta de Lascaux, França, c. 15000-13000 a.C.

Fonte: BYRON, David. Prehistoric painting. 2011. Disponível em: . Acesso em: 02 jul. 2015.

Olivier Danaë, autor francês — muito provavelmente alguém próximo ao galismo —, observa uma das figuras encontradas na caverna de Lascaux, França, conhecida como a representação de um Homem ferido e o bisonte, com mais de 15 mil anos. Logo a esquerda há uma ave, a qual o autor se permite supor ser a representação de uma ave 119

galinácea, pois a mesma parece estar empoleirada, muito embora, ele mesmo venha a reconhecer a inexistência na imagem da representação da crista e esporas em tal ave, atributos muito marcantes na caracterização de um galo.156 Apesar de Lascaux ficar na França, a espécie gallus geralmente é associada como originária do sul da Ásia, em um período ulterior. Ainda assim, o autor permite pensar ser um ancestral comum para o galo indiano e outros galiformes euro-asiáticos. A domesticação desses galináceos, em algumas sociedades, pelo menos ao que parece, não fora para fins alimentícios, mas devido à característica belicosa recorrente entre os exemplares masculinos quando atingem a maturidade. O que ocorre em menos de um ano, muito embora possam manifestar esta característica muito antes, rechaçando alguns membros do bando. Quanto às fêmeas, este caráter belicoso se apresenta de maneira mais esporádica, acentuando-se no período do choco. Fase na qual passa por algumas alterações hormonais e comportamentais, elevando sua temperatura corporal para incubar os ovos, cobrindo-os em um ninho por volta de 21 dias, saindo do mesmo somente alguns minutos por dia para atender suas necessidades fisiológicas. Para proteger sua ninhada, nesse período ela torna-se mais agressiva, ouriçando sua plumagem na aproximação de intrusos, ou mesmo golpeando invasores com o bico e as pernas. Quando os ovos descascam, ela continua protetora até que os pintos atinjam três ou quatro meses e possam, a partir de então, sobreviver sozinhos. As brigas de galos, maneira como é denominada a prática que se desenvolveu a partir da criação desses animais, com a finalidade de realizar lutas entre os mesmos, segundo os mais diversos autores, teria surgido na Ásia, com a domesticação dos galináceos. Sobretudo nos territórios que compreendem o atual Vietnã, Camboja, Laos e Tailândia, passando na sequência por Índia e Paquistão, regiões antropizadas há milhares de anos. Dundes afirma que

Há certo consenso de que o galo (e, talvez, a própria briga de galos) pode ter se originado no sudeste da Ásia (Peters 1913, p 395;. Tudela 1959, p. 14), onde se difundiu para a China, Índia, e, eventualmente, do Irã para Grécia clássica e Roma antes de ir para Europa Ocidental.157

156 DANAË, op. cit., p. 21. 157 DUNDES, op. cit., p. 242. There is some consensus that the cock itself (and perhaps the cockfight) may have originated in southeast Asia (Peters 1913, p. 395; Tudela 1959, p. 14), 120

Figura 15 - Algumas variedades da espécie gallus gallus.

Fontes: Wikipedia. Disponíveis respectivamente em: 1. . 2. . 3. . 4. . 5. . Acesso em: 14 jan. 2018.

Para Danaë, o galo como ave para briga teria sido domesticado, primeiramente, por civilizações agrícolas e comerciais da região do Vale do rio Indo:

Escavações realizadas em Mohenjo-Daro, Harappa e Chanu-Daro no Vale do Indo, permitiram a descoberta de selos de pedra-sabão e where it diffused to China, India, and eventually Iran and on to classical Greece and Rome before moving to Western Europe [...] (Tradução livre do autor) 121

figuras em argila representando de forma precisa e conclusiva galos e galinhas, datadas de um período situado entre 2500 e 1500 anos a.C.158

Estas civilizações possuem uma extensa história, muitas especulações, das quais não há espaço aqui para aprofundamentos, todavia, segundo o eminente epigrafista indiano Iravatham Mahadevan (1930-), especula-se que o provável nome antigo da cidade de Mohenjo- Daro era Kukkutarma, que em idioma dravidiano significava Cidade do Galo.159 Talvez essas civilizações védicas criassem galos com o intuito de vê-los combater, o que poderia ser uma forma de passatempo, ou mesmo um ritual religioso. Há algumas hipóteses para o fim dessas cidades-estados, uma delas é de que as invasões ou assimilações por povos arianos as fizeram entrar em declínio, mas não antes de já ter difundido algumas de suas práticas entre alguns povos limítrofes, com os quais tinham um relativo intercâmbio comercial. Por meio de um viés da história ambiental, posso supor que a ocupação relativamente mais intensa nessa região da Ásia, sobretudo em regiões que forneciam um potencial hídrico, paulatinamente transformou extensas áreas de campos ou de florestas tropicais e subtropicais em terras agriculturáveis, cidades e, mesmo em impérios, desflorestando e desalojando o habitat de diversas espécies. Algumas delas podem ter sido extintas ainda nesse período, enquanto outras, por diversos motivos, passaram a ser manejadas diretamente pelas populações que ali habitavam, ocasionando mesmo, a longo prazo, uma mutação de várias dessas espécies, como é possível observar até hoje em relação a cães, bovinos, galiformes, entre outros. Animais submetidos a diversos cruzamentos, o que pode ter produzido exemplares tão distintos dentro de uma mesma espécie. Por suposto, a intensificação dessas mutações se torna mais recorrente nos séculos XIX

158 DANAË, op. cit., p.27. Les fouilles effectuées à Mohenjo-Daro, Harappa et Chanu-Daro, dans la vallée de l'Indus, ont permis de découvrir des sceaux de stéatite et des figurines d'argile représentant de façon précise et incontestable des coqs et des poules, datés d’une période située entre 2500 et 1500 avant J.-C. (Tradução livre do autor) 159 MAHADEVAN, Iravatham. Akam and Puram: ‘Address’ Signs of the Indus Script. presented at World Classical Tamil Conference, June 2010 - The Hindu, 2010. Disponível em: . Acesso em: 2 jul. 2015. One of the -arma(ka) names compiled by Burrow from Pānini and the Kāsika commentary is Kukkutārma-, literally ‘the ruined city of the cock’. I draw attention to an Indus seal from Mohenjodaro (Marshall seal No.338) which has an inscription featuring a pair of cocks followed by the ideogram for CITY. It is not unlikely that the seal has recorded in the Indus script the original Dravidian name of the city, corresponding to IA kukkuta-arma, with the ideographic suffix CITY added to it. (p.5) (Tradução livre do autor) 122

e XX, com o abrupto processo de cientificização e a percepção de que as espécies de animais tinham uma maleabilidade e poderiam, então, ser exploradas em benefício dos processos produtivos ou outros interesses dos humanos. Ou melhor, de acordo com Thomas, "séculos de experiências com a criação seletiva de animais domésticos tinham gerado a descoberta de que o tronco animal era maleável."160

Figura 16 - Símbolo de Kukkutarma. Na imagem o losango superior a esquerda é o símbolo para a palavra cidade, seguida da representação de dois galos, o que formaria a palavra arma (cidade) + kukkuta (galo), ou kukkutarma.

Fonte: KUMAR, Renuka. Mohenjo Daro is also called Kukkutarma. Disponível em: . Acesso em: 02 jul. 2015.

160 THOMAS, op. cit., p.160. 123

Quanto aos galos, supõe-se hoje em dia que, criados exclusivamente para combates — em contraposição aos frangos de corte e postura — são os que mais se assemelham aos galos selvagens. Principalmente ao chamado gallus gallus ou gallus bankiva (também chamado de galo vermelho da selva, que predominava desde o norte da Índia ao Sudeste Asiático, Malásia, Indonésia e Filipinas), mas também ao gallus various (o galo verde da selva, predominante em Java, Bali, Ilhas Sonda, Celebes e Komodo) e também ao gallus sonneratii (galo cinza, que habita praticamente toda a península da Índia) e ao gallus lafayettii (endêmico no Sri Lanka).161 Alan Dundes, antropólogo estadunidense, escreveu sobre a provável origem do galo de briga:

Biólogos supõem que todas as galinhas domésticas provêm da galinha selvagem vermelha e cinza da Índia [gallus bankiva e gallus sonneratii]. O galo de briga que conhecemos hoje é o galináceo que mais se assemelha em aparência e comportamento com seus antepassados de combate do Oriente. Como nas florestas, ele é combativo com os seus semelhantes, e é isso que o galista explora quando coloca dois galos em uma arena.162

Isso indica que, provavelmente, foi a criação desses animais preferencialmente para fins de diversão e passatempo que conservou e até acentuou boa parte dos instintos do animal, na sua maneira mais primitiva. Não só pela fisionomia, mas por diversos comportamentos, tais como a agressividade, o canto (mais intenso nas primeiras horas do amanhecer), a formação de bandos, o cacarejo coletivo e outros sons, como forma de alertar o grupo sobre alguma situação de perigo, o fato de buscar árvores para dormir ou se abrigar da chuva, etc. Diversos autores que se debruçaram sobre o galismo citam diretamente, ou indiretamente, a obra "A origem das espécies" de Charles Darwin (1809-1882) que, baseado em experimentos e alguns estudos da época, também afirma que o galo doméstico é descendente

161 PLANT, W. J. The Origin Evolution History and Distribution of the Domestic Fowl. Part 3. The Gallus Species Jungle Fowls. Privately Publish. 54 Bonar Street, Maitland 2320, N.S.W., Australia. 98 p. 162 DUNDES, op. cit., p.10. Biologists surmise that all domestic chickens come from the Red and Grey jungle Fowl of India. The game chicken we know today is the chicken that most resembles in appearance and demeanor his fighting forefathers of the East. As in the wilds, he is combative with his fellow fowls, and this is what the cocker exploits when he puts two birds in a cockpit. (Tradução livre do autor). Grifos meus. 124

do gallus bankiva, pelo menos os que eram criados na Inglaterra e Europa Ocidental:

Tenho tratado quase todas as raças inglesas das nossas aves de capoeira, tenho-as cruzado, tenho- lhe estudado o esqueleto, e cheguei à conclusão que provêm todas de uma espécie selvagem índica, o Gallus bankiva; é também a opinião de M. Blyth e de outros naturalistas que estudaram esta ave na Índia.163

Para Darwin, bem como para muitos autores subsequentes, as espécies desenvolvem evolutivamente no sentido de enaltecer algumas características que propiciam maior adaptabilidade. Em outra passagem de sua mais marcante obra, novamente ele cita os galos de briga (e também outros animais), como um exemplo evolutivo das espécies. Sobre esta inclinação ao combate em relação aos seus congêneres, Darwin vai tender a explicar esta seleção como sexual, muito embora, o mesmo não tenha sido conclusivo em relação às consequências finais da mesma:

De maneira geral, os machos mais vigorosos, que apresentam maior adaptação ao lugar que ocupam na natureza, deixam maior número de descendentes. Mas, em muitos casos, a vitória não depende tanto do vigor geral do indivíduo como da posse de armas especiais que se encontram apenas no macho. Um veado desprovido de pontas, ou um galo desprovido de esporões, teriam poucas probabilidades de deixar numerosos descendentes. A seleção sexual, permitindo sempre aos vencedores reproduzir-se, pode dar sem dúvida a estes uma coragem indomável, esporões mais longos, uma asa mais forte para quebrar a pata do concorrente, quase da mesma maneira que o brutal criador de galos de combate pode melhorar a raça pela escolha rigorosa dos seus mais belos adultos. Eu não saberia dizer até onde se estende esta lei da guerra na escala da natureza.164

163 DARWIN, Charles. A origem das espécies. São Paulo: Hemus, 1981. p.54 164 Ibidem, p.104 125

A partir desse pequeno trecho seria possível desenvolver o assunto em diversas direções e sentidos, desde questões relacionadas à própria evolução biológica e como foram entendidas no século XIX, desde questões de gênero, sexuais e mesmo as adjetivações carregadas de um propósito moralizante. Não obstante, é preciso deixar essas questões de lado para deter-se no que corresponde aos galos. A proposta de Darwin não foge às perspectivas de uma explicação racional, todavia, como qualquer obra com pretensões universalistas, deixa lacunas e possibilita algumas contestações. Longe de pensar que estou sendo inédito em questionar Darwin, e de forma alguma estou a questionar sua importância, pois como historiador estou mais inclinado a compreendê-lo como um produto de sua época, vou reproduzir aqui, ainda assim, alguns dos questionamentos que foram pensados acerca dos galos. Na literatura galística, é recorrente que os galos, mesmo sendo originários da espécie gallus bankiva (muito embora alguns autores não concordem em absoluto com isso, já que os malaios possuem algumas diferenças), estão divididos em várias raças, algumas das quais não são muito inclinadas ao combate. Isso significa que, algumas variedades de galos evoluíram no sentido de se tornarem menos belicosas, muito embora reproduzam as hierarquias, semelhante aos galos selvagens e galos de combate. Raças como Legorne (ou Leghorn), Ancona, Siciliana, entre outras, podem ser criadas juntas, sem muitos problemas. O que não significa que não haja uma hierarquia no galinheiro, ou que estes galos não venham a combater, no entanto, a probabilidade é muito baixa, enquanto um galo de raça reconhecida como combatente, depois de adulto, raramente recusaria um embate. Basta que haja algum tipo de estranhamento e os galos de briga vão dar início a uma prolongada disputa. É muito provável que a intervenção humana, proposital ou não, tenha produzido estas variedades menos beligerantes, principalmente com fins alimentícios. Preservando os animais menos combativos, deixando que se reproduzissem. E até mesmo com as fêmeas é importante levar em consideração que as galinhas de variedades combatentes são muito mais agressivas que as não combatentes. Esta seleção pode ter partido do simples princípio do consumo dos animais, que causavam mais perturbações e danos, sobrevivendo e reproduzindo aqueles que conviviam mais harmonicamente, se assim pode ser dito. Se a intervenção humana pode ter produzido variedades menos combativas, por outro lado também, pode ter interferido no sentido de 126

acentuar esse caráter. Ao menos essa é a proposição do linguista peruano Marco Aurélio Denegri (1938-). Ele sustenta que:

O galo de briga ostenta, [...], extraordinária agressividade; também o touro bravo; mas a superagressividade deste como daquele não são naturais, e sim criação humana. Nem o galo de rinha nem o touro bravo existem em estado natural, não são produtos naturais, e sim factícios. A palavra factício, que não tem nada que ver com fictício, indica tudo aquilo que não é natural e se faz por arte. O galo de briga e o touro bravo foram obtidos mediante a arte e ciência da criação. O homem modificou, pois, o que a natureza produziu. A natureza produziu galos e touros comuns, mas não galos e toros de combate.165

Seja como for, os galos de diferentes maneiras chegaram em diversos lugares e tiveram seus usos e interações com humanos. Foram também assunto para diversos naturalistas do século XIX e XX, tais como William Bernhardt Tegetmeier (1816-1912), Coenraad Jacob Temminck (1778-1858), William Wingfield e George William Johnson (1802-1886), autores de The poultry book. Ernst Haeckel (1834-1894), naturalista, contemporâneo e próximo a Darwin, foi um que descreveu atenciosamente a hierarquia do galinheiro, que talvez não apenas o mais brigador tenha produzido melhores descendentes. Vários fatores influenciam na seleção genética, principalmente o produto final ao qual se deseja. Ou seja, para produzir galinhas e galos de corte é preciso selecionar os que desenvolvem maior quantidade de carne e com qualidade, do mesmo modo é preciso que sejam menos agressivos, para que se possa criá-los em um mesmo espaço. Se a necessidade é a postura, se optará pelas galinhas que produzem mais ovos, ou ovos com duas gemas, e que não venham a chocar (incubar). Para o combate, semelhantemente, há a propensão a se reproduzir os galos remanescentes das rinhas, ou seja, aqueles que

165 DENEGRI, op. cit., p. 22. El gallo de pelea ostenta, [...], extraordinaria agresividad; también el toro de lidia; pero la superagresividad de éste como la de aquél no son naturales sino creación humana. Ni el gallo de pelea ni el toro de lidia existen en estado natural, no son productos naturales, sino facticios. La palabra facticio, que no tiene nada que ver con ficticio, indica todo aquello que no es natural y se hace por arte. El gallo de pelea y el toro de lidia se han logrado mediante el arte y ciencia de la crianza. El hombre ha modificado, pues, lo que la naturaleza produjo. La naturaleza produjo gallos y toros comunes, pero no gallos y toros de lidia. (Tradução livre do autor). 127

sobreviveram e foram vitoriosos. Claro que não conta tanto com método científico, mas por fim, acaba sendo uma forma de seleção, muito embora, não há garantias de que os "menos aptos" não estejam reproduzindo com as fêmeas. Digo isto porque há muitos frangos (galo ainda jovem), que mesmo não sendo os primeiros na hierarquia do galinheiro ou terreiro, seguidamente buscam galar (acasalar) com as galinhas. Geralmente isso ocorre até que o dominador perceba e corra furiosamente em direção ao frango para afugentá-lo, no entanto, como o ato sexual é questão de segundos, pode ser tarde e a fecundação já tenha sido encaminhada. Por isso, não há garantias para se afirmar a paternidade sobre os ovos das galinhas que convivem livremente com frangos, muitas vezes nem a maternidade está assegurada, visto que as galinhas podem compartilhar ninhos e, depois de nascidos os pintinhos, se confundem facilmente. Por isso, também, os criadores de galos de rinhas, possuem um largo sistema de conhecimento sobre a reprodução e genealogia de suas aves. Cada criador, individualmente, tem um critério ou normas para isso, mas geralmente se separa galos e galinhas em casais, para assegurar a descendência dos futuros lutadores. Galos campeões e com qualidades são escolhidos como reprodutores, principalmente galos que não mais servem para lutas, seja por causa da idade, ou por alguma sequela que inviabiliza para o combate, tal como a cegueira, membro fraturado ou perda parcial dos sentidos motores causados pelo chamado "tuque"166. As galinhas, chamadas de matrizes, da mesma forma, precisam ser selecionadas, contudo, como não brigam como os galos, a seleção geralmente se dá pelo parentesco com galos de qualidade: filhas, irmãs ou mães. Depois de nascidos, os pintinhos precisam ser identificados, evitando-se mistura-los a outras ninhadas, ou marcando-os de alguma forma a facilitar essa identificação, de forma a evitar confusões quanto ao parentesco das aves. Existem diversas formas de se fazer isso: passar tinta de caneta para diferenciar alguns pintos, cortar alguma unha desde a base para que não cresça e, quando um pouco maiores, colocar placas de identificação (semelhante a um brinco) com numeração em uma das asas. Quando emplacados e capazes de sobreviver por conta própria, sem a proteção e aquecimento da galinha, ou aquecimento artificial, eles podem ser criados livremente e no convívio dos demais, seja em

166 Segundo Francisco Elias no tuque o galo recebe uma pancada do adversário, tonteia e vai ao chão do “tambor". Às vezes se recupera e volta ao combate. Se não se levantar por suas próprias forças, obedecido o regulamento, perde a luta. ELIAS, op. cit., p. 238-9. 128

galinheiros, sítios ou fazendas. Quando possível se separa por lotes, com tamanhos semelhantes, para que não venha a ser violentados pelos de tamanho maior que, além de tudo não os deixam comer descansadamente. É uma constante luta por espaço e comida. Em lugares maiores, como já dito, a tendência é a formação de bandos e o afastamento dos grupos. A medida que os frangos crescem, se tornam mais combativos e, as disputas por espaço, fêmeas e alimento se intensificam, desta forma, precisam ser enjaulados individualmente. Retomando o raciocínio historiográfico, na Ásia ainda, temos alguns relatos importantes sobre a presença dos galos e das brigas de galos, sendo o primeiro registro, segundo Joe Cutter,167 de 517 a.C. na China, fazendo com que a briga de galo tenha, pelo menos, 2500 anos de idade. Outro indício relevante são os códigos filosóficos e políticos escritos pelos brâmanes, que estabelecem os princípios do bramanismo, escritos entre os séculos II a.C. e II d.C., o chamado Código de Manu,168 onde no livro nono, vigésimo primeiro item (Dos Jogos e dos Combates de Animais), artigo 639º, prevê: "O jogo ordinário é aquele em que se emprega objetos inanimados, como dados; chama-se aposta, o jogo no qual se faz servirem seres animados, como galos, carneiros e a que precede uma aposta." O livro do Kama Sutra169 — escrito no século IV d.C. — mais que uma obra erótica, traz muitos dos ensinamentos para mulheres e homens que vão para além das práticas sexuais propriamente ditas. Consta no capítulo dois, parte um, as 64 artes do amor ensinadas às mulheres antes do casamento, sendo que uma destas artes consiste na preparação de galos para a luta e que deveria ser ensinada por uma mulher casada. As referências, mesmo que esparsas, indicam, ao menos a existência da prática das brigas de galos e que, provavelmente, foram difundidas por todo o leste da Ásia. Em Angkor Wat, templo situado no Camboja, patrimônio mundial da UNESCO, construído provavelmente entre os séculos IX e XV, inicialmente como templo hinduísta e posteriormente budista, e que pode ter sido um dos maiores centros

167 CUTTER, Robert Joe. The Brush and the Spur: Chinese Culture and the Cockfight. Hong Kong: The Chinese University Press, 1989. p. 10. Robert Joe Cuttler é doutor em linguagem e literatura chinesa pela Universidade de Washington (1983). De 1983 a 2005 foi professor do Departamento de Linguística e Literatura do Extremo Oriente na Universidade de Wisconsin-Madison. 168 Código de Manu. Livro Nono. Disponível em: Acesso em: 09 jul. 2015. 169 VATSYAYANA. Kama Sutra. Disponível em: Acesso em: 27 jul. 2015. 129

urbanos do mundo pré-industrial,170 é possível ver a representação de uma briga de galos em baixo relevo em uma de suas paredes.

Figura 17 - Alto relevo em Angkor Wat (Camboja) representando uma briga de galos.

Fonte: VAN DEN HEEVER, Claire. Ancient Angkor: Stories in the Stone. 2012. Disponível em: . Acesso em: 05 ago. 2015.

O Extremo Oriente também não ficou fora da influência destes fluxos culturais. Segundo Olivier Danaë, no Japão, o Imperador Yuryaku (457-479), muito apreciava as brigas de galos e, no terceiro mês de cada ano, era marcada uma reunião solene em que nobres e dignitários traziam seus melhores galos de briga diante do imperador.171 Na cidade de Tanabe, também no Japão, existe o Santuário Briga de Galos (闘鶏神社), que data do século IV, mas que, no entanto, nem sempre teve essa designação, a qual parece ser do século XII. Sem entrar no mérito da precisão de datas, o que pode ser extraído e que importa aqui, é demonstrar a difusão da prática das brigas de galos, para que não se cometa o equívoco em caracterizá-la como genuína de um único povo

170 BBC NEWS (Reino Unido). Map reveals ancient urban sprawl. BBC News. Londres. 14 ago. 2007. Disponível em: . Acesso em: 16 jul. 2015. 171 DANAË, op. cit., p. 106. 130

ou cultura. Existe a apropriação da prática por várias populações ao longo da história, e cada uma delas vai criar suas regras, métodos e mesmo desenvolver raças que se adaptem a cada tipo de clima, regulamento, espora artificial ou natural, etc.

Figura 18 - Jin-zo e Benkei observam uma briga de galos. (Tanabe - Japão)

Fonte: GOOGLE: Google Street View. 2016. Disponível em: . Acesso em: 06 jul. 2015.

O Japão, por exemplo, é o berço de algumas raças combatentes famosas entre os galistas pelo mundo, como o Tuzo e o Shamo. Este último teria sido introduzido por volta do século XI, a partir do Sião (atual Tailândia), sendo Shamo uma corruptela da designação deste país.172 No século XX, o Shamo foi introduzido no Brasil, pois muitos galistas acreditavam que o Shamo tinha qualidades superiores ao galo nacional. O que logo se demonstrou como um equívoco, apesar das qualidades, mostrava-se um galo "covarde" se a luta se prolongasse

172 FINSTERBUSCH, op. cit., p. 438. ELIAS, op. cit., p.77. 131

muito. Na verdade, os regulamentos que prevaleciam no Brasil privilegiavam galos mais resistentes, capazes de lutar uma, duas ou mais horas, enquanto o Shamo tinha um limite inferior a isto e, então, abandonava a briga, em muitos casos mesmo estando em vantagem em relação ao adversário. Logo, o Shamo se converteu num galo de pouca confiança. No entanto, foi através de cruzas com os exemplares nacionais (malaios) que produziu-se galos de maior porte, fazendo com que o peso médio dos galos presentes nas rinhas aumentasse em mais de um quilograma.173 Ainda há muitos que criam, ou mesmo buscam cruzar com outras variedades na busca de um galo mais adaptado às regras praticadas no Brasil. É válido aqui afirmar, mais uma vez, o caráter cultural das diversas formas de brigar galos. A prática, em cada lugar, requer um tipo específico de galos, por isso, por exemplo, um galo brasileiro não será utilizado para brigar no México, Estados Unidos, Cuba, Espanha, França ou Bali. Para além das regras, pesos, esporas, há um elemento muito importante que é o significado da prática enquanto tal. No Brasil, valorizam-se galos resistentes, que vençam mais por suas qualidades combativas do que por uma esporada (golpe) de sorte. Até por isso se utiliza esporas menores no Brasil, se comparada com outros países, onde se usam navalhas. Teixeira arrisca-se a definir estas diferenças entre combates com morte não programável ou previsível (no caso o Brasil) e morte previsível e programável (em todos os lugares em que se utilizam navalhas ou esporas muito longas),174 através dos seguintes significados:

No caso onde a morte não é programada nem previsível, as lutas são organizadas para os galos, metaforicamente identificados a homens particulares e aos homens em geral, exibirem atributos que são pensados como inerentes à masculinidade, em sua dimensão moral: coragem, brio, estoicismo. No caso onde a morte é previsível ou programada, as lutas são organizadas, como reproduzindo o estado de natureza, para os galos exibirem aos aficionados o que é pensado como seus atributos naturais maiores como lutadores: lutar com a disposição de matar/morrer.175

173 ELIAS, op. cit., p.48-51. 174 TEIXEIRA, 1992. p. 156-7. 175 Ibidem, p. 157. 132

Mesmo as lutas com esporas longas ou navalhas, geralmente levando à morte, acredito que o componente coragem não está descartado. Parece-me, que as lutas com esporas curtas praticadas no Brasil, Argentina, Uruguai, entre outros, levam muito em consideração os fatores resistência, vontade e aguerrimento, traduzidos como "raça". Este fator entendido como "raça" não se restringe apenas ao vocabulário das brigas de galos, seguidamente é empregado para se referir ao futebol e a outros eventos que envolvem disputas esportivas ou não. Comparando com as experiências que tive nas Canárias e no Norte da França, talvez o brio e estoicismo se diferem das rinhas brasileiras na questão entre combate e criação. Parece-me que o brio e estoicismo das rinhas europeias estão associados não a uma luta específica, mas ao conjunto da competição e criação de galos de estirpe distinta. Os galistas e criadores recebem mais reconhecimento pelo agregado dos resultados do que por um galo que combateu de forma espetacular e, talvez por isso, faz mais sentido se tratar de um campeonato, somar-se pontos, homenagear os galistas. No Brasil, parece que a disputa fica concentrada em cada combate, chamando a atenção os galos que tiveram um desempenho favorável e que às vezes não se resume à vitória. Voltando à trajetória ocidentalizante dos galos, após sua domesticação, o gallus bankiva, transpôs algumas fronteiras por meio do contato de povos hindus e chineses com os babilônicos e persas, e foram difundidos pelo Oriente Próximo.176 A partir dessa região, no primeiro milênio antes de Cristo, os galos combatentes foram introduzidos na Europa. Alguns autores (por exemplo, Danaë e Finsterbusch) afirmam que foram primeiramente os fenícios a introduzi-los através de suas rotas comerciais, seguidos posteriormente, pelos gregos e, por fim, os romanos, cabendo a estes últimos, a disseminação por todo seu Império e até mesmo além de suas fronteiras.177 Parece pouco provável que o galo tenha sido uma unanimidade entre os povos indo-europeus da antiguidade. Há poucos e esparsos registros e algumas representações em imagens. No Egito antigo não fazia parte dos sistemas de representações antropozoomórficos ou de hieróglifos. Segundo Oliver Danaë,178 somente com a descoberta da tumba de Tutancâmon em 1922, foi encontrada uma representação de um galo.

176 Il a été avancé que ce sont les Perses qui ont introduit le coq dans le monde méditerranéen, lors de leur expansion en Asie Mineure et en Grèce. DANAË, op. cit., p.42. 177 SCOTT. op. cit., p. 152. 178 DANAË, op. cit., p. 28. 133

Figura 19 - Pintura descoberta na tumba de Tutancâmon

Fonte: DANAË, op. cit., p.26.

Vale recordar que Tutancâmon teria sido faraó por volta de 1300 a.C. Antes e após disso, não há nenhuma outra referência à existência de galos no Egito, então parece que a introdução do galo no Egito deve ter ocorrido no contato com Mesopotâmicos e Persas. Ressalta-se ainda se tratar de um galo com esporas, crista serrilhada e rabo esguio, características de um galo do tipo banquiva. Outros importantes registros da antiguidade, como os livros sagrados do judaísmo e cristianismo, também não fazem muita referência ao galo.179 A não ser quando o profeta Jesus, no Monte das

179 Dentre as diversas traduções da bíblia algumas utilizam, em uma oportunidade, a designação 'galo', em Provérbios de Salomão, Capítulo 30, versículo 31, outras traduzem como galgo, cavalo ou pavão. As que utilizam galo designam-no como um "galo preparado para a luta", "galo que anda de peito erguido", "galo de andar altivo" ou "o galo empinado diante das galinhas". Uma das versões diz: Há três seres que andam com garbo e quatro, que se portam airosamente: o leão, o mais valente dos animais, que não tem medo de ninguém; o galo preparado para a luta, e da mesma forma o carneiro; e, por fim, um rei à frente do seu exército. (Versículos 29-31). Por não haver um consenso sobre a tradução prefiro não assegurar a passagem como vestígio da existência desses animais e da prática de brigas de galos no território Palestino da época do mítico Reino de Israel. (N.E.) 134

Oliveiras, pouco antes de ser capturado por seus algozes, diz a seu discípulo Pedro que este o negará três vezes antes de o galo cantar. As mais importantes e reproduzidas citações da antiguidade sobre as brigas de galos são produzidas por autores gregos e romanos do século I a.C. a III d.C., tais como Diodoro Sículo, Pedânio Dioscórides, Ateneu e Cláudio Eliano. Scott comenta que:

Escritores e historiadores dos mais antigos relatam-nos que ele [o galo de briga] serviu para muitos rituais religiosos. Por exemplo, Diodoro da Sicília afirma que os antigos sírios adoravam o galo de briga como uma de suas principais divindades. Do mesmo modo agiam os antigos gregos segundo Ateneu e Dioscórides, o galo de briga foi dedicado a Apolo, Mercúrio e Marte.180

Claudio Eliano (175-235), em sua obra chamada Varia Historia, livro II, descreve quando as brigas de galos foram instituídas na Grécia. Esta passagem torna-se a ser utilizada pela maioria dos autores. Segundo Eliano e os documentos aos quais recorreu, no século V a.C., Temístocles, general ateniense, enquanto se preparava para a batalha contra os persas nas Guerras Médicas, testemunhou dois galos lutando ao lado da estrada. Temístocles, então, tomou esta ocasião para encorajar seus soldados: “eis que estes não lutam pelos seus deuses domésticos, pelos monumentos de seus antepassados, por gloria, por liberdade ou para salvar seus filhos, mas somente porque um não dará lugar ao outro.”181 No caso de Temístocles, o galo é símbolo de coragem e bravura, e a prática das brigas de galos foi instituída em Atenas em comemoração e tributo à vitória grega sobre Xérxes.

Fonte: Acesso em: 11 out. 2015. 180 SCOTT, op. cit., p. 97. More, there is evidence, gatherable from the writings of ancient historians, that he was a subject for religious reverence. The Ancient Syrians, says Diodorus Siculus, worshipped the fighting-cock as one of their principal deities. So, too, say Athenaeus and Dioscorides, did the Ancient Greeks. He was dedicated to Apollo, Mercury and Mars. (Tradução do autor) 181 ELIANO, Claudio. Varia Historia, livro II. Ioan. Tornaesius, 1567. p.48-9 Digitado por Google Books. Disponível em: Acesso em: 19 jul. 2015. 135

Figura 20 - Trecho de "Varia Historia" sobre as brigas de galos

Fonte: ELIANO, Claudio. Varia Historia, livro II. Ioan. Tornaesius, 1567. p.48-9 Digitado por Google Books. Disponível em: Acesso em: 20 jul. 2015.

Não há nenhuma novidade em buscar nos animais analogias para muitas práticas culturais de humanos. Temístocles utiliza a luta dos galos como exemplo para o costume da guerra. Keith Thomas afirma que “é antiga essa tendência em buscar em cada espécie alguma qualidade humana socialmente relevante, pois os homens sempre examinam os animais em busca de categorias com as quais descrevem a si mesmos.”182

182 THOMAS, op. cit., p. 77. 136

Na Bretanha, consta que César, quando partiu para a sua conquista, lá encontrou criações de galos de briga, onde há muito tempo já constituíam um velho passatempo entre os habitantes, da maneira como escreve George Rilley Scott:

Muitos escritores são da opinião que os romanos introduziram o esporte na Grã-Bretanha. Outros afirmam com igual confiança que já era existente na época da conquista romana, apontando para a declaração de Júlio César no sentido de que os antigos bretões criavam aves por prazer e diversão ao invés de alimentos. De qualquer forma, é provável que os romanos foram os responsáveis pela introdução de esporas artificiais e a primeira forma de brigas de galo organizadas.183

Essa passagem veio a corroborar com a hipótese de que os Fenícios, através de suas rotas marítimas, foram os responsáveis pela introdução de algumas espécies em locais mais distantes. Ainda assim, é difícil apresentar dados concretos dessa trajetória histórica, bem como dar um sentido às várias referências sobre as brigas de galos em tempos históricos anteriores à modernidade (momento em que as referências se tornam mais comuns). Até este período, as representações imagéticas são as principais fontes para compreender a existência de galos e brigas de galos. Através da análise de imagem é possível fazer algumas considerações acerca da briga de galos na chamada antiguidade clássica que, segundo o arqueólogo francês Philippe Bruneau (1931-2001), ao observar uma série de representações de combates de galos da arte greco-romana, conclui que ela foi muito comum na decoração de objetos.184

183 SCOTT, op. cit., p.104. Many writers are of opinion that the Romans introduced the sport into Britain. Others assert with equal confidence that it was already existent at the time of the Roman Conquest, pointing out the statement of Julius Caesar to the effect that the ancient Britons bred fowls for pleasure and diversion rather than food. At any rate it is probable that the Romans were responsible for the introduction of artificial spurs and the first form of organised cockfighting. (Tradução livre do autor) 184 BRUNEAU, Philippe. Le motif des coqs affrontés dans l'imagerie antique. Bulletin de Correspondance Hellénique, Atenas [Grécia], v. 89, n. 1, p.90-121, fev. 1965. PERSEE Program. http://dx.doi.org/10.3406/bch.1965.2252. Disponível em: . Acesso em: 22 jun. 2013. 137

Figura 21 - Rinha de galos romana há aproximadamente 2000 anos atrás. (Museu Gregoriano de Roma - Itália)

Fonte: JÁTÉKOK. Disponível em: . Acesso em: 13 jul. 2015. Acesso em 13 de jul. de 2015

Figura 22 - O Mosaico da briga de galos encontrado em Pompeia. (Museu Arqueológico Nacional de Nápoles - Itália)

Fonte: TEREZ ANON. Trekearth. The Cockfight Mosaic. 2007. Disponível em: . Acesso em: 10 jun. 2009

A imagem romana — figura 21 — mostra uma pintura em vaso, que está no Museu Gregoriano de Roma, representando patrícios com seus galos, conferindo à briga de galos um status de prática aristocrática ou, como apontou Scott, como “incitação e incentivo à bravura 138

militar”,185 também documentadas pelo mesmo em passagens que remetem a Plínio, Sócrates, Ifícrates e Crísipo.186 Já a figura 22, é de um mosaico descoberto nas ruínas de uma casa em Pompeia, a Casa do Labirinto. Este mosaico provavelmente data de cerca do primeiro século depois de Cristo, o que significa que seria relativamente novo, quando atingido pela erupção vulcânica (a casa foi escavada em 1830 e o mosaico está alojado no Museu Arqueológico Nacional de Nápoles).187 No que diz respeito ao tema do mosaico, a briga de galos é descrita como uma atividade popular tanto na antiga Grécia como na antiga Roma; os habitantes da península itálica provavelmente a herdaram dos gregos e dos etruscos. Os galos eram cuidadosamente treinados para suas lutas e eram alimentados com cebola e alho, para fortalecê-los.188 Como nas rinhas modernas, as esporas de metal eram frequentemente presas às suas esporas naturais. Pode haver algum significado religioso no mosaico, como a varinha de Mercúrio que pode ser vista na mesa atrás do duelo das aves,189 o que vai ao encontro à menção de Scott, segundo a qual os galos de briga eram associados ao deus Mercúrio, mas também a Esculápio, Apolo e Marte, que simbolizavam a guerra. Do século IV d.C. ainda resta um relato valioso. Duas passagens do teólogo e filósofo cristão Santo Agostinho de Hipona (354-430), no livro De Ordine, descrevem uma briga de galos "natural", ou seja, que aconteceram sem intervenção do homem. As preocupações de Santo Agostino perpassavam a teologia, a teodiceia, a questão do bem, do mal e do belo, o que lhe traz muitos questionamentos, tais como: "Por que os galos brigam?", "Por que os homens são tão fascinados por brigas de galos?", "Se Deus é bom, como Ele poderia ter criado o mal ou crueldade?"190 Este foi um dos últimos relatos consistentes encontrados no período Antigo, após isso, ao menos na Europa, teremos um vácuo de quase mil anos sem qualquer referência às brigas de galos. Longe de

185 SCOTT, op. cit., p. 102. "Others, as well as Themistocles," says Pegge, "have taken advantage of the sight of cockfighting, and from thence have drawn an argument for the incitement and encouragement of military valour. 186 Ibidem. Socrates endeavoured from thence to inspire Iphicrates with courage. Chiysippus, in his book De Justitia, says. 'Our valour is raised by the example of cocks.' 187 TEREZ ANON. Trekearth. The Cockfight Mosaic. 2007. Disponível em: . Acesso em: 10 jun. 2009 188 Ibidem. 189 TEREZ ANON, op. cit. 190 DUNDES, op. cit., p.3-4. 139

acreditar que as brigas de galos tenham deixado de existir, busco trazer aqui algumas hipóteses para este silenciamento. A Idade Média é um período de pouquíssimos relatos sobre as brigas de galos, se comparado com os relatos da antiguidade e modernidade. Há algumas possíveis explicações para isso. A baixa circulação monetária pode ser um fator que minimiza os jogos de aposta ou pelo menos, torna a prática muito mais como um momento de ruptura com o cotidiano, em contraposição a uma continuidade que se dá numa relação na qual existe a criação de galos com a finalidade específica para as lutas. Com isso também, uma certa "profissionalização", ou um dispêndio de tempo ao qual um homem comum desse período não poderia dar-se ao luxo. Como, talvez, ainda não pode um pequeno produtor rural dispor de tal tempo. Poderia ser, então, uma diversão própria aos nobres, no entanto, o imaginário moderno sobre a Idade Média indica que a nobreza esteve mais inclinada aos jogos de cavalos.191 Talvez o galo fosse um animal associado a classes mais baixas, além do que, uma luta entre dois galos faz parte de uma situação puramente simbólica, tendo o homem pouco ou nenhum controle sobre desempenho do animal na disputa. Entretanto, não há como tomar isso com tanta certeza. Em 2015, pesquisas realizadas por arqueólogos e biólogos do projeto "Cultural and scientific perceptions of human-chicken interactions", na busca por mais respostas para a evolução dessa ave, realizaram escavações em vários sítios arqueológicos na Europa. Greger Larson, professor de Oxford, em entrevista ao New York Times contou:

[...] numa escavação em uma aldeia na Áustria, onde as pessoas viveram no início da Idade Média, por volta do século VI ao VIII, os arqueólogos encontraram pessoas enterradas com galinhas e outros objetos. Os frangos eram enterrados com homens e as galinhas com mulheres. E os galos que eram enterrados com os homens de alto status tinham esporas de luta mais

191 SARABIA VIEJO, 1972, p.31. A historiadora Justina Sarabia Viejo, em sua pesquisa sobre as brigas de galos no México, afirma que este tipo de diversão sempre existiu, no entanto, foi no XVII que se estenderam mais, já que a importância que adquiriu o campo depois da primeira etapa da vida guerreira e cidadã modificou muitos costumes e deu maior desenvolvimento aos jogos e esportes populares entre os quais estavam o jogo de pelota e as rinhas de galos, frente aos esportes cavalheirescos que haviam predominado no século XVI. 140

longas do que os galos enterrados com homens mais pobres.192

Mesmo que, pontualmente, essas pesquisas têm indicado a continuidade das relações entre homens e galos no período medieval, ainda é difícil chegar a conclusões sobre a prática das brigas de galos, a evidenciação de gêneros e, das esporas dos galos associadas ao status social desses homens, pois é bem significativo como símbolo de masculinidade e bravura. Estudos arqueológicos amparados por recursos técnicos da biologia molecular necessitam agora ser contrastados com os estudos mais tradicionais, os quais apontam tal período marcado pelo quase desaparecimento das brigas de galos. Uma hipótese para um decréscimo dessa atividade pode ser atribuída às invasões de povos não romanizados. Como escreve Marco Calistri, em artigo da Revista de Avicultura da Universidade Autônoma de Barcelona, sugerindo que as invasões bárbaras, principalmente na península itálica, acabaram reduzindo a prática das lutas de galos, já que os povos normandos e eslavos desconheciam as brigas de galos e não criavam animais. Calistri sugere que:

No século XIX se faziam rinhas de galos por toda Europa: da Holanda e da Bélgica — duas raças locais —, na França — o Grande e o Pequeno combatente do Norte — na Espanha — com suas variedades Jerezanas, Giros Reales, Gallinos. Na Itália este desenvolvimento foi diferente: depois das invasões bárbaras, a península foi ocupada por povos de origem eslava e germânica, a maior parte dos quais não conheciam, nem criavam nenhum tipo de gado doméstico. Por causa dessa influência "cultural" — se assim pode ser dito — dos novos dominadores, a cria dos galos de briga desapareceu rapidamente de todas as regiões. No entanto, onde as velhas tradições celto-latinas

192 GORMAN, James (Estados Unidos). Chickens Weren’t Always Dinner for Humans. The New York Times. Nova Iorque. 18 jan. 2016. Disponível em: . Acesso em: 17 out. 2017. "[...] in an excavation of a village in Austria, where people lived in the early Middle Ages, around the sixth to eighth centuries, archaeologists found people buried with their chickens and other goods. The cockerels were buried with men and the hens with women. And the cocks buried with the high-status men had longer fighting spurs than the chickens buried with poorer men." (Tradução livre do autor). 141

estavam ainda vivas, como no Piemonte — Valle de Lanzo — e no Valle de Aosta, este esporte ainda é praticado.193

Tenho alguma resistência em acreditar integralmente na citação acima, pois a Itália, apesar de quase não existir quase nada sobre galos combatentes, é o lugar de origem de várias raças não combatentes, como a Ancona, Leghorn, Siciliana, entre outras. Isso vem a calhar com a hipótese de que os conquistadores eslavos e germânicos, ao invés de ignorarem a criação dos animais, assimilaram de modo mais voltado à alimentação, na qual a criação passou por uma seleção (intencional ou não) dos exemplares menos belicosos. Sobre esse possível processo de seleção, o grupo de pesquisadores ingleses e suecos, apontam normas religiosas entre o século X e XII como fator que possibilitou o surgimento da galinha como fonte essencial de carne.194 Uma nova moral, influenciada por beneditinos, sugeria a proibição do consumo de carne de quadrúpedes, mas nenhum tipo de restrição às aves e peixes. Inicia-se, gradativamente, a seleção de exemplares que produziam mais carne e ovos e que pudessem ser criados em espaços menores. Seja como for, essa ave sofreu diversas mudanças morfológicas durante sua milenar trajetória. Estas pesquisas têm conciliado conhecimentos de áreas como a arqueologia, história e genética, criando uma hipótese melhor aceita para a evolução desse animal, combinando fatores socioculturais a alterações genéticas que, dificilmente, ocorreriam sem interferência humana.

193 CALISTRI, Marco. Historia y difusión de los gallos de peleas. Selecciones Avícolas, Barcelona (Espanha), v. 28, n. 12, p.399-402, dez. 1986. Mensal. Disponível em: . Acesso em: 08 mar. 2013. p. 401-2. En el siglo XIX se hacían peleas de gallos un poco por toda Europa: de Holanda a Bélgica — dos razas locales —, a Francia — Gran y Pequeño combatiente del Norte —, a España — con sus variedades Jerezanos, Giros Reales, Gallinos. En Italia este desarrollo fue diferente: después de las invasiones bárbaras, la península fue ocupada por pueblos de origen eslavo y germánico, la mayor parte de los cuales no conocían ni criaban ningún tipo de ganado doméstico. A causa de la influencia "cultural" — por llamar la de alguna manera — de los nuevos dominadores, la cría de los gallos de pelea desapareció rápidamente de todas las regiones. Sin embargo, donde las viejas tradiciones celta-latinas están todavía vivas, como en el Piamonte — Valle de Lanzo — y en el Valle de Aosta, este deporte es practicado todavía. (Tradução livre do autor). 194 LOOG, Liisa et al. Inferring Allele Frequency Trajectories from Ancient DNA Indicates That Selection on a Chicken Gene Coincided with Changes in Medieval Husbandry Practices. Molecular Biology and Evolution, Oxford [Reino Unido], v. 34, n. 8, p.1981-1990, 2 maio 2017. Oxford University Press (OUP). Disponível em: . Acesso em: 26 out. 2017. 142

Sobre o que compete à sua utilização como ave de combate, o fator que parece se impor sobre a falta de referências às rinhas naquele período, é a baixa urbanização. Isso não significa que as brigas de galos não ocorressem em uma sociedade predominantemente rural de subsistência. No entanto, não se dava da mesma forma, não estava agregada sob regras, não utilizava esporas artificiais, não havia um corpo específico para a criação e manutenção de um plantel em escala suficiente para a atividade se dar de forma mais contínua. Para Danaë,195 ao se referir aos povos hindus, a criação de galos como forma de divertimento só poderia se desenvolver numa sociedade que acumulou riquezas, uma vez que era superado o problema da subsistência e a produção de grãos, havia excedentes de forma a alimentar também esses animais. Contudo, ainda sobre a existência ou não dos combates em diversas sociedades e tempos históricos, estou inclinado a acreditar que uma das maiores carências de relatos se deu, principalmente, pelo simples fato de que não havia quem as relatasse. Ainda assim, o silenciamento sobre um período de praticamente mil anos (Idade Média) pelos autores que tratam das brigas de galos precisa ser discutido. Para isso, é preciso levar em consideração a herança Renascentista e Iluminista, marcada pelo menosprezo ao medievo, e a consequente valorização da Antiguidade, sobretudo à clássica, como fator que busca conferir uma positividade à prática. Silenciando-se o período intermediário por considerá-lo, equivocadamente, como o período das trevas. Ou ainda, uma intencionalidade por parte desses autores em legitimar esta prática pela sua longevidade em tradições ditas como clássicas. Em outras palavras, estes autores criam uma história gloriosa, supervalorizando as brigas de galos como um costume das civilizações mais refinadas. Muito embora, a chamada Idade Medieval apresente raros e esparsos relatos, o galo esteve presente nas representações da igreja católica ocidental. Muito do que se escreve a respeito de brigas de galos neste período são suposições. Um dos poucos autores que se propôs a evidenciar a presença dos galos foi Olivier Danaë, ao descrever como uma prática discreta entre a nobreza mas, provavelmente, comum entre

195 [...] le coq a été introduit d’abord comme oiseau de plaisir : il n’était pas destiné à la table. Un tel élevage de loisir ne pouvait se développer qu'au sein d’une société riche qui ne connaissait déjà plus de problème de subsistance. Et l’on constate en outre que l'élevage du coq de combat s’est développé au sein d’une société devenue, grâce aux richesses quelle avait su se constituer, particulièrement raffinée.DANAË, op. cit., p. 37. 143

as classes não representadas.196 Além disso, para reforçar suas afirmações, apresenta algumas imagens em alto relevo de lutas de galos em igrejas medievais da França, tais como a Basílica de Saint-Andoche de Saulieu, na Região da Borgonha-Franco-Condado, (concluída em 1119), de Saint-Vincent de Metz (século XIII) e a Abadia de Saint- Benoît-sur-Loire (século XI).197

Figura 23 - Parte superior de uma coluna da Basílica de Saint-Andoche. (Saulieu, Borgonha - França), construída no século XI.

Fonte: JALLADEAU, Joël (França). Art roman: les gens au quotidien: Une vie marquée par les fêtes. 2010. Disponível em: . Acesso em: 01 out. 2015.

No catolicismo, ainda, é comum os galos no alto das igrejas, muitas vezes como um instrumento para indicar a direção do vento. Trata-se de um símbolo do despertar, o galo é aquele que, com seu canto, anuncia a luz de um novo dia198, encerrando a escuridão. Essa dualidade cristã entre noite e dia, escuro e claro, em vários locais associa

196 DANAË, op. cit., p. 64. 197 Ibidem, p. 60-1. 198 FONTES, Antonio Lourenço. O jogo do galo na Península Ibérica. Separata da Revista Brigantia, Revista de Cultura, Bragança, V. 2, nº. 1, p.3-148, jan/mar. 1982. Bimestral. p. 8. 144

o galo como aquele que vence o mal, espanta os demônios e maus espíritos. Sobre a Europa medieval, também há de se levar em consideração que muitas práticas eram restritas às classes nobres (caça, cavalaria, falcoaria, etc.), enquanto talvez, uma prática como a briga de galos pudesse ser praticada pela classe camponesa como divertimento permitido, como sugere brevemente o historiador americano William Stearns Davis199 (1877-1930) em "Life on a Mediaeval Barony: A Picture of a Typical Feudal Community in the Thirteenth Century" (1923). No entanto, não foram documentadas adequadamente, pois aqueles que detinham o poder de documentar não estavam preocupados em descrever hábitos de camponeses. Para além disso, os galos também eram criados soltos. Isso indica, então, uma criação mais para fins alimentícios, porque a prática das brigas de galos para se tornar mais sistêmica, ou obedecer certas regras, era necessária a criação dos mesmos em confinamento. Soltos, os galos tendem a tornarem-se submissos a outro galo que domina um território, ou busca um território para si, longe dos demais galos. Ou seja, ao longo de anos, os "métodos de criação", mesmo sem rigor e propósitos científicos, podem influenciar evolutivamente na produção de variedades, tanto mais combativas como menos combativas, como sugeriu Thomas sobre a maleabilidade do tronco animal.200 De todo material analisado, é só no século XII, na Inglaterra, que temos uma referência mais confiável sobre brigas de galos. Scott afirma que

[...] a busca de registros e da literatura não revelou qualquer menção às brigas de galo até o século XII, quando foi mencionada por William Fitzstephen em um tratado acerca das diversões do povo Inglês daquela época.201

Outra referência é uma das ilustrações do livro 'Romance of Alexander’, escrito entre 1338 e 1344, na região de Flandres. O livro é

199 DAVIS, William Stearns. Life on a Mediaeval Barony: A Picture of a Typical Feudal Community in the Thirteenth Century. Harper & Brothers Publishers, Nova Iorque [EUA], 1923. 233 p. Disponível em: Acesso em: 22 jul. 2015. 200 THOMAS, op. cit., p. 160. 201 SCOTT, op. cit., p. 105. "as a search of records and literature fails to reveal any reference to cockfighting until well into the twelfth century, when it was mentioned by William Fitzstephen in a tract dealing with the amusements of the English people at that time." (Tradução livre do autor) 145

um composto de várias lendas e contos sobre Alexandre, o Grande, que atravessaram a Idade Média. Um exemplar ilustrado hoje está hospedado no Bodleian Library, em Oxford.202 Apesar de ser apenas uma ilustração decorativa da obra, de caráter metafórico, a imagem corrobora na perspectiva de ser algo existente, na época da publicação. Vale recordar mais uma vez, Flandres era uma sociedade relativamente mais urbanizada, em comparação com as demais regiões da Europa Ocidental, e como tal, contava com maior letramento. Flandres, em conjunto com a região de Nord-Pas-de-Calais, na França, constituem ainda um importante centro mantenedor das brigas de galos na Europa.

Figura 24 - Ilustração presente no livro Romance of Alexander (1338-44) p.50r.

Fonte: Romance of Alexander, Flandres, 1338-44. 274 p. (Early Manuscripts at Oxford University). Disponível em: . Acesso em: 4 jul. 2013.

Sobre a França, ainda vale salientar que, o país tem como símbolo nacional o galo. Não necessariamente trata-se de um galo de briga, mas serve como emblema justamente pelo que significa o galo, seus atributos como coragem e valentia.

202 Romance of Alexander. Disponível em: . Acesso em: 4 jul. 2013. 146

Outro país que tem o galo como símbolo é Portugal, muito embora, buscas sobre a atividade das brigas de galos naquele país não se demonstrem frutíferas.203 Apesar disso, parece que, juntamente com a Espanha, foi responsável pela introdução dos galos em suas colônias. Os portugueses, provavelmente, através de seu comércio global, nos séculos XVI a XVIII, difundiram os galos orientais de tipo malaióide em sua colônia americana. Apesar de quase não haver relatos, ou eles terem se perdido, restam algumas imagens. Uma delas é um afresco na casa do navegador Vasco da Gama, em Évora, cidade serrana de Portugal.

Figura 25 - Afresco representando uma briga de galos na casa de Vasco da Gama em Évora, Portugal.

Fonte: GUEDES, Maria Estela. Luta de galos. 2007. Disponível em: . Acesso em: 04 jul. 2013.

203 A título de curiosidade, há um pequeno livreto produzido em Portugal chamado "O Jogo do Galo na Península Ibérica" de autoria de Antonio Lourenço Fontes, padre, etnógrafo e licenciado em história. No entanto, o jogo do galo não significa propriamente a luta entre dois galos, mas uma série de práticas de sacrifício de galos no Domingo Gordo, ou seja, aquele que precede o Carnaval. Fontes descreve da seguinte maneira: Esta prática comum tem vários nomes, segundo as terras, sendo os mais usados, jogar o galo, correr o galo, o rei dos galos, tiro ao galo. Tem mais sentido o nome correr, porque se corre a aldeia em festa com o galo, indo os seus executores a cavalo, ou a pé. As formas mais usuais de correr o galo são duas. Ou enterrar-lhe o corpo, deixando a cabeça de fora para ser morto de olhos vendados aos rapazes; ou é dependurado numa corda sobre a rua e os rapazes a pé ou a cavalo tentam matar o galo. Noutras terras faz-se o tiro ao galo. FONTES, op. cit., p. 3. Além deste livro, em buscas pela internet só encontrei apenas uma notícia sobre a ocorrência de lutas de galos. CHAVES, Paulo Silva Reis (Portugal). Lutas de galos em garagens rendem cinco mil euros. DN. Lisboa. 12 abr. 2009. Disponível em: . Acesso em: 9 maio 2013. 147

Na Espanha há vários relatos e pesquisadores que escreveram sobre as brigas de galos. Um deles é Antonio de Bethencourt Massieu (1919-2017),204 que descreve as lutas de galos nas ilhas Canárias, no final do século XVIII. Segundo este autor, o jogo de galos estava difundido em toda Península e, nas Canárias daquele século, foi uma das poucas diversões. O problema suscitado por ele diz respeito às proibições em algumas partes da metrópole e vice-reinados, por Real Cédula de 1685, do rei Carlos II (1661-1700). Este foi constantemente alertado por clérigos, ouvidores, vice-reis a proibir os jogos de azar (cartas e brigas de galos), na medida em que perturbavam a ordem pública, provocando a fuga de escravos e trabalhadores. Assim, somente em 1713, no reinado de Felipe V (1683-1746), os jogos voltaram a ser permitidos, tornando-se umas das fontes de renda da coroa, por meio da concessão do direito da realização de tais jogos por particulares, chamados de assentistas. O mesmo acontece na Nova Espanha (México), e foi estudado com mais profundidade pela historiadora Justina Sarabia, cujo texto será objeto de minha análise mais adiante. Outro texto pertinente é o de Donato Gómez Díaz,205 no artigo "Reglamentación de la violencia y distribución del deporte de apuesta en España hasta el S. XIX: galleros y pelotaris", ele analisa dois jogos que envolvem apostas e, como no século XIX, são afetados pelo processo civilizatório, ou de aburguesamento, que tendia a limitar ou eliminar a violência. Então, concluiu que as transformações acabaram por criar uma dissonância dessas atividades entre norte e sul da Espanha: no norte, acabou predominando o jogo de pelota e, no sul, as brigas de galos. No centro do país, uma zona mista, onde as duas atividades eram concomitantes.

204 BÉTHENCOURT MASSIEU, Antonio de. Las peleas de gallos en Tenerife en el setecientos. Anuario de Estudios Atlánticos, Las Palmas, Gran Canaria [Espanha], v. 1, n. 28, p.477-518, jun. 1982. Anual. Disponível em: . Acesso em: 04 jul. 2013. Antonio Bethencourt Massieu (1919-2017) foi historiador e catedrático da Universidade de Las Palmas, Grande Canária, Espanha, e, investigador do Anuário de Estudos Atlânticos. 205 GÓMEZ DÍAZ, Donato. "Reglamentación de la violencia y distribución del deporte de apuesta en España hasta el siglo XIX: galleros y pelotaris", In: Actas del X Congreso de Historia del Deporte, Sevilla [Espanha], 2-5-Noviembre 2005. Universidad Pedro de Olavide. Disponível em: Acesso em: 11 jun. 2013. O professor Dr. Donato Gómez Díaz é titular do departamento de economia aplicada da Universidade de Almería, Espanha. 148

Em sentido semelhante, o artigo de Víctor Domínguez i Perles,206 "Sport gallístico a la riña de gallos: transformaciones de una práctica cultural en el proceso de civilización", procurou analisar as brigas de galos diante do processo de aburguesamento na província de Cartagena, no Sul da Espanha, na passagem do século XIX para o XX. O esporte galístico, como ele denomina, acabou sendo afastado do centro urbano de Cádiz, passando para as periferias. Um claro esforço de aburguesamento urbano, em relação às práticas que já não combinam com a moral da classe burguesa. Assim, segundo o autor, as brigas de galos passam por um processo de invisibilização, e sua continuidade se deu por sujeitos das classes obreiras. Desde minha dissertação, venho observando as brigas de galos como um fenômeno urbano, mesmo que este se dê de diferentes maneiras. O exemplo de Cádiz não poderia ficar fora do objeto a ser analisado. O urbano, capitalista e industrial apresentam-se idiossincraticamente em relação a diversas práticas culturais, ao mesmo tempo em que, podem contribuir para as sociabilidades por agrupar sujeitos sociais, também tendem a separá-los. Seja por intervenções de ordem moral não prescritas na lei, ou de forma mais explícita, quando estão prescritas. Possivelmente e com mais eficácia, a formação de uma sociedade urbana de consumo e individualista, na qual a reorganização socioespacial tende a romper com antigas formas de sociabilidade (vizinhança, clubes, atividades tradicionais), paulatinamente, as substitui por sociabilidades de caráter privado e sociabilidades cibernéticas. No que confere às brigas de galos, para além da proibição, a tese tem como fato consumado o urbano como fator potencializador dessa prática, mas até certo ponto. E este ponto é justamente onde inicia o aburguesamento social. Ou seja, hábitos, práticas e visões de mundo que tendem a sistematicamente eliminar ou invisibilizar costumes, que não coadunam consigo. Dessa forma, o exemplo de Cádiz, aponta não para uma eliminação das brigas de galos nas cidades, mas sua conversão em prática periférica, suburbana e invisível. Quiçá o melhor local para se observar este processo de urbanização capitalista é a Inglaterra. Pois é um processo precoce no mundo ocidental, além do que, possui uma historiografia muito rica sobre diversas práticas cotidianas suplantadas progressivamente com a

206 DOMÍNGUEZ i PERLES, Víctor L. Sport gallístico a la riña de gallos: transformaciones de una práctica cultural en el proceso de civilización. Revista de Antropología Experimental, Jaén [Espanha], v. 2, n. 1, p.429-440, jun. 2002. Anual. Disponível em: . Acesso em: 29 mar. 2013. 149

gentrificação daquela sociedade. Keith Thomas, com sua análise marxista, capta muito bem o processo de sensibilização em relação ao mundo natural, que coaduna com o processo de urbanização e mudança dos hábitos, decorrente dessa nova forma de organização do mundo. No entanto, este urbano parece ter se consolidado e as práticas, de uma forma ou outra, permanecem. A este problema se adiciona um debate que não se limita às transformações urbanas, mas a todo um movimento ascendente de proteção aos animais que, apesar de antigo, vem se sofisticando e solidificando em grande parte da população. Ainda sobre a Inglaterra, há uma rica bibliografia em relação às brigas de galos, como também muitos relatos e fatos curiosos.

Figura 26 - Respectivamente as capas de "The Commendation of Cockes, and Cockfighting" (1607) e a Proibição de Cromwell: "Ordinance Prohibiting Cock-Matches." (1654).

Fonte: Arquivos digitais da Biblioteca da Universidade de Nottingham (Inglaterra).

150

Consta que Henrique VIII (1491-1547) teria mandado construir um rinhadeiro para acompanhar rinhas de galos. Este rinhadeiro chamava-se Cockpit-in-Court, também conhecido como Royal Cockpit, e se localizava atrás do Palácio de Whitehall, residência dos reis naquela época. Os monarcas da dinastia Stuart também eram adeptos dos rinhadeiros.207 Já Cromwell (1599-1658) foi o primeiro a proibi-las. Scott afirma que a proibição se dava no sentido de coibir reuniões que pudessem articular a queda de seu governo, pois muitos políticos da época frequentavam os chamados "cockpits".208 Thomas, por outro lado, interpreta a proibição de Cromwell associada ao seu protestantismo:

É verdade que os esportes animais aos protestantes repugnava por serem associados ao ruído, ao jogo e a desordem; e foi com base nisso que as rinhas e o arremesso de paus contra galos foram proibidos por uma ordenação do Protetor em 1654.209

A proibição parece não ter tido muito efeito e as brigas de galos continuaram a se proliferar na Inglaterra. Com a ascensão do campo esportivo, nos séculos XVIII e XIX, por diversas vezes foi descrito como um esporte. Uma vasta bibliografia pode ser encontrada a partir do século XIX, desde descrições como um esporte britânico, como também manuais destinados a galistas e outros participantes. Mesmo com a proibição em 1849,210 no período vitoriano, a atividade se manteve, mesmo que na clandestinidade. Prova disso é exatamente as bibliografias sobre as rinhas, tais como: The old game English Game Fowl211 de Herbert Atkirson, escrito em 1891; Old English Sports, de Frederick Hackwood (1851-1926),212 escrito em 1908; The Cockfighters: a Survey and Analysis of the Sport of Cockfighting in

207 SCOTT, op. cit., p. 112. FABRES GUZMÁN & URIBE ECHEVARRÍA, op. cit., p. 24. ELIAS, op. cit., p. 11. DUNDES, op. cit., p. 18. 208 SCOTT, op. cit., p. 157. 209 THOMAS, op. cit., p. 188. 210 Ibidem, p. 191. 211 ATKIRSON, Herbert. The old game English Game Fowl: Its History, Description, Management, Breeding & Feeding. Fanciers' Gazette, Londres [Reino Unido], 1891. 71 p. Disponível em: Acesso em: 12 out. 2015. 212 HACKWOOD, Frederick W. Old English Sports. Uckfield, East Sussex, [Reino Unido]: Published by The Naval & Military Press Ltd, 2007. 361 p. 151

Britain, and a study of the Criminology of Cockfighting Offenders, in the period 1991-1992 do Dr. Barry F. Peachey,213 entre outras.

Figura 27 - Respectivamente as capas de "The Royal Pastime of Cocking"(1709) e British Sports (1821).

Fonte: Disponíveis respectivamente em: Acesso em: 31 ago. 201. e Acesso em: 15 jul. 2015.

Também constam obras anteriores à proibição, tais como The Commendation of Cockes, and Cock-fighting,214 escrita por George Wilson em 1607, The Royal Pastime of Cock-Fighting,215 escrita por

213 PEACHEY, Barry F. The Cockfighters: A Survey and Analysis of the Sport of Cockfighting in Britain, and a Study of the Criminology of Cockfighting Offenders, in the Period 1991-1992. Beech Publishing, Turk St, Alton [Reino Unido], 1993. Disponível em: Acesso em: 14 mai. 2013. 214 WILSON, George. The Commendation of Cockes, and Cockfighting; Londres [Reino Unido], 1607. 215 HOWLETT, Robert. The Royal Pastime of Cock-fighting; Londres [Reino Unido], 1709. Disponível em: Acesso em: 26 abr. 2015. 152

Robert Howlett em 1709 e British Sports,216 de Henry Alken (1785- 1851), publicada em 1821. Abaixo segue, respectivamente, a capa de cada publicação. Na imagem à esquerda, dois galos lutam no centro, enquanto na direita, há várias representações de esportes com animais praticados pelos britânicos, uma delas, a superior do centro do quadro apresentado por dois homens, representa a luta entre dois galos. Interessante notar que o século XIX é um século de difusão dos ideais iluministas e, mesmo sobre as brigas de galos, parece haver um impacto tanto positivo quanto negativo. Ao mesmo tempo em que há a proibição em alguns lugares, que se difunde a universalização do saber através da escrita, novos hábitos sociais e conceitos como de civilidade, higiene, entre outros, também abrem espaço para uma difusão da briga de galos, entendida como um esporte e um espaço de sociabilidade. Ou seja, algo banal como as brigas de galos saem de um mundo holístico e passam a ser um objeto de descrição. Aqueles que a praticavam acabam se utilizando dos conceitos da época para a manutenção e difusão da prática. Assim conseguimos entender melhor o crescimento da produção bibliográfica, na tentativa de transformar a prática em esporte, com vistas a legitimá-la. Portanto, este é um fenômeno muito comum em quase todo o mundo eurocêntrico e, ouso dizer, que as brigas de galos tiveram seu auge como esporte em diferentes lugares, entre os séculos XIX e XX, conseguindo ter longevidade maior onde conseguiram se estabelecer como prática esportiva reconhecida.217 Na Inglaterra e outros países, o processo civilizatório e de sensibilidade em relação aos animais parece ter sido relativamente eficaz na redução dos esportes com animais. Em países de industrialização tardia, isso vai ocorrer num período muito posterior,

216 ALKEN, Henry, The National Sports of Great Britain; Londres [Reino Unido], 1821. William Andrews, Bygone England', Hutchinson & Co., Londres, 1892. 217 Até mesmo no gélido império russo existia e ainda existe a briga de galos (Петушиные бои). Há inclusive uma raça de galos chamada Orloff, creditada ao Conde de Orloff (Alexei Orlov) do final do século XVIII. Muito provavelmente essa raça foi introduzida na Rússia através da Ásia Central, já que se assemelha muito aos galos orientais. Ver: SERRA PLANELLS, Juan. Espolones en Combate. 2ª ed. Valência [Espanha]: Talleres Tipográficos Bello. 1955. p. 378-81. Da mesma forma, é possível encontrar algumas referências na região dos Bálcãs e no Cáucaso, onde eram praticadas em terreiros e com as esporas naturais. Cito, a título de curiosidade o quadro do pintor realista sérvio Paja Jovanović (1859-1957), chamado Briga de Galo (Borba Petlova, 1897) e do artista azeri Azim Azimzade (1880-1943) com um quadro de 1915 também intitulado de Briga de Galo (Петушинный бой). Disponíveis respectivamente em: e . Acessos em: 30 mai. 2013; 4 jul. 2013. 153

ainda estaria ocorrendo, ou os efeitos de uma política de estado de gentrificação e aburguesamento estariam tomando outros caminhos, diferentemente do paradigma europeu. Boa parte disso apresento como um plano de fundo nos capítulos seguintes, como se deu e se dá no Brasil essa relação entre proibição e clandestinidade (rupturas e sobrevivência), associadas às políticas de proteção aos animais. Mas antes, é oportuno continuar a trajetória dos galos pelo Brasil e pelo Novo Mundo.

2.2. O Brasil e o Novo Mundo: história e prática

No Brasil, assim como no continente americano, os galos chegaram juntamente com a conquista. Podemos apontar os portugueses e espanhóis, bem como ingleses e franceses, como introdutores dos galos no Novo Mundo. Muitos autores afirmam que os galos e galinhas, além de servirem como alimento nas naus que faziam a travessia do Atlântico — ou mesmo para as que navegavam para o Índico —, poderiam servir como forma de diversão através dos combates. Segundo Fernandes Duro (1830-1908), militar e erudito espanhol, as frotas que iam às Índias (Ocidentais) levavam galos de briga que eram jogados na cobertura dos barcos, para distraí-los na monótona e longa viagem.218 Ainda segundo este autor, foi na segunda viagem de Cristovão Colombo (1451-1505) com destino à América, que os navios aportaram nas Ilhas Canárias para reabastecimento com água, lenha, pão fresco e galinhas.219 As galinhas, bem como vários outros animais, serviam tanto como alimento como também para propósitos colonizadores.220 Muitas vezes, estes animais eram deixados em alguns pontos do litoral, para que se reproduzissem e, posteriormente, servissem como portos de reabastecimento. No que tange a relatos, poucos documentos são encontrados sobre a presença de galos e das brigas de galos no Brasil. Contudo, semelhante ao relato da segunda viagem de Colombo, também há menção da presença de galinhas na Carta do Achamento do Brasil, na qual o escrivão, Pero Vaz de Caminha (1450-1500), descreve jocosamente um

218 FERNANDEZ DURO, Cesáreo. Armada española desde la Unión de los Reinos de Castilla y Aragón. Madrid, 1898, Tomo IV, p.333. 219 SARABIA VIEJO, op. cit., p.4. 220 CROSBY, op. cit., 2011. 154

momento em que os portugueses apresentam galinhas aos nativos e estes "quase tiveram medo. Depois a pegaram como que espantados."221 É relevante observar que as naus, geralmente, transportavam animais, fossem como instrumento de trabalho e conquista, como alimento ou não, e que esse transporte ocasionava a introdução e troca de espécies exóticas por todo o mundo.222 Assim, sobre os galos, é muito importante notar que esses animais não foram introduzidos na América somente a partir da Europa, pois os fluxos e viagens à Índia e Oriente, acabaram introduzindo também variedades asiáticas no Novo Mundo. A partir disso, esta pode ser uma das explicações para a diferenciação morfológica entre os galos combatentes e os tipos de combates realizados no Brasil, em comparação com outros países da América, assunto do qual eu me aprofundarei mais adiante. Antes, gostaria de dialogar com dois autores: a historiadora americanista espanhola Maria Justina Sarabia Viejo, professora da Universidade de Sevilha, autora de dois livros sobre as brigas de galos: "El juego de gallos en Nueva España", de 1972, e "Peleas de gallos en América: su historia, tradición y actualidad" (2006); e o cubano Pablo Riaño San Marful, mestre em história pela Universidad de La Habana, cuja dissertação intitula-se "Gallos y Toros en Cuba" (2002). A autora Sarabia Viejo, por meio de fontes documentais encontradas na Espanha e México, narra a história das brigas de galos no México colonial e independente. Como a publicação é de 1972, há um estranhamento historiográfico em relação às pretensões daquela epistemologia de trabalho, a qual parece trazer uma história bastante marcada pela busca da verdade e totalidade, a apresentação das fontes como que falando por si e, muitas vezes, sem um problema histórico preciso e um olhar mais crítico. Ainda assim, o trabalho é uma excelente fonte documental. A princípio, o texto apresenta vários relatos de época caracterizando o mexicano como inclinado naturalmente aos jogos de apostas: sobretudo cartas e brigas de galos. Isso provocou uma série de solicitações, principalmente por parte do clero à coroa espanhola, para que se proibissem os jogos nas colônias. Várias medidas são tomadas então, por parte do estado Habsburgo, na tentativa de frear estes "impulsos". O jogo foi proibido no México (cidade) por Real Cédula de Carlos II em 1688, fazendo com que os arcebispos e bispos do México

221 CAMINHA, Pero Vaz. Carta a El Rei D. Manuel, Dominus: São Paulo, 1963. p. 3. 222 CROSBY, op. cit., p.182. 155

continuassem apelando ao rei para a proibição geral e penas mais severas aos que continuassem a praticar jogos de apostas.223 Quase nada mudou, somente a proibição foi estendida a Puebla. Com a ascensão bourbônica na Espanha, continuaram os apelos para maior rigidez, e a coroa, durante muito tempo, somente reafirma as cédulas anteriores. No entanto, há também muitas petições de licença para realização de jogos sob a forma de arrendamento e arrecadação para Fazenda Real, o que até 1727, continuou sendo negado pela coroa. Foi então que, naquele ano, Felipe V revogou as cédulas anteriores e permitiu o jogo de galos. Entretanto, sobre várias condições, tais como: seriam jogadas em locais públicos; em dias festivos somente após a uma hora da tarde (visando respeitar as celebrações religiosas); o jogo seria vigiado por ministros de justiça; e ficava vetada a participação de escravos e filhos de família. Este último item deixa bem claro a forte percepção moral sobre a atividade, tanto é que, durante algum tempo, houve solicitações à coroa para que o jogo fosse novamente proibido, devido a relatos que apontavam o jogo de galos como base de pecados e fomento da ociosidade e do vício. Porém, há que se fazer recordar que a ascensão bourbônica, com Felipe V, vai representar uma modernização (ou pelo menos uma tentativa) do Estado espanhol.224 Permitindo-me uma análise mais crítica da obra de Sarabia Viejo, penso que um dos problemas suscitados poderia ser remetido a Edward Thompson (1924-1993)225, principalmente no que diz relação à formação da classe operária, forjando novos hábitos mais adequados ao capitalismo industrial, à moral do trabalho, a não-vagabundagem. É claro que, a relação entre uma moral laboriosa no México colonial não foi forjada a partir das relações do capitalismo industrial, ela estava sendo imprimida ainda pelo estado absolutista e pela religião. Fica evidente que esta moral já era recorrente na cristandade ocidental há muito mais tempo, mas é com as relações econômicas capitalistas no mundo do trabalho, aliadas às pretensões cristãs de austeridade, que esta nova moral teve maior êxito. Em outras palavras, a ascensão do capitalismo industrial tornou-se mais eficaz que em toda história anterior, não só por uma simples mudança econômica, ou imposições verticalizadas, mas justamente por proporcionar a existência

223 SARABIA VIEJO, op. cit., p.15-6. 224 ANDERSON, Perry. Linhagens do estado absolutista. 3ª ed. São Paulo: Brasiliense, 1995, c1974. (2ª reimpressão, 2004) 225 THOMPSON, E. P. A formação da classe operaria inglesa. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987. THOMPSON, E. P. Costumes em comum. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. 493 p. 156

de um público consumidor e produtor de ideias maior e, consequentemente, relações de negociação entre algumas camadas sociais. Por isso, Thomas aponta as classes médias inglesas como difusoras de um sentimento de compaixão e, muitas vezes, de reprovação de hábitos aristocráticos. No México dos séculos XVII e XVIII, por outro lado, era a religião quem queria imprimir estes hábitos, mas não tiveram os mesmos êxitos de uma Inglaterra, o que indica, provavelmente, a ausência desses segmentos sociais como a gentry. Mesmo assim, não se pode tomar a história como se tivesse caminhando para uma homogeneização em relação ao processo de gentrificação. É possível afirmar que, mesmo no seio das próprias cidades, encontrava-se uma heterogeneidade das representações, realidades e temporalidades. Ora, não é por menos que as cidades, na maioria das vezes, congregam espaços tão díspares e com diversos significados sociais e culturais. Sobre as brigas de galos no Vice-reino da Nova Espanha, por sua vez, o jogo de galos era arrendado por um período de dez anos e acabou sendo ampliado para outras cidades. Depois foi reduzido a cinco e se manteve como uma concessão até a independência, em 1821. Com isto, o controle passou para a recém-criada Fazenda do México. No entanto, estava sem organizar, logo o arrendamento sobre o direito das brigas de galos acabou ficando a cargo das administrações locais: municípios ou distritos. Adiante há um quadro apresentado por Sarabia Viejo com as principais rendas da Nova Espanha, a partir de relatos de Alexander von Humboldt (1769-1859): Conforme Sarabia Viejo, após a independência houve uma queda no valor das apostas, em decorrência da guerra de emancipação, que causou muitos prejuízos. Foi apenas na década de 1830, com a presidência de Antonio López de Santa Anna (1794-1876), o general Santa Anna, presidente do México em onze ocasiões, que as brigas de galos cresceram novamente, como afirmou a autora:

Foi o general Santa Ana que deu um novo auge às brigas de galos, já que sentia verdadeira paixão por eles, não só como jogador, mas sim como criador de galos finos de rinha em seu rancho “El Encero”, próximo a Veracruz, no qual possuía uma gallera para centenas de animais luxuosamente acondicionados, com bastidores de 157

mogno, comida selecionada, água filtrada, sempre quente e toda classe de comodidades.226

Figura 28 - Rendas da coroa espanhola no México. Valor em Pesos.

Fonte: Humboldt, A. de: Ensayo político sobre el Reinado de Nueva España, México, 1941, tomo IV, pág. 171. Apud SARABIA VIEJO, op. cit., p. 119.

O México tem sido, há muito tempo, palco para a manutenção desse tipo de prática que, em certos momentos históricos, contam com uma maior resistência ou com sua brandura. Não raro serão as menções às brigas de galos, às grandes personalidades do país que foram adeptos, como o caso dos revolucionários Pancho Villa (1878-1923) e Emiliano Zapata (1879-1919). Ainda sim, o que pode ser pensando, a título de comparação do caso mexicano com o brasileiro no que se trata das brigas de galos, são suas semelhanças durante algum tempo. Foram permitidas com a concessão e pagamento de tributos durante boa parte do século XIX, e

226 SARABIA VIEJO, op. cit., p.80. Fue el general Santa Ana el que dió un nuevo auge a las peleas de gallos ya que sentía verdadera pasión por ellos no sólo como jugador, sino como criador de gallos finos de pelea en su rancho de “El Encero”, cercano a Veracruz, en el cual poseía una gallera para centenares de animales lujosamente acondicionada con bastidores de caoba, comida escogida, agua filtrada y siempre caliente y toda clase de comodidades. (Tradução livre do autor) 158

início do XX. Quando no Brasil, em 1924, o Decreto Federal 16.590, conhecido como Regulamento das Casas de Diversões Públicas, estabeleceu que não seria concedida licença para brigas de galos ou canários.227 Embora o decreto não tenha criado entraves à realização das rinhas por particulares, a partir daquele momento, o Estado deixa de assumir responsabilidades sobre a mesma e, aos poucos, ela começa a se apresentar como um problema. No Brasil, as brigas de galos passaram de contravenção à crime, enquanto no México (não em sua totalidade), além de permanecerem sendo praticadas são rigidamente organizadas, contam com os chamados palenques ou coliseos que, na verdade, são ginásios especialmente construídos para as rinhas. Na cidade de Aguascalientes, nos meses de abril e maio, durante a Feira Nacional de San Marcos, fazem parte das festividades, além de ser um importante símbolo desta cidade.228 Assim como há vários estudos médico-veterinários229 e revistas especializadas sobre o assunto. Portanto, o México vem a ser um exemplo da longevidade e durabilidade das brigas de galos, ainda que tenha crescido muito os debates acerca dos maus tratos aos animais. Seja como for, as rinhas estão disseminadas por praticamente toda a América Latina e mesmo em parte dos Estados Unidos. Em Cuba, as brigas de galos contam com uma trajetória que remonta ao período colonial ainda presente. Destaque especial para a dissertação do historiador Pablo Riaño San Marful, intitulada "Gallos y Toros en Cuba"230, na qual o autor faz uma análise sociocultural sobre brigas de galos e as corridas de touros, no final do século XIX e início do XX, quando Cuba passa por um processo emancipatório em relação à Espanha e à intervenção estadunidense. Nesse processo, bastante significativo para a história cubana, Riaño propõe analisar estas duas práticas culturais diante de uma

227 BOUDENS, Emile P. J.. Briga de galos nunca mais?. Rio de Janeiro: Publit, 2006. p.26. 228 FLORES HERNÁNDEZ, Benjamín. Aguascalientes Habla de Gallos: el tema de los gallos en las letras aguascalentenses. Investigación y Ciencia, Aguascalientes [México], v. 12, n. 30, p.43-52, jan/jun. 2004. Semestral. Disponível em: . Acesso em: 08 mar. 2013. 229 Cito aqui o artigo produzido por Fuentes-Mascorro G., Salvador B. e García M.A. membros do Laboratorio de Investigación en Reproducción animal LIRA, da Universidad Autónoma Benito Juárez de Oaxaca. Aves de Combate en el Traspatio - Oaxaca, México. Disponível em: E a monografia de Alfredo Varela, Manejo productivo de gallos de peleas, na faculdade de medicina veterinária e zootecnia da Universidade Veracruzana. Veracruz, México. Disponível em: 230 Para maior compreensão da obra ver: RIAÑO SAN MARFUL, Pablo. Gallos y Toros en Cuba. La Habana, [Cuba]: Fundación Fernando Ortiz, 2002. 215 p. 159

sociedade em forte ruptura política, mas também cultural. Algumas práticas foram associadas ao colonizador espanhol e o emergente nacionalismo e independentismo cubano, representados por parte da elite local, tendeu discursivamente a uma moral civilizatória e moderna. E a normatização e construção de uma sociedade tendo como modelo os Estados Unidos. Neste sentido, os interventores militares dos Estados Unidos acabaram proibindo, primeiramente, as corridas de touros, em 1899,231 as quais já viviam um certo decréscimo, e também as brigas de galos, em 1900.232 O que vai gerar uma certa resistência, pois eram atividades que faziam parte das festividades e sociabilidades da cubanidade e que passaram a ser praticadas clandestinamente. Por um período houve várias tentativas de legalizar e disciplinar as brigas de galos, quando finalmente, em 1909, foram restabelecidas por decreto pelo presidente José Miguel Gómez (1858-1921).233 Sendo assim, a obra de Riaño é um excelente estudo historiográfico sobre o desenrolar do processo civilizador na América Latina, que remonta ao período final do século XIX e primeiras décadas do XX, bem como da insistente tentativa de reprodução da civilidade dos países centrais, sobretudo Estados Unidos, Inglaterra e França. Ainda sobre Riaño, e toda a discussão que envolve a intervenção estadunidense em Cuba, muitas vezes me perguntei sobre que tipos de discursos civilizatórios existiam dentro do próprio Estados Unidos em relação às brigas de galos, já que também era uma prática comum naquele país. Não é esta a preocupação de Riaño, no entanto, como compreender essa proibição em Cuba se as rinhas eram permitidas no próprio Estados Unidos, ou pelo menos em muitos dos estados daquele país? Os Estados Unidos,234 inclusive, são uma das referências preferidas aos mais entusiastas dos escritores galistas.235 Não raro, há

231 RIAÑO SAN MARFUL, op. cit.,83. 232 Ibidem, p.90. 233 Ibidem, p. 104. As brigas de galos permaneceram permitidas até a revolução cubana em 1959, quando o jogo passa a ser proibido. No entanto, em 1972 o governo cubano revolucionário revoga a proibição e organiza exposições anuais e a exportação de exemplares com vistas a garantir a criação de galos como uma fonte de renda para a nação. (N.E) 234 Para uma melhor compreensão ver: MCCAGHY, Charles H. e NEAL, Arthur G. The Fraternity of Cockfighters: Ethical Embellishments of an Illegal Sport. In: DUNDES, op. cit., p.66-80. 235 Ver DANAË, op. cit.; FABRES GUZMÁN, & URIBE ECHEVARRÍA, op. cit.; SERRA PLANELLS, Juan, op. cit; PÉREZ ZENDEJAS, Eduardo. Su Majestad El Gallo de Pelea: su cría. México [México]: Edinova, 1997. 340 p.; RODRIGUEZ, Adriano. El Gallo de Pelea. Santo Domingo, [Rep. Dominicana]: Editora Corropio, 1983. 237 p. 160

citações de que vários presidentes daquele país foram inclinados às brigas de galos, às vezes como criadores, ou participantes de rinhas. Entre os mais citados estão George Washington (1732-1799), Andrew Jackson (1767-1845), Thomas Jefferson (1743-1826) e Abraham Lincoln (1809-1865). Este último era conhecido como “Honest Abe”, não por suas qualidades políticas, mas por sua atuação como juiz em rinhas de galos. Conta-se também, que, por um voto o galo de briga deixou de ser o animal símbolo dos Estados Unidos, perdendo para o American Eagle. Após a guerra civil, a prática da rinha de galos foi perdendo espaço, sendo hoje proibida em todos os 50 estados,236 sendo liberada em algumas dependências, estados associados ou não incorporados, como Guam, Porto Rico e Ilhas Virgens Americanas. Apesar disso, ainda é possível encontrar informações de sua ocorrência de forma clandestina, como, a título de exemplo, o caso da princesa romena Irina Walker (1953-), flagrada, juntamente com seu marido, organizando uma rinha de galos em área rural do estado de Oregon, em 2014.237 Ou, num caso mais convincente, também em 2014, quando a polícia, na "Operação Hungry Birds" apreendeu mais de 3000 aves e 70 pessoas envolvidas em brigas de galos, que aconteciam no Brooklyn e Queens, em Nova Iorque.238 Há também uma grande produção escrita, revistas como The Feathered Warrior, The Gamecock e Grit and Steel, esta última foi publicada por mais de cem anos, encerrando suas atividades em 2009, quando os correios dos Estados Unidos foram proibidos de transportar qualquer material relacionado à briga de galos, conforme notícia do sítio eletrônico da The Humane Society.239 Na literatura, cito Charles

236 O último estado americano a proibir foi a Louisiana, em agosto de 2008. THE ASSOCIATED PRESS (Estados Unidos). Louisiana: Cockfighting Ban in ’08. The New York Times. Nova Iorque, p. 19-19. 28 jun. 2007. Disponível em: . Acesso em: 6 mar. 2009. 237 MOYER, Justin Wm. A Romanian princess pleads guilty to cockfighting. Say what? The Washington Post. Washington (EUA). 17 jul. 2014. Disponível em: . Acesso em: 10 set. 2015. 238 ASSEFA, Haimy (Estados Unidos). New York cockfighting bust uncovers 3,000 birds and yields 9 arrests. CNN. Nova Iorque. 15 fev. 2014. Disponível em: . Acesso em: 16 maio 2015. ANTENUCCI, Antonio; FONROUGE, Gabrielle (Estados Unidos). 70 arrested in NY’s largest cockfighting bust. New York Post. Nova Iorque. 10 fev. 2014. Disponível em: . Acesso em: 16 maio 2014. 239 THE HUMANE SOCIETY OF THE UNITED STATES (Estados Unidos). Postal Service Cracks Down on Animal Fighting: The Feathered Warrior’ Cockfighting Magazine Calls it 161

Willeford (1919-1988) com o romance Cockfighter240 (Galista) que, posteriormente, seria adaptado ao cinema com o mesmo título,241 e o jornalista Tim Pridgen, com o livro fruto de uma investigação de campo e traduzida para português, pela editora Cruzeiro, em 1946, intitulado “Coragem: a história da moderna briga de galos”. Pridgen, na época do lançamento do livro, em 1938, alega que

[...] a briga de galos nestes últimos dois anos entrou num período de renascimento que espanta os criadores, do Atlântico ao Pacífico; que os americanos, aos milhares, se vêm dedicando a esse desporto; que em todo o mundo milhões de homens a ele se submetem e que alimentam um sentimento de fraternidade.242

Seria demasiado inoportuno resumir ou comentar todas as referências ou obras literárias encontradas sobre as brigas de galos, ou que de alguma forma remetem a essa prática, seja de modo crítico, romancista ou pura licença poética. Resigno-me a citar, a título de curiosidade, por exemplo, "Ninguém escreve ao coronel"243 (1961) do colombiano Gabriel Garcia Marquez (1927-2014), o conto "A Intrusa"244 (1970) do argentino Jorge Luis Borges (1899-1986), "Rum: Diário de um Jornalista Bêbado"245 (1998) do estadunidense Hunter S. Thompson (1937-2005), "Noli me tangere"246 (1886) do filipino José Rizal (1861-1896), “Clara dos Anjos”,247 do romancista brasileiro Lima Barreto (escrito em 1922, ano da morte do autor, e publicado em 1948),

Quits After 106 Years. The Humane Society Of The United States. Washington. 05 ago. 2008. Disponível em: . Acesso em: 10 set. 2015. 240 WILLEFORD, Charles Ray. Cockfighter. Chicago: Chicago Paperback House, 1962. 241 COCKFIGHTER. Direção de Monte Hellman. Produção de Roger Corman. [S.I] EUA: New World Pictures, 1974. 1 DVD (83), color. 242 PRIDGEN, Tim. Coragem: a história da moderna briga de galos. Rio de Janeiro: Cruzeiro, 1946. 31-2 243 GARCÍA MÁRQUEZ, Gabriel. Ninguém escreve ao coronel. 5ª ed. Rio de Janeiro: Record, 1968. 95p. 244 BORGES, Jorge Luis. O informe de Brodie (1970). São Paulo Companhia das Letras, 2008. 93 p. 245 THOMPSON, Hunter S. Rum: Diário de um Jornalista Bêbado. 1ª ed. Porto Alegre: L&PM Editores, 2011. 256 p. O livro foi escrito durante a década de 1960, porém, somente publicado em 1998. (N.E.) 246 RIZAL, Jose. Noli me tangere. Venezuela: Biblioteca Ayacucho, 1976. 247 BARRETO, Lima. Clara dos anjos. 13ª ed. São Paulo: Ática, 2007. 162

"Memórias Póstumas de Brás Cubas248" (1881), de Machado de Assis (1839-1908), "O Coronel e o Lobisomem"249 (1964) de José Cândido de Carvalho (1914-1989). Várias dessas obras foram adaptadas ao cinema. O foco das obras em si não são as brigas de galos, mas as passagens ou cenas que remetem a representações, as quais os homens atribuem a elas metáforas da existência humana, em algumas ocasiões. De certa forma, era menos embaraçoso sugerir as brigas de galos como metáforas na época desses escritores. Hoje, a repercussão poderia facilmente tomar outros rumos e ser duramente repreendida. Seja como for, volto agora a tratar do Brasil, repensando novamente os galos e sua introdução na América portuguesa. Alguns autores, afirmam ou suspeitam que os galos de brigas teriam sido introduzidos pelos portugueses, logo no início da colonização, outros afirmam ter sido os espanhóis durante a União Ibérica. O que está sendo evidenciado aponta que, durante todo período colonial — e mesmo após a independência — houve a introdução, tanto por navegadores ibéricos, como de outras nacionalidades, pois eram comuns os entrepostos comerciais e a introdução de espécimes consideradas úteis aos europeus. Não há dados mais significativos sobre como aconteceu a introdução dessas aves na América, nem mesmo os relatos de viajantes e naturalistas dão ênfase ou importância a isso, a não ser Humboldt que chegou a mencioná-las no México. Mesmo com nada, ou quase nada, a respeito dessa fauna exótica que é o galo, diversos autores aqui abordados (Francisco Elias, Carlos Finsterbusch, Olivier Danaë) têm forte inclinação a afirmar que os galos brasileiros,250 por suas diferenças morfológicas em relação aos galos da América espanhola,251 teriam sido introduzidos, na sua maioria, a partir da Ásia.

248 ASSIS, Machado de. Memórias póstumas de Brás Cubas. 11ª ed. São Paulo: Ática, 1985. 144 p. 249 CARVALHO, José Cândido de. O coronel e o lobisomem. 54ª ed. Rio de Janeiro: J. Olympio, 2008. 399p. 250 Para saber mais sobre a genética dos galos brasileiros ver: RODRIGUES, F.P.; QUEIROZ, S.A.; DUARTE, J.M.B. Genetic relatedness among wild, domestic and Brazilian fighting roosters. Revista Brasileira de Ciência Avícola, Campinas, v. 8, n. 2, p. 83-87, jun. 2006. FapUNIFESP (SciELO). http://dx.doi.org/10.1590/s1516-635x2006000200003. Disponível em: . Acesso em: 10 jul. 2014. 251 Na Argentina os galos malaióides foram introduzidos no final do século XIX e hoje são predominantes no país, assim como também são predominantes no Uruguai, Paraguai e Bolívia, muito por influência e intercâmbio entre estes países, juntamente com o Brasil. ELIAS, op. cit., p.113-4. No Chile, nos últimas décadas houve essa inversão da preferência para galos orientais. Segundo Medina Guerreiro 57% dos galos de briga criados no Chile são orientais. MEDINA GUERRERO, Fernando Xavier. Catastro de criadores de gallos de riña en Chile. 2003. 43 f. TCC (Graduação) - Curso de Veterinária, Departamento de Faculdad de 163

Carlos Finsterbusch, autor que serve como base para maioria dos subsequentes trabalhos sobre o galismo, por diversas oportunidades em seu livro "Cockfighting All Over the World", constantemente reafirma252 a peculiaridade da predominância de galos orientais no Brasil, em razão da colonização pelos portugueses, os quais, em rotas pela Índia e África, em suas naus, precisavam reabastecê-las com suprimentos. Logo, várias espécies destes locais foram introduzidas em sua possessão mais ocidental. As diferenças morfológicas entre os galos de combate, geralmente, se dão a partir da classificação entre dois grupos: banquivóides e os malaióides, os quais são subdivididos em raças e mesmo em linhas. A diferenciação básica é o tamanho e a altura, enquanto os primeiros são menores e mais leves, com média de 0,8kg a 2,0kg de peso, os segundos variam entre 2,2kg a 6,0kg, com algumas raças superando 6,0kg. Para além dessas diferenças básicas, o que cessaria com as exceções, os galos banquivóides caracterizam-se por ter plumagem mais densa e asas mais longas, o que lhe proporciona voos maiores em relação aos malaióides (muito embora os galináceos não se destaquem em voos contínuos e longos, mas pelos voos rasantes). Isso torna os banquivóides mais ágeis. Contudo, os malaióides são geralmente mais robustos, com musculatura mais densa. Banquivóides são descritos como voadores, enquanto os malaióides são corredores. Tendo em vista essas diferenças, há uma série de especulações sobre a origem dos galos que remontam a Darwin e seus contemporâneos. Darwin propôs que todos os galos seriam descendentes do galo bankiva, de modo monofilético, isto é, que todos os galos teriam um ancestral em comum. Já outros naturalistas, como o ornitólogo holandês, Coenraad Jacob Temminck (1778-1858), acreditava serem os galos polifiléticos, resultados do cruzamento de mais de uma espécie, ou mesmo, que existiu um outro ancestral para os galos de tipo malaióides, o chamado Gallus Giganteus.253

Ciencias Veterinarias, Universidad Austral de Chile, Valdivia [Chile], 2003. Disponível em: . Acesso em: 08 mar. 2013. 252 FINSTERBUSCH, op. cit., p.42-3; 86; 386; 389; 462-5. 253 Ibidem, p.17. Finsterbusch escreveu: Explorers and authorities on the Gallus question, such as Temminck, at once were impressed, when they saw the first specimens of these queer birds, that they were glancing upon the representatives of a new species, yet unknown to Western science. Giant size, scantily feathered, long and heavily muscled legs, remarkably short in wing, these birds resembled, as the ostriches, specimens that were too heavy to fly, and subsequently adapted themselves to a new life where they could develop those characteristics 164

Com isso, essas divergências tiveram lugar mais exatamente quando os europeus passaram a observar o resto do mundo com outro olhar, observando e catalogando espécies de outros continentes, levando exemplares para a Europa e, até mesmo, cruzando com suas espécies "nativas" (quando possível). Sobre os galos, o fato relevante é que os europeus, quando desse interesse em catalogar espécies pelo mundo, encontram um biotipo de galo no oriente diferente do galo conhecido na Europa. Isto é, todos os galos surgiram na Ásia, no entanto, o galo que se alastrou e foi difundido para o ocidente, durante os 2500 anos anteriores, foram os de característica banquivóide — pelo menos é esse o tipo de galo representado desde Kukkutarma, passando por todo Oriente Médio, Grécia Antiga, Roma, Idade Média, Europa Moderna (Inglaterra, França, Espanha, Bélgica, Holanda, Portugal, etc.). Porém, quando os europeus retomam este contato e sua atenção e estranhamento do mundo passam por outros filtros, eles descobrem um novo tipo de galo: o malaio. Esta "descoberta" influenciou muitos escritos sobre brigas de galos, pois as diferenças morfológicas entre malaióides e banquivóides eram vistas como tão distintas que, poucos acreditavam se tratar somente de uma espécie. Embora a reprodução entre estas variedades tenha produzido descendentes férteis, foi com base nisso que muitas raças de galos foram desenvolvidas, seja para fins alimentícios, ornamentais, ou para combate.254 Carlos Finsterbusch, bem como vários autores subsequentes, como o próprio Francisco Elias, com base nestes naturalistas e suas experiências visuais e culturais, a respeito das diferenças entre os galos de briga, reforçaram e contribuíram para disseminar essa teoria de Temminck. that have ever since identified them. Their enormous size warranted the name Temminck accorded them, viz: “Gallus Giganteus.” Science opposed this and failed to recognize it as a distinct variety for several reasons that have not proved to be convincing, beyond the statement that a wild ancestor corresponding to this type has never been found, nor are there any records of an extinct like variety. 254 É preciso reconhecer que o desenvolvimento de raças para fins alimentícios contou, e ainda conta, com aportes científicos do qual não contam os galistas. Muito embora, estes últimos não sejam alheios a experimentações e parte da produção de conhecimento das ciências. É com base nisso que vários manuais são escritos por galistas ou simpatizantes para um público de galistas, recomendações como criar, reproduzir, alimentar, treinar, higienizar os ambientes, medicar, reabilitar, etc., tudo isso é tangenciado por um predominante conhecimento científico (veterinária, medicina, educação física, etc.). No entanto, os galos de briga estão muito suscetíveis ao conhecimento comum e, não raro, por exemplo, um galo vai receber uma medicação que seria própria a outra espécie, ou uma medicação maior que a recomendada levando em consideração o peso do animal, o que pode acarretar num efeito inverso ao desejado. Isso o criador só descobre posteriormente, ou seja, a base de experimentações. (N.E.) 165

Todavia, há investigações com base em pesquisas genéticas, apontando como correta a proposta de Darwin, que todos os galos de briga seriam descendentes do galo vermelho da floresta, o gallus bankiva. Ou pelo menos, seriam mais próximos geneticamente.255 Por outro lado, uma pesquisa produzida na Universidade de Uppsala, na Suécia, afirma que Darwin pode estar errado, reacendendo a discussão de que os galináceos atuais podem ter origem em mais de uma espécie.256 A pesquisa sublinha que há mais de uma variedade do galo vermelho da selva (gallus gallus, gallus bankiva). Além disso, são encontrados traços genéticos do galo cinzento (gallus sonneratii) e o galo do Ceilão (gallus lafayetii) na formação das atuais galinhas modernas. Em certa medida, isso corrobora na compreensão de tantas distinções entre esses animais, mas também não exclui a probabilidade de que o galo malaióide tenha sido desenvolvido em alguma parte entre a Índia e Tailândia, num período relativamente recente, entre os quinze primeiros séculos da era cristã e, dali foi difundido pela China, Japão, Pérsia, Rússia, etc., onde até hoje é comum a prática das rinhas com esporas naturais ou esporas artificiais curtas. Posteriormente, as rotas de navegação vão introduzir os malaióides em vários outros lugares, com destaque em especial para o Brasil, Madagascar e Ilhas Reunião, onde se tornam predominantes em relação aos banquivóides ocidentais. Esses detalhes, na maioria das vezes, fogem à observação de um desconhecedor das brigas de galos. Porém, trata-se de um diferencial que incide diretamente sobre as formas como se dão os embates e a maneira como se cria cada uma das variedades para os combates. O mesmo acontece com o sentido das brigas de galos entre os praticantes, como já mencionou Teixeira (coragem, brio, estoicismo), que produz outro conjunto de projeções socioculturais. Ou seja, numa longa luta com galos malaios, com esporas curtas, os galos precisam, no mínimo, ser valente, suportar os castigos, ter raça (não fugir da luta), enquanto um galo banquivóide — lutas curtas, esporas longas — precisa voar sobre o outro, acertar as esporas o quanto antes e aniquilar o adversário.

255 RODRIGUES, et al. op. cit. 256 ERIKSSON, Jonas et al. Identification of the Yellow Skin Gene Reveals a Hybrid Origin of the Domestic Chicken. Plos Genetics, San Francisco [EUA], v. 4, n. 2, p.1-8, 29 fev. 2008. Public Library of Science (PLoS). Disponível em: . Acesso em: 14 jan. 2017. 166

Figura 29 - Exemplos de galos do tipo banquivóide (Selo postal cubano) e malaióide, respectivamente.

Fonte: Disponíveis respectivamente em: (acesso em: 04 jul. 2013) e (acesso em: 14 set. 2015)

Os malaióides, variedade predominante dos galos de briga no Brasil, propiciam combates mais prolongados e, até por isso, se utilizam esporas artificiais menores e que simulam esporas naturais. Estas esporas são em formato cônico e confeccionadas em plástico. Já onde as lutas se realizam com banquivóides (Peru, Colômbia, Equador, Venezuela, América Central, do Norte, Europa Ocidental, Bali, Filipinas e outros) as brigas são de curta duração. Às vezes, durando poucos minutos ou mesmo segundos, pois as esporas artificiais são longas, em forma de navalha ou agulha, o que facilita golpes profundos e definitivos. Outro fator, não menos importante, se deve às diferenças dos próprios galos no que diz respeito às táticas dos animais durante a luta. Enquanto os galos do tipo malaióides, por serem mais robustos e menos ágeis, necessitam brigar mais, isso significa se defender e se posicionar de forma a dificultar o ataque do adversário, os galos banquivóides não possuem muitos mecanismos de defesa, eles são absolutamente "loucos" por "morder e atirar", ou seja, se atiram com toda vontade sobre o adversário, sem muitas estratégias defensivas. Isso significa também, que um galo desses, criado para rinhas no Brasil, não de adaptaria bem a um combate em Nord-Pas-de-Calais, pois, naquela espora, até ele desferir um golpe, provavelmente já teria tomado o suficiente para ir ao chão. Do mesmo jeito, um galo Grand combattant du Nord não fará sucesso ao brigar no estilo brasileiro, pois não possui resistência física para um combate mais prolongado. Até pode iniciar bem, atacar o adversário, mas se não vencer em poucos 167

minutos (o que é menos provável com esporas curtas), se torna uma presa fácil ao adversário. Portanto, essas maneiras de apropriação e manejo de uma determinada espécie e suas variantes, explorando seus potenciais naturais, podem ser consideradas formas culturais de interação entre homem e natureza, pois há milhares de anos eles vêm sendo criados em cativeiro para tal fim. Além disso, nessa interação entre os homens e seus galos, o animal torna-se como uma extensão de seu dono. São valores sociais e morais colocados em disputa por intermédio daquele, no qual se deposita confiança, bravura, conhecimento, valores associados à masculinidade, valores que estão acima das apostas. Grosso modo, quem vence a briga é o galo, mas quem vence a disputa é o proprietário do galo, pois ele se regozija em ser o detentor da melhor raça, do melhor trato, com isso ele passa a ter uma reputação maior dentro de seu grupo. Sobretudo, em depoimentos no Oeste Catarinense, quando perguntei se era mais importante o dinheiro ganho com as apostas ou o status em vencer a rinha, as respostas foram unânimes: todos eles disseram que o importante é vencer a rinha. Como é possível observar na resposta de Leonardo; “é o status, porque falavam de você lá em tal cidade, falavam em briga de galo, e falavam que não dá para chegar em tal sujeito lá de São Miguel do Oeste.”257 Ou ainda, na resposta quase idêntica, é a do depoente Nereu:

O status de vencer a rinha é o foco principal. Você não ganha dinheiro com o galo, você tem orgulho com o galo! Nós por exemplo, que éramos de uma condição um pouco menor, quando íamos a rinha de Chapecó – eu, meu filho e nossos companheiros – nós ganhamos uma rinha, com um excelente galo por sinal, de um galista muito forte. Na época a gente tinha orgulho e dizia: Oh! Toquei o galo do fulano de tal! Quanto ganharam? Cem reais! A gente também não podia apostar muito, não era a condição econômica da gente. Mas quando ganhamos àquela rinha... Aí, depois quando brigamos em outra rinha, na cidade de Palmeira das Missões, onde um companheiro nosso tinha uma rinha muito grande e muito boa,

257 LEONARDO. Depoimento concedido ao autor. São Miguel do Oeste, 20 de abr. de 2009. Depoimento oral. Ressalto que todos os nomes de entrevistados foram substituídos por pseudônimos. 168

que a gente venceu também... Nas outras vezes que a gente ia lá, todos os galistas fortes já diziam: Oh! Esse aí não dá pra se botar de graça nele, porque esse aí tem galo bom! [...] Então, o orgulho de ter sido vencedor é imensamente maior do que qualquer dinheiro. Não tem dinheiro que pague o orgulho que a gente tem de ter uma coisa boa, ou o melhor daquela espécie.258

Sua ênfase cultural também pode ser observada, distinguindo esses modos ou preferências na criação das determinadas variedades. Enquanto no Brasil há a predileção por galos do tipo malaióide e determinado tipo de espora, no México, por exemplo, há outro tipo de predileção. Isso torna a briga de galos tão distinta uma da outra, ao ponto de causar estranhamento até mesmo entre os praticantes de uma "mesma prática". Ou seja, dificilmente um galista brasileiro se interessaria por uma briga de galos mexicana ou balinesa, por exemplo, e vice-versa. Não somente pelo fato dos galos e esporas serem diferentes, porém, mais exatamente por um ethos representado pela luta entre os galos. Numa luta mais prolongada, como são as que os galistas brasileiros estão habituados, predomina o imaginário que dá ênfase à qualidade, bravura e coragem dos galos — e, por conseguinte de seus donos — enquanto as lutas mais rápidas, e com galos que se defendem menos, estão associadas ao imprevisível, quando não, à sorte. Sobre estes sentidos atribuídos às brigas de galos e à associação entre proprietários e animais, eu não poderia deixar de mencionar algumas comparações feitas por antropólogos, associando o galo ao pênis. Geertz fez essa comparação e muitos outros antropólogos se apropriaram dessa interpretação comparativa. O principal texto é "Gallus as Phallus" (O galo como Falo),259 de Alan Dundes. No texto, Dundes, a partir de vários outros artigos sobre as brigas de galos, buscou dialogar com diferentes autores, buscou encontrar uma estrutura simbólica em comum para esta prática, muito embora, não tenha sido demasiado taxativo em confirmar o galo como um representante fálico. A comparação sempre serve como princípio para descrever algo daquilo que pouco se sabe, servindo-se outros paradigmas como base de compreensão. Na antropologia, psicologia, e

258 NEREU. Depoimento concedido ao autor. São Miguel do Oeste, 21 de abr. de 2009. Depoimento oral. 259 DUNDES, op. cit., p. 241-82. 169

várias outras áreas da ciência, interpretam a briga de galos relacionada a aspectos sexuais. Isso se aproxima mais de uma tradução de uma prática para termos de uma sociedade, na qual o sexo e sexualidade são enaltecidos a todo o momento como um fim em si, um tipo de interpretação marcadamente freudiana em que, no fim, tudo é interpretado como decorrência do sexo e/ou sexualidade. Algumas vezes isso pode possuir um significado válido, outras tantas talvez, não. Sem negar a estrutura masculinizada e mesmo machista das rinhas, acredito que muitas afirmações são uma pretensão em traduzir para termos inteligíveis aos seus próprios pares. Insistem no caráter sexual como da briga de galos, marcada pela masculinização e feminização para designar vencedores e perdedores, respectivamente, faz parte de um contexto tão amplo que pode ser atribuído a quaisquer tipos de relações sociais, desde as práticas lúdicas, esportes, política, acadêmicas, etc., de tão amplo acaba perdendo o sentido. Como historiador, penso que a briga de galos envolve mais o conceito de jogo de Huizinga (1872-1945)260 e, além disso, pode significar muitas coisas e, coisas diferentes em cada sociedade em que se manifesta. Até agora falei de banquivóides e malaióides, o que talvez não faça muito sentido para os mais leigos, mas são todos esses detalhes dos galos — tamanhos, pesos, esporas, regras — que corrobora para distintas modalidades, e as projeções nos participantes daquilo que significa a luta entre estes animais. Partindo de uma interpretação das estruturas sociais, quiçá no Brasil, as brigas de galos tenham muito a representar sobre a sociedade patriarcal, a constituição das sociedades de classe que predominaram e, ainda predominam, em muitos lugares do país. Ela pode ser um símbolo de superioridade e poder. Neste diálogo com vários autores, dentro do tema referente à naturalização da cultura, eu não teria como menosprezar o tema esportes, os quais têm uma ligação íntima com a modernidade e o processo de urbanização. Foi a partir do processo de urbanização que

260 HUIZINGA, op. cit., 2012. O jogo é mais do que um fenômeno fisiológico ou um reflexo psicológico. Ultrapassa os limites da atividade puramente física ou biológica. É uma função significante, isto é, encerra um determinado sentido. No jogo existe alguma coisa "em jogo" que transcende as necessidades imediatas da vida e confere um sentido à ação. Todo jogo significa alguma coisa. Não se explica nada chamando "instinto" ao princípio ativo que constitui a essência do jogo; chamar-lhe "espírito" ou "vontade" seria dizer demasiado. Seja qual for a maneira como o considerem, o simples fato de o jogo encerrar um sentido implica a presença de um elemento não material em sua própria essência. p. 3-4. 170

muitas práticas e atividades corporais passaram a ser denominadas de “Sports”. Esta associação entre urbanização e esporte advém das novas formas de compreensão e uso do que, outrora, se chamava passatempo, e que as alterações sociais, principalmente as relações de trabalho, fundaram novas dinâmicas em relação ao tempo. Tanto o tempo do trabalho como o tempo de ócio. A partir daí o passatempo se transforma quase que numa obrigação compulsória, no sentido de um bem-estar advindo através da prática do lazer. Ou, como se passou a denominar, principalmente em Inglaterra, “Sport”, palavra que, segundo Melo e Fortes,261 era “originária do francês antigo “disport”, e foi registrada pela primeira vez na Grã-Bretanha do século XV, mas é somente na transição dos séculos XVIII e XIX que ela assume o sentido atual. Dentro deste contexto esportivo incluíram-se diversas práticas realizadas com animais, como corridas de cavalos, touradas e lutas de galos, cães e ursos. Exemplo disso é um livro publicado em 1907, de autoria de Frederick Hackwood, intitulado “Old English Sports”. Já naquela data, ele classifica e descreve cerca de vinte esportes considerados antigos na Inglaterra, entre alguns deles vale citar a caça, a luta entre animais, como cães, cães contra ursos, a matança de ratos e as brigas de galos, que, embora fossem praticados como um passatempo, com a modernidade acabaram se transformando em esporte, o que para Huizinga, escapa a função do lúdico. Num contexto semelhante Norbert Elias (1897-1990) comenta:

As pessoas da Grã-Bretanha pré-industrial desfrutavam todas as espécies de passatempos — luta de galos, combates de touros e combates de ursos, queima de gatos vivos em cestos, boxe profissional, assistência a execuções públicas — que parecem “não civilizados” nos termos dos valores atuais.262

George Rilley Scott, anacronicamente vai se referir às brigas de galos descritas por Júlio César (100 a.C.- 44 a.C.) no primeiro século antes de Cristo, quando partiu para a conquista da Bretanha, como um esporte. Lá encontrou criações de galos de briga, onde há muito tempo já constituíam um velho passatempo entre os habitantes:

261 MELO, Victor Andrade de; FORTES, Rafael. História do Esporte: panorama e perspectivas. Fronteiras, Dourados, MS, v. 12, n. 22, p.11-35, dez. 2010. p.12. 262 ELIAS, Norbert. A busca da excitação. Lisboa: DIFEL, 1992. p.335. 171

Muitos escritores são da opinião que os romanos introduziram o esporte na Grã-Bretanha. Outros afirmam com igual confiança que já era existente na época da conquista romana, apontando para a declaração de Júlio César no sentido de que os antigos bretões criavam aves por prazer e diversão ao invés de alimentos. De qualquer forma, é provável que os romanos foram os responsáveis pela introdução de esporas artificiais e a primeira forma de brigas de galo organizadas.263

Há elementos suficientes para afirmar que, sem intenção de ser, a briga de galos foi um dos “esportes” mais difundidos durante muito tempo e que sua diminuição estaria vinculada a uma série de modificações, que vêm desde a formação de uma nova ordem urbana e capitalista, às novas sensibilidades descritas por Keith Thomas, até a ascensão de movimentos em defesa dos animais. No Brasil, o discurso civilizador foi uma das primeiras formas de se por em prática uma organização social mais efetiva. Para uma historiografia mais tradicional, durante muito tempo, a formação de uma civilidade esteve concentrada na cidade do Rio de Janeiro, e dali servia de referência para outros lugares do Brasil. Dessa maneira, é ali que vão circular e ecoar os primeiros discursos, visando legitimar certas práticas como esportivas, concomitantemente a isso, surgem discursos de aversão e repulsa a outras práticas. De acordo com o historiador Victor Andrade Melo,264 touradas e cavalhadas foram, desde o Brasil Colonial até início do século XX, uma importante manifestação e, largamente praticada em datas comemorativas. Para a realização das mesmas eram montadas arenas e podiam ser apreciadas publicamente. A diminuição de sua incidência, no Brasil, deve-se em parte ao projeto civilizatório que proibiu tais práticas. Melo questiona ainda que os rodeios, paulatinamente, foram substituindo as touradas, o que lhe permite afirmar que “trata-se de um

263 SCOTT, op. cit., p.104. Many writers are of opinion that the Romans introduced the sport into Britain. Others assert with equal confidence that it was already existent at the time of the Roman Conquest, pointing out the statement of Julius Caesar to the effect that the ancient Britons bred fowls for pleasure and diversion rather than food. At any rate it is probable that the Romans were responsible for the introduction of artificial spurs and the first form of organised cockfighting. (Tradução livre do autor) 264 MELO, Victor Andrade de. O que é “Sport”?: Tensões na definição do campo esportivo na cidade do Rio de Janeiro do Século XIX. IHGB, Rio de Janeiro, v. 169, n. 439, p.9-36, 2008. Trimestral. 172

formato mais próximo do campo esportivo de uma prática outrora perseguida e proibida.”265 Sobre as categorizações dos esportes no Brasil, este mesmo historiador afirma que:

Entre essas atividades, algumas já existiam no país antes mesmo da chegada da prática esportiva, e seu não desenvolvimento certamente tem relação com um quadro contextual de grande importância para a própria construção da ideia de nação brasileira. A partir de determinado momento consideradas “bárbaras” e ultrapassadas, foram perseguidas e proibidas; contudo, seguiram existindo por um bom tempo, dividindo espaço com outras atividades “civilizadas”, como passou a ser considerado esporte notadamente a partir da década final do século XIX.266

As brigas de galos, são apontadas por Melo como muito populares: “no Rio de Janeiro do século XIX, era tão grande a presença e a popularidade das brigas de galo que Machado de Assis (1839-1908) as chamava de “Jockey Club dos pobres”.”267 Machado de Assis ao caracterizá-la dessa maneira buscava ironizá-la. Se aos ricos prevalecia o gosto pelo turfe, às outras classes cabiam outros tipos de divertimentos. Sobre o mesmo período, Keith Thomas demonstra que, na Inglaterra, também havia certa repugnância das classes sociais mais abastadas. Alguns letrados e religiosos passaram a voltar-se contra certas diversões populares, indicando, assim, transformações na sensibilidade, em virtude da ascensão da burguesia. Mesmo assim, afirma que tal fato não é exclusividade do século XIX, pois uma moral ligada à religião já admoestava esse tipo de divertimento e, no século XVII, com Cromwell já houve uma proibição, de maneira semelhante ao papa Pio V em relação às touradas, ainda no século XVI. Muitas das alterações relativas à modernidade visam inculcar novas formas de ver, perceber e dar sentido ao mundo, o que foi muito bem percebido por Thomas em relação à Inglaterra. A partir desses fragmentos, começa-se a construir uma narrativa histórica das modificações que levaram à proibição das rinhas de galos e também de

265 Ibidem, p.20. 266 MELO, 2009, p.37. 267 MELO, 2008, p.20. 173

várias outras práticas. De certo modo, essas proibições tiveram inicialmente argumentos baseados no controle das pulsações humanas, seja através do discurso religioso ou do discurso secular de intelectuais e a preocupação em civilizar. Nesse sentido, a preocupação moral não era com o galo que morria ou era gravemente ferido, mas com as pessoas que se dedicavam a tais divertimentos. No entanto, o século XX, e as alterações de sensibilidades acumuladas das experiências dos séculos anteriores, proporcionaram ressignificações sobre a vida dos animais e seus usos pelos homens. Isso quer dizer que as sensibilidades, como estão dadas, não são algo natural ao ser humano. As relações com o seu meio estão em constantes modificações e isso pode ser localizado dentro de uma perspectiva histórica, tentando entender em que momentos e circunstâncias essas modificações são mais perceptíveis. Na atualidade, as brigas de galos, além de já contarem com toda a carga negativa, as quais os discursos civilizatórios lhe impuseram, também e, principalmente, são apontadas como maltrato aos animais, crueldade e, no Brasil, é frequentemente enquadrada como crime ambiental pelo artigo 225º da Constituição Federal e pelo artigo 32º do Código Ambiental. Ou pelo menos, assim vem sendo interpretada pelos juristas, inclusive pelos juízes do Supremo Tribunal Federal, que já vetaram várias leis estaduais e municipais (Estado do Rio de Janeiro, Santa Catarina, Rio Grande do Norte, Salvador, etc.), que visavam permitir as brigas de galos. Portanto, este é um assunto a ser desdobrado nos próximos capítulos. Reservo-me somente à possibilidade de pensar as brigas de galos como resistente, pois são mencionadas como populares há muito tempo e ainda persistem em alguns meios. Exemplo disso é o Rio de Janeiro — onde existiram touradas e, dificilmente a encontraríamos atualmente — em que as brigas de galos ainda são possíveis de se encontrar, pelo menos foram encontradas em 2004 e noticiadas no Brasil inteiro, pois um famoso publicitário, Duda Mendonça, foi flagrado no “Clube Privê Cinco Estrelas”. Não obstante, o fato de a Assembleia do Rio de Janeiro aprovar uma lei permitindo as rinhas é um indício da existência de uma atividade “subterrânea”, e uma rede de sociabilidades capaz de dialogar com os poderes institucionalizados. Ademais, a briga de galos se localiza em disputas quanto à sua classificação como esporte, lazer, prática cultural ou crueldade. Geralmente os praticantes se referem como um esporte, mesmo não sendo um consenso entre os eles, como disse um galista em um grupo de 174

e-mails restrito a criadores, na discussão sobre a mobilização dos galistas, com o objetivo de legalizar a prática, ele afirmou:

Creio que o momento atual não é o da "legalização do esporte", até porque, convenhamos, a briga de galos não é um esporte... é um lazer, um passatempo, um entretenimento, uma atividade popular e cultural. Foge, totalmente, às definições de esportes reconhecidas pelos Estados (países), inclusive pelo COI.268

Ainda assim, é possível considerar esporte, pelo menos pelas considerações apontadas por Melo:

Sem considerar os aspectos legais e morais, se dialogarmos com a ideia de Pierre Bourdieu sobre a constituição de um campo (1983), podemos afirmar que estamos nos referindo a uma prática esportiva. Existem treinadores e métodos de treinamento para os “atletas”, forma como alguns criadores chamam seus animais; isto é, há um corpo profissional especializado. As regras são rígidas e devem ser seguidas por todos que frequentam os espaços institucionalizados. Percebe-se um mercado de consumo gestado ao redor das rinhas, que envolve não só as apostas e os produtos adequados para potencializar a performance dos “competidores” (aparelhos para a boa preparação, alimentação adequada, implementos para as esporas, entre outros), como também a negociação dos animais, algo que movimenta grandes quantias. Há um calendário próprio de competições e a existência de Federações em muitos Estados demonstra que a briga de galo se trata de uma prática com relativa organicidade no nosso país, mesmo que fira a legislação em vigor.269

De certa maneira, as brigas de galos foram e ainda são entendidas como um esporte, independente da existência de chancelas ou protocolos. Autores de diversas áreas do conhecimento, que se

268 ANÔNIMO. Rede. [mensagem pessoal] Mensagem recebida por: . em: 16 mar. 2013. 269 MELO, 2008, p.10. 175

debruçaram sobre o tema, tais como Francisco Elias, Renato Santos Silva, Victor Dominguez y Perles, Marie Cegarra, o próprio Keith Thomas, entre muitos outros, se utilizam do termo esporte para designar a prática. Certamente não é um esporte no qual o atleta é o homem, mas adentrando-se ao campo do simbólico, pode-se analisar o condicionamento dos animais, sua postura no manejo e na luta, bem como o resultado do embate, como representações das corporificações de desejos humanos, ou como observou Silva em sua dissertação:

A rinha de galos é vista como um esporte que proporciona lazer e funciona como uma espécie de confronto simulado [...] com a delegação de lutar feita aos galos é regulamentada para proporcionar prazer aos espectadores, através de momentos de tensão e excitação. Como consequência, dessa delegação de luta do homem para o galo, o primeiro passa a ter um papel secundário, de mero espectador, já que o papel principal, ou em outras palavras, a estrela do espetáculo passa a ser o galo, que tem a incumbência de representar o seu dono no combate.270

De fato, quando realizei minhas pesquisas sobre a briga de galos, chamava-me bastante a atenção, apesar de não ser estranho, o fato dos depoentes denominarem a briga de galos como um esporte: “o esporte galístico”271. Principalmente, quando os depoentes foram perguntados sobre o combate que existe contra essa atividade, dando a entender, dessa forma, que eles buscam legitimar a atividade classificando-a assim. Talvez, as dificuldades desses apontamentos devam-se muito ao fato da ilegalidade, pois mesmo a noção de esporte fica um pouco comprometida, por conta de vários discursos que a ilegitimam e, principalmente, por não ser uma atividade profissionalizada. Poucas pessoas vivem disso que denominam esporte. Todos os depoimentos apontam o fato de que ninguém vive de apostas. O galista Antonio, de Florianópolis, conta que “o galo de briga não dá lucro para ninguém, quem cria é um apaixonado pelos galos combatentes, e que sua renda provém de sua aposentadoria e de

270 SILVA, 2011, p. 99. 271 Presente nos depoimentos de Vicente, Antonio, Patrício, Dário, Francisco e Sandro. 176

honorários advocatícios.”272 Por seu turno, o galista Bartolomeu, de Florianópolis, diz: “o verdadeiro galista e preservador só investe na criação sem objetivo de lucro, pois isto é paixão pelos animais.”273 Já o galista Pedro, também da capital catarinense, é mais sucinto: “Ninguém consegue viver de apostas! Não dá lucro!”274 Vicente, ao ser perguntado se sua renda provém de apostas, respondeu: “Não, isso aqui é um esporte. Na realidade não dá lucro, é um prazer que a gente tem! Se der pra tirar os gastos pra gente já tá bom.”275 Francisco, ao ser perguntado se é possível viver das apostas, declarou:

Não, isso aí é uma ilusão. Nunca ouvi dizer que alguém ficou rico por causa de galo de briga. Isso é simplesmente esporte. Ou o cara que se dedica só pra isso, pra criar e vender, se ele for apostador não adianta, ele vai perder. Eu nunca ouvi dizer que alguém ficou rico com galo, a não ser que ele crie e venda, que é outro departamento. Mas apostar não. É claro que tem uns mais espertos [nas apostas] que conseguem ganhar mais, mas isso é paixão... Eu não conheço ninguém que tenha ficado rico com isso! Porque hoje se ganha, amanha perde, aposta no galo dele e ganha, aí aposta no galo de outro e já perde. Mas a maioria tem a sua profissão, suas coisas.276

As rinhas não são um esporte institucionalizado, se assim pode-se definir, porém, suas regras são muito semelhantes em todo o Brasil. Usa-se o mesmo tipo de espora e bicos e as rinhas têm a mesma duração: 55 minutos, divididos, geralmente, em “banhos” ou “refrescos”277 de 20, 20 e 15 minutos. A espora artificial, largamente usada, é conhecida como Nacional, Branca ou Arma, confeccionada em plástico, mas nem sempre foi assim: até o início dos anos 2000 ainda se utilizava, na Região Sul do Brasil, a espora G ou Gaucha, feita de metal.

272 ANTONIO, 2011. 273 BARTOLOMEU, 2011. 274 PEDRO, 2011. 275 VICENTE, 2011. 276 FRANCISCO, 2011. 277 Banhos ou refrescos são como os galistas denominam os períodos da luta. Em esportes como, por exemplo, o boxe e MMA (Artes Marciais Mistas) utiliza-se a terminologia inglesa “round”. (N.E.) 177

Também é comum a utilização de bicos metálicos nos galos durante as rinhas. Desde o início deste capítulo, que tem como base uma discussão a respeito das intersecções entre natureza e cultura, procurei demonstrar a apropriação da natureza — no caso o galo — transformado em prática cultural, que se estendeu e se desenvolveu de diferentes formas por diversos lugares do mundo. Nessa trajetória de interação entre os homens e os galos, a história não se limita apenas à exploração da natureza do galo para fins lúdicos, mas uma constante busca em moldar uma natureza para os galos, ou seja, adaptá-lo às condições e regras estabelecidas, que obedecem a um imaginário social. Não à toa, me dediquei a dialogar com autores que escreveram sobre galos, descrever "detalhes", como tipos de galos, esporas, regras, entre outras coisas. Daqui em diante, pretendo reduzir meu olhar em relação ao recorte espacial e temporal. Contudo, busco ampliar a discussão acerca do tema no que implica a transformação das brigas de galos em um problema. E como questões relacionadas a poder e sensibilidades, em relação aos animais, oferecem uma linha de raciocínio para entender sua proibição e clandestinidade. 178

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3. CAPÍTULO III — As Brigas de Galos no Brasil entre 1950 — 2004: consolidação, legislação e interdição.

Neste capítulo, procurarei desenvolver uma historiografia para as brigas de galos no Brasil, desde meados do século XX até o momento em que houve a prisão do publicitário Duda Mendonça, fato que aponto como um marco histórico em relação à proibição e ação do Estado contra as rinhas de galos no país. Para compreender as transformações pelas quais passaram as brigas de galos no Brasil e, reconstruir uma historiografia a respeito, acredito ser preciso fazer uma análise de longo prazo. Então, para esta análise histórica, recorro a uma narrativa linear levando em conta o factual. Para o desenvolvimento da escrita me baseio, fundamentalmente, em fontes impressas e digitais, na literatura, legislações e notícias. Assim, a intenção é trazer os atores dessa história para o plano das mudanças sociais, estruturais e imaginárias, compreendendo as transformações sociais e a modernização do país, não somente em suas estruturas físicas, mas inculcando formas de civilidades, reordenando diversas relações sociais, antes entendidas como atrasadas, inadequadas, rurais, marginais. As novas sensibilidades e sociabilidades, das quais trato no primeiro capítulo, tornaram impossível a permanência das brigas de galos, bem como quaisquer outras atividades consideradas como de “maus-tratos” com os animais. Mesmo assim, elas têm persistido de forma clandestina e, não raro, notícias sobre elas surgem à tona através dos meios de comunicação. Nessa escrita, como é de praxe na historiografia, parte-se das continuidades e rupturas. Com isso, o recorte temporal parte do princípio que existia uma continuidade e a escolha desse recorte procura dar ênfase às rupturas. Ou seja, quando se dá ênfase às rupturas é porque se parte de uma prévia continuidade. A continuidade, nesse sentido, é afirmar que existiam brigas de galos e de que forma elas perduraram, em diversos lugares do país. A prática em si pode ter sofrido várias mudanças, mas até então as preocupações com esse tipo de atividade eram minimizadas, da mesma forma que não havia uma preocupação tão expressiva com outras atividades com animais. As rupturas são, dessa forma, as diferentes manifestações de preocupação em relação a essas práticas, que perpassam por novas 180

sensibilidades, as quais estariam intimamente relacionadas ao processo de modernização do país, que é uma das formas de modificação do ambiente. Aparentemente, é nas últimas duas décadas do século XX, na virada para o XXI, que as sensibilidades em relação aos animais ganham outra dimensão. Sucessivamente, certas práticas passam a ser questionadas, como a tradicional "farra do boi" em Santa Catarina, as brigas de galos, brigas de canários, as Vaquejadas e Rodeios, entre outras. Contando que essa intensificação é muito perceptível, quanto ao objeto dessa pesquisa e, para dar continuidade, procuro, então, apresentar as brigas de galos observando como se relacionam quando estas sensibilidades se tornam hegemônicas. Para tanto, tratarei de fazer um levantamento, ou melhor, um mapeamento dos lugares de ocorrência das brigas de galos, para poder compreender essas alterações. Em seguida, procuro destrinchar várias tentativas de legislações — que poderiam incidir sobre as rinhas de galos —, quem foram os atores envolvidos, até chegar ao ponto que considero como uma ruptura mais acentuada: o flagrante em Duda Mendonça, numa rinha de galos no Rio de Janeiro, em 2004.

3.1. As brigas de galos permitidas (até 1998)

As brigas de galos, como vistas no capítulo anterior, se estabeleceram na América e no Brasil ainda no período colonial. Muito embora a prática possua diversas diferenças, tanto no espaço como no tempo, é possível afirmar sua singela existência através de relatos da literatura, notícias de jornais ou mesmo por breves menções. Quando Machado de Assis, ironicamente, chamava as brigas de galos de "jóquei clube dos pobres", dava um grande indício de que a prática estava bem disseminada entre as classes não pertencentes às elites. Da mesma forma, é possível encontrar, desde meados do século XIX, algum tipo de menção a elas. Cito aqui, como fonte literária, uma passagem do historiador catarinense, Oswaldo Rodrigues Cabral (1903- 1978),278 em seu livro "Nossa Senhora do Desterro", publicado em

278 CABRAL, Oswaldo R. Nossa Senhora do Desterro. Florianópolis: Lunardelli, 1979. 2v. p. 225-6. 181

1979. Numa descrição sobre as diversas Sociedades lúdicas em Desterro,279 Cabral comenta:

De durar mesmo, as rinhas de galo, até hoje firmes... Diversão para muitos, jogo para todos, os seus adeptos consideram a briga de galos um esporte [...]. Datam de longe. As antigas Posturas já falavam da licença que delas se cobraria: "Ninguém poderá formar os chamados renhideiros em que se deitam galos a brigar, seja em que lugar for, dentro dos limites da cidade, sem que, para esse fim, tenha obtido licença da Câmara, pela qual passarão, se for concedida, o imposto que fica criado de R$ 50$000 anual.280

Assim, como na América Hispânica, onde haviam os "asientos", muito bem documentados por Sarabia Viejo, como já visto no capítulo anterior, no Brasil existiram as Posturas municipais, que nada mais são que normas de concessão do direito a terceiros para explorar algum tipo de atividade rendosa. Neste caso, trata-se de uma Postura do ano de 1855. De fato, os chamados renhideiros ou rinhadeiros, estavam instalados nas cidades do Brasil Imperial e, como afirma o historiador citado, são uma das atividades que, embora geralmente encontraram ressalvas, restrições e impedimentos, perduraram contumazmente dentro e próximo ao perímetro urbano, uma vez que o poder público incapaz ou não interessado em proibi-las, transformava a atividade em mais uma forma de renda ao erário. Apesar do poder público ter exercido algum tipo de controle, é possível que as rinhas tenham se dado em outros locais sem as devidas licenças. Dou-me a liberdade de supor também que, os detentores do direito de exercer a Postura não ficavam muito contentes com a existência de rinhadeiros clandestinos, pois não pagavam os impostos e ainda poderiam "tomar" parte de seu público. Por outro lado, pode ser que tenham existido em conivência com os arrendatários, desde que não

279 Atual Florianópolis, cidade litorânea situada no Brasil Meridional. Logo após uma sucessão de disputas políticas, incluindo o massacre de opositores, o nome da cidade foi substituído em 1894, em homenagem ao então presidente da República Floriano Peixoto, vitorioso sobre a Revolta Federalista e da Armada (1893-1895). 280 CABRAL, op. cit., apud Arq. Pref. Municipal Florianópolis, Livro n9 579, Postura de 10- 08-1855. 182

se realizassem eventos nos mesmos dias. Não tenho elementos concretos para tais afirmações, a não ser as recordações que tenho da maneira como funcionavam os rinhadeiros, nos seus derradeiros momentos ao final do século XX. Eles funcionavam por um sistema de rodízio. Ou seja, um acordo informal entre os proprietários ou sociedades para que não conflitassem os eventos e, assim, os galistas pudessem frequentar alternadamente todos eles. Sobre Desterro, Cabral segue descrevendo que:

Havia vários renhideiros no centro e nos limites da Cidade. Dentre os primeiros, muito à mão, e muito conhecido, foi o renhideiro da Fonte Grande, de que era proprietário José Manoel da Silva, nas proximidades da Pedreira, um dos piores bairros da Capital, no século XIX, depois de haver sido um dos principais, nos começos da expansão do centro urbano. Em 1860, eram seus arrendatários Fernando José Fernandes e Francisco José Gouvêa, que faziam publicar um anúncio, convidando a todos quantos gostassem "desse divertimento", a comparecerem com seus galos, todos os domingos e dias santos, fazendo-se as brigas à vontade dos donos, "sem mais constrangimento". A entrada era cobrada apenas aos que não levassem lutadores, aos que só iam apostar ou torcer, custando-lhes 120 réis.281

No que compete ao nome dos arrendatários, não há qualquer explicação por parte de Cabral e, fico a dever também qualquer avaliação sobre. Quanto aos rinhadeiros, o próprio autor da fonte afirma que existiram vários deles, situados principalmente nas áreas menos prestigiadas da então cidade, ao qual ele denomina "um dos piores". Com a reforma urbana282 e os discursos higienizadores, os rinhedeiros, paulatinamente, se afastam dessas áreas, não só porque a atividade era vista como degradante, mas principalmente, pelo fato de que para haver rinhas é preciso de galinheiros, cada vez mais restritos nessas áreas.

281 Ibidem. 282 Sobre as reformas urbanas em Florianópolis nas primeiras décadas do Século XX ver ARAÚJO, Hermetes Reis de. A invenção do litoral: reformas urbanas e reajustamento social em Florianópolis na Primeira República. São Paulo, 1989. 216 f. Dissertação (Mestrado) - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Disponível em: Acesso em: 10 abr. 2017. 183

Até o início do século XX, o bairro da Pedreira, era habitado pelos marginalizados, sobretudo por ex-escravos, cortado pelo rio da Bulha, e servia como local para as lavadeiras. Em seguida, este bairro passou por enormes transformações, como a construção de uma avenida sobre as duas margens do rio, que se chamou de Avenida do Saneamento, logo depois tendo o nome substituído por Avenida Hercílio Luz, em homenagem ao governador da época, nome que ainda conserva. Com as reformas urbanas, o Bairro da Pedreira deixou de existir com essa designação, e passou a se integrar ao Centro, assim como vários outros bairros situados próximos ao antigo centro. À medida que a urbanização avançou em Florianópolis, mais áreas foram incorporadas ao Centro urbano, que hoje, compreende a praticamente toda a região entre o Morro do Antão, ou da Cruz, e as Baías Norte e Sul. Ainda sobre os rinhadeiros no século XIX, Cabral conta que:

A 10 de abril de 1864, inaugurou-se um outro renhideiro público, conforme noticia "O DESPERTADOR". E dai para cá, por todos os tempos, até hoje, contando sempre numerosos apreciadores, criadores de galos que os tratam e os preparam para guerreiros [...]. É preciso dizer que no século passado, o imposto pago pela licença para o funcionamento de um renhideiro foi sempre o maior de todos os que figuravam no Orçamento — sempre aumentado — sinal de que não consideravam os Vereadores um esporte as rinhas, no que sou de opinião que estavam certos... Em 1874. um renhideiro denominado União (antigo do Sr. José Manoel da Silva anunciava a luta dos galos Costa Preta com Elisa (?) e Pavão com Maternik.283

Cabral, bem como seus intelectuais coetâneos em Santa Catarina, estiveram a par de uma historiografia elitista, supervalorizando figuras ilustres, acontecimentos, comprometidos com uma história tradicional e a legitimação de projetos e grupos políticos. De certa maneira, esteve ligado a uma conduta higienizadora — foi contemporâneo de várias dessas mudanças que ocorreram em Florianópolis — assim, é observável de forma frequente, a exposição de suas opiniões e interpretações sobre diversos temas. Aqui, em específico, interpreta o contínuo aumento do valor da licença sobre os rinhadeiros como

283 CABRAL, op. cit., p. 226. 184

resultado de uma suposta aversão dos vereadores às brigas de galos como prática que possa se designar como esporte. Permito-me discordar deste intelectual, levando em conta vários fatores. O primeiro deles, muito embora me falte elementos para comprovar, é acreditar que as licenças a rinhadeiros faziam parte do jogo político da cidade, alguns vereadores poderiam até mesmo frequentá-los, ou ao menos deveriam ter proximidade com aqueles que obtinham as licenças. Em segundo lugar, se mais concessões para rinhadeiros públicos eram concedidas e o valor da postura era uma das maiores que figurava no orçamento, posso supor que era uma atividade que atraía cada vez mais praticantes e apostadores. Então, o fato do valor sobre ela ser significativo e crescente, pode significar o oposto do que Cabral imaginava: ao invés de tentar acabar com os rinhadeiros por meio de "pesados impostos", o poder público estava interessado em captar, cada vez mais recursos, de uma atividade em ascensão. Caso contrário, seria mais pertinente aos arrendatários desistirem de seus negócios. Pelo menos, me parece ser essa a função do Estado brasileiro novecentista, com uma economia e política fortemente conservadora. Ressalto ainda que, a época em que Cabral escreveu este livro (década de 1970), as brigas de galos ainda não eram proibidas, — ou ao menos algumas leis e decretos não eram interpretados no sentido de interditar os locais de rinha — por isso, o autor afirma que a atividade "sempre contou com numerosos apreciadores". Mesmo que Cabral não diga isso, é possível que muitas dessas pessoas fossem próximas e/ou integrados aos personagens públicos. Isto precisa ficar claro, para que se possa compreender sua permanência e "legalidade" no Brasil, nos séculos XIX e XX, o que buscarei apresentar ainda neste capítulo. Retomando as brigas de galos no contexto nacional, alguns outros registros sobre vêm de livretos escritos por algum entusiasta e que, foram os primeiros manuais sobre como criar esses animais e prepará- los para os combates, como, por exemplo, o texto “Criação e Treinagem dos Galos de Briga”, de João Alfredo Wilson da Costa, publicado em 1916, na Revista Chácaras e Quintais; "Campeões da Arena", do galista Luiz Campello, publicado em 1945; e o livro chamado "Galicultura, como se treina o galo de briga", de José Pires Gurupi, de 1950. Desse modo, com escritos raros e dispersos, muitas vezes, os conteúdos são repetidos e, muito mais tardio do que os de países de língua espanhola e inglesa, o que pode ser explicado tanto em relação à quantidade de falantes desses idiomas, quanto pelo relativo baixo índice da cultura escrita e cientificização do Brasil no período. No entanto, a partir de meados do século XX, começam a aparecer alguns livretos 185

sobres as brigas de galos, sejam eles os já mencionados manuais, ou mesmo livretos, que se propunham a denunciar e adjetivar a prática como crueldade aos animais e/ou como incivilizada, atrasada, vergonhosa, etc. Resalto aqui o livro "A briga de galos e a lei" de Otan de Mattos, publicado em 1954, pela editora Saraiva.284 Este, trata-se de um livro extramente raro, que consegui junto a biblioteca da Universidade de Direito da USP. O autor que, provavelmente, possuía formação em direito, imagina um hipotético diálogo entre dois membros do Ministério Público acerca da legalidade ou não das brigas de galos e, se por ventura, a prática se constituía em um esporte. Mattos acredita que as brigas de galos são cruéis e coloca-se numa posição de impotência, diante da banalidade do poder público. Contrariamente, em 1967, no Estado do Rio Grande do Sul, foi publicado pela Comissão Gaúcha de Folclore, um livreto intitulado “Rinha de Galo”,285 escrito por Walter Mário Seitenfus (1920-1983), como detalha Francisco Elias:

No Rio Grande do Sul, onde as lutas de galos foram oficialmente incorporadas ao folclore local, o movimento nos rinhadeiros é intenso. Tanto é assim, que a Comissão Gaúcha de Folclore editou um livro intitulado “Rinha de Galo”, de autoria do saudoso desportista Walter Seitenfus, o que vem provar a popularidade da diversão naquele progressista Estado.286

Apesar das brigas de galos serem muito comuns em praticamente todo o país, não raro foi vista como uma tradição da cultura gaúcha, inclusive, figurou institucionalmente como umas das práticas que caracterizavam a cultura do Estado, que Elias se refere como progressista. Mais tarde, em 1973, Walter Seitenfus publicou um livro chamado "Combate",287 o qual traz várias recomendações sobre galos e histórias de alguns desses animais no Rio Grande do Sul. Boa parte dessas obras tem pouco alcance, mesmo entre os praticantes das brigas de galos. Os exemplares, quando existem, são raríssimos. Talvez os livros mais difundidos e com maior quantidade de exemplares são os de Francisco Elias. Um cidadão do qual tenho

284 MATTOS, Otan O. de: A briga de galos e a lei. São Paulo: Saraiva, 1954. 90 p. 285 SEITENFUS, Walter M. Rinha de Galo. Porto Alegre: Comissão Gaúcha de Folclore, 1967. 40 p. (Comissão Gaúcha de Folclore; 26) 286 ELIAS, 1998, p.132. 287 SEITENFUS, Walter M. Combate. Arroio do Tigre (RS): Ziramer, 1975. 46 p. 186

pouquíssimas referências biográficas, pois sua narrativa não fala muito sobre si. O pouco que sei é que viveu no Rio de Janeiro, tinha uma boa escrita, se comunicava com vários galistas do Brasil e do exterior, e faleceu por volta do ano 2000. A maioria desses autores são pessoas difíceis de se traçar um perfil básico, pois seus livros não trazem nenhum tipo de apresentação sobre o autor. Ir em busca de maiores informações é importante, para conhecer um pouco de suas perspectivas e experiências. No entanto, também se torna complicado e, de certa forma, desgastante à medida que não se trata dos objetivos principais da pesquisa. Diante do exposto, utilizarei este último autor de forma intensiva, para demonstrar o que era o galismo no século XX. Seus escritos não são acadêmicos, nem tinha tal pretensão. Entretanto, são parte de leituras, muitas delas produzidas em universidades, experiências, memórias suas e de seus pares, que são apropriadas como fonte literária para dar bases à construção de uma linha de pensamento e à criação de uma trajetória historiográfica para o galismo no Brasil, sobretudo no que diz respeito aos rinhadeiros mais sofisticados e que se estabeleceram de maneira mais duradoura. O prefácio da primeira edição de “Galos de Briga e Briga de Galos” (1978) foi escrito pelo biólogo e primatólogo, Adelmar Faria Coimbra Filho (1924-2016),288 renomado conservacionista e autoridade sobre a proteção e defensa do mico-leão-dourado e pode ser lido na integra nos anexos dessa tese. Mais tarde, em 1998, Francisco Elias republica uma "versão melhorada", sob o título de "Tratado Sobre Aves de Rinha (Galos Combatentes)". Livro este que serve como suporte nesse mapeamento sobre os rinhadeiros no Brasil. Basicamente, Francisco Elias viveu durante o século XX, conheceu muitos rinhadeiros e criadores de galos. Em seus escritos buscou criar uma história propriamente dita das rinhas de galos no Brasil, com vistas a atender seu público alvo: os galistas. Em sua narrativa, afirma que as rinhas de galos foram introduzidas no país com a colonização portuguesa, indicando que elas se firmaram como parte da identidade luso-brasileira. Por certo, as rinhas de galos na época da colonização, se davam de outras maneiras, sem o aparato e estrutura apresentados durante o século XX, proporcionada pelas profundas alterações das relações entre homens, animais e meio natural. A

288 O GLOBO. Morre, aos 92 anos, Adelmar Coimbra-Filho: Pesquisador destacou-se no estabelecimento da primeira reserva biológica do país e na proteção do mico-leão-dourado. O Globo. Rio de Janeiro. 28 jun. 2016. Disponível em: . Acesso em: 18 jan. 2017 187

consolidação das ciências no século XIX, proporcionaram novas compreensões sobre a biologia, zoologia, ornitologia e avicultura. Paralelamente, essas alterações provocam também a criação de métodos sobre as brigas de galos. Fizeram com que elas, pouco a pouco, passassem por algumas transformações, tais como: a "invenção" das "raças", métodos acerca dos locais de criação, de luta, regras e, não menos importante, um grupo de pessoas que passam a se identificar como galistas. Para Elias:

No Brasil, somente no começo deste século é que a avicultura começou a ser encarada com mais profundidade e assim mesmo num ângulo mais esportivo do que comercial. Fundavam-se “basse- cours", importavam-se raças europeias e norte- americanas e periodicamente organizavam-se belas exposições de aves. A primeira de que temos notícias, realizou-se no Rio de Janeiro, no período de 6 a 8 de setembro de 1914, patrocinada pela Sociedade Brasileira de Avicultura, no Pavilhão do Jardim da Infância, na Praça da República.289

Sob a influência do que vinha ocorrendo no mundo ocidental desde o século XIX, em matéria de botânica, zoologia e suas ciências afins, o governo brasileiro, através de suas instituições e mesmo entidades privadas e particulares, buscaram acompanhar algumas das novidades que provinham, principalmente, da Europa (sobretudo Inglaterra, França, Alemanha) e Estados Unidos, no que compete ao melhoramento genético de espécies, a invenção das raças e suas classificações, conforme determinado padrão desejado. Não somente cavalos e cães passaram a ser objetos de "purificação" sanguínea, padronização para um determinado objetivo, mas também diversas outras espécies. Entre os galináceos da espécie gallus gallus a especificação vai ter pelo menos dois direcionamentos: a criação de frangos e galinhas para consumo de carne e ovos, e para isso, a escolha dos exemplares com maior produção; por outro lado, em menor escala e, às vezes, sem tanta precisão científica, também há o selecionamento para fins esportivos, ou seja, galos capazes de demonstrar melhor desempenho nos combates.

289 ELIAS, op. cit., p. 64. 188

Para tanto, bastava escolher os galos com bons resultados em combates e deles fazer crias, com galinhas que tivessem uma procedência de galos também com bons resultados. É importante dizer isso por dois motivos: o primeiro é demonstrar que este simples método é uma forma de selecionamento genético, mesmo que seus fins não sejam tão precisos quanto aqueles utilizados em aves no sistema agroindustrial; e em segundo lugar, para demonstrar que não é qualquer galo que vai a um rinhadeiro, faz parte da lógica desse grupo que os galos tenham procedência. No que se refere à questão prática, as brigas de galos viveram seu auge no Brasil no século XX, se estabelecendo em grandes e médias cidades através de associações de galistas (Sociedades galísticas), e fundando centros esportivos exclusivamente para este fim. Alguns deles merecem destaque e, pelo "luxo", parecem ser um pouco diferentes da descrição oferecida por Machado de Assis. No Rio de Janeiro, segundo Elias, a sociedade galística foi fundada em 22 de maio de 1936, com o nome de Centro Esportivo Carioca.290 Além dessa sociedade, Elias, cita outros bairros da cidade do Rio de Janeiro, onde havia rinhadeiros, tais como "Campo Grande, Bangú, Saracuruna, Marechal Hermes, e outros de menor porte".291 No Estado do Rio de Janeiro, ele ainda menciona "Macaé, Três Rios, Pádua, Itaperuna, Marquês, Valença, Barra Mansa, Niterói e Teresópolis".292

No Rio de Janeiro, fazendo-se um retrospecto de mais de meio século na inexorável ampulheta do tempo até os nossos dias, vamos encontrar uma lista interminável de rinhadeiros sendo que um dos mais antigos, situava-se na atual Praça Varnhagem, no bairro de Vila Isabel. Esse bairro, na ocasião, era o preferido para tais centros de esporte. Na Praça 7, hoje Barão de Drummond, na Rua Oito de Dezembro, na Rua Visconde de Santa Isabel, existiram famosos rinhadeiros, principalmente este último que, na época era considerado um dos melhores da cidade. Também na Rua Ibituruna há muitos e muitos anos existiu um desses entusiastas centros. Os terrenos do antigo Derby Club, onde se ergue hoje o majestoso Estádio Mário Filho (o Maracanã),

290 Ibidem. p. 121. 291 Ibidem. 292 Ibidem, p.125. 189

também eram palco domingueiro dos aficionados residentes nas circunvizinhanças. A Rua do Bispo possui também seu rinhadeiro modelar, para não citar extensa relação deles.293

Francisco Elias escreveu isso durante a década de 1970, então é possível estimar que ele se referia aos locais de rinha que existiram entre as décadas de 1920 a 1950, até mesmo porque o Estádio Mario Filho (Maracanã) foi inaugurado em 1950, tendo a construção iniciada em 1948. Importante notar que os rinhadeiros, já nessa época, estavam relativamente distantes do Centro e Zona Sul da cidade — áreas nobres, higienizadas e, posteriormente, turísticas. Localizavam-se nas áreas onde o urbano estava se expandindo, desde o final do século XIX, em direção à Zona Norte do Rio de Janeiro. Essa é uma questão também de especulação imobiliária dos espaços urbanos, pois não faria sentido manter um rinhadeiro com altos custos em áreas mais centrais, além do mais, os praticantes geralmente habitam locais onde é possível manter a criação de galos. Não obrigatoriamente precisa ser um sítio ou fazenda, mas dificilmente será o centro urbano, Copacabana ou Leblon. Bairros como de Vila Isabel, Tijuca, São Cristóvão, entre outros, naquelas décadas, ofereceram um ambiente mais adequado para os galistas. A descrição de Elias segue:

Em Niterói teve sua época o edificado na Rua Mem de Sá. Atualmente é no Centro Esportivo Carioca “Academia”, cito à Rua São Luís Gonzaga, onde a “aficção” é a mais seleta e entusiasta. Seleta bem entendido, no que se refere a bons criadores, pois, o esporte galístico é um dos mais democráticos, compartilhando nele gente de todas as camadas sociais, o pobre, o rico, o operário ou o intelectual.294

Niterói, antiga capital do Estado — enquanto o Rio de Janeiro era capital federal (até 1960) e depois Estado da Guanabara (1960-1975) —, situa-se do outro lado da Baía de Guanabara. Sua formação e história estão diretamente associadas a do Rio de Janeiro. Isso permite compreender que havia o intenso fluxo de pessoas entre os dois lados e, com certeza, os galistas não ficaram fora disso. Era muito comum que ambos os lados se visitassem e confrontassem nos rinhadeiros. Mesmo

293 Ibidem. p. 70. 294 Ibidem. 190

os proprietários ou sociedades poderiam flutuar nesse espaço, como nesse caso descrito por Elias. Quanto à "seletividade" dos rinheiros e a suposta característica democrática do esporte, a descrição de Elias deixa margem a questionamentos. Por certo, qualquer pessoa, independente de classe social, pode levar um galo para um rinhadeiro e se submeter ao regulamento da sociedade, desde que possa cumprir com os acordos em relação às apostas, que são feitas na base da palavra. No entanto, a situação exposta é um pouco mais complexa. Geralmente, as pessoas que praticam se conhecem. Os membros novos são incluídos a partir de algum membro dessa comunidade. Então é algo que gira entorno de conhecidos. Para além disso, é preciso dizer aqui que existem diversos tipos de rinhadeiros, cada qual se divide conforme as possibilidades financeiras de seus frequentadores. Quem não aposta valores altos frequenta locais de apostas baixas, quem aposta muito, costuma ir em locais onde as apostas são maiores. Obviamente isso está diretamente relacionado às possibilidades financeiras de cada indivíduo. Mesmo assim, poderiam existir e existem locais onde esses grupos se inter- relacionam, seja quando alguém com mais posses frequenta um rinhadeiro de menores proporções, para brigar seus galos debutantes ou menos confiáveis, ou quando alguém financeiramente mais modesto, leva seu galo preferido para desafiar os "grandes". Existe um termo muito comum, utilizado entre os galistas de boa parte do Brasil para definir um "pequeno" ou "pretenso" criador de galos: o preá ou pereá. O termo faz referência a uma espécie de roedor, comum na América do Sul, a Cavia aperea. Não é possível dar uma explicação mais exata sobre o surgimento do termo, todavia, fica bem elucidativo que chamar alguém de preá indica certa insignificância, alguém que, assim como esse animal, vive escondido na capoeira, e tem uma vida bastante modesta. Paulo Jatobá, professor e historiador baiano, em sua monografia descreveu:

Os criadores de galos estão divididos em dois grupos: o galista e o preá. Os galistas, criadores conceituados, normalmente de condições financeiras privilegiadas. Eles se destacam numericamente nas vitórias por possuírem uma criação de galo mais eficaz. E o “preá”, termo pejorativo utilizado para identificar os criadores 191

que não dispõem de uma estrutura adequada para um bom preparo de suas aves, bem como os recursos necessários para se obter um reconhecimento de seus adversários. A expressão “preá” denota, falta de conhecimento do indivíduo.295

A partir de então, é possível discordar de algumas afirmações muito comuns, como da existência de uma comunidade tão fraternal, assim como observar nas rinhas e rinhadeiros a projeção da sociedade externa e suas complexidades. É comum que as práticas tradicionais lúdicas reproduzam um universo nas relações micro e, muitas vezes, de maneira mais intensa. Não me estenderei mais sobre isso, contudo é importante deixar claro, para entender melhor o que Francisco Elias está descrevendo e, qual é o seu lugar nessa história. Preciso que o leitor compreenda que este autor se refere aos rinhadeiros e galistas "grandes", ou da "roda grande", como dizem alguns. Ele não está descrevendo os pequenos rinheiros e rinhadeiros que se distribuíam de maneira menos sistematizada. Seguindo com o texto de Elias, retomo ao Centro Esportivo Carioca.

O rinhadeiro foi fundado em 22 de maio de 1936, graças a iniciativa de um pequeno grupo de verdadeiros desportistas, entre eles o nosso muito saudoso Luiz B. Campello, um dos precursores da literatura galística em nosso país. De início, a rua onde se situava nem mesmo calçamento possuía, mas isto não era obstáculo para seus frequentadores e nem desmerecimento à obra encetada. Deveu-se ao então prefeito do antigo Distrito Federal, Marechal Ângelo Mendes de Morais, a colocação de meios-fios e o seu calçamento e, numa homenagem bem singela, mas significativa aos nossos aguerridos combatentes alados, passou ela a denominar-se Rua Chantecler.296

295 JATOBÁ, Paulo Adriano. A Cultura da Briga de Galos: O Galeão de Jacobina nos anos de 1960 a 1970. 2006. 41 p. Monografia de Especialização – Universidade do Estado da Bahia, Departamento de Ciências Humanas, Curso de Pós-Graduação em História, Cultura Urbana e Memória, Jacobina – Bahia, 2006. p.11. 296 ELIAS, op. cit., p.71-2. 192

Este rinhadeiro localizava-se em São Cristóvão. O nome Chantecler ou Chanteclerc (le coq) faz menção a um conjunto de histórias medievais francesas chamada Le Roman de Renart, na qual o personagem chamado Chantecler é um galo.297 Para melhor apropriação do que tem sido descrito até então, trago o seguinte mapa, recortando parte do Rio de Janeiro e Niterói:

Figura 30 - Rinhadeiros do Rio de Janeiro. Mapa com parte do município do Rio de Janeiro, Baía da Guanabara e Niterói, com destaque para os rinhadeiros, marcados com estrelas amarelas.

Fonte: GOOGLE MAPS. Disponível em: . Acesso em: 26 jan. 2017.

297 CHANTECLER le coq: Renart entre dans l'enclos. Renart entre dans l'enclos. 2009. Disponível em: . Acesso em: 26 jan. 2017. 193

Os locais marcados com estrelas amarelas são os rinhadeiros mencionados por Francisco Elias. É possível observar que, o grupo com maior quantidade fica onde o mapa diz ser Maracanã e São Cristovão, todos eles, no que é considerado hoje a Zona Central, sendo que, os que estão na área marcada em vermelho são os pertencentes ao bairro de Vila Isabel. Próximo à indicação Santa Tereza, marcado em verde, é o bairro do Rio Comprido, onde fica a Rua do Bispo. Onde se lê Maracanã, havia o rinhadeiro no local do estádio, que era Derby Club e outro rinhadeiro na Rua Ibituruna. Na indicação São Cristóvão, a estrela da esquerda indica o rinhadeiro da Rua Chantecler, pertencente ao Centro Esportivo Carioca, e à direita, o da Rua São Luiz Gonzaga. Saindo dessa Zona, no lado direito do mapa, havia o rinhadeiro em Niterói e, à esquerda do mapa, onde se lê Jacarepaguá, existiu o famoso Clube Privê Cinco Estrelas, o mais bem equipado e luxuoso rinhadeiro, fundado em 21 de novembro de 1987.298 Esse local foi muito famoso entre os galistas do país e caiu no conhecimento do público, por ter sido o local onde o publicitário Duda Mendonça foi flagrado em uma rinha.

Figura 31 - Centro Esportivo Carioca. Foto retirada do livro de Francisco Elias. Não consta data, somente a seguinte legenda: "Um dia de muita animação no Centro Esportivo Carioca (Academia), no Rio de Janeiro."

Fonte: ELIAS, op. cit., p.127d.

298 ELIAS, op. cit., p.121. 194

Sobre o Clube Privé Elias faz uma descrição mais detalhada:

Destaque especial merece o Clube Privé 5 Estrelas, situado à Rua Cel. Pedro Corrêa, na Barra da Tijuca, próximo ao autódromo. O modelar centro galístico está instalado num amplo e moderno prédio, com todo conforto para seus frequentadores e dispõe de amplo parque de estacionamento, ar condicionado impecável, bar, restaurante, alojamentos espaçosos para a galaria, dependência para pesagem e medição, onde os dados essenciais ao emparelhamento dos animais são devidamente computadorizados. No primeiro salão, situa-se um amplo “tambor” onde têm início os combates e ao lado, numa dependência menor estão dois “rebolos” para onde os galos são transferidos após o tempo convencional de permanência.299

Este rinhadeiro foi idealizado por galistas, não só do Rio de Janeiro, mas de outros lugares do país. Eram proprietários de empresas, maior parte deles residentes nas cidades do Rio de Janeiro e São Paulo. Com destaque para dois sócios, um empresário do setor de vestuário e outro de refrigeradores de ar. Antes de seguir historicizando a narrativa de Francisco Elias, gostaria de me deter em uma reportagem da revista "O Cruzeiro", de novembro de 1966, intitulada "Vamos, meu galo!" com texto de José Cândido de Carvalho (1914-1989), que anos mais tarde se tornaria membro da Academia Brasileira de Letras, tendo como principal obra o já mencionado livro "O Coronel e o Lobisomem", o qual também fez menção às brigas de galos. Com toda licença poética que é permitida a José Cândido de Carvalho, entre tantas estórias de galistas, na reportagem ele descreve:

Fernando Avelino é da grande irmandade do esporão. Filho de um Senador (o Senador Georgino Avelino) e neto de um poeta (Pedro Avelino), Fernando é hoje prestigioso líder rinheiro, presidente do Centro Esportivo Carioca, uma das mais importantes organizações galísticas da América do Sul. Não gosta de falar de sua pessoa – prefere exaltar os amigos. É procurador

299 Ibidem. 195

da Caixa Econômica por dever de ofício e galista por amor. Mora nesta boa cidade do Rio de Janeiro, numa bela casa. Por fora, parece uma residência comum – por dentro é que são elas. Tem galo para dar e vender. A vizinhança de Fernando cancelou os relógios. Acorda a poder de canto de galo. – É a nota rural de meu bairro, todo de cimento armado – diz ele. Fernando gosta de recordar galistas famosos, desde o ex-ministro Oswaldo Aranha ao não menos ex-ministro Costa e Silva. Tem uma restrição: Jânio Quadros, o homem que, com uma penada, comprou a inimizade de um milhão de galistas brasileiros, desde o Major Nenzinho Nogueira, de Paus Amarelos, ao Dr. Assis Chateaubriand, da Academia Brasileira de Letras. [...]300

Como se pode perceber, trata-se de um grupo seleto de galistas, integrantes ou bem próximos de parte da elite política e intelectual do país. Frequentemente, diversos autores mencionam como sendo galistas o diplomata e político Oswaldo Euclydes de Souza Aranha (1894-1960), e o político, jornalista, magnata, Francisco de Assis Chateaubriand Bandeira de Mello (1892-1968) que, assim como José Cândido de Carvalho, um imortal da Academia Brasileira de Letras. Aqui também fica clara a menção a Georgino Avelino (1888-1959), senador da República, figura política próxima do ex-presidente Eurico Gaspar Dutra. Quanto ao mencionado ex-ministro Costa e Silva, não estou seguro em afirmar se se tratava exatamente de Artur da Costa e Silva, Ministro da Guerra entre o golpe de 1964 e 30 de junho de 1966. Curiosamente a reportagem é de novembro de 1966, período no qual já tinha deixado o ministério. No entanto, já era sabido a data de publicação da reportagem, que ele seria o próximo presidente da república, pois a eleição indireta havia ocorrido em outubro de 1966. De fato, tomou posse em março de 1967. Ainda no texto da Revista Cruzeiro, é possível observar uma visão otimista do autor em relação à prática, embora já existisse, na época, críticas relativas aos tratamentos em relação aos animais. Além disso, no texto, o dito Fernando Avelino, apesar de viver em um ambiente urbano cercado de construções de concreto armado, não parece

300 CARVALHO, José Cândido de. Vamos, meu galo! O Cruzeiro. Rio de Janeiro, p. 49-57. 26 nov. 1966. 196

encontrar nenhum tipo de resistência por parte de seus vizinhos, pelo contrário, a narrativa enaltece a suposta harmonia entre vizinhos e o canto dos galos ao amanhecer. Seja como for, o texto é marcado por uma retórica romântica e o enaltecimento de algumas figuras públicas como praticantes das brigas de galos. Ainda no Estado do Rio de Janeiro, Francisco Elias, com base em suas memórias e nas de seus pares, tece uma apaixonada descrição sobre as brigas de galos na cidade de Petrópolis:

Petrópolis [...] também possui rinhadeiro modelar. A afeição pelo esporte ali é muito antiga e deve ter acompanhado o crescimento da cidade, pois, segundo galista da velha guarda, o rinhadeiro mais antigo de que se tem memória data do ano de 1898 e situava-se na esquina da Rua Barão do Rio Branco. Muitos outros existiram, é claro, mas o primeiro Centro Esportivo Petropolitano só foi fundado em 1942, funcionando até 1956 na Rua Piabanha sob a orientação e presidência do Sr. Carlos da Rocha Miranda. Em 15 de agosto de 1963, com grande torneio nacional, foi inaugurado modelar rinhadeiro e assim, o Centro Esportivo Petropolitano, totalmente remodelado, passou a equiparar-se aos melhores do Brasil. Considerado de Utilidade Pública pela Câmara de Vereadores, possui organização tida como das mais elogiadas do país. A sede é própria e está situada na Rua Dr. Paulo Herve, no Bingen. Erguida em moderna construção tipo ginásio, ocupa uma área de 400 metros quadrados, o que é bem expressivo. O rinhadeiro possui um “tambor” circular com 5,60m de diâmetro e dois “rebolos” de menor dimensão, todos, acolchoados e com piso de capacho de coco. Anualmente, são realizados concorridos torneios com a distribuição de valiosos prêmios e artísticas taças aos proprietários dos galos vencedores e a afluência de galistas das cidades vizinhas é muito numerosa, inclusive de outros Estados, como Minas Gerais e São Paulo.301

301 ELIAS, op. cit., p.123-4. 197

Aqui, como em diversas passagens, Elias fala em torneios. Estes torneios não são simples "domingueiras", ou rinhas convencionais. Geralmente, os torneios eram realizados anualmente, em cada rinhadeiro, num final de semana ou feriado em específico, e ofereciam prêmios aos melhores resultados (individuais ou coletivos, como galo que venceu com menor tempo ou galista com maior número de vitórias). Os torneios, ao contrário das rinhas normais, podem durar vários dias, a audiência se torna muito maior e, como era de se esperar, os galistas reservam seus melhores combatentes para essas datas. Também é comum que compareçam galistas dos mais diversos lugares e dos mais distantes. Para compreender melhor as distinções atribuídas aos rinhadeiros, ofereço uma passagem esclarecedora do professor Sérgio Alves Teixeira:

De modo geral, pode-se dizer que os rinhedeiros menores pertencem a particulares e que os maiores pertencem a sociedades galísticas. Estas são entidades com personalidade jurídica, com atuação quase autônoma. Praticamente a única oportunidade de atuação coordenada entre elas é a da realização de torneios e concentrações. Tais eventos compreendem desde aqueles que reúnem galistas e galos de poucos municípios vizinhas, passando pelos regionais até os nacionais, envolvendo competidores da quase totalidade dos estados do País. Os últimos são coordenados e regulamentados pela Coordenadoria Galística do Brasil e se realizam em capitais estudais, em sistema anual de rodízio.302

Nos torneios, e mesmos nos rinhadeiros particulares, quando o número de rinhas é alto, torna-se necessário que ocorra mais de um combate em simultâneo. Para isso servem os chamados "rebolos", que nada mais são do que a arena de luta num tamanho menor. A arena é denominada "tambor" e existe de diversos tamanhos, os rebolos são os tambores em tamanho reduzido, em relação ao tambor principal. Então, no rinhadeiro, as rinhas funcionam da seguinte forma: depois de emparelhados os galos (acordo sobre a dupla de galos a brigar, levando em conta peso, altura e acordo entre os donos) eles são soltos no tambor e vão lutar ali o primeiro round, que é chamado de "banho" ou "água". Esse "banho" tem um tempo determinado, 15 ou 20 minutos

302 TEIXEIRA, 1992. p.152. 198

(dependendo do regulamento), se nenhum dos galos vence no primeiro "banho", os galos são retirados, recebem os devidos cuidados e, após isso, retornam a lutar em um dos "rebolos", pois o "tambor" principal recebe outra dupla de galos. No caso desse rinhadeiro de Petrópolis, assim como outros rinhadeiros, dois "rebolos" fazem com que não se perca muito tempo com lutas que se prolongam demasiadamente — as quais normalmente se tornam desinteressantes. A maior parte do público das rinhas tem preferência em acompanhar o primeiro banho, pois no primeiro "banho" os galos estão mais dispostos e ali acontecem a maioria das apostas, então é normal que o espaço destinado seja maior, tenha mais arquibancadas e/ou cadeiras ao redor do "tambor". Quando a luta se estende muito, ela vai para o "rebolo", então, acompanham os galos, os proprietários, tratadores e os mais interessados naquele combate em específico, enquanto a maioria espera pela rinha seguinte. Não é incomum o combate terminar no rebolo, com vitória de um dos galos ou empate, sem que os apostadores estejam observando. Esse tipo de briga de galos é comum no Brasil. No entanto, muita coisa pode ser diferente em outros lugares e, isso se deve principalmente, ao tipo de espora utilizada, o biotipo dos galos – matéria sobre a qual fiz muita referência no capítulo anterior –, e o regulamento utilizado. Na França ou nas Ilhas Canárias, por exemplo, as rinhas têm duração máxima de 6 e 10 minutos, respectivamente, se nenhum dos galos vencer nesse tempo os galos são retirados para que o evento siga com a próxima dupla a brigar. Ainda pelo exposto apresentado sobre Petrópolis, pode-se concluir que, abrir um rinhadeiro parece não ser um negócio arriscado, desde que a atividade não encontre impedimentos legais. Quando encontra algum impedimento sério, é praticamente impossível manter um tipo de sede ou associação sem ser notado por muito tempo, ainda mais em perímetro urbano. Então, este rinhadeiro, assim como os demais, funcionavam de acordo com a legislação, ou pelo menos daquilo que se interpretava das leis. Nem mesmo o decreto lei Nº 24.645, de 10 de julho de 1934 — também conhecido como Lei Juarez Távora, nome do Ministro da Agricultura na época —, no artigo 3º - "Consideram-se maus tratos, item XXIX: Realizar ou promover lutas entre animais da mesma espécie ou de espécie diferente, touradas e 199

simulacros de touradas, ainda mesmo em lugar privado;"303, fez com que houvesse grandes esforços em interditar os rinhadeiros. Todavia, existiram alguns episódios conflitivos, como, por exemplo, um imbróglio envolvendo o Centro Esportivo Carioca na década de 1970, onde o caso foi levado à justiça:

Em 26 de outubro de 1970 o advogado Sérgio Nogueira Ribeiro, a pedido da saudosa Lya Cavalcati, presidente da Associação Protetora dos Animais- RJ, dirigiu-se ao Instituto dos Advogados do Brasil - RJ relatando que em 28/2/70 a polícia interditara a sede do Centro Esportivo Carioca, situado na rua Chantecler 76, em São Cristóvão, no Rio de Janeiro, após prender e autuar em flagrante pessoas que naquele local promoviam brigas de galos e realizavam apostas em dinheiro. Entretanto, ao encaminhar o processo à justiça [...], o Juiz, em sentença prolatada em 29/8/70, julgou improcedente a acusação e absolveu os réus por entender que as brigas de galos não constituem crueldade contra os animais.304

O fato indica que existiram ou existem, ao menos, duas leituras em relação ao decreto-lei de 1934: uma que as brigas de galos poderiam ser enquadradas como crueldade ou, como no veredito do juiz, entendendo não haver crueldade, por se tratar de "duas aves da mesma espécie que lutam por instinto".305 Isso parece corroborar com as perspectivas das alterações de sensibilidades, uma vez que poucos estavam inclinados a tratar as brigas de galos como um problema para estes animais.

303 BRASIL. Decreto nº 24.645, de 10 de julho de 1934. Estabelece Medidas de Proteção Aos Animais. Rio de Janeiro, Disponível em: . Acesso em: 04 jul. 2013. 304 DIAS, Edna Cardozo. Inconstitucionalidade e ilegalidade das rinhas de galo. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 538, 27 dez. 2004. Disponível em: . Acesso em: 28 set. 2011. A autora do artigo citado é doutora em Direito pela UFMG, professora de Direito Ambiental, presidente da Liga de Prevenção da Crueldade contra o Animal. 305 Ibidem. 200

O juiz prosseguiu seu discurso:

A briga de galos, embora [...] eticamente reprovável, não atinge, a meu ver, o requinte de crueldade que a música e a encenação da tourada não bastam para dissipar. A briga de galo, porém, está fartamente implantada como vício e como hábito de nosso povo — sobretudo do homem rural com menor escolha de divertimentos que o homem urbano — e tal ponto que o Presidente Jânio Quadros, que num mínimo de tempo conseguiu atingir um máximo de ridículo, foi chistosamente criticado por ter, conforme lembram os nossos três colegas que assinam a Proposta relatada, promulgado o Decreto 50.620, de 18 de maio de 1961, vedando, desnecessariamente, o funcionamento das rinhas de galos". Esse decreto foi revogado pelo de n. 1.233, de 22/6/62, em face da pressão exercida pelos chamados galistas sobre o Governo parlamentar de então. Mas essa revogação em nada alterou o art. 3º do supracitado Decreto 24.645, de 10/7/34, de proteção aos animais, que considera maus-tratos as brigas de galos.306

Um paradoxo intrigante do juiz é, no mesmo discurso, associar a briga de galos à falta de diversões dos homens rurais, indicando, portanto, que se tratavam de homens marginalizados, para em seguida, afirmar que estes exerceram pressão no governo parlamentar a fim de revogar o decreto de Jânio Quadros. Seja como for, a lei de 1934 não pegou. Tanto é que Jânio Quadros, entre seus famosos decretos, se viu na necessidade que criar uma lei que proibisse expressamente as rinhas de galos, como foi noticiada da seguinte maneira, pela Folha de São Paulo, no dia 19 de maio de 1961:

306 Ibidem. 201

Figura 32 - Capa do jornal A Folha de S. Paulo de 19 de maio de 1961.

Fonte: FOLHA DE SÃO PAULO. Proibidas as brigas de galos em todo o país. Folha de S. Paulo. São Paulo, p.1. Sexta-feira, 19 maio 1961. Ano XL. Nº 11.664. Acervo da Folha de São Paulo.

Há muitas histórias sobre as motivações que levaram Jânio Quadros a promulgar tal decreto, desde uma solicitação da esposa tentando fazer com que um parente deixasse de frequentar rinhadeiros, até uma possível desavença entre Jânio Quadros e o já citado Assis Chateaubriand.307 No entanto, analisando conjuntamente os decretos de Jânio Quadros como, por exemplo, a proibição das corridas de cavalos

307 SILVA, Renato de Carvalho Santos. A rinha de galo e a construção da masculinidade na região central do Rio Grande do Sul. 2005. 50 p.: Monografia (graduação) – Universidade Federal de Santa Maria – RS, Centro de Ciências Sociais e Humanas, Curso de Ciências Sociais, Santa Maria, p. 1. 202

durante os dias de semana (Decreto Nº 50.578 de 10 de maio de 1961), a proibição dos lança-perfumes (Decreto Nº 51.211 de 18 de agosto de 1961), e o uso de biquínis, Jânio Quadros demonstrou estar mais preocupado com os costumes e a moral. Notório por sua excentricidade, Jânio Quadros despontou na política no Estado de São Paulo, sendo consecutivamente eleito prefeito da capital, governador e presidente da República. Não era pertencente aos partidos que disputavam a hegemonia, naquele momento PTB (Partido Trabalhista Brasileiro), PSD (Partido Social Democrático) e UDN (União Democrática Nacional), mas unia certo populismo que geralmente eram associadas aos sucessos eleitorais do campo ligado ao trabalhismo, e uma moral conservadora e elitista muito própria da UDN. Como a UDN já havia perdido sucessivas eleições com candidatos próprios, em 1960 ofereceu apoio ao candidato Democrata-Cristão (PDC) Jânio Quadros. Com uma campanha marcada pela proposta de varrer a corrupção, tendo como símbolo e jingle "a vassourinha", Quadros enfim, conseguiu derrotar o candidato governista. O curto governo de Jânio Quadros foi marcado tanto por seu moralismo, quanto pelas desavenças com seus próprios aliados da UDN, principalmente após retomar relações com a União Soviética e condecorar o revolucionário comunista Ernesto "Che" Guevara com a Ordem do Cruzeiro do Sul. Diante de muitas pressões e sem bases políticas consistentes, Quadros renunciou sete meses após assumir a presidência, atribuindo a causa dessa renúncia a "forças ocultas". Quanto ao texto do decreto referente às brigas de galos, é possível observar que a preocupação inicial em proibi-las, situa-se numa discussão jurídica, que é associada àquilo que se consideravam maus- tratos. Contudo, o apelo principal baseava-se no argumento de que a prática se constituía em jogos de apostas não regulamentadas. Esse tipo de acusação é semelhante ao que Clifford Geertz relembra ter sido condenado como imoral pelo jurista e filósofo britânico Jeremy Bentham (1748-1832) (“onde o jogo no qual as apostas são tão altas que, do ponto de vista utilitarista, é irracional que os homens se envolvam nele”), o que lhe permite afirmar o seguinte:

Num jogo profundo genuíno, [...] eles estão mergulhados até a cabeça. Chegando juntos em busca de prazer, eles entram numa relação que trarão aos participantes, considerados coletivamente, mais dor que prazer. A conclusão de Bentham, portanto, é de que o jogo profundo é 203

imoral a partir de seus princípios básicos e que deveria ser legalmente proscrito, uma atitude típica desse autor. Mais interessante que o problema ético, pelo menos quanto a nossa preocupação, é que, a despeito da força lógica da análise de Bentham, os homens engajam-se num tal jogo, muitas vezes apaixonadamente, e mesmo em face de uma punição legal. Para Bentham e os que pensam como ele (hoje em dia principalmente advogados, economistas e alguns psiquiatras), a explicação é que, (...) tais homens são irracionais – viciados, fetichistas, crianças, tolos, selvagens – que precisam ser protegidos contra si mesmos.308

Para além disso, Keith Thomas aponta a repugnância que as classes sociais mais abastadas, alguns letrados e religiosos, passaram a voltar contra certas diversões populares, as quais também indicam transformações na sensibilidade em virtude da ascensão de parte da classe média urbana, como observou acerca do governo protestante de Oliver Cromwell e a aversão associada aos ruídos. Muitas dessas alterações visam inculcar novas formas de ver, perceber e dar sentido ao mundo, o que foi muito bem percebido pelo mesmo autor em relação à Inglaterra moderna:

[...] nos séculos XVII e XVIII muito das pressões para eliminar os esportes cruéis provinha de um anseio por disciplinar a nova classe trabalhadora segundo padrões mais elevados de ordem pública e hábitos mais industriosos. [...] O amor às criaturas brutas frequentemente se associava a repugnância pelos hábitos de ordem inferiores; e a opinião de classe média mostrava-se tão ofendida com a desordem que os esportes animais criavam quanto com a crueldade neles presente. Os maus tratos aos animais, pensava Willian Baker em 1770, eram “um vício ao qual o vulgo inculto muito se dedica.” Trata-se, também na opinião de Willian Jones de Nayland, em 1771, “de um dos vícios característicos das pessoas mais baixas e vis”. Durante todo o século XIX, pareceu óbvio que era “entre as classes inferiores da sociedade que grassavam os atos cruéis”. Os vilões eram “os

308 GEERTZ, 1989, p. 300. 204

rudes e devassos” cocheiros, “os patifes velhacos e insensíveis do mercado de Smithfield” e os execráveis barqueiros. A lei de 1835, contra a crueldade infligida aos animais, proclamava a intenção de reduzir tanto os sofrimentos das criaturas mudas quanto “a desmoralização do povo.”309

A partir desses fragmentos, é possível compreender alguns dos motivos que levaram a uma maior pressão sobre diversas práticas socioculturais. Discursos moralistas e novas sensibilidades são produzidos a partir da crença no progresso social e cultural que, paulatinamente, criam mecanismos de intervenção na sociedade e nos indivíduos. Isso vem a calhar que as sensibilidades, como estão dadas, não fazem parte de uma natureza. As relações dos humanos entre si e com o seu meio estão em constantes modificações, por isso, se localiza dentro de uma perspectiva histórica. É preciso entender em que momentos e circunstâncias essas modificações são mais perceptíveis, e criar uma narrativa histórica, apontando as alterações mais substanciais. No caso brasileiro é possível observar várias rupturas. Mas sem esquecer que se trata de modificações paulatinas, que consolidam certos hábitos em detrimentos de outros. Entretanto, na ausência de dados mais precisos sobre estes movimentos lentos da história, o historiador, para produzir uma sequência escrita lógica, necessita entender o factual como parte de um contexto de média e longa duração. Nesse caso cito o decreto expedido por Jânio Quadros, como também o código de 1934. Fazem parte, portanto, de um processo em afirmação no mundo ocidental, que muitas vezes podem obter sucesso, como podem ser arrefecidos por outros discursos e práticas que se sobrepõem ou se consolidam. Nesse sentido, poderíamos citar a questão das drogas, da prostituição, dos jogos de azar, entre outros, que em muitos lugares do mundo são altamente condenáveis, enquanto em outros, são moderadamente associados às políticas públicas, ou ainda, onde muitas dessas questões são parcialmente ou totalmente ignoradas. Apesar das leis não terem muito efeito prático, elas também são, citando Chartier,310 representações de um mundo social construído, que embora aspirem à universalidade de um diagnóstico fundado na razão, são sempre determinadas pelos interesses de grupo que as forjam.

309 Ibidem, p. 221-2. 310 CHARTIER, 1990, p. 17. 205

Em relação ao decreto de Quadros, a lei não teve longevidade. No ano seguinte, durante o governo parlamentarista de Tancredo Neves (1910-1985), o decreto foi revogado pelo Decreto Nº 1.233, de 22 de junho de 1962. Em reconhecimento, Tancredo foi laureado com um galo de ouro por um grupo de galistas.311 Algumas vezes, ainda, as brigas de galos foram consideradas como contravenção penal através do Decreto-Lei Nº 3.688, de 3 de outubro de 1941. No entanto, essa não foi a regra em relação aos rinhadeiros. Voltando ao Francisco Elias, e os locais onde havia rinhadeiros, vale ressaltar que a prática estava bem solidificada em praticamente todos os lugares do país, e nas capitais de estado e grandes cidades se estabeleciam as mais fortes sociedades galísticas. No Norte do país, Elias destaca Manaus e Belém. Sobre a capital paraense ele afirma:

Belém do Pará vangloria-se de possuir um dos rinhadeiros mais antigos do Brasil, pois o Centro Esportivo Paraense, situado na Rua Boaventura da Silva quase esquina com a Rua D. Romualdo de Seixas teve a sua fundação em 15 de agosto de 1918.312

Belém, segundo o autor, tinha o rinhadeiro com mais tempo em funcionamento. Localizado, assim como no Rio de Janeiro, em um bairro — o Umarizal — que havia crescido e se expandido em finais do século XIX e início do XX, durante o surto da borracha. O Umarizal foi associado como local de intelectuais e da boemia. No entanto, no século XXI, tem sido um bairro de forte especulação imobiliária. Já é possível imaginar que, nem mesmo se as rinhas fossem ainda permitidas, este rinhadeiro dificilmente teria sobrevivido ao avanço da gentrificação. Não poderia deixar de falar do Nordeste brasileiro, a começar por Fortaleza, com um rinhadeiro localizado na Rua Antonio Augusto, bairro Joaquim Távora, o chamado Centro Esportivo Cearense,313 com mais 60 anos de funcionamento, o qual foi fechado em 2005.314 Ironicamente, a sociedade galística tinha sede no bairro que homenageia

311 SILVA, op. cit., p. 1. 312 ELIAS, op.cit., p.127. 313 Ibidem, p.128. 314 NEVES, Paula. Rinhas desafiam defensores de animais. Sobpressão: Jornal laboratório do Curso de Jornalismo da Universidade de Fortaleza, Fortaleza, v. 6, n. 2, p.18-19, jun. 2005. Bimestral. Disponível em: . Acesso em: 13 jan. 2016. 206

o irmão de Juarez Távora (1898-1975), ministro responsável pelo Decreto lei de 1934, que caracterizava como crime o uso de animais em lutas. Em Aracaju, existia o Centro Esportivo de Sergipe. Inaugurado a 29 de janeiro de 1972.315 Já no Rio Grande do Norte, o autor Francisco Elias, deixa expresso conhecer os galistas de Mossoró e não chega a mencionar nenhum rinhadeiro da capital Natal. Em Maceió, no Estado de Alagoas, o rinhadeiro tinha sede à Rua São Luís, no Bairro do Novo Mundo, conhecido como Galo Clube de Maceió, fundado em 15 de janeiro de 1983.316 O leitor, talvez, tenha percebido que, pela primeira vez nesse texto, a palavra "galo" foi incluída no nome da associação. Geralmente o termo empregado é Sociedade, Associação ou Centro Esportivo. Esta é uma maneira que os galistas usam para reafirmar o caráter esportivo, buscando legitimar a prática, salvaguardando-a dessa maneira, e consequentemente, sustando discursos que se colocam de forma contrária. Ainda assim, ao omitir a palavra galo, pode-se ler como uma maneira de ofuscar ou invisibilizar estes locais do interesse do público geral. Ainda no Nordeste, os principais e mais prestigiados rinhadeiros sempre foram o "Palácio do Galo" e o "Clube do Galo", respectivamente em Recife/Olinda e Salvador. Sobre o primeiro Elias escreveu:

O Centro Esportivo Pernambucano, mais conhecido como “Palácio do Galo", foi fundado inicialmente em 1961, em Casa Amarela, [localiza-se atualmente, grifos meus] no bairro popular de Peixinhos a 12 quilômetros do Recife. Olinda sente-se honrada pela excelente construção. O centro esportivo possui um amplo “tambor” com seis metros de diâmetro e vários “rebolos”. Os galos dispõem de mais de 250 alojamentos e a capacidade para os frequentadores situa-se acima de 800 pessoas entre arquibancadas e cadeiras de pista. O estacionamento para automóveis comporta mais de 250 veículos, o que é comum em dias de torneios. Sem dúvida, o Palácio do Galo é um dos rinhadeiros mais bem instalados do nordeste!317

315 ELIAS op.cit., p.130. 316 Ibidem, p.129. 317 Ibidem, p.130. 207

Ao contrário do que foi observado em outras cidades, onde os rinhadeiros localizavam-se em bairros de classe média, o rinhadeiro de Olinda fica num "bairro popular", isto é, num bairro de população mais pobre, predominantemente de operários, como é o caso de Peixinhos. Isso não significa, contudo, que a propriedade do rinhadeiro era de pessoas do local, como é fácil observar através da descrição de Elias sobre a estrutura do local. O local era tão "badalado", que sua inauguração, em setembro de 1976, foi matéria na revista Veja, na coluna Comportamento. Da matéria destaco alguns trechos:

[...] o esporte ou jogo, ou que nome tenha, parece atingir agora seu ponto mais alto de popularidade, com a inauguração do Palácio do Galo no Recife, na semana passada. Com efeito, o novo rinhadeiro é o maior do país. Não bastasse isso, seus 800 lugares em arquibancadas que se debruçam sobre três diferentes palcos de luta ficaram quase lotados durante os três dias do torneio de inauguração, nos quais 200 combates se sucederam. [...] A [...] construção do Palácio do Galo que exigiu investimentos de aproximadamente 1 milhão de cruzeiros, levantados através de doações dos 100 sócios proprietários e da venda de 100 cadeiras cativas. O Palácio, porém, representa mais que tudo um posso à frente na popularização do esporte”, segundo Mário Franco de Castro, engenheiro civil de 51 anos, coronel reformado do Exército e autor do projeto do novo estádio. No fundo, as brigas de galo já desfrutam há muito tempo de imensa popularidade no Recife. "Aqui existem milhares de galistas, espalhados por todos os bairros, dos mais ricos aos mais pobres". afirma Franco de Castro, ele próprio um abastado criador de quase 100 galos de boa estirpe.318

Conforme a reportagem, as brigas de galos, sendo um esporte ou não, viviam seu ápice em Recife com a inauguração do Palácio do Galo, o maior rinhadeiro do país na altura. Para sua construção foi necessário

318 VEJA. Galistas em festa. São Paulo, p. 62-63. 15 set. 1975. Disponível em: . Acesso em: 17 ago. 2015. 208

a contribuição de vários aficionados, provavelmente de poder aquisitivo considerável. Tendo como destaque um engenheiro e militar reformado como mentor do clube galístico. Para a inauguração foram realizados 200 combates em três dias, o que significa um total de 400 galos a brigar e a surpreendente quantia de quase 70 combates por dia, fato que só é possível porque o rinhadeiro contava com dois rebolos. Mesmo assim é um número bastante elevado, levando em consideração a duração das brigas no Brasil naquele momento. É muito provável que as rinhas iniciavam pela manhã e se estendiam por todo o dia e madrugada a dentro, com poucas horas de intervalo. Muito bem equipado também era o Clube do Galo, em Salvador, fundado em 30 de março de 1968.319

Na Bahia, em Salvador, vamos encontrar o Centro Esportivo da Bahia (Clube do Galo), situado à Av. Otávio Mangabeira (trecho de Armação), liderando o movimento galístico local. Mas, existem muitos outros clubes da espécie na boa terra e eles vêm se multiplicando em todo Estado.320

A avenida citada é na orla da praia, uma das principais avenidas da região Leste de Salvador. E, assim como vários rinhadeiros desse nível, ficava em um bairro de classe média que, nos últimos anos, tem se elitizado ainda mais. O historiador Charles Santana, em seu livro "Linguagens urbanas, memórias da cidade"321, ao pesquisar sobre migrantes internos (mais especificamente do interior da Bahia) em Salvador, se deparou com atividade das brigas de galos. Com base em depoimentos, Santana oferece importantes detalhes sobre a atividade, das quais me aproprio, tendo em vista o objetivo desse trabalho:

[...] a criação de galos de briga constituía-se num caso especial [...]. Tal peculiaridade inclui uma certa névoa de marginalidade a dificultar as negociações anteriores às entrevistas. Aquelas concedidas, o foram com a obrigação de

319 ELIAS, op. cit., p.131. 320 Ibidem. 321 SANTANA, Charles D’Almeida. Linguagens Urbanas, Memórias da Cidade: vivências e imagens da Salvador de migrantes. São Paulo: Annablume, 2009. p.102. 209

mantermos sigilo quanto a identidade dos depoentes, uma condição que sugere continuidade da prática dessa tradição e uma compreensão das dificuldades pelos mesmos motivos, negociamos a não publicação dos endereços das rinhas, que se multiplicam pelos bairros de população de menor poder aquisitivo. Há ao menos uma exceção: o "Clube do Galo", na orla marítima, na altura da Armação, na "vitrine" da cidade, próximo a um hotel que pode vender serviços aos "galistas barão". Esses são os criadores de dezenas de galos, ou apenas compradores dos melhores animais do circuito e grandes apostadores nas mais variadas rinhas. Nenhum dos contatados que se dispuseram a falar sobre o tema frequenta o "Clube". Eles se divertiam em rinhas instaladas em cantos escondidos, bairros distantes do centro e em cidades da Região Metropolitana.322

Sua pesquisa, com base na oralidade, tinha como foco, como se pode perceber, as camadas mais populares. Além de clarificar sobre as dificuldades de uma pesquisa sobre uma atividade "marginal", o autor destaca muito bem as fraturas que existem entre os praticantes das rinhas de galos, o que é muito importante para desmitificar uma suposta harmonia ou amenização das diferentes classes sociais que participam da atividade. As brigas de galos, enquanto disputa entre homens é, sobretudo, um espaço em que se põe em jogo o status quo (com a segurança de perdê-lo apenas momentaneamente) e, para tanto, essa disputa, para ter significado, necessita ser disputada entre pares. Quanto mais dinheiro estiver em disputa e mais "forte" forem os galistas, maior é atração do público para aquela luta. Pode-se pressupor também que a qualidade dos galos colocados em disputa é relativamente de acordo com a confiança que seu proprietário deposita no animal, independente se a disputa é no Clube do Galo ou em um rinhadeiro improvisado. Em outras palavras, os galistas apostam maiores volumes de dinheiro quando acreditam que seu galo é suficientemente bom. Caso contrário, se se trata de um teste, se faz uma rinha com valores modestos, assim, a empolgação também é menor.

322 Ibidem. 210

Ainda sobre Salvador, esta é cidade natal do publicitário José Eduardo Cavalcanti de Mendonça, conhecido nacionalmente como Duda Mendonça. Ele se tornou famoso no Brasil por comandar campanhas publicitárias de sucesso, principalmente campanhas políticas, como, por exemplo, a de Paulo Maluf à prefeitura de São Paulo, em 1992, e a campanha presidencial vitoriosa de Luiz Inácio Lula da Silva, em 2002. Também foi muito famoso nos rinhadeiros brasileiros, por ter sido um praticante das brigas de galos, o que lhe gerou alguns problemas em relação à justiça, fatos que buscarei apresentar mais à frente. Ainda assim, Duda Mendonça não parecia esconder de ninguém seu gosto pelas rinhas, como é possível ler em reportagem do jornal a "Folha de São Paulo"323 sobre sua autobiografia publicada em 2001:

O gosto por brigas de galo não era mantido em segredo pelo marqueteiro Duda Mendonça. No livro autobiográfico de Duda, "Casos & Coisas", lançado no fim de 2001, pela Editora Globo, consta que a paixão por rinhas começou com o irmão mais velho. Na página 149 do livro, o marqueteiro escreveu: "Meu irmão mais velho também criava galo, há muito tempo, e foi assim que, como milhões de brasileiros, me apaixonei pelas brigas de galos".

No documentário intitulado "Entreatos"324, de 2004, o cineasta João Moreira Salles filma os bastidores da campanha de Lula à presidência em 2002. Em um determinado diálogo informal entre o candidato e Mendonça sobre "batuques", este último, batucando na mesa, afirma: "Eu sou bom no batuque! De política eu não entendo nada, mas de briga de galos e batuque sim!", ao que Lula indaga: "Briga de galos?! Mas não é você que briga!" Então, antes mesmo do episódio do Clube Privê, no Rio de Janeiro, em 2004, já era sabido que ele frequentava rinhas de galos. A mesma notícia informou que:

Na capital baiana, Duda costuma participar de brigas de galos em dois locais da cidade, no bairro

323 AGÊNCIA FOLHA (Salvador). Folha de São Paulo. Hobby é revelado em autobiografia. Folha de São Paulo. São Paulo. 22 out. 2004. Disponível em: . Acesso em: 30 jan. 2017. 324 ENTREATOS. Direção de João Moreira Salles. Intérpretes: Luis Inácio Lula da Silva. Roteiro: João Moreira Salles. 2004. (117 min.), son., color. 211

da Armação, que fica na orla de Salvador, onde está o Clube do Galo, e no Cabula, bairro localizado na periferia.325

Duda Mendonça seguramente é um "galista barão" e ocupa um papel chave no desenrolar desta história, contudo, deixarei para falar sobre ele mais à frente. Sigo agora com os rinhadeiros pelo Brasil. Retornando ao sudeste brasileiro, não poderia deixar de mencionar o Estado de Minas Gerais, onde o galismo sempre esteve muito difundido. Elias escreveu:

Em Minas Gerais os rinhadeiros se multiplicam e difícil será encontrar uma cidade mais importante onde não exista uma agremiação dessas. Na capital, na Avenida do Contorno, temos a Sociedade dos Criadores de Galos Combatentes de Belo Horizonte, um ponto alto no cenário galístico nacional. Mas, seria injustiça não citar a Sociedade Avícola de Sete Lagoas, a poucos quilômetros de Belo Horizonte, e a Sociedade Esportiva Rinhadeiro Juiz de Fora.326

Provavelmente há um exagero por parte do autor em afirmar que os rinhadeiros se multiplicam, melhor entender como uma força de linguagem. Ainda assim, é certo que Minas Gerais se constitui num dos Estados onde a prática da briga de galos possui numerosos praticantes. Certo imaginário acerca da valentia do galo de briga naquele Estado contribui, inclusive, com a atribuição da alcunha "Galo" ao time de futebol Clube Atlético Mineiro. Há uma frase no hino: "galo forte vingador". Muito provavelmente, quando o hino foi composto não estavam se referindo a Legornes ou Garnisés, mas à valentia dos galos de combate. Francisco Elias cita, ainda, alguns rinhadeiros da capital e de cidades próximas, no entanto, sua ênfase recai sobre a cidade de Juiz de Fora. Isso se dá muito provavelmente pela proximidade geográfica e cultural dessa cidade com o Estado do Rio de Janeiro e, possivelmente, a integração maior entre os galistas dessas duas regiões. Então, sobre os rinhadeiros de Juiz de Fora, Elias comenta:

325 Ibidem. 326 ELIAS, op. cit., p.134. 212

Este, como os outros, teve também a sua história. Inicialmente, havia um rinhadeiro na cidade, fundado em 1921 pelos Srs. Amaro de Albuquerque e Luiz Gomes que adquiriram os dois primeiros quinhões. No ano de 1936 organizaram o primeiro torneio interestadual, tendo comparecido galistas dos Estados de São Paulo e Rio de Janeiro, e de cidades próximas. A rinha achava-se instalada no restaurante Gato Preto, local bem central, mas como o seu proprietário pediu o galpão, os aficionados locais tiveram que se movimentar para instalá-la em outro lugar e deveu-se ao Dr. Dilermano Cruz Filho, grande galista e proprietário de um bairro, o oferecimento de um galpão, cuja transação foi efetuada de “pai para filho” e neste local da rinha de Juiz de Fora deu um passo firme no esporte. Muitos foram os torneios ali realizados com a participação de galistas dos mais diferentes lugares e por 28 anos, aproximadamente, o rinhadeiro permaneceu no referido local.327

Mais uma vez fica bem exposto que se trata de um grupo mais "profissionalizado" de galistas. Dificilmente, alguém em situação de pauperidade, circularia entre três Estados para participar de torneios de briga de galos. Logo porque o texto se refere às décadas de 1920 e 1930, quando os meios de transporte eram ainda mais precários e de difícil acesso. Como o grupo era composto de pessoas relativamente bem estabelecidas, os locais de rinha tiveram lugar no centro das cidades e continuaram nesses espaços até o quanto puderam se manter. Elias segue contando que:

Entretanto, com o decorrer do tempo, as instalações já não correspondiam mais ao desenvolvimento do esporte e assim, uma equipe de sócios começou a movimentar-se no sentido da construção de uma nova rinha e após sete meses de profícuo trabalho foi inaugurado o rinhadeiro com um monumental torneio, até hoje na lembrança de todos. E quem passar na Rua Bernardo Mascarenhas, em Juiz de Fora por certo terá sua atenção despertada por uma magnífica

327 Ibidem. 213

construção de estilo moderno, onde divisará na fachada o nome da agremiação como um verdadeiro orgulho ao esporte galístico nacional. Mas, no meio de tantos clubes galísticos, muitos outros poderiam ser destacados em Minas Gerais como o de Poços de Caldas, na Rua Panorama, em Bortolan, o de Varginha e o Centro Esportivo Barbacenence, situado à Rua Adolfo de Carvalho, naquela linda e acolhedora cidade. Foi fundado em 25-11-69,328

É muito provável que, quando Elias se refere a instalações que não correspondiam ao desenvolvimento do esporte, pode-se entender que não somente as rinhas de galos passaram por modificações, mas a sociedade de maneira geral. Os rinhadeiros adequados aos homens bem estabelecidos já não poderiam ser um lugar qualquer, era preciso que eles estivessem a par de outros tipos de associações ou clubes, e dessa forma, proporcionar um ambiente com maior conforto para seus frequentadores. Isto é, cadeiras, arquibancadas, gaiolas, refeições, banheiros, estacionamentos, entre outros. Partindo para o Estado de São Paulo, é possível se deparar com algumas particularidades. Elias conta que:

Um dos rinhadeiros paulistanos dos mais antigos e tradicionais situava-se na Rua S. Paulo, no centro da cidade e era dos mais bem frequentados. [...] Lamentavelmente, esse rinhadeiro que fazia parte histórica da cidade foi fechado após um incidente provocativo e dias depois arbitrariamente destruído por ação déspota de falsos puritanos. As rinhas são muito comuns nas principais cidades, destacando-se as de Campinas, Botucatú, Santos e Tatuí.329

O incansável Francisco Elias não fornece maiores informações sobre o que e, quando, teria ocorrido tal fato na capital paulista. Mas, é muito provável que ele se referia a Jânio Quadros como déspota e falso puritano, pois este último, então governador em 1956, teria expedido a

328 Ibidem. 329 Ibidem p.135-6. 214

Portaria nº 74, de 8 de agosto de 1956,330 através da Secretaria de Segurança Pública. Esta portaria proibia as brigas de galos no Estado. Com isso, a falta de dados mais sólidos sobre rinhas de galos nesta cidade, mesmo por parte de Elias, aponta para a hipótese de que São Paulo, há muito tempo, não se apresenta como um meio propício para a manutenção de rinhadeiros. Provavelmente por sua alta densidade, o que de fato não chega a ser uma hipótese suficientemente convincente para a não permanência delas, visto que, várias outras cidades de grande porte mantiveram rinhadeiros. Entretanto, vale recordar que São Paulo é a maior cidade do país, com características bastante próprias, o que a torna bastante peculiar no cenário nacional. Inclusive, em São Paulo está sediada, desde 1895, a União Internacional Protetora dos Animais (UIPA). Mesmo as rinhas sendo consideradas semiclandestinas em São Paulo, sobre o livro de Elias, chama a atenção o fato de a maior cidade do país não ter o proporcional destaque. E não se trata de não haver galistas, pois muitas outras cidades desse Estado tiveram rinhadeiros e, muitos galistas da capital tiveram destaque no cenário nacional durante décadas, como, por exemplo, os sócios fundadores do Clube Privê Cinco Estrelas, no Rio de Janeiro. No Estado de São Paulo, Elias destaca o município de Campinas. Ele fornece alguns detalhes significativos quanto à longevidade da atividade:

Em Campinas, no começo do século funcionava uma rinha muito antiga e seus estatutos datam do ano de 1911. Em seu Art. 1º. esses estatutos especificam que a Sociedade Esportiva Rinha Campineira tem por fim proporcionar aos seus associados divertimentos de brigas de galos.331

Chama-me bastante a atenção a utilização da palavra 'divertimento' para se referir às rinhas de galos, da mesma forma como no texto citado por Oswaldo Rodrigues Cabral, acerca da atividade na Desterro do século XIX. Parece-me que, em algum momento da primeira metade do século XX, as brigas de galos deixaram de ser

330 BRASIL. PL nº 3.500, de 1977. Permite a realização de brigas de galos e determina outras providências. Diário do Congresso Nacional [da República Federativa do Brasil], Brasília, DF, Seção I, p. 6919-6922. Disponível em: . Acesso em: 20 abr. 2017. 331 ELIAS, op. cit., p.136. 215

apresentadas pelos seus organizadores como um 'divertimento' e passam a ser referidas como um 'esporte'. Tal fato — do qual não quero me aprofundar, visto a existência de diversas produções historiográficas que atendem tal transformação —, está diretamente relacionado à consolidação do campo esportivo. Portanto, descendo o mapa em direção ao Sul, em Porto Alegre, capital do Estado do Rio Grande do Sul, existiu um rinhadeiro chamado Bankiva, assim como a variedade de galos de briga. Elias conta que:

Em Porto Alegre, existem vários rinhadeiros, todavia, lidera o movimento local a Sociedade Esportiva Bankiva, situada à Rua Lima e Silva. É um rinhadeiro confortável e, segundo consta, foi construído com muitos sacrifícios. O clube, inclusive, é conhecido internacionalmente e com detalhes é descrito no livro The Cockfight, de autoria de Alan Dundes, professor de antropologia e folclore da Universidade da Califórnia, Berkeley - Estados Unidos. O referido livro, mereceu a colaboração da Professora brasileira Ondina Fachel Leal, titular de um Programa Pós- Graduação em Antropologia Social da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, em Porto Alegre. A matéria compreende um capítulo de 25 páginas sobre o galismo no Estado, inclusive com um croqui da Sociedade Avícola Bankiva, com descrição bem detalhada de suas instalações. Também existe em versão para o inglês da poesia Potreiros de Gaúchos, de Jaime Caetano Braum e a célebre frase da filosofia galística “While the cocks fight, the men fraternize” (enquanto os galos lutam os homens se confraternizam).332

Elias demonstra, a todo o momento, que era um sujeito extremamente interessado em todo tipo de produção escrita sobre as brigas de galos, buscando fornecer aos seus leitores (galistas) o máximo de informações possíveis. Sobre a Associação Avícola Banquiva, Elias dá a entender não ser um frequentador daquele lugar, muito provavelmente em função da distância entre Rio de Janeiro e Porto Alegre, além do que, durante

332 Ibidem, p.132. 216

muito tempo, os regulamentos e esporas do Sul do Brasil eram diferentes das demais regiões, fazendo com que a prática fosse restrita a um espaço geográfico menor. Pelo menos daqueles que compartilhavam das mesmas técnicas e experiências relativas à prática. De certa maneira, escrever sobre as brigas de galos no Sul do Brasil, principalmente no Estado do Rio Grande do Sul, possibilita várias abordagens no nível acadêmico, como de fato têm acontecido. Cito aqui a própria Ondina Fachel Leal, Sérgio Alves Teixeira e Renato de Carvalho Santos Silva. Mesmo não tendo nenhum dado absoluto, no qual eu possa comparar a afluência da prática neste Estado com outras unidades da federação, não estou inclinado a acreditar que as rinhas de galos foram mais intensamente praticadas no Rio Grande do Sul. Embora, em certa medida, essa maior produção escrita sobre as briga de galos nessa região está relacionada ao fato de que ela faz parte de um imaginário rio- grandense, o qual, inclusive, figurou institucionalmente entre as práticas que caracterizam a cultura gaúcha e, talvez tenha como maior exemplo disso a payada333 de Jayme Caetano Braun334 (1924-1999):

Valente galo de rinha, guasca vestido de penas! Quando arrastas as chilenas No tambor de um rinhedeiro, No teu ímpeto guerreiro Vejo um gaúcho avançando Ensanguentado, peleando, No calor do entreveiro!

Pois assim como tu lutas Frente a frente, peito nu. Lutou também o xirú Na conquista deste chão... E como tu sem paixão Em silêncio ferro a ferro, Caía sem dar um berro De lança firme na mão!

Evoco nesse teu sangue Que brota rubro e selvagem.

333 Poesia improvisada acompanhada de violão comum na região sul do Brasil, Uruguai, Argentina e Chile. (N.E.) 334 Notório payador, poeta e tradicionalista do Estado do Rio Grande do Sul. 217

Respingando na serragem, Do teu peito descoberto, O guasca no campo aberto, De poncho feito em frangalhos. Quando riscava os atalhos Do nosso destino incerto!

Deus te deu, como ao gaúcho Que jamais dobra o penacho, Essa de altivez de índio macho Que ostentas já quando pinto: E a diferença que sinto E que o guasca, bem ou mal!, Só luta por um ideal E tu brigas por instinto!

Por isso é que numa rinha Eu contigo sofro junto, Ao te ver quase defunto. De arrasto, quebrado e cego, Como quem diz: "Não me entrego, Sou galo, morro e não grito, Cumprindo o fado maldito Que desde a casca eu carrego!"

E ao te ver morrer peleando No teu destino cruel. Sem dar nem pedir quartel. Rude gaúcho emplumado. Meio triste, encabulado, Mil vezes me perguntei Por que é que não me boleei Pra morrer no teu costado?

Porque na rinha da vida Já me bastava um empate! Pois cheguei no arremate Batido, sem bico e torto . E só me resta o conforto Como a ti, galo de rinha, Que se alguém dobrar-me a espinha Há de ser depois de morto!335

335 BRAUN. Jayme Caetano. De fogão em fogão. Porto Alegre: Sulina. 1979. O áudio pode ser conferido através do link: 218

A poesia, que utiliza muitos elementos da linguagem dita como tradicional pampeira, é um trágico drama em que compara o homem gaúcho — muito importante frisar o papel de gênero — ao galo de briga. Ambos, devem lutar com valentia e brio, mesmo em face a qualquer adversidade.336 Retomando os rinhadeiros do Rio Grande do Sul, Teixeira, em artigo publicado na revista Horizontes Antropológicos,337 sobre o rinhadeiro denominado como Bankiva, escreveu que "o rinhedeiro, pertencente à Sociedade Avícola Bankiva, situa-se num bairro residencial/comercial, que pode ser caracterizado como de classe média, próximo à área central da cidade." Leal oferece maiores detalhes sobre a Sociedade sediada em Porto Alegre:

O rinhadeiro é um grande edifício fechado, uma espécie de ginásio de esporte onde acontecem as brigas de galos. Do lado de fora não vemos sinais que indiquem que este é um lugar de rinhas de galos ou de uma sociedade de galistas. Às vezes ele é construído atrás de uma loja ou um restaurante, e exceto por um súbito afluxo de pessoas nos fins de semana, nada chama nossa atenção para este lugar. Este ginásio tem um grande espaço interno sem paredes que a dividem completamente. Em diferentes pontos do edifício diversas atividades prosseguem ao mesmo tempo. O que é mais marcante ao entrar num rinhadeiro é o contraste entre os galos e o enorme espaço ao redor deles, e para a realização imediata que se tem penetrado em um domínio totalmente masculino.338

336 Para um aprofundamento sobre o assunto e as questões de gênero, sugiro a leitura de LEAL, TEIXEIRA e SILVA. 337 TEIXEIRA, 1997, p.226. 338 LEAL, op.cit., p.217-8. The rinhadeiro is a large enclosed building, a sort of sport gymnasium where the cockfights take place. From the outside we do not see any sign indicating that this is a cockfighting place or a cockers’ society. Sometimes it is built behind a store or a restaurant, and except for a sudden influx of people on weekends, nothing calls our attention to this place. This gym is a large space with no full interior dividing walls; in the different points of the building many different activities go on at the same time. What is most striking upon entering a rinhadeiro is the contrast between the cocks and the enormous space around them, and the immediate realization that one has penetrated into a totally male domain. (Tradução livre do autor) 219

Leal expõe um fato chave, que é a busca pelo anonimato desses lugares, mesmo localizados em áreas urbanas, sua presença só é notada através de um olhar mais apurado e interessado. A autora também oferece uma esquete do rinhadeiro, como já havia comentado Elias:

Figura 33 - Esquete do Rinhadeiro Clube Bankiva

Fonte: LEAL, in: DUNDES, op. cit., p.219.

220

Se Porto Alegre tinha o Clube Bankiva, a cidade de Pelotas, em contraposição, tinha como rinhadeiro o Calcutá (outra raça de galos combatentes), localizado, assim como em Porto Alegre, em área central. Elias descreveu:

Em Pelotas, situado à Rua Sete de Setembro, no centro da cidade, encontra-se a Sociedade Avícola Calcutá. O rinhadeiro é muito antigo e tradicional e já se chamou Sociedade Esportiva Clube Calcutá denominação substituída pela anterior em 24-05- 81 em Assembleia realizada na mesma data.339

Para completar, não poderia deixar de mencionar o Estado de Santa Catarina, mais especificadamente Florianópolis, já que esta tese tem sido escrita nesta cidade. Mesmo Florianópolis não sendo uma das cidades de grande destaque no cenário nacional, quando se trata de brigas de galos, possuo, como já deixei claro em outros momentos, um conhecimento e produção escrita sobre as rinhas de galos na Grande Florianópolis, tema ao qual pesquisei em minha dissertação de mestrado. Naquela pesquisa, tive um contato mais próximo com os praticantes das rinhas na referida região e busquei desenvolver a escrita com base em depoimentos, os quais agora tento retomá-los, afim de complementar a construção desse panorama histórico das rinhas de galos no Brasil. Assim, nos depoimentos realizados no ano de 2011, e que tiveram como alvo galistas ou ex-galistas, a maioria com mais de 50 anos de idade, um dos questionamentos era acerca da existência de rinhadeiros no que veio a se tornar o centro urbano da cidade, principalmente na segunda metade do século XX. Enquanto a maioria sequer mencionou a existência dessa atividade nesta parte da cidade, dois senhores relataram a existência de rinhadeiros no Centro, sendo que ambos depoentes tinham mais de setenta anos, na época. Um deles, Sandro, morador de Palhoça (cidade da região metropolitana), quando perguntado sobre a existência da “rinha grande”, contou:

Existia. Aqui nós tínhamos o Centro Esportivo Catarinense. Era uma sociedade que funcionava na Ilha, primeiro na [Avenida] Mauro Ramos, depois foi vendido o terreno, aí foi para debaixo

339 ELIAS, op. cit., p.132. 221

da ponte, ao lado da [Ponte] Hercílio Luz. Depois [...] foi construída a sede lá em Barreiros, na antiga estadual (Rua Heriberto Hülse, município de São José, também na região metropolitana de Florianópolis, grifo meu). Então, nessa época, era uma das melhores rinhas do Sul do Brasil. Se encontrava todo o pessoal de Curitiba, Ponta Grossa, Paranaguá, Araranguá, Porto Alegre, Lages, Chapecó... Se encontrava os magnatas nos torneios e aí rolava pesado. E quando não havia esses encontros para torneios, participava todo mundo, era pobre, era rico e não havia problema. Fazia por 20, por 5 e era um jogo só para testar os animais.340

Se for traçada uma linha buscando uma continuidade para as rinhas de galos em Florianópolis, é possível perceber que, cada vez mais, ela se distanciava do Centro urbano. Desde os relatos apresentados por Osvaldo Rodrigues Cabral, que remontam ao século XIX, quando o centro galístico era localizado na Pedreira, um bairro limítrofe da cidade na época, e no depoimento acima, quando já menciona o rinhadeiro na Avenida Mauro Ramos. Essa, concluída na década de 1930, do século XX, também se apresentava como uma região limítrofe e, mesmo até hoje, uma fronteira que marca profundos antagonismos. De um lado a Florianópolis plana, branca, higienizada, para uma Florianópolis do morro, dos pobres e dos negros, aqueles que, frequentemente, não fazem parte dos planos estatais de integração. Isso, no entanto, não me permite afirmar que esses rinhadeiros são propriamente um espaço pertencente às pessoas dessas áreas, como é fácil perceber nas várias descrições sobre eles, o alto volume de apostas e a distância percorrida pelos galistas para chegar a esses lugares. Parece que, os praticantes dessa atividade também buscam lugares periféricos, ou limítrofes, exatamente pela baixa pressão exercida pela especulação imobiliária, como também pelos olhares de estranhamento. Dário, outro depoente, morador de São José (cidade vizinha a Florianópolis), também mencionou a existência de rinhadeiros no Centro da cidade, num passado um pouco distante, como disse:

Em Florianópolis tinha a rinha grande, não é? A gente ia na grande e na pequena. Teve a grande lá

340 SANDRO, 2011. 222

em baixo da ponte [Hercílio Luz], teve no Granadeiro. Foi ali no Estreito perto do Hospital Florianópolis, mas quem ia na grande era porque tinha que ter grana. Na pequena era mais fácil. Na pequena a gente botava um galinho e jogava pouco, na grande não dava pra fazer isso.341

As dúvidas sobre a localização desse rinhadeiro acabaram por me gerar mais questionamentos, foi, então, que investi na busca de mais detalhes a respeito do mesmo. Ao perguntá-lo, se, por ventura, recordava em que época existiu cada um e seus respectivos locais, o depoente complementou:

Ali no Estreito foi um bocado de anos. Depois foi pro Granadeiro, durante vários anos, de dez anos para cima. Depois foi pra debaixo da ponte e ali esteve por mais de dez anos. Depois foi pra Serraria e ali teve até agora quando trancaram.342

Buscando ainda mais detalhes, retomei um diálogo com um senhor que já tinha me concedido um depoimento. Neste novo depoimento, Antonio, antigo presidente do Centro Esportivo Catarinense, após eu lhe expor a situação de que dois depoentes haviam mencionado sobre a “rinha grande”, tendo duas sedes no Centro de Florianópolis, detalhadamente contou:

Quem lhe passou as informações conhece a história do Centro Esportivo Catarinense, fundado em 10 de março de 1958, e tinha por sede um galpão que ficava atrás da sede da Sociedade Carnavalesca Granadeiros da Ilha, na Avenida Mauro Ramos (hoje em frente do Instituto [Federal] de Educação). Após isso, o prefeito de Florianópolis, Dib Cherem, concedeu a permissão de uso de um terreno do município localizado na Rua Almirante Lamego, em baixo da Ponte Hercílio Luz, cujo terreno, em 1972, a Prefeitura Municipal tomou de volta para o alargamento da rua (hoje esse terreno não existe mais, foi todo tomado nesse alargamento da rua), a Prefeitura indenizou as benfeitorias construídas nesse

341 DARIO, 2011. 342 Ibidem. 223

imóvel. Com o dinheiro dessa indenização, Cr$ 20.000,00, compramos um terreno na Serraria, São José, na Rua Heriberto Hülse nº 4.420, onde foi construída a nova sede. Para a conclusão da mesma foi feita uma operação hipotecária junto a Caixa Econômica Estadual (hoje não existe mais), assim foi terminada a construção da nova sede em 1973, sendo responsável técnico pela construção o engenheiro Civil Osny Berreta, sendo expedido o Certificado de anotação de responsabilidade Técnica nº 60, pelo CREA da 10ª Região em 23.01.1973.343

Através desse e dos demais depoimentos foi possível observar como os locais de rinhas de galos se relacionam com os espaços, como a pressão imobiliária e a higienização. À medida que estas avançam, fazem pressão sobre certas áreas e práticas ali existentes. Algumas práticas são submetidas a ações mais violentas por parte daqueles que ocupam espaços no poder público, principalmente quando são práticas mais populares. Outras práticas, como foi o caso das brigas de galos no Centro de Florianópolis, foram apenas convidadas a se retirar ou fazer algum tipo de acordo para mudar de lugar, inclusive ocuparam espaços cedidos por órgãos estatais e indenizadas, quando foi necessário mudarem de lugar. No caso florianopolitano, ao contrário de outras capitais, os rinhadeiros não tiveram muita duração em um mesmo lugar, muito em função das várias transformações urbanas pela qual passou a região central da cidade. Foi, então, após 1972, que o rinhadeiro da associação se retira do Centro e busca, na cidade vizinha de São José, na parte continental, um novo local para se instalar. O bairro, conhecido como Serraria, era ainda bastante marcado pelo rural e bem afastado das áreas limítrofes, o que poderia lhe proporcionar uma existência mais duradoura, isso se as rinhas ainda fossem legalizadas. Sobre este último rinhadeiro, construído de forma a abrigar exclusivamente rinhas de galos, uma reportagem do jornal O Estado, de 16 de novembro de 1975, escrita pelo jornalista Raimundo Caruso e intitulada “Um milhão no meu galo!” traz mais detalhes sobre o Centro Esportivo Catarinense, conforme se lê:

343 ANTONIO, 2011. 224

Por fora o prédio é igual a um clube de danças. Alto, limpo, branco, e com um pátio de estacionamento na frente. Os carros são caros, a entrada livre, pública. Na porta, porém, já a primeira surpresa: uma balança marca Filizola de cinco quilos de capacidade. Em frente, um armário circular, alto, com 88 gaiolas, pequenos compartimentos onde se acomodam os galos antes da briga. No fundo, um pequeno restaurante, onde são servidos principalmente frangos de granja assados com farofa. No centro do salão, em forma de teatro de arena, circular, com três filas de cadeiras superpostas, a rinha maior, o tambor, forrado com feltro verde. Sexta-feira passada, o Centro Esportivo Catarinense estava lotado somente pela metade. Umas cinquenta pessoas. As brigas foram programadas de surpresa e às 20 horas, já haviam lutado oito galos.344

Como o depoente Antonio já havia detalhado, tratava-se de um espaço construído exclusivamente para abrigar o rinhadeiro da Sociedade e, como tal, deveria proporcionar um ambiente adequado para receber torneios e galistas de outras cidades e estados. Um ambiente adequado, nesse caso, deve contemplar estacionamento para os galistas, lanchonete ou restaurante, para que ninguém precise sair do local e atrasar os combates (obviamente a venda de comida e bebida é uma das rendas importantes do estabelecimento), assentos suficientes para galistas, tratadores, e o público, tambores de dimensões maiores que os de rinhadeiros pequenos, pias e água para lavar os galos nos intervalos e gaiolas para alojar a quantidade de galos estimados para um torneio. No caso, este rinhadeiro possuía 88 alojamentos no anel que formava as arquibancadas do tambor principal, o que poderia significar, em teoria, 44 combates, desde que todos os galos formassem os pares (parelha), o que de fato nunca acontece, pois alguns galos acabam não formando parelhas em decorrência do peso, da altura ou porque os proprietários não chegam a um acordo. Como é previsto que nem todos os galos farão duplas, de fato, 88 alojamentos para galos podem ser poucos para um torneio, outrora, este rinhadeiro contava com mais alojamentos nas laterais. Um torneio desses, organizado por uma sociedade galística pode contar com a

344 RAIMUNDO CARUSO (Florianópolis). "Um milhão no meu galo!". O Estado. Florianópolis, p. 32. 16 nov. 1975. 225

participação de uma centena de galistas, fora o público que acompanha como espectador e apostador, então, é provável que nos dias de torneio poderia haver um fluxo entre 200 a 500 pessoas. Ou em Recife, como já mencionado, com público próximo a oitocentas pessoas. Como os galistas podem levar quantos galos quiserem, isso significa uma quantidade considerável de combates, que se estendem durante um dia todo, entrando madrugada adentro, ou mesmo mais de um dia de combates. Assim como era comum que os torneios fossem marcados próximo a algum feriado mais prolongado (sete de setembro, doze de outubro, quinze de novembro, etc.). Poderiam iniciar numa quinta ou sexta feira e se prolongar durante o final de semana. O entusiasmo maior sempre é marcado pela abertura da competição, quando todos precisam estar presentes para a pesagem dos galos e formação das parelhas. Com o passar dos dias e dos combates, o fluxo de pessoas diminui. Isso pode ser atribuído ao fato de alguns que já brigaram seus galos, ou à exaustão ou perdas financeiras, que além de apostas podem incluir gastos com viagem, hospedagem, alimentação, cuidados com os animais, etc. Quanto à reportagem, o fato de ser uma rinha "surpresa" com lotação pela metade, significa não se tratar de um torneio, mas uma decisão próxima à data para a realização de rinhas pelos galistas da região. Apesar da existência do Centro Esportivo Catarinense, de um rinhadeiro exclusivo, Florianópolis não detinha o rinhadeiro com maior destaque de Santa Catarina. Outros lugares, como Camboriú e Chapecó, também possuíram rinhadeiros considerados em grau de equivalência ou mesmo superiores ao da capital. Até agora busquei fazer uma descrição de como se estabeleceram e como estavam distribuídos os principais rinhadeiros do país, no período em que as rinhas de galos eram toleradas pelas autoridades e não eram vistas como um problema. No entanto, a situação dos rinhadeiros ganha outros contornos, a partir de fins da década de 1990 e início dos anos 2000, notadamente entre 1998, com a criação do código ambiental, e o caso Duda Mendonça em outubro de 2004. A partir de agora, tento descrever um pouco das implicações factuais na prática das brigas de galos.

226

3.2. Legislação, proibição e punição: as brigas de galos até 2004.

Com relação à legislação, esta se apresentou como confusa e ineficaz durante muito tempo, pois as leis não eram aplicadas, ou a interpretação delas não identificava que deveria haver um esforço no sentido de fechar os rinhadeiros. Pelo contrário, mesmo após a lei de Regulamento das Casas de Diversões Públicas, em 1924, e a lei Juarez Távora, de 1934, como apresentei até agora, os rinhadeiros permaneceram nos centros urbanos com a condição de qualquer outro clube ou associação. Essas entidades possuíam sócios, sede própria ou alugada, estatuto, e mesmo Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ). Tinha entrada pública, na maioria mediante à cobrança de um ingresso. Então, por que, mesmo o artigo 3º do código de 1934, prevendo tratar de algo ilegal (Consideram-se maus tratos, item XXIX: Realizar ou promover lutas entre animais da mesma espécie ou de espécie diferente, touradas e simulacros de touradas, ainda mesmo em lugar privado;"), as rinhas continuaram da mesma maneira e sequer foram relegadas à condição de clandestinas? Muitas considerações podem ser feitas acerca disso. A começar pela interpretação, que não as considerava como cruéis, desde um desinteresse e incapacidade dos poderes institucionalizados em buscar a efetivação da lei. Passando pelo fato de que, os encarregados de fazer cumprir as leis, poderiam ser exatamente os mesmos que praticavam e frequentavam esses lugares. Associada a quase inexistência de cobranças ou de pressão política e social para o "cumprimento" da lei. De fato, uma lei ou um decreto são posteriores a algo que já existia, ou seja, não se proíbe algo que não existe. E quando se proíbe é porque existe algum tipo de contradição ou conflito, pelos quais os grupos dominantes buscam impor sua visão, mesmo que de forma pouco transparente. Quanto à lei Juarez Távora, ela surge de forma a colocar todos os animais sobre tutela do Estado, mas, sobretudo, representam uma latente nova sensibilidade em relação aos animais. Inclusive, segundo o sítio eletrônico da União Internacional Protetora dos Animais (1895), o texto da lei teve participação de Affonso Vidal e João Caiaffa, dirigentes da entidade.345

345 UIPA (São Paulo - SP). União Internacional Protetora dos Animais. 2017. Disponível em: . Acesso em: 26 abr. 2017. 227

Todavia, parece não ter efeito nenhum sobre as brigas de galos. Talvez por não haver um tipo de opinião pública suficientemente ativa em denunciar a prática. Pelo contrário, uma grande parte era adepta e, quem não era, pouco se preocupava com os galos. No máximo, com as apostas. É preciso entender que, apesar das leis dizerem muitas coisas, elas nem sempre podem ser apropriadas pelo historiador como uma fonte conclusiva, ou mesmo um fato histórico. No caso dessa lei, é possível extrair aquilo que ela representa em determinado período histórico. Em específico, no período muito próximo à crise de 1929, observa-se um crescente papel de protagonismo dos Estados Nacionais, como resposta ao liberalismo, que havia levado boa parte do mundo capitalista ao caos econômico e social. Este crescente papel do Estado na organização, não esteve restrito somente à economia, mas também à sociedade e às práticas culturais. No Brasil, esta centralização esteve ancorada na figura do presidente Getúlio Vargas e, no período em esteve a frente do governo (1930-1945 e 1951-1954), uma série de regulamentações são publicadas nos mais diversos sentidos e tendo como principal finalidade impor o controle estatal nos mais diversos fins. Também a lei de contravenções penais, de 1941, é da era Vargas, e colocava as apostas em jogos de azar (não obstante, muitos galistas afirmam não se tratar de um jogo de azar) não regulamentadas como algo punível. No entanto, também se mostrou uma lei de pouca ou nenhuma eficácia em relação às brigas de galos. Entende-se, portanto, que não é nenhuma exclusividade do Brasil este distanciamento entre lei e ação. Mesmo na Inglaterra, onde as rinhas foram proibidas em 1849, ainda no final do século XIX e até meados do século XX, elas seguiram existindo com muitos adeptos. Em 1891, o galista Herbert Atkinson publicou um livro sobre o esporte inglês. Em 1928, A. C. Dingwall publicou seu manual de como reabilitar galos de combate. Em 1957, Scott publica o The History of Cockfighting, que apesar de uma história geral sobre as brigas de galos, acaba por incidir seu interesse sobre a Inglaterra. Até no século XXI não é incomum, o que pode ser constatado conforme notícia do "The Guardian" sobre a apreensão de 14 pessoas praticando brigas de galos, na cidade de Lancaster, no ano de 2001.346

346 GILLAN, Audrey. (Reino Unido). Police arrest 14 in raid on cockfight: RSPCA finds nine dead birds at cockpit in disused warehouse. The Guardian, 2001. Disponível em: . Acesso em: 29 abr. 2017. 228

Muitos outros países também possuem legislação proibitiva, todavia, não existe qualquer tipo de fiscalização ou punição. Casos como Argentina, Uruguai e Chile, por exemplo. Cuba teve as rinhas proibidas com a revolução em 1959, porém, anos mais tarde, as lutas voltaram a ser permitidas com aval do Estado, interessado em exportar aves para outros países da América Central, México, Estados Unidos e Espanha. De fato, boa parte das leis de um país podem não possuir utilidades, a não ser quando é preciso fazer uso político delas. Assim ocorreu com Jânio Quadros, enquanto governador e, posteriormente, como presidente da república, ao proibir expressamente as brigas de galos. Da mesma forma, Tancredo Neves, enquanto primeiro-ministro da curta experiência parlamentarista (1961-1963), fez uso político ao revogar o decreto de Quadros. Aliás, várias fontes indicam que Tancredo Neves era um galista. Francisco Elias inclui seu nome entre os praticantes da atividade,347 assim com em uma reportagem da revista Veja, de agosto de 1972, intitulada "O tempo das brigas de galos"348. Mas o assunto brigas de galos não se encerra por aí. Repetidas vezes o assunto surge nas tribunas do Congresso Nacional ou das Assembleias Estaduais e, não raro, algumas figuras políticas se colocam como representantes de galistas ou, de maneira contrária, a favor de sociedades protetoras de animais. Emile Boudens (1934-2012),349 consultor da câmara dos deputados, redigiu um livro com base em relatórios produzidos a respeito das brigas de galos nas diversas vezes em que o tema foi abordado pelo legislativo nacional. No livro "Briga de Galos nunca mais?", afirma que, diversas vezes, houve tentativas de alterar a lei em relação às brigas de galos. Entre os projetos de lei, o autor cita:

Projeto de Lei n° 3.865/66 (deputado Pedroso Júnior), encaminhado às Comissões de Constituição e Justiça e de Agricultura e Política Rural; Projeto de Lei n° 420/75 (deputado Expedito Zanotti), examinado pela Comissão de Constituição e Justiça e de Redação quanto à constitucionalidade, juridicidade, técnica legislativa e mérito; Projeto de Lei n° 3.500/77, do

347 ELIAS, op. cit., p. 361. 348 VEJA. O tempo das brigas de galo. São Paulo, 02 ago. 1972. Comportamento, p. 53-55. 349 Emile Paulus Johannes Boudens, licenciado em Filosofia (Faculdade Dom Bosco de Filosofia, Ciências e Letras de São João Del Rei - MG, 1973); foi consultor legislativo entre 1991 e 2003, com atuação na Área de Educação, Cultura, Desporto, Ciência e Tecnologia. 229

deputado Minoru Massuda, também apreciado pela Comissão de Constituição e Justiça, com exclusividade. Os Projetos de Lei n° 1.500 (deputado Hênio Romagnolli) e n° 1.776 (deputado Pedro Marão), ambos de 1968, não chegaram a ser distribuídos a qualquer comissão técnica.350

Antes de tudo, preciso fazer destaque ao brilhante título ao qual Boudens dá ao seu livro. Apesar de as brigas de galos serem consideradas proibidas, conforme a legislação ambiental, a interrogação é uma clara menção à discussão que não se encerra tão fácil. Volta e meia retorna à pauta, seja através dos noticiários ou quando algum parlamentar levanta novamente a questão. Conforme Boudens, em 1966, quatro anos após Tancredo permitir as brigas de galos, o deputado paulista Pedroso Júnior, filiado ao partido Movimento Democrático Brasileiro (MDB), apresentou um projeto de lei no sentido de legalizar e disciplinar a prática. Para tanto o projeto previa algumas medidas, como a realização em espaços fechados e entrada para maiores de 21 anos.351 Neste mesmo viés, com poucas alterações, houve os casos dos projetos de lei de 1968. O primeiro,352 do deputado paranaense Henio Romagnolli (1928-1982), membro do partido político Aliança Renovadora Nacional (ARENA), e o segundo,353 do também do paulista e emedebista, Pedro Marão (1918-1983). Ambos foram arquivados pela mesa diretora da câmara, em setembro de 1970. Já o deputado Expedito Zanotti (1930-2012), do MDB do Paraná, conforme os verbetes do Centro de Pesquisa e Documentação de

350 BOUDENS, op. cit., p.27. 351 BRASIL. Congresso. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei nº 3.865, de 24 de agosto de 1966. Autoriza a Realização de Brigas de Galo e Apostas em Clubes Fechados. Brasília, DF: Diário do Congresso Nacional, ago. 1966. n. 111, Seção 1, p. 5323. Disponível em: . Acesso em: 01 maio 2016. 352 BRASIL. Congresso. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei nº 1.500, de 28 de junho de 1968. Autoriza a realização de brigas de galo em todo o território nacional. Brasília, DF: Disponível em: .Acesso em:01 maio 2016. 353 BRASIL. Congresso. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei nº 1.776, de 19 de outubro de 1968. Autoriza a realização de brigas de galo e apostas em clubes fechados e dá outras providências. Brasília, DF: Diário do Congresso Nacional, out. 1966. n. 124, Seção 1, p. 7357- 8. Disponível em: . Acesso em: 01 maio 2016. 230

História Contemporânea do Brasil (CPDOC), órgão da Fundação Getulio Vargas, "conseguiu destaque nacional com sua posição em defesa de 'brigas de galos', tendo apresentado um projeto de lei que permitia este tipo de atividade."354 Seu projeto de lei, apresentado em 1975, propôs um tipo de compensação por parte dos organizadores das lutas, como, exemplifica o próprio teor do projeto no seu segundo artigo: "Do resultado financeiro obtido com a exploração das rinhas de "brigas de galos", pelo menos cinquenta por cento (50%) serão aplicados em atividades de assistência social, a cargo das próprias entidades, mas sob fiscalização permanente do poder público."355 Em 1976, o deputado federal fluminense Daso Coimbra (1926- 2007), naquele momento filiado a ARENA, partido que dava sustentação ao Regime Civil-Militar, apresentou o Projeto de Lei Número 3.269/1976 e que tinha como objetivo proibir a realização de espetáculos cuja atração fosse a luta de animais. Entre elas, destacavam- se as brigas de galos. Como justificativa, alegou o deputado:

Todos sabemos que os animais existentes no País são tutelados do Estado. Dispositivo legal vigente existe proibindo e punindo os maus tratos infringidos a quaisquer animais, em lugar público ou privado. Entretanto, são toleradas as lutas entre animais muitas vezes estas estimuladas pelo homem, fato que não se pode deixar de considerar como mau trato, a merecer punição. As lutas competitivas, denominadas "brigas de galo" se inscrevem como o mais forte exemplo de selvageria praticada contra animais, envolvendo apostas e jogos proibidos, sem limites à presença de menores, em locais públicos ou privados. Enquanto existem pessoas abnegadas, ciosas de suas responsabilidades na preservação da espécie animal, buscando o equilíbrio ecológico e o aproveitamento da vida animal no seu sentido

354 CPDOC (Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil). ZANOTTI, Expedito. Rio de Janeiro: FGV, 2009. (Biografias). Disponível em: . Acesso em: 01 maio 2016. 355 BRASIL. Congresso. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei nº 420, de 22 de maio de 1975. Dispõe sobre autorização para brigas de galos e dá outras providências. l. Brasília, DF:. Disponível em: . Acesso em: 01 maio 2016. 231

mais útil e proveitoso, outros, em menor número, sádicos e mercenários, levam ao sacrifício animais indefesos, na busca do lucro fácil e da satisfação de seus instintos selvagens. Por isso estamos apresentando o presente projeto de lei, proibindo, em todo território nacional, a realização ou promoção de espetáculos cuja atração constitua a luta entre animais da mesma espécie ou de espécies diferentes. A lei manda fechar os locais onde estejam funcionando os espetáculos que proíbe, independentemente de ordem da autoridade competente.356

Daso Coimbra, no ano anterior, juntamente com outros deputados da Comissão de Constituição e Justiça, por unanimidade, deu parecer favorável quanto à constitucionalidade da proposta, porém, o parecer foi negativo quanto ao mérito do projeto de Expedito Zanotto, que acabou, assim como os demais projetos, arquivado no mesmo ano. O projeto apresentado por Coimbra, no ano seguinte, acabou sendo anexado ao Projeto de Lei Número 635 de 1975, do poder executivo e sobre as contravenções penais. Esta última lei, em 1989, também acabou por ser arquivada. No ano seguinte, o deputado federal pelo estado de São Paulo, Minoru Massuda (1934-), integrante do MDB, apresentou o projeto de Lei 3.500 de 1977, com o objetivo de regulamentar e disciplinar as rinhas de galos. Entre suas alegações, o citado deputado afirma que a perseguição da Sociedade Protetora dos Animais estava colocando em risco a preservação dos galos combatentes. Supostamente, desde que Jânio Quadros fora governador, estas sociedades teriam entrado em propriedades de criadores e sacrificado animais, reduzindo, segundo o deputado, em 90% a quantidade de galos combatentes no estado de São Paulo. Entre as considerações, o deputado alega:

[...] a proibição das brigas de galos embora para os "falsos moralistas" constitua proteção aos galos, fins nobres, elevados e pacíficos, à luz das

356 BRASIL. Congresso. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei nº 3.269, de 1 de dezembro de 1976. "Proíbe a realização de espetáculos cuja atração seja a luta de animais e dá outras providências". Brasília, DF:. Disponível em: . Acesso em: 20 abr. 2016. 232

verdades que regem a natureza, é um ato da maior das crueldades, qual seja, a extinção da espécie, e afronta a lei de preservação e procriação, vinculado pela utilidade e justificada pela lei de Darwin, ferindo profundo a moral, haja vista que, sendo proibida a sua função utilitária com fechamento de rinhas (campeonato regulamentado), o único fator de preservação, foram postos a extinção forçada como consequência de consciente agressão intelectual contra ato instintivo do irracional coméstico e preservado por milênios que nunca fez mal a ninguém, nem ao próprio animal e que sempre exerceu a utilidade desportiva folclórica- recreativa, como fonte de descarga da agressividade humana (principalmente humildes), cujo gosto varia de pessoa para pessoa. Portanto, a "briga de galos" é salutar luta folclórica preservadora da espécie, cuja proibição é insaciável exploração da piedade por motivos inconfessáveis dos "falsos moralistas" que apreciam sarcástica e silenciosamente esse deprimente, cruel e monstruoso espetáculo da extinção total de galos combatentes, a "réplica do genocídio" que se estampa no Estado de São Paulo, ferindo profundo a moral, a tutela jurídica do art. 64 da Lei das Contravenções Penais, donde a necessidade da abertura regulamentada de briga de galos.357

O deputado Minoru Massuda, capitão da polícia militar, alectoromaquista, em discursos bastante confusos, na câmara federal, buscou afirmar que crueldade estava sendo praticada ao exterminar os galos de briga. Em seu projeto, apresentou, em anexo, um boletim de ocorrência de uma invasão de propriedade pelos protetores dos animais e o abate das aves que seriam utilizadas em rinha. Apesar de haver algum tipo de tentativa tanto para proibir, como para liberar, respectivamente nos anos de 1976 e 1977, nenhuma das leis chegou a ser votada, sendo que o projeto de lei de Massuda foi arquivado em 1979. Estes projetos, geralmente, acabavam não entrando

357 BRASIL. Congresso. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei nº 3.500, de 19 de abr. de 1977. "Permite a realização de brigas de galos e determina outras providências.". Brasília, DF:. Disponível em: . Acesso em: 20 abr. 2016. 233

em votação por não serem de interesse da maioria dos membros do legislativo, como é possível perceber na intervenção do deputado Inocêncio Oliveira (1938-) (ARENA) quando do discurso proferido por Minoru Massuda:

Permita-me, nobre Deputado Minoru Massuda. Venho protestar, em nome de todos os Parlamentares brasileiros, pelo fato de V. Exa trazer a esta Casa assunto tão pequeno. Quando enfrentamos sérios problemas econômicos, sociais e políticos, vem V. Exa cuidar de brigas de galo. Protesto contra a atitude de V. Exa. O eleitorado de São Paulo enviou V. Exa a esta Casa, e aqui V. Exa vem focalizar tema de tão reduzido interesse para o povo brasileiro.358

Continuaram, assim, as brigas de galos sujeitas a ações interventoras muito pontuais, predominando a quase completa anomia a respeito das mesmas. Mesmo que muitos acreditassem que as rinhas estavam submetidas a lei das contravenções penais, mais exatamente por causa das apostas, estas leis sempre permitiram interpretações imprecisas. Uma delas, citada por Massuda, entre os anexos do Projeto de Lei, apresentava:

[...] no seu Manual das Contravenções Penais, na página 250, o Desembargador Manoel da Costa Leite, afirma: "Não havendo quem explore o jogo, auferindo proveito, não há a figura contravencional". "Ocorre a aposta não ilícita, quando todos são apostadores, concorrendo com as mesmas possibilidades de ganho ou perda, não havendo contribuição ou percentagem ao organizador da aposta". E esclarece: "A lei, punindo a exploração ou estabelecimento do jogo de azar, exige, preliminar e principalmente, a existência de alguém que aufira lucros das "paradas dos apostadores" (fls. 247,

358 Galos Combatentes Maus Tratos. UIPA extermina galos combatentes desde 1956. 2012. Disponível em: . Acesso em: 02 maio 2017. 234

249, 250 - Manual da Contravenção Penal - Manuel Carlos C. Leite.359

Após isso, apenas a Constituição Federal, de 1988, vai se referir à crueldade animal, no artigo "Art. 225. onde se lê:

Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. §1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público: [...] VII – proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade."360

Apesar de a Constituição salientar a "crueldade" com animais, ela jamais especificou que tipos de condutas em relações aos animais seriam definidas como cruel. Afinal, o sistema produtivo agroindustrial não parece muito afetado pela doutrina proposta constitucionalmente. Por certo, a Constituição serve como base para as demais legislações, no entanto, continuou sem ser aplicada, ou a interpretação não enquadrava as brigas de galos como tal. Diante disto, não raro os galistas recorrem aos poderes instituídos de maneira a buscar algum tipo de proteção para a prática. Como o que aconteceu em Salvador, através da aprovação da Lei municipal Nº 4.149 de 1990 e, no município gaúcho de Quaraí, através da Lei N° 1.416 de 1995, que instituiu o “combate galístico como atividade de preservação das raças e aprimoramento zootécnico das aves usadas nesse esporte”.361 Alguns anos após, foi a vez do Projeto de Lei número 3.577 de 1993, no qual o deputado federal Jório de Barros, do PMDB do Espírito Santo, sugerira que a briga de galos fosse permitida em todo o território nacional “sob fiscalização permanente do Poder Público".362 O projeto

359 BRASIL, 1977. 360 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, de 05 de outubro de 1988. Disponível em: . Acesso em: 13 jun. 2014. 361 BOUDENS, op. cit., p.23. 362 Ibidem. p.7. 235

foi submetido à Comissão de Defesa do Consumidor, Meio Ambiente e Minorias, tendo voto favorável do relator, o deputado catarinense Valdir Colatto (1949-), (PMDB), contudo, quando distribuído na mesma comissão ao deputado goiano, e também peemedebista, Antônio de Jesus, este votou de forma contrária. Por fim, o projeto acabou sendo arquivado em princípios de 1995.363 Como apresentei até então, as rinhas de galos e os rinhadeiros não estavam sujeitas a muitos rigores, elas continuavam a existir e eram toleradas, perdurando, às vezes, por décadas nos mesmos lugares, com as principais associações tendo os rinhadeiros instalados, sem muitos constrangimentos, em áreas urbanas e, principalmente, nas grandes cidades se concentravam aqueles com mais prestígio. No entanto, os galistas passam a ver como ameaçada essa situação de permissão com a aprovação da Lei Nº 9.605, 12 de fevereiro de 1998, o Código Ambiental, que era um desdobramento do Artigo 225º da Constituição de 1988. No artigo 32º do Código Ambiental, a lei prevê:

"Praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticas ou domesticados, nativos ou exóticos" cominando aos seus infratores, pena privativa de liberdade de três meses a um ano e multa.364

A partir daí, com o estabelecimento de uma penalização, algumas movimentações nos bastidores políticos tentaram reverter ou amenizar o Código aprovado. Como exemplo, o deputado federal José Thomaz da Silva Nonô Netto (1947-),365 apresentou o Projeto de Lei Nº 4548 de 1998, no qual, segundo o sítio eletrônico da Câmara Federal, há a emenda que propõe "dar nova redação ao caput do art. 32 da Lei nº 9.605, de fevereiro de 1998, que 'dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio

363 BRASIL. Congresso. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei nº 3.577, de 17 de fev. de 1993. "Permite a realização de brigas de galo e dá outras providências.". Brasília, DF:. Disponível em: . Acesso em: 20 abr. 2016. 364 BRASIL. Lei 9.605, de 12 de fevereiro de 1998. "Dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, e dá outras providências". Disponível em: Acesso em: 10 ago. 2013. 365 Político com passagens PDS, 1982-1985; PFL, 1985-1991; PMDB, 1991-1995; PSDB, 1996-1999; PFL, 1999- (atualmente, DEM). Foi deputado federal por seis mandatos, e vice- governador de Alagoas entre 2007-2014. 236

ambiente, e dá outras providências'."366 Sendo que a explicação é "excluir das sanções penais a prática de atividade com animal doméstico ou domesticado."367 O referido projeto permaneceu tramitando por vários anos, quando em 2011, o Deputado Romero Rodrigues, PSDB da Paraíba, solicitou a inclusão na Ordem do Dia do Projeto de Lei nº 4548 de 1998, conforme publicou nos Diários da Câmara dos Deputados:

O Projeto de Lei nº 4548 de 1998 encontra-se pronta para a Ordem do Dia desta Casa, onde tramitou nos termos regimentais, tendo como objetivo excluir das sanções penais a prática de atividade com animal doméstico ou domesticado. É necessário adequar a redação do artigo 32 à realidade do país, sob pena de perpetuar uma situação de intranquilidade gerada por errônea interpretação da Lei nº 9.605. Em momento algum o legislador pretende vulnerar tradições existentes em nosso território ou, muito menos, constranger atividades que hoje se revestem de inegável relevância econômica, constituindo fator de geração de empregos notadamente no meio rural. Por todo o país abundam festividades que envolvem animais domésticos ou domesticados, profundamente entranhadas nas tradições e cultura populares, vez que remontem aos primórdios de nossa colonização. Na região nordestina, por exemplo, existem a vaquejada, a cavalhada e uma série de esportes análogos, cuja prática, evidentemente, a lei jamais pretendeu cercear. Tudo isso estaria em risco se a expressão “domésticos e domesticados”, que aqui se pretende subtrair do caput do artigo 32, for objeto de uma interpretação genérica e elástica. Com a aprovação da presente proposta, pretende- se adotar essa nova redação para clarificar a

366 BRASIL. Congresso. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei nº 4.548, de 02 de junho de 1998. "Dá Nova Redação Ao Caput do Artigo 32 da Lei Nº 9.605, de Fevereiro de 1998, Que "dispõe Sobre As Sanções Penais e Administrativas Derivadas de Condutas e Atividades Lesivas Ao Meio Ambiente e dá Outras Providências". Brasília, DF: Diário da Câmara dos Deputados, 02 jun. 1998. n. 093, p. 14906-14906. Disponível em: . Acesso em: 07 maio 2017. 367 Ibidem. 237

verdadeira intenção do legislador, coibindo interpretações abusivas, danosas ao interesse nacional e contrário ao senso comum, motivo pelo qual solicito o apoio dos meus pares no sentido de aprovarmos o presente requerimento. Sala das Sessões, 21 de junho de 2011.368

Em alguma medida, os grupos de praticantes de diferentes atividades, que podem ser interpretadas como maus tratos aos animais, têm dialogado com deputados federais e senadores em diferentes unidades da federação. A principal estratégia desses grupos é alterar as leis que são evocadas contra essas práticas. Ainda, após a criação do Código Ambiental, vários legislativos estaduais aprovaram leis para permitir ou dar segurança jurídica à continuidade dos rinhadeiros. No Estado do Rio de Janeiro, em 20 de março de 1998, — pouco mais de um mês após a aprovação do Código Ambiental — foi aprovada a Lei nº 2.895 de 1998,369 de autoria do deputado José Guilherme Godinho Sivuca Ferreira (1930-), delegado da polícia civil e, na época, filiado ao Partido Progressista Brasileiro (PPB). Ao que tudo indica, esta lei foi uma rápida resposta à legislação federal e representa, de maneira categórica, a influência dos galistas no poder público legislativo e executivo. Também é muito provável não se tratar de pequenos galistas, mas de pessoas com certa influência ou mesmo grupos com peso nas disputas eleitorais. Tanto é que, a própria lei concede à Federação Esportiva e de Preservação do Galo Combatente do Estado do Rio de Janeiro, o direito de, na forma estatutária, elaborar regulamentos anuais desta atividade esportiva. A lei também determina que a atividade disponha de alvará e permissão do Corpo de Bombeiros, conforme as normas de segurança, pagamento de taxa para tal, o acompanhamento de um médico- veterinário, respeitar distância de 80 metros entre Escolas, Igrejas ou Hospitais e o ingresso vedado a menores de 18 anos, exceto se acompanhados do responsável direto. Semelhantemente ao Rio de

368 BRASIL. Congresso. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei nº 4548, de 1998. Requerimento Nº 2.223, DE 2011. Diário da Câmara dos Deputados. v. 66, n. 108, p. 32074- 32074. Disponível em: . Acesso em: 30 abr. 2017. 369 RIO DE JANEIRO (Estado). Lei nº 2895 de 1998, de 23 de março de 1998. Autoriza a criação e a realização de exposições e competições entre aves das raças combatentes (fauna não silvestre) para preservar e defender o patrimônio genético da espécie gallus- gallus. Rio de Janeiro, RJ, Disponível em: . Acesso em: 29 abr. 2017. 238

Janeiro, o Estado do Rio Grande do Norte promulgou a Lei Nº 7.380, de 14 de dezembro de 1998.370 Destarte, no Estado de Santa Catarina, o conteúdo da lei é muito semelhante à fluminense e potiguar e foi promulgada como Lei Nº 11.366, de 04 de abril de 2000,371 de autoria do Deputado Altair Guidi (1937-), do Partido Popular Socialista (PPS),372 que pretendia normatizar a criação, exposição e competições entre aves combatentes da espécie “Galus-Galus". Juntamente a lei que permitiria as brigas de galos, foi aprovada pela Assembleia Legislativa a Lei Nº 11.365, de 04 de abril de 2000,373 que autorizava a atividade da farra do boi, de autoria do deputado Adelor Vieira (1947-)374. Entretanto, esta lei, ao contrário do código que permitia as lutas de galos, foi vetada pelo então governador Esperidião Amin (1947-), (PP), que reconheceu a inconstitucionalidade dela. Por mais que a Lei 11.366 tenha sido aprovada, não foi tão bem recebida por alguns membros do judiciário. Como, por exemplo, o juiz substituto da 1ª Vara Federal de Joinville, Emiliano Zapata de Miranda Leitão que, em outubro de 2001, proibiu o Estado de Santa Catarina de conceder autorizações para a realização de "rinhas de galo", prevista pela lei estadual nº 11.366/2000, que regula a criação, exposição e competições entre aves da espécie Galus Galus.375

370 RIO GRANDE DO NORTE (Estado). Lei nº 7.380, de 16 de dezembro de 1998. Autoriza A Criação, A Realização de Exposições e As Competições Entre Aves das Raças Combatentes (fauna Não Silvestre) Para Preservar e Defender O Patrimônio Genético da Espécie “gallus-gallus". Natal, RN: Diário Oficial do Estado do Rio Grande do Norte, 16 dez. 1998. p. 13-13. Disponível em: . Acesso em: 21 abr. 2017 STF (Ed.). AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 3.776 — RN. Revista Trimestral de Jurisprudência, Brasília, v. 202, n. 2, p.620-623, out. 2007. Trimestral. Disponível em: . Acesso em: 22 abr. 2017. 371 SANTA CATARINA (Estado). Lei nº 11366, de 04 de abril de 2000. Normatiza A Criação, Exposição e Competições Entre Aves Combatentes da Espécie “galus-galus” e Adota Outras Providências. Florianópolis, SC, Disponível em: . Acesso em: 07 nov. 2010. 372 Deputado Estadual em Santa Catarina durante cinco mandatos, com passagens por partidos como ARENA, PDS e PPS. 373 SANTA CATARINA (Estado). Lei nº 11365, de 04 de abril de 2000. Dispõe sobre a regulamentação da tradição açoriana conhecida como "farra do boi" em território Catarinense e estabelece outras providências. Florianópolis, SC, 08 out. 2015. Disponível em: . Acesso em: 24 abr. 2017. 374 Deputado Estadual e Federal com passagens por PFL, PMDB e PSC. 375 Tribunal Regional Federal da 4ª Região (Porto Alegre-RS). Justiça Federal. Governo de Santa Catarina não pode autorizar rinhas de galo. 2001. Disponível em: 239

O texto segue afirmando que "a decisão tem eficácia nos 19 municípios abrangidos pela Circunscrição Judiciária de Joinville. Para o magistrado, mesmo que se considere a "rinha de galo" uma manifestação cultural, a proibição constitucional não pode ser ignorada."376 Apesar de todo problema jurídico gerado a partir do Código Ambiental e as leis estaduais que se propuseram a rebater o citado código, os rinhadeiros e as rinhas em si continuaram a ser praticados da mesma maneira e nos mesmos locais. O fato que marca a ruptura em relação à atividade das brigas de galos no Brasil foi a Polícia Federal ter encontrado em flagrante o publicitário Duda Mendonça, praticando brigas de galos na cidade do Rio de Janeiro, no Clube Privê Cinco Estrelas, no dia 21 de outubro de 2004. De acordo com o jornal A Folha de São Paulo, em uma notícia publicada no mesmo dia e intitulada "PF prende Duda Mendonça em ‘briga de galo’ no Rio"377:

[...] o publicitário Duda Mendonça, responsável pela campanha do PT em São Paulo, foi preso em flagrante na noite desta quinta-feira durante uma operação da Polícia Federal de repressão às rinhas de galo num sítio entre Recreio dos Bandeirantes e Jacarepaguá, zona oeste do Rio de Janeiro. De acordo com a Polícia Federal, mais de 200 pessoas estavam no local, entre elas o vereador reeleito no Rio pelo PT, Jorge Babu. Eles devem ser encaminhados à sede da Superintendência da PF na praça Mauá (região central).378

A operação foi batizada de Rudis, em referência a uma espada de madeira que era oferecida como sinal de liberdade, conquistada pelos gladiadores na Roma Antiga, após terem vencido ou sobrevivido a vários combates, conforme contou o delegado que coordenou da operação. Segundo ele, responsável pela delegacia de crimes ambientais do Rio de Janeiro, a operação foi deflagrada em função de denúncias das

. Acesso em: 10 out. 2016. 376 Ibidem. 377 LAGE, Janaína; SPITZ, Clarice. PF prende Duda Mendonça em "briga de galo" no Rio. Folha de São Paulo. São Paulo. 21 out. 2004. Disponível em: . Acesso em: 17 set. 2013. 378 Ibidem. 240

sociedades protetoras dos animais.379 A partir de então começaram a investigar as rinhas de galos no Rio de Janeiro. Em entrevista ao Programa Polícia Cidadã380, concedida aos também delegados e âncoras do programa Marcelo Itagiba (1956-)381 e Clayton Bezerra, o ex- delegado Antônio Carlos Rayol (1956-) conta:

Nós fomos investigar essa denúncia e descobrimos que era a maior briga de galos do país. Era chamada Maracanã das rinhas de galos. Clube Privê Cinco Estrelas, ali na Barra da Tijuca, muito próximo de onde era o autódromo. Nós começamos a investigar aquilo ali e começamos a perceber que era frequentado por pessoas poderosas. E aí, qual era o nosso objetivo? Existiam várias brigas de galos no Rio de Janeiro naquela época, essa era a maior do Brasil. Como não tínhamos condição de reprimir a todas ao mesmo tempo, vamos utilizar uma tática militar, vamos pegar logo a mais forte. E mandar um sinal: se estamos pegando aqui, a mais poderosa, significa que nós vamos atrás de vocês todos.382

379 Delegado Rayol explica a prisão de Duda Mendonça em rinha de galos durante a Operação RUDIS. Produção Polícia Federal. Coordenação de Marcelo Itagiba. Rio de Janeiro: Polícia Cidadã, 2016. (28 min.), digital, son., color. Série Grande Investigações. Disponível em: . Acesso em: 11 maios 2017. 380 O Programa Polícia Cidadã, lançado em 2016 por membros da Polícia Federal, e traz entrevistas com delegados, membros do judiciário e também algumas personalidades tais como Miguel Reale Júnior, Ives Gandra, Beatriz Kicis do grupo Revoltados Online, entre outras. Os conteúdos estão disponíveis através do site: SINDICATO DE DELEGADOS DE POLÍCIA FEDERAL. Polícia Federal Cidadã: Aqui, a sociedade tem mais voz. Disponível em: . Acesso em: 17 maio 2017, ou pelo canal do Youtube: Para maiores informações complementares acessar: TOGNOLLI, Claudio Julio. Artigo 5º: Delegados federais lançam revista para discutir a PF. Conjur. São Paulo. 07 ago. 2012. Disponível em: . Acesso em: 11 maio 2017. 381 Marcelo Zaturansky Nogueira Itagiba, PMDB (2003-2009), PSDB (2009-), deputado federal entre 2007-2011. Foi assessor no Ministério da Saúde durante a gestão de Fernando Henrique Cardoso. É amigo pessoal do ex-ministro e ex-governador do Estado de São Paulo, José Serra. 382 Delegado Rayol explica a prisão de Duda Mendonça em rinha de galos durante a Operação RUDIS. Produção Polícia Federal. Coordenação de Clayton Bezerra (Presidente do Sindicato dos Delegados de Polícia Federal - RJ). Clayton Bezerra (âncora), delegado Marcelo Itagiba (âncora). Rio de Janeiro: Polícia Cidadã, 2016. (28 min.), digital, son., color. Série Grande Investigações. Disponível em: . Acesso em: 11 maio 2017. 241

A reportagem da Folha, assim como outras empresas da mídia, ficaram extasiadas com a operação, principalmente porque o marqueteiro do presidente estava lá, e também um vereador carioca do Partido dos Trabalhadores. No entanto, nenhuma das outras "pessoas poderosas", como disse o delegado, foi mencionada pelos jornais. Ou seja, houve uma escolha política sobre o que seria evidenciado e o que seria ocultado. Outro fato a se estranhar, é a constante utilização do adjetivo "poderosas" por parte de um delegado federal e de um ex- deputado, como no caso do Itagiba, como se eles também não pertencessem a algum grupo com influência. A matéria deu destaque ao fato de se tratar de um crime ambiental, o que poderia levar à cobrança de multa e mesmo à detenção entre três meses e um ano. No entanto, o agravante poderia se dar, caso também considerassem o ocorrido como formação de quadrilha, como apontou a mesma reportagem:

De acordo com o delegado-substituto e chefe do setor de Inteligência da Polícia Federal, Lorenzo Pompilio da Hora, 45, Duda Mendonça poderá responder também por formação de quadrilha, conforme prevê o Código Penal.383

Finalizando a reportagem, a notícia apresentou uma declaração de Duda Mendonça:

Aos jornalistas, Duda Mendonça declarou não ter vergonha de nada, disse se tratar de um hobby antigo e que não estava fazendo nada de errado. "O Brasil todo sabe que eu gosto de rinha de galo e sabe que esse é o meu hobby", disse.384

O caso Duda Mendonça é um dos primeiros casos emblemáticos de espetacularização de um fato para usos políticos, após a ascensão de Lula à presidência da república. Utiliza-se de uma lei, até então não aplicada, para desmoralizar adversários políticos. Em outros casos, até mesmo se criam leis para isso, como de certa maneira aconteceu em 1961, através do decreto de Jânio Quadros, mas que, por sua vez, parece ter tido um efeito reverso. Muito embora a formação de um código jurídico que trata do tema se encontre baseado em elementos relacionados às sensibilidades,

383 LAGE, Janaína; SPITZ, Clarice. op. cit. 384 Ibidem. 242

aos direitos dos animais ou à ecologia, aqui, trata-se absolutamente de uma questão de poder. De um lado existia uma prática que se arrastava por mais de meio século, entre a legalidade e ilegalidade. Quando foi conveniente, para certos grupos políticos, a lei foi invocada. Em relação à operação Rudis, a ação da Polícia Federal, coordenada pelo delegado Rayol, logo foi recebida com desconfiança pelo Planalto. Suspeitou-se de uma possível armação entre o delegado, pelo fato de ser amigo de Marcelo Itagiba que, por sua vez, era amigo de José Serra, o qual, naquele momento, concorria à prefeitura de São Paulo contra o Partido dos Trabalhadores, para quem Duda Mendonça oferecia serviços de publicidade na ocasião. Ainda que o delegado negue essa teoria da conspiração, e mesmo que confirmasse, é possível que nada alteraria o rumo dos fatos. Por outro lado, tomo a liberdade de refletir e questionar sobre várias coincidências, muito comuns dentro da Polícia Federal e mesmo do judiciário brasileiro. O delegado Rayol, posteriormente (fevereiro de 2015), se filiou ao PSDB e concorreu como candidato a vice-prefeito de Niterói, em 2016. A filiação se deu após mais de 10 anos, pois a jurisprudência, ao pressupor isenção, impede que membros do judiciário, militares e delegados se filiem e se candidatem a cargos políticos no exercício da função. Mesmo assim, com estas medidas legais para evitar a partidarização dessas funções, a prática constantemente prova o contrário. Juízes, promotores, militares, delegados, entre outros, fazem parte de grupos de interesse e, mesmo na informalidade, possuem afinidades com certos grupos políticos, não sendo oficialmente filiados. Muitas vezes, estes membros de instituições agem de maneira a despertar certas dúvidas sobre suas condutas, vide o caso mais recente e emblemático de um juiz responsável pelos julgamentos da Operação Lava-jato. Para corroborar com o caso tratado aqui, em específico, o delegado Rayol mantém desde 2005 um blog — Vox Libre385 — no qual tece ácidas críticas ao PT e ao então presidente Lula, embora afirme que suas opiniões e reflexões, expostas no blog, nada têm a ver com sua condição de servidor público federal. Além disso, entre as recomendações do autor a blogs alheios, encontram-se os blogs do Ricardo Noblat, César Maia, Reinaldo Azevedo, entre outros que causam um estranho contraste, como blogs de sociedades protetoras de

385 RAYOL, Antonio. Vox Libre. 2017. Disponível em: . Acesso em: 27 maio 2017. 243

animais, e um blog chamado "A verdade sufocada", em que se enaltecem personalidades como Jair Bolsonaro (1955-) ou o torturador Carlos Alberto Brilhante Ustra (1932-2015). Seja qual for a opinião do ex-delegado, mesmo em vídeo386 ele declara não saber que encontraria Duda Mendonça em um rinhadeiro no Rio de Janeiro. O fato é repleto de coincidências, inclusive vários veículos de comunicação chegaram ao Clube Privê pouco tempo depois. Estes acontecimentos e, a visibilidade que lhe foram conferidos pela mídia, tiveram como finalidade prejudicar o Partido dos Trabalhadores e, consequentemente, beneficiaram o oposicionista Partido da Social Democracia Brasileira, justamente às vésperas das eleições municipais, que colocavam Marta Suplicy (então PT) e José Serra (PSDB), na disputa pela prefeitura paulistana. Sendo que o acusado, Duda Mendonça, era o publicitário de Marta e tido como um dos nomes de destaques que alçaram o PT ao governo federal. A intenção aqui não se trata de incriminar, mas observar como o uso midiático de um fato produz reverberações e alteram percepções, de forma que elas não voltam mais a ser como eram antes. Não se trata de nostalgia, mas observar o papel que ocupam as mídias na produção e afirmação de imaginários. Afinal, até aquele momento, muitos sabiam da existência de rinhadeiros e rinhas de galos, inclusive algumas vezes apareciam certas notícias sobre elas na própria mídia. Por exemplo, em novembro de 2002 — logo após a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva à presidência — o colunista Tiago Cordeiro, da revista Época, Editora Globo, publicou um texto sobre a participação do publicitário em um torneio de rinha de galos, em Salvador.387 Na notícia intitulada "Esporte Radical: Campeonato Brasileiro de Briga de Galo mobiliza criadores e movimenta apostas altas em Salvador", o jornalista destaca um torneio ocorrido no Clube do Galo, que tinha data prevista para a última semana de outubro de 2002, mas que teria sido adiada para novembro, para que Duda Mendonça pudesse participar do evento.

386 Delegado Rayol explica a prisão de Duda Mendonça em rinha de galos durante a Operação RUDIS. Produção Polícia Federal. Coordenação de Clayton Bezerra (Presidente do Sindicato dos Delegados de Policia Federal - RJ). Clayton Bezerra (âncora), delegado Marcelo Itagiba (âncora). Rio de Janeiro: Polícia Cidadã, 2016. (28 min.), digital, son., color. Série Grande Investigações. Disponível em: . Acesso em: 11 maio 2017. 387 CORDEIRO, Tiago. Esporte radical: Campeonato Brasileiro de Briga de Galo mobiliza criadores e movimenta apostas altas em Salvador. Época, São Paulo, ed. 235, 18 nov. 2002. Semanal. Disponível em: . Acesso em: 30 jan. 2014. 244

Além disso, o autor dá ênfase ao "alto" valor das apostas e os prêmios aos melhores colocados do torneio. Sobre o publicitário ele escreve:

Com seu candidato eleito presidente, Duda voltou a Salvador e colocou seus galos em ação. Entre treinamento dos bichos e apoio à organização do evento, investiu R$ 150 mil, metade do dinheiro que gastaria se decidisse simplesmente comprar os prêmios no mercado. Nos anos anteriores, parte do investimento retornava, porque Duda costuma ganhar vários prêmios. Mas neste ano o tricampeão, que lutava pelo tetra, ficou no prejuízo. Sorte na política, azar no jogo.388

Por mais que existam prêmios a serem concedidos aos melhores resultados, a probabilidade de vencê-los é muito pequena, mesmo para um galista do porte de Duda Mendonça, pois os demais concorrentes, nesses torneios, também possuam galos de alto nível, ou pelo menos acreditam ser de alto nível. Ninguém leva o galo em um torneio para perder e entregar o prêmio para o Duda Mendonça, ou seja lá que galista for. Quem leva um galo em uma rinha, pensa primeiro em vencer e ganhar as apostas. O prêmio pode ser uma consequência de um bom resultado ou o acúmulo deles. Então, acreditar que alguém investe milhares de reais numa prática como essa pensando em conquistar o prêmio, ou recuperar o valor investido na criação, apostas, e demais gastos, trata-se de um completo desconhecimento daquilo que se fala. Apostas em brigas de galos não são como loterias, nem como corridas de cavalos ou apostas em grupo, onde se aposta pouco e se ganha muito, em caso de vitória. Para ganhar muito é preciso apostar muito alto, às vezes colocar em jogo mais dinheiro do que aquilo que se pode ganhar. A aposta em brigas de galos é um próprio jogo para além dos galos, como já disse no capítulo anterior, quando se aposta se coloca em jogo mais do que dinheiro, se coloca a reputação, coragem, brio, inteligência. É claro que, alguém pode ter perdas financeiras consideráveis, no entanto, é inválido dizer que alguém fica rico apostando em galos de rinha, ou que se trata de um investimento com vistas de lucros. Sobre a legalidade da atividade, a mesma reportagem acrescenta:

388 Ibidem. 245

O Clube do Galo e seus 400 associados são protegidos por uma lei municipal de Salvador, que permite as rinhas "em nome do folclore nacional", a exemplo do que acontecia com a Farra do Boi, em Santa Catarina — hoje na ilegalidade. Com base nas leis de proteção aos animais, o Ministério Público estadual tentou várias vezes barrar os torneios. Mas, na Justiça, os criadores sempre garantiam a organização do concurso.389

Esse trecho já esclarece um pouco do que vinha falando antes. É algo muito raro, um clube com 400 associados, ter um único vencedor de torneios. Todavia, o que quero extrair não é exatamente isso, mas como essa associação tinha mantido a legalidade da prática, mesmo em face as várias tentativas de barrar a atividade. Com isso, o jornal A Folha de São Paulo, através de sua redação, no dia seguinte do ocorrido (sexta-feira, 22 de outubro de 2004), publicou uma notícia sobre Duda Mendonça intitulada "Hobby é revelado em autobiografia", conforme expus na página 210390, na qual faz citação ao livro autobiográfico "Casos e Coisas". Livro publicado pela Editora Globo, no ano anterior, e em que o publicitário afirma ser um praticante das rinhas de galos e teria "herdado o gosto" através de um irmão mais velho. A notícia também menciona que, em 1999, em reportagem a revista Istoé, Duda já teria afirmado gostar de brigas de galos. Com a vinda à tona da questão envolvendo as brigas de galos, a reação não demorou a acontecer. No dia 27 de outubro de 2004, seis dias após o ocorrido em Jacarepaguá, o deputado federal pelo Estado da Bahia, Fernando de Fabinho, do Partido da Frente Liberal (PFL),391 apresentou o Projeto de Lei 4.340/2004. Este projeto buscava descriminalizar as competições entre animais, na tentativa de alterar o artigo 32º do Código Ambiental. Logo, em 05 de novembro de 2004, o projeto é apensado a PL-4.790/1998, do deputado José Thomaz Nonô, o qual, ainda em 2017, segue em tramitação na Câmara. Na mídia o assunto se estendeu por mais alguns dias, alguns enfatizando a ação da polícia e a presença de Duda Mendonça, outros,

389 Ibidem. 390 REDAÇÃO (Agencia Salvador). Folha de São Paulo (Ed.). Hobby é revelado em autobiografia. Folha de São Paulo. São Paulo. 22 out. 2004. Disponível em: . Acesso em: 30 jan. 2014. 391 Com passagens por PTB, PFL/DEM 246

ao contrário, criticando a operação. Foi o caso, por exemplo, de Tales Alvarenga (1945-2006), um dos diretores da Revista Veja, que em três de novembro,392 em sua coluna, classifica o desenrolar da situação como uma hipocrisia. No texto intitulado "Menos hipocrisia, por favor", o colunista inicia dizendo que:

[...] se esta na lei que promover brigas de galos é crime, e um crime que dá cadeia, cumpra-se a lei. Outra coisa é transformar o publicitário Duda Mendonça num sujeito rude, sem bons sentimentos e ainda por cima criminoso porque foi flagrado e preso numa rinha no Rio de Janeiro pela Polícia Federal.[...] Se Duda foi preso porque participava de um ritual de crueldade contra galos, o que dizer de criadores de frangos ou donos de frigoríficos, como o ministro Luiz Fernando Furlan, da Sadia, que deixam as aves presas a vida inteira em cubículos e no fim as executam para o deleite carnal de milhões de brasileiros?393

De certa maneira Alvarenga saiu em defesa de Duda Mendonça, o que é muito surpreendente, pois a revista Veja já havia se tornado um dos principais baluartes de difamação do Partido dos Trabalhadores. Para todos os efeitos, o colunista critica as noções de crueldade que têm se consolidado acriticamente por parte da sociedade. Ou de maneira seletiva, quando entendem algumas práticas como necessárias e outras como eticamente reprováveis. E sobre a ação da polícia, ironicamente, continua:

Só numa cidade como o Rio de Janeiro, na qual o narcotráfico e os tiroteios entre quadrilhas não existem mais, é concebível deslocar quarenta policiais para prender amantes das brigas de galos.[...] Sou um defensor do cumprimento das leis. Mas as leis devem refletir alguma lógica. Então, de duas, uma: ou se muda a lei para liberar a rinha ou se fecham todos os matadouros e zoológicos do país. As crianças podem achar muita graça nos

392 ALVARENGA, Tales. Menos hipocrisia, por favor. Veja. São Paulo, p. 62-62. 03 nov. 2004. 393 Ibidem. 247

macacos. Mas os macacos não acham graça nenhuma nas crianças. Em resumo, menos hipocrisia, por favor.394

Alvarenga ainda finaliza o texto ressaltando a seletividade do que é visto como cruel, não sem antes desqualificar a ação da Polícia em deslocar um contingente tão grande para dar flagrante em uma rinha de galos, sendo que a cidade do Rio de Janeiro enfrenta(va) demasiados problemas de segurança pública. A Operação Rudis em si, não resultou em muitas penalizações, no final das contas os galistas foram levados à delegacia de polícia, pagaram multa e foram liberados. O processo seguiu somente com a acusação de crime ambiental, considerado crime de menor potencial ofensivo, sendo descartada a acusação de formação de quadrilha. Por mais curioso que possa parecer, as penalizações maiores acabaram incidindo sobre alguns policiais que participaram da operação, acusados de terem roubado talões de cheques em branco no Clube, durante a ação.395 De todo modo, ao chamar a atenção nacional para as brigas de galos, a Polícia Federal e a mídia reforçaram que as pessoas deveriam denunciar a atividade e, que a polícia, seja federal, militar ou civil, tinha obrigação de interditar os rinhadeiros. Algum tempo após o ocorrido, em entrevista ao blogueiro e jornalista Evaldo Haddad Fenerich, mais conhecido pelo pseudônimo de Ucho Haddad, o delegado Rayol foi perguntado se as brigas de galos vinham sendo tratadas pelas polícias antes do flagrante em Jacarepaguá, no que Rayol respondeu:

Na verdade o assunto não vinha sendo tratado por nenhuma polícia. Se fizermos uma pesquisa é possível constatar que antes do dia 21 de outubro (2004), data da ação que culminou com a prisão de Duda Mendonça, não se tinha notícias de polícia estourando rinhas de galos. A partir desta data, várias rinhas de galos foram fechadas pela polícia. Dois dias depois do fechamento do Clube Privê Cinco Estrelas, a polícia fechou uma rinha em Maricá, no Rio de Janeiro, no Mato Grosso do

394 Ibidem. 395 WERNECK, Antonio. Policiais são indiciados por furto. O Globo. Rio de Janeiro, p. 19. 14 out. 2005. Disponível em: . Acesso em: 13 abr. 2017. 248

Sul, Paraná, São Paulo, entre outros locais. A operação de Jacarepaguá teve o mérito, e isso precisa ser reconhecido pela sociedade, de não apenas colocar o assunto em pauta, mas deixar claro que briga de galos é crime, o que, até então, muitas pessoas não tinham conhecimento. E sendo crime, deve, sim, ser combatido, independentemente de quem esteja praticando.396

E ao ser perguntado se, após essa operação, por acaso, houve uma diminuição do combate as rinhas pela polícia, o entrevistado respondeu:

As rinhas ligadas ao que batizei de primeira divisão das brigas de galos do país pararam de funcionar, o que mostra que a ação policial de 21 de outubro não foi tão inconsequente como querem fazer acreditar algumas autoridades. O primeiro evento desse grupo, que deveria acontecer em Vitória, capital do Espírito Santo, em novembro de 2004, acabou não acontecendo. Outro encontro dos rinheiros estava programado para dezembro, em Belo Horizonte, e de igual maneira não aconteceu.397

Logo, o STF também vai ser cobrado ou se vê no meio de um problema a ser discutido, principalmente sobre os conflitos entre leis federais e as leis estaduais e municipais. Dessa maneira, pouco a pouco, o STF começa julgar como inconstitucional as leis estaduais e municipais, que permitiam as brigas de galos, assunto este que abordarei no capítulo seguinte. Os Tribunais Regionais de Justiça também não tardaram em se manifestar. O TJ gaúcho, pouco mais de um mês após a "batida" de Jacarepaguá, considerou inconstitucional a Lei nº 1.415/95, do município de Quaraí.398 Enfim, para concluir este capítulo, espero ter deixado mais evidente que questões e debates existiram em torno das brigas de galos,

396 HADDAD, Ucho (Rio de Janeiro). Entrevista com Antonio Carlos Rayol e Pompílio da Hora. 2005. Disponível em: . Acesso em: 25 maio 2017. 397 Ibidem. 398 CONSULTOR JURÍDICO. TJ gaúcho derruba lei que autoriza rinha de galo. Conjur. São Paulo. 07 dez. 2004. Disponível em: . Acesso em: 09 maio 2017. 249

em praticamente meio século. Ainda assim coloco algumas questões: por que a ação da Polícia em 2004 teve reverberação diferente da proibição proferida por Jânio Quadros em 1961? O que mudou nesse tempo? Resumindo, Jânio Quadros foi praticamente ridicularizado pelo que fez, enquanto a ação da polícia, 43 anos depois, foi bem-sucedida e recebida pela sociedade. Também acabou com os grandes rinhadeiros, ou a primeira divisão das rinhas de galos, como classificou o delegado Rayol e, consequentemente com as sociedades galísticas e, com isso, muitos abandonaram a atividade. A explicação mais plausível a se extrair dessas duas maneiras bem diferentes de recepção do público sobre as brigas de galos, pode ser entendida levando em conta a existência de um plano de fundo que sofre algumas alterações nesse percurso. É nesse contexto que se observam melhor as alterações de sensibilidades em relação aos animais, ou ao menos, à propalação de uma tendência. Diante disto, comparando um período muito mais curto de tempo: da publicação de Francisco Elias – “Tratado sobre aves de rinha”, de 1998, – e a ação da Polícia Federal em 2004. Apenas seis anos separam uma da outra, contudo, Elias não fazia ideia de que todo aquele universo de rinhadeiros e galistas, ao qual ele dedicou centenas de páginas, chegaria ao fim. Mesmo que tenha criticado os detratores da atividade, ele não parecia crer que as rinhas passariam por tamanha transformação. Elias acabou falecendo, antes mesmo deste desfecho e, por isso, não houve como obter uma leitura do mesmo sobre essa reestruturação. Em todos os casos, estou tratando de duas questões relativas às sensibilidades. De uma sensibilidade que vem se alterando e afirmando gradativamente e, outra, que se impõe de maneira muito vertiginosa. Acredito que não se tratam de oposições, muito pelo contrário: elas reafirmam uma a outra. Essa consolidação das sensibilidades, simultânea com uma não-simultânea, foi possível graças aquilo que Pierre Nora (1931-) caracteriza como "acontecimento-monstro".399 Ou nos vestígios de uma história que reúne o sincrônico e o diacrônico, como apontou o historiador alemão Reinhart Koselleck (1923-2006). Ou seja, as brigas de galos continuam a existir, mesmo que há décadas têm se consolidado alguns imaginários sobre os animais, principalmente sobre a proteção e o desvanecer das fronteiras entre humanidade e animalidade. Várias leis existiam e poderiam ser

399 DOSSE, François. Renascimento do acontecimento: um desafio para o historiador: entre Esfinge e Fênix. São Pedro (SP): UNESP, 2013. p.260. 250

invocadas para que houvesse uma ação mais efetiva para a interdição das mesmas, no entanto, a situação só mudou significativamente com um acontecimento que tomou proporções maiores, em função daquilo que foi apresentado na mídia. Para François Dosse (1950-), "as mass medias participam plenamente da própria natureza dos acontecimentos que elas transmitem. Cada vez mais, é através delas que o acontecimento existe."400 portanto, "é impossível separar artificialmente o que é um acontecimento de seus suportes de produção e de difusão".401 Por fim, se não fosse pela presença de um personagem importante no cenário nacional naquele momento, a ação da Polícia Federal não teria chamado a atenção da imprensa. Ainda mais de grupos de mídia sedentos por qualquer informação capaz de desmoralizar os antagonistas políticos representantes do trabalhismo. Muitas vezes essas abordagens midiáticas são bastante voláteis, mas por outro lado, se tornam importantes, na medida em que formam um tipo de memória sobre o acontecimento. Jânio Quadros é relembrado em documentários e livros didáticos por suas idiossincrasias e, Duda Mendonça, é constantemente relembrado por suas campanhas publicitárias, sobretudo campanhas políticas, e por ter sido "preso" em uma rinha de galos. O acontecimento, neste prisma, altera de forma crucial uma atividade seguida por milhares de pessoas por todo o país. Ainda assim, este não é um processo finalizado e parece um pouco distante de ser, se é que será. Todavia, deixo este aprofundamento para próximo capítulo.

400 Ibidem. 401 Ibidem. 251

4. CAPÍTULO IV — Significados em disputa: a permanência ou sobrevida das rinhas de galos face à ilegalidade (2005-2017)

Neste capítulo, assim como no anterior, busco tratar das brigas de galos no Brasil, recorrendo a diversas fontes historiográficas: notícias e reportagens, depoimentos e, fontes virtuais, tais como páginas da web, redes sociais, blogs, áudio visuais, entre outras. Darei continuidade à discussão sobre as brigas de galos no Brasil, tendo como objetivo a compreensão dos fatos que remetem a uma história do tempo presente e, por isso, de certa forma ao não acabado, aquilo que ainda está em andamento. Muitas dessas fontes, por um lado, podem apresentar problemas metodológicos e informações inconsistentes. Contudo, um trabalho historiográfico, ao lidar com fontes dessa natureza, não busca uma verdade em si, mas busca o verossímil. Ou seja, aquilo que pode ser verdade, para compreender que motivações produzem as subjetividades, assim como as demais fontes historiográficas. Ainda quanto às fontes, que são de acesso público, elas foram escolhidas pelo autor, dentre uma diversidade de opções, conforme se encaixam na proposta desta escrita. Esta tem, como objetivo principal, estruturar uma narrativa que dê compreensão às diversas alterações no período entre a interdição do Clube Privê Cinco Estrelas, suas consequências diretas, e as alterações que se seguem nos aproximadamente 13 anos após o ocorrido. A necessidade deste capítulo parte, principalmente, em decorrência de várias alterações, que vão para além da proibição da prática, pois esta, ao invés de abolir com as rinhas de galos como pretendia, acabou transformando a atividade e as formas como elas se estabeleciam. Mesmo que o episódio do Clube Privê possua fortes características de uma ação policial com fins políticos, é importante recordar que só teve o efeito esperado porque havia recepção dessa informação que estava sendo passada. Ou seja, existe uma preocupação moral em relação aos imaginários sobre maus tratos aos animais. Mas, por outro lado, existiam e existem muitas pessoas absorvidas pela atividade e que vêm mantendo, com certa regularidade, a existência dos rinhadeiros clandestinos. Isso gera, em algumas ocasiões, determinadas discussões que têm sido reverberadas pelos meios midiáticos. 252

Busco, então, nessa primeira parte apresentar alguns desses problemas entre galistas e autoridades. Desde os casos de polícia a algumas ações judiciais, principalmente os discursos dos juízes do STF no julgamento das ADIs. Num segundo momento, a intenção é descrever um paulatino processo de aglutinação destes grupos de galistas, que se encontram marginalizados, investigando de que forma continuam suas atuações mesmo depois de mais de 10 anos de criminalização, como atuam em busca da descriminalização da atividade das brigas de galos no Brasil.

4.1. O combate ao combate de galos

A partir de 2004 fechou-se o cerco contra os rinhadeiros. O caso Duda Mendonça abriu o precedente que faltava para uma ação mais eficaz e uniforme das polícias, e mesmo dos denunciantes. Ou seja, quando denunciada a existência de um rinhadeiro, as polícias não puderam mais se esquivar, pois se a Polícia Federal estava operando no sentido de interditar o maior rinhadeiro do país, não restavam muitas opções aos responsáveis locais. Somando-se a isso, o fato ganhou bastante destaque na mídia nacional e logo os rinhadeiros que se localizavam nas áreas urbanas acabaram sendo fechados ou fecharam antes mesmo da polícia intervir. Como contou anteriormente o delegado Rayol, sobre os torneios subsequentes que acabaram não ocorrendo. Os rinhadeiros de médio porte, e mesmo os pequenos, logo acabaram sendo alvos de outras forças policiais. Como ocorreu, por exemplo, em Piraquara. Cidade com cerca de 100 mil habitantes, localizada na Região Metropolitana de Curitiba, em 24 de outubro de 2004 — três dias após a Operação Rudis —, conforme notícia da Folha de Londrina, intitulada "Operação desbanca rinha em Piraquara"402. Da matéria, é possível destacar que:

Quarenta e duas pessoas foram flagradas, no final da tarde de ontem, em uma rinha de galos em

402 TABORDA, Ellen (Curitiba). Operação desbanca rinha em Piraquara. Folha de Londrina: O jornal do Paraná. Londrina. 25 out. 2004. Disponível em: . Acesso em: 29 ago. 2017. 253

Piraquara, [...]. A operação da Polícia Florestal autuou 10 proprietários de animais. Segundo o coordenador da operação, tenente Daniel Piculski, a rinha funcionava clandestinamente atrás de um sobrado ao lado do prédio da prefeitura do município. Vinte e quatro galos foram encontrados no local, quatro deles com ferimentos. [...] A polícia não divulgou os nomes dos envolvidos, que foram autuados e liberados em seguida. Uma mulher assumiu a organização das rinhas e disse que elas eram o sustento da família. Ela e os 10 donos dos galos foram multados em R$ 2 mil e mais R$ 200 para cada animal. Segundo a Lei de Crimes Ambientais, eles podem ainda pegar de seis meses a um ano de detenção. As outras 32 pessoas, entre apostadores e espectadores, também vão responder a processos.403

A princípio, o local de funcionamento do evento chama a atenção: próximo à prefeitura. Apontado pelo tenente da operação como clandestino, mas pela localização leva a pensar que era do conhecimento de todos que a prática se dava no local e com bastante frequência, pois geralmente os rinhadeiros geram um movimento acima do normal: carros estacionados, cantoria de galos e muito barulho dos torcedores e apostadores. Faltava, contudo, um motivo maior para que a polícia pudesse tomar as medidas para interditar o local. Isso vem a corroborar com os objetivos da Operação Rudis, os quais, nas próprias palavras do delegado Rayol, eram de lançar um sinal para todo o Brasil. Na reportagem sobre Piraquara, destaco ainda a proteção aos nomes dos envolvidos, o que parece reforçar a hipótese de se tratar de pessoas conhecidas na cidade. Ainda é possível estranhar o fato de uma mulher ter assumido a organização do rinhadeiro, já que a atividade é predominantemente masculina. Geralmente, cabe às mulheres, os serviços de copa e cozinha. No outro lado do país, na cidade de Manaus, no Estado do Amazonas, dois anos mais tarde, em 2006, a Polícia Federal deflagrou a Operação Esporão. De acordo com a Agência O Globo, em Belém:

Cento e vinte e seis pessoas foram detidas pela Polícia Federal na sexta-feira [24/11/2006], por

403 Ibidem. 254

apostas ilegais em rinha de galo, num bairro da zona oeste de Manaus (AM). Entre os autuados estava o deputado estadual Liberman Moreno. Chamada de Operação Esporão, a ação policial teve início a partir de denúncias anônimas feitas há um mês. As rinhas aconteciam em três arenas situadas no bairro do Tarumã, que funcionavam como ponto de apostas há 17 anos. No local a Polícia Federal apreendeu 150 galos e pássaros silvestres, também mantidos em cativeiro de forma irregular, sem autorização do IBAMA. [...] Os apostadores e promotores das rinhas detidos foram autuados em flagrante e prestaram esclarecimentos na Superintendência da Polícia Federal de Manaus durante a madrugada. Todos foram liberados pela manhã.404

Assim como no Rio de Janeiro, esta ação foi coordenada pela Polícia Federal, o que é minoria, se analisado no conjunto de todas as notícias sobre os flagrantes. No entanto, possuem maiores reverberações e acabam sendo julgados por órgãos federais. Isso pode gerar maiores transtornos aos acusados, uma vez que, podem estar submetidos a um poder judiciário com menos envolvimentos com as trocas políticas locais e interferências no sentido de arrefecer as acusações. Ou seja, apesar de não se tratar de uma regra, as instâncias federais possuem maiores pretensões à isonomia nas suas decisões, se comparadas às instâncias estaduais. No caso deste flagrante em Manaus, entre os detidos, encontravam-se um deputado estadual que, assim como os demais presentes, foram levados à sede da polícia para prestar esclarecimentos e responder o processo em liberdade. Mas o que chamou a atenção nesta notícia foi a abordagem inicial, atribuindo o crime às apostas ilegais e não aos supostos maus tratos, que além dos galos, incluía a apreensão de pássaros criados sem autorização do IBAMA. Sobre essa associação entre galos e pássaros é complicado fazer uma análise que interligue as duas atividades. Não obrigatoriamente quem tem afinidade com galos tem afinidade com outras espécies de animais, utilizadas para lazer ou apreciação, até porque ambos

404 O GLOBO (Agência Belém) (Ed.). PF autua 126 por apostas em rinha de galo em Manaus. Gente de Opinião. Porto Velho (RO). 25 nov. 2006. Disponível em: . Acesso em: 28 ago. 2017. 255

demandam muita atenção e dificultam pela sobrecarga de cuidados exigidos. No caso desta apreensão de pássaros, é provável que estas espécies fossem de propriedade do organizador do evento, já que os galistas levariam apenas galos para brigar. Por um lado, tornou-se mais claro que as rinhas de galos se tratavam de um crime. Dessa forma, cabia as polícias fechar os espaços destinados à atividade e autuar os envolvidos. Contudo, a situação não era tão uniforme em todo o país, devido algumas legislações locais. No ínterim entre a ilegalidade e as intervenções policiais, começaram a ser evidenciados alguns conflitos entre legislações locais e a legislação nacional. Ou seja, as polícias estavam impedidas de dar batidas em rinhadeiro, pois em algumas ocasiões haviam leis locais que davam permissão para a permanência da prática. Isso veio a acontecer principalmente em Salvador e nos Estados do Rio Grande do Norte, Santa Catarina, Paraíba e Mato Grosso. No Rio de Janeiro, apesar de existir uma lei estadual permitindo as rinhas de galos, ela estava suspensa, devido uma liminar do Ministério Público acatada pelo STF, ainda em 1998. Com isso, a lei fluminense não pode ser invocada contra a Operação Rudis, ocorrida em 2004. Na página 232, ofereço uma tabela com algumas legislações e ações judiciais que tentaram permitir as brigas de galos em nível local. Se por um lado, houve essa aguda exposição, pelos quais os rinhadeiros acabaram sendo os alvos, houve também algumas ações no sentido de tentar preservar estas associações, como aconteceu como o "Palácio do Galo", em Olinda. Conforme reportagem do Conjur, em dezembro de 2004, intitulada "Justiça de Pernambuco libera briga de galos em Olinda"405:

A Justiça do Pernambuco liberou a briga de galo em uma rinha de Olinda. Por decisão da 5ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça a briga de galo pode ser praticada sem empecilhos no Palácio do Galo, uma rinha de Olinda que funciona há mais de 40 anos e tem 300 associados. O local passou um ano fechado por intervenção do Ministério Público.406

405 CONSULTOR JURÍDICO. Justiça de Pernambuco libera briga de galos em Olinda. Conjur. São Paulo. 24 dez. 2004. Disponível em: . Acesso em: 28 ago. 2017. 406 Ibidem. 256

Este é o mesmo rinhadeiro celebrado em reportagem da Revista Veja, em 1976. A decisão foi tomada apenas dois meses após o caso do Clube Privé, indicando uma rápida reação da associação local em impedir um desfecho semelhante ao rinhadeiro carioca. Os argumentos em favor da liberação da atividade no Palácio do Galo partiram de um desembargador daquele estado:

Para o relator do processo, desembargador José Fernandes Lemos, a rinha de galo faz parte da "cultura nacional" e seus participantes apenas organizam e presenciam um fenômeno da natureza. O desembargador explicou que o galo costuma lutar com outro macho de sua espécie, mesmo quando não é induzido a fazê-lo pelo homem. Lemos lembrou que a agressividade dos animais também faz parte do espetáculo em rodeios, vaquejadas e corridas de cavalos.407

A preleção do desembargador é um refinamento da mesma fala com a qual os galistas sustentam a argumentação das brigas de galos. Em 2007, contudo, uma sentença proferida pela Justiça Federal reverteu a decisão de 2004, e o rinhadeiro foi finalmente interditado. Segundo uma notícia do Globo,408 o IBAMA ficou encarregado de apreender as aves. Ainda assim, as preocupações se davam em relação à organização e influência de alguns membros. "Existe uma diretoria escolhida e o presidente dela é, inclusive, um delegado de polícia civil", declara Amaro Fernandes, chefe de fiscalização do IBAMA em Pernambuco.409 Uma questão difícil de responder com o devido rigor, se trata de compreender a atuação desses poderes judiciários e legislativos, suas intervenções e formulação e aprovação dessas leis. São trocas políticas, que permeiam bastidores e, na maioria das vezes, são silenciadas. Em diversas ocasiões busquei questionar alguns galistas sobre como foi realizado o contato e que interesses políticos motivaram deputados ou vereadores, porém as respostas, geralmente, são vagas e se resumem a: "entramos em contato com o deputado tal e falamos com ele".

407 Ibidem. 408 JORNAL DA GLOBO. Fim das rinhas de galo em Pernambuco: A Justiça Federal decide enfrentar a ilegalidade histórica no estado e fecha a mais antiga e luxuosa rinha de briga de galo. O Globo. Rio de Janeiro. 01 out. 2007. Disponível em: . Acesso em: 22 maio 2017. 409 Ibidem. 257

Em uma oportunidade, acompanhei alguns galistas em uma reunião com um senador de Santa Catarina. O resultado, contudo, não surtiu o efeito que esperavam os galistas, mesmo sendo um dos galistas correligionário deste político. Algumas vezes, essas tentativas podem se constituir em uma troca, em que os dois lados tendem a ganhar, outras muitas vezes, no entanto, isso não acontece. É possível que existam muitas interconexões entre os galistas e membros dos poderes instituídos. Muitas vezes, esses galistas são empresários ou também funcionários públicos, e possuem bom trânsito nesses meios. Não apenas no que se restringe a defender um interesse como a dessa diversão, mas estão continuamente em contatos que envolvem quase todo tipo de negociação. Quanto à ação nos rinhadeiros, em 2005, o Clube do Galo, em Salvador, foi interditado. De acordo com o sítio eletrônico da ONG O Eco — que tem como objetivo produzir matérias jornalísticas sobre causas ambientais —, no dia 13 de maio de 2005, a polícia e o IBAMA flagraram uma competição de rinhas de galos no Clube.410 Mais detalhes da reportagem deram conta de que, Duda Mendonça, era um dos sócios do rinhadeiro, apesar de não ter sido encontrado no local no momento da operação policial. Segundo a autora da notícia, Carolina Elia,

[...] o ministério público e a polícia militar invadiram o Clube do Galo após receberem denúncia de que naquele fim de semana o local abrigaria um torneio de rinhas. Cento e trinta e três pessoas foram detidas e 306 galos foram apreendidos junto com documentos. Em um deles constava que o publicitário baiano foi o maior financiador da associação nos meses de fevereiro e março ao contribuir com 5,8 mil reais. "Nos chamou atenção porque na lista estava escrito Duda Mendonça, não era nem o nome de nascimento", conta Luciano Rocha, um dos promotores de justiça responsáveis pelo caso.411

Salvador é um município que sempre contou com diversos rinhadeiros, sendo, junto com Rio de Janeiro, Recife, Fortaleza e Porto Alegre, uma das principais cidades onde as rinhas eram muito prestigiadas por seus adeptos, sobretudo estes grandes rinhadeiros. Em

410 ELIA, Carolina. O mensalão do Galo. O Eco. Rio de Janeiro, 10 jul. 2005. Disponível em: . Acesso em: 30 jan. 2017. 411 Ibidem. 258

contrapartida, Salvador conta com um grupo de juristas muito bem preparados, no que diz respeito à causa animal, como o citado, Luciano Rocha, Tagore Trajano e Heron Santana. Este último, foi o mesmo que pediu habeas corpus para uma chimpanzé em 2005. Em 2006, os três fundaram a Revista Brasileira de Direito Animal. Assim, após o fechamento do Clube do Galo, as atividades com rinha foram suspensas no local, contudo, os animais permaneceram no espaço até a conclusão do inquérito. Em reportagem da revista Piauí, do ano de 2006,412 o jornalista Roberto Kaz, trouxe mais detalhes sobre as transformações ocorridas no Clube do Galo após seu fechamento como espaço público de diversão:

Desde a interdição, as cadeiras foram empilhadas, a madeira do teto começou a apodrecer, as mesas se encheram de teias de aranha e o chão, de pó e penas. Das três rinhas originais, apenas uma funciona, para treinos. A maior delas — o Coliseu, de dois andares — está como seu homônimo, em ruínas. Dos trinta funcionários nos bons tempos, sobraram Rocha e três treinadores. O lugar lembra uma academia de boxe falida.413

A revista Piauí caracteriza-se por uma maneira diferente de escrever notícias jornalísticas. A começar por temas pouco usuais e abordagens menos convencionais, o que a aproxima de um texto literário. Seu criador e editor, João Moreira Salles (1962-), prefere dizer que a Piauí "quer apenas contar boas histórias com humor".414 Enquanto a revista Piauí, em seu artigo, busca apresentar uma imagem positiva ou romântica sobre a atuação de Reginaldo Prata Rocha, o sítio da O Eco, se referiu a ele e outros participantes como um membro de uma organização criminosa, como já o havia sido citado como um dos secretários do Clube. Vejamos o que a reportagem da Piauí segue falando sobre este senhor:

412 KAZ, Roberto. O verdadeiro rei dos animais: Melancolia e ginástica na academia dos galos- de-briga baianos. Piauí. Rio de Janeiro. nov. 2006. Disponível em: . Acesso em: 30 jan. 2017. 413 Ibidem. 414 ORSATTO, Franciele. Relações entre a revista piauí e o jornalismo literário: uma reflexão. Verso e Reverso: revista da comunicação, São Leopoldo (RS), v. 23, n. 54, dez. 2009. Quadrimestral. Disponível em: . Acesso em: 24 ago. 2017. 259

Reginaldo Prata Rocha é um senhor de 61 anos que acorda todo dia às 6 da manhã. [...] Há doze anos, ele é gerente do Clube do Galo, o maior centro de rinhas de Salvador, fundado em 1968 e interditado em 2005 pelo IBAMA. [...] Coube a Rocha o fardo de cuidar dos lutadores. “O IBAMA nos trata como criminosos, mas briga de galo não é como briga de cachorro. Cachorro é dócil. Galo de briga nasceu para brigar. Nós somos os preservadores da espécie.”415

Provavelmente Rocha não era nenhum membro abastado (ou um galista barão) do Clube do Galo, se fosse, não teria lhe sobrado o fadário de cuidar de galos como fiel depositário em um rinhadeiro desativado. De acordo com a fala de Rocha, ainda é possível verificar que não é nada incomum os galistas compararem a atividade com outras, como nesse caso, em que ele se refere à briga de cães. Eles geralmente buscam criar distinções entre os animais e demonstrar suas diferenças. Isso serve para enaltecer o caráter belicoso do galo, se comparado com outras espécies, logo, faz-se briga com galos porque estes animais seriam naturalmente mais adaptados, enquanto cães, por suas características, têm outras funções. Mesmo com o Clube fechado, os galos seguiram no rinhadeiro, pelo menos enquanto não houve o recolhimento deles.

O Clube do Galo sobrevive por duas razões: 150 sócios ainda pagam uma anuidade de 200 reais, e parte do terreno está alugada para um restaurante de moqueca.416

Com o rinhadeiro interditado, sobrou para os tratadores manter os animais e local. Para que não ficassem desamparados na tarefa, foi preciso os sócios colaborar financeiramente até a finalização do processo. No sul do país, em Santa Catarina, a lei estadual criada em 2000, no ano seguinte, entrou na mira da Procuradoria Geral da República. Em três de setembro de 2001, o procurador Geraldo Brindeiro (1948-), atendendo solicitação do procurador da República no município de

415 KAZ, op. cit. 416 Ibidem. 260

Joinville, entrou com a ADI 2514/SC no STF, para barrar a lei, que somente foi julgada em 29 de junho de 2005.417 Foi então que, o principal rinhadeiro Grande de Florianópolis foi desativado. Mas não somente os grandes rinhadeiros sofreram com a falta de jurisdição para sua manutenção, os pequenos rinhadeiros também tiveram que modificar suas estratégias. Por exemplo, um estabelecimento localizado no bairro Potecas, no município de São José, foi fechado após denúncias e o comparecimento da polícia. Apesar de um dos proprietários, Vicente, afirmar possuir o alvará de permissão. Anos mais tarde, ao ser perguntado se já havia tido algum problema judicial por causa das brigas de galos, ele contou:

Tive em 2005. Quando o Supremo Tribunal cassou a lei catarinense [que permitia a briga de galos], aí a autoridade competente, a delegacia, não veio me intimar, não veio me avisar que o alvará não tinha mais utilidade. Eles tinham que ter vindo aqui e recolhido o alvará e ter dito que não tinha mais utilidade, dizer que a lei não existe mais. Deixaram. Daí, também, eu não li o Diário Oficial, aí fechou. Interditaram a rinha.418

Geralmente, a interdição do rinhadeiro se dá em flagrante. A polícia militar ou polícia ambiental e IBAMA chegam repentinamente, interrompem o evento e autuam todos os membros, pelo menos aqueles que não conseguiram fugir. Dificilmente alguém é preso, comumente a autuação é para comparecer em juízo, quando solicitado. Quanto aos animais, as ações não são muito uniformes. Há casos em que o proprietário do lugar é designado como fiel depositário. Isto é, ele fica com a guarda dos animais até o final do processo jurídico e o recolhimento dos mesmos pelos órgãos competentes. Em outros casos, os animais são prontamente recolhidos, muitas vezes sacrificados e incinerados. No caso de Vicente, o rinhadeiro deixou de funcionar, ele teve que pagar multa e ficou como fiel depositários dos galos, que, comicamente, foram recolhidos mais de cinco anos depois. O fato de serem recolhidos tanto tempo depois significa que não são os mesmos animais, pois poucos teriam sobrevivido tanto tempo, levando em

417 CONSULTOR JURÍDICO. Brindeiro entra com ação contra lei que permite briga de galos. Conjur. São Paulo. 03 set. 2001. Disponível em: . Acesso em: 17 ago. 2017. 418 VICENTE, op. cit. 261

consideração que, o galo que estava lá para combater no dia do flagrante tinha por volta de um ano e meio a quatro anos de vida. Ainda assim, mesmo que o recolhimento fosse feito em menos de uma semana, os galos seriam outros, pois os proprietários logo tomariam seus galos de volta, substituindo por qualquer um de qualidade inferior. Mesmo os galistas submetendo seus galos a uma disputa, nenhum deles quer perder um galo que pode ter valor financeiro e/ou simbólico, e essa é uma reclamação frequente quando os galos são apreendidos. Prosseguindo ainda na região de Florianópolis, após essas intervenções da polícia, muitos se viram com medo de continuar, outros procuraram diferentes meios para seguir com essa prática. Como o caso de Francisco, antigo proprietário de um rinhadeiro no bairro Forquilhinhas, também em São José:

Fechei porque acabou a lei. Vi que não tinha mais condições e parei. Eu não vou ir contra a lei e como era dentro da cidade, era no bairro, não tinha como manter. A polícia viria fechar, então, antes que a polícia viesse eu fechei. Foi uma questão de bom senso, contra a força não há como querer teimar. Entre 2000 e 2004 tinha a lei estadual, até aí era tudo legal. Depois de 2004 aí eu parei porque não tinha como.419

É preciso fazer uma distinção aqui e deixar claro que, fechar o rinhadeiro não significa abandonar a atividade por completo. Há casos em que o proprietário deixa de promover os combates em suas dependências, mas segue com a criação e passa a levar os galos em outros rinhadeiros. De preferência naqueles que oferecem maior discrição. Contudo, essa discrição não significa a absoluta invisibilidade. Por vezes, mesmo os rinhadeiros mais distantes acabam recebendo flagrantes, basicamente através de denúncias anônimas. As quais, pelas conversas entre galistas, nem sempre provêm de alguém sensibilizado com os animais, mas muitas vezes por conta de algum desentendimento entre os participantes, ou mesmo alguma relação conjugal, em que uma esposa denuncia o local da rinha. Ou seja, muitas vezes, essa denúncia pode ter motivos pessoais.

419 FRANCISCO, op. cit. 262

Figura 34 - Legislações e ações judiciais para permitir as brigas de galos em nível local.

Fonte: produzida pelo autor.

263

264

Já sem proteção jurídica nenhuma, as rinhas de galos, ao invés de se extinguirem, passaram para o plano da clandestinidade. Em consequência disso muitos galistas acabam "largando (d)os galos", como é comum escutar sobre alguém que deixou de criar e frequentar os rinhadeiros. Por temer as consequências de participar de uma atividade ilícita, pelos constrangimentos que, porventura, vierem a sofrer, além de multas, apreensões e processos jurídicos. Por outro lado, há pessoas que tratam a atividade como uma paixão e, mesmo em face de punições, parecem dispostas a manter suas criações e frequentar rinhadeiros. Contudo, os rinhadeiros já não podem estar à vista de curiosos, não podem ser praticados abertamente em locais com aglomerações, então acabam sendo escolhidos locais mais distante, sítios ou fazendas, onde supostamente o risco de denúncias é menor. Então, algum galista que dispõe de algum local mais afastado, ou disposto a alugar, constrói uma espécie de galpão, tambores, arquibancadas, cadeiras, gaiolas, lanchonete. Geralmente tudo muito simples, estrutura e paredes de madeira, telhado sem forro, chão de terra batida e estradas muito precárias para chegar ao local. O que motiva alguém a investir na construção e manutenção de um espaço como este se deve aos lucros obtidos, principalmente, através das entradas, a venda de lanches, bebidas, almoços e das cadeiras mais próximas ao tambor principal. Entretanto, caso a polícia dê fim ao rinhadeiro, a multa maior é aplicada ao proprietário do local, ou aquele que se apresenta como tal, normalmente o responsável por manter o rinhadeiro. Para exemplificar isso, cito aqui uma reportagem do Diário Catarinense, de 23 de junho de 2008, intitulada "Briga de galo é flagrada na Grande Florianópolis"420, com subtítulo "Aves com esporões brigavam em um galpão de uma chácara em Biguaçu":

Uma briga de galo foi flagrada pela equipe da RBS TV na tarde de sábado em um galpão de uma chácara em Biguaçu, na Grande Florianópolis. A equipe de reportagem ficou sabendo da rinha por meio da denúncia de um telespectador. Ela foi

420 RBS TV. Briga de galo é flagrada na Grande Florianópolis. Diário Catarinense. Florianópolis. 23 jun. 2008. Disponível em: . Acesso em: 14 maio 2012. 265

repassada à Polícia Militar Ambiental, que montou uma operação para fazer o flagrante.421

Estranhamente a queixa foi feita, a princípio, a uma empresa privada de telecomunicação, que repassou então, a denúncia à Polícia Militar. Isso indica, provavelmente, que a intenção do denunciante era constranger e desmoralizar os participantes da atividade, já que a matéria foi veiculada, além do jornal impresso, na televisão, no canal de maior audiência na região. Uma segunda hipótese, é que o denunciante, sem resposta das polícias, busca uma rede de televisão para forçar uma ação por parte das forças de segurança. Em contrapartida, não se descarta que motivos políticos e disputas de poder local tenham levado à efetivação das denúncias. Em uma batida num rinhadeiro, também em Biguaçu em 2012, o colunista Carlos Wanderley, em vídeo gravado pela TV Biguaçu, associa o prefeito e um vereador da cidade como prováveis sócios do estabelecimento.422 A reportagem do Diário Catarinense de 2008, que foi filmada e transformada em matéria para ser exibida no telejornal ao meio dia, trouxe mais detalhes:

O local é afastado da cidade, para não chamar a atenção. As imagens mostram que os rinhadores chegam de carro e descarregam os animais. Aos poucos, aparecem mais participantes. Os galos são levados para dentro do galpão.423

Como o local é distante e, às vezes, recebe um fluxo de pessoas que se deslocam entre dez quilômetros ou mais, ocasionalmente superando mais de 100 quilômetros, obrigatoriamente os participantes utilizam veículo próprio para chegar a estes lugares, uma vez que estes não são atendidos por transporte coletivo. Muitas vezes, os galistas vão aos rinhadeiros juntos com seus companheiros próximos aos locais onde vivem, levando cada um a quantidade de galos que lhe for do agrado para cada evento deste tipo. Também não é obrigatório apresentar combatentes para participar. Qualquer membro da comunidade pode comparecer como expectador ou apostador, desde que pague a entrada, o

421 Ibidem. 422 BIGUAÇU em Debate 4 (Flagrante de rinha de galo em Biguaçu). Intérpretes: Carlos Wanderley. Biguaçu: TV Biguaçu, 2012. (11 min.), son., color. Disponível em: . Acesso em: 29 mar. 2016. 423 RBS TV, 2008. 266

que é muito comum, visto que, na maioria das vezes, os locais recebem mais pessoas do que animais. Nesse caso retratado pela reportagem, os telegrafistas já estavam filmando para observar a movimentação no local, o desembarque dos galistas, a retirada dos galos dos automóveis — transportados em bolsas que se ajustam à anatomia do galo ou caixas elaboradas para o transporte desses animais, que em seguida são retirados desses utensílios e levados para a pesagem. Sem demora, um dos organizadores anota os devidos nomes dos proprietários e os pesos dos animais, que logo são levados às gaiolas do rinhadeiro. Na sequência,

Um grupo de policiais à paisana chega à chácara e domina um olheiro que ficava na entrada e só deixava os rinhadores entrarem. Em seguida, vão até o galpão e flagram a rinha. Alguns participantes chegam a agredir a equipe de reportagem, dizendo que eles não poderiam ser filmados. Nenhum dos 23 participantes se identificou como proprietário dos galos. A rinha tinha começado há pouco tempo e os animais apresentavam poucos ferimentos. Eles estavam com esporões nas patas, nas asas e no bico.424

Muito provavelmente este "olheiro" era alguém que cobrava as entradas, ou mesmo alguém que fazia a observação de quem podia ou não entrar. Geralmente, essa pessoa não é o proprietário do local, mas recebe algum tipo de remuneração para exercer a função. Quando a polícia e a equipe de reportagem invadem o local, poucos conseguem esboçar qualquer reação, no entanto, alguns se incomodam, principalmente por serem filmados. Empurram ou colocam a mão na frente da câmera, o que de certa maneira, comprova um maior receio em serem constrangidos publicamente e com repercussão que pode gerar na opinião pública uma notícia como essa. Vale ainda mencionar o papel da mídia em produzir interpretações, transformar algo que pode ser banal e rotineiro, para certo grupo de pessoas, em algo alarmante e inaceitável para uma grande parte do público consumidor de informações. Também é comum as mídias utilizarem de suas vantagens, como formadoras de opinião e mesmo imaginários, para ridicularizar certos

424 Ibidem. 267

grupos, principalmente os mais marginalizados, alvo preferido de diversos programas televisivos que corroboram para o discurso de ódio por parte de um público racista, preconceituoso e segregador. No caso, não é possível afirmar que se trata de um grupo que mais sofre com a marginalização, pois, economicamente, muitas dessas pessoas fazem parte de um grupo bem estabelecido. Todavia, estão à margem no que tange a aceitação de suas práticas. Tanto é que, não raro, os galistas se queixam de serem qualificados como marginais, ou nas constantes falas de que "a polícia tem coisas mais importantes a fazer do que correr atrás de galista". No rinhadeiro, quando houve o flagrante, ninguém se apresentou como dono das aves que combatiam no momento, pois a maioria sabe que pode haver uma implicação maior e, segundo a legislação, ninguém é obrigado a produzir prova contra si mesmo. A reportagem, a partir daí, começa a demonstrar alguns desconhecimentos por parte do narrador. Este afirma que os galos estavam providos de esporão nas patas, asas e bico. Como o próprio nome sugere, esporão só pode estar na espora da ave. No bico, é usado um bico metálico, que não tem a função de ferir o adversário, mas de proteger o bico natural para que não quebre, pois é uma parte do corpo do animal de difícil regeneração e essencial para a luta, pois o galo utiliza o bico para fazer presa e, na sequência, desferir os golpes com as patas. Estas sim podem ser fatais para o adversário. Já nas asas, erroneamente o vídeo da reportagem atribuiu as anilhas metálicas425 fixadas às asas como uma arma que pudesse causar algum tipo de dano ao adversário. Sobre o rinhadeiro, como já descrito em outras passagens:

No local os policiais também encontraram gaiolas onde os animais ficavam à espera para entrar na luta. Segundo os moradores da região, a rinha é realizada no galpão quase todos os sábados e reúne dezenas de participantes, que pagam entrada e fazem apostas altas. O local também tinha bar, quadro para apostas, cronômetro, balança para pesar os galos, esporões

425 As anilhas são colocadas pelos proprietários nos frangos e frangas, ainda muito jovens para identificação. Nessas anilhas, que nada mais são que pequenas placas, como se fosse um brinco, está anotado um número e, às vezes, alguma sigla, que são anotados em um livro ou caderno e carregam algumas informações sobre o exemplar, tais como a procedência, o pai, a mãe, a data de nascimento, informações tidas como indispensáveis para os membros mias experientes da atividade. (N.E.) 268

e drogas para que os animais não sentissem dor e parassem de brigar. No tambor onde eram feitas as brigas foram encontradas penas e manchas de sangue. Nos carros dos participantes, os policiais acharam malas de couro para transportar os galos.426

Os galos, apesar de ficarem nas gaiolas, não obrigatoriamente serão rinhados. Serão a partir do momento que houver o emparelhamento e o acordo entre os dois proprietários interessados em realizar um combate. Isto quer dizer, após pesados e anotados os respectivos pesos em um quadro negro (como esses de escolas), os proprietários buscam um adversário com peso próximo, com tolerância de 50 gramas para mais ou para menos. Em seguida, ambos pegam seus galos e colocam sobre uma mesa divida ao meio com uma tela, os galos são colocados lado a lado para que se observe o tamanho dos mesmos. Caso exista a aceitação por parte de ambos em relação à altura das aves, passam então ao acordo sobre o valor da parada ou topo427, o que pode ser aceito ou não. Caso não ocorra acordos em relação a altura, ou a parada, os proprietários buscam outros pesos no quadro e repetem novamente todo o processo. Conforme acontecem os acordos, as parelhas são anotadas em uma parte do quadro, indicando os nomes ou apelidos dos proprietários e os respectivos pesos dos galos, o que na reportagem, novamente é apresentado de forma equivocada como se fosse o valor de apostas. Em lugar nenhum são anotados valores das apostas, tudo é feito no “boca a boca”. No máximo, alguns dos apostadores anotam em um bloco de papel, de uso particular, com quem apostaram, para não esquecerem. Quanto ao valor — alto ou baixo — estes termos são relativos, mas no caso desse rinhadeiro flagrado, as paradas na época giravam entre R$100 e R$400, raramente mais do que isso. Mas é claro que, ao olhar para o quadro, os pesos dos galos em quilogramas indicam massas como 2,500 a 3,800 quilogramas, o que foi lido enganosamente como valores monetários. As apostas, como já dito, não são grafadas, elas são acordos verbais. É complicado afirmar se houve má-fé por parte da equipe de reportagem na insistência de tantos erros, mas é claro que eles buscam

426 RBS TV, 2008. 427 Parada, ou topo, é o nome da aposta pré-definida antes de começar o combate, geralmente acordada entre os donos dos dois galos. (N.E.) 269

dar um tom mais alarmante e, por isso, buscam interpretar e repassar uma mensagem midiática que cause maior desconforto possível em seus telespectadores. De maneira igual, precipitaram-se sobre as "drogas" utilizadas nos galos, os quais, no vídeo, mostram um polivitamínico chamado Potenay, que embora possa ser considerado como dopagem,428 não tem efeitos anestésicos. Anestésicos se forem utilizados em galos têm efeitos contrários aos esperados, pois os animais se tornariam mais sonolentos e perderiam o vigor esperado por eles nas lutas. Certos ou errados, a reportagem não veio alterar qual desfecho dado ao rinhadeiro:

Segundo o tenente Marledo Costa, da Polícia Ambiental, o local estava bem caracterizado como rinhadeiro de galo. Ele explicou que o valor das apostas depende do galo e do apostador, e pode variar de R$ 50 até R$ 20 mil. A polícia fotografou o local e fechou o galpão. Os equipamentos foram apreendidos. Os 13 galos encontrados acabaram voltando para as gaiolas, e o dono do terreno ficou como fiel depositário dos animais. — Os animais encontram-se apreendidos, mas sob a responsabilidade da pessoa que foi autuada. Os animais devem ser mantidos em plenas condições de saúde e integridade física até o final do processo — disse o capitão Emiliano Gesser, da Polícia Ambiental. Todos os participantes foram autuados e assinaram um Termo Circunstanciado para se apresentarem à Justiça. O responsável pela rinha também recebeu multa de R$ 3,1 mil.429

Não há dúvidas de que se tratava de um rinhadeiro, não obstante, há algum exagero por parte do valor das apostas. Digo isto, pois, fiz pesquisas nessa região, e sei que os valores de apostas não chegam aos

428 É importante tocar nesse assunto, pois é algo que povoa muito o imaginário de muitos galistas e não raro existem divergências sobre o uso ou não de medicamentos, estimulantes, anabolizantes ou mesmo qualquer tipo de substância que possa causar uma vantagem ou desvantagem. Para além dos medicamentos aceitáveis por todos os membros da comunidade, como drogas que combatem pragas e doenças, ainda existe o grupo de substâncias são consideradas como "sujeiras", principalmente se forem aplicadas no sentido de sabotar o galo de um adversário. Isso poderia se feito através de algum comprimido colocado dentro das gaiolas, ou substâncias colocadas nas esporas ou locais onde a ave adversária busca bicar. (N.E.) 429 RBS TV, 2008. 270

vinte mil reais, mesmo somado todas as apostas realizadas aos pares. Normalmente, nessa região as apostas não chegam a dois mil reais, se chegam trata-se de algo raro. Parece também que o evento foi flagrado ainda nos momentos iniciais de sua atividade naquele dia, visto que a presença de treze galos é considerada muito inferior ao de costume em outras datas. No entanto, ainda é possível considerar que, por ser no mês de junho, muito no início da temporada e poucos galos "prontos" para combater, visto que as aves não lutam quando estão mudando as penas. A muda das penas acontece normalmente no final do verão e em praticamente todo outono, entre os meses de janeiro e junho, no hemisfério Sul. Na medida em que as aves terminam a muda de penas, novamente elas podem ser cuidadas e manejadas para o combate. Por fim, como já mencionado, os presentes são autuados, o proprietário do espaço recebe uma multa e é designado como fiel depositário dos animais. Até que o processo termine e o IBAMA recolha os animais. Este tipo de situação ocorre em todo o país, e uma busca rápida pela internet vai apresentar mais de três mil notícias relacionadas aos flagrantes da polícia em brigas de galos, ocorridas em praticamente todas as unidades da federação a partir de 2004 e, com maior frequência, depois de 2010. Não cabe aqui abordá-las isoladamente, pois as operações, geralmente, mantêm um padrão. A não ser alguma vez ou outra em que os galistas são encaminhados diretamente à polícia ou os animais apreendidos e levados no mesmo dia, fatos que, às vezes, acabam gerando maiores debates e transtornos, já que os galistas não estão nenhum pouco dispostos a perderem seus favoritos dessa maneira. Para exemplificar, no Estado do Piauí, em agosto de 2009, o IBAMA apreendeu cerca de 140 galos em um rinhadeiro. Os animais foram levados para a sede do instituto e seriam sacrificados, no entanto, uma associação de galistas entrou na justiça para tentar impedir o morticínio. A revista Consultor Jurídico, traz maiores informações sobre o caso:

O IBAMA está proibido de sacrificar 140 galos de raça apreendidos recentemente pelo órgão. A determinação é do juiz federal substituo Nazareno Reis, da 1ª Vara Federal de Teresina (PI). O pedido foi ajuizado pela Associação dos Criadores de Aves de Raça Pura do estado do Piauí. 271

[...] o magistrado considerou ilegal o sacrifício das aves pelo IBAMA, já que a Lei 9.605/98 dispõe que animais apreendidos por motivo de infração ambiental devem ser libertados em seu habitat ou entregues a jardins zoológicos, fundações ou entidades assemelhadas, ficando os mesmos sob a responsabilidade de técnicos habilitados.430

De acordo com a reportagem, os galistas entraram com uma medida judicial para reaver as aves e impedir seu abate. Quanto ao pedido para que se evitasse o abate, o juiz deu parecer favorável à solicitação dos galistas, por outro lado, não permitiu que as aves fossem devolvidas aos antigos proprietários. Na maioria das vezes, os órgãos responsáveis pelos animais não oferecem condições adequadas, primeiro porque estes animais necessitam de cuidados diferentes do que os habituais, a começar pelos alojamentos. Cada galo precisa ficar separado um do outro, já que são galos de briga. Em segundo lugar, porque estes órgãos não têm técnicos habilitados e desconhecem os procedimentos para lidar com estes animais. Por estes e outros problemas, quando os animais são recolhidos, procuram-se o mais rápido possível abatê-los. O destino varia entre o descarte, incineração, ou transformar em alimentos para outros animais. A exemplo disso, uma notícia do portal Terra de 2007, indica que:

BA: galos de rinha viram comida de felinos e répteis Aves apreendidas em três rinhas de galo na cidade de Porto Seguro (BA) vão ser abatidas para alimentar animais de um Centro de Triagem de Animais Silvestres (Cetas) de Vitória da Conquista (BA).431

No Ceará, de acordo com notícia do G1, em 2012 o IBAMA sacrificou 73 galos utilizados em rinhas.

430 CONSULTOR JURÍDICO. Juiz proíbe sacrifício de galos apreendidos pelo IBAMA. Conjur. São Paulo. 23 ago. 2009. Disponível em: . Acesso em: 15 ago. 2017. 431 REDAÇÃO TERRA (Salvador). BA: galos de rinha viram comida de felinos e répteis. Terra. São Paulo. 12 nov. 2007. Disponível em: . Acesso em: 14 jun. 2009. 272

Setenta e três galos de rinha foram sacrificados nesta terça-feira (15 de maio) em Fortaleza pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA). Os animais receberam uma injeção letal — um "método humanizado", conforme o IBAMA — e em seguida foram incinerados. Segundo o chefe de fiscalização do IBAMA no Ceará, Rolfran Ribeiro, os animais foram treinados para brigar e por isso não poderiam ser mantidos em cativeiros do Centro de Triagem do IBAMA. Rolfran diz também que os galos eram alimentados com anabolizantes e não poderiam ser doados para alimentação. "Eles só serviam para o crime. Manter os animais ainda se correria o risco de eles serem roubados e retornassem para o crime", diz Rolfran Ribeiro. Os 73 galos eram mantidos na residência de um suspeito de crimes de maus tratos a animais há pelo menos dois anos, quando o IBAMA denunciou o crime. Nesta semana, os animais foram apreendidos pelo IBAMA, que decidiu pelo sacrifício dos galos. O suspeito foi multado em R$ 30 mil reais e responde por crime de maus tratos.432

Método humanitário de abate é algo que traz contradições. De certa maneira, faz lembrar a Revolução Francesa, com a substituição das penas capitais de enforcamento e decapitação com machados pelas guilhotinas. O que confere uma morte menos traumática e, supostamente, sem dor. São termos muito sugestivos e produzidos a partir de uma historicidade. Isto é, o debate acerca dos direitos dos animais tem sugerido às pessoas que o alimento que elas consomem já não pode ser resultado do sofrimento de outras vidas. Uma das soluções para isso foi a criação de métodos sistêmicos e mais eficazes de levar um ser vivo à morte sem que este tenha tempo de sentir dor. A produção dessas tecnologias e sabedorias recebem nomes que carregam em si a reprodução ideológica e a marca de um tempo histórico. Nomes como insensibilização, bem-estar, humanizado ou

432 TEIXEIRA, André. IBAMA sacrifica 73 'galos de briga' usados em rinhas no Ceará. G1 (Ceará). Fortaleza. 16 mai. 2012. Disponível em: . Acesso em: 22 ago. 2017. 273

humanitário, são estranhas soluções para a morte. Mas atendem parte dos anseios de um público, que se demonstra interessado em saber de onde e como são produzidos os alimentos que chegam a suas mesas. Outro fator importante no combate às rinhas de galos está associado aos fatores de precauções sanitárias, o que não é nenhuma novidade. Atílio Fontana (1900-1989), empresário da indústria alimentícia, já se manifestava contrário às rinhas enquanto senador, na década de 1970.433 Seguramente o dono de abatedouros de frangos de cortes não estava nenhum pouco comovido com os galos, mas sim com normas de biossegurança. As normas de biossegurança para a criação de frangos de corte, em 2006, estabelecem algumas regras, dentre as quais algumas distâncias para outros animais da mesma espécie ou espécies diferentes. Destaco do artigo da EMBRAPA (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), o seguinte trecho:

O aviário de frangos de corte deverá estar distante pelo menos 5 km das granjas de linhas puras, bisavós, avós e qualquer tipo de incubatório; estar a 1 km de um abatedouro de qualquer finalidade; e a 3 km de estabelecimentos de matrizes, de aves comerciais, poedeiras de ovos de consumo, de criação de ratitas e aves ornamentais.434

A instalação de um aviário geralmente, prevê planos de compensação para pequenos criadores que tenham algum tipo de criação de galinhas domésticas para consumo próprio. O problema em permitir uma atividade como o galismo é ter em mente que estes animais, por ventura, possam estar sendo criados próximos a aviários, podendo contaminar estes animais com algum tipo de doença, o que causaria enormes prejuízos. Ainda mais, por se tratar de uma atividade que não visa à subsistência ou à acumulação de capital, mas que os galistas o fazem por satisfações e, dificilmente, aceitam compensações financeiras para não criar esses animais. Neste sentido, a proibição das brigas de galos também atende interesses de ordem econômica. E não raro os animais são apreendidos por agências governamentais de controle sanitário, que sacrificam os animais e os descartam. Isso ocorreu na cidade de Camboriú, em Santa

433 REVISTA VEJA. Traques e Galos. Veja. São Paulo, p. 18-18. 02 set. 1970. 434 JAENISCH, Fátima R. F.. Biosseguridade e cuidados com a saúde dos frangos. 2ª. ed. Brasília: Embrapa, 2006. (Embrapa Suínos e Aves). Disponível em: . Acesso em: 15 out. 2017. 274

Catarina, em 2011, quando a CIDASC (Companhia Integrada de Desenvolvimento Agrícola de Santa Catarina), após a batida policial em um rinhadeiro, apreendeu as aves e as abateu.

A Polícia Militar de Camboriú descobriu uma arena de rinha de galos nesta quinta-feira. Mais de 100 animais foram recolhidos, alguns deles já mortos e outros feridos. Quando a PM chegou na localidade de Vila das Pedras, zona rural da cidade, já na madrugada desta sexta-feira, havia cerca de 200 pessoas no local. Mais de 100 assinaram um Termo Circunstanciado (TC) e foram liberadas, as outras conseguiram fugir. De acordo com a polícia, o lugar foi alugado por um homem de 62 anos. O verdadeiro dono da estrutura está sendo procurado. O local foi todo montado pensando na rinha: há bilheterias, três arenas e cadeiras numeradas. [...] Segundo a PM, na rinha havia galos valiosos. O de maior valor custa aproximadamente R$ 40 mil. A Companhia Integrada de Desenvolvimento Agrícola de Santa Catarina (Cidasc) precisou de um caminhão para recolher os animais. De acordo com o órgão, como não se sabe a origem, todos os galos serão abatidos.435

Estranhamente não se sabia a origem dos animais, mas sabia-se o valor de alguns galos que, diga-se de passagem, eram muito valiosos. Não por acaso, este rinhadeiro era um dos mais importantes do Brasil. Nele compareciam, nos torneios, galistas de outras regiões do Brasil, muitos deles vindos de avião. Para esse tipo de transporte, muitos animais possuíam a Guia de Trânsito Animal (GTA), logo, não poderiam ser considerados como de origem incerta. Em grupo privado de e-mails para galistas, um deles descreveu a situação a um deputado federal de Santa Catarina. Na mensagem consta:

Sobre o acontecido no rinhadeiro de Camboriú, onde estavam reunidos galistas dos mais diversos Estados, os técnicos da CIDASC, chamados pela

435 AUTH, Patrícia. Mais de 100 animais são apreendidos em arena de rinha de galos de Camboriú. Jornal de Santa Catarina. Camboriú. 02 dez. 2011. Disponível em: . Acesso em: 08 mar. 2015. 275

PM, compareceram e levaram todos os galos que se encontravam no local, sem se preocupar se alguns tinham a GTA expedida por sua co-irmã de outros Estados. Evidentemente que o embarque de qualquer ave ou animal em avião de carreira é necessário comprovar a emissão da citada GTA, pois sem esta as empresas aéreas não aceitam recebê-las para o respectivo transporte. A GTA é o comprovante da sanidade do galo e que os mesmo recebeu todas as vacinas exigidas por lei. Muitos dos galos apreendidos pela CIDASC eram de outros Estados, como Bahia, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Goiás, Pernambuco e Paraná. Os técnicos da CIDASC ignoraram este aspecto e a maioria ainda não brigaram, portanto não estavam sendo mal tratados. Mas isto, Deputado, acontece também em outros Estados, só não posso afirmar se o Órgão fiscalizador da sanidade animal é chamado, como no presente caso. Evidentemente, que os técnicos da CIDASC extrapolaram suas atribuições, pois inconcebível que o Órgão do nosso Estado que emite a GTA ignore este fato com relação aos galos apreendidos e por ela sacrificados. A grande verdade que alguns galistas que tiveram seus galos sacrificados já se movimentam para ingressar com uma Ação Judicial contra esta barbaridade cometida pela CIDASC.436

Nesse texto de e-mail, escrito por um advogado e galista de Florianópolis, a procura pelo diálogo com algum representante político, não tinha como objetivo "legalizar" as brigas, mas questionar a atuação dos órgãos de controle. Este tipo de situação tem se repetido com frequência e revela, de certo modo, a continuidade de muitos galistas "barão". Sobre a apreensão e sacrifício de galos de briga, não é exclusividade dos órgãos de fiscalização sanitária. O próprio IBAMA já tomou atitudes como esta, como noticiado no telejornal Bom Dia Brasil, da Rede Globo, sobre uma rinha fechada pelo IBAMA e Polícia no município de Alto do Rodrigues, no Rio Grande do Norte, em julho de

436 ANONIMO. Cidasc. [mensagem pessoal] Mensagem recebida por: . em: 07 dez. 2011. 276

2015.437 O IBAMA, alegando não possuir abrigos para animais domésticos, considerou o sacrifício como forma de solucionar o problema. Alexandre Garcia, âncora do telejornal, chamou a matéria da seguinte forma: "uma operação de combate à rinha, apreendeu mais de 100 galos de briga no Rio Grande do Norte. Só que os galos mal escaparam do ringue e foram sacrificados pelo IBAMA"438 A matéria ainda contou com uma fala da promotora estadual de defesa do meio ambiente, Rossana Sudário, que solicitou a investigação do Ministério Público Federal para o caso. No recorte da reportagem a promotora considera contraditória a ação do IBAMA e complementa: "eu acredito que matar é maltratar muito mais esses animais".439 Assim, mesmo com essa interdição e todos os problemas gerados nessas ações, as relações entre galistas e membros de poderes instituídos, por vezes, têm rendido casos em que os galistas puderam continuar com as rinhas sem muitas interferências. Nos Estados da Paraíba e Mato Grosso, em diversas ocasiões o poder judiciário tem dado aval a continuidade das rinhas de galos. No Estado do Mato Grosso, mesmo não havendo uma lei específica como ocorreu em outras unidades da federação, desde pelo menos 2005, as rinhas têm seguido de forma constante, algumas vezes o Tribunal de Justiça do referido Estado tem dado aval a prática. Até mesmo tem ocorrido de, muitos galistas, se deslocarem àquele Estado para poder brigar seus galos, conforme apontou uma reportagem do Diário de Cuiabá:

O Ministério Público, a Polícia Militar e o IBAMA da Bahia descobriram que Cuiabá faz parte de uma rota turística de torneios envolvendo galos de briga. Os pacotes turísticos estavam disponíveis em um panfleto da empresa Via Brasil Viagens e Turismo, encontrado no meio de documentos apreendidos no Centro Esportivo da Bahia, nome dado ao Clube do Galo, fechado no

437 G1 RN (Rio Grande do Norte). Polícia e Ibama fecham rinha de galo em Alto do Rodrigues, RN: Ao todo, 145 galos foram apreendidos na ação realizada neste sábado (11). Detidos foram levados para delegacia e vão responder por crime ambiental. G1. Rio de Janeiro. 11 jul. 2015. Disponível em: . Acesso em: 30 out. 2017. 438 Pela primeira vez Jornal e contra o ibama por prende e matar os galos. [S.I.]: Youtube, 2015. (2 min.), color. Disponível em: . Acesso em: 12 set. 2017. 439 Ibidem. 277

dia 13 de maio pelas autoridades ambientais baianas. De acordo com o panfleto, a viagem ocorreria entre 20 e 24 de julho [de 2005], quando ocorreria um grande torneio em Cuiabá. O pacote incluía passagem aérea e hospedagem em dois dos melhores hotéis de Cuiabá, com café da manhã incluído.440

Trata-se da mesma operação em Salvador, que encontrou o nome de Duda Mendonça entre os sócios do local. E, é claro, o evento se destinava àqueles que tinham como arcar com os custos de uma diversão como esta. Sobre as rinhas de galos no Mato Grosso, uma matéria do Jornal Hoje, da Rede Globo, em 2008, trouxe maiores detalhes sobre um rinhadeiro de Cuiabá e sua condição legal:

Em Cuiabá, rinha de galo tem endereço certo. Uma associação avícola, ironicamente conhecida entre os frequentadores, como Sangue, promove brigas toda semana. A polícia já tentou fechar o local, mas, por uma decisão judicial, a atividade continua. Em 11 anos foram três julgamentos, todos favoráveis à associação que mantém a rinha. No último, os desembargadores entenderam que a briga de galos é uma manifestação cultural e torna Mato Grosso o único local do país em que a rinha é amparada pela Justiça.441

Aparentemente a situação no Mato Grosso, em comparação com os demais Estados, não parece ter seguido na mesma direção, permanecendo sem interferência mesmo do STF, pois a ação acabou indo para o STJ. Nessa instância, as decisões foram apontadas, primeiramente, como em concordância com o Tribunal de Justiça do

440 CHAGAS, Aline. Mato Grosso é destino turístico de quem aposta em briga de galo: Agência de turismo de Salvador ofereceu pacote para um torneio realizado em julho em Cuiabá. Diário de Cuiabá. Cuiabá. 05 out. 2005. Disponível em: . Acesso em: 10 jan. 2017. 441 JORNAL HOJE (TV GLOBO). Rinha de galo é liberada pelo Tribunal de Justiça de Mato Grosso: Decisão está na contramão da lei que vigora em outras partes do país. Entidades que defendem os animais criticam decisão da Justiça de MT. G1. Rio de Janeiro. 20 set. 2008. Disponível em: . Acesso em: 14 jan. 2017. 278

Mato Grosso, forçando um pronunciamento por parte do STJ, como consta em reportagem da JusBrasil em "Nota de esclarecimento: rinha de galos em Mato Grosso":

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) esclarece, em vista da divulgação equivocada por alguns veículos de comunicação a respeito da decisão do ministro Castro Meira relativa à rinha de galos no Mato Grosso, que o magistrado não concedeu qualquer liminar favorável à prática. A decisão do STJ foi de caráter meramente processual, não se manifestando em qualquer sentido, favorável ou contrariamente, quanto à legalidade ou ilegalidade da prática. Registre-se inicialmente que o noticiário tem tomado como manifestação do ministro trecho citado por ele como mera indicação, para delineação da causa em análise, do teor da decisão do Tribunal de Justiça do Mato Grosso (TJMT). É o TJMT que afirma a inexistência de ilegalidade em relação à rinha de galo, conforme entendimento daquele tribunal, em razão de previsão constitucional.442

Portanto, mesmo com essa suposta permissão judicial, a polícia e IBAMA conseguiram interditar alguns locais de rinhas no Mato Grosso. Recentemente, a polícia, em uma operação que buscava desvendar outros crimes, acabou descobrindo um local supostamente usado para rinhas, como noticiou o G1:

Polícia descobre rinha de galo durante operação que apura desvio da ALMT [Assembleia Legislativa de Mato Grosso] e apreende 19 aves em Cuiabá. Residência em Cuiabá era frequentada por um dos investigados na operação Convescote, do Gaeco. Polícia apreendeu 19 galos e caseiro foi multado em R$ 57 mil.443

442 Superior Tribunal de Justiça (Org.). Nota de esclarecimento: rinha de galos em Mato Grosso. Jusbrasil. Brasília. Set. 2010. Disponível em: . Acesso em: 25 ago. 2017. 443 G1 MT (Cuiabá). Polícia descobre rinha de galo durante operação que apura desvio da ALMT e apreende 19 aves em Cuiabá: Residência em Cuiabá era frequentada por um dos investigados na operação Convescote, do Gaeco. Polícia apreendeu 19 galos e caseiro foi multado em R$ 57 mil.. G1. Rio de Janeiro. 22 jun. 2017. Disponível em:

A ação fez parte de uma operação de investigação chamada Convescote, organizada pelo Grupo de Atuação Especial Contra o Crime Organizado (Gaeco), que paralelamente acabou encontrando um criatório ou mesmo um rinhadeiro. Ao lidar com fontes jornalísticas, os historiadores e cientistas sociais sempre se deparam com alguns problemas para a narrativa histórica, já que a apropriação do tempo para ambos é diferente. Nesse caso, a notícia não faz nenhum tipo de referência às permissões que foram concedidas há aproximadamente nove anos antes. Aliás, após algumas notícias de que as rinhas de galos não estavam proibidas no Mato Grosso, não foi possível encontrar nenhum tipo de menção sobre essa liminar entre 2010 e 2017. Se, por ventura, a decisão do Tribunal de Justiça teria sido revogada, suspensa ou se ainda estaria em vigência. De acordo com Escobar, em dezembro de 2014, a permissão para as rinhas era vigente em Cuiabá.444 Na Paraíba algo semelhante ocorreu em relação ao judiciário estadual e a permissão para os combates galísticos. De acordo com notícia do PBagora, intitulada "Justiça libera rinha de galo na Paraíba":

A briga de galo voltou a ser liberada na Paraíba. A decisão foi da juíza da 5ª Vara da Fazenda da capital, Maria de Fátima Lúcia Ramalho, por entender que o “galismo” — nome dado à prática — é um esporte milenar e que a Legislação brasileira não traz nenhuma proibição a tal. A decisão revoltou defensores da fauna e flora brasileira, a exemplo da Associação Paraibana Amigos da Natureza (Apan). A decisão da juíza foi a resposta de uma ação pela Associação de Criadores e Expositores de Raças Combatentes que teve o objetivo de conseguir liminar que proíba o impedimento do livre exercício do “galismo” por órgãos ambientais. “É que não há no ordenamento jurídico vigente norma que proíba a prática do esporte denominado popularmente briga de galo”, destacou a juíza em seu parecer.445 com/mato-grosso/noticia/policia-descobre-rinha-de-galo-durante-operacao-que-apura-desvio- da-almt-e-apreende-29-aves-em-cuiaba.ghtml>. Acesso em: 23 ago. 2017. 444 ESCOBAR, op. cit., p. 151. 445 JORNAL DA PARAÍBA. Justiça libera rinha de galo na Paraíba: Juíza libera rinha de galo e decisão revolta ambientalistas na Paraíba. Pbagora. João Pessoa. 04 nov. 2009. Disponível 280

Mesmo com diversas manifestações do Supremo Tribunal, contrárias às leis locais — inclusive no Estado vizinho, no Rio Grande do Norte, quando a Lei 7.380/98 foi anulada em 14 de junho de 2007, pelo STF, através da ADI 3776/RN — existiram algumas insistências em âmbito judiciário, em algumas regiões e estados, e que, acabaram desagradando seus pares, bem como ambientalistas ou protetores dos animais, como é possível observar na fala de um membro da associação de preservação dos animais, recortada do jornal ANDA:

“Permitir que a prática da briga de galo ou a prática de galismo é voltar à barbárie”, declarou Socorro Fernandes, acrescentando que a associação vai procurar o Ministério Público, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Renováveis (IBAMA) e a Polícia Federal. “Pedimos que a população continue denunciando a prática de briga de galos [...]. “Não podemos permitir que a falta de sensibilidade e humanidade afetem os animais”, concluiu.446

Socorro Fernandes, presidente da APAN (Associação Paraibana Amigos da Natureza) atribui a falta de humanidade e sensibilidade como fatores que levam os homens a manterem práticas como as brigas de galos, além de atribuir outros tipos de idiossincrasias aos seus praticantes. Além disso, a Associação buscou pressionar o Ministério Público e IBAMA, conclamando também a sociedade para que denunciasse as rinhas. Assim, a permissão, pelo debate suscitado, às vezes, chamava mais a atenção do que se tivesse continuado na clandestinidade. Acabou, inclusive, tornando-se tema de tese de doutorado de Marco Escobar, no Programa de Pós Graduação em Recursos Naturais da Universidade de Campina Grande. A contenda teve duração limitada e, segundo Escobar,

[...] a prática das brigas de galo foi finalmente proibida na Paraíba pelo Tribunal de Justiça da Paraíba. No dia primeiro de setembro de 2011, a sentença foi reformada em votação por em: . Acesso em: 22 ago. 2017. 446 ANDA. Juíza libera rinha de galo na Paraíba. Anda. São Paulo. 04 nov. 2009. Disponível em: . Acesso em: 11 set. 2017. 281

unanimidade na instância superior do judiciário estadual (PARAÍBA, 2011). A Primeira Câmara Cível do Tribunal de Justiça decidiu, pela proibição da prática das brigas de galo na Paraíba, cabendo à Superintendência de Administração do Meio Ambiente, SUDEMA, a fiscalização das possíveis práticas de maus tratos.447

Ainda quanto às leis estaduais ou municipais, no dia 27 de maio de 2011, uma notícia da Revista Consultor Jurídico é publicada contendo nota do Supremo Tribunal Federal, alegando que as Leis estaduais e municipais que regulam as brigas de galos passariam a ser consideradas inconstitucionais. O texto e uma reportagem televisiva, produzidos em 2012,448 fazem referência principalmente à lei fluminense. Segundo a notícia do canal TV Justiça, de setembro de 2012, a Procuradoria Geral da República, ainda em 1998 entrou com uma ação no Supremo Tribunal Federal contra a lei fluminense 2895/98. A lei foi suspensa, por causa de uma liminar do próprio STF em setembro do mesmo ano, ainda assim, não havia ocorrido nenhum tipo de julgamento a respeito da lei, o que veio a ocorrer treze anos depois. No caso da Operação Rudis, ocorrida no Rio de Janeiro em 2004, compreende-se, logo, que a lei que supostamente permitia as rinhas de galos estava suspensa. Ainda segundo a reportagem, a Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro argumentou que "a intenção da norma era garantir que o poder público pudesse fiscalizar e controlar as diversas entidades esportivas do setor. E também ressaltou que a atividade gerava empregos e era forte fator de integração entre as comunidades do interior do Estado." A matéria segue com uma declaração do promotor de justiça, Roberto Carlos Batista, no seu entendimento,

[...] o caso da rinha de galos é um caso emblemático, porque ela vem de um aspecto cultural, e é bom remarcar que só foi a partir do governo Jânio Quadros que se estabeleceu essa conduta como criminosa. Até então era tolerável e fazia parte da cultura, principalmente da capital

447 ESCOBAR, op. cit., p. 149-150. 448 Grandes Julgamentos - Rinha de galos. Brasília: TV Justiça, 2012. (28 min.), digital, son., color. Disponível em: . Acesso em: 08 nov. 2013. 282

que era o Rio de Janeiro. O fato é que hoje não se justifica mais sob a égide do aspecto cultural permanecer com esse tipo de conduta, porque hoje a natureza deve ser preservada, até mesmo em prol da qualidade de vida dos seres humanos como diz a Constituição no artigo 225.449

Para começar qualquer discussão sobre tal assunto, é preciso remarcar algumas fronteiras entre direito e história como disciplina acadêmica, os quais têm formas de análise e perspectivas completamente diferentes. Enquanto o direito preocupa-se com a interpretação e aplicação das leis da forma mais ortodoxa possível, pelo menos em teoria, a história e demais ciências sociais buscam, basicamente, compreender as transformações e, muitas vezes, a própria lei ou o discurso jurídico são apropriados para tais análises. Nessas análises são observados, inclusive, fatores éticos e morais predominantes, no sentido de se produzir um texto de lei com determinado fim. Então, vários impasses entre uma ciência e outra são frequentes e isso se observa constantemente em diversas discussões, sobretudo na contemporaneidade, a ascensão de grupos ditos minoritários, a luta por direitos, reconhecimento ou reparações de injustiças num passado histórico. Na breve fala do promotor, não há uma preocupação em explicar a transformação. Por isso, mesmo ele compreendendo que as rinhas de galos foram consideradas como uma cultura, a lei possibilita compreendê-las como um crime, e, nesse sentido, deixa de ser considerada como prática cultural. No judiciário, a cultura é tomada no seu sentido mais prático possível, sendo às vezes, sinônimo para tradição. Conforme essa lógica, algo só pode ser considerado como cultura dentro de determinada moral. Nesse sentido, as leis tendem a acompanhar os valores morais e sociais de sua época. Por isso, em diversos momentos históricos algumas práticas podem ser mal vistas, proibidas ou regulamentadas de forma a se manter um controle sobre elas. No STF, o discurso foi marcado pelo rechaço completo à atividade. O texto da notícia segue:

“A jurisprudência do Supremo mostra-se altamente positiva ao repudiar leis emanadas de estados-membros que, na verdade, culminam por

449 Ibidem. 283

viabilizar práticas cruéis contra animais em claro desafio ao que estabelece e proíbe a Constituição da República”. O entendimento é do ministro Celso de Mello, relator do caso. Com base nele, o Plenário do Supremo Tribunal Federal considerou inconstitucional a Lei estadual 2.895/98, do Rio de Janeiro, que autoriza competições entre “galos combatentes”. A decisão, por unanimidade, ocorreu no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.856, proposta pela Procuradoria-Geral da República. Em seu voto, Celso de Mello lembrou que essa é a quarta lei estadual sobre a matéria considerada inconstitucional pelo Supremo. Para a PGR, a lei estadual contraria o artigo 225, caput, parágrafo 1º, inciso VII, da Constituição Federal, “nos quais sobressaem o dever jurídico de o Poder Público e a coletividade defender e preservar o meio ambiente, e a vedação, na forma da lei, das práticas que submetem os animais a crueldades”. Conforme a ação, a lei questionada possibilita as rinhas de briga de galos submete os animais à crueldade, em flagrante violação ao mandamento constitucional proibitivo de práticas cruéis envolvendo animais.450

Para que uma ADI venha a ser discutida, são necessários relatórios para que os ministros possam apresentar seus julgamentos. No caso dessa ADI do Rio de Janeiro, o relatório foi produzido pela advogada e doutora em direito, Edna Cardozo Dias, membro da Câmara Técnica de Assuntos Jurídicos do Conselho Nacional de Meio Ambiente (CONAMA).451 Sua atuação é de destaque em várias questões ligadas aos direitos dos animais e ambientalismo. Inclusive foi presidente da Liga de Prevenção da Crueldade contra o Animal. Quanto aos ministros, a leitura foi bastante pragmática e não houve contestações e à procura em analisar conceitos como maus tratos e crueldade. Prevaleceu uma única interpretação, chocando-se frequentemente com o que entendem os praticantes da atividade.

450 CONSULTOR JURÍDICO. Lei que regula briga de galo é inconstitucional. Conjur. São Paulo. 27 maio 2011. Disponível em: . Acesso em: 28 out. 2011. 451 ESCOBAR, op. cit., p. 136. 284

Do mesmo modo, explicita a falta de critérios, ou melhor, uma seletividade de critérios, quando comparada com outras práticas culturais e/ou econômicas, como, por exemplo, o uso de pesticidas e raticidas, que podem causar dor e sofrimento do animal até a sua morte. A pesca, na qual os peixes morrem por asfixia e, mesmo na avicultura alimentícia, em que esses animais normalmente são submetidos à debicagem, que é o corte de parte dos bicos, para que a ave não desperdice ração, ainda assim, sem debater inúmeras outras práticas, o julgamento seguiu no sentido de vedar as brigas de galos.

Para o ministro Celso de Mello, a norma questionada está em “situação de conflito ostensivo com a Constituição Federal”, que veda a prática de crueldade contra animais. “O constituinte objetivou – com a proteção da fauna e com a vedação, dentre outras, de práticas que submetam os animais a crueldade – assegurar a efetividade do direito fundamental à preservação da integridade do meio ambiente, que traduz conceito amplo e abrangente das noções de meio ambiente natural, cultural, artificial (espaço urbano) e laboral”, salientou. Celso de Mello recordou que este é o quarto caso similar apreciado pela Corte. Observou que a lei fluminense é idêntica a uma lei catarinense declarada inconstitucional pelo Plenário do Supremo no exame da ADI 2.514.452

E, às vezes, o discurso transcende o texto da lei, e o juiz ou ministro se dá a liberdade de fazer análises que extrapolam sua área de atuação/formação, como sê lê a seguir:

De acordo com o relator, as brigas de galo são inerentemente cruéis “e só podem ser apreciadas por indivíduos de personalidade pervertida e sádicos”. Ele afirmou que tais atos são incompatíveis com a CF, tendo em vista que as aves das raças combatentes são submetidas a maus tratos, “em competições promovidas por infratores do ordenamento constitucional e da legislação ambiental que transgridem com seu

452 CONSULTOR JURÍDICO. Lei que regula briga de galo é inconstitucional. Conjur. São Paulo. 27 maio 2011. op. cit. 285

comportamento delinquencial a regra constante”.453

Aqui, a apropriação deficitária de uma terminologia própria da psicologia possui apenas função discursiva, uma vez que não apresenta nenhum tipo de elemento consistente para comprovar tal análise. Quanto à Constituição e a maneira como ela foi invocada, revela que a lei por si não fala sozinha. Foram em média 20 anos, para que um trecho da lei fosse interpretado de maneira a oficializar as brigas de galos como crime contra a natureza.

“O respeito pela fauna em geral atua como condição inafastável de subsistência e preservação do meio ambiente em que vivemos, nós, os próprios seres humanos”, destacou o relator. “Cabe reconhecer o impacto altamente negativo que representa para incolumidade do patrimônio ambiental dos seres humanos a prática de comportamentos predatórios e lesivos à fauna, seja colocando em risco a sua função ecológica, seja provocando a extinção de espécies, seja ainda submetendo os animais a atos de crueldade”, completou Celso de Mello. O ministro assinalou que o Supremo, em tema de crueldade contra animais, tem advertido em sucessivos julgamentos que a realização da referida prática mostra-se frontalmente incompatível com o disposto no artigo 225, parágrafo 1º, inciso VII, da Constituição da República. Ele citou como precedentes o Recurso Extraordinário (RE) 153.531 e as ADIs 2.514 e 3.776, que dispõem não só sobre rinhas e brigas de galo, mas sobre a “farra do boi”.454

A matéria continua refutando algumas das alegações apresentadas pelos defensores de tais práticas, como aquelas que as caracterizam como um esporte ou manifestação cultural:

O relator afirma que, em período anterior à vigência da Constituição Federal de 1988, o Supremo – em decisões proferidas há quase 60

453 Ibidem. 454 Ibidem. 286

anos – já enfatizava que as brigas de galos, por configurarem atos de crueldade contra as referidas aves, “deveriam expor-se à repressão penal do Estado”. Assim, naquela época, a Corte já reconhecera que a briga de galo não é um simples esporte, pois maltrata os animais em treinamentos e lutas que culminam na morte das aves. O Supremo, conforme o ministro Celso de Mello, também rejeitou a alegação de que a prática de brigas de galo e da "farra do boi" pudessem caracterizar manifestação de índole cultural, fundados nos costumes e em práticas populares ocorridas no território nacional. Celso de Mello ressaltou, ainda, que algumas pessoas dizem que a briga de galo “é prática desportiva ou como manifestação cultural ou folclórica”. No entanto, avaliou ser essa uma “patética tentativa de fraudar a aplicação da regra constitucional de proteção da fauna, vocacionada, entre outros nobres objetivos, a impedir a prática criminosa de atos de crueldade contra animais”. Além da jurisprudência, o entendimento de que essas brigas constituem ato de crueldade contra os animais também seria compartilhado com a doutrina, segundo afirmou o ministro Celso de Mello. Conforme os autores lembrados pelo relator, a crueldade está relacionada à ideia de submeter o animal a um mal desnecessário.455

Por fim, parece que todos os ministros a repudiam, conforme é possível observar:

Os ministros, à unanimidade, acompanharam o voto do relator pela procedência da ADI. O ministro Ayres Britto afirmou que a Constituição repele a execução de animais, sob o prazer mórbido. “Esse tipo de crueldade caracteriza verdadeira tortura. Essa crueldade caracterizadora de tortura se manifesta no uso do derramamento de sangue e da mutilação física como um meio, porque o fim é a morte”, disse o ministro, ao

455 Ibidem. 287

comentar que o jogo só é válido se for praticado até a morte de um dos galos. “Os galos são seres vivos. Da tortura de um galo para a tortura de um ser humano é um passo, então não podemos deixar de coibir, com toda a energia, esse tipo de prática”, salientou. Ele também destacou que a Constituição Federal protege todos os animais sem discriminação de espécie ou de categoria. Já o ministro Marco Aurélio analisou que a lei local apresenta um vício formal, uma vez que “o trato da matéria teria que se dar em âmbito federal”. Por sua vez, o ministro Cezar Peluso afirmou que a questão não está apenas proibida pelo artigo 225. “Ela ofende também a dignidade da pessoa humana porque, na verdade, ela implica de certo modo um estímulo às pulsões mais primitivas e irracionais do ser humano”, disse. Segundo o ministro, “a proibição também deita raiz nas proibições de todas as práticas que promovem, estimulam e incentivam essas coisas que diminuem o ser humano como tal e ofende, portanto, a proteção constitucional, a dignidade do ser humano”. Com Informações da Assessoria de Imprensa do STF. Processo: ADI 1.856.456

No texto, nota-se como a prática vem sendo analisada por sujeitos pertencentes às principais classes do país. Com as mais altas providências em cargos públicos, com poder de decisão acerca dos mais diversos conteúdos, tornando-os, a partir de suas concepções, legítimos ou não. Suas visões carregam vários discursos, muitos deles semelhantes aos analisados por Thomas em relação à Inglaterra setecentista e oitocentista, que se rearranjam a vários outros discursos psíquicos e noções abstratas e generalizantes, como os de humanidade, dignidade, entre outros. Isso é muito importante na medida em que, os sujeitos se aprofundam em um debate e têm de discernir como as novas sensibilidades se apresentam nos principais centros de difusões de comportamento. De acordo com o doutor em direito Clèmerson Clève, em artigo jurídico sobre a atuação do STF nesse caso das brigas de galo, existe o problema de conflito de legislação, entre o cultural e o preservacionista.

456 Ibidem. 288

Segundo este autor, os ministros tiveram que fazer uma escolha e optaram pela saída mais simples:

Poder-se-ia, eventualmente, dizer que a tensão entre o disposto nos arts. 215 e 225 da CF/1988 reclamaria solução por meio do manejo da técnica da ponderação. Mas no caso, sem explorar com maior profundidade as consequências que a adoção de um entendimento robusto dos direitos culturais poderia autorizar, particularmente na linha de uma filosofia política de tom multiculturalista, implicante, no limite, de normatividades distintas para grupos culturais distintos sob a égide de um mesmo texto constitucional, o STF se encaminhou para uma solução mais simples, na linha da operação de ajustada concordância prática e, menos do que isso, de uma possível compreensão sistemática da Constituição de modo a explicitar que qualquer solução da tensão entre os direitos culturais e os ambientais deve levar em conta a vedação desde logo estabelecida pelo Constituinte em relação à crueldade no tratamento dos animais. Haveria aqui, se bem compreendo a decisão em comento, regra clara definidora de vedação. Qualquer solução, portanto, de eventual tensão entre os direitos culturais e os ambientais, mesmo à luz de uma compreensão simpática ao multiculturalismo, em função da jurisprudência da Excelsa Corte, não pode autorizar o manejo dos animais com crueldade.457

A decisão do STF poderia ser considerada o marco final para qualquer tentativa de manutenção da prática via poder legislativo, no entanto, as tentativas seguiram e fazem parte de um projeto presente, o qual é difícil analisar sobre que destino terá. A observação histórica desses últimos cinquenta anos, aponta para continuidade de disputas esparsas e pontuais, vindo à tona a discussão e a sempre procrastinação em razão de problemas mais

457 CLÈVE, Clèmerson Merlin. Inconstitucionalidade de lei estadual que regulamenta a denominada "rinha de galo" como esporte. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 915, p.414- 420, jan. 2012. Mensal. 289

urgentes e, logo em seguida, projetos que são apensados a outros e mais anos de silenciamento. Até aqui, as questões de poder parecem ter influído de maneira mais visível, no entanto, um aspecto importante para a manutenção dessa aversão às brigas de galos se dá no conjunto de fatores, como: a transformação em crime, espetacularização midiática e, sobretudo, a consolidação de uma sensibilidade em relação aos animais, que pode ser melhor observada através da proliferação de ONGs, voltadas à defesa dos animais e sua rede de influência nas redes sociais. Ainda que sempre tenha existido quem condenasse brigas de galos, ou fosse contrária a elas, e mesmo a luta pelos direitos dos animais remonte há pelo menos, mais de um século no Brasil, durante muito tempo não havia um público suficientemente ativo e organizado chamando atenção para essa causa. Hoje, praticamente toda cidade de grande, médio e, mesmo de pequeno porte, possui algum tipo de entidade e trabalho voluntário para dar assistência a animais abandonados e em condições de fome, enfermidades e falta de um abrigo. A questão dos animais de rua é bastante antiga e sempre tratada como problema, seja ela um problema sanitário ou estético da cidade. Mas já não podem ser eliminados através de sacrifícios, pois há uma certa empatia com esses animais, com isso, diversas entidades têm condenado qualquer tipo de resolução que não seja favorável aos animais recolhidos. Embora a ênfase da maioria das ONGs se dê em relação a cães e gatos, nem todas congregam uma uniformidade de ações, políticas e mesmo linha de pensamento. Entre os defensores de cães, por exemplo, há muitas pessoas nada preocupadas com o consumo de carnes, o uso de animais em zoológicos ou qualquer tipo de adesão ao abolicionismo ou antiespecismo. Contudo, a maioria dessas entidades, por motivos óbvios, condena veementemente as brigas de galos. Essas ONGs têm suas próprias historicidades, surgiram em momentos distintos, como o caso da UIPA, surgida no final do século XIX, como tantas outras surgidas durante o século XX. Por isso, é comum que tenham surgido com propósitos e influências diferentes, pois não havia nenhum debate suficientemente robusto, acerca de especismo, veganismo ou abolicionismo animal até a primeira metade do século XX. Suas problemáticas iniciais estavam direcionadas a campanhas de castração, o uso de animais para tração, problemas de ordem sanitária e mesmo moral. Posteriormente, cresce um sentimento de que a alimentação a base de carnes pode ser moralmente condenável e, assim, 290

alguns se tornam vegetarianos, enquanto outros deixam de comer bois, vacas, porcos, mas ainda mantém alguma dieta que contém carnes de aves, peixes e crustáceos. Aos poucos, o debate em relação aos animais tem se sofisticado, como busquei apresentar no primeiro capítulo. Já não basta recolher cães abandonados, não utilizar alimentos e produtos provenientes de animais ou boicotar zoológicos. Passou a ser o objetivo de algumas pessoas e ONGs, a luta pelo abolicionismo animal e pelo antiespecismo. Nesse sentido, não é possível dissociar o combate aos combates de galos das políticas de entidades protetoras de animais em relação a outras práticas. A repulsa às brigas de galos reside na argumentação de que elas são cruéis, da mesma forma como touradas, vaquejadas, rodeios, brigas de cachorros e canários. Dessa forma, é comum as ONGs se posicionarem contra elas. No entanto, nenhuma dessas entidades é especializada em galos de briga e, por isso, ainda se torna complicado o envolvimento na recolha dessa espécie. Na maioria das vezes, os galos apreendidos em rinhas são sacrificados, seja por órgãos de vigilância sanitária, ou quando são doados para fins científicos ou alimentares. Isso, de certa maneira vem causando alguns desconfortos em animalistas. Em nota, a ANDA (Agência de Notícias de Direitos Animais), criticou a doação de galos apreendidos em rinhas para servir como alimento em um presídio:

Depois de toda a crueldade e maus-tratos a que esses animais foram submetidos pelos rinheiros, o destino mais justo para esses animais seria a adoção. No entanto, foram sacrificados por razões injustificáveis e entregues para consumo. Um péssimo exemplo e mais uma prova de que órgãos responsáveis por defender e preservar a fauna não cumprem nem minimamente com o que deveriam fazer pela vida.458

A ANDA é uma agência criada por jornalistas comprometidos com a causa animal, fundada em 2008. Sua ação tem como finalidade a divulgação de notícias relacionadas à causa animal e, por conseguinte, a pedagogização de seus leitores. A notícia é de 2009, e até 2017 a adoção desses animais não é algo recorrente. Mas já existem alguns casos em

458 ANDA. Galos de briga sacrificados são consumidos no sistema penitenciário. Anda. São Paulo. 24 nov. 2009. Disponível em: . Acesso em: 12 abr. 2017. 291

que galos recolhidos em rinhadeiros ou criatórios são colocados à disposição dessas ONGs para adoção. Em novembro de 2012, a Associação Santuário Ecológico Rancho dos Gnomos (ASERG), uma ONG de causa animal, localizada no município de Cotia, no Estado de São Paulo, realizou uma "Ação de Socialização de Galos". No sítio eletrônico da entidade, eles descreveram da seguinte maneira:

Acordando com os galos, literalmente, foram 07 (sete) dias de intensos trabalhos, 18 (dezoito) horas por dia de muita força e vontade de mudar o mal que o homem causou a estes animais. Gráficos, florais, homeopatia, incensos, mantras e muita dedicação foram os elementos usados para o sucesso desta amorosa tarefa. É com muita felicidade que informamos que 19 (dezenove) galos foram pacificados e estão vivendo livres das gaiolas, da violência e dos combates. Mas o trabalho só começou. Diariamente, o Rancho dos Gnomos está acompanhando os animais e será feita a inclusão de um a um dos que ainda aguardam por liberdade.459

Trata-se de um caso muito particular, mas torna-se interessante, e de certa maneira jocosa, a atribuição de sentidos e um vocabulário como socializar, desprogramar, pacificar, entre outras. Isso sem mencionar os vídeos, em que a cada instante um voluntário precisa apartar uma briga.460 Para qualquer galista isso seria uma loucura. E, mesmo algumas fotos dos galos "socializados" indicam que eles estão enfermos ou medicados. Qualquer galista sabe que galo que não goza de completa saúde costuma não querer brigar, ou fugir da luta facilmente. Por fim, as informações repassadas pela ONG Rancho dos Gnomos são bastante resumidas e não houve mais relatos seguintes sobre esse processo de pacificação dos galos.

459 RANCHO DOS GNOMOS. Ação de Socialização dos Galos. Rancho dos Gnomos. Cotia - SP. 07 nov. 2012. Disponível em: . Acesso em: 19 set. 2017. 460 GALOS. Rancho dos Gnomos. Realização de Thelma Madarás (Youtube). Cotia - SP, 2013. (7 min.), digital, son., color. Disponível em: . Acesso em: 29 out. 2017. 292

O animal até pode ser "convencido" a não brigar, do mesmo modo que, muitas vezes, são provocados para que peguem briga de uma vez. No entanto, minha experiência com galos de briga, sempre me fez naturalizar o fato de que soltos eles são bastante territorialistas e de temperamento instável. Isto é, podem voltar a brigar a qualquer momento, basta um intruso se aproximar, ou um dia de muita chuva, quando as penas se encharcam e mudam de tonalidade. Os galos — como é característica de muitas espécies de aves em possuírem o sentido da visão muito aguçado — nessas condições podem se estranhar muito facilmente. A consequência disso leva galos ou frangos a lutar. Se não houver algum tipo de olhar atento e contínuo, isso pode acontecer e, se os galos não forem apartados, as lutas nessas condições levam à morte dos envolvidos. Isso porque os galos podem ficar brigando horas sem que ninguém se dê conta. O desgaste físico, hipotermia, e fratura de bicos ou outras partes, levam os galos à morte em poucos dias ou mesmo horas. Mas é claro que, geralmente, as pessoas desconhecem tudo isso e a experiência predominante se dá com cães e gatos domésticos, logo, tem predominado um forte sentimento de benevolência aos animais de uma maneira mais geral. As ações de proteção aos animais têm se mantido em alta. E muita gente vem aderindo a causas de defesa dos animais. Mas, em que medida, a convivência com animais domésticos, a humanização dos animais, a proliferação de pet shops têm potencializado um sentimento geral em relação aos animais e levado milhões de pessoas a aderir a práticas que, alegadamente, preservam a vida dos animais, ou não os exploram em benefício de humanos? As causas são muitas e têm sido apresentadas desde o início deste texto. Para se ter uma ideia, trago dados mais concretos acerca do alcance e proliferação dessas emoções nas redes sociais, especialmente ao observar a quantidade de seguidores de páginas de entidades protetoras no Facebook. Em outubro de 2017, a título de exemplo, o Greenpeace Brasil possuía cerca de 3,2 milhões de curtidas, Brasil 1,5 milhões, World Animal Protection Brasil 600 mil, UIPA 520 mil curtidas, Santuário Ecológico Rancho dos Gnomos 326 mil curtidas, Clube do Vira-lata 686 mil curtidas, Instituto Luísa Mell 640 mil, Ampara Animal 365 mil, a Anda tinha quase 150 mil curtidas, Fórum Animal 116 mil curtidas, PEA (Projeto Esperança Animal) 60 mil curtidas, Suipa RJ 42 mil curtidas. 293

A influência não se limita às redes virtuais. A Fórum Animal, entidade que congrega várias ONGs, em sua página na internet possui uma categoria chamada "Nosso impacto". Nela, apresenta várias de suas ações para evitar o sofrimento dos animais. Destacam o papel de Sônia Fonseca, presidente vitalícia e fundadora da Fórum Animal, como uma das ativistas mais atuantes no processo de convencer legisladores a incluir o Artigo 32 na Lei de Crimes Ambientais.461 A Fórum Animal se destaca por influenciar a vida de bilhões de animais todos os anos, atuando na retirada de animais das ruas, na luta por métodos de abate indolores, contra rodeios, a comercialização de Foie Gras, contra cativeiros e gaiolas e a atuação e convênios com secretarias de educação, organização de materiais escolares e palestras para docentes de escolas de ensino fundamental e médio.462 Não só as entidades legalmente constituídas formam e reproduzem esse tipo de compreensão sobre os animais, mas também outros conteúdos e produções, como, por exemplo, a página do Facebook chamada "Catioro Reflexivo", com seus mais de quatro milhões de curtidas e seguidores. Apesar de se colocar como uma página de humor, com vídeos engraçados sobre animais, fotos e os chamados memes463, ela reafirma o processo de humanização dos animais através da produção de conteúdos que causam reações e emoções. Essas e muitas outras ações de diversos grupos têm contribuído para alterações e a formação de públicos preocupados com a questão dos animais, do meio ambiente e das práticas alimentares. Sobre estes últimos, é notório um aumento no número de vegetarianos e veganos no Brasil. Em pesquisa do IBOPE (Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística) em outubro de 2012, 15,8 milhões de brasileiros se declaravam vegetarianos, o que correspondia 8% do total da população.464 Entretanto, essa pesquisa pode revelar alguns exageros, já que a metodologia de pesquisa se concentrou em regiões metropolitanas e

461 FÓRUM ANIMAL. Nosso impacto em fatos e números. Disponível em: . Acesso em: 14 set. 2017. 462 Ibidem. 463 Conceito usado para descrever uma imagem, vídeos, gifs relacionados a humor, que se espalha via Internet. (N.E.) 464 CHAVES, Fábio. Vista-se. IBOPE 2012: 15,2 milhões de brasileiros são vegetarianos: Pesquisa é inédita no país e revela as cidades com mais pessoas vegetarianas. Vista-se: O maior portal vegano da América Latina. Campinas. 01 out. 2012. Disponível em: . Acesso em: 30 out. 2017. 294

cidades pequenas, somente nas regiões Sul e Sudeste do país, excluindo boa parte dos rincões de outras regiões. Além disso, quando uma pessoa se declara vegetariana ou vegana, isso não significa que ela realmente pratique a conduta com regularidade. Ainda existem algumas distorções, como pessoas que comem peixes, crustáceos, ou mesmo a dita "carne branca" e se consideram vegetarianas. De todo modo, não há como negar que as alterações de sensibilidades em relação aos animais têm feito com que muitas pessoas desenvolvam empatias com bois, vacas, porcos, galinhas, peixes, entre outras espécies. Mesmo que não existam dados contínuos e específicos, o crescimento de um mercado de alimentação vegetariana e vegana é perceptível nas grandes cidades. Em fevereiro de 2017, a repórter Juliana Carreiro, do Blog Comida e Verdade, do jornal Estadão, publicou uma matéria intitulada "Mercado vegano cresce 40% ao ano no Brasil".465 Na matéria, a autora apresenta uma estimativa de cinco milhões de pessoas que praticam o veganismo no país. Destaca ainda o crescimento no número de restaurantes do setor na cidade de São Paulo, além de diversos produtos livres do uso de animais. Apesar de formarem grupos ainda reduzidos, se comparados com o restante da população, os quais ainda não chegam a 20% do total, eles já são capazes de girar um mercado em expansão, e abrem também a possibilidade para que, cada vez mais pessoas, tenham acessos aos alimentos e produtos dessa categoria. Certamente este público não corresponde aos adeptos de brigas de galos. E a relação entre a adesão ao vegetarianismo e suas variáveis não está diretamente relacionada à quantidade de pessoas que se dizem contrárias às brigas de galos. Ou seja, o número de anti alectoromaquistas, anti vaquejadas ou qualquer outra prática dessa natureza, corresponde a uma grande quantidade de pessoas que faz uso cotidianamente de produtos de origem animal. Nesse sentido, a questão da alimentação é um pouco mais complexa e geralmente é dissociada das práticas ditas cruéis. A carne que se vende, em mercados e açougues, não é associada aos animais mortos para se tornar um alimento.

465 CARREIRO, Juliana. Mercado vegano cresce 40% ao ano no Brasil. Estadão. São Paulo, 06 fev. 2017. Comida e Verdade (Blog). Disponível em: . Acesso em: 15 out. 2017. 295

A concentração dessas possíveis incoerências pode ser observada de forma mais promissora através de imaginários. Do contrário, como compreender que entre os comedores de churrasco, espectadores das Artes Marciais Mistas e do boxe, também há os que se dizem contrários às brigas de galos ou práticas tauromáquicas? Dificilmente alguém poderia sustentar que comer um churrasco é uma necessidade dos seres humanos. Ou mesmo comer carnes de bois, porcos, frangos, entre outras, que são acessíveis nos mercados. A alimentação à base de carnes ou não, é um fator cultural. O churrasco é cultural e, além de tudo, sua preparação, o banquete, e as relações que se dão, fazem dele um momento de sociabilidades. Ou seja, as pessoas se reúnem e compartilham um prazer. Nenhuma delas come o churrasco em comoção à morte do animal. Há, dessa maneira, um imaginário bem estabelecido sobre brigas de galos no qual o próprio nome dado à atividade já carrega aspectos referenciados como negativos. Tem prevalecido, cada vez mais, que se trata de algo forçosamente estruturado por homens que buscam sofrimento e morte desnecessária desses animais. Por isso, o combate aos combates de galos não tem ocorrido somente através do Estado e de suas normas. Mas ocorre em mão dupla: sociedade e instituições reforçam a visão de que é preciso acabar com elas. Embora as condições sejam as piores possíveis para os adeptos do galismo, muitos deles têm buscado dar sobrevida à prática. Procurando meios de se organizar e se proteger legalmente.

4.2. Manutenção e lutas pela significação

As brigas de galos, mesmo não havendo uma proibição expressa, são consideradas ilegais na maioria dos lugares e estão à mercê das autoridades. Contudo, mesmo com os problemas que podem gerar, continuam a existir. Os praticantes e simpatizantes vêm buscando aglutinar forças para transformar a questão em uma causa social, amenizar as ações que podem ser tomadas contra galistas, seja quando forem pegos praticando rinhas de galos, seja para proteger os criatórios contra denúncias e, a consequente apreensão seguida de sacrifício dos animais. Para tanto, no esteio de tantas transformações discursivas da sociedade, e que parecem ter efeitos globais, os praticantes dessa atividade buscam assimilar parte do discurso dominante para aplicar na 296

defesa da alectoromaquia. Evitarei tratar como resistências, pois este termo é carregado de sentidos ideológicos. Prefiro usar o conceito de tática, ao qual se refere Certeau e que, altera os objetos e os códigos, estabelecendo uma (re)apropriação do espaço e do uso ao jeito de cada um:

Muitas práticas cotidianas [...] são do tipo tática. E também, de modo geral, uma grande parte das “maneiras de fazer”: vitórias do “fraco” sobre o mais “forte” (os poderosos, a doença, a violência das coisas ou de uma ordem etc.), pequenos sucessos, artes de dar golpes, astúcias de “caçadores”, mobilidades da mão de obra, simulações polimorfas, achados que provocam euforia, tanto poéticos quanto bélicos. [...] Do fundo dos oceanos até as ruas das megalópoles, as táticas apresentam continuidades e permanências.466

Táticas são utilizadas por essas pessoas e grupos, no intuito de driblar inúmeros inconvenientes, seja as proibições e mesmo as práticas vistas com ressalvas. Os galistas se utilizam delas para dar sobrevida a este costume. Sempre é preciso precaver-se ao participar de rinhas, criar animais ou participar de comunidades reais ou virtuais. Nesse sentido, até mesmo aquilo que é considerado como um meio propício para a difusão de ideias de preservação, proteção dos animais ou do meio ambiente, como é o caso das tecnologias da comunicação e redes sociais, elas também são utilizadas em larga escala pelos galistas, na formação de redes de comercialização de aves combatentes. São muito comuns em páginas e correios eletrônicos, na qual qualquer pessoa com acesso à internet pode fazer uma busca através de um Google, ou qualquer outra ferramenta de busca em bases de dados on-line. Também é nesse emaranhado, entre o lícito e o ilícito, que se encontra uma grande oferta de rações especiais para aves combatentes, em diversas casas agropecuárias. Dificilmente em Pet Shops. Por um lado, há uma série de facilitações produzidas por estes meios no que se refere às sociabilidades e às possibilidades de movimentação no espaço, assim como a criação desses animais necessita, bem como a própria rinha, de certos espaços —restritos e

466 CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano. 17ª ed. Petrópolis: Vozes, 2011. p.47. 297

controlados — e que podem se chocar com um modus vivendi com as novas sensibilidades, que se desenvolvem criando mecanismos para diluir certas práticas em detrimento de outras. Nessa perspectiva, Certeau demonstra a tática como a arte do fraco. Talvez os galistas não sejam tão fracos assim, mas existe uma espécie de arte, daquele que é literalmente um aficionado e faz o possível para manter suas práticas, mesmo frente a uma punição ou a um aviltamento. Isto certamente é uma pequena parte da complexidade da qual compõe. Essas táticas vão para além de criar uma camuflagem, também passam pela defesa da prática. Para deixar mais nítido, trago o relato de um galista do município de Gravatá, no Estado de Pernambuco, quando, após o fechamento de seu rinhadeiro pela polícia, no ano de 2016, ele foi entrevistado pelo programa televisivo Ronda Geral, da TV Tribuna, afiliada da Rede Bandeirantes naquela região. O entrevistado, Pedro Mendes, 40 anos, em nenhum momento escondeu sua identidade e seu rosto, procurando defender a prática trazendo vários elementos. Dentre muitos dos pontos levantados pelo entrevistado, destaco:

Nós somos os verdadeiros preservadores dos galos combatentes. Nós é que garantimos a perpetuação e preservação da espécie. Nós é que criamos, pois o habitat natural do galo na natureza já não existe. Ele (o habitat, grifos meus) é a casa do criador. [...] Agora, em inúmeras operações que se diziam protetores dos animais, que se diziam estar eles protegendo-os da ação do homem (que não é a ação do homem, eles brigam entre si), após apreender essas aves, eles sacrificavam elas! Sacrificam elas! Nós fomos agora, recentemente, ao primeiro encontro nacional de galos combatentes, em Natal, justamente lutar contra isso, não é? Porque as aves eram abatidas após serem presas! [...] Então, como que eu apreendo um animal sob a justificativa de estar protegendo e mato? Que tipo de proteção é essa?467

467 Rinha de Galo não é Crime. Gravatá: Youtube, 2016. (10 min.), son., color. Disponível em: . Publicado em 22 de mar de 2016 Entrevista com Pedro Mendes, Criador e Dono da Rinha Pena Forte em Gravata - PE. Acesso em: 15 set. 2016. 298

Pedro Mendes, além de ser apontado como criador de galos e proprietário do rinhadeiro Pena Forte, no município de Gravatá, Estado de Pernambuco, também é capitão da polícia militar e há 22 anos faz parte dessa corporação. Desde 2017 é Secretário de Defesa Social e Ressocialização do mesmo município.468 Muito provavelmente o entrevistado é uma espécie de voz autorizada da comunidade a qual representa. Isso é recorrente, quando é preciso passar uma mensagem (ou várias) a um público pouco habituado com o assunto ou com a prática em si. Até mesmo a atuação do repórter é menos indutora ao entrevistado, deixando-o falar por um longo período de tempo. Quanto ao hábito de se colocarem como preservadores não é nenhuma novidade. No livro de Francisco Elias, publicado em 1978, em diversas passagens o autor usa o mesmo termo para se referir aos galistas. Na apreensão realizada em Teresina, no Estado do Piauí, em 2009, o presidente da associação de galistas protestou contra a atitude do IBAMA em confiscar os galos.

Somos criadores de uma raça pura, e para gente ter essa raça pura nós vamos nos legalizar. Se não pudermos ser legalizados, nós vamos ter que deixar. Se nós deixarmos de criar essa raça vai acabar! Então, é onde entra o meu [questionamento sobre] o respaldo do IBAMA. Não é para preservar? Então eles estão fazendo com que a gente deixe de preservar essa raça! A partir do momento em que acabarem os criadores vai haver a extinção dela.469

Pode parecer contraditório, à primeira vista, que eles se coloquem como preservadores, mas isso parece ir de encontro às alterações de sensibilidades, pelas quais todos estão sendo perpassados, ou seja, assume-se um discurso dominante e busca-se encaixá-lo em determinada realidade. Tomando Maffesoli de empréstimo, quando ele se refere as descontinuidades entre vida cotidiana e um ideal prometeíco:

468 Prefeitura de Gravatá (Pernambuco). Conheça os novos secretários da Prefeitura Municipal de Gravatá. 2017. Disponível em: . Acesso em: 23 set. 2017. 469 Donos de galos pretendem legalizar a Associação de Criadores de Aves. Teresina (Piauí): Cidade Verde (Youtube), 2009. (2 min.), son., color. Disponível em: . Acesso em: 11 maio 2016. 299

Não se nega a moral oficial, ela não é atacada, escuta-se até mesmo os discursos daqueles que tem por função defendê-la e exprimi-la, mas a essa moral é contraposto um silêncio polido, uma não-resposta firme a suas diversas solicitações de participação. Existe uma passividade ativa que é bem mais subversiva do que o ataque frontal.470

Ou ao invés de um silenciamento polido, muitos grupos aderem a um discurso dominante, na medida em que contribuem para amenizar algumas discrepâncias. Muito embora, algumas dessas apropriações não tenham o alcance da qual esperam seus interlocutores. Os silêncios também existem, e nas abordagens dos galistas é frequente o silenciamento a vários aspectos, tais como: se realizam combates, os locais dos rinhadeiros ou a participação de pessoas envolvidas com outras práticas ilegais. Ainda assim, é recorrente a defesa da prática e a apropriação de termos e discursos: tradição, cultura, esporte, coletivos, preservação, bons tratos, etc. Há casos notórios em defesa da prática, como o conservacionista e membro da Academia brasileira de ciência, Adelmar Faria Coimbra Filho. Em reportagem à Revista Piauí, em 2011, intitulada Em defesa do esporão, ele faz revelações surpreendentes para o jornalista Ricardo Cabral. Como escreveu o mesmo acerca do entrevistado:

Funcionário público aposentado, ele é um dos grandes nomes do conservacionismo nacional. Na década de 70, participou do repovoamento do Parque Nacional da Tijuca. Lá, soltou quase mil animais, [...]. Com mais de 200 livros e artigos científicos publicados, ele também chamou a atenção para o risco de extinção do mico-leão- dourado. Adelmar Coimbra contou que está terminando um livro sobre briga de galo. Era razoável presumir que Coimbra, ambientalista que é, passaria os próximos minutos expondo argumentos contra os que se comprazem em ver os galos sofrerem.

470 MAFFESOLI, op. cit. p.57. 300

Engano: o biólogo defende a legalização da briga de galo.471

Por mais que ele seja descrito como um conservacionista, isso não o reduz a um defensor dos animais, do mesmo modo que é entendido pela maioria dos membros de ONGs animais e/ou dos antiespecistas. Talvez ele, nos seus quase 90 anos, seja representante de uma época em que, a relação entre seres humanos e o ambiente natural se dava de maneira próxima e que, a caça dos animais, fazia parte de cotidiano de muitos jovens e adultos. Ou seja, a sensibilidade de um contato com a natureza não excluía atividades como a caça, a criação de animais, a morte deles, as brigas de galos, entre outras atividades. Para Coimbra e muitos da sua geração, caçar alguns animais ou colocar galos para brigar, não colocava o homem em contraposição à natureza, nem ao menos representava um perigo a essas espécies. Ele, em entrevista a Sérgio Brandão no canal do Youtube reporterecologico,472 afirma que, quando era adolescente tinha visto micos-leões enquanto caçava pacas, na região da Baixada Fluminense e que, anos mais tarde, se interessou em pesquisar sobre este animal. Coimbra, apesar de ter vivido na, então, capital do país, viveu em uma época em que as relações com os animais eram predominantemente diferentes. Onde mesmo a morte deles fazia parte desse natural. Seja como alimento, diversão ou ambos. As brigas de galos, nesse sentido, faziam parte de uma contemplação de algo natural, ou remetiam a um estilo de vida bucólico, de relações de sociabilidade muito bem articuladas em torno dessa prática. Sem me adentrar no campo da psicologia, fatores que levaram Coimbra a ser simpático à preservação de animais silvestres, podem estar associados também à contemplação dos galos de briga e prática relacionada a ela. Isso faz parte de algumas sensibilidades, que passaram a se tornar incomuns à medida em que as pessoas se afastaram do convívio com diferentes tipos de animais.

471 CABRAL, Ricardo. Em defesa do esporão: Um conservacionista a favor da briga de galo. Revista Piauí. São Paulo. mar. 2011. Disponível em: . Acesso em: 16 jan. 2017. 472 Personalidades Ambientais - Adelmar Coimbra Filho. Direção de Ricardo Hanszmann. Realização de TV do Meio Ambiente. Intérpretes: Sérgio Brandão. Rio de Janeiro: Vídeo Ciência, 2008. (35 min.), digital, son., color. Disponível em: . Acesso em: 17 out. 2017. 301

Na reportagem da Piauí,473 sobre o livro que estaria sendo escrito por Coimbra, Ricardo Cabral destaca:

O livro vai se chamar Em Defesa do Galismo, e será uma crítica aos magistrados que, segundo ele, julgam sem saber o que estão julgando, porque não podem julgar um animal que briga porque quer. “Vou desmoralizar a Justiça brasileira”, promete. Explicou que a luta entre os galos é absolutamente natural. [...] Coimbra diz que a briga foi proibida no Brasil “por um bando de cretinos”, amparados pelo “sentimentalismo doentio” de toda uma população que, sem saber, está arrasando uma tradição milenar da cultura oriental.474

Coimbra faleceu em 2016, sua morte foi muito lamentada por diversos ambientalistas e entidades do ramo. Muitas homenagens e textos circularam por jornais e blogs de ONGs, enaltecendo o trabalho de Coimbra e sua dedicação em relação ao Mico-Leão, mas, como era de se esperar, nenhum comentário sobre suas posições a respeito dos galos. Nem mesmo sobre este suposto livro, se é que foi publicado, há qualquer coisa a respeito além dessa reportagem da Piauí. Adelmar Coimbra dizia se considerar um telúrico, isto é, alguém que gosta da terra, desde criança ele afirma se interessar por florestas, campos, mar:

Desde pequeno é fã de brigas de galo. Criador dos bichos até que Jânio Quadros decretasse a criminalização, em 1961, [...] seus olhos brilham ao se lembrar da bravura de seus galos[...]. Na parede da sala, ele pendurou uma lembrança dos tempos de bonança: um quadro, pintado por ele mesmo em óleo sobre tela, com um exemplar das aves que criava [...]. De penugem negra, olhos arregalados e esporões pontiagudos sobre um fundo vermelho-sangue, o galo parece raivoso, como se estivesse prestes a começar uma batalha feroz.475

473 CABRAL, op. cit., 2011. 474 Ibidem. 475 Ibidem. 302

Estranha-me a afirmação do entrevistador, em dizer que Coimbra parou de criar galos exatamente em função da proibição de Jânio Quadros, já que esta foi revogada no ano seguinte. Além do que, Coimbra era correspondente de Francisco Elias, escreveu o prefácio do livro deste em 1978, no qual critica os detratores do esporte. Possivelmente, Coimbra tenha parado de criar galos em 1961, ou em qualquer outra data. Não necessariamente da forma como apontou o jornalista, que parece ter indicado desta forma como recurso de linguagem, mas que mais escondem do que evidenciam, o que por ventura afirmou o entrevistado. Às vezes fica difícil saber se ele critica as decisões contra as brigas de galos tomadas a partir do Código Ambiental ou se está se referindo à decisão de Jânio Quadros, em 1961. De fato, ele demonstrou em mais de uma vez sua discordância em relação à proibição das rinhas, sempre alegando a natureza da ave, como na entrevista a Sérgio Brandão. Neste vídeo o entrevistador deixa Adelmar Coimbra desenvolver seu raciocínio livremente, sem muitas interrupções. Quando Brandão pergunta sobre a importância em preservar a floresta, Coimbra busca falar sobre o tempo geológico, a idade da terra, o surgimento da vida, dos primatas, do gênero homo, e contrapõe tudo isso ao surgimento da ciência, como algo muito breve, se analisado dentro dessas escalas. Até o momento em que ele demonstra sua indignação com algumas causas que considera sem importância, no que diz respeito à proteção. Coimbra então protesta:

[...] acontece que o homem não sabe nada, de nada! Estamos perdendo sem saber (concordando com o entrevistador, grifos meus). Por exemplo: crime ambiental! A polícia foi lá e prendeu o [...] Duda Mendonça. Ele tava assistindo briga de galos! Crime ambiental é briga de galos?! Crime ambiental é o que está sendo feito na Amazônia! Estão queimando milhões de espécies desconhecidas, e ninguém diz nada! Agora, dois galos brigando, que é um fenômeno natural... [...] Tá lá no sudeste da Ásia as quatro espécies selvagens, do gênero gallus, estão lá brigando. Tem esporão não foi para fazer cafuné, não! É para se matar, para [fazer] fugir ou correr, mas é combate, é um fenômeno natural. Assim como os mabecos (Lycaon pictus), aquele cão selvagem da 303

África... Você já viu como eles comem uma zebra viva? Que crueldade!? Crueldade nada! Isso é natureza!476

O repórter fica aparentemente um tanto embaraçado, tenta conduzir dizendo que há problemas maiores que estes, mas deixa que Coimbra continue seu raciocínio. Coimbra, por sua vez, está mais preocupado em classificar como um comportamento natural dos animais, do que confirmar a asseveração de Brandão sobre a relevância. Ao fim, conclui criticando a falta de incentivos públicos para pesquisas nas universidades como agravante aos problemas ambientais. Os argumentos utilizados pelos simpatizantes das rinhas passam, na maioria das vezes, em atribuir falta de conhecimento por parte daqueles que atacam a prática. Principalmente quando falam dos instintos do animal. Eles evocam a natureza do galo de briga, além da falta de conhecimento das pessoas sobre esses animais. As outras pessoas, como enfatizou o depoente Astor, de São Miguel do Oeste, “não tem conhecimento de causa.”477 Também é comum usarem comparações com outros animais, de maneira a enaltecer essa diferença que é dada ao galo. Roberto, por exemplo, ao ser perguntado sobre rinha de cães, diz que ela não tem nada a haver com rinha de galos, “porque esses cachorros, o pit bull, se mutilam. Então é uma coisa feia, eu não gosto não”.478 Opinião semelhante a de Nelson – “o que eu acho mais crueldade é ver dois cachorros brigando, porque ali é na dentada e se vê que rasga mesmo, diferente de um galo de briga”.479 Enquanto José, afirma que “o cachorro e o pássaro não são para isso”.480 Na verdade, a maioria dos depoentes desconhece estas outras práticas, ou conhecem por ouvir falar. Se por acaso conhecessem, o teor da pergunta não traria uma resposta muito diferente desta, pois subjetivamente o argumento para a diferenciação entre galos e cães tem, por fim, justamente justificar a utilização de um para o combate e de outro para companhia ou guarda.

476 Personalidades Ambientais - Adelmar Coimbra Filho. Direção de Ricardo Hanszmann. Realização de TV do Meio Ambiente. Intérpretes: Sérgio Brandão. Rio de Janeiro: Vídeo Ciência, 2008. (35 min.), digital, son., color. Disponível em: . Acesso em: 17 out. 2017. 477 Astor. 2009. 478 Roberto 2009. 479 Nelson 2009. 480 José. 2009. 304

Todavia, o interessante nessas respostas é que geralmente prevalecem os discursos dominantes sobre as novas sensibilidades em relação aos animais, ou até mesmo a respeito de sensibilidades sobre o mundo natural em geral, como se percebe na preleção de Nereu sobre a pergunta que envolvia lutas de cães ou pássaros:

Em primeiro lugar, eu nunca tive a intenção de ter um canário encerrado. Acho que o passarinho, pelo seu tamanho deve estar solto. Até mesmo na propriedade que eu tenho, onde eu criava galos de briga, vinham pássaros de todas as espécies por causa da distribuição de alimento para os galos, e a gente os admirava soltos na natureza. Entendemos que, eles presos, não tem a mesma beleza, nem o mesmo encanto. Sobre o cachorro, eu já ouvi falar sobre briga de cachorros, mas nunca vi uma briga de cães.481

De forma semelhante é entendido os maus tratos aos animais. Todos os entrevistados demonstram compaixão pelos animais, com certeza, não na mesma medida em que membros de sociedades protetoras de animais e simpatizantes. Astor, por exemplo, ao ser questionado sobre o que pensa do mau trato aos animais, respondeu:

Ah, eu sou contra o mau trato aos animais. [...] Eu acho o mau trato aos animais uma idiotice de quem pratica, mas com relação ao galo de briga, fazer a rinha de galos e pôr o galo brigar, [...] na minha opinião, com o conhecimento de causa que eu tenho, não é mau trato ao animal. Porque o animal, como já disse, tem instinto voltado para a briga, e não é o homem que põe o galo brigar, a gente tem que criá-los separados uns dos outros senão eles se matam entre si. Então, esse é um caso específico onde o animal rinha, a gente leva ele a rinha, ele rinha porque ele quer brigar. Quando ele vê o outro ele já se transforma e já salta sobre o outro brigando, não há a necessidade de instigar o animal a briga.482

481 Nereu 2009. 482 Astor 2009. 305

Opinião esta, compartilhada com vários outros galistas, como por Nelson:

Olha, eu sei que tem gente que judia de bichos, mas o galo de briga não tem nada a ver com isso. Você judiar um bicho é uma coisa, pegar um cachorro e encher de pauladas... Agora, pegar um galo de briga e por um na frente do outro, ele vai brigar, ninguém vai por ele brigar se ele não quer brigar.483

Esse tipo de fala é muito comum, quando é preciso se dirigir ao público exterior à prática e, vem tornando-se unanimidade entre os galistas. Mesmo nas redes sociais o discurso tem tomado de maneira uniforme essa orientação. Em um vídeo no canal do Youtube de Eugenio galista, publicado em 21 de maio de 2017, há uma publicação sobre a apreensão de brigas de galos no interior da Paraíba. O vídeo foi produzido pela emissora TCM (TV Mossoró), do Rio Grande do Norte. Nas imagens, o proprietário de um local, onde havia galos de rinha, concede entrevista enquanto a polícia retira os galos da propriedade. Ele busca se defender, aponta decisões da justiça paraibana reconhecendo as brigas de galos como atividade cultural e, como de costume, apresentando os argumentos frequentemente utilizados pelos galistas:

Não há nenhuma lei contra briga de galos. Há lei contra maus tratos de animais. Mas o que é maus tratos? [...] É fazer o animal sofrer sem necessidade, é obrigar o animal fazer algo contra sua vontade. Por exemplo, um carroceiro... um vaqueiro na vaquejada. O cavalo é obrigado a correr, o boi é obrigado a correr, tomar uma queda. Muitas vezes quebra a perna, machuca. Entretanto, não existe nada sobre questão ambiental. Não vão lá, não proíbem as vaquejadas em todos os lugares. O carroceiro mata o cavalo de bater! O cavalo carrega a carroça porque quer? Não! Se você soltar um cavalo, sozinho ele pega uma carroça e coloca nas costas? Não! Agora solte uns galos desses pra ver que todos irão brigar! Não se

483 Nelson. 2009. 306

instiga galo a brigar, não existe isso! É da natureza dele! Nenhum desses galos é da nossa fauna, vem tudo de fora. Os galos são da Ásia! O caso, por exemplo, dos animais que a gente come, com 30 ou 40 dias matam. Isso pra mim é maus tratos. Pois o animal está ali, num alojamento muito pequeno, amontoado com outros, sem direito a andar, sem direito a sol, sem direito a nada. Com 30 ou 40 dias as pessoas vão lá e matam pra comer...484

Não é apenas um recorte de vídeo. Nas redes sociais se encontram diversas publicações nesse sentido. Se por um lado, os grupos protetores de animais conseguiram atingir um público maior através dessas redes, os galistas também começaram a se apropriar dessas tecnologias para dialogar entre seus pares, apresentar seu ponto de vista, se defender e mesmo para demonstração de força, diante da atuação dos órgãos de segurança. Outra maneira bastante usual de dar manutenção às atividades é a formação de sociedades. Desde muito tempo, essas sociedades se formaram para praticar o esporte, e em consequência disso acabam se tornando oficiais, no sentido de organizar eventos e administrar rinhadeiros e criar certa uniformidade. Assim, se estabeleceram e se consolidaram os rinhadeiros em praticamente todas as cidades mais importantes do país, como já apresentei no capítulo anterior. Portanto, quando a prática passa a ser considerada ilegal e os rinhadeiros são desativados, estas sociedades sofrem um acentuado processo de desagregação, inclusive, muitos membros optam por se afastar do galismo. Poucas delas resistem por mais tempo. No entanto, após esse momento de desestruturação, outros atores, numa situação diferente, buscam recriar outras sociedades, com objetivos de fazer frente à série de intervenções deflagradas pelo poder público e no enfrentamento daquilo que é dito sobre as brigas de galos. As sociedades, como instituições anônimas, têm dado cada vez mais espaço à formação de comunidades que funcionam fisicamente e virtualmente. Essas comunidades têm se alterado com a disseminação de novos meios de comunicação, propiciados pela internet. Elas não necessariamente estão substituindo as identidades locais, mas se inserem

484 Galista desabafa após ter seus animais aprendidos. Mossoró [Rio Grande do Norte]: TCM (Youtube), 2017. (5 min.), son., color. Disponível em: . Acesso em: 17 set. 2017. 307

de tal forma a criar grupos de afinidade, que já não podem ser caracterizados pelo território físico que habitam. Analisando os praticantes das brigas de galos, há muito tempo eles se referem a si mesmos como galistas e, cada idioma tem sua variação para designar estes adeptos: cockfighters, coqueleurs, galleros, os quais sempre estiveram atuantes mais significativamente nos locais onde habitavam e, nas cidades, as quais frequentavam os rinhadeiros. O alcance dessas identidades há muito tempo pode ser observado. Até pode ser estranho, mas existem grupos de galistas que se reconhecem de norte a sul do país, como foi possível observar pela abordagem de Francisco Elias, no capítulo anterior. Alguns galistas até mesmo no exterior participam dessas redes de sociabilidades. É claro que não estou me referindo ao pequeno criador de galos e que fazia algumas rinhas por ano, mas de pessoas que se deslocam de avião para ir a um evento dessa natureza. Ainda que a atividade tenha sofrido um grande revés com a proibição e atuação mais efetiva das polícias e do IBAMA sobre eles e, a consequente debandada de muitos destes galistas, por sua vez, o costume passou por uma reorganização e o estabelecimento de novas formas de ativismo. Dentre as mais importantes está a criação de várias associações regionais e estaduais de criadores de galos, como, por exemplo, a ACERCSP (Associação dos Criadores e Expositores de Raças Combatentes do Estado de São Paulo), APAC-PB (Associação dos Preservadores de Aves Combatentes do Estado da Paraíba)485, a ASCPEACRS (Associação dos Criadores, Protetores e Expositores de Aves Combatentes do Estado do Rio Grande do Sul)486 – e, posteriormente, a tentativa de criar uma entidade nacional de criadores de galos, que ao final das contas foram criadas pelo menos três, a ANACOM, a ANAPAECO e a ANCRIB.487 A rigor, cada uma delas está concentrada em cada das três principais regiões do Brasil. A ANACOM (Associação Nacional dos Criadores e Preservadores de Raças Combatentes) esta sediada no Estado de Minas Gerais. A ANAPAECO (Associação Nacional de

485 APAC. Associação dos Preservadores de Aves Combatentes do Estado da Paraíba. 2010. Disponível em: . Acesso em: 12 set. 2016. 486 ASCPEACRS. Associação dos Criadores Protetores e Expositores de Aves de Combate do Rio Grande do Sul. 2009. Disponível em: . Acesso em: 09 set. 2017. 487 ANCRIB (Fortaleza). Associação Nacional dos Criadores da Raça Índio Brasileiro. 2016. Disponível em: . Acesso em: 08 ago. 2017. 308

Criadores e Preservadores das Aves Exóticas Combatentes), por sua vez, no Estado do Rio Grande do Sul, e, a ANCRIB (Associação Nacional dos Criadores da Raça Índio Brasileiro) foi criada em 2016, no Estado do Ceará. Isso não significa, entretanto, que os filiados se restringiam às regiões onde estavam sediadas as entidades. Ao menos, havia muita gente do Sul do país associado à ANACOM, isso quando não, às duas entidades. Em setembro de 2017 a ANACOM e a ANAPAECO anunciaram, na página da primeira no Facebook, a fusão das duas entidades, conforme consta na postagem:

Figura 35 - Anúncio da fusão da ANACOM e ANAPAECO

Fonte: ANACOM. Facebook. 2017. Disponível em: . Acesso em: 13 set. 2017.

Essas entidades são geridas por grupos de galistas e, destacam-se alguns personagens bastante ativos e conhecidos do galismo nacional, em cada uma delas. Entre duas ações cabe destacar a formação de algumas estratégias de defesa para os criadores, frente a possíveis 309

intervenções policiais, bem como a procura de diálogos mais sólidos com grupos políticos e instituições. Em 2014, Antonio Siliprandi, presidente da Associação Nacional de Criadores e Preservadores das Aves Exóticas Combatentes (ANAPAECO), foi entrevistado por uma revista, sediada em Dionísio Cerqueira, no Estado de Santa Catarina. Nessa entrevista ele indicou algumas das funções da entidade que presidia. Ao ser perguntado pelo entrevistador sobre o que era a ANAPAECO, Siliprandi disse:

[...] sentiu-se a necessidade quando novas leis ambientais se inseriram como uma verdadeira caça as bruxas em cima do galo de combate, e ainda mais na rinha de galos. E logo depois estendeu-se ameaçando até matar nas cocheiras. Então a necessidade da ANAPAECO é de preservar essa ave. [...] A ANAPAECO [...] hoje conta com 4 mil associados e procura não deixar os pequenos sozinhos na luta de manter o galo combatente. [...] A posição da ANAPAECO é preservar a criação da ave de combate. Como também a ONG Viva Galo, agora em fase final de registro, [que] irá acomodar os animais [pegos em rinha] no transcorrer do processo.488

Quando questionado pelo entrevistador sobre o sacrifício dos animais, praticado por órgãos competentes, Siliprandi, muito enfático, esclareceu:

Eu to aqui por causa desse sacrifício. Não existe na lei brasileira, não tem lei para matar um animal. Não tem lei para o sacrifício de um animal que não esteja comprovadamente infectado, que não esteja trazendo risco para a saúde de outros animais ou para a saúde humana. Hoje só pode matar um galo nesse país, ou uma galinha, o proprietário! [...] A autoridade policial não pode fazer lei a seu bel prazer, a autoridade policial tem que conhecer a lei e tem que saber onde ela vai atuar. [...] Eles incineraram esses galos [...] em uma cerâmica da região. [...] Não pode fazer nada

488 Rinha de Galos Entrevista Antonio Siliprandi. Dionísio Cerqueira [Santa Catarina]: Portal Tri, 2014. (10 min.), digital, son., color. Disponível em: . Acesso em: 07 maio 2015. 310

sem mandato judicial! A Polícia não tem a lei nas mãos, então justiceiros e vigilantes não cabem na nossa constituição nacional. E na ANAPAECO [...] tá dito: se matarem [os galos] eu vou de atrás! Não é o Antonio que está de atrás, é o presidente da associação nacional. E eu prometi para os criadores desse país. Se sacrificarem os animais nós iríamos tomar uma atitude! Trouxemos aí uma notícia crime e o Ministério Público vai ter que se manifestar. Nós estamos pedindo ajuda para o MP e nós temos as provas. E outra coisa, na verdade eles são confessos como sacrificantes dos galos! [...] Então, quem mata os animais tem que responder por isso!489

A fala de Siliprandi, aparentemente tem poucas intervenções do entrevistador, no entanto, possui muitas edições, cortes e junções de fala, o que pode ser um pouco problemático para uma análise de conteúdo. Ainda assim, pela maneira como foi conduzida e editada, a entrevista teve como objetivo oferecer um auxílio na divulgação das ideias do entrevistado e de sua entidade. Posteriormente o conteúdo foi divulgado em um portal de notícias de interesse regional e também no Youtube, no qual, em outubro de 2017, possui cerca de 53 mil visualizações. Essas entidades surgiram basicamente no momento em que a ação dos órgãos públicos começa a apreender os galos. Por mais que as rinhas em si fossem proibidas, e os flagrados num evento desses pudessem sofrer as devidas penalidades previstas em lei, este grupo recorreu em várias questões, mesmo contra atacando judicialmente os gestores em algumas oportunidades, como deixou claro Siliprandi. A tarefa, por sua vez, não tem sido tão fácil, já que as sociedades protetoras continuam atentas a alguns tipos de movimentação, sobretudo aquelas que são amplamente divulgadas na rede. Em 2015, uma reunião de galistas na região sudoeste do Paraná se tornou notícia para a revista eletrônica "O Grito do Bicho", um portal de notícias pertencente à Sociedade Educacional Fala Bicho, no Rio de Janeiro. Como era de se esperar, o teor da notícia foi condenatório:

489 Ibidem. 311

Que país é este? como aceitar isto sem que a polícia não tome uma providência? teve até políticos e militares no evento..... É como dar direito à criação de Associação de Estupradores, de Pedófilos, de Traficantes..... COMO PODE ISTO PASSAR IMPUNE? e a mídia é convidada e vai?490

É curiosa a comparação com outros tipos de atividades ilícitas, já que a compreensão leva a supor que a ilegalidade deveria frear qualquer tipo de busca por legitimidade. Talvez, só exista este anseio porque seus praticantes acreditam seriamente em se tratar de algo moralmente aceito, caso contrário, não haveria essa insistência em se associar. Em Minas Gerais, uma questão foi ainda mais longe. Uma ação judicial, contra uma sociedade galística de Belo Horizonte, cassou seu registro legal. Em maio de 2017, de acordo com o portal "Olhar Animal", em notícia intitulada "Sociedade dos Criadores de Galos Combatentes de Belo Horizonte (MG) é desconstituída pela Justiça":

A 30ª Vara Cível de Belo Horizonte atendeu pedido do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) e desconstituiu a Sociedade dos Criadores de Galos Combatentes de BH. Com isso, todos os registros da entidade também foram cancelados. [...] Em Ação Civil Pública (ACP) ajuizada em 1999, o MP apontou que a sociedade, fundada em 1936, apesar de ter como objeto social a promoção de divertimentos esportivos de disputas de galos, praticava, na verdade, espetáculos sangrentos.491

Reiterando, assim, o problema dos conflitos entre animalistas e galistas, muitos dos quais são mais bem observados nas diversas homilias de juízes, promotores, desembargadores e ministros.

490 O GRITO DO BICHO. Galistas criam a Associação Paranaense de Criadores e Preservadores de Aves de Combate. O Grito do Bicho. Rio de Janeiro. 29 dez. 2015. Disponível em: . Acesso em: 12 ago. 2017. 491 OLHAR ANIMAL. Sociedade dos Criadores de Galos Combatentes de Belo Horizonte (MG) é desconstituída pela Justiça. Olhar Animal. São Paulo. 14 maio 2017. Disponível em: . Acesso em: 12 ago. 2017. 312

Figura 36 - Tabela com algumas associações de criadores de galos. Dados coletados em outubro de 2017.

Fonte: produção própria do autor com base na pesquisa em sítios eletrônicos. 313

É fato que a maioria deles se pronuncia com base em relatórios produzidos por terceiros. Portanto, quando estes últimos são pessoas ligadas ao galismo, nota-se a inclinação a uma decisão favorável aos galistas, como já aconteceu em Pernambuco, Paraíba, Mato Grosso, entre outros lugares. Mas também decisões totalmente contrárias aos galistas, o que vem demonstrando a atuação de juristas e ONGs. As decisões judiciais, dessa maneira, estão longe de uma suposta imparcialidade, na qual o poder judiciário constantemente busca se reafirmar como instituição. Independentemente para o lado em que a balança pende, essas decisões têm apresentado a inclinação desses magistrados, ou até mesmo a displicência diante de um tema, sempre tratado como de pouca relevância. Mais fácil deferir conforme aponta um determinado laudo, mesmo que este apresente alguma tendência. De qualquer forma, esta prática tem se mantido na clandestinidade e, mesmo que possa ser interpretado como um descuido, várias informações sobre a atividade, exceto locais de rinhadeiros, estão presentes na internet e podem ser acessadas facilmente por qualquer interessado. Há desde a oferta de produtos, ovos, reprodutores a venda, até comunidades virtuais, blogs, fóruns, páginas e usuários do Facebook e que discutem o tema abertamente. Há também as comunidades fechadas no Facebook, na quais somente é possível participar por solicitação aos membros ou por convite. Existiu também uma rede social chamada "Combatente Online", com cerca de três mil usuários, em que se discutia sobre criação, comércio de ovos e aves, doenças, genealogia das aves, ações da polícia contra rinhadeiros, entre outras informações de interesse dos membros. Em 2015 essa página foi desativada pelo gerente, após várias tentativas frustradas de arrecadar fundos para a manutenção da mesma. Pelo menos essa foi a alegação. Inclusive, foi por essa rede social que conheci um galista de Fortaleza, e que tive a oportunidade de conhecê-lo pessoalmente, em 2013. Encontramos-nos, conheci sua criação e um fato, entre tantos outros, chamou minha atenção: ele contou ter comprado alguns galos de um criador do interior Rio Grande do Sul, da estirpe chamada Sorveteiro, galos dos quais eu sabia que um criador também os possuía, na cidade de Florianópolis. Pode parecer curioso e um tanto esquisito que galos possam receber tanta importância assim e uma família de galos se encontrar espalhadas por tantos lugares de um país de dimensões continentais. Além da existência de uma rede de relações em um espaço, às vezes, 314

muito maior daquilo que a maioria das pessoas pensa existir sobre uma atividade como essa. As brigas de galos e a pesquisa sobre essa atividade têm apontado significativamente para a descoberta de um submundo que, ao compreender as pequenas coisas, remete à compreensão de uma macro- história. Muito semelhante à metodologia da micro-história, que busca a compreensão do macro através do micro. Isto é perceptível quanto às alterações de sensibilidades, sua aceitação ou pelo menos, um ignorar da prática enquanto maus tratos, mas também visível no plano institucional, seja através das inúmeras ações tomadas na esfera jurídica, como também na política, em seu sentido mais restrito. Ainda assim, sobre as inúmeras manifestações políticas contrárias ou favoráveis às brigas de galos, elas têm tido continuidade, mesmo após mais de uma década em que a proibição se estabeleceu em forma de ação policial. Muitos políticos não têm escondido suas opiniões acerca do assunto. Um dos casos aconteceu em 2017, no Estado da Paraíba. O vereador Adriano Martins (PMDB), do município de Bayeux, na região metropolitana de João Pessoa, acerca dos combates de galos, declarou na tribuna da câmara de vereadores:

[...] eu mando fazer dez mil panfletos, jogo na cidade, boto um carro de som e justifico, que eu sou a favor da liberação dos galos de briga, de aves de combate. Eu sou a favor, eu sou um admirador! Eu amo ver um galo brigando com outro, de espora! Eu gosto, eu acho bonito! Como eu acho feio, dois seres humanos brigando MMA e UFC! Desculpem-me aqui os vereadores que praticam o esporte, mas eu não acho bonito dois homens lá se esmurrando até um tombar. Eu não acho bonito, mas eu respeito, porque é um esporte. Eu gosto de vaquejada, que também dizem que maltrata os animais. Gosto de rodeio, que é um esporte legalizado. Gosto do hipismo, que judia dos cavalos, porque muitas são as vezes que se quebram as patas, mas que ninguém discute.492

492 Aurélio Lacerda defensores de galismo. João Pessoa: Jornal da Paraíba (Youtube), 2017. (4 min.), digital, son., color. Disponível em: . Acesso em: 25 set. 2017 315

No blog do jornalista Suetoni Souto Maior, vinculado ao Jornal da Paraíba, o caso é transcrito e apontado pelo mesmo como um caso grave.493 Ainda assim, nos comentários, apareceram algumas pessoas criticando a atividade e, também, muitos galistas para apoiar o vereador. Sem demora, tornou-se um espaço para insultos de ambos os lados. Este é um efeito recorrente, que tem aflorado na abertura de espaços para opiniões em diferentes veículos, como portais, sítios eletrônicos, redes sociais, blogs, e outros, independente do tema abordado. Na linguagem cibernética, alguns comentários são descritos como produzidos por haters, quando podem ser considerados discursos de ódio, e trolls, quando o conteúdo de provocações busca tumultuar e chamar a atenção. No Estado de Santa Catarina, o deputado estadual Manoel Mota (PMDB), em 2016, publicou um vídeo dirigido aos galistas, demonstrando seu apoio à causa destes.

A grande injustiça no Estado e no país é se meter na briga de galos. A briga de galos é uma tradição, uma cultura. Na história do país, [é uma cultura] a briga de galos e a corrida de cavalos! Agora tu vê, numa rinha [sic, ringue], os caras se arrebentando todo. Aí pode! Porque aí é mídia, aí é dinheiro. Agora, uma briga de galos, que só servem para isso, não pode! Por isso, todo o meu apoio como parlamentar — tenho sete mandatos, maior número de mandatos do parlamento de Santa Catarina — e conte com todo meu apoio! Vou fazer muita força para que o parlamento de Santa Catarina adere a toda essa missão. E vou fazer força para que nossos deputados federais também entrem na mesma bandeira, para que nós possamos voltar [a ver] aqueles verdadeiros apaixonados pelas rinhas. [...] Que continue esse grande esporte para que possamos viver esses novos momentos e que essa raça não termine.494

493 SOUTO MAIOR, Suetoni. “Eu amo ver um galo brigando com outro”, diz vereador de Bayeux: Adriano Martins quer a legalização das rinhas. Jornal da Paraíba. João Pessoa. 25 abr. 2017. Disponível em: . Acesso em: 12 out. 2017. 494 Deputado Manoel Mota: a volta das rinhas de galo.... Florianópolis: Youtube, 2016. (2 min.), digital, son., color. Disponível em: . Acesso em: 01 jul. 2017. 316

O vídeo também foi publicado em uma comunidade do Facebook, chamada "Araranguá da Depressão", no dia dois de junho de 2016, e teve quase 40 mil visualizações, mais de 900 compartilhamentos, 400 reações (333 curtidas, 69 reações de raiva, e algumas poucas de tristeza, surpresa e "amadas") e mais de 300 comentários sobre a postagem.495 Os comentários, mais uma vez, se dividiram entre críticos e apoiadores das brigas de galos. Não foi a primeira manifestação do deputado sobre tal assunto. No ano 2000, no decorrer das leis que estavam a ser votadas sobre a autorização das brigas de galos e da farra do boi em Santa Catarina, Mota, em pronunciamento na Assembleia Legislativa,496 exaltou as brigas de galos, corridas de cavalos, farra do boi, entre outras atividades, como marcas da tradição, e concluiu conclamando seus colegas para que derrubassem o veto a elas. Dezesseis anos depois, o mesmo deputado voltou a se manifestar e a repercussão foi diferente. Isto demonstra o forte poder de difusão das redes, como também das alterações de sensibilidades em relação aos animais, que produzem maiores reações por uma quantidade considerável de pessoas. O vídeo teve seu relativo sucesso e virou matéria no jornal "Notícias do Dia"497 Como também algumas entidades de proteção aos animais manifestaram seu desagravo ao deputado. A ONG Voto Animal (de orientação vegana), que acompanha a causa animal e o envolvimento de políticos pelo Brasil e indica em quais candidatos não votar, classificou o deputado catarinense como reprovado.498 E finalizou: "Manoel Mota tentou ainda igualar as brigas de galo às lutas de humanos como o UFC em seu vídeo. Porém, a diferença básica, e

495 Araranguá da Depressão (Araranguá - SC). Facebook. Viva a rinha de galooooooooooo. 2016. Disponível em: . Acesso em: 13 nov. 2017. 496 Assembleia Legislativa de Santa Catarina. MANOEL MOTA - 016ª SESSÃO ORDINARIA. 2000. Disponível em: . Acesso em: 12 out. 2017. 497 REDAÇÃO ND. Deputado estadual Manoel Mota defende rinha de galo em vídeo publicado na internet: "É uma tradição, uma cultura", disse o político do PMDB, criticado por praticamente todos que comentaram a postagem. Notícias do Dia. Florianópolis. 03 jun. 2016. Disponível em: . Acesso em: 12 set. 2017. 498 VOTO ANIMAL (ONG). Manoel Mota – SC – Araranguá. 2016. Disponível em: . Acesso em: 12 nov. 2017. 317

também óbvia, é que os competidores de UFC, ao contrário dos galos, escolheram estar ali."499 Essa comparação entre lutas de humanos e lutas entre animais é recorrente. Por um lado, os alectoromaquistas, partindo do pressuposto que os seres humanos são mais importantes, acreditam se constituir em algo contraditório a proibição das rinhas de galos, enquanto as lutas entre humanos são permitidas. Por outro lado, os animalistas, defendem que os animais não devem ser obrigados ou induzidos a algo que satisfaça uma vontade humana, se isto também não é ao mesmo tempo benéfico a este ser vivo. Em 2017, outra discussão sobre galos de briga foi transformada em polêmica.500 Na câmara de vereadores de Joinville, uma vereadora usou seu tempo na tribuna para falar sobre a adoção de galos de briga que foram apreendidos. Os galos não tinham local adequado para permanecer enquanto não houvesse interessados em adotar. Não houve nenhum tipo de manifestação em defesa das brigas de galos, no entanto, outros vereadores subiram na tribuna para demonstrar suas insatisfações diante do tema abordado. Parte deles sugeriu que, os galos deveriam ser sacrificados e servir como alimento em creches ou abrigos, enquanto outros se incomodaram com o tempo desperdiçado na discussão de um tema somenos importância. Este foi, portanto, mais um caso que reúne algumas das perspectivas abordadas até aqui. Debates e disputas entre os animalistas e aqueles que julgam a vida humana como de maior importância, como também daqueles que tendem a protelar tal discussão por julgá-la como insignificante diante de outros problemas. Os debates em torno dos animais têm sido frequentes na esfera nacional, e alguns políticos se apresentam como representantes dessa causa. Vale citar o deputado federal Ricardo Tripoli (1952-), do PSDB paulista, que possui relações estreitas com a UIPA e a SUIPA.501 Há projetos de lei que, muito embora não possam ser classificados como de

499 Ibidem. 500 RBS TV. Adoção de galos de rinha gera bate-boca na Câmara de Joinville: vereadores passaram quase uma hora discutindo assunto; um deles sugeriu ensopado dos animais para matar fome de crianças. G1. Joinville. 13 abr. 2017. Disponível em: e vídeo em: . Acesso em: 03 ago. 2017. 501 CARVALHO, Pedro. Candidato a líder do PSDB, Ricardo Tripoli coleciona polêmicas: Ambientalista, Tripoli recebeu dinheiro de fazenda de corte de gado. Veja. São Paulo. 15 dez. 2016. Disponível em: . Acesso em: 05 mar. 2017. 318

uma causa animalista, procuram salvaguardar e normatizar alguns direitos dos animais. Um deles é o Projeto Lei do senado nº 677 de 2015, de autoria do senador Wellington Fagundes (1957-), do PR, do Estado de Mato Grosso. Este PL busca instituir o Estatuto dos Animais, alterando a Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998. A ementa esclarece:

Institui o Estatuto dos Animais, destinado a garantir a proteção da vida e o bem-estar dos animais, tendo como princípio a evitação da dor, do sofrimento ou de danos desnecessários, aplicando-se a todos os animais vertebrados, incluindo os domésticos, silvestres e de produção. Disciplina condições reprodutivas artificiais, transporte, abate e rastreabilidade de animais, bem como a bovinocultura, a suinocultura e a avicultura. Altera a Lei de Crimes Ambientais, para aumentar pena em crime contra a fauna.502

No caso desse senador, que também é médico veterinário, a intenção, em nenhum momento, se deu em romper as fronteiras entre humanos e animais. Mas visa disciplinar algumas ações que, aparentemente, tendem a beneficiar os produtores que dispõem de um aparato tecnológico capaz de cumprir com essas normas, enquanto pequenos produtores, dificilmente, poderão se adequar a estas diretrizes. Outro projeto de lei é o número 650 de 2015, de autoria da senadora Gleisi Hoffmann, do PT paranaense. Este PL, entre outras alterações em legislações anteriores, dispõe sobre a proteção e defesa do bem-estar dos animais e cria o Sistema Nacional de Proteção e Defesa do Bem-Estar dos Animais (SINAPRA); o Conselho Nacional de Proteção e Defesa do Bem-Estar dos Animais (CONAPRA).503

502 BRASIL. Congresso. Senado. Projeto Lei nº 677, de 07 de outubro de 2015. Institui o Estatuto dos Animais, altera a Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, que dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, e dá outras providências. Institui O Estatuto dos Animais. Brasília, DF, Disponível em: . Acesso em: 14 ago. 2017. 503 BRASIL. Congresso. Senado. Projeto Lei nº 650, de 29 de setembro de 2015. Dispõe sobre a proteção e defesa do bem-estar dos animais e cria o Sistema Nacional de Proteção e Defesa do Bem-Estar dos Animais (SINAPRA); o Conselho Nacional de Proteção e Defesa do Bem- Estar dos Animais (CONAPRA); altera a redação do art. 2º da Lei no 7.173, de 14 de dezembro de 1983; altera a redação do art. 32 da Lei no 9.605, de 12 de fevereiro de 1998; acrescenta o § 4º ao art. 1º da Lei n o 11.794, de 8 de outubro de 2008, e revoga a Lei n o 10.519, de 17 de junho de 2002.. Projeto de Lei do Senado N° 650, de 2015. Brasília, DF, 319

Esta lei, se aprovada, tem como objetivo clarificar conceitos como maus-tratos, crueldade e, dessa maneira, pode configurar várias atividades dessa forma. Tanto o projeto 650/2015 e o 677/2015 têm tramitado em conjunto nas comissões do senado federal. No que se refere propriamente aos galos, o Senador de Roraima, Telmário Mota, do PTB, em várias ocasiões se pronunciou no Senado criticando a atuação dos órgãos de segurança contra galistas e a apreensão de galos de combate. Em julho de 2016, em resposta a ações judiciais no Estado do Paraná, o senador se pronunciou:

[...] no Brasil há muitos criadores, há um milhão de criadores das chamadas aves combatentes. Emprega mais de três milhões, mas nem todos utilizam esses animais em prováveis rinhas. O Paraná é um celeiro de uma genética centenária [...] São animais que resistem aos predadores naturais, são muito mais combatentes e resistentes às doenças e são precursores de raças hoje poedeiras e do índio gigante, que é um animal que chega a quase seis quilos. Então, ele é fundamental dentro da genética, da criação brasileira! E o promotor, chegando agora na comarca de Centenário do Sul, com o espírito de um coronelismo judicial, determinou junto com o juiz, a invasão nos criatórios. Ora! Mandou chegar nos criatórios e lá foram prendendo ao bel juízo das autoridades! [...] Quando se criou a lei que proibia a rinha no Brasil, eles esqueceram que nem todo mundo que tem criatório tá na rinha! E o criatório tem que ter parâmetros, tem que ter uma codificação, o que pode ou o que não pode ter num criatório, porque essas aves não podem ser criadas soltas livremente. Elas têm de estirpe uma valentia, é preciso uma separação. E eles não estão entendendo isso. Entraram em diversas cocheiras, recolheram os animais, colocaram em sacos, de forma cruel, jogaram numa área só no IBAMA. Os animais se destruíram, se mataram, ficaram enfermos, caídos... eles saíram com um cassetete batendo na cabeça... Isso é preservar? Isso é defender? Não! É um procedimento errado!

Disponível em: . Acesso em: 18 jun. 2017. 320

É preciso rapidamente as autoridades brasileiras tomar conta disso, porque está tendo aí uma verdadeira caça aos criatórios. Estão confundindo, nem todo criador usa esses animais para a rinha. [...] Então, eu queria fazer esse registro, que me ligaram hoje do Paraná, [...] e essas duas cidades estão apavoradas com essa ação, com essa ditadura, com esse coronelismo judiciário. Irresponsável, não conhece, discriminatório e que estão fazendo isso ao seu bel prazer, criando sua própria lei e tomando seu próprio juízo! [...]504

O senador, assim como algumas entidades de criadores, vem tomando os devidos cuidados em fazer a distinção entre as rinhas de galos e a criação de galos de combate. Já que a primeira, é considerada como crime, enquanto a segunda não pode ser caracterizada dessa maneira.505 A insistência nessa distinção tem seu propósito, que é proteger os criadores contra ações como esta descrita pelo senador. Uma maneira, então, que tem ganhado força entre os criadores é questionar as ações desses órgãos de recolhimento de animais, em especial o IBAMA, por sua incapacidade de lidar com o problema e o destino dado aos galos. No caso, o senador Telmário Mota, pela inserção entre galistas, tem reforçado algumas dessas reclamações que são comuns nas falas dos praticantes. Em maio de 2017, mais uma vez no Senado, acusou autoridades de invadir um criatório que, segundo alegação dos criadores, celebrava uma exposição. O caso relatado pelo senador ocorreu em uma chácara no município de Cosmópolis, no Estado de São Paulo.506 Telmário ainda aproveitou para criticar a ação da polícia, como um desvio de função em um Estado marcado por problemas de segurança pública, muito semelhante ao que Alvarenga, editor da revista Veja, tinha escrito acerca da atuação da polícia federal, no caso Duda Mendonça.

504 Senador Telmário Mota defendendo o Galismo. Brasília: Tv Senado (Youtube), 2016. (4 min.), digital, son., color. Disponível em: . Acesso em: 27 set. 2017. 505 Em outro vídeo, Telmário Mota pede aos galistas para não divulgar vídeos de combates de galos em redes sociais, pois isso serve, segundo ele, como um prato cheio para os inimigos do galismo. Um alerta pra todos os galista!. Brasília: Gabinete do Senador Telmário Mota (Youtube), 2017. (3 min.) digital, son., color. Disponível em: . Acesso em: 30 ago. 2017. 506 Força Lucas somos galista não somos bandidos. Brasília: Tv Senado (Youtube), 2017. (2 min.), digital, son., color. Disponível em: . Acesso em: 07 set. 2017. 321

De qualquer modo, é importante notar que, geralmente, há alguém no parlamento dialogando abertamente com galistas, e também outras modalidades, como rodeios, vaquejadas, caça desportiva. Telmário Mota, inclusive, encontrou-se com os organizadores do 1º Simpósio Galístico Brasileiro, que aconteceu em Brasília, em 2016. Este simpósio agregou membros de algumas das entidades como a ANACOM, ANAPAECO, ANCRIB e outras de nível regional, bem como galistas de vários estados participaram do evento. Em aproximadamente quatro horas de gravações, disponíveis no Youtube,507 eles organizaram algumas palestras, com a participação de advogados, bacharéis em direito, zootecnistas, veterinários que, no caso também são galistas ou, ao menos, simpatizantes. E também buscaram apoios em outras organizações, como de organizadores de rodeios e vaquejadas. Em outro vídeo, ao lado de galistas, o senador Mota estava usando uma camisa do evento, escrita "Unidos pelo Galismo", e conclamou os praticantes a se mobilizarem e atuarem de maneira a reconquistar a legalidade dos combates de galos.508 Chamou atenção para o crescimento e organização dos ecologistas, que haviam vencido várias batalhas, mas que era hora de uma reação para vencer o que classificou como uma guerra. Para os defensores dessa prática, os ecologistas são considerados como precursores da proibição das brigas de galos, no entanto, a disputa principal tem se dado, principalmente, contra as autoridades que agem contra os interesses deles. Se, por um lado, não há muito que reclamar quando são flagrados em rinhadeiros, existem contínuos protestos quando a atuação do IBAMA, ou os órgãos que recolhem os animais. Isso se torna importante, na medida em que cria uma situação embaraçosa quando as instituições não sabem como lidar com estes animais e o destino que é dado aos mesmos. Mas se, em certa medida, se recorre ao poder judiciário para constranger outras instituições, também se recorre a políticos para fazer frente às decisões do próprio poder judiciário. A reclamação de Telmário Mota no Senado é marcada por adjetivações em relação às

507 1° Simpósio galístico. Produção de Aurélio Lacerda. Realização de Aurélio Lacerda. Youtube. Brasília [DF]: Vídeo Amador, 2016. (300 min.), digital, son., color. Disponível em: Parte 1 Parte 2 Parte 3 Parte 4 . Acesso em: 14 jan. 2017. 508 Eu apoio o galismo. Brasília: Youtube, 2016. (1 min.), digital, son., color. Disponível em: . Acesso em: 19 mar. 2017. 322

ações de promotores e juízes. Quando ele fala em espírito de coronelismo judicial, ele não está se referindo somente a este caso das brigas de galos, mas está dialogando com seus pares, evocando certas indisposições do parlamento em relação ao poder judiciário. Como este último tem excedido suas funções e se intrometido em questões de ordem política. São, sobretudo, disputas de poder. E, por sua vez, carregam marcas significativas da moral de uma época na qual muitas pessoas depositam suas expectativas no poder judiciário, e este seria, então, capaz de resolver problemas relativos à corrupção, que estaria associada à política institucional. Na prática, as controvérsias entre legislativo e judiciário têm se dado de maneira mais expressiva, por exemplo, na tentativa do STF em afastar alguns parlamentares e ministros envolvidos em denúncias de corrupção. Grosso modo, cito os casos do senador mineiro Aécio Neves (PSDB), afastado do cargo por medida judicial em 2017, e do senador alagoano Renan Calheiros (PMDB), afastado da presidência do Senado em dezembro de 2016. Nas duas oportunidades o Senado foi contrário à decisão do Supremo e manteve os cargos dos dois políticos. Muitos senadores têm se fundamentado na equidade e soberania dos três poderes, no entanto, são disputas que vêm ocorrendo uma vez ou outra, e em 2016 teve como embate até mesmo as vaquejadas. Em um caso muito semelhante às leis estaduais, que visaram permitir as brigas de galos, o Estado do Ceará, em 2013, aprovou a lei 15.299,509 que regulamenta a vaquejada como prática desportiva e cultural daquele Estado. Em maio de 2013, a Procuradoria Geral da República entrou com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade em relação à lei cearense (ADI 4983), que foi apreciada pelo STF em outubro de 2016. Na ocasião o STF deu parecer procedente à ADI.510 Diferente do que aconteceu na discussão das ADI sobre as brigas de galos, onde o parecer foi unânime, dessa vez a votação foi apertada. Votaram pela inconstitucionalidade os ministros Marco Aurélio Mello (relator), Cármen Lúcia, Celso de Mello, Luís Roberto Barroso, Ricardo

509 CEARÁ (Estado). Lei nº 15299, de 08 de janeiro de 2013. Regulamenta a Vaquejada Como Prática Desportiva e Cultural no Estado do Ceará. Fortaleza, CE, 15 jan. 2013. Disponível em: . Acesso em: 15 nov. 2017. 510 Notícias STF. STF julga inconstitucional lei cearense que regulamenta vaquejada. Notícias STF. Brasília. 06 out. 2016. Disponível em: . Acesso em: 15 out. 2016. 323

Lewandowski e Rosa Weber. Enquanto os ministros Dias Toffoli, Edson Fachin, Gilmar Mendes, Luiz Fux e Teori Zavascki, não interpretaram a lei como incompatível à Constituição Federal.511 Foi assim que teve início mais uma disputa entre parlamento e STF. Em 2016 o Congresso aprovou a Lei 13.364, que teve como objetivo Elevar o rodeio, a Vaquejada, bem como as respectivas expressões artístico-culturais, à condição de manifestação cultural nacional e de patrimônio cultural imaterial. Texto que foi sancionado pela presidência da república em 29 de novembro de 2016.512 Para consolidar a permissão a essa atividade, em junho de 2017, foi aprovada a Emenda Constitucional Número 96,513 que tem por finalidade acrescentar mais um item ao artigo 225º (Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações), determinando que práticas esportivas que utilizam animais, em determinadas circunstâncias, não sejam consideradas cruéis. A emenda, conhecida também por PEC da Vaquejada, foi aprovada pelo congresso nacional em dois turnos. No texto (§ 7º Para fins do disposto na parte final do inciso VII do § 1º deste artigo, não se consideram cruéis as práticas desportivas que utilizem animais, desde que sejam manifestações culturais, conforme o § 1º do art. 215 desta Constituição Federal, registradas como bem de natureza imaterial integrante do patrimônio cultural brasileiro, devendo ser regulamentadas por lei específica que assegure o bem-estar dos animais envolvidos.), a concessão de legalidade é feita às práticas formalmente consideradas como patrimônio cultural imaterial, não se inserindo as brigas de galos nesse contexto. Ao menos até o ano de 2017. Aparentemente, as instituições caminhavam para a eliminação das práticas ditas cruéis. As novas sensibilidades em relação aos animais, o surgimento e consolidação de entidades ligadas à defesa

511 Ibidem. 512 BRASIL. Lei nº 13364, de 29 de novembro de 2016. Eleva o Rodeio, a Vaquejada, Bem Como As Respectivas Expressões Artístico-culturais, à Condição de Manifestação Cultural Nacional e de Patrimônio Cultural Imaterial. Brasília, DF, 30 nov. 2016. Disponível em: . Acesso em: 16 jan. 2017. 513 BRASIL. Emenda Constitucional nº 96, de 06 de junho de 2017. Acrescenta § 7º Ao Art. 225 da Constituição Federal Para Determinar Que Práticas Desportivas Que Utilizem Animais Não São Consideradas Cruéis, nas Condições Que Especifica. Brasília, DF, 07 jun. 2017. Disponível em: . Acesso em: 16 ago. 2017. 324

destes e do meio ambiente, tinham avançado a um ponto em que poucas vezes os poderes instituídos se manifestavam abertamente no sentido de uma aceitação dessas atividades. Comparando a atuação do STF no julgamento da lei carioca, que permitia as brigas de galos (2011) e a lei cearense das vaquejadas (2016), é visível alterações nas tomadas de posição de alguns ministros e um placar que variou da unanimidade na procedência da ADI sobre as rinhas, à diferença de um voto na ADI referente à vaquejada. Por suposto, nesse período de cinco anos, houve a substituição de alguns ministros, ainda assim, alguns dos que votaram contra as rinhas de galos, votaram de maneira diferente no caso da vaquejada. É possível que exista um entendimento diferenciado entre uma atividade e outra, bem como laudos mais qualificados por parte dos dirigentes desse esporte taurino. No entanto, é importante não se ignorar das influências externas e, de certa maneira, a reorganização de forças. Sobretudo, a exposição de fraturas de um pacto político brasileiro que havia predominado no período chamado de Nova República ou Sexta República Brasileira (1985-). A predominância de governos que se colocaram como defensores da democracia e da Constituição de 1988, foi colocada em cheque por uma crise política, ou projeto de desestabilização e desmonte do Estado, que teve seu auge em um golpe parlamentar contra uma presidenta eleita, assim como também, no uso de instâncias judiciais para a perseguição de pessoas. Este projeto/crise tem se apoiado fortemente nas emoções e aberto espaços para manifestações de todo o tipo de posição ideológica. Sem critérios e, muitas vezes sem respeito às normas e direitos constitucionais, muitas ações da política institucional têm visado atender vontades e desejos de determinados sujeitos e grupos, em detrimento aos interesses da sociedade. Isso tem aberto espaço para que muitos grupos sociais encontrem seus pares na política. E mesmo para esses políticos, já não basta serem representantes de um sindicato, de uma região, ou de empresas. Eles são cada vez mais absorvidos a se posicionar frente a causas de determinados grupos. Há temas mais polêmicos como, por exemplo, aborto, legalização das drogas, desarmamento, casamento homossexual, etc. Mas também existem essas causas quase ocultas que, vez ou outra, podem reacender disputas. 325

O caso da vaquejada é bastante emblemático, pois foi uma resposta rápida do congresso frente ao STF.514 Além do que, contou com amplo apoio no legislativo e até mesmo um fator de sorte, uma vez que o Projeto de Lei número 378 (Dispõe sobre a prática esportiva da vaquejada),515 de 2016, de autoria do senador Eunício Oliveira (PMDB- CE), teve maior atenção quando este senador se tornou o presidente do Senado, no ano de 2017. Essa emenda ainda vai gerar algumas discussões, uma vez que a Procuradoria Geral da República, em menos de um mês da aprovação da lei, entrou com uma ADI (5728) no STF para tentar reverter a decisão do congresso.516 A relatoria da ADI ficou a cargo do ministro Dias Toffoli,517 o que não agradou as entidades protetoras, posto que este ministro já tinha votado pela constitucionalidade da lei cearense. Quanto às rinhas de galos, a situação tem seguindo com maior comedimento. Não é porque as vaquejadas foram liberadas que as rinhas também o serão. Não há nenhuma garantia disso. Aliás, a observação sobre a atuação dos congressistas tem apontado um menor envolvimento nessa questão. Em março de 2017, o colunista do O Globo, Lauro Jardim,518 em meio às discussões sobre a PEC da Vaquejada, chegou a afirmar que alguns deputados queriam adicionar as rinhas de galos à mesma proposta. O que não chegou a acontecer de maneira muito clara. Claro que, a exclusão do conceito de crueldade quando se refere às práticas desportivas com animais, que se constituem como patrimônio

514 Muitos juristas descrevem esse tipo de reação política de contraposição ao judiciário através de um conceito chamado efeito backlash. Grosso modo, o efeito backlash do ativismo judicial, que é uma espécie de efeito colateral das decisões judiciais em questões polêmicas, decorrente de uma reação do poder político contra a pretensão do poder jurídico de controlá-lo. LIMA, George Marmelstein. Efeito Backlash da Jurisdição Constitucional: reações políticas à atuação judicial. 2015. Blog Direitos Fundamentais. Disponível em: . Acesso em: 22 out. 2017. 515 BRASIL. Congresso. Senado. Projeto de Lei do Senado nº 378, de 19 de outubro de 2016. Dispõe Sobre A Prática Esportiva da Vaquejada. Disponível em: . Acesso em: 22 out. 2017. 516 Notícias STF. ADI questiona emenda constitucional que permite a prática de vaquejada. Notícias STF. Brasília. 03 jul. 2017. Disponível em: . Acesso em: 01 nov. 2017. 517 VEJA (REDAÇÃO). Dias Toffoli nega pedido de suspensão da PEC da Vaquejada: Ele também negou entregar relatoria. Veja. São Paulo. 03 jul. 2017. Disponível em: . Acesso em: 15 nov. 2017. 518 AMADO, Guilherme. Deputados querem legalizar rinha de galo. Blog Lauro Jardim. O Globo. Rio de Janeiro. 12 mar. 2017. Disponível em: . Acesso em: 14 mar. 2017. 326

imaterial, abriu precedentes para que a alectoromaquia possa ser incluída nesse sentido. Para que ela volte a ser legalizada, ainda falta, contudo, que ela venha a ser considerada como patrimônio imaterial e talvez tenha que ter suas regras revistas. Isso significa dizer que, podem vir a utilizar métodos que preservem de maneira mais efetiva a integridade do animal. Até mesmo a adoção de novas nomenclaturas foi apontada pelos participantes do simpósio galístico, como maneira de proporcionar compreensões menos discrepantes por parte do público mais cético. Tudo isso se torna necessário, na medida em que se reconhecem as alterações de sensibilidades e, de uma maneira ou de outra, torna-se inevitável o diálogo e o enfrentamento com grupos e ideias divergentes.

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5. Considerações Finais

A pressão humana sobre o mundo natural, sobretudo, nos últimos dois séculos, tem gerado graves problemas ambientais. Os mais perceptíveis têm sido a destruição e dizimação de grande parte da biodiversidade, levando milhares de espécies à extinção ou a um quadro sério de ameaça, o que alguns estudiosos apontam como a sexta grande extinção em massa do planeta. Mas não só a fauna ou a flora estão em constante ameaça, também os elementos físicos e bioquímicos que permitem a manutenção e existência de muitas formas de vida, como as águas, o solo e a atmosfera. Todas essas alterações, visíveis ou não, fomentam diversos imaginários sobre ecologia e o papel do ser humano em relação ao mundo natural, sendo que o imaginário mais recorrente é uma visão dualista, que opõe seres humanos à natureza. Nas mais variadas interpretações há os que identificam a "natureza" como oposição ao ser humano e, assim, cabe a este último controlá-la, pois acreditam que o mundo natural está a serviço dos homens. Outros grupos vão ainda mais longe e tendem a compreender os humanos através de sua essência destrutiva. Nesta última visão, em certa medida influenciada por doses de ceticismo, a oposição é perceptível por meio da atribuição da maldade aos seres humanos, enquanto os animais são vistos como portadores de um mundo da bondade. Não poucas vezes, é comum escutar ou ler que o animal homem é o pior que existe. Ou quando algumas pessoas utilizam uma frase atribuída a Alexandre Herculano (1810-1877): "Quanto mais conheço os homens, mais estimo os animais." A historicidade dos nossos tempos permite observar que, a descrença no ser humano é proporcional à crença de que os animais são portadores de uma essência que carrega em si o bem. Em um mundo onde se propagam as xenofobias e todo tipo de discurso de ódio, parecem ser os animais a ocupar o papel do bom selvagem de Rousseau. Pode ser romântico sim, e exatamente fatores como estes se apresentam pouco compreensíveis numa abordagem que se intitula racionalista, encontrando algumas limitações em dar respostas mais significativas. Mas, é precisamente através de uma abordagem que leva em consideração temas como imaginário e sensibilidades, que se pode fazer uma sociologia e historiografia dessas relações e formas de pensar, que se consolidam em determinados tempos históricos. 328

Por isto, pode ser muito conveniente para fins didáticos acreditar que os humanos de outros tempos históricos e, mesmo do presente, são ou foram cruéis na maneira de se relacionar com as criaturas ao seu redor. As mudanças, geralmente, são atribuídas ao progressismo e evolução moral e de conhecimento. Mas para historiadores essas não são respostas muito satisfatórias. Destarte, muitas transformações aconteceram para que se pudesse atribuir os animais de hoje como detentores de uma ingenuidade. Ao mesmo tempo em que, a humanidade aponta indícios de descrença nela própria. Não à toa, pois ela é o principal agente de destruição do mundo natural. Ou numa perspectiva mais atual, a descrença na humanidade acaba reforçando a valorização dos animais, como portadores de uma ingenuidade positiva. Esta valorização dos animais, enquanto seres que podem fazer parte de um mesmo universo ontológico é, sem dúvida, resultado de uma história das transformações de sensibilidades em relação às criaturas brutas. Por seu turno, essas alterações já não se restringem às fronteiras nacionais. Está fortemente presente, pelo menos no mundo ocidental. Na maior parte desses países, difundiram-se legislações que procuram manter alguns tipos de controles sobre o que é possível fazer com um animal. Mesmo que algumas práticas ainda sejam toleradas, como as brigas de galos e touradas na França ou Espanha, por exemplo, essa permissão reforça as exceções da regra. São legalmente prescritas e controladas, pois do contrário, estariam submetidas às mesmas regras que recaem sobre a maioria dos animais nas legislações desses países e, portanto, estariam proibidas. Os animais, há muito tempo, passaram a ser objetos de uma preocupação estatal. Keith Thomas demonstrou como este processo se deu na Inglaterra e esteve diretamente associado às alterações de sensibilidade que, por sua vez, era parte das alterações sociais e econômicas pelas quais passou aquele país. Resumidamente, as consolidações do capitalismo e da urbanização distanciaram a maioria das pessoas da produção de alimentos e do trato direto com animais destinados ao trabalho. No Ocidente, de uma maneira geral, a consolidação desse capitalismo e a difusão do eurocentrismo, impulsionaram a reprodução do estabelecimento de medidas análogas. Assim, surgem nas periferias do capitalismo, públicos com similaridades morais à maneira europeia. Basta lembrar da formação da UIPA no Brasil, no final do século XIX, que seguiu o exemplo da Royal Society for the Prevention of 329

Cruelty to Animals (RSPCA), fundada em 1824, bem com da American Society for the Prevention of Cruelty to Animals (ASPCA), fundada em 1866. A estes processos, somam-se a difusão de tecnologias de comunicação, que incluem desenhos animados, filmes, internet e a profusão de redes sociais, imagens, vídeos, entre outros, acentuando a difusão e consolidação de imaginários sobre a vida das criaturas não humanas, como portadores de sentidos e da capacidade de experimentar emoções. Os Estados legalmente constituídos foram diretamente influenciados por essas novas preocupações em relação aos animais e à natureza. Em diversas ocasiões é possível observar a presença de membros dessas sociedades de proteção auxiliando na produção de códigos legais, como foi o caso, no Brasil, da Lei Juarez Távora, em 1934, e do Código Ambiental, em 1998. Nessa mudança das relações entre homens e outras criaturas, o século XIX proporcionou uma nova relação, que passou pelo controle biológico, produção e invenção de raças, a uma aproximação afetiva com algumas espécies. No século XX, os animais passaram a ser tutelados pelo Estado e as proibições, em relação a diversas práticas, passam a se estender pelo menos aos animais mais próximos do convívio humano. O século XXI, por sua vez, tem lançado as bases para transformar os animais em sujeitos de direito. Os veggies têm se proliferado, tornando uma voz ativa e, até mesmo chamando a atenção em nível mercadológico. Novos conceitos são produzidos por uma intelligentsia estreitamente ligada às ONGs, às universidades, setores políticos e do judiciário. Gradativamente, essas abordagens deixam ser vistas com desconfiança e conquistam sua legitimidade. Algumas atitudes que foram vistas com estranhamento no passado, podem vir a se alterar. Por exemplo, possuir uma dieta que não inclua carnes deixou de ser uma excentricidade; para os serviços de segurança pública apreender galos de briga, ou touros, que seriam utilizados numa farra do boi, deixou de ser algo de menor importância ou que beira ao ridículo. Como também um pedido judicial de habeas corpus em favor de um chimpanzé ou orangotango, não mais parece ser algo heteróclito. Novas posturas diante dos animais passaram a ser inclusas em códigos jurídicos. Em Portugal, em 2016, o parlamento ao votar o novo Código Civil, alterou o estatuto jurídico dos animais, o que fez com que 330

deixassem de considerar como "coisas", mesmo que ainda possam ser considerados propriedades.519 Legalmente, o status dos animais foi alçado ao meio termo entre coisa e humano, mas reconhecendo suas capacidades de sentir e se relacionar. E faz com que os humanos adotem medidas menos cruéis em relação aos mesmos. Trata-se de mudanças bastante latentes, sobretudo em países europeus ou europeizados, mas que esbarram em questões econômicas e culturais mais arraigadas. Eliminar as fronteiras entre humanidade e animalidade, à maneira do que filosoficamente é defendido pelos animalistas, significaria a interdição total de matadouros e da criação de animais para o consumo. Os impactos de uma mudança tão drástica são incalculáveis e, nenhum governo, cogita tomar qualquer atitude nesse sentido. Logo, essas legislações têm se destinado aos animais domésticos, especialmente cães, gatos, cavalos e, a estas práticas sociais que, porventura, utilizam animais para se divertir: rinhas, touradas, circos com animais, entre outras. Apesar de todas essas preocupações, certo mesmo é que nunca se produziu tanta carne e derivados de animais como se produz no presente. Os bovinos, em 2017, chegam a um bilhão de cabeças, sendo que o Brasil possui aproximadamente 230 milhões (maior rebanho do mundo), os suínos são quase 900 milhões e, os frangos, chegam a 24 bilhões. Mesmo com a proliferação dos veggies, este mercado de carnes e produtos de origem animal continuam a se expandir. A cada avanço do capitalismo, mais consumidores são incluídos nessa grande oferta alimentar. Esse crescimento está diretamente associado a melhorias econômicas e à inclusão de milhões de pessoas em mercados como China e América Latina. Nesse contexto, tanto o crescimento de um setor alimentício quanto o outro, se deve às intensificações do mercado econômico, ou de uma adaptação deste em busca de atingir diversos públicos. As ações de defesa dos animais, frente a esse mercado, são muito restritas e exercem função mais no plano psicossocial do que em resultados práticos. Em certa medida, suas ações se assemelham às políticas higienistas dos séculos XIX e XX. Retirar cães e gatos das ruas, castrá-los e colocá-los à adoção podem significar um ato de reconhecimento de suas capacidades de possuir sentimentos, mas são

519 LUSA (Portugal). Animais devem deixar de ser "coisas" no Código Civil: Ministra da Justiça defende mudança da qualificação jurídica dos animais. Diário de Notícias. Lisboa. 12 abr. 2016. Disponível em: . Acesso em: 18 nov. 2017. 331

também ações de gentrificação dos espaços públicos. Faz parte do horizonte de expectativas de uma moral burguesa, o controle sobre estes espaços, dos seus usos e usuários. As primeiras realizações das ações de proteção aos animais recaem sobre grupos de pessoas com costumes diferentes, que coabitam espaços em gentrificação. O exemplo dos carroceiros é um dos mais frequentes e, muitas cidades, impedem esse tipo de meio de transporte. Ainda é possível mencionar práticas ritualísticas, religiosas e tradicionais que são postas à margem. Isso também foi visível em minhas análises sobre a tauromaquia e brigas de galos na França, onde, com raras exceções, são restritas a cidades pequenas. Pois são hábitos que encontraram resistências em cidades maiores, por seus estranhamentos quanto aos métodos empregados aos animais, aos odores e ruídos produzidos por estes. Mesmo nas cidades pequenas, como Gondecourt, os vizinhos reclamam da cantoria dos galos ao amanhecer. Talvez elas persistam em virtude de relações de proximidade, já que, a maiorias das pessoas nessas vilas, se conhecem e mantêm relações de cordialidade. Quanto às touradas ou Courses, não há como não notar uma arena nessas cidades pequenas. E não por acaso, ocorrem frequentemente ações de animalistas nesses espaços. Essas atividades se mantêm graças aos seus adeptos e algumas garantias concedidas nos reconhecimentos como atividade tradicional, do contrário, provavelmente, teriam sucumbido. Em relação aos defensores dos animais, raramente, ou quase nunca, as ações de proteção se dirigem diretamente aos modos de produção que objetificaram os animais. Ou seja, enquanto se salvam alguns milhares de cavalos, cães, gatos e outros animais de diferentes espécies, outros bilhões são mortos anualmente, nos matadouros. E mesmo com todo o esforço e produção de conteúdos para a disseminação de ideais veggies — que se demonstram eficientes — como já dito, a produção tem continuado e se consolidado, em outros lugares onde as preocupações não são as mesmas. As pesquisas sobre o frango desenvolvidas em Oxford e outras universidades europeias, apontaram os frangos e galinhas como responsáveis por uma revolução alimentar. Uma pequena ave criada durante milênios, para propósitos de diversão, se tornou uma das fontes de proteínas mais difundidas e baratas do mundo. No seu auge, como fonte alimentar, surgem movimentos de direitos dos animais reclamado melhorias das condições de criação, como a criação de galinhas poedeiras soltas, ao invés de confinadas. 332

Como também, um mercado de ovos e carnes classificado como orgânico. Tudo isso está mais voltado à atribuição de significados. Enquanto alguns deixam de consumir produtos de origem animal, por questões morais, alguns outros passam a defender o chamado consumo responsável e que se diz preocupado com o bem-estar dos animais. Em termos objetivos, essas questões são um tanto contraditórias, pois as pessoas têm receio, não querem ver e ouvir como é morto um animal, que será servido em suas mesas. Difundem-se alguns discursos sobre a prevenção de sofrimento e dor do animal no ato do sacrifício, o que não é só técnica, mas se constitui como discurso e como imaginário. Dificilmente algum grupo se apresenta como praticante de maus tratos aos animais. Todos possuem seus argumentos na ponta da língua, para defender suas práticas e ações. Assim, os amantes da tauromaquia alegam que se trata de um espetáculo, de um combate entre homem e animal, como defende Vargas Llosa, por exemplo. Os galistas alegam que os galos lutam por instinto e, os homens, somente aprimoram a parte física do lutador; assim como os produtores de animais para abate alegam que, faz parte da sobrevivência humana o consumo de proteínas de origem animal. Uma profusão de termos e técnicas são inventados e invocados para designar algo de forma mais branda para defender, ou de maneira mais agressiva para demarcar algum tipo de posição. Dessa maneira, existe todo um cuidado semântico na construção de narrativas e nas tentativas de convencimento e/ou formação crítica. Apesar desse esforço existir e produzir repercussões reais, as sociedades têm demonstrado não estarem seguras em relação a discursos marcados pela cientificidade, ou debates para o esclarecimento dos mais diversos pontos de vista. Os debates, paulatinamente, têm sido substituídos pela reafirmação de posições. Eles são reforçados pelo bombardeio frequente, por meio de tecnologias de mídias e de perspectivas que apelam às emoções. Cada vez mais é preciso atender à ânsia de públicos sedentos por respostas fáceis e que prometem a resolução de problemas. É um mundo em transformação, no qual os Estados nacionais têm dificuldade em oferecer respostas positivas aos problemas das pessoas. Em que o rádio, a televisão ou os jornais, já não detêm o controle predominante para a formação de uma massa em defesa de suas políticas, muito embora a maioria das pessoas se comporte como consumidoras de ideias. Só que essas ideias não circulam, necessariamente, nos horários nobres da televisão. 333

No mundo das redes sociais, este consumidor surge como um ator mais participativo e, agora, quer mostrar sua opinião. Esta, grosso modo, tende se apoiar em outras opiniões semelhantes e tem produzido novas formas de identificação. Não por acaso, tem ocorrido uma explosão dos chamados youtubers, possuindo muitos deles milhões de seguidores e muitas receitas em publicidade. Muitos autores têm observado esse fenômeno das redes, alguns de forma positiva, ou mais analítica, como Vincenzo Susca. Alguns têm sido mais céticos, como foram Bauman e Umberto Eco. Este último sentia-se extremamente incomodado com a "legião de imbecis" proporcionados pela internet e suas redes sociais. Contudo, as brigas de galos, entre tantos outros problemas muito mais aparentes e significativos, continuam a perambular, bem escondidas, no meio desse turbilhão de transformações. Enquanto praticada, ela se encontra numa situação subterrânea. Por outro lado, enquanto organização social, as redes têm possibilitado a ascensão de grupos que, até então, se comportavam mais discretamente. Os galistas estão na internet, estão se reunindo, estão formando associações em busca de algum tipo de proteção. Não significa dizer que, anteriormente, eles não estavam organizados. Os galistas estiveram reunidos durante muito tempo, como apresentei no terceiro capítulo. A maior parte dos Estados brasileiros possuíam as associações de galistas e, nas principais cidades, se localizavam os rinhadeiros mais prestigiados. Mesmo que a rinha pudesse ter sido caracterizada como contravenção e crueldade contra os animais, conforme pressupunha a Lei Juarez Távora, em 1934, de fato, pouca coisa aconteceu. Com Jânio Quadros, a situação pareceu ganhar algum destaque, no entanto, veio a calhar mais em desfavor deste, do que dos galistas. Pouca coisa mudou, os rinhadeiros continuaram estabelecidos nas principais cidades. Em Recife, em 1976, se comemorou a inauguração de uma arena sofisticada, o Palácio do Galo. No Rio de Janeiro, em 1987, foi fundado o Clube Privê. Um rinhadeiro sofisticado e exclusivo para "galista barão". Em termos legais, ainda teve a Constituição, de 1988 e o Código Ambiental, de 1998. Este último acendeu um alerta entre as sociedades galísticas, fazendo com que houvesse algumas mobilizações. O que resultou nas leis estaduais e municipais, as quais tinham como objetivo salvaguardar as rinhas e rinhadeiros. As leis para proibir, legalizar e projetos de leis, de ambos os sentidos, estavam prontas. Já existiam até ADIs para as leis estaduais e, 334

mesmo assim, seguiam as rinhas sem muitos alvoroços. Mas, foi somente quando a Polícia Federal resolveu realizar uma ação de intervenção e, nesse ato, encontraram uma personagem importante naquele momento, pois havia participado de importantes campanhas políticas, que a atividade entrou em colapso. Prontamente os adversários políticos, incluindo entre eles as empresas de mídia, promoveram o acontecimento a um nível que se despertou o interesse por elas. Daí para adiante, desapareceram os rinhadeiros públicos situados em áreas urbanas. Algumas ações judiciais nos Estados e alguns municípios retardaram um pouco a ação dos órgãos de segurança e fiscalização. Nessas questões legais, percebe-se que a tendência é haver menos espaços para manifestações dessa natureza desportiva. Nas esferas locais de poder instituído, em que as trocas são mais orgânicas, esses requerimentos por ventura avançam, mesmo que, atropelando as discussões e protocolos mínimos para a aprovação de uma lei. E, se analisado, a longo prazo, é fácil perceber que no patamar Estado-Nação, as propostas de legalização das rinhas de galos acabaram esbarrando em instituições, como a Procuradoria Geral da República e o STF, isso quando chegam a ser apreciadas em última instância. Não seria a decisão das cortes que faria os criadores abandonarem as rinhas. Afinal de contas, para relembrar Maffesoli, um mundo que continua a funcionar, mesmo diante do oficial, ou de um futuro prometido, viver o agora é o que importa. Legalizada ou não, muitas dessas pessoas continuam a frequentar, semanalmente, os rinhadeiros. Mesmo que estes rinhadeiros já não sejam na orla de Salvador ou Jacarepaguá, outros foram montados em lugares de acesso mais distante. Conheci diversos desses lugares e, me arrisco a dizer que, a chance de ser flagrado nesses eventos é pequena. Há rinhadeiros com anos de duração, situados em fazendas e sítios. Quando pegos são fechados e abrem em outro lugar. Também conheço pessoas que já foram flagradas em pelo menos três ocasiões. Às vezes, respondem processo, pagam multa e continuam a brigar seus galos. Nos últimos cinco anos, em alguns lugares, têm se acentuado ações de combate aos rinhadeiros, o que de certa forma causa transtornos. Mas os criadores têm se mobilizado para, senão legalizar, ao menos complicar e questionar as ações que são tomadas contra eles. Essa mobilização foi necessária, na medida em que começaram a apreender galos nas propriedades de criadores, como reclamou Telmário Mota. 335

Os galistas sabem que a maior das ameaças à continuidade da prática são essas intervenções nas cocheiras particulares. Se os galos são recolhidos não tem com o que fazer as rinhas, logo, significa o fim do galismo. A isso se adiciona outro fator curioso: a apreensão de galos no ato dos flagrantes. É outro caso que mobiliza os galistas, pois nessas circunstâncias estão sendo recolhidos e, muitas vezes, sacrificados galos de grande valor, não só monetário, mas simbólico e moral. Por fim, é uma questão ainda em aberto. Uma análise sobre o que pode acontecer a partir de agora, a respeito das rinhas de galos, pode ser observada conforme as sensibilidades que extrapolam a questão dos animais. O momento atual é marcado pela escala de um conservadorismo, que não se restringe ao Brasil, mas é observado em vários países. Esse conservadorismo tem retomado um pouco do espaço político perdido durante algumas décadas e mesmo revertido algumas ações tidas como progressistas. Em relação ao Brasil, esse avanço conservador permitiu um embate contra setores do judiciário e, no caso dos direitos dos animais, as vaquejadas foram novamente permitidas. Talvez isso não possa ser atribuído somente ao aumento de conservadores no Congresso brasileiro, já que muitos progressistas não se opuseram a essa manobra, inclusive, votaram a favor. Nesse sentido, não há muitos elementos que impeçam o retorno das brigas de galos à legalidade. No entanto, é difícil que retornem à legalidade mantendo os mesmos formatos de combate. O que significaria uma readequação do esporte e, talvez, a alteração dos significados atribuídos pelos seus praticantes, o que, por sua vez, também podem representar a ruína desta prática.

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ANEXO A – Prefácio da Primeira Edição de "Galos de Briga e Briga de Galos" de Francisco Elias, escrita pelo professor Adelmar Faria Coimbra Filho.

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