CHEVALIER de Athina Rachel Tsangari _ 23 de Fevereiro de 2017

sinopse Seis homens encontram-se num luxuoso iate, numa aventura piscatória pelo mar Egeu. Para matar o tédio, decidem iniciar um jogo onde vão competir entre si em absolutamente todas as áreas. Aqui qualquer comparação é válida e tudo o que de mais trivial possam executar durante a viagem será transformado em pontos que serão acumulados ou subtraídos. No final, quando o concurso estiver terminado e eles forem escrutinados até à exaustão, apenas um sairá vencedor e ostentará, orgulhosamente, um anel com o carimbo de "Chevalier". A pressão que cada um sente em tornar-se vencedor vai levá-los ao limite, criando inseguranças inesperadas e inimizades difíceis de ultrapassar… Estreada, em 2015, no Festival de Cinema de Locarno (Suíça), esta é uma comédia onde a rivalidade masculina é levada ao absurdo. A realização fica a cargo da grega Athina Rachel Tsangari (“Attenberg”) segundo um argumento seu e de . O elenco conta com a participação de Yiorgos Kendros, Panos Koronis, Vangelis Mourikis, Sakis Rouvas, Makis Papadimitriou e Yorgos Pirpassopoulos.

Título original: Chevalier (Grécia, 2015, 105 min.) Realização: Athina Rachel Tsangari Interpretação: Vangelis Mourikis, Nikos Orphanos, Yorgos Pirpassopoulos Produção: Maria Hatzakou, Christos V. Konstantakopoulos Argumento: Efthymis Filippou, Athina Rachel Tsangari Fotografia: Christos Karamanis Montagem: Matthew Johnson, Yorgos Mavropsaridis Estreia: 6 de Julho de 2016 Classificação: M/12

Um ensaio em forma de brilhante comédia sobre a condição masculina - Jornal i

Em CHEVALIER, a tão-esperada terceira longa-metragem de Athina Rachel Tsangari (a grega capaz de realizar múltiplas tarefas), competições para aferir a masculinidade – em todos os sentidos imagináveis da expressão – são levadas a extremos indecentemente literais. Marcadamente diferente do inovador ATTENBERG (2010), em termos de enfoque e temperatura sentimental, esta comédia, empenhadamente impassível, de costumes e de homens a comportarem-se de forma estranha ostenta uma vaidade contida, aparentemente pronta para um absurdo sem restrições. – Variety

O que lhe interessa é o comportamento cada vez mais absurdo – e, portanto, para os espectadores, cada vez mais hilariante – dos competidores: até que ponto estão dispostos a embaraçar-se para ganhar e como a sua noção de equidade se torna cada vez mais desequilibrada quando ficam com a ideia de poderem estar a perder. – Hollywood Reporter

Cineclube de Joane 1 de 5

Seis homens num barco Inês Lourenço, DN

Não é humor inglês como o encontramos no livro de Jerome K. Jerome, Três Homens num Barco. É humor grego, frio e enxuto, apesar do mar Egeu que rodeia o iate onde se encontram seis homens, seis amigos numa viagem de pesca. Chevalier é a terceira longa-metragem de Athina Rachel Tsangari, escrita pela própria, com Efthymis Filippou, colaborador regular de ( Canino , A Lagosta ), e uma inteligente comédia de género. Há uma "estranheza" familiar entre ambos os realizadores gregos, e esta é certamente veiculada pelo contributo de Filippou nos argumentos, mas se em Lanthimos temos uma visão do absurdo mais cerrada, mais negra, em Tsangari o tom é ligeiro e comprometido com os detalhes. A saber, estes são fundamentais em Chevalier , filme que toma o nome do jogo inventado pelos seis homens encerrados num barco, para matar o tédio. E o jogo consiste numa permanente avaliação mútua - sem limites nesse escrutínio - que determinará, no final da viagem, quem é o "melhor em geral"... Tsangari detêm assim um olhar afinado sobre a dinâmica masculina, num jocoso estudo comportamental.

Luta de galos Jorge Mourinha, Publico de 6 de Julho de 2016

A grega Athina Rachel Tsangari filma seis homens num iate a jogarem a um concurso de popularidade tão inútil como revelador.

Estão a ver o Calvinbola? O jogo que o Calvin (sim, o do Calvin & Hobbes) inventou onde as regras não faziam sentido e mudavam sempre que se recomeçava o jogo? Apliquem essa anarquia a um jogo que seis homens num iate decidem começar a jogar, imaginem que os pontos que cada um pode marcar são likes do Facebook, e começarão a perceber melhor o que se joga em Chevalier , terceira longa da grega Athina Rachel Tsangari ( Attenberg ). Uma “luta de galos” em que seis homens não se conseguem impedir de se degladiarem pelo direito a serem apelidados de “o melhor no geral” - ou seja, de perderem uns quantos dias a provarem que são muito bons em coisas que, na verdade, não interessam nem ao menino Jesus. Estão todos a ver quem tem o pénis maior, mas na verdade mais ninguém está grandemente interessado, ou se está é por pouco tempo.

É fácil dizer que este é um filme de mulher a gozar impiedosamente com os homens – quando, na verdade, a própria equipa é quase toda masculina e o filme é co-escrito por Efthimis Filippou, argumentista de Canino , Alps ou A Lagosta – mas é partir de um pressuposto errado. Aquilo que Tsangari procura são as falhas na fachada, os momentos em que se baixa a guarda e a vulnerabilidade destes seis tipos vem ao de cima. Sim, é um jogo de poder que aqui se joga; uma luta surda de classes e rendimentos e estatutos, entre gente “bem” e gente “menos bem”, entre os senhores do mundo e aqueles que apenas podem sonhar com o que lhes está vedado, culminando num final onde o calculismo e a sinceridade se confundem até já não percebermos qual é qual. (Os acasos da distribuição fazem deste verão de Brexit o momento ideal para vermos Chevalier .) Só que esse concurso de popularidade cala mais fundo do que parece à primeira vista.

Mas isso também não importa. Chevalier é um filme mediterrânico, solar, em constante vai-vem entre o interior e o exterior, a natureza e a civilização, que se refugia no abstracto surrealista para acompanhar uma “experiência laboratorial”. Às tantas, o filme parece cair num beco sem saída, Cineclube de Joane 2 de 5 sem ter para onde ir. Mas é exactamente esse o ponto da entomologia desconcertante de Athina Rachel Tsangari: estes jogos de poder rodam em seco, são símbolos da impotência de uma sociedade hipnotizada pela aparência e alheia à profundidade. É um filme que não vai a lado nenhum, mas porque não quer ir a lado nenhum e mesmo que quisesse não tem lado nenhum para onde ir, à imagem das suas personagens que precisam de passar o tempo e não arranjam nada melhor para fazer do que bisbilhotar sobre os outros. A amizade, vai-se a ver, é uma coisa estranha.

Athina Rachel Tsangari filma o Facebook no alto mar _ entrevista Jorge Mourinha, Publico de 6 de Julho de 2016

Chevalier , a história de seis homens num barco a disputarem quem é “o melhor em geral”, é um olhar sobre o tribalismo masculino rodado por uma mulher, que diz filmar “tragédias screwball” como se fossem ficção-científica do presente. Ela explica, ao telefone de Atenas. Começámos por ouvir falar de Athina Rachel Tsangari com os silly walks à Monty Python e com as aulas de beijo de e Evangelia Randou em Attenberg , filme que deu que falar no concurso de Veneza 2010. A cineasta e artista multimedia foi logo encaixada na “nova vaga” de cinema grego surreal e non-sense despoletada por Yorgos Lanthimos com Canino (2007). Ainda por cima, Tsangari pôs-se a jeito: produziu os três primeiros filmes de Lanthimos, que era também um dos quatro actores de Attenberg. E o seu novo filme Chevalier , esta semana nas salas, foi co- escrito com o argumentista regular de Lanthimos, Efthimis Filippou. Mas Athina Rachel Tsangari (n. 1966) já filmava antes deles – a sua primeira longa The Slow Business of Going data de 2000 e foi rodada nos EUA, onde viveu vários anos, lançou o festival Cinematexas e se integrou na “cena de Austin” à volta de , de quem é grande amiga (era, aliás, uma das “anfitriãs” de Ethan Hawke e Julie Delpy na Grécia em Antes da Meia- Noite ). Seis anos depois de Attenberg , Chevalier é apenas a terceira longa de Tsangari, sucedendo a uma curta de 35 minutos e a uma instalação multimedia encomendada pela fundação de arte contemporânea grega Deste, The Capsule (2012), que se prolonga de algum modo no ponto de partida do novo filme. Onde ali havia sete mulheres fechadas num internato na ilha de Hydra, aqui há seis homens numa viagem de barco pelas áreas costeiras gregas, que decidem entreter-se com um jogo sobre qual dos seis é “o melhor em geral”, submetendo cada um deles ao escrutínio dos outros em áreas tão distintas como as erecções, o ressonar na cama ou o nível de colesterol. O concurso descamba rapidamente para uma luta pela vitória tão divertida como desconcertante, que, entre risos, uma Tsangari visivelmente conversadora e bem-disposta, define ao telefone de Atenas como “filmar o Facebook na vida real”. Chevalier tem qualquer coisa de “efeito ao retardador”. Como um medicamento que só faz efeito a prazo, é um filme que fica a remoer e se vai revelando aos poucos. [gargalhadas] Fico muito contente que diga isso! Era o efeito que eu pretendia. Faço filmes muito… infrequentemente [risos], mas desde a minha primeira longa-metragem que os pontos em comum só se revelam com o tempo. O Richard Linklater diz que o Chevalier é uma espécie de “sequela espiritual” do meu filme anterior, The Capsule , que era também sobre o poder, sobre passar uma série de provas a fim de sermos aceites. Creio que toda essa estrutura do concurso ou do jogo é algo que me obceca. Gosto de inventar de cada vez uma nova estrutura, uma série de provas que as personagens precisem de ultrapassar a fim de chegar a qualquer lado. Um sistema que tenha as suas próprias regras e codificações sempre alguns passos ao lado da realidade. Não são exactamente filmes fantásticos nem de ficção-científica, mas depois de começar a trabalhar abordo essas ideias quase como se fossem uma ficção-científica do presente. É um pouco como as regras do filme de género; não fazem sentido no mundo real, mas a sua rigidez faz todo o sentido dentro do género. Cineclube de Joane 3 de 5

Esse conceito das provas que têm de ser superadas é algo de tribal, só que são tribos que as personagens criam ou das quais escolhem fazer parte. É uma observação muito acertada. Do mesmo modo que em Attenberg Marina e a sua amiga compunham uma tribo diferente da de Marina e do seu pai, e que a própria cidade em que eles viviam era por si só uma tribo. Gosto mais de pensar nessas pessoas como tribos, mesmo que sejam apenas tribos de dois, do que de chamar-lhes extra-terrestres, friques ou malucos. Depois de The Capsule fiquei muito interessada no modo como esta experiência de filmar uma tribo de um único sexo poderia resultar com um grupo de homens, para investigar outra cor, outra tonalidade do tribalismo. Sabia que queria uma espécie de jogo, e decidimos muito depressa que esse concurso e a avaliação iam recair sobre coisas muito pequenas. Se virmos as coisas mais pequeninas e mais mundanas com o microscópio, subitamente tornam-se numa espécie de realidade aumentada, ganham uma dimensão transcendental ou metafísica. Às tantas parece que Chevalier está a filmar o Facebook na vida real... Sim! Absolutamente! Nunca penso nessas coisas quando faço um filme, não decidi que ia fazer uma versão física do Facebook, mas é exactamente o que acontece naquele barco. Um concurso de likes, literalmente. Já ninguém pensa no Facebook, é o nosso primeiro veículo social, mas se pegarmos exactamente nas mesmas regras – OK, o que é que fizeste hoje? Usaste esta camisa? 17 likes. Ouviste esta canção? Menos 6. Se pegarmos nesta lógica que faz sentido no Facebook e a transferirmos para um jogo como o de Chevalier , compreendemos o seu absurdo e também a sua futilidade. E a palavra “chevalier” vem da ideia de cavalaria, de cavalheirismo, embora na verdade ninguém naquele barco queira saber disso. Exactamente! (risos) E no final há um vencedor, que recebe o anel de cavaleiro. Mas queríamos que isso fosse muito subtil. Há quem perceba quem é o vencedor e há quem não dê por isso… O que interessa é o processo de jogar o jogo e de nos avaliarmos a nós próprios e uns aos outros, não quem é o vencedor. O importante era que as personagens dessem por si envolvidas no jogo de modo a não serem capazes de lhe escapar. Isso leva muito à ideia das “noites de homens”, que saem juntos ou vão de fim-de-semana juntos. Mas o filme não escamoteia a fragilidade deles, antes pelo contrário. Isso veio muito dos actores. Escolhi com muito cuidado o elenco, era importante que houvesse química entre eles mas também que cada um tivesse personalidades fortes. Ensaiámos durante dois meses, no barco, e compreendi que eles próprios tinham chegado com lugares-comuns do que achavam sobre o jogo de quem é o melhor em geral, que é completamente absurdo e ridículo como objectivo. Mas ao fim da primeira semana de ensaios começaram, verdadeiramente, a ser muito sinceros e abertos. Muitos dos seus traços pessoais, medos, inseguranças, humor, vulnerabilidades, tornaram-se parte das personagens. Talvez o facto de eu estar extremamente interessada nisso os tenha feito sentir suficientemente seguros o suficiente para se abrirem. O filme evita escolher um protagonista. Isso já estava pensado desde a escrita. Fazíamos muita questão que não houvesse nenhum protagonista evidente, que cada espectador pudesse escolher o seu próprio protagonista. Era também um jogo de likes, porque os espectadores estariam sempre em desacordo sobre quem é o melhor em geral. Dito isto, levou muito tempo a montar o filme, nove meses. Gosto de fazer uma primeira montagem e depois afastar-me um mês para depois reavaliar tudo, sobretudo as interpretações, porque um filme é sempre uma composição, quase uma coreografia de vozes e sentimentos. Mas como este foi o meu primeiro filme com um elenco grande e muito diálogo, passámos muito tempo a obter uma “temperatura” igual para todos. Como se os actores fossem um grupo de instrumentos que se complementam. Filmei em écrã panorâmico porque queria ter o máximo de rostos no écrã e o máximo de reacções, a câmara estava sempre montada sobre rodas para poder mover-se e todos os actores estavam sempre no enquadramento. Tinham de Cineclube de Joane 4 de 5 estar permanentemente em on, e isto no mar, com muita ondulação de vez em quando… Mesmo fisicamente, foi bastante exigente para eles. E para si? Vomitei antes de subir a bordo para os primeiros ensaios. Literalmente. Por causa do stress e da ansiedade. Mas depois de começar a trabalhar com eles soube que ia tudo correr bem (risos). Mas sim, também foi difícil. Eles ficaram muito amigos uns dos outros e às tantas parecia um jardim de infância, e era muito difícil discipliná-los. (risos) Fui muito estrita. (risos) Essa cumplicidade e esse humor transparecem no filme. Há qualquer coisa de comédia disparatada, screwball, só que em câmara-lenta… Sim! Gosto de dizer que os meus filmes são tragédias screwball. Sei que não gosta muito da ideia de fazer parte de uma nova geração de cineastas gregos. Mas tendo em conta que temos estado a falar de tribos, e de famílias, existe de facto um estilo em comum entre cineastas como você, Yorgos Lanthimos ou Babis Makridis… É inevitável perguntar se isso é por serem gregos ou por pertencerem a uma mesma geração. Penso que isso é algo que vos cabe mais a vocês decidir, e talvez mesmo para vocês ainda seja cedo. Nós estamos no meio, não temos o distanciamento suficiente para falar com um mínimo de perspectiva. O que posso dizer é que o Yorgos, o Babis, eu própria e claro o Efthimis Filippou, o nosso argumentista, somos amigos há dez anos. Sentimo-nos parte de uma nação muito absurda que é em si própria uma tragédia screwball, e temos ideias, conversas e influências semelhantes. Respiramos o mesmo ar e crescemos com as mesmas alergias, e escolhemos um ponto de vista mais distanciado ou cínico ou alusivo ou elíptico. E os nossos filmes têm de facto afinidades. Mas não sinto que exista uma única vaga grega, há muitas vagas e são todos anárquicas e heterogéneas. Há outras 25 ou 30 pessoas da nossa geração, e outras cem de gerações mais novas.... Pequenas tribos, por vezes apenas só de um (risos).

Cineclube de Joane 5 de 5