Lawfare, Jornalismo E Ações Políticas Contra Lula1 BEFORE VAZA JATO
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Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação XXIX Encontro Anual da Compós, Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Campo Grande - MS, 23 a 25 de junho de 2020 ANTES DA VAZA JATO: lawfare, jornalismo e ações políticas contra Lula1 BEFORE VAZA JATO: Lawfare, journalism and politics actions against Lula Carlos Alberto de Carvalho 2 Maria Gislene Carvalho Fonseca3 Resumo: Neste artigo refletimos sobre o papel do jornalismo como ator político no caso de lawfare envolvendo as notícias relativas à investigação, condenação e prisão do ex-presidente Lula no âmbito da Operação Lava Jato. Adotamos como metodologia a combinação de revisão teórica em torno da política em Hannah Arendt, sobre necropolítica e democracia a partir de Achille Mbembe, sobre o jornalismo como ator político a partir de Héctor Borrat e sobre o lawfare como estratégia também comunicativa baseados em Gregory P. Noone e Susan W. Tiefenbrun. Na constituição do corpus de narrativas jornalísticas adotamos a premissa de contemplar as diversas fases dos procedimentos de investigação, condenação e prisão do ex-presidente Lula, analisando articulações entre o jornalismo com setores da Polícia Federal, do Ministério Público e do Judiciário que culminaram na inviabilização da candidatura de Lula às eleições presidenciais de 2018. Palavras-Chave: Jornalismo. Lawfare. Política. Abstract: In this article we reflect about the role of journalism as a political actor in the case of lawfare involving news related to the investigation, conviction and imprisonment of former President Lula in the context of Operation Lava Jato. We adopted as a methodological procedure the combination of theoretical revision around politics in Hannah Arendt, about necropolitics and democracy from Achille Mbembe, about journalism as a political actor from Héctor Borrat and about lawfare as a communicative strategy based on Gregory P Noone and Susan W. Tiefenbrun. In the constitution of the corpus of journalistic narratives, we adopted the premise of contemplating the different phases of the investigation, conviction and imprisonment procedures of former President Lula, analyzing articulations between journalism with sectors of the Federal Police, the Public Ministry and the Judiciary that culminated in the unfeasibility of Lula's candidacy for the 2018 presidential elections. Keywords: Journalism. Lawfare. Politics. Introdução No início do mês de junho de 2019 teve início uma série de revelações, pelo site The Intercept Brasil, de conversas privadas trocadas por autoridades diretamente responsáveis pela denominada Operação Lava Jato, que nos últimos anos alterou os rumos políticos e jurídicos brasileiros, por meio de práticas controversas, como as que envolvem o ex-presidente Lula, preso sob acusação de corrupção, impedido de concorrer às eleições presidenciais de 2018, e solto em novembro de 2019, depois de decisão do Supremo Tribunal Federal contra as prisões 1 Trabalho apresentado ao Grupo de Trabalho Estudos de Jornalismo do XXIX Encontro Anual da Compós, Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Campo Grande - MS, 23 a 25 de junho de 2020 2 Professor do curso de Jornalismo (UFMG). Doutor em Comunicação Social (UFMG). Email: [email protected]. 3 Professora do curso de Jornalismo (UFOP). Doutora em Comunicação Social (UFMG). Email: [email protected]. 22 www.compos.org.br www.compos.org.br/anais_encontros.php Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação XXIX Encontro Anual da Compós, Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Campo Grande - MS, 23 a 25 de junho de 2020 em segunda instância. Batizada de Vaza Jato, a série de reportagens produzidas a partir de informações vazadas, trocadas por meio do aplicativo de mensagens Telegram, revelam, dentre outros detalhes, acertos entre promotores e o juiz responsável pelo julgamento de Lula, indicando práticas jurídicas antiéticas e desleais, por desequilibrarem o direito à ampla defesa e julgamento justo e isento. No centro das conversas destacam-se Deltan Dallagnol, procurador responsável pela Operação Lava Jato, e Sérgio Moro, juiz que condenou Lula. A Operação Lava Jato, iniciada em 2014 e ainda vigente em 2020, objetiva investigar e combater casos de corrupção envolvendo agentes públicos, pessoas privadas e empresas envolvidas em prática lesiva à Petrobras, empresa estatal brasileira de petróleo. Dentre os partidos políticos e seus filiados, o maior atingido foi o Partido dos Trabalhadores (PT), que governou o Brasil entre 2002 e 2016, quando a presidenta Dilma Rousseff foi deposta por controverso processo, para alguns atores políticos e jurídicos considerado um golpe institucional (CARVALHO, 2019). A Lava Jato foi decisiva para o desgaste da imagem pública do PT, de Lula e de Dilma Rousseff, contribuindo para o próprio desenrolar da destituição de Dilma e para o resultado da eleição presidencial de 2018. Por sua vez, a Vaza Jato - denominação irônica que faz referência a diversos vazamentos de conversas envolvendo pessoas investigadas no âmbito da Lava Jato, alguns deles ilegais, - consistiu na divulgação de conversas privadas, por texto e voz, de membros do Ministério Público responsáveis pela condução da Lava Jato. As informações, obtidas pelo The Intercept Brasil de uma fonte que hackeou trocas de mensagens pelo aplicativo Telegram, indicavam, dentre outras ações, que o juiz Sérgio Moro, responsável pela condenação de Lula, atuou em vários momentos como instrutor das atividades do Ministério Público responsável pelas operações da Lava Jato. Diversas mensagens indicavam relações entre membros do Ministério Público e setores da imprensa com o objetivo de dar visibilidade às ações da Lava Jato. Nas primeiras mensagens vazadas que foram publicadas pelo The Intercept Brasil o papel da imprensa é destacado, com a informação de preocupações de envolvidos na Lava Jato com a liberação de entrevista do ex-presidente Lula no período eleitoral. Segundo o portal IG, A primeira reportagem a mostrar trechos das conversas oficialmente relata uma troca de mensagens realizada em setembro de 2018, quando o ministro Lewandowski autorizou o jornal Folha de S.Paulo a entrevistar o ex-presidente na prisão. O lamento de procuradores, o medo de que a entrevista influenciasse no resultado das eleições positivamente para o Partido dos Trabalhadores (que já tinha Fernando Haddad como representante oficial) e simulações dos melhores cenários para evitar que a conversa ocorresse antes do Brasil ir às urnas foram expostos pelo site. (BARROS, 2019.) 22 www.compos.org.br www.compos.org.br/anais_encontros.php Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação XXIX Encontro Anual da Compós, Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Campo Grande - MS, 23 a 25 de junho de 2020 Em diversas ocasiões, Lula e seus advogados denunciaram que mídias jornalísticas tradicionais estariam aliadas aos posicionamentos de determinados agentes do Poder Judiciário, como alguns representantes do Ministério Público, de tribunais e mesmo juízes, além de membros da Polícia Federal. Essa estratégia de ação do jornalismo é típica de práticas de lawfare, modalidade de violência política que visa, por meio do uso de ações de suposto cunho legal, minar as resistências morais de inimigos escolhidos como alvos, tal como se evidencia em todas as estratégias contra Lula, conforme análises de diversos juristas (PRONER, et al, 2017; 2018). Neste artigo tratamos das implicações do jornalismo nas fases de investigação, condenação, prisão e impedimento de Lula candidatar-se à presidência em 2018, inclusive contra manifestação do Comitê de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas que determinava ao Brasil respeitar os direitos políticos do ex-presidente até que se esgotassem todos os recursos jurídicos de apelação contra a prisão. São acontecimentos que antecedem as denúncias da Vaza Jato, que confirmam o que Lula e seus advogados vêm denunciando desde o início das ações contra o ex-presidente. As práticas de lawfare, por implicarem diretamente o uso do jornalismo em suas estratégias, voluntária ou involuntariamente, trazem à baila relações certamente controversas e complexas deste com as questões políticas e processos de politização da justiça. Complexidade que está no fato de diversos estudos proporem que sem o jornalismo a democracia sequer seria possível, com sugestões mesmo de que os jornais constituiriam parte ativa do jogo político democrático, a exemplo de Héctor Borrat (1989), que define o jornal como ator político. Em outras abordagens, como a de Robert G. Picard (2009), a democracia existiria apesar da imprensa, que no limite pode mesmo estar sob ameaça pela ação desta. As práticas de lawfare, que não foram objeto de nenhum dos dois pesquisadores, acrescentam novos elementos às contraditórias relações entre jornalismo, política e democracia. Metodologia Adotamos como procedimento metodológico a combinação de revisão teórica e a constituição de um corpus de narrativas jornalísticas, permitindo, além da descrição de aspectos essenciais da cobertura noticiosa envolvendo o ex-presidente Lula, compreender 22 www.compos.org.br www.compos.org.br/anais_encontros.php Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação XXIX Encontro Anual da Compós, Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Campo Grande - MS, 23 a 25 de junho de 2020 dimensões políticas aí envolvidas. A escolha das narrativas abrange diversas fases dos procedimentos que finalmente inviabilizaram a candidatura de Lula às eleições presidenciais