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Universidade Estadual de Campinas

Instituto de Filosofia e Ciências Humanas

JOSÉ HENRIQUE ALEXANDRE DE AZEVEDO

A ANTROPOLOGIA COMO FINALIDADE DA FILOSOFIA EM KANT

CAMPINAS

2019 JOSÉ HENRIQUE ALEXANDRE DE AZEVEDO

A ANTROPOLOGIA COMO FINALIDADE DA FILOSOFIA EM KANT

Tese apresentada ao Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas como parte dos requisitos exigidos para a obtenção do título de Doutor(a) em Filosofia.

Supervisor/Orientador: Daniel Omar Perez

ESTE TRABALHO CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA DISSERTAÇÃO/TESE DEFENDIDA PELO ALUNO JOSÉ HENRIQUE ALEXANDRE DE AZEVEDO, E ORIENTADA PELO PROF. DR. DANIEL OMAR PEREZ.

Campinas 2019 Ficha catalográfica Universidade Estadual de Campinas Biblioteca do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas Cecília Maria Jorge Nicolau - CRB 8/3387

Azevedo, Henrique, 1986- Az25a A antropologia como finalidade da filosofia em Kant / José Henrique Alexandre de Azevedo. – Campinas, SP : [s.n.], 2019. Orientador: Daniel Omar Perez. Aze Tese (doutorado) – Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. Ae1. Kant, Immanuel, 1724-1804. 2. Antropologia. 3. Racismo. 4. Misoginia. 5. Sexismo. I. Perez, Daniel Omar, 1968-. II. Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. III. Título.

Informações para Biblioteca Digital Título em outro idioma: Anthropology as the aim of philosophy by Kant Palavras-chave em inglês: Anthropology Racism Misogyny Sexism Área de concentração: Filosofia Titulação: Doutor em Filosofia Banca examinadora: Daniel Omar Perez [Orientador] Suze de Oliveira Piza Ruy de Carvalho Rodrigues Júnior Rafael Rodrigues Garcia Érico Andrade Marques de Oliveira Data de defesa: 24-09-2019 Programa de Pós-Graduação: Filosofia Identificação e informações acadêmicas do(a) aluno(a) - ORCID do autor: https://orcid.org/0000-0001-9600-7183 - Currículo Lattes do autor: http://lattes.cnpq.br/4724288291061080 UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

A Comissão Julgadora dos trabalhos de Defesa de Tese de Doutorado composta pelos Professores Doutores a seguir descritos, em sessão pública realizada em 24/09/2019, considerou o candidato José Henrique Alexandre de Azevedo aprovado.

Prof(a) Dr. Daniel Omar Perez. Profa. Dra. Suze de Oliveira Piza. Prof. Dr. Ruy de Carvalho Rodrigues Júnior. Prof. Dr. Rafael Rodrigues Garcia. Prof. Dr. Érico Andrade Marques de Oliveira.

A Ata de Defesa com as respectivas assinaturas dos membros encontra-se no SIGA/Sistema de Fluxo de Teses e na Secretaria do Programa de Pós-Graduação em Filosofia do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. À Érica Vieira com amor, carinho e devoção. Agradecimentos

Primeiramente, agradeço às minhas mães, Fatinha e Antônia, por ter me incentivado aos estudos apesar de elas mesmas não terem podido estudar, devido à pobreza. Também agradeço por não me deixarem trabalhar até os 23 anos, apesar da penúria das condições materiais de vida.

Agradeço também à minha irmã Aurinha por sempre ter segurado às pontas quando eu mesmo não podia.

Agradeço as minhas tias Elza (in memoriam) e Oza, por sempre terem me apoiado nas minhas atividades e dado uma força quando a gente precisou em casa.

Agradeço ao meu amor, Érica, por ter me amado, apoiado, confiado e, algumas vezes, se sacrificado para eu poder terminar tranquilo esta tese de doutorado. Agradeço aos ensinamentos que todo dia aprendo contigo, tanto intelectuais quanto práticos. Agradeço também pelas aventuras que tivemos pelo mundo e pela chama que deixa acesa dentro de mim, que me faz viver pra ela. Você me fez e me faz uma pessoa melhor.

Agradeço às minhas e aos primos: Claudênia, Clédina, Cláudia, Clóvis, Clécio, Berg, Nogueirinha, Alexandre por nos momentos mais difíceis da minha família ter nos dado aquela força material.

Agradeço ao meu amigo Hélio Parente, papai boêmio, pelas cachaças, filosofias e amizade ao longo de mais de 10 anos.

Agradeço ao meu amigo Leivison, pala man, por mais de 20 anos de amizade e pelos incentivos aos meus estudos.

Agradeço ao David pelas trocas intelectuais e loucuras do pensamento que a gente coloca no papel.

Agradeço ao Ruy por mostrar a mim e a tantos outros que a filosofia jamais tem de ser sisuda, pelo contrário, há de rir da filosofia. Agradeço também por todo o incentivo intelectual e por acreditar em mim. Você é meu mestre e a mente mais brilhante que já conheci nesse mundo afora.

Agradeço ao Daniel, enquanto amigo e ex-cachaceiro, pelos ensinamentos do que fazer e do que não fazer, por ter me apoiado na ideia louca de ir pra China, mesmo em meio uma das fases mais difíceis de sua vida. Sou grato também pela disponibilidade que sempre teve para escutar os problemas e pelas broncas necessárias. Abrir a própria casa a todos é algo raro nesse mundo.

Agradeço às amigas que fiz em Campinas, que me acolheram em sua casa e em seus corações: Lila Doidera, Mari Muitoloca e Ianca Almeida; também conhecidas como Butequeiras

Hard. Muito obrigado pela amizade sincera, pelos puxões de orelha e pelas noites de cachaça por Barão Geraldo.

À Ianca tenho um agradecimento especial por me ensinar a fazer pesquisa quantitativa, por gentilmente ter feito as tabelas desta e por ter me ajudado materialmente quando eu mais precisei.

Agradeço ao meu chapa Fabien pela amizade e troca intelectual, pelos projetos futuros e presentes. Ainda vamos fazer muita coisa nessa vida e movimentar a roda do saber.

Agradeço à galera do Apoena (Gustavo Costa, Gustavo Pagode, William, Thiago Mota, Luanna, Leoneol, Paulo Marcelo, Rogério). Agradeço em especial aos brothers David Barroso e Átila Almeida; Átila por ter salvado minha pele no ato de assumir um cargo público na UECE, se não fosse você iria me lascar todim, meu fi do metal.

Agradeço à Universidade Estadual do Ceará por ter me ensinado a ser gente e a pensar por meus próprios meios. Agradeço à Universidade Federal do Ceará por ter me acolhido em sua estrutura. Agradeço à Universidade Estadual de Campinas por ter me aberto os olhos em relação a entender o que deve ser, minimamente, uma universidade.

Agradeço à Mônica por sempre ter salvado à pátria quando precisamos; também à minha sogra Bernadete por sempre me receber muito bem em sua casa.

Agradeço a todos os funcionários da UNICAMP, mas especialmente à Maria Rita, ao Santos cachaceiro, à Bel, ao Benetti palmeirense doente, e especialmente à Daniela, que salvou-me da fome por várias vezes ajudando com a burocracia de bolsas.

Agradeço a todos os professores que fizeram parte da minha formação: Eduardo Braga, Ilana, Emiliano, Sylvia Leão, Ruy, Bosquinho, Eliana, Fernando, Luiz Felipe, Konrad Utz.

Agradeço à Faculdade Católica de Fortaleza, nas pessoas do Pe. Almir e do Pe. Evaristo, por ter me concedido, por indicação do Ruy ao qual também agradeço, um fantástico emprego no seu cursos de filosofia e pela extensão de seu programa de ressocialização de detentas. Agradeço às mulheres que foram minhas alunas dentro da casa de detenção e dignamente aprenderam o valor do pensamento e quem são os inimigos. Ao ver o sucesso de vocês eu ficou muito orgulhoso.

Agradeço ao Professor Stephen Palmquist por ter me aceitado como intercambista na Hong Kong Baptist University. Também por todos os ensinamentos, cordialidade e por mostrar que para ser um grande intelectual não é necessário ser arrogante ou pedante.

Agradeço ao prof. Daniel Omar Perez pela orientação e por ter me dado a oportunidade de estudar na UNICAMP e ser reconhecido em muitos lugares do Brasil.

O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001. Foram-me concedidas uma bolsa de doutorado e uma outra de doutorado sanduíche, permitindo-me viver uma aventura humana e intelectual na China. “Na academia, após o término do doutorado, é permitido mentir em nome próprio”

Eduardo Orquídea Negra Nobre Braga

“O mundo é diferente da ponte pra cá!”

A Fórmula Mágica da Paz

Racionais Mc's. RESUMO

A tese defendida aqui é a de que apesar de Kant ter iniciado sua reflexão crítica com um projeto de análise da metafísica sob os paradigmas da ciência, ele flexionou seu pensamento, após 1793, em favor de uma antropologia. Por antropologia Kant entendia o conhecimento pragmático das condições de possibilidade de ação humana no mundo, a fim de progredir, constantemente, para o melhor. No entanto, Kant não finalizou, completamente, sua antropologia por conta de o objeto desta ciência apresentar um deficit em relação aos princípios que a fundamentam; assim, principalmente, negros, indígenas e mulheres não possuem clara capacidade cosmopolita para ajudar a humanidade a progredir ao melhor. Esta é, fundamentalmente, uma tese sobre o movimento de pensamento de Kant. Com isso, este trabalho pretende inventariar e levar, completamente, a sério o que Kant quis dizer quando afirmou ser a antropologia o principal interesse da razão.

PALAVRAS-CHAVE: Antropologia; Racismo; Misoginia. ABSTRACT

Our thesis says that although Kant had begun his critical reflection by means of a project for the reorganization of metaphysics under science paradigms, he flexed his thought, after 1793, in favor of an anthropology. By anthropology Kant understood the pragmatical knowledge for the conditions of the possibilities of human action upon the world, in view of progressing, constantly, to the best. However, he did not finish this anthropology fully because the object of this science does not settle up in the grounds which bases it; in this way, mainly, black peoples, indigenous and women does not show a clear cosmopolitan capacity to assist mankind to progress toward the best. Thus, this writing intends to inventory and takes seriously what Kant meant when he said that it has to be the anthropology the main interest of reason. This is, fundamentally, a dissertation on Kant’s movement of thought.

KEYWORDS: Anthropology; Racism; Sexism. Lista de Siglas utilizadas nas referências das obras de Kant:

AA Akademie Ausgabe

Anth Anthropologie in pragmatischer Hinsicht (AA 07)

BDG Der einzig mögliche Beweisgrund zu einer Demonstration des Daseins Gottes (AA 02)

Br Briefe (AA 10-13)

DfS Die falsche Spitzfindigkeit der vier syllogistischen Figuren erwiesen (AA 02)

Di Meditationum quarundam de igne succincta delineatio (AA 01)

EAD Das Ende aller Dinge (AA 08)

EACG Entwurf und Ankündigung eines Collegii der physischen Geographie (AA 02)

EEKU Erste Einleitung in die Kritik der Urteilskraft (AA 20)

FM Welches sind die wirklichen Fortschritte, die die Metaphysik seit Leibnitzens und Wolf's Zeiten in Deutschland gemacht hat? (AA 20)

FM/Beylagen FM: Beylagen (AA 20)

GMS Grundlegung zur Metaphysik der Sitten (AA 04)

GSE Beobachtungen über das Gefühl des Schönen und Erhabenen (AA 02)

GSK Gedanken von der wahren Schätzung der lebendigen Kräfte (AA 01)

Idee Idee zu einer allgemeinen Geschichte in weltbürgerlicher Absicht (AA 08)

KpV Kritik der praktischen Vernunft (AA 05)

KrV Kritik der reinen Vernunft (zu zitieren nach Originalpaginierung A/B)

KU Kritik der Urteilskraft (AA 05)

Log Logik (AA 09)

MAM Muthmaßlicher Anfang der Menschengeschichte (AA 08)

MAN Metaphysische Anfangsgründe der Naturwissenschaften (AA 04)

MonPh Metaphysicae cum geometria iunctae usus in philosophia naturali, cuius specimen I. continet monadologiam physicam (AA 01) MpVT Über das Mißlingen aller philosophischen Versuche in der Theodicee (AA 08)

MS Die Metaphysik der Sitten (AA 06)

RL Metaphysische Anfangsgründe der Rechtslehre (AA 06)

MSI De mundi sensibilis atque intelligibilis forma et principiis (AA 02)

NEV Nachricht von der Einrichtung seiner Vorlesungen in dem Winterhalbenjahre von 1765-1766 (AA 02)

NG Versuch, den Begriff der negativen Größen in die Weltweisheit einzuführen (AA 02)

NTH Allgemeine Naturgeschichte und Theorie des Himmels (AA 01)

OP Opus Postumum (AA 21 u. 22)

Päd Pädagogik (AA 09)

PhG Physische Geographie (AA 09)

PhilEnz Philosophische Enzyklopädie (AA 29)

PND Principiorum primorum cognitionis metaphysicae nova dilucidatio (AA 01)

Prol Prolegomena zu einer jeden künftigen Metaphysik (AA 04)

Refl Reflexion (AA 14-19)

RezHerder Recensionen von J. G. Herders Ideen zur Philosophie der Geschichte der Menscheit (AA 08)

RezSchulz Recension von Schulz's Versuch einer Anleitung zur Sittenlehre für alle Menschen (AA 08)

RezUlrich Kraus' Recension von Ulrich's Eleutheriologie (AA 08)

Rel Die Religion innerhalb der Grenzen der bloßen Vernunft (AA 06)

SF Der Streit der Fakultäten (AA 07)

TG Träume eines Geistersehers, erläutert durch die Träume der Metaphysik (AA 02)

TP Über den Gemeinspruch: Das mag in der Theorie richtig sein, taugt aber nicht für die Praxis (AA 08)

TW Neue Anmerkungen zur Erläuterung der Theorie der Winde (AA 01) UD Untersuchung über die Deutlichkeit der Grundsätze der natürlichen Theologie und der Moral (AA 02)

ÜE Über eine Entdeckung, nach der alle neue Kritik der reinen Vernunft durch eine ältere entbehrlich gemacht werden soll (AA 08)

ÜGTP Über den Gebrauch teleologischer Principien in der Philosophie (AA 08)

UFE Untersuchung der Frage, ob die Erde in ihrer Umdrehung um die Achse, wodurch sie die Abwechselung des Tages und der Nacht hervorbringt, einige Veränderung seit den ersten Zeiten ihres Ursprungs erlitten habe (AA 01)

VAZeF Vorarbeiten zu Zum ewigen Frieden (AA 23)

VNAEF Verkündigung des nahen Abschlusses eines Tractats zum ewigen Frieden in der Philosophie (AA 08)

Vorl Vorlesungen (AA 24 ff.)

V-Anth/Busolt Vorlesungen Wintersemester 1788/1789 Busolt (AA 25)

V-Anth/Collins Vorlesungen Wintersemester 1772/1773 Collins (AA 25)

V-Anth/Fried Vorlesungen Wintersemester 1775/1776 Friedländer (AA 25)

V-Anth/Mensch Vorlesungen Wintersemester 1781/1782 Menschenkunde, Petersburg (AA 25)

V-Anth/Mron Vorlesungen Wintersemester 1784/1785 Mrongovius (AA 25)

V-Anth/Parow Vorlesungen Wintersemester 1772/1773 Parow (AA 25)

V-Anth/Pillau Vorlesungen Wintersemester 1777/1778 Pillau (AA 25)

V-Lo/Herder Logik Herder (AA 24)

V-Lo/Pölitz Logik Pölitz (AA 24)

V-Mo/Collins Moralphilosophie Collins (AA 27)

V-Mo/Kaehler(Stark) : Vorlesung zur Moralphilosophie (Hrsg. von Werner Stark. Berlin/New York 2004)

V-Met/Dohna Kant Metaphysik Dohna (AA 28)

V-Met/Herder Metaphysik Herder (AA 28)

V-Met-L1/Pölitz Kant Metaphysik L 1 (Pölitz) (AA 28) V-Met-L2/Pölitz Kant Metaphysik L 2 (Pölitz, Original) (AA 28)

V-Met-N/Herder Nachträge Metaphysik Herder (AA 28)

V-PG Vorlesungen über Physische Geographie (AA 26)

VRML Über ein vermeintes Recht, aus Menschenliebe zu lügen (AA 08)

VT Von einem neuerdings erhobenen vornehmen Ton in der Philosophie (AA 08)

VvRM Von den verschiedenen Racen der Menschen (AA 02)

WA Beantwortung der Frage: Was ist Aufklärung? (AA 08)

WDO Was heißt sich im Denken orientiren? (AA 08)

ZeF Zum ewigen Frieden (AA 08) SUMÁRIO Introdução…...……………………...... …..…….....….……..……..……………….…………..18

1) O Primeiro Projeto: Filosofia Transcendental…...….…..…….…...………...... …..…………26

2) Método e Sistema ……..…..…...... ………....…...... ….…...... …...…………………………....44 2.1) Método e seus Níveis de Apresentação……………..….…………..…….…....…..…..……….44 2.1.1) Primeiro Nível de Apresentação do Método: O Procedimento de Análise e Síntese…...…...44 2.1.2) Segundo nível de Apresentação do Método:…...... ….…....…….…..…………...53 2.2) O Sistema de Filosofia de Kant…..…………....……....…..………..……..…...... ……....70 2.2.1) O Conceito de Filosofia Cosmopolita ao Longo da Reflexão em sua Sistemática.....…..…...78

3) O Pensamento Flexivo de Kant……...... …...... …...... …...... …....…...... …...... …..96 3.1) Flexões e Atualizações...... …...…...... …...... …....….…....…...... ………….97 3.1.1) As Constantes Atualizações do Pensamento de Kant: três exemplos…….…….…....………98 3.2) A Flexão Antropológica...... ….…....….……...... …….….…..…....…....…...... …………...112

4) Os Diferentes Estatutos das Obras de Kant: Das Críticas à Pragmática.……….………...127 4.1) O Estatuto das Obras do Primeiro Projeto...... …...... …...... …....…...... …..…..….…….…129 4.2) O Estatuto das Obras do Segundo Projeto…....…….…....….…….…….…...... ….….…....…136

5) Genealogia da Antropologia...... …....…...... ……...... …...….…....…...... ………...148

6) A Antropologia Kantiana e os Paradoxos da Natureza Humana….…….…...…….….…...161 6.1) Kant e a Construção da Antropologia: Uma Ciência Incompleta…...….……...... …...... …….164 6.1.1) Antropologia da Sala de Aula...... …….….....………...... …..…....…..…….….……….164 6.2) Antropologia Pragmática e a Ideia de Ciência...... ….…...... …...... ……………….170

7) As Inconsistências da Natureza Humana em Kant.….…...….…....…...... …...... …...180 7.1) O Caráter da Pessoa e da Espécie na Anth.....….…….……....….…….…...... ……..180 7.2) É a Mulher Capaz de Ser Positivamente Cosmopolita?.….…...... ….….....….…....….….183 7.3) Cosmopolitismo aos Europeus; Aos Outros Adequação...... …...... …...... ……..193 8) A Inadequação entre Raça e Cosmopolitismo.…..…....….…….……...... ………..200 8.1) O Debate Racial em Kant...... …...... …..…....….....…....…...... …...... ….…...…...…....……201 8.2) Sistema, Raça e Tronco Comum da Humanidade...... ….…...... ….…….….….…….…….209 8.3) Colonialismo e Racismo no Coração da Antropologia da Década de 1790 em diante……….228

9) Antropologia do Opus Postumum..….....….…….…...... …...... …...... ………...... ……..238 9.1) Modo de Organização e uma Pequena História da Obra...... …..…....…..….…….………….242 9.2) A Passagem da Filosofia Transcendental à Física: Metafísica da Natureza…...... ……….245 9.3) A Finalidade Antropológica da Filosofia no OP...... …..…....……..…..….....…...…...……...251 9.4) Dos Escritos Após 1793 como Provas à Antropologia do OP………………………....……..260

CONSIDERAÇÕES FINAIS…...... ….…...………….…...... ……..…...... …….….………....267

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS….…...……..…….....…….…...... ….....….…….…...272

APÊNDICE: Os Kantianos Ignoraram a Antropologia de Kant…...……….…..…...……….283

ANEXO I: QUADRO CATEGORIAL DA KANT STUDIEN (1896 – 2010)....…...... ….…....308 18

INTRODUÇÃO: Por Que Escrever Mais Uma Obra Sobre Kant?1

É comum vermos várias perspectivas que contam ser Kant um pensador moderno, por excelência, ou seja, aquele que propriamente inaugura as condições de possibilidade de universalidade política, moral e epistemológica. Isto quer dizer que esta universalidade tem de voltar-se para a construção de um mundo novo, no qual a humanidade é o grande objeto. Todas as áreas que compõem tal universalidade devem desembocar no princípio racional de que o homem é um fim em si mesmo e nunca pode ser tratado como meio. Esta perspectiva deriva do movimento intelectual mais exitoso da história europeia: o iluminismo. Este último pode ser definido como uma contraposição aos regimes de estado absolutistas, de maneira a propor um outro sistema de domínio da vida para colocar no lugar daquele, novas maneiras de organizar o tecido social, moral e político. A crítica, com isso, é o ponto central da fundamentação iluminista de mundo, isto é, nada pode ser posto como válido sem antes passar pelo crivo da razão. Esta pista é fundamental para entendermos o pensamento de Kant em todos os seus movimentos. Kant é um pensador em constante atualização dos conteúdos que a razão deve gerir, de maneira que pensar significa criticar, colocar em perspectiva e ativar as regras da razão para se referir ao mundo. Eis o iluminismo como base do pensamento de Kant; este epistemologizou, de fato, as condições de possibilidade da universalidade. Disto tudo decorrem tanto a questão fundamental que guia a nossa tese quanto a sua subsidiaria: é o universalismo kantiano de fato universal? A crítica é usada por Kant para, verdadeiramente, entender como a humanidade pode atingir toda a sua potencialidade ou tal potencialidade visa apenas um grupo humano? Nesta esteira, é fundamental entendermos que Kant não apenas seguiu o movimento comum do iluminismo (ISRAEL, 2017), mas sobretudo entrou em seus meandros mais profundos e sustentou em suas teses as duas grandes novidades iluministas gestadas no seio do século XVII e aperfeiçoadas no século XVIII, a saber, a antropologia e a filosofia da história. Ambas são irmãs siamesas e nascem no seio mesmo da assim chamada revolução burguesa. A antropologia é a ciência que tem de dar conta do homem em sua separação fundamental que o constitui, a saber, entre natureza e cultura; já a filosofia da história foi fundada para fornecer os conceitos que a burguesia necessitava para derrubar o velho poder absolutista, isto é, refundar e manejar o tempo de maneira a estabelecer o que deve ser superado (passado) e o que deve vir à tona (futuro). O futuro deve ser racionalmente pensado e colocado em prática. Com isso, nossa tese não pode ser vista como algo estranho no pensamento kantiano. Mais precisamente, pensamos que apesar de Kant ter iniciado sua reflexão crítica com um projeto de

1 Pergunta originalmente elaborada pelo professor Stephen Palmquist da Hong Kong Baptist University. 19 reorganização da metafísica sob os paradigmas da ciência, ele flexionou seu pensamento em favor de uma antropologia. Procuramos destrinchar o seu projeto último de filosofia. Kant, segundo Foucault, é o pai das ciências humanas, na medida em que cria uma disciplina que deve dar conta da humanidade, a fim de mostrar como é possível que a crítica se aplique ao homem empírico (Foucault, 2000). Esta tese propõe ler Kant em seu desenvolvimento de pensamento sob a ótica da antropologia como finalidade do seu pensamento filosófico. A antropologia que Kant propõe como finalidade do sistema aparece em 17932; mais precisamente, ela não foi moldada, inicialmente, para tal, tendo sido introduzida como disciplina acadêmica em 1772, tratando, neste início, de aspectos psicológicos, em geral. Na própria década de 1770, tal disciplina se distancia da psicologia e vai ganhando aspectos pragmáticos, que versam sobre os destinos e a diversidade humana na terra, tendo como paralelo o curso de Geografia Física. Na década de 1780, a antropologia é vista por Kant como algo de importância menor, tendo como principal tarefa a aplicação da moral. No entanto, da década de 1790 em diante, Kant reestrutura de maneira decisiva a sua filosofia, de modo que, em 04/05/1793 manda uma carta a Frederick Stäudlin, na qual aponta que as três perguntas de maior interesse à razão que aparecem na KrV3 devem recair numa quarta, a saber, “o que é o homem?”4, a qual deve ser respondida por antropologia como ciência correspondente. Com isso, Kant deixa claro que a pergunta antropológica congrega em si a importância de todas as outras.5 Tal carta não deveria, em um primeiro momento, chamar atenção; contudo há um conjunto de fatores que a elevaram a um documento de crucial importância para a exegese dos estudos kantianos como primeiro esboço do projeto antropológico. Primeiro, Kant, recorrentemente, propunha o plano de seus projetos em cartas endereçadas a interlocutores tal como, por exemplo, a carta enviada a Markus Herz em 21/02/1772, na qual afirma a pretensão de publicar uma obra sobre os limites da sensibilidade e da razão em duas partes: Pensei nisso em duas partes, uma teórica e outra prática. A primeira conteria duas seções I) Fenomenologia geral. II) Metafísica, mas somente no que diz respeito à sua natureza e método. A segunda parte, igualmente, em duas seções I) Princípios Gerais do Sentimento, do Gosto e do Desejo Sensível. II) Os Primeiros Princípios da Moralidade […] Eu estou na posição de apresentar uma crítica da razão pura,

2 Carta a Stäudlin de 04/05/1793 pode ser considerada a primeira prova. Todas as passagens em Alemão sobre Kant serão citadas a partir da edição a Akademie Ausgabe, as quais podem ser encontradas até o Volume XXIII em: https : //korpora.zim.uni-duisburg-essen.de/kant/verzeichnisse-gesamt.html 3 “O que posso saber? O que devo fazer? O que me permitido esperar?” (A 805 / B 833). 4 “Was ist der Mensch? (Anthropologie; über die ich schon seit mehr als 20 Iahren jährlich ein Collegium gelesen habe).” KANT, I. AA XI, s. 429. 5 “Das Feld der Philosophie in dieser weltbürgerlichen Bedeutung läßt sich auf folgende Fragen bringen: 1) Was kann ich wissen? 2) Was soll ich thun? 3) Was darf ich hoffen? 4) Was ist der Mensch? Die erste Frage beantwortet die Metaphysik, die zweite die Moral, die dritte die Religion und die vierte die Anthropologie. Im Grunde könnte man aber alles dieses zur Anthropologie rechnen, weil sich die drei ersten Fragen auf die letzte beziehen.” KANT, I. AA IX, s. 25. 20

que contém a natureza do conhecimento tanto teórico quanto prático, na medida em que a última é meramente intelectual, e da qual eu tenho a primeira parte, que contém as fontes, o método e os limites da metafísica. Após isso, elaborarei os princípios puros da moralidade. Publicarei a primeira parte dentro de 3 meses.6

Ora, o esboço do projeto não saiu como esperado, uma vez que apesar de Kant afirmar que traria, de modo completo, à tona uma KrV, ele a dividiu de modo que apenas a parte teórica apareceu primeiro, tendo a KpV e a KU sido publicadas muitos anos depois. Isso significa que, para Kant, apesar de ter a ideia para a estrutura do seu primeiro projeto, os conteúdos que preencheram- na foram erigidos ao longo dos anos de reflexão. A carta a Stäudlin tem um significado parecido, na medida em que lá Kant traça seu plano de tornar tal disciplina, ensinada ao longo de vinte anos, um saber no qual todos os outros recaem. Com isso, mostraremos que Kant tenta construir nos últimos dez anos de reflexão uma antropologia que dê conta de responder à pergunta sobre o homem. Nossa tese, assim, tem por escopo acompanhar o movimento de pensamento de Kant. Por conta disso, duas coisas se fazem importantes em nosso posicionamento, a saber: primeiro, é necessário atentarmos ao método. Kant faz uso da “via crítica”, a qual “é a única ainda aberta. Se o leitor teve a amabilidade e a paciência de a percorrer em minha companhia, pode agora julgar, no caso de lhe agradar contribuir para fazer deste atalho uma estrada real […] ou seja, conduzir a razão humana até a plena satisfação numa matéria que sempre ocupou, até hoje, embora inutilmente, a sua curiosidade.” (A 856 / B 884) Por crítica Kant entende um tribunal da razão que julga de que modo é possível dar sentido ao mundo, separando os elementos em observação, a fim de melhor compreendemos e, com isso, intervirmos nele de maneira que a humanidade progrida. Seguiremos Kant e aplicaremos seu método que se apresentará como passos argumentativos para chegar a finalidades postas pela razão, uma vez que ele nunca abandona a crítica como maneira de pensar. Segundo, a principal finalidade da razão é a efetivação da liberdade; isto posto, nossa tese pretende entender de que modo Kant procura satisfazer tal demanda. Aqui se apresenta o que chamamos de movimento de pensamento do autor, na medida em que a satisfação da liberdade apresentará obstáculos, os quais devemos destrinchar. Assim uma das questões deste trabalho diz respeito a se perguntar se: é possível compreender a filosofia kantiana no seu final, tendo este ressignificado o seu começo? Desdobrando tal problemática, podemos nos questionar se teria Kant

6 “Ich dachte mir darinn zwey Theile, einen theoretischen und pracktischen. Der erste enthielt in zwey Abschnitten 1. Die phaenomologie überhaupt. 2. Die Metaphysik, und zwar nur nach ihrer Natur u. Methode. Der zweyte ebenfals in zwey Abschnitten 1. Allgemeine Principien des Gefühls des Geschmacks und der sinnlichen Begierde. 2. Die erste Gründe der Sittlichkeit […] ich itzo im Stande bin eine Critick der reinen Vernunft, welche die Natur der theoretischen so wohl als practischen Erkentnis, so fern sie blos intellectual ist, enthält vorzulegen wovon ich den ersten Theil, der die Qvellen der Metaphysic, ihre Methode u. Grentzen enthält, zuerst und darauf die reinen principien der Sittlichkeit ausarbeiten. Und was den erstern betrift binnen etwa 3 Monathen herausgeben werde.” Cf. KANT, I. AA X, s 129-132. Tradução nossa. 21 flexionado a finalidade de seu sistema (de uma filosofia transcendental que deve mostrar as condições de possibilidade de tratar de objetos teóricos, prático e teleológicos) em favor de uma antropologia, que se fundamenta na ideia de que o objeto a que todos os outros trabalhos anteriores devem se direcionar é o homem pragmático? Esta tese, com isso, está dividida em nove capítulos e um apêndice. Isto posto, começamos, no primeiro capítulo, por mostrar a construção de uma ciência modernamente concebida, aqui identificada por filosofia transcendental como base para o primeiro projeto de filosofia. Iniciamos uma apreciação da KrV, uma vez que nesta estão contidas as condições de possibilidade para tratar da filosofia kantiana, que pesem as atualizações e as nuances posteriores. A revolução copernicana criou uma nova maneira de tratar objetos a fim de responder se é possível a metafísica como ciência. Uma vez colocadas as bases da filosofia transcendental nos propomos saber, no segundo capítulo, o que são e como funcionam o método e o sistema, uma vez que pensamos haver um sistema. Como afirmamos acima, o método é o crítico, que se apresenta em passos argumentativos, que também podem ser identificados como níveis de apresentação, um caminho à resolução de problemas. Notamos haver dois níveis de apresentação do método, ambos fundamentados e já expressos na KrV. O primeiro revela o funcionamento das entranhas da filosofia kantiana, isto é, aquilo que permite tratar do mundo com sentido e referência: o procedimento de análise e síntese. Não é de forma fortuita que Kant diz em boa letra que a pergunta fundamental da filosofia ali na KrV é saber “como são possíveis os juízos sintéticos a priori?” (B 19), pois disso depende a resposta central que permitiria finalmente a filosofia/metafísica ser uma ciência. No entanto, o autor também mostra um nível doutrinal do método, em um segundo nível de apresentação, tendo como escopo a sua extensão (da KrV em diante) a toda e qualquer parte da sua filosofia, tal qual um plano. A fase doutrinal diz respeito a um conjunto de ideias e saberes a serem transmitidos e ensinados à humanidade, de maneira tal que esta aprenda como proceder cientificamente sem ultrapassar os limites tanto no que concerne ao conhecimento sensível quanto no que diz respeito à ação moral. Assim, necessita-se de uma disciplina, de um cânone, de uma arquitetônica e de saber a sua história; todas trabalhando em vista de um padrão para a resolução de problemas. Não podemos fazer confusão; apesar de haver dois níveis de apresentação há somente um método: o crítico. Ainda no segundo capítulo pretendemos compreender se é possível de alguma forma haver um sistema, que seja logicamente coerente com as demandas da crítica e com a ideia de atividade incessante do trabalho filosófico. Pensamos, junto a Kant, que “o sistema de todo o conhecimento filosófico é então a filosofia” (A 838 / B 866), isto é, Kant entende por filosofia uma ideia que 22 congrega todos os conhecimentos filosóficos. Ora, em contiguidade a isto, ele entende a filosofia como um conceito cósmico, ou cosmopolita, de maneira que “a filosofia é a ciência da relação de todo o conhecimento aos fins essenciais da razão humana” (A 839 / B 867). Ao dialogarmos com uma solução dada por Stephen Palmquist,7 adaptamos a ideia de que a ciência proposta por Kant pode funcionar sistematicamente desde que siga modelos e metáforas que forneçam um ponto de coerência lógica para driblar as inconsistências, tal qual ocorre com a teologia. Pensamos que o conceito de filosofia cosmopolita, que se apresenta de maneira constante ao longo de toda a obra crítica de Kant, pode funcionar como modelo sistemático simbolizado por uma metáfora: a da flecha (atratora que está sempre em direção ao futuro). Ou seja, tal como um objeto que está em atividade incessante, progredindo em direção ao melhor, por meio da razão, de modo a resolver os problemas humanos. Metaforicamente, a flecha (filosofia como doutrina que busca a sabedoria), por uma força gravitacional de atração, puxaria todo e qualquer conhecimento para sua órbita, fazendo-a seguir em busca dos fins últimos que interessam ao homem. Com este tipo de interpretação, tanto do método quanto do sistema, pretendemos colher como resultado a consecução de um sistema aberto, no qual uma antropologia pôde ser, eventualmente, posta como finalidade após uma atualização, em 1793, da direção sistemática. Pretendemos provar, desse modo, que há dois projetos de filosofia: no primeiro, o método fornece conteúdos cognitivos, morais e teleológicos como padrões para a resolução de problemas da razão; no segundo, Kant percebe que tais conteúdos não dão conta da resolução da efetivação da liberdade, trazendo, para tal, a antropologia pragmática, amalgamada na pergunta antropológica. Ele flexiona seu pensamento e identifica a antropologia como principal conteúdo do sistema em 1793, ano da supracitada carta a Stäudlin. Por flexão entendemos uma mudança na direção do sistema, a fim de perseverar de forma mais acurada em busca das finalidades da razão. Com isso, mostraremos que houve a flexão de um projeto de filosofia transcendental estrita em favor de uma ciência antropológica como finalidade do sistema. Pontuaremos que este movimento do pensamento de Kant muda os rumos do projeto sem perder os ganhos da filosofia transcendental. Mais precisamente, esta passa a trabalhar em favor da antropologia, de maneira que a filosofia já estabelecida como ciência procura sua satisfação na resposta da pergunta antropológica. Para provar que uma mudança de paradigma (flexão) não é estranha à filosofia kantiana, mostramos que o autor atualiza vários pontos de suas teorias (edição revisada da KrV em 1787; a noção de faktum da razão na KpV em relação à fraca noção de respeito a lei em GMS e etc.) com o intuito de esclarecer o que se pretende e como conseguir chegar a termo.

7 PALMQUIST, S. Kant's System of Perspectives: an architectonic interpretation of the critical philosophy. Lanham / New York / London: University Press of America, 1993. 23

Há, precisamente, duas flexões: a primeira de uma forma dogmática de fazer filosofia, em prol de uma metafísica científica em 1781, e, posteriormente em 1793, em favor de uma antropologia. A economia em flexões deve-se ao fato de que estas são mais abruptas que as atualizações, visto mudar o conteúdo de sua filosofia, não podendo, assim, acontecerem a esmo. A antropologia é a ciência pragmática do que o homem pode e deve fazer de si. Kant estava construindo um projeto que desse conta de responder à pergunta antropológica, o que acarretaria um melhor caminho para a efetivação da liberdade. A antropologia passa a ser a ciência mais importante da filosofia em 1793. Assim, nos outros seis capítulos exporemos propriamente a construção de sua antropologia; respectivamente: os diferentes estatutos das obras de Kant, isto é, o primeiro projeto fundamenta o segundo; a diferença de estatuto das obras não diminui a importância de ambos os projetos, principalmente, do projeto antropológico. Também tivemos a preocupação de nos perguntarmos, a saber, uma vez que a antropologia não nasceu com a importância que posteriormente tomou, quais seriam as suas origens? Com isso, há um debate na filosofia kantiana em saber de onde surgiu a antropologia: da psicologia empírica ou da geografia? Este debate nos permite-nos entender o que Kant pensava ao propor em 1793 a flexão antropológica. Mostraremos também que ele erige uma ciência antropológica com um método de observação adaptado a ela, mas com um deficit em relação ao seu objeto de estudo. O ponto paradoxal de dificuldade, para Kant, além da ideia de efetivação da liberdade, que deve ser confrontada com culturas de agentes livres, é a inconsistência entre o que ele pensa que deva ser o humano, um ser livre que constrói o seu próprio destino em vista da satisfação da humanidade como um todo, e o que ele pensa sobre alguns grupos humanos, a saber, mulheres, negros e índios, os quais, seriam incapazes de se adequar a um sistema de propósitos cosmopolitas nos moldes do que exige a sua antropologia. Mais precisamente, a antropologia não consegue expor uma teoria da natureza humana que abarque a universalidade dos seres humanos diversos em sua situação pragmática. A discussão, assim, concerne à história natural e a inserção de Kant nesta disciplina. O debate de sua época girava em torno de saber se as alegadas raças humanas (brancos, calmucos, negros e indígenas. Divisão cara aos naturalistas do século XVIII) teriam um tronco comum, monogênese, ou não, havendo diferentes origens para cada raça, poligênese. Kant pensava que todos os seres humanos descendiam de um tronco comum, mas por conta de sua diáspora, e do efeito dos diferentes climas sobre as populações, houve uma diferenciação humana em quatro raças. Mostraremos que o grande problema foi que, além da divisão fenotípica, Kant entendia haver uma divisão cultural na qual índios e negros são incapazes de civilizar-se e, por conseguinte, de atingir propósitos cosmopolitas 24 para a efetivação da liberdade.8 Apesar de não ter conseguido uma resposta satisfatória para resolver a incongruência, ele tentou encontrá-la até os últimos momentos de reflexão. Mais precisamente, ele começou a escrever uma obra que faria, em um primeiro momento, a passagem da filosofia transcendental para a física, a prometida metafísica da natureza, mas, com o passar dos anos e de sua escrita, teria resolvido fazer uma obra sistemática que mostrasse, finalmente, o seu projeto derradeiro, de maneira a incluir a metafísica da natureza e a metafísica dos costumes em uma finalidade antropológica; por conta de não a ter concluído, esta obra ficou conhecida como Opus Postumum (OP). Ora, esta foi interpretada por seus comentadores, mormente, como uma passagem da filosofia transcendental à física, por conta de Kant tê-la escrito quando ainda gozava de boa saúde. Ele demorou alguns anos para concluir a tal passagem e não conseguiu escrever, claramente, a parte sobre a antropologia, que seria o ápice de um sistema, no qual a moral (deus) e o mundo (natureza) seriam sustentados pelo homem (antropologia). Entretanto, devido ao fato de esta ser uma obra inconclusa, não podemos determinar o argumento final endogenamente, mas é possível, no entanto, prová-la como antropológica desde que se analisem os conteúdos das obras dos últimos dez anos de reflexão e vida de Kant; assim, podemos notar uma direção antropológica que deveria ter sido satisfeita no OP. Por último, mostraremos de modo cirúrgico, em um apêndice à tese, que o século XX ignorou a antropologia do autor. Isto pode ser cabalmente provado por meio da análise das publicações na história da Kant Studien, inventariada por nós desde 1896, ano de sua estreia, até 2010, categorizando as temáticas e analisando-as, estatisticamente. A maioria absoluta das interpretações dos especialistas sobre Kant até os dias atuais negligenciou o seu projeto antropológico; este viés de interpretativo ficou à sombra pelos especialistas da obra de Kant. Além disso, para provar nossa tese, foi necessário usar ideias de Kant que não foram publicadas sob seus cuidados editoriais, tais como cartas e lições; em nossa perspectiva, as obras publicadas, obviamente, não possuem o mesmo estatuto das não publicadas. No entanto, o projeto antropológico apenas fica claro se a pesquisa também focar na preparação de Kant para colocar em voga tal projeto e, uma vez que os esboços desta preparação constam naqueles documentos, foi necessário o seu uso. O cuidado que tivemos foi o de usar tais documentos como cruciais desde que, em seus conteúdos, houvesse correspondência com os publicados. Assim, pudemos resolver, pelo menos em parte, o problema das obras não publicadas, apesar de não termos podido solucioná-las 8 Coisa parecida ocorre com as mulheres, as quais são consideradas por Kant, juridicamente, como objeto, sendo, pois, incapazes legalmente de serem cidadãs plenas, uma vez que devem ser legalmente submissas aos homens. O que aqui está em jogo são as condições de possibilidade de desempenho de papel social; haveria em Kant um racismo cultural e, consequentemente, uma contradição entre seus pontos de vista universalistas da moral e sua consecução pragmática? Em nossa perspectiva a resposta é positiva. 25 de maneira completa. Portanto, esta tese procura fundamentar uma outra maneira de ler Kant. Este percebeu que não bastava ao humano saber-se detentor da capacidade de julgar, mas, sobretudo, era necessário saber como melhorar as condições de vida da humanidade. Mais precisamente, era necessário progredir, constantemente, trazendo, desse modo, para o bojo da reflexão a pergunta sobre o estatuto da humanidade contida na disciplina mais importante ao saber filosófico: a antropologia. 26

1) O Primeiro Original: A Filosofia Transcendental

Aqui pretendemos mostrar o início do primeiro projeto de filosofia de Kant, a saber, uma filosofia transcendental que pretende dar conta das condições de possibilidade de resolução de problemas da razão. Este projeto, assim, possui dois níveis diferentes de argumentação, os quais, basicamente, podem ser divididos em: um nível explícito e outro implícito. O caráter explícito diz respeito à divisão segundo os usos da razão, isto é, em teórico e prático; contudo, esta divisão guarda um caráter implícito de argumentação: as condições de possibilidade de tratar da objetividade de objetos em geral. Isto posto, tanto o caráter explícito quanto o implícito se imbricam quando Kant declina as três perguntas que interessam à razão: “o que posso saber? O que devo fazer? O que me é permitido esperar?” (A 805/ B 833). Isto ocorre uma vez que em tais perguntas encontram-se o mote ao projeto de filosofia original: uma crítica que dê conta de mostrar em quais bases é possível tratar dos três principais problemas que interessam à razão. Esta crítica é formulada sob o paradigma de uma filosofia transcendental com acurácia científica, sem ultrapassar os limites da experiência possível, ou, mais propriamente: Como, porém, até agora todas as tentativas para dar resposta a essas interrogações naturais, como seja, por exemplo, se o mundo tem um começo ou existe desde a eternidade, etc., sempre depararam com contradições inevitáveis, não podemos dar- nos por satisfeitos com a simples disposição natural da razão pura para a metafísica, isto é, com a faculdade pura da razão, da qual, aliás, sempre nasce uma metafísica (seja ela qual for); pelo contrário, tem que ser possível, no que se lhe refere, atingir uma certeza: a do conhecimento ou ignorância dos objetos, isto é, uma decisão quanto aos objetos das suas interrogações ou quanto à capacidade ou incapacidade da razão para formular juízos que se lhes reportem; consequentemente, para estender com confiança a nossa razão pura ou para pôr limites seguros e determinados. Esta última questão que decorre do problema geral acima apresentado, poderia justamente formular-se assim: como é possível a metafísica enquanto ciência? (B 22). (Grifos nossos).

Ora, perguntar-se como é possível a metafísica como ciência equivalia na segunda metade do século XVIII a se questionar qual era a serventia da filosofia para a humanidade, uma vez que a teologia já era um saber sem segurança científica que tratava de aspectos conjecturais sobre a Verdade, o Bem, o Ser e etc. Daí que um tal projeto necessita de, inevitavelmente, mostrar, antes de qualquer coisa, “que a metafísica sirva, como mera especulação, mais para prevenir erros do que ampliar o conhecimento, não prejudica em nada o seu valor” (A 851 / B 879). Esta reformulação da metafísica tem por meta transformá-la em uma ciência com formulações verificáveis; tal reformulação passa pela consideração do estatuto da KrV no projeto kantiano de filosofia. Entendemos esta nova ciência proposta por Kant como uma investigação que procura separar 27 os elementos factuais que compõem o pensamento para melhor explicá-los. Mais precisamente, é necessário mostrar como trabalham e quais os limites das faculdades da mente, a fim de estabelecer o lugar da filosofia transcendental. Por conta disso, a KrV analisa os estatutos de três faculdades, a saber, a da sensibilidade, a do entendimento, e a da razão; além disso, propõe um método e um sistema que cimentam-nas como parte de um projeto de resolução de problemas. Ora, para Kant, ressignificar o procedimento da metafísica equivalia a confrontar as velhas ciências que atravancavam uma mais clara abordagem teórica sobre os conteúdos que preocupam à razão, tal qual, por exemplo, a ontologia, um saber cunhado por Wolff para dar conta da multiplicidade do mundo, por meio do método da matemática. Em contrapartida, na filosofia transcendental de Kant, “as suas proposições fundamentais são apenas princípios da exposição dos fenômenos e o orgulhoso nome de ontologia, que se arroga a pretensão de oferecer, em doutrina sistemática, conhecimentos sintéticos a priori das coisas em si (por ex. o princípio da causalidade) tem de ser substituído pela mais modesta denominação de simples analítica do entendimento puro” (A 247 / B 303). Com isso, na Analítica dos princípios, mais precisamente em Do princípio de distinção de todos os objetos em geral em fenômenos e númenos, Kant rejeita a ontologia, de modo que ela deve ser substituída por uma mera analítica do entendimento puro, que não se preocupa com essências últimas que constituem o objeto. O que preocupa o autor neste primeiro momento é saber as condições de possibilidade para a referência objetiva, e não onde, suprassensivelmente, pode um objeto levar. Isto posto, não faz sentido a ontologia clássica se arrogar da pretensão de conhecer as essências últimas dos objetos. Todas as funções cognitivas devem poder ter corroboração na sensibilidade. Tratar da metafísica como ciência também não faz sentido, uma vez que esta foi o veículo de todos os dogmas da tradição. Kant não retira a ontologia do sistema de metafísica em geral, pois “o sistema inteiro da metafísica consta de quatro partes fundamentais: 1. A ontologia. 2. A fisiologia racional. 3. A cosmologia racional. 4. A teologia racional” (A 846 / B 874), mas a relativiza na KrV. A metafísica proposta por Kant perde o seu sentido de ciência primeira e ganha o estatuto de filosofia transcendental dentro da virada copernicana. Com isso, esses quatro pontos que constituem, na visão de Kant, os temas que se dedicava a metafísica tradicional devem servir de ponto de partida, contudo sob um viés crítico, isto é, faz-se necessário estabelecer os limites do discurso verificável. Ao relativizar o alcance destas quatro partes fundamentais foi possível a Kant avançar com a filosofia transcendental em vista da resolução dos problemas da razão. A metafísica aparece como problema para Kant desde a década de 1750 e continua como tal ao longo de seu primeiro projeto de filosofia. Entretanto, na primeira edição da KrV, Kant coloca a pedra fundamental para mostrar como seria possível reformular o 28 conhecimento filosófico. A KrV deve ser lida, desse modo, como uma obra de filosofia transcendental. Esta última é o ajuntamento de toda reflexão que exponha as condições de possibilidade da apreciação de objetos. Assim, A filosofia da razão pura ou é uma propedêutica (exercício preliminar) que investiga a faculdade da razão no tocante a todo o conhecimento puro a priori, e denomina-se crítica, ou constitui, em segundo lugar, o sistema da razão pura (ciência), todo o conhecimento filosófico (tanto o verdadeiro como o aparente) a partir da razão pura apresentado em sua interconexão sistemática chama-se Metafísica. Este último nome, contudo, também pode ser dado a toda a filosofia pura incluindo a crítica, a fim de abarcar tanto a investigação de tudo aquilo que pode ser conhecido a priori quanto também a exposição daquilo que perfaz um sistema de conhecimentos filosóficos puros desta espécie, porém distinto de todo uso empírico e de todo o uso matemático da razão (A 841 / B 869).

No entanto, apesar de paradoxal, esta metafísica apenas concerne a um aspecto muito restrito que Kant tenta dar a sua obra, uma vez que, ao estender sua reflexão a objetos cuja referência dá-se por meio de postulados, tais como a liberdade e a esperança em uma vida futura (referência às três perguntas fundamentais que interessam à razão), ele esbarra em um limite cognitivo. Assim, a filosofia da razão pura fundamenta um tipo específico de conhecimento a priori neste momento da reflexão. O uso empírico e o matemático concernem às posições de autores imediatamente anteriores a Kant, a saber, Baumgarten, no que diz respeito à psicologia empírica (primeiro ponto de sua metafísica) e Wolff, que, como dito anteriormente, propunha ser o método filosófico análogo ao matemático. Em contrapartida, a filosofia kantiana posiciona um uso diferente e mais efetivo do conceito de objeto, que deve aparecer por meio da assim chamada reflexão sistemática. Para colocar bases sólidas neste tipo de asserção, Kant discorre sobre a diferença entre reflexão lógica e transcendental. Poder-se-ia dizer que a reflexão lógica é uma simples comparação, pois nela se abstrai totalmente da faculdade de conhecimento a que pertencem as representações dadas, sendo portanto tratadas como homogêneas no que diz respeito ao seu lugar no espírito; mas a reflexão transcendental (que se dirige aos próprios objetos) contém o princípio da possibilidade da comparação objetiva das representações entre si, porque a faculdade de conhecimento a que pertencem não é a mesma. Esta reflexão transcendental é um dever a que ninguém, que pretenda a priori formular qualquer juízo sobre as coisas, se pode eximir. (A 262-3 / B 318-9).

A reflexão transcendental constitui um pilar do pensamento kantiano, no que concerne ao seu primeiro projeto de filosofia. O fundamento disso, como visto na passagem acima, diz respeito a uma apreciação das condições de possibilidade do pensamento em geral se referir a objetos com sentido e de modo rigoroso, além de ser possível a comparação entre representações. Isto posto, “chamo transcendental a todo o conhecimento que em geral se ocupa menos dos objetos, que do 29 nosso modo de os conhecer, na medida em que este deve ser possível a priori” (B 25). A filosofia transcendental, neste sentido, pretende a efetivação da filosofia como ciência. Ora, há de se levar em consideração que Kant lecionou a disciplina de metafísica por longos anos, o que significa que ele sabia exatamente de quais bases estava tratando. É interessante também notar que o diálogo de Kant com a escolástica alemã de sua época foi um dos motores para a assunção do conceito de transcendental como ponto de fundação da virada copernicana. Kant se vincula à tradição wolffiana e leibniziana de fazer filosofia, cujo seguimento foi dado por Baumgarten. Por conta disso, não é fortuita a semelhança entre a filosofia transcendental kantiana e a scientia transcendentalis ou ontologia de Wolff, o qual, em alguma medida, trouxe a filosofia de Francisco Suárez para o contexto da metafísica alemã da época.9 Kant, entretanto, conhecia o termo transcendental desde, pelo menos, 1756, ano de sua Monodalogia Física (MonPh).10 A concepção de filosofia transcendental desta obra, obviamente, não autoriza a associá- la, diretamente, com o conteúdo da KrV, devido sua distância temporal. A reflexão transcendental leva em conta primeiramente as condições de possibilidade de referência a objetos. No entanto, isto não chancela o reconhecimento na pura ontologia wolffiana do mesmo modelo de metafísica que se apresentaria como ciência nos moldes de Newton. Era necessário seguir um modelo de reflexão que pudesse justificar o uso e a validade dos seus conceitos puros. Por isso: Há ainda, porém, na filosofia transcendental dos antigos, um capítulo que contém conceitos puros do entendimento, os quais, embora não sendo contados entre as categorias, no consenso dos antigos deviam valer, segundo aqueles antigos, como conceitos a priori dos objetos, aumentando nesse caso o número das categorias, o que não pode ser. São eles enunciados na celebre proposição dos escolásticos: Quodlibet ens est unum, verum, bonum. Embora o uso desse princípio em relação às consequências (que eram puras proposições tautológicas) proporcionasse resultados deploráveis, pelo que, hoje em dia, se menciona na metafísica quase só por deferência, todavia um pensamento, que tanto perdurou, por vazio que pareça, merece sempre que se indague a sua origem, e justifica a suposição de que tenha fundamento em qualquer regra do entendimento que, como muitas vezes acontece, apenas tivesse sido falsamente interpretada. Esses supostos predicados transcendentais das coisas não são mais do que exigências lógicas e critérios de todo o conhecimento das coisas em geral […] Portanto, com os conceitos de unidade, verdade e perfeição não se completa a tábua transcendental das categorias, como se porventura fosse deficiente; apenas, pondo de parte qualquer relação desses conceitos com os objetos, o uso que se faz deles entra nas regras lógicas universais da concordância do conhecimento consigo próprio. (B 113-6)

9 WOLFF, C. Philosophia prima sive ontologia / Erste Philosophie oder Ontologie [1729] §§ 1-78. (Trans. and ed. D. Effertz). Hamburg: Felix Meiner Verlag, 2005. 10 “Metaphysics, therefore, which many say may be properly absent from physics, is, in fact, its only support it alone provides illumination. For bodies consist of parts it is certainly of no little importance that it be clearly established of which parts, and in what way they are combined together. [...] But how, in this business, can metaphysics be married to geometry, when it seems easier to mate griffins with horses than to unite transcendental philosophy with geometry?” (AA I, PM, s 475). Apud: DE BOER, K. Transformations of Transcendental Philosophy: Wolff, Kant e Hegel. Bulletin of the Hegel Society of Great Britain, V. 63 (2011), 54. 30

A filosofia transcendental é, com isso, uma novidade que promulga no seio da reflexão metafísica um modelo de ciência, de maneira a permitir certeza objetiva sobre as asserções. Para que se possa mostrar, a partir de todo esse esboço teórico, que o caráter implícito da metafísica proposta por Kant possui validade como filosofia transcendental, faz-se necessário expor a estrutura da KrV, principalmente no que concerne à sua Lógica Transcendental. Com isso, aqui encontra-se, de modo direto, a base da filosofia transcendental como projeto de filosofia crítica. Por meio da KrV é possível traçar a ordem da exposição do sistema da filosofia transcendental, na medida em que os passos argumentativos de Kant têm por meta articular os fundamentos da experiência teórica, partindo do espaço e do tempo, passando pela lógica que coloca regras para conhecer objetos, também pelo revelar dos limites de toda e qualquer cognição, e do sistema e do método que fundamentam e acimentam toda a construção reflexiva. Analisar brevemente o objetivo geral destes passos específicos auxiliar-nos-á a provar a hipótese de que o primeiro projeto kantiano tem por fundamento a reformulação total da metafísica como filosofia transcendental. A KrV está dividida em dois capítulos, além da Introdução e dos Prefácios. O primeiro se intitula Doutrina Transcendental dos Elementos e o segundo Doutrina Transcendental do Método (analisaremos este último no próximo capítulo). Para a apreciação, desse modo, da filosofia transcendental é suficiente, em nossa hipótese, um olhar estrutural sobre o primeiro capítulo. A Doutrina Transcendental dos Elementos se divide em Estética Transcendental e Lógica Transcendental, que, por sua vez se subdivide em Analítica Transcendental e Dialética Transcendental. A Analítica também possui uma divisão central, a saber, em Analítica dos Conceitos e Analítica dos Princípios, cada uma contendo uma função específica no edifício crítico. Assim, É sabido que a Crítica da razão pura apresenta uma estrutura argumentativa bastante peculiar. O que nem sempre se leva em consideração, todavia, é que essa estrutura define a maneira como Kant coloca seu problema filosófico central e sua proposta de solução. Nesse sentido, cada uma de suas partes deve ser compreendida como um passo da argumentação geral que justifica sistematicamente a proposta da Filosofia Transcendental como a melhor solução disponível para o problema do conhecimento metafísico exposto por uma crítica da razão.11

Kant inicia sua reflexão transcendental perguntando-se: qual é a verdadeira base que sustenta toda e qualquer reflexão acerca do mundo empírico, mas que não seja ela mesma empírica? A resposta para tal questionamento reside na Estética Transcendental, a qual Kant define como

11 BONACCINI, J. Sobre o Projeto Kantiano de uma Filosofia Transcendental. Educação e Filosofia. Uberlândia, v. 27, n. especial, 2013. p. 213. 31

“ciência de todos os princípios da sensibilidade a priori” (A 21 / B 35). É bastante sobre este ponto destacar cinco conceitos que compõem a base desta estética especial, de maneira a isolar a sensibilidade, a fim de que se trabalhe com elementos empíricos e suas possibilidades; são eles: sensibilidade, intuição, fenômeno, matéria e forma. Por meio destes é possível alcançar os conceitos de espaço e tempo como resultados. A sensibilidade (referente à Estética Transcendental) é a primeira das três faculdades amplamente tratadas na KrV (as duas outras são o entendimento, Analítica Transcendental, e a razão, Dialética Transcendental), de modo que a estética é algo que parte da sensibilidade e chega a ela outra vez, ou seja, ao fim da reflexão tem-se a fundamentação transcendental em um novo sentido desta, diferentemente da simples tautologia. A sensibilidade, desse modo, é a “capacidade de receber representações (receptividade), graças à maneira como somos afetados pelos objetos” (A 20 / B 33). A sensibilidade é definida como a faculdade da receptividade e, como tal, mostra o pensamento de Kant sob a espontaneidade humana para receber representações. No entanto, a escolástica alemã confundia esta característica sensível com uma capacidade intelectual de asseveração que ultrapassava o âmbito aqui em questão. A importância da sensibilidade se releva na função de fundamentação de todo e qualquer conhecimento que se queira válido, uma vez que esta recebe objetos por meio de intuições, isto é, esta última é um processo basilar do processo cognitivo moldado por Kant. O conceito de intuição é importantíssimo, pois é por meio deste que o entendimento capta as representações para pensar os objetos e aplicar seus conceitos puros. Ora, “sejam quais forem o modo e os meios pelos quais um conhecimento se possa referir a objetos, é pela intuição que se relaciona imediatamente com estes e ela é o fim para o qual tende, como meio, todo o pensamento” (A 20 / B 34). A intuição projeta objetos e dá azo para o entendimento pensar tais objetos, através de representações. A sensibilidade, para Kant, fornece as intuições usadas posteriormente pelo entendimento. A sensação, por sua vez, é o efeito do objeto sobre a capacidade representativa e, como tal, é o meio necessário para o entendimento se dar conta de que trabalha com um tipo específico de intuição: a empírica. O resultado deste processo no seio da sensibilidade é o fenômeno. Desse modo, o fenômeno é “o objeto indeterminado de uma intuição empírica” (A 20 / B 34). Ele é o dado bruto da intuição, pois enquanto esta última é o ato de levar este objeto indeterminado ao entendimento, aquele primeiro é o conteúdo que ainda não foi definido, uma vez que este não é o trabalho da recepção sensível. Entra aqui a faculdade do entendimento como responsável pelo juízo do fenômeno. No entanto, antes disso, na medida em que o fenômeno “corresponde à sensação” (A 32

20 / B 34), Kant o conceitua como uma matéria. A matéria é um conceito, o qual é dotado de vários significados diferentes, de modo que não é prudente entrar em uma reflexão mais apurada, restando, contudo, analisá-lo sob o ponto de vista de seu contraponto clássico usado pelo autor, ou seja, a forma. Para Kant, a forma é aquilo que “possibilita que o diverso do fenômeno possa ser ordenado segundo determinadas relações” (A 20 / B 34). Este estilo de reflexão revela que o entrocamento entre matéria e forma necessita de uma base que dê sustentação a toda e qualquer reflexão metafísica que se queira crível em um sentido moderno e, de fato, para que isso seja possível, faz-se necessário dispor de um conceito de forma pura das intuições sensíveis em geral. Ora, a matéria nos é fornecida de modo a posteriori, no entanto a forma precisa ser algo a priori para que o conteúdo da reflexão seja moldado de forma válida ao discurso. Aqui reside o primeiro passo para que uma metafísica possa ser transmutada em uma filosofia transcendental e apresentar-se ao público como ciência rigorosa, baseada em regras: podemos chamar esta etapa da descoberta de intuições puras, sem as quais seria impossível qualquer reflexão com sentido, ou seja, “há duas formas puras da intuição sensível, como princípios do conhecimento a priori, a saber, o espaço e o tempo” (A 22 / B 36). Com isso, aqueles cinco conceitos articulados entre si mostram como resultados: o espaço e o tempo. Ambos precisaram ser retomados da física e da matemática, a fim de mostrar que a filosofia transcendental se se quiser ciência rigorosa precisa de uma base transcendental voltada à empiria. Tempo e espaço, desse modo, são os dois elementos fundamentais e necessários da estética transcendental. Ambos não são empíricos, mas intuições puras que permitem a identificação do fenômeno na faculdade da sensibilidade. Também é possível afirmar que limitam justamente a investigação transcendental ao âmbito empírico, uma vez que o espaço não muda de lugar, mas o sujeito percebe a mudança no espaço, assim também o tempo não muda, mas sim algo muda no tempo. Ambos são receptáculos a priori que sustentam o fundamento da ciência filosófica em sua faceta teórica sob as mesmas bases da ciência newtoniana. O resultado da Estética transcendental, assim, é que: Eis-nos de posse de um dos dados exigidos para resolver o problema geral da filosofia transcendental: como são possíveis proposições sintéticas a priori? Referimo-nos a intuições puras a priori, o espaço e o tempo. Nestas intuições, quando num juízo a priori queremos sair do conceito dado, encontramos aquilo que pode ser descoberto a priori, não no conceito, mas certamente na intuição correspondente, e pode estar ligado sinteticamente a esse conceito; mas tais juízos, por esta razão, nunca podem ultrapassar os objetos dos sentidos e apenas têm valor para objetos da experiência possível (A 49 / B 73).

Portanto, a Estética Transcendental possui como função primordial garantir que toda e 33 qualquer reflexão ocorra, partindo da análise de objetos, espaçotemporalmente. Compreender isto significa vedar qualquer fundamentação de objetos suprassensíveis, uma vez que estes não devem e não podem existir no espaço e no tempo. A forma de intuição do objeto, para Kant, não deve ser procurada nele mesmo, mas sim de maneira a priori; aqui reside a novidade do kantismo em relação à escolástica alemã. Continuando a reflexão acerca da estrutura e do estatuto da KrV, vê-se que para um projeto de filosofia transcendental poder ser possível faz-se necessário romper com algumas velhas amarras que produziam resultados incoerentes em relação a uma época pautada pela empiria científica verificável já estabelecidas por Galileu e Newton. Kant procurou resolver este problema por meio de uma outra Lógica. Essa tarefa de estruturação da filosofia transcendental reflete a organização interna da própria Lógica Transcendental, na medida em que esta se divide internamente em Analítica e Dialética ambas concernindo ao conhecimento puro a priori. A Analítica tem como tarefa principal fornecer as bases pelas quais os objetos podem ser, transcendentalmente, analisados por meio de conceitos puros com acurácia referencial. A Dialética, por sua vez, mostra que ao tentar conhecer objetos sem referência empírica, cai-se em paralogismos, antinomias ou em um ideal da razão pura. Com isso, foi necessário indicar a diferença entre a lógica geral (cânones que regulam todo e qualquer pensamento com sentido) e a nova Lógica Transcendental: A geral abstrai, como indicamos, de todo o conteúdo do conhecimento, ou seja, de toda relação deste ao objeto e considera apenas a forma lógica na relação dos conhecimentos entre si, isto é, a forma do pensamento em geral […] Uma tal ciência, que determinaria a origem, o âmbito e o valor objetivo desses conhecimentos, deveria chamar-se lógica transcendental, porque trata das leis do entendimento e da razão, mas só na medida em que se refere a objetos a priori e não, como a lógica vulgar, indistintamente aos conhecimentos de razão, quer empíricos quer puros. (A 55 / B 79 – A 57 / B 81-2)

Kant mostra que não é possível haver um critério universal da verdade que seja válido para todos os conhecimentos, sem distinção dos seus objetos, como postulou e tentou a antiga metafísica, isto significa que, segundo Bonaccini, “Kant não entende conhecimento racional (isto é, puro), como um conhecimento de objetos puros, mas antes como um conhecimento puro de objetos […] Esse conhecimento, também chamado transcendental, não seria um conhecimento a priori por ser conhecimento de objetos a priori, mas antes por ser um conhecimento a priori da forma lógica dos objetos empíricos, impuros por definição.”12 Neste sentido, a busca pela verdade, tão cara à história da filosofia, ganha uma nova

12 BONACCINI, J. Sobre o Projeto Kantiano de uma Filosofia Transcendental. Educação e Filosofia. Uberlândia, v. 27, n. especial, 2013. p. 214. 34 roupagem, pois “a velha e famosa pergunta pela qual se supunha levar à parede os lógicos, tentando forçá-los a enredar-se em lamentável dialelo ou a reconhecer a sua ignorância e, por conseguinte, a vaidade de toda a sua arte, é esta: que é a verdade? A definição nominal do que seja a verdade que consiste na concordância do conhecimento com seu objeto, admitimo-la e pressupomo-la aqui” (A 57-8 / B 82). A lógica transcendental tem como função, desse modo, reorganizar o modelo metafísico de tratar objetos, por meio de um procedimento seguro que forneça uma base sólida para fundamentar juízos possíveis. Assim, é possível “saber qual seja o critério geral e seguro da verdade de todo o conhecimento” (Idem). A função mais importante dessa reflexão na Lógica Transcendental não se vincula, simplesmente, ao seu modo de definir a verdade, mas, sobretudo, em saber qual o critério geral para tratar objetos. É, justamente, na Analítica transcendental que está baseada a fundamentação kantiana em vista de seu primeiro projeto. Aqui se fornece o critério geral para adequar o objeto à sua verdade específica, “no que respeita, porém, ao conhecimento, considerado simplesmente segundo a mera forma (pondo de parte todo o conteúdo), é igualmente claro que uma lógica, na medida em que expõe as regras gerais e necessárias do entendimento, deverá nessas mesmas regras expor critérios da verdade” (A 59 / B 84). Desse modo, expor critérios à verdade não significa atribuir um sentido último aos objetos. A verdade, em sentido transcendental, consiste em uma função analítica de separação dos dados, a fim de organizá-los melhor e tratá-los com acurácia, de maneira que o conceito corresponda ao objeto. Este é o projeto da fundamentação da metafísica como ciência. Desse modo, apenas se pode tratar da verdade, de modo cognitivamente seguro, por meio do entendimento, estando suas bases gerais contidas na Analítica Transcendental. Esta analítica é a decomposição de todo o nosso conhecimento a priori nos elementos do conhecimento puro do entendimento. Deverá nela atender-se ao seguinte: 1. Que os conceitos sejam puros e não empíricos. 2. Que não pertençam à intuição nem à sensibilidade, mas ao pensamento e ao entendimento. 3. Que sejam conceitos elementares e sejam bem distintos dos derivados ou dos compostos de conceitos elementares. 4. Que a sua tábua seja completa e abranja totalmente o campo do entendimento puro. Ora, esta integral perfeição de uma ciência não pode ser aceite com confiança se assentar apenas sobre o cálculo aproximativo de um agregado, obtido por simples tentativas; daí que seja somente possível mediante uma ideia da totalidade do conhecimento a priori do entendimento e [pela] divisão, determinada a partir dessa ideia, dos conceitos que o constituem, por conseguinte pela sua interconexão num sistema. O entendimento puro distingue-se totalmente não só de todo o elemento empírico, mas também de toda a sensibilidade. É, pois, uma unidade subsistente por si mesma e em si mesma suficiente, que nenhum acréscimo do exterior pode aumentar. Daí que o conjunto do seu conhecimento constitua um sistema, a abranger e determinar por uma ideia, sistema cuja perfeição e articulação possa oferecer, ao mesmo tempo, uma pedra de toque da exatidão e genuinidade de todos os conhecimentos que nele se incluam (A 64-5 / B 89-90). 35

A pedra de toque de Kant é a filosofia transcendental que, em um primeiro, se apresenta como analítica dos conceitos, isto é, “a decomposição, ainda pouco tentada, da própria faculdade do entendimento, para examinar a possibilidade dos conceitos a priori, procurando-os somente no entendimento, como seu lugar de origem, e analisando em geral o uso puro do entendimento; esta é propriamente a tarefa de uma filosofia transcendental” (A 66 / B 81). Em uma metáfora que se encaixa perfeitamente aqui, esta seria o equivalente a alguém que tenta concertar uma televisão vendida para captar sinais de outros mundos (a metafísica), tendo que adaptar peças novas e restringindo o seu uso a uma função bem mais modesta, isto é, esta televisão a partir de agora só sintonizará o SBT e ver-se-á apenas o Sílvio Santos com seu sorriso tenebroso de filme de terror, distribuindo dinheiro falso.

A filosofia transcendental, com isso, tem como tarefa, neste primeiro projeto de Kant, decompor toda a faculdade do entendimento, abri-la, tal qual este aparelho da metáfora, e entender completamente seu funcionamento. Cabe-nos agora seguir esta decomposição, a fim de desvelar o funcionamento da filosofia transcendental. A analítica dos conceitos cumpre essa função de decomposição por meio de dois passos argumentativos, os quais compõem funções centrais. Referimo-nos, precisamente, aos dois capítulos contidos na Analítica dos Conceitos, a saber, 1-Do fio condutor para a descoberta de todos os conceitos puros do entendimento e 2-Da dedução dos conceitos puros do entendimento. 1- Do fio condutor para a descoberta de todos os conceitos puros do entendimento pretende trazer à tona as ferramentas conceituais do pensamento puro em geral; por conta disso, “a filosofia transcendental tem a vantagem, mas também a obrigação, de procurar conceitos segundo um princípio; porque brotam do entendimento como de uma unidade absoluta, puros e sem mistura” (A 67 / B 92). Desse modo, para que se possa tratar de objetos sensíveis intuídos externamente, faz-se necessário compreender a função mais original do entendimento, a saber, a produção de sentido. Este fio condutor tem como função cavucar todas as bases do entendimento, fazendo surgir aquilo que fundamenta todo e qualquer discurso, seguindo, em desenvolvimento, um caminho que possa trazer todos os elementos para o conhecimento a priori à tona. Kant entende por função “a unidade da ação que consiste em ordenar diversas representações sob uma representação em comum” (A 68 / B 93) e, assim, tal representação do objeto é designada como conceito. Mais precisamente, a ligação entre o conceito e os objetos é a finalidade funcional do aparato transcendental em seu uso. Com isso, o entendimento é designado como a faculdade de julgar, na medida em que ele é 36 uma capacidade de pensar por meio de juízos, que faz a supracitada ligação. Para Kant, os conceitos referem-se a objetos enquanto predicados de juízos possíveis e, com isso, é necessário que todos os conceitos puros do entendimento tenham sua origem ligada às funções da forma juízo, abstraído, provisoriamente, de todo conteúdo de referência. Devido a isso, atendendo a simples forma do entendimento em geral, encontrar-se-á uma tábua dos juízos. Kant estabelece, assim, doze formas possíveis de tratar objetos, divididos em quatro funções do pensamento: “1-Quantidade dos juízos: Universais, Particulares e Singulares; 2-Qualidade dos juízos: Afirmativos, Negativos e Infinitos; 3- Relação dos juízos: Categóricos, Hipotéticos e Disjuntivos; 4-Modalidade dos juízos: Problemáticos, Assertóricos e Apodíticos” (A 70 / B 95). Ora, é, precisamente, por meio da tábua acima exposta que se pode saber quantos conceitos puros do entendimento aparecem como formas destes juízos. Isto significa que cada juízo possível corresponde a um conceito a priori. Daí, “a espontaneidade do nosso pensamento exige que este diverso seja percorrido, recebido e ligado de determinado modo para que se converta em conhecimento. A este ato dou o nome de síntese” (A 76 / B 102). É, justamente, na síntese que o fio condutor persegue sua busca por uma forma em geral do pensamento.13 Estes juízos não são advindos de uma síntese qualquer, mas sim desta, assim chamada por Kant, “síntese pura, representada de uma maneira universal” (A 78 / B 104), uma vez que é disso dependem os conceitos puros do entendimento, as categorias. Mais precisamente: A mesma função, que confere unidade às diversas representações num juízo, dá também unidade à mera síntese de representações diversas numa intuição; tal unidade, expressa de modo geral, designa-se por conceito puro do entendimento. O mesmo entendimento, pois, e isto através dos mesmos atos pelos quais realizou nos conceitos, mediante a unidade analítica, a forma lógica de um juízo, introduz também, mediante a unidade sintética do diverso na intuição em geral, um conteúdo transcendental nas suas representações do diverso; por esse motivo se dá a estas representações o nome de conceitos puros do entendimento, que se referem a priori aos objetos, o que não é do alcance da lógica geral. Deste modo, originam- se tantos conceitos puros do entendimento, referidos a priori a objetos da intuição em geral, quantas as funções lógicas em todos os juízos possíveis que há na tábua anterior; pois o entendimento esgota-se totalmente nessas funções e a sua capacidade mede-se totalmente por elas. Chamaremos a estes conceitos categorias, como Aristóteles, já que o nosso propósito é, de início, idêntico ao seu, embora na execução dele se afaste consideravelmente (A 79-80 / B 105).

Desse modo, a tábua das categorias está posta da seguinte maneira: “1- Da Quantidade: Unidade, Pluralidade e Totalidade; 2 – Da Qualidade: Realidade, Negação e Limitação; 3 – Da Relação: Inerência e Subsistência (substantia et accidens), Causalidade e Dependência (causa e

13 Ora, a síntese, segundo Kant, é “o ato de juntar, umas às outras, diversas representações e conceber a sua diversidade num conhecimento […] é a síntese que, na verdade, reúne os elementos para os conhecimentos e os une num determinado conteúdo; é pois a ela que temos de atender em primeiro lugar se quisermos julgar sobre a primeira origem do nosso conhecimento” (A 77-8 / B 103-4). 37 efeito) e Comunidade (ação recíproca entre o agente e o paciente); 4 – Da Modalidade: Possibilidade – Impossibilidade, Existência – Inexistência e Necessidade – Contingência.” (A 80 / B 106). É nesta lista que, segundo Kant, encontram-se todos os conceitos originariamente puros da síntese que o entendimento a priori contém em si (síntese entre os juízos possíveis e seus arcabouços conceituais) e ratifica a si mesmo como um entendimento puro, que contém a forma, em geral, do pensamento. Kant também pretende, ao expor essas categorias, fundamentar uma ciência teórica do trato de objetos sensíveis. Ele ordena todo conjunto de conceitos puros, enquanto forma do entendimento, em vista de um sistema circunscrito ao dado externo sensível.14 Com isso, temos todos estes juízos e abstraindo de seu conteúdo também chega-se, como que conduzidos por um fio, às categorias do entendimento. Ambos estão relacionados entre si, por conta de pertencerem ao sistema da Lógica Transcendental, o qual exige uma dedução transcendental mais apurada, a fim de mostrar não apenas como se referem a objetos, mas, sobretudo, a legitimidade da posse e do uso destas categorias. 2 - Da dedução dos conceitos puros do entendimento é uma estratégia usada por Kant para reforçar, por um lado, a importância de uma boa fundamentação do argumento da necessidade de uma teoria geral da experiência sensível, e, por outro, da segurança de haver conceitos puros, por meio dos quais seja possível conhecer objetos espaçotemporais. Kant sabia que um argumento dedutivo, segundo a lógica formal clássica, diz respeito a uma cadeia de silogismos. Entretanto, tais silogismos, como forma do conhecimento, têm de ser secundários e não podem constituir conhecimentos válidos. Estes silogismos que compõem uma dedução podem ser obtidos a partir de uma cadeia lógica, tal como um procedimento de obtenção de provas, os quais não partem do abstrato para o factual, como era comum na metafísica clássica, mas, ao contrário, parte do fato para o ideal. Este método inverte o estilo da lógica clássica de proceder na dedução, expondo uma outra situação claramente diversa e com resultados diferentes. É interessante notar que Kant usa o conceito de dedução a partir de um ponto de vista jurídico, por meio de uma prática que ocorria em sua época. Isto significa que uma dedução silogística não poderia ser um instrumento suficientemente apropriado para justificar sua pretensão de legitimidade; isto posto, Kant fez uso de um procedimento alheio ao trabalho filosófico de até então. Ora, faz-se mister perguntarmos no que consiste o método desta dedução jurídica e por qual

14 Kant observa que “esta tábua, que contém quatro classes de conceitos do entendimento, pode subdividir-se em duas secções, a primeira das quais se refere aos objetos da intuição (tanto pura quanto empírica), e a segunda à existência desses objetos (quer em relação entre eles, quer em relação com o entendimento)” (A 83 / B 110). Kant quer dizer que as duas primeiras classes de categorias são matemáticas, enquanto as duas classes restantes são dinâmicas. As primeiras servem para analisar os componentes mais básicos que se podem notar de imediato na matéria intuída, as segundas, por sua vez, relacionam e modalizam o resultado desta primeira análise. 38 motivo ela deve, inevitavelmente, assentar na filosofia transcendental? O saber que ratificava algo factual de maneira, justificadamente, (im)positiva em sua época era, de fato, o direito. O saber subsidiário ao direito, o qual Kant fez um uso preciso aqui a fim de justificar suas demandas era conhecido em sua época como dedução jurídica. Esta última mostrava a legitimidade da pretensão sobre a posse de um objeto qualquer, a fim de determinar um uso originário. Isto significa que os objetos tornam-se verificáveis de um modo direto e o procedimento se mostra articulador de fatos e não de meras abstrações. No caso de Kant, uma dedução transcendental significaria ter a posse de categorias, que poderiam ser legitimamente usadas para conhecer de modo a priori. Dieter Henrich nos apresenta uma boa explicação para a origem da dedução: No final do século XIV, veio à tona um tipo de publicação, que no começo do século XVIII (quando foi largamente usada) era conhecida como Deduktionsshriften (escritos dedutivos). Seu objetivo era justificar reclamações legais controversas entre numerosos juízes de territórios independentes, cidades repúblicas e outros que constituíam o Sacro Império Romano-Germânico […] Os Escritos dedutivos foram uma especialidade jurídica e um famoso escritor de deduções poderia facilmente se tornar rico. O mais admirado escritor de deduções da época de Kant foi J. S. Pütter, professor de direito em Göttingen e coautor do manual que Kant usava em suas frequentes lições de direito natural. Isto mostra que Kant estava familiarizado com a prática dos escritos dedutivos. Kant foi por seis anos um bibliotecário na Biblioteca real de Königsberg e teve de checar seu estoque quando assumiu o cargo […] Em vista de decidir se um direito adquirido é real ou apenas presunção, deve-se legalmente traçar a posse que se reclama em suas origens. O processo por meio do qual uma posse ou um uso é contado como explicando as suas origens, tal que a legitimidade da posse ou do uso se torne aparente, define a dedução. Apenas no que diz respeito aos direitos adquiridos pode ser dada uma dedução. Isto implica que, por definição, uma dedução deve se referir a uma origem.15

A filosofia transcendental abre uma nova perspectiva e avança com uma dedução adaptada à KrV para ratificar a posse das categorias. Desse modo, o modelo de dedução feito por Kant apresenta algo novo na história da filosofia, de modo que aqui ele se preocupa bem mais em

15 “By the end of the fourteen century, there had come into being a type of publication that by the beginning of the eighteenth century (when it had come into widespread use) was known as Deduktionsshriften ('deduction writings'). Their aim was to justify controversial legal claims between the numerous rulers of the independents territories, city republics, and other constituents of the Holy Roman Empire […] Writing deductions was a juridical specialty, and a famous deduction writer could easily become rich. The most admired deduction writer of Kant´s time was J. S. Pütter, professor of law at Göttingen and coauthor of the textbook that Kant used in his frequent lectures on natural law. It can be shown that Kant was familiar with the practice of deduction writing. He was for six years a librarian of the royal library in Königsberg and had to check its stock when he assumed his office […] In order to decide whether an acquired right is real or only presumption, one must legally trace the possession somebody claims back to its origin. The process through which a possession or a usage is accounted for by explaining its origin, such that the rightfulness of the possession or the usage becomes apparent, defines the deduction. Only with regard to acquired rights can a deduction be given. This implies that by definition a deduction must refer to an origin.” HENRICH, D. Kant's Notion of a Deduction and the Methodological Background of the First Critique. In: FÖSTER, E. Transcendental Deductions: The Three Critique and the Opus Postumum. Stanford: Stanford University Press, 1989. pgs 32, 33, 35. 39 organizar e justificar o conteúdo da estrutura cognitiva. Mais precisamente, Kant procura estabelecer na dedução uma investigação por meio da qual os fatos acerca da possibilidade do conhecimento sejam examinados, pareando, com isso, em um mesmo nível, a investigação e a reflexão. Ambos são correlatos que se fundamentam nos conceitos puros do entendimento. Kant chega à dedução das categorias, seguindo alguns passos e, por conta disso, o capítulo inteiro é dividido em parágrafos para uma melhor exposição destes conceitos legitimadores. Isto pode ser facilmente provado ao constatarmos que Kant inicia o texto da dedução com o argumento validador de sua pretensão, a saber, “quando os jurisconsultos falam de direito (quid juris) da questão do fato (quid facti) e, ao exigir provas de ambas, dão o nome de dedução à primeira, que deverá demonstrar o direito ou a legitimidade da pretensão” (A 84 / B 115). Isto significa que “dou o nome de dedução transcendental à explicação do modo pelo qual esses conceitos se podem referir a priori a estes objetos e distingo-a da dedução empírica, que mostra como se adquire um conceito mediante a experiência” (A 85 / B 117). Na dedução transcendental podemos apontar duas características que são importantíssimas no argumento de um projeto de filosofia transcendental, a saber, primeiro, Kant mudou o texto da edição A da KrV, a partir da segunda secção, a fim de deixar mais clara a justificação do uso e da legitimidade das categorias e juízos e, devido a isso, resolvemos analisar apenas o texto da edição B (no capítulo sobre o pensamento flexivo de Kant voltaremos a diferença entre os textos), pois aqui congrega o argumento final; segundo, a passagem à dedução transcendental das categorias mostra o já afirmado desvelamento dos conceitos que fundamentam o entendimento. A dedução transcendental de todos os conceitos a priori tem, pois, um princípio a que deve obedecer toda a subsequente investigação e que é o seguinte: esses conceitos têm de ser reconhecidos como condições a priori da possibilidade da experiência (quer seja da intuição que nela se encontra, quer do pensamento). São, por isso, necessários os conceitos que concedem o fundamento objetivo da possibilidade da experiência. Porém, o desenvolvimento da experiência em que estes se encontram não é a sua dedução (mas ilustração), porque então seriam apenas contingentes. Sem esta referência original à experiência possível, em que surgem todos os objetos do conhecimento, não se compreenderia a sua relação com qualquer objeto. (A 93-4 / B 126-7)

Desse modo é preciso desvelar três conceitos essenciais, os quais são centrais para justificar uma dedução transcendental, como um modelo lógico-jurídico; tais conceitos são, a saber: ligação, apercepção e unidade transcendental. O conceito de ligação em geral é um ato espontâneo desta faculdade de representação, que faz uma síntese do diverso da intuição e/ou dos vários conceitos que se pode fazer uso. A ligação mostra que não se pode representar nada que parta do próprio objeto, pois, se assim o fosse, estar-se-ia incorrendo no dogmatismo da metafísica anterior. Assim, “a ligação é a representação da unidade sintética do diverso” (B 131). Por conta disso, 40 esta função não pode ser, simplesmente, uma categoria, visto que a ligação é algo pressuposto em todas as categorias. Daí, “temos, pois, que buscar esta unidade (como qualitativa § 12) mais alto ainda, a saber, no que já propriamente contém o fundamento da unidade de conceitos diversos nos juízos” (B 131). A ligação em geral, desse modo, é aquilo que fornece as condições de possibilidade de o entendimento, espontaneamente, trabalhar em função de dar significado a objetos. Este é o princípio da possibilidade de um objeto em geral e de sua relação com a sensibilidade. No entanto, esta ligação tem de ser compreendida como Unidade Originariamente Sintética da Apercepção. A apercepção ganha este pomposo nome devido ao fato de congregar em uma única função toda a organização do pensamento. Segundo Dieter Henrich, “a noção chave da dedução na primeira Crítica é, sem dúvida, a unidade da apercepção […] o Eu penso é precisamente a autoconsciência que pode ser anexada à reflexão espontânea e natural.”16 Para que o tratamento acerca dos objetos seja, completamente, justificado “o eu penso deve poder acompanhar todas as minhas representações; se assim não fosse, algo se representaria em mim, que não poderia, de modo algum, ser pensado” (B 132). Esta clássica frase mostra que tem de haver uma unidade originariamente sintética da apercepção que acompanha todas as representações em vista de fornecê-las um sentido correspondente. Por isso, Kant distingue neste ponto a função empírica da transcendental, fundamentando o primeiro projeto. Dou-lhe o nome de apercepção pura, para a distinguir da empírica ou ainda o de apercepção originária, porque é aquela autoconsciência que, ao produzir a representação eu penso, que tem de poder acompanhar todas as outras, e que é una e idêntica em toda a consciência, não pode ser acompanhada por nenhuma outra. Também chamo à unidade dessa representação a unidade transcendental da autoconsciência, para designar a possibilidade do conhecimento a priori a partir dela. Porque as diversas representações, que nos são dadas em determinada intuição, não seriam todas representações minhas se não pertencessem na sua totalidade a uma autoconsciência; quer dizer, enquanto representações minhas (embora me não aperceba delas enquanto tais), têm de ser necessariamente conformes com a única condição pela qual se podem encontrar reunidas numa autoconsciência geral, pois não sendo assim, não me pertenceriam inteiramente (B 132-3).

É importante ter em mente que quem opera estes conceitos é a faculdade do entendimento. 17 Isto posto, pode-se afirmar que o primeiro conhecimento puro do entendimento é o princípio da unidade originariamente sintética da apercepção, que permite congregar todos os outros. Ora, se é justamente por meio da função lógica do eu penso, que é possível haver algo a se analisar no

16 “The key notion of the deduction in the first Critique is, without doubt, the unity of apperception […] the awareness I think is precisely the self-consciousness that can be attached to natural and spontaneous reflection.” HENRICH, 1989, ps. 44-5. 17 “O entendimento, falando em geral, é a faculdade dos conhecimentos. Estes consistem na relação determinada de representações dadas a um objeto. O objeto, porém, é aquilo em cujo conceito está reunido o diverso de uma intuição dada” (B 137) 41 pensamento, devemos ter em mente que este princípio não proporciona ainda nada de diverso, verdadeiramente. Isto se dá por conta de o entendimento aqui estar apenas tomando consciência de si mesmo e se houvesse já neste ato um diverso da intuição, não seria necessário um ato particular de síntese do diverso. Contudo, é a síntese que inicia o ato de conhecimento e, uma vez funcionando, dá azo para uma nova função que desemboca em uma unidade transcendental. Desse modo, “a unidade transcendental da apercepção é aquela pela qual todo o diverso dado numa intuição é reunido num conceito do objeto. Diz-se, por isso, que é objetiva e tem de ser distinguida da unidade subjetiva da consciência, que é uma determinação do sentido interno, pela qual é dado empiricamente o diverso da intuição para ser assim ligado” (B 139). Aqui a função da análise dos objetos ganha contornos mais claros. Daí que esta unidade transcendental objetiva expõe a análise lógica do dado intuído pela sensibilidade, a fim de, doravante, emitir juízos sintéticos a priori. Por conta disso, Um juízo mais não é do que a maneira de trazer à unidade objetiva da apercepção conhecimentos dados. A função que desempenha a cópula "é" nos juízos visa distinguir a unidade objetiva de representações dadas da unidade subjetiva. Com efeito, a cópula indica a relação dessas representações à apercepção originária e à sua unidade necessária, mesmo que o juízo seja empírico e, portanto, contingente, como, por exemplo, o seguinte: os corpos são pesados. Não quero com isto dizer que estas representações pertençam, na intuição empírica, necessariamente umas às outras, mas somente que pertencem umas às outras, na síntese das intuições, graças à unidade necessária da apercepção, isto é, segundo princípios da determinação objetiva de todas as representações, na medida em que daí possa resultar um conhecimento, princípios esses que são todos derivados do princípio da unidade transcendental da apercepção (B 141-2).

Kant, a partir desta etapa da dedução, procura mostrar de modo provisório, apenas como ponto de partida que será desenvolvido na analítica dos princípios, como é possível e necessário usar os juízos para obter conhecimentos válidos. A relação fica, assim, estabelecida entre as noções de ligação, apercepção e unidade transcendental, devido ao fato de que são etapas de um modo de proceder científico no pensamento filosófico. Além dos três conceitos, é necessário atentar ao aparente hiato entre o conteúdo empírico da intuição e as categorias enquanto formas do pensamento em geral. Uma e outra não estão diretamente ligadas, pois se assim o fosse as categorias não seriam a priori, mas somente um outro modo de ser dos objetos empíricos. Por conta disso, a justificação para tal relação e também à manutenção da aprioridade das categorias passa pela função exercida pela imaginação no processo cognitivo. Ora, “a imaginação é a capacidade de representar um objeto, mesmo sem a presença deste na intuição. Mas, visto que toda a nossa intuição é sensível, a imaginação pertence à sensibilidade, porque a condição subjetiva é a única pela qual pode ser dada aos conceitos do entendimento uma 42 intuição correspondente” (B 151). A imaginação produz representações de maneira a fornecer as condições de possibilidade de análise de objetos, apesar da presença destes. Ela aglutina uma diversidade: Com o nome de síntese transcendental da imaginação exerce, pois, sobre o sujeito passivo, de que é a faculdade, uma ação da qual podemos justificadamente dizer que por ela é afetado o sentido interno. A apercepção e a sua unidade sintética são pois tão pouco idênticas ao sentido interno, que as primeiras, enquanto fonte de toda a ligação, se dirigem, com o nome de categorias, ao diverso das intuições em geral e aos objetos em geral, anteriormente a qualquer intuição sensível; ao passo que o sentido interno, pelo contrário, contém a simples forma da intuição, mas sem a ligação do diverso nela inclusa, não contendo, portanto, nenhuma intuição determinada; esta só é possível pela consciência da determinação do seu sentido interno mediante o ato transcendental da imaginação (influência sintética do entendimento sobre o sentido interno) a que dei o nome de síntese figurada (B 153- 4).

A imaginação preenche a lacuna de apresentação e figuração do dado bruto da intuição ao entendimento, formando, de modo direto, o objeto. Esta é a plena relação que se apresenta entre uma condição de possibilidade de justificar, restritamente, uma filosofia transcendental e o estender deste modelo de operação, agora limitado, para objetos que não admitem cognição possível. Por conta disso, “na dedução metafísica foi posta em evidência em geral a origem a priori das categorias, pela sua completa concordância com as funções lógicas universais do pensamento: e na dedução transcendental, foi exposta a possibilidade dessas categorias como conhecimento a priori dos objetos de uma intuição em geral (§§ 20-21)” (B 159 – 160). Nota-se, assim, a possibilidade do conhecimento sensível de objetos e de sua extensão, a objetos da moral, da estética e do direito (política). Todos compõem o quadro conceitual teórico do primeiro projeto kantiano. Por aqui passa a possibilidade também de prescrever leis à natureza, a fim de justificar de que maneira tais leis derivam a priori do entendimento. A dedução transcendental é, pois, o mecanismo lógico, por excelência, de uma filosofia transcendental. Não podemos pensar nenhum objeto que não seja por meio de categorias; não podemos conhecer nenhum objeto pensado a não ser por intuições correspondentes a esses conceitos. Ora, todas as nossas intuições são sensíveis, e esse conhecimento é empírico na medida em que o seu objeto é dado. O conhecimento empírico, porém, é a experiência. Consequentemente, nenhum conhecimento a priori nos é possível, a não ser o de objetos de uma experiência possível.*18

Aqui, portanto, se estabelece a posse e o emprego dos conceitos puros do entendimento, que

18 *”Para evitar alarme precipitado quanto às consequências prejudiciais e inquietantes desta proposição, lembrarei apenas que as categorias no pensamento não são limitadas pelas condições da nossa intuição sensível; têm um campo ilimitado e só o conhecimento daquilo que pensamos, a determinação do objeto, tem necessidade da intuição; pelo que, na ausência desta última, o pensamento do objeto pode sempre ter ainda consequências úteis e verdadeiras, relativamente ao uso da razão no sujeito; como este uso, porém, nem sempre está ordenado à determinação do objeto, portanto ao conhecimento, mas também à determinação do sujeito e do seu querer, não chegou ainda o momento de o tratar.” (B165-6). 43 nas outras críticas também tem a pretensão de justificar tanto os princípios puros da razão prática na KpV quanto os juízos teleológicos na KU. Estas duas críticas mostram que a legitimação de um projeto de reorganização da metafísica possuía uma extensão, que procurava abranger todas as áreas como um modelo a se guiar. Esse primeiro projeto de Kant, neste momento da reflexão, fundamenta uma lógica de procedimento ao conhecimento de objetos e estabelecimento de limites claros para a impossibilidade cognitiva; também finca suas bases de maneira cabal em um método que dê conta de sua posição filosófico-crítica, coisa que veremos no próximo capítulo. 44

2) Método e Sistema

2.1) Método e Seus Níveis de Apresentação

A hipótese que trabalhamos é a de que o método utilizado por Kant ao longo de toda a sua reflexão crítica se apresenta necessariamente em dois níveis e se adapta a cada uso específico da razão. Primeiramente, por método Kant entende o autoexame crítico e sistemático da razão, a fim de determinar as fontes e o alcance de seus conceitos, e também os limites para o avanço do conhecimento (A 708 / B 736). Defendemos, com isso, haver, primeiro, um nível de apresentação como modo de operação, a saber, o procedimento de análise e síntese (Lógica Transcendental / Doutrina Transcendental dos Elementos) e, segundo, também um nível de apresentação que diz respeito à propagação deste primeiro como conjunto de conhecimentos a serem, não apenas transmitidos, mas, sobretudo, ensinados à humanidade, respeitando certos limites (Doutrina Transcendental do Método). Não é fortuito que Kant organize as três críticas dentro dessa estrutura. Mostraremos também que grandes comentadores da filosofia kantiana deixaram de lado o segundo capítulo da KrV, tratando-o ou como um acidente ou como uma parte sem tanta importância. O método pode ser exposto de forma satisfatória na primeira crítica, a qual fundamenta todo o percurso metodológico de Kant até seus últimos momentos filosóficos. Com isso, o primeiro nível de apresentação do método mostra, organizadamente, quais as condições de possibilidade de produzir conhecimentos; o segundo, por sua vez, expõe o que fazer com esses conhecimentos, como direcioná-los e aplicá-los segundo os interesses da razão. Isto mostrará que o método crítico de Kant possui como princípio a propagação ao longo de todo o conjunto de sua filosofia (1781-1803); cabe a nós aqui provarmos que isto de fato ocorreu.

2.1.1) Primeiro Nível de Apresentação do Método: Procedimento de Análise e Síntese

O primeiro nível de apresentação do método pode ser entendido como o combinado de análise e síntese, que se constrói, propriamente, na Analítica Transcendental da KrV. Neste primeiro nível de apresentação, o procedimento de análise e síntese se vincula a uma função de articulação, tal como uma ferramenta utilizada para ligar as categorias do pensamento puro aos objetos. É curioso notar, no entanto, que a tarefa da filosofia de saber “como são possíveis os juízos sintéticos a priori” (B 19), a qual expõe o coração do procedimento semântico, teve a sua formulação exposta de forma 45 cabal apenas na edição B da KrV (1787). Apesar desta função estar posta, mesmo sem uma clara formulação, na edição A da KrV (1781), na B Kant deixou completamente claro que não há um hiato entre o pensamento e o mundo, o que na primeira edição deixava reticências. Em uma palavra, podemos chamar este primeiro nível de apresentação do método de tarefa semântica. Pensamos que a teoria semântica é uma forma de resolução dos problemas razão (Loparic, 2013)19, mas que não se encerra aqui. Isto significa que Kant propõe ser a tarefa fundamental da filosofia saber como são possíveis juízos que tratem de objetos a priori de maneira sintética, por conta de a reposta a esta questão deve servir para resolver uma mais fundamental, a saber: “como é possível a metafísica enquanto ciência?”20; ao resolver aquela tarefa seria possível proceder cientificamente em filosofia. O resultado que queremos colher ao tratar o procedimento de análise e síntese como o primeiro nível do método é que não basta ter um discurso com sentido sobre o mundo, mas mudá-lo para melhor sob bases racionais. O fundo conceitual deste primeiro nível de apresentação do método é a cunhagem por parte de Kant de uma faculdade transcendental de julgar. Por isso, “essa doutrina trata, pois, na sua analítica, de conceitos, juízos e raciocínios, em conformidade com as funções e a ordem dessas faculdades do espírito, compreendidas sob a denominação lata de entendimento em geral” (A 131-2 / B 169). Contudo, os raciocínios, que correspondem a pensamentos racionais sem base empírica factual, não podem ser tratados como conhecimentos válidos e apodíticos. Os raciocínios, sem um limite determinado que não é posto na faculdade de julgar, expõe seus resultados além do cientificamente determinável. Isto não significa que não se pode referir, semanticamente, a objetos que não são meramente empíricos, contudo esta referência precisa reconhecer-se como limitada e não constitutiva de conhecimentos. A função transcendental desta nova lógica organizada por Kant tem por objetivo, assim, expor as bases da articulação entre o entendimento, em sentido restrito, e a faculdade de julgar: O entendimento e a faculdade de julgar têm, pois, na lógica transcendental o cânone do seu uso objetivamente válido, do seu uso verdadeiro portanto, e pertencem à parte analítica desta. Porém, a razão, nas suas tentativas para descobrir algo a priori acerca dos objetos e alargar o conhecimento para além das fronteiras

19 “Em Crítica da razão pura (1781), Kant se propõe a explicitar as condições nas quais um problema da razão pura teórica é solúvel. A doutrina da soludibilidade desses problemas exige, entre outras coisas, que se responda a seguinte pergunta, considerada por Kant tarefa fundamental da crítica da razão pura teórica: como são possíveis os juízos sintéticos a priori teóricos? Essa tarefa é solucionada no interior de uma teoria a priori da referência e do sentido dos conceitos teóricos a priori, e da verdade dos juízos sintéticos a priori. Entendo que essa teoria pode e deve ser interpretada como uma semântica a priori ou transcendental. Com o tempo, Kant estendeu o seu programa de crítica da razão teórica aos problemas que a razão pura se coloca em todos os outros domínios abrangidos pelo discurso filosófico. De acordo com isso, a tarefa fundamental da filosofia transcendental passou a ser a seguinte: como são possíveis os juízos sintéticos a priori no geral?” LOPARIC, Z. Os problemas da razão pura e a semântica transcendental. In: FAGGION, A; Beckenkamp, J. Temas semânticos em Kant. São Paulo: DWW, 2013. p. 19. 20 KANT, I. Prolegômenos a toda metafísica futura que queria apresentar-se como ciência (tradução de Artur Morão). Lisboa: Edições 70, 1988. p 44. 46

da experiência possível, é completamente dialética e as suas afirmações ilusórias não se acomodam, de modo algum, com um cânone tal como a analítica o deve conter. A analítica dos princípios será portanto apenas um cânone para a faculdade de julgar, que lhe ensina a aplicar aos fenômenos os conceitos do entendimento, que contêm as condições das regras a priori. Por este motivo, ao tratar do tema dos autênticos princípios do entendimento, servir-me-ei da denominação de doutrina da faculdade de julgar, designando assim mais rigorosamente esta tarefa (A 131- 2 / B 170-1).

A analítica dos conceitos mostra quais são os conceitos puros do entendimento e de que modo estes podem ser justificados em seu número e em suas funções apresentadas pela forma lógica de todos os juízos possíveis e existentes. Aqui se inicia, em continuidade, o tratamento dos princípios do uso dos juízos, que significa, mais precisamente, que “se é definido o entendimento em geral como a faculdade de regras, a faculdade de julgar será a capacidade de subsumir a regras, isto é, de discernir se algo se encontra subordinado a dada regra ou não (casus datae legis)” (A 133 / B 171). Por isso, a faculdade de julgar é uma função crucial no procedimento metodológico. A filosofia transcendental, desse modo, possui como condição primordial indicar de maneira a priori não somente a condição geral para a aplicação da regra, mas também o caso em que se aplicará. Este total domínio da interpretação dos fatos que se apresenta via faculdade de julgar supõe que tais meandros que fazem a ligação são, de fato, as condições de possibilidade de um discurso com sentido. Para tal, assim, Esta doutrina transcendental da faculdade de julgar deverá conter dois capítulos: o primeiro, que trata da condição sensível, a única que permite o uso dos conceitos do entendimento, isto é, do esquematismo do entendimento puro; o segundo, que trata dos juízos sintéticos que decorrem a priori, sob essas condições, dos conceitos puros do entendimento e que constituem o fundamento de todos os outros conhecimentos a priori, ou seja, dos princípios do entendimento puro (A 136 / B 175).

Primeiro: faz-se mister que uma doutrina do esquematismo puro diga respeito às condições de possibilidade da subsunção de um objeto em um conceito, isto é, “a representação do primeiro tem de ser homogênea à representação do segundo” (A137 / B 1f76). A representação é o ponto central aqui em voga, na medida em que é necessário que algo se torne objeto para ser julgado de forma acurada. Representar um objeto é, ao mesmo tempo, trazê-lo para uma esfera, que ele mesmo não pode se apresentar em sua inteireza física, o que já foi discutido por meio do conceito de intuição. Ora, esta reflexão tem sua pertinência devido ao fato de que necessita responder a uma questão central para que sua validade seja, completamente, provada, a saber, “como será pois possível a subsunção das intuições nos conceitos, portanto a aplicação da categoria aos fenômenos, se ninguém poderá dizer que esta, por exemplo, a causalidade, possa também ser intuída através dos sentidos e esteja contida nos fenômenos?” (A138 / B 177). Esta pergunta será respondida pela 47 doutrina transcendental do esquematismo dos conceitos puros do entendimento. Aqui se apresenta o avanço de Kant em relação ao ceticismo britânico, principalmente, seu debate com Hume; Kant propõe o argumento da mediação entre os conceitos e as intuições. O que explica tal mediação é algo central para que haja experiência, isto é, o esquema transcendental. O que Kant apresenta, assim, é uma espécie de ponte entre os conceitos e as intuições, mas tal ligação pode se dá de duas maneiras, a depender da finalidade a ser alcançada. Isto significa que pode haver uma ligação indireta, por meio de símbolos e diz respeito, mais precisamente, a fins relativos a arte, ou tal ligação pode ser direta e se estabelecer por meio de esquemas, o qual é o caso aqui. Kant trata a doutrina transcendental do esquematismo do entendimento como uma função central no método de seu primeiro projeto de filosofia. Por conta disso, “daremos o nome de esquema a esta condição formal e pura da sensibilidade a que o conceito do entendimento está restringido no seu uso e o de esquematismo do entendimento puro ao processo pelo qual o entendimento opera com esses esquemas” (A 140 / B 179). Aqui se estabelece a fronteira entre as condições empíricas e as condições formais de possibilidade de um método que dê conta do mundo, pelo menos no sentido cognitivo. Neste sentido, é preciso nesta etapa fazer uma sutil distinção entre o que Kant entende por esquema e por imagem; essa distinção é, extremamente, importante ao modo de operação da função judicativa do entendimento e da apresentação deste primeiro nível metodológico. O esquema é sempre, em si mesmo, apenas um produto da imaginação; mas, como a síntese da imaginação não tem por objetivo uma intuição singular, mas tão-só a unidade na determinação da sensibilidade, há que distinguir o esquema da imagem. Assim, quando disponho cinco pontos um após o outro ..... tenho uma imagem do número cinco. Em contrapartida, quando apenas penso um número em geral, que pode ser cinco ou cem, este pensamento é antes a representação de um método para representar um conjunto, de acordo com certo conceito, por exemplo mil, numa imagem, do que essa própria imagem, que eu, no último caso, dificilmente poderia abranger com a vista e comparar com o conceito. Ora é esta representação de um processo geral da imaginação para dar a um conceito a sua imagem que designo pelo nome de esquema desse conceito. De fato, os nossos conceitos sensíveis puros não assentam sobre imagens dos objetos, mas sobre esquemas (A 140-1 / B 179- 80).

É por meio do esquematismo e dos esquemas, que se pode propor as bases para que os conceitos sejam referências semânticas à sensibilidade, produzindo um efeito de conferência de significado aos objetos sensíveis. Isto posto, o esquema, com isso, é aquilo que torna representável o que contém em cada categoria, funcionando como “determinações a priori do tempo, segundo regras; e essas determinações referem-se, pela ordem das categorias, respectivamente à série do tempo, ao conteúdo do tempo, à ordem do tempo e, por fim, ao conjunto do tempo no que toca a todos os objetos possíveis” (A 145 / B 185). 48

Isto ocorre por conta de o esquema ser um produto das condições de possibilidade da imaginação, que se refere à determinação do sentido interno em geral, segundo as condições da sua forma (o tempo), tendo em vista todas as representações. Os esquemas, por isso, são produtos da imaginação, mas não tratam apenas de imagens, assim como cada esquema se refere a um grupo específico de categorias, ligando diretamente o conceito ao mundo.21 Os esquemas, com isso, são responsáveis pelo que se chama de significação, isto é, as condições verdadeiras que conferem aos conceitos uma relação com os objetos. As categorias, as quais Kant se refere como princípios reguladores da experiência e da construção da ligação com os objetos, servem como suportes pautados em conhecimentos e ligadas de modo universal a esta experiência transcendental.22 Portanto, o esquematismo dos conceitos puros do entendimento faz-se crucial na função semântica,23 tanto ao ajudar a responder como são possíveis os juízos sintéticos a priori quanto ao tornar algo, que em tese parece completamente abstrato, uma função essencial de relação com o mundo. Isto posto, é possível agora explicar por que a faculdade de julgar transcendental possui validade ao ligar conceitos puros do entendimento a juízos sintéticos a priori. Esta base esquemática, então, permite fundamentar o uso categorial expresso por meio de juízos: a tarefa semântica. Segundo: Kant busca saber de que maneira as categorias podem se referir à experiência possível; por conta disso, “é a relação das categorias à sensibilidade em geral que terá, por isso mesmo, de expor integral e sistematicamente todos os princípios transcendentais do uso do

21 “Por tudo isto se vê o que contém e torna representável o esquema de cada categoria: o da quantidade, a produção (síntese) do próprio tempo na apreensão sucessiva de um objeto; o esquema da qualidade, a síntese da sensação (percepção) com a representação do tempo, ou o preenchimento do tempo; o da relação, a relação das percepções entre si em todo o tempo, (quer dizer, segundo uma regra de determinação do tempo) e, por fim, o esquema da modalidade e suas categorias, o próprio tempo como correlato da determinação de um objeto, se e como o objeto pertence ao tempo” (A 145 / B 184). 22 “Mas salta também aos olhos que, se os esquemas da sensibilidade realizam, em primeiro lugar, as categorias, também igualmente as restringem, isto é, as limitam a condições, que se situam fora do entendimento (isto é, na sensibilidade). Daí que o esquema seja, propriamente, só o fenômeno ou o conceito sensível de um objeto, em concordância com a categoria […] De fato, os conceitos do entendimento, mesmo depois de abstraída qualquer condição sensível, conservam um significado, mas apenas lógico, o da simples unidade das representações, às quais porém não é dado nenhum objeto e, portanto, nenhuma significação que possa proporcionar um conceito do objeto […] Assim, as categorias sem os esquemas são apenas funções do entendimento relativas aos conceitos, mas não representam objeto algum. Esta significação advém-lhes somente da sensibilidade, que realiza o entendimento ao mesmo tempo que o restringe” (A 146-7 / B 186-7). 23 “Creio ser possível mostrar que, em Kant, 1) o método combinado se aplica tanto aos problemas de prova como aos problemas de determinação, 2) o ponto de partida da análise são, no caso de problemas de determinação, construções e exemplos intuitivos e, no caso de problemas de prova, proposições supostas como verdadeiras e exemplificadas na intuição sensível, 3) a análise propriamente dita (transformação) tem tanto o sentido proposicional, como construcional, 4) a proposicional procede tanto por dedução (e nesse caso o método permite o uso da reductio ad absurdum), como hipóteses, 5) os “princípios” buscados pela análise podem ser tanto hipóteses empíricas, como proposições ou mesmo ficções heurísticas a priori, 6) a síntese procede por construções efetivas e provas, 7) a análise é o método de pesquisa e de descoberta, e a síntese, o da elaboração científica do conhecimento assim descoberto, tal valendo inclusive para o sistema kantiano de conhecimentos puros.” LOPARIC, Z. A semântica transcendental de Kant. Campinas: Ed. UNICAMP, 2002. p. 44. 49 entendimento” (A 148 / B 187-8; grifo nosso). Com isso, faz-se necessário analisar o Sistema de Todos os Princípios do Entendimento Puro a fim de saber de que modo os princípios aqui em vista podem conter os fundamentos para os juízos, em geral. Desse modo, analisaremos como é possível que um princípio se refira a uma categoria de modo a priori.24 Esta é a chave para entendermos o primeiro nível de apresentação do método transcendental-crítico kantiano. Para alcançarmos o objetivo acima posto, é necessário explicar qual é a função dos juízos, uma vez que ele é o meio através do qual um princípio possui a possibilidade de se referir a uma categoria e esta, por sua vez, aos fenômenos. Segundo Kant, “o juízo é, pois o conhecimento mediato de um objeto, portanto a representação de uma representação desse objeto […] Podemos reduzir a juízos todas as ações do entendimento, de tal modo que o entendimento em geral pode ser representado como uma faculdade de julgar” (A 69 / B 94). Reduzir os juízos a ações do entendimento é um dos nossos argumentos para mostrar que Kant, de fato, divide o método em dois níveis de apresentação, mesmo sem afirmar isto, explicitamente. Isto remete ao que dizíamos no princípio deste trabalho, a saber, que Kant possui argumentos implícitos, que precisam ser descortinados para entendermos, de modo mais profundo, seus procedimentos argumentativos. Isto posto, Kant traça desde a KrV a crucial diferença entre os dois principais tipos de juízos, a saber, juízos analíticos e juízos sintéticos. De fato, ele pretende mostrar que o aparelho cognitivo delineado na KrV expressa as condições de possibilidade de se referir a todo e qualquer fenômeno com acurácia objetiva: Em todos os juízos, nos quais se pensa a relação entre um sujeito e um predicado (apenas considero os juízos afirmativos, porque é fácil depois a aplicação aos negativos), esta relação é possível de dois modos. Ou o predicado B pertence ao sujeito A como algo que está contido (implicitamente) nesse conceito A, ou B está totalmente fora do conceito A, embora em ligação com ele. No primeiro caso chamo analítico ao juízo, no segundo, sintético. Portanto, os juízos (os afirmativos) são analíticos, quando a ligação do sujeito com o predicado é pensada por identidade; aqueles, porém, em que essa ligação é pensada sem identidade, deverão chamar-se juízos sintéticos. Os primeiros poderiam igualmente denominar-se juízos explicativos; os segundos, juízo extensivos; porque naqueles o predicado nada acrescenta ao conceito do sujeito e apenas pela análise o decompõe nos conceitos parciais, que já nele estavam pensados (embora confusamente); ao passo

24 “Esta tentativa alcança o êxito desejado e promete à Metafísica o caminho seguro de uma ciência na sua primeira parte, dado que ela realmente se ocupa com conceitos a priori cujos objetos correspondentes podem ser dados adequadamente na experiência. Após esta mudança na maneira de pensar, pode-se com efeito explicar muito bem a possibilidade de um conhecimento a priori e, mais ainda, dotar de provas satisfatórias as leis que subjazem a priori à natureza enquanto conjunto de objetos da experiência... Entretanto, na primeira parte da Metafísica esta dedução da nossa faculdade de conhecer a priori conduz a um resultado aparentemente muito prejudicial ao fim inteiro da mesma e do qual se ocupa a sua segunda parte, a saber, que com esta faculdade jamais podemos ultrapassar os limites da experiência possível. (...) após ter sido negado à razão especulativa todo o progresso neste campo do suprassensível, agora nos resta ainda ver se no seu conhecimento prático não se encontram dados para determinar aquele conceito transcendente do incondicionado e se, deste modo, de acordo com o desejo da metafísica, conseguimos elevar-nos acima dos limites da experiência possível com o nosso conhecimento possível a priori, mas apenas do ponto de vista prático.” (B XIX) 50

que os outros juízos, pelo contrário, acrescentam ao conceito de sujeito um predicado que nele não estava pensado e dele não podia ser extraído por qualquer decomposição (A 6 / B 10).

Apesar de os juízos sintéticos serem extensivos, a sua extensão está circunscrita aos objetos julgados, cabendo ao nível doutrinário de apresentação do método mostrar como ampliar o seu alcance sem ultrapassar os limites da experiência possível. Isto posto, a função do juízo analítico, grosso modo, é puramente tautológica e se vincula à lógica clássica aristotélica.25 Este liga-se ao critério mais primordial, segundo Kant, de todos os juízos, a saber, eles não podem entrar em contradição. Com isso, “temos portanto que admitir que o princípio de contradição é o princípio universal e plenamente suficiente de todo conhecimento analítico” (A 151 / B 191). No entanto, mesmo que se possa notar que um cavalo é um cavalo, que o poço é um poço e que Jair é burro, não se faz desse critério algo universal para o conhecimento científico, na medida em que o reconhecimento das coisas em suas características não significa que se possa avançar em descobertas mais profundas como, por exemplo, a de uma vacina. Os juízos analíticos, desse modo, são ferramentas de constatação, e não de conhecimento, uma vez que os predicados de tais juízos estão contidos nos sujeitos. Para conhecer algo é preciso avançar diante da mera constatação como, por exemplo, “quando digo que todos os corpos são pesados, aqui o predicado é algo completamente diferente do que penso no simples conceito de um corpo em geral. A adjunção de tal predicado produz, pois, um juízo sintético” (A 7 / B 11). Kant quer dizer com o termo adjunção que a união ou a justaposição de sujeito e predicado deve formar, como resultado, uma totalidade, a qual ele chama de juízo sintético a priori: “ora é sobre estes princípios sintéticos, isto é, extensivos, que assenta toda a finalidade última do nosso conhecimento especulativo a priori, pois os princípios analíticos, sem dúvida, que são altamente importantes e necessários, mas apenas servem para alcançar aquela clareza de conceitos que é requerida para uma síntese segura e vasta que seja uma aquisição verdadeiramente nova” (A 10 / B 14). Juízos sintéticos a priori tem por função alargar os conhecimentos, de modo a progredir na ciência. Ora, a pretensão de Kant, ao fazer uso de uma teoria semântica, é propor um discurso fundamental significante e sensificante de conceitos. A lógica transcendental fornece esta base para que o metadiscurso da ciência possa se dar por meio de uma semântica transcendental no primeiro nível de apresentação do método. Isto quer dizer que para existir um discurso seguro na física e na

25 Mais precisamente, “quando digo, por exemplo, que todos os corpos são extensos, enuncio um juízo analítico, pois não preciso de ultrapassar o conceito que ligo à palavra corpo para encontrar a extensão que lhe está unida; basta- me decompor o conceito, isto é, tomar consciência do diverso que sempre penso nele para encontrar este predicado; é pois um juízo analítico” (A 7 / B 11). Reconhecer um corpo como algo tangível é, pois, a condição de possibilidade para que se possa manejá-lo. No entanto, saber que ele é manejável não é suficiente para manejá-lo. 51 matemática, e em toda e qualquer ciência que queira se apresentar enquanto tal no futuro, deve ser necessário que os juízos sintéticos a priori sejam os meios pelos quais o discurso se fundamenta. Desse modo, “de tudo isso resulta a ideia de uma ciência particular que se pode chamar de Crítica da Razão Pura. Porque a razão é a faculdade que nos fornece os princípios do conhecimento a priori” (B 24). Isto significa que apesar de se ter mostrado como são possíveis os juízos sintéticos a priori, a tarefa não estaria completa se não fosse possível expor como estes juízos se aplicam a objetos da experiência possível. Ora, não é fortuito que o segundo capítulo da Analítica dos Princípios se inicie mostrando que a diferença entre os juízos analíticos e os juízos sintéticos reside no alcance de seus princípios. O caráter sintético é aquilo que Kant traz de novidade na lógica transcendental, pois “para que um conhecimento possua realidade objetiva, isto é, se refira a um objeto e nele encontre sentido e significado, deverá o objeto poder, de qualquer maneira, ser dado” (A 155 / B 194). Este princípio de experiência dos objetos é trabalhado no segundo capítulo da Analítica dos Princípios. As condições de possibilidade da experiência dos objetos são coisas bem diferentes da mera experiência dos objetos; por isso, “a possibilidade da experiência é, pois, o que confere realidade objetiva a todos os nossos conhecimentos a priori” (A 156 / B 195). Isto posto, Kant responde a pergunta referente à tarefa fundamental da filosofia de maneira peculiar: O princípio supremo de todos os juízos sintéticos é pois este: todo o objeto está submetido às condições necessárias da unidade sintética do diverso da intuição numa experiência possível. Deste modo são possíveis os juízos sintéticos a priori, quando referimos as condições formais da intuição a priori, a síntese da imaginação e a sua unidade necessária numa apercepção transcendental, a um conhecimento da experiência possível em geral e dizemos: as condições da possibilidade da experiência em geral são, ao mesmo tempo, condições da possibilidade dos objetos da experiência e têm, por isso, validade objetiva num juízo sintético a priori. (A 158 / B 197)

Assim, segundo Kant, é fundamental e necessário entender como funciona a representação sistemática de todos os princípios sintéticos do entendimento puro. Ora, a primeira característica dos princípios diz respeito à dificuldade de provar a validade e existência destes de modo teórico no ato do conhecimento objetivo. Os fundamentos que baseiam os princípios são as categorias, de modo que a quantidade de princípios é medida pela quantidade de categorias, estas últimas, por sua vez, são o resultado da quantidade de juízos possíveis. Há aqui, com isso, um sistema retroalimentado, na medida em que a forma lógica (ainda sem a sensificação empírica), inicia o processo cognitivo e também finaliza-o ao expressar a referência empírica objetiva por meio de juízos sintéticos a priori. Ora, os princípios do entendimento puro, desse modo, são responsáveis por ratificar o 52 conhecimento objetivo. Por conta disso, “só estes princípios dão, pois, o conceito, que contém a condição e como que o expoente de uma regra em geral, enquanto a experiência dá o caso que se encontra submetido à regra” (A 159 / B 198). Isto significa que, diferentemente do princípio de contradição dos juízos analíticos, os juízos sintéticos a priori precisam de princípios fundamentais de orientação e ratificação da experiência.26 Devido a isso: “a tábua das categorias dá-nos uma indicação muito natural sobre a tábua dos princípios, pois estes não são mais que regras para o uso objetivo daquelas. Todos os princípios do entendimento puro são, em vista disso: 1- Axiomas da intuição; 2 Antecipações da percepção; 3- Analogias da experiência e 4- Postulados do pensamento empírico em geral” (A 159-160 / B 199-200). Isto significa que esta tábua dos princípios, como o próprio Kant propõe literalmente, é a materialização das regras para o uso objetivo das categorias. Também é notório no texto kantiano haver uma divisão nestes princípios que se faz crucial para o processo cognitivo aqui em uso, a saber, a dicotomia no uso da síntese do diverso, a qual pode se dar de forma matemática ou dinâmica. A principal diferença entre estes dois grupos de princípios reside no fato de que: aos princípios da quantidade compete uma certeza intuitiva como, por exemplo, quando apercebemo- nos que há dois objetos presentes na intuição; já para os princípios de qualidade compete uma certeza discursiva como, por exemplo, quando dizemos que estes objetos são duas maçãs verdes. As categorias da qualidade têm por obrigação ligar elementos diversos em um único discurso com sentido, ligando elementos heterogêneos. Kant constrói o argumento para mostrar de forma direta a influência tanto da matemática quanto da física como ciências modelos. Não é fortuito, com isso, o posicionamento destes princípios como os mais fundamentais para comprovar a experiência empírica, na medida em que mapeiam-se desde os primórdios gregos, e mesmo em outras culturas, um movimento de consolidação e avanço tanto no conhecimento matemático quanto no conhecimento da dinâmica (a física). A metafísica remonta desta tradição e fundamenta seu método, enquanto filosofia transcendental, por meio daquelas ciências. Os princípios do entendimento puro são, ao mesmo tempo, elementos de produção e ratificação do conhecimento. Isto se dá na medida em que os juízos sintéticos a priori apenas

26 “Na aplicação dos conceitos puros do entendimento à experiência possível, o uso da sua síntese é matemático ou dinâmico, pois se dirige, em parte, simplesmente à intuição, em parte, à existência de um fenômeno em geral. Ora, as condições a priori da intuição são absolutamente necessárias em relação a uma experiência possível, enquanto as da existência dos objetos de uma intuição empírica possível são em si apenas contingentes. Daí que os princípios do uso matemático tenham um alcance incondicionalmente necessário, isto é, apodíctico, enquanto os do uso dinâmico implicarão, sem dúvida, também o carácter de necessidade a priori, mas só sob a condição do pensamento empírico numa experiência, portanto só mediata e indiretamente, não contendo, por conseguinte, aquela evidência imediata (sem contudo nada perderem da sua certeza, universalmente referida à experiência) que é própria daqueles. Mas isto melhor poderá avaliar-se no final deste sistema de princípios” (A 159-160 / B 199-200). 53 podem ser tidos como tais após a verificação de que eles realmente concernem a objetos da experiência possível (que neste caso é empírica), isto é, referem-se a fenômenos que se apresentam na intuição. Esta é a última etapa da produção do conhecimento. Ora, esta dupla característica que apenas se pode encontrar em tais princípios é crucial para iniciar a declinação destes; o método kantiano dá-se do seguinte modo: ele coloca o princípio que guia a sua ideia seguido da prova de sua certeza. Esta é a estrutura que Kant montou, a fim de expor os meandros do seu método, os quais podem ser conceituados como o primeiro nível de apresentação para conduzir a filosofia transcendental ao estatuto de saber científico verificável. Por isso, este primeiro nível de apresentação metodológica tem seu ápice na doutrina transcendental dos elementos, na medida em que este modo de proceder funciona como uma ferramenta do sistema para ligar os elementos a priori do pensamento ao mundo. Sua função mecânica constitui o método, enquanto modo de proceder, mormente, de modo científico, cognitivo; diferentemente do que acontece quando se amplia o alcance do método de análise e síntese para objetos não verificáveis: Pela Doutrina do método da razão prática pura não se pode entender o modo de proceder (tanto na reflexão quanto na exposição) com proposições fundamentais práticas puras com vistas a um conhecimento científico das mesmas, o que aliás só no campo teórico chama-se propriamente método (pois o conhecimento popular precisa de uma maneira mas a ciência, de um método, isto é, de um procedimento segundo princípios da razão pelo qual, unicamente, o múltiplo de um conhecimento pode tornar-se sistema).27

Por isso, tem de haver um segundo nível de apresentação do método de modo a abranger e alcançar aquelas áreas da reflexão que não são passíveis de cognição, mas que são importantíssimas para a sua aplicação. Este segundo nível se dá sob o ponto de vista do negativo, ou seja, como algo doutrinal, por meio de um cânon da razão pura, de uma disciplina da razão, de uma história da razão pura e de uma arquitetônica da razão pura. Mais precisamente, o segundo capítulo da KrV revela o procedimento para alargar o fazer filosófico incessantemente. Ora, mostrar níveis diferentes de apresentação do método não significa que há dois métodos diferentes, mas sim, pelo contrário, que o método é único e necessita de facetas para funcionar, plenamente, dentro do sistema.

2.1.2) Segundo nível de Apresentação do Método

A nossa hipótese é a de que método neste segundo nível de apresentação é doutrinário, na medida em que tem de dizer respeito a um conjunto coerente de ideias a serem transmitidas e

27 KANT, I. Crítica da razão prática (tradução de Valério Rohden). São Paulo: Martins Fontes, 2002. p 239. 54 ensinadas, a fim de que se estenda o alcance de uma filosofia que se apresenta crítica. Assim, não é fortuito que o conceito que Kant escolhe para designar a função do seu segundo capítulo da KrV é o de lehre, Transcendental Methodenlehre. Aqui, sobretudo, Kant pretendia uma forma por meio da qual se pudesse transmitir e aplicar os conteúdos de sua filosofia e nada mais útil para tal que traçar um caminho crítico. Também é salutar o princípio de respeito dos limites conquistados pela lógica transcendental. É um fato muito significativo que alguns dos grandes comentadores de Kant passaram ao largo de analisar o modo como ele organiza, de modo completo, a KrV, e por conseguinte os seus alcances metodológicos. Márcio Pires, entretanto, é uma exceção, na medida em que discute a doutrina transcendental do método, de modo a tentar entender a aplicação das bases da racionalidade kantiana. Não se trata aqui, de alavancar uma disputa que pretenda opor Elementarlehre (Doutrina dos elementos) e Methodenlehre (Doutrina do método). Antes, interessa destacar que essa última parece ganhar uma importância incontestável tanto quanto indispensável, se atentamos para o espírito que ela evoca. Passa a vigorar aí uma exigência de pensamento a que a parte anterior da obra ainda não havia concedido espaço. A linguagem metafórica que inicia o texto da Methodenlehre logo insinua qual será a tarefa por realizar […] A tarefa da razão anuncia-se, portanto, como um projeto de construção, por meio de uma função arquitetônica, a qual, não por acaso, intitulará o terceiro capítulo da “Doutrina do método” […] Semelhante inflexão é um forte indício de como a primeira crítica deixa aberta uma evidente necessidade de prolongar as investigações transcendentais, a fim de encontrar uma atividade que, entre as faculdades do ânimo (Gemüt), seja capaz de operar a finalidade […] Isto sugere que a filosofia kantiana estaria o tempo todo sendo permeada pelo método, isto é, sendo pensada sistematicamente desde os seus elementos.28 (Grifos nossos)

Ora, Márcio Pires nota a essencial função arquitetônica da filosofia kantiana e coloca a organização de toda racionalidade neste contexto. O autor percebeu também esta função essencial do método como permeando o sistema como um todo, organizando os seus elementos em direção a um fim. Percebemos que a doutrina transcendental do método funciona como prolongamento e direção limitativa do método, isto é, ela tolhe a este o ímpeto de estender para além daquilo que é possível e válido sem, ao mesmo tempo, brecar o seu avanço. Aqui há, sobretudo, uma mescla entre sistema e método, a qual se faz essencial para entender a fundo este primeiro e começar a compreender como o último se apresenta em Kant. Os exemplos mais destacados desta negligência com a parte doutrinal do método podem ser notados em dois dos principais continuadores das interpretações kantianas da virada do século XIX

28 PIRES, M. O Método da Razão Pura em Kant: o Filosofar como Exercício Arquitetônico. In: Studia kantiana, (Dez 2014), pg 52. 55 para o XX, a saber, Paton29 e Allison.30 Ambos tratam dos elementos, sem, contudo, darem-se conta de que estes elementos do primeiro capítulo da KrV necessitam de uma direção e organização em vista de fins e de uma propagação da atividade judicativa. A Doutrina transcendental do método parece, ao olhos destes, ser algo sem tanta importância. Para ambos, o procedimento sintético a priori é algo que assegura um conhecimento válido acerca dos objetos e é capaz de direcionar a fins a filosofia kantiana. Entretanto, não é possível entender tal direção a fins sem saber a que fins se direcionar. Queremos dizer: ter ciência de que há fins que devemos perseguir difere, substancialmente, de saber quais fins são estes a serem perseguidos. O procedimento metodológico de análise e síntese, enquanto o primeiro nível de apresentação do método, existe, com isso, em comunhão com sua extensão, ele é uma forma de proceder racionalmente, que depende de conteúdos para saber aonde deve ir, em que direção deve apontar para satisfazer as demandas da razão. Aqui se pode fazer uma metáfora elucidativa, comparando tal procedimento ao trabalho das bordadeiras nordestinas: a bordadeira trabalha a partir de um ponto de bordado, que nada mais é que um procedimento que deve gerar uma figura ao juntar todos os pontos, revelando que, assim, a figura é bem mais importante que o ponto, apesar de sem o ponto não poder haver figura. Isto significa que há uma retroalimentação entre a figura que o bordado gera e o ponto que permite gerar o desenho.31 Isto quer dizer que a Semântica Transcendental existe em função dos fins últimos a serem perseguidos e este apenas pode ter sua perseguição avalizada se os fins buscados importarem mais que os meios, uma vez que já se está de posse dos meios. Paton e Allisson estavam plenamente cientes de que a crítica à metafísica de Kant é, sobretudo, uma crítica à metafísica dogmática e também uma rejeição da solução cético-empirista britânica, contudo apegaram-se bem mais à formalidade e ao cognitivismo e esqueceram-se da ligação deste procedimento com a sistemática em sua totalidade. Isto é, a crítica a estes métodos se põe de modo a se perder de vista a dimensão sistemática da obra de Kant, uma vez que em nenhum momento das obras daqueles há uma análise detalhada, ou mesmo uma escusa para a não-análise, da Doutrina transcendental do método. Para que a hipótese aqui aventada esteja correta, deve-se mostrar que há em Kant uma extensão recorrente nas obras críticas de uma doutrina do método que se põe como natural ao sistema em vista da consecução do método, que possa fundamentar o proceder em todas as áreas de atuação da razão, organizadamente e em vista de planos determinados. Com isso, faz-se mister

29 PATON, H. Kant's Metaphysic of Experience: A Commentary of the First Half of the 'Kritik der reinen Vernunft'. London: Thoemmes Press, 1997. 30 ALLISON, H. Kant's Transcendental Idealism: an Interptretation and Defense. London: Yale Press University, 1983. 31 Homenagem à minha avó dona Áurea (in memorian), minha tia Toinha e minha mãe Fatinha; todas bordadeiras de mão cheia e ponto afiado. 56 analisar o ponto central da extensão metodológica da filosofia kantiana, tratando de modo mais profundo a doutrina transcendental do método da KrV, uma vez que aqui temos direcionamentos doutrinários para toda a filosofia kantiana. Assim, a doutrina do método tem como especificidade um conjunto de ideias e princípios a serem ensinados e transmitidos a todos como parte do trabalho racional. O transcendental pode ser encarado como a crítica propriamente dita, a atitude da ciência: pôr o mundo em perspectiva por meio de um método que forneça caminhos possíveis aos humanos para resolver seus próprios problemas. Com isso, para iniciarmos a análise do segundo nível de apresentação do método crítico, faz-se mister dizer que Kant mostrou na História da razão pura, que “para que se possa chamar método a qualquer coisa, é preciso que essa coisa seja uma maneira de proceder segundo princípios” (A855 / B883). Ora, poder-se-ia, em sua época, dividir o que se entendia por método em naturalista e científico. O primeiro dizia respeito a simples misologia daqueles que creem que a partir da mera razão, sem recorrer à ciência, poderiam descobrir o modo de proceder da natureza tal como, por exemplo, estabelecer o tamanho da lua e sua distância em relação à terra pela simples medida visual. Kant rechaça este modelo metodológico. O segundo diz respeito ao método científico que, por sua vez, é aquele que recorre a um modelo sistemático, por meio de princípios racionalmente fundamentados para analisar e conhecer objetos. Kant, obviamente, considera o método científico como única atividade possível e, por conseguinte, mostra que três vias sucedâneas deste surgiram ao longo da história da filosofia, a saber, o método dogmático, o método cético e, finalmente, a via crítica. Esta via se apresenta tanto como a atitude a qual Kant se propõe para uma definição metodológica mais abrangente (ao propor a identificação total entre filosofia e sistema), quanto como um plano ou caminho. Desse modo, a avaliação da via crítica deve levar em conta o caráter puramente depurativo e negativo do ato de pensar, uma vez que este método serve como contrapartida necessária para mostrar, por um lado, a confusão entre objetos transcendentes e empíricos própria da metafísica dogmática e, por outro lado, a insuficiência do ponto de vista da razão na solução cética. Isto significa que a doutrina do método procura uma solução que dê conta de avançar em direção a conhecimentos possíveis, sem, contudo, ultrapassar, dogmaticamente, a barreira da experiência, tampouco estagnar-se, ceticamente, no meio do caminho. Para Kant, a Filosofia, e, por conseguinte, o próprio método, é algo puramente ideal, isto é, “é a simples ideia de uma ciência possível, que em parte alguma é dada em concreto, mas que procuramos aproximar-nos por diferentes caminhos” (A 838 / B 866). Este modo de entender a filosofia, colocando-a em baila por meio de um método que avance sem perder seu caráter limitativo, é o ponto alto da KrV. Por isso: Entendo assim por doutrina transcendental do método a determinação das 57

condições formais de um sistema completo da razão pura. Neste propósito, teremos que nos ocupar de uma disciplina, de um cânone, de uma arquitetônica e, finalmente, de uma história da razão pura e realizar de um ponto de vista transcendental aquilo que com o nome de lógica prática relativamente ao uso do entendimento, era tentado nas escolas, mas mal executado, pois não estando a lógica geral limitada a nenhuma espécie particular do conhecimento intelectual (por exemplo, ao conhecimento puro), nem tampouco a nenhum objeto particular, não pode, sem ir buscar conhecimentos a outras ciências, fazer mais do que propor títulos para métodos possíveis, e expressões técnicas de que nos servimos em relação ao que há de sistemático em todas as ciências e que dão a conhecer antecipadamente ao aprendiz nomes, cujo significado e utilização só mais tarde deverá conhecer. (A 708 / B 737)

A Doutrina transcendental do método mostra tanto um plano de um sistema completo da razão pura quanto uma ligação fundamental entre sistema e método. Kant atesta na Log de 1800 que “a doutrina do método deve expor a maneira pela qual alcançamos a perfeição do conhecimento. Ora, uma das perfeições lógicas mais essenciais do conhecimento consiste na distinção, no rigor e na ordenação sistemática do todo de uma ciência. A doutrina do método deverá, em consequência, fornecer principalmente os meios pelos quais são promovidas essas perfeições do conhecimento.”32 Isto significa que o método tem uma apresentação elementar e outra doutrinária, que devem expor a distinção, o rigor e a ordenação sistemática, por meio de um conjunto de ensinamentos e princípios. Tais servem para perseguir os fins últimos aos quais a humanidade, racionalmente, se destina. A via crítica revela procedimentos a partir de princípios, na medida em que tem de determinar o alcance e a fonte de todos os juízos racionais. Para que tal organização e atitude sejam válidas, Kant criou quatro procedimentos que se aplicam ao trabalharem-se os limites extensivos da crítica. Tais são, especificamente, uma 1 - uma disciplina, enquanto aquilo que não deixa sair dos trilhos da ciência, a fim de prosseguir na perseguição das finalidades do sistema, 2 - um cânone que propõe estarmos sob o ponto de vista de fins, os quais permitem materializar a busca por finalidades, 3 - uma história da razão pura,33 que mostra ter havido uma lacuna durante a história da filosofia que chega a termo na KrV e, finalmente, 4 - uma arquitetônica da razão pura, que expõe como o Conceito de Filosofia Cosmopolita constitui-se como a coerência lógica do sistema. Desenvolveremos cada uma delas, a fim de mostrar os passos argumentativos que se devem seguir enquanto método que persevera em busca da resolução dos problemas humanos e sua imbricação sistemática.

32 KANT, I. Manual dos Cursos de Lógica Geral (Tradução, Apresentação e Guia de Leitura de Fausto Castilho). Campinas: Ed. UNICAMP, 2002. p 277. 33 Aqui trocamos a ordem de apresentação de Kant na KrV, por um motivo simples, a saber, o conceito de Filosofia Cosmopolita é o ponto de coerência lógica da organização do sistema Kantiano, ganhando, com isso, centralidade na reflexão. Por isso o deixamos por último. 58

A DISCIPLINA DA RAZÃO PURA, para Kant, tem a função de apresentar um plano fundamental ao desenvolvimento da filosofia transcendental como método. Ali Kant se preocupa com a noção de limite, que se expõe por meio de juízos negativos, “que não gozam de nenhuma apreço especial da parte do desejo de saber que tem os homens” (A 708 / B 737). Tais juízos, na verdade, são considerados desconstrutores, sendo, pois, inadequados, de um ponto de vista dogmático, para alargar o conhecimento, mas importantíssimos do ponto de vista do método e sua execução. Possuem estes a qualidade de propor formas precisas para impedir os eventuais erros e têm, em certo sentido, mais estima que alguns ensinamentos positivos, ou seja, que pese limitar a razão negativamente em seu uso teórico, segundo Diego Kosbiau Trevisán, “permite o uso positivo desta mesma razão em outro campo: o moral.”34 Com isso, o lema de Kant aqui é conhecer de modo consequente para saber melhor o que fazer com este arcabouço cognitivo e, com isso, alargá-lo de modo coerente com a crítica: A coação, graças à qual a tendência permanente que nos leva a desviar-nos de certas regras é limitada e finalmente extirpada, chama-se disciplina. Distingue-se da cultura, que deve simplesmente proporcionar uma aptidão, sem com isso destruir uma outra já existente. Para a formação de um talento, que já por si mesmo tem uma propensão para se manifestar, a disciplina dará um contributo negativo, mas a cultura e a doutrina contribuirão positivamente. (A 709-10 / B 737-8) Grifos nossos.

Há aqui, pelo menos duas noções que são deveras importantes nesta investigação, a saber, as de coação e cultura. Ambas ressaltam os aspectos práticos e pragmáticos da filosofia kantiana, na medida em que o autor fala em uma propensão para a manifestação de um talento, o qual sua atitude não se separa de sua formação. Este aspecto mostra o árduo trabalho de lapidar-se para atingir os objetivos que a crítica propõe ao saber, de modo que a espécie progrida dentro de limites racionalmente postos. A coação tem como ponto central, justamente, seu caráter negativo. A exposição de Kant se assemelha a uma pedagogia da humanidade, na medida em que esta deve extirpar os péssimos hábitos que não contribuem para uma boa formação do humano em seu aspecto universal. Isto significa que esta coação supõe um conjunto de regras que preparam o humano para seguir o firme caminho do método, sob a bandeira do respeito à lei moral.35

34 TREVISAN, D. K. Disciplina como educação negativa da razão pura: sobre uma possível influência de Rousseau na formação da filosofia crítica de Kant. In: Estudos Kantianos, Marília, v. 3, n. 2, p. 107-118, Jul./Dez., 2015. p 3. 35 Em uma pequena nota de pé de página, Kant faz uma distinção essencial que aqui nos é bem cara. A disciplina é, correntemente, usada na linguagem da escola como ensinamento, em vez da coação aqui proposta. No sentido escolar, a disciplina tem um viés positivo de preenchimento de conhecimentos pelo aluno, bem ao modelo escolástico do século XVIII alemão; este viés supõe haver um modo de obter uma certa formação, que pode, no entanto, ultrapassar um limite aceitável para o conhecimento e moldagem do jovem e da população em geral. Em contrapartida, na mesma nota, Kant diz, peremptoriamente, que deseja, “pois, que nunca se permita utilizar aquela palavra noutro sentido que não seja o negativo” (A 710 / B 738). Isto significa que a disciplina deve ter um tom penoso de caráter hepático (depuração) bem mais que cardiológico (romântico), usando uma metáfora fisiológica, cara ao professor Ruy de Carvalho (UECE). A disciplina, com isso é algo que diz mais respeito a não desviar-se de certo caminho que aumenta a potência de viver da humanidade do que, em contrapartida, a um preenchimento e 59

A cultura, por sua vez, tem também um caráter essencialmente pragmático, mas possui uma outra abordagem. Kant a define como algo que deve cultivar uma aptidão, que pode ser construída de modo a colocar o homem em direção aos fins últimos que a razão pode pensar em vista da melhoria das condições de vida. É preciso observar que a noção de cultura é essencial para entendermos o avanço do humano em direção a seus fins, apesar da coação perpetrada pela disciplina. Com isso, sabe-se que “toda filosofia da razão pura não tem outro objetivo a não ser esta utilidade negativa” (A 711 / B 739), isto é, para que se possa progredir enquanto humanidade, necessita-se de um método que possibilite ter a plena noção de até onde se pode chegar com as ferramentas que possui e com aquilo que fizeram dela até então. Assim, “é preciso observar bem que, nesta segunda parte da crítica transcendental, não faço incidir a disciplina da razão pura sobre o conteúdo, mas simplesmente sobre o método do conhecimento da razão pura” (A 712 / B 740), ou seja, a tarefa de incidir sobre os conteúdos já foi feita na Doutrina transcendental dos elementos e, com isso, faz-se mister organizar as aspirações humanas, colocando-as nos trilhos da razão coerente consigo mesma. Ele coloca como ponto central uma prudência regulamentadora, ou seja, “para Kant, contudo, que rejeita diretamente não o método dogmático mas o dogmatismo, a disciplina precede a doutrina, a crítica precede a metafísica, a legislação negativa da razão precede a positiva.”36 Preceder difere, substancialmente, de ter importância maior. Este é o motivo pelo qual uma disciplina se faz extremamente necessária, pois uma doutrina por si mesma não garante que se chegue aos resultados esperados tais como, por exemplo, viver sem guerras ou confiar bem mais no poder da razão que no da religião. Kant compôs a disciplina em quatro secções que tratam precisamente do trabalho do negativo mais do que qualquer outro ponto da doutrina do método, a saber, A- no uso dogmático, 37 B- relativamente ao seu uso polêmico,38 C- em relação às hipóteses39 e D- em relação às suas

conteúdo cognitivo ou moral. 36 TREVISAN, 2015, p 4. 37 Em relação ao seu uso dogmático na disciplina da razão pura, Kant faz um apanhado da confusão criada em filosofia devido ao uso de métodos da matemática nesta. Isto justifica, portanto, que a disciplina da razão pura tenha uma função plenamente castradora das pretensões dos filósofos de cunho dogmático de usar os procedimentos da matemática para suas especulações filosóficas, já que “os processos de uma (a matemática) nunca podem ser imitados pela outra (filosofia)” (A 726 / B 754), pois “que o geômetra, conforme o seu método, não pode construir na filosofia a não ser castelos de cartas; que o filósofo, com o seu, no domínio das matemáticas só pode suscitar palavreado” (A 727 / B 755). 38 A disciplina relativamente ao seu uso polêmico, por sua vez, pode ser considerada uma reflexão estratégica para ratificar, definitivamente, os limites das disputas da razão consigo mesma, acarretando disso que a razão não pode julgar ser o ceticismo algo que dará paz às suas aspirações, pois apenas tergiversará de suas inclinações. Isto significa que “em todos os seus empreendimentos deve a razão submeter-se à crítica, e não pode fazer qualquer ataque à liberdade desta, sem se prejudicar a si mesma e atrair sobre si uma suspeita desfavorável” (A 738 / B 766). Este modo de ver o funcionamento da razão passa, justamente, a impressão de existir uma polêmica, quando, na verdade, apenas há uma confusão metodológica: “não há, pois, nenhuma autêntica polêmica no campo da razão pura” (A 756 / B 784). 39 A disciplina da razão pura em relação às hipóteses mostra sua especificidade no fato de que tem de haver hipóteses, que sejam vigiadas pela razão e digam respeito à condição de possibilidade do próprio objeto de modo 60 demonstrações.40 Esse modelo disciplinar, portanto, tem a pretensão de, por um lado, reorganizar o pensamento ocidental de modo que este possa conduzir a humanidade à resolução de suas próprias demandas e, por outro lado, mostrar ao homem que este deve poder refletir sobre si mesmo. O CÂNONE DA RAZÃO PURA é definido por Kant como “o conjunto dos princípios a priori do uso legítimo de certas faculdades” (A 796 / B 824), isto é, um conjunto de regras que regula o modo de atuação das faculdades humanas, em vista de fins específicos: por exemplo, a Analítica transcendental é o cânone do entendimento puro, visto que por meio daquela primeira este último funciona. A pretensão é, com isso, a de tratar das regras a partir das quais seja possível ainda vislumbrar algum tipo de trabalho positivo em meio ao laboro do negativo de regular os caminhos da reflexão. Ora, “o proveito maior e talvez único de toda a filosofia da razão pura é, por isso, certamente apenas negativo; é que não serve de órganon para alargar os conhecimentos, mas de disciplina para lhe determinar os limites” (A 795 / B 823). Isto não quer dizer que não possa haver espaço para alguma forma de avanço dentro destes limites estabelecidos; estes avanços são possíveis, mas não podem advir chancelados com a marca do conhecimento, daí a crucialidade da diferenciação que faz Kant entre órganon e cânone. Isto ocorre porque “não há nenhum cânone do uso especulativo de nossa razão (pois este uso é completamente dialético) e toda a lógica transcendental é, neste ponto de vista, apenas disciplina. Por consequência, se há em qualquer parte um uso legítimo da razão pura, deve existir nesse caso um cânone dessa razão, e este não deverá ser relativo ao uso especulativo, mas ao uso prático da razão” (A 796-7 / B 824-5). Tentar obter conhecimentos seguros sobre objetos fora do espaço e do tempo será algo completamente inválido e vetado pela disciplina, restando assim uma possibilidade

fundamentado, e não como devaneios e ilusões objetivas sem nenhuma experiência empírica, “então é permitido, pelo que respeita à realidade desse objeto, recorrer à opinião; mas esta opinião, para não ser sem fundamento, deve estar ligada [...] ao que é realmente dado e portanto certo.” (A 770 / B 798). A hipótese é um termo retirado por Kant da ciência de sua época, um procedimento que servia como ponto de partida bem fundamentado e tinha a função de nortear a investigação até a confirmação da sua validade. Uma teoria das condições de possibilidade de formulação de hipóteses é algo identificado com a Disciplina, uma vez que para formular uma hipótese precisa-se de uma fundamentação da plausibilidade de verificação daquela. Ora, de modo algum a razão se pode permitir recorrer a hipóteses transcendentais para o uso transcendente, isto é, para provar a existência Deus e a imortalidade da alma. Tampouco, ela pode empregar princípios suprassensíveis para suprir a falta de princípios físicos de explicação do mundo. Isto significa que as hipóteses são meramente juízos problemáticos (A 781 / 809), que apesar de não poderem ser refutados também não podem ser provados. Daí que “nesta qualidade é preciso conservá-las e impedir cuidadosamente que se apresentem como se tivessem em si mesmas algum crédito e algum valor absoluto e afogue a razão em ficções e ilusões.” (A 782 / 810) 40 A disciplina da razão pura em relação às suas demonstrações, é a quarta e última seção. Kant diz que “só há uma prova apodítica, na medida em que é intuitiva, pode chamar-se demonstração” (A 734 / B 762). Isto quer dizer que ali as demonstrações se relacionam a verdades matemáticas, de modo que estas etapas mostrem a solidez deste saber. Por outro lado, dizem respeito à reflexão da razão sobre si mesma, colocando-se como objeto. Isto feito, tem- se a noção de que a razão não deve se direcionar diretamente aos objetos, “mas primeiro demonstrar a priori a validade objetiva dos conceitos e a possibilidade de sua síntese.” (A 782 / B 810) A investigação acerca de qualquer objeto deve seguir este fio condutor, para que não se tente demonstrar algo fora das condições de possibilidade da experiência. 61 de usar tal cânone sob o ponto de vista prático, relativo a regras morais e à liberdade. O Cânone da razão pura se divide em três secções, a saber, A- Do fim último do uso puro da nossa razão; B- Do ideal do sumo bem como um fundamento determinante do fim último da razão pura e C- Da opinião, da ciência e da fé. Todos estes avançam em direção às proposições racionais suprassensíveis e relativas à liberdade, enquanto uma causalidade diferente desta da natureza. Estas secções correspondem a posições de Kant que ajudam a colocar em prática o sistema e o método em filosofia. Do fim último do uso puro da nossa razão tem como pretensão esclarecer qual a função da razão no sistema para além de uma mera dialética. A razão é a faculdade que trabalha em vista de fins supremos, isto é, “estes fins supremos, por sua vez, segundo a natureza da razão, devem ter unidade para fazer progredir em comum aquele interesse da humanidade que não se encontra subordinado a nenhum outro” (A 798 / B 826). O que está aqui em jogo é um interesse da humanidade em resolver seus próprios problemas legitimamente. Com isso, “o propósito final a que visa em última análise a especulação da razão, no uso transcendental, diz respeito a três objetos: a liberdade da vontade, a imortalidade da alma e a existência de Deus” (A 798 / B 826). 41 Isto significa que a razão tem uma agenda demasiado problemática, devido ao fato de estes objetos não poderem ser tomados como evidentes espaçotemporalmente; em sua mais perfeita expressão, a razão tem de achar soluções para que não os perca de sua perspectiva, tampouco se concentre neles como objetivamente válidos. A solução encontrada por Kant foi, por um lado, tratar a razão como a faculdade que se preocupa com os fins últimos que interessam a todos sob uma perspectiva meramente regulativa e, por outro lado, mostrar que tais fins, que pese a impossibilidade cognitiva de seus objetos, têm um interesse prático, tal como “tudo aquilo que é possível pela liberdade” (A 801 / B 829). Kant diferencia a liberdade transcendental da liberdade meramente prática.42 A terceira antinomia da razão deixa clara a impossibilidade de se saber, em última instância, se somos determinados pela natureza ou possuímos uma causalidade própria, diferente daquela, por meio da qual pode-se

41 “Tratam-se das três grandes indagações da metafísica tradicional, que são: a Cosmologia Racional, a Psicologia Racional e a Teologia Racional.” CHAGAS, F. C. O cânon da razão pura. In: Klein, J. T. (Org.). Comentários às obras de Kant: Crítica da Razão Pura. Florianópolis: NEFIPO, 2012. p. 724. 42 “Conhecemos, pois, por experiência, a liberdade prática como uma das causas naturais, a saber, como uma causalidade da razão na determinação da vontade, enquanto a liberdade transcendental exige uma independência dessa mesma razão (do ponto de vista da sua causalidade a iniciar uma série de fenômenos) relativamente a todas as causas determinantes do mundo sensível e, assim, parece ser contrária à lei da natureza, portanto a toda a experiência possível e, por isso, mantém-se em estado de problema. Simplesmente, este problema não pertence à razão no seu uso prático; e assim, num cânone da razão pura, temos que nos ocupar apenas com duas questões que dizem respeito ao interesse prático da razão pura e relativamente às quais deve ser possível um cânone do seu uso, a saber: há um Deus? Há uma vida futura? A questão relativa à liberdade transcendental refere-se meramente ao saber especulativo e podemos deixá-la de lado, como totalmente indiferente, quando se trata do que é prático; sobre ela, na Antinomia da razão pura, encontram-se já explicações suficientes.” (A 804 / B 832) 62 começar uma série de efeitos. Devido a tal impasse, Kant recomenda agirmos como se fôssemos livres, usando, para tal, a ideia de esperança. Do ideal do sumo bem como um fundamento determinante do fim último da razão pura é a secção que traz plenamente o que, de fato, pretende Kant ao se referir aos procedimentos da razão. Mais precisamente, “todo interesse da minha razão (tanto especulativa como prática) concentra-se nas três seguintes interrogações: 1- Que posso saber? 2- Que devo fazer? 3- Que me é permitido esperar?” (A 805 / 833). Bem mais importante que saber qual é a tarefa da razão é saber que questões interessam a ponto de mover os homens, ou seja, em função de que a tarefa da razão existe. Esta secção começa por mostrar de modo mais apurado como Kant resolve a questão da unidade da razão, clivada em suas funções próprias. Daquelas: a primeira pergunta é especulativa, a segunda é prática e a terceira contém elementos das duas anteriores, na medida em que ela se eleva além da simples moralidade. Em uma palavra, ela se refere à esperança e “toda esperança tende para a felicidade e está para a ordem prática e para a lei moral, precisamente da mesma forma que o saber e a lei natural estão para o conhecimento teórico das coisas” (A 805 / B 833). Esta forma de entender a felicidade dá ensejo a Kant para expor o seu método, tal como aquilo que deve mostrar as pessoas como é possível viver sem abdicar de suas demandas mais íntimas e, para tal, não se pode perder de vista a ideia de felicidade.43 A liberdade deve concordar com a distribuição da felicidade, sendo aquela o princípio mais alto. Em uma palavra, a felicidade é um princípio empírico, a liberdade é um conceito a priori ou “a moralidade em si constitui um sistema, mas não a felicidade, a não ser enquanto distribuída em medida exatamente proporcional à moralidade” (A 811 / B839). Para que esta distribuição seja verdadeiramente proporcional, segundo Kant, ela tem de ser tomada como algo que brota de uma vontade suprema. Desse modo, Kant designa “por ideal do sumo bem a ideia de semelhante inteligência, na qual a vontade moralmente mais perfeita, ligada à suprema beatitude, é a causa de toda felicidade no mundo, na medida em que esta felicidade está em exata relação com a moralidade (com o mérito de ser feliz)” (A 811 / B 839). Há uma coincidência entre ser digno de ser feliz e participar do mundo moral. Com isso, ficam inteligíveis as ideias kantianas de comunidade e de cosmopolitismo, na medida em que “este sistema da moralidade que se recompensa a si própria é apenas uma ideia, cuja

43 “A felicidade é a satisfação de todas as nossas inclinações (tanto extensiva, quanto à sua multiplicidade, como intensiva, quanto ao grau e também protensiva, quanto à duração). Designo por lei pragmática (regra de prudência) a lei prática que tem por motivo a felicidade; e por moral (ou lei dos costumes), se existe alguma, a lei que não tem outro móbil que não seja indicar-nos como podemos tornar-nos dignos da felicidade. A primeira aconselha o que se deve fazer se queremos participar da felicidade; a segunda ordena a maneira como nos devemos comportar para unicamente nos tornarmos dignos da felicidade.” (A 806 / B 834) 63 realização repousa sobre a condição de cada qual fazer o que deve” (A 810 / 838). Esta faceta mostra, justamente, a unidade sistemática da razão e da própria filosofia segundo fins, uma vez que expõe a coincidência, entre o princípio supremo da moralidade, o sumo bem, e a lei moral compartilhada por todos. Da opinião, da ciência e da fé é a secção em que, segundo Flávia Carvalho Chagas, “é esclarecido o nível ou grau de validade do juízo acerca da necessidade absoluta de pressupor as ideias de Deus e de imortalidade a partir da distinção kantiana entre opinar (Meinen), saber (Wissen) e crer (Glauben).”44 Ora, Kant organiza os três conceitos desta secção a partir da significação da ideia de que a crença “é um fato do nosso entendimento” (A 820 / B 848). Este tem como base tanto princípios subjetivos quanto objetivos. A fé aqui apresentada, por sua vez, é racional. Ela prosseguirá no desenrolar da metodologia crítica em obras posteriores como o verdadeiro fiar-se diante das questões mundanas. Porém, “a única dificuldade que se apresenta aqui é que esta fé racional se funda no pressuposto de sentimentos morais” (A 829 / B 858). Isto significa que há de haver um engajamento diante das grandes questões racionais, pois caso alguém ou um conjunto de homens seja completamente indiferente às leis morais, tal fé racional será somente um bibelô e poderá permitir, por exemplo, que se instale no mundo um mal radical. Devido a isso, tais questões são coisas que interessam a toda a humanidade.45 O método kantiano neste ponto procurou sua positividade na esperança, algo, contudo, que apenas pode ter validade prática ou, em maior medida, pragmática. HISTÓRIA DA RAZÃO PURA. Este capítulo fecha a KrV, contudo anteciparemos o seu tratamento devido ao fato de que a Arquitetônica da razão pura é o ponto alto do segundo nível de apresentação do método e maior permissora da continuidade lógica do sistema ao longo de suas obras. O conceito de história que aqui se apresenta diz respeito aos sistemas de filosofia que apareceram até Kant. Com isso, ele pensa a História da razão pura como “uma lacuna que se mantém no sistema e que futuramente deverá ser preenchida” (A 852 / B 881). Assim, podemos, inicialmente, levantar duas características extremamente importantes desta visão da história: primeiro, Kant trata a História da filosofia aqui como algo que esperou uma solução para o problema do critério em filosofia; segundo, a História da razão pura ao chegar a seu termo, tornar-

44 CHAGAS, 2012, p 741. 45 “Mas é isto, dir-se-ia, que faz a razão pura quando abre perspectivas para além dos limites da experiência? Nada mais do que artigos de fé? O senso comum também poderia fazer outro tanto sem necessidade de consultar os filósofos! Não quero aqui exaltar o serviço prestado pela filosofia à razão humana com o esforço penoso da sua crítica, embora o resultado devesse ser apenas negativo […] mas exigis, pois, que um conhecimento que interessa a todos os homens ultrapasse o senso comum e só vos seja revelado pelos filósofos? […] a natureza, naquilo que interessa a todos os homens sem distinção, não pode ser acusada de ter distribuído com parcialidade os seus dons e que, em relação aos fins essenciais da natureza humana, a mais alta filosofia não pode levar mais longe do que o faz a direção que a natureza confiou ao senso comum.” (A 831 / B 860) 64 se-ia algo sistemático em si mesmo, de modo a projetar-se em direção ao futuro sem, no entanto, esquecer dos erros do passado. Tratando da primeira característica, Kant quer dizer que houve uma disputa que percorreu toda a história da filosofia e, inclusive, moldou a natureza própria desta, a saber, determinar o que é a verdade. A tradição possuía um método inadequado para provar a realidade das coisas em si mesmas e suas determinações da vida cotidiana. O princípio proposto por Kant, assim, inauguraria um novo método em filosofia, por meio desta sua principal disciplina em seu viés transcendental. Assim, segundo, Joel Thiago Klein46, Kant faz a mediação entre o critério para a verdade na história da filosofia e o percurso para a consecução da filosofia como algo sistemático em si mesmo, enquanto base para o pensamento. Assim, o critério para que a filosofia possa ser algo sistemático e científico é dividido 1- em relação ao objeto, 2- em relação à sua origem e 3- em relação ao seu método. O sentido lato aqui proposto diz respeito ao seu tratamento acerca da história da filosofia, isto é, esta não seria algo em si mesmo filosófico, contudo poderia vir a ser desde que se remeta a um critério ulterior. Melhor especificando, Kant dividia os conhecimentos filosóficos em históricos ou racionais, enquanto o primeiro diz respeito ao mimetismo de dados, o segundo se refere à invenção de conceitos; entretanto, “um conhecimento pode ser filosófico e, contudo, subjetivamente histórico, como é o que acontece com a maior parte dos discípulos” (A 837 / B 865). Isto significa que a partir do momento que Kant estabeleceu o critério metodológico para a ciência filosófica, ele, ao mesmo tempo, incluiu todas as tentativas anteriores de estabelecimento do critério como essenciais para a consecução deste. Também aquele critério serviu de pedra de toque para interpretar os outros. Com isso, o termo crítica ganha, em Kant, um horizonte, sobretudo, de reflexão e julgamento. O tribunal talvez seja a figura mais pertinente para desenhar aquilo que Kant pretendia quando pôs no cerne de sua filosofia a noção de crítica. Contudo, uma filosofia só pode se intitular crítica se houver princípios fundamentais sobre os quais assentam a reflexão e tais princípios têm de se comportar como a própria condição de possibilidade de toda filosofia. ARQUITETÔNICA DA RAZÃO PURA é o ponto nodal do sistema e do método de filosofia de Kant. Ela organiza a crítica, de modo a mostrar uma completude na história. Entretanto, na KrV ainda temos um projeto em que a filosofia transcendental é o meio natural para solucionar esta

46 “Afirmar que a história empírica da filosofia seja um mero acumular de fatos pode ser um pouco injusto. A investigação dos historiadores da filosofia comporta em si uma racionalidade na medida em que procura desvendar uma continuidade de problemas nos diversos sistemas filosóficos ou filosofias. Contudo, esse tratamento ainda continua sendo uma história empírica de acordo com o critério kantiano, pois ela sempre se orienta segundo fatos, que, nesse caso, são os próprios sistemas filosóficos e as filosofias.”KLEIN, J. T. História da razão pura: uma história filosofante da filosofia. In: Klein, J. T. (Org.). Comentários às obras de Kant: Crítica da Razão Pura. Florianópolis: NEFIPO, 2012. p 783. 65 demanda, tanto no que concerne a uma metafísica da natureza quanto a uma dos costumes. Há um razoável número de pesquisas sobre o papel e a estrutura da arquitetônica kantiana. Kemp Smith, por exemplo, diz que “a seção é de pouca importância científica e é interessante principalmente pela luz que lança sobre a personalidade de Kant. Além do que, as distinções que Kant traça aqui são na maioria tomadas do sistema wolffiano, e não pertencentes à sua própria filosofia.”47 Já Rodrigo Andia Araújo afirma que “a possibilidade mesma de uma arquitetônica da razão pura não é apenas uma imagem reguladora ou metafórica que caracteriza e compreende o sistema das faculdades de conhecimento, mas antes um conceito que modela profundamente a razão e a sua construção na história da filosofia.”48 As duas posições acima, apesar de serem díspares entre si, revelam algo de extrema importância: a arquitetônica não é considerada pela fortuna crítica, em geral, um ponto fulcral na Filosofia kantiana. Ora, como se pode notar, Kemp Smith, seguindo Adickes, considera a Arquitetônica apenas uma vazão de prazer de Kant, por meio de um hobby, o qual presume-se ser a sua curiosidade pela vida cotidiana, sem, entretanto, haver centralidade alguma na sistemática. Uma ridícula infantilização de um autor, fundamentalmente, preocupado com a forma que os conteúdos de sua filosofia devem assentar. Rodrigo Andia Araújo, por sua vez, mostra a grande importância sistemática da Arquitetônica em vista da construção de um modelo, que perpassou toda a história da Filosofia, mas não deixa claro ou afirma, categoricamente, a crucial importância desta parte da KrV para o sistema e o método como um todo, senão uma base a partir da qual a razão trabalha. Além disso, Rodrigo Araújo apenas tem a intenção de mostrar que “o sistema, pela sua natureza mesma na razão, também faz parte de uma história filosófica e kantiana segundo os princípios críticos da razão.”49 A nossa posição é a de que a arquitetônica é responsável por organizar o pensamento, usando a lógica transcendental e seus elementos, de modo a revelar como resultado aquilo que há de científico nela: o método em seu segundo nível de apresentação. Com isso, esta parte da crítica, enquanto unidade sistemática, persevera em vista de fins, seguindo um modelo procedimental. Assim, há aqui uma interessante relação que é crucial no modo mesmo de pensar de Kant: uma determinação da relação entre o todo e as partes, com a qual a razão trabalha em seu equilíbrio. Isto acarreta que o balanço arquitetônico entre as partes e o todo tende a se harmonizar por meio da

47 “This section is of slight scientific importance, and is chiefly of interest for the light which it casts upon Kant' personality. Moreover, the distinctions which Kant here draws are for the most part not his own philosophical property, but are taken over from the Wolffian system.” SMITH, K. A Commentary to Kant's Critique of Pure Reason. London: Macmillan Press, 1979. p 579. 48 ARAÚJO, R, A. Ampliação da Imagem Arquitetônica como Sistema na História da Filosofia. In: Revista Kínesis, Vol. III, n° 06, Dezembro 2011, p. 93. 49 Idem. 66 atividade da razão (alargadora de todos os conhecimentos), usando a ideia de fim, isto é, “o conceito científico da razão contém assim o fim e a forma do todo que é corresponde a um tal fim” (A 832 /B 860). Com isso, este equilíbrio entre o todo e as partes necessita, convergindo em uma direção única, estar em consonância com o sistema de filosofia, o qual diz respeito a uma unidade de conhecimentos diversos sob uma ideia. Entretanto, para que esta ideia possa se realizar e, por conseguinte, o próprio sistema, faz-se necessário um esquema, qual seja, “de uma pluralidade e de uma ordenação das partes que sejam essenciais e determinadas a priori segundo o princípio definido pelo seu fim” (A 833 /B 861). O esquema, desse modo, é o arranjo necessário para a consecução da ideia. O que diferenciará o sucesso na consecução final desta ideia é, justamente, o modo como o esquema pode ser apresentado. “O esquema, que não for esboçado segundo uma ideia, isto é, a partir de um fim capital da razão, mas empiricamente segundo fins que se apresentam acidentalmente (cujo o número não se pode saber de antemão), dá uma unidade técnica” (A 833 /B 861), uma unidade que não se preocupa com fins supremos, mas apenas com organizações pontuais. “Mas aquele que surge apenas em consequência de uma ideia (onde a razão fornece os fins a priori e não os aguarda empiricamente) funda uma unidade Arquitetônica” (Idem); esta última é o que nos interessa, visto sua capacidade de constituir-se cientificamente. A unidade técnica, apesar de apresentar somente características acidentais, que não dizem respeito a esquemas que forneçam fins a priori, tem uma importância central para a resolução de problemas. Entretanto, ela não pode organizar algo mais duradouro; a sua função diz respeito a afunilar todas as unidades técnicas em vista de um fim cabal, no qual a humanidade possa perseguir as demandas da razão. O que está colocado como base nesta maneira de pensar é que “ninguém tenta estabelecer uma ciência sem ter uma ideia por fundamento” (A 834/B 862). O que se necessita para formular uma ciência, enquanto unidade sistemática e articulada, é de uma concepção a partir do ponto de vista de um interesse geral da humanidade, que, por conseguinte, faça a correspondência entre a unidade natural das partes reunidas e a ideia que se encontra fundada na própria razão. A arquitetônica, assim, fundamenta um discurso de completude metodológica do saber. Esta última, inclusive, é capaz de interpretar toda a história da filosofia a partir do ponto de vista da ideia de ciência que Kant concebeu, sendo, pois, esta a mais adequada e verdadeira para compreender o mundo: Os sistemas parecem ter sido criados, como os vermes, por uma generatio aequivoca, a partir da simples confluência de conceitos reunidos, ao princípio, truncados e, com o tempo, completos; Contudo, possuíam todos o seu esquema, como um gérmen primitivo, na razão que simplesmente se desenvolve; por isso, não 67

só cada um deles está em si articulado segundo uma ideia, mas, além disso encontram-se todos harmoniosamente unidos entre si, como membros de um mesmo todo, num sistema de conhecimento humano e permitem uma arquitetônica de todo o saber humano, que agora, estando já reunido tanto material ou podendo ser extraído das ruínas de velhos edifícios desmoronados, não só seria possível, mas ainda nem seria difícil. (A 835 /B 863)

Kant diz ter encontrado o ponto central de toda organização racional em filosofia, de modo que esta possa servir de parâmetro para qualquer ciência que pretenda apresentar-se, como tal. Ora, aqui tratamos do equilíbrio esboçado acima entre as partes e a totalidade e, justamente, esse movimento é crucial para compreendermos a filosofia proposta por Kant. Isto quer dizer que se pretendeu conceber um conceito de razão como a faculdade superior de conhecimento. Esta definição serve para dar base a duas dicotomias organizativas para a consecução de seu sistema, a saber, a diferença entre conhecimentos históricos e racionais (A 836 / B 864) e a distinção entre o conceito de filosofia escolar e o aquele relativo ao mundo (A 838 / B 866). Ambas residem no fato de que a razão não é um mero instrumento, completamente, separado do mundo, mas sim que sua pureza deve a ele dizer respeito. A metodologia de Kant propõe que a arquitetônica de seu sistema tenha como pano de fundo um critério prático. Kant separa duas espécies de fins segundo o modo que a razão se apresenta, ou seja, há uma diferença clara entre o nexus effectivus da causalidade mecânica, relativo ao uso teórico da razão e o nexus finalis que diz respeito ao uso prático da razão.50 A Filosofia teórica contida em KrV está interessada nas causas eficientes, que permitem a ciência da natureza descortinar as leis que a regem, mas Kant admite que “a razão não se poderia justificar a seus próprios olhos se quisesse passar da causalidade que conhece para princípios de explicação obscuros e indemonstráveis que não conhece” (A 627 / B 655). Desse modo, pode haver vários fins ditos inferiores que se conjugam em um fim último como é aludido em KrV: “os fins essenciais não são ainda, por isso, os fins supremos; só pode haver um único fim supremo” (A 840 / B 868). Este fim supremo que contém todos os fins subalternos retrata a intenção de Kant de mostrar ser tanto a natureza quanto a razão dois domínios que se complementam, na medida em que as obras da natureza parecem revelar uma criação divina e ajudam ao ser humano identificar o fim último a que se destina. Esta relação é plenamente desenvolvida em KU, principalmente nos parágrafos §83 e §84. Este modelo de reflexão dentro da revolução copernicana necessita desse segundo nível de apresentação do método que é doutrinário, alargador das perspectivas, a fim de organizar os elementos. Mais precisamente, “a legislação da

50 “A legislação da razão humana (filosofia) tem dois objetos, a natureza e a liberdade e abrange assim, tanto a lei natural como também a lei moral, ao princípio em dois sistemas particulares, finalmente num único sistema filosófico. A filosofia da natureza dirige-se a tudo o que é; a dos costumes a tudo que deve ser.” (A 841/B 869). 68 razão humana (filosofia) tem dois objetos, a natureza e a liberdade e abrange assim, tanto a lei natural como também a lei moral, ao princípio em dois sistemas particulares, finalmente num único sistema filosófico” (A840/ B 868). Aqui reside o ponto central da Arquitetônica da razão pura: a divisão da filosofia em natureza e liberdade abrange duas áreas de saber amalgamadas em um sistema único, que em seu primeiro projeto diz respeito à reformulação da metafísica sob os paradigmas da ciência, entrocamento entre método e sistema. Kant achava que seu projeto arquitetônico poderia ser resolvido ao mostrar a viabilidade da passagem da metafísica à filosofia transcendental, sendo esta, pois, o vetor para a resolução dos problemas da humanidade: A filosofia da razão pura é ou propedêutica (exercício preliminar), que investiga a faculdade da razão com respeito a todo o conhecimento puro a priori e chama-se crítica, ou então é, em segundo lugar, o sistema da razão pura (ciência), todo o conhecimento filosófico (tanto verdadeiro como aparente) derivado da razão pura, em encadeamento sistemático e chama-se metafísica; este nome pode, contudo, ser dado a toda a filosofia pura, compreendendo a crítica, para abranger tanto a investigação de tudo o que alguma vez pode ser conhecido a priori, como também a exposição do que constitui um sistema de conhecimentos filosóficos puros dessa espécie, mas que se distingue de todo o uso empírico como também do uso matemático da razão. A metafísica divide-se em metafísica do uso especulativo e metafísica do uso prático da razão pura e é, portanto, ou metafísica da natureza ou metafísica dos costumes (A 841/ B 869).

Apesar de o projeto de filosofia transcendental dominar os conteúdos da forma estrutural da filosofia kantiana, ele deixa espaço para modificações ulteriores que, por ventura, necessite fazer a fim de sustentar a estrutura formal do sistema: um sistema aberto. Desse modo, a arquitetônica mostra que a unidade da razão é, metodologicamente, a unidade do sistema. O modus operandi da razão em seu empreendimento arquitetônico visa alargar sua função compreensiva e extensiva e “isto sugere que a filosofia kantiana estaria o tempo todo sendo permeada pelo método, isto é, sendo pensada sistematicamente desde os seus elementos.”51 Então, a arquitetônica fecha e dá sentido à totalidade do método (a crítica), clivado em suas partes e em seus passos (Disciplina, Cânone e História). Pode-se dizer que razão e arquitetônica são correlatos naturais no sistema de filosofia de Kant. Sistema que, por sua vez, concerne ao pleno funcionamento da perseguição do fim último ao qual a humanidade se destina. Também é possível notar a função arquitetônica do segundo nível de apresentação do método tanto na KpV quanto na KU. Aparece aqui a questão seguinte: os modelos de organização de ambas as obras, apesar de diferirem, guardam algum dos níveis de apresentação expostos na KrV? Ora, a KrV expõe o mais extenso e mais profundo recorte metodológico da filosofia kantiana, uma vez que

51 PIRES, M. O método da razão pura em Kant: o filosofar como exercício arquitetônico. In: Studia Kantiana 17 (dez. 2014): 51-73. 69 ali se iniciam e se fundamentam as condições de possibilidade de haver um projeto de filosofia que direcione a reflexão e ajude a solucionar os problemas humanos. Kant quer demonstrar em relação ao método nas duas seguintes críticas que os seus níveis de apresentação são suficientes para fundamentar um conteúdo sistemático. Esta maneira de pensar de Kant constitui o seu primeiro projeto de filosofia, o qual se pode definir como a resolução, metodologicamente falando, de problemas humanos, por meio de “um procedimento segundo princípios da razão, pelo qual, unicamente, o múltiplo de um conhecimento pode tornar-se um sistema.”52 Com isso, na KpV, Kant explica que devemos entender por doutrina transcendental do método “o modo como se pode proporcionar às leis da razão prática pura acesso ao ânimo humano, influência sobre as máximas do mesmo, isto é, como se pode fazer a razão objetivamente prática também subjetivamente prática […] Ora, em verdade é evidente que aqueles fundamentos determinantes da vontade […] que única e propriamente tornam morais as máximas e dão-lhe um valor moral, têm que ser representados como autênticos motivos das ações.”53 Kant aqui não está preocupado apenas em como interpretar o mundo por meio de juízos, pois isto já foi feito na KrV, mas sim como a legalidade das ações mediadas por juízos pode produzir a moralidade das disposições do ânimo, como desejar a moralidade. Desse modo, Kant expõe na doutrina transcendental do método da KpV que não pretende saber o que é a moralidade, uma vez que isto já foi isto posto na própria obra, mas sim como é possível colocar em prática a ação moral. Assim, a lei, em vez do mérito, deve ser o motor da ação. Por isso, a KpV se mostra completamente dentro dos dois níveis de apresentação do método de modo a perseverar na consecução da lei moral. Na doutrina do método da faculdade de juízo teleológica (KU), por sua vez, trata-se de responder: qual o lugar da teleologia no edifício das ciências, pois pertenceria ela à ciência da natureza ou a teologia? Kant faz este tipo de pergunta como forma de circunscrever em que direção deve uma faculdade de juízo reflexiva ir, a fim de coloca em baila a sua aplicação. O que está em jogo aqui é saber qual a influência da teleologia no método da filosofia crítica. Kant responde que: A teleologia como ciência não pertence por isso a nenhuma doutrina mas somente à crítica e na verdade à crítica de uma faculdade de conhecimento particular, isto é, da faculdade do juízo. Mas, na medida em possui princípios a priori, ela pode e deve indicar o método como se deve julgar acerca da natureza, segundo o princípio das causas finais. Assim, ao menos a sua doutrina do método possui uma influência negativa sobre a forma de proceder na ciência natural teórica e também sobre a relação que esta pode ter na metafísica em relação à teologia, enquanto propedêutica da mesma.54

A teleologia não pertence a nenhuma doutrina por conta de não ser ela um conjunto de ideias

52 KANT, 2002, p. 239. 53 KANT, 2002, p. 240. 54 KANT, I. Crítica da Faculdade do Juízo (tradução de Valério Rohden). Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008. p. 258. 70 fundamentais a serem transmitidas e ensinadas, mas sim um procedimento em vista de fins, de interpretação da natureza em vista das finalidades que os juízos reflexionantes podem vislumbrar. Ora, a influência negativa dá-se devido ao fato de tal doutrina do método servir como regulação da descrição da beleza e da sublimidade da natureza em seus princípios reflexionantes; o método aqui diz respeito aos caminhos requeridos para atingir determinados fins. Não pertencer à doutrina significa que ele é mediador entre as duas formas de apresentação crítica (natureza e liberdade), e dá as condições de possibilidade de tratar de temas que poderiam ser atópicos. Portanto, o segundo nível de apresentação do método é uma atitude de organizar e estender indefinidamente o conteúdo da filosofia kantiana em vista do fim capital que a razão humana pode pensar, a saber, a efetivação da liberdade. Este nível de apresentação segue a cartilha de que tal fim da razão é uma ideia que, presumivelmente nunca será alcançada, porém a grande tarefa não é tanto alcançá-la, mas, sobretudo, perseverar no caminho da constante melhoria das condições de vida da humanidade, servindo este método como padrão para a resolução das demandas problemáticas que se apresentam.

2.2) O Sistema de Filosofia de Kant

Kant afirma na Doutrina do método da KrV que “o sistema de todo o conhecimento filosófico é então a filosofia” (A 838 / B 866), o que mostra, claramente, a filiação e a indissociabilidade entre a ideia de sistema e a filosofia como ciência. Assim, este capítulo visa mostrar que é possível entendermos um sentido de sistema em Kant como atividade em vista de fins, de maneira que a coerência lógica do sistema não se exerça como maquinário conceitual (uma vez que a crítica engole a sistemática, o edifício onde reside a filosofia), mas como ponto norteador que toca todos os temas em vista do progresso perpétuo da humanidade em direção ao melhor, por meio de uma sabedoria cosmopolita. Assim, queremos provar, para além de todas as inconsistências, que há um sistema em Kant na medida em que existe um conceito de filosofia cosmopolita que a todos interessa o seu conteúdo, uma doutrina da sabedoria sempre em busca da resolução dos problemas humanos: Por sistema, entendo a unidade de conhecimentos diversos sob uma ideia. Este é o conceito racional da forma de um todo, na medida em que nele se determinam a priori, tanto o âmbito do diverso, como o lugar respectivo das partes. O conceito científico da razão contém assim o fim e a forma do todo que é correspondente a um tal fim. (A 832 / B 860)

Ninguém tenta estabelecer uma ciência sem ter uma ideia por fundamento. (A 834 / B 862) 71

O sistema de todo o conhecimento filosófico é então a filosofia. Deve-se tomá-la objetivamente, se entendermos por isso o arquétipo de apreciação de todas as tentativas de filosofar, apreciação essa que deve servir para julgar toda a filosofia subjetiva, cujo edifício muitas vezes é tão diverso e tão mutável. Desta maneira, a filosofia é uma simples ideia de uma ciência possível, que em parte alguma é dada in concreto, mas de que procuramos nos aproximar por diferentes caminhos, até que se tenha descoberto o único atalho que aí conduz, obstruído pela sensibilidade, e se consiga, tanto quanto ao homem é permitido, tornar a cópia até agora falhada semelhante ao modelo. (A 838 / B 866)

Há, porém, ainda um conceito cósmico (conceptus cosmicus) {de filosofia} que sempre serviu de fundamento a esta designação […] Deste ponto de vista a filosofia é a ciência da relação de todo o conhecimento aos fins essenciais da razão humana (teleologia rationis humanae). (A 839 / B 867)

Ora, Kant, como vimos nas passagens acima, deixa algumas pistas sobre a relação entre o conceito de filosofia cosmopolita e a ideia de sistema; no entanto, o inusitado aqui é justamente pressupor que seja possível haver uma totalidade em movimento na filosofia kantiana, uma vez que este também diz em algumas passagens, como veremos mais a frente, que inicialmente distingue dois subsistemas, o teórico e o prático, que se ligam por uma teleologia. A questão é a seguinte: uma vez que Kant não deixou completamente claro o que compreende por sistema, seria possível entendermos seu sistema por meio de uma perspectiva específica e testar se ela funciona ao longo do movimento de sua filosofia? Neste sentido, Stephen Palmquist, em seu Kant's System of Perspectives,55 propôs uma profícua maneira para entendermos o sistema de Kant, da qual tomamos emprestados alguns pontos para a nossa interpretação. Ele esclarece que a filosofia teria de trilhar o caminho seguro da ciência e, para tal, toda ciência em sentido verdadeiro deve proceder de forma sistemática. Palmquist propõe haver um modo de identificar o sistema kantiano, por meio de modelos e metáforas baseados em conceitos que organizam a reflexão e, desse modo, seria possível haver um sistema que se revela como organizador de fenômenos (ou do real), sob um modelo a funcionar internamente a ele. Seria uma maneira de dar coerência lógica ao sistema da mesma maneira que cientistas o fazem em seus sistemas determinados.

Palmquist baseia-se, para tal, em dois autores que tratam de sistemas em ciência, a saber, Max Black56 e Ian Ramsay.57 Black afirma que “modelos científicos […] habilitam uma teoria, um

55 PALMQUIST, S. Kant's System of Perspectives: an architectonic interpretation of the critical philosophy. Lanham / New York / London: University Press of America, 1993. 56 “Scientific models […] enable a theory, a deductive system […] to be given in respect of phenomena which are at present uninterpreted and lack a scientific mapping. […] A model may simplify the phenomena and the treatment, by singling out fundamental notions which again it echoes in the disclosure which it brings to birth.” BLACK, M. Models and Metaphors. Ithaca, New York: Cornell West Press, 1962. 57 RAMSEY, I. Models and Mystery. London: Oxford University Press, 1962. 72 sistema dedutivo […] a ser dado em vista de fenômenos, os quais estejam, eventualmente, mal interpretados e faltando um mapeamento científico […] Um modelo deve simplificar os fenômenos e o seu tratamento ao destacar noções fundamentais, as quais, outra vez, ecoam nas informações que são trazidas à luz.”58 Palmquist considera uma noção importante de Ramsey que vai na mesma linha de raciocínio de Black, isto é, a de mistério, a qual Ramsey trata como uma forma de tornar a teologia uma ciência possível, na medida em que na ciência rigorosa há situações que se assemelham ao mistério, tais como ambiguidades e inconsistências, que precisam ser interpretadas dentro da coerência lógica para o bom funcionamento de qualquer sistema.

Com isso, em filosofia é possível usar a noção de modelo para organizá-la cientificamente e, além disso, deve-se adequar os modelos cujos objetos não são verificáveis, de modo que seja possível tratá-los de forma acurada. O problema, também notado por Palmquist, é o de que Kant não deixa claro, definitivamente, o que ele entende por sistema e como este, precisamente, funciona ao longo de sua reflexão filosófica. Entretanto, ele pontua que seria possível analisar as pistas deixadas por Kant não apenas nos modelos, mas também nas metáforas. Palmquist (1993, p. 22), assim, sugere haver três pontos de vista em Kant capazes de gerar quatro perspectivas de encarar a atividade filosófica: os três pontos de vista são o teórico, o prático e o ajuizador. Estes três geram quatro sistemas de perspectivas: o transcendental, o lógico, o empírico e o hipotético. Toda esta estrutura giraria em torno do que o autor chama de Perspectiva Copernicana. Palmquist sugere que, em Kant, pode-se falar também de uma unidade da razão como ponto central para o sistema da razão pura. Com isso, a unidade da razão forneceria o ponto de apoio que os modelos, as metáforas e as perspectivas necessitariam para agir de modo unívoco. Apesar disso, em nossa interpretação, Palmquist ampliou demasiado os modelos e perspectivas sistematizantes da filosofia kantiana, de maneira que apenas afirmar existir uma unidade da razão, enquanto forma de totalizar em uma única perspectiva, não atinge o âmago sintético daquela filosofia. Precisamente, Palmquist procurou responder a Kemp Smith e Strawson, os quais pensavam que não há função arquitetônica no pensamento kantiano, senão de modo acidental; daí que a resposta do Estadunidense radicado em Hong Kong, que diz ser tal sistema um de perspectivas, ainda considera muito da acidentalidade que os autores acima tratam. Concordamos, entretanto, com Palmquist quanto à ideia de que um sistema, em Kant, existe por conta de haver uma noção que concede a ele coerência lógica, uma organização que conduz o modelo em direção a fins; este modelo é a melhor forma de interpretar um sistema como o kantiano, na medida em que, de fato, não há clareza acerca da sistematicidade de sua filosofia ao longo de sua reflexão, contudo é possível seguir as pistas que Kant deixou e notar um sistema pautado em uma 58 BLACK, 1962, p 12. 73 coerência lógica exercida por um conceito específico capaz de agregar todas as tendências da filosofia kantiana em torno de um objetivo único. Tal é o papel do conceito de filosofia cosmopolita. Entretanto, a metáfora que amalgama o sistema de filosofia kantiano não pode ser um círculo, como Palmquist sugere, mas uma flecha. Em um sistema aberto, como o de Kant, o círculo teria de ser, constantemente, reconstruído (como algo eternamente alargado) a fim de poder aplacar os conteúdos em crescente acumulação; já a flecha não necessita de reconstrução e, além disso, congrega mais facilmente os elementos em torno de seu movimento em progresso e em vista de uma finalidade a ser buscada. Concordamos com Palmquist, no entanto, quando este afirma que “apenas após compreender a forma e o conteúdo geral do sistema pode um comentador julgar acuradamente a intenção e o consequente sucesso de cada argumento específico.”59 Em Kant, o sistema permite o acréscimo de elementos novos desde que não se perca no horizonte a forma sistemática de organização da totalidade dos elementos. O conceito de filosofia cosmopolita (também pontuado como cósmico) é capaz de prover, arquitetonicamente, os princípios para seguir no reto caminho para alcançar as finalidades buscadas. A Filosofia em sentido cosmopolita é uma sabedoria, algo que busca incessantemente por fins e concede unidade à razão sob qualquer ponto de vista de seu uso. Isto significa que se a razão for usada de modo teórico, prático, teleológico ou pragmático, ela terá de seguir a direção fornecida pela ideia de filosofia em sentido cosmopolita. Por isso, tal unidade dá-se sob a égide de perseguir os mais altos anseios da razão, sem se fiar em ilusões dialéticas, apesar de não ser possível evitá-las. Tais anseios precisam do caminho seguro da ciência para saber tanto positivamente (aquilo que persevera e acumula conhecimento de mundo) quanto negativamente (não se desviar dos caminhos traçados pela razão) como melhorar as condições de vida da humanidade e propor soluções para a resolução de seus problemas. Temos de compreender que, em Kant, apenas é possível se ter a ideia de sistema se entendê- lo, desde o mais tenro início de seu filosofar, como uma totalidade em perpétuo progresso. Em vez disso, muitos comentadores tendem a isolar certos aspectos da filosofia kantiana e fazê-los trabalhar como se fossem centrais no sistema. Encontram-se entre os comentadores de Kant, pelo menos, duas formas de interpretar o seu sistema de filosofia, a saber, primeiro, ou crendo que não existe uma unidade sistemática, mas sim sistemas menores inter-relacionados, ou, segundo, que o sistema gira em torno de um aspecto único que trabalha de maneira a conceder a sistematicidade requerida

59 “Only after grasping the System's general form and content can an interpreter judge accurately the intention and consequent success of each specific argument.” PALMQUIST, S. Kant's System of Perspectives: an architectonic interpretation of the critical philosophy. Lanham / New York / London: University Press of America, 1993. p 9. 74 na sutil desorganização da filosofia kantiana. Mais precisamente, é nesta segunda forma de interpretar o sistema que se encontra o conceito organizador capaz de dar coerência lógica à sua filosofia: o conceito de filosofia cosmopolita, que compõe uma forma sistemática, um espírito filosófico de atuação com definições claras e constantes. Os conteúdos que são adicionados ao sistema não podem estar em desacordo com o conceito de filosofia cosmopolita sob pena de nulidade de atuação. Por isso, a ideia de sistema é central para Kant como uma forma de buscar fins racionais. Os fins, por sua vez, são parte do conteúdo do sistema, de modo que, como em qualquer outra ciência, deve-se estabelecer a hipótese e o fim que se quer atingir com essa hipótese. Isto posto, é possível que os fins mudem para a melhoria e o refinamento da ciência em voga e, com isso, é plausível que, para Kant, a forma deve ser fixa (de modo a dar cientificidade) e o conteúdo pode ser mudado para a melhoria constante da atividade científica. A nossa tese é a de que o conteúdo mudou de uma metafísica em favor de uma antropologia (o que veremos a partir do próximo capítulo). Há duas importantes interpretações no Brasil no que concerne à noção de sistema na filosofia kantiana. A primeira é de Daniel Omar Perez em sua obra Kant e o problema da significação; a segunda é de autoria de Adriano Perin, que pode ser encontrada em um artigo de 2008, Kant sobre o problema do sistema e o método em filosofia, e, de forma melhor elaborada, em sua tese de doutorado de 2017, Método e Sistema da Razão em Kant: Uma Investigação sobre a Estrutura e a Legitimidade do Pensamento Crítico-Transcendental. Perez transformou sua pesquisa doutoral em livro no ano de 2008. A obra analisa de que modo são possíveis proposições sintéticas a priori teóricas, práticas e reflexivas, abrangendo, com isso, grande parte da reflexão crítica kantiana. Ele dedica um capítulo a cada tipo de proposição e refaz o caminho crítico kantiano, visando provar que a pergunta acerca de como “são possíveis os juízos sintéticos a priori?” (B 19) é o ponto de sistematicidade da obra de Kant. Perez trata da questão da sistematicidade na filosofia kantiana como um meio para atingir um fim, de modo que um conjunto de elementos caóticos e heterogêneos seriam organizados em um ponto central. Desse modo, a semântica, enquanto método de análise e síntese, seria uma teoria sistemática formulada em torno da condição de possibilidade de tratar do mundo com sentido seguindo os vários usos da razão. Isto fica mais claro quando este afirma que: A época crítica (como período da reflexão sobre a metafísica) toma nota da problemática da significação e a desenvolve como atividade sistemática, enquanto que se pergunta pelas 'condições de possibilidade' das proposições sintéticas, e, por meio dela, da própria possibilidade da metafísica. É isso o que faz da tarefa crítica um sistema enquanto atividade. É a atividade do perguntar, de um modo de perguntar, mas não para, no interior de um edifício, assinalar este ou aquele como 'O ente' e assim (re)-construir mais uma metafísica clássica sobre a base de uma 75

oposição hierarquizante e fundadora (sistema como estrutura sem atividade), e sim para pesquisar sistematicamente a economia de elementos que ordena o campo em questão. Aquilo que o trabalho crítico de Kant revela na sua operação é o próprio funcionamento dos sistemas metafísicos.60

Perez mostra como a semântica trabalha sistematicamente no desenvolvimento da filosofia crítica, segundo a ordem de apresentação das obras. Ele conta que tal desenvolvimento cronológico fará emergir duas noções de sistema, a saber: “uma, é a de sistema como edifício, como estrutura na qual se considera uma ordem das partes. A outra, é a de sistema como atividade sistemática, metódica, mas também […] modo, maneira; sistema como sinônimo de Verfahren: proceder, atuar.”61 Estas noções, no entanto, não seriam suficientes para organizar, propriamente, um sistema em Kant; haveria uma impossibilidade que se revelaria na maneira sistemática de escrever, na medida em que haveria “a impossibilidade de deter o sistema (edifício) como sistema (sistemática) […] o sistema kantiano não faz 'Sistema'. É a escrita sistemática de se perguntar que pergunta sistematicamente e se pretende sistema.”62 Além disso, o autor argumenta que o deslocamento da constituição do sistema para a atividade sistemática como função própria é o ponto que permite haver outras passagens, como atividade, na filosofia kantiana tal como, por exemplo, da metafísica para a filosofia transcendental. Isto não é outra coisa senão, segundo Perez, a condição de possibilidade para que haja um eixo, por meio do qual a filosofia kantiana consiga se estruturar em meio a bagunça de elementos que compõem o mundo. Por isso, “o exercício sistemático de Kant, desenvolvido para abordar problemas de significação, acaba impossibilitando a concreção imediata do sistema, e aquilo que aparece como 'sistema', já não é um Tratado, e sim uma outra 'atividade'.” 63 O pressuposto usado pelo autor é o de que o exercício funcional produz uma organização interna capaz de tratar de problemas racionais. A KrV não pode ser tomada como sistema fechado, uma vez que ela não esgota a atividade sistemática. Desse modo, a atividade crítica é algo perpétuo ou, mais de acordo com a terminologia kantiana, a tarefa da crítica é uma tarefa criada para toda a humanidade em um movimento infinito, que visa o acúmulo científico incessante de conhecimentos. Concordamos, em parte, com Perez quando este propõe haver duas noções de sistema (a saber, um conceito de sistema do ponto de vista da exposição do conteúdo de sua filosofia e também um conceito de sistema que diz respeito a organicidade da reflexão, forma), contudo discordamos quando este propõe que há uma (pergunta) sistemática, que traz um efeito de sistema. Também não concordamos com a ideia de que as

60 PEREZ, 2008, p. 18. 61 PEREZ, 2008, p. 15. 62 PEREZ, 2008, ps. 15-6. 63 PEREZ, 2008, ps. 17-8. 76 condições lógico-semânticas seriam responsáveis completamente por dar sistematicidade ao projeto de filosofia de Kant. O que está vinculado à pergunta semântica é a exequibilidade do sistema. Entretanto, a parte doutrinal do método simboliza o ideário de como é possível o sistema agregar elementos sem perder sua estrutura fundamental e sem descaracterizar-se na busca por seus fins. O modo como Perez estrutura seu argumento faz parecer que a finalidade última do sistema kantiano é saber como é possível tratar do mundo com sentido, e não como atingir fins colocados pela razão, à qual a semântica é meio, e não fim para tal. Neste sentido, segundo Perez, a KrV não consegue desempenhar uma função sistemática de maneira completa, mas sim atua apenas como uma propedêutica. Assim, o sistema na etapa crítica é uma estrutura enquanto tenta dar conta das condições de possibilidade do perguntar, mas na medida em que desenvolve esse dar-conta a crítica trona-se atividade sistemática sem poder ser reduzida apenas a uma única estrutura. Por esse motivo, Kant nunca consegue acabar com a atividade crítica como propedêutica e passar para a etapa doutrinal. Kant nunca consegue sair dos preparativos, e até fica difícil saber se esses preparativos não são já o próprio sistema. Vários textos testemunham que Kant não se decidia a determinar se o sistema, tão procurado por ele, era aquele crítico ou precisava passar ao doutrinário. A própria atividade sistemática do perguntar leva Kant a não poder deter nunca a atividade crítica em uma obra doutrinal que feche por fim sua pesquisa.64 (grifos nossos)

Perez se fia demasiadamente na ideia de que o edifício do sistema filosófico de Kant, principalmente a KrV, é algo fechado e já previamente construído. A atividade crítica é uma atividade construtora de sentidos, mas sob um plano com regras fundamentais, o qual foi exposto por Kant como função organizadora do sistema, como algo, ao mesmo tempo, prescritor de regras e atividade de acompanhamento da consecução do plano. Referimo-nos ao conceito de filosofia cosmopolita, visto Kant ter afirmado que este é o modelo do sistema de filosofar. Com isso, pensamos que a diferença entre propedêutica e doutrina se fia apenas no ponto de avaliação, de modo que se se avaliar a KrV em si mesma, sem conexão com o resto de sua obra, ela pode ser considerada uma mera propedêutica. Mas se a analisar como início de uma filosofia em processo, guiada e organizada pelo conceito de filosofia cosmopolita, a KrV pode ser considerada como parte da doutrina, pois contém a fundamentação e o conjunto de princípios e de regras de aplicação, que se estenderá por toda a reflexão kantiana, mas seguindo as especificidades de cada área em que o sistema atuar ou ao atualizar suas demandas. Não é possível aceitar, nos termos que Perez coloca, a imbricação entre as noções de método e de sistema, pois apesar de ambos estarem umbilicalmente vinculados, eles possuem níveis de

64 PEREZ, 2008, ps 21-2. 77 atuação diferentes. No entanto, a nosso juízo, Daniel Omar Perez possui o mérito de colocar o principal desafio para os comentadores, a saber, como a sistemática da atividade filosófica de Kant é capaz de fazer sistema? A nossa resposta que será desenvolvida de modo próprio diz que o sistema não se dissocia da sistemática, uma vez que a própria noção de filosofia cosmopolita consegue amalgamar ambos, sendo, pois, uma atividade que possui um conteúdo doutrinário em busca de fins. Adriano Perin, por sua vez, também pesquisa a relação entre método e sistema na filosofia kantiana, mas não sob a perspectiva semântica. Perin, assim como Smith e Strawson, acredita que o sistema de Kant não pode ser encontrado em sua totalidade porque este não foi empreendido em nenhum momento de suas obras. Ele afirma que para haver uma boa consideração do que Kant queria fazer neste tema é necessário se atentar à dedução transcendental da KrV, uma vez que aqui é explicada a natureza sintético-a-priori do seu método, apesar de Kant não ter conseguido alcançá- lo plenamente ali.65 Na conhecida seção da Doutrina Transcendental do Método, na qual Kant apresenta a distinção entre o método matemático e o método filosófico, não há nenhuma referência positiva à justificação do método da filosofia enquanto sintético a priori. Embora não mais definindo o método da filosofia como analítico, Kant se detém na referida seção à tarefa de mostrar que, no que concerne a “definições”, a “axiomas” e a “demonstrações”, a filosofia jamais pode imitar o método sintético a priori da matemática.66

Por isso, Perin acredita que por haver obras que estão fora do método sintético a priori (as obras analíticas, tal como, por exemplo, os Prol), não é possível se falar em um sistema completo da razão pura. Posteriormente o autor refina, em sua tese de doutorado, as bases desta teoria sobre o sistema, isto é, “que o pensamento crítico-transcendental não empreendeu constitutivamente um sistema da razão significa que ele elegeu a condição de filosofia, ou melhor, do filosofar como um conceito de mundo. Este comprometido com a condição do conhecer e do agir que garantem e cobram ao homem sua condição de endzweck.”67 Perin, apesar de notar o conceito chave, que impele o sistema filosófico de Kant, não conseguiu ir ao âmago da reflexão da filosofia kantiana, uma vez que se prende, demasiadamente, na forma de apresentação do sistema, sem fazer uma apreciação do seu conteúdo em sua completude (teórica, prática, teleológica e pragmática), funcionando de maneira ininterrupta. Concordamos com Perin, contudo, no que concerne ao papel de organizador desempenhado pelo

65 PERIN, A. Kant sobre o problema do sistema e o método em filosofia. In: Kant e-Prints. Campinas, Série 2, v. 3, n. 1, p. 15-26, jan.-jun., 2008. p 19. 66 PERIN, A. Kant sobre o problema do sistema e o método em filosofia. In: Kant e-Prints. Campinas, Série 2, v. 3, n. 1, p. 15-26, jan.-jun., 2008. p 15. 67 PERIN, A. Método e Sistema da Razão em Kant: Uma Investigação sobre a Estrutura e a Legitimidade do Pensamento Crítico-Transcendental. São Leopoldo, Tese de doutorado defendida na UNISINOS, 2017. p 359. 78 conceito de filosofia cosmopolita, mas discordamos da sua afirmação de que o caráter de tal conceito não permite haver um sistema na filosofia kantiana, senão dois microssistemas independentes, um teórico e outro prático. O conceito de filosofia cosmopolita é capaz de organizar a noção de sistema por conta de a arquitetônica ser relativa a fins; Perin não se atentou ao modo de proceder da crítica, na medida em que a filosofia é atividade porque sistema é atividade. O método da filosofia se apresenta em dois níveis que têm por base uma condição de possibilidade de melhorar, incessantemente, as condições de vida da humanidade. Isto significa que não se pode cometer o erro de ver o procedimento sintético do método de análise e síntese como a única exposição metodológica. Perin não distingue entre forma e conteúdo do sistema. O conceito de filosofia, enquanto forma do sistema, não precisa fechar-se em torno de um único conteúdo de filosofia, que chegará a termo com a filosofia cosmopolita. De fato, o conceito de filosofia não produzirá um sistema se se atentar apenas à forma do conceito, uma doutrina da sabedoria em eterna atividade, que nunca deitará, plenamente, em berço esplêndido ao encontrar um conteúdo conceitual específico. Entretanto, por outro lado, esta forma do conceito de filosofia cosmopolita permite fazê-lo trabalhar em vista de fins, de conteúdos específicos que se assentam na forma do sistema em sua atividade de busca da sabedoria. Nossa tarefa será expor como Kant usou tal conceito sistematicamente. Além disso, um dos nossos argumentos em favor de um tal conceito como indissociável do sistema é sua recorrência ao longo de toda a reflexão de Kant, desde a KrV (na verdade, nas Lições anteriores a esta obra já encontramos o conceito de filosofia cosmopolita, tal como, por exemplo, na Vorlesungen über die philosophische Enzyklopädie) até suas últimas Lições adaptadas como obras publicadas por Kant e seus ajudantes (Log).

2.2.1) O Conceito de Filosofia Cosmopolita ao Longo da Reflexão em sua Sistemática

Queremos provar que o conceito de filosofia cosmopolita possui uma função essencial no sistema, servindo como seu ponto de coerência lógica, direcionando toda a reflexão como um padrão em vista da resolução dos problemas humanos. Este também se mantém constante ao longo de toda reflexão crítica kantiana, apresentando-se como central em suas principais obras e direcionando-se a fins. A função essencial do conceito de filosofia cosmopolita foi pouco estudada pelos comentadores da filosofia kantiana, os quais se concentraram nos modelos lógico-cognitivos e princípios a priori como pontos de satisfação crítica da filosofia. 79

É possível fazer uma metáfora que relaciona a filosofia kantiana com as escolas de samba, na medida em que uma escola de samba possui uma coerência lógica em seu perfazer na avenida; ela tem de cumprir um tempo determinado de 80 minutos para cruzar toda a pista do sambódromo, sob o conceito performático de escola de samba, ou seja, uma agremiação que desfila no carnaval e se prepara o ano todo para tal. No entanto, apesar desta coerência lógica de ser uma escola de samba, de modo a orbitar em seu entorno todas as coisas que compõem o desfile (bateria, passistas, carros alegóricos e etc.), ela muda todo ano o seu enredo, aquilo sobre o qual ela vai se apresentar na avenida,68 sem mudar seu conceito fundamental. O samba-enredo é o divulgador em forma de música do tema em questão, de modo que troca-se de enredo todo ano, sem mudar o conceito de grêmio recreativo escola de samba que desfila na avenida. Há uma estrutura parecida na filosofia crítica. Esta deve interessar a todos de modo que todo o sistema de filosofia se movimente em grupo, como uma forma de proceder que medeia a organização lógica tal como “o que prescreve a filosofia, segundo este conceito cósmico, do ponto de vista dos fins, para a unidade sistemática” (A 840 / B 868). Kant ainda completa em nota de pé de página que: “chama-se aqui conceito cósmico (weltbegriff) aquele que diz respeito ao que interessa necessariamente a todos” (A 840 / B 868). O conceito de filosofia cosmopolita de Kant é o ponto sistemático da filosofia crítica, na medida em que é a estrutura que permite conduzir a reflexão em torno de um ponto comum que organiza a humanidade sempre em direção ao melhor. Antes de adentrarmos nos meandros da extensão sistemática, faz-se mister compreendermos duas coisas: primeiro, este conceito é um contraponto à maneira como a filosofia era conduzida na universidade à época e, segundo, o filósofo tem a crucial importância de fundamentar o saber em vista do progresso da humanidade. Isto posto, entendamos como estes dois temas permitem melhor compreendermos os motivos para Kant montar uma filosofia cosmopolita como ponto de coerência lógica do sistema. Kant contrapõe o seu conceito de filosofia cosmopolita ao que ele chama de conceito de filosofia escolástico ou escolar. A filosofia segundo o conceito cosmopolita é uma sabedoria que procura mostrar à humanidade os fins últimos os quais ela está, progressivamente, destinada. A filosofia segundo o conceito da escola não pode, por sua vez, de maneira alguma, dar conta de resolver os problemas da humanidade, pois ela é algo circular que nunca sai de si. O estilo escolástico de filosofar não passa de uma mera repetição daquilo que já fora dito e, muitas vezes, fechando-se às novidades com argumentos de autoridade. Ora, a filosofia escolástica69 foi o mote 68 Tal como, por exemplo, em 1988 a Vila Isabel laçou o enredo kizomba, tendo sido o samba-enredo composto por Martinho da Vila. A escola se sagrou campeã. 69 “Mas a Filosofia não pode ser pensada somente a partir do seu conceito na escola, porque envolve um dúplice ponto de vista. Assim, do ponto de vista cosmopolítico, a Filosofia torna-se uma “doutrina da sabedoria”, e o filósofo assume o ofício não de um mero técnico, mas de um “legislador da razão,” que deve utilizar sua habilidade de 80 preciso que Kant pinçou de sua época para erigir um sistema que desse conta do mundo e das soluções que dizem respeito à humanidade. Se usarmos a razão de modo a guiar a humanidade à resolução de os seus próprios problemas, colocaremos em prática o método crítico por meio do conceito de filosofia cosmopolita, uma vez que “no que se refere à filosofia em seu sentido do mundo (in sensu cosmico), ela pode chamar-se também uma máxima suprema (der höchsten Maxime) do uso de nossa razão.”70 Isto mostra que o uso da razão na filosofia cosmopolita se dá de modo a mediar a vida por meio da Filosofia e, com isso, outra vez conceder uma grande importância à sua atividade. Isto leva Kant a procurar um critério seguro para identificar a filosofia, uma vez que “ainda não há filosofia”71, pois ela não existe da mesma maneira que as engenharias, a física, a matemática e etc., como um saber que pode ser aprendido ou mesmo que seu objeto seja construído a priori. Kant aproxima a filosofia de um ideal e de um esforço para a sabedoria, que nunca foi cumprido, nunca foi satisfeito. Procurava-se uma formalidade ideal para poder identificar a figura do filósofo e o filosofar em busca de melhorar o mundo. Desse modo, o conceito cosmopolita de filosofia tem, na verdade, por finalidade, fundar uma ideia segura e rigorosa deste saber e estabelecer, neste contexto, o verdadeiro papel do filósofo moderno. Este tem de poder descortinar os fins últimos da humanidade em vista do fim terminal, o sumo bem. Com isso, este homem que se dispõe a ser filósofo tem tarefas bem específicas, segundo Kant: “portanto, o filósofo deve poder determinar: 1) as fontes (Quellen) do saber humano, 2) a extensão (Umfang) do uso possível e útil de todo saber e, finalmente, 3) os limites (Grenzen) da razão. A última tarefa é a mais necessária e a mais difícil também, embora ela não preocupe o filodoxo.”72 Nesta esteira, o filósofo deve possuir duas características fundamentais: 1) a cultura do talento e da habilidade para empregá-la (filosofia) numa diversidade de fins, 2) a perícia no uso de todos os meios para fins quaisquer. Ambas devem estar unidas, pois sem conhecimentos jamais alguém se tornará filósofo, mas também os conhecimentos tão somente nunca constituirão um filósofo, se não houver uma unificação de todos os conhecimentos e habilidades a partir de um nexo conforme a um fim e uma percepção do acordo entre eles e os fins supremos da razão humana.73

O filósofo é aquele que tem por dever propor fins e convencer à humanidade que é possível alcançá-los. Ele pode se dar esta alcunha apenas na medida em que “aprende a filosofar pelo

pensar meios para fins quaisquer com o objetivo de relacionar os diversos usos da razão com “a meta final da razão humana” (Citações de Kant entre aspas: AA IX, p 24).” SENEDA, C. Conceitos de filosofia na escola e no mundo e a formação do filósofo segundo I. Kant. Kriterion. 2009, vol.50, n.119, pp.233-249. p 243. 70 KANT, I. Manual dos cursos de lógica geral (tradução de Fausto Castilho). Campinas: Ed. UNICAMP, 2002b. p 51. 71 KANT, 2002b, p 53. 72 KANT, 2002b, p 53. 73 KANT, 2002b, p 53. 81 exercício e pelo uso que fazemos por nós mesmos da razão”74. Ser filósofo, segundo o sentido kantiano, é estar em completa e total dedicação ao cosmopolitismo, aos interesses da humanidade. Ele deve cultivar-se e discutir em espaços públicos aquilo que ele notou, em vista dos fins últimos que interessam à humanidade75 e “deve assim o verdadeiro filósofo, como quem pensa por si, fazer de sua razão um uso livre e próprio e não um servilmente imitativo, uso que também não pode ser dialético, isto é, cujo fim seja dar aos conhecimentos uma aparência de verdade e sabedoria, totalmente incompatível com a atividade do filósofo, que conhece e ensina a sabedoria.”76 O filósofo corresponde a um ideal, enquanto a filosofia é um sistema que deve se fazer uso para obter determinadas conquistas visando sempre o progresso da humanidade. Aqui reside uma característica central do modo como Kant procede e em função de que se expressa o conceito de filosofia cosmopolita. Kant montou na KrV uma base sistemática que acompanha o desenvolvimento de sua obra. O sistema de filosofia deve ser aquilo que aglutina uma gama de temas e funções expressas nas diversas obras em vista de um caminhar comum. O conceito de filosofia cosmopolita percorre toda a reflexão kantiana de maneira sistemática, o que significa que tanto o seu primeiro projeto, quanto o último (projeto antropológico, ainda a ser explicado como seu funcionamento interno e sua flexão se dão), são perpassados pelo sistema cosmopolita. Por conta disso, aqui, faremos um mapeamento das aparições do sentido cosmopolita de filosofia, a fim de mostrar que sem esse conceito não é possível haver unidade da razão e um sistema em progresso direcionado ao Bem e à efetivação da liberdade.

Desde as Vorlesungen (PhilEnz, AA XXIX), que datam de 1778-1780, Kant já organiza o seu conceito de filosofia como o suporte principal da sua estrutura sistemática.77 A filosofia é definida aqui como “doutrina da sabedoria e é superior a todos os conhecimentos humanos.”78 Isto significa que o conceito de filosofia que aparecerá um ano depois na KrV, já está traçado em sua forma; além desta, também a ideia de sistema como a de um todo que precede as partes (diferente das partes precedendo o todo, a qual forma um mero agregado), a divisão entre ciências da sabedoria e 74 KANT, 2002b, p 53. 75 Um bom exemplo para isso são as críticas de Enrique Dussel a Jurgen Habermas, quando o primeiro afirma que a ética do discurso é impossível de ocorrer na América do Sul, pois não é ao cético que se deve convencer, mas ao cínico. DUSSEL, E. Introduccion a una Filosofia de la Liberacion Latinoamericana. México: Extemporaneos, 1977. 76 KANT, 2002b, p 55. 77 Kant inicia o curso de Enciclopédia Filosófica no inverno de 1767-8. Este é um texto que foi anotado por seus ouvintes durante um de seus cursos de introdução à filosofia, também conhecida como Enciclopédia Filosófica e que hoje consta no volume XXIX das obras completas de Kant. Deste curso, apenas uma anotação sobreviveu ao tempo e foi encontrada em 1899. A data provável do curso está entre 1788 e 1780, devido a uma série de fatores, dentre os quais o mais importante é o seu conteúdo. Para uma excelente introdução à lição em questão, indicamos a apresentação da edição francesa por Arnauld Pelletier: Cf. KANT, I. Abrégé de Philosophie ou Leçons sur L'Encyclopédie Philosophique (Traduit par Arnauld Pelletier). Paris: Vrin, 1999. (Edição Bilígue: Francês-Alemão) 78 “Die Lehre der weisheit und hat den Rang über alle menschlichen Erkenntnisse.” Idem, p. 40. Tradução nossa. 82 ciências da erudição, também a ideia de que a filosofia deve criar e não imitar, a de que a filosofia tem de se dar por meio do tribunal da razão e etc. Todas estas definições foram o mote que permitiram a Kant formular um sistema e que ali já se apresentam. 79 Contudo, é na arquitetônica da KrV, que a explanação ganha contornos definitivos ao contrapor o modo de operação segundo o conceito aqui em evidência ao procedimento da academia de sua época: Mas até aqui o conceito de filosofia é apenas um conceito escolástico, ou seja, o conceito de um sistema de conhecimento, que apenas é procurado como ciência, sem ter por fim outra coisa que não seja a unidade sistemática desse saber, por consequência, a perfeição lógica do conhecimento. Há, porém, ainda um conceito cósmico (conceptus cosmicus) que sempre serviu de fundamento a esta designação, especialmente quando, por assim dizer, era personificado e representado no ideal do filósofo, como um arquétipo. Deste ponto de vista a filosofia é a ciência da relação de todo o conhecimento aos fins essenciais da razão humana (teleologia rationis humanae) e o filósofo não é uma artista da razão, mas o legislador da razão humana. Neste sentido, seria demasiado orgulhoso chamar-se a si próprio um filósofo e pretender ter igualado o arquétipo, que não existe a não ser a ideia. (A 838-9 / B 866-7).

Queremos dizer que o conceito de filosofia cosmopolita, do modo como foi pensado em 1781, tem como conteúdo subjacente uma ideia de que a metafísica, depurada e ressignificada em filosofia transcendental, servia como padrão humano para, neste primeiro momento, resolver os seus próprios problemas. Tal filosofia transcendental esclareceria, plenamente, os limites os quais aos homens é permitido conhecer os objetos fenomênicos e a extensão e o uso que se pode fazer de uma fórmula lógica que ajude moralmente a viver em sociedade. Kant, em seus, pelo menos, doze anos iniciais de reflexão crítica (1778 – 1790), tem como pano de fundo no pensamento, primeiro, o método e o sistema e, segundo, um padrão formal de conhecimento, de ação moral e de teleologia. Ora, ele acreditava naquele período que este conteúdo sistemático daria conta de mostrar à humanidade como constantemente progredir em direção a melhor vida possível. Isto se mostra como verdadeiro a partir do momento em que, em plena Arquitetônica da razão pura, afirma que “a metafísica é o acabamento de toda cultura da razão humana, acabamento imprescindível, mesmo deixando de lado a sua influência, como ciência, sobre certos fins determinados [...] e impede os seus trabalhos ousados e fecundos de se desviarem do fim principal, a felicidade universal.” (A 851 / B 879) O que interessa a Kant aqui é a finalidade de uma ressignificação e reorganização da metafísica sob o ponto de vista da ciência; a felicidade universal pode ser considerada a ambição da resolução dos grandes problemas humanos. Por conta disso, a filosofia é, naquela altura da reflexão, o acabamento de toda cultura da razão humana, isto é, o conceito de filosofia cosmopolita funciona ali como uma estrutura que não muda em sua forma e em sua função. Ao longo do primeiro projeto

79 Idem, p. 43. 83 de filosofia, Kant trabalha as nuances que se juntam à coerência lógica do sistema, de modo a formular uma filosofia de base crítica que funciona vinculada a faculdades capazes de serem ferramentas para a perseveração humana em direção ao melhor. Com isso, faz-se mister acompanhar como o conceito de filosofia e a noção de sistema são apresentadas; colheremos como resultado o entrelaçamento e não dissociação dos dois conceitos ao longo de toda obra de Kant. Após a primeira edição da KrV, sugiram várias dúvidas sobre a terminologia da filosofia kantiana, sobre a sua sistematicidade, sobre conceitos chaves como o de coisa-em-si e etc. Assim, após várias más interpretações ou falta de entendimento de sua filosofia, Kant lança os Prol como forma de explicitar os conteúdos da KrV que ficaram obscuros; um dos pontos concernia em saber o que se fez até aqui em matéria de filosofia e o que podemos fazer para torná-la um saber científico? A resposta de que Kant diz que “há letrados para quem a história da filosofia (tanto antiga como moderna) é a sua própria filosofia; os presentes prolegômenos não são escritos para eles. Deverão aguardar que os que se esforçam por beber nas fontes da própria razão tenham terminado a sua tarefa, e será então a sua vez de informar o mundo do que se fez.”80 Há, primeiramente, aqui a intenção de Kant de fugir da ideia de que apenas a história da filosofia possa conceder coerência lógica, de modo que aquele que estudar as filosofias do passado tenha um porto seguro para a resolução de problemas. Assim, o conceito de filosofia nos Prol aparece já em uma plena atualização em vista das especifidades do primeiro projeto crítico de filosofia transcendental. Esta atualização, de fato, é uma assimilação de elementos, em vista do fortalecimento da filosofia crítica enquanto sistema capaz de organizar a humanidade em direção ao melhor; não é fortuita, assim, a afirmação de Kant de “que tenho a esperança de que estes prolegômenos venham talvez a provocar investigações no campo da crítica e a fornecer ao espírito geral da filosofia […] um objeto de entretenimento novo e muito prometedor.”81 Após os Prol,82 Kant publica um ensaio que inaugura, pelo menos de forma direta, uma

80 “A minha intenção é convencer todos os que creem na utilidade de se ocuparem de metafísica de que lhes é absolutamente necessário interromper o seu trabalho, considerar como inexistente tudo o que se fez até agora e levantar antes de tudo a questão: «de se uma coisa como a metafísica é simplesmente possível». Se é uma ciência, como se explica que ela não possa, como as outras ciências, obter uma aprovação geral e duradoira? Se o não é, como se explica que ela, no entanto, se vanglorie incessantemente sob a aparência de uma ciência e mantenha em suspenso o entendimento humano com esperanças jamais extintas, nunca realizadas? Pode, pois, demonstrar-se o seu saber ou a sua ignorância, importa, porém, por uma vez, assegurar-se da natureza desta pretensa ciência; com efeito, é impossível permanecer com ela mais tempo nesse mesmo plano. Parece quase ridículo que, enquanto todas as outras ciências progridem continuamente, ela ande constantemente às voltas no mesmo lugar, sem avançar um passo, ela que quer ser a própria sabedoria e cujos oráculos todos os homens consultam.” KANT, 1988, p 11-2. 81 KANT, 1988, p 166. 82 Em 1786 aparece como continuação do subsistema de filosofia teórica os MAN, cujo objetivo é inserir uma ideia de ciência da natureza racional pura a priori. A sistemática desta obra expõe-se de modo a ocultar a literalidade do conceito de filosofia cosmopolita, apesar de não estar fora de sua sistematicidade: “At issue here is not the transformation of semblance into truth, but of appearance into experience; for, in the case of semblance, the understanding with its object-determining judgments is always in play, although it is in danger of taking the subjective for objective; in the appearance, however, no judgment of the understanding is to be met with at all – 84 reflexão acerca da história e da política, a saber, a Idee. Este escrito destoa do caráter crítico da filosofia kantiana, devido a introduzir de modo, completamente, indeterminado e inexplicado a noção de que a humanidade é guiada por uma providência cega em direção ao seu melhor. Este poderia expressar uma ideia clara e precisa acerca de seu sistema de filosofia cosmopolita, no entanto consegue o completo contrário, descaracterizando o trabalho crítico das funções tanto do conceito de filosofia cosmopolita quanto da sabedoria, enquanto correlato daquele: Pode encarar-se a história humana no seu conjunto como a execução de um plano oculto da Natureza, a fim de levar a cabo uma constituição estatal interiormente perfeita e, com este fim, também perfeita no exterior, como o único estado em que aquela pode desenvolver integralmente todas as suas disposições na humanidade […] Vê-se que a filosofia também pode ter o seu quiliasmo; mas será um quiliasmo tal que, para a sua emergência, a sua ideia pode, embora apenas de longe, ser igualmente estimulante, portanto, nada fantasiosa. O que apenas importa é se a experiência nos descortina algo de semelhante curso do propósito da Natureza.83

Kant trata da sabedoria como algo puramente divino, ao invés do que planejara, metodologicamente, na KrV, causando certa estranheza. A filosofia e a sabedoria aqui se separam de maneira tal que fica difícil conceber o texto como pertencente ao quadro conceitual da filosofia crítica. A sabedoria, neste contexto, regrediu, propondo a relação metodológica e sistemática como uma forma de messianismo acrítico e dependente da execução de um plano à revelia da sabedoria humana. Este é um ponto fora da curva na filosofia kantiana, tanto que na KpV, ele afirma que “explicar arranjos da natureza ou sua transformação pelo recurso a Deus como Autor de todas as coisas não é, no mínimo, uma explicação física e é, em todo caso, uma confissão de que sua filosofia chegou ao fim; pois, se é coagido a admitir algo, do que, de mais a mais, não tem conceito algum, para poder formar-se um conceito da possibilidade daquilo que se vê diante de si.”84 Isto posto, a concepção do conceito mestre de filosofia e a sabedoria que o subjaz ganham da metade em diante década de 1780 um aprofundamento tal que Kant passa a tratar das especificidades que constituem os interesses da razão. Assim, ele inicia um aprofundamento de dois mini-sistemas, o sistema de filosofia especulativa e o sistema de filosofia moral, seguindo a coerência lógica do conceito de filosofia cosmopolita. Em 1785, é publicada a primeira obra de filosofia moral sob o ponto de vista do sistema: a Fundamentação da metafísica dos costumes (GMS). Kant está interessado em uma razão pura prática, que pudesse conservar um caráter doutrinário do conceito de filosofia cosmopolita. Apesar da sutileza em sua forma direta de which needs to be noted, not merely here, but in the whole of philosophy, because otherwise, when appearances are in question, and this term is taken to have the same meaning as semblance, one is always poorly understood.” KANT, I. Theoretical Phylosophy after 1781 (translated by Gary Hatfield, Michael Friedman, Henry Alisson and Peter Heath). New York: Cambridge, 2002. ps 260-1. 83 KANT, I. Ideias para uma história universal de um ponto de vista cosmopolita. In: KANT, I. Filosofia da História (tradução de Cláudio Rodrigues). São Paulo: Ícone, 2012. ps 24-5. 84 KANT, I. Crítica da Razão Prática (tradução de Valério Rohden). São Paulo: Martins Fontes, 2002. p. 222. 85 apresentação, o conceito aqui em voga aparece para organizar os limites a que a razão humana pode atingir, a fim de colocar em voga uma moralidade que possa servir de padrão para as ações humanas.85 O sistema da moralidade pura ainda não podia estar completo, uma vez que Kant não ficou satisfeito com aquilo capaz de mover o homem a agir moralmente. Mais precisamente, o respeito à lei não foi julgado como um móbil à moralidade suficientemente forte, daí aparece em 1788 a KpV e o conceito de Factum da razão (esta questão da atualização do móbile para a ação moral será melhor tratada no próximo capítulo). Com isso, Kant fortaleceu o seu conteúdo sistemático de modo a abarcar um subsistema da razão sob o uso prático e tratou tal uso sob a égide do conceito de sabedoria filosófica, que, mesmo obnubilado pela forma de apresentação da obra, possui um caráter central sob o ponto de vista sistemático: Determinar essa ideia de um modo praticamente suficiente para a máxima de nossa conduta racional é a doutrina da sabedoria e esta, por sua vez, enquanto ciência, é filosofia no sentido em que palavra foi entendida pelos antigos, entre os quais ela era uma indicação do conceito em que o sumo bem deve ser posto e da conduta mediante a qual ele deve ser adquirido. Seria bom se mantivéssemos o antigo significado dessa palavra como uma doutrina do sumo bem, na medida em que a razão aspira a chegar na ciência. Pois, de um lado, a inerente condição limitadora seria adequada à expressão grega (que significa amor à sabedoria) e, contudo, ao mesmo tempo suficiente para compreender sob o nome de filosofia o amor à ciência, por conseguinte, a todo conhecimento especulativo da razão, na medida em que ele é útil a esta tanto em vista daquele conceito quanto do fundamento determinante prático, mas sem perder de vista o fim principal em virtude do qual, unicamente, ela pode chamar-se doutrina da sabedoria.86

Este texto de 1788 mostrou que seu subsistema da moralidade pertence a um sistema maior e metodologicamente concernente a uma filosofia que se pretende ciência. Kant nunca abandonou esta demanda e escreveu tal obra como modo de fortalecer a ação moral, cujo sistema, desde a KrV, colocou como ponto central uma filosofia cunhada para estar em função de toda a humanidade. No entanto, mesmo sem estar, completamente, ciente do que viria a ser, posteriormente, o centro da busca, Kant escreve na KpV que “em uma palavra: a ciência (buscada criticamente e introduzida metodicamente) é a porta estreita que conduz à doutrina da sabedoria […] uma ciência cuja guardiã tem que permanecer sempre a Filosofia”87

Para ser uma ciência, em Kant, faz-se necessário possuir um objeto e um método próprio para adquirir e acumular conhecimentos; a filosofia transcendental, nesta altura do escrito, deve poder ser a ciência das condições a priori de possibilidade da experiência filosófica. Antes da publicação

85 “E assim nós não concebemos, na verdade, a necessidade prática incondicionada do imperativo moral, mas concebemos, no entanto, a sua inconcebibilidade, e isto é tudo o que, com justiça, se pode exigir de uma filosofia que aspira a atingir, nos princípios, os limites da razão humana.”KANT, 2007, p 117. 86 KANT, I. Crítica da Razão Prática (tradução de Valério Rohden). São Paulo: Martins Fontes, 2002. p. 177. 87 KANT, 2002, p .258. 86 da KpV, Kant envia uma carta a Reinhold, em 1787, e conta estar no processo de escrita de uma Crítica do Gosto, que foi concebida para fortalecer o sistema, que era, até aquele momento, forjado em dois subsistemas. Ora, isto se faz verdadeiro na medida em que, segundo Kant, “esta sistematicidade colocou-me na direção para o reconhecimento de três partes da filosofia, as quais possuem cada seus princípios a priori […] filosofia teórica, teleologia e filosofia prática.”88

A KU vem à tona para fazer avançar a filosofia kantiana, de modo a sistematizar todas as suas partes, não sendo, com isso, um mero agregado de faculdades com funções díspares, mas que todas em conjunto visem finalidades cosmopolitas. Ora, ao propor haver três partes de sua filosofia, ele expõe a sua preocupação em não fugir de um princípio básico de fundamentação da totalidade de seu proceder filosófico, a saber, tais partes têm de possuir leis a priori que concedam condições de possibilidade para a experiência. Uma das novidades que a KU traz para o sistema de Kant é a ideia de que a filosofia deve organizar-se, internamente, de modo a abarcar não apenas os usos imediatos, prático e teórico, mas, sobretudo, os usos sob o ponto de vista de propósitos. O uso da nossa faculdade de conhecimento segundo princípios, assim como a filosofia, vão tão longe quanto for a aplicação de conceitos a priori […] Toda a nossa faculdade de conhecimento possui dois domínios, o dos conceitos de natureza e o do conceito de liberdade; na verdade, nos dois, ela é legisladora a priori. Ora, com isso, também a filosofia se divide em teórica e prática, mas o território em que o seu domínio é erigido e a sua legislação exercida é sempre só a globalidade dos objetos de toda a experiência possível, na medida em que forem tomados simplesmente como simples fenômenos; é que sem isso não poderia ser pensada qualquer legislação do entendimento relativamente àquelas.89

A coerência lógica interna à KU está ligada, prioritariamente, à passagem do domínio da natureza ao da liberdade.90 Há, no entanto, um detalhe deveras interessante: Kant havia escrito uma introdução à obra que não fora publicada, mas que fora divulgada a alguns de seus amigos e interlocutores, a fim de explicar o que, de fato, continha nela. Ele a chamou de A Filosofia como Sistema e está presente no Volume XX das obras completas da edição da Akademie Ausgabe.91 Assim, na primeira introdução, Kant afirma que “para a ideia de filosofia como um sistema (não como doutrina) é requerida uma crítica do sentimento de prazer e desprazer, desde que não seja fundamentada na empiria.”92 O objetivo inicial da KU seria a determinação dos dois subsistemas

88 KANT, AA X, s 514. 89 KANT, 2008, p 18. 90 Isto é verdade na medida em que a faculdade do juízo “fornece a priori a regra ao sentimento de prazer e desprazer enquanto termo médio entre a faculdade do conhecimento e a faculdade da apetição […] eis com que se ocupa a presente Crítica da faculdade de julgar.”KANT, 2008, p 12. 91 Adriano Perin acha que “o problema da possibilidade de uma passagem entre os domínios teórico e prático da filosofia kantiana é o responsável pela redação de um segundo texto como propício para apresentação da proposta sistemática da Crítica da faculdade do juízo.” PERIN, 2010, p 145. 92 “zur Idee der Philosophie, als eines Systems, auch, (wenn gleich nicht eine Doctrin, dennoch) eine Kritik des Gefühls der Lust und Unlust, sofern sie nicht empirisch begründet ist, erfodert werden.” KANT, AA XX, s 207. 87 que compõem a sistemática, por meio de um outro subsistema que funcionaria como termo médio entre ambas; este último seria uma crítica da faculdade do sentimento de prazer e desprazer, trazendo à tona os princípios a priori que devem reger tal capacidade de julgar reflexiva. 93 Isto significa que nesta primeira introdução a grande preocupação de Kant não diz tanto respeito a como é possível uma faculdade de julgar reflexiva em geral (o que não significa que esta também não seja uma preocupação, pois, efetivamente, o é). Mais precisamente, Kant se deu como principal objetivo fornecer a consistência interna requerida aos dois subsistemas, usando, assim, o conceito de filosofia, para tal. Tal função poderia explicar de maneira mais consequente um projeto metafísico de filosofia transcendental e, por isso, “não é uma introdução ao sistema das ciências da razão pura, mas meramente a crítica de todas as faculdades da mente, as quais podem ser determinadas a priori e na medida em que elas constituem um sistema na mente.”94 Tal consistência interna fortalece o modo de proceder em filosofia e também mostra de modo mais preciso como a filosofia interessa a todos. Com isso, Kant encerra a década de 1780 com uma dupla atitude, a saber, por um lado, com uma obra que serve para ligar duas partes do sistema, de modo a integrá-lo em algo único e, por outro lado, com uma ideia de que a natureza possui um propósito que pode ser interpretado de modo a priori pela faculdade de julgar reflexiva, demonstrando um refinamento racional do progresso ao melhor. Ele não ficou satisfeito com o conteúdo sistemático da KU, ampliando as três preocupações que interessam sistematicamente à razão. Eckart Föster (2000, p 2.), seguindo Vittorio Mathieu (1991), mostra que a insatisfação kantiana se deu de maneira tal que seria necessário revisar suas conclusões acerca da filosofia da natureza. Pensamos que não apenas acerca da filosofia da natureza, mas também em relação à ideia de sistema em geral, na medida em que a ligação sistemática internalizou funções, regredindo no espírito da filosofia kantiana de avançar em direção ao melhor. O conceito de filosofia cosmopolita, com isso, na década de 1790, reforça o interesse pela resolução dos problemas da humanidade tanto que em 1793, Kant, finalmente, publica a sua obra sobre religião, a Rel, de modo a aprofundar a resposta acerca da pergunta do que se pode esperar enquanto humano que conhece o que pode e faz o que deve. Assim, a grande discussão nessa obra diz respeito a como é possível uma religião racional capaz de se fundar sob os domínios

93 Daí, “entretanto, refletir (deliberar) é comparar e combinar representações dadas quer seja com outras representações ou com a nossa faculdade de conhecer em relação a um conceito possível. O poder reflexivo de julgar é, assim, o que também se chama de faculdade de julgar (facultas diiudicandi).” Tradução nossa. No original: “Reflectiren (Überlegen) aber ist: gegebene Vorstellungen entweder mit andern, oder mit seinem Erkenntnißvermögen, in Beziehung auf einen dadurch möglichen Begrif, zu vergleichen und zusammen zu halten. Die reflectirende Urteilskraft ist diejenige, welche man auch das Beurtheilungsvermögen (facultas dijudicandi) nennt.” KANT, AA XX, s 211. 94 “(das is) zwar nicht in das System der Wissenschaften der reinen Vernunft, sondern blos in die Kritik aller a priori bestimmbaren Vermögen des Gemüths, so fern sie unter sich ein System im Gemüthe ausmachen.” KANT, AA XX, s 242. 88 de uma igreja, uma comunidade de homens morais sob a alçada da racionalidade. Ora, o conceito de filosofia aparece aqui também como algo que interessa a todos, cosmopolitismo que a religião deve abraçar se quiser ter utilidade à humanidade. A discussão, desse modo, em que tal conceito se apresenta contraria a opinião de alguns teólogos da época, os quais consideravam os conteúdos da teologia de seu uso exclusivo, sendo, pois, uma intromissão tomar emprestado alguns assuntos para uma discussão fora do âmbito deste saber. Kant se insurge contra esta forma de pensar.95 Kant mostra que as “intromissões” são de caráter profícuo, que se acentuam ao serem utilizadas por outras disciplinas que buscam no caráter científico da filosofia meios de garantir seus argumentos como nos casos do teólogo bíblico e do jurista. Ora, a filosofia é uma ciência imprescindível, que deve mostrar aos humanos como fundamentar os seus discursos em vista do progresso da espécie. Isto se faz verdadeiro na medida em que Kant usa o conceito de filosofia como doutrina da sabedoria para combater o princípio mau no domínio do homem: Intimaram a sabedoria contra a estultícia; esta deixa-se apenas iludir de modo imprevidente pelas inclinações, em vez de a ela recorrer contra a maldade (do coração humano) que, com princípios ruinosos para alma, mina em segredo a disposição de ânimo. As inclinações naturais, consideradas em si mesmas, são boas, i.e., irrepreensíveis, e pretender extirpá-las não só é vão, mas também prejudicial e censurável; pelo contrário, há apenas que domá-las para que não se aniquilem umas às outras, mas possam ser levadas à consonância num todo chamado felicidade. Mas a razão que tal leva a cabo chama-se prudência. Só o moralmente contrário à lei é em si mau, absolutamente reprovável e deve ser exterminado; só a razão que tal ensina, e mais ainda quando o põe em obra, merece o nome de sabedoria, em comparação com a qual o vício se pode denominar estultícia, mas só enquanto a razão sente em si força bastante para o desprezar (e enjeitar todos os incitamentos a ele), e não apenas o odiar como um ser que é necessário recear, e se armar contra ele.96

Kant usa a sabedoria em vista de combater a estupidez humana que a afasta, por sua própria culpa, do progresso ao melhor. O interessante na Rel é o fato de a filosofia ser não somente o ponto de fundamentação lógica, tanto especulativa quanto moral, mas também e, sobretudo, uma atividade de caráter pragmático. A prudência é algo pragmático, como atesta Allen Wood,97 e isto fica mais claro ao passo que Kant coloca como função racional o direcionamento das inclinações naturais em vista do alcance das condições de possibilidade de ser digno da felicidade. Com isso, o conceito de filosofia da Rel responde a demanda de sua época: propor fins universais que conduzam o gênero

95 “Pois se tal não fosse da sua competência, poder-se-ia também, inversamente, culpar os teólogos bíblicos ou os juristas estatutários de cometer inumeráveis intromissões nos domínios da filosofia, pois uns e outros, visto que não podem prescindir da razão e - onde se trata da ciência - da filosofia, a ela devem ir muitíssimas vezes pedir algo de empréstimo, se bem que apenas em proveito seu.” KANT, I. Religião nos limites da simples razão (tradução de Artur Morão). Lisboa: Ed. 70, 1992. p 18. 96 KANT, I. Religião nos limites da simples razão (tradução de Artur Morão). Lisboa: Ed. 70, 1992. p 63-4. 97 WOOD. A. Kant and problem of human nature. In: JACOBS, B; PATRICK, K. Essays on Kant's Anthropology. Cambridge: Cambridge University Press, 2007. 89 humano em direção ao melhor, progredindo constantemente e usando todas as armas possíveis, em favor dos ditames da razão. Esta função pragmática já é fruto da flexão antropológica do projeto de filosofia kantiano (isso será exposto no próximo capítulo). Isto é verdadeiro na medida em que Kant mantém o conteúdo dessas suas reflexões nos anos posteriores, mostrando que a sistemática gerada pela coerência lógica do conceito de filosofia serve como ponto de regulação, inclusive do direito, enquanto modo de organizar a sociedade como pode ser visto no ensaio ZeF.98 Aqui a ideia de elevar o estatuto da filosofia passa, impreterivelmente, pelo modo como esta deve organizar a política e o poder, em vista da regulação da espécie.99 Mais precisamente, “a filosofia faria fracassar, facilmente, esta astúcia de uma política tenebrosa mediante a publicidade de suas máximas se a política se atravesse a conceder ao filósofo a publicidade das suas.”100 Em 1797, Kant publica a MS, obra tão esperada e prometida desde a carta a Herz de 1772.101 Na MS o conceito de filosofia se apresenta talvez da maneira mais ousada possível, visto pontuar cabalmente que para haver, de fato, uma filosofia que se preocupe tanto com as condições de possibilidade da experiência quanto com o avanço destas condições, gradualmente, em busca de um modo de vida melhor para a humanidade, será necessário a definição mais crucial do que se entende por filosofia. Soa arrogante, egoísta e, aos que ainda não tenham renunciado a seu antigo sistema, degradante, afirmar que “antes do surgimento da filosofia crítica não havia absolutamente nenhuma filosofia.” – Para poder negar esta aparente arrogância coloca-se a questão: poderia existir mais do que uma filosofia? Não só houve distintos modos de filosofar e de remontar-se aos primeiros princípios da razão, para neles fundar um sistema com maior ou menor sorte, mas foi mesmo necessário que existissem muitas tentativas desse tipo, cada uma das quais tendo também seu mérito para a atual. Como, porém, objetivamente falando, só pode existir uma razão humana, então também não podem existir muitas filosofias, isto é, é possível apenas um verdadeiro sistema da mesma, ainda que, a partir de uma mesma proposição, se filosofe tão variada e às vezes contraditoriamente […] pois sem esses seus descobrimentos, ou também sem seus intentos fracassados, não teríamos

98 “Não há que esperar que os reis filosofem nem que os filósofos sejam reis, como tampouco há que desejá-lo, porque a possessão do poder dana inevitavelmente o livre juízo da razão. Contudo, é imprescindível para ambos que os reis, ou os povos soberanos (que se governam a si mesmos por leis de igualdade), não permitam desaparecer ou sossegar a classe dos filósofos, mas que os deixem falar publicamente para a aclaração de seus assuntos, pois a classe de filósofos, incapaz de partidarismo e de alianças de clube por sua própria natureza, não é suspeitosa de difundir uma propaganda.”KANT, I. Para a Paz Perpétua (Bárbara Kristensen). Rianxo: Instituto Galego de Estudos de Segurança Internacional e da Paz, 2006. p 94. 99 O que se faz paradoxal é Kant tomar partido pela escuta dos filósofos, dizendo que estes não tomam partido. Apesar deste corporativismo claro por parte de Kant, é preciso compreender que a filosofia, neste período, era uma faculdade inferior, que servia, no máximo, de ferramenta para ensinar os estudantes de direito, medicina e teologia a pensar consequentemente, seguindo um modelo escolástico da filosofia como propedêutica. 100 KANT, I. Antropologia de um ponto de vista pragmático (tradução de Cléia Aparecida Martins). São Paulo, Iluminuras, 2006. p 115. 101 Uma vez que “à crítica da razão prática deveria seguir-se o sistema, a metafísica dos costumes.” KANT, I. Metafísica dos Costumes (tradução de Clélia Aparecida Martins, Bruno Nadai, Diego Kosbiau, Fernando Costa Mattos, Monique Hulshof, Nathalie Bressiani e Ricardo Terra). Petrópolis: Vozes, 2013. p 12. 90

obtido aquela unidade do verdadeiro princípio de toda a filosofia em um sistema […] – Por conseguinte, se a filosofia crítica se anuncia como uma filosofia diante da qual nenhuma filosofia teria existido em qualquer lugar, ela nada mais faz do que fizeram, farão e precisarão fazer todos os que esboçam uma filosofia segundo seu próprio plano.102

O modo como se entendia a ideia de ciência nessa época pode ser explicado como a tentativa de definição última das ciências específicas. Com isso, só existe uma física, a de Newton, uma química, a Lavoisier, uma geometria, a de Euclides e etc. Assim, não é estranha a afirmação de Kant de que deve haver apenas uma filosofia, a crítica. A filosofia em sua sistematicidade, assim, precisa ter um sentido que vá além de uma fundamentação lógica, isto é, a filosofia necessita fundamentar um sistema cosmopolita, no qual toda a humanidade possa se reconhecer como dentro de um mesmo sistema em progresso constante. Também não é fortuita a divisão da filosofia em prática e teórica, pois apesar de Kant ter acreditado, após o término da KU, que não tinha atingido, de fato, o objetivo da filosofia, ele tinha bem em mente a sua definição. Por isso, “em outro lugar (na Crítica da faculdade do juízo) já me expliquei sobre a divisão superior sob a qual se encontra a divisão da filosofia agora mencionada, a saber, em teórica e prática, e sobre por que esta última não pode ser senão a sabedoria moral (moralische Weltweisheit).”103 O conceito de sabedoria fundamenta a atualização do sistema, na medida em que ela é um ideal, algo a ser eternamente buscado. Em 1798, Kant publica duas obras de conteúdo antropológico, que perseveram em mostrar a unidade da filosofia em vista de um conceito cosmopolita, a saber, a SF e a Anth. O SF é uma proposta de readequação crítica das faculdades superiores (Teologia, Direito e Medicina) à inferior. Mais precisamente, a faculdade de filosofia deve estar ao lado destas superiores, a fim de garantir- lhes a busca da verdade sob a égide da razão, e não das demandas do estado. Este ensaio mostra que as faculdades superiores não precisam estar em conflito com a filosofia, na medida em que esta serve para fundamentar o discurso científico delas e também para não deixá-las desviar do caminho da verdade. Assim, não é fortuita a investigação de Kant, que se torna clara em uma pergunta, que tem em mente um projeto antropológico de um modo peculiar para a época, na medida em que: “não se trata aqui também da história natural do homem (de saber se, no futuro, surgirão novas raças suas), mas da história moral e, decerto, não de acordo com o conceito de gênero (singulorum), mas segundo o todo dos homens, unidos em sociedade e repartidos em povos (universorum), quando se pergunta se

102 KANT, I. Metafísica dos Costumes (tradução de Clélia Aparecida Martins, Bruno Nadai, Diego Kosbiau, Fernando Costa Mattos, Monique Hulshof, Nathalie Bressiani e Ricardo Terra). Petrópolis: Vozes, 2013. p 12-3. 103 KANT, 2013. pgs. 23-4. 91 o gênero humano (em geral) progride constantemente para o melhor.”104 O progresso e a filosofia estão interligadas na investigação, fundamentando toda e qualquer reflexão racional com verdade e referência. Assim, a filosofia deve se portar aqui como fundamento sistemático do progresso do ser humano. Isto fica claro com o exemplo do suposto conflito entre a faculdade superior de teologia e a de filosofia: Por isso, a última Faculdade, que tem por fim a verdade, por conseguinte, a filosofia, arroga-se o privilégio de, em caso de conflito sobre o sentido de uma passagem da Escritura, o determinar. Seguem-se os princípios filosóficos da interpretação da Escritura; por eles não se pretende entender que a interpretação deve ser filosófica (visa a ampliação da filosofia), mas que os princípios da interpretação devem simplesmente ter tal constituição; porque todos os princípios, digam eles respeito quer a uma explicação crítico-histórica ou crítico-gramatical, devem sempre, mas aqui em particular, ser ditados pela razão, porque o que para a religião se deve determinar a partir de passagens da Escritura pode simplesmente ser um objeto da razão.105

Ora, a filosofia está sempre em reboque da humanidade de maneira que se a humanidade progride para um estágio superior, a maneira de usar o princípio cosmopolita também a acompanha. Com isso, a dúvida em relação a seguir ou não algumas passagens da bíblia cristã que, por desventura, incorram em atitudes que atrapalham o progresso deve ser sanada pela razão sob a batuta da filosofia. Isto posto, “poderia, deste modo, muito bem acontecer um dia que se os últimos se tornassem os primeiros (a Faculdade inferior a superior), não decerto no exercício do poder, mas no aconselhamento de quem o detém (o governo), que depararia assim na liberdade da Faculdade filosófica e na sabedoria que daí lhe adviria, bem mais do que na sua própria autoridade absoluta, com meios para a obtenção dos seus fins.”106 A Anth, por sua vez, é uma obra que também ganha sua coerência lógica e sua fundamentação na sistemática da ideia kantiana de “uma antropologia do cidadão do mundo.”107 Por conta disso, na Anth, “os conhecimentos gerais sempre precederam os conhecimentos locais, caso tal antropologia deve ser ordenada e dirigida pela filosofia, sem a qual todos os conhecimentos adquiridos não proporcionam senão um tatear fragmentário, e não ciência.”108 Assim, a ciência antropológica procura mandamentos que permitem que tal progresso ocorra indefinidamente sob os limites de um sistema de filosofia cosmopolita:

Para a categoria dos pensadores as máximas seguintes (já mencionados acima como conduzindo à sabedoria) podem se tornar mandamentos imutáveis:

104 KANT, I. O Conflito das Faculdades (tradução de Artur Morão). Covilhã: Lusosofia, 2008. p 97. 105 KANT, I. O Conflito das Faculdades (tradução de Artur Morão). Covilhã: Lusosofia, 2008. p 53. 106 KANT, 2008. p 49. 107 KANT, I. Antropologia de um Ponto de Vista Pragmático (tradução de Clélia Aparecida Martins). São Paulo: Iluminuras, 2006. p 22. 108 KANT, 2006. p 22. 92

1- Pensar por si; 2- Pôr-se (na comunicação com seres humanos) no lugar do outro; 3- Pensar sempre de acordo consigo mesmo. O primeiro princípio é negativo (nullius addictus iurare in verba Magistri / “não estou obrigado a jurar sobre a palavra de nenhum mestre”), é o princípio do modo de pensar livre de coação; o segundo é positivo, é o princípio do modo liberal de pensar, que se acomoda aos conceitos dos outros; o terceiro, o princípio do modo consequente (coerente) de pensar; a antropologia pode dar exemplos de cada um deles, e mais ainda de seus contrários. A mais importante revolução no interior do ser humano é “a saída deste do estado da menoridade em que se encontra por sua própria culpa.” Enquanto até aqui outros pensaram por ele, e ele simplesmente imitou ou precisou de andadeiras, agora, vacilante ainda, ele ousa avançar com os próprios pés no chão da experiência.109

Ora, aqui a filosofia guia a antropologia em direção a uma sabedoria de mundo que requer autonomia dos sujeitos, a fim de também ser possível a autonomia do gênero humano em geral. Os últimos textos, neste sentido, em que o conceito de filosofia em sentido cosmopolita aparece, cravam definitivamente a coerência lógica que este conceito concede à sistemática da filosofia kantiana. Tais textos são, a saber, primeiro, o prefácio a uma obra de Jachmann (AA VIII, 439-441), que contrapunha a Carl Arnold Wilmans e sua acusação de que a filosofia da religião kantiana seria um misticismo; o segundo diz respeito a uma passagem do Konvolut X do Opus Postumum; o terceiro concerne a uma passagem da introdução à Log. O conceito de filosofia do prefácio (AA VIII, 439-441) à obra de Jachmann (Prüfung der kantischen Religionsphilosophie in Hinsicht auf die ihr beygelegte Aehnlichkeit mit dem reinen Mystizism) diz respeito a um trabalho para burilar as faculdades e criar conceitos que clarifiquem o trabalho filosófico, e não apenas tratar de tais descobertas como algo posto de cima pra baixo, tal qual um misticismo acrítico. Esta noção de filosofia de Kant tem por intuito responder a Wilmans, que, em 1797, publicou a obra Dissertatio philosophica de similitudine inter mysticismum purum et kantianam religionis doctrinam. Wilmans mostra haver uma correspondência entre a filosofia da religião kantiana e uma ideia de misticismo puro. Há três versões deste prefácio, o primeiro é este publicado na obra de Jachmann, o segundo compõe as Ref e consta no volume XXIII (ps 467-8) das obras completas e o terceiro foi encontrado por Dieter Henrich na década de 1960. Analisaremos apenas a primeira versão, por conta de não haver diferença substancial entre as três. Com efeito, Kant conhecia o conteúdo das afirmações de Wilmans desde, pelo menos, 1797, uma vez que uma carta deste é publicada no SF. Wilmans conhecia perfeitamente os elementos e as articulações da filosofia kantiana e, especificamente, sobre a filosofia da religião. Kant não reprovou o trabalho, mas sim as conclusões tiradas por ele a

109 KANT, 2006. p 126. 93 partir dos dados objetivos da análise.110 O modo como Wilmans aborda o misticismo111 passa longe de um fanatismo religioso cego em que a única fonte de fé é uma cegueira racional. Com Wilmans vê-se que a abordagem mística também trata a bíblia como um auxílio à fé, e não como a principal autoridade, uma vez que seu cristianismo é algo natural, interior, tal qual uma religião natural que conduzia os místicos que o autor conheceu a uma conduta religiosa pura, segundo princípios internos. Contudo, que pese em si mesma a doutrina kantiana da religião não conseguir sair desta armadilha, o sistema de filosofia salva a religião. Mais precisamente, a religião, para Kant, não é um fim em si mesmo, mas uma parte do sistema de filosofia em sentido cosmopolita. Com isso, o conceito de filosofia cosmopolita refuta as conclusões de Wilmans: Mas filosofia no sentido literal do termo, enquanto doutrina da sabedoria, tem um valor incondicionado; porque ela é a teoria do fim terminal da razão humana, que pode ser apenas um, do qual os outros fins se derivaram ou ao qual devem estar subordinados, e o perfeito filósofo prático (enquanto um ideal) é aquele que satisfaz em si mesmo essa exigência. Agora, a questão é se a sabedoria é infundida na pessoa de cima para baixo (por inspiração), ou escalada de baixo pra cima através da força interior da sua razão prática. Quem afirma a primeira como um meio de conhecimento passivo imagina o absurdo da possibilidade de uma experiência suprassensível, que está em exata contradição consigo mesma, (representar o transcendente como imanente) e baseia-se em uma tal doutrina secreta chamada misticismo, o qual é o exato contrário de toda filosofia e justamente por ser isso, ele (como o alquimista) estabelece como a maior das descobertas que ele está dispensado de todo trabalho racional e árduo das investigações da natureza, sonhando estar bem-aventuradamente num doce estado de fruição.112

110 “Numa carta anexa à sua dissertação - De similitudine inter Mysticismum purum et Kantianam religionis doctrinam. Auctore Carol. Arnold, Willmans, Bielefelda-Guestphalo, Halis Saxonum 1797 – que eu, com a sua permissão, aqui apresento, omitindo as fórmulas de cortesia da Introdução e do Fim, e que revela este homem jovem, votado agora à medicina, como alguém de quem há muito a esperar também noutros ramos da ciência. Contudo, não estou disposto a admitir incondicionalmente a semelhança da minha concepção com a sua.” (KANT, SF AA VII, 69.) 111 “Reconhece agora os seus deveres ao mesmo tempo como mandamentos divinos, e surge nele um novo conhecimento, um novo sentimento, a saber, a religião. – Chegara eu, venerável Senhor, a este ponto no estudo dos vossos escritos quando conheci uma classe de homens que se denominam Separatistas, mas que a si mesmos se chamam místicos, nos quais encontrei a vossa doutrina posta em prática quase à letra. No princípio, foi decerto difícil encontrá-la na linguagem mística desta gente; mas, após uma busca assídua, consegui. Reparei que estes homens viviam sem qualquer culto divino; rejeitavam tudo o que se chama serviço religioso e que não consiste no cumprimento dos seus deveres; que se consideravam a si mesmos como homens religiosos, mais ainda, como cristãos e, no entanto, não olhavam a Bíblia como seu código, mas falavam tão só de um cristianismo interior, que em nós habita desde a eternidade. – Sondei a conduta desta gente e descobri (exceptuando as ovelhas ranhosas que se encontram em todos os rebanhos, por causa do seu egoísmo) disposições morais puras e uma consequência quase estoica nas suas ações. Examinei a sua doutrina e os seus princípios e reencontrei, no essencial, toda a vossa moral e doutrina religiosa, todavia, com a diferença constante de terem a lei interior, como a chama, por uma revelação interna e, por conseguinte, Deus por seu autor. […] Eis porque a não consideram como um código, mas apenas como uma confirmação histórica em que reencontram o que neles originariamente está sedimentado. Numa palavra, estas pessoas (perdoai-me a expressão) seriam verdadeiros kantianos, se fossem filósofos […] De facto, vestem-se, por exemplo, segundo o costume e pagam todos os impostos tanto do Estado como da Igreja. Entre os seus elementos cultos, jamais encontrei fanatismo, mas antes um argumentar e um juízo livres e sem preconceitos sobre objetos religiosos.” KANT, 2008, ps 94-5. 112 Tradução de Joel Klein e Adriano Perin. In: KLEIN, J; PERIN, A. O Conceito de filosofia em Kant: uma tradução e um comentário. ANALYTICA, Rio de Janeiro, vol 13 nº 1, 2009, p 168-9. 94

O misticismo, segundo Kant, é a total antípoda da sua concepção de filosofia, pois a doutrina da sabedoria, nesta perspectiva, gira em torno de algo completamente sólido, diferentemente da razão mística que necessita de uma inspiração divina para resolver as suas demandas, mesmo que sem palavra sagrada ou ritos específicos. A significação cosmopolita da filosofia reforça o projeto antropológico kantiano, de modo que a religião, que está envolta na pergunta acerca da esperança, deve se reportar aos fins últimos, os quais a razão pode pensar para a espécie. No fascículo X do Opus Postumum (OP, AA XXIII), por sua vez, Kant mais uma vez traz à tona o conceito de filosofia cosmopolita como uma doutrina da sabedoria, que possui um valor incondicionado. A filosofia é a doutrina do fim terminal da razão humana e, com isso, o ser humano deve impreterivelmente se pautar por tal saber para estar em constante progresso em direção ao melhor. O conhecimento filosófico, como conhecimento racional a partir de conceitos, se distingue na sua forma de qualquer doutrina que é também a priori, mas que foi fundamentada na intuição pura e que, como instrumento das diferentes artes e ciências, possui apenas um valor condicionado, quer dizer, quando se tem em vista (se estabelece para si como fim) este ou aquele objeto, se deve trabalhar desta ou daquela maneira. Mas a filosofia, no sentido literal da palavra (como doutrina da sabedoria) tem um valor incondicionado, pois ela é a doutrina do fim terminal da razão humana e seus imperativos contêm em si um valor absoluto, por isso eles atingem o fim diretamente em si.113

A passagem do OP, remete, justamente, a mostrar que o conceito de filosofia como doutrina da sabedoria está presente ao longo de sua reflexão. O OP e a Log são contemporâneos em sua organização e feitura, mas apenas a última ficou pronta e foi publicada sob a assinatura de Kant como obra sua. Isto posto, nota-se que a filosofia em sentido cosmopolita, apesar das variações de sua aparição, é, inegavelmente, um artifício para que estas não perdessem seu ponto de sistematicidade. Também é um modo para que a junção de reflexões sobre temas diferentes e de épocas distintas não soassem como aleatórias ao sistema. A prova para tal é o modo como tal conceito aparece na Log: A filosofia é portanto, o sistema dos conhecimentos filosóficos ou dos conhecimentos racionais por conceitos. Este conceito dessa ciência na escola (Schulbegriff). Mas, segundo seu conceito no mundo (Weltbegriff), ela é a ciência dos fins últimos da razão humana (von den letzten Zwecken). Esse alto conceito confere dignidade (Würde) à filosofia, isto é, um valor absoluto (Werth). Na verdade, somente ela possui um valor intrínseco (innern) e só ela confere valor a todos os outros conhecimentos. Mas, no final, sempre se pergunta: para que serve filosofar e qual sua meta, considerada a própria filosofia como ciência, segundo seu conceito na escola? Na acepção que a palavra tem na escola, a filosofia trata somente da habilidade (Geschicklichkeit); em relação, porém, ao conceito no mundo, ela trata, ao contrário, da utilidade (Nützlichkeit). Do primeiro ponto de vista, ela é uma doutrina da habilidade; do segundo, uma doutrina da sabedoria

113 Idem, 169-170. 95

(Weisheit), legisladora da razão (Gezetzgeberin), e o filósofo, em tal medida, não é um técnico da razão (Vernunftkünstler), mas um legislador (Gesetzgeber). (AA IX, 23-4 / KANT, 2002b, p. 49-50)

Aqui na Log, o conceito de filosofia cosmopolita é o ponto de coerência lógica em torno e a partir do qual dá-se o sistema de filosofia. A perfeição lógica do conhecimento passa pelo que Kant chama de doutrina da sabedoria, ou seja, justamente o modo como ele define a filosofia preocupada com os fins últimos da humanidade. Por isso, somente um conceito de filosofia cosmopolita pode satisfazer os meios, tal como um padrão para o progresso. A filosofia que Kant aborda aqui tem como ponto fundamental a depuração como critério para o filosofar. Depurar aqui significa retirar do caminho para a sabedoria tudo aquilo que não ajuda a avançar, tal como regras inócuas e misólogas. Apesar de a filosofia trabalhar com meros conceitos, estes precisam ser organizados e moldados de acordo com o sistema que os direciona. Por conta disso, foi de crucial importância manter tal estrutura sistemática ao longo de toda a reflexão. Portanto, Kant propõe este conceito de filosofia cosmopolita como ponto de coerência lógica do sistema. O perseverar do sistema, perpetuamente, em direção ao progresso da humanidade requer, para tal, a filosofia. Esta doutrina da sabedoria deve acumular conhecimentos em torno de si, conduzindo e organizando os cientistas em suas ciências específicas, em vista da melhoria das condições de vida da humanidade. Desconhecemos qualquer outro comentário que tenha notado esta função sistemática no que pensa Kant ser a filosofia.114 Ora, para se fazer filosofia tem de se ter uma ideia de filosofia; este foi o maior mérito de Kant e também o ponto de maior dificuldade para entendermos de maneira plena o seu sistema.

114 O que não significa que não houve autores que debateram sobre o conceito de filosofia. Podemos indicar José Barata Moura: BARATA-MOURA, J. Kant e o conceito de filosofia. Lisboa: Calouste, 1972. E também Dieter Henrich: HENRICH, D. Zu Kants Begriff der Philosophie. In: KAULBACH, F; RITTER, J. (Eds.). Kritik und Metaphysik (Festschrift für Heinz Heimsoeth), Berlin: de Gruyter, 1966. pp. 40-59. Ambos argumentar que a ética é a finalidade da filosofia, mas não tratam das condições pragmáticas de efetivação da liberdade. 96

3) O Pensamento Flexivo de Kant

Queremos provar aqui que a antropologia faz parte do sistema desde o seu início crítico, contudo Kant, em 1793, a eleva à condição de disciplina principal, por meio de uma flexão de pensamento, uma readequação sistemática. Esta flexão é uma característica do pensamento de Kant, que busca incessantemente a melhoria dos conteúdos do sistema. O nosso objetivo, com isso, é mostrar que não há estranheza à filosofia kantiana a ideia de que ela está em constante atualização; colheremos como resultado que é bem plausível a afirmação de Kant de que todos os interesses da razão podem ser concentrados na antropologia, por meio da pergunta “o que é o homem?”115, expondo a transição do primeiro projeto, com o método e o sistema, ao projeto último. Há dois modos de entender este constante melhoramento do sistema por parte de Kant: primeiro por meio de suas atualizações em pontos específicos do sistema, que o melhoram em vista de seus objetivos; segundo, por meio das flexões que mudam completamente o rumo de desenvolvimento do sistema, algo abrupto que especifica outro conteúdo que ajuda a buscar o fim final. Ambos devem poder mostrar que a antropologia não apareceu de maneira fortuita na filosofia kantiana, isto é, o movimento de pensamento de Kant necessitou de tratar sobre o homem empírico para satisfazer a demanda da efetivação da liberdade no mundo. O que estamos a provar aqui é a completa atenção e elevação de importância das instâncias pragmáticas da humanidade, de maneira que a filosofia transcendental, doravante, deve voltar-se, completamente, ao homem. Ora, Kant começa sua filosofia crítica com fins metafísicos, uma vez que esta, tanto a da natureza quanto a dos costumes, poderia ser tomada como um padrão para alcançar fins possíveis. Provaremos que Kant flexiona seu pensamento de maneira que a antropologia torna-se um padrão mais consequente. Esta maneira de entender a filosofia kantiana passou ao largo da história da interpretação deste autor. A lógica transcendental foi elevada pelos comentadores de Kant à instância suprema do procedimento de mundo, o qual teria de se adequar aquela para ter sentido e verdadeira referência. Holly Wilson vai mais longe e afirma que “a negligência da acadêmica em relação a antropologia de Kant evidenciou um preconceito dos filósofos da filosofia conceitual sobre os da filosofia que aponta para a experiência e ajuda a esclarecê-la (sabedoria).”116 Esta visão calha com a nossa, na medida em que a história da interpretação kantiana

115 Cf. KANT, I. AA IX, s. 25. Também: KANT, I. AA XI, s. 429; e KANT, I. AA XXVIII, s. 533-4. 116 “The scholarly neglect of Kant's anthropology evidenced a prejudice amongst philosophers for conceptual philosophy over philosophy that points to experience and helps to clarify that experience (wisdom).” WILSON, H. Kant’s Pragmatic Anthropology: Its Origin, Meaning and Critical Significance. New York: State University of New York Press, 2006. p. 2. tradução nossa 97 secundarizou toda tentativa de tratar a filosofia pragmática de Kant, enxergando-a como um mero acidente sem tanta importância. O mundo, enquanto totalidade de todos os objetos, teria de, segundo o viés interpretativo dominante, se adequar às condições de possibilidade conceitual para tratá-lo e caso houvesse inadequação entre conceito e mundo, privilegiava-se o conceito. É verdade que Kant em nenhum momento abandona os princípios de sua filosofia crítica, mas reforçará que, uma vez conquistada uma maneira segura e universalizável de fazer o pensamento proceder cientificamente, este pode direcionar o esforço filosófico de maneira mais acurada. Pensar a humanidade fará a sua filosofia crítica voltar-se completamente a serviço das demandas humanas, servindo como um instrumento para resolução de problemas complexos, apesar de esbarrar, para sua consecução, nos preconceitos do autor.

3.1) Flexões e Atualizações

Dividimos esta crítica constante que Kant possuía para com sua própria filosofia em duas categorias, a saber, as atualizações e as flexões. As atualizações são mais sutis e procuram corrigir ou dar ênfase a certos aspectos que, por ventura, não ficaram da precisa forma que Kant queria; as flexões, por sua vez, concernem a mudanças de paradigma de pensamento, mormente quanto à direção do projeto filosófico como um todo. A primeira flexão diz respeito à etapa crítica que se inicia com a Dissertação de 1770 e se estende até 1790, donde advêm as três críticas, a qual pode ser entendida como a revolução copernicana. A segunda é a flexão antropológica, 1793, na qual o projeto passa a girar em torno de saber como é possível melhorar as condições de vida da humanidade, através da pesquisa sobre a natureza em humana, elevando a antropologia à condição de ciência última, em contraposição à metafísica, ciência primeira. Não desenvolveremos sobre a primeira flexão, uma vez que já há uma literatura vasta e com perspectivas distintas, que nos dispensam tal trabalho repetitivo. No entanto, como resumo, podemos indicar as palavras de Gerard Lebrun: A ideia da Dissertação de 1770, onze anos antes da publicação da Crítica, é a seguinte: os metafísicos nunca dissociaram duas fontes totalmente heterogêneas sua pretensa ciência até agora provêm desse desconhecimento, pois nunca reconheceram que esses dois modos de conhecer não têm apenas objetos diferentes, mas as legislações que os regem, as regras do jogo, não são as mesmas nos dois lados, nos dois tipos de conhecimento. Pelo fato de não terem sido atentos a esse ponto, eles decidiram sobre objetos unicamente acessíveis ao intelecto – as substâncias metafísicas de que falava Leibniz, por exemplo – como se na realidade se tratasse de conhecimento. A Dissertação se empenha em pôr fim a essa confusão cometida inconscientemente e assim resguardar, escreve Kant, a metafísica de qualquer traço do sensível. O intuito de Kant em 1770 é evitar esse alastramento do conhecimento sensível à intelecção, e as extrapolações ilegítimas que esta comete. 98

Seria fácil dar exemplos da confusão que produziu erros metafísicos devidos a essa dissociação fundamental. Conclusão da Dissertação: é necessário tomar cuidado para que os princípios do conhecimento sensível não saiam de seus limites próprios para macular os inteligíveis, quer dizer, os objetos acessíveis unicamente ao entendimento.117

Ora, apesar desta passagem não esgotar a riqueza da flexão crítica, ela atinge seu âmago e, por conta de ser plenamente conhecida na comunidade kantiana, e na filosofia de modo geral, não é necessário agora destrinchar como isto acontece. Em contrapartida, pretendemos, mostrar três atualizações que são exemplos cruciais do movimento de pensamento de Kant. Entender como Kant atualiza constantemente seu pensamento nos permitirá compreender melhor as rupturas e reestruturações causadas pela flexão antropológica. Prioritariamente, definimos flexão, por meio da análise da filosofia kantiana, como um modo de atualização que radicaliza uma mudança, flexionar é mudar a direção, que, neste caso, concerne a um modo de pensar que deve atingir fins distintos ou mais amplos que aqueles antes ansiados. No entanto, esta flexão não significa perder os conteúdos conquistados anteriormente, mas sim, pelo contrário, direcioná-los em vista de outra perspectiva de pensamento. Kant não perde de modo algum os ganhos da filosofia crítica, na medida em que o tribunal da razão continua a ser o legislador universal da humanidade, seguindo a metáfora jurídica proposta por Leonel Ribeiro dos Santos (1993), e, entretanto, ganha em determinação precisa sobre o objeto mor de pesquisas de sua filosofia, a saber, o homem. Com isso, primeiramente, mostraremos três atualizações da filosofia kantiana que nos permitem estender seu exemplo para a sua filosofia como um todo, uma vez que as três perpassam as etapas de sua filosofia. São elas, a saber, o melhoramento da edição B da KrV em contrapartida à edição A; o fortalecimento da ética na KpV, em relação a GMS; e uma sutil atualização do conceito de providência.

3.1.1) As Constantes Atualizações do Pensamento de Kant: três exemplos

Há uma característica em Kant que pode ser facilmente notada pelos estudiosos da sua filosofia que é, deveras, salutar a um filósofo em constante atualização, a saber, Kant fez sutis mudanças a fim de aperfeiçoar o seu sistema, mas, de maneira silenciosa e não anunciada. Ele organiza seu pensamento, a fim de mostrar que, em vez das inconsistências dos argumentos anteriores tem-se, na verdade, o fortalecimento do argumento atual em vista de um fim. Pensamos que é suficiente para provar o argumento, por meio de três exemplos de

117 LEBRUN, 2016, p 57. 99 atualizações, a saber, I- a atualização da KrV, por meio da inserção de alguns itens na edição B que esclarecem e atualizam a edição A, mudando algumas partes e dando ênfase à solução semântica de resolução de problemas; II- a da filosofia prática, na KpV, ao propor que a liberdade é um factum da razão que objetifica a ação moral, atualizando a GMS; e III- a do conceito de providência, na medida em que há uma mudança paulatina deste desde a Idee até o SF, posto Kant abandonar o conceito de providência cega presente naquele, em vista de colocar a ação humana no centro da reflexão ao perguntar-se: se está a humanidade em constante progresso para o melhor? Isto não significa que Kant tenha abandonado a noção de providência, mas sim que o principal vetor tem de partir do próprio homem. I – A atualização da KrV por meio da aparição de uma nova edição revisada sete anos após a publicação da edição original possui uma série de motivos para a ocorrência. Entretanto vemos que o não entendimento da comunidade filosófica sobre a revolução copernicana foi crucial para esclarecer na edição B o que estava oculto ou pouco claro na edição A; também fez Kant se dar conta de pontos cruciais que poderiam explicar de forma melhorada o todo de sua filosofia, que nem mesmo os Prol puderam fazer. Kant escreveu um novo prefácio à edição B, ampliou a introdução e certas passagens da estética transcendental, refaz a Dedução dos conceitos puros do entendimento e, em parte, a Da distinção de todos os objetos em fenômenos e númenos, acrescenta na Analítica dos princípios os excertos sobre a refutação do idealismo e a observação geral sobre o sistema dos princípios, também é reorganizado e tornado mais curto os Paralogismos da razão pura. Ora, só na KrV se podem encontrar uma série de aspectos atualizados, a fim de esclarecer os objetivos da filosofia kantiana. Nas outras três edições da KrV que foram publicadas durante a vida de Kant (1790, 1794 e 1799) e também em duas edições póstumas (1818 e 1828) apenas foi reproduzido o texto atualizado. Apenas em 1838, Franz Rosenkranz lança uma edição com os dois textos após cartas e críticas de Jacobi e Schopenhauer acerca da incompletude do texto da edição B. Ora, é ponto de concordância entre comentadores que Kant demorou dez anos para compor o texto da KrV, estando neste tempo aprimorando todas as ideias e conceitos que deveriam estar claras ali. Primeiramente, Kant dá ênfase no prefácio B e principalmente na Introdução B, que a consecução de sua filosofia depende da compreensão do papel dos juízos sintéticos a priori, os quais foram expostos timidamente na edição A. Mais precisamente, no prefácio à primeira edição da KrV, ele procura explorar o que se deve fazer para mudar o patamar da metafísica de maneira que esta se torne uma ciência confiável tal como a matemática ou a física. No prefácio à segunda edição, em contrapartida, Kant demonstra, de maneira mais clara, como se deve fazer ao dar ênfase a uma lógica diferente da clássica aristotélica. 100

Ora, Kant afirma em A que “a razão humana cai em obscuridades e contradições, que a autorizam a concluir dever ter-se apoiado em erros, oculto algures, sem contudo os poder descobrir. Na verdade, os princípios de que se serve, uma vez que ultrapassam os limites de toda a experiência, já não reconhecem qualquer pedra de toque. O teatro destas disputas infindáveis chama-se Metafísica” (A VIII). Kant, obviamente, aqui procurou dar ênfase ao ponto de flexão que a KrV deve poder trazer para que haja uma nova maneira de encarar os objetos; isto posto, ele achou por bem ali focar nas pretensões infundadas da metafísica, esperando, por conseguinte, que o conteúdo construído para dar conta de sua hipótese pudesse ser bem entendido. O novo prefácio escrito à edição B procura mostrar de maneira clara que a filosofia proposta por Kant se baseia no exemplo de Copérnico para a ciência da natureza, isto é, foi preciso explicar que todas as acusações sofridas (empirismo, idealismo e ininteligibilidade) aconteceram pela falta de entendimento do verdadeiro objetivo da obra, a saber, conceber um novo modo de se referir a objetos. Para tal, Kant insere na introdução da edição B que a tarefa da filosofia é saber “como são possíveis os juízos sintéticos a priori?” (B 19); esta tarefa da razão pura foi uma atualização feita por Kant, a fim de dar ênfase ao seu projeto de criar uma filosofia transcendental, que dê conta de resolver os problemas humanos, naquela altura da reflexão. A inserção da tarefa geral semântica da filosofia deu a Kant a oportunidade de atualizar como estes juízos são possíveis, de fato, ao reformular a dedução dos conceitos puros do entendimento. No primeiro capítulo da Analítica dos conceitos, Do fio condutor para a descoberta de todos os conceitos puros do entendimento, Kant acrescenta dois parágrafos, §11 e §12, a fim de deixar bem mais claro o ponto decisivo para a compreensão de sua filosofia; além disso, Kant insere uma nova divisão conceitual das categorias, a fim de dar congruência ao que já fizera em MAN (1786), isto é, “esta tábua que contém quatro classes de conceitos de entendimento, pode subdividir-se em duas secções, a primeira das quais se refere aos objetos da intuição (tanto pura como empírica), e a segunda à existência desses objetos […] À primeira chamaria a classe das categorias matemáticas, à segunda a das categorias dinâmicas.” (B 110). Esta manobra de Kant visava enfatizar o trabalho dos tipos de juízos existentes e de como estes podem ampliar o seu campo de ação, salvaguardando os limites da experiência do objeto, sem serem traídos pelas funções categoriais. Isto é provado pela inserção do §12 ali, ou seja, em tal parágrafo Kant diferencia a sua filosofia transcendental daquela praticada pelos antigos, justamente, na medida em que a lógica a qual as categorias estão submetidas possui um funcionamento diferente, procurando, pois, provar suas asserções ao se referir a objetos empíricos.118

118 “Portanto, com os conceitos de unidade, verdade e perfeição não se completa a tábua transcendental das categorias, como se porventura fosse deficiente; apenas, pondo de parte qualquer relação desses conceitos com os objetos, o uso que se faz deles entra nas regras lógicas universais da concordância do conhecimento consigo próprio.” (B 115- 101

Para uma melhor acurácia do entendimento destas funções na KrV, Kant refez toda a segunda secção do segundo capítulo da Analítica, a qual diz respeito à dedução transcendental dos conceitos puros do entendimento, iniciando-se no §15. De início, atualiza o objetivo da segunda secção incluindo a função transcendental no título, de maneira que em B tem-se uma Dedução transcendental dos conceitos puros do entendimento. A mesma secção da edição A possui um texto menor, colocando ao leitor sérias dúvidas acerca de como é possível a prova da posse de tais conceitos como efeito real do uso do juízo na referência a objetos. Kant estende a secção, a fim de não apenas esclarecer, mas, sobretudo, de incluir conceitos tais como o de ligação e de uso do entendimento. Além disso, o modo como Kant inicia o texto da edição A gera no leitor a compreensão de que a dificuldade de provar a dedução poderia tornar o trabalho impossível, coisa que é atualizada na edição B. Na edição de 1781 temos que: É completamente contraditório e impossível que um conceito deva ser produzido a priori e se reporte a um objeto, embora não esteja incluído no conceito de experiência possível, nem se componha de elementos de uma experiência possível. Com efeito, não possuiria nesse caso conteúdo, pois não lhe corresponderia nenhuma intuição, visto que as intuições em geral, pelas quais nos podem ser dados os objetos, constituem o campo ou o objeto total da experiência possível. Um conceito a priori, que não se referisse a elas, seria apenas a forma lógica de um conceito, mas não o próprio conceito pelo qual algo seria pensado. Se, portanto, há conceitos puros a priori, certamente que não podem conter nada de empírico; mas têm que ser condições puras a priori de uma experiência possível, única base sobre a qual repousa a sua realidade objetiva. (A 95-6)

Já na edição de 1787, Kant esclarece e atualiza os seus desígnios: O diverso das representações pode ser dado numa intuição simplesmente sensível, isto é, que não seja mais do que receptividade, e a forma desta intuição pode encontrar-se a priori na nossa capacidade de representação, sem que seja algo diferente da maneira como o sujeito é afetado. Simplesmente, a ligação (conjunctio) de um diverso em geral não pode nunca advir-nos dos sentidos e, por consequência, também não pode estar, simultaneamente, contida na forma pura da intuição sensível, porque é um ato da espontaneidade da faculdade de representação; e já que temos de dar a esta última o nome de entendimento, para a distinguir da sensibilidade, toda a ligação, acompanhada ou não de consciência, quer seja ligação do diverso da intuição ou de vários conceitos, quer, no primeiro caso, seja uma intuição sensível ou não sensível, é um ato do entendimento a que aplicaremos o nome genérico da síntese para fazer notar, ao mesmo tempo, que não podemos representar coisa alguma como sendo ligada no objeto se não a tivermos nós ligado previamente e também que, entre todas as representações, a ligação é a única que não pode ser dada pelos objetos, mas realizada unicamente pelo próprio sujeito, porque é um ato da sua espontaneidade. (B 129-130)

Enquanto em A é contraditório e impossível que um conceito deva ser produzido a priori e tenha, ao mesmo tempo, referência ao objeto, pois não tem nada de empírico, na edição B essa

6) 102 ilação é corrigida por meio da ideia que o diverso das representações pode ser dado numa intuição sensível. Isto significa que a ideia de que o conhecimento começa na experiência, apesar de não se originar dela, permite ao autor reforçar que há conceitos a priori que são gerados como efeito das condições de possibilidade dos juízos sintéticos a priori. Esta correção dá o tom da atualização aqui sofrida e da clareza acerca do que Kant queria, por meio de um juízo mais amadurecido do que aquele da primeira edição. A forma como Kant reformula os conteúdos dos conceitos e a maneira mesma de se entender o ponto culminante da dedução transcendental permitiu esclarecer que sua filosofia não é um idealismo. Ora, “o idealismo (o idealismo material, entenda-se) é a teoria que considera a existência dos objetos fora de nós, no espaço, ou simplesmente duvidosa e indemonstrável, ou falsa e impossível; o primeiro é o idealismo problemático de Descartes, que só admite como indubitável uma única afirmação empírica (assertio), a saber; eu sou; o segundo é o idealismo dogmático de Berkeley, que considera impossível em si o espaço, com todas as coisas de que é condição inseparável, sendo, por conseguinte, simples ficções as coisas no espaço.” (B 274) Para provar, de maneira cabal, que sua filosofia não se vincula de modo algum aos idealismos da metafísica dogmática anterior e que o novo sempre vem (Belchior), Kant lança um teorema que demonstra a atualização que dá relevo a um dos princípios de sua filosofia, a saber, a retroalimentação entre a filosofia transcendental e o mundo. Tal teorema é o seguinte: “a simples consciência, mas empiricamente determinada, da minha própria existência prova a existência dos objetos no espaço fora de mim” (B 275). A prova estabelecida por Kant em tal teorema consiste em mostrar que para a consciência da existência subjetivamente no tempo possa ser válida faz-se necessário a percepção de outras existências no tempo, as quais devem poder permanecer na percepção deste sujeito, acarretando, pois, que a consciência da própria existência é, ao mesmo tempo, a consciência imediata de outros objetos exteriores. Kant complementa a ideia de retroalimentação atualizada na Refutação do Idealismo com um outro complemento atualizador da KrV, o qual ele denomina Observação Geral ao Sistema dos Princípios. Aqui ele expõe que “é sobremodo digno de nota, que não possamos reconhecer a possibilidade de uma coisa mediante a simples categoria; sempre precisamos de recorrer a uma intuição, para, por seu intermédio, pôr em evidência a realidade objetiva do conceito puro do entendimento” (B 288). O mal entendimento acerca do papel das categorias e dos motivos pelos quais apenas se podem pensar por meio de doze categorias divididas em quatro grupos revelou-se um desafio de prova a Kant. Por conta disso, a refutação da crítica como algo idealista não é concernente, pois o 103 que se tem é a ideia de que há um modo de funcionamento sistemático natural à racionalidade humana, que deve ser permanentemente esclarecido para evitar dúvidas na posse dos conceitos a priori e na legitimidade de seu uso. A atualização deste aspecto trouxe a Kant a possibilidade de fundamentação de formas puras do pensamento fundadas na natureza da razão humana, tendo que ser, com isso, para o seu melhor funcionamento, afetadas pelo mundo na forma de uma intuição empírica. Daí que “a última consequência de toda esta secção é, portanto, que todos os princípios do entendimento puro nada mais são que princípios a priori da possibilidade da experiência, e que somente a esta se referem também todas as proposições sintéticas a priori, e até mesmo a sua possibilidade assenta totalmente nesta relação” (B 294). O atual em Kant requereu um trabalho intelectual de esclarecimento por parte do autor. II – A segunda metade da década de 1780 é um período feliz em atualizações na filosofia kantiana e estas não ocorreram somente no âmbito da filosofia teórica; mais precisamente, há uma atualização na filosofia prática que procura dar objetividade à moralidade. Darlei Dall'Agnol diz que na GMS “Kant não tenta demonstrar que a moralidade é real, que há uma série de obrigações que são imperativos categóricos, que a razão é capaz de determinar a vontade”119, isto é, Kant apenas pontua que há um postulado, o qual possui como conteúdo a consideração do homem como agente livre, por meio de uma causalidade também livre. Ora, esta visão de Dall'Agnol sobre Kant é deveras salutar se se quiser entender os meandros do argumento da filosofia prática de Kant. A GMS é a primeira obra a entrar na extensão do uso prático do sistema de filosofia de Kant. Com isso, Kant divide a filosofia segundo a tripartição grega em física, ética e lógica. Esta divisão ganha uma determinação conceitual específica, a fim de atualizá-la em vista do seu sistema, daí ser a filosofia um conhecimento racional que deve ser interpretado ou como formal, lógica que se ocupa da forma do entendimento e da razão, em vez de com objetos, ou como material, a qual se ocupa com os objetos que interessam à razão e com as leis que devem reger tais objetos. Por isso, a física, por um lado, e a ética, por outro, são as ciências formais, por excelência, que possuem partes materiais. A física analisa as coisas como elas acontecem, já a ética, por sua vez, deve analisar os objetos sob o ponto de vista do que deve acontecer, no entanto a determinação das partes materiais se dá de modo completamente a priori. Esta peculiaridade vai ao encontro da afirmação de Dall'Agnol, que Kant não demonstra que a moralidade é real, mas sim apenas determina as condições de possibilidade do funcionamento a priori da moralidade. Ele, assim, cai em uma armadilha, pois mostra na GMS o funcionamento da moralidade sem ter demonstrado

119 “Kant never tries to demonstrate that morality is real, that there are obligations that are categorical imperatives, that reason can determine the will.” DALL'AGNOL, D. On the Faktum of Reason. In: PEREZ, D; RAUSCHER, F. Kant In Brazil. New York: University of Rochester Press, 2012. p 121. Tradução nossa. 104 propriamente a sua realidade. Pois que aquilo que deve ser moralmente bom não basta que seja conforme a lei moral, mas tem também que cumprir-se por amor dessa mesma lei; caso contrário, aquela conformidade será apenas muito contingente e incerta, porque o princípio imoral produzirá na verdade de vez em quando ações conformes à lei moral, mas mais vezes ainda ações contrárias a essa lei. Ora a lei moral, na sua pureza e autenticidade (e é exatamente isto que mais importa na prática), não se deve buscar em nenhuma outra parte senão numa filosofia pura, e esta (Metafísica) tem que vir portanto em primeiro lugar, e sem ela não pode haver em parte alguma uma Filosofia moral.120

Ora, as condições de possibilidade da existência da ética são postas sob a perspectiva do amor à lei, um sentimento prático perante a moralidade que está assentado nas condições de possibilidade do funcionamento de uma filosofia pura, de princípios a priori formais. Por isso, “a Metafísica dos Costumes deve investigar a ideia e os princípios duma possível vontade pura, e não as ações e condições do querer humano em geral”121, ou seja, a metafísica dos costumes deve ser o acabamento de todo funcionamento da moralidade no mundo. No entanto, Kant mostra que a GMS podia muito bem se chamar Crítica da razão pura prática, pois a razão é una e que pode ser usada, além deste modo prático, também de modo teórico, o que acarreta uma difícil prova de que a simples formalidade, pautada na causalidade de uma imprecisa liberdade (terceira antinomia da KrV), pode dar conta da moralidade nas ações humanas. Kant acha que uma fundamentação da metafísica dos costumes é o nome adequado, pois, diferentemente do campo teórico, a razão pura prática consegue chegar a “um alto grau de justeza e desenvolvimento”122, que uma crítica da razão pura teórica não consegue sem cair em uma dialética, uma ilusão de conhecimento. Isto significa que a GMS era, até aquele momento, autossuficiente para fundamentar os princípios formais a priori de toda a ação, em geral. Ora, a fundamentação que se busca aqui por parte de Kant concerne à noção de dever. O dever, em GMS, está acima da noção de autonomia da vontade, visto que a consciência de que há uma causalidade da vontade diferente daquela da natureza não garante que as ações humanas sejam movidas, em seu funcionamento, pelo dever. Por isso, fundamentar o dever e seu funcionamento é crucial na obra em questão. Assim, “o dever é a necessidade de uma ação por respeito à lei”123; eis o ponto de funcionamento capaz de fundamentar o subsistema da Metafísica dos costumes. Isto se faz verdadeiro, na medida em que, pensa Kant, “só pode ser objeto de respeito e portanto mandamento aquilo que está ligado à minha vontade somente como princípio e nunca

120 KANT, I. Fundamentação da Metafísica dos Costumes (tradução de Paulo Quintela). Lisboa: Edições 70, 2007. p. 17. 121 KANT, 2007, p 17. 122 KANT, 2007, p 18. 123 KANT, 2007, p 31. 105 como efeito, não aquilo que serve à minha inclinação mas o que a domina ou que, pelo menos, a exclui do cálculo na escolha, quer dizer a simples lei por si mesma.”124 O respeito à lei, como sentimento125, foi o recurso formulado por Kant para organizar a viabilidade de algo formal sem recair, entretanto, em proposições empíricas. Não é a inclinação ao dever que faz alguém agir moralmente, mas o respeito à lei moral; este é o ponto de apoio que suporta uma frágil fundamentação do dever na GMS. Aquilo que eu reconheço imediatamente como lei para mim, reconheço-o com um sentimento de respeito que não significa senão a consciência da subordinação da minha vontade a uma lei, sem intervenção de outras influências sobre a minha sensibilidade. A determinação imediata da vontade pela lei e a consciência desta determinação é que se chama respeito, de modo que se deve ver o efeito da lei sobre o sujeito e não a sua causa. O respeito é propriamente a representação de um valor que causa dano ao meu amor-próprio. É portanto alguma coisa que não pode ser considerada como objeto nem da inclinação nem do temor, embora tenha algo de análogo com ambos simultaneamente. O objeto do respeito é portanto simplesmente a lei, quero dizer aquela lei que nos impomos a nós mesmos, e, no entanto, como necessária em si. Como lei que é, estamos-lhe subordinados, sem termos que consultar o amor-próprio; mas como lei que nós nos impomos a nós mesmos, é ela. Uma consequência da nossa vontade e tem, de um lado, analogia com o temor, e, do outro, com a inclinação […] Todo o chamado interesse moral consiste simplesmente no respeito pela lei.126

Ora, não é bastante colocar como forma da lei moral um imperativo categórico que serve como mandamento deste respeito. A definição dada por Kant é esta: “o imperativo categórico é portanto só um único, que é este: age apenas segundo uma máxima tal que possas ao mesmo tempo querer que ela se torne lei universal.”127 Desse modo, este é a própria lei moral à qual todos devem o máximo respeito, de modo a agir segundo a formalidade de seu mandamento. Kant entendeu que este modelo está completamente correto em sua função, contudo não era ainda suficiente para convencer sobre a força de seu argumento; é aqui que entra em cena a KpV para fortalecer o argumento com um novo conceito que atualiza o objetivo da moralidade: o faktum da razão. A KpV apareceu em 1788, quando já contavam três anos da publicação da GMS. Nesta atualização de 1788, pode-se notar que Kant não específica como está atualizando os conteúdos e, tampouco, quais seriam os motivos para tal. Kant não afirma que, apesar de não estar posto na GMS, o faktum da razão estava presente nos pressupostos de uma Metafísica dos costumes. Tampouco especifica de maneira convincente por que motivos uma KpV teria de vir à tona se já

124 KANT, 2007, p 31. 125 “Poderiam objetar-me que eu, por trás da palavra respeito, busco apenas refúgio num sentimento obscuro, em vez de dar informação clara sobre esta questão por meio de um conceito da razão. Porém, embora o respeito seja um sentimento, não é um sentimento recebido por influência; é, pelo contrário, um sentimento que se produz por si mesmo através dum conceito da razão, e assim é especificamente distinto de todos os sentimentos do primeiro gênero que se podem reportar à inclinação ou ao medo.” KANT, 2007, p 32. 126 KANT, 2007, p 32. 127 KANT, 2007, p 59. 106 havia escrito uma GMS. Por que escreveu Kant uma KpV? Um dos argumentos possíveis para desvendar este mistério reside na fuga de uma armadilha, de um ciclo vicioso que estava pairando na GMS; isto é, o imperativo categórico apenas poderia funcionar como desejado por Kant se a causalidade livre da razão fosse provada cabalmente. Ora, o problema está no argumento da terceira das antinomias da KrV (A 444-5 / B 472-3), posto não ser suficiente dizer que a liberdade não pode ser provada em sua realidade última, de modo que os humanos deveriam agir como se fossem livres. Aqui é necessário fundamentar a realidade proposicional da moralidade, de modo a, objetivamente, coagir os humanos a levar em consideração as ações morais, ainda que prefiram exercer o livre arbítrio e agir contra o imperativo. O que a KpV traz como novidade é a noção de que deve ser provada a liberdade transcendental, ou seja, a facticidade do princípio da moralidade como objetivamente presente. Se a razão pura é efetivamente prática em um uso possível, então “com esta faculdade fica doravante estabelecida também a liberdade transcendental e, em verdade, naquele sentido absoluto em que a razão especulativa, no uso do conceito de causalidade, a necessitava para salvar-se da antinomia em que inevitavelmente cai ao querer pensar, na série da conexão causal, o incondicionado.”128 Esta ideia de que é possível lidar com a liberdade de modo transcendental sem cair, problematicamente, no ceticismo e na insegurança, ou apenas no mero pensamento de algo inalcançável, é uma das atualizações que a KpV traz para o debate do subsistema da moralidade. A liberdade deve ser provada por uma lei apodítica da razão pura para que, nesta altura, possa ser fechado o sistema da razão pura. A liberdade existe porque se manifesta na razão pura. A determinação da liberdade como conceito mostra um caminho de fundamentação do uso prático da razão, na medida em que: A liberdade é também a única entre todas as ideias da razão especulativa cuja possibilidade sabemos a priori, sem contudo, ter perspiciência dela, porque ela é a condição da lei moral, que conhecemos. As ideias de Deus e de imortalidade, contudo, não são condições da lei moral, mas somente condições de objeto necessário de uma vontade determinada por essa lei, isto é, do uso meramente prático de nossa razão pura; portanto não podemos tampouco afirmar acerca daquelas ideias, não quero simplesmente dizer a efetividade mas sequer a possibilidade de conhecê-las e ter perspiciência delas.129

Kant tem consciência que em relação à razão especulativa esse fundamento é meramente subjetivo; entretanto, sob o ponto de vista da razão prática, ele propõe ser esta objetivamente válida,

128 KANT, I. Crítica da razão prática (tradução de Valério Rohden). São Paulo: Martins Fontes: 2002. p 4. 129 KANT, I. Crítica da razão prática (tradução de Valério Rohden). São Paulo: Martins Fontes: 2002. p 6. 107 dando, inclusive, status de realidade objetiva. Este aspecto, mesmo na GMS, era um problema, pois a razão prática possui limites precisos (não se pode dar realidade objetiva no sentido teórico a objetos não verificáveis), contudo aquilo que era problemático ganhou uma solução, desde que não se queira entrar no domínio do uso especulativo da razão. Assim, “a razão prática obtém por si mesma, e sem ter acertado compromisso nenhum com a razão especulativa, realidade para um objeto suprassensível da categoria da causalidade, a saber, a liberdade (embora como conceito prático, também só para uso prático), portanto confirma mediante um factum o que lá meramente podia ser pensado.”130 Um factum da razão é algo objetivamente válido a todos os seres racionais, os quais são, invariavelmente (salvo doenças psíquicas), capazes de moralidade. A atualidade do factum da razão comprova que Kant possui um pensamento em movimento, de modo a tanto descortinar elementos implícitos ao sistema quanto mudar elementos explícitos. Por conta disso, ele reflete o lugar exato da GMS neste edifício crítico sob o uso moral. Ele pretende traçar a tarefa desta obra para responder a Gottlob August Tittel (1739 – 1816)131 que propunha ser a moralidade kantiana na GMS apenas uma nova fórmula, e não um novo princípio para a felicidade e a Hermann Andreas Pistorius (1730 – 1798), um pastor das ilhas do mar báltico que escreveu recensões negativas à GMS. Kant diz deixar aos versados a tarefa de saber a quantidade de esforço para não falhar em traçar o ponto exato de tal obra no todo do sistema. Este tipo de provocação por parte de Kant pressupõe um certo escamotear da atualização tentada na KpV, de modo a passar a ideia da imprescindibilidade da GMS para esta última. Tenho que deixar aos versados em semelhante trabalho ajuizar se um tal sistema, como o que aqui é desenvolvido sobre a razão prática pura a partir da crítica da razão, envolve muito ou pouco esforço, principalmente para não falhar o ponto de vista exato desde o qual o todo da mesma pode ser corretamente traçado. O que, na verdade, pressupõe a Fundamentação da metafísica dos costumes, mas só na medida em que esta chega a conhecer provisoriamente o princípio do dever e indica e justifica uma fórmula determinada deste; afora isso um tal sistema subsiste por si próprio.132

A atualização, apesar de não admitida de modo direto (visto a estratégia de Kant de colocar a GMS sob um sistema total da razão prática, em vez de ela mesma fundamentar a razão prática),

130 KANT, I. Crítica da razão prática (tradução de Valério Rohden). São Paulo: Martins Fontes: 2002. p 9-10. 131 Conferir a nota de rodapé. KANT, I. Crítica da razão prática (tradução de Valério Rohden). São Paulo: Martins Fontes: 2002. p 13. 132 “Espero ter satisfeito, no segundo capítulo da Analítica, a um certo crítico, amante da verdade e arguto, nisso portanto sempre digno de respeito, em sua objeção à Fundamentação da metafísica dos costumes, de que nela o conceito de bom não foi estabelecido antes do princípio moral (como de acordo com sua opinião teria sido necessário); do mesmo modo tomei em considerações várias outras objeções, que me chegaram às mãos de parte de pessoas que deixam ver que a investigação da verdade lhes é cara […] e assim continuarei procedendo.” KANT, I. Crítica da razão prática (tradução de Valério Rohden). São Paulo: Martins Fontes: 2002. p 13-4-5-6. 108 pode ser vista em seu proceder aqui, tendo, inclusive, em críticas feitas a esta obra, uma ótima oportunidade de responder, por meio da fundamentação total da moralidade na objetividade prática da liberdade. Portanto “a razão pura é por si só prática e dá (ao homem) uma lei universal, que chamamos lei moral […] o factum antes mencionado é inegável. Basta desmembrar o juízo que os homens proferem sobre a conformidade de suas ações a leis.”133 Esta atualização vêm a público um ano depois de atualizar a KrV, o que nos mostra o trabalho de Kant de esclarecimento de sua filosofia, por meio do movimento de seu pensamento. III – O terceiro exemplo de atualização seguindo a ideia do pensamento flexivo de Kant remete à maneira que aparece uma atualização dentro do conceito de providência, de maneira a minimizar o conteúdo pouco crítico que é apresentado na década de 1780. Há uma desidratação deste conceito que se inicia na Idee, ganha um contorno teleológico em Sobre o uso de princípios teleológicos e filosofia (ÜGTP), perde na Rel a condição de passividade, tanto que na SF, de fato, o papel da providência é dividido e, por vezes, superado pela noção de história a priori. Na Idee, Kant pontua que “aquilo que se apresenta, nos sujeitos singulares, confuso e desordenado aos nossos olhos se poderá, no entanto, conhecer na totalidade da espécie como um desenvolvimento incessante, embora lento, das suas disposições originárias” e, por isso, “os homens singulares, e até povos inteiros, só em escassa medida se dão conta de que, ao perseguirem cada qual o seu propósito de harmonia com a sua disposição e, muitas vezes, em mútua oposição, seguem imperceptivelmente, como fio condutor, a intenção da natureza, deles desconhecida, e concorrem para o seu fomento, o qual, se lhes fosse patente, pouco decerto lhes interessaria.”134 Ora, Kant pretende aqui mostrar a necessidade de se considerar o fio condutor da história dirigida por uma instância superior, a qual conduziria toda a humanidade a um cosmopolitismo sem o homem se dar conta. Esta ideia é um tanto estanha, uma vez que Kant introduz a noção de providência de modo acrítico, não condizendo com a premissa crítica de levar tudo ao tribunal da razão. Descobrir-se-á, creio eu, um fio condutor, que não só pode servir para a explicação do jogo tão emaranhado das coisas humanas, ou para a arte política de predição de futuras mudanças políticas (utilidade que já se tirou da história dos homens, apesar de ela se ter considerado como resultado desconexo de uma liberdade sem regras!), mas também (o que não se pode esperar com fundamento, sem pressupor um plano da Natureza) se pode abrir uma vista consoladora do futuro, na qual o gênero humano se representa ao longe como atingindo, por fim, o estado em que todos os germes, que a Natureza nele pôs, se podem desenvolver plenamente e o seu destino cumprir-se aqui na Terra. Semelhante justificação da Natureza – ou melhor, da Providência – não é nenhum motivo irrelevante para escolher um determinado

133 KANT, I. Crítica da razão prática (tradução de Valério Rohden). São Paulo: Martins Fontes: 2002. p 53. 134 KANT, I. Ideia de uma história universal com um propósito cosmopolita (tradução de Artur Morão). Lisboa: Lusosofia. ps 3 e 4. 109

ponto de vista da consideração do mundo.135

Kant em momento algum destrincha as origens e a legitimidade do conceito de providência e de seu efeito na humanidade. Assemelha-se, bem mais, a uma crença racional (diferente da fé racional que aparecerá na década de 1790) do que a um conceito efetivo na humanidade. Tal maneira de encarar a providência parece bem mais uma fina ironia de Kant para mostrar a dicotomia entre as atitudes da humanidade, um bocado imperfeitas e vis, e as construções da natureza, que inclusive em seus defeitos, são sempre perfeitos (Fernando Catatau, Cidadão Instigado). Contudo, Kant revê o conteúdo deste conceito em ÜGTP. Neste texto ele trata acerca da diferença entre as raças humanas, propondo, pela primeira vez, o conceito de teleologia. Este o permite tratar de uma harmonia entre a providência da natureza e a maneira como os homens estão distribuídos ao longo da terra, em seus diferentes climas e culturas. Com isso: Eu tenho seguido esse princípio tão cuidadosamente que, também um homem perspicaz (Sr. O. C. R. Büsching, na recensão de meu escrito acima mencionado), por conta de expressões como propósitos, sabedoria e providência da natureza etc., me toma por um naturalista, todavia, com a ressalva, de um tipo próprio, porque, nas discussões que concernem a meros conhecimentos da natureza e quão longe esses alcançam (onde é inteiramente conveniente expressar-se teleologicamente), não acho aconselhável usar uma linguagem teológica; para assinalar muito cuidadosamente os limites para aquele tipo de conhecimento.136

Kant pensa que há apenas um tronco humano, a partir do qual as diferentes raças aparecem. Desse modo, ele sugere que a migração em diferentes climas e a sucessão de gerações humanas, endogenamente nos diversos locais, foram responsáveis pelas mutações que resultaram nas raças. Assim, a providência da natureza ganha um contorno mais próprio aqui, mas não no que concerne a uma designação histórica, e sim natural. Desse modo, Kant assinala a diferença entre os feitos da natureza nos homens e os seus desígnios históricos, em que também há providência, mas de maneira bem mais sutil e dependente do que homem fez de si. Ora, as críticas do naturalista Johann Foster (que ainda nesta tese serão desdobradas) foram decisivas para tal, uma vez que faz Kant também pensar sobre as dificuldades de adaptação dos humanos em outros climas137 e em sua mistura racial, as quais precisam se reportar ao cosmopolitismo: “talvez, diz o Sr. Foster., se possa ainda defender que precisamente aqueles homens, cuja disposição convém a este ou àquele clima, teriam nascido aqui e ali por um sábio

135 KANT, I. Ideia de uma história universal com um propósito cosmopolita (tradução de Artur Morão). Lisboa: Lusosofia. ps 18-9. 136 KANT, I. Sobre o uso de princípios teleológicos em filosofia (tradução de Márcio Pires). In: Trans/Form/Ação, Marília, v. 36, n. 1, p. 211-238, Jan./Abril, 2013. p. 233. 137 Salvo os brancos que se adéquam a qualquer clima, segundo Kant. Apesar de não constar neste texto, aparece tal afirmação na PhG. 110 arranjo da providência: mas como, continua ele, a mesma providência tornou-se tão míope para não pensar numa segunda transplantação onde aquele germe, que apenas servia para um clima, se tornaria completamente inútil?”138 Kant fora obrigado a repensar o conceito de providência para atender às demandas de sua teoria racial, uma vez que se todos os seres humanos possuem um tronco comum, então todos deveriam atender às condições da natureza. Apesar de neste texto o conceito de providência mudar de maneira tímida, na Rel Kant reorganiza-o em relação ao conteúdo anterior. Mais precisamente, aqui ele revoga a ideia de providência cega, em vista da noção de que o homem deve identificar e seguir os desígnios da natureza, por meio do entendimento de que é ele próprio o nível máximo de arranjo daquela; a humanidade deve procurar se adequar aos destinos que a natureza preparou para si. Instituir um povo de Deus moral é, portanto, uma obra cuja execução não se pode esperar dos homens, mas somente do próprio Deus. Contudo, não é permitido ao homem estar inativo quanto a este negócio e deixar que a Providência atue, como se a cada qual fosse permitido perseguir somente o seu interesse moral privado, deixando a uma sabedoria superior o todo do interesse do gênero humano (segundo a sua determinação moral). Pelo contrário, há de proceder como se tudo dele dependesse, e só sob esta condição pode esperar que uma sabedoria superior garantirá ao seu esforço bem-intencionado a consumação. O desejo de todos os bem-intencionados é, pois, «que o Reino de Deus venha, que se faça a sua vontade na Terra»; mas que devem eles organizar para que isto lhes aconteça? Uma comunidade ética sob a legislação moral divina é uma Igreja, que, na medida em que não é objeto algum de experiência possível, se chama a Igreja invisível (uma mera ideia da união de todos os homens rectos sob o governo divino imediato, mas moral, do mundo, tal como serve de arquétipo às que devem ser fundadas por homens). A visível é a união efetiva dos homens num todo que concorda com aquele ideal.139

A providência ganha um conteúdo teleológico o qual o homem deve perseguir por suas próprias condições. Esta afirmação aparece no terceiro ensaio que compõe a Rel, intitulado O triunfo do princípio bom sobre o mau e a fundação de um reino de Deus na Terra, o que significa que o homem necessita colocar todas as suas potencialidades a serviço da satisfação da moralidade. Aproximar da perfeição significa aproximar-se dos desígnios da natureza e, por conseguinte, do conteúdo da providência, isto é, na visão de Kant, ajudar a Deus para que este nos ajude. Os fundamentos da ideia de providência são parte de um processo de amadurecimento de conceitos, uma atualização da filosofia para que esta tenha melhores condições para seguir, sistemática e sabiamente, em busca do progresso. Kant, doravante, continua a anunciar o conceito de providência, mas com um conteúdo completamente diferente e dependente do homem para o

138 KANT, I. Sobre o uso de princípios teleológicos em filosofia (tradução de Márcio Pires). In: Trans/Form/Ação, Marília, v. 36, n. 1, p. 211-238, Jan./Abril, 2013. p. 228. 139 KANT, I. Religião nos limites da simples razão (tradução de Artur Morão). Lisboa, Edições 70, 1992. ps 106-7. 111 efeito desejado. A noção de providência sempre esteve ligada ao conceito kantiano de história, tendo sido ambos reforçados sob a batuta da nova posição quanto àquela, de modo aparecer no SF, mais precisamente no Conflito da faculdade de filosofia com a faculdade de direito, como sucedâneo de uma pergunta fundamental: “se o gênero humano (em geral) progride constantemente para o melhor?”140 A partícula condicional se aparece aqui como crucial para a mudança do significado do conceito de história. A história não mais se pauta por uma providência cega, mas sim pelos atos humanos. Assim, “lidamos, de facto, com seres que agem livremente, aos quais se pode, porventura, ditar de antemão o que devem fazer, mas não predizer o que farão e que, do sentimento dos males que a si próprios infligiram, sabem tirar, quando tal piora, um móbil reforçado para fazer ainda melhor do que se encontrava antes daquela situação.”141 A história não comporta mais, na visão de Kant em 1798, uma ideia de sentido divinatório sem a participação do homem. Os acontecimentos dos últimos trinta anos finais do século XVIII, principalmente a declaração de independência dos EUA (1776) e a revolução francesa (1789), serviram como base para reforçar o argumento. Apesar de a independência americana ser anterior, inclusive, à filosofia crítica, Kant sabia o que estava acontecendo por lá, mas não notou ali nenhum fato determinante que abalasse a noção de providência formulada em Idee. O mesmo não pode se dizer da revolução francesa, na medida em que esta ocorreu durante o fervor da filosofia crítica e em um país vizinho. As notícias de que o próprio rei foi colocado na guilhotina e condenado à morte, assim como toda a família real, causou furor na Europa e não passou incólume ao julgamento de Kant, que notou, plausivelmente, não ser mais possível pensar em uma providência cega, em meio ao que ele concebia como barbárie. Por isso, “a revolução de um povo espiritual, que vimos ter lugar nos nossos dias […] pode estar repleta de miséria e de atrocidades de tal modo que um homem bem pensante, se pudesse esperar, empreendendo-a uma segunda vez, levá-la a cabo com êxito, jamais se resolveria, no entanto, a realizar o experimento com semelhantes custos – mas esta revolução, afirmo, depara nos ânimos de todos os espectadores (que não se encontram enredados neste jogo), com uma participação segundo o desejo, na fronteira do entusiasmo.”142 A revolução francesa e também o arranjo racial da humanidade com as críticas de Foster foram eventos decisivos, tanto que a Rel e EAD (Das Ende aller Dinge, AA 08, 1792) fazem sentir seus efeitos, por meio do trato acerca do mal no mundo. Ora, o motivo para a revolução francesa ter sido o principal motor para se fazer história reside no conceito de Schwärmerei (entusiasmo). Este

140 KANT, I. Conflito das faculdades (tradução Artur Morão). Convilhã: Lusosofia, 2008. p 97. 141 KANT, I. Conflito das faculdades (tradução Artur Morão). Convilhã: Lusosofia, 2008. p 102. 142 KANT, I. Conflito das faculdades (tradução Artur Morão). Convilhã: Lusosofia, 2008. p 105. 112

último se dá quando a população age sob um sentimento de pertencimento a algo maior, tendo a plena noção de que está fazendo história, apesar de não saber quais ser, de fato, os resultados e os motivos para o que fazem. Sob o entusiasmo, pensa Kant, é impossível enxergar qualquer resquício de providência divina. Interessante que a primeira formulação do conceito de providência aparece antes de Kant ter qualquer contato mais aprofundado com o que acontecia quando uma violenta guerra se faz presente, tampouco levara a sério na década de 1780 os relatos daqueles que presenciaram a escravidão nas Américas. A revolução francesa mostrou a Kant que a guerra, da maneira como usualmente ela acontece, se materializa como a total falta de controle sobre o curso da humanidade, coisa que o afligiu de maneira a formular uma antropologia que procurou guiar o humano em direção ao melhor; a atualização do conceito de providência fê-lo perder o conteúdo de sua formulação inicial, amalgamada na ideia de que a natureza é capaz de evitar a barbárie. A desgraça consiste justamente em não conseguirmos colocar-nos neste ponto de vista, quando interessa a previsão de ações livres. De facto, seria o ponto de vista da Providência, que está para além de toda a sabedoria humana e que também se estende às ações livres do homem, que por este podem decerto ser vistas, mas não previstas com certeza (para o olho divino, não há aqui diferença alguma); porque, no último caso, ele carece da conexão segundo leis naturais, mas, no tocante a ações livres futuras, tem de dispensar esta orientação ou indicação.143

Desse modo, apesar de não ser possível entender a história humana apenas por meio do conceito de providência, é possível, no entanto, intervir nesta ao propor ações morais que, através de duas premissas, possam ajudar os povos a progredir em direção ao melhor. A primeira delas diz respeito ao direito de um povo a não ser impedido por nenhuma instância de poder caso queira proporcionar a si uma constituição civil; a segunda, por sua vez, como continuação da primeira, diz que tal constituição só pode ser legítima e moralmente boa se evitar as guerras ofensivas. Esta última seria uma maneira de ajudar a providência. Portanto, estes são exemplos da constante inquietação de Kant em vista de proporcionar soluções que fortaleçam suas posições, sem receio de rever os conteúdos que as compõem, uma vez que uma das principais características de sua filosofia é o movimento de pensamento em atualização. Pensar em movimento é pensar sem compromisso com os erros, corrigindo-os sempre que necessário. Isto posto, as atualizações, como vimos, são sutis, inauditas por Kant, mas precisas.

3.2) A Flexão Antropológica

Há uma flexão antropológica, que mudou os conteúdos por meio dos quais o sistema deve 143 KANT, I. Conflito das faculdades (tradução Artur Morão). Convilhã: Lusosofia, 2008. p 102-3. 113 buscar o fim último que a humanidade racionalmente se destina. Tal flexão tem seu marco inicial no ano de 1793, devido a já citada carta de Kant a Stäudlin de 04/05/1793 (AA XI, s. 429), delineando seu projeto porvir. O que nos cabe aqui é mostrar a flexão desde o projeto crítico-transcendental para o projeto crítico-antropológico, mais apto às finalidades humanas. Mais precisamente, há uma série de pistas, que seguiremos neste ponto do trabalho, as quais nos permitirão provar que Kant estava construindo uma antropologia, por meio da pesquisa sobre a natureza humana. O sistema de filosofia kantiano, como vimos, possui no conceito de filosofia cosmopolita o seu ponto de coerência lógica, tendo este a peculiaridade de fundamentar um tipo de sistema aberto de maneira a adicionar elementos sem descaracterização formal. Kant pretendeu fundamentar um sistema coeso, apesar do aparente caráter desconexo de sua filosofia, tanto que no seu primeiro projeto a satisfação da filosofia em sentido cosmopolita passava por pesquisar e responder, por meio da filosofia transcendental, a contento as três grandes perguntas que interessam à razão. Tais perguntas nunca foram abandonadas; pelo contrário, foram ressignificadas em vista do acréscimo da mais importante e derradeira: “o que é o homem?” Para iniciarmos a montagem das pistas, faz-se mister entendermos o que ocorreu entre o fim da década de 1780 e começo da de 1790. Kant estava preocupado em trazer à tona, finalmente, a já anunciada crítica do gosto. Ele reformula, atualiza e reestrutura todo o seu quadro conceitual em vista desta última, de modo a lançar em 1790 a KU. Tal obra porta uma função teleológica fundamental. Como ponto de apoio de Kant neste período, a teleologia absorve a crítica do gosto transformando-a em faculdade de sentir prazer e desprazer, alocada como termo médio entre o subsistema da natureza e o da liberdade.

A faculdade do juízo em geral é a faculdade de pensar o particular como contido no universal. No caso de este (a regra, o princípio, a lei) ser dado, a faculdade do juízo, que nele subsume o particular, é determinante (o mesmo acontece se ela, enquanto faculdade do juízo transcendental indica a priori as condições de acordo com as quais apenas naquele universal é possível subsumir). Porém, se só o particular for dado, para o qual ela deve encontrar o universal, então a faculdade do juízo é simplesmente reflexiva.144

Holly Wilson145 e Hannah Arendt146 pensam que a pragmática (antropologia no caso de Wilson e política no caso de Arendt) tinha como fundamento natural um perfeito assentamento em juízos teleológicos. O grande problema, é que tais juízos foram erigidos, exclusivamente, para dar conta do livre jogo entre a imaginação e o entendimento/razão, de maneira que as finalidades

144 KANT, I. Crítica da faculdade do juízo (tradução de Valério Rohden). Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008. p. 23. 145 WILSON, H. Kant's pragmatic anthropology: Its origins, Meaning and Critical Significance. Albany: State University of New York Press, 2006. 146 ARENDT, H. Lectures on Kant’s Political Philosophy. Chicago: The University of Chicago Press, 1992. 114 buscadas diziam respeito à maneira como a natureza é capaz de nos indicar caminhos para o bem supremo, e não como pesquisar a natureza humana. Contudo, de fato, há de se ressaltar que, em uma primeira olhadela distraída, a forma lógica dos juízos teleológicos parecem assentar perfeitamente em domínios políticos e antropológicos, entretanto, se o fazem é de forma fortuita, uma vez que não é clara a relação entre a pragmática e a teleologia na letra de Kant, senão sob o ponto de vista de juízos sintéticos a priori teleológicos, práticos e jurídicos; no caso da antropologia Kant trabalha com propósitos pragmáticos e os juízos que deveriam dar conta de uma instância como esta não foram formulados pelo autor; pelo menos, não de forma direta. Enfim, por mais sedutor que possa ser a total vinculação entre juízos teleológicos e propósitos cosmopolitas, pelas razões acima apresentadas, não podemos aceitar como óbvia e Kant tinha a plena noção disso.

Com isso, um dos resultados que queremos colher é que uma das grandes falhas de Kant para o caráter incompleto de sua antropologia foi a total falta de indicação de que tipo de juízo se tratava quando o objeto é o homem pragmático. Esta constatação nos servirá para mostrar que Kant não encontrou todas as respostas que buscava ao longo do projeto antropológico. Cabe-nos doravante inventariar o movimento de pensamento de Kant entre os anos de 1790 a 1794, cujo cume é a flexão em vista de um projeto antropológico.

Neste sentido, os dois primeiros escritos da década de 1790 apontam para a transformação dos rumos da filosofia kantiana: a MpVT (Sobre o fracasso de toda tentativa filosófica na teodiceia, AA 08) e o TP (Sobre a expressão corrente: Isto pode ser correto na teoria, mas nada vale na prática, AA 08). O MpVT aparece como um texto que aponta para a saída da discussão estritamente formal, flexionando a filosofia em vista de sua aplicação, a qual ocorre, primeiramente, na compreensão do princípio do mal radical na humanidade (tema antropológico) e em formular politicamente as bases para o esclarecimento na religião. A teodiceia é um assunto que se coloca como impossível do ponto de vista especulativo, para Kant, uma vez que não se pode debatê-la por meio de juízos determinantes, tampouco é possível tratar deste assunto, racionalmente, apenas usando os conteúdos da bíblia, uma vez que “compreende-se por teodiceia a defesa da suprema sabedoria do Criador contra as acusações levantadas pela razão a partir das contradições presentes no mundo. Chama-se isso de defesa da causa divina, mesmo se, em seu fundamento, isso não fosse mais do que a presunção de uma causa nossa acerca de uma razão equivocada sobre seus limites.”147 Desse modo, nenhuma teodiceia é possível; contudo, o que interessa aqui é a perspectiva aberta por Kant quanto ao problema de

147 KANT, I. Sobre o fracasso de toda tentativa filosófica na teodiceia (tradução de Joel Thiago Klein). In: Studia Kantiana 19 (dez. 2015). p. 160. 115 entendermos o mal radical; esta é a primeira grande preocupação kantiana que dá impulso à flexão antropológica. Mas as propriedades pelas quais os seres humanos lhe parecem antes como condenados a serem desprezados não podem ser outra coisa do que uma propensão que seja em si mesma má […] O primeiro mal não seria outra coisa do que a hostilidade (dito de modo suave, falta de amor); o segundo não poderia ser outra coisa do que mendacidade (falsidade, mesmo que sem intenção de prejudicar). A primeira inclinação possui um propósito cujo uso, todavia, pode ser permitido e bom em certas circunstâncias como, por exemplo, a hostilidade contra incorrigíveis perturbadores da paz. Contudo, a segunda propensão, ao ser usada como meio (a mentira), não tem nada de bom para qualquer fim que seja, pois ela é má e condenável em si mesma. Nos atributos do ser humano com relação à primeira espécie está a maldade [Bosheit], a qual ainda se deixa ligar com destreza a fins bons em certas relações externas, as quais são corrompidas apenas no meio, mas que também não são condenáveis em qualquer propósito. O mal [das Böse] da segunda espécie é indignidade [Nichtswürdigkeit] e por meio dela se nega aos seres humanos todo o caráter. – Eu me refiro aqui principalmente à desonestidade que se encontra em profundo segredo, visto que o ser humano sabe que está distorcendo declarações internas até mesmo frente a sua própria consciência.148

O problema do mal aparece aqui como interesse de uma investigação sobre a natureza humana149 que estava em curso desde o início dos cursos de antropologia, mas que se intensificou na década de 1790. O mal é visto como um problema universal do ser humano, que pode existir independente da cultura ou da nacionalidade. Kant neste texto investiga não apenas o mal como princípio a ser combatido, mas também a relação entre moralidade e religião. A religião, tornada, no movimento de flexão antropológica, uma manifestação pragmática se coloca em meio a um dilema suscitado, sobretudo, pelos pastores da época, a saber, ela deve ser um caminho de retidão moral. Entretanto, contra tais teólogos, Kant pontua que a religião é incapaz de se sustentar eticamente sozinha sem estar assentada em todos os seus fundamentos na moralidade. Na medida em que o texto se apresenta como uma peça jurídica contra aqueles que reivindicam conhecer os desígnios e a natureza divina, ele usa a própria bíblia como texto básico que contém uma boa dose de conhecimento também sobre a natureza humana. Kant reconstrói a história de Jó, a fim de

148 KANT, I. Sobre o fracasso de toda tentativa filosófica na teodiceia (tradução de Joel Thiago Klein). In: Studia Kantiana 19 (dez. 2015). p. 174-5. 149 “Nas cartas do senhor Luc sobre as montanhas, a história do mundo e dos homens eu me recordo de ter lido como resultado das suas viagens em parte antropológicas o que segue. O filantrópico autor assumiu a pressuposição da bondade original da nossa espécie e procurou a comprovação da mesma lá onde a opulência urbana não pode ter a influência de corromper a mente: desde as montanhas suíças até o Harz. Após sua crença sobre uma altruísta inclinação de oferecer ajuda se tornar vacilante por meio de uma experiência nas montanhas suíças, ele profere então ao fim esta conclusão: que o ser humano, no que concerne a benevolência, é bom o suficiente (nenhum milagre, pois isto se assenta sobre uma inclinação implantada, que tem Deus como criador), caso nele apenas não se imiscua a péssima propensão para elaboradas dissimulações (o que tá bém não se admira, pois abster-se delas se funda sobre o caráter que o próprio ser humano precisa formar em si mesmo!) – Um resultado ao qual qualquer um, mesmo sem ter viajado às montanhas, poderia ter encontrado entre seus concidadãos e até mesmo num local mais próximo, em seu próprio peito.” KANT, I. Sobre o fracasso de toda tentativa filosófica na teodiceia (tradução de Joel Thiago Klein). In: Studia Kantiana 19 (dez. 2015). p. 175. 116 mostrar que “com sua disposição de ânimo ele demonstra que não funda a sua moralidade sobre a crença, mas que funda a sua crença sobre a moralidade: em cujo caso, por mais fraca que essa crença possa ser, ela é deveras da espécie mais pura e verdadeira, isto é, ela é de um tipo tal que não funda uma religião de súplica, mas uma religião dos bons costumes.”150 A religião, com isso, é sustentada pela moral. As bases da virada antropológica começam a ser postas, por meio de estudos acerca do significado da natureza humana em vista de determinadas áreas; neste caso tem-se a retroalimentação entre a moral e a religião, tendo a natureza humana como fundamento ainda não determinado. Isto posto, não é fortuito que o modo de abordagem da religião tenda, de maneira mais clara, à pragmática. A TP, por sua vez, é um passo crucial para a virada antropológica, na medida em que possui como mote a ideia de que a teoria deve assentar perfeitamente em todas as realizações práticas e pragmáticas da vida cotidiana. O texto se divide em três partes: a primeira procura reforçar os conteúdos sobre a moralidade, a fim de contrapor as ideias de Garve de que a felicidade individual deve ser o motor daquela; na segunda parte Kant contesta a ideia de Hobbes de que a violência perpetrada pelo chefe de estado seja mote suficiente para resistir violentamente, uma vez que isto é contraditório, segundo Kant, à ideia de contrato originário de convivência entre os homens; a terceira parte, por sua vez, se põe a explicar o progresso da humanidade na história contra as ideias de Moses Mendelsson. No três casos a lei, o dever e o direito devem mostrar como a teoria, para ser completamente concernente, deve assentar perfeitamente na prática. Importa, todavia, tolerar ainda mais que um ignorante apresente na sua pretensa prática a teoria como inútil e supérflua do que ver um espertalhão admitir que ela é valiosa para a escola (a fim de exercitar a cabeça), mas afirmar ao mesmo tempo que na prática tudo é diferente; que ao sair da escola para o mundo se apercebe de ter andado atrás de ideias vazias e de sonhos filosóficos; numa palavra, que o que é plausível na teoria não tem valor algum para a prática […] Faço a divisão deste tratado de acordo com os três diferentes pontos de vista a partir dos quais o homem de bem, que sentencia tão ousadamente sobre teorias e sistemas, costuma avaliar o seu objeto; portanto, numa tríplice qualidade: 1) como homem privado mas, homem prático (Geschäftsmann); 2) como homem político (Staatsmann); 3) como homem do mundo (ou cidadão do mundo em geral). Ora, estas três personagens concordaram em atirar-se ao homem da escola, que elabora a teoria para todos eles e para seu proveito, a fim de o reconduzir – pois julgam compreender melhor essa vantagem – à sua escola (illa se jactet in aula! [Que se orgulhe lá nesse domínio!”]) como um pedante que, impróprio para a prática, apenas barra o caminho à sua sabedoria experimentada.151

Ora, Kant procura neste texto ir de encontro às ideias do que ele chama de filosofia da escola,

150 KANT, I. Sobre o fracasso de toda tentativa filosófica na teodiceia (tradução de Joel Thiago Klein). In: Studia Kantiana 19 (dez. 2015). p. 172. 151 KANT, I. Sobre a Expressão Corrente: Isto pode ser correto na teoria, mas nada vale na prática (tradução de Artur Morão). Lisboa: Lusosofia, 1992. p 4 e 6. 117 as quais apareceram pela primeira vez na Arquitetônica da KrV sob pretextos sistemáticos. Kant deixa claro que a habilidade pragmática de Garve em associar a moralidade à felicidade, não pode ser confundida com uma sabedoria pragmática,152 que já estava em gestação nos cursos de antropologia e, pela primeira vez, aparece sob o signo sistemático da filosofia publicada.153 Kant também coloca em discussão a ideia que há um contrato originário que organiza os homens em uma comunidade política a que todos estão sujeitos à coerção, salvo o chefe de estado, que, neste sentido, está acima do corpo político.154 No entanto, Kant sabe exatamente, que esta noção de contrato originário é apenas uma ideia da razão para assegurar a existência de uma constituição civil, que a todos regule. Obviamente, ele estava preocupado que não ocorresse outra vez aquilo que em Paris sucedeu ao guilhotinarem toda a família em nome da revolução; no entanto, além desta preocupação secundária, Kant tinha como principal concernência a ideia de que o direito seja capaz de, ao mesmo tempo, regular a vivência em comunidade e permitir o progresso constante em direção ao melhor.155 Isto posto, a reflexão em sentido flexivo no que concerne à antropologia destaca-se na terceira parte do escrito. Kant usa um fundamento que foi de grande valia no desenvolvimento de seu projeto antropológico, a saber, a ideia de progresso do gênero humano, mesmo levando em conta a miséria, o vício e o mal que, até então, estão imediatamente presentes na natureza humana. Com

152 “Es gibt 3 Arten von Lehre. 1) Wir müssen uns geschicklichkeit; durch Teoretische Wissenschafften die man zu allen Beliebigen Werkenbrauchen kann, zu erweben suchen. 2) Wir müssen uns bemühen, uns nach der Denkungsart und den fahigkeiten den Menschen mit denen wir zu thun haben zu formen, damit wir ihnen nicht zu schwer auch nicht zu anstössig werden. Das lehrt uns nun die Antropologie, die uns zeigt wie wir die Menschen zu unserm Zwek brauchen Können. Dir klugsheitRegel wird nicht in der Schul, sondern in der Weltkenntniss gelehrt. 3) Die Lehre der Weissheit. Diese leitet nicht bloss auf Vortheile, sondern wir wir dadurch Kräffte der Seele, dinge die nicht notwedig sind entbehren, und die beste Wahl, in unserer Handlung treffen können.“ KANT, I. Vorlesungen über Anthropologie, AA XXV, s. 1436. 153 “Existe, pois, aqui uma prova clara de que, na moral, tudo o que é correto para a teoria deve também valer para a prática. Na sua qualidade de homem como ser submetido pela própria razão a certos deveres, cada qual é um homem prático (Geschäftsmann); e uma vez que, como homem, nunca é demasiado velho para a escola da sabedoria, não pode, sob pretexto de pela experiência estar mais bem instruído sobre o que é um homem e sobre o que dele se pode exigir, rejeitar para a escola o adepto da teoria, com soberbo desdém. Pois, toda esta experiência de nada lhe serve para se subtrair à prescrição da teoria; quando muito, pode ensinar-lhe apenas o modo de a conseguir realizar melhor e de forma mais universal, se ela se tiver aceitado nos seus princípios; é apenas destes últimos que aqui se fala, e não da habilidade pragmática." KANT, I. Sobre a Expressão Corrente: Isto pode ser correto na teoria, mas nada vale na prática (tradução de Artur Morão). Lisboa: Lusosofia, 1992. ps. 18-9. 154 “Hobbes é de opinião contrária. Segundo ele (De Cive, cap. VII, g 14), o chefe de Estado de nenhum modo está ligado por contrato ˘ ao povo e não pode cometer injustiça contra o cidadão (seja qual for a sua decisão a respeito deste). – Semelhante tese seria totalmente correta se, por injustiça, se entende a lesão que reconhece ao lesado um direito de constrangimento relativamente àquele que comete a injustiça; mas, considerada na sua generalidade, a tese é terrível.” KANT, I. Sobre a Expressão Corrente: Isto pode ser correto na teoria, mas nada vale na prática (tradução de Artur Morão). Lisboa: Lusosofia, 1992. p. 35. 155 “Se nada existe que pela razão force ao respeito imediato (como o direito dos homens), então todas as influências sobre o arbítrio dos homens são impotentes para restringir a sua liberdade. Mas se, ao lado da benevolência, o direito fala em voz alta, então a natureza humana não se mostra tão degenerada que a sua voz não se lhes faça ouvir com deferência. [Tum pietate gravem meritisque si forte virum quem / Conspexere, silent arrectisque auribus adstant. (Então, se virem porventura um homem distinto pela probidade e pelo mérito, calam-se e, fitando as orelhas, ficam de pé.). Virgílio.]” KANT, I. Sobre a Expressão Corrente: Isto pode ser correto na teoria, mas nada vale na prática (tradução de Artur Morão). Lisboa: Lusosofia, 1992. p. 39. 118 isso, ele se pergunta se “há na natureza humana disposições a partir das quais se pode inferir que a espécie progredirá sempre em direção ao melhor, e que o mal dos tempos presentes e passados desaparecerá no bem das épocas futuras?”156 A sua resposta vai de encontro à ideia de Mendelsson de que a humanidade estava destinada ao fracasso e eterno retrocesso. Por conta disso, a terceira parte de TP preocupa-se em colocar de vez em baila a ideia de que a humanidade deve progredir para o melhor, mesmo levando em consideração às suas misérias, tal como a guerra, de maneira que a teoria racional do progresso humano e de sua constante melhora possa ser expressa, efetivamente. Para tal, Kant propõe o direito das gentes e o estado universal de povos (embrião da liga das nações) que têm por intuito evitar guerras ofensivas: Da minha parte, pelo contrário, confio na teoria que dimana do princípio de direito sobre o que deve ser a relação entre os homens e os Estados, e que recomenda aos deuses da Terra a máxima de sempre proceder nos seus conflitos de maneira a ingressarem assim nesse Estado universal dos povos e a suporem também que ele é possível (in praxi) e que pode existir; mas, ao mesmo tempo, confio igualmente (in subsidium) na natureza das coisas, que obriga a ir para onde de bom grado se não deseja (fata volentem ducunt nolentem trahunt) [O destino guia quem lhe obedece, arrasta quem lhe resiste.], pois nesta última é também a natureza humana que se tem em conta: a qual, já que nela permanece sempre ainda vivo o respeito pelo direito e pelo dever, não posso, ou não quero, considerar tão mergulhada no mal que a razão moral prática, após muitas tentativas falhadas, não acabe finalmente por triunfar, e a deva também apresentar como digna de ser amada. Pelo que, do ponto de vista cosmopolita, se persiste ainda na afirmação: O que por razões racionais vale para a teoria vale igualmente para a prática.157

Portanto, ambos os textos preparam o terreno para uma antropologia como paradigma filosófico, projeto que deve ser colocado em prática dali pra frente. A flexão antropológica que será discutida em sala de aula em 1793, e com, pelo menos, um interlocutor por carta, é apresentada de modo a colocar os seres humanos como únicos capazes de guiar a sua própria trajetória em direção ao melhor. Com isso, o direito e a religião apresentam-se, publicamente, como os dois primeiros pontos de consecução de um projeto antropológico em curso. Além desses dois textos, únicos públicos entre 1791 e 1793, aparecem algumas insatisfações com os rumos que a crítica estava tomando, isto é, tal aspecto da filosofia kantiana estava a ser interpretada sob um ponto de vista escolástico, uma teoria que não teria nada a dizer sobre o mundo, senão sobre si mesma em sua formalidade, o que popularmente podemos chamar de teoria redonda, mas sem aplicação. TP, sem sobra de dúvidas, é uma resposta a tentativa de escolarização da filosofia kantiana. Isto dito, podemos encontrar as maiores insatisfações de Kant quanto aos rumos de sua 156 KANT, I. Sobre a Expressão Corrente: Isto pode ser correto na teoria, mas nada vale na prática (tradução de Artur Morão). Lisboa: Lusosofia, 1992. p. 40. 157 KANT, I. Sobre a Expressão Corrente: Isto pode ser correto na teoria, mas nada vale na prática (tradução de Artur Morão). Lisboa: Lusosofia, 1992. p. 46-7. 119 filosofia em cartas entre 1790 e 1794, na medida em que aparecem uma série de desinformações e dúvidas acerca, principalmente, da KrV que não são vistas como sanadas na KU. Nem poderiam, pois por mais que Kant tenha enviado esta última a seus interlocutores mais próximos, as grandes preocupações estavam fincadas na primeira crítica. Interlocutores como Maimon, Beck, Borowski, Fichte e Reinhold mostravam uma sede de entender o que Kant fez, emendando teorias sobre a filosofia transcendental, enquanto o próprio autor estava tentando pensar nos desdobramentos da filosofia crítica, em vista de sua aplicação. O primeiro exemplo que suas correspondências nos apresentam é a carta de Ludwig Heinrich Jakob, de 04/05/1790, na qual este agradece o envio da KU e pede: “permita-me, ao mesmo tempo, que uma questão seja posta no que concerne ao conceito ou, em vez disso, à expressão conhecimento, sobre a qual recentemente Reinhold e eu entramos em conflito”158 Jakob continua a carta de modo a deixar claro o que pensam ele e Reinhold sobre o tema. No entanto, há uma pista interessante aqui, a saber, Jakob pergunta a Kant se “não gostaria o senhor de resolver brindar-nos com uma Antropologia?”159 Ora, Jakob escreveu em 1788 o Grundriss der Allgemeinen Logik, na qual tentava apresentar a filosofia kantiana em uma linguagem popular e pretendia que Kant abandonasse os manuais de Meier e Baumgarten para usar o seu. Contudo, provavelmente, em alguma conversa privada, Kant teria comentado com Jakob o seu desejo de apresentar os resultados de seu curso de antropologia na forma de uma obra singular. Esta carta é muito importante como prova de que, concomitantemente, os interlocutores de Kant estão imersos na sua filosofia transcendental, enquanto Kant estava tentando mover-se em direção à sua aplicação. Em 03/01/1791, Kant envia a resposta a uma longa carta de Chistoph Hellwag, de 13/12/1790, na qual aparecem mais questionamento sobre juízos sintéticos e analíticos na filosofia da natureza. Kant parece aborrecido com a situação tanto que mostra uma irritação digna de uma resposta final para não mais receber questões irrelevantes: “à metafísica, não estamos tão preocupados com o lugar dos conceitos em um julgamento, a questão que segue da mera forma, mas sim com a questão de se os conceitos de certos julgamentos têm ou não algum conteúdo material, se suas sugestões sobre conversibilidade são ou não relevantes.”160 Isto significa que Kant obviamente prezava por sua filosofia transcendental, a qual ficara um bom tempo sendo gestada e outros dez anos mais para

158 “Zugleich erlauben Sie eine Anfrage den Begriff oder vielmehr den Ausdruck Erkenntniß betreffend zu thun, worüber ich vor kurzen mit HE. Reinhold in Zwiespalt gerathen bin.” KANT, I. Briefwechsel, AA XI, s. 168. 159 “möchten Sie sich doch entschliessen uns mit einer Anthropologie zu besch[enken].” KANT, I. Briefwechsel, AA XI, s. 170 160 “Für die Metaphysik, die nicht so wohl auf das sieht, was in Ansehung der Stellung der Begriffe in einem Urtheile, mithin aus der bloßen Form folgt, als vielmehr ob durch eine gewisse Art zu Urtheilen den gegebenen Begriffen etwas (der Materie nach) zuwachse oder nicht, gehörte jene Untersuchung eben nicht.” KANT, I. Briefwechsel, AA XI, s. 245-6. 120 ser, completamente, publicada. Contudo, parece haver aqui um incômodo sobre os rumos de sua filosofia, a fim de não ser confundida com uma filosofia escolástica, a qual muitos de seus interlocutores praticavam. Em carta endereçada a Beck,161 de 27/09/1791, Kant revela que o indicou a Hartknoch para fazer um sumário integrado de sua obra crítica. Kant propõe a ele que este trabalho sobre a filosofia crítica seria uma boa forma de descansar a mente da matemática e se o trabalho o desgastar a matemática poderá ser um bom descanso. Kant propõe esse jogo com a matemática a Beck de maneira a mostrar que a vida cotidiana e outras formas de aplicação do trabalho abstrato são a vocação do homem.162 Kant está interessado em tirar proveito de tempos em tempos de algum prazer em vista de um sistemático esforço de pensamento. Não é fortuita a ideia de que o sistema precisa agregar matérias sem perder a sua identidade e que a sistemática da filosofia kantiana teve um ganho substancial na década de 1790 quando os propósitos da filosofia ficaram mais claros, tanto que ele diz textualmente nesta carta que a história do mundo e da filosofia estão ocupadas com o esforço sistemático de satisfazer a vocação total do homem. Além disso, ele espera que, inclusive, a matemática possa inspecionar a crítica de modo que novas descobertas e pesquisas sobre a razão possam ser colocadas em prática, mas que ofereçam uma preocupação com o homem em sentido lato. Seria temerário de nossa parte apontar para uma base antropológica já esboçada de maneira última por Kant nesta altura de suas reflexões; estamos no ano de 1791. No entanto, devemos tomar esta carta de Kant como uma pista segura da aplicação da filosofia crítica. Também devemos levar em consideração que apesar de Kant querer dar um passo a frente em seu sistema filosófico, ele não podia descuidar de um bom entendimento da filosofia crítico-

161 Matemático e filósofo, que se afiliou à filosofia kantiana. 162 “Ich bin bey diesem Vorschlage freylich selber interessirt, allein ich bin zugleich versichert, daß, wenn Sie sich von der Reelität jener Bearbeitungen überzeugen können, Sie wenn Sie sich einmal darauf eingelassen haben, einen unerschöpflichen Qvell von Unterhaltung zum Nachdenken, in den Zwischenzeiten da Sie von Mathematik (der Sie keinesweges dadurch Abbruch thun müssen) ausruhen, für sich finden werden und umgekehrt, wenn sie von den ersteren ermüdet sind, an der Mathematik eine erwünschte Erholung finden können. Denn ich bin theils durch eigene Erfahrung, theils, und weit mehr, durch das Beyspiel der größten Mathematiker überzeugt, ausfülle, daß noch etwas anderes und wenn es auch, wie bey Kästner, nur Dichtkunst wäre, seyn muß, was das Gemüth durch Beschäftigung der übrigen Anlagen desselben theils nur erqvickt, theils ihm auch abwechselnde Nahrung giebt und was kan dazu, und zwar auf die ganze Zeit des Lebens, tauglicher seyn, als die Unterhaltung mit dem, was die ganze Bestimmung des Menschen betrift; wenn man vornehmlich Hofnung hat, daß sie systematisch durchgedacht und von Zeit zu Zeit immer einiger baare Gewinn darinn gemacht werden kan. Uberdem vereinigen sich damit zuletzt Gelehrte= so wohl als Weltgeschichte, auch verliehre ich nicht die Hofnung gänzlich, daß, wenn dieses Studium gleich nicht der Mathematik neues Licht geben kan, diese doch umgekehrt, bey dem Uberdenken ihrer Methoden und hevristischen Principien, sammt den ihnen noch anhängenden Bedürfnissen und Desideraten, auf neue Eröfnungen für die Critik und Ausmessung der reinen Vernunft kommen und dieser selbst neue Darstellungsmittel für ihre abstracte Begriffe, selbst etwas der ars vniuersalis characteristica combinatoria Leibnitzens Ähnliches, verschaffen könne.” KANT, I. Briefwechsel, AA XI, s. 290. 121 transcendental, o que nos leva a entender que seus interlocutores mais confiáveis, tal como Beck, devem gozar da boa vontade de Kant para este trabalho. Esse momento de transição é crucial para compreendermos a virada antropológica em curso. No ano de 1792, podemos destacar duas cartas interessantes; primeira foi enviada por Salomon Maimon de 30/11/1792, na qual ele praticamente implora para um debate com Kant sobre a doutrina do tempo e do espaço como sentidos a priori. Ora, apesar do apelo, Kant não mais respondeu suas cartas, o que podemos concluir, parcialmente, que não apenas Maimon era um interlocutor chato, mas que as questões que ele estava tentando entender eram consideras por Kant como já em vias de aplicação em funcionamento e as obras que embasam foram atualizadas diversas vezes em vista de seguir em frente com a filosofia em curso. Por sua vez, em 21/12/1792, Kant envia uma carta a Johann Benjamin Erhard, a fim de responder uma epístola deste do ano anterior (06/11/1791). O conteúdo da resposta de Kant em 1792, por outro lado, apresenta uma pequena aula de justiça criminal sob um ponto de vista moral como forma de resposta a uma demanda de Erhard, que resumiu a visão de Ernst Ferdinand Klein, jurista e amigo de Erhard. Este último, obviamente, queria a opinião de Kant; não nos interessa discutir todos os pontos (13 no total),163 que Erhard resumiu da obra de Klein a Kant, mas há uma discussão muito interessante do ponto de vista da consecução do projeto antropológico, a saber, sobre o estado de injustiça. Mais precisamente, Erhard diz que “12) a sociedade na medida em que tem a proteção dos direitos e a punição dos crimes como intenção principal chama-se sociedade civil. Portanto, esta não é apenas útil, mas também sagrada.”164 A isto Kant responde que “na teoria do direito natural, muitas vezes, se afirma que a sociedade civil se baseia na conveniência do contrato social. Mas pode-se demonstrar que o estado de natureza é um estado de injustiça e, consequentemente, que é um dever jurídico colocar-se nos termos da sociedade civil.”165 Ora a ideia que o estado de natureza é um estado de injustiça, equivale, antropologicamente, em Kant, ao reconhecimento de que apenas em uma organização moldada e regulada pela cultura civilizacional, que fomente o progresso, por meio de uma constituição feita pelos homens, seria possível o estado de justiça. Ainda nesta carta, Kant expõe que está desenvolvendo a MS, a qual explicará como a moral deve fundamentar a justiça, através do fortalecimento da sociedade civil. O ano de 1793 é decisivo, devido ao fato de Kant expor textualmente, pela primeira vez, a sua

163 KANT, I. KANT, I. AA XI, s. 398. 164 “12) Die Gesellschaft in so fern sie den Schutz der Rechte und die Bestraffung der Verbrechen zur Hauptabsicht hat heist bürgerliche Gesellschafft. Sie ist daher nicht bloß nüzlich sondern heilig.” KANT, I. AA XI, s. 308. 165 “Man trägt im Naturrecht den bürgerl[ichen] Zustand, als auf ein beliebiges pactum sociale gegründet, vor. Es kan aber bewiesen werden, daß der status naturalis ein Stand der Ungerechtigkeit, mithin es Rechtspflicht ist in den statum ciuilem überzugehen.” KANT, I. AA XI, s. 399. 122 flexão antropológica em gestação. Em carta endereçada a Abraham Gotthelf Kästner, em maio de 1793, Kant envia o seu mais novo e proibido ensaio, a Rel, e também discute sobre como usar a contento a linguagem escolástica, sem perder o caráter de filosofia popular em seus escritos. Ele diz, mais precisamente, que: “lembro a dica que você me deu naquele momento para mudar a linguagem escolar da Crítica em favor de uma popular ou, pelo menos uma combinação de ambas.”166 Esta é uma pista de que ele estava em um momento de transição, uma vez que lamenta não ter feito algo que o possibilitasse não ser atrapalhado pelo desentendimento de sua filosofia crítica, visto que ele queria passar para a sua aplicação. Também mostra que sua filosofia deve, realmente, interessar a todos, posto que lamenta não ter evitado uma excessiva linguagem escolástica na KrV; a lamentação, no entanto, dá lugar à ação, de modo que o conteúdo de sua filosofia muda não somente em relação à linguagem utilizada, mas, sobretudo, no que concerne à finalidade do fazer filosófico. Eis que não é fortuito o surgimento, de 1793 em diante, de um conjunto de escritos que devem mostrar o que é o homem e de que modo a razão deve ser usada para aplicar toda a filosofia até ali conquistada. O que se põe como desafio para Kant é dar um passo adiante na atualização das prioridades e finalidades de seu pensamento sem, contudo, perder todos os ganhos da filosofia crítica e sem também deixar que esta seja mal interpretada. Este trabalho se assemelha a uma guerra em duas frentes, isto é, em uma frente é necessário manter o território conquistado e na outra frente de batalha é necessário avançar e galgar posições que permitam o avanço das tropas. Tal virada em sua filosofia pode ser interpretada em duas vias: primeira, diz respeito à censura sofrida na tentativa de publicação da RL, a segunda, por sua vez, é aquela decisiva que diz respeito à elevação da antropologia como principal disciplina que deve ser o paradigma da sua reflexão. Entretanto, o que liga de maneira a priori estas duas facetas é a ideia de o homem ter de ser o centro do debate filosófico e toda a finalidade do pensamento deve estar de acordo com o progresso humano. Isto pode ser provado, primeiramente, por uma carta enviada a um professor de Teologia em Göttingen chamado Carl Friedrich Stäudlin em 04/05/1793, afirmando que:

O plano que me propus há muito tempo clama por um exame dos campos da pura filosofia com o intuito de resolver três tarefas: 1-O que posso saber? (Metafísica). 2-O que devo fazer? (Moral). 3-O que me é permitido esperar? (Religião). Os

166 Passagem bem mais extensa, que foi aqui parcialmente traduzida. “Die Gründlichkeit der Erinnerung, die Sie mir damals gaben, die neugemoldete, in der Critik und ihren Grundzügen kaum vermeidliche, rauhe Schulsprache gegen eine populäre zu vertauschen, oder wenigstens mit ihr zu verbinden, habe ich oft, vornehmlich bey Lesung der Schriften meiner Gegner, lebhaft gefühlt; hauptsächlich den dadurch unschuldigerweise veranlaßten Unfug der Nachbeter, mit Worten um sich zu werfen, womit sie keinen, wenigstens nicht meinen Sinn verbinden; zu dessen Verhütung ich die nächste Gelegenheit ergreifen werde, die eine trockene Darstellung erfordert und mit jener Schulsprache die gemeine zu verbinden Anlas giebt.” KANT, I. AA XI, s. 427. 123

quais, finalmente, devem seguir um quarto: o que é o homem? (Antropologia, uma matéria sobre a qual eu venho lecionando por mais de vinte anos). Com este amplo escrito, a Religião nos limites da simples razão, eu tentei completar o meu terceiro plano.167

Apesar deste escrito ser de caráter privado, ele caracteriza o trabalho de elevação da antropologia a um patamar, o qual os rumos de sua filosofia necessitavam. Ora, o grande problema dessa interpretação é o fato de que Kant deixa espalhadas as evidências disto que queremos provar, uma vez que não se pode encontrar em uma só obra a forma sistemática e acabada desta antropologia, mas apenas uma atitude sistemática de pensamento em vista do homem. Há um adendo valioso a esta carta, a saber, a quarta pergunta não aparece apenas nesta de caráter privado, mas também numa lição de metafísica anotada por Pölitz (AA XXIX).

Isto significa que Kant também teve a preocupação de testar em sala de aula se a quarta pergunta, de fato, poderia ser o carro-chefe interrogativo do sistema. Ora, apesar do diminuto público que teve acesso a esta lição, pode-se atribuir o caráter público dela ali. No entanto, Pölitz enxertou nas lições de metafísica (que datam do ano de 1790) dez páginas das lições de lógica que ele assistira, provavelmente em 1793, de modo a dar impressão que ali se vê uma filosofia nova. 168 O ponto de partida desta afirmação pode ser encontrado nas lições de antropologia anotadas por Menschenkunde datada do ano de 1782, nas quais, pela primeira vez, Kant coloca referências palpáveis às três grandes perguntas que interessam à razão, mas ainda sem ligá-las de forma ampla:

A cultura diz respeito apenas à pessoa, a civilização diz respeito à sociedade; moralização diz respeito ao que é melhor para o mundo em geral. Estes são três tipos de progresso que a natureza colocou nos seres humanos. Já chegamos longe na cultura, na civilização não fizemos muito e na moralização não fizemos quase nada. No que diz respeito à cultura, pode-se perguntar: 1) O que eu posso saber? Metafísica e filosofia ensinam isso. 2) O que devo fazer? A ética ensina isso. 3) O que posso esperar? Religião ensina isso.169

Ora, Kant divide a humanidade em três domínios sobre os quais é necessário se trabalhar para ter determinados resultados. Com isso, apesar de não ter avançado muito nem na civilização, tampouco na moralização, a humanidade possui um guia individual no que diz respeito à cultura, a

167 “Mein schon seit geraumer Zeit gemachter Plan der mir obliegenden Bearbeitung des Feldes der reinen Philosophie ging auf die Auflösung der drei Aufgaben: 1) Was kann ich wissen? (Metaphysik) 2) Was soll ich thun? (Moral) 3) Was darf ich hoffen? (Religion); welcher zuletzt die vierte folgen sollte: Was ist der Mensch? (Anthropologie; über die ich schon seit mehr als 20 Iahren jährlich ein Collegium gelesen habe). Mit beikommender Schrift: Religion innerhalb der Grenzen etc. habe die dritte Abtheilung meines Plans zu vollführen gesucht.” KANT, I. AA XI, s 429. Nesta carta, Kant trata da censura de sua RL. Tradução nossa. 168 Karl Ameriks nos mostra isso na edição estadunidense das Lições de Metafísica. Cf. KANT, I. Lectures on Metaphysics (translation and introduction by Karl Ameriks). New York: Cambridge University Press, 2001. p. xxxiv. 169 KANT, I. AA XXV, s.1198. 124 saber, as três grandes perguntas que interessam a todos. Entretanto, a novidade aqui em relação à KrV, diz respeito à referência que se apresenta diretamente ligada a cada pergunta; mais precisamente, a metafísica, a ética e a religião são, por consequência, os maiores interesse da razão. Em 1793, após consolidar o trabalho de colocar as bases para a filosofia crítico-transcendental, Kant resolve lançar a sua doutrina religiosa, um interesse fundamental para a sociedade.

Entretanto, ao responder a pergunta sobre o que é permitido ao ser humano esperar, em sentido religioso, Kant coloca o debate teológico para debaixo do tapete e traz para o centro da reflexão o comportamento do homem face à religião, isto é, a religião passa a ser um assunto antropológico, aparecendo a Rel em um ano decisivo que ajudou a acelerar o processo de formulação das bases para responder a pergunta antropológica. O ponto central dessa aceleração é a censura sofrida por Kant na publicação da Rel.

O governo do imperador Wilhelm II iniciou uma nova fase de resguardo ideológico liderado pelos pietistas, a fim de reprimir qualquer manifestação favorável à revolução francesa, da qual o movimento de esclarecimento alemão era natural signatário.170 A perseguição perpetrada pelo ministro da educação e relações espirituais Johann Christoph Wöllner atingiu não apenas pastores, mas também os editores da Berlinische Monatsschrift, a qual estava sob o comando principal de Friedrich Biester, tendo de mudar de sede de Berlim para Jena no início de 1792, saindo, portanto, da Prússia.171

Isto significa que Kant estava em um momento de mudanças dramáticas em relação às políticas liberais do imperador anterior, Frederico o Grande, ou seja, uma pergunta acerca do estatuto do homem no mundo tinha de ser, sobretudo, uma questão sobre o que homem pode fazer de si mesmo. O presente kantiano em 1793 era obscuro, fundamentalista e ceifador de qualquer ideal de melhora das condições de vida da humanidade; o novo governo prussiano estava preocupado em retirar todo e qualquer ganho conquistado em mais de quarenta anos de tranquilidade e liberdade de expressão. Por conta disso, não era suficiente responder a terceira das questões, mas sobretudo, fazer a terceira questão (e também as outras duas anteriores) trabalharem em favor de, verdadeiramente, permitir ao homem atingir os desígnios que a razão pode pensar como dons da natureza.

Todo o quadro de censura generalizada, dos problemas de Kant para publicar a Rel, da reação do estado para com aqueles que se desviassem dos seus dogmas mostravam um quadro propenso à adaptação da filosofia a um desígnio antropológico. A carta de Kant a Carl Spener de 22/03/1793

170 KUEHN, M. Kant, a Biografphy. Cambridge: Cambridge University Press, 2001. p. 362-3. 171 Idem. 125 mostra isto, uma vez que ali se apresenta a raiva de Kant para com o estado, além de uma profunda prestidigitação retórica para explicar seus desígnios futuros:

Não posso concordar com a sugestão de uma edição nova e separada na Berlinische Monatsschrift sobre a Idee, sobretudo com acréscimos direcionados às circunstâncias atuais. Se os fortes do mundo estão em estado de embriaguez, devido ao sopro de algum deus, ou de uma muffete, então é aconselhável a um pigmeu, a quem sua pele é querida, que ele se mantenha longe das brigas, mesmo que com palavras mais leves e mais reverenciadas; Acima de tudo, porque ele nem sequer seria escutado, e também seria mal interpretado por outros.172 Isto reverberá que a pergunta acerca do homem, primeiramente, orquestrada em sala de aula e aparecendo, finalmente, nas suas Log mostra que Kant mudou os rumos de sua filosofia tanto para desviar a atenção do estado em relação aos seus desígnios quanto para fomentar uma filosofia que pudesse acabar com a irracionalidade que dirigia a vida cotidiana. O ano de 1793, e daqui em diante, é crucial para entendermos a virada antropológica da filosofia kantiana; a flexão antropológica tem de ser interpretada como a aplicação da filosofia formal, crítica, mas de uma maneira atualizada para dar conta de uma filosofia que deve dizer respeito à totalidade da vida. A Filosofia transcendental é flexionada a um saber que deve dizer respeito à vida cotidiana, nada que é humano deve escapar a este saber, nenhuma parte deve ficar para trás, a vida cotidiana deve ser, na modernidade ilustrada, o modo por meio do qual o homem deve atingir um nível de conhecimento que o habilite a ser um ator preparado para a vida. A antropologia deve dar sentido à metafísica. Desvincular Deus da religião e colocá-lo na moral foi umas das estratégias kantianas para tal.

Nenhum Deus sobreviverá a ilusão metafísica doravante (notado por Nietzsche no Anti- Cristo), mas o homem sobreviverá e precisará saber como ainda será possível guiá-lo em direção a uma boa vida. Com isso, a antropologia passa a congregar todos os saberes como o principal meio filosófico de organização, a qual, nesta última fase, precisa dizer respeito à vida em sociedade; faz- se mister saber como a antropologia é construída, para tal. De fato, ela foi um paralelo crítico que não foi moldada para este papel, mas mostrou um potencial para tal, de maneira que Kant tentou, verdadeiramente, construir uma teoria antropológica que desse conta do mundo.

Até este momento do texto trouxemos à tona uma maneira de ler o movimento de pensamento de Kant, o qual conduz sua filosofia a um projeto antropológico. Isto posto, o modo como Kant

172 “Allein in den Vorschlag einer neuen abgesonderten Auflage des Stücks der B[erlinischen] Monatsschrift "über die Abfassung einer allgemeinen Geschichte in weltbürgerlicher Absicht" am wenigsten mit auf gegenwärtige Zeitumstände gerichteten Zusätzen, kann ich nicht entriren. - Wenn die Starken in der Welt im Zustande eines Rausches sind, er mag nun von einem Hauche der Götter, oder einer Mufette herrühren, so ist einem Pygmäen, dem seine Haut lieb ist, zu rathen, daß er sich ja nicht in ihren Streit mische, sollte es auch durch die gelindesten und ehrfurchtvollsten Zureden geschehen; am Meisten deswegen, weil er von diesen doch gar nicht gehört, von andern aber, die die Zuträger sind, mißgedeutet werden würde.” KANT, I. AA XI, s. 425. 126 desenvolve suas ideias deu azo para considerá-lo um autor em perpétuo desenvolvimento sem perder, no entanto, as bases que lhe permitem construir uma filosofia sólida e organizadora de uma ideia de humanidade. Assim, faz-se mister entrar de modo mais profundo nos meandros do que entendeu Kant ser a antropologia, a qual todos os interesses da razão devem recair.

A centralidade da antropologia no projeto final kantiano ganhou grande revelo por meio de uma série de temas e obras que visavam fortalecer a busca central acerca do que é o homem. Kant chegou à conclusão que o homem não é, mas sim, em um movimento infinito, um vir-a-ser. O homem é um ser livre e, como tal, não é objeto de conhecimento teórico seguro nos moldes da ciência da natureza e da matemática. Entretanto, é possível projetar o futuro humano, por meio do humano atual, o qual significava na época de Kant, um ser humano em, perpétua, descoberta de mundo. Ora, para além da questão do humano imediatamente percebido por Kant, havia uma outra demanda de reconhecimento e assentamento em uma teoria da natureza humana. As fronteiras da modernidade, desde o século XV, se alastraram, de modo que no século XVIII os navios europeus conseguiam acessar os mais longínquos espaços do globo terrestre, conhecendo, igualmente, seres humanos de culturas completamente alheias ao homem europeu. Kant foi um desses homens que, em vista da pesquisa sobre a natureza humana, deparou-se com uma dificuldade além da posta pela liberdade: os humanos são, culturalmente, diferentes entre si. Ora, Kant entendia haver quatro raças diferentes de humanos, que descendiam de um troco comum, mas devido à diáspora ao redor da terra, o clima interferiu nos seus gérmens primordiais, de maneira a diferenciá-los, cabalmente. Assim, a terra é habitada por brancos, calmucos, negros e indígenas, todos espalhados nos diversos continentes. O ponto de dificuldade de Kant, para além do conceito de liberdade, é saber, se os homens não europeus seriam capazes de se adequar a um sistema antropológico com propósitos cosmopolitas, isto é, são eles capazes de abandonar o estado de injustiça (natureza), em favor de um estado justo (cultura), que promove a humanidade por meio de uma constituição civil? Isto posto, nesta segunda parte refletiremos sobre os meandros e pistas deixadas por Kant acerca do caráter primordial de sua antropologia. Buscaremos conduzir a pesquisa, em vista do paradigma da letra de Kant, que afirma, em várias ocasiões, que todos os interesses da razão recaem em uma antropologia. Isto significa, mesmo que inaudito pelo autor das críticas, que a antropologia, em contraposição à metafísica (ciência primeira), deve ser a ciência última dos seres humanos, tal que a humanidade deve buscar as suas naturais finalidades cosmopolitas. 127

4) Os Diferentes Estatutos das Obras de Kant: Das Críticas à Pragmática

Faz-se mister dirimir uma dúvida crucial, a saber, qual o estatuto das obras do período antropológico, visto o peso maior dado pela tradição às obras do que concebemos ser o primeiro projeto crítico transcendental; mais precisamente, as obras do período antropológico possuem o mesmo peso das três críticas? Queremos colher aqui como resultado uma resposta positiva, apesar da diferença de tratamento de cada projeto. É interessante notar que os principais cursos de Kant concedidos na universidade tornaram-se as principais obras de caráter antropológico. Estamos falando, precisamente, da Log, da PhG, da Päd e, principalmente, da Anth, que, diferentemente destas anteriores, o próprio Kant compilou seu manual e anotações de alunos em um livro de extrema importância e pouco estudado no século XX tal como nos atesta Reinhardt Brandt, que estabeleceu o texto das Lições de Antropologia no volume XXV das obras completas de Kant na Akademie Ausgabe: “Anth não levou a nenhuma discussão entre apoiadores e opositores, e até hoje não há nenhum reputado estudo dedicado ao livro de 1798. O trabalho não provocou nenhuma reação; é um livro de referência que procura informar, não propõe uma teoria militantemente oposta a outras teorias, ou mesmo um giro na metafísica, como outras antropologias fizeram.”173 Ora, esta total desconsideração para com o caráter antropológico do último projeto de filosofia de Kant reflete a maneira como a interpretação kantiana foi legada ao século XX, formalista e epistemologicista, e, em decorrência disso, também por conta de um viés preconceituoso dos intérpretes de Kant para com tudo que é empírico e pragmático em sua filosofia, considerando este tipo de abordagem como mero acidente. A nossa hipótese auxiliar aqui é a de que Kant não jogou fora a empiria para privilegiar a teoria. Em um primeiro momento, assim, é necessário estabelecermos critérios de importância dos textos cunhados por Kant e abordados por nós. Para tal, a fim de sermos completamente concernentes com nossa tese, estabelecemos haver dois grandes projetos com o mesmo objetivo, mas com conteúdos diferentes; devido a isto devemos estabelecer critérios diferentes segundo cada conteúdo. Assim, o primeiro projeto, da passagem da metafísica para a filosofia transcendental (de 1781 a 1792), possui um estatuto próprio: ele estabelece os princípios a priori de conhecimento e ação moral no mundo. Este período supõe o erigir tanto de uma filosofia crítica quanto dos critérios para que a crítica coloque tudo diante do tribunal da razão. Daí as três críticas serem as obras principais

173 “Die Anthropologie in pragmatischer Hinsicht hat zu keiner Auseinandersetzung zwischen Anhängern und Gegnern geführt, und es gibt bis heute keine namhafte Studie, die dem Buch von 1798 gewidmet ist. Das Werk provoziert keine Stellungnahme; es ist ein Sachbuch, das informieren will, es bringt keine Theorie, die sich militant gegen andere Theorien oder gar die Metaphysik wendet, wie es andere Anthropologien taten.” BRANDT, R. Kritischer Kommentar zu Kants Anthropologie in pragmatischer Hinsicht. Hamburg: Felix Meiner, 1999. s 7. 128 deste período. O segundo período (de 1793 a 1803), nomeado por nós como o projeto antropológico possui como obra principal a Anth e com um estatuto menor, mas, completamente, ligadas aquela, a Rel e o inacabado OP; também precisamos ter em conta o estatuto híbrido da MS, que é uma promessa do antigo projeto adaptada ao novo. O critério para tal diz respeito ao desenvolvimento da filosofia kantiana neste período, a qual se reproduz como uma teoria de aplicação do a priori segundo pesquisas pragmáticas. É, de fato, o perpétuo teste para saber se a filosofia crítica continua válida, enquanto tal, ao ter de enfrentar situações empíricas nas quais toda a sua carga conceitual a priori necessita dar conta (em vez de apenas ter de poder dar conta) dos conteúdos do mundo. Tanto o primeiro quanto o segundo projeto possuem estatutos independentes, mas interligados. Com isso, o projeto crítico-transcendental tem sua continuidade lógica no projeto antropológico; ambos são articulados, por meio do conceito de filosofia cosmopolita, enquanto forma do sistema, uma doutrina da sabedoria, a qual o seu conteúdo interessa a todos os humanos. Mais precisamente, não é por conta de os dois projetos terem estatutos independentes que eles não fazem parte de um só programa filosófico. A mudança para um conteúdo antropológico não invalidou a crítica, mas sim a potencializou. A articulação sistemática de responsabilidade da coerência lógica do conceito de filosofia cosmopolita reforça que não é válido julgar obras de diferentes períodos e projetos na filosofia kantiana, por meio de um só critério. Obviamente, no entanto, pensamos que a KrV é a principal obra de Kant em toda a sua reflexão pois inaugura o gérmen de todo o desenvolvimento do sistema e se põe como um divisor de águas da filosofia moderna; no entanto, se tomarmos a totalidade do projeto do último Kant, a KrV têm de trabalhar em função da Anth. Isto não significa que a KrV diminuiu seu status, mas somente colocou seus serviços a disposição de uma função determinada, a saber, fornecer elementos a priori para pesquisar a natureza humana de maneira pragmática. Isto significa que não podemos julgar o conteúdo transcendental por meio de critérios antropológicos (senão, se algo desse não se adéqua ali) ou, ao contrário, também não podemos entender a KrV por meio de um critério que a estabeleça como uma antropologia em si mesma (como pensam teóricos de uma antropologia transcendental, tal como Patrick Frierson).174 A flexão antropológica, mostrada anteriormente, é o que permite, junto ao conceito de filosofia cosmopolita, haver a articulação entre os dois projetos. Com isso, faz-se mister aqui mostrar: A – o estatuto das três Críticas (KrV, KpV e KU) e B – os motivos pelos quais a Anth é a principal obra e de maior estatuto do período antropológico, seguida em importância pela Rel e pelo OP. Também pretendemos abordar o curioso caso da MS, que, tal qual Benjamin Button, personagem de Scott Fitzgerald, nasceu velho, descontextualizado,

174 FRIERSON, P. What Is the Human Being?. New York: Routledge, 2013. 129 mas que possui um grande poder unificador da sistemática da filosofia kantiana. Desenvolvamos.

4.1) O Estatuto das Obras do Primeiro Projeto

Pensamos, primeiramente, que a KrV possui primazia no primeiro projeto kantiano de filosofia. Ora, a lógica transcendental, apesar de ter a origem dos seus conceitos de modo a priori, está voltada ao mundo, ao empírico, a fim de comprovar que as formas conceituais de sua filosofia são suficientes para julgar os conteúdos fornecidos empiricamente pelo mundo. Vale ressaltar que estar voltada ao empírico não é o mesmo que atingir o nível empírico. Assim, na primeira introdução à edição de 1781 da KrV, Kant afirma que “agora se vê, o que é muito importante, que mesmo às nossas experiências se misturam conhecimentos que devem ter uma origem a priori e que talvez apenas sirvam para fornecer ligação às nossas representações sensíveis” (A 2). O estatuto da KrV em sua primeira edição é de obra magna para as bases do pensamento, cujo o resultado seria um sistema completo da filosofia em que o transcendental e o empírico estivessem em harmonia, mas capitaneados pelo transcendental. Esta maneira de pensar desenvolveu o seu projeto crítico, tanto que Kant tinha a pretensão ainda na década de 1770 de expor a filosofia teórica e a filosofia prática dentro da crítica da razão pura, dividindo-a em nestas duas partes, tal como nos atesta uma carta enviada por ele a Markus Herz.175 Kant demoraria, no entanto, quase dez anos para publicar as bases sistemáticas na KrV e mais dezesseis para apresentar a filosofia prática. Apesar de na edição A da KrV Kant ter trazido à tona as bases da filosofia transcendental, tal como nos atesta sua letra,176 foi em 1787 que ele fortaleceu a ideia de que a crítica é a base para o pensamento e tem de ser posta como tal, uma vez que reorganiza a lógica formal em termos modernos: Não resta dúvida de que todo o nosso conhecimento começa pela experiência […] Assim, na ordem do tempo, nenhum conhecimento precede em nós a experiência e é com esta que todo o conhecimento tem o seu início. Se, porém, todo o conhecimento se inicia com a experiência, isso não prova que todo ele derive da experiência. Pois bem poderia o nosso próprio conhecimento por experiência ser um composto do que recebemos através das impressões sensíveis e daquilo que a nossa própria capacidade de conhecer (apenas posta em ação por impressões sensíveis) produz por si mesma, acréscimo esse que não distinguimos dessa 175 “Sem me alongar por ora na explicação da série inteira de uma investigação que avançou até seu fim último, posso dizer que alcancei o essencial do meu objetivo, estando agora em condição de apresentar uma crítica da razão pura23, que contém a natureza do conhecimento teórico assim como do conhecimento prático na medida em que é meramente intelectual. Inicialmente vou elaborar a primeira parte dessa crítica, que contém as fontes da metafísica, seu método e limites, para em seguida elaborar os princípios puros da moralidade; no que diz respeito à primeira parte, irei publicá-la dentro de mais ou menos três meses.” A carta em questão é de 21/02/1772 e pode ser encontrada em: Br, AA X: 129-135. A tradução pode ser encontrada em: KANT, I. Carta de I. Kant a Marcus Herz (tradução de Paulo Licht dos Santos). In: Revista O que nos faz pensar, nº32, dezembro de 2012. p 46. 176 “A questão fundamental reside sempre em saber o que podem e até onde podem o conhecimento e a razão conhecer, independentemente da experiência, e não como é possível a própria faculdade de pensar” (A XVII). 130

matéria-prima, enquanto a nossa atenção não despertar por um longo exercício que nos torne aptos a separá-los. (B 1 – 2)

Ora, esta passagem de 1787 já nos revela um Kant bem mais maduro acerca do estatuto e da importância da KrV, uma vez que já havia publicado sua primeira obra acerca da filosofia prática, a GMS, uma obra de caráter analítico sobre a filosofia transcendental teórica, os Prol, e, finalmente, também um acerca das bases para uma filosofia da natureza fundamentada no trabalho da física newtoniana os MAN (AA, IV). Todo este arcabouço teórico permitiu a Kant reforçar a ideia de que a KrV estabelece as bases do pensar em geral e, por conta de seu grande trabalho de revisão da obra para uma nova edição, podemos afirmar que Kant ratificou tal arcabouço, pontuando a obra como um primeiro passo para atingir um sistema. Não é fortuito, como já havíamos exposto, que o conceito de filosofia cosmopolita permaneça intacto nas duas edições e também ao longo de toda a sua trajetória de pensamento. Para podemos entender o estatuto da KrV em 1787 como uma propedêutica, que ainda não encontrou a sua sistemática, uma vez que o trabalho sistemático do conceito de filosofia havia estabelecido um procedimento interno, tanto em um sentido judicativo quanto em um sentido doutrinário, para entender tal estatuto desta maneira, precisamos compreender que Kant quer atingir em cheio o coração da metafísica dogmática com uma bala de prata e fundar o novo em filosofia. Por conta disso: A tarefa desta crítica da razão especulativa consiste neste ensaio de alterar o método que a metafísica até agora seguiu, operando assim nela uma revolução completa, segundo o exemplo dos geômetras e dos físicos. É um tratado acerca do método, não um sistema da própria ciência; porém, circunscreve-a totalmente, não só descrevendo o contorno dos seus limites, mas também toda a sua estrutura interna. (B XXII - XXIII)

Kant dar-se-á conta, posteriormente, que o sistema da ciência precisa de um arcabouço sistemático que não encerre o sistema em uma redoma, mas sim de um ponto de coerência lógica, já estabelecido no conceito de filosofia cosmopolita, o qual ganha reforço no projeto antropológico; desse modo, a KrV estabelece em sua apresentação doutrinária do método, a propagação necessária para a perpétua presença da crítica como princípio de ação intelectual. Até 1787, Kant ainda não estava seguro de ter encontrado na antropologia uma função que coubesse dentro da sistemática e que não fosse apenas o negativo da crítica. Isto é verdade na medida em que no prefácio de 1787 da KrV, Kant inclui a antropologia no contexto pré-crítico de modo que tratar de temas antropológicos sem uma apreciação crítica leva a uma série de preconceitos infundados. Seria isso uma espécie de gérmen da flexão antropológica, mas relativizado por conta de outras ciências também terem uma apreciação de viés pré-crítico sem 131 um trabalho de fundamentação feito pela lógica transcendental, em detrimento da lógica formal aristotélica. Pode reconhecer-se que a lógica, desde remotos tempos, seguiu a via segura, pelo fato de, desde Aristóteles, não ter dado um passo atrás, a não ser que se leve à conta de aperfeiçoamento a abolição de algumas subtilezas desnecessárias ou a determinação mais nítida do seu conteúdo, coisa que mais diz respeito à elegância que à certeza da ciência. Também é digno de nota que não tenha até hoje progredido, parecendo, por conseguinte, acabada e perfeita, tanto quanto se nos pode afigurar. Na verdade, se alguns modernos pensaram alargá-la, nela inserindo capítulos, quer de psicologia, referentes às diferentes faculdades de conhecimento (a imaginação, o espírito), quer metafísicos, respeitantes à origem dos conhecimentos ou às diversas espécies de evidência, consoante a diversidade dos objetos (idealismo, cepticismo, etc.), quer antropológicos, relativos aos preconceitos (suas causas e remédios), provém isso do seu desconhecimento da natureza peculiar desta ciência. Não há acréscimo, mas desfiguração das ciências, quando se confundem os seus limites; porém, os limites da lógica estão rigorosamente determinados por se tratar de uma ciência que apenas expõe minuciosamente e demonstra rigorosamente as regras formais de todo o pensamento (quer seja a priori ou empírico, qualquer que seja a sua origem ou objeto, quer encontre no nosso espírito obstáculos naturais ou acidentais). (B VIII- IX)

A novidade da lógica transcendental em relação à lógica formal permitiu a filosofia transcendental retraçar todos os contornos e ressignificar as ciências que orbitavam em torno daquela lógica. Um bom exemplo é a própria antropologia que, se na lógica formal sua inserção dizia respeito ao que Kant chama de preconceitos, na própria KrV Kant a trata como a parte empírica em que a moralidade deve fundamentar a ação, contudo sem ser por ela fundamentada, visto que “a metafísica dos costumes é, propriamente, a moral pura, onde não se toma por fundamento nenhuma antropologia (nenhuma condição empírica)” (A 841 / B 869). E, de fato, mesmo no seio do projeto antropológico Kant não concede nenhuma parte empírica à moral, uma vez que seu estatuto de ciência a priori não a permite. Não é fortuito, com isso, que Kant tenha podido começar suas aulas de antropologia tendo como base a psicologia empírica, diferenciando-as, posteriormente, e renegando esta última a quase inexistência dentro do sistema, quando do advento do projeto antropológico.177 O empírico é aquilo para o qual deve ser direcionada a filosofia transcendental, sendo, pois, esta última o estatuto principal da KrV e seu viés sempre de fundamentação mor do pensamento. No entanto, a filosofia neste último sentido possui peculiaridades tão próprias que não há como compará-las com aquelas que as ciências empíricas possuem. Isto fica mais claro quando Kant estabelece que no uso prático da razão, e na ponte teleológica entre este uso prático e o teórico, tem- se uma teoria das condições de possibilidade de fundamentar o tratamento acerca do mundo, e não o

177 Ora isto pode ser claramente visto nas suas lições de antropologia, principalmente, a diferença entre a primeira lição (Collins, 1772-3) e a última (Busolt 1788-9). 132 mundo em si mesmo. Portanto, a KrV possui o estatuto de obra principal da filosofia kantiana como um todo e, por conta de inaugurar uma nova forma de fazer filosofia, fundamentando toda a reflexão posterior. Contudo, dentro das bases do desenvolvimento de seu pensamento, ela possui um estatuto transcendental que a coloca na parte formal da sua filosofia e, neste sentido, representa o primeiro projeto de filosofia em sua pureza. Faz-se mister entender o estatuto da KpV e da KU neste contexto. Ambas as obras são continuações do projeto crítico-transcendental e se portam como estabelecedoras dos fundamentos a priori para suas funções, a saber, o uso prático da razão no caso da KpV e do uso teleológico da razão no caso da KU. Também podemos notar, ao analisarmos as suas respectivas funções, que o autor estava bem mais preocupado em fundamentar um sistema de filosofia a priori do que estabelecer quais elementos empíricos concretos os juízos correspondentes a cada função devem mirar. Com isso, para entendermos o estatuto das outras duas críticas no primeiro projeto kantiano, não devemos descuidar que estava em marcha uma série de críticas à filosofia kantiana, das quais o próprio Kant não descuidou.178 A KpV recai sob o mesmo estatuto conceitual da KrV, a saber, fundamento de um projeto crítico-transcendental, mas com as diferenças de, primeiro, ser uma obra que visa mostrar o funcionamento do uso prático da razão e, segundo, por deixar dúvidas se seria uma obra já previamente pensada ou teria surgido para fortalecer o projeto crítico. Ora, teria Kant concentrado o projeto crítico em seu início apenas na KrV, tratando o que viesse a seguir como fundamento propedêutico as duas prometidas metafísicas, dos costumes e da natureza? Responder esta pergunta nos permitirá cravar o verdadeiro estatuto da KpV. Kant envia em 21/02/1772 (AA X, s 129) a, já citada, carta a Marcus Herz, na qual mostra um plano para escrever em um único sistema o que tornaram-se as Críticas: Depois de sua partida de Königsberg, examinei mais uma vez, nos intervalos entre o trabalho e o descanso de que tanto necessito, o projeto das considerações que tínhamos discutido, tanto para adequá-lo à filosofia como um todo e a outros conhecimentos, quanto para compreender a extensão e os limites desse projeto. Em relação à distinção entre sensível e intelectual na moral e aos princípios daí decorrentes, eu já tinha ido, antes, razoavelmente longe. Também há muito já tinha esboçado, para minha razoável satisfação, os princípios do sentimento, do gosto e do poder de julgar, com os seus efeitos, o agradável, o belo e o bem, e planejava então uma obra que poderia ter por título algo como: Os limites da sensibilidade e

178 Parece um contrassenso exigir tal coisa de uma filosofia a priori, entretanto a formalidade das Críticas sugeriam aos olhos dos críticos uma filosofia sem mundo, tal como em Hamann, no que diz respeito a falta de historicidade, e Jacobi no que concerne a aporia do conceito de coisa-em-si, expoente máximo do formalismo. Cf. HAMANN, J, G. Metacrítica do purismo da razão. In: JUSTO, J. M. (org.). Ergon ou energuéia (tradução de J. M. Justo). Lisboa: Apáginastantas, 1986. E também Cf. JACOBI, F H. Über das Unternehmen des Kritizismus, die Vernunft zu Verstande zu bringen und der Philosophie überhaupt eine neue Absicht zu geben. Hamburg: Meiner, 1998. Werke, vol. III. 133

da razão. Eu a concebia dividida em duas partes: uma teórica, outra prática. A primeira parte teria duas seções: 1. A fenomenologia em geral; 2. A metafísica, mas apenas segundo sua natureza e método. A segunda parte teria igualmente duas seções: 1. Os princípios gerais do sentimento do gosto e do desejo sensível; 2. Os primeiros fundamentos da moralidade.179

Como podemos notar, o plano de Kant de incluir o uso prático da razão no programa crítico estava há muito tempo pensado. Obviamente, a extensão e a fundamentação da KrV tornou inviável a consecução do plano exposto acima na carta em pouco tempo. A KpV possui um estatuto de fundamento da razão prática na filosofia crítica, entretanto Kant expõe acima as temáticas, as quais ele vai desenvolver e, como sabemos, a GMS apareceu anteriormente à KpV e, por conseguinte, expôs os conteúdos concernentes à filosofia prática como propedêutica à metafísica dos costumes. Seria a KpV um acidente de percurso, visto a GMS apresentar um problema de fundamentação à ação e caso isso seja verdadeiro, tal caráter acidental diminuiria o status da KpV como pilar da filosofia kantiana? Primeiramente, vimos que Kant possui um pensamento em constante atualização e, desse modo, faltava à GMS a demonstração de que a moralidade era real, e não um mero postulado, uma condição de possibilidade, na medida em que apenas o respeito à lei moral era colocado como ponto de fundamentação; ora, as condições de possibilidade para agir moralmente estavam postas, mas sem um móbil mais forte para a ação moral. A KpV, assim, trouxe ao debate da filosofia prática a ideia de que a liberdade transcendental é um fato da razão,180 um verdadeiro móbil que podemos não seguir, mas nunca desconsiderar. Voltar a este ponto nos permitirá responder a questão acima. Por conta de a KrV ter ficado muito longa, Kant continuou o projeto crítico em vista da consecução das duas metafísicas ali prometidas, daí ter surgido em 1785 a GMS; aqui Kant diz que “a lei moral, na sua pureza e autenticidade (e é exatamente isto que mais importa na prática), não se deve buscar em nenhuma outra parte senão numa filosofia pura e esta (Metafísica) tem que vir portanto em primeiro lugar, e sem ela não pode haver em parte alguma uma filosofia moral.”181 Ora, a pureza aparece discretamente como fundamento primeiro, expondo que Kant, em vez de demonstrar a existência real da liberdade transcendental, fundamentou a continuação de um projeto de embasamento da razão pura. Daí que para respondermos a contento aquelas perguntas iniciais, faz-se mister apontar que a KpV, apesar de não ser um mero acidente (uma vez que os Prol e MAN também não são acidentes, reforçando o projeto de filosofia transcendental como fundamentação do pensamento científico e

179 KANT, I. Carta de I. Kant a Marcus Herz (Paulo Licht dos Santos). Rev. O que Nos Faz Pensar, PUC-Rj, Nº 32, Dez. 2012. ps 42-3. 180 KANT, I. Crítica da razão prática (tradução de Valério Rohden). São Paulo: Martins Fontes: 2002. p 53. 181 KANT, I. Fundamentação da Metafísica dos Costumes (tradução de Paulo Quintela). Lisboa: Ed. 70, 1995. p 17. 134 consequente), só se converteu em obra pilar do projeto crítico depois de alguns anos de reflexão após a recepção da GMS, uma vez que esta obra foi proposta por Kant como uma Crítica da Razão Pura Prática, que deveria anteceder a MS. No propósito, pois, de publicar um dia uma Metafísica dos Costumes, faço-a preceder desta Fundamentação. Em verdade não há propriamente nada que lhe possa servir de base além da Crítica duma razão pura prática, assim como para a Metafísica o é a Crítica da razão pura especulativa já publicada […] pois no fim de contas trata-se sempre de uma só e mesma razão, que só na aplicação se deve diferenciar. A tal perfeição não podia eu chegar ainda agora, sem recorrer a considerações de natureza totalmente diversa que provocariam confusão no espírito do leitor. Eis por que, em vez de lhe chamar Crítica da razão pura prática, eu me sirvo do título de Fundamentação da Metafísica dos Costumes.182

Ora, em outras palavras, Kant diz que não necessita de uma Crítica da Razão Pura Prática, na medida em que a GMS é capaz de dar conta desta área. É interessante notar que até 1787 Kant não falou nenhuma vez, nem em cartas privadas, que pretendia publicar uma KpV como obra singular com missão própria, senão sempre pontou que pretendia escrever uma Metafísica dos Costumes. A atualização da pretensão de Kant no campo da moral mudou, surpreendentemente, tanto que alguns meses após publicar a segunda edição da KrV, Kant expôs em carta a Christian Schütz, de 25/06/1787,183 que concluiu a redação da KpV, enquanto obra independente e complementar à GMS, a qual poderia se tornar apenas a sua introdução. O ano de 1787, com isso, pode ser visto como o ponto de decisão de Kant de que aquilo que ele estava fazendo poderia ser caracterizado como um projeto crítico composto por três críticas, tal qual foi exposto por Kant em carta a Reinhold de 28/12/1787.184 Por ter atualizado o projeto crítico no ano de 1787, Kant se permite iniciar o prefácio à KpV de modo decidido acerca da continuação de uma filosofia mais abrangente e preocupada com o mundo.185 Com todas estas informações podemos responder as questões que acima nos propusermos. A KpV não é um mero acidente uma vez que todos os temas que estão presentes na obra fazem parte do conjunto teórico planejado para a filosofia crítica e apesar de ela não ter sido pensada como obra singular, senão após Kant enxergar as falhas supracitadas na GMS,186 os temas da KpV são bem mais importantes que meramente seus modos de apresentação. Daí que como conclusão pensamos 182 KANT, I. Fundamentação da Metafísica dos Costumes (tradução de Paulo Quintela). Lisboa: Ed. 70, 1995. ps 18-9. 183 KANT, I. Briefwechsel. AA X, s 490. 184 KANT, I. Briefwechsel. AA X, s 513. 185 “Na medida em que “o presente tratado esclarece suficientemente por que esta Crítica não é intitulada Crítica da razão prática pura, mas simplesmente Crítica da razão prática em geral, ainda que seu paralelismo com a crítica da razão especulativa pareça requerer o primeiro título. Ela deve meramente demonstrar que há uma razão prática pura […] Pois, se ela, enquanto razão pura, é efetivamente prática, prova sua realidade e a de seus conceitos pelo ato.” KANT, I. Crítica da razão prática (tradução de Valério Rohden). São Paulo: Martins Fontes, 2002. p 3. 186 “Kant jamais fez menção da intenção de escrever uma obra separada que viesse a chamar-se Crítica da razão prática. Referia-se sempre apenas a objetivos de escrever uma metafísica da moral.” Valério Rohden. Introdução à edição brasileira. In: KANT, I. Crítica da razão prática (tradução de Valério Rohden). São Paulo: Martins Fontes, 2002. p 3. 135 que o estatuto da KpV é o de pilar fundamental ao primeiro projeto de filosofia de Kant. Ela funda a maneira pela qual a filosofia crítica se espalha como, verdadeiramente, um projeto crítico-transcendental uma vez que estabelece a validade da liberdade transcendental, em vez de ser um mero projeto metafísico. Ela também ajudará, como veremos mais a frente, ao desenvolvimento da antropologia como ciência principal da filosofia kantiana, por meio da ideia de que a consecução da liberdade no mundo é a finalidade do sistema, percebendo Kant, posteriormente, que para tal precisa de uma ciência da aplicação da liberdade como função principal. A KU, por sua vez, veio à tona dentro dos parâmetros de uma obra crítica independente em 1790. Desse modo, ela representa uma maneira de lidar com dados específicos do mundo, de modo a referenciá-los por meio de juízos, que não são constitutivos dos objetos, mas reflexionantes, em sentido teleológico. Kant queria aqui completar a realização da filosofia transcendental como capaz de dar conta dos aspectos mais importantes do mundo: Logo, era propriamente o entendimento – que possui o seu próprio domínio, e na verdade na faculdade do conhecimento, na medida em que ele contém a priori princípios de conhecimentos constitutivos – que deveria ser posto em geral pela chamada Crítica da razão pura em posse segura e única contra todos os competidores. Do mesmo modo foi atribuída à razão, que não contém a priori princípios constitutivos senão com respeito à faculdade de apetição, a sua posse na Crítica da razão prática. Ora, a faculdade do juízo, que na ordem de nossas faculdades de conhecimento constitui um termo médio entre o entendimento e a razão, também tem por si princípios a priori […] Não obstante, seus princípios não devem constituir, em um sistema da filosofia pura, nenhuma parte especial entre a filosofia teórica e a prática, mas em caso de necessidade devem poder ser ocasionalmente ajustados a cada parte.187

Kant estabelece que na KU está em jogo faculdade do sentimento de prazer e desprazer. O termo faculdade significa, neste contexto, um potencial para a realização de fins. Com isso, a faculdade de conhecimento tem o potencial para atingir fins cognitivos, a faculdade da apetição tem o potencial para atingir fins morais e a faculdade do sentimento de prazer e desprazer tem o potencial para atingir fins teleológicos. Quanto a esta última, há um modo de adequar as duas potencialidades anteriores, de modo a existir uma transição entre as faculdades teórica e prática. A KU, com isso, reflete acerca de dois tipos de objetos, a saber, a arte e a teleologia da natureza. Pressupõe-se aqui a total e irrestrita tentativa de Kant de posicioná-la dentro do projeto crítico, de modo que a sua função dirima qualquer dúvida acerca da desconexão entre o conhecimento e a moral. Daí que “uma Crítica da razão pura, isto é, da nossa faculdade de julgar segundo princípios a priori, estaria incompleta se a faculdade do juízo, que por si enquanto

187 KANT, I. Crítica da faculdade do juízo (tradução de Valério Rohden). Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008. ps 12-3. 136 faculdade do conhecimento também a reivindica, não fosse tratada como sua parte especial.”188 O estatuto da KU, assim, assenta-se na sua capacidade de emitir juízos sintéticos a priori reflexionantes, em vista de finalidades reflexivas de um modo seguro e, cientificamente, crível; daí o conceito de conformidade a fins da natureza. Tal obra abre a possibilidade real de imersão em um conteúdo empírico e finalístico, que diga respeito a como usar todo este arcabouço teórico dentro de um contexto em que o ser humano seja o objeto privilegiado, desdobrando reflexões e soluções para problemas humanos pragmáticos. Então, os objetivos das três obras críticas são os de, primeiramente, ser um projeto filosófico para fundamentar as pretensões da filosofia transcendental, em vista de um padrão para a resolução de problemas formais; o segundo objetivo diz respeito a desempenhar uma função propedêutica, que até o início da década de 1790 concernia, completamente, à fundamentação das metafísicas da natureza e dos costumes, ambas, naquele momento, ainda porvir. Kant flexionou o seu projeto de filosofia por entender que uma antropologia de característica predominantemente pragmática tivesse mais efetividade que uma metafísica, a fim de completar um projeto filosófico, de fato, viável à humanidade. Portanto, o estatuto das três críticas após o advento do projeto antropológico em 1793 não mudou; as críticas continuaram sendo propedêuticas que fundamentam o pensamento em vista de adequar os princípios puros do pensamento ao mundo pragmático, tal qual uma constante prova daquele neste último. O estatuto de fundamentação desas obras se coloca como base de um sistema cosmopolita que viria completar um padrão de pensamento e ação universal. Isto posto, cabe-nos investigar a importância das obras do projeto antropológico em relação às Críticas e em seus propósitos próprios.

4.2) O Estatuto das Obras do Segundo Projeto

Pensamos que o arcabouço crítico não necessita da antropologia para validar suas pretensões legitimamente, mas a necessita para atingir os seus objetivos; em contrapartida, a antropologia depende do arcabouço crítico para que o seu discurso seja, completamente, válido. Em uma palavra, o projeto crítico fundamento o projeto antropológico; apesar diferença de nível de argumentação de ambos, eles necessitam um do outro para atingir os seus desígnios, segundo Kant. Isto posto, devemos aqui neste espaço mostrar o estatuto das obras do projeto antropológico

188 KANT, I. Crítica da faculdade do juízo (tradução de Valério Rohden). Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008. p 12. 137 da mesma maneira que fizemos com o projeto crítico-transcendental. Assim, há duas obras que devem ser identificadas como símbolos do projeto pragmático, a saber, primeiro, a Rel, por conta de seu caráter híbrido, pois ao mesmo tempo que fecha o projeto crítico, também inaugura o projeto antropológico de organização pragmática da vida cotidiana em vista de fins; segundo, a Anth, por ser a obra em que Kant procura explicar o que entende, conceitualmente, por antropologia, dando azo ao entendimento desse segundo e inacabado projeto de filosofia. Há também o caso específico da MS, um texto anacrônico, pois pertence ao primeiro projeto, representando a consecução da prometida Metafísica dos Costumes e, ao mesmo tempo, estabelece as regras pragmáticas de mediação de conflitos humanos por meio do direito. A Rel surgiu em 1793 a partir do ajuntamento de quatro ensaios independentes acerca do tema da teologia filosófica.189 Ora, o caráter que gerou controvérsia nesta obra190 é simbolizado pela ideia de que a moral não precisa da religião, apesar de conduzir inevitavelmente a ela, devido ao modo de funcionamento teleológico da razão. Entretanto, conduzir difere, substancialmente, de fundamentar e aqui está a base da transição feita por Kant. Ora, este modo de compreender a religião simboliza também a flexão de pensamento de Kant, a partir da percepção de que a satisfação da filosofia crítica, enquanto projeto filosófico, apenas podia acontecer se a filosofia pura tivesse, de fato, aplicação no mundo empírico, assegurando funcionalidade ao seu caráter racional. O primeiro grande teste após a virada antropológica foi a Rel e suas teses de caráter híbrido, isto é, que concernem, ao mesmo tempo à filosofia pura, no caso à moralidade, e sua consecução empírica como uma pedagogia moral. Por conta disso: Fim é sempre o objeto de uma inclinação, i.e., de um apetite imediato para a posse de uma coisa por meio da sua ação; assim como a lei (que ordena praticamente) é um objeto do respeito. Um fim objectivo (i.e., o que devemos ter) é aquele que nos é dado como tal pela simples razão. O fim que contém a condição iniludível e, ao mesmo tempo, suficiente de todos os outros é o fim último. A felicidade própria é o fim último subjectivo de seres racionais do mundo (fim que cada um deles tem em virtude da sua natureza dependente de objetos sensíveis, e do qual seria absurdo dizer: que se deve ter), e todas as proposições práticas, que têm como fundamento este fim último são sintéticas, mas, ao mesmo tempo, empíricas.191

189 Para um excelente comentário sobre uma série de aspectos da obra e, em especial, sobre a história de composição do manuscrito da Rel: Cf. PALMQUIST, S. Compreensive commentary on Kant's Religion within the limits of bare reason. Chichester: WILEY Blacwell, 2016. 190 O tema da religião sempre esteve em pauta na filosofia kantiana, mas, na maior parte das obras, como algo indireto e também em sua vida de professor de teologia filosófica cujos resultados colhidos pelos alunos podem ser encontrados em AA XXVIII da edição da Kants Akademie Ausgabe. Entretanto, tratar de religião em um estado prussiano fortemente protestante não era uma tarefa simples para aqueles não apegados aos dogmas. De qualquer modo, Kant pretendia publicar seus escritos sobre religião em 1792, enviando inclusive o primeiro capítulo para ser publicado independentemente, o que ocorreu em 1792 na Berlinische Monatsschrift. As outras três partes foram, após passar por censura governamental, proibidas, mas após serem submetidas a um comitê teológico, provavelmente, da própria universidade de Königsberg, foram liberadas e publicadas em 1793. Cf. KUEHN, M. Kant, a Biography. Cambrigde: Cambridge University Press, 2001. p 329. 191 KANT, I. Religião nos limites da simples razão (tradução de Artur Morão). Lisboa: Edições 70, 1992. p 14. Grifo 138

A felicidade é um fim hipotético que não pode, em seus conteúdos específicos empíricos, ser colocada como universal. No entanto, ser digno de ser feliz é algo que, moralmente, conduz o homem a poder satisfazer suas demandas empíricas sem, no entanto, ir de encontro aos fundamentos formais da ética. A simples razão comporta este tipo de arranjo, de modo que o ser humano não abdique simplesmente de sua condição de satisfação empírica, mas respeite a universalidade da espécie. Por conta disso, a Rel é uma obra de transição, de maneira que ela inaugura, não anunciadamente na obra, o período antropológico, mas respondendo a uma questão de interesse ainda fundamental ao projeto de passagem da metafísica à filosofia transcendental, a saber, o que me é permitido esperar? Não é à toa também que na carta a Stäudlin, de 04/05/1793, Kant trata dos por quês de sua Rel ter sido vetada pela censura, uma vez que sua intenção não era degradar a religião cristã, “mas, acreditar compreender a possível associação entre a religião e a mais pura razão prática, abertamente exposta.”192 Na Rel, Kant procura fundamentar a passagem de projetos. Ele traz esta faceta ao dizer que “a moral, enquanto fundada no conceito do homem como um ser livre que, justamente por isso, se vincula a si mesmo pela razão a leis incondicionadas, não precisa nem da ideia de outro ser acima do homem para conhecer o seu dever, nem de outro móbil diferente da própria lei para o observar […] Por conseguinte, a Moral, em prol de si própria […] de nenhum modo precisa da religião, mas basta-se a si própria em virtude da razão pura prática.”193 Ora, a ideia de que a moral não necessita de Deus foi vista como algo escandaloso aos olhares teológicos da época. No entanto, no que concerne à economia interna da filosofia kantiana, este modo de pensamento revela que a racionalidade deve conduzir o processo, uma vez que as religiões são construídas em cima de um conjunto de dogmas. Daí não é por conta de a moral subsistir sem o auxílio da religião que aquela não conduza racionalmente a esta, uma vez que o modelo de filosofia adotado por Kant sempre exige fins, caminhos a serem percorridos e, devido a isso, “a moral conduz, inevitavelmente, à religião.”194 A moral, para Kant, é a responsável por colocar a ideia da existência de um objeto máximo de respeito, que, quando exposto pela religião, ganha o estatuto de objeto máximo de adoração, “mas tudo, até o mais sublime, se degrada na mão dos homens, quando estes empregam para uso seu a ideia daquele.”195

nosso. 192 “Sondern, wie ich die mögliche der letzteren mit der reinsten praktischen Vernunft einzusehen glaube, offen darzulegen.” KANT, AA XI, s 429. 193 KANT, I. Religião nos limites da simples razão (tradução de Artur Morão). Lisboa: Edições 70, 1992. p 11. 194 KANT, I. Religião nos limites da simples razão (tradução de Artur Morão). Lisboa: Edições 70, 1992. p 14. 195 KANT, I. Religião nos limites da simples razão (tradução de Artur Morão). Lisboa: Edições 70, 1992. p 15. 139

O estatuto híbrido e de transição da Rel é representado pelo confronto entre o caráter racional da religião, fundada em princípios a priori da moral, e o conhecimento pragmático (Weltkenntnis) de organização social por meio da igreja. Devido a isso, a religião há de ter plena ciência que a condução do povo deve ocorrer sob a mais completa racionalidade, pois “com efeito, uma religião que declara guerra à razão não se aguentará, durante muito tempo, contra ela.”196 Isto significa que a religião necessita do pensamento filosófico para se legitimar diante da humanidade em vista do progresso material para o melhor, o qual não pode se dá sem um progresso espiritual e moral da humanidade. Entretanto, por conta do caráter racional da religião proposta por Kant, a razão, em vez da bíblia, possui a palavra final. Stephen Palmquist nos mostra como esta ideia fundamenta sua consecução:

Os filósofos iniciam com a mera razão e procuram acessar a maior significação de qualquer suposta revelação, enquanto os teólogos bíblicos partem corretamente da revelação e usam a razão para entender seu conteúdo. Kant identifica explicitamente seu público pretendido no Prefácio à Religião como consistindo nesses mesmos dois grupos, cuja inclinação natural é dirigir a influência um do outro - como fizeram os dogmáticos e céticos cujas posições a primeira Crítica tentou ligar. Antes de mais nada, ele se dirige aos filósofos do Iluminismo, muitos dos quais eram dogmáticos em sua rejeição da religião empírica, tratando-as como irrelevantes para seu projeto - o que não surpreende em um momento em que as igrejas corriam o risco de serem sequestradas por extremistas fanáticos como Wöllner. Eles tipicamente assumem que a mera razão pode explicar toda a verdade religiosa, de modo que a verdadeira religião empírica pode ser descartada como totalmente ilusória. Um objetivo central da Religião é demonstrar a instabilidade racional dessa posição, na medida em que a moralidade não pode alcançar seu objetivo, a realização histórica do destino humano, sem a ajuda da religião empírica. O segundo grupo-alvo, igualmente importante, consiste em pastores e teólogos cristãos (assim como estudantes de teologia), muitos dos quais (incluindo alguns amigos de Kant) eram céticos em relação à filosofia, não tendo esta qualquer relevância para os crentes religiosos comuns. É por isso que Kant nunca questiona a dádiva da experiência religiosa, permitindo que os rituais e crenças encontrados dentro de uma tradição religiosa específica tenham algum significado genuíno não apenas para os crentes, mas possivelmente (nunca poderemos saber) até para Deus. Para construir um argumento transcendental, deve-se assumir a base para provar uma experiência que os leitores céticos concederão como genuína. [...] O objetivo da Religião é atrair esses grupos para um conflito criativo com o potencial de transformar ambos a serviço do que Kant considerava como a maior meta da humanidade: o estabelecimento de uma comunidade de pessoas de mente certa e de bom coração.197 196 KANT, I. Religião nos limites da simples razão (tradução de Artur Morão). Lisboa: Edições 70, 1992. p 18. 197 “Philosophers rightly start with bare reason and seek to assess the meaningfulness of any alleged revelation, while biblical theologians rightly start from revelation and use reason to understand its content. Kant explicitly identifies his intended readership in the Preface to Religion as consisting of these same two groups, whose natural inclination is to steer clear of each other's influence—much as did the dogmatists and skeptics whose positions the first Critique attempted to bridge. First and foremost, he addresses Enlightenment philosophers, many of whom were dogmatic in their rejection of empirical religion as irrelevant to their project—not surprising at a time when churches were in danger of being hijacked by fanatical extremists like Wöllner. They typically assumed bare reason can account for all religious truth, so that real empirical religion can be discarded as wholly illusory. A central goal of Religion is to demonstrate the rational instability of that position, inasmuch as morality cannot reach its aim, in the historical fulfillment of human destiny, without the aid of empirical religion. The second, equally important 140

Esta extensa passagem nos mostra, segundo Palmquist, que Kant pretendia usar os conteúdos da religião e sua influência na vida cotidiana do povo para, primeiramente, introduzir gradativamente uma racionalidade mínima nos assuntos religiosos, a fim de que o fanatismo fosse abolido em vista da melhor forma possível de culto e, segundo, para melhorar as condições de vida da humanidade, fazendo-a progredir constantemente em direção ao melhor. A moral conduz à religião e esta última conduz à antropologia como forma pragmática de aplicação de princípios e juízos, tanto que, em relação à Rel, Kant afirma que “dos quatro tratados seguintes – nos quais, para tornar manifesta a relação da religião com a natureza humana, sujeita em parte a disposições boas e em parte a disposições más, represento a relação do princípio bom e do mau como uma relação de duas causas operantes por si subsistentes e que influem no homem.”198 A preocupação com a natureza humana é o motor principal da Rel, enquanto obra que representa a flexão sistemática em direção à antropologia. Apesar de Kant não ter ainda, a esta altura, formulado de modo sistemático e acabado o que, plenamente, pretendia com uma antropologia como o maior interesse da razão, ele estava construindo uma maneira de filosofar que tivesse como pauta a empiria, enquanto forma mor de testar todos os ganhos a priori conquistados pela filosofia transcendental. Portanto, o estatuto da Rel é o de uma obra de transição do projeto crítico-transcendental para o projeto antropológico, mas com uma forte tendência deste último aspecto. Apesar disso, sua principal classificação estatutária tem de ser posta sob o signo da antropologia, por conta de ser uma obra que investiga como a religião pode auxiliar na melhora constante do humano e seu progresso em direção ao melhor. A Anth, por sua vez, é a principal obra de viés pragmático do projeto antropológico de Kant. Isto posto, três características da Anth a colocam como a obra principal desse período. Primeira, a Anth é uma obra símbolo do projeto antropológico, por conta de ter sido desenvolvida em sala de aula. Kant começou lecionar a disciplina de antropologia em 1772 e apenas parou o curso quando de sua aposentadoria em 1796.

target group consists of Christian pastors and theologians (as well as theology students), many of whom (including some of Kant's friends) were skeptical about philosophy having any relevance to ordinary religious believers. This is why Kant never questions the givenness of religious experience but instead allows that the rituals and beliefs found within a specific religious tradition may have some genuine meaning not only to the believers but possibly (we can never know) even to God. To construct a persuasive transcendental argument, one must assume the basis for proof on experience one's skeptical readers will grant as genuine. […] The aim of Religion is to entice these groups into a creative conflict with the potential to transform both in the service of what Kant saw as the single greatest goal of humankind: the establishment of a community of right-minded and good-hearted persons.” PALMQUIST, S. Introduction. In: KANT, I. Religion Within the Bounds of Bare Reason (translated by Werner Pluhar). New York: Hackett, 2009. p xxi. 198 KANT, I. Religião nos limites da simples razão (tradução de Artur Morão). Lisboa: Edições 70, 1992. p 18. 141

Aliás, as Lições de Antropologia apenas foram estabelecidas em 1997 com o trabalho de Norbert Hinske e Werner Stark e constam no volume XXV das obras completas de Kant. As lições de antropologia que Kant concedeu em sala de aula tratam de temas amplos, que vão desde a psicologia empírica, retirada da Metaphysica de Baumbartem, até a literatura, passando também por conhecimentos etnológicos sobre povos e etc. Este tipo de erudição não se misturava com pedantismo acadêmico de modo que o caráter de suas lições deviam alcançar um público bem amplo. A sala de aula mostrou a Kant como direcionar os conteúdos da antropologia, tanto que esta disciplina e a filosofia crítica são desenvolvidas na década de 1770, mas enquanto a última tem sua vazão na década seguinte, Kant precisou de mais alguns anos para entender a crucial importância da antropologia no seu sistema. Esse amadurecimento conseguido na sala de aula revela ser Kant um pedagogo da humanidade, que tem de educar a juventude para a vida cotidiana, fazendo os educandos sempre colocarem suas atitudes em perspectiva, de modo que a humanidade inteira possa ter um benefício efetivo disso. O resultado, assim, de mais de 20 anos de desenvolvimento da antropologia é a publicação em 1798 da Anth. Segunda caraterística: a organização interna da Anth sugere que Kant tentou espelhar a filosofia crítica nesta obra, mostrado um sistema de aplicação e testes de princípios e de juízos no âmbito pragmático. Faz-se mister aqui pontuar o modo de organização escolhido por Kant para a referida obra. A maioria dos comentadores da obra de Kant tratou a Anth como algo menor que não fazia parte do sistema de filosofia crítica, sendo, pois, um subsistema menor, que se refere ao homem pragmático.199 Ora, é interessante notar que a depreciação da Anth contrasta com o modo o qual Kant organiza a obra, espelhando as obras críticas, aprofundando-as em um sentido pragmático, uma vez que as três faculdades crítico-transcendentais são contempladas. Mais precisamente, Kant divide a obra em duas partes fundamentais, a saber, a primeira parte é uma Didática Antropológica: da maneira de conhecer tanto o interior quanto o exterior do ser humano, já a segunda parte Kant a denomina como Característica Antropológica: da maneira de conhecer o interior pelo exterior. Devemos notar que assim como as Críticas são apresentadas em duas partes ou capítulos, uma doutrina dos elementos e uma do método, também o é a Anth, mas com a peculiaridade de uma aplicação do método; a característica antropológica mostra uma etnologia do homem europeu, mais precisamente alemão, comparando-o aos outros povos, tanto que aquele serve como modelo antropológico (voltaremos a este ponto). Em relação ao método, Kant usa os ganhos críticos por

199 Como, por exemplo Werner Stark: STARK, W. Kritischer Kommentar zu Kants Anthropologie in pragmatischer Hinsicht. Hamburg: Felix Meiner, 1999. 142 meio da faculdade de julgar, mas sem esperar, com isso, obter juízos determinantes sobre o homem. O estatuto da Anth, de obra principal do projeto antropológico, se dá devido ao fato que a organização da obra congrega as três faculdades superiores em uma aplicação antropológica. Com isso, Kant expõe na Didática a faculdade de conhecer, a faculdade de desejar e a faculdade do sentimento de prazer e desprazer de uma maneira tal que aquilo que se dava como condição de possibilidade anteriormente, agora testa sua aplicabilidade por meio de juízos sintéticos a priori e, principalmente, da observação se estes juízos satisfazem propósitos cosmopolitas. Por conta disso, segundo Suze Piza, “a Antropologia é sistemática e popular. É sistemática, pois forma um todo coerente, e empresta sua coerência ao todo do pensamento crítico. É popular, uma vez que tem um estilo particular de evidenciar a multiplicidade do diverso, do singular. Isto é, assenta-se sobre um conhecimento do mundo e do homem, e do homem no mundo. A Antropologia repete o projeto crítico.”200 O caráter sistemático da Anth segue a determinação kantiana do envolvimento da quarta pergunta, a antropológica, como função fundamental e magnética de todas as outras grandes questões que interessam à razão. O seu caráter popular, em nossa visão, em vez de depreciar a Anth como uma obra menor, faz o movimento contrário, a saber, o de agregar nela o caráter de posição fundamental no sistema. Uma antropologia sistematicamente delineada e, todavia, popular (pela referência a exemplos que todo leitor possa por si mesmo encontrar), composta desde um ponto de vista pragmático, traz ao público leitor a vantagem de que esgotando todas as rubricas sob as quais se pode colocar esta ou aquela qualidade humana, observada na prática, lhe são dadas numerosas ocasiões e lhe são dirigidas numerosas exortações para tratar, como um tema próprio, cada qualidade particular, inserindo- a num item específico: com isso, na antropologia os trabalhos se dividem por si mesmos entre os amantes desse estudo e serão posteriormente reunidos num todo pela unidade do plano, promovendo-se e acelerando-se então o crescimento de uma ciência de utilidade geral.201

Podemos afirmar que a ligação entre o primeiro projeto de filosofia transcendental e o projeto antropológico dá-se da mesma maneira que uma dobradiça liga a porta à parede que a segura, apesar de serem objetos diferentes, fazem parte de um único sistema. Kant construiu na filosofia transcendental um plano para instalar uma porta, a antropologia fez a instalação e dá conta de saber quem passa diariamente naquela porta. Ora, a antropologia é responsável por fazer o inventário do que o homem fez de si mesmo, levando-o aonde a filosofia transcendental não pode ir por conta de sua pureza filosófica.

200 PIZA, S. Quem tem medo de Opus Postumum? In: Kant e-Prints, Campinas, Série 2, v. 13, n. 1, pp. 74-93, jan.- abr., 2018. p 86. 201 KANT, I. Antropologia de um ponto de vista pragmático (tradução de Clélia Aparecida Martins). São Paulo: Martins Fontes, 2006. p 23. 143

A Anth é também o símbolo de um projeto inacabado. Por conta disso a PhG, a Päd e Log, as quais Kant permitiu a publicação por meio da compilação de alguns de seus assistentes, mais precisamente Theodor Rink e Gottlieb Jäsche, possuem estatuto parecido com a Anth, tendo como única diferença a de que o próprio Kant organizou e a reescreveu. Todos estes manuais possuem como escopo o conhecimento de mundo, salvo a Log que permite pensar as condições de possibilidade deste conhecimento de mundo e não fortuitamente carrega em sua formulação principal a pergunta antropológica. Terceira, a Anth possui o estatuto de obra principal do projeto antropológico devido ao fato de Kant não ter conseguido completar o que se convencionou a chamar de OP. Faz-se mister nesta parte mostrar que a premissa do pensamento em constante movimento fez de Kant alguém que atualizou a sua filosofia até os últimos dias de sua reflexão. Isto se faz verdadeiro, na medida em que, primeiramente, Kant entende, por volta da metade da década de 1790, que ainda não completara o projeto de filosofia transcendental, uma vez que não havia, até então, publicado nem a Metafísica da Natureza tampouco a Metafísica dos Costumes, as quais teriam de ser a base última da ciência transcendental que permitiria uma base mais sólida ao projeto antropológico. Em 1796, Kant se aposenta de suas aulas na universidade, a fim de trabalhar, na consecução de suas Metafísicas. Em 1797, ele publica, separadamente, a primeira e a segunda parte de sua MS. Em 1798 apareceram a Anth e a SF, ambas são obras que derivam da atividade docente de Kant, assim como a MS. Apesar da publicação dessas obras, que já estavam sendo gestadas em sala de aula, Kant também estava trabalhando no texto do OP, tanto que em carta a Garve de 21/09/1798, malgrado se queixar de sua condição de saúde, avisa que está, futebolisticamente falando, imbuído no intuito (de conseguir os três pontos: Metafísica da natureza, Metafísica dos costumes e Antropologia) de escrever a passagem da Filosofia Transcendental para a Física: “o projeto acerca do qual estou trabalhando agora diz respeito à Transição dos princípios metafísicos da ciência natural para a física. Este deve ser completado ou, do contrário, um buraco restará na filosofia crítica. A razão não desistirá de suas demandas em relação a isso.”202 Ora, o OP evoluiu de uma mera passagem que preencheria uma lacuna como Metafísica da Natureza para uma obra em que o ponto central teria de ser o fechamento do sistema como uma antropologia, isto é, um sistema em que o homem tivesse de ser aquilo que sustenta todo o avanço no conhecimento acerca da natureza e da moral, ele deverá ser o ponto de satisfação de ambas as demandas. No entanto, antecipando a tese acerca da natureza antropológica do OP, Kant não conseguiu completar tal empreitada antes de sua morte. Tanto que os Convolut sobre a passagem aqui discutida estão mais bem organizadas que as partes em que Kant mostra o homem como ponto

202 KANT, I. Br, AA XII, s 256-7. 144 central do sistema, os quais se assemelham a notas para um futuro texto. A atualização do OP como obra antropológica que congrega em si todos os braços do sistema e suas ramificações se deu nos últimos cinco anos de vida de Kant. Daí, de 1799 a 1804, as publicações das obras de Kant foram editadas por seus ajudantes, mas aprovadas para publicação pelo próprio Kant203 e, desse modo, ele conservou suas últimas energias para o OP. De fato, ele entendeu que não poderia completar a passagem e posteriormente inserir os resultados desta passagem na continuação de uma obra antropológica como sustentação de ambas as metafísicas em uma antropologia fundamental. Portanto, por conta da falta de fim final no sistema, temos de considerar a Anth como a melhor pista acerca de como Kant organizou seu sistema filosófico como uma antropologia fundamental, pois apesar de suas limitações (tal como, por exemplo, a falta da pergunta antropológica), ela espelha a filosofia crítica e é concernente à pergunta antropológica, que pretende entender o que é essa natureza humana em constante atualização. O caso específico da MS, por sua vez, é o de um texto anacrônico, posto que sua consecução estava prevista desde os primórdios de formulação da filosofia crítica ainda na década de 1770 e tem, de uma vez por todas, sua promessa afirmada na arquitetônica da KrV. O estatuto da MS é central no projeto antropológico como sistema de aplicação da moralidade; contudo, a MS é anacrônica por conta de se distinguir das outras obras do período antropológico, uma vez que, bem mais que a Rel, ela resguarda e esquematiza os princípios a priori da moral para sua consecução, isto é, por ter aparecido após Kant flexionar o conteúdo do seu projeto filosófico, deve estabelecer as regras morais-pragmáticas de mediação de conflitos humanos por meio do direito e da justiça, ambos fundados na ética. Assim como em uma metafísica da natureza, porém, devem existir princípios para a aplicação daqueles princípios universais supremos de uma natureza em geral aos objetos da experiência, também uma metafísica dos costumes não pode deixar de tê-los, e precisaremos tomar frequentemente como objeto a natureza particular do homem, cognoscível apenas pela experiência, para nela mostrar as conclusões dos princípios morais universais sem por meio disso tirar algo da pureza dos últimos, nem pôr em dúvida sua origem a priori. – Isso quer dizer apenas que uma metafísica dos costumes não pode estar fundada na antropologia, mas pode ser aplicada a ela.204

Ora, esta obra, apesar de sua grande característica de resguardo de princípios a priori, foi, tal como as outras do período antropológico, relegada a uma posição menor e sem grandes ganhos ao projeto filosófico kantiano. Diego Kosbiau Trevisan em sua A Metafísica dos Costumes: A

203 Como sugere uma anotação marginal em uma das folhas do Convolut I do OP: “Wie weit ist HE Prof. Rink in der phys. Geographie fortgerückt? Wie viel Exemplare?”. KANT, AA XXI, s 102. 204 KANT, I. Metafísica dos Costumes (tradução de Clélia Aparecida Martins). Petrópolis: Vozes, 2013. p 23. 145

Autonomia para o Ser Humano205 nos mostra que somente no ano de 1963206 apareceu uma obra sistemática e de fôlego que comentasse o estatuto da MS no sistema. Na maior parte do século XX, os comentários acerca da MS, usualmente, colocavam-na como fruto do período senil de Kant, o qual após a aposentadoria não teria publicado mais nada de valor. O grande preconceito dos kantianos para com tudo aquilo que se refere à instância pragmática mais fundamental também atingiu a MS de modo que também esta foi ignorada. A incompreensão deve-se ao fato de o contexto o qual o projeto de filosofia transcendental apresenta o plano para uma MS diferir, substancialmente, daquele em que esta aparece materializada em obra, no ano de 1797. Mais precisamente, isto se faz verdadeiro na medida em que afirma Kant que “a moralidade é a única conformidade das ações à lei, que pode ser derivada inteiramente a priori de princípios. Por isso, a metafísica dos costumes é, propriamente, a moral pura, onde não se toma por fundamento nenhuma antropologia (nenhuma condição empírica)” (A 841 / B 869). Em 1797, Kant está imerso tanto na feitura do OP quanto em árduo trabalho de promoção do projeto antropológico, o qual não tinha o melhor acabamento possível à época; isto posto, não era de ser esperar outra coisa senão a recepção da obra como anacrônica e forçadamente voltada à natureza humana, a um desembocar numa função pragmática um tanto inesperada dado o contexto crítico. Entretanto, Kant mantém a coerência esperada em relação às promessas de uma MS, uma vez que estabelece, plenamente, o lugar da Metafísica e o lugar da Antropologia, pois “desta antropologia não se pode prescindir, mas ela não deve de modo algum preceder aquela metafísica dos costumes ou ser a ela misturada, porque então se corre o perigo de extrair leis morais falsas, ou ao menos indulgentes, que fazem com que pareça inacessível o que precisamente por isso não é alcançado.”207 Ora, esta passagem mostra que Kant formulou bem o lugar de cada obra e que não se pode misturar o estatuto da filosofia transcendental com o da antropologia, uma vez que cada a articulação se dá sem mistura de funções. Também a continuidade da afirmação anterior concerne à impossibilidade de extrair qualquer lei pura da pragmática, na medida em que o percurso natural é a aplicação da razão pura no domínio da razão pragmática. Além disso, a MS mostra que sua formulação busca um acabamento para a metafísica, de maneira completamente a priori e também uma espécie de fornecimento de elementos para a vida cotidiana. Assim, segundo Ilaria Raimondi, Em seu sistema, de fato, a questão da definição essencial do homem não se refere à

205 TREVISAN, D, K. A Metafísica dos Costumes: A Autonomia para o Ser Humano. São Paulo: Dissertação de Mestrado em Filosofia defendida na USP, 2011. 206 GREGOR, J, M. Laws of Freedom: A Study of Kant's Method of Applying the Categorical Imperative in the Metaphysik der Sitter. Oxford: Blackwell, 1963. 207 KANT, I. Metafísica dos Costumes (tradução de Clélia Aparecida Martins). Petrópolis: Vozes, 2013. p 23. 146

antropologia filosófica (pragmática) como uma ciência empírica, mas pertence à metafísica dos costumes, ou melhor, à parte da ética que é a priori. O que pode ser encontrado na antropologia pragmática é uma teoria das faculdades, formulada numa forma transcendental, que toma emprestado como um mero esquema, a fim de ordenar as observações e identificar não os fenômenos fundamentais, mas as idéias fundamentais graças as quais se pode adquirir um conhecimento do homem.208

As condições de possibilidade de observação e conhecimento do homem de maneira consequente não podem se dar no âmbito empírico, mas sim no âmbito puro, contudo o conhecimento pragmático apenas pode ser possível se houver um domínio empírico em que se possa compreender as características humanas nas diversas culturas, em suma: o que fizeram do homem. A ideia de uma antropologia fundamental é exposta na MS já no primeiro parágrafo da Introdução, denominado Da relação das faculdades da mente humana com as leis morais. Se a pergunta mais importante que concerne à razão é antropológica, faz completo sentido que Kant queira estabelecer o lugar de cada obra em vista da antropologia, como disciplina que estava em processo de montagem e escrita naquele momento. Devido a isso, “o esforço crucial de Kant é o de construir uma passagem da pureza irrestrita do princípio supremo da moralidade para o âmbito empírico e não obstante determinável a priori em que efetivamente toma lugar a ação humana, e isso a partir da aplicação do princípio de autonomia aos âmbitos fundamentais da vida prática: o direito e a ética”209. Entretanto, Trevisan pensa que a MS, apesar de ser uma ponte entre o transcendental e o empírico, não deve recair em nenhuma instância antropológica, resguardando seu caráter metafísico fundamental; ideia que discordamos. Os fundamentos éticos e jurídicos da MS juntamente ao momento de reflexão em que Kant lança a referida obra (1797), nos mostram que o estatuto da MS corresponde ao braço ético, cuja continuidade sistemática viria à tona em OP, braço esse que é sustentado, assim como o braço da metafísica da natureza, pela ideia de homem. A MS é uma obra anacrônica e atual dentro do contexto que estava Kant inserido, tal qual a Rel, mas com a peculiaridade de desaguar diretamente na pragmática da antropologia, a fim de mostrar modos de regulação da sociedade, da sociabilidade

208 “Nel suo sistema infatti, la questione della definizione essenziale dell’uomo non concerne l’antropologia filosofica (pragmatica) in quanto scienza empirica, ma è invece di pertinenza della Metafisica dei costumi, ovvero di quella parte dell’etica che è a priori. Ciò che è possibile trovare nell’antropologia pragmatica è una teoria delle facoltà, formulata in sede trascendentale, che essa prende a prestito come mero schema, al fine di ordinare le osservazioni e di individuare non i fenomeni fondamentali, ma piuttosto le idee fondamentali grazie alle quali si può acquistare una conoscenza dell’uomo.” RAIMONDI, I. L'ANTROPOLOGIA PRAGMATICA KANTIANA: "«LEBENSWELT»", «PRASSI» O «AUTOCOSCIENZA STORICA»? NOTE SU ALCUNE INTERPRETAZIONI RECENTI DELL'ANTROPOLOGIA DI KANT. Studi Kantiani, Vol. 15 (2002). p 217. 209 Vale ressaltar que o autor procura fundamentar o movimento de voltar-se ao homem próprio da sistemática da MS, contudo sem dar lugar um projeto antropológico, por meio do qual a maneira de organização da MS faria completo sentido. TREVISAN, D, K. A Metafísica dos Costumes: A Autonomia para o Ser Humano. São Paulo: Dissertação de Mestrado em Filosofia defendida na USP, 2011. p 20. 147 e das disputas de conflitos entre os humanos.

Portanto, temos a divisão de sua filosofia em dois grandes projetos, os quais ficam claros após 1793, a saber, o crítico-transcendental e o antropológico-pragmático. Ambos trabalham em função de um único sistema de filosofia cosmopolita. Estes domínios não invadem o espaço teórico do outro, mas sim usam-se mutuamente a fim de dar conta das condições tanto formais quanto empíricas da existência humana. Isto posto, apesar de estarem em domínios diferentes, ambos se comunicam a fim de que suas funções específicas trabalhem em vista de ganhos para a filosofia, e à humanidade, por conseguinte. Em uma metáfora esportiva, podemos afirmar a analogia entre a filosofia Kantiana e as provas de corrida de revezamento no atletismo tal como, por exemplo, o revezamento 4 x 100. Quatro atletas precisam percorrer 400 metros, nos quais cada um da equipe correrá 100, contudo o que os mantém como equipe nesta prova é a chamada passagem de bastão, o qual não pode cair, sob pena de desclassificação, e deverá iniciar e chegar ao final da prova nas mãos dos atletas. Ademais, por conta das características da pista, cada atleta corre onde seu desempenho é melhor, daí que, nestas provas, há aqueles especialistas em correr em linha reta e aqueles especialistas nas curvas e ambos são essenciais para o melhor desempenho da equipe. Por isso, as obras crítico-transcendentais possuem uma função específica de guarnecer teoricamente um arcabouço; o funcionamento pragmático de observação empírica depende da sistematicidade daquele para que suas afirmações tenham validade. O balanço da filosofia kantiana permite-nos entender ambos os projetos como cruciais dentro de um único projeto filosófico e em função de mostrar ao ser humano como progredir incessantemente em direção ao melhor. Por conta disso, os dois projetos se complementam após 1793. 148

5) Genealogia da Antropologia

Há um debate que remonta à compilação das obras completas de Kant que, se à primeira vista não parece ser tão relevante à filosofia kantiana, se mostra muito profícuo, posteriormente, quando da determinação do que se deve entender por antropologia, uma vez que esta é a finalidade disciplinar da filosofia; isto suscita uma questão: originou-se a antropologia kantiana da geografia física ou da psicologia empírica? Os primeiros debates acerca desse tema específico ocorreram quando da compilação em volumes da obra completa de Kant na virada do século XIX para o XX.210 Mais precisamente, a discussão inicial entre Dilthey e Adickes se deu, exclusivamente, por conta da Anth, obra que Kant publicou em vida e de próprio punho; neste período de discussão da compilação, apenas a Lição anotada por Menschenkunde era conhecida, mesmo que marginalmente e somente por alguns comentadores, visto que “tal como Allen Wood nota […] ela foi publicada em 1831, sob o título de Immanuel Kants Menschenkunde oder philosophischer Anthropologie. Nach handschriftlichen Vorlesungen herausgegeben von Friedrich Christian Starke […] uma nova edição se seguiu em 1838 […] o editor usava o pseudônimo de Adam Bergk.”211 A discussão sobre a origem da antropologia nos permitirá colher como resultado um melhor entendimento do processo de desenvolvimento e amadurecimento do conceito de antropologia e sua flexão como ciência última do ser humano. Neste sentido, a relevância de saber a origem da ciência antropológica kantiana fará refletir a maneira como esta foi legada ao debate atual. Para Odo Marquard,212 por exemplo, a antropologia de Kant nasce de uma dupla condição, compartilhada por todas as antropologias filosóficas que surgem neste período, a saber, primeiramente, uma dupla renúncia que recai tanto à metafísica quanto à ciência da natureza mecanicista e segundo, após estas renúncias, a antropologia deve voltar-se à natureza, mas no sentido de natureza humana não mecanicista, a fim de se colocar como

210 “The origin of Kant’s Anthropology was initially debated between Wilhelm Dilthey and Erich Adickes as they discussed the placement of the Anthropology in Kants gesammelte Schriften. In the seven letters they exchanged, both editors wanted to place the Anthropology based on their understanding of its systematic position in Kant’s works. Dilthey argued that the anthropology lectures arose out of Kant’s work in cosmology and physical geography, and he concluded that the Anthropology should be printed with Kant’s Physical Geography. Adickes responded that the anthropology lectures arose out of the empirical psychology section of Kant’s metaphysics lectures. Despite Dilthey’s success in convincing Adickes, the Anthropology and the Physical Geography were printed in separate volumes.” WILSON, H. Kant's Pragmatic Anthropology: Its origin, meaning and critical significance. New York: State of New York University Press. p.17. 211 “As Allen Wood notes […] It was published in 1831, under the title Immanuel Kants Menschenkunde oder philosophischer Anthropologie. Nach handschriftlichen Vorlesungen herausgegeben von Friedrich Christian Starke […] A new edition followed in 1838 […] the editor, was a pseudonym for Johann Adam Bergk.” LOUDEN, R. Translator’s Introduction. In: KANT, I. Lectures on Anthropology (translated by Robert Clewis, Robert Louden, Felecitas Munzel and Allen Wood). Cambridge: Cambridge, 2013. p 283. 212 MARQUARD, O. Des difficultes avec la philosophie de l'histoire: essais (Tradução de Olivier Mannoni). Paris: La Maison des sciences de l'homme, 2002. 149 alternativa à filosofia da história. No entanto, Marquard está bem mais interessado na relação entre o conceito kantiano de pragmático e o de Lebenswelt de Husserl do que, propriamente, entender até que ponto é possível que a antropologia kantiana seja a finalidade de sua filosofia. Marquard mostra um quadro que apesar de estar longe de ser vasto, tais como as interpretações sobre a filosofia crítica, é bastante profícuo e se põe como um dos primeiros debates sobre a pragmática na filosofia kantiana. Remontar a construção da disciplina antropológica por parte de Kant refletirá a maneira como o seu pensamento amadureceu ao longo do tempo e como uma disciplina de caráter eminentemente popular conseguiu fazer a filosofia crítica trabalhar em vista dela. A construção paralela de uma filosofia pragmática e popular e sua alçada à filosofia principal desnorteia, até os dias atuais, as interpretações sobre a filosofia kantiana. Alguns bons comentadores pensam a antropologia como projeto principal, mas trazem o debate para uma instância, demasiadamente, formalista sem dar a real dimensão pragmática que a antropologia precisa para funcionar a contento como uma teoria cosmopolita.213 O interesse de Kant pela antropologia não surgiu na década de 1770, quando de seu início oficial como disciplina acadêmica, uma vez que o primeiro registro que temos acerca do aparecimento do termo antropologia vem das anotações de Herder durante as aulas de Metafísica que datam, provavelmente, de entre os anos de 1762-4.214 Ora, nesta altura de seu pensamento, Kant se via muito influenciado pelas filosofias de Wolff e Baumgarten de maneira que o termo antropologia aqui em contexto significa a parte empírica da metafísica, a psicologia. Kant usava, mormente, como manual de suas disciplinas de Lógica e Metafísica (e adaptadamente a outras disciplinas satélites) as obras de Meier e Baumgarten.215 Por outro lado, os conteúdos que posteriormente farão da antropologia uma disciplina de caráter popular, advêm dos cursos de Geografia Física. Ora, a partir do anúncio ao curso de Geografia Física de 1759, intitulado Entwurf und Ankündigung eines Collegii der physischen Geographie nebst dem Anhange einer kurzen Betrachtung über die Frage: Ob die Westwinde in

213 Por exemplo, Daniel Omar Perez pensa que o homem descrito por Kant no projeto antropológico é um operador de juízos. Cf. PEREZ, D. O projeto Antropológico de Kant. In: BORGES, M. Comentários sobre a Antropologia de um ponto de vista pragmático de Kant. Florianópolis: Nefiponline, 2018. Patrick Frierson também pode ser descrito dentro deste contexto uma vez que o autor dá uma grande ênfase a uma frase isolada de uma reflexão marginal de Kant escrita na borda de um caderno e a torna o ponto principal de sua filosofia; referimo-nos, a saber, ao conceito de antropologia transcendental. Frierson o faz funcionar de maneira tal que o conceito de pragmático se obscurece, a fim de atender a um posicionamento logicista. Cf. FRIERSON, P. What is the Human Being?. London / New York: Routledge, 2013. Estes dois exemplos refletem bem a problemática, a qual estamos a enfrentar. 214 WILSON, H. Kant's pragmatic anthropology: Its origins, Meaning and Critical Significance. Albany: State University of New York Press, 2006. p 7. 215 “De Baumgarten adota três tratados: um para o curso de metafísica (Metaphysica, 1757, em latim) e dois para o de ética (Ethica philosophica, 1740 e Initia philosophiae practicae primae, 1760, também em latim). De Meier, discípulo de Baumgarten, para ocurso de lógica adota o Extrato da doutrina da razão (Auszug aus der Vernunftlehre, 1752), um resumo da volumosa Doutrina da razão.” Cf. Castilho, F. Introdução. In: KANT, I. Manual dos cursos de lógica geral (tradução de Fausto Castilho). Campinas: Editora Unicamp, 2002. p 16. 150 unsern Gegenden darum feucht seien, weil sie über ein großes Meer streichen (EACG, AA II), Kant expõe que o conhecimento sobre o mundo também precisa envolver a relação dos humanos com o seu ambiente, oferecendo uma série de saberes empíricos importantíssimos para um filósofo daquela época, que preocupava-se, principalmente, com a possibilidade de investigar substâncias metafísicas.216 Desde os primeiros momentos de sua carreira como professor universitário, Kant tem a humanidade, mesmo que de modo ainda obscuro nesta altura, como interesse, que pese, neste primeiro contexto das lições de Geografia Física, a humanidade seja uma maneira de olhar e entender a terra em suas nuances específicas. Desse modo, a maneira como Kant, primeiramente, formulou suas ideias sobre o homem e o modo como ele as sistematizou para encaixar em uma disciplina própria, merece uma abordagem especial. O início das lições de Antropologia congrega elementos de geografia e de psicologia. Por conta disso, faz-se mister entender bem esse princípio, a fim de colher mais a frente os frutos do entendimento do desenvolvimento de tais ideias. Para tal, analisaremos, primeiro, a influência da psicologia empírica no início dos cursos de Antropologia e, segundo, a influência dos cursos de Geografia Física. Primeiro, segundo Allen Wood, “a estrutura das lições de Antropologia de Kant, principalmente no seu começo, é orientada pelo texto de Baumgarten e faz uso das faculdades da mente humana como princípios organizadores. Estes conteúdos carregam uma decisiva afinidade com a discussão da psicologia empírica que tem lugar nas lições de metafísica de Kant”217 Esta constatação de Wood, apesar de, aparentemente, correta, carrega nuances que têm de ser mais bem compreendidas. Devemos analisar se esse caráter psicologista persistiu como fundamento último da disciplina antropológica ou se perdeu espaço. A primeira pista está no modelo de educação nas universidades prussianas; a política educacional obrigava o professor a ser uma espécie de “leitor” de manual, que auxilia os alunos a acessarem certos conteúdos. Isto impulsionou Kant a usar para sua disciplina de antropologia, em seu início em 1772, um texto de caráter empírico e que tinha como principal função observar os comportamentos diversos dos seres humanos, a fim de enquadrá-los em uma teoria antropológica;

216 „Ich trage dieses zuerst in der natürlichen Ordnung der Classen vor und gehe zuletzt in geographischer Lehrart alle Länder der Erde durch, um die Neigungen der Menschen, die aus dem Himmelsstriche, darin sie leben, herfließen, die Mannigfaltigkeit ihrer Vorurtheile und Denkungsart, in so fern dieses alles dazu dienen kann, den Menschen näher mit sich selbst bekannt zu machen, einen kurzen Begriff ihrer Künste, Handlung und Wissenschaft, eine Erzählung der oben schon erklärten Landesproducte an ihren gehörigen Orten, die Luftbeschaffenheit u. s. w., mit einem Worte, alles, was zur physischen Erdbetrachtung gehört, darzulegen.“ KANT, AA II, s. 9. 217 “The structure of Kant's lectures (on Anthropology), especially at the beginning, is oriented to Baumgarten's text and makes use of faculties of human mind as organizing principles. These contents bear a decided affinity with the discussion of empirical psychology that takes place in Kant's lectures on metaphysics.” WOOD, A. General Introduction. In: KANT, I. Lectures on Anthropology (translated by Robert Clewis, Robert Louden, Felecitas Munzel and Allen Wood). Cambridge: Cambridge, 2013. p 4. 151 tal texto é a Metaphysica de Baumgarten, mais precisamente, sua Psicologia Empírica: “o primeiro pensamento que nos ocorre quando observamos a nós mesmos expressa o Eu.”218 Ora, vemos aqui que a grande preocupação de Kant neste primeiro curso de antropologia está voltada à maneira como podemos entender a nós mesmos, a partir do momento que nos colocamos como objeto de autoinspeção. Ao mesmo tempo que procura mediar um debate com Wolff e Baumgarten, Kant expõe suas discordâncias quanto ao ponto de que uma psicologia empírica deva ser considerada como parte empírica da metafísica, na medida em que “ela nada tem que ver com a cognição experimental. A psicologia empírica pertence à metafísica tanto quanto a física pertence à metafísica, ou seja, quase nada.”219 Este ponto é essencial para entendermos que a psicologia empírica aqui possui um grande arroubo independentista e por mais que ele a tenha em conta como um ótimo ponto de início de um conhecimento de mundo antropológico, conhecimento de si por meio do conceito de Eu, podemos notar as limitações doutrinárias do manual de Metaphysica usado nesta disciplina. Com isso, não há dúvidas que Kant iniciou sua disciplina de antropologia na academia, fazendo uma ponte entre conhecimento de mundo e psicologia empírica, tanto que na antropologia estabelecida por Parrow podemos ler que a psicologia empírica é uma doutrina natural que constitui o objeto do sentido interno.220 No entanto, podemos afirmar que isso ocorreu em parte por conta de fins burocráticos da academia, que exigia o uso de um manual que se encaixasse na temática; também é latente que a disciplina de antropologia teve um decréscimo de influência da psicologia empírica ao longo da própria década de 1770, isto é, à medida que o saber antropológico foi amadurecendo. Riccardo Martinelli mostra que Kant muda o modo de encarar os temas propostos por Wolff, na medida em que os aspectos egoísticos sinalizados na psicologia deste não poderiam dar conta de maneira ampla de um conhecimento de mundo mais profundo, incluindo povos inteiros os quais não podem ser abarcados por meio de um “Eu” coletivo, daí que a abordagem de Wolff se mostrava limitada para tratar do mundo e do ser humano de maneira aprofundada.221 No entanto, a psicologia racional de Wolff e a antropologia de Kant possuem uma exigência filosófica comum, a qual fica clara após a publicação da Anth.

218 Esta passagem foi anotada durante o primeiro curso de antropologia dado por Kant e encontra-se na Anthropology Collins. “Der erste Gedanke der uns aufstösst, wenn wir uns selbst betrachten drückt das Ich aus.” In: KANT, I. AA XXV, s. 10. 219 “Die Methaphysic hat nichts mit den ErfahrungsErkenntnissen zu thun. Die empirische Psychologie gehört eben só wenig als die empyrische Physic zur Metaphysic.” KANT, I. Lectures on Anthropology (translated by Robert Clewis, Robert Louden, Felecitas Munzel and Allen Wood). Cambridge: Cambridge, 2013. p 15. 220 KANT, I. AA XXV, s. 243. 221 MARTINELLI, R. Wolff, Kant e le origini dell’antropologia filosofica. In: Uomo, natura, mondo. Il problema antropologico in filosofia. Mulino, Bologna: 2004. p. 213. 152

Uma comparação entre a psicologia de Wolff e a antropologia kantiana pode ser parte dessas considerações. Em Kant, a Característica (doutrina antropológica do método) integra a didática (doutrina dos elementos) garantindo assim as observações empíricas sobre o eu, considerado num sentido pragmático, um critério seletivo e uma conexão orgânica que não se dá com a metafísica, mas sim com a kosmische Betrachtung da filosofia. Existe, portanto, um paralelismo formal entre as duas partes da antropologia e as duas psychologiae de Wolff. Isso não significa que em seu conteúdo Kant dependa de Wolff, mas indica - como dissemos no começo - a existência de uma necessidade filosófica comum.222

Ora, os cursos de Kant de antropologia mostram bem a separação entre didática e característica, avançando do indivíduo em direção à espécie. O indivíduo sempre é pensado e caracterizado, pelo menos desde 1775, em vista da espécie e de como a espécie pode melhorar, começando pela educação antropológica de seus alunos em sala de aula, tal como uma pequena amostragem do laboratório do que é o mundo. A garantia de uma antropologia independente daquela psicologia (ainda profundamente vinculada à velha metafísica dogmática) aparece, para Kant, com o desenvolvimento do conceito de pragmático como próprio à antropologia. No entanto, tal conceito é pensado por Kant em reboque da ideia de conhecimento de mundo. Este último, já aparece na primeira vez que ele concebe a disciplina, inclusive, em paralelo com a geografia física; no entanto, Kant, após o término deste primeiro curso, em 1773, reelabora-o de maneira que o conhecimento de mundo sobrepuje a mera psicologia empírica wolffiana. Isto pode ser comprovado em carta a Markus Herz datada do final de 1773 em que Kant diz que está, pela segunda vez, lecionando o curso de Antropologia; Kant traz ao debate a sabedoria e a prudência como marcas de distinção da disciplina.223 Além disso, o conceito de pragmático surge da ideia de que os humanos precisavam cultivarem-se na prudência ou habilidade para determinada tarefa. No entanto, antes deste conceito aparecer com todas as letras (em 1775-6, na lição anotada por Friedländer) o que fica claro aqui é a intenção de Kant de formular uma disciplina própria que possui um quadro conceitual teórico também específico, apesar de em sua base usar a psicologia empírica como manual disciplinar, mas limitada para as pretensões do curso. Na antropologia anotada por Friedläder em 1775-6, Kant mostra aos alunos o desenvolvimento de seus estudos na área, deixando a brecha para a ideia de que a ela deve ser uma ciência que busca um conhecimento voltado ao conjunto da humanidade que,

222 “Da queste considerazioni può forse ripartire un raffronto tra la psicologia di Wolff e l’antropologia kantiana. In Kant la Caratteristica (dottrina antropologica del metodo) integra la Didattica (dottrina degli elementi) garantendo così alle osservazioni empiriche sul sé, considerate in senso pragmatico, un criterio selettivo e un raccordo organico che stavolta non è con la metafisica, ma con la kosmische Betrachtung della filosofia. Vi è dunque un parallelismo formale tra le due parti dell’antropologia e le due psychologiae wolffiane. Questo non significa che nei contenuti Kant si affidi a Wolff, ma indica – come si è detto in apertura – il sussistere di un’esigenza filosofica comune.” MARTINELLI, R. Wolff, Kant e le origini dell’antropologia filosofica. In: Uomo, natura, mondo. Il problema antropologico in filosofia. Mulino, Bologna: 2004, p. 222. 223 KANT, I. AA X, s. 146. 153 para tal, necessita partir de um sujeito, em geral. Com isso: No final, toda habilidade que alguém possui requer conhecimento do caminho que devemos fazer uso. O conhecimento básico para a aplicação é chamado conhecimento do mundo. Conhecimento do mundo é conhecimento do estágio em que podemos aplicar toda a habilidade. Há um duplo tipo de perfeição de conhecimento, teórico e pragmático. O teórico consiste em saber o que é necessário para certos propósitos finais e, portanto, diz respeito ao entendimento. O pragmático consiste na capacidade de julgar, valendo-se de toda habilidade. É necessário selar toda a nossa habilidade. A base do conhecimento pragmático é o conhecimento do mundo, onde se pode fazer uso de todo conhecimento teórico. Por mundo, entendemos aqui a soma total de todas as relações nas quais os seres humanos podem entrar, onde podem exercitar suas percepções e habilidades. O mundo como objeto do sentido exterior é a natureza, o mundo como objeto do sentido interior é o ser humano. Assim, os seres humanos podem entrar em relações duplas, em relações nas quais precisam de conhecimento da natureza e em relações nas quais precisam de conhecimento do ser humano. O estudo da natureza e do ser humano constitui o estudo ou conhecimento do mundo.224

O conhecimento de mundo aqui colocado em prática não põe fim na influência da psicologia empírica sobre a antropologia, mas parece, no fim de contas, começar a moldar de maneira mais clara qual é o papel das ideias de Wolff no conhecimento pragmático esboçado por Kant. A psicologia empírica se mostra um momento específico, o qual a reflexão racional precisa confrontar em vista de entender como o sujeito pode se realizar na humanidade. Não é em vão, neste sentido, o grande esforço de Kant ao longo do curso de 1775-6 para mostrar que um caráter bem cultivado consegue sobrepujar um temperamento desajustado. Este é um tema clássico do humanismo renascentista, cuja a ideia de humanidade estava, completamente, ligada à de auto- cultivo intelectual, da qual Kant é, de algum modo, um herdeiro. É importante notar que, no que concerne ao declínio e limitação da psicologia empírica, a lição de 1777-8, reporta ainda uma boa influência de Baumgarten, mas com os limites já melhores traçados, apesar de aparecer fragmentada, o que sugere, segundo Allen Wood, tradutor da edição inglesa, que tenha sido anotada por um só sujeito, no caso, Pillau. Além disso, também fica clara a influência de Rousseau, o qual ajudou Kant a se distanciar da psicologia de Wolff: Rousseau mostra como uma constituição civil deve estar ordenada para alcançar o fim supremo da humanidade. Ele mostra como a juventude deve ser formada em vista de preencher perfeitamente os fins da natureza. Ele mostra em qual constituição vários povos devem adentrar de maneira que as guerras bárbaras se transformem em disputas amigáveis. Assim, ele mostrar, em geral, que em nós estão os germes para o cultivo de nossa vocação […] Mas se nós abolirmos a constituição civil que temos atualmente, daí voltaríamos ao estado de natureza. O ser humano não foi feito para vagar pelas florestas, mas para viver em sociedade.225

Temos de ser prudentes e ter em mente que o conceito de conhecimento pragmático aqui em 224 KANT, I. AA XXV, s. 469. 225 KANT, I. AA XXV, s. 847. 154 voga difere daquele teorético desenvolvido por Kant em vista da KrV e da limitação do conhecimento a fenômenos físicos. O que aqui importa, é chamar a atenção para a evolução do conceito de pragmático nas suas disciplinas de conhecimento de mundo em comparação com o trabalho, cada vez mais limitado, da psicologia empírica no cômpito geral da disciplina antropológica. Assim, apesar de Kant usar de alguma maneira a psicologia wolffiana como método de observação para sua antropologia, principalmente na década de 1770, na KrV (A 841 / B 869), em contraposição, ele rompe com este saber, negando-a lugar na metafísica e a estabelecendo temporariamente, talvez por serviços prestados à sua disciplina de antropologia, no contexto antropológico.226 Apesar de na primeira edição da KrV, Kant colocá-las ladeadas, nas lições de antropologia do ano de 1781-2, ele faz uma distinção clara entre aquilo que concerne a uma habilidade para determinada tarefa e aquilo que diz repeito a um conhecimento pragmático de alguém que precisa ter o mundo.227 A diferença entre conhecimento especulativo e conhecimento prático/pragmático sobre o ser humano mostra que Kant, em sala de aula, estava dando um passo a frente no sentido de reorganizar o saber antropológico que progressivamente se livrava do completo domínio da psicologia empírica e entraria em um domínio próprio: a pragmática. Além disso, fica evidente que ele está reforçando em sala de aula algo que tornou-se um ponto elementar na sua filosofia, a saber, a ideia de que a filosofia é uma doutrina da sabedoria. A psicologia, dentro da listra tríplice e hierárquica do saber antropológico, deve ser vista como de caráter escolástico. A doutrina da habilidade, a qual Kant dicotomiza com a doutrina da sabedoria, cuja tarefa é definir os fins últimos, racionalmente, buscados e direcionar os humanos em vista destes, responde ao mais baixo grau do saber antropológico. Esta posição da psicologia, nesta altura da sua reflexão, se manterá, doravante, constante. Entretanto, vale ressaltar que apesar desse rebaixamento conceitual, a psicologia não é descartada de maneira alguma do saber antropológico, mas apenas vê limitada a sua tarefa e seu desempenho como possível saber superior. Ora, na lição Menschenkunde, Kant também afirma, que “por não haver outro livro sobre antropologia, nós usaremos a Psicologia da Metafísica de Baumgarten como guia. Texto de um

226 “Assim, a psicologia empírica deve ser completamente banida da metafísica e já está dela completamente excluída pela ideia desta ciência. Contudo, deveria nela reservar-se-lhe um pequeno lugar, segundo o uso da Escola (mas somente como episódio), e isto por motivos de economia, porque não é ainda tão rica para constituir isoladamente um estudo e todavia é demasiado importante para que se possa repelir inteiramente ou ligá-la a outra matéria, com a qual tivesse ainda menos parentesco do que com a metafísica. É, portanto, simplesmente um estranho, ao qual se concede um domicílio temporário até que lhe seja possível estabelecer morada própria numa antropologia pormenorizada (que seria o análogo da física empírica).” (A 849 / B 877). 227 KANT, I. AA XXV, s. 855-6. 155 homem que é muito rico em substância e muito curto em matéria de execução” 228 Com isso, fica claro que o uso e a ideia de um saber psicológico por parte de Kant aqui é circunscrito a um contexto de limitação da liberdade de cátedra e também a uma desconfiança intelectual por parte dos doutos da época sobre a antropologia pragmática. Neste sentido, em Mrongrovius (1784-5), Kant deixa claro a diferença entre uma antropologia pragmática e uma escolástica. Tal diferença serve para mostrar, de vez, que Baumgarten faz uma antropologia escolástica: “Assim, antropologia é também necessária para autores de novelas e comédias. Por conta disso, a Psicologia Empírica de Baumgarten é o melhor guia e apenas a ordem dos materiais e dos capítulos serão conservadas nesta antropologia, embora haja muitas considerações, este livro concerne apenas ao que é escolástico.”229 Ora, o conceito de escolástico aqui está muito bem assentado tendo como base corroborativa a KrV. Podemos afirmar que a doutrina do método da KrV toma um direcionamento baseado no que Kant entende por sabedoria, uma doutrina cosmopolita que visa resolver os problemas humanos. Assim, em Mrongrovius, fica bem pontuado que o objetivo último é a sabedoria e tanto a filosofia formal quanto a nascente e ainda não publicada pragmática possuem a mesma direção. Por sua vez, na lição de antropologia anotada por Busolt (1788-9), Kant fortalece sua visão acerca do que considera ser uma antropologia completa, trazendo, pela primeira vez, a designação de ciência a ela: uma ciência da experiência e da observação. Contudo, bem mais interessante se apresenta a consideração de Kant aqui acerca da psicologia: Uma tal antropologia pragmática é agora o nosso propósito. Não se pretende que seja uma antropologia teórica, que apenas levanta questões e contém apenas investigações psicológicas, mas queremos dar uma instrução sobre como conhecer a natureza dos seres humanos pela observação, a fim de usá-la para nosso propósito. Assim, uma questão que poderia ser levantada é a seguinte: se é possível obter uma antropologia completa. 230

Ora, aqui Kant, definitivamente, separa e limita as atribuições da psicologia empírica, de modo que essa torna-se um saber sem a finalidade de conhecer em sentido teórico. Podemos dizer que nesta última lição temos uma evolução conceitual que nos dá base para mostrar que a antropologia possui sua origem na geografia física e sua parte humana. O declínio da psicologia empírica apenas evidenciou que Kant estava evoluindo em vista de um manual próprio de antropologia, o qual não podia advir diretamente da Geografia física, pois não havia manual algum destaúltima até 1778, quando o ministro autorizou Kant a ensinar tal disciplina secundum dictata

228 KANT, I. AA XXV, s. 859. 229 KANT, I. AA XXV, s. 1214. 230 “Eine Solche pragmatische Anthropologie ist nun unser Zweck. Sie soll nicht eine Theoretische Anthropologie sein, die bloss fragen Aufwirfft und in sich nur psichologische Untersuchungen enthält: sondern wir wollen eine Anweisung geben, wie man durch eine Beobachtung die Beschaffenheit der Menschen kennen lernt, um sie hier zu unsern Zweck gebrauchen zu können. Noch eine frage könnte man aufwerffen obs möglich sei, dass man sich eine Vollständige Antropologie Verschaffen könne.” KANT, I. AA XXV, s. 1436. 156 sua.231 Ora, em 1778, Kant já havia lecionado cinco cursos de antropologia, criando esquemas e maneiras para evoluí-la. Não era conveniente mudar, abruptamente, e usar parte do material da Geografia ali, pois também nesta disciplina Kant precisava de um material específico. Kant afinou sua disciplina de antropologia para ser cada vez mais um paralelo da geografia física e se distanciar, mesmo em corrente e limitado uso, da psicologia empírica de Baumgarten. Isto ocorreu uma vez que o manual de antropologia pragmática apenas surgiu após a sua aposentadoria: a Anth. No entanto, apesar de haver um decréscimo conceitual da psicologia empírica ao longo dos cursos de antropologia, alguns comentadores de Kant que se dedicaram a estudar a antropologia pensam que esta tem sua origem na psicologia empírica, tais são, além do supracitado Erick Adickes: Reinhart Brandt,232 Norbert Hinske233 e Paul Menzer.234 Segundo Norbert Hinske, a antropologia kantiana surgiu em seu formato de disciplina acadêmica como uma ciência da experiência empírica, de modo que sua origem não poderia ser outra, senão a psicologia empírica. Para Hinske, a ciência que busca os fundamentos que dão base para se pensar sobre a experiência ainda é a metafísica e, por conta disso, a antropologia seria uma ciência subalterna a esta, que se radica nas mesmas bases da psicologia empírica. Entretanto, Hinske confunde a importância da busca por fundamentos com a importância da aplicação dos fundamentos, a qual, após 1793, passa a ser a obsessão da filosofia kantiana, por meio da pergunta antropológica; esta confusão obnubila a visão de Hinske, inclusive, quanto a origem da antropologia. Reinhart Brandt, por sua vez, segue a linha de Hinske ao afirmar que “a origem da Antropologia é a psicologia empírica; no começo, certamente, não há a ideia de completar a filosofia moral”235 Ora, Brandt é, junto a Werner Stark, um dos pesquisadores que estabeleceu o volume XXV das obras completas de Kant e, com isso, seguramente, sua opinião sobre a origem da antropologia precisa ser levada em conta. Entretanto, a posição de Brandt mostra uma espécie de privilégio total da filosofia crítico-transcendental kantiana em detrimento de qualquer aspecto pragmático, revelando ser bastante influenciado pela história dos comentários sobre Kant. Ora, Brandt pensa que a antropologia não apenas se originou da psicologia empírica, mas também que esta, enquanto parte da metafísica de Baumgarten, foi libertada daquele quadro

231 MARCUZZI, M. Introduction. In: KANT, I. Géographie (traduit par Michèle Cohen-Halimi, Max Marcuzzi et Valérie Seroussi). Paris: Aubier, 1999. p 11. 232 BRANDT, R. Kritischer Kommentar zu Kants Anthropologie in pragmatischer Hinsicht. Hamburg: Felix Meiner, 1999. 233 HINSKE, N. Kants Idee der Anthropologie. In: Die Frage nach dem Menschen: Aufriss einer philosophischen Anthropologie, Festschrift für Max Müller. Freiburg: Alber, 1966. 234 MENZER, P. Kants Lehre von der Entwicklung in Natur und Geschichte. Berlin: Georg Reimer, 1911. 235 „lder Ursprung der Anthropologie ist die empirische Psychologie; am Anfang steht also sicher nicht die Idee der Ergänzung der Moralphilosophie.“ BRANDT, R. Kritischer Kommentar zu Kants Anthropologie in pragmatischer Hinsicht. Hamburg: Felix Meiner, 1999. s 16. 157 conceitual de maneira a tornar-se uma ciência independente, mudando a denominação posteriormente para antropologia pragmática, o que comprova sua visão formalista da filosofia kantiana. Brandt também afirma que: “como doutrina da sabedoria, ela se refere à interação das pessoas como um todo, sem se limitar aos interesses da moralidade. Mesmo na edição final de 1798, não há indicação de que a antropologia estivesse, pragmaticamente, no que concerne ao sistema acima mencionado, relacionada com a filosofia moral pura.”236 Isto quer dizer que a disciplina antropológica e o campo antropológico de investigação, tornado público em 1798, não tem nenhuma relação com a filosofia crítico-transcendental, tampouco foi formatado para tê-lo. Ora, a libertação daquele quadro conceitual não significou sua inserção na filosofia crítica. O conflito de Brandt se dá entre a história da interpretação da filosofia kantiana (da qual ele é um herdeiro fervoroso, que pese seu trabalho em organizar o volume XXV) e a letra de Kant, que afirma que todos os interesses da razão recaem na antropologia. Por conta deste último aspecto ser fruto de sua evolução de pensamento e não terem aparecido em nenhuma das três críticas, comentadores como Brandt tendem a diminuí-la como sendo um episódio acidental que se gerou em sala de aula e foi mal colocado ao público leitor. Quanto a Paul Menzer, ele lança em 1911 uma obra acerca do desenvolvimento dos conceitos de natureza e história em Kant, trazendo a ideia de que este foi um filósofo que pensou, sobretudo, a experiência dentro desses dois domínios. Ele é um dos primeiros comentadores do século XX a abordar a questão da antropologia e seu lugar no pensamento kantiano. Menzer trata de algumas afirmações de Kant acerca da psicologia como ciência da observação do homem feitas na década de 1760 (mais precisamente das anotações de Herder sobre a lição de Metafísica lecionada por Kant e uma outra passagem da Nachricht, AA II, s. 309) como provas de que a antropologia é um saber que derivou-se da psicologia empírica de Baumgarten. Ele também usa uma carta de Kant enviada a Herz como prova de suas afirmações: Com base na psicologia empírica evocada por um interesse renovado pelo homem, a antropologia surgiu, agora parece apropriado considerar a ciência que originalmente a servia como plano básico. Kant nunca entregou uma antropologia detalhada, mas, resolutamente, colocou em execução o ponto de vista pragmático.237

236 „Als Klugheitslehre bezieht sie sich auf das Interagieren der Menschen im ganzen, ohne auf die Belange der Moral eingeschränkt zu sein. Auch in der Endredaktion von 1798 fehlt jeder Hinweis darauf, daß die Anthropologie in pragmatischer Hinsicht in der genannten Systembeziehung zur reinen Moralphilosophie steht.“ BRANDT, R. Kritischer Kommentar zu Kants Anthropologie in pragmatischer Hinsicht. Hamburg: Felix Meiner, 1999. s 16. 237 „Auf der Grundlage der empirischen Psychologie, hervorgerufen durch ein neues Interesse am Menschen, war die Anthropologie entstanden, jetzt erscheint sie geeignet, die Wissenschaft, die ihr ursprünglich als Grundriß diente, in sich aufzunehmen. Eine solche ausführliche Anthropologie hat Kant niemals geliefert, vielmehr hat er den pragmatischen Gesichtspunkt mit aller Entschiedenheit durchgeführt.“ MENZER, P. Kants Lehre von der Entwicklung in Natur und Geschichte. Berlin: Georg Reimer, 1911. s 151-2. 158

Menzer cai na mesma armadilha dos outros comentadores supracitados, a saber, confundem entre a função do manual que dá legitimidade à lição e o objetivo principal desta que é um conhecimento pragmático de todos os aspectos da natureza humana, não apenas o psicológico. Menzer foi fortemente influenciado pelos neokantianos, inclusive no que diz respeito a ideia de cultura. Com isso, o seu comentário, apesar de tratar do conceito de história, ainda possui um forte aspecto formalista e a psicologia empírica de Baumgarten, como um primeiro aspecto de sua metafísica, encaixa bem nesta maneira de ler Kant. Ora, até mesmo na própria Anth, apesar de seu distanciamento teórico de Baumgarten e tentativa de fundar uma nova maneira de abordar a filosofia, alguns comentadores ainda enxergam Kant como um psicólogo da natureza humana. Pois, se na Didática Antropológica se encontra alguma semelhança com a psicologia empírica, ao estilo de Wolff, por conta da doutrina das faculdades, na Característica há uma separação própria em relação a este, uma vez que evolui em direção a um conhecimento pragmático. Com isso, podemos concluir que a importância da psicologia empírica na disciplina de antropologia decaiu à medida que o curso foi evoluindo e, assim, atribuir a origem da disciplina antropológica à psicologia empírica é algo um tanto enviesado do ponto de vista do contexto de ensino o qual Kant estava submetido. Mais precisamente, para conseguir, minimamente, tratar de um assunto de natureza empírica, Kant tinha que se aliar a um autor já conhecido e amplamente usado nos cursos regulares da universidade de Königsberg e este foi Baumgarten. Como o próprio Kant afirmou que na falta de um material melhor deve-se usar Psychologia Empírica como ponto de partida e de discussão, a qual, inclusive, foi, ao longo da evolução da disciplina, bem mais um elemento de crítica que de concordância. A psicologia empírica apenas forneceu elementos empíricos do ponto de vista da subjetividade, mas inviáveis no que concerne à perfeição da humanidade que se dá na espécie. Com isso, a antropologia derivou seu estatuto da geografia física e usou a psicologia empírica como mote de manual e pequeno contributo para entender a subjetividade.

Segundo, diante do que já foi exposto, Kant não iniciou o trabalho antropológico em vista da consolidação da psicologia empírica, posto que a Weltkentnnis, conceito chave e finalidade da antropologia, já vinha sendo gestado, em vista do homem desde o início das lições de geografia física (Kant, AA II, s. 9). Com isso, é da geografia física que se origina a antropologia. Ora, Kant foi fortemente influenciado por seus professores no Colégio a seguir alguma área de ciências exatas e, após sair da universidade, ele iniciou sua carreira acadêmica com teses de habilitação em ciências 159 naturais.238O curso de Geografia física se iniciou no início da carreira acadêmica de Kant e se tornou um curso popular com um viés de conhecimento de mundo. Apesar de continuar a lecionar cursos que envolviam temas de ciências da natureza, a geografia física era o mais bem-sucedido, de modo que nos anos de 1760, ele aprofunda algumas relações teóricas que envolvem diretamente interesses humanos.239 Isso não significa que já houvesse na década de 1760, ou mesmo na de 1770, uma teoria antropológica sistematizada e esperando para ser publicada como saber fundamental surgido da Geografia Física. Entretanto, isto nos sugere que a antropologia estava de alguma maneira envolvida o tempo todo no desenvolvimento dos trabalhos de Kant e, mesmo que não estivesse em seus planos torná-la saber fundamental do sistema filosófico, senão na década de 1790, tal saber não pode ser desconsiderado como algo de pouca importância em sua estima intelectual. Com Von den verschiedenen Racen der Menschen (VvRM, AA 02), Kant inicia oficialmente o seu Weltkentnnis, uma vez que este ensaio de 1775 serve como introdução e anúncio de suas lições tanto de Geografia física quanto de Antropologia deste ano. Este é o primeiro anúncio público sobre a disciplina de Antropologia que se iniciou em 1772; este dado também reforça a nossa hipótese de que à medida que desenvolvia a ideia de uma antropologia, tal disciplina se livrava das limitações da psicologia empírica e reforçava sua verve de Weltkentnnis aparentando-se, gradativamente, à geografia física. As duas disciplinas, segundo Holly Wilson, estão completamente interligadas de modo que “a antropologia começa onde a geografia física termina”240 Ora, a geografia física foi moldada para ser uma disciplina que mostra os diferentes aspectos geográficos da terra e suas relações com os seres humanos. Com isso, concordamos com Holly Wilson e G. Gerland241; ambos pensam que a antropologia se originou da geografia física e nenhuma psicologia empírica teria vigor suficiente para fundamentar um projeto antropológico da maneira ousada como queria Kant. Para Wilson, “a psicologia empírica providenciou, desse modo, apenas o material, isto é, as observações, mas certamente não a ideia guia.”242 Contudo, pensamos que nem mesmo um método completo de 238 KUENH, M. Kant, a Biography. Cambridge: Cambridge University Press, 2001. p. 61. 239 KUENH, M. Kant, a Biography. Cambridge: Cambridge University Press, 2001. p 100. 240 “The anthropology begins where a physical geography ends.” WILSON, H. Kant's pragmatic anthropology: Its origins, Meaning and Critical Significance. Albany: State University of New York Press, 2006. p 15. 241 “Denn die Anschauung der einzelnen Dinge als solcher genügt ihm nicht, auch in ihrer Vielheit nicht, die eher verwirrt und für die Grundfragen der Philosophie: was ist die Welt? Was ich? was mein Verhältnis zur Welt? keine Lösung bringt. Hier kam ihm nun die Geographie zu Hülfe; sie war, richtig gefasst — er übernahm sie, wie wir sehen werden, hauptsächlich in Varens Auffassung, nach welcher auch die Anthropologie zu ihr gehört —, die Wissenschaft, die ihm für seine Anfänge den Boden bereiten konnte, wie sie ja von Thaies' und Pythagoras' Zeiten her die Anfangs- und Grundwissenschaft der Philosophie, der Welterkenntnis gewesen war.” GERLAND, G. Immanuel Kant, seine geographischen und anthropologischen Arbeiten (I). In: Kant Studien 10, 1905. p 5. 242 “The empirical psychology provided, then, only the material, that is, the observations, but certainly not the guiding idea.” WILSON, H. Kant's pragmatic anthropology: Its origins, Meaning and Critical Significance. Albany: State University of New York Press, 2006. p 126. 160 observação pode ser retirado da psicologia empírica, devido ao caráter limitado de seu alcance. As observações psicológicas foram superdimensionadas em Kant devido ao fato de ter lançado na década de 1760 a Beobachtungen (GSE, AA 02), na qual Kant expõe, psicologicamente, a relação das pessoas com os sentimentos do belo e do sublime. Contudo, pensamos que Kant inaugurou, de uma maneira própria, uma etnologia dos salões de Königsberg para entender tais aspectos da natureza humana, por meio do estudo sobre as observações de um grupo de pessoas. A origem da antropologia é a Geografia Física, por conta também de que ele pretendia fazer o estudo da terra e sua relação com o ser humano, uma vez que “a geografia é uma descrição racional de tudo o que é visível na terra”243 O homem é o principal ser de visibilidade na terra, no entanto a amplitude da ciência geográfica não podia dar conta de um objeto tão específico e, com isso, Kant trouxe à tona um saber que se preocupa com o aprofundamento deste aspecto da Weltkentnnis. Assim, as observações de convivas nos salões de Königsberg diferia, sobremaneira, daquela de homens longínquos, assim como a comparação de ambos: “as experiências da natureza e do homem constituem juntos o conhecimento do mundo. O conhecimento do homem nos é ensinado pela antropologia, o conhecimento da natureza nos mostra a geografia física ou descrição da terra.”244 É interessante haver no caráter científico da geografia física, que influenciou, diretamente, na formação da disciplina antropológica, um contraste com a ideia mesma de metafísica, a qual em seu nascimento com Aristóteles tem como intuito ser a ciência das causas primeiras. Mais precisamente, as causas últimas, em contraste no contexto antropológico, são mais importantes devido ao fato de a antropologia ser uma ciência que medeia, organiza e mostra quais são as finalidades últimas do ser humano que podem ser pensadas pela razão, a fim de melhorar a vida cotidiana dos homens e mulheres; causas estas que variam, tanto temporalmente quanto geograficamente, de acordo com a cultura e as condições climáticas que cada povo específico esteja submetido, segundo Kant.

243 “la géographie est une description raisonnée de tout ce qui est visible à la surface de la Terre.” MARCUZZI, M. Introduction. In: KANT, I. Géographie (traduit par Michèle Cohen-Halimi, Max Marcuzzi et Valérie Seroussi). Paris: Aubier, 1999. p 17. 244 "Die Erfahrungen der Natur und des Menschen machen zusammen die Welterkenntnisse aus. Die Kenntniß des Menschen lehrt uns die Anthropologie, die Kenntniß der Natur verdanken wir der physischen Geographie oder Erdbeschreibung.“ KANT, I. AA IX, s. 157. 161

6) A Antropologia Kantiana e os Paradoxos da Natureza Humana

Defendemos que Kant erige uma ciência antropológica com um método de observação adaptado a ela, mas com um deficit em relação ao seu objeto de estudo. Mais precisamente, provaremos que a antropologia, entendida como ciência do conhecimento pragmático do que o homem pode fazer de si, não consegue expor uma teoria da natureza humana que abarque a diversidade dos seres humanos em uma real universalidade. Kant propôs tal teoria por um viés humanista/culturalista (ou seja, todos nascem humanos, mas precisam desenvolver sua humanidade em vista de propósitos cosmopolitas), segundo a qual todos os seres humanos precisam cultivar-se em uma determinada cultura (branca, masculina e europeia), a fim de chegarem à plenitude. O ponto paradoxal de dificuldade encontrado por Kant, além da ideia de liberdade, que deve ser confrontada com culturas de agentes livres, é a inconsistência entre o que ele pensa do humano, agente livre, e o que ele pensa sobre alguns grupos humanos, a saber, mulheres, negros e índios: incapazes, segundo seu juízo, de cosmopolitismo. Por isso, o método da Anth, a característica antropológica, não consegue dar conta da humanidade como objeto amplo, pois por mais que ele postule uma universalidade a priori, esta não é colhida no seu desenvolvimento antropológico. Em vista desta hipótese o desenvolvimento do argumento deve se dar neste e nos dois próximos capítulos (7, 8 e 9). O século XVIII herdou uma maneira de ver o mundo que não mais podia prescindir de pensar sobre as condições peculiares de existência da humanidade. Devido ao aumento das incursões comerciais e militares ao redor do mundo mercantilista do século XVIII, também aumentou o nível de informação sobre estes povos ditos exóticos, de modo que começaram também a aparecer uma série de relatos de viagens e de feitos extraordinários que moldaram a cabeça do homem europeu sobre um mundo muito maior que os portões de Paris ou as pontes de Königsberg.245 Foi neste contexto histórico que surgiu o interesse de Kant pela antropologia filosófica. O homem enquanto ideia, projeto, mito ou simplesmente enquanto tópico privilegiado de reflexão para os filósofos – pode bem ser uma invenção, mas não é por certo uma invenção assim tão recente quanto Michel Foucault pretendeu que o fosse. O autor de Les mots et les choses (1966), depois de fazer o que chamava a arqueologia do pensamento ocidental dos últimos quatro séculos, situava essa invenção no fim do século XVIII e início do século XIX e lia o estrato pós- kantiano da filosofia como sendo marcado pela emergência e dominação das ciências humanas e pela antropologia, que se teria constituído aí como uma espécie de filosofia fundamental. O espaço epistêmico assim aberto mover-se-ia num paradoxo, pois nele o homem se propõe como sendo, ao mesmo tempo, o objeto e o

245 Podemos exemplificar alguns viajantes que nos séculos anteriores se aventuraram: Hans Standen (1525 – 1576), Jean de Lery (1536 – 1613), Álvar Nuñez Cabeza de Vaca (1490 – 1559) e etc. 162

sujeito do saber.246

Esse estrato pós-kantiano, que Leonel Ribeiro dos Santos pontua em Foucault, reflete a ideia de que o homem já vinha sendo discutido em sua condição fundante havia muito tempo, mas que o sentido de filosofia fundamental ganho pelo tema após Kant não se sustentaria sem este arcabouço, o qual se dá, mormente, nas disputas entre humanistas e anti-humanistas iniciadas no renascimento. Mais precisamente, o humanismo propunha que para atingir a condição humana é necessário uma espécie de auto-cultivo intelectual e moral, que moldaria o sujeito em vista da mais correta imagem da natureza humana, “em suma, humanus, no contexto do vocabulário dos humanistas, significava aproximadamente o mesmo que culto ou erudito.”247 Pico della Mirandola e Marcelo Ficcino são os grandes representantes do humanismo renascentista. O anti-humanismo é talvez um conceito muito forte para designar uma contestação válida ao ideal humanista de que apenas o erudito é humano, entretanto foram necessários termos fortes para contrapôr-se à elitização da ideia de humanidade, uma ideia exclusiva de uma elite intelectual e política, rebaixando aqueles que não se encaixavam neste padrão. Montaigne é o maior opositor desta maneira de categorizar a humanidade e “neste sentido, pode dizer-se que o pensamento montaigniano é um anti-humanismo. Mas, como veremos, este anti-humanismo é necessário para recuperar o sentido de um outro humanismo, sem dúvida mais modesto, mas, porventura, mais autêntico.”248 Kant usava frequentemente os Ensaios do próprio Montaigne em suas lições de antropologia, o que comprova que ele estava ciente da querela anti-humanista.249 Rousseau também influiu diretamente sobre a antropologia kantiana desde o período pré- crítico,250 passando pelo primeiro projeto crítico-transcendental de filosofia,251, consolidando-se nos últimos anos de reflexão, contudo de modo refinado.252 Entretanto, Kant tomou as ideias de Rousseau bem mais como inspiração e agitação do pensamento para resolver certas questões do que como um dogma a ser seguido discipularmente.253

246 SANTOS, L. R. O espírito da letra: Ensaios de hermenêutica da modernidade. Lisboa: Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 2007. p 43. 247 SANTOS, L. R. O espírito da letra: Ensaios de hermenêutica da modernidade. Lisboa: Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 2007. p 54. 248 SANTOS, L. R. O espírito da letra: Ensaios de hermenêutica da modernidade. Lisboa: Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 2007. p 81. 249 “Montaigne, que duzentos ano atrás escreveu um livro em um velho dialeto francês.” KANT, I. AA XXV, s. 244. 250 KANT, AA XXV, s. 12. 251 KANT, AA XXV, s. 1302. 252 KANT, AA VII, s. 317. 253 « Quand on cherche à établir le rapport entre Kant et Rousseau au sujet de l’anthropologie, il importe de bien s’assurer au départ de la perspective de chacun. Dans le Discours sur l’inégalité, où se trouve posée d’emblée la question de l’homme, Rousseau s’intéresse à la genèse de l’homme, à son histoire hypothétique depuis qu’il est sorti de mains de la nature jusqu’au développement de ses facultés et des formes le plus complexes qu’a pu prendre sa vie sociale. Kant, pour sa part, s’intéresse, du moins dans son ouvrage de 1798, à l’anthropologie d’un point de vue pragmatique, c’est-à-dire, dans les termes même de Kant, du point de vue de la connaissance «de ce que 163

A grande influência de Rousseau sobre Kant concerniu sobre a natureza humana, mas não do ponto de vista genealógico, uma vez que, não era bem a origem da humanidade que estava em jogo, mas sim o futuro, ou seja, uma filosofia que se preocupa, prioritariamente, com os destinos. As ideias de Rousseau, as quais Kant se familiarizara desde a década de 1760, ajudaram-no a identificar a diferença entre natureza e cultura254 como ponto importantíssimo para o conjunto de sua filosofia, o que ocorre, segundo as lições de antropologia, já em 1775. Se nos atentarmos aos cursos de antropologia de Kant, dos quais a Anth é fruto, veremos que a ideia dicotômica aqui em questão foi amadurecida ao longo do tempo, sendo capaz de fundar, pelo menos desde 1775, uma linha contínua de desenvolvimento do conceito de antropologia e, assim, tal desenvolvimento supõe um sacrifício humano, messianicamente, em busca do paraíso na terra: Há dois propósitos no esclarecimento e no progresso do destino humano – a saber: 1) O estado cru do ser humano (estado de natureza; 2) o estado cultivado (civilizado). O intermediário entre os dois é o pior. No primeiro, o humano é negativamente feliz; no outro, ele será feliz positivamente. O meio termo entre estes dois é o estado da luxúria, refinamento, gosto, sociabilidade e etc. Rousseau, neste sentido, está certo em preferir o estado de natureza a este intermediário. Mas este não chega ao estado civilizado; entretanto, o ser humano deve chegar ao estado civilizado, não importando o desconforto, as guerras e suas consequências vis.255

É a diferença entre natureza e cultura que marcará, a antropologia kantiana desde o pré-crítico até as discussões sobre o mal na natureza humana (Rel), passando pela moralidade e que deveria encerrar-se no chamado OP. Kant pesquisa ao longo dos cursos de antropologia, e na Anth, a natureza humana em torno de tal diferença, uma vez que esta é um princípio indefinido por sua perpétua mutabilidade ao longo do tempo devido o humano ser um agente livre. Kant deixou espalhadas as provas de que a antropologia é o principal projeto de filosofia de seu último período de reflexão; por isso, não se pode encontrar em apenas uma obra a forma sistemática e acabada desta, tal como, por exemplo, se acredita que o pudesse na Anth. Para nós, ele organizou bem as bases, apesar de não ter completado a obra que seria o fechamento e desenrolar final do sistema

l’homme comme être agissant par liberté, fait ou peut et doit faire de lui-même». Il s’agit donc de la connaissance de l’homme «en tant que citoyen du monde». Au départ, les perspectives de Kant et de Rousseau sont donc profondément différentes. D’où l’importance, chez Kant en particulier, d’une définition préalable et suffisamment complexe de l’homme comme Je, comme conscience de soi et comme personne douée de l’entendement. Kant suppose, en outre, dans sa définition initiale de l’homme, le développement de la sociabilité et de l’amour-propre. Aussi, la majeure partie de sa réflexion sur l’homme reste-t-elle fidèle a son postulat pragmatique et ne rejoint que sur peu de points certaines considérations de Rousseau, notamment celles portant sur la politesse, le goût e le luxe. » LAFRANCE, G. De rousseau à kant à propos de l'anthropologie. In: FERRARI, J. L’Année 1798: Kant et la naissance de l’anthropologie au siècle des lumières. Paris: Vrin, 1997. p 33. 254 « Il intéressant de souligner ici l’interprétation que fait Kant de la perspective de Rousseau à qui il attribue l’intention de chercher une solution au conflit nature-culture et qu’interprétée de cette façon, la pensée de Rousseau apparaît moins comme une critique négative de la culture que comme une tentative de trouver dans la culture un moyen de sauver l’espèce humaine de son malheur. » LAFRANCE, G. De rousseau à kant à propos de l'anthropologie. In: FERRARI, J. L’Année 1798: Kant et la naissance de l’anthropologie au siècle des lumières. Paris: Vrin, 1997. p 37. 255 KANT, I. AA XXV, s. 1417. 164 antropológico: o que ficou conhecido por OP. É por meio destas pistas que mostraremos as bases da Antropologia como principal disciplina de um saber filosófico.

6.1) Kant e a Construção da Antropologia: Uma Ciência Incompleta

O nosso objetivo aqui é mapear a definição do que Kant entendia por Antropologia e suas respostas parciais ao longo dos anos de sua reflexão, seguidos pela fortuna crítica e pelo papel desempenhado pela antropologia como paradigma de reflexão com seus paradoxos e seus limites próprios. As definições de antropologia que emergem das Lições, das obras críticas e da Anth serão suficientes para provar a hipótese de que Kant não conseguiu chegar a uma definição verdadeiramente abrangente de natureza humana, pois além de ser um livre agente, Kant mostrava a inconsistência entre o que ele pensava que a humanidade podia fazer de si e alguns grupos humanos considerados subalternos. Ele foi um dos primeiros professores na Europa256 a lecionar uma disciplina chamada antropologia, em 1772, e apenas parou de lecioná-la quando de sua aposentadoria em 1796. Ao longo desse tempo, os conceitos, obviamente, evoluíram e a própria disciplina antropológica mudou de patamar, tornando-se a finalidade de toda e qualquer filosofia consequente. O trabalho em sala de aula de Kant foi inventariar a natureza humana, de maneira que as suas publicações após 1793 dissessem respeito, em larga medida, a aspectos de atuação desta natureza em domínios do mundo. Expor essa relação também ajudará a mostrar a ideia de que há uma incompletude, incessante, na natureza humana.

6.1.1) Antropologia da Sala de Aula

Em 1772, Kant inicia a disciplina aqui em análise em meio a uma disputa entre a chamada popularphilosophie e a Schulphilosophie, que consistia em uma querela entre aqueles que faziam uma filosofia voltada ao mundo, e seus habitantes, e aqueles que se vinculavam a um racionalismo sistemático, segundo Zammito (2002). Em suma, Kant se afilia aqueles que faziam filosofia popular, na esteira de Thomasius, contra a escola wollfiana; isto significava que a filosofia kantiana tinha que estar voltada ao mundo como forma de dar vazão à racionalidade. Isto quer dizer que, para Kant, o trabalho do professor concerne em educar o jovem estudante para além da sua mera profissão.

256 O primeiro foi Ernst Platner. Cf. FEUERHAHN, W. Le champ de bataille de l'anthropologie. Kant entre l'héritage wolffien et le défi de la philosophie populaire. In: GRAPOTTE, S; PRUNEA_BRETONNET. Kant et Wolff, Hérita ges et ruptures. Paris: Vrin, 2011. 165

Isto posto, já discutimos anteriormente como a psicologia empírica serviu de manual para as aulas de Kant se fundamentarem em Baumgarten, e por conta disso, a ideia de humanidade em seus primeiros cursos está ligada à ideia de conhecimento de si. Apenas no ano de 1775, quando do advento de um curso melhor elaborado, Kant expõe, segundo as anotações de Friedländer, que “antropologia é um conhecimento pragmático, o qual resulta de nossa natureza.”257 Foquemos, neste momento, na ideia de que a antropologia tem de ser a pesquisa sobre o resultado da natureza humana. Ora, a ideia de antropologia como saber pragmático está, completamente, ligada a noção de que a busca pela natureza humana tem de ocorrer sob aqueles elementos que persistem na espécie ao longo do tempo. Também é evidente que nesta altura da sua reflexão, Kant não possui um conceito de natureza em geral que possa dar azo a um objeto científico. Nas lições de antropologia de 1775 não é concebível haver uma natureza humana entre os Inuit e outra entre os Yanomami, senão que em ambos tem de ser possível encontrar elementos comuns que atestem o pertencimento à mesma espécie. O desafio posto por Kant em 1775 será relativizado em seus desígnios últimos nos anos seguintes, mas conservará o apelo para o desenvolvimento da humanidade enquanto todo. Isto é verdadeiro na medida em que “o homem não é estudado em termos especulativos, mas pragmáticos, no que diz respeito à aplicação das regras da prudência, e esta é a antropologia. Nada nos interessa mais que outros seres humanos, pois estes são objeto dos nossos afetos.”258 Por mais que a ideia de natureza humana seja importante na pesquisa antropológica, a sua finalidade concerne ao estudo do ser humano em suas especificidades e só, daí, seria possível conhecer, em sentido ainda não crítico, a natureza humana: “aquele que conhece o ser humano conhece o mundo. O conhecimento sobre o ser humano deve ser duplo: 1) o comportamento fortuito ou conduta humana; 2) a natureza da humanidade.”259 Essas especificidades, além disso, não podiam satisfazer em 1775 a antropologia como ciência última, na medida em que era necessário um modelo lógico de organização, tampouco podemos falar que o projeto crítico que corresponde a essa organização lógica estava sendo gestado em vista da antropologia. Eram ambos paralelos, mas só havia ali o projeto crítico-transcendental. Entretanto, a ideia de natureza humana sempre seduziu Kant a organizar uma ciência que pudesse dar conta de esclarecer este aspecto de uma maneira que ninguém ainda tinha feito, daí o aparecimento em 1775 da noção de pragmática. Nas Lições de Antropologia do ano de 1781-2 anotadas por Menschenkunde, Kant mostra uma definição que se propõe inovadora. Assim, o “conhecimento sobre o ser humano nós

257 KANT, I. AA XXV, s. 471. 258 KANT, I. AA XXV, s. 470. 259 KANT, I. AA XXV, s. 471. 166 denominamos com o nome geral de antropologia, a qual não é ensinada em nenhuma outra universidade”260 Ora, o ano de 1782 possui a peculiaridade de sua KrV já ter sido publicada e Kant já possui um plano crítico, que se desenvolverá ao longo da década. A KrV lança a antropologia em uma dupla direção: por um lado, vê seu desenvolvimento como filosofia popular absorvida pela crítica na Arquitetônica (A 838-9 / B 866-7) e no entanto, por outro lado, expõe a disciplina antropológica como algo submetido à moral e, por conseguinte, algo empírico de menor importância em relação à futura Metafísica dos Costumes (A 841 / B 869). Quanto à última, é uma evidência de que, apesar da importância do conceito de pragmático como meio para atingir fins de sabedoria, a antropologia continuará durante a década de 1780, principalmente até a edição B da KrV, como um domínio menor na filosofia kantiana.261 Quanto à primeira, por assim dizer, esta pode ser confirmada já na antropologia anotada por Pillau em 1777 e ratificada na Menschenkunde, na medida em que diz Kant haver três doutrinas que contribuem com a nossa perfeição, de maneira a usar a já equilibrada divisão entre a da habilidade, da prudência e da sabedoria.262 Ora, esta passagem comprova que a antropologia deve seguir os passos da sabedoria. As bases da antropologia em 1782 seguem as bases críticas de modo a formalizar uma ideia de sistema como uma totalidade de partes que não são inseridas de maneira aleatória, mas segundo a sabedoria, que no caso da antropologia é uma pragmática de mundo. A conclusão parcial que podemos tirar desse quadro é a seguinte: Kant desenvolvia gradualmente em sala de aula os conteúdos de sua filosofia publicada e as lições de antropologia foram um dos grandes laboratórios do lento e gradual desenvolvimento de seus conceitos. O desenvolvimento da ideia de antropologia como ciência popular da natureza humana ganhou um desenvolvimento paralelo até o início da década de 1790, o qual se deu em sala de aula. Isto pode ser provado com a aparição da pergunta antropológica ainda em 1782 em Menschenkunde; também podemos encontrar nesta lição as referências para todas as três grandes questões que interessam à razão, referências estas que não aparecem na KrV. Mais precisamente, diz Kant, “o que é o ser humano? Conhecimento do ser humano em geral é difícil, já de um único humano é mais fácil e mais fácil ainda é o autoconhecimento.”263 Kant divide a humanidade entre a

260 KANT, AA XXV, s. 856. 261 Além desta segunda edição, a GMS corrobora com a ideia de que a antropologia deve ser a parte empírica submissa à formalidade da moralidade. “Desta maneira surge a ideia duma dupla metafísica, uma Metafísica da Natureza e uma Metafísica dos Costumes. A Física terá portanto a sua parte empírica, mas também uma parte racional; igualmente a Ética, se bem que nesta a parte empírica se poderia chamar especialmente Antropologia prática, enquanto a racional seria a Moral propriamente dita” KANT, I. Fundamentação da Metafísica dos Costumes (tradução de Paulo Quintela). Lisboa: Ed. 70, 1995. p. 14. 262 KANT, AA XXV, s. 855. 263 KANT, AA XXV, s. 859. 167 cultura individual, a civilização e a espécie, colocando as três perguntas de maior interesse da razão como interesse direto da cultura, em vista de aplicá-las na espécie. Interessante notar que aquela pergunta antropológica feita na mesma lição, mas em outro momento, ainda não se encaixa, diretamente, neste tipo de reflexão de Kant, de modo que as provas do seu aparecimento datam, seguramente, de 1793. O contexto aqui em que vêm à tona as três perguntas referenciadas pelos seus domínios é o de discussão acerca do progresso da humanidade por meio da civilização, da cultura e da moralização, as quais têm de ter como finalidade a liberdade. Cultura diz respeito apenas à pessoa, civilização concerne à sociedade; moralização refere-se ao que é melhor para o mundo em geral. Estes são os três tipos de progresso que a natureza arranjou para os seres humanos. Nós estamos longe da cultura, em civilização fizemos menos ainda, e em moralidade nós fizemos quase nada. No que diz respeito à cultura, podemos nos perguntar: 1) O que posso saber? Metafísica e filosofia ensinam isso. 2) O que devo fazer? Ética ensina sobre isso. 3) O que me é permitido esperar? Religião ensina isso.264

A ideia de que cada pergunta que interessa à razão também é responsável por um domínio do progresso da humanidade, em vista da liberdade, suscita uma reflexão. As três perguntas referem-se à cultura, o que significa que Kant estava preocupado que seus alunos soubessem quais são os limites para um conhecimento seguro acerca dos objetos, quais são as melhores maneiras para ações morais em sociedade e como a religião pode referendar as duas perguntas anteriores sem ultrapassar os limites racionais. A saída do estado de injustiça simbolizado pelo estado de natureza permitirá ao ser humano evoluir, primeiramente, em direção à resolução dos problemas de sua comunidade. Nas obras publicadas, Kant expõe de maneira mais forte as ideias acerca da moralização da sociedade, mas sem deixar tão claras quais são as etapas para tal. Bem mais importante, é a visão de que a etapa que a humanidade está naquele momento requer um grande contributo da natureza para o desenvolvimento progressivo daquela e também um apurado refino intelectual para entender quais são os desígnios da natureza que podem ser captados pela razão; não é fortuito que Kant sempre designou como principal fim da humanidade a moralização.265 O progresso deve ajudar as pessoas a viverem melhor e, por conta disso, os meios inegáveis para a sua consecução são educação pública, legislação pública e religião. As três são meios e fins, ao mesmo tempo, tanto que o prerrequisito para o desenvolvimento da humanidade é a liberdade, a qual, neste estágio, estava sendo desenvolvida como um respeito à lei. A antropologia, neste sentido, deve poder ajudar o ser humano a atingir estes fins. Esta última ideia é que o diferencia a base da antropologia antes de sua flexão e ascensão à ciência mais importante, isto é, aqui a

264 KANT, AA XXV, s. 1198. 265 KANT, AA XXV, s. 1198. 168 antropologia pode ser definida por Kant como meio de aplicação da filosofia transcendental, em vez de sua função final de filosofia última que se expõe mais claramente em 1800 na Introdução à Log. Aqui temos de esclarecer este ponto; primeiramente, Kant jamais afirmou que a antropologia era uma filosofia última em contraste com a metafísica como filosofia primeira, no entanto a maneira que a antropologia é alçada como disciplina mais importante mostra que Kant agiu desta forma. Segundo, as definições de antropologia nos anos de 1780, nas Lições de Antropologia que temos acesso, não mudaram em sua base, na medida em que a pragmática passa a ser sua qualidade fundamental, mas agrega sentidos diversos a esta base, de maneira a enriquecer a antropologia. Nas lições anotadas por Mrongrovius, Kant consolida a antropologia como pragmática, de maneira que seu argumento inicial, apesar de não ser novo, se aprofunda a fim de marcar a diferença para com a escolástica alemã. O que há de novo é a dissociação da antropologia entre pragmática e escolástica. Kant chega a ideia de que há uma antropologia escolástica por meio da intenção de dar um relevo prático à finalidade filosófica, estando a antropologia em posição de organizar a sociedade, ou seja, “conhecimentos a partir do entendimento podem ser práticos se se puder fazer uso deles; mas eles são pragmáticos quando alguém, geralmente, usa-os na sociedade, e, assim, eles devem: 1- ser, de modo geral, inteligíveis; e 2- interessar a todos. A prática nos prepara para propósitos, desde que nos interesse ou não. - No entanto, a prudência determina os propósitos.”266 O ano desta afirmação coincide com uma efervescência de pensamento de Kant, principalmente, no que concerne à moral devido o lançamento ao público de sua GMS, que deveria preencher uma fundamentação metodológica dos princípios da metafísica da moral. Ao dizer que há uma pragmática no uso que se faz dos conhecimentos do entendimento na sociedade, Kant está a afirmar que há um interesse de todos na aplicação do entendimento na regulação da vida entre os homens. Interessante é o fato de a MS ter um princípio de organização similar, visto que o direito tem de garantir a regulação legal e justa entre os humanos, de maneira que a moralidade fundamental possa ser aplicada pragmaticamente, garantindo a convivência mútua em sociedade. Com isso, podemos notar nesta lição uma maior força da filosofia crítica nas formulações da antropologia, o que denota também uma boa influência na definição de antropologia em sua nova divisão: O conhecimento do ser humano em geral é conhecido por antropologia; mas este pode ser também subdividido de duas maneiras: 1- Anthropologia pragmatica, quando se considera o conhecimento humano como útil para a sociedade; 2- Anthropologia scholastica, quando se considera bem mais como um conhecimento escolar. A última é a aplicação da primeira em sociedade.267

266 KANT, AA XXV, s. 1210. 267 KANT, AA XXV, s. 1210. 169

A antropologia pragmática é a marca distintiva da antropologia feita por Kant e tem de ser definida, de 1785 em diante, como conhecimento de mundo sobre o ser humano. A antropologia de Plätner ganha neste momento da reflexão kantiana a alcunha de escolástica, a fim de situá-la como algo que não faz avançar os conhecimentos em vista da humanidade, mas somente sobre os louros da erudição, elegendo o inimigo que fará, estrategicamente, contraposição à sua formulação. O ponto de reflexão mais importante que aqui temos que nos ater é o de que a antropologia precisa ser aplicada para satisfazer as demandas de conhecimento de mundo. Neste sentido, a antropologia, curiosamente, acompanha a divisão doutrinal da KrV, mas avançando em vista de sua aplicação moral. Há um buraco de quatro anos entre a antropologia anotada por Mrongrovius e a de Busolt que data, aproximadamente, de 1788-9, de maneira que entre uma e outra podemos notar a fixidez e nitidez dos conceitos desenvolvidos ao longo da década de 1780. Mais precisamente, na Antropologia Busolt Kant consolida a ideia de que o saber antropológico deve ser tomado como uma ciência. Apesar de na Menschenkunde já ter aparecido a ideia de que tem de haver uma ciência que faça contraponto à ciência escolástica, é aqui que a determinação antropológica ganha contorno mais nítido em importância sistemática. No entanto, qual o significado de ciência que poderia corresponder uma antropologia? A antropografia como método de observação dos seres humanos, representando as condições de possibilidade para a existência de uma antropologia como ciência. Este é um dos passos decisivos para a flexão antropológica. Há, para Kant, uma ciência antropológica que se dá por meio de um método de antropognosis, uma espécie de observação do ser humano: O que mais nos ocupa no mundo, movimentando nossas inclinações, nossa vontade e nossos desejos é o homem. Conhecimento de mundo é a mesma coisa que conhecimento humano. Agora, quando essa observação dos humanos (antropografia) se torna uma ciência, então pode ser chamada de antropologia, e seu conhecimento pode ser obtido: 1) Por longas e variadas experiências e por viagens. Observação: Se você deseja coletar conhecimento antropológico através de viagens, então você deve previamente ter um conhecimento suficiente sobre o ser humano e um certo plano para ser capaz de fazer observações sobre as diferenças entre as pessoas que você verá ao longo da viagem. 2) Se se faz observações atentas sobre si e sobre outras pessoas. Tal conhecimento da natureza humana é possível, porque temos oportunidades diárias em nossos negócios e em sociedade para adquirir antropognose. Se por meio das experiência sem qualquer finalidade e também através de observações, nós obtemos conhecimento sobre seres humano para nós mesmos e apresentamos estes em uma conexão de acordo com um método, ou mesmo, sistematicamente, então isto constitui uma ciência que podemos chamar de Antropologia.268

268 “Das was uns in der welt am mehresten beschäfftig was unsere Neigungen, unsere begirden, und unsern Willen, am mehresten in Bewegung setz ist der Mensch. Welkentniss is also eben soviel als Menschenheitkenntniss. Wenn nun diese Beobachtung der Menschen (Anthropographie) zu einer Wissenschafft gebraucht wird so heisst sie Anthropologie, diese Wissenschafft erlangt man. 1) Durch die Länge und Vielfaltigkeit der Erfahrungen und durch 170

Aqui o que está em jogo é uma observação do ser humano tanto de culturas diferentes quanto daqueles de convívio diário e ambas formas de observação têm de ocorrer em vista de um método, de forma sistemática, sendo, pois, inevitável ter a antropologia o status de ciência da observação do ser humano. Neste ponto da reflexão kantiana a antropologia é a finalidade da observação e seu método com este estilo constitui uma ciência,269 isto é, Kant aponta para a ciência antropológica de um ponto de vista pragmático como um fim que deve ser, constantemente, atualizado. Não é fortuito, com isso, que a questão mais séria que Kant propõe aqui é a seguinte, a saber, “seria possível obter uma antropologia completa?”270 As lições de antropologia, apesar de seu caráter de escrito secundário posto ser uma compilação de anotações de ouvintes dos cursos, nos dão um ótimo parâmetro acerca do desenvolvimento e ascensão da antropologia como ciência fundamental última do ser humano. Sua evolução enquanto curso nos mostra a tendência kantiana de moldar as ciências como saberes que devem ter referência no mundo, inclusive a religião, daí não ser fortuito que a ciência que carrega em seu seio a referência mais primordial deva conduzir todo o processo, tal como vimos na flexão antropológica. No entanto, ter uma boa definição do que significa a ciência antropológica difere de saber se essa ciência consegue chegar ao seu objeto de maneira satisfatória, ou seja, estar de posse de uma decidida definição de natureza humana.

6.2) Antropologia Pragmática e a Ideia de Ciência

A fim de consolidar a antropologia como saber fundamental e de maior interesse da razão, Kant resolve compilar de próprio punho a Anth, mostrando sua coerência sistemática identificada por nós em suas correspondências e no desenvolvimento de sua filosofia na década de 1790. Apesar de todo o trabalho em sala de aula, as principais provas para o caráter fundamental da ciência antropológica devem ser encontrados na referida obra. Contudo, muitos dos conceitos e divisões que vimos desenvolvidas nas lições de antropologia foram ou refinadas ou simplesmente

Reisen. Anmerkungen: Wenn man durchs Reisen Anthropologische kenntnisse samlen will: so muss man schon vorher eine genugsame Zusammenhängende Menschenkäntniss haben damit man mit einem gewissen Plan, in der Verschiedenheiten der Menschen, die man durchs Reisen zu sehen bekommt, seine Beobachtungen anstellen kann. 2) Wenn man aufmerksame Beobachtungen mit sich selbst und mit andern Menschen macht. Eine solche Menschenkenntniss ist Möglich weil wir Täglich in unsern Geschäfften und Gesellschafften Gelegenheit haben; uns Antropognosie zu erwerben. Wenn wir durch Erfahrungen die ohne absicht sind, und durch Beobachtungen uns Menschenkenntniss verschaffen sind, und dieselben in einem Zusammenhange, und nahc einer gewissen Methode, oder mit einer Wort, systematisch vorgetragen werden: so ist sie eine Wissenschafft die Man Antropologie nennt.” KANT, AA XXV, s. 1435. 269 “Eine solche pragmatische anthropologie ist nun unser Zweck.” KANT, AA XXV, s. 1436. 270 “Möglich sein, dass man sich eine Vollständige Antropologie Verschaffen könne. KANT, AA XXV, s. 1436. 171 abandonadas por Kant na obra de 1798. Infelizmente não nos chegou nenhuma destas lições datadas dos anos de 1790-1796 e, assim, não podemos afirmar, sem titubeios, o que levou Kant a abandonar, por exemplo, o conceito de antropografia como observação do ser humano ou a divisão antropológica em doutrina da habilidade, doutrina pragmática e doutrina moral, em vista da divisão desses conceitos em termos de disposições. É possível, porém, mostrar que a continuidade da antropologia como ciência fundamental necessitou de agregar fundamentos morais e políticos ao conceito de pragmática. Isto permitiu atender à demanda da pergunta antropológica, a saber, o que o ser humano pode fazer de si mesmo, em vista do progresso da espécie para o melhor. A estrutura da Anth nos mostra uma forte tendência de assimilação da filosofia crítica, coisa que não vemos na lição anotada por Busolt, a última que temos acesso. A pretensão de Kant foi reunir em uma só obra os desdobramentos das faculdades de conhecer, de desejar e de sentir prazer e desprazer, sendo estas conectadas com uma metodologia de observação mais geral, que congrega as características das pessoas, dos sexos, das raças, dos povos e, obviamente, da espécie humana de maneira geral. Isto posto, a estrutura da Anth ganha uma dinâmica diferente daquela das lições, mas preserva, em contrapartida, muitos dos conteúdos que Kant desenvolveu ali.271 Kant antropologizou a crítica de maneira que toda produção posterior a 1793 foi erigida sob a direção antropológica. A estrutura antropológica posiciona-se como uma espécie de escudo contra os críticos da filosofia popular, entretanto ele não abre mão de trazer a público o caráter fundamental que pontuou a sua carreira como professor e filósofo e apesar de a introdução à Anth ser bem mais modesta que os preâmbulos das Lições, ainda é possível encontrar o desenvolvimento de sua ideia de ciência antropológica, de maneira melhor fundamentada na sistemática de sua filosofia. Isto pode ser encontrado na reflexão inaugural e convocatória à leitura da obra, a saber, “todos os progressos na civilização, pelos quais o homem se educa, têm como fim que os conhecimentos e habilidades adquiridos sirvam para o uso do mundo, mas no mundo o objeto mais importante ao qual o homem pode aplicá-lo é o ser humano, porque ele é seu próprio fim último. - Conhecer, pois, o ser humano segundo sua espécie, como ser terreno dotado de razão, merece, particularmente, ser chamado de conhecimento do mundo.”272 Ora, podemos notar aqui que Kant segue o esquema exposto ao longo dos cursos de antropologia, na medida em que congrega a ideia de que tem de haver um conhecimento do ser humano que seja usado, prioritariamente, de maneira a desenvolver 271 Não apenas tal dinâmica se difere das lições, mas também o modo de adequação da Anth à filosofia crítica permite Kant organizar a ordem correta destas três faculdades supracitadas, uma vez que a faculdade de prazer e desprazer, que correspondente à KU, aparece entre a faculdade de conhecer e a de desejar. 272 KANT, I. Antropologia de um ponto de vista pragmático (tradução de Clélia Aparecida Martins). São Paulo: Iluminuras, 2006. p. 21. 172 as potencialidades deste; também é possível notar a posição de diferenciação entre o modelo de filosofia escolar e aquilo que a pragmática tem de dispor, em vista de uma filosofia, verdadeiramente, cosmopolita. Uma doutrina do conhecimento do ser humano sistematicamente composta (antropologia) pode ser tal do ponto de vista fisiológico ou pragmático. - O conhecimento fisiológico do ser humano trata de investigar o que a natureza faz do homem; o pragmático, o que ele faz de si mesmo, ou pode e deve fazer como ser que age livremente […] Uma tal antropologia considerada como conhecimento de mundo que deve seguir à escola, não é ainda propriamente denominada pragmática e contém um amplo conhecimento das coisas no mundo, por exemplo, os animais, as plantas e os minerais dos diversos países e climas, mas contém um conhecimento do ser humano como cidadão do mundo.273

A dicotomia entre mundo e escola permanece e reforça a ideia de que o homem deve construir seu próprio caminho, progredir por seus próprios meios, em direção ao melhor, conservando aqui a associação entre humanidade e a capacidade de agir livremente. Apesar da estrutura até aqui apresentada por nós, não pretendemos inventariar as semelhanças entre cada obra crítica e os conteúdos expostos na Anth, mas sim o que nos importa é a identificação de como a noção de antropologia que permite a Kant possuir uma ciência segura; também, a reboque disso, queremos saber se tal ciência dá conta da natureza humana como objeto amplo e privilegiado. Isto posto, para esclarecermos plenamente este ponto, faz-se mister perguntarmo-nos o que significa o conceito de ciência associado à atividade antropológica? Ou, mais precisamente, em que sentido é a antropologia pragmática uma ciência? Ora, para responder a estas perguntas, faz-se mister compreender que estava em desenvolvimento, de maneira acurada, uma maneira de ampliar a ideia de referência a objetos, diferentes dos expostos na KrV. Segundo Holly Wilson, isto se expressa no esforço de Kant para atualizar e adequar da melhor maneira possível o conceito de pragmática: Há muitos sentidos de pragmática que Kant usa. O primeiro diz respeito à diferença entre antropologia pragmática, fisiológica e especulativa. O segundo sentido concerne à predisposição pragmática. O último diz respeito ao desenvolvimento da prudência no indivíduo e o desenvolvimento de uma constituição e lei positiva para a espécie. Algumas vezes, estes dois conceitos estão misturados, mas podem ser tranquilamente diferenciados.274

Para uma ciência em sentido pragmático, como a qualquer outra, faz-se mister um método e

273 KANT, I. Antropologia de um ponto de vista pragmático (tradução de Clélia Aparecida Martins). São Paulo: Iluminuras, 2006. p. 21. 274 “There are several senses of pragmatic that Kant uses. The first sense concerns differentiating pragmatic anthropology from physiological anthropology and speculative anthropology. The second sense of pragmatic has to do with the pragmatic predisposition. The latter account concerns the development of prudence in the individual and the development of a constitution and positive law for the species. Sometimes these two concepts are intermingled, but they can also be clearly differentiated.” WILSON, H. Kant's pragmatic anthropology: Its origins, Meaning and Critical Significance. Albany: State University of New York Press, 2006. p 28. 173 um sistema, os quais já foram erigidos do ponto de vista formal. O grande salto que Kant pretende em 1798 com a Anth é mostrar que o sentido de ciência exposto de maneira formal na filosofia transcendental deve ser convertido em princípios que fundamentem à observação empírica. O primeiro passo para entender a antropologia como ciência é sua característica de possuir o mundo, em vez de meramente ter, potencialmente, ferramentas para conhecer o mundo de modo a priori, uma vez que aquele que possui o mundo pode dispô-lo e conhecê-lo também de forma a posteriori, em suma, tangê-lo; é necessário tomar parte do mundo e ser um observador ativo que se preocupa em estabelecer princípios.275 Desse modo, “sem um tal plano (que já supõe o conhecimento do ser humano), a antropologia do cidadão do mundo fica sempre muito limitada. Aqui os conhecimentos gerais sempre precedem os conhecimentos locais, caso tal antropologia deva ser ordenada e dirigida pela filosofia, sem a qual todos os conhecimentos adquiridos não podem proporcionar senão um tatear fragmentário, e não ciência.”276 A filosofia é o conceito que deve sistematizar e fundamentar as observações antropológicas seja por conta da faculdade de julgar, ou do segundo nível de apresentação do método. Este último ganha uma peculiaridade, a saber, o avanço doutrinário não é mais possível de forma completa, uma vez que tal conjunto a priori de regras e princípios a serem ensinados necessitam da esfera a posteriori da observação, ocorrendo que, por vezes, tais regras e princípios precisam atualizar fundamentos para sistematizar a realidade observada, em vez de fazer a realidade observada encaixar, de qualquer modo, ao conjunto de regras e princípios. Esta é uma das dificuldades encontradas por Kant para a fundamentação da antropologia como ciência. Por conta disso, Kant trouxe a ideia de ciência antropológica, substituindo as doutrinas da habilidade, da pragmática e da moralização por mais modestas disposições ligadas à ideia de caráter, uma vez que aqui se pode ter uma ciência híbrida, com características finalísticas; apesar de se preocupar com os destinos da humanidade ela tem de tentar, primeiramente, entender o que é o homem do presente instante da observação. Entendê-lo requer um conhecimento prévio das disposições humanas: Mas todas as tentativas de obter uma tal ciência com profundidade estão opostas consideráveis dificuldades intrínsecas à própria natureza humana […] Por fim, não são precisamente fontes, mas meios auxiliares da antropologia: a história mundial, as biografias e até peças de teatro e romances […] Os caracteres esboçados por um Richardson ou por um Molière devem ter sido tirados, em seus traços fundamentais, da observação do que os homens realmente fazem ou deixam de fazer, porque são de fato exagerados em grau, mas quanto à qualidade, precisam 275 KANT, I. Antropologia de um ponto de vista pragmático (tradução de Clélia Aparecida Martins). São Paulo: Iluminuras, 2006. p. 22. 276 KANT, I. Antropologia de um ponto de vista pragmático (tradução de Clélia Aparecida Martins). São Paulo: Iluminuras, 2006. p. 22. 174

estar de acordo com a natureza.277

Entre os habitantes vivos da terra, o ser humano é notoriamente diferente de todos os demais seres naturais por sua disposição técnica (mecânica, vinculada à consciência) para o manejo das coisas, por sua disposição pragmática (de utilizar habilmente outros homens em prol de suas intenções) e pela disposição moral em seu ser (de agir consigo mesmo e com os demais segundo o princípio da liberdade sob leis), e por si só cada um desses três níveis já pode diferenciar caracteristicamente o ser humano dos demais habitantes da terra.278

A última passagem é encontrada no que Kant denomina de caráter da espécie; mais precisamente, a característica antropológica serve como guia metodológico para as observações de tipo retroalimentado presentes na didática. Assim, para que seja possível uma ciência antropológica ter-se-ia de, primeiramente, definir que tipo de observação se pode fazer e que tipos de regras são aplicáveis a esta ciência. Para Kant, estas regras são disposições naturais da humanidade que necessitam ser trabalhadas segundo o estudo temporal da natureza humana, isto é, daquilo que o homem está fazendo de si no momento presente, em vista de sua finalidade última. A antropologia evoluiu desde um curso sobre aspectos esparsos da humanidade para uma ciência dos destinos da humanidade, plenamente, inserida no sistema de maneira a conter todos os interesses daquela em seu trabalho. Mais interessante ainda é o fato de que Kant fortaleceu a ideia de cientifização da antropologia, que já vinha sendo desenvolvida na década de 1780, a partir do momento mesmo que define tal disciplina como centro de interesse da razão, desenvolvendo um tal projeto de maneira silenciosa quanto aos seus desígnios, de modo que a publicização da pergunta antropológica como mote e fonte de interesse apenas vem à tona em 1800 na Log: E a filosofia não só permite tal nexo sistemático rigoroso, mas é mesmo a única ciência que, na acepção mais própria do termo, possui uma conexão sistemática e confere unidade sistemática a todas as outras. Agora, no que se refere à filosofia em seu sentido no mundo, ela pode chamar-se também uma ciência da máxima suprema do uso de nossa razão, na medida em que se entenda por máxima o princípio interno de escolha entre fins diversos. Então, em sua significação última, a filosofia é a ciência da relação de todo conhecimento e uso da razão com a meta final da razão humana, o fim supremo a que todos os outros fins se subordinam e no qual todos devem se unificar. O campo da filosofia, nesta significação cosmopolítica, pode reduzir-se às seguintes questões: 1) que posso saber? 2) que devo fazer? 3) que me é permitido esperar? 4) que é o homem? A metafísica responde à primeira questão; a Moral a segunda; a Religião a terceira; e a Antropologia a quarta. Mas, fundamentalmente, tudo poderia reduzir-se à

277 KANT, I. Antropologia de um ponto de vista pragmático (tradução de Clélia Aparecida Martins). São Paulo: Iluminuras, 2006. p. 22-3. 278 KANT, I. Antropologia de um ponto de vista pragmático (tradução de Clélia Aparecida Martins). São Paulo: Iluminuras, 2006. p. 216. 175

antropologia, pois as três primeiras questões rementem à última.279

Em 1800, com isso, Kant deixa claro que a antropologia é a finalidade da filosofia, na medida em que todos os fins racionais possíveis devem se unificar sob a batuta da antropologia. Ora, esta é uma ciência que deve ter como princípio que “não importa o que a natureza fez do ser humano, mas o que este faz de si mesmo”280, isto é, a antropologia deve buscar os fins supremos que a filosofia racionalmente coloca, enquanto nexo sistemático unificado na espécie humana. Assim, a antropologia é a finalidade do sistema e deve preencher a forma deste com seu conteúdo. Isto posto, é possível se questionar por que a pergunta antropológica aparece numa obra de valor crítico menor e compilada por uma outra pessoa em vez de se fazer presente na própria Anth? Ora, Kant adequou a Anth para um formato crítico, coisa que não aparece em nenhuma lição de antropologia que nos foi legada. Todo este esforço de Kant para dar sistematicidade à Anth nos mostra um profundo paradoxo notado por Diogo Sardinha281, a saber, onde Kant faz a pergunta antropológica (Log 1800), ele não a responde e onde ele a responde (Anth 1798), mesmo de modo insuficiente, não faz a dita pergunta. Tal paradoxo pode ser respondido com uma tese específica que queremos defender a partir daqui, a saber, dar um caráter científico à antropologia não significa que Kant tenha completado o trabalho antropológico, isto é, o modelo de ciência erigido não consegue dar conta do objeto estudado de maneira completa. Ele não conseguiu chegar a uma teoria plausível sobre a natureza humana em sua expressão universalmente pragmática, na medida em que sua ciência antropológica tem a característica de um cosmopolitismo restrito. O principal problema da antropologia kantiana reside na incapacidade de definição abrangente da natureza humana e, devido a isso, restou inventariar os humanos ao longo do tempo, relacionando seus costumes com uma universalidade formal amalgamada na ideia de liberdade. Ora, uma antropologia que pode ser caracterizada como a ciência dos destinos últimos do ser humano possui um deficit em seu objeto, quando este se expressa na empiria, ou seja, a liberdade em sentido abstrato, porém real, esbarra no livre-arbítrio humano, o qual Kant identifica plenamente nos povos não europeus, atribuindo a alguns grupos, mais precisamente, mulheres, negros e índios, uma incapacidade cultural ou falta de talento para a moralidade. Com isso, como é possível equalizar um conceito abstrato de natureza humana com a

279 KANT, I. Manual dos cursos de lógica geral (Tradução, apresentação e guia de leitura de Fausto Castilho). Campinas: Ed. Unicamp; Uberlândia: Edufu, 2002. p. 53. 280 KANT, I. Antropologia de um ponto de vista pragmático (tradução de Clélia Aparecida Martins). São Paulo: Iluminuras, 2006. p. 188. 281 SARDINHA, D. O Paradoxo da Antropologia em Kant. In: SANTOS, L.; MARQUES, U.; PIAIA, G.; SGARBI, M.; POZZO, R. Was ist der Mensch? / Que é o Homem?. Lisboa: Centro de Filosofia de Lisboa, 2010. 176 realidade concreta e ativa dos seres humanos em geral? Esta pergunta ressoa na tentativa de Kant de moldar a humanidade sem levar em consideração as atividades concretas dos seres humanos distantes culturalmente do modo de vida europeu (alargando muito o conceito de povo Europeu). Allen Wood também enxerga que “a relutância de Kant em discutir a questão fundamental, O que é o homem?, parece dever-se às suas dificuldades inerentes, sobre nossa limitada capacidade de adquirir conhecimentos da natureza humana em geral, e ao pobre estado intelectual da antropologia na época.”282 Isto ajuda a responder o paradoxo de Sardinha na medida em que a Anth por si mesma é apenas um ponto pragmático de vista, apesar de, cientificamente, formulado, e, por isso, não pode tratar ou perguntar-se sobre o homem de modo último, uma vez que existe uma diversidade humana de difícil enquadramento e também, historicamente, a humanidade muda sempre seu modo de viver. A liberdade mostra-se o fundamento da resposta ao paradoxo exposto por Sardinha. Há algo que deve permanecer ao longo do tempo e que pode ser visto nas atitudes humanas, por meio da história, dos relatos de viagens e dos romances. No entanto, Kant não parecia estar seguro que a liberdade pudesse ser demonstrada em todos os povos e entre as mulheres europeias. O faktum da razão, com isso, ressoa nos últimos escritos de Kant bem mais como uma potencialidade de alguns grupos do que uma característica compartilhada pelo conjunto total da humanidade. Ora, outro ponto de engodo de Kant para não ter exposto anteriormente uma antropologia completa concerne à formulação da questão antropológica, que não pode ser ontológica ou metafísica, mas sim tem de ser cosmopolita e, como tal, responsável pela progressiva melhoria das condições de vida da humanidade como nos mostra a flexão antropológica de 1793. A cientificidade da antropologia do último Kant é real, na medida em que ela cumpre o principal requisito para tal: possuir uma base crítico-transcendental, universal, permanente e fixa; o problema é que a sua ciência não parece se encaixar, perfeitamente, em seu objeto de estudo por ser este, por um lado, completamente movente (no sentido dos costumes) e, por outro lado, incapaz de mover-se, em sua totalidade, em direção à moralidade, deixando incompleta a terceira das disposições que devem fundamentar a natureza humana. A antropologia precisa da base transcendental e crítica para funcionar como ciência, dando soluções às questões que, por ventura, surjam, daí que a universalidade buscada pelo conhecimento deve sobrepôr-se aos aspectos particulares na ciência antropológica.283 No entanto, não há uma ciência antropológica completa sem a fundamentação da natureza humana, a qual deveria envolver

282 “Kant's reluctance to discuss the fundamental question 'What is the human being?' appears rather to be due to his convictions about its inherent difficulty, about our limited capacities to acquire knowledge of human nature in general, and about the poor state of anthropology at present.” WOOD, A. Kant and the problem of human nature. In: JACOBS, B; KAIN, P. Essays on Kant's Anthropology. New York: Cambridge, 2007. p 39. 283 KANT, I. Antropologia de um ponto de vista pragmático (tradução de Clélia Aparecida Martins). São Paulo: Iluminuras, 2006. p 22. 177 uma readequação do sistema de filosofia em torno desta demanda. Uma pista deveras salutar para a formulação de Kant de uma teoria da natureza humana foi encontrada por Reinhard Brandt no chamado manuscrito de Rostock, que deu origem à Anth. Segundo Brandt a questão antropológica “não é encontrada nem nas lições nem nas notas de Kant para as lições. Ela aparece no campo da antropologia apenas em um manuscrito kantiano (ainda mantido em Rostock), no qual Kant escreve no texto da Anth, mas não a coloca na versão final do livro.”284 O que fez de tal questão tão inadequada a ponto de Kant não formulá-la onde, supostamente, teria de expor uma teoria da natureza humana? Isto passa pela nossa hipótese de que Kant não possuía uma teoria da natureza humana suficientemente adaptada à ciência antropológica. A antropologia foi alçada à condição de ciência com conceitos frágeis de natureza humana, de maneira que, para que esta não fosse apenas um tatear fragmentário, Kant espelhou a crítica e a fez trabalhar em vista da antropologia, mas com a limitação das condições transcendentais, as quais, apesar de fundamentar a antropologia, não a penetram, pois pertencem a domínios diferentes. Neste sentido, a crítica, para dar condições fundamentais à pragmática, não faz da antropologia uma ciência em sentido transcendental, não podendo haver uma antropologia transcendental como colocam Patrick Frierson e Jorge Conceição. Ambos se vinculam a uma formulação marginal de Kant que pode ser encontrada em suas Reflexões de Antropologia (AA XV, s 395), na qual Kant usa o termo anthropologia transcendentalis. Essa reflexão é datada, aproximadamente, de 1772, no momento que o autor inicia suas pesquisas para os cursos de antropologia. Kant não volta a usar tal termo em nenhum momento de sua trajetória filosófica, nem mesmo quando colocou a antropologia como finalidade do sistema. Entretanto, Frierson defende que “a antropologia transcendental de Kant foca no que pode ser conhecido a priori sobre os seres humanos, por meio de um exame interno básico das faculdades mentais, o qual especificamente satisfaz as condições de possibilidade de restrições normativas dos seres humanos.”285 Basicamente, Frierson parte do pressuposto de que Kant nunca abandonou a ideia de antropologia transcendental e de forma acrítica mostra como todas as faculdades superiores e seus

284 “Is encountered neither in the lecture notes nor in Kant’s notes for the lectures. It appears in the field of anthropology only in a Kantian manuscript (still kept today in Rostock) in which Kant set down the text for the Anthropology from a Pragmatic Point of View, but was not transferred into the book.” BRANDT, R. Kants pragmatische Anthropologie: Die Vorlesung. Allgemeine Zeitschrift für Philosophie, 19, 1994, s. 43. APUD: WOOD, A. Kant and the problem of human nature. In: JACOBS, B; KAIN, P. Essays on Kant's Anthropology. New York: Cambridge, 2007. p. 57. Grifos nossos. 285 “Kant’s transcendental anthropology focuses on what can be known about human beings a priori through an examination of basic mental faculties from-within that specifically attends to the conditions of possibility of normative constraints on human beings.” FRIERSON, P. What is the human being?. New York: Routledge, 2013. p. 13. 178 interesses racionais trabalham em vista daquela passagem marginal das Ref, bem mais aparentada à

286 psicologia empírica de Baugartem , a qual já mostramos o distanciamento gradual de Kant. O termo antropologia transcendental não reaparece nem mesmo na Anth, onde possivelmente poderia fundamentar a ideia de que toda a filosofia kantiana trabalhou em vista da antropologia. Frierson parte do pressuposto que aquela linha marginal de 1772 continua na filosofia crítica, sem, no entanto, explicar como se vinculam ou, tampouco, como desenvolveu-se até atingir o estágio crítico. Jorge Conceição287 segue a pista de Frierson, mas com a peculiaridade de colocar a teoria dos juízos como parte de uma reorientação da antropologia transcendental em vista do conceito de natureza humana. A ideia de que a capacidade de julgar possa ser a marca distintiva da humanidade não pode ter base universal em nossa época, senão na de Kant se olharmos de um ponto de vista antropológico em seu paradoxo entre liberdade e natureza humana. A capacidade de julgar não pode ser uma marca distintiva universal do ser humano, uma vez que alguns grupos com inaptidões específicas (bebês que nascem sem cérebro, autistas, pessoas em estado vegetativo e etc.) não poderão ser considerados humanos. Com isso, a função transcendental não pode se encaixar plenamente na antropologia kantiana nem trabalhando retroativamente, isto é, antropologizando as faculdades humanas, tampouco pode mostrar universalmente como a antropologia pode ser aplicada, uma vez que carece de dados empíricos observacionais. Este impasse, se lembrarmos das Lições de Antropologia, mostra que Kant nunca levou a frente a ideia de que a antropologia pudesse fazer parte da filosofia transcendental, o que não significa que ela não possa fazer parte do sistema e que tal sistema de filosofia crítico-transcendental não pudesse dar uma base segura para um nível de atuação em uma diferente esfera: a pragmática. A relação entre a crítica e a antropologia, no que concerne ao funcionamento interno, é complementar, e não molar; o conceito de filosofia cosmopolita direciona ambas, progressivamente, ao melhor. Levando em consideração todas estas pistas, faz-se mister entender por quê o método, locado na Característica da Anth, não permitiu a Kant fazer a pergunta antropológica naquela altura da reflexão. Mais precisamente: Kant estava ciente dessa dificuldade ou apenas a reproduziu irrefletidamente? Nossa tese é que ele tinha completa noção das inadequações de sua teoria da natureza humana. Mais precisamente, a ideia de compor uma antropologia que desse conta de responder o que é

286 “Kant’s transcendental anthropology characterizes the process of thinking, judging, choice, and aesthetics appreciation from-within.” FRIERSON, P. What is the human being?. New York: Routledge, 2013. ps. 12 - 13. 287 CONCEIÇÃO, J. Anthopologie Transscendentalis: uma reorientação da teoria dos juízos em Kant. Kant e-Prints. Campinas, Série 2, v. 8, n. 2, p.131-149 jul.– dez., 2013. 179 o homem dependia de montar uma hierarquia humana, por meio da qual todos pudessem ser locados, verdadeiramente, dentro de uma universalidade. Entretanto, para tal, Kant faz a humanidade trabalhar segundo princípios acríticos, organizados de maneira atabalhoada, a fim de fazer a antropologia funcionar como finalidade da filosofia. Ele parte do pressuposto de que a natureza humana precisava ser cultivada para o progresso da humanidade, daí ter mostrado uma antropologia de viés humanista, na qual o ser humano necessita se adequar a ela, em vez dela se adequar ao ser humano. Quando os maiores interesses da razão são confrontados com a prática empírica de vários povos diferentes (incluindo aqui suas respectivas diferenças entre os sexos e raças), os povos não europeus, e as mulheres, são rebaixados a um nível inferior de humanidade em relação ao branco alemão europeu. A ciência antropológica kantiana não consegue confirmar a humanidade dos não- europeus, senão europeizando-os em suas características, ou seja, Kant apenas consegue mostrar uma teoria da capacidade de humanidade, em vez de uma ciência dos fundamentos humanos presentes em todo homem. 180

7) As Inconsistências da Natureza Humana em Kant

A Característica antropológica, enquanto doutrina do método da Anth, mostra os limites da filosofia kantiana para fundamentar uma antropologia completa, uma ciência da natureza humana que trate desta de maneira universal. Mas, ao contrário da doutrina do método da KrV, Kant não possuía um programa antropológico de consecução, que resolvesse as inconsistências, facilmente. No caso específico da Anth, atestamos uma grave incongruência entre, por um lado, o que Kant entende sobre o caráter das pessoas e da espécie, ao serem apreciados em conjunto, e, por outro lado, o caráter dos povos, dos sexos e, principalmente, o das raças. Mais precisamente, mostraremos que a espécie e as pessoas são, naturalmente, dispostas à universalidade da humanidade, mas, em contrapartida, notam-se as limitações que as mulheres e as raças não brancas (negros, índios e calmucos) possuem para ser plenamente humanos. Isto significa que há níveis de humanidade e que há restrições culturais para se atingir o maior nível desenvolvido pelo homem branco. Kant dispõe na Anth uma progressão metodológica na Característica que deve partir do caráter da pessoa e chegar ao da espécie, mas no percurso entre uma e outra, há uma série, na sua visão, de obstáculos que têm de ser superados a fim de que as mulheres e os não brancos possam ser, verdadeiramente, humanos. Para que este tipo de pensamento fosse possível na Anth, Kant desenvolveu-o ao longo das lições de antropologia, nos textos sobre raça da década de 1780 e ratificou-o na PhG. O conceito de raça, especialmente, desconfigura, de maneira definitiva, a universalidade da sua antropologia e impede que esta seja completada, uma vez que a ideia encontrada para justificar a natureza humana, como objeto especial de pesquisa da ciência antropológica, remete à noção de finalidade cosmopolita, isto é, à capacidade de progresso da civilização por meio da consecução de um estado constitucional que possa evitar guerras ofensivas e promover uma constituição republicana. Contudo, tal universalidade parte e chega ao modo europeu de vida, servindo este como padrão humano; todos aqueles povos e pessoas que, de fato, se proponham a ser plenamente humanos devem se adequar a esta característica.

7.1) O Caráter da Pessoa e da Espécie na Anth

Em relação à incongruência supracitada, comecemos mostrando como, em vista do método aplicado à Anth, Kant define as características das pessoas e da espécie. De antemão, lembremos que esta é uma obra pensada ao longo de mais de vinte anos de construção, e destruição de conceitos, e análise de dados trazidos por homens que estiveram em regiões longínquas com povos 181 exóticos aos olhos europeus. Quanto ao caráter das pessoas, assim, Kant afirma que: De um ponto de vista pragmático, a doutrina universal natural (não civil) dos signos (semiotica universalis) se serve da palavra caráter numa dupla acepção, porque, em parte, se diz que um certo homem tem este ou aquele caráter (físico), em parte, que tem em geral um caráter (moral), que, ou é único, ou não pode ser caráter algum. O primeiro é o signo distintivo do ser humano como ser sensível ou natural; o segundo o distingue como um ente racional, dotado de liberdade. Tem caráter o homem de princípios, de quem se sabe seguramente que se pode contar, não com seu instinto, mas com sua vontade. - Por isso, no que cabe à sua faculdade de desejar (ao que é prático), pode-se dividir, na característica sem tautologia, o característico em: a) o natural ou disposição natural, b) temperamento ou índole sensível e c) o caráter pura e simplesmente ou índole moral. - As duas primeiras disposições indicam o que se pode fazer do ser humano; a última (moral), o que ele se dispõe a fazer de si mesmo.288

As pessoas, para Kant, podem ser divididas entre aqueles que possuem um caráter determinado, seja pela natureza ou pela cultura, e aqueles que se dispõem, moralmente, a fazer de si mesmo um ser que age de maneira universal com perspectiva cosmopolita. Esta divisão parece simples, mas revela que o caráter natural de uma pessoa está ligada a um impulso prático ao que Kant chama de bem. Há, de fato, aqui uma progressão desde a aptidão do temperamento para uma maior humanização, no sentido kantiano, isto é, para a busca das finalidades da humanidade. É preciso adequar este ser humano natural que pode ser feito de meio para um fim heterogêneo em uma ideia de humanidade que busca resolver os seus problemas. O caráter pode ser melhorado, dependendo do auto-cultivo de si mesmo, uma vez que “ter pura e simplesmente um caráter significa ter aquela qualidade da vontade segundo a qual o sujeito se obriga a seguir determinados princípios práticos que prescreveu inalteravelmente para si mesmo mediante sua própria razão.”289 O caráter no homem precisa ser civilizado, a fim de haver uma universalização do ponto de vista da espécie. Isto posto, o caráter da pessoa deve ser consequente ao caráter da espécie, na medida em que é necessário “realizar o aperfeiçoamento do ser humano mediante cultura progressiva, ainda que com muito sacrifício da alegria de viver.”290 Isto significa a necessidade de adequação da diversidade humana de maneira que permita o progresso da espécie. É curioso que Kant propõe na Anth a continuação de uma reflexão recorrente ao longo das lições, a saber, a impossibilidade de fundamentar de maneira última o caráter da espécie devido ao fato de que não conhecemos outra espécie de seres humanos que possa ser comparada conosco. Em

288 KANT, I. Antropologia de um ponto de vista pragmático (tradução de Clélia Aparecida Martins). São Paulo: Iluminuras, 2006. p. 181. 289 KANT, I. Antropologia de um ponto de vista pragmático (tradução de Clélia Aparecida Martins). São Paulo: Iluminuras, 2006. p 188. 290 KANT, I. Antropologia de um ponto de vista pragmático (tradução de Clélia Aparecida Martins). São Paulo: Iluminuras, 2006. p 216. 182 verdade, Kant tenta mostrar que a razão deve ser o único guia confiável que pauta as investigações observacionais: O caráter da espécie, tal como pode ser conhecido pela experiência em todos os tempos e entre todos os povos, é este: a espécie, tomada coletivamente (como um todo da espécie humana), é uma multidão de pessoas existentes sucessivamente e próximas umas das outras, que não podem prescindir da convivência pacífica, nem todavia evitar estar constantemente em antagonismo umas com as outras; que, por conseguinte, se sentem destinadas pela natureza, pela coerção recíproca de leis emanadas delas mesmas, a uma coalizão, constantemente ameaçada pela dissensão, mas, em geral, progressiva, numa sociedade civil mundial (cosmopolitanismus), ideia inalcançável em si que, no entanto, não é um princípio constitutivo (da expectativa de uma paz que se mantenha em meio a mais viva ação e reação dos homens), mas apenas um princípio regulador: o de persegui-la aplicadamente como a destinação da espécie humana, não sem a fundada suposição de uma tendência natural para ela.291

Isto significa que as pessoas e a espécie estão integradas em um só sistema, que deve tender ao cosmopolitismo materializado numa sociedade civil mundial, uma visão social concernente aos maiores interesses da razão referenciados pelas quatro perguntas e suas respectivas áreas de interesse. Apesar de Kant pensar que esta é uma ideia inalcançável, ela, no entanto, é plausível, segundo o próprio, desde que as pessoas consigam progredir indefinidamente no caminho traçado para a espécie. Apenas por meio destes seria possível que o antagonismo humano encontrado em guerras ao longo da história pudesse ser cessado. A tendência natural do homem a se civilizar não está posta no caráter da pessoa, um ser livre e de livre-arbítrio que pode, inclusive, ir de encontro aos desígnios da razão. Uma sociedade civil cosmopolita, desse modo, proposta na década de 1780 (Idee) e refinada na década de 1790 (ZeF, SF e Anth) poderia conter povos africanos e indígenas? Esta pergunta que, em uma primeira olhadela, parece sem sentido ou mesmo trivial, passa a ser o calcanhar de aquiles do projeto antropológico em sua relação política e pragmática. A resposta para tal enigma pode ser encontrada na mediação entre o caráter da pessoa e o caráter da espécie. A Anth mostra um desequilíbrio flagrante entre as duas características supracitada e as características dos sexos (mais precisamente do feminino). Quanto ao primeiro e à última, há debates atuais sobre o quanto à visão de Kant foi prejudicial de maneira que deu fundamento tanto a perspectivas misóginas quanto racistas. Há quem defenda que tais perspectivas podem ser desviadas, uma vez que as obras críticas conteriam princípios universais; entretanto, seria a universalidade de Kant, de fato, universal ou seria restrita? O desejo de um projeto de antropologia e as dificuldades encontradas pelo autor em sua

291 KANT, I. Antropologia de um ponto de vista pragmático (tradução de Clélia Aparecida Martins). São Paulo: Iluminuras, 2006. p 225. 183 consecução nos remetem à ideia de que a ciência e o cientista que a coloca em baila não estão fora do mundo, ele carrega seus preconceitos e incapacidades sentimentais de colocar a razão em prática em algumas situações. O caráter das pessoas e da espécie aparecem na Anth com um véu de universalidade irretocável, bem traçados em seus pontos que os humanos em suas especifidades deveriam preencher para melhorar as suas condições de vida e promover a satisfação e felicidade da espécie. Entretanto, para além dos clichês sobre a vida pessoal de Kant, notamos, principalmente um profundo desconhecimento sobre as mulheres europeias em sociedade. Kant traça o papel e os comportamentos sociais do sexo feminino por meio de uma lógica machista e patriarcal, as quais, inclusive tinham como opositores o prefeito da cidade de Königsberg e figura importante, Ernst Hippel. Também não parece, pela maneira como trata de índios e negros, que Kant tenha de fato conhecido qualquer pessoa desses grupos. O resultado disso é a proposição do caráter para a espécie e pessoa, por meio de uma pragmática mambembe, que não consegue se adequar as complexidades das diferenças humanas, mas sim, ao invés disso, faz todas as especifidades de seres humanos se adequarem àquela pragmática, a fim de confirmar a plenitude de sua condição. Vejamos, primeiramente, as incongruências entre o arcabouço caracteristicamente cosmopolita e as ideias de Kant sobre o caráter das mulheres.

7.2) É a Mulher Capaz de Ser Positivamente Cosmopolita?

Kant afirma que “na antropologia a especificidade da mulher é um objeto de estudo para o filósofo, mais que a do sexo masculino.”292 Aqui começa a se colocar o desequilíbrio metodológico, na medida em que as obras críticas e, principalmente, de caráter moral e jurídico mostram uma teoria em que todos os humanos devem ser tratados como fins em si mesmos, a fórmula mor do imperativo categórico, mas não entrega o que promete. A instituição estatal do casamento é o único lugar na Anth em que as mulheres são analisadas e, assim, muitas das características que Kant atribui ao feminino demonstram uma ideia de passividade, tal a de tendência a dominar, que atualmente foi identificado pela psicologia como o comportamento passivo agressivo.293 Ele quer mostrar que a natureza inseriu em ambos os sexos qualidades distintas, mas que, afinal, equilibrariam o progresso da civilização na união matrimonial. Entretanto, o modo como 292 KANT, I. Antropologia de um ponto de vista pragmático (tradução de Clélia Aparecida Martins). São Paulo: Iluminuras, 2006. p 199. 293 Kant retira a ideia de domínio (passivo agressivo) como característica do feminino de Alexander Pope (Epistles to Several Persons II: To a Lady, versos 209-210). KANT, I. Antropologia de um ponto de vista pragmático (tradução de Clélia Aparecida Martins). São Paulo: Iluminuras, 2006. p 200. 184 pontua, principalmente, as características femininas, mostra um total desequilíbrio entre os sexos, não deixando espaço para uma humanidade completa e ativa, visto que a mulher é passiva e submetida ao homem; pois, segundo ele, Feminilidades significam fraquezas. Graceja-se com elas, os tolos as utilizam para seu escárnio, mas os sensatos veem muito bem que são elas justamente as alavancas que dirigem a masculinidade, e que as mulheres as empregam para aquele seu fim. O homem é fácil de investigar, a mulher não revela seu segredo, ainda que não guarde bem o de outros (devido à sua loquacidade). Ele ama a paz do lar e se submete de bom grado ao regimento dela, simplesmente, para se ver estorvado em seus afazeres; a mulher não teme a guerra doméstica, em que ela combate com a língua, e em vista da qual a natureza lhe deu loquacidade e eloquência carregada de emoção, que desarma o homem. Ele se baseia no direito do mais forte para mandar na casa, porque deve protegê-la contra os inimigos externos; ela, no direito do mais fraco: o de ser protegida do homem contra homens; com lágrimas de amargura deixa o homem sem armas, ao lançar-lhe na cara a falta de generosidade dele.294

A mulher é tratada nesta passagem como uma alavanca a ser usada pelos homens e por ser mais fraca precisaria ser protegida; a divisão sexual da humanidade é mostrada por Kant em uma forma cultural e biológica, em que ser mulher significa estar inferiorizada, em vista do progresso da humanidade. Isto posto, ao querer equilibrar as relações entre os sexos de forma a mostrar que, no final, deve haver um progresso e que a mulher é responsável pelo refinamento humano, Kant apenas consegue mostrar um desequilíbrio no papel ativo da mulher fora do lar, coisa que é sugerida por ele como seu lugar natural. Mais precisamente, há uma passagem da didática antropológica que antecipa o que pensa Kant da característica civil da mulher, ou seja, ao diferenciar entre o uso saudável e a incapacidade de bem usar o entendimento, Kant mostra que “a mulher é declarada civilmente incapaz em qualquer idade; o marido é seu curador natural […] pois ainda que, no tocante à fala, a mulher tenha pela natureza de seu sexo saliva suficiente para defender a si mesma e a seu marido diante de um tribunal […] ainda assim as mulheres não defendem pessoalmente os seus direitos, nem exercem por si mesmas seus deveres cívico-estatais, assim como tampouco convém a seu sexo ir à guerra, e essa minoridade legal no que se refere ao bem-estar doméstico: porque aqui entre o direito do mais fraco, que o sexo masculino, já por sua natureza, se sente convocado a defender.”295 No caso das mulheres que suplantaram, em sua época, os grilhões do lar e conseguiram uma educação de qualidade, demonstrando sempre sua inteligência em público, as doutas, Kant é bem específico; desde seu período pré-crítico sugere que tais mulheres poderiam, perfeitamente, usar

294 KANT, I. Antropologia de um ponto de vista pragmático (tradução de Clélia Aparecida Martins). São Paulo: Iluminuras, 2006. p 199. 295 KANT, I. Antropologia de um ponto de vista pragmático (tradução de Clélia Aparecida Martins). São Paulo: Iluminuras, 2006. p 106-7. 185 barbas.296 Na Anth, a sua visão não parece ter mudado ao longo dos anos, uma vez que “no que diz respeito às mulheres doutas, elas necessitam de seus livros como de seu relógio, a saber, elas o portam a fim de que se veja que possuem um, ainda que geralmente esteja parado ou não tenha sido acertado.”297 Encontrar em sua época tais mulheres, tal como Madame Du Chatelet, a inspiradora da frase sobre a barba, mostra que Kant conhecia, de perto, mulheres que por mais inteligência e sagacidade tivessem estavam impedidas de, por exemplo, assumir um posto de professora na universidade. Ora, na própria cidade de Königsberg, como nos atesta Pauline Kleingeld, havia um ferrenho defensor dos direitos das mulheres, “um dos mais frequentes convidados e amigos de Kant era Theodor Gottlieb von Hippel (1741-1796), prefeito de Königsberg. Hippel é autor do livro Über die bürgerliche Verbesserung der Weiber (1792). No referido livro Hippel argumenta em detalhes sobre conceder mais direitos civis às mulheres e tenta desaprovar a maioria das legitimações tradicionais sobre a submissão delas.”298 Isto significa que a visão de Kant não era unânime, tampouco seu contraponto era desconhecido. A sua opinião sobre as mulheres é inconciliável com sua teoria da natureza humana. Este tema é palco para um debate, atualmente, dentro da linha antropológica acerca de se sua misoginia, de fato, desequilibra os ganhos da filosofia crítica, principalmente no que concerne ao ser humano como fim em si mesmo; a relevância deste debate também poderá nos mostrar se isto contribuiu para um deficit no conceito de natureza humana, pois, se a reposta positiva for, as mulheres, por razões biológicas e pragmáticas, nunca poderiam buscar fins cosmopolitas, por incapacidade congênita. Ora, o caso é saber se Kant propõe, de fato, uma igualdade entre os gêneros, diversificando suas características ou somente aos seres do sexo masculino caberia a verdadeira alcunha de humano pleno, sendo a mulher, por reflexo masculino, humana. Com isso, por um lado, Barbara Herman299 Stephen Palmquist300 e Kurt Mosser301 pensam que as visões de Kant sobre as mulheres

296 KANT, I. AA I, s. 45 und 55. 297 KANT, I. Antropologia de um ponto de vista pragmático (tradução de Clélia Aparecida Martins). São Paulo: Iluminuras, 2006. p. 203. 298 “One of Kant's regular guest and friend was Theodor Gottlieb von Hippel (1741-1796), mayor of Königsberg. Hippel is the author of the book Über die bürgerliche Verbesserung der Weiber (On the Civil Improvement of Women, 1792). In this book Hippel argues in detail for more civil rights for women and tries to disprove most of the traditional legitimations for their subordination.” KLEINGELD, P. THE PROBLEMATIC STATUS OF GENDER-NEUTRAL LANGUAGE IN THE HISTORY OF PHILOSOPHY: THE CASE OF KANT. In: THE PHILOSOPHICAL FORUM Volume XXV, No. 2, Winter 1993. p. 144. 299 HERMAN, B. Could It Be Worth Thinking About Kant on Sex and Marriage? In: L. M. Anthony & Ch. Witt (eds.): A Mind of One’s Own: Feminist Essays on Reason and Objectivity. Boulder, Colorado: Westview Press, 1993. ps. 49–67. 300 PALMQUIST, S. Egalitarian Sexism: A Kantian Framework for Assessing the Cultural Evolution of Marriage (I). Ethics & Bioethics (in Central Europe), 2017, 7 (1–2), 35–55. 301 MOSSER, K. Kant and Feminism. In: Kant-Studien, 90, 1999. ps. 322–353. 186 não são capazes de afetar o bom funcionamento de suas obras críticas, que sugerem que ser humano algum pode ser tratado como meio; por outro lado, Pauline Kleingeld302 e Robin May Schott303 afirmam haver contradição entre o que Kant pensa sobre as mulheres e o que ele pensa sobre o ser humano em geral. Exporemos o que cada um destes pensam, dando ênfase maior ao embate entre o que pensa Kleingeld e Palmquist, por terem trabalhos mais enraizados sobre o tema. Primeiramente, Barbara Herman pensa que é inevitável tratar os textos de Kant como misóginos, mas talvez o grande ponto de sua misoginia vem de nossa expectativa de que sua ideia sobre moralidade resolva todas as contradições sociais, sendo isto muito além do que o próprio Kant pensava e pretendia. A misoginia encontra-se em paradoxo no que diz repeito ao confronto entre as ideias dele sobre a autonomia como princípio básico da liberdade e suas ideias sobre sexo e casamento, nas quais as mulheres são, legalmente, submetidas ao homem; cosmopoliticamente submissas e passivas. Para Herman, desse modo, “a falha de Kant foi em pensar (se ele de fato falhou) que as relações jurídicas poderiam assegurar autonomia individual sem uma profunda transformação social nas relações e nas famílias.”304 Apesar de, segundo Herman, isso também não vir a resolver completamente o problema, ela identificou que algumas autoras feministas veem no engessamento social do pensamento de Kant o grande empecilho para ele ser uma fonte de liberação feminina, o que, por outro lado, pode ocorrer desde que se foque nos seus trabalhos sobre ética e moralidade. A sua visão, enfim, condena a misoginia kantiana, mas vê sua obra crítica como uma ótima arma para a luta feminina por liberação. Uma visão um tanto estranha e insustentável em um primeiro confronto com os textos de Kant e sua visão sobre as mulheres. Kurt Mosses segue um caminho padrão para aqueles que trabalham o conceito de gênero em Kant, ou seja, a independência de domínios ou, até mesmo, uma cisão entre crítica e antropologia. Mosser não diminui a maneira degradante a qual Kant se refere às mulheres, no entanto pensa que isto pode ser desviado dentro do quadro conceitual teórico das críticas, devido “particularmente sua visão sobre o sujeito, suas capacidades cognitivas e suas limitações teóricas.”305 A função desempenhada pela liberdade na filosofia prática de Kant e também a ideia de que o ser humano necessita sair do estado de minoridade, segundo Mosser, exposta no movimento de esclarecimento,

302 KLEINGELD, P. THE PROBLEMATIC STATUS OF GENDER-NEUTRAL LANGUAGE IN THE HISTORY OF PHILOSOPHY: THE CASE OF KANT. In: THE PHILOSOPHICAL FORUM Volume XXV, No. 2, Winter 1993. 303 SCHOTT, R. M. Kant. In: A. M. Jaggar (ed.): A Companion to Feminist Philosophy. Cambridge: Blackwell, 1998. ps. 39–48. 304 “Kant’s failure, I would say, was in thinking (if he did) that juridical relations could secure individual autonomy without the deep transformation of social relations and the family.” HERMAN, B. Could It Be Worth Thinking About Kant on Sex and Marriage? In: L. M. Anthony & Ch. Witt (eds.): A Mind of One’s Own: Feminist Essays on Reason and Objectivity. Boulder, Colorado: Westview Press, 1993. p. 70. 305 “Particularly its account of the subject, its cognitive capacities, and its theoretical limitations.” MOSSER, K. Kant and Feminism. In: Kant-Studien, 90, 1999. p. 322. 187 devem ser usadas de forma forte pelo movimento feminista atual como uma arma teórica considerável e inserida em um sistema crítico. Neste sentido, Mosser argumenta que “os resultados da filosofia crítica de Kant, inclusive a contribuição essencial à filosofia feita na KrV, são muito valiosas ao feminismo para serem perdidas sem uma considerável maior atenção em relação a que tem sido frequentemente recebida.”306 No entanto, Mosser e outros que argumentam de uma forma similar deixam margem para a sugestão de que alguém pode ser em sua opinião pessoal misógino e opressor, mas defender na esfera pública direitos mais amplos para segmentos minorizados. Além disso, o autor acredita que os textos de Kant sobre uma visão degradante da mulher são episódicos e não podem ser tomados como parte efetiva do sistema.307 É o popular exemplo de um homem que é um excelente pai, mas agride a esposa, sistematicamente. Isto poderia ter alguma concernência em Kant desde que a Anth fosse um episódio, tal como algumas passagens da MS. No entanto, a inconsistência entre a crítica e a antropologia não concerne à discrepância entre formas diferentes de filosofia, mas sim entre um conceito restrito de natureza humana (que ou não envolve ou diminui o papel de mulheres, negros e índios) e um conceito amplo o qual Kant não conseguiu formular claramente; ainda voltaremos a este ponto. Contrapondo estas ideias que permitiriam esquecer a misoginia de Kant em vista de um bem maior, Robin May Schott apresenta em um excelente artigo o cenário filosófico de debate da filosofia feminista frente as posições da modernidade, da qual o principal objeto é Kant. Segundo ela, “as preocupações das leituras sobre feminismo surgiram da análise de Kant como ponto de partida da filosofia feminista.”308, ou seja, tal como juristas e politólogos que pesquisam estes temas em Kant os locam como ponto de partida das suas demandas, a filosofia feminista deve fazer o mesmo devido à relevância das ideias de Kant ao mundo atual. Em contrapartida, Schott pensa que não há como classificar de maneira segura os vários tipos de leituras feministas sobre Kant, uma vez que existem diversas estratégias usadas, desde a assimilação do que interessa e o descarte do desinteressante, passando até mesmo a uma completa

306 “The results of Kant's critical philosophy, including the essential contribution to that philosophy made by the First Critique, are too valuable for feminism to be dismissed without considerably more careful attention than it has often received.” MOSSER, K. Kant and Feminism. In: Kant-Studien, 90, 1999. p. 323. 307 “Initially, one must distinguish the central texts presenting Kant's philosophical doctrine from the various minor works, unpublished notes, and student lectures. With the sole exception of Kant's remark about the "natural superiority" of men in the Metaphysics of Morals, the views Kant expresses about women, and which have earned him, justifiably, harsh reactions from feminists, cannot be found in the systematic works such as the First Critique. Indeed, the texts focused on by Kant's feminists critics are the Observations, a pre-critical work on aesthetics, and the Anthropology, a collection of student notes.” MOSSER, K. Kant and Feminism. In: Kant-Studien, 90, 1999. p. 350. 308 “readers have taken concerns arising from feminist philosophy as points of departure in their analyses of Kant.” SCHOTT, R. M. Kant. In: A. M. Jaggar (ed.): A Companion to Feminist Philosophy. Cambridge: Blackwell, 1998. p 47. 188 descarga, devido à contaminação teórica em toda a filosofia kantiana. Por isso, “não há um fácil mapeamento das leituras feministas sobre Kant, que se encaixam na típica classificação dos feminismos em: radical, liberal, Marxista-Socialista e pós-moderno.”309 Dentre todas leituras sobre Kant, as quais se mesclam, segundo a autora, em vários momentos, Schott se vê como uma marxista-socialista, de maneira que suas ideias devem ajudar ao debate feminista a rever a história da filosofia sob uma outra ótica, de maneira que possam corrigir distorções historicamente construídas. Schott apresenta bem mais um quadro conceitual teórico sobre o debate do que, propriamente, discute as várias leituras sobre Kant. No entanto, pensamos que os quadros conceituais demonstrados por ela nos permitem reforçar a ideia de que há distorções flagrantes no que Kant esboçou ser a natureza humana. E por mais que alguns grupos, tais como as ecofeministas, exponham que a visão cosmopolita de Kant em um sistema de propósitos interconectados pode ser um ganho para a natureza, desde que se corrijam as distorções de gênero, pensamos que na economia interna da Anth, Kant precisa ser bem mais que atualizado. Seria necessário reformular o sistema de propósitos de maneira que se pudesse pensar um novo ponto de partida realmente igualitário ao gênero humano. Pensamos que as duas visões melhores formuladas e mais decisivas neste debate no que concerne à defesa de ambos os lados, aqui parcialmente expostos, são as de Stephen Palmquist e Pauline Kleingeld. Ambos trazem elementos que tornam a mescla das posições algo inconciliável, de maneira que ou Kant realmente tentou expor uma igualdade entre os sexos tentando equilibrar as naturezas masculinas e femininas ou os seus juízos sobre a natureza da mulher, biologicamente formulados, as impedem de serem humanas de maneira ou completa ou absoluta dentro de um sistema de propósitos. Vejamos. Stephen Palmquist pensa que as visões de Kant sobre o ser humano conseguem sobrepor a sua misoginia, na medida em que as passagens misóginas estão postas em textos que ele considera menores, enquanto nas Críticas a visão de Kant abrange todos os humanos racionais. Palmquist defende que há diferenças entre os sexos, que nos permitem redefinir a ideia de sexismo. Em suma, ele pensa que há diferenças biológicas que nos permitem classificar homens e mulheres como seres diferentes dentro desta perspectiva, mas iguais sob o ponto de vista da espécie humana; isto significa que não é justificável tratar as mulheres como seres inferiores por conta de diferenças biológicas e aqueles que atuam desta maneira são os que merecem verdadeiramente condenação moral. Assim, O ponto de minha definição refinada não é simplesmente declarar que tais

309 “there is no easy mapping of feminist readings of Kant that fits the typical classification of feminists into radical, liberal, Marxist-socialist, or postmodern.” SCHOTT, R. M. Kant. In: A. M. Jaggar (ed.): A Companion to Feminist Philosophy. Cambridge: Blackwell, 1998. p 41. 189

diferenças, de fato, acontecem, mas somente criar tolerância para a possibilidade de que se ela de fato ocorrer, a simples ciência deste fato poderia ser eticamente não apropriada, mesmo embora pudesse se tratar do tipo de crença que é, hoje em dia, frequentemente rotulada como machismo e, portanto, considerada culpável. Se tais diferenças existem como um fato biológico, então a simples asseveração deste fato não pode ser comparado com um crime.310

Para Palmquist, a cultura sexista da época de Kant mostra uma diferença, a qual não podemos condenar de maneira absoluta, uma vez que há um lapso de tempo, que separa o modo de ver a questão da mulher na sociedade atual em relação aquela do tempo de Kant, isto é, “uma frequente desconhecida dificuldade em determinar se Kant era machista é a de que o juízo envolve a compreensão de alguém que vive em uma cultura sobre aqueles que vivem em outra que está separada daquela por um significativo lapso de tempo.”311 O autor em questão também chama a atenção que em Kant, para além de uma errônea ideia de relativismo cultural, deve-se entender que há uma clara diferença entre Sitten e Moralisch, em que a primeira diz respeito a um conjunto de normas consuetudinárias assumidas desde uma base cultural de formação ética e a segunda, assim, concerne a algo racionalmente fundamentado que independe da base cultural. Isto posto, apesar do olhar hodierno para as afirmações de Kant acerca das mulheres, a sua proposição mais fundamental não está sujeita a nenhuma posição culturalmente baseada: “se uma dada norma que substitui uma antiga torna aquela impossível, a cultura em si mesma deve ser vista como moralmente defeituosa; mas se esta cria espaço para aquela, daí em vez de ocasionar um relativismo, a possibilidade de emprego de uma Sitten estrangeira em vista de alcançar uma genuína moral boa sempre permanece aberta.”312 Palmquist, com isso, não nega que Kant apresente uma forma muito prejudicial de sexismo, pois “seus escritos, sem dúvida, exibem alguma forma de machismo, pois ele repetidamente distingue entre a natureza feminina e masculina, de uma maneira que ultrapassa a mera diferença biológica.” Entretanto, ele pensa que “o principal problema será sempre o de saber se ele é culpado

310 “The point of my refined definition is not to declare that such differences do, in fact, occur but only to make allowance for the possibility that if they occur, then the mere acknowledgment of this fact could not be ethically inappropriate even though it would be the kind of belief that is nowadays often labeled as sexist and therefore deemed blameworthy. If such differences do exist as a matter of biological fact, then the simple declaration of this fact is in no way comparable to a criminal act.” PALMQUIST, S. Egalitarian Sexism: A Kantian Framework for Assessing the Cultural Evolution of Marriage (I). Ethics & Bioethics (in Central Europe), 2017, 7 (1–2), 35–55. p. 42. 311 “an often unacknowledged difficulty in determining whether Kant was a sexist is that this judgment involves the assessment of someone who lived in one culture by those who live in another culture that is separated from the first by a significant lapse of time.” PALMQUIST, S. Egalitarian Sexism: A Kantian Framework for Assessing the Cultural Evolution of Marriage (I). Ethics & Bioethics (in Central Europe), 2017, 7 (1–2), 35–55. p. 42. 312 “If a given norm passed on by the former makes the latter impossible, then the culture itself must be assessed as morally defective; but if it leaves room for the latter, then far from entailing relativism, the possibility of employing a foreign Sitten in order to reach genuine moral goodness always remains open.” PALMQUIST, S. Egalitarian Sexism: A Kantian Framework for Assessing the Cultural Evolution of Marriage (I). Ethics & Bioethics (in Central Europe), 2017, 7 (1–2), 35–55. p. 45. 190 de promover uma forma dominadora de sexismo ou se seu sexismo é eticamente admissível em uma forma igualitária.”313 Desta maneira, Palmquist pensa que o modo como Kant apresentou a diferença entre os sexos, apesar de seu flagrante exagero, deu-se para equilibrar a humanidade e promover a igualdade humana. Para ele, isto fica mais claro no tratamento de Kant acerca do casamento, uma vez que as diferenças biológicas não seriam um impeditivo para a completa satisfação da humanidade em ambos os sexos, ou seja, tanto homens e mulheres fazem parte da humanidade apesar de contribuírem diferentemente para tal. No entanto, podemos contrapor ao mostrar que mesmo internamente aos grupos sexuais há diferenças biológicas, de maneira que esta classificação sexista redefinida por ele, não é suficiente para classificar biologicamente diferenças tão consideráveis. Até mesmo os corpos hermafroditas, se tratarmos apenas biologicamente, não poderiam ser classificados como pertencendo a qualquer grupo, posto sua indefinição sexual. Este tipo de endorso pode levar a uma absolutização da cultura de um determinado tempo ou grupo, o que o próprio Kant não fez; a visão de Kant era estreita, mesmo para a sua época. Desse modo, a defesa de que Kant possuía um igualitarismo baseado no equilíbrio entre os sexos não pode, inclusive na época de Kant, ser considerado viável, posto o advento de uma nova forma de racionalidade, crítica, que tinha por obrigação colocar todo e qualquer tema em perspectiva, fazendo da razão um tribunal neutro. Assim, ou tal tribunal racional não é neutro, sendo pois sujeito aos desígnios consuetudinários, ou se neutro for, não é possível conceber a posse restrita da racionalidade a homens brancos, europeus e acadêmicos. Pauline Kleingeld, por sua vez, parece ser a visão mais consequente sobre o tema da misoginia em Kant, uma vez que pondera mais profundamente entre o que Kant, abstratamente, propõe para o ser humano (a qual ela não acredita ser abrangente) e o que ele, concretamente, expõe sobre as mulheres. Ela percebe que “Kant é um caso interessante a pontuar, uma vez que seus escritos são marcados por uma importante tensão entre, por um lado, sua linguagem e teoria ambas genéricas, e, por outro lado, suas visões sobre o estatuto da mulher. Embora seja ele um forte advogado do movimento de esclarecimento com fortes visões sobre autonomia e igualdade ente todos os seres humanos, ele faz exceções cruciais para mulheres, excluindo-as das esferas política,

313 “Kant’s writings undoubtedly do exhibit some form of sexism, for he clearly and repeatedly distinguishes between the nature of men and women in ways that go beyond merely biological differences.” “The main issue will be whether he was guilty of promoting a domineering form of sexism, or whether his sexism was the ethically admissible, egalitarian form.” Ambas citações estão em: PALMQUIST, S. Egalitarian Sexism: A Kantian Framework for Assessing the Cultural Evolution of Marriage (I). Ethics & Bioethics (in Central Europe), 2017, 7 (1–2), 35–55. p. 45. 191 pública e econômica, e até mesmo negando-as a capacidade de autonomia pessoal.”314 Suas reflexões são baseadas na tensão entre um Kant, supostamente, universalista e um outro com ideias restritivas à condição humana plena. Ela defende que ele, ao tratar da mulher como alguém com menor coragem que o homem e mais fraca fisicamente para se defender, “apresenta o medo das mulheres como consequência do fato biológico de elas poderem carregar os filhos no ventre. Esta ligação com a biologia torna impossível de ver tais características como contingentes e meramente determinadas pela cultura.”315 A relação com a biologia se daria por conta dos tipos de juízos que encaixariam, exclusivamente, na antropologia, no caso o teleológico; entretanto, em nenhum momento da Anth, Kant advoga, explicitamente, estar usando este tipo de juízo, senão apenas deixa implícito em algumas passagens sob aspectos cosmopolitas, os quais tratam de finalidades. O fato é que, segundo Kleingeld, Kant passa ao largo do ponto de vista, estritamente, cultural que deveria marcar a sua reflexão sobre os sexos e sobrepõe uma visão naturalista que inviabiliza uma unidade antropológica da espécie humana, tal como o próprio Kant buscou ao longo de toda a sua reflexão antropológica. Kant infantiliza a mulher em um sentido civil, de maneira que, como vimos acima, a coloca em um mesmo quadro conceitual teórico de incapacidade compartilhado por pessoas com dificuldades cognitivas e por crianças; a mulher, assim, é civilmente incapaz de cuidar de si mesma. Segundo Kleingeld, As mulheres estão sob permanente guarda masculina. Elas não têm competência legal, não podem apelar à corte, não têm acesso ao mercado econômico, seu trabalho doméstico não é visto como labor e são dependentes economicamente dos seus maridos. Além disso, faltam-lhes o direito à cidadania (MJli.,VI,314; T&P, VIII, 295). Elas são cidadãs passivas – o termo cidadã aqui não passa de um eufemismo. Esta exclusão perpassa tudo que Kant concebe como válido e importante para os humanos (Menschen). 316

314 “Kant is an interesting case in point, since his writings are marked by an important tension between his generic language and theory, on the one hand, and his views on the status of women, on the other. Although a forceful advocate of the Enlightenment, with strong views about the autonomy and equality of all human beings, Kant makes crucial exceptions for women, excluding them from the public, political and economic spheres, and even denying them the capacity for personal autonomy.” KLEINGELD, P. THE PROBLEMATIC STATUS OF GENDER-NEUTRAL LANGUAGE IN THE HISTORY OF PHILOSOPHY: THE CASE OF KANT. In: THE PHILOSOPHICAL FORUM, Volume XXV, No. 2, Winter 1993. p. 134. 315 “Presents women's fear as the direct consequence of the biological fact that they bear children. This link with biology makes it impossible to view this character trait as contingent and merely culturally determined.” KLEINGELD, P. THE PROBLEMATIC STATUS OF GENDER-NEUTRAL LANGUAGE IN THE HISTORY OF PHILOSOPHY: THE CASE OF KANT. In: THE PHILOSOPHICAL FORUM Volume XXV, No. 2, Winter 1993. p. 135. 316 “Women are under permanent male guardianship. They have no legal competence, cannot go to court, have no access to the economic."market;" their domestic work is not recognized as labor, and they are dependent on their husbands for support. Furthermore, they lack the right to citizenship (MJli.,VI,314; T&P, VIII, 295). They are "passive citizens"—the term "citizen" here being little more than a euphemism. This exclusion cuts across everything Kant holds valid and important for "humans" (Menschen).” KLEINGELD, P. THE PROBLEMATIC STATUS OF GENDER-NEUTRAL LANGUAGE IN THE HISTORY OF PHILOSOPHY: THE CASE OF KANT. In: THE PHILOSOPHICAL FORUM Volume XXV, No. 2, Winter 1993. p. 137. 192

A função da mulher é educar privadamente e a do homem colocar na sociedade tal educação por meio da função de governar, o qual, para Kant, ele está naturalmente destinado, daí “assim, as mulheres são dependentes da vontade de um homem adulto para sua existência e sustento, elas estão sob a guarda de um mestre macho superior, e, finalmente, elas têm de obedecer, as quais não lhes foram permitidas consentir ou dar uma opinião. Outra vez, podemos concluir que Kant usa um duplo padrão: em um deles se aplica a todos, salvo às mulheres, e no outro se aplica somente às mulheres.”317 A mulher não possui meios para o exercício da sua autonomia, segundo a maneira de Kant entender este conceito. A mulher não poderia, por natureza própria, superar o estado de menoridade que Kant denuncia na sua ideia de esclarecimento e isto não é apenas uma questão de diferença biológica, como alega Palmquist, uma vez que, como mostramos acima, Kant pensa que a mulher possui todas as condições biológicas de, por exemplo, se defender perante um tribunal, a grande questão é cultural e a maneira como Kant propõe na Anth o cultivo de si mesmo para contribuir para o progresso humano faz-nos pensar que ele acreditava plenamente na inferioridade da mulher no que concerne a fins cosmopolitas. Kleingeld também argumenta que a linguagem neutra (nós) ao tratar do ser humano em geral em suas críticas não configura que Kant quisesse colocar todos os grupos humanos em um mesmo grau dentro de seu quadro conceitual. O modo como Kant construiu as suas obras não é suficiente para pontuar humanidade plena a outros grupos: o humano para Kant é branco, fala alemão e é europeu. Para ela, “por exemplo, o fato de que Kant exclui as mulheres da cidadania merece tanta discussão quanto a sua exclusão de alguns cidadãos machos passivos […] Usar linguagem inclusiva (i.e., Kant pensava que toda ou todo ser humano deve se livrar da tutela de outrem) não funcionará, pois Kant não pensa de maneira inclusiva, e por conta disso apenas mascara a exclusão feminina por parte de Kant.”318 Portanto, o debate em torno destas questões antropológicas que ficaram, por muito tempo, marginalizadas veio à tona no século XXI; não é mais possível, em nosso tempo, ficar indiferente às

317 “Thus, women are dependent on an adult male's will for their existence and support, they have a male superior as their guardian and master, and, finally, they have to obey laws to which they have not been allowed to give or deny their consent. Again, we can conclude that Kant uses a double standard, one applying to everyone but actually excluding women, and another applying to women.” KLEINGELD, P. THE PROBLEMATIC STATUS OF GENDER-NEUTRAL LANGUAGE IN THE HISTORY OF PHILOSOPHY: THE CASE OF KANT. In: THE PHILOSOPHICAL FORUM Volume XXV, No. 2, Winter 1993. p. 138. 318 “For example, the fact that Kant excludes women from citizenship deserves as much critical discussion as does his exclusion of male passive citizens. […] using inclusive language (e.g., Kant thought that every human being should free herself or himself from tutelage) will not do because Kant did not think inclusively, and because it disguises Kant's exclusion of women.” KLEINGELD, P. THE PROBLEMATIC STATUS OF GENDER-NEUTRAL LANGUAGE IN THE HISTORY OF PHILOSOPHY: THE CASE OF KANT. In: THE PHILOSOPHICAL FORUM Volume XXV, No. 2, Winter 1993. p. 146. 193 visões de alguns grandes filósofos sobre a mulher. Kant é especial neste contexto, por conta de sua importância teórica para o ocidente. No entanto, a discussão não deve girar apenas em torno de pinçar o que nos interessa desse período que nos ajude a avançar no nosso tempo, mas sim de saber: até que ponto a visão da prática social direta compartilhada pelos autores Iluministas, e em especial por Kant, inviabilizam a sua filosofia como crítica do presente? Afunilando um pouco mais o nosso objetivo, podemos questionar até que ponto as visões de Kant sobre mulheres, povos e raças inviabilizaram a completude de sua filosofia, por meio da antropologia como ciência mor, a qual todas as outras estão submetidas? Para responder a este questionamento devemos compreender como Kant descreve os povos e as raças dentro do método antropológico, posto que se há realmente uma hierarquia humana ela deve se apresentar em grupos, em vez de em pessoas determinadas apenas.

7.3) Cosmopolitismo aos Europeus; Aos Outros Adequação

Tanto a questão do sexismo de Kant quanto as outras características antropológicas desenvolvidas metodologicamente na Anth, possuem como pano de fundo a noção de Cosmopolitismo; tal ideia é melhor materializada na visão de Kant na característica dos povos. Segundo Kleingeld, enquanto na década de 1780 Kant defendia um cosmopolitismo com caráter coercitivo a todos os povos, na década seguinte ele refinou sua posição de maneira a trazer à tona a ideia de um direito cosmopolita. Este, “o qual Kant discute em termos de direito à hospitalidade diz respeito às relações jurídicas entre estados ou indivíduos (ou grupos) estrangeiros, os quais ele considerava cidadão de um único e abrangente reino jurídico.”319 Isto significa que Kant na década de 1790 passou a defender mais fortemente a ideia de uma comunidade de estados que têm sua relação baseada na moralidade e, por extensão, no direito.320 Isto implica uma defesa, segundo ela, de uma comunidade de estados iguais, que se expressa individualmente nas pessoas segundo a categoria de cidadão do mundo. Todos os seres racionais são concebidos (e devem conceber-se a si mesmos) como cidadão em uma comunidade moral, que transcendem todas as outras comunidades, e que se unem todas por meio de uma lei comum. Com esta concepção de si e dos

319 “Which Kant discusses in terms of a right to hospitality, is concerned with the juridical relations between states and foreign individuals (or groups) whom he regards as citizens in a single all-emcompassing judicial realm.” KLEINGELD, P. Kant and Cosmopolitanism: The Philosophical Ideal of World Citizenship. New York: Cambridge, 2012. p. 7. 320 Não temos a intenção de discutir o patriotismo, que tem sua ascensão de forma mais forte na segunda metade do século XVIII e que no século XIX desponta plenamente com uma série de ações belicosas dentro da Europa. Para uma discussão sobre isso: KLEINGELD, P. Kant and Cosmopolitanism: The Philosophical Ideal of World Citizenship. New York: Cambridge, 2012. 194

outros como agentes parceiros em um mundo compartilhado moralmente, agentes morais vão além ao considerar a lei moral meramente como princípio de suas ações, pois ela é, ao mesmo tempo, considerada como o princípio que constitui uma comunidade moral, uma cosmópolis.321

Kleingeld na mesma obra acha que Kant refina as ideias de 1790, de maneira a ter um segundo pensamento, pelo menos, no que concerne à raça322 (veremos a seguir). As afirmações da autora estavam corretas, a nosso juízo, quanto a ideia de que Kant muda seu pensamento na década de 1790, no entanto pensamos que tal movimento se refere a uma flexão mais ampla que pode ser datada em 1793 como uma antropologia: projeto filosófico final. Ora, se ao tenta equilibrar os sexos, Kant diminui o papel social da mulher, faz-se mister saber se de alguma forma no que concerne aos povos, posto as várias diferenças dos europeus entre si, haveria uma hierarquização entre estes e outros povos, além Europa, de modo tão fundamental que seria inconciliável com um cosmopolitismo? A resposta é sim; vejamos quais os motivos. Preliminarmente, para Kant, “pela palavra povo (populus) se entende a porção de seres humanos unidos num território, desde que constitua um todo”; Kant formula de maneira rígida o que ele entende por seres humanos unidos, na medida em que “aquela porção ou também parte deles que se reconhece unida, pela procedência comum, num todo civil, chama-se nação (gens); a parte que se exclui dessas leis (a porção selvagem nesse povo) se chama plebe (vulgus), cujo vínculo ilegal é motim (agere per turbas), procedimento que a exclui da qualidade de cidadão de um estado.”323 Com isso, Kant define o povo em sua coesão e exclusão, ou seja, em gens e vulgus, em uma perspectiva legal e antropológica, na medida em que há os que estão sujeitos ao progresso e também aqueles que agem para causar distúrbios a este progresso. De antemão, a visão kantiana sobre os povos envolve uma noção geográfica, território, duas noções antropológicas, gens e plebe, e uma visão jurídica sobre os atos destes seres dentro de um estado, motim. Ora, podemos notar um esforço por parte de Kant para entender um ordenamento não apenas jurídico ou geográfico, mas, sobretudo, antropológico, em sentido amplo; um impulso para a classificação e hierarquização. Ser cidadão de um estado equivale a estar inserido dentro de uma perspectiva de liberdade civil e deveres públicos, o que, para Kant, é impossível em um estado

321 “All rational beings are conceived (and should conceive of themselves) as fellow citizens in a moral community that transcends all other communities, and that all are united into this community by common laws. With this conception of oneself and others as fellow agents in a shared moral world, moral agents move beyond regarding the moral law merely as the principle for their own actions, because it is at the same time regarded as the principle that constitutes a moral community, a moral cosmopolis.” KLEINGELD, P. Kant and Cosmopolitanism: The Philosophical Ideal of World Citizenship. New York: Cambridge, 2012. p. 17. 322 KLEINGELD, P. Kant and Cosmopolitanism: The Philosophical Ideal of World Citizenship. New York: Cambridge, 2012. p. 18. Também Cf.: KLEINGELD, P. Kant's Second Thoughts on Race. The Philosophical Quaterly, Vol 57, Nº 229, October 2017. 323 KANT, I. Antropologia de um ponto de vista pragmático (tradução de Clélia Aparecida Martins). São Paulo: Iluminuras, 2006. p 206. 195 de natureza. O caráter de um povo, assim, se põe como a corroboração do processo de civilização, do qual Kant faz, largamente, uso em vista de sua tentativa de definir a natureza humana. O que dificulta, nesse sentido, é a forma como aqueles povos menos civilizados ou até mesmo aqueles sem processo algum civilizatório podem ser colocado dentro da mesma perspectiva. Antecipando um argumento futuro nesta tese, Kant pensa que todos os seres humanos derivam de um tronco comum, de um ponto de vista biológico, mas suas visões sobre povos não europeus, brancos, mostram uma inconsistência biológica com este tronco comum, a qual se expressa, inclusive, na incapacidade de se civilizar, em sentido kantiano. Isto fica claro quando analisamos o processo e os motivos da classificação hierárquica feita por Kant em relação aos diferentes povos. Não podemos nos ater, quanto a este ponto, apenas à Anth, uma vez que Kant diminui seus conteúdos para não demonstrar, possivelmente, esta inadequação de uma maneira tão clara; esta característica e a retirada da pergunta antropológica da Anth são importantes indícios de que Kant tinha plena noção deste fato em sua ciência antropológica. Por isso, as lições de antropologia e a PhG são também pontos de corroboração do pensamento de Kant sobre o caráter dos povos e das raças. Obviamente, que na Anth podemos notar, de antemão, que o caráter do povo está colocado dentro de uma perspectiva metodológica e, com isso, usaremos estas outras obras como corroboração à nossa perspectiva. Primeiramente, na Anth, Kant atribui a condição de povos mais civilizados ao Alemão, ao Francês e ao Inglês. Desse modo, os dois povos mais civilizados da terra (entende-se que nessa classificação não se considera o povo alemão, porque o elogio do autor, que é alemão, seria um autoelogio)324, que são os mais opostos no contraste do caráter e talvez principalmente por isso estão em constante conflito, Inglaterra e França, também segundo o caráter inato delas, do qual o adquirido e artificial é somente a consequência, talvez sejam os únicos povos dos quais se pode admitir um caráter determinado e imutável, enquanto não se misturarem pela violência da guerra […] Numa antropologia de um ponto de vista pragmático, o que nos importa, porém, é apenas apresentar o caráter de ambos, como eles são agora, mediante alguns exemplos e, até onde for possível, sistematicamente; mediante exemplos que permitam julgar o que um pode esperar do outro e como um pode utilizar o outro em seu proveito.325

A ideia de Kant acerca de um povo civilizado diz respeito a um conjunto de conhecimentos de mundo adquiridos, a fim de usá-los em vista da humanidade sob um direito cosmopolita. Isto significa que a partir de certos critérios derivados deste, tais como: conhecimento letrado, refinamento intelectual, capacidade para negócios, estado bem estabelecido, e etc., franceses,

324 Tal passagem entre parênteses está posta em rodapé na publicação original a partir deste ponto. 325 KANT, I. Antropologia de um ponto de vista pragmático (tradução de Clélia Aparecida Martins). São Paulo: Iluminuras, 2006. p. 206-7. 196 ingleses e alemães são os mais civilizados. O que parece irônico é a situação da França no momento em que Kant organiza a Anth, isto é, tal país havia passado por uma revolução em 1789 que guilhotinou a cabeça de toda a família real e também dos apoiadores da monarquia ou mesmo de desafetos do novo estado, criando um caos governamental até a ascensão de Napoleão com o chamado governo do consulado em 1799. Nesses dez anos, em meio a uma série de acontecimentos, o entusiasmo de Kant com os franceses poderia ser explicado, parcialmente, por conta de que entre 1795 e 1799 os jacobinos foram afastados do poder e os girondinos ascendido a ele, reconduzindo a burguesia ao mando. No entanto, de maneira geral, o modelo empreendido de classificação dos povos parece estar ciente que este tipo de acontecimento poderia passar em qualquer lugar, até mesmo, segundo Kant, em um dos países mais civilizados. Isto é verdade, na medida em que ele se preocupa em dissociar o caráter de um povo e do de seu governo, pois “que o caráter de um povo dependa da forma de governo é uma afirmação infundada que nada esclarece: pois de onde tem o próprio governo seu caráter peculiar? - Tampouco clima e solo podem dar a chave disso, já que as migrações de povos inteiros demonstraram que eles não mudaram o caráter em seus novos domicílios, mas apenas o adaptaram, conforme as circunstâncias, a estes, deixando, no entanto, sempre ainda transparecer, na língua, no modo de trabalhar e mesmo no vestuário, os vestígios de sua origem e, com isso, o seu caráter.”326 Isto se assemelha a uma forma um tanto quanto mistificada da busca por origens primordiais, pois o clima, o solo e o governo apenas influenciaram no momento mesmo da formação do caráter de um povo; parece algo engessado por parte de Kant, talvez para justificar o caráter de povos menos ou não civilizados. No caso dos franceses, isto parece um recado motivacional de que a origem destes deve servir de inspiração para resolver a instabilidade política. Na Anth, Kant inventariou as características, além dos três povos supracitados, também dos espanhóis e italianos de forma direta e dentro do quadro civilizacional, mesmo que em menor medida, e como contraponto trata também de turcos, russos e poloneses, mas de modo muito rápido e pejorativo. Dentre as curiosidades acerca dos povos brancos civilizados, Kant acha que a nação francesa se caracteriza pelo gosto pela conversação; mas, por outro lado, possui “um contagioso espírito de liberdade que também arrasta a própria razão para dentro de seu jogo e produz, na relação do povo com o Estado, um entusiasmo avassalador, que extrapola os limites mais extremos.”327

326 KANT, I. Antropologia de um ponto de vista pragmático (tradução de Clélia Aparecida Martins). São Paulo: Iluminuras, 2006. p. 207-8. 327 KANT, I. Antropologia de um ponto de vista pragmático (tradução de Clélia Aparecida Martins). São Paulo: Iluminuras, 2006. p. 208. 197

Quanto ao povo inglês, surpreendente e contraditoriamente, Kant o pensa no topo da civilização por conta de um caráter construído. As imigrações alemãs e francesas mesclaram o inglês de maneira tal que “o caráter do inglês, por conseguinte, não poderia significar nada mais que o princípio, aprendido bem cedo por meio de lição e exemplo, segundo o qual tem de criar para si um tal caráter.”328 No entanto, em si mesmo, o inglês não tem caráter algum, segundo Kant, isto é, perderam o caráter natural. A expressão desse caráter apreendido seria um ímpeto ao comércio marítimo, o qual tal povo domina, tornando-o insociável; uma estranha forma civilizacional. No entanto, ele vê um grande potencial na Inglaterra de espalhar a cultura europeia por meio dos mares no mundo, pois, desta feita, possui o potencial de aplicação do cosmopolitismo. Apesar de considerar espanhóis e italianos como povos civilizados, Kant os crê em um estágio inferior em relação aqueles três acima debatidos. Quanto aos espanhóis, para Kant, há duas marcas em seu caráter, a primeira é uma mistura de branco com árabe (mouro), o que revela uma origem não europeia, e a segunda, incrivelmente, é a ideia de “que ele não aprende com estrangeiros e não viaja para conhecer outros povos.”329 Realmente, este ponto é de um lapso incrível para um povo que dominou as Américas e possuía colônias espalhadas pelo mundo até a época em que Kant escrevia tal passagem. Seguindo a linha dos espanhóis, para Kant, os italianos têm um bom gosto artístico, mas são ostentadores pois o seu “lado ruim é que eles conversam, como disse Rousseau, em salas luxuosas e domem em ninhos de rato.”330 Além disso, há uma mistura do sagrado com o profano, inexplicável ao conservadorismo de Königsberg. Kant faz esta classificação de maneira a culminar no povo Alemão como ápice da ideia de sociedade modelo cosmopolítica. Seguindo seu método, pontuando qualidades e defeitos, Kant explicita que “o alemão é, dentre todos os povos civilizados, o que mais fácil e duradouramente se submete ao governo sob o qual está, e é o que mais distante está de buscar a inovação e a insubordinação contra a ordem estabelecida […] ao mesmo tempo, é o homem de todos os países e climas, emigra facilmente e não está arraigado à sua pátria.”331 Kant reforça essa ideia de desapego à sua pátria ao afirmar logo em seguida que o alemão “não tem orgulho nacional, nem se apega, como cosmopolita que é, à sua pátria.”332 A insistência de Kant para reforçar a ideia de desapego à pátria deriva de seu contexto sócio-

328 KANT, I. Antropologia de um ponto de vista pragmático (tradução de Clélia Aparecida Martins). São Paulo: Iluminuras, 2006. p. 209. 329 KANT, I. Antropologia de um ponto de vista pragmático (tradução de Clélia Aparecida Martins). São Paulo: Iluminuras, 2006. p. 211. 330 KANT, I. Antropologia de um ponto de vista pragmático (tradução de Clélia Aparecida Martins). São Paulo: Iluminuras, 2006. p. 211. 331 KANT, I. Antropologia de um ponto de vista pragmático (tradução de Clélia Aparecida Martins). São Paulo: Iluminuras, 2006. p. 212. 332 KANT, I. Antropologia de um ponto de vista pragmático (tradução de Clélia Aparecida Martins). São Paulo: Iluminuras, 2006. p. 212. 198 histórico, na medida em que a Prússia, de então, fazia parte do antigo e em declínio Sacro Império Romano Germânico, o qual possuía 300 territórios soberanos dentre cidades-estado e ricos grandes estados como a Áustria e a Prússia.333 Havia, assim, uma certa dispersão patriótica entre a cidade natal, o estado a que se pertence, o país e a língua, que apesar do grande número de dialetos, seguia no que concerne à escrita um padrão luterano. Havia na Prússia, especificamente, uma política para refugiados políticos e religiosos, como judeus, e, pelo menos ao longo do reinado de Frederico, o Grande, tolerância religiosa e intelectual. O ponto é que Kant se refere ao desapego à pátria como uma maneira de expressão do seu conceito de cosmopolitismo. Havia, segundo Kleingeld,334 um debate comum na época de Kant sobre uma pretensa superioridade cultural da Inglaterra e da França em relação à cultura alemã, na medida em que a fragmentação desta impediria um caráter nacionalista que pusesse em prática, de maneira conjunta, um movimento de efetivação cultural forte, tal qual as letras francesas e a política/comércio inglesa. Kant estava construindo um outro cosmopolitismo que não apenas igualava, mas também fazia a Prússia ultrapassar ambos países na hierarquia civilizatória, por conta de sua sede de aprendizagem, por meio da literatura universal e do conhecimento de mundo e de outros povos. Esta maneira de entender a característica de seu povo foi um dos motores para o seu conceito de cosmopolitismo dos anos de 1790. Entretanto, julgando o outro lado da mesma moeda, Kant pontua como defeito alemão uma característica, a qual se revelará contra si mesmo, isto é, a sua demasiada hierarquização social: “uma certa mania metódica, pela qual se deixa classificar penosamente junto aos demais cidadãos, não segundo um princípio de igualdade, mas segundo níveis de preeminência e de hierarquia e, pela qual, nesse esquema de hierarquização, é inesgotável na invenção de títulos (como nobre, nobilíssimo, ilustre […]), e servil por mero pedantismo […] o surgimento dessa força pedante resulta do espírito da nação e da propensão natural do alemão a estabelecer uma escala desde o que deve mandar até o que deve obedecer.”335 Tanto o quadro geopolítico da Prússia quanto a expressão deste por parte de Kant nos mostram que a sua ideia de método na antropologia é exposta como uma forma de justificação de uma ciência nova, que consiga lidar com as diferenças entre os povos e, internamente, entre os cidadãos de uma mesma pátria. No entanto, este tipo de posição de Kant se revela inconsistente dentro de um cosmopolitismo de propósitos que devem ser alcançados por toda a humanidade ao

333 KLEINGELD, P. Kant and Cosmopolitanism: The Philosophical Ideal of World Citizenship. New York: Cambridge, 2012. p. 9. 334 KLEINGELD, P. Kant and Cosmopolitanism: The Philosophical Ideal of World Citizenship. New York: Cambridge, 2012. p. 10. 335 KANT, I. Antropologia de um ponto de vista pragmático (tradução de Clélia Aparecida Martins). São Paulo: Iluminuras, 2006. p. 212. 199 mostrar que há povos que estão tão distantes da cultura civilizatória europeia de modo ser impossível que se possa colocar em vista da busca pelos propósitos racionais para a humanidade. Ora, aqui aparece uma intercessão entre o que Kant pensa ser um povo e o que crê ser uma, raça, coisa que constitui a sua posição biológica e cultural no mundo.336 Entretanto, sutilmente, Kant procura se afastar na Anth de um conhecimento pragmático mais profundo sobre as raças, ou seja, “mesmo o conhecimento das raças humanas, como produtos que fazem parte do jogo da natureza, ainda não entra no conhecimento pragmático do mundo, mas apenas no teórico dele.”337 É, no mínimo, curioso que Kant queira deixar o conhecimento sobre as raças de fora de uma antropologia de um ponto de vista pragmático, mas elenca, mesmo que de modo muito tímido, que a raça é uma característica pragmática, a qual deve ser apreciada.

336 Antes de adentramos na discussão racial (a qual é o ponto nodal da insatisfação antropológica de Kant), é deveras salutar que por conta de não ter encontrado tal conceito de maneira plena, e por ter compilado pessoalmente a Anth, Kant omite de tal obra uma série de afirmações sobre povos não europeus e sobre raças em geral, dignando-se apenas a tratar em meia página sobre linhagem familiar numa mesma raça. 337 KANT, I. Antropologia de um ponto de vista pragmático (tradução de Clélia Aparecida Martins). São Paulo: Iluminuras, 2006. p. 21-2. 200

8) A Inadequação entre Raça e Cosmopolitismo

Em nossa visão, a discussão racial evitada por Kant na Anth (já na Característica Antropológica, ao indicar a obra de Christof Girtanner, intitulada Über das kantische Prinzip für Naturgeschichte, 1796, como ponto de referência para aqueles que queiram saber o que ele pensa sobre o assunto) é um indício determinante de que ele não tinha um conceito amplo de natureza humana; para prová-la não podemos nos ater apenas à Anth; faz-se mister compreender o desenvolvimento das ideias de Kant sobre raça de 1775 a 1802. Ele havia mudado de ideia quanto a constituição das quatro raças ou apenas desviou-se do assunto para não comprometer-se com uma teoria da natureza humana, a qual ele não tinha uma resposta completa? Kant já entendia desde 1793, como desdobramento da virada antropológica, que o seu pensamento fisiológico sobre as raças não mais se adequava a um novo ideal cosmopolita, como busca de propósitos universais. No entanto, não entendemos que ele tenha mudado de ideia no que diz respeito à divisão racial (posto a indicação de Girtanner338), tampouco em relação a alguns povos e raças considerados por ele como primitivos e incapazes de cosmopolitismo: ameríndios e negros, especialmente. Kant não havia encontrado, mas estava em busca, de um conceito de natureza humana, que abarcasse plenamente todos os tipos de humanos, de modo a não comprometer seu postulado sobre propósitos cosmopolitas. Um dos indícios para tal é sua permissão para que seus escritos anteriores sobre raça em um contexto de conhecimento de mundo, na PhG, fossem trazidos à tona, apesar de em 1798 não ter planos para tal como nos mostra suas palavras em nota de rodapé do prefácio da Anth, confirmadas por Rink, editor da obra: “Kant disse publicamente que perdeu os cadernos que tratavam de Geografia Física. Ele repetiu isso na minha presença e na de todos os meus amigos. Mas, há dois anos ele encarregou o senhor Jäsche e a mim de revisar os seus papéis, cuja quantidade havia aumentado consideravelmente.”339 Daí que, em 1802, a PhG traz a mesma divisão racial e afirmações degradantes a negros e

338 “We must, therefore, in the color of organized bodies, distinguish essential, which constitutes the difference of the race and which is passed on, and accidental, which the climate adds to and is not passed on. Thus, we could, for example, only get to know the real color of the skin of the Negro, by causing a Negro to beget children with a Negress in a foreign region, possibly in Europe. The cosmetic coloration, , the accidental , or that part of the color that is put on by the climate, would then drop off, and the young Negro would keep only the essential , only the color that is really proper to his race that he further reproduces and by which his race distinguishes itself from every other human race.” GIRTANNER, C. Concerning the Kantian Principle in Natural History. In: Jon M. Mikkelsen (ed.). Kant and the Concept of Race: Late Eighteenth-Century Writings. SUNY Press: Albany, 2013. p. 227. 339 “Kant hatte öffentlich gesagt, seine Hefte der physischen Geographie seien verloren gegangen. Dasselbe hatte er ehede gegen mich und Andere seiner Freunde geäußert. Vor etwa zwei Jahren aber übertrug er Hrn. Dr. Jäsche und mir die Revision und Anordnung seiner beträchtlich angewachsenen Papiere und Handschriften.” RINK, T. Vorrede des Herausgebers. KANT, AA IX, s. 155. 201

índios; tal obra, apesar de não ter sido compilada diretamente por Kant e também pelo fato de os cadernos que serviram como base serem de três época diferentes, foi supervisionada e permitida a publicação por Kant. Mais precisamente, pensamos que apesar de Kant ter refinado seu conceito de raça da década 1760 em relação a de 1790, não houve uma distinção substancial quanto a diferenças raciais. Isto implica que há uma inconsistência entre o que ele pensa sobre o caráter da espécie humana e suas ideias sobre grupos humanos específicos. A humanidade positiva dos grupos humanos não europeus (posto que pertencem ao mesmo tronco humano) está em proporcional contraprodução às suas condições de possibilidade de contribuição cosmopolita.

8.1) O Debate Racial em Kant

Apesar de Christof Gitanner340 não hierarquizar as raças, tal qual Kant o faz nos anos de 1770 e 1780, ele dá continuidade ao conceito de raça ligado à cor da pele, de modo que é sintomático Kant o ter indicado como alguém que deve estar em concordância consigo. Ao ter colocado a raça como uma característica humana na Anth, Kant sinaliza que ainda está preocupado em encontrar um ponto de equilíbrio conceitual para que a natureza humana, enquanto conceito amplo, possa abarcar todas as variedades de seres humanos em vista de fins cosmopolitas. Há por um lado um autor preocupado com os fins os quais a humanidade deve destinar-se, propondo uma série de ideias universais que ajudam a convivência e resolução de problemas: imperativo categórico, filosofia transcendental como ponto de enlace científico, evitar guerras

340 “Heritable marks of descent, when they agree with their origin, are called resemblance [Nachartung]. We say of a child that it resembles the father or the mother. We call heritable marks of descent degeneration [Ausartung] (degeneratio) when they do not agree with their origin, that is, when they are no longer able to produce the original lineal stem formation [Stammbildung]. It is a universal law of nature that the species preserve themselves unchanged in the complete [ganzen] organic creation, although individual creatures are subject to various changes. We can, in consequence of this, not allow a degenerate form of species, in the philosophical sense, because runs counter to this law of nature. The deviate forms are: 1) Races. when the deviate form preserves itself continuously—not only in all transplantations and displacements for many generations [Zeugungen] among themselves into other regions of the earth, but also in interbreeding with other deviate forms of the same line of descent— always produces half-breed young […] A race (progenies classifica) is, consequently, the class difference of organized bodies of one and the same line of descent in so far as is invariably heritable 2) Variation. when the deviate form—in all transplantations and displacements into other regions of the earth—does, to be sure, invariably retain the difference of its deviation and, therefore, ; however, not necessarily produce half-breedish in interbreeding with other deviate forms […] 3) Variety [Varietät]. when the deviate form does indeed frequently, but not continuously, pass on resemblances. is a heritable peculiarity that is not invariably reproduced, a form [Gestalt] that in reproduction [Fortpflanzung] reproduces [reproduziert] only now and then the character [Karakter] of the nearest parents and, to be sure, more often only one-sidedly […] 4) A special stock [Schlag] (varietas nativa). when the deviate form does indeed produce half- breedishly with other deviations but gradually dies out in consequence of transplantation. The stock arises in different provinces in consequence of the climate and diet. To be sure, it passes on half- breedishly when it interbreeds with strangers, but disappears in another climate or another diet in a few generations.” GIRTANNER, C. Concerning the Kantian Principle in Natural History. In: Jon M. Mikkelsen (ed.). Kant and the Concept of Race: Late Eighteenth-Century Writings. SUNY Press: Albany, 2013. ps. 214-5. 202 ofensivas, direito cosmopolita, homem como fim em si mesmo e etc; e, por outro lado, mostra uma série de preconceitos contra os ditos povos não civilizados, usando um ponto de vista eurocêntrico, o qual, apesar de comum em sua época, inabilitava alguns grupos para serem plenamente humanos. Kant estava ciente dessa inconsistência. A discussão sobre o tema da raça, em Kant, é muito ampla e há, pelo menos, duas correntes de pensamento relevantes sobre o assunto. Por um lado, há comentadores que defendem que as visões kantianas sobre raça não afetam a filosofia crítica, de maneira que a antropologia não pode ser considerada como parte ativa do sistema: podemos apontar como defensores desta linha de argumentação Pauline Kleingeld341 e Susan Shell342, as quais afirmam que Kant tem uma mudança de pensamento sobre as raças, diminuindo a influência dos preconceitos após 1790 e focando na ideia de cosmopolitismo como maneira de inclusão das diversas manifestações da humanidade. Temos, por outro lado, uma série de autores que defendem que o pensamento de Kant sobre raças, segundo o critério da cor da pele, afeta, diretamente, a universalidade de sua filosofia, de maneira que os eufemismos ou mesmo um suposto silêncio dele sobre o tema na década de 1790 não seriam suficientes para provar que ele tenha mudado de perspectiva e incluído, plenamente, por exemplo, índios e negros como parte do progresso em sentido cosmopolita. Podemos apontar como defensores de tais ideias: Robert Bernasconi,343 Sally Hatch Gray344 e Emmanuel Chukwundi Eze345. Pontuemos, brevemente, como se manifesta cada autor citado e, posteriormente, contextualizaremos os pontos que Kant levanta, a fim de justificar a nossa posição. Quanto ao primeiro grupo, Susan M. Shell pergunta-se se as afirmações de Kant sobre raça respingariam em sua filosofia crítica; ela, desse modo, defende que “as considerações de Kant com maior desqualificação e inferioridade em relação a outras raças precedem a KrV (1781)”346, o que significaria que Kant refinou seu conceito de raça humana de maneira que antes disso a divisão racial erigida por ele tinha um teor fisiológico degradante. Ela quer dizer que a ideia de raça que ele expôs antes da data da referida obra fundamentava-se, mormente, em aspectos geográficos ligados,

341 KLEINGELD, P. Kant's Second Thoughts on Race. The Philosophical Quaterly, Vol 57, Nº 229, October 2017. KLEINGELD, P. Kant and cosmopolitanism: the philosophical ideal of world citizenship. Cambridge; New York: Cambridge University Press, 2012. 342 SALIKOV, A. ZHAVORONKOV, A. The concept of race in Kant’s Lectures on Anthropology. CON-TEXTOS KANTIANOS, International Journal of Philosophy, N.o 7, Junio 2018, pp. 275-292 343 BERNASCONI, R. Who Invented the Concept of Race? Kant's Role in the Enlightenment Construction of Race. In: BERNASCONI, R. Race. Malden: Blackwell, 2001. E também: BERNASCONI, R.; LOTT, T. (Eds.)The Idea of Race. Indianapolis / Cambridge: Hackett, 2000. 344 GRAY, S. H. Kant’s Race Theory, Foster’s Counter and the Metaphysics of Color. In: The Eighteenth Century, Vol. 53, No. 4 (WINTER 2012). 345 CHUKWUDI EZE, E. The Color of Reason: The Idea of "Race" in Kant's Anthropology. In: CHUKWUDI EZE, E. Postcolonial African Philosophy. Lewisburg: Blackwell, 1997. 346 “Kant’s most unqualified published remarks on racial inferiority precede the appearance of the Critique of Pure Reason (1781).” SHELL, S. M. Kant’s Concept of a Human Race in: EIGEN, S. LARRIMORE, M. (eds.). The German Invention of Race. Albany: SUNY Press, 2006. p. 56. 203 principalmente, ao clima. Em suas palavras, “há, em suma, um padrão de diminuição da confiança pública sobre conclusões empíricas tal como a de inferioridade mental ou espiritual de raças não brancas, seguindo a descoberta de Kant do princípio transcendental da autonomia, a qual impõe um dever moral incondicional sobre todos os seres humanos, não importando sua aparência física ou temperamento.”347 Esta mudança, segundo Shell, não impede de haver no cerne da filosofia kantiana a inconsistência entre uma razão que supera os ditames da natureza e um propósito natural que guia a humanidade, cegamente, em direção ao seu melhor. Shell ainda defende que os trabalhos de Rousseau mostraram a Kant uma nova visão sobre as pessoas comuns que também foi estendida aos ditos povos não civilizados, de modo que na Anth e, nos anos de 1790, não se encontra nenhuma linha de Kant sobre hierarquização racial; o foco, assim, passa a ser a dignidade humana, de modo geral, e a ideia de que a antropologia deve ser vista como uma ciência que procura estabelecer o homem como cidadão do mundo. Shell conclui que, segundo Kant, “os povos não europeus (principalmente estes da África e América) contribuem para a humanidade alcançar seus destinos na terra […] A teoria racial é, nesse sentido, uma via direta, embora necessariamente muda, dos esforços de Kant em vista de um a priori histórico da raça humana. Raça é o traço histórico-natural do misterioso caráter híbrido do homem.”348 Ora, apesar do esforço da autora para mostra que Kant, ao passar dos anos, trata de modo mais suaves as raças não europeias, ela não consegue provar que ele resolve a incongruência entre a proposição racional de autonomia e liberdade e a diferença racial que diminui o poder de povos não europeus para tal. Isto é, em outras palavras, os povos não civilizados podem continuar em seu estado primitivo, desde que não atrapalhem o progresso europeu. Pauline Kleingeld349 apresenta uma perspectiva sobre Kant em que, para além da ideia de raça, ele teria melhorado seu conceito de cosmopolitismo nos anos de 1790, de modo que a questão racial ganhassem um outro relevo em reflexo disso.350 Ela discute em seus textos sobre se o racismo de

347 “There is, in short, a pattern of diminishing public reliance on empirical conclusions as to the mental or spiritual inferiority of nonwhite races, following on Kant’s discovery of the transcendental principle of autonomy, which imposes an unconditional moral duty on all human beings whatever their physical make up or temperament.” SHELL, S. M. Kant’s Concept of a Human Race in: EIGEN, S. LARRIMORE, M. (eds.). The German Invention of Race. Albany: SUNY Press, 2006. p. 56. 348 “The non-European peoples (especially those of Africa and of America) contribute to the achievement of man’s moral destiny on Earth […] Racial theory is in this sense a direct, though necessarily muted, offshoot of Kant’s efforts toward an a priori history of the human race. Race is the natural-historical trace of man’s mysteriously hybrid character.” SHELL, S. M. Kant’s Concept of a Human Race in: EIGEN, S. LARRIMORE, M. (eds.). The German Invention of Race. Albany: SUNY Press, 2006. p. 69. 349 KLEINGELD, P. Kant's Second Thoughts on Race. The Philosophical Quaterly, Vol 57, Nº 229, October 2017. KLEINGELD, P. Kant and cosmopolitanism: the philosophical ideal of world citizenship. Cambridge; New York: Cambridge University Press, 2012. 350 “Kant defended a racial hierarchy until the early 1790s, and that he changed his mind before the publication of Toward Perpetual Peace […] Kant indeed have second thoughts on race in the first half of the 1790s, and that his 204

Kant dos anos de 1780 tem influência em sua filosofia moral e política, sugerindo uma resposta positiva, na medida em que Kant traz à tona uma atualização do sentido de cosmopolitismo na ZeF ao distinguir entre direito internacional e direito cosmopolita. Enquanto o primeiro diz respeito a relação estatal mútua, o último seria trazido a público a fim de pontuar que além de estados precisar-se-ia respeitar os indivíduos de diferentes culturas como cidadãos do mundo, isto é, “o direito cosmopolita serve para os seres humanos em todos os continentes e é, explicitamente, incompatível com a escravidão e o colonialismo. Claramente, esta visão não ocorreria a alguém que vê o branco como superior e não brancos como radicalmente inferiores, a ponto dos primeiros usarem os últimos como meros meios (escravos).”351 A questão se negros e índios eram ou não seres humanos nunca foi posta por Kant, pois ele entendia que estes, de modo a priori, eram humanos; o que Kant pontuou, desde o início de sua reflexão e, posteriormente, em meio à reflexão crítica da década de 1780, era até que ponto os povos não europeus eram capazes de contribuir para o progresso da humanidade como um todo. Kleingeld trata o conceito de cosmopolitismo associado ao não europeu de uma maneira um tanto ontológica, a fim de saber se estes seres, tidos como inferiores, seriam, de fato, humanos, dado o racismo kantiano;352 contudo, a grande preocupação de Kant não versava sobre a igualdade entre todos, mas sim como, na década de 1790, seria possível a humanidade progredir para o melhor. Por conta disso, pensamos que há um gap argumentativo entre não maltratar ou subjugar seres humanos e nivelá-los racialmente em um mesmo status racional. Ora, o argumento de que Kant coloca negros e índios sob proteção jurídica é evidente, podendo ser considerado uma forma de atualização do pensamento do autor, no entanto não há evidência de que Kant tenha deixado de lado a hierarquia racial. Repitamos, é sintomático que Kant tenha permitido à edição de suas lições de geografia. Se Kant tivesse realmente mudado seu pensamento sobre a hierarquia racial não teria ele solicitado a Rink que suprimisse qualquer menção à tal hierarquização? Ora, a inconsistência que identificamos em Kant não é cosmopolita ou jurídica, mas sim antropológica. Esta reflexão nos leva à impossibilidade de concordar com os autores resenhados, final position on the matter is a more consistent form of cosmopolitanism. I argue that he gives up the thesis of racial hierarchy (though not the notion of race), drops his opposition to race mixing, emphasizes the equal moral and juridical status of humans of all races, and actively starts to criticize slavery and colonialism […] Kant’s later views enable him to attribute genuine importance to cultural diversity within the framework of his cosmopolitanism.” KLEINGELD, P. Kant and cosmopolitanism: the philosophical ideal of world citizenship. Cambridge; New York: Cambridge University Press, 2012. pp. 95-6. 351 “Cosmopolitan right applies to humans on all continents, and is explicitly incompatible with slavery and colonialism. Clearly, this view would not occur to someone who views whites as superior and non-whites as so radically inferior that the first may use the second as mere means (as slaves).” KLEINGELD, P. Kant's Second Thoughts on Race. The Philosophical Quaterly, Vol 57, Nº 229, October 2017. p. 585. 352 KLEINGELD, P. Kant's Second Thoughts on Race. The Philosophical Quaterly, Vol 57, Nº 229, October 2017. ps 587-8-9. 205 posto que a inconsistência que impediu Kant de completar uma antropologia como disciplina mais fundamental do sistema filosófico, está ligado ao conceito de raça e sua maneira não igualitária de consideração de alguns povos (das mulheres igualmente). Queremos expor, doravante, a fortuna crítica dos comentadores que pensam o cosmopolitismo kantiano como impossível a índios e negros. Primeiramente, Emmanuel Chukwudi Eze, no artigo The Color of Reason: The Idea of "Race" in Kant's Anthropology353, pensa haver em Kant um racismo epistemológico, por meio de uma antropologia com cosmopolitismo restrito em que a ideia de ser humano universal era exclusiva ao branco; já os outros povos nunca poderiam ser completamente humanos, mas sim apenas humanos por reflexo caso seguissem os ditames europeus de cultura.354 Ora, Eze também chama atenção ao fato de que Kant estava tentando achar um conceito essencial, imutável, de natureza humana, citando, inclusive um dos ouvintes dos cursos de antropologia chamado Friedrich Gentz, o qual afirma que se os objetivos da teoria kantiana da antropologia fossem alcançados, qualquer um que não concordasse com os seus princípios teria de ser considerado um rebelde contra os fundamentos da natureza humana.355 Eze está bem mais preocupado em denunciar os autores do período do esclarecimento alemão, que contribuíram para o racismo e o colonialismo, do que propriamente fazer uma exegese bem apurada sobre Kant. Isto posto, o autor mescla períodos de reflexão diferentes os colocando dentro do mesmo sentido de pensamento, tal como a equiparação entre passagens das Observações e da Anth. Apesar disso, sua conclusão aponta para o fato mais importante aqui debatido, a saber, “em um exame mais minucioso, no entanto, a teoria racial de Kant, a qual ele alcançou por meio de uma preocupação com a geografia, pertence em uma maneira de ver intimamente à filosofia transcendental kantiana, ou, pelo menos, não pode ser entendida sem uma familiaridade de base transcendental, a qual Kant explicitamente provê.”356 Eze chama atenção para o racismo e colonialismo de Kant e de que sua fundamentação transcendental do pensamento acaba por, igualmente, fundamentar o racismo com

353 CHUKWUDI EZE, E. The Color of Reason: The Idea of "Race" in Kant's Anthropology. In: CHUKWUDI EZE, E. Postcolonial African Philosophy. Lewisburg: Blackwell, 1997. 354 “It is clear that what Kant settled upon as the essence of humanity, that which one ought to become in order to deserve human dignity, sounds very much like Kant himself: white, European, and male. More broadly speaking, Kant's philosophical anthropology reveals it self as the guardian of Europe's self-image of itself as superior and the rest of the world as barbaric.”CHUKWUDI EZE, E. The Color of Reason: The Idea of "Race" in Kant's Anthropology. In: CHUKWUDI EZE, E. Postcolonial African Philosophy. Lewisburg: Blackwell, 1997. p. 130. 355 CHUKWUDI EZE, E. The Color of Reason: The Idea of "Race" in Kant's Anthropology. In: CHUKWUDI EZE, E. Postcolonial African Philosophy. Lewisburg: Blackwell, 1997. p. 131. 356 “On closer examination, however, Kant's racial theories, which he reached through a concern with geography, belong in an intimate way to Kant's transcendental philosophy, or at least cannot be understood without the acknowledgment of the transcendental grounding that Kant explicitly provides them.” CHUKWUDI EZE, E. The Color of Reason: The Idea of "Race" in Kant's Anthropology. In: CHUKWUDI EZE, E. Postcolonial African Philosophy. Lewisburg: Blackwell, 1997. p. 130. 206 base epistemológica amalgamado na ciência antropológica. Por meio do mesmo ponto de partida, o racismo epistemológico, mas chegando a conclusões diferentes, para Sally Hatch Gray, Kant escreveu a KU em parte para responder a demanda de uma filosofia da ciência teleológica e, em outra parte, principalmente, para responder aos questionamentos de George Foster quanto à falta de pesquisa empírica do professor prussiano. Gray, com isso, articula o modo como Kant reagiu às críticas de Foster uma vez que “Foster acreditava que a teoria de Kant era apenas isso, uma mera teoria sem suporte empírico.”357 Ora, Gray mostra que o debate entre Kant e Foster ocorrido na década de 1780 possui como característica principal a disputa pelo valor estético que possibilitasse um julgamento confiável sobre o que se está a observar. Enquanto Foster trata em seus textos da beleza de mulheres nativas em rituais eróticos,358 Kant, até tal década, se fiava na observação das mulheres dos salões que ele costumava frequentar. Isto significa que, segundo Gray, tanto a ideia de um juízo teleológico quanto a feitura da KU são, mormente, resultados das discussões com Foster, implicando, assim, que a filosofia crítica e seu desenvolvimento na década de 1790 está, completamente, ligada ao reforço de um racismo epistemológico erigido para justificar suas teorias geográficas e antropológicas sobre raça. Minha leitura sobre esse debate entre Foster e Kant ao longo de suas respectivas obras em estética conduz-me a uma conclusão diferente. Enquanto o objetivo principal de Kant em filosofia especulativa, tal como apresentada em KrV, teve de estar em consonância com sua teoria racial, a KU foi um investimento para proteger Kant dos ataques empíricos de Foster. A KU descreve uma relação simbiótica entre cientista e natureza, tal que a causa dos princípios os quais o cientista trabalha são as coisas em si mesmas. Se as coisas em si mesmas podem agir como uma causa de princípios, então há, mais para a natureza do que definitivamente, pode ser verificado pelo mero empirismo.359

357 “Forster believed that Kant's theory was just that, a mere theory, unsupported by empirical data.” GRAY, S. H. Kant’s Race Theory, Foster’s Counter and the Metaphysics of Color. In: The Eighteenth Century, Vol. 53, No. 4 (WINTER 2012), p. 402. 358 “While Kant and Forster share a common understanding of the transcendence of beauty at this point, the resulting metaphysics influences their work in a new empirical science of anthropology differently. This becomes apparent when the two engage in a fierce debate over the scientific significance of skin color in the 1780s. Foster, having had first-hand experience of different peoples, and believing that grouping people would have to include studies of customs and language, itself a very complicated endeavor, took a position against any theory of race based on skin color. Forster appeared to win the debate, and seemed to have succeeded in muting Kant's future writings on the topic. Yet, despite its lack of scientific merit, Kant's work on a definition of race based solely on skin color was influential in his day.” GRAY, S. H. Kant’s Race Theory, Foster’s Counter and the Metaphysics of Color. In: The Eighteenth Century, Vol. 53, No. 4 (WINTER 2012), p. 405. 359 “My reading of this debate between Forster and Kant alongside their respective work in aesthetics leads me to a different conclusion. While Kant's general goal in speculative philosophy, as presented in his first Critique, had to be consistent with his race theory, Kant's third Critique was invested in defending it from Forster's empirical attack. The third Critique describes a symbiotic relationship between scientist and nature, such that the cause of the principles from which a scientist works is the things in themselves. If things in themselves can act as a cause of principles, then there is definitely more to nature than what can be ascertained through mere empiricism.” GRAY, S. H. Kant’s Race Theory, Foster’s Counter and the Metaphysics of Color. In: The Eighteenth Century, Vol. 53, No. 4 (WINTER 2012), p. 405. 207

O debate com Foster, para Gray, mudou a maneira de Kant entender os dados empíricos e sua maior complexidade do que aparentam à primeira vista. Apesar de os argumentos de Foster serem melhores, segundo Gray, Kant conseguiu se sobrepor devido ao seu prestígio como filósofo e, entretanto, pelo fato de que mudou a essência racial de sua teoria, de maneira que é “importante perceber que aqui universal pode também significar Europeu, e que, sob essa designação, ele não deve apresentar nenhuma contradição para o trabalho como um todo.”360 Por isso, o racismo epistemológico de Kant nunca mudou, apesar de em alguns momentos da década de 1790 ele tenha se abstido de tratar mais profundamente sobre o tema da raça, coisa que pensamos ser a consciência da inadequação de seu conceito de natureza humana. Para Robert Bernasconi, o debate racial remonta, com maior frequência, ao século XVII (1684) e o termo raça, como divisão humana (mas ainda não associado diretamente à cor da pele) pode ser atribuído, não sem inconsistência, a François Bernier em seu texto intitulado A New Division of the Earth.361 No fim do século XVII e ao longo de todo o século XVIII, o debate dos chamados naturalistas ganha um contorno próprio quanto a como tratar seres humanos distantes geograficamente da Europa. Obviamente, que Bernasconi tem consciência acerca dos debates gerados pelos primeiros colonizadores na América, simbolizado pela disputa de Valladolid entre Sepúlveda e Las Casas, a fim de estabelecer se os indígenas americanos possuíam ou não alma. Contudo, para Bernasconi,362 foi Kant o primeiro autor a estabelecer dentro de um quadro conceitual científico a ideia de raça associada à cor da pele. Bernasconi buscou corrigir alguns estudiosos que pensavam ser Johann Friedrich Blumenbach (1752 - 1840) o primeiro a ter posto tal critério. Segundo Bernasconi, Kant não tomou de Blumenbach o conceito de raça baseado na cor da pele, mas sim, pelo contrário, foi Kant que o influenciou, posto que Blumenbach começa sua carreira com a dissertação intitulada De generis humani varietate nativa (1776), que possui datação posteriormente à definição de raça de Kant, que é de 1775.363 Bernasconi defende, veementemente, que Kant foi o autor que institucionalizou o racismo no movimento de esclarecimento europeu. Além disso, pontua que a maneira como Kant aborda a questão da raça não mudou na década de 1790. Kant, em sua visão, não somente criou o conceito de

360 “Important to note that here universal can also mean European, and that, under consideration, this may not actually present any contradiction for the work as a whole.” GRAY, S. H. Kant’s Race Theory, Foster’s Counter and the Metaphysics of Color. In: The Eighteenth Century, Vol. 53, No. 4 (WINTER 2012), p. 408. 361 Segundo Sarah Gray, Blumenbach inclusive “credits Kant for his race theory in 1779 and mirrors Kant's language in his Handbuch der Naturgeschichte. […] Kant made the first articulation which fixed human races as distinct subcategories within a broader category of species. Bernier, for example, had used the term race in his classifications, but did not distinguish it from species. Before Kant, argues Bernasconi, no definite concept for race as opposed to variety or species was established.” GRAY, S. H. Kant’s Race Theory, Foster’s Counter and the Metaphysics of Color. In: The Eighteenth Century, Vol. 53, No. 4 (WINTER 2012), p. 396. 362 BERNASCONI, R. Who Invented the Concept of Race? Kant's Role in the Enlightenment Construction of Race. In: BERNASCONI, R. Race. Malden: Blackwell, 2001. 363 BERNASCONI, R.; LOTT, T. (Eds.)The Idea of Race. Indianapolis / Cambridge: Hackett, 2000. p. ix. 208 raça associado à cor da pele como também nunca disse uma palavra contra a escravidão, chegando a citar inclusive Oswald Sprangel e sua opinião de que os negros são incapazes de governar a si mesmos (ÜGTP364). Bernasconi, contudo, admite que Kant não é um autor fácil de tratar quanto a temas raciais e coloniais, uma vez que sua filosofia crítica propõe um universalismo que resguarda os direitos e a dignidade humana. Também admite que Kant não é o único autor a silenciar sobre o processo escravagista a todo vapor nas Américas, na medida em que John Locke tinha em próprio nome investimentos em uma empresa britânica de transporte de negros tornados escravos e defendia a justa escravidão se a guerra de aprisionamento for também justa.365 O ponto é que, segundo Bernasconi, Kant aponta ao longo de toda a sua vida uma diminuição do papel de negros e indígenas para o progresso da humanidade como um todo.366 Ora, Bernasconi também mostra que a consequência mais imediata das teorias raciais de Kant, e também de outros autores da época, mas bem mais a de Kant por conta de sua fama, dão um azo muito forte para a justificativa da escravidão. Também pondera acerca da década de 1790 e a condenação de Kant sobre o tratamento dado aos negros nas chamadas ilhas do açúcar, simbolizado pelo direito cosmopolita de hospitalidade. No entanto, para o autor, tal condenação não é suficiente para um combate veemente da escravidão, mas apenas do tratamento dos escravos; isto significa que não tratar os escravos de maneira indigna não significa que eles não mereçam ser escravos.367 Além disso, para o autor, Kant possuía completa consciência de que a maneira como se referia a negros e índios ia de encontro à sua filosofia moral, daí que ou estes não eram sujeitos completos de moralidade ou se são não poderiam ser escravizados. Também sugere que a maneira como Kant

364 KANT, I. Sobre o uso de princípios teleológicos em filosofia (tradução de Márcio Pires). In: Trans/Form/Ação, Marília, v. 36, n. 1, p. 211-238, Jan./Abril, 2013. p. 229. 365 BERNASCONI, R. Kant as an Unfamiliar Source of Racism. In: WARD, J.; LOTT, T. Philosophers on race: critical essays. Oxford: Blackwell, 2002. p. 150. 366 BERNASCONI, R. Kant as an Unfamiliar Source of Racism. In: WARD, J.; LOTT, T. Philosophers on race: critical essays. Oxford: Blackwell, 2002. p. 148. 367 “Kant’s silence on the slave trade in Africans cannot be explained by the fact that German involvement in that trade was less than that of a number of other European countries. Even though Germany was not as intimately involved with the slave trade as some of the other European countries, especially England, Kant was well aware of the intense debate over slavery. Many of the more recent contributions to the travel literature with which he was familiar participated in the debate on one side or the other. Kant’s use of Sprengel’s paraphrase of Tobin’s essay on Ramsay’s discussion of the condition of slaves in the West Indies is a clear case in point. Kant was well aware of the debate on the African slave trade and the conditions under which the slaves were held in the Americas. In “Perpetual Peace” he complained about the treatment of the slaves on the Sugar Islands (AA, VIII, p. 359), but this did not lead him to address the question of whether and how slavery might be abolished. Slavery was the institutional racism of that period, which helps to explain why many opponents of slavery nevertheless could not see their way to proposing its immediate abolition. But I am aware of no direct statement by Kant calling for the abolition of either African slavery or the slave trade, even if only in principle. Indeed, the fact that Kant, for example, in his lectures on Physical Geography, confined himself to statements about the best way to whip Moors, leaves one wondering if, like some of his contemporaries, he had apparently failed to see the application of the principle to this particular case (AA, IX, p. 313; RE, p. 61).” BERNASCONI, R. Kant as an Unfamiliar Source of Racism. In: WARD, J.; LOTT, T. Philosophers on race: critical essays. Oxford: Blackwell, 2002. p. 150-1. 209 se referia aos negros e indígenas estava bem assentada ao que desejavam os países coloniais e apesar de a Prússia não ser um estado colonial na época, Kant conhecia muito bem às literaturas acerca de povos que viviam a realidade colonial.368 Pensamos que Bernasconi trata do debate racial em Kant, e no século XVIII em geral, de uma maneira contemporânea, o que acarreta, de algum modo, perda argumentativa por conta do caráter anacrônico de, por exemplo, tentar atribuir atitudes de protesto contra a escravidão da mesma maneira como condenamos de maneira genérica o capitalismo sem vislumbre possível de superação deste. No entanto, pensamos que as ideias de Bernasconi sistematicamente ajustadas são suficientes para mostrar, que a antropologia kantiana não foi finalizada por conta de sua misoginia e de seu racismo, impedindo que mulheres, negros e índios pudessem contribuir no sistema de propósitos do cosmopolitismo da última fase de Kant.

8.2) Sistema, Raça e Tronco Comum da Humanidade

A nossa hipótese concerne à ideia de que o racismo, o sexismo e a misoginia também fazem parte do sistema de filosofia kantiano. Ora, após o lançamento da Anth, Kant buscou, contando com a ajuda de seus discípulos e amigos mais próximo, trazer à tona seus textos que marcam sua trajetória como professor e reforçam os fundamentos de sua filosofia. A Anth, a Log, a PhG, a Päd e, em menor medida, o OP fazem parte do esforço último de Kant de mostrar a sistemática de seu pensamento com ênfase na antropologia como ciência última e de seu objeto mor: o homem. Além disso, devemos também conhecer os objetos de nossa experiência como um todo, de modo que nossas descobertas não constituam um agregado, mas um sistema; pois, no sistema, o todo precede as partes, mas no agregado dá o contrário. Isto ocorre com todas as ciências que produzem uma ligação em nós, para. Por exemplo, com a Enciclopédia, onde o todo aparece em conexão com o conjunto. A ideia é arquitetônica; ela cria as ciências. Por exemplo, se alguém quiser construir uma casa, ele primeiro faz um esboço do todo, do qual todas as partes são derivadas. Portanto, nossa preparação atual também é uma ideia do conhecimento do mundo. Nós também preparamos aqui um conceito arquitetônico, que é um conceito o qual o múltiplo é derivado do todo. O todo aqui é o mundo, a cena segundo a qual todos nós vamos nos envolver em todas as experiências.369

368 BERNASCONI, R. Kant as an Unfamiliar Source of Racism. In: WARD, J.; LOTT, T. Philosophers on race: critical essays. Oxford: Blackwell, 2002. p. 153. 369 “Ferner aber müssen wir auch die Gegenstände unserer Erfahrung im Ganzen kennen lernen, so daß unsere Erkenntnisse kein Aggregat, sondern ein System ausmachen; denn im System ist das Ganze eher als die Theile, im Aggregat hingegen sind die Theile eher da. Diese Bewandtniß hat es mit allen Wissenschaften, die eine Verknüpfung in uns hervorbringen, z. B. mit der Encyklopädie, wo das Ganze erst im Zusammenhange erscheint. Die Idee ist architektonisch; sie schafft die Wissenschaften. Wer z. E. ein Haus bauen will, der macht sich zuerst eine Idee für das Ganze, aus der hernach alle Theile abgeleitet werden. So ist also auch unsere gegenwärtige Vorbereitung eine Idee von der Kenntniß der Welt. Wir machen uns hier nämlich gleichfalls einen architektonischen Begriff, welches ein Begriff ist, bei dem das Mannigfaltige aus dem Ganzen abgeleitet wird. Das Ganze ist hier die Welt, der Schauplatz, auf dem wir alle Erfahrungen anstellen werden.” KANT, I. Géographie (Traduction de Michèle Cohen-Halimi, Max Marcuzzi et Valérie Seroussi). Paris : Aubier, 1999. p. 67. 210

A natureza humana requer o estudo de agentes livres nos quais, diferentes da mera natureza, a observação é fato determinante para o método antropológico e, desse modo, uma teoria da natureza humana com princípios a priori não fornece uma determinação precisa, senão uma regulação. Kant precisou inventar um outro modo de compreender os juízos sintéticos a priori, a fim de conseguir tratar de sua ideia de hierarquização racial:“mostrei algures que na metafísica a razão não pode, a seu bel-prazer, alcançar toda sua intenção pela via teórica da natureza (em vista do conhecimento de Deus) e que, portanto, lhe resta tão somente a via teleológica […] Semelhante autorização e até mesmo necessidade de partirmos de um princípio teleológico ali onde a teoria nos abandona, eu busquei provar num pequeno ensaio sobre as raças humanas.”370 Ora, a ideia de que devem haver juízos teleológicos, posteriormente, foi usado para fundamentar a KU, que já vinha sendo pensada, enquanto forma, desde a década de 1770, mas teve seu conteúdo formulado ao longo dos debates de 1780. Kant também não usou de maneira direta esses juízos na Anth. Ele tentou a busca de uma natureza humana por tais meios, o que acarretou não ter encontrado nenhum caminho que fornecesse ao método adaptado à antropologia a segurança dos resultados esperados. Em contrapartida, também não mudou a maneira de enxergar como se manifestam algumas raças culturalmente, de maneira a hierarquizá-las em superiores e inferiores. Para provarmos tal assertiva e contextualizarmos o debate supracitado, faz-se mister desenvolvermos a reconstrução do seu pensamento sobre a diferenciação humana em raças. Entretanto, não podemos cair no mesmo erro que outros comentadores supracitados que misturam diferentes épocas como se estas se encaixassem dentro do mesmo paradigma. Pensamos que Kant atualizou muitos de seus pensamentos das décadas de 1770 e 1780 em relação à década de 1790, mas este não é o caso da sua visão racial; Kant reviu muitas de suas ideias sobre a inferioridade biológica das raças não brancas, mas nunca abandonou a ideia de que culturalmente os brancos são superiores e destinados a comandar e guiar a humanidade a um ideal cosmopolita de vida em sociedade. A grande dúvida que acometeu Kant foi: se os seres humanos possuem todos o mesmo propósito, por que a natureza teria feito negros e indígenas inferiores e incapazes, culturalmente, de alcançar, ou mesmo de estar no caminho do cosmopolitismo? Obviamente, que esta dúvida não foi posta por Kant diretamente, mas pode ser concluída, por meio das pistas que ele deixou de sua inacabada antropologia. Primeiramente, pensamos que Kant, de fato, começa um debate científico, como conhecimento de mundo sobre o caráter das raças em 1775 com o texto Da Diferentes Raças

370 KANT, I. Sobre o uso de princípios teleológicos em filosofia (tradução de Márcio Pires). In: Trans/Form/Ação, Marília, v. 36, n. 1, p. 211-238, Jan./Abril, 2013. p. 216. 211

Humanas,371 o qual é o primeiro documento sobre as suas Lições de antropologia.372 Por conta disso, este tem de ser o ponto de partida do debate racial em uma perspectiva sistemática, por conta de pertencer ao período de construção da filosofia crítica. O texto começa por mostrar que a espécie humana possui um tronco comum, negando o argumento daqueles como Bernier e Voltaire que pensavam haver uma poligênese na humanidade. Kant inspira-se em Buffon, o qual afirma que se no cruzamento de animais houver uma prole fértil, ou seja, capaz de colocar adiante a espécie, daí pertencem ao mesmo gênero: “de acordo com esses conceitos, todos os homens sobre a vasta Terra [Erde] pertencem a um único e mesmo gênero natural, pois, ainda que diferenças também possam ser encontradas na sua feição, procriam [zeugen] sem exceção filhos fecundos.”373 No entanto, apesar de pertencerem ao mesmo gênero, Kant pontua haver uma série de variações (derivações), que são responsáveis por diversificar os tipos dentre uma mesma espécie. Assim, “dentre as derivações, isto é, as diferenças hereditárias dos animais que pertencem a um mesmo tronco, aquelas que não só se mantém em si constantes em todos os transplantes [Verpflanzungen] (transferências para outras regiões) em longas procriações [Zeugungen], como também sempre geram crias híbridas [halbschlächtige] no cruzamento com outras derivações do mesmo tronco, chamam-se raças.”374 Aqui, desse modo, inicia ele a sua inserção científica no debate acerca da história natural. Ora, Kant começa aqui o debate sobre as quatro raças do gênero humano, que se moldaram ao longo de muito tempo e geograficamente determinadas. Por isso, diz ele: “eu acredito ser necessário admitir apenas quatro raças do mesmo, a fim de poder derivar delas todas diferenças perpetuantes e identificáveis à primeira vista. Elas são 1) a raça dos brancos, 2) a raça negra, 3) a raça huna (mongoloide ou calmuca), e 4) a raça hindu ou indiana.”375

371 Jon M. Mikkelsen mostra que Kant reformulou algumas partes deste texto republicando-o em 1777 (coisa que a edição das obras de Kant da Akademie Ausgabe não deixa claro), devido, provavelmente, a um número crescente de leitores além dos seus alunos de geografia e antropologia. No entanto, apesar de algumas diferenças, elas não são tão substanciais a ponto de serem dois textos completamente diferentes. Cf. MIKKELSEN, J. (ed.). Kant and the Concept of Race: Late Eighteenth-Century Writings. SUNY Press: Albany, 2013. ps. 55-9. 372 Tratar do caráter racial nas Observações pareceria, à primeira vista, ser algo relevante entretanto, pensamos que apenas os textos que estejam inseridos de alguma forma dentro da filosofia crítica podem nos dar um bom fundamento para tratar das diferenças raciais em Kant. 373 “No reino animal, a divisão natural em gêneros [Gattungen] e espécies [Arten] funda-se na lei comunitária da reprodução [Fortpflanzung], e a unidade dos gêneros não é outra coisa que a unidade da força procriante [zeugenden Kraft], que vale universalmente para uma certa diversidade de animais. Por isto, a regra | buffoniana2, a qual afirma que animais que procriam [erzeugen] conjuntamente crias [Junge] férteis pertencem a um único e mesmo gênero físico (não importa a diferença de feição [Gestalt] que os mesmos possam ter), na verdade, tem de ser vista apenas como a definição de um gênero natural de animais em geral, em contraste a todos os gêneros escolares dos mesmos.” KANT, I. Das Diferentes Raças Humanas (tradução e notas de Alexandre Hanh). In: Kant e-Prints. Campinas, Série 2, v. 5, n. 5, p. 10 - 26, número especial, jul.- dez., 2010. p. 10-11. 374 KANT, I. Das Diferentes Raças Humanas (tradução e notas de Alexandre Hanh). In: Kant e-Prints. Campinas, Série 2, v. 5, n. 5, p. 10 - 26, número especial, jul.- dez., 2010. p. 12. 375 KANT, I. Das Diferentes Raças Humanas (tradução e notas de Alexandre Hanh). In: Kant e-Prints. Campinas, 212

Kant pensava que a partir destas quatro raças poderia derivar quaisquer variações detectadas no gênero humano e, precisamente, todas ligadas à tonalidade da pele. Isto posto, temos em Kant uma tensão que se inicia entre a ideia de que todos os seres humanos pertencem ao mesmo gênero fisiológico, mas se diferenciam de maneira tal que, até certo ponto, biologicamente não parecem ser iguais. As conclusões de Kant sobre a diversidade das raças humanas estão pontuadas por meio de critérios geográficos que geram leis biológicas de transmissão de linhagem, de modo que os tipos diferentes de raças, após uma sucessão de linhagens, criaram em seus povos predisposições naturais. Destaco aqui apenas que ar e sol parecem ser aquelas causas que influem mais profundamente na força procriadora e produzem um desenvolvimento duradouro dos germes e das predisposições, isto é, que podem estabelecer uma raça; em comparação, uma alimentação especial pode, na verdade, produzir uma linhagem de homens, mas o diferencial dessa linhagem se extingue rapidamente em transplantes. O que deve aderir na força procriadora não necessita afetar a manutenção da vida, mas sim a sua fonte, isto é, os primeiros princípios [Prinzipien] da sua constituição [Einrichtung] animal e movimento.376

O debate científico que Kant se insere pode ser associado à curiosidade do homem europeu moderno acerca de seres humanos tão diferentes fenotipicamente e culturalmente, os quais podem ser encontrados no mundo todo. O eurocentrismo típico dos exploradores que chegaram às terras distantes é flagrante; o objetivo, primeiro, era estabelecer o fornecimento de especiárias aos seus locais de origem e, para tal, tiveram de inventar algumas ideias preconceituosas para tomar de assalto a cultura e as riquezas dos locais explorados. A consequência mais imediata disso é a corroboração científica das ideias hoje conhecidas como colonialistas a ponto de misturar debates culturais com relações fisiológicas. Kant se insere neste contexto ao propor teorias sobre a origem das raças de uma maneira, tal como pode ser notado em sua afirmação de que: “a abundância de partículas de ferro, que comumente são encontradas em qualquer sangue humano e aqui é diminuída na substância celular através da transpiração de ácidos fosfóricos (razão pela qual todos os Negros fedem), causa a pretidão [Schwärze] que transparece na epiderme […] Aliás, o calor úmido é favorecedor do forte crescimento dos animais em geral, e breve, surge o Negro, que está bem adaptado ao seu clima, a saber, é forte, corpulento, ágil; mas, que, ao abrigo do rico suprimento alimentar da sua terra natal, [também] é indolente, mole e desocupado”377

Série 2, v. 5, n. 5, p. 10 - 26, número especial, jul.- dez., 2010. p. 13. 376 KANT, I. Da Diferentes Raças Humanas (tradução e notas de Alexandre Hanh). In: Kant e-Prints. Campinas, Série 2, v. 5, n. 5, p. 10 - 26, número especial, jul.- dez., 2010. p. 18. 377 KANT, I. Das Diferentes Raças Humanas (tradução e notas de Alexandre Hanh). In: Kant e-Prints. Campinas, Série 2, v. 5, n. 5, p. 10 - 26, número especial, jul.- dez., 2010. p. 20-1. 213

A ideia pseudocientífica de Kant de que os negros fedem revela uma mistura de preconceito cultural com má observação fisiológica da característica dos africanos, a qual ocorrera por segunda mão, uma vez que nem Kant viajou à África e tampouco se tem notícia de que ele tenha conhecido um africano sequer em sua vida. Ora, além disso, Kant também hierarquiza desde 1775 as raças humanas de maneira deliberada e nada justificada: “gênero fundamental [Stammgattung]: Brancos de cor morena. Primeira raça: Louro puro (Europa setentrional) do frio úmido. Segunda raça: Vermelho-cobre (América) do frio seco. Terceira raça: Preto (Senegâmbia) do calor úmido. Quarta raça: Amarelo-oliva (Indianos) do calor seco.”378 O próprio Kant chega a reconhecer que o critério é aleatório ao afirmar no mesmo texto que não tem explicação sobre o por quê de em climas parecidos ao redor do mundo não se encontrar a mesma raça. Ele entrega como explicação parcial a ideia de que o caráter da raça, mesmo sob o mesmo clima que outras, conserva sua força procriadora que impede a degeneração. De fato, o que temos neste texto de 1775 é uma tentativa de organizar um conhecimento de mundo que congregue aspectos geográficos e antropológicos, de maneira que os critérios de observação tenham de convergir segundo aqueles; ou seja, a inserção de Kant no debate em história natural possui uma série de critérios bem mais especulativos em seus desdobramentos do que propriamente descritivos. Isto mostra a concernência de Robert Bernasconi em mostrar que a maneira como Kant formula a ideia de raça é bem mais criativa e, por conseguinte, inadequada à realidade, do que propriamente observacional. A partir daqui Kant tenta aparar as arestas de sua teoria racial de maneira a torná-la mais crível cientificamente, mas não abandona a hierarquização. Ora, primeiro, o conceito de raça não se vincula à psicologia empírica, cujo o conteúdo nuclear e fundamentador vai sendo afastado da disciplina antropológica ao longo do tempo (também confirmado na KrV, A 848 / B 876). Segundo, tal conceito entra como um dos fundamentos da disciplina antropológica que na KrV é mostrada como a disciplina da aplicação da ética. Isto posto, nas lições de antropologia que nos restaram da década de 1770, o conceito de raça aparece como ponto observável de características da humanidade. Entretanto, apesar de Kant cravar tal conceito como uma das características da diversidade humana, ele também admitiu, na Antropologia anotada por Pillau, o grande problema em estabelecer um conceito seguro de natureza humana. Caráter da espécie humana ou o conceito de natureza humana em geral. Há muitas dificuldades com este problema. Que ele apareça em diferentes momentos não mostra como os seres humanos são constituídos, mas apenas como eles se constituem no tempo e sob certas circunstâncias. Elas não nos permitem conhecer que tipos de germes habitam nos recônditos da alma humana. - A predisposição à

378 KANT, I. Das Diferentes Raças Humanas (tradução e notas de Alexandre Hanh). In: Kant e-Prints. Campinas, Série 2, v. 5, n. 5, p. 10 - 26, número especial, jul.- dez., 2010. p. 24-5. 214

moralidade que habita a natureza é descoberta por nós por meio da educação, mas não podemos saber se uma melhor educação pode ser pensada, por meio da qual as predisposições à moralidade podem se revelar ainda melhores. […] A partir de várias circunstâncias, no entanto, nós podemos descobrir certas predisposições de tempos em tempos e inferir a partir delas qual a finalidade da humanidade, segundo a natureza.379

Ora, a dificuldade em encontrar um conceito seguro de natureza humana acompanhou Kant ao longo de toda a sua reflexão. Kant pensa que os animais atingem sua vocação natural na predisposição dos indivíduos, posto que não são humanos e não possuem moralidade. No entanto, os indivíduos humanos não são capazes de atingir a sua vocação, senão na espécie, isto é, apenas o todo da humanidade pode atingir tal meta. Contudo, quando tal tensão é pensada sob o ponto de vista do que Kant chama de povos selvagens o quadro muda completamente: “pode o selvagem atingir sua vocação? Não, nem mesmo a vocação de um animal.”380 Ora, os selvagens não parecem, seguindo sua própria cultura, serem capazes de liderar à vocação humana, por conta de sua falta congênita de predisposições, pois:

Nós podemos achar nações que não parecem ter progredido para a perfeição da natureza humana, mas experimentam uma estagnação, enquanto outras, tal como na Europa, estão em constante progresso. Se os europeus não tivessem descoberto a América, os americanos teriam permanecido naquela condição. Nós acreditamos, mesmo hoje, que eles não chegarão a nenhuma perfeição, pois parece que todos serão exterminados, não por meio de assassinatos, o que seria horrível, mas, em vez disso, morrerão normalmente. Pois calcula-se que apenas uma vigésima parte de todos os americanos ainda vivem lá, por conta de ter restado apenas uma pequena parte, enquanto os Europeus levam muita vantagem; lá crescerão disputas internas entre eles, estando todos em atrito uns com os outros.381

A visão de Kant, neste momento, acerca do progresso da civilização apenas inclui europeus, uma vez que indígenas e negros não possuem predisposição alguma para o progresso.382 Ele sugere, desse modo, que por conta da animosidade de indígenas entre si e da falta de disposição do negro para qualquer coisa humana, senão da disciplina para o trabalho braçal, os europeus vão liderar o progresso humano e serão de fato o baluarte da espécie. Tais reflexões foram desenvolvidas por Kant em sala de aula em 1777-8, ou seja, ao mesmo tempo que promovia a revolução copernicana e pensava em uma só crítica que compusesse uma parte teórica e outra prática, tendo, nesta última, a pragmática como segmento. Ao longo da década de 1780 poder-se-ia pensar que por conta de erigir uma filosofia moral de caráter universalista amalgamada no imperativo categórico, na autonomia e na liberdade, deveríamos pensar que Kant,

379 KANT, AA XXV, s 838. 380 “Der Wilde erreicht der seine Bestimmung? Nein, já nicht einmahl die Bestimmung eines Thiers.” KANT, AA XXV, s 839. 381 KANT, AA XXV, s 840. 382 KANT, AA XXV, s 843. 215 por obviedade, mudaria de opinião em relação a ideia de que alguns povos não são capazes de progresso, apesar de a humanidade partilhar um tronco comum. No entanto, a antropologia anotada por Menschenkunde nos mostra que apesar da ideia de que não há poligênese na origem da humanidade,383 não significa que todos os humanos podem ser igualados: 1) Os americanos não adquirem cultura alguma. Eles não possuem nenhum incetivo, pois faltam-lhes afeto e paixão. Eles nunca amam, por isso não são férteis. Eles raramente falam, tampouco se acariciam, também não ligam para nada e são preguiçosos, pintam seus rostos de uma maneira feia. 2) A raça negra, pode se dizer, é o exato oposto do americano; eles são cheios de afeto e paixão, muito vivazes, falantes e vaidosos. Eles conseguem adquirir cultura, mas somente cultura escrava; isto é, eles se permitem ser treinados. Eles têm muitos incentivos, são também muito sensíveis, têm medo das chicotadas e fazem muitas coisas desonradas. 3) É verdade que os Hindus possuem incentivos, mas ele têm um forte grau de compostura e todos eles parecem filósofos. Apesar disso, no entanto, eles são muito inclinados à raiva e ao amor. Como resultado, eles adquirem cultura no mais alto grau, mas somente nas artes, e não em ciências. […] 4) A raça dos brancos possuem todos os incentivos e talentos em si.384

Ora, temos aqui uma escala de níveis diferentes da humanidade em que os dois primeiros pontos, são incapazes de cosmopolitismo, apesar de descenderem do mesmo tronco que os europeus brancos, os quais possuem todos os incentivos e talentos que a humanidade é capaz de erigir para si. É flagrante nesta passagem a tensão entre a natureza humana, como predisposição ao progresso, e a ciência antropológica, como conhecimento de mundo que deve levar a cabo a vocação humana. Negros apenas adquirem cultura escrava e índios são incapazes de cultura; tal pensamento racista e colonial vem, possivelmente, das informações de Kant acerca da escravidão na América e da bravura indígena em resistir ao processo de colonização perpetrado pelos brancos europeus. Ao longo da década de 1780, nas lições de antropologia, encontramos uma série de passagens que corroboram tanto a ideia de raça ligada à cor da pele quanto a visão sobre inaptidão de negros e índios a atingir a vocação humana.385 Na Idee, de 1784, ele formula pela primeira vez em texto publicado o conceito de

383 “So kann auch ein Menschenstamm die ganze Erde bevölkert haben, und gelegentliche Ursachen Konnten die Menschen berändern. Alle Arten von Menschen sind, wenn sie sich begattet haben, mit einer andern Race fruchtbar. Dies macht uns auch glaublich, dass sie einem Stamme herkommen. KANT, AA XXV, s 1187. 384 “1) Das Volk der Amerikaner nimmt keine Bildung an. Es hat keine Triebfeder; denn es fehlen ihm Affect und Leidenschaft. Sie sind nicht verliebt, daher sind sie auch nicht fruchtbar. Sie sprechen fast gar nichts, leibkosen einander nicht, sorgen auch für nichts, und sind faul sie schmincken sich ins hässliche. 2) Die Race der Neger, könnte man sagen, ist ganz der Gegentheil von den Amerikanern; sie sind voll Affekt und Leidenschaft, sehr lebhaft, schwartzhaft und eitel. Sie nehmen Bildung an, aber nur eine Bildung der Knechte, d.h. sie lassen sich abrichten. Sie haben viele Triebfedern, sind auch empfindlich, ff¨rchten sich vor Schlägen und thun auch viel aus Ehre. 3) Die Hindus haben zwar Triebfedern, aber si haben einen starken Grad von Gelassenheit, und sehen alle wie Philosophen aus. Demohngeachtet sind sie doch Zorne und zur Liebe sehr geneigt. Sie nehmen daher Bildung im höchsten Grade an, aber nur zu Künstern und nicht zu Wissenchaften […] 4) Die Racen der Wissen enthält alle Triebfedern und Talente in sich.” KANT, AA XXV, s.1187. 385 KANT, AA XXV, s. 1188, 1301 e etc. 216 cosmopolitismo; o conceito que simboliza a força de movimento cosmopolita ali é o de Providência. Kant, com isso, propõe que a história se dá de maneira progressiva e que os homens estão constante estado de insociável sociabilidade, um antagonismo que ajuda providencialmente a juntarem-se em um estado jurídico de preservação mútua da vida. Kant, gaiatamente, achava que os homens, em toda a sua imbecilidade, ilusão, visão política turva e etc., contribuíam cegamente para promover as intenções da natureza. Ora, ele pensava não ser possível os homens por si mesmos construírem a história com um plano próprio e, por conta disso, e por sorte divina, contam com a providência divina para cegamente os guiar ao consenso jurídico na forma do Estado, que deve conter em si a solução de todos os antagonismos. No entanto, tais antagonismos são impossíveis de sanar de modo absoluto, uma vez que conduzem os homens ao progresso, de maneira que é necessário que os estados, enquanto representante dos seus povos, entrem em uma liga de povos, ou federação de nações para garantirem paz e tranquilidade, sem perder o antagonismo; um cosmopolitismo como fundamento social. Entretanto, esta ordem jurídica lança a pedra de toque que servirá como fundamento ao longo da reflexão de Kant sobre as raças, a saber, a saída do estado selvagem de injustiça para o estado jurídico cosmopolita. Para Kant, o estado selvagem é injusto e, no fim de contas, desumano, posto que não permite aos homens desenvolverem sua vocação. Ora, os textos sobre raça que se seguem à Idee mostram um autor preocupado em estabelecer uma distância cultural entre o branco europeu e os ditos povos não civilizados. A Determinação do Conceito de uma Raça Humana, texto publicado em 1785 pela Berlinische Monatschrift, é o contraponto da Idee. Assim, Kant define raça da seguinte maneira em 1785: “portanto, o conceito de uma raça é: a diferença de classe dos animais de um mesmo tronco, na medida em que ela é infalivelmente hereditária.”386 Ele mostra critérios geográficos para viabilizar a sua teoria das quatro raças originárias e suas degenerações. Kant acreditava que a influência do ar e do sol era capaz de conceber a variação racial e para entender como isso se dá ele propõe a observação de, por exemplo, negros que viviam na Europa há muitas gerações. Ele usa como contraponto o abade francês Jean-Baptiste Demanet, autor da Nouvelle Histoire de l'Afrique Françoise; Damanet, segundo Kant, se intitula o único que pode tratar da negritude dos africanos por ter vivido muito tempo na África. No entanto, para o experimento proposto por Kant seria necessário entender primeiramente a degeneração para posteriormente compreender a raiz comum da humanidade. O missionário Demanet enxerga a si mesmo como se fosse o único apto a julgar corretamente acerca da pretidão dos negros, já que se deteve na Senegâmbia por

386 KANT. I. Determinação do conceito de uma raça humana (tradução de Alexandre Hahn). In: Kant e‐ Prints. Campinas, Série 2, v. 7, n. 2, p. 28‐‐ 45, jul. dez., 2012. p. 38. 217

algum tempo, e nega a seus conterrâneos, os franceses, qualquer juízo acerca desse assunto. Eu, em contrapartida, afirmo que na França se é capaz de julgar muito mais acertadamente sobre a cor dos negros que lá permaneceram por longo tempo, melhor ainda sobre a daqueles que lá nasceram, na medida em que se quer determinar a partir disso a diferença de classe dos mesmos em relação aos outros homens, do que na própria terra natal dos pretos. Pois, isso que na África o sol imprimiu na pele do negro, e que, portanto, é nele apenas acidental, tem de se omitir na França e restar apenas a pretidão a ele atribuída pelo seu nascimento que ele transmite adiante, e que apenas por isso pode ser utilizada para uma diferença de classe.387

O problema, contudo, não está em suas proposições de apenas um tronco da raça humana, mas no não reconhecimento de como tais humanos podem contribuir ao cosmopolitismo. O diferencial, no entanto, é o avanço de Kant no que concerne ao tema da hereditariedade dos caracteres das raças e de como os brancos possuem um certo privilégio racial em relação às outras três.388 Kant está se referindo à qualidade da cor da pele, a qual, apesar de não comprovada, foi admitida pelo autor, a fim de propor que elas são as únicas qualidades que realmente permanecem hereditárias, pois “negros, indianos ou americanos também têm suas diferenças pessoais, familiares ou provinciais; mas nenhum dos mesmos transmitirá e reproduzirá infalivelmente sua respectiva peculiaridade na procriação mista com aqueles que pertencem à mesma classe.”389 No entanto, apesar desta especialidade da raça branca, Kant reforça a ideia de que apenas podemos considerar haver quatro raças, de fato, devido à hereditariedade do caráter. Ele não está falando, exatamente, de um caráter que é predominantemente moral, mas sim de uma forma de fisiologia que determina as diferenças na assimilação de cultura. Mais precisamente, a cultura é algo diverso da raça, mas apenas a raça branca conseguiu se impor sob um ponto de vista cosmopolita o que a viabiliza como guia moral da humanidade. A Idee e a Determinação possuem um parentesco na medida em que aquilo que pode ser balizado como um propósito cosmopolita acompanha, inevitavelmente, uma determinação da natureza conforme a fins: O ser conforme a fins [das Zweckmäßige] em uma organização é o fundamento geral a partir do qual nós inferimos uma preparação originariamente disposta na natureza de uma criatura com esse propósito e, se esse fim devia ser atingido apenas mais tarde, germes inatos. Ora, na peculiaridade de nenhuma raça esse ser conforme a fins é possível de demonstrar tão claramente quanto é na raça negra […] Ora, o forte odor dos negros, que não pode ser remediado mediante qualquer

387 KANT. I. Determinação do conceito de uma raça humana (tradução de Alexandre Hahn). In: Kant e‐ Prints. Campinas, Série 2, v. 7, n. 2, p. 28‐‐ 45, jul. dez., 2012. p. 29-30. 388 “Entre nós brancos há muitas qualidades hereditárias, que não pertencem ao caráter da espécie, pelas quais se diferenciam famílias e mesmo povos uns dos outros; porém, nem mesmo uma única delas é infalivelmente assimilada; mas, apenas aqueles que estão comprometidos com essas qualidades geram, com outros da classe dos brancos, crianças que carecem dessa qualidade diferenciadora.” KANT. I. Determinação do conceito de uma raça humana (tradução de Alexandre Hahn). In: Kant e‐ Prints. Campinas, Série 2, v. 7, n. 2, p. 28‐‐ 45, jul. dez., 2012. p. 32. 389 KANT. I. Determinação do conceito de uma raça humana (tradução de Alexandre Hahn). In: Kant e‐ Prints. Campinas, Série 2, v. 7, n. 2, p. 28‐‐ 45, jul. dez., 2012. p. 32. 218

tipo de depuração, já dá ensejo para supor que a sua pele elimina uma grande quantidade de flogisto390 do sangue.391

Seja qual for o conceito que, ainda com um desígnio metafísico, se possa ter da liberdade da vontade, as suas manifestações, as ações humanas, como todos os outros eventos naturais, são determinadas de acordo com as leis gerais da natureza […] A natureza nada faz em vão e não é perdulária no emprego dos meios para os seus fins. Que tenha dotado o homem de razão e da liberdade da vontade, que nela se funda, era já um indício claro da sua intenção no tocante ao seu equipamento. Ele não deveria ser dirigido pelo instinto ou ser objeto de cuidado e ensinado mediante conhecimentos adquiridos; deveria, pelo contrário, extrair tudo de si mesmo. […] No curso dos afazeres humanos há, de facto, um exército inteiro de dificuldades que aguardam o homem. Parece, pois, que à natureza não lhe interessava que ele vivesse bem, mas que se desenvolvesse até ao ponto de, pelo seu comportamento, se tomar digno da vida e do bem-estar.392

A ideia de raça está associada a uma perspectiva sistemática, cujo principal paradigma é o propósito da natureza. Tal texto, inclusive, passou desapercebido pela maioria dos comentadores de Kant que usam outros textos publicados na Berlinische Monatschrift como, de fato, críticos;393 a Determinação foi considerado um texto de caráter bem mais pré-crítico, por conta da sua semelhança de temas com as Observações a qual também possui uma seção sobre o caráter da humanidade. Tanto a Diferença, apesar de sua data, quanto a Determinação são textos de caráter crítico, visto sua contribuição ao sistema de propósitos proposto por Kant no cerne da crítica.

390 O tradutor explica em nota que: “A teoria do flogisto, desenvolvida pelo químico e médico alemão Georg Ernst Stahl (1659-1734), sustentava que os corpos orgânicos e os metais possuem uma matéria chamada flogisto (que significa inflamável), que é liberada no ar durante os processos de combustão ou de calcinação. A teoria de Stahl foi amplamente aceita pela comunidade científica da sua época, pois permitia explicar vários fenômenos, como, por exemplo, a diminuição da massa de um corpo ao ser queimado, a impossibilidade de um combustível queimar sem a presença de ar, e o fim de uma combustão, etc. O primeiro fenômeno poderia ser explicado como ocorrendo devido à perda de flogisto; o segundo porque o ar é indispensável para a absorção do flogisto liberado na queima; e o terceiro em virtude da saturação do ar com flogisto.” KANT. I. Determinação do conceito de uma raça humana (tradução de Alexandre Hahn). In: Kant e‐ Prints. Campinas, Série 2, v. 7, n. 2, p. 28‐‐ 45, jul. dez., 2012. p. 41. 391 KANT. I. Determinação do conceito de uma raça humana (tradução de Alexandre Hahn). In: Kant e‐ Prints. Campinas, Série 2, v. 7, n. 2, p. 28‐‐ 45, jul. dez., 2012. p. 41. 392 KANT, I. Ideia de uma história universal de um ponto de vista cosmopolita (tradução de Artur Morão). Lisboa: Lusosofia. ps. 3-5-7. 393 “Kant’s 1785 article, Determination of the Concept of a Human Race (Bestimmung des Begriffs einer Menschenrace), first appeared in the Berlinische Monatsschrift, a leading liberal journal of the German Enlightenment (Aufklärung) published between 1783 and 1811. This is also the journal that must have been particularly favorable to the dissemination of the leading ideas of the critical philosophy, for Kant published no fewer than sixteen articles in this prestigious Berlin periodical between 1784 and 1797, including many of his most important article-length contributions from the 1780s. For example, in the years prior to and following the publication of this article, there appeared in the same journal no fewer than four of Kant’s most well-known articles —including, in 1784, Idea for a World History from a Cosmopolitan Point of View and An Answer to the Question: What is Enlightenment? and, in 1786, Conjectural Beginning of Human History and What Does it Mean to Orient Oneself in Thinking” But, as noted, Kant also chose this journal for significant article-length contributions to the further development of the critical philosophy in the 1790s—such as, in 1791, On the Miscarriage of all Philosophical Trials in Theodicy, in 1792, Concerning Radical Evil in Human Nature (republished as the first part of Religion within the Limits of Reason Alone the following year), in 1793, On the Proverb: That May be True in Theory But is of No Practical Use, and, in 1794, The End of All Things.” Jon M. Mikkelsen (ed.). Kant and the Concept of Race: Late Eighteenth-Century Writings. SUNY Press: Albany, 2013. p. 125. 219

Ora, Kant possui na década de 1780 um conceito de raça muito tênue, entre natureza e liberdade, às vezes irrefletido outras vezes proposital. O fundamento da natureza no homem parece comandar aqui, de maneira que as raças são o resultado do atordoamento humano em tempos remotos; tal atordoamento possibilitou o êxodo, segundo Kant, da espécie humana ao longo de toda terra e os climas ajudaram a diferenciá-las em tipos diferentes dentro da humanidade. A raça, com isso, está, completamente, integrada em um sistema de propósitos, sendo, pois, um dos pontos de partida da ideia de Kant sobre cosmopolitismo. Isto sugeriria que Kant não está tão preocupado com os inícios dos eventos tanto históricos quanto racionais, mas apenas com seus princípios. Entretanto, o desdobramento de sua filosofia posterior à primeira crítica sugere um duplo movimento do filósofo. Se, por um lado, destaca-se um Kant universalista em busca de propósitos e reconhecidamente um fundamentador de uma nova fórmula da moralidade, por outro lado, temos um autor que se preocupa em diferenciar a humanidade em tipos raciais específicos, em que alguns, em alguma medida, são inferiores à raça branca. Esta diferenciação fundamentada em um sistema de propósitos não desdiz, em nenhum momento, uma das bases que torna o seu discurso crítico, verdadeiramente, universal, a saber, ele trata da mesma espécie, não importando sua cor; também não importa como a hibridação se dá na prole, é impossível chegar a primeira cor da pele do primeiro casal.394 A sistematicidade da teoria kantiana da raça, principalmente, após a publicação do texto da Determinação, comunga com os pontos expostos em 1775, de maneira que o: O debate entre a comunidade escolar sobre a significação deste interesse durante o período no qual o ponto de vista da filosofia crítica estava começando a emergir plenamente – Isto é, por volta de 1785, ano no qual Kant publicou as duas resenhas sobre Herder, a Idee e a GMS e também o artigo traduzido aqui (Determinação); por meio da publicação da última crítica, KU (1790) – continua, contudo, a sugestão de alguns comentadores que este interesse contínuo é um indicativo de uma agenda racista no coração da filosofia crítica.395

394 “Por isso, não se pode admitir que uma mistura de diferentes raças, conforme certa proporção, possa ainda hoje restabelecer a feição do tronco humano. Pois, do contrário, os mestiços, que são gerados dessa copulação desigual, se decomporiam ainda hoje (como outrora o tronco primitivo) espontaneamente nas suas procriações, quando transplantados em diferentes climas, voltando às suas cores originais; o que não se está autorizado a presumir através de qualquer experiência anterior, porque todas essas gerações de bastardos preservam-se, em sua própria proliferação ulterior, tão persistentemente quanto as raças, de cuja mistura eles se originaram. Portanto, é impossível hoje adivinhar como pode ter sido constituída a feição do primitivo tronco humano (segundo a qualidade da pele); mesmo o caráter dos brancos é apenas o desenvolvimento de uma das predisposições originárias, que deviam ser encontradas junto das restantes naquele tronco.” KANT. I. Determinação do conceito de uma raça humana (tradução de Alexandre Hahn). In: Kant e‐ Prints. Campinas, Série 2, v. 7, n. 2, p. 28‐‐ 45, jul. dez., 2012. p. 44-5. 395 “Debate within the scholarly community over the significance of this interest during the period in which the viewpoint of the critical philosophy is beginning to emerge fully—that is, from around 1785, the year in which Kant published both the reviews of Herder’s Ideen and the Groundwork as well as the article translated below (Determination) through the publication of the final critique, the Critique of the Power of Judgment, in 1790— continues, however, with some scholars suggesting that this continued interest is indicative of a racist agenda at the very “core” of the critical philosophy.” Jon M. Mikkelsen (ed.). Kant and the Concept of Race: Late Eighteenth- Century Writings. SUNY Press: Albany, 2013. ps. 127-8. 220

A Determinação contou com um maior rigor por parte de Kant acerca das suas teorias em história natural; ele cita uma série de pesquisadores, além das influências de Buffon e Lineu, que já apareciam em 1775/7. Isto ocorreu por conta de que seus textos sobre história natural também passaram a ser lidos por pesquisadores da área que, por conseguinte, também se dignaram a endossar ou criticar os trabalhos de Kant. O principal endossamento pode ser apontado a Blumenbach, que colocou em diante o conceito kantiano de raça associado à cor da pele. Quanto às críticas, a mais severa se deu por parte de Johann Georg Foster (1754–1794), naturalista alemão que viajou ao longo dos anos de 1772 a 1775 com seu pai a bordo do navio do capitão James Cook em sua segunda viagem pelo pacífico. Johann Reinhold Foster (1729–1798), o pai de Foster, não se entendeu com o capitão Cook e com o conde de Sanduíche sobre o texto que deveria ser o relato oficial da viagem. Georg Foster escreveu um relato não oficial baseado nos diários de seu pai e em sua própria experiência: A Voyage Round the World in His Britannic Majesty’s Sloop, Resolution, Commanded by Capt. James Cook, during the Years 1772, 1773, 1774 and 1775. Aproveitando-se de sua fama, Foster contesta os resultados de Kant publicados na Determinação, respondendo-o no que diz respeito, principalmente, à teoria racial. Foster contesta Kant e suas fontes que visitaram terras distantes, argumentando que por conta de Kant não ter tido a experiência necessária para ser um naturalista, ele faz, muitas vezes, os dados colhidos das observações alheias trabalharem em vista de seus princípios. Segundo Gray396 o texto de Foster em resposta a Kant, Still More about the Human Race,397 aparece para mostrar que Kant não poderia tratar de raças como propõe, pois a ciência antropológica que queria erigir, para Foster, não pode ter o mesmo método da filosofia transcendental (lembremos que estamos aqui na metade da década de 1780).398

396 “Forster, not surprisingly, disputed both Carteret's account and Kant's interpretation of it in Still More about the Human Races, pointing out that Carteret only visited a few of the western islands of the South Pacific. In the end, Forster argues that Kant's concepts of Keime (seeds or germs) and inevitably inherited characteristics are mere fantasy and that his resulting concepts of natural history and the origin of life is unsupportable. Forster accuses Kant, in short, of selecting data which better supports his theoretical system rather than taking all the data available and realizing that it does not actually show any clear definitions of race. Forster believes that Kant is not using deductive reasoning, and his method, then, is no longer appropriately empirical.” GRAY, S. H. Kant’s Race Theory, Foster’s Counter and the Metaphysics of Color. In: The Eighteenth Century, Vol. 53, No. 4 (WINTER 2012), p. 403. 397 FOSTER, G. Still More about the Human Race. In: MIKKELSEN, J. M.(ed.). Kant and the Concept of Race: Late Eighteenth-Century Writings. SUNY Press: Albany, 2013. ps. 127-8. 398 “Consequently, even if thesis [Satz], “for we find in experience what we need only when we know beforehand that we should be looking for” (Berlinische Monatsschrift, November 1785, 390), were also to have its unassailed soundness, a certain caution might, nevertheless, be needed in the employment of this in order to avoid the most common of all illusions, namely, that we, in the appointed search for that which we need, often also believe found it there, where it does not really exist […] The inhabitants of most of the islands of the Pacific Ocean and the rest of the South Sea are not only of light brown [hellbrauner] 221

Foster pensava que Kant, apesar de conhecer fontes com informações contraditórias, preferia usar, tal como na sua filosofia transcendental, aquelas, que assentavam no seu princípio arbitrário das quatro raças. O método da história natural, desse modo, não poderia ter os mesmos parâmetros do método transcendental, uma vez que a empiria, neste contexto, precisa preceder a teoria. O que não significa que, após observações acuradas, não se possa erigir uma teoria de princípios. Obviamente, Kant ainda não havia ainda trazido ao seu público leitor o conceito de pragmática, já formulado neste momento, o que acarretou que as críticas de Foster eram consequentes ao tipo de filosofia que Kant havia apresentado publicamente naquele momento. A observação contém, de saída, um método, mas este último, em contrapartida, têm de adaptar-se ao objeto observado ou mesmo ser descartado caso não sirva; o método conhecido pelo grande público leitor de Kant era o transcendental/crítico. Mas, Foster, por sua vez, concordava com a teoria de Kant de que o clima é capaz de moldar os fenótipos humanos, principalmente. 399 Essa resposta tinha como pretensão mostrar que todos os seres humanos, de diferentes tonalidades de pele, possuem um tronco comum, assim como também pensava Kant, mas sem dar qualquer margem para o tratamento ignominioso dado aos negros e indígenas nos longínquos lugares visitados por Foster.

Para Foster, a ideia de que a cor da pele define a raça é um tanto quanto indecorosa, apesar de a cor da pele notada em diferentes tonalidades é a característica mais visível em uma primeira olhadela em qualquer povo que alguém possa vir a se defrontar, aos olhos dos homens da época. Ora, ao tentar entender Kant, Foster lança uma contradição metodológica na interpretação do professor de Königsberg, na medida em que “as diferenças no que concerne à cor da pele é, neste sentido, mais essencial que qualquer outra diferença; elas são mais constantes enquanto são acidentais e sujeitas a mera chance e incorpora um trato na formação da criança que advém as vezes da mãe e as vezes do pai. Isto, se não entendi errado, é a essência da disputa sobre a qual Kant

color, respectable stature, beautiful build, pleasing facial formation with curly, black hair and thick beards, but their relationship is also revealed at first sight through the uniformity of their customs and their language, which, except for small deviations, are the same eastwards up to Easter Island, southwards as far as New Zealand, and northwards up to the Sandwich Islands. On the other hand, a smaller, scrawny, black people with frizzy, wooly, hair and uglier facial features—who distinguish themselves from the light brown on account of the way they live, but especially through their totally different languages— have spread into some of the islands that lie close to the Spice Islands and inhabit New Guinea, Australia [Neuholland], New Caledonia, the Charlotte Islands, and the Hebrides. The black color has shades [Nüancen] as in Africa, and is, on some islands, as dark as in Guinea. Carteret and Bougainville describe these people [Menschen] as dark as African Negroes.” FOSTER, G. Still More about the Human Race. In: MIKKELSEN, J. M.(ed.). Kant and the Concept of Race: Late Eighteenth-Century Writings. SUNY Press: Albany, 2013. ps. 148-9. 399 “Matters are quite different with the gradual influence of the climate, which requires many generations [Generationen] before it becomes manifest and perceivable. The course of is slow but inevitable.” FOSTER, G. Still More about the Human Race. In: MIKKELSEN, J. M.(ed.). Kant and the Concept of Race: Late Eighteenth-Century Writings. SUNY Press: Albany, 2013. ps. 151. 222 fundou sua nova definição do conceito de raça.”400

Ora, o entendimento de Foster em relação a este tipo de rigidez terminológica no que diz respeito à ideia de raça desvincula a cor da pele apenas da descendência e volta-a de maneira mais forte à tese de que o clima é o maior responsável por tal mudança: “eu, de antemão, rejeito a definição acima, pois ela não é aplicável a todas as causas.”401 Apesar de absurdo aos olhos atuais, tal teoria vem em apoio à derrubada da ideia de que há apenas quatro raças cientificamente determinadas.402 Foster não rejeita as teorias kantianas, ligadas principalmente à sua geografia, por conta, muito provavelmente, de não ter uma melhor solução para explicar a diversidade humana no que concerne à fisiologia das peles; entretanto, a crítica do naturalista se dá, mais precisamente, no que diz respeito a uma, provável, contradição interna da teoria racial kantiana. Foster mostra que não há como diferenciar, de maneira quase absoluta, negros de brancos, sem, contudo, justificar também uma série de preconceitos derivados da fisiologia ligados à cor da pele; ou mesmo se a descendência possui algo de essencial por que também não deveria haver na hereditariedade de doenças físicas aparentes?403 400 “Difference in colors is in this way more essential than all other differences; it is more constant they are accidental and subject to mere chance and embody a trait in the formation of the child at times from the father and at times from the mother. This, if I have not understood incorrectly, is the essence [Inbegriff] of a contention upon which Kant has founded his new definition .” FOSTER, G. Still More about the Human Race. In: MIKKELSEN, J. M.(ed.). Kant and the Concept of Race: Late Eighteenth- Century Writings. SUNY Press: Albany, 2013. ps. 160. 401 “I already rejected this definition [Bestimmung] above because it is not applicable to all cases.” FOSTER, G. Still More about the Human Race. In: MIKKELSEN, J. M.(ed.). Kant and the Concept of Race: Late Eighteenth- Century Writings. SUNY Press: Albany, 2013. ps. 160. 402 “If we assume altogether four primary races, we have here more miraculous than in that Greek myth. FOSTER, G. Still More about the Human Race. In: MIKKELSEN, J. M.(ed.). Kant and the Concept of Race: Late Eighteenth-Century Writings. SUNY Press: Albany, 2013. ps. 162. O mito que Foster se refere é de “Leda (G.). Filha de Téstio (v.), rei da Etólia, e de Eurítemis. Em outra versão 1119/1944 da lenda Glauco, filho de Sísifo (vv.), chegou à Lacedemônia à procura de seus cavalos perdidos. Lá ele se uniu com Pantídia, que em seguida se casou com Téstio, já grávida, e deu à luz Leda, considerada por isso filha deste último. Quando Tíndaro, depois de ser expulso da Lacedemônia por Hipocoon (vv.) e seus filhos, procurou asilo na Etólia junto a Téstio, este o recebeu amistosamente e lhe deu sua filha Leda em casamento. Por ocasião da volta de seu marido à Lacedemônia, reposto no trono por Heraclés (v.), Leda o acompanhou e lá o casal teve três filhas – Clitemnestra, Helena e Tímandra (vv.) – e dois filhos – Cástor e Pólux (os Diôscuros, v.). Numa variante da lenda aparece uma quarta filha, chamada Febe. Desses filhos, os Diôscuros, Clitemnestra e Helena teriam sido engendrados por 1120/1944 Zeus (v.), que se unira a Leda metamorfoseado em cisne. Contava-se também que Leda era filha de Zeus e de Nêmesis (v.), e não sua amante. Nêmesis, querendo fugir às investidas amorosas de Zeus, transformou-se numa gansa, mas Zeus metamorfoseou-se em cisne e a possuiu. Depois Nêmesis pôs um ovo e o abandonou; um camponês encontrou-o e levou-o a Leda, que o guardou numa pequena arca. Quando Helena saiu do ovo, Leda, maravilhada com sua beleza, passou a dizer que ela era sua filha. Na versão mais divulgada dessa lenda a própria Leda teria sido amada por Zeus transformado em cisne e teria posto dois ovos de onde saíram dois casais de filhos: Cástor e Helena, e Pólux e Clitemnestra (numa variante os 1121/1944 quatro filhos nasceram de um único ovo).” KURY, M. G. Dicionário de Mitologia Grega e Romana. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2001. pg 233. 403 “Let me rather ask if the thought that blacks are our brothers has ever, anywhere, even once, caused the raised whip of the slave driver to be lowered? Has with the mania of a hangman and devilish joy been tormented fully convinced that the , poor, patient creatures, might be of his own blood? Human beings from one line of descent who were sharing in the unrecognized blessing of a cleansed moral philosophy do not show themselves for this reason more tolerant and more loving 223

A defesa de Foster contra o colonialismo não se dá devido ao fato de que o texto kantiano da Determinação seja diretamente um endosso de tal prática, mas, precisamente, Foster está colocando em jogo a sua experiência pessoal no testemunho do tratamento dos negros. Kant lança um texto dois anos depois, em 1788, da publicação do texto do naturalista, intitulado Sobre o uso de princípios teológicos em filosofia (ÜGTP); este texto, apesar de não ser diretamente direcionado a Foster, traz passagens do seu Something More About the Human Races com o intuito de justificar as posições do professor de Königsberg. Mikkelsen defende que Foster não influenciou o texto de Kant de 1788, posto que muitos dos conteúdos ali presentes reaparecem repaginados na KU. Gray404 discorda de Milkkesen, uma vez que é possível que Kant tenha usado a resposta a Foster como agente catalisador de sua terceira crítica e do reforço do seu sistema como um de propósitos cosmopolita. Na KU, Kant trata precisamente do livre jogo da imaginação com entendimento e razão, a fim de mostrar como é possível julgar objetos (eventos) que não necessariamente comportem juízos determinantes. A grande pretensão de Kant em KU é ter condições de possibilidade de julgar propósitos referentes a objetos vivos (organizados), de modo que, apesar de não haver segurança teórica, se possa ter segurança teleológica nos juízos. Tais juízos reflexionantes que tomam forma final na KU aparecem como paradigma de referência à teoria racial kantiana, pelo menos na Determinação, apesar de não serem usados na Anth. O ataque de Foster aos procedimentos metodológicos de Kant no que concerne à raça fez este último acelerar o advento de soluções mais sofisticadas para a antropologia, que, até 1788, ocupava um lugar de, por assim dizer, trabalho sujo da filosofia prática. Apenas no plano prático, como Kant desenvolverá na KU, a razão pode ser legisladora e, neste contexto, o plano pragmático está inserido no plano prático. Daí faz-se mister que a faculdade do juízo teleológico possua como ponto central o princípio de que, metodologicamente, deve pensar o particular como contido no universal. Ora, o enlace que liga toda a filosofia kantiana em sua metodologia formulada e apresentada na KrV, e que perpassa toda a sua reflexão, é posto como um sistema de propósitos por meio do alcance de uma sabedoria cosmopolita em que homens consigam entender-se entre si e avançar em direção ao seu toward one another. Where is the bond, however strong it might be, that can hinder the decadent [entartete] Europeans from ruling over their white fellow human beings equally as despotically as over Negroes? Was it always not rather the noble self-confidence and the resistance of those whom somebody [man] wanted to oppress that has here or there restrained the arrogance of tyrants? How, therefore, are we supposed to believe that an unprovable dogma [Lehrsatz] could be the sole support for our system of duties when has not prevented a single act of ignominy throughout all the time in which it has been accepted? No, my friend, if moralists begin from a false theory, it is truly their own fault when their edifice totters and falls completely apart like a house of cards” FOSTER, G. Still More about the Human Race. In: MIKKELSEN, J. M.(ed.). Kant and the Concept of Race: Late Eighteenth-Century Writings. SUNY Press: Albany, 2013. ps. 162. 404 “Forster, having had first-hand experience of different peoples, and believing that grouping people would have to include studies of customs andlanguage, itself a very complicated endeavor, took a position against any theory of race based on skin color. Forster appeared to win the debate, and seemed to have succeeded in muting Kant's future writings on the topic.” GRAY, S. H. Kant’s Race Theory, Foster’s Counter and the Metaphysics of Color. In: The Eighteenth Century, Vol. 53, No. 4 (WINTER 2012), p. 397. 224 perpétuo progresso. A resposta a Foster, neste contexto, é um dos motores da flexão antropológica: Mostrei algures que na metafísica a razão não pode, a seu bel-prazer, alcançar toda sua intenção pela via teórica da natureza (em vista do conhecimento de Deus) e que, portanto, lhe resta tão somente a via teleológica; de maneira que, não os fins da natureza, os quais assentam apenas em argumentos da experiência, mas um fim dado a priori de modo determinado pela razão pura prática (na ideia do Sumo Bem) deve completar o que falta à teoria insuficiente. Semelhante autorização e até mesmo necessidade de partirmos de um princípio teleológico ali onde a teoria nos abandona, eu busquei provar num pequeno ensaio sobre as raças humanas. Os dois casos, porém, contêm uma reivindicação à qual o entendimento se submete a contragosto e que pode dar suficiente pretexto a mal-entendidos.405

As críticas de Foster a Kant não surtiram efeito no concerne à invenção de um quadro conceitual novo para explicar a metodologia, mas sim para uma adequação do método às especificidades da história natural em que a observação é o ponto fulcral. Kant, com isso, lança a teleologia, a fim de responder a Foster, distinguindo entre descrição da natureza e história da natureza.406 A primeira pode ser contida em um quadro conceitual técnico-prático, contudo, a segunda precisa ser colocada como uma função moral-prática, cujo o paradigma é completar, com o trabalho racional da imaginação, aquilo que, teoricamente, na natureza consta um vácuo. A raça é um desses vácuos que não podem ser explicados somente tecnico-praticamente. Obviamente, que esta reflexão é fruto de um maior aprofundamento em KU que ainda não aparece no ÜGTP. Parece-nos que Kant entendeu a profundidade do problema que Foster jogou em seu colo, mas na resposta que ele dá a Foster minimiza-o, fazendo parecer que o naturalista apenas não

405 KANT, I. Sobre o uso de princípios teleológicos em filosofia (tradução de Márcio Pires). In: Trans/Form/Ação, Marília, v. 36, n. 1, p. 211-238, Jan./Abril, 2013. p. 215-6. 406 “Mas, no que concerne à diferença posta em dúvida, pura e simplesmente rejeitada, entre descrição da natureza e história da natureza, se sob a última se quis entender um relato dos eventos naturais até onde nenhuma razão humana alcança, por exemplo, a primeira origem das plantas e animais, tal coisa evidentemente seria, como diz o Sr. F., uma ciência para deuses que estivessem presentes à criação ou mesmo que fossem autores, e não para os homens. Todavia, apenas perseguir regressivamente a conexão de certas qualidades atuais das coisas da natureza com suas causas em época remota, que nós não inventamos, mas deduzimos das forças da natureza tal como elas agora se apresentam a nós, meramente recuar tão longe quanto no-lo permite a analogia, seria isso uma história da natureza e, na verdade, uma tal que não só é possível, mas também, por exemplo, nas teorias da terra de naturalistas metódicos (entre as quais a do famoso Lineu também encontra seu lugar) foram frequente e suficientemente tentadas, quer tenham elas alcançado muito ou pouco com isso. Também a própria conjectura do Sr. F. sobre a primeira origem dos negros não pertence à descrição da natureza, mas apenas à história da natureza. Essa diferença está posta na natureza das coisas, e através disso eu não reclamo nada de novo, mas simplesmente a cuidadosa separação de uma coisa da outra, pois elas são completamente heterogêneas e, se aquela (a descrição da natureza), em toda suntuosidade de um grande sistema, aparece como ciência, a outra (a história da natureza) apenas pode indicar fragmentos ou hipóteses vacilantes. Através dessa separação e apresentação da segunda como uma ciência própria realizável, ainda que até agora (talvez também para sempre) mais como esboço do que como obra (ciência na qual para a maioria das questões se poderia encontrar marcado um Vacat), eu espero conseguir que não se faça, com pretenso conhecimento, em proveito de uma ciência algo que, na verdade, pertence tão somente à outra, e chegar a conhecer mais seguramente a extensão dos conhecimentos reais na história da natureza (pois se possuem alguns da mesma), ao mesmo tempo, também os limites da mesma que se encontram na própria razão juntamente com os princípios, segundo os quais ela se ampliaria da melhor maneira possível.” KANT, I. Sobre o uso de princípios teleológicos em filosofia (tradução de Márcio Pires). In: Trans/Form/Ação, Marília, v. 36, n. 1, p. 211- 238, Jan./Abril, 2013. p. 219. 225 entende muito bem de metodologia em filosofia ou mesmo não sabe que, em relação a assuntos, fundamentalmente, empíricos, a observação sem um guia reflexivo é uma investigação vazia.407 A acusação de Foster a Kant é de colocar um princípio arbitrário e, mesmo identificando sua total falta de concernência com a empiria, continuar a investigação, de maneira a tentar, a todo custo, a manutenção do princípio. A visão de Foster antiescravagista deu margem para Kant reforçar as suas ideias sobre povos de difícil civilização. Isto pode ser colhido da discussão de Kant acerca da migração humana para diferentes climas e revela o mais nítido colonialismo travestido de ciência. Mais precisamente, Kant pensava que a migração de humanos do clima frio para quente era perfeitamente possível e aqueles que nasceram e foram criados em climas frios possuem maior capacidade adaptativa a qualquer clima. Já o contrário não pode ser tido como verdadeiro, isto é, “e onde indianos e negros tentaram se espalhar nas regiões nórdicas? – Aqueles que, porém, para lá são expulsos (como os negros crioulos ou os indianos sob o nome de ciganos) jamais quiseram em sua descendência dar um tipo útil, para o cultivo domiciliado da terra ou para o trabalho manual.”408 A nota de rodapé que segue a esta passagem mostra algumas das ideias mais polêmicas de Kant que beiram a defesa explícita da escravidão ao citar Sprengel, em Beiträge zur Völker – und Länderkunde, e suas ideias pró- escravidão. Kant recorre à escravidão para mostrar a suposta falta de habilidade dos negros para viver plenamente em terras outras, que não as suas. Esta última nota não é mencionada aqui como prova, porém, também não é irrelevante. Nas Contribuições do Sr. Sprengel, 5ª Parte, p. 287-292, contra o desejo de Ramsay de usar todos os escravos negros como trabalhadores livres, um perito alega que, entre os milhares de negros livres que se encontram na América ou na Inglaterra, ele não conhece nenhum exemplo de qualquer um que se dedique a uma ocupação que, propriamente, se possa chamar trabalho, pelo contrário, quando chegam à liberdade, imediatamente renunciam a um ofício fácil, que antes foram forçados a exercer como escravos, para se tornarem mascates, estalajadeiros miseráveis, serviçais livres, que vão à pesca ou à caça, numa palavra, errantes. Igualmente isso ocorre entre nós com os ciganos. O mesmo autor observa nessa ocasião que não é o clima nórdico que os torna pouco inclinados ao trabalho, pois, quando atrás do carro de seus senhores ou quando, nas mais fortes noites de inverno, precisam esperar nas frias entradas do teatro (na Inglaterra), eles preferem resistir a ter que debulhar, cavar, levar cargas etc. Disso não se deveria concluir que, além da capacidade de trabalhar, ainda haja, imediata e independentemente de

407 “Na verdade, esse homem ilustre acha precário desde o início estipular previamente um princípio pelo qual o investigador da natureza deva deixar-se conduzir, inclusive, nas pesquisas e observações e, principalmente, por um princípio tal, que dirija a observação a uma história da natureza que por aí se promove, em contraste com a simples descrição da natureza; assim como essa própria diferenciação ele acha inadmissível. No entanto, essa divergência é facilmente superada. A respeito da primeira dificuldade, é indubitavelmente certo que com o mero andar às apalpadelas pelo empírico, sem um princípio condutor segundo o qual se tem que investigar, nada conforme a fins jamais seria encontrado; pois, dispor a experiência metodicamente significa apenas observar.” KANT, I. Sobre o uso de princípios teleológicos em filosofia (tradução de Márcio Pires). In: Trans/Form/Ação, Marília, v. 36, n. 1, p. 211-238, Jan./Abril, 2013. p. 217. 408 KANT, I. Sobre o uso de princípios teleológicos em filosofia (tradução de Márcio Pires). In: Trans/Form/Ação, Marília, v. 36, n. 1, p. 211-238, Jan./Abril, 2013. p. 229. 226

toda atração, uma inclinação para a atividade (especialmente a atividade persistente, que se chama assiduidade), a qual é particularmente entretecida com certas disposições naturais e que, tanto indianos como negros, em outros climas, não tragam mais consigo e não transmitam mais desse impulso, tal como, em seu antigo país natal, eles precisavam para sua conservação e tinham recebido da natureza; e, tão pouco, que se extinguiu essa disposição interna tanto quanto a visível externamente. As necessidades extremamente diminutas naqueles países e o pouco esforço que se exige para também garanti-las não demandam grandes disposições para a atividade.409

A explícita defesa de Kant da escravidão não está colocada aqui de maneira fortuita, mas como forma de contrapor o clamor de Foster contra o tratamento vil dado aos negros. Kant, inclusive, mostra familiaridade com o assunto. O grande problema, para Kant, não era saber como determinados grupos humanos são tratados em decorrência de suas características naturais, mas somente entender até que ponto a história da natureza consegue ser rigorosa com seu objeto de estudo. Ao contrário dos outros textos publicados sobre raça, este em questão se põe como uma defesa explícita da condição inferior de grupos humanos, defesa essa fundamentada em testemunhas oculares especialmente escolhidas por Kant como, por exemplo, Antonio de Ulloa y de la Torre- Giral (1716 – 1795), general espanhol que esteve em expedição colonizadora nas Américas: Dom Ulloa […] assegura ter achado as feições características dos habitantes dessa parte do mundo, em geral, muito semelhantes […] Mas, que a sua índole natural não alcançou nenhuma adequação completa a um clima qualquer, disso deixa-se também deduzir que dificilmente pode ser indicada uma outra causa pela qual essa raça, tão frágil para o trabalho pesado, tão indiferente ao assíduo, e incapaz de toda cultura (para o que, todavia, encontra-se na proximidade exemplo e encorajamento suficientes) está ainda muito abaixo do próprio negro, o qual, contudo, ocupa o mais baixo de todos os demais níveis daquilo que nós nomeamos diferença de raças.410

As diferenças meramente fisiológicas se transformam aqui em um racismo que impossibilita negros e índios de fazerem parte, enquanto partícipes, de qualquer sistema cosmopolita de propósitos. Os fundamentos usados por Kant dizem respeito à aptidão para a cultura; ele entende por esse conceito a capacidade do uso da razão para alcançar fins cosmopolitas, isto é, a organização em um estado que coloque todos sob a proteção de leis constitucionais e que consiga minimizar os efeitos do estado de natureza, que é um estado de injustiça. O ponto central aqui diz respeito a, explicitamente, negros e índios serem culturalmente inferiorizados em vista do método de observação que Kant estava erigindo. Robert Bernasconi pensa que Kant tinha como obsessão a classificação de grupos, bem mais

409 KANT, I. Sobre o uso de princípios teleológicos em filosofia (tradução de Márcio Pires). In: Trans/Form/Ação, Marília, v. 36, n. 1, p. 211-238, Jan./Abril, 2013. p. 229. 410 KANT, I. Sobre o uso de princípios teleológicos em filosofia (tradução de Márcio Pires). In: Trans/Form/Ação, Marília, v. 36, n. 1, p. 211-238, Jan./Abril, 2013. p. 230-1. 227 do que um puro preconceito doentio.411 A história natural é a ciência da classificação dos seres vivos, no entanto a ideia de Kant aqui parece sugerir que apesar do ser humano ser fruto de um processo da natureza, ele não é, em contrapartida, completamente natural, posto que a razão é capaz de fazê-lo superar o estado de natureza para um estado, de fato, humano, uma organização pensada pela razão. O que não significa que não haja ação da providência natural para que o ser humano atinja seus desígnios; se o ser humano atinge seus objetivos, o universo também o conseguirá fazer, visto que na visão de Kant o humano é o único objeto que é fim em si mesmo. No entanto, todo esse aparato racional que promove a saída do ser humano do estado de natureza, injusto de um ponto de vista racional, em que o corpo não está protegido pelo direito (direito esse inventado pelo povo que invadiu e o impôs aos ditos povos não civilizados), não torna negros e índios seres capazes de exercê-lo. Este é o quadro conceitual do conceito kantiano de raça no coração da filosofia crítica; em meio a reflexão mais universalista possível encontramos uma particularidade acrítica na filosofia kantiana. Ora, há uma evolução que vai desde um conceito puramente fisiológico sobre a humanidade e seus tipos humanos, nos textos de 1775 e de 1785, até a tentativa de fundamentação dos princípios da raça de um ponto de vista também cultural, cujo o paradigma é a racionalidade, melhor adaptada aos brancos que a desenvolveram, segundo Kant, de forma sólida. Além das lições de antropologia nas quais Kant reformula a fisiologia racial em direção a uma fundamentação cultural, o autor deixou uma Reflexão de Antropologia (AA XV), mais precisamente, a 1520 intitulada Character der Race, que reflete de modo privado o que Kant exporia posteriormente de maneira pública, isto é, “americanos e negros não conseguem regular a si mesmos. Servem apenas como escravos.”412 Esta reflexão, segundo Erick Adickes, pode ser datada entre 1781 e 1782, ou seja, na mesma época em que Kant publicara a KrV e estava desenvolvendo as outras partes da filosofia crítica e de seu sistema filosófico. Apesar de esta afirmação não aparecer explicitamente em seus textos publicados nas revistas filosóficas de sua época, há certas afirmações de Kant que seguem a mesma linha, mas de maneira mais suave, tal qual, por exemplo, na sua discussão com seu ex-aluno Herder: Também se pode mostrar com relação aos demais membros da espécie humana que os americanos e os negros são raças de disposição espiritual inferior, mas, por outro lado, segundo notícias tão aparentes quanto as anteriores, pode-se mostrar que eles, no que concerne a sua disposição natural, devem ser estimados da mesma forma que qualquer outro habitante do mundo, consequentemente, fica à escolha do filósofo se ele aceita as diferenças naturais ou se ele quer julgar tudo segundo o

411 BERNASCONI, R. The Idea of Race. Indianapolis: Hackett, 2000.p. vii. 412 „Amerikaner und Neger können sich nicht selbst regiren. Dienen also nur zu Sclaven.“ KANT, I. Reflexionen zur Anthropologie. AA XV, Ref. 1520, s. 878. 228

princípio tout comme chez nous, através do qual todo o seu sistema erigido sobre fundamentos instáveis precisa receber a aparência de frágeis hipóteses. Nosso autor não é favorável a partição da espécie humana em raças e principalmente aquela fundada sobre a coloração hereditária, pois, provavelmente, o conceito de raça ainda não está determinado claramente para ele.413

Na década de 1790 aparece, em Kant, o que se conhece contemporaneamente como paternalismo colonialista, cujo o fundamento é propor princípios liberais travestidos de universalidade para aplacar uma nova organização social em lugares que o colonialismo destruiu a antiga sociedade vigente. Também é patente que Kant formula a ideia de juízos teleológicos para julgar as diferenças humanas, usando-os, inclusive, de modo amplo a todo ser vivo. Contudo, não faz uso explícito de tal conceito no quadro antropológico da década de 1790; Kant usa, no entanto, as ideias de realização414 e propósito pragmático415 ali, o que parece sugerir que não estava satisfeito com a teleologia aplicada em relação às raças. Portanto, o racismo é parte integrante e atuante do sistema, primeiramente, da filosofia crítica, por meio da antropologia como parte aplicada da moral, e, posteriormente, como ponto de diferença cultural, em que a raça branca seria a responsável por buscar propósitos cosmopolitas. Doravante mostraremos que tal arranjo filosófico denota uma sutil forma de colonialismo assemelhada às ações de grupos farmacêuticos que inserem doenças em determinadas regiões, a fim de testar, posteriormente, as vacinas. Contudo, por conta do desespero da população doente, celebram a chegada da vacina sem se darem conta de quem inseriu a doença.

8.3) Colonialismo e Racismo no Coração da Antropologia da Década de 1790 em diante

Aqui temos o ponto de convergência do pensamento kantiano da década de 1790, o qual se vincula à ideia de natureza humana e, por conseguinte, à composição racial desta natureza; isto é, Kant entendeu que para responder a quarta pergunta, primeiramente, deveria erigir um sistema de filosofia transcendental em aplicação pragmática, tirando daí, como efeito, um conceito mais efetivo de cosmopolitismo a ser inserido no sistema de propósitos. A diferença racial era um problema dentro do seu sistema de cosmopolitismo, tendo, pois, de incluir nele mulheres, negros e índios, de algum modo, a fim de propor um conceito de natureza humana realmente efetivo. Ora, pensamos que a desidratação do conceito de providência poderia ser o ponto de

413 KANT, I. Nota do recensor das Ideias para uma filosofia da história da humanidade de Herder (n. 4 publicada na Allgemeinen Literaturzeitung) sobre uma réplica àquela recensão publicada em fevereiro na Teutsche Merkur. In: KLEIN, J. Kant e a segunda recensão a Herder: comentário, tradução e notas. Studia Kantiana, 14 (2013), p. 208. 414 KANT, I. Para a Paz Perpétua (Bárbara Kristensen). Rianxo: Instituto Galego de Estudos de Segurança Internacional e da Paz, 2006. p 107. 415 KANT, I. Conflito das faculdades (tradução Artur Morão). Convilhã: Lusosofia, 2008. p. 85. 229 incongruência entre juízos teleológicos aplicados a seres vivos (natureza) e sua aplicação no homem (ser livre); o que especificamente aparecem são juízos sintéticos a priori jurídicos, que devem poder basear as finalidades humanas no direito em sua consecução política. Kant parece desvincular de maneira sutil a natureza humana mediada pela liberdade da fisiologia humana, a qual estaria sujeita a juízos teleológicos por sua vinculação à natureza. Com isso, nos anos de 1790, Kant não publica obras novas que tratam sobre o caráter racial abordado de maneira fisiológica e cultural, procurando expor que a diferença entre os povos, doravante de maneira pragmática, não deve interferir em suas destinações, segundo propósitos cosmopolitas. No entanto, como era de costume, Kant nunca falou nenhuma palavra contrária ou negou a sua hierarquização racial. Como vimos acima, Pauline Kleingeld defende que Kant muda seu pensamento acerca das diferenciações raciais na década de 1790, propondo uma série de regras para resguardar um tratamento digno para negros e índios: o direito cosmopolita. No entanto, estas ideias de Kleingeld são uma sutil versão colonialista sobre o modo de vida dos povos que tiveram seu território invadido e saqueado. Compreendamos, por meio das palavras de Kant: Se se compara a conduta não-hospitaleira dos Estados civilizados de nosso continente, particularmente dos comerciantes, produz espanto a injustiça que colocam de manifesto na visita a países e povos estrangeiros (para eles, significa o mesmo que conquistá-los). América, os países negros, as ilhas das especiarias, o Cabo, etc., eram para eles, ao descobri-los, países que não pertenciam a ninguém, pois não consideravam, em absoluto, os seus habitantes. Nas Índias Orientais (Indostão) introduziram tropas estrangeiras sob o pretexto de estabelecimentos comerciais, e com as tropas introduziram a opressão dos nativos, a incitação dos seus distintos Estados a grandes guerras, fome, rebelião, perfídia e a discurso de todos os males que afetam a humanidade.416

Será que Kant mudou seu pensamento, completamente, sobre as raças, uma vez que no texto de 1788 citara, inclusive, um ferrenho defensor da escravidão (Sprengel)? Ou talvez soube de mais informações que o fizeram rever seus posicionamentos das décadas anteriores? Em nossa perspectiva, nem um nem outro; mais precisamente, Kant não tem uma consciência do capitalismo burguês por conta de sua localização geográfica, pensamos que, em vez da economia política (que Hegel traz para o sistema), a política em Kant ainda está pouco vinculada à economia e mais ligada ao direito, de maneira que estabelecer trocas comerciais justas é uma maneira de prevalência da sabedoria e superioridade europeia, uma vez que todos teriam de cumprir, sob o véu da universalidade, uma cartilha legal para o tratamento mútuo inventada pelo invasor. Com isso, devemos entender de maneira clara a sutil distinção que pode ser vista na antropologia kantiana da década de 1790 entre igualdade jurídica e diferença cultural (diferença

416 KANT, I. Para a Paz Perpétua (tradução de Bárbara Kristensen). Rianxo: Instituto Galego de Estudos de Segurança Internacional e da Paz, 2006. p. 80. 230 antropológica). Kant em nenhum momento de sua atividade intelectual, na década aqui em vista, nivela o status da cultura de cada povo, tampouco quebra a hierarquia racial anteriormente apregoada. A igualdade jurídica passa uma falsa sensação de igualdade racial; também passa a falsa sensação de que os povos não europeus contribuem igualmente ao cosmopolitismo que guiará a humanidade em vista de sua destinação última: O pior disto tudo (ou o melhor, desde o ponto de vista de um juiz moral) é que não estão contentes com esta atuação violenta; que todas estas sociedades comerciais estão próximas à quebra; que as ilhas do açúcar, sede da escravidão mais violenta e imaginável, não oferecem nenhum autêntico benefício, mas servem indiretamente a uma finalidade, não muito recomendável precisamente, que é a formação de marinheiros para as frotas de guerra e, consequentemente, para as guerras na Europa. E tudo isto para potências que querem fazer muitas coisas desde sua piedade e pretendem considerar-se como eleitas dentro da ortodoxia, enquanto bebem a injustiça como água. Avançou-se tanto no estabelecimento de uma comunidade (mais ou menos estreita) entre os povos terrestres que, como resultado, a violação do direito em um ponto da terra repercute em todos os demais, a ideia de um Direito Cosmopolita não é uma representação fantástica nem extravagante, mas completa o código não-escrito do Direito Político e do Direito de Gentes em um Direito Público da Humanidade, sendo um complemento da paz perpétua, ao constituir-se em condição para uma contínua aproximação a ela.417

Kant entendeu, de fato, na década de 1790 que para haver uma comunidade ética universal em que as pessoas se juntem em assembleia para deliberar as suas demandas e, daí, em estados e estes em uma federação, seria necessário primeiramente um direito que abarcasse todos os seres humanos. No entanto, o texto da ZeF mostra que é mais sensato (barato) aos olhos de uma antropologia universal solucionar “conflitos comerciais e fundiários” por meio do direito cosmopolita do que por meio do chicote. Ora, o ponto de Kant para a efetivação da antropologia como ciência última responsável por construir uma comunidade ética entre homens e estados, significa uma universalização da humanidade sob um ponto de vista europeu cujos conceitos fundamentais e seu exercício beneficiavam aqueles melhores adaptados às regulações sociais. Também há de se notar que o pensamento de Kant acerca da escravidão é ambíguo, uma vez que não fica, evidentemente, definido se ele está condenando a escravidão ou apenas a falta de legislação sobre ela.418 Kant queria uma sociedade sob a determinação de uma legislação universal e cosmopolita, mas isso não significa que o escravo pode ser, plenamente, sujeito de direitos; o autor

417 KANT, I. Para a Paz Perpétua (tradução de Bárbara Kristensen). Rianxo: Instituto Galego de Estudos de Segurança Internacional e da Paz, 2006. p. 81-2. 418 Segundo Robert Bernasconi, “Kant’s silence on the slave trade in Africans cannot be explained by the fact that German involvement in that trade was less than that of a number of other European countries. Even though Germany was not as intimately involved with the slave trade as some of the other European countries, especially England, Kant was well aware of the intense debate over slavery. Many of the more recent contributions to the travel literature with which he was familiar participated in the debate on one side or the other.” BERNASCONI, R. Kant as an unfamiliar source of racism. In: LOTT, T.; WARD, J. Philosophers on race: Critical essays. Oxford: Blacwell, 2002; p. 150. 231 estava mais preocupado como alguém em situação de submissão contratual pode ser tratado, tal como fica claro no § 30 da MS: O criado pertence então ao seu chefe de família e, no que diz respeito à forma (ao estado de posse), pertence-lhe certamente como que por um direito real; pois, quando este lhe escapa, o chefe de família pode, por arbítrio unilateral, trazê-lo para o seu poder. No que se refere à matéria, porém, isto é, ao uso que ele pode fazer desses membros de sua associação doméstica, nunca pode comportar-se como seu proprietário (dominus servi) […] Portanto, esse contrato da chefia de família com o criado não pode ser de tal índole que o uso seja abuso; e o juízo sobre isso compete não somente ao chefe de família, mas também à criadagem (que, portanto, nunca pode ser servidão). Por isso o contrato não pode ser fechado de modo vitalício, mas apenas, quando muito, por um tempo indeterminado durante o qual uma parte pode romper a ligação com outra. Os filhos, porém, são sempre livres (inclusive os de alguém que por seu delito se tornou escravo). Pois, não tendo feito ainda nada de mal, todo homem nasce livre e os custos da educação, até a sua maioridade, não podem tampouco lhe ser atribuídos, como uma dívida que tivesse de saldar. Se pudesse, o escravo teria também de educar seus filhos sem descontar- lhes os custos para isso, de modo que o possuidor do escravo, dada a incapacidade deste, o substitui em sua obrigação.419

Ora, a criadagem e, sugestiva e reflexamente, a escravidão devem estar sujeitas a um contrato, o que parece a olhos simpáticos a Kant um avanço em relação aos pontos degradantes expressados pelo autor na década anterior. Tanto ali quanto aqui, vemos o tratamento em relação aos não europeus como algo vindo de cima para baixo, isto é, a ciência e o saber europeus, de forma objetiva, conseguiam classificar certos povos como culturalmente inferiores e, ao mesmo tempo, por um ato bondoso, colocá-los como sujeitos de direitos, inclusive quando submetidos à escravidão (apesar da vazia palavra de Kant de que não se trata de filantropia, mas de direito420). Não se pode negar que Kant tenha posto como forma de um direito universal o de possuir uma outra pessoa: “vê-se portanto que também aqui, como nos títulos anteriores, existe um direito pessoal de tipo real (do senhor sobre o criado), pois se lhes pode recuperar e reclamar como o seu exterior de cada possuidor, ainda antes que se tenham investigado as razões e o direito que os induziram a escapar.”421 Bernasconi defende que Kant indiretamente corrobora para a justificação da escravidão institucional sob a aparência de legalidade jurídica.422 A imposição do direito ocidental, com sua suposta universalidade e superioridade em fazer justiça (outro conceito ocidental), é o marco do colonialismo, e, por conseguinte, do racismo de Kant, apesar de sua nova roupagem contratualista. A antropologia, como ciência, não conseguia abarcar de maneira completa o seu objeto por 419 KANT, I. Metafísica dos Costumes (tradução de Clélia Aparecida Martins). Petrópolis: Vozes, 2013. ps 88-9. 420 KANT, I. Para a Paz Perpétua (tradução de Bárbara Kristensen). Rianxo: Instituto Galego de Estudos de Segurança Internacional e da Paz, 2006. p. 79. 421 KANT, I. Metafísica dos Costumes (tradução de Clélia Aparecida Martins). Petrópolis: Vozes, 2013. ps 89. 422 BERNASCONI, R. Kant as an unfamiliar source of racism. In: LOTT, T.; WARD, J. Philosophers on race: Critical essays. Oxford: Blacwell, 2002; p. 151. 232 não ter um conceito amplo propositivo de natureza humana, mas somente um conceito hierárquico em que negros, índios e mulheres não conseguem contribuir, por suas naturezas e culturas, com o cosmopolitismo. Apesar de silenciar sobre um caráter mais profundo das raças na Anth, quatro anos depois, em 1802, vem à tona a PhG, revelando que o silêncio da década de 1790 ecoou no derradeiro Kant: “nos países quentes, os homens amadurecem mais cedo, mas não atingem a perfeição das zonas temperadas. A humanidade está em sua maior perfeição na raça dos brancos. Os índios e amarelos já têm um talento menor. Os negros estão muito mais abaixo e o mais baixo de todos é o povo americano.”423 O grande problema de trazer alguma passagem da PhG para o contexto dos anseios filosóficos de Kant é o caráter de ser este um livro terceirizado e que veio em resposta a uma edição apócrifa e não autorizada de um manual do curso de Geografia física editada por Völlner, que apareceu em 1801.424 Ora, Kant já havia autorizado a Rink um ano antes a fazer a edição do texto que viria a aparecer como PhG; sabemos, pelas palavras introdutórias ao texto, escritas pelo próprio Rink, que Kant o forneceu dois cadernos a serem editados. Werner Stark afirma que “o principal conteúdo do texto era uma combinação de dois manuscritos cronologicamente diferentes: 1 – Partes de um antigo (1757/59) plano para o curso escrito por Kant, que Adickes chama de Dictation Text [A- Rink]; e 2 – um conjunto de notas dos estudantes que assistiram a lição do ano de 1774 [B-Rink]. Nós precisamos de um grande número de adições e mudanças do editor para trazer o manuscrito à tona, especialmente no primeiro volume da edição.”425 Contudo, a passagem citada da PhG foi, segundo Stark, inserida pelo próprio Kant no caderno de 1757 dado a Rink para a edição, da qual a data é desconhecida.426 Stark trata o racismo kantiano como uma congruência e influência de suas leituras, nas quais os viajantes referem-se aos povos da América como pobres com pouca disposição a qualquer atividade; Starke, inclusive, pensa que foi Rink quem deu maior relevo as questões de hierarquia racial na PhG. Ora, não há qualquer

423 “In den heißen Ländern reift der Mensch in allen Stücken früher, erreicht aber nicht die Vollkommenheit der temperirten Zonen. Die Menschheit ist in ihrer größten Vollkommenheit in der Race der Weißen. Die gelben Indianer haben schon ein geringeres Talent. Die Neger sind weit tiefer, und am tiefsten steht ein Theil der amerikanischen Völkerschaften.” KANT, AA XXV, s. 316. 424 STARK, W. Kant's Lectures on “Physical Geography” A Brief Outline of Its Origins, Transmission, and Development: 1754–1805 (translated by Olaf Reinhardt). In: MENDIETA, E.; ELDEN, S. Reading Kant’s Geography. New York: Suny Press, 2011. ps. 70-1-2. 425 “The main substance of the text was combined from two chronologically distinct manuscripts: 1. Parts of the early (1757/59) plan of the course written by Kant, that is what Adickes called the Dictation Text [A-Rink] and 2. A set of student notes from the course of the summer of 1774 [B-Rink]. In addition, we need a large number of additions and changes by the editor to bring it up to date, especially in the first volume of the edition.” STARK, W. Kant's Lectures on “Physical Geography” A Brief Outline of Its Origins, Transmission, and Development: 1754–1805 (translated by Olaf Reinhardt). In: MENDIETA, E.; ELDEN, S. Reading Kant’s Geography. New York: Suny Press, 2011. ps. 74 426 STARK, W. Historical and Philological References on the Question of a Possible Hierarchy of Human “Races,” “Peoples,” or “Populations” in Immanuel Kant—A Supplement. (translated by Olaf Reinhardt). In: MENDIETA, E.; ELDEN, S. Reading Kant’s Geography. New York: Suny Press, 2011. 233 documento que comprova que Kant tenha dado qualquer instrução a Rink sobre como proceder em relação ao tema das raças, nem para tirar algumas afirmações ou para reforçá-las. Não se pode tratar as afirmações de Kant como simples sucedâneos de tais influências, uma vez que ele próprio teve acesso às leituras de autores tais como Foster e Montaigne, que não compunham uma hierarquia racial como forma de mostrar a superioridade europeia, além de condenarem o colonialismo. A forma como Kant trata os povos não europeus na PhG revela um colonialismo sem filtro, sem crítica (no sentido kantiano de separar para compreender) e sem uma apreciação mais aprofundada. Também é digno de nota que “não há evidência de que ele renunciou a suas visões sobre raça e sua hierarquia, embora tenha parecido modificar suas visões sobre a escravidão.” 427 Com isso, não se pode minimizar ou negar o racismo, sexismo e colonialismo de Kant com a alegação de que ou ele foi mal influenciado ou que reviu sua posição. Mark Larrimore428 mostra que Kant republicou seus ensaios sobre raças várias outras vezes na década de 1790, de maneira que seria, extremamente, contraditório mudar de posição e liberar outras vezes a publicação de ideias que não mais se concorda. O cosmopolitismo e igualitarismo moral que Kant propôs, principalmente, na década de 1780, era acompanhado de ideias racistas e misóginas, as quais contradiziam o seu universalismo. De fato, estas ideias reforçavam o seu igualitarismo, na medida em que para serem iguais há de haver esforço de todas as raças não brancas para atingir tal objetivo. Não é fortuito que o principal fator para Kant não conseguir dar um acabamento como desejado em sua antropologia deveu-se à série de preconceitos que ele epistemologizou e colocou como parte importante do seu sistema de filosofia e ele tinha consciência disso.429 Propor que deve haver um cosmopolitismo em constante 427 “There is no evidence that he did renounce his views either about the scientific character of race as such or about the hierarchy of the races, although he did appear to modify his views on the slave trade.” BERNASCONI, R. Kant's Third Thoughts on Race. In:MENDIETA, E.; ELDEN, S. Reading Kant’s Geography. New York: Suny Press, 2011. p. 248. 428 LARRIMORE, M. Antinomies of Race: Diversity and Destiny in Kant. In: Patterns of Prejudice 42:4–5 (2008), 341–63. 429 “Race in Kant is not only about physical adaptation to a climate, but also, continuing the tendency of earlier researchers like Linnaeus, about natural dispositions (AA, II, p. 431; IR, p. 10). If all racial characteristics, including natural dispositions, are as permanent as skin color, this would place severe limits on the civilizing process which some Europeans had adopted as their task or mission. Kant wrote: ‘The Negro can be disciplined and cultivated, but is never genuinely civilized. He falls of his own accord into savagery’ (AA, XV/2, p. 878). This prejudice found its way into his essay On the Use of the Teleological Principle in Philosophy, where, on the basis of Sprengel’s essay, he claimed that with the formation of the races further capacity for adaptation was lost. Africans, having adapted to a climate where nature’s bounty did not require them to work, were now no longer capable of working except when forced to do so by others. This means that whatever Kant said in his “Idea for a Universal History with a Cosmopolitan Purpose” about seeds that through unsociability develop to reveal human purposefulness (AA, VIII, pp. 21–5; PW, pp. 43–9), Africans, Native Americans, and Indians would at best remain imitators, dependent on European discipline. One might imagine that race mixing provided a way by which other races might come to share in White perfectibility, but there is no reason to suppose that Kant believed that history would bring the races together and break down the biological divisions nature had set up. Indeed, Kant insisted on the separation of races, not their fusion, just as Kant favored the separation of states over their fusion (cf. AA, VIII, p. 367; PP, p. 336).” BERNASCONI, R. Kant as an Unfamiliar Source of Racism. In: WARD, J.; LOTT, T. Philosophers on race: critical essays. Oxford: Blackwell, 2002. p. 158. 234 progresso não coloca em pé de igualdade todos aqueles que são afetados por ele, tampouco retira qualquer verticalidade da divisão racial, uma vez que o branco alemão é o grande espelho, o qual a humanidade deve buscar a imitação. Este tipo de racismo de Kant se apresenta, por vezes, mais sutil e, outras vezes, com uma feição moral e cultural forte.430 A filosofia de Kant, assim, se revela como um universalismo restrito apenas para aqueles sujeitos que podem se adequar à cultura europeia e caso seja um negro ou índio, para constarem como sujeitos cosmopolitas, necessitam, primeiramente, se civilizar. De fato, há uma incongruência entre o que Kant pensa, em geral sobre raças, sexos e povos e o que ele pensa ter de ser o caráter do indivíduo em vista da espécie. À guisa de conclusão, há, para Kant, uma diferenciação que passou praticamente desapercebida pelos comentadores, principalmente aqueles que creem que ele mudou, radicalmente, sua maneira de entender o que concebia por raça, a saber, ele, explicitamente, no caráter da espécie da Anth procura expor que deve haver uma distinção entre um estado de cultura e um estado de natureza, posto que este último é um estado de injustiça e a justiça apenas pode ser construída sob os auspícios de um direito cosmopolita e um ideal de liberdade. Ora, Kant está aqui dialogando explicitamente com Rousseau cujo principal argumento é a corrupção da bondade do homem na passagem do estado de natureza ao estado de cultura, civilizado. Kant mostra, mesmo de modo indireto, que todos os humanos, seja em sua organização por povos ou por raças, devem abandonar o estado de natureza. Com isso, a revisão da cultura indígena, por exemplo, seria uma evolução para eles, posto que não conseguem alcançar sozinhos o ganho para toda a humanidade. Ora, é muito inconsistente da parte de Kant propor um caminho de civilização por um lado na Anth e por outro lado na PhG argumentar que os índios são seres culturalmente inferiores e incapazes de cultura. Por conta disso, não parece que Kant tenha resolvido a inconsistência que se apresenta na Anth, apesar de minimizar as manifestações racistas e colonialistas tanto nesta obra quanto na ZeF. O grande problema é a sugestão dos textos sobre raça de que a liberdade não é uma condição biológica, de maneira que apesar de Kant trabalhar com a ideia de um tronco comum que fundamenta haver uma só espécie, as especifidades culturais acabam por dificultar a referência para as finalidades, isto é, o objeto tem de trabalhar para se adequar ao juízo, em vez do juízo ser melhorado para dar uma referência acurada ao objeto. Por isso, “é sempre difícil chegar a acordo

430 Segundo Bernasconi: “racism is always shifting its character, and what is racist in one context is liberating in another. Indeed it is almost certainly not the kind of issue that will ever be resolved with the same level of finality that we might attain with regards to Kant's adherence to an idea of race. In fact a major reason why I am concerned with the question of Kant's racism is to throw light on the nature of racism and not because I believe we have at our disposal a ready-made concept of racism that we can all agree to apply in this or any other case.”BERNASCONI, R. Kant's Third Thoughts on Race. In:MENDIETA, E.; ELDEN, S. Reading Kant’s Geography. New York: Suny Press, 2011. p. 254-5. 235 sobre princípios nos casos em que a razão tem um interesse duplo que se limita reciprocamente. Mas, inclusive, é difícil entender-se sobre princípios desse tipo, pois eles dizem respeito ao método de pensar antes da determinação do objeto, e as pretensões da razão, conflitantes entre si, tornam ambíguo o ponto de vista a partir do qual se tem que considerar seu objeto.”431 Esta assimetria entre método e objeto foi a grande causa para Kant não ter encontrado um ponto de equilíbrio final para fornecer de maneira mais clara ao grande público uma resposta à pergunta antropológica, pois a abstração das finalidades encontra dificuldades quanto à diferença entre as raças e povos. Ele admite tal expediente com a esperança de poder encontrar uma solução plausível quando diz que “é indubitavelmente certo que com o mero andar às apalpadelas pelo empírico, sem um princípio condutor segundo o qual se tem que investigar, nada conforme a fins jamais seria encontrado; pois, dispor a experiência metodicamente significa apenas observar.”432 O método da Anth, que aparece em público dez anos após o escrito de 1788, surpreendentemente, não traz uma solução que refine-o, senão o princípio de que todo homem deve se colocar em direção a fins pensados pela razão (branca, alemã). Sabemos que Kant estava trabalhando para adequar uma solução possível que viria à tona no OP, contudo não é possível afirmar que ele o tenha encontrado, posto o estado de fragmentação das reflexões que nos sobraram e apenas uma sugestão antropológica (como veremos no próximo capítulo). Em uma palavra, Kant não conseguiu encontrar no homem, como objeto mor da antropologia e em suas mais diversas manifestações, uma teoria da natureza humana.433 A grande parte das, hodiernamente, bizarrices que lemos em suas interpretações acerca daquilo que ele observou em sociedade podem ser compreendidas como a mais pura falta de vivência de Kant. Apesar de todo o seu nível de leitura e informação acerca do que ocorria no mundo, invejável a contemporâneos, Kant possuía um olhar, extremamente, corrompido por uma série de preconceitos sociais e misoginia aguda. A observação antropológica revela que o autor propunha a posse daquilo o qual ele não era dono, a saber, do mundo, ter o mundo e identificá-lo por meio de uma visão cômoda para a maioria dos europeus de sua época faz de Kant um aspirante a antropólogo. Não podemos acusar Kant de não fazer uma boa ciência social, uma vez que não havia ciência social alguma para comparar; ele inventou uma pragmática que tem, em certa medida, vínculo com

431 KANT, I. Sobre o uso de princípios teleológicos em filosofia (tradução de Márcio Pires). In: Trans/Form/Ação, Marília, v. 36, n. 1, p. 211-238, Jan./Abril, 2013. p. 216. 432 KANT, I. Sobre o uso de princípios teleológicos em filosofia (tradução de Márcio Pires). In: Trans/Form/Ação, Marília, v. 36, n. 1, p. 211-238, Jan./Abril, 2013. p. 217. 433 “Assim, seria preciso apenas remover as dificuldades que impedem o Sr. Foster. de aderir à minha opinião, não tanto relativamente ao princípio, mas muito antes quanto à dificuldade de adaptá-lo convenientemente a todos os casos de aplicação.” KANT, I. Sobre o uso de princípios teleológicos em filosofia (tradução de Márcio Pires). In: Trans/Form/Ação, Marília, v. 36, n. 1, p. 211-238, Jan./Abril, 2013. p. 226. 236 a ciência social que iniciou no século XIX. Entretanto, não podemos apenas olhar para o outro lado e não notarmos um comportamento racista e misógino em Kant, atribuindo tais atitudes como sinais de seu tempo, em vez de ser um sinal de uma mente formalmente excelente e socialmente limitada. O ponto é que a antropologia kantiana não atingiu os cientistas sociais do fim do século XIX por conta de uma pobre análise de campo, que fica evidente no caráter das nações na Anth, comprometendo, assim, os resultados que devem ser colhidos no projeto antropológico proposto por ele. Entretanto, Kant continuou buscando um conceito de natureza humana que resolvesse o paradoxo da ciência antropológica, de maneira que o OP seria uma obra de coroação da antropologia como ciência última do ser humano, de maneira a flexionar, de uma vez por todas, o sistema de filosofia transcendental.

Conclusão Parcial

A maneira como Kant construiu uma antropologia como projeto final esbarrou tanto em seus próprios preconceitos quanto em uma falta de método adequado para tratar da pragmática em sua observação imediata. A característica, enquanto método da antropologia, não conseguia dar conta da totalidade do objeto a qual se vinculava, isto é, o esquema hierárquico de partir da característica do indivíduo para chegar na da humanidade, passando, neste contexto, pelos sexos, povos e raças, não deu conta de formular uma referência, de fato, objetiva. Há um deficit cosmopolita claro, na visão kantiana, nos povos não europeus, nas raças, negra e indígena, e no sexo feminino, que comprometiam o conceito de propósito cosmopolita. Traçamos o percurso do método da antropologia nestes três últimos capítulos, a fim de mostrar que as nuances do pensamento de Kant tendiam, em seu projeto final, a um elemento empírico, o homem, mas somente estava bem assentada a parte teórica das condições de possibilidade de tratar do mundo. Com isso, Kant não conseguiu dar conta de acompanhar a pragmática de uma maneira segura; ora, o espelho que a didática antropológica promove ao se referir às três críticas em seus capítulos é um indício de que o método crítico possuía uma maior segurança teórica. Entretanto, este não podia dar conta das condições pragmáticas de uma maneira a priori. Aqui aparecem os preconceitos de Kant, enquanto formulações a priori e, em certo sentido, acríticas. A história natural, a geografia física, a ideia de cultura e etc., foram responsáveis por amalgamar no pensamento kantiano formulações engessadas sobre os seres humanos que não compartilham da cultura europeia. Kant perseguiu uma maneira de dar conta da natureza humana de maneira ampla, por meio da ciência antropológica, mas sem abrir mão de suas enraizadas ideias de 237 inferioridade dos supracitados grupos humanos. Sintomática é a maneira como ele tenta no final da vida expor os objetivos antropológicos, a saber, esquecendo os aspectos pragmáticos em vista de uma formalidade enraizada. O homem sustenta, no OP, a formalidade tanto da natureza quanto da moral; no entanto, Kant não deixa claro se se refere ao homem em sentido pragmático. De qualquer modo, o projeto antropológico, provadamente, estava em construção. 238

9) Antropologia do Opus Postumum

A obra que, sistematicamente, fecharia o seu sistema de filosofia e colocaria a antropologia como disciplina principal do projeto seria aquela que ficou conhecida como Opus Postumum (OP)434. Duas coisas provam esta hipótese: primeiro, os biógrafos de Kant mostram que ele iniciou a escrita de tal obra em 1796 e que tinha, em um primeiro momento, o objetivo de escrever a metafísica da natureza prometida desde de a edição A de KrV. Contudo, muito plausivelmente, ao longo do escrito, ele notou que sua velhice não o deixaria completar o seu sistema e resolveu adaptar a obra como um sistema final em que “deus, o mundo e o homem como pessoa (cosmopolita) (ser moral), como ser sensível (habitante do mundo), consciente de sua liberdade: o ser racional sensível no mundo”435 fossem os pilares, dando ênfase no homem como aquilo que sustenta deus (moral) e o mundo (natureza). No entanto, Kant perdeu muito tempo escrevendo a parte relativa à natureza (passagem da filosofia transcendental para a física), a qual ficou melhor acabada e argumentada, e não teve energia suficiente para escrever o encerramento antropológico, parecendo este um amontoado de notas soltas, em vista de uma futura obra. A segunda prova, para tal, diz respeito ao modo como se deve interpretar o OP em vista desta hipótese, ou seja, apesar de não ser possível afirmar qualquer fim endógeno, é, entretanto, viável defender fins possíveis para este, desde que respaldados pelos escritos dos seus últimos dez anos de vida, de modo que é possível confirmar esta hipótese por meio da analogia e desenvolvimento das obras que possuem temas em comum com aquele inconcluso livro. Apesar de ser impossível provar o fechamento do sistema, é possível, contudo, reconstruí-lo, de maneira que torne-se plausível uma filosofia com finalidade antropológica, tendo o OP como obra final. Pensamos, como posição inicial, que é impossível estabelecer, endogenamente, qualquer unidade sistemática orgânica aplicável ao OP e, por conseguinte, também não é possível designar, a partir da referida obra, qualquer fundamento último interno ao escrito, que possa constituir-se como prova cabal, dado o aspecto fragmentário ali encontrado e a falta de provas de que não houve, de maneira alguma, nenhuma manipulação do texto por parte daqueles que possuíram os escritos originais ao longo do século XIX. Por conta disso, a hipótese que guiará a reflexão versa sobre a possibilidade de averiguar e conjecturar, cientificamente, um significado último ao OP, desde que se usem as obras de Kant dos

434 As citações das obras de Kant foram traduzidas pelo colega Marcelo Hansen Saraiva, o qual agradecemos imensamente a gentileza. As passagens dos comentadores citadas aqui foram traduzidas por nós. 435 “Gott: die Welt: und der Mensch als (Cosmopolita) Person (moralischesWesen) sich seiner Freyheit bewuste Sinnenwesen (Weltbewohner) das vernünftige Sinnenwesen in der Welt.” KANT, I. OP, AA XXI, Erstes Convolut, s 31. 239 seus últimos dez anos de vida; mais precisamente, a última fase filosófica de Kant autoriza a afirmar, não de modo endógeno a obra, mas apenas contextualmente, que tal esboço seria concebido como uma obra de fechamento de um pensamento de matiz antropológica. Ora, Deus e o Mundo, dois dos pilares sistemáticos propostos no OP, são construções de um ser que é ponto de partida e de chegada no sistema de filosofia kantiano, a saber, o Homem; apesar desta afirmação aparecer em um Convolut (também pode ser traduzido como fascículo que divide internamente o OP) entrecortado e parcial de OP, o de número I. No entanto, é o ponto de chegada pragmático o mais crucial para compreendermos as aspirações de Kant nesta obra, uma vez que ele estava trabalhando mais fortemente em uma passagem da filosofia transcendental para a física. O motivo para isto é a obsessão simétrica, a fim de não deixar o seu sistema filosófico capenga, igualando uma filosofia moral sólida a uma igualmente sólida filosofia da natureza; e é por causa dessa buscada simetria que o escrito sobre a filosofia da natureza está melhor acabado e é ponto de partida da obra. Esta afirmação não é estranha, na medida em que, desde a KrV, é sabido que, estruturalmente, o ponto de partida não é exatamente o ponto de fundamento, ou seja, “se, porém, todo o conhecimento se inicia com a experiência, isso não prova que todo ele derive da experiência” (B 1). Com isso, seguimos a linha de raciocínio de que o OP é uma obra de matiz antropológica, que deve ser entendida como uma tentativa de reorganização de todo um sistema de pensamento, em todos os seus galhos, em vista de deixar um legado sistemático fechado e claro. Isto posto, faz-se mister nesta introdução, começarmos por mostrar o contexto, no qual a obra foi pensada, entretanto não apenas do ponto de vista do renomado filósofo da época, mas, sobretudo, do homem Kant em sua humanidade própria envolta em carne, ossos e ideias. Este contexto ad hominem é importante devido o fato de que o manuscrito póstumo ficou inconcluso. Kant, de fato, apenas começou a trabalhar no manuscrito póstumo a partir de sua aposentadoria no ano de 1796, contando com 72 anos de idade e 40 de magistério no ensino superior. Este contexto somado à ascensão de filosofias derivadas e destoantes da sua, como as de Fichte e Schelling, moldaram a sua forma de trabalho neste manuscrito. Somou-se a isso a desconfiança geral da intelectualidade prussiana acerca da capacidade de Kant para o trabalho, em tal altura; contrapor filósofos jovens demandava uma energia que já estava em fase de declínio no velho filósofo: No verão de 1797 um notável anatomista e cirurgião chamado Friedrich Theodor Meckel (1756 – 1803) visitou Königsberg e também parou na casa de Kant. Ele achou que a mente de Kant declinou tanto que não seria prudente esperar que ele pudesse contribuir com qualquer coisa nova e original no debate filosófico de ali em diante, e o disse publicamente. Pörschke veio em defesa de Kant, escrevendo a Fichte em julho de 1798 que Kant poderia estar sofrendo de doenças típicas da 240

velhice, mas que isto não significa 'que a sua mente já está morta. Para ser sincero, ele não é mais capaz de pensamento extenso e prolongado; ele agora vive do rico estoque de suas memórias, mas, mesmo assim, ele faz combinações e projetos excepcionais' (Malter, Kant in Rede und Gespräch, p 353.). Isto não queria dizer que ele não tomasse como atividade corrente um interesse na discussão de sua filosofia por outros. Ele reclamava extremamente sobre Fichte. Verdadeiramente, era impossível mencionar Fichte e sua escola sem deixar Kant furioso.436

Aqui vemos a desconfiança acerca da capacidade de trabalho de Kant.437 A importância desta constatação da pesquisa de Kuehn também passa pela observação de que Kant no final da vida ainda era capaz de sustentar certas contendas intelectuais, tal qual a com Fichte, de modo que se pode notar, como dado biográfico, que Kant sustentou suas ideias até o último suspiro de vida, mesmo que, gradualmente, com menor intensidade. Isto não quer dizer, no entanto, que suas ideias no período o qual designamos como antropológico sejam novas, de fato. Queremos dizer que Kant, mais que refazer as ideias as quais alicerçaram seu pensamento, procurou adequá-las ao ato de burilar o que já havia posto de acordo com uma nova diretriz, ou seja, era necessário, a partir de tal data, pontuar a filosofia crítica como uma base sólida e lógica de pensamento, que deveria estar em função da antropologia. Isto significa que Kant não precisou escrever, salvo o OP, obras de grande fôlego e com construções completamente novas, uma vez que havia todo um trabalho de mais de 40 anos de ensino que deveria ser organizado e disposto, as suas lições universitárias que serviram como base para os seus últimos trabalhos. Goeschen escreveu a seu filho em 02/02/1797, que Kant não estava mais lecionando e não voltaria a lecionar nuca mais […] Ele não esperava muito mais de si do que aquilo que já deu. Entre 1794 e 1796, ele não publicou muito. Haveria mais publicações durante 1797 e 1798, mas a maioria destes livros foram resultados da ordenação de suas lições. Antes desta data, ele ainda não havia concebido os Fundamentos da doutrina do direito (1797) e, tampouco, os Fundamentos da doutrina da virtude (1797), nos quais trabalhou por um bom tempo. Eles contêm ainda muito material derivado de suas lições, e há pouca coisa nova. O Conflito das faculdades (1798) consistia em três ensaios. Um dos quais fora escrito em 1794, o segundo após outubro de 1795 e o terceiro em 1796-7. A Antropologia de um ponto de vista pragmático (1798) foi inteiramente baseada em suas lições.438

436 “In the summer of 1797 a notable anatomist and surgeon named Friedrich Theodor Meckel (1756 – 1803) and also stopped at Kant's house. He found that Kant's mind had so much declined that it was unreasonable to expect Kant contribute anything new and original to the philosophical debate from then on, and he said so publicly. Pörschke came to Kant´s defense, writing to Fichte in July 1798 that Kant might be suffering from weaknesses brought on by old age, but that this did not mean 'that Kant's mind is already dead. To be sure he is no longer capable of extended and concentrated thought; he now lives largely from the rich store of his memory, but even now he makes exceptional combinations and projects' (Malter, Kant in Rede und Gespräch, p 353.). This did not mean that he no longer took as active an interest in the discussion of his philosophy by others. He complained bitterly about Fichte. Indeed, it was impossible to mention Fichte and his School without making Kant angry.” KUEHN, M. Kant, a Biography. New York: Cambridge, 2002. p 390. 437 O que há de irônico aqui é que o senhor Meckel, apesar de ter nascido 32 anos após Kant, morreu antes que o filósofo. 438 “Goeschen wrote to his son on February 2, 1797, that Kant was not lecturing and would never lecture again […] He did not expect much from himself any longer. Between 1794 and 1796 he had not published much. There would be 241

O que Goeschen e a maioria dos leitores e amigos próximos de Kant não perceberam é que apesar de, obviamente, não serem novos os conteúdos desta fase do pensamento, havia, em compensação, um novo modo de encará-los. Kant, enquanto homem prático, encontrou um modo de inovar, mesmo que sutilmente, em filosofia, sem precisar de um grande dispêndio de energia. Contudo, isto cessou a partir do momento que ele viu a necessidade de reorganizar uma teoria que desse conta dos usos prático e, principalmente, teórico da razão, uma vez que este último estava em aberto desde a primeira edição da KrV. É este o ponto de dificuldade de interpretação do manuscrito póstumo kantiano, na medida em que esta passagem da filosofia transcendental à física, enquanto ciência teórica fundamental da natureza, era necessária, na sua visão, para preencher uma lacuna em seu sistema. Os escritos que correspondem a uma teoria desta passagem são os mais completos e claros no OP, o que fez muitos estudiosos do pensamento de Kant pensarem que era esta a preciosidade fundamental final do escrito. Sustentamos, como tese auxiliar, que este buraco (relativo a uma filosofia da natureza) existe e Kant tenta, de fato, tapá-lo, por meio de uma teoria formulada para tal circunstância; entretanto, este preenchimento não passa de uma função auxiliar no cômpito final do OP, uma vez que era necessário aqui não ter nenhum desequilíbrio entre Deus (moral) e o Mundo (natureza) para que houvesse um Homem a sustentar, racionalmente, ambos. É, com isso, digno de pena o fato de não ser possível conferir tal hipótese em um escrito com um propósito claro, pois “a partir de 1801, sua memória se deteriorou ainda mais. Parecia, inclusive, que sua própria memória, isto é, aquela que nos permite concentrarmo-nos em uma tarefa foi afetada.”439 Também é um motivo a não ser destacado a falta de organização de Kant, o que não permitiu uma melhor interpretação das folhas do manuscrito na época de sua morte.440 Kant enfrentou a desconfiança de seus amigos por seu estado de saúde e sua velhice, mas

more during 1797 and 1798, but most of these books were results of ordering his papers. He had no longer before conceived The Metaphysical Foundations of the Doctrine of Right (1797) and The Metaphysical Foundations of the Doctrine of Virtue (1797), and he had worked on them for a long time. Still much material they contain derives from his lectures, and there is little in them new. The Dispute of the Faculties (1798) consisted of three essays. One of these was written in 1794, the second after October 1795, and the third in 1796-7. The Anthropology from a Pragmatic Point of View (1798) was entirely based on his lectures notes.” In: KUEHN, 2002, p. 394. 439 “By 1801, his memory had deteriorated ever further. It appears that now even his own memory, that is, the kind of memory that allow us to concentrate on a given task, was affected.” KUEHN, 2002, p. 415. 440 “As freely as I could speak about his death and everything he wanted me to do after his death, so reluctant he was to talk about what should be done with the manuscript. At times, he believed that he could no longer judge what he had written, that it was completed and only needed to be polished. At other times, it was his will that the manuscript should be burned after his death. After his death, I showed it to Herrn Pastor Schulz, a scholar, whom Kant considered to be the best interpreter of his work, second only himself. His judgment was that it represented only the beginning of a work, whose Introduction was not yet finished, and which was impossible to edit (der Redaktion nicht fähig). The effort, which Kant expended in working it out, consumed the rest of his strength more quickly. He declared it to be his most important work, but it was probably his weakness that was largely responsible for this judgment” WASIANSKI, Kant, p 283. APUD: KUEHN, 2002, p 409. 242 deixou várias pistas acerca do que seria esse manuscrito. Por conta disso, para provar a tese de trabalho aqui aventada, dividiremos o argumento em três partes, a saber, a primeira diz respeito a um pequeno contexto da história do manuscrito após a morte de Kant; a segunda parte concerne a mostrar que a passagem da filosofia transcendental para a física, apesar de cabal, não é a finalidade última do sistema de filosofia kantiano e que isto pode ser notado no OP e, finalmente, a terceira parte mostrará que Kant estava tratando em tal obra reorganizar sua filosofia em torno de uma antropologia; discutiremos a nossa posição com a fortuna crítica sobre o OP.

9.1) Modo de Organização e uma Pequena História da Obra

A história da obra mereceria pesquisas à parte, escapando do escopo desta tese. Entretanto, faz-se necessário compor uma pequena introdução às aventuras do manuscrito, ou seja, o que ocorreu desde a morte de Kant até a sua publicação no começo do século XX. Isto auxiliará a dar substância aos argumentos, tanto o final, de que o OP fecharia uma teoria antropológica, quanto o inicial de que é impossível estabelecer uma unidade última endógena ao manuscrito.441 Após a morte de Kant, em 1804, Wasianski, amigo e, posteriormente, biógrafo do filósofo, entregou o manuscrito a Schulz, um professor de Teologia e grande conhecedor da filosofia kantiana. Schulz, após opinar não ser possível dar sistematicidade alguma a este, deu o manuscrito a Carl Christoph Schoen, enteado do irmão de Kant, Johann Heirinch Kant. Contudo, após esse episódio não se soube, por um bom tempo, notícias sobre o manuscrito, por conta de que Schulz não deixou informações claras sobre o seu paradeiro a nenhum estudioso da filosofia de Kant à época, ou seja, não disse que deixara com Schoen. Após 50 anos da morte de Schoen, sua filha tentou vender o manuscrito, notando, antes, que seu pai tentou organizá-lo sem sucesso, abandonando o trabalho muitos anos antes de sua morte. No entanto, os compradores aos quais o manuscrito fora oferecido acharam o preço muito alto e se recusaram a comprar, dentre eles a Königliche Bibliotek de Berlim. O manuscrito após essa tentativa frustrada desapareceu mais uma vez, não deixando pista alguma sobre seu paradeiro. Em 1864 Rudolf Reicke, bibliotecário da supracitada biblioteca, achou o paradeiro do manuscrito com a filha de Schoen. Ele pediu o manuscrito à família, a fim de trabalhar para publicá-lo, notando antes que seria um esforço hercúleo devido a ordem original ter se perdido, ou mesmo nunca ter sido organizada por Kant. Reicke conseguiu o acesso ao manuscrito, mas demorou 441 Tais informações foram retiradas das introduções à tradução espanhola de OP feita por Felix Duque e da tradução inglesa feita por Eckart Föster. Cf. KANT, I. Transicion de los principios metafisicos de la ciencia natural a la fisica: Opus postumum. Coautoria y traducción de Felix Duque. Barcelona; Cantoblanco: Anthropos: Univ. Autónoma de Madrid, 1991. Cf. KANT, I. Opus postumum (Translated by Eckart Föster). New York: Cambrigde, 1993. 243 um bom tempo para organizar o texto, de modo que a família, frente a desconfiança de tanto tempo sob a posse do bibliotecário, deu um ultimato, afirmando que ou ele publicava logo ou teria de devolvê-lo sem a tarefa. Reicke, então, pede ajuda a Emil Arnoldt, o qual transcreveu o manuscrito para sua publicação. Finalmente, a partir de janeiro de 1882, e por mais dois anos seguidos, foram publicados na Altpreussische Monatschrift, a qual Reicke era o editor, edições seguidas contendo os Convolut XII, X, XI, II, IX, III, V, I e VII, respectivamente. O grande problema quanto a este trabalho foi que Reicke mudou pedaços substanciais do texto, apagando inclusive algumas frases. Além de ter também mudado a pontuação em passagens importantes e, ocasionalmente, sentenças completas, sem indicar, no entanto, suas alterações ao público; algo inaceitável em um trabalho filológico sério. A edição foi, por conseguinte, considerada um verdadeiro fiasco e prontamente desconsiderada pelos estudiosos da filosofia kantiana. Albrecht Krause, um pastor e filósofo amador em Hamburgo, tomou notícia da edição e escreveu a Reicke na tentativa de que este publicasse o material em forma de livro para facilitar as pesquisas, em vez de artigos. Reicke declinou da proposta, tendo que Krause recorrer a intervenção do ministro da cultura da Prússia à época com o pedido de publicação em uma edição única. Não houve negócio, aparecendo em meio a tudo isso uma nova informação. O dono do manuscrito estava disposto a vendê-lo ao British Museum. Krause, secretamente, e antes do negócio com os britânicos ser fechado, comprou o manuscrito. Este publicou o manuscrito, mesmo que o contrato de compra falasse que as partes do manuscrito que ainda eram inéditas deveriam ser publicadas pela revista de Reicke, o que nunca ocorreu. O antigo dono do manuscrito tentou anular o contrato, mas não obteve sucesso. Surgiu, com isso, uma edição de Krause em 1886, de forma amadora e sem nenhuma organização crítica, e assim como a de Reicke também foi um fiasco. Em 1894 a Academia Real de Ciências da Prússia decidiu criar uma edição crítica das Obras Completas de Kant, sob a direção de Wilhelm Dilthey. A primeira atitude de tal empreitada foi o anúncio de que se ofereceria ajuda aos proprietários para publicar, criticamente, os manuscritos de Kant, sem importar se já receberam ou não uma edição, mesmo que de forma amadora. Krause, detentor dos manuscritos póstumos, não concordou com tais termos e judicialmente lutou contra a Academia pelo direito único e exclusivo dele de publicação do manuscrito. Inclusive o próprio ministro da cultura, que sucedeu o antigo ao qual Krause enviou carta, tomou parte pela Academia, fato irônico devido ao pedido anterior de Krause quando não estava de posse do manuscrito. Finalmente, após a morte de Krause em 1902, a Academia conseguiu acesso ao manuscrito para publicá-lo, designando Erick Adickes como editor responsável. Adickes editou a maior parte 244 das obras não publicadas de Kant, incluindo Lições, Cartas, etc, tendo esse trabalho sido o aval para tal empreitada. Logo de início, ele notou que o manuscrito póstumo podia ser ordenado de modo mais próximo à ordem original, que pese os problemas da edição de Krause. Ele contatou, com isso, a viúva de Krause e foi a Hamburgo em 1916 trabalhar no manuscrito original. Mesmo após todo o trabalho de reordenamento, a Academia decidiu que o texto não deveria ser publicado, por uma série de motivos. Adickes, para forçar seu desejo de publicação dos manuscritos e influenciar a revogação desta decisão por parte da Academia, publicou em 1920 um denso estudo sobre o manuscrito. Após três anos de indecisão, a comissão kantiana da Academia resolveu, finalmente, publicar o manuscrito. No entanto, teve a infeliz surpresa que a viúva de Krause decidiu vender os direitos de publicação a De Gruyter por mil Marcos. Por conta desta notícia, teve de haver uma nova organização da feitura da edição, agora sob a égide editorial da De Gruyter sem, entretanto, haver mudança na posição de Adickes, que continuou como responsável pela organização do manuscrito. Com isso, Buchenau, editor da De Gruyter, a qual estava sediada em Berlim, e Adickes, que estava em 1923 trabalhando no Nachlass kantiano em Tübingen, começaram os trabalhos para a futura edição. Problemas começaram a aparecer a partir do momento em que Buchenau empregou um jovem cientista de 23 anos, Gerhard Lehmann, para transcrever, como assistente, o manuscrito. Em dezembro de 1924, Buchenau começou a comparar a transcrição com o original e com as prévias transcrições de Krause e Reicke. A correspondência de Adickes com Buchenau mostra que o primeiro não ficou satisfeito com o trabalho, principalmente no que concerne a publicação separada dos Convolut VII e I com o título Der alter Kant, dando a entender que estas eram notas pessoais que mostravam e provavam a senilidade de Kant no momento da escritura da obra. As tensões aumentaram devido ao fato de que Buchenau informou a Adickes que se desviaria da linha editorial traçada por este para os Nachlass. Buchenau avisou que manteria os Konvolut na ordem em que os recebeu, em vez da cronologia estabelecida por Adickes. Este, com isso, em 19 de junho de 1926, avisa a Academia que não teria mais nenhum envolvimento neste projeto. Esta contenda marcou a Academia, de modo que a publicação do manuscrito apenas saiu em 1936 e 1938, quase uma década depois da morte de Adickes em 1928; a edição intitulada OP está baseada até os dias atuais nos volumes XXI e XXII das obras completas de Kant. Portanto, a história do manuscrito mostra que algo iniciado em 1796 e publicado, após uma longa jornada e manuseado por várias pessoas diferentes, apenas em 1938, não pode servir de base para teses últimas, pelo menos no que concerne à sua organização interna. Não se pode, repetimos, ter certeza alguma acerca da ordem do manuscrito, tampouco saber se, realmente, Kant deu alguma 245 ordem a este, uma vez que suas incertezas, como atesta Wasianski, acerca do derradeiro fim para o escrito leva a pensar que apesar de uma ideia que pudesse guiar tal empreitada, ele não conseguira organizá-lo a contento. No entanto, não se pode descartar a ideia de que tal manuscrito compunha uma série de obras finais, que possuíam como temática principal mostrar de que modo o homem pode progredir enquanto espécie para o seu melhor, um sistema de propósitos cosmopolitas. Um dos grandes pilares da melhora constante da condição humana é, sem dúvida, a ciência e pensamos que tanto a história do manuscrito quanto a sua recepção levaram renomados e excelente comentadores kantianos a confundir a parte melhor acaba do manuscrito com seu objetivo final.

9.2) A Passagem da Filosofia Transcendental à Física: Metafísica da Natureza

A história do manuscrito, assim como o modo que Kant o tratou ao longo dos últimos anos de sua vida, revelam, relembrando a hipótese principal, que qualquer afirmação peremptória é parcial no que concerne ao OP. No entanto, muitos comentadores de Kant insistem em afirmar que o OP é, sem dúvida, uma obra que pretende fazer, exclusivamente, a passagem da filosofia transcendental para a física, por meio de uma teoria da matéria, a qual teria no conceito de éter o princípio fundamental de explicação da atração e repulsão próprios à ciência da época. Pode-se encontrar tal tese em Föster (1993, 2000), Capeillére (2000) e Duque (1991, 2007), os quais, que pese suas discrepâncias argumentativas, organizam-se em torno de um gap na filosofia kantiana que teria de ser preenchido, a fim de equilibrar os usos da razão. Ora, tal tese é muito sedutora, inclusive, devido ao fato de o próprio Kant nomear, em carta,442 a obra como tal passagem. O grande problema, entretanto, é que a ideia para a obra vai ganhando um desenvolvimento tal que de uma passagem como função principal, pensada desde o final dos anos de 1780, passa a dizer respeito, no final da década de 1790, a responder como é possível um sistema de filosofia em que o homem seja o objeto e o sujeito central. Isto quer dizer que a passagem da filosofia transcendental à física é um galho do sistema de filosofia kantiano, um galho importantíssimo, mas, ainda assim, é subalterno à função antropológica. Defendemos, com isso, que a passagem da filosofia transcendental para a física, de fato, diz respeito ao preenchimento de um buraco teórico no seio da filosofia kantiana, visto concernir, em um certo sentido, à promessa de uma metafísica da natureza, contudo o preenchimento de tal buraco não é, pelo menos na sua última fase, a principal intenção do sistema filosófico kantiano. De fato, Kant perdeu um precioso tempo e suas últimas energias pensando em uma maneira de não deixar o

442 Carta a Garve de 21/09/1798: Br, AA XII, s 256. 246 seu sistema capenga, trazendo à baila o conceito de éter para dar conta de tal passagem e, por conta disso, seus escritos sobre esta passagem estão mais bem acabados que aqueles concernentes ao homem como centro e sustentáculo da reflexão. Assim, aqui faz-se interessante mostrar esta obsessão kantiana pela simetria do sistema na passagem da filosofia transcendental à física e também como a desorganização do tempo para escrever a obra o fez travar o objetivo final. Isto posto, assim como o conceito de Deus (correspondente à moral), o conceito de Mundo (correspondente à filosofia da natureza ou física) também precisava ser exposto de forma sistemática para dar uma sustentação equilibrada à antropologia que Kant propunha à época, por meio da pergunta “o que é o homem?”.. A partir do momento que se entende a passagem da filosofia transcendental para a física como um fundamento importante, mas sem primazia na filosofia kantiana, poder-se-á, por consequência, também entender em função de que tal passagem se dá. Kant, no fim das contas, precisava de novas soluções para dar conta do problema de conceber um sistema com princípios a priori imediatamente percebidos no mundo e acabou usando toda a sua energia intelectual dos seus últimos bons anos de reflexão para provar as condições de possibilidade de pensar o mundo físico em geral: A ciência da natureza (philosophia naturalis) vira-se em duas direções, a primeira é a sua fundamentação metafísica (isto é, fundamento a priori em um sistema), a segunda contém princípios universais baseados na experiência, isto é, princípios empíricos, de sua aplicação a objetos do sentido externo, a qual é chamada de física. Esta física é, em compensação, dividida em física geral (physica generalis), a qual expressa apenas propriedades da matéria em objetos externos da experiência,- e na (physica specialis), a qual participa dos corpos formados a partir desta matéria de um jeito particular, e que prepara o sistema deles – por exemplo, considerando a diferença entre corpos orgânicos e inorgânicos […] Physica generalis, assim, contém a necessidade de transição de um fundamento metafísico da ciência natural para a física, em virtude da relação que é encontrada entre regras a priori e o conhecimento de suas aplicações a objetos empíricos dados.443

Isto significa que esta passagem da filosofia transcendental para a física é uma tentativa de estabelecer as condições de possibilidade de dar conta da matéria empírica em todas as suas manifestações. O projeto de uma metafísica da natureza no período puramente crítico, mais precisamente a partir do primeiro prefácio da KrV, trouxe à tona alguns princípios que são caros a

443 “Die Naturwissenschaft (Philosophia naturalis) dreht sich in zwey Angeln deren einer die metaphysische mithin a priori in einem System verbundene Anfangsgründe derselben der Andere die allgemeine auf Erfahrung gegründete mithin empirische Principien ihrer Anwendung auf Gegenstände äußerer Sinne enthält und welche Physik genannt wird. Diese Physik theilt sich nun wiederum in die physische Gemeinlehre (physica generalis) welche nur die Eigenschaften der Materie an äußeren Gegenständen der Erfahrung vorträgt, — und die welche auf die aus jener Materie auf besondere Art geformte Körper sieht und von ihnen ein System aufstellt (physica specialis) z. B. den Unterschied unorganischer und organischer Körper erwägend […] Die physica generalis enthält also zugleich die Nothwendigkeit des Uberschritts von den metaphysischen Anfangsgründen der Naturwissenschaft zur Physik vermöge der Verwandtschaft die zwischen Regeln a priori mit der Erkentnis ihrer Anwendung auf empirisch gegebene Objecte anzutreffen ist.” In: KANT, I. OP, AA XXI, s 407-8. 247 este projeto da velhice de Kant, o qual se estende em outras duas obras, MAN e Prol, de modo a continuar os planos de uma metafísica da natureza, na medida em que “meu MAN já empreendeu vários passos neste campo, mas simplesmente como exemplos da possibilidade de sua aplicação a casos da experiência, em vista de fazer compreensível, por meio de exemplos, o que foi estabelecido abstratamente.”444 Dar conta dos paradigmas do movimento de toda a matéria em geral é o que se pode chamar de projeto kantiano da passagem da filosofia transcendental para a física. Kant era, em grande medida, um homem antenado às manifestações da ciência de seu tempo e dedicou-se, em sua filosofia crítica, a encontrar uma fundamentação para as ciências em geral, o que significa que ele tinha como princípio fundamental do pensamento o modelo da ciência. A grande questão aqui diz respeito a uma aposta de Kant na manutenção ao longo do tempo da física como única, ou talvez a mais relevante, ciência empírica formulada pelo homem. Desse modo, fazer ciência, para Kant, era um sinônimo para se fazer, fundamentalmente, física. Newton, e em certa medida também Leibniz, estabeleceu um critério seguro para se poder medir e calcular com acurácia, as manifestações dos corpos no espaço empírico e em uma faixa determinada de tempo. O que mais chamou atenção de Kant aqui foi o fato de que é a teoria que concede dignidade às manifestações da natureza, e não o contrário como ocorria na ciência anterior, uma vez que as leis de Newton conseguiam dominar, por meio do cálculo de mensuração, as manifestações da natureza. Entretanto, o que Kant havia pensado nos anos de 1780 para o projeto de uma ciência da natureza com acurácia plena, teve de ser modificado devido ao avanço da física. Aqui se mostra claro que apesar de Kant ser um homem ciente das manifestações do saber de sua época, ele preferiu prostrar-se no saber da física, pensando-a como a ciência absoluta da natureza. As consequências para esta atitude intelectual foi o arranjo conceitual que Kant teve de inventar para dar conta de continuar a manter a física como a ciência principal da natureza, por meio de novos elementos, em relação a década de 1780, que a especificassem como tal. O principal elemento introduzido por Kant no OP para desempenhar tal tarefa foi o conceito de éter. Este conceito possui uma história longa que remonta à filosofia aristotélica, mas que apenas ganhou uma notoriedade forte e especial a partir dos escritos cartesianos, como nos conta Luiz Paulo Rouanet. A palavra (αιθηρ) significara originalmente o céu azul, ou atmosfera superior (distinta da atmosfera inferior, no nível da Terra), e foi tomada de empréstimo aos gregos pelos autores latinos [innubilis aether], dos quais passou para o francês e o inglês na Idade Média. Na antiga cosmologia, foi às vezes utilizada no sentido daquilo que ocupava as regiões celestes; e quando a noção de um meio que preenche o vazio planetário foi introduzida, aether foi a palavra óbvia para isso. Antes de Descartes, conotava simplesmente a ocupação de uma parte do espaço:

444 “meine Metaphysische Anfangsgr. etc. hatten schon einige Schritte in diesem Felde angeführt aber blos als Beyspiele einer möglichen Anwendung derselben auf Falle der Erfahrung um das abstrahirt gesagte durch Beyspiele verstandlich zu machen.” Idem. 248

ele foi o primeiro a trazer o éter para a ciência, postulando que este possuía propriedades mecânicas. Em sua visão, devia ser considerado como o sustentáculo solitário do universo, exceto por aquela infinitesimal fração do espaço que é ocupada pela matéria comum.445

Este excerto mostra que para se entender como Kant pensou a possibilidade da passagem da filosofia transcendental à física, é necessário saber uma breve história do conceito de éter, visto que Kant enxertou tal conceito como solução e função central de sua filosofia da natureza. Rouanet usa em seu artigo o livro de Edmund Whittaker para mostrar as bases da teoria kantiana. Este conceito inventariado por Whittaker desempenhou uma função essencial para a ciência da natureza dos séculos XVII e XVIII, na medida em que conseguia dar conta das condições de possibilidade do movimento em geral sem admitir, em compensação, noções absurdas para a época, tal como a de vácuo ou vazio no espaço e na atmosfera. Ora, aqui fica mais clara a tênue linha que separa a tal filosofia da natureza da época e sua mentalidade ainda medieval, pois “quando se examina alguns escritos de Newton relativos à natureza do ar e do éter, percebe-se, em primeiro lugar, a forte influência da linguagem e da mentalidade escolástica. Não obstante, pode-se perceber que os argumentos que são apresentados sustentando a existência do éter são não somente racionais, como apoiados em experiências.”446 Isto significa que mesmo Newton supunha várias ideias típicas da mentalidade medieval, mas tenta prová-las por meio da experiência empírica, sendo esta, pois, a maior marca da modernidade. Kant obviamente ao propor um conceito de éter em uma teoria física nada mais fazia do que se mostrar antenado à sua época, organizando uma noção que desse conta do mundo físico e fosse, ao mesmo tempo, completamente inteligível a priori. O que parece claro é que “conceito do éter ocupa lugar importante na transição da metafísica da natureza para a física. Trata-se de um conceito inventado, nas palavras de Félix Duque, a fim de tornar possível essa transição.”447 Segundo Rouanet, o éter não pertence propriamente à física, sendo, com isso, uma condição de possibilidade de todo e qualquer fenômeno físico, visto permitir o início do movimento da matéria no espaço e no tempo. A Matéria, com suas forças motoras, pode iniciar um movimento apenas na medida em que ela também põe a si mesmo em movimento externamente (vis locomotiva), ou, além disso, põe cada uma de suas partes em movimento relativo a quaisquer outras – logo internamente (vis interne motiva). No entanto, qualquer começo absoluto do movimento de uma matéria é inconcebível; se isto é admitido, a cessação ou diminuição do movimento é, então, inconcebível – para o entrave ou resistência na abolição do movimento em si mesmo, igualmente, uma força motora 445 WHITTAKER F. R. S., Edmund, Sir. A History of the Theories of Aether and Electricity. New York: Humanities Press, 1973, v. 1. pgs 5-6. APUD: ROUANET, L. P. Kant e-Prints, Campinas, Série 2, v. 10, n. 2, pp. 54-65, maio- ago., 2015. p 3. 446 ROUANET, L. P. Kant e-Prints, Campinas, Série 2, v. 10, n. 2, pp. 54-65, maio-ago., 2015. p 4. 447 Idem, p 7. 249

(in opposition). Para o primeiro motor (primus motor), alguém teria de atribuir espontaneidade – isto é, um querer, o qual contradiz, completamente, a materialidade - - -. Ali segue esta proposição a priori válida, não derivada da física – e, portanto, empírica – mas, pertencendo à transição da fundamentação metafísica da ciência natural para a física: 'ali existe uma matéria distribuída ao longo de todo o universo como um continuum, uniformemente penetrando todos os corpos, e preenchendo [todos os espaços] (assim, não sujeito a deslocamento). Seja isto chamado éter, ou caloria, ou qualquer que seja seu nome, ela não é um material hipotético (para o propósito de explicar tal fenômeno, e, mais ou menos, obviamente, idealizar causas para efeitos concebidos); além disso, ela pode ser reconhecida e postulada a priori como uma coisa [Stück], necessariamente, pertencente à transição da fundamentação metafísica da ciência natural à física.448

Segundo Duque (1993) e Rouanet (2015), o conceito de éter sugere uma espécie de equilíbrio entre o uso prático e teórico da razão, pois do mesmo modo que o conceito de Deus é um postulado necessário para se poder pensar as ações morais, o conceito de éter teria de ter o mesmo efeito, assim, para poder pensar as condições de possibilidade da física em geral. Ambos os conceitos têm de poder ser imediatamente pensados, mas em relação ao de éter há uma especificidade, a saber, este conceito tem de ser empiricamente possível para a física. Acompanhamos, em parte, tais comentadores; Kant, realmente, estava pensando no equilíbrio entre ambos os usos do sistema, para que uma organização do pensamento pudesse ser concebida enquanto tal. Isto não significa, entretanto, que a passagem da filosofia transcendental para a física fosse a finalidade última dos manuscritos finais de Kant. Kant não tinha, em seu início, a menor ideia do que fazer para formular tal passagem plausivelmente, tendo, assim, de desenvolver a teoria à medida que a colocava no papel. Atesta Föster (2000, p. 3), com a concordância de Kuehn (2001, p 409), que Kant apenas começou a pensar em, efetivamente, colocar no papel por volta do ano de 1790. Ele começou, de fato, a trabalhar no projeto no ano de 1796, data na qual já contava 74 anos de idade. Em 21/09/1798, Kant escreve uma carta a Garve (este em carta anterior reclamara de suas doenças), a qual nos parece uma prova decisiva da hipótese acerca do estatuto dos manuscritos póstumos: A impactante descrição de seu sofrimento e sua força mental de ignorar esta dor e continuar vivamente a trabalhar pelo bem da humanidade despertam a maior 448 “Die Materie mit ihren bewegenden Kräften kann eine Bewegung nur in so fern anheben als sie sich selbst äußerlich (vis locomotiua) oder ein jeder Theil derselben respectiv gegen den Anderen mithin sie sich innerlich in Bewegung setzt (vis interne motiua). — Aber ein jeder absolute Anfang der Bewegung einer Materie ist undenkbar; wird er aber eingeräumt so ist auch das Aufhören oder die Verminderung derselben eben so undenkbar weil das Hindernis oder der Wiederstand im Aufheben derselben eben so wohl eine bewegende Kraft in der Entgegensetzung ist. — Einem ersten Beweger (primus motor) müßte man Spontaneität d. i. ein Wollen beylegen welche der Materialität völlig wiederspricht. — — — Nun folgt der nicht aus der Physik entlehnte und so empirische sondern zum Übergange von den metaph. A. Gr. der NW. Gehörende a priori geltende Satz: „Es ist eine im Gantzen Weltraum als ein Continuum verbreitete alle Körper gleichförmig durchdringend erfüllende (mithin keiner Ortveränderung unterworfene) Materie welche man mag sie nun Aether oder Wärmestoff etc. nennen kein hypothetischer Stoff ist (um gewisse Phänomene zu erklären und zu gegebenen Wirkungen sich Ursachen mehr oder weniger scheinbar auszudenken) sondern als zum Ubergange von den met. A. Gr. der NW. zur Physik nothwendig gehörendes Stück a priori anerkannt und postulirt werden kann.” KANT, I. OP, AA XXI, s 217-8. 250

admiração possível em mim. Eu imagino, embora, se meu próprio fato, envolvendo uma aspiração similar, não pareceria para você ainda mais doloroso, se você se colocasse no meu lugar […] Eu vejo diante de mim a conta não paga da minha filosofia incompleta, mesmo eu estando consciente que tal filosofia, considerada tanto em seu significado quanto em seus fins, é ainda capaz de completude. Esta é uma dor como aquela de Tantalus, embora não seja uma sem sentido. O projeto acerca do qual estou trabalhando agora diz respeito a Transição dos princípios metafísicos da ciência natural para a física. Este deve ser completado ou, do contrário, um buraco restará na filosofia crítica. A razão não desistirá de suas demandas em relação a isso; tampouco, tal possibilidade pode ser extinta; mas, a satisfação desta demanda está, desesperadamente, sendo posposta, se não é por conta da paralisia de meus poderes vitais, então é devido ao aumento das limitações.449

A novidade aqui se dá, justamente, na afirmação do comedimento de Kant na época da obra, ou seja, ele quer, no mínimo, completar a lacuna deixada na filosofia crítica. Aqui pode-se especular se Kant já teria perdido as esperanças de ter energia suficiente para desenvolver uma antropologia como ponto de apoio do sistema. Segundo Föster, respaldado por Adickes, Kant apenas começa a trabalhar no Convolut I, especificamente no que concerne ao homem como centro teórico do sistema final, por volta do ano de 1801 e continua até 1803. Esta nossa hipótese é reforçada pela carta de Kant a Kiesewetter de 19/10/1798, na qual o velho filósofo diz: “eu quero fazer a Transição dos Princípios metafísicos da ciência da natureza para a física como um galho especial da filosofia natural [philosophia naturalis], isso não deve ser deixada de fora do sistema.”450 Isto significa, que tal transição é apenas um braço do sistema, o qual, no entanto, ele seguiu trabalhando em sua feitura até os últimos anos de sua vida, sem achar nenhuma solução para a completude. O que desafia a nossa hipótese aqui é o receio de Kant de afirmar diretamente que está tentando responder o tempo todo a quarta pergunta que interessa à razão, a pergunta antropológica. Ele parece reforçá-la sem entrar propriamente em seu assunto como pode ser visto ao propor que é necessário preencher a lacuna que concerne ao mundo, a fim de equilibrar a equação final do sistema: homem como sustentáculo de Deus (moral) e do próprio mundo (física/ciência).

449 “Die erschütternde Beschreibung Ihrer körperlichen Leiden, mit der Geisteskraft über sie sich wegzusetzen und fürs Weltbeste noch immer mit Heiterkeit zu arbeiten, verbunden, erregen in mir die größte Bewunderung. - Ich weiß aber nicht, ob, bey einer gleichen Bestrebung meinerseits, das Loos, was mir gefallen ist [...] den völligen Abschlus meiner Rechnung, in Sachen welche das Ganze der Philosophie (so wohl Zweck als Mittel anlangend) betreffen, vor sich liegen und es noch immer nicht vollendet zu sehen; obwohl ich mir der Thunlichkeit dieser Aufgabe bewust bin: ein Tantalischer Schmertz, der indessen doch nicht hofnungslos ist. - Die Aufgabe, mit der ich mich jetzt beschäftige, betrifft den "Übergang von den metaphys. Anf. Gr. d. N. W. zur Physik". Sie will aufgelöset seyn; weil sonst im System der crit. Philos. eine Lücke seyn würde. Die Ansprüche der Vernunft darauf lassen nicht nach: das Bewustseyn des Vermögens dazu gleichfalls nicht; aber die Befriedigung derselben wird, wenn gleich nicht durch völlige Lähmung der Lebenskraft, doch durch immer sich einstellende Hemmungen derselben bis zur höchsten Ungedult aufgeschoben.” KANT, I. Br, AA XXI, s 256-7. 450 “Womit er das critische Geschäfte zu beschließen und einenoch übrige Lücke auszufüllen denckt; nämlich "den Übergang von den metaph. A. Gr. der R. W. zur Physik, als einen eigenen Theil der philosophia naturalis, der im System nicht mangeln darf, auszuarbeiten.” Idem, s 258. 251

Como atesta Föster (1993, p xvii) por meio de Wasianski, Kant não tinha certeza em seus últimos anos de vida sobre o que fazer com o manuscrito, talvez queimá-lo ou mesmo chegar a finalizá-lo. Nem uma coisa nem outra foi feita, o manuscrito permaneceu inacabado e sobreviveu ao tempo. O que, no entanto, queremos mostrar é que Kant não balanceou suas energias para completar uma obra de tal fôlego. Esta afirmação se faz mister ao analisar que o conceito de éter, acima exposto, que pese ser algo que fazia total sentido à física da época, foi superado, posteriormente; assim também como a própria ideia de que a física é a ciência fundamental que consegue dar conta a natureza enquanto tal. Portanto, Kant tinha, de fato, a intenção de pensar uma passagem da filosofia transcendental para a física, inclusive como objeto principal para equilibrar o sistema. No entanto, tal passagem não possui primazia no cômpito geral de sua filosofia, uma vez que o objetivo geral do sistema é mostrar ao homem como resolver seus próprios problemas, de modo a desenvolver o conhecimento, por meio da ciência, e realizar a liberdade no mundo. Por conta disso, é possível afirmar que a passagem aqui em destaque, pensada como primordial, serve como um braço do sistema para fundamentar as condições de possibilidade de o homem avançar no conhecimento científico. Com isso, é o Homem, que sustenta o Mundo (ciência) e Deus (moral), a fim de que haja um padrão lógico para a vida cotidiana.

9.3) A Finalidade Antropológica da Filosofia no OP

A hipótese aqui proposta se fia em haver uma antropologia filosófica ampliada no OP, que segue as ideias das últimas obras de Kant, dizendo respeito, sobretudo, a tratar da pergunta “o que é o homem?” e também a mostrar ao ser humano como viver melhor. Faremos um breve esboço que mostrará a partir da ideia central das principais obras do último período, que o OP foi moldado e lapidado ao longo do tempo de modo que se constituiria, em sua estrutura final, em uma antropologia fundamental, que sustentaria os usos prático e teórico da razão. É também possível mostrar que Kant tanto parte do homem pragmático, como ponto de sustentação do sistema, quanto retorna a ele, mas agora de modo, completamente, estruturado por meio de um sistema de ciência, o qual chama de Mundo, um sistema da liberdade, o qual chama de Deus e o Homem como aquilo que o sistema está em função, uma antropologia. Esta hipótese não é usual nos meios de comentários kantianos e antes de entrarmos nos detalhes desta antropologia do OP, gostaríamos de discutir com alguns comentadores da referida obra. Fundamentalmente, nenhum destes endossa nossa a hipótese, principalmente, os tradutores da obra nas mais variadas línguas que supõem fins apenas teóricos como fundamentos do OP. Há, pelo 252 menos, três obras fundamentais com as quais gostaríamos de debater, a saber, L'Opus Postumum di Kant de Vittorio Mathieu451; Kant's Final Synthesis de Eckart Föster452; e também o livro decorrente do 4º congresso internacional da sociedade kantiana de língua francesa intitulado, assim como o próprio congresso, Années 1796-1803: Kant Opus Postumum: Philosophie, Science. Éthique et Théologie, organizado por Ingebord Schüssler.453 De forma organizada, gostaríamos de começar o inventário de teses sobre o OP com o último dos livros citados, pois, por conta de ser um livro composto por palestras, é mais fácil selecionar algumas destas para confrontar com a nossa ideia. Gostaríamos de começar a discussão com Fernando Guerreiro Jimenez em seu artigo intitulado Le Nouveau Tournant Transcendental de Kant. É interessante a posição de Jimenez no que concerne ao que seria, segundo ele, o coração do OP, a saber, uma nova ponte ou forma de passagem entre níveis diferentes do sistema, ou, por assim dizer, uma reelaboração da doutrina do esquematismo transcendental da KrV, pois “tal é, ao que parece, a tarefa (ou, pelo menos, uma de suas tarefas) do Opus Postumum: colocar uma nova forma de passagem. E é por esta razão que alguns autores indicaram que a nova transição operada por Kant no Opus Postumum é uma reelaboração do esquematismo.”454 Obviamente, o OP é uma continuação da filosofia crítica e não se pode estranhar que se encontrem vários elementos desta naquela obra. Contudo, colocar o esquematismo como um padrão para a centralidade do argumento da passagem da filosofia transcendental para a física é por demais arriscado, na medida em que ter elementos esquemáticos que operam a passagem não faz da passagem o elemento principal e final da filosofia kantiana. Isto posto, segundo, não é mais possível, no OP, que um esquema seja o elemento central que pode, concomitantemente, de modo puro e empírico, operar universalmente como se a finalidade da obra fosse a passagem e a conexão entre níveis diferentes do sistema. Apesar de esta ser uma das tarefas da obra, ela não é o centro sistemático; isto se faz verdadeiro, na medida em que se tem aqui o éter como o elemento funcional teórico da passagem da filosofia transcendental à física e, por conta disso, não se pode construir o éter como se constrói um esquema, por meio da imaginação. O éter é um elemento a priori não construído e constituinte da matéria empírica.

451 MATHIEU, V. L'Opus Postumum di Kant. Napoli: Bibliópolis, 1991. 452 FÖSTER, E. Kant's Final Synthesis. London: Cambridge, 2000. 453 SCHÜSSLER, I. Années 1796-1803: Kant Opus Postumum: Philosophie, Science. Éthique et Théologie. Paris: Vrin, 1999. 454 “telle est, à ce qu'il semble, la tachê (ou, tout au moins, l'une des tachês) de l'Opus Postumum: celle de jeter un nouveau pont. Et c'est pour cette raison que certains auteurs ont signalé que nouvelle transition opérée dans l'Opus Postumum n'est que un réelaboration du schématisme.” JIMENEZ, F. G. Le Nouveau Tournant Transcendental de Kant. In: SCHÜSSLER, I. Années 1796-1803: Kant Opus Postumum: Philosophie, Science. Éthique et Théologie. Paris: Vrin, 1999. p 68. 253

Frank Pierobon, por sua vez, argumenta em L'Architectonique Jusqu'au But que o OP é não apenas uma obra destinada a não ser publicada, mas também que “a arquitetônica não comanda a gênese desse projeto.”455 O seu inacabamento seria, segundo o comentador, para além de sua suposta senilidade, próprio de notas tomadas para si mesmo, nas quais Kant organizava o seu modo de pensar e expor alguns elementos novos no final de sua vida filosófica. Ora, o autor francês propõe que o inacabamento da obra é algo natural a ela e, assim como alguns manuscritos de Husserl, a obra não é um todo sistemático em si mesma e que isso ressoa no seu lugar na arquitetônica kantiana.456 Concordamos com Pierebon quanto a sua afirmação acerca do limite do idealismo transcendental, o qual Kant mensurou mal; entretanto, é possível perguntar: se o idealismo transcendental precisaria de um limite como este, visto que sua finalidade é antropológica? Absolutamente. Todavia, endogenamente à filosofia teórica, tal afirmação de Pierobon faz sentido. Desse modo, o autor passa ao largo da discussão mais profícua acerca da finalidade da filosofia última de Kant, que desemboca no OP, na medida em que ainda regula Kant apenas pelo paradigma puramente crítico, em vez de incluir os sinais antropológicos à crítica. Dieu, La création et l'homme de José Castaing é a artigo que, pelo título, pelo menos, poderia se aproximar de nossa hipótese. Entretanto, que pese a nomenclatura do escrito, o autor sinaliza que “Kant se vê confrontado a um novo, mas não menos verdadeiro abismo de sua filosofia: não mais este que separa a natureza da liberdade, mas sim um que separa Deus e sua criação (welt). Um abismo, do qual se poderia dizer (em uma linguagem não kantiana!) que não é mais de ordem 'metafísica', mas de ordem propriamente ontológica.”457 Esse abismo que separa o mundo de Deus tem sua ponte construída na figura do homem no OP de Kant. Tanto nós quanto Castaing concordamos e defendemos tal hipótese. Entretanto, o que nos separa é a base sobre a qual acreditamos estar assentada a finalidade organizacional do OP, isto é, enquanto Castaing insiste em uma ontologia, a nossa perspectiva diz

455 “L'architectonique ne commande pas la genèse de ce projet.” PIEROBON, F. L'Architectonique Jusqu'au But. In: SCHÜSSLER, I. Années 1796-1803: Kant Opus Postumum: Philosophie, Science. Éthique et Théologie. Paris: Vrin, 1999. p 136. 456 “Reconnaître une origine architectonique au questionnement de l'Übergang – à savoir qu'il en manque un, et que sa nécessité propre ne suffit pas à le << donner>> à partir de sa propre idéalité -, c'est également prendre la mesure de ce que l'idéalisme transcendantal trouve peut-être là sa propre limite [..] Voilà le terme tragique du parcours kantien: la nouvelle physique, parce qu'elle est née d'une mathématique radicalement neuve (l'algèbre) échappe, dans sa progression, à ce que Kant met en œuvre dans sa conception de la mathématique, et elle prouve le mouvement en marchant, tout comme, aux yeux de Kant, la géométrie euclidienne l'avait fait en son temps” Idem, pgs 139-141. 457 “Kant se trouve confronté à un nouveau mais non moins véritable abîme de sa philosophie: non celui qui sépare nature et liberté, mais celui qui sépare Dieu e la création (la welt). Un abîme dont on pourrait dire (dans un langage non kantien!) qu'il n'est plus d'ordre <> mais d'ordre proprement ontologique.” CASTAING, J. Dieu, La Création et l'Homme. In: SCHÜSSLER, I. Années 1796-1803: Kant Opus Postumum: Philosophie, Science. Éthique et Théologie. Paris: Vrin, 1999. p 217. 254 respeito a uma antropologia como finalidade última do sistema. O homem não somente medeia a natureza e a moral, mas, sobretudo, ele se põe a si mesmo e também propõe os termos e a linguagem por meio da qual estes dois mundos podem ser concebidos e entendidos. O artigo de Castaing sugere, mesmo que de modo involuntário, que o homem é um ser passivo e escravo de um mundo já, imediatamente, posto. Uma ontologia, com isso, não pode ser aplicada, de modo absoluto, à posição do homem no OP, na medida em que o homem empírico é apenas um primeiro momento do processo de autoposição de si mesmo, isto é, um entendimento de si enquanto ser no mundo. Para considerar-se um ser no mundo, tem-se de, primeiramente, entender-se como ser livre, enquanto condição de possibilidade de agir segundo uma causalidade própria. Isto significa que somente de modo reflexo é possível entender-se a si mesmo de modo ontológico. O que se tem aqui, de fato, é uma antropologia. Na antropologia proposta por Kant, o homem é um ser sem uma significação absoluta última, algo que não pode ser conhecido e tampouco determinado em sua essência própria, pois é um ser livre. Desse modo, responder a pergunta antropológica é impossível, pois o homem é um ser que se faz no tempo, sua substância é pela sua existência, comportamento moral e cultural também no tempo. Não há modo último de definir o homem, pois este não se aplica às condições de possibilidade para conhecer um objeto, uma vez que ele está para além da mera empiria. Faz-se mister mostrar também as visões de Vittorio Mathieu e Eckart Föster, os quais escreveram dois detalhados comentários acerca da referida obra. Vittorio Mathieu publicou em 1991 L'Opus Postumum di Kant, o qual se preocupa em traçar genealogias e paralelos entre a vida do filósofo na época do escrito e sua doutrina, tanto endogenamente ao manuscrito quanto em sua significação em torno da obra como um todo. Eckart Föster, por sua vez, após traduzir para a língua inglesa o OP, também escreveu o livro Kant's Final Synthesis, uma chave para se compreender muitos dos meandros acerca da referida obra, sustentando a tese de que a grande preocupação de Kant ali diz respeito à passagem da filosofia transcendental para a física e que tal transição não começa a ser pensada enquanto tal até 1796, após a aposentadoria de Kant da Universidade. O entrelaçamento entre Föster e Mathieu, dá- se, justamente, por conta deste último, segundo Föster, colocar na conta de uma insatisfação de Kant com os juízos reflexionantes da Kritik der Urteilskraft (KU), o mote para o OP.458 O comentário de Föster acerca da visão de Mathieu é decisivo para entendermos ambos, uma 458 “An altogether different suggestion can be found in Mathieu, according to whom the need for a transition results from Kant's insight into a failure of the Critique of Judgment. Since the principles of the Metaphysical Foundations had laid the ground only for a science of nature in general, but not for physics as a system of the special laws of nature, Kant tried in the Critique of Judgment of 1790 to explain the “unity of the manifold” through a subjective principle of reflective judgment.” FÖSTER, 2000, p 2. 255 vez que Mathieu não está equivocado em sua posição, pois, de fato, Kant considera suas obras anteriores como bases para o OP e também tenta adaptar e modificar aquilo que não se encaixa na ideia final, o que é comum em qualquer pensador em constante crítica de si mesmo. O problema aqui é que esta visão de Föster serve apenas para referendar a sua própria tese, enquanto a passagem de Mathieu, citada por Föster, não é a sua visão geral acerca do OP. Mais precisamente, Föster precisa de uma visão contrária que suponha o conteúdo de OP como se constituindo antes de 1796 para justificar sua própria visão de que, embora o desejo de fazer uma obra final acerca de uma metafísica da natureza fosse bem mais antigo, provavelmente dos anos 1790, a discussão presente no OP é fruto de uma época posterior ao ano de 1796. Um dos argumentos de Föster para tal está assentado na ideia de organismos vivos, uma vez que em OP tal conceito ganha uma nova roupagem, de modo a justificar que o fundamento da referida obra apenas começaria após 1796 ou, “em outras palavras, nós devemos generalizar o conceito de uma máquina automovente própria a nós e estar abertos à possibilidade que temos de encontrar na experiência das outras máquinas naturais, isto é, organismos vivos.”459 A ideia de organismos vivos apenas está em esboço no OP e, assim como uma ideia fundamental de antropologia, se assemelha a notas tomadas para um posterior desenvolvimento, o qual o tempo não permitiu que ocorresse. Para Föster, com isso, a ideia de uma ciência da transição aparece como o fundamento mesmo de OP, entrando, pois, os organismos vivos dentro da ideia de uma física, enquanto ciência fundamental para entender o mundo (ciência da natureza). Os organismos seriam o desenvolvimento e talvez o início do pensamento acerca de uma transição, uma vez que não apareceram de modo algum em MAN e apenas de modo especulativo em KU. Por conta disso: Esta circunstância também parece falar contra a tese de Mathieu, a qual eu mencionei no começo, a saber, que foi a insatisfação com a terceira crítica que convenceu-o que uma ciência da transição era requerida. A inclusão de organismos e máquinas naturais no programa de transição pode ser explicado, inteiramente, de modo interno como seguimento natural da discussão de Kant acerca da ponderabilidade da matéria e dos poderes mecânicos.460

Mathieu ter falado acerca de uma insatisfação com a KU não significa que a solução para essa insatisfação foi pensada por Kant imediatamente. Ora, Föster tenta transformar algo circunstancial em uma coisa definitiva e determinada de modo claro. Tudo em Kant ganha um desenvolvimento,

459 “in other words, we must generalize the concept of our own self-moving machines and be open to the possibility that we might encounter in experience other natural machines, that is, living organisms.” Idem, p. 22. 460 “This circumstance, too, seems to speak against Mathieu's thesis which I mentioned at the beginning, namely, the it was Kant's dissatisfaction with the third Critique that convinced him that a “science of transition” was required. The inclusion of the organisms and natural machines into the program of the transition can be explained entirely internally, as following naturally from Kant's discussion of the ponderability of matter and of the mechanical powers.” Idem. 256 em que, normalmente, a ideia primeira é mais bem elaborada e se transforma em algo um tanto diferente da original, vide a filosofia crítica pensada na década de 1770 e exposta em cartas a Marcus Herz. Esta tese de Föster de que a inclusão de organismos e forças vivas no debate final é determinante para o entendimento geral da obra pode ser vista como algo que abre brecha para dois problemas. Mais precisamente, primeiro, Föster usa uma argumentação parecida com a nossa aqui, visto mostrarmos que, apesar de Kant ter deixado pistas como notas a serem desenvolvidas, os esboços do OP podem ser considerados para entender a obra. Entretanto, a diferença entre os esboços acerca de uma antropologia fundamental e aqueles em vista de uma teoria dos organismos e das forças vivas, é que a antropologia foi respaldada por uma série de escritos, circunscritos nos últimos dez anos de atuação profissional de Kant e também pela pergunta antropológica em todas as suas manifestações. Isto significa que Föster se arvora de uma visão não central em Mathieu para fundamentar a sua visão acerca da transição no cômpito do OP, usando partes acessórias da filosofia kantiana como se fossem o centro teórico, tal como, por exemplo, a ideia de organismos vivos. Segundo, é problemático afirmar sobre Mathieu a centralidade da ideia de insatisfação com a KU como motor para qualquer escrito, na medida em que no próprio livro de Mathieu suas conclusões acerca do OP mostram posições centrais bem diferentes. O autor italiano faz todo um grande apanhado de todas as partes do livro, desde sua gênese até seu desenvolvimento ao longo do escrito. Mathieu, assim, aponta não somente uma, mas seis conclusões que se pode retirar dos manuscritos não publicados de Kant. Contudo, a nós interessam-nos as quatro primeiras: 1-É possível encontrar um novo modelo de esquematismo no OP, que precisa dar conta de uma experiência indireta decorrente da noção de éter, enquanto elemento anfibólico, o qual se porta como algo não experimentável e, ao mesmo tempo, também como fenômeno responsável pelo princípio de todo e qualquer movimento. Desse modo, segundo Mathieu, “o novo esquematismo do OP, pelo contrário, produz um fenômeno indireto, como uma composição feita, inteiramente, a partir de nós, que precede o composto (o concreto) e todos os seus aspectos.”461 2-A segunda e terceira conclusões de Mathieu, de fato, dizem respeito à insatisfação de Kant, notada pelo autor italiano, em relação às conclusões da terceira crítica. No entanto, Mathieu quer mostrar um modelo de avanço que Kant estava preparando para fugir de afirmações de difícil prova na ciência empírica, que na KU aparecem de modo claro tal como, por exemplo, a doutrina do como se. Por isso, “o progresso que a concepção acima exposta representa para toda a filosofia

461 “il nuovo schematismo dell'OP, per contro, produce un fenômeno indiretto, come composizione fatta interamente da noi, che precede il composto (il concreto) e tutti suoi aspetti.” MATHIEU, 1991, p 284. 257 transcendental é detectável pela desaparição das expressões contraditórias, tais como conceito empírico ou lei empírica, que eram recorrente, com frequência, na KU.”462 Mais precisamente, esta segunda conclusão que se pode tirar do OP, segundo Mathieu, diz respeito também a uma reorganização da noção de dedução transcendental, ou seja, o intuito aqui de Kant é avançar e propor que além desta dedução, é necessário trabalhar com a noção de indução em, pelo menos, um aspecto, a saber, “o OP permite entender o único procedimento que a indução pode substituir: a determinação progressiva e assintoticamente completa da experiência.”463 3-A terceira conclusão também procura mostrar uma reorganização teórica de Kant em relação às conclusões da terceira crítica, a fim de dar conta da noção de mundo. Kant tenta no OP expor de uma forma mais bem elaborada o conceito de organismo, saindo, pois, da noção judicativa do como se da terceira crítica, em favor de uma teoria da experiência. No entanto, ele, para Mathieu, teria se deparado com uma quase impossibilidade de uma teoria transcendental do organismo: “isto não significa que, a meu ver, uma filosofia propriamente transcendental do organismo seja impossível. Mesmo que no OP, portanto, a filosofia do organismo permaneça insuficiente.”464 Obviamente, que Kant não desenvolveu a contento uma filosofia do organismo no OP e também não se pode tratar disso como algo auto-intuitivo na sua filosofia última, uma vez que seus derradeiros escritos não tratam disso, senão o inacabado OP. Uma teoria que pudesse fazer a passagem de uma filosofia transcendental para a física teria de dar conta dos organismos, enquanto parte desta teoria do mundo (natureza). Entretanto, Mathieu tinha muito bem em mente a noção de que, para Kant, a grande questão de uma teoria da passagem é se em tal caberia uma para a doutrina da liberdade, na qual o homem pudesse ser o sustentáculo teórico principal. Mathieu diz então que: “uma ponte entre a filosofia teórica e prática poderia aplicar-se talvez à filosofia kantiana da história: mas sobre isso o OP não trata.”465 Mathieu não se atentou aos escritos antropológicos e tampouco à pergunta guia dos últimos anos do filósofo crítico, uma vez que a história é um braço da antropologia, no sentido dado pela SF, visto ajudar a responder a pergunta antropológica. 4- A quarta conclusão interessa, sobretudo, no que concerne à não visão de Mathieu, assim como a de Föster, acerca do caráter derradeiro da última filosofia kantiana. Mathieu afirma que “me

462 “il progresso che la concezione su esposta rappresenta per l'intera filosofia transcendentale è riconoscibile dallo sparire di locuzioni contraddittorie, come << concetto empírico>> o << legge empírica>>, che ricorrevano ancora di frequente nella Crítica del Giudizzio.” Idem, p 285. 463 “l'OP permetre di capire l'unico procedimento che all'induzione può sostituirsi: la determinazione progressiva e asintoticamente completa dell'esperienza.” Idem, p 287. 464 “ciò non toglie che, a mio parere, una filosofia propriamente transcendentale dell'organismo sia impossible. Anche nell'OP perciò, la filosofia dell'organismo rimane insoddisfacente.” Idem. 465 “un ponte tra filosofia teoretica e pratica potrebbe offrilo, forse, la filosofia kantiana della storia: ma su ciò l'OP non spende parola.” Idem, p 288. 258 limito, portanto, a aludir a um conceito impossível ou, pelo menos, difícil de reconhecer na crítica: a definição da existência como omnimoda determinatio ou determinação completa da experiência.”466 Mathieu coloca uma questão antropológica como justificativa da afirmação, a saber, “o que significa existir?”, mas não a vê como antropológica, e sim, no máximo, como um questionamento meramente ontológico, um Dasein, na medida em que afirma que esta “é a questão que coincide com a da verdade, pois é comum assumir que uma proposição é verdadeira quando declara existente o que existe e vice-versa. Porque é impossível verificar uma existência como omnimoda determinatio mediante um processo finito.”467 Mathieu não nota que o objeto que Kant trata não é a existência em si, mas o desenrolar da vida humana, enquanto tal. Mais precisamente, enquanto ele pensa um sentido para a existência, Kant quer resolver os problemas humanos, em vista de um futuro melhor para a humanidade. Isto se faz verdadeiro na medida em que o próprio Mathieu diz que Kant estava preocupado em dar conta da relação entre o mais importante objeto a ser analisado e o modo como se referir a ele verdadeiramente. Kant não quer tratar da existência absoluta de modo final, mas apenas mostrar que a natureza é correlata no homem e este é um objeto sui generis, que como tal não pode ser tratado de modo absoluto. Apesar de não haver meio de tratar da natureza (e da existência como afirma Mathieu) de maneira absoluta, a possibilidade, no entanto, de tratar da natureza relativa do homem, por meio de juízos sintéticos a priori, é perfeitamente possível, de modo a ir em direção ao progresso da humanidade. Kant mostra, assim, a importância de se referir não apenas aos objetos naturais ordinários, mas, também às questões morais, em vista da liberdade. Mathieu, sob tal perspectiva, não se deu conta da dimensão antropológica profunda do último Kant. Portanto, Mathieu possui uma multiplicidade de hipóteses acerca do OP e mostra, obviamente, que tal obra está, completamente, interligada com os trabalhos anteriores de Kant, os quais, em sua maioria, o filósofo de Königsberg tentou avançar. A tese de Föster de que OP é, primordialmente, uma passagem da filosofia transcendental para a física nos parece um tanto limitada. No entanto, Mathieu, também não atingiu o centro teórico da filosofia última de Kant como fica claro em sua conclusão derradeira ao afirmar: Que a teoria da experiência do OP seja, sem comparação, mais rica e profunda que a da Crítica é indubitável. E, embora isto não seja o bastante para eliminar todas as evidentes aporias da obra póstuma, permite todavia discernir nesta massa de manuscritos um instrumento precioso para enfrentar e entender tanto a ontologia

466 “mi limito perciò ad accennare a un concetto impossibile o, almeno, difficile da riconoscere nella Critica: la definizione dell'esistenza como omnimoda determinatio o determinazione completa dell'esperienza.” Idem, p 288-9. 467 “questione che coincide com quella della verità, perché si è soliti assumere che una proposizione sia vera quando dichiara esistente ciò che esiste e viceversa. Poiché è impossibile verificare un'esistenza come omnimoda determinatio mediante un processo finito.” Idem, p 289. 259

implícita na ciência moderna da natureza quanto os procedimentos da física dos nossos dias, considerados de um ponto de vista transcendental.468

A tese final de Mathieu está correta, mas não completa, na medida em que nos últimos dez anos de vida e obra de Kant podem ser encontradas uma série de escritos antropológicos que seriam culminados com uma obra em que o homem fosse o centro da teoria. Ele chega a cair, como fica provado nas últimas linhas da citação passada, na mesma armadilha ontológica de Castaign. Mathieu chega a esboçar algumas opiniões acerca do significado de o homem ser o sustentáculo entre o mundo e deus, mas o seu desenvolvimento é comedido. Ele, na verdade, diz que “o homem é tanto autor quanto proprietário de sua representação (II, 477, 24); mas, naturalmente, do homem como ideia.”469 Ora, a referência que Mathieu consegue extrair do OP não situa as notas que Kant ali deixou no contexto de sua obra final, tampouco faz notar que este caráter ideal do homem não se situa apenas neste nível, uma vez que Kant está preocupado, em seus últimos escritos, em mostrar de que modo o homem pode organizar sua vida por meio da filosofia. O homem enquanto ideia nada mais é, no último Kant, que um padrão a ser seguido pelo homem pragmático, o qual é a finalidade de toda e qualquer filosofia sistemática. Mathieu apenas vislumbra uma tese antropológica como um nível auxiliar no OP, de modo que seu conteúdo principal não passaria de uma mera formalidade que enfatiza a moralidade, por meio do conceito de pessoa. Mais precisamente, o italiano afirma que “a pluralidade de camadas de uma tal antropologia, culminada em uma teoria da pessoa humana, expressa-se com concisão numa teoria teológica.”470, o que significa que a antropologia não passaria de um braço daquilo que Kant chama de Deus, enquanto símbolo máximo da moralidade, contrariando a própria letra de Kant. No entanto, Mathieu tenta mostrar que apesar de a antropologia não ser uma forma teórica importante que sustentaria o sistema, o conceito de personalidade tem uma função importante, isto é, “nesta última fase de seu pensamento, Kant localiza na personalidade um dos conceitos capazes de ligar o aspecto teórico ao aspecto prático da filosofia. A personalidade se radica na autoconsciência, mas se realiza apenas por meio da consciência moral.”471 Ele quer expor o conceito

468 “Che la teoria dell'esperienza dell'OP sia, senza paragone, più ricca e profonda di quella Critica, è indubbio. E, sebbene ciò non basti ad eliminare tutte le palesi aporie dell'opera postuma, ci permette tuttavia di scorgere, in questa massa di manoscritti, un strumento prezioso per affrontare e capire, tanto l'ontologia implicita nella scienza moderna della natura, quanto i procendimenti della fisica dei nostri giorni, considerati da un punto di vista transcendentale.” Idem, p 298. 469 “l'uomo è, sia <> sia <> delle sue rappresentazioni (II, 477, 24); ma si tratta, naturalmente, dell'uomo come idea.”Idem, p 273. 470 “la pluralità di strati de una siffatta antropologia, culminante in una teoria della persona humana, viene expressa com concisione nella teologica.” Idem. 471 “In quest'ultima face del suo pensioro Kant scorge, nella <>, uno dei concetti capaci di congiungere l'aspetto teoritico e l'aspetto pratico della filosofia. La personalità si radica nell'autoconsienza, ma si realizza solo 260 de homem que Kant põe como central no OP como uma mera ideia de personalidade, por meio da qual o sujeito é entendido como a principal ideia que daria o amálgama do sistema. Queremos, a partir de agora, mostrar no OP que, assim como Mathieu, os comentadores de Kant não atentaram às pistas deixadas por Kant para interpretar o seu sistema de filosofia como um todo. A hipótese a ser provada, finalmente, é a de que há uma antropologia no OP, que sustenta o sistema kantiano como um todo. Esta sustentação se inicia como uma dimensão subjetiva, na qual o sujeito teria um padrão para guiar e organizar a própria vida, mas que, como finalidade última, intenciona mostrar à espécie humana como progredir em direção ao melhor.

9.4) Dos Escritos Após 1793 como Provas à Antropologia do OP

Primeiramente, não é possível, reiterando, afirmar qualquer finalidade última acerca do OP, por conta de se constituir apenas de um agregado de folhas soltas e embaralhadas durante seus anos de perambulação de mão em mão. Dito isto, de modo segundo, podemos pontuar, como posição definitiva, que apesar de endogenamente à obra não ser possível afirmar nada cabalmente, é viável, contudo, remontar um possível objetivo último, por meio das obras e ideias dos últimos dez anos de vida produtiva de Kant. Após 1793, ao lançar a RL, Kant sinalizou que a terceira das perguntas críticas havia sido respondida e que estas perguntas são amalgamadas em uma quarta, que o autor deu-se conta ser a mais fundamental de todas, a saber, “o que é o homem?”. Esta pergunta aparece, cronologicamente, em uma carta de 04/05/1793 de Kant endereçada a Stäudlin, o qual, inclusive, Kant dedicara o Der Streit der Facultäten (SF).472 A conhecida passagem mostra que Kant buscava organizar o seu sistema filosófico em função de uma antropologia. Isto teria de acontecer sob o paradigma da ciência, da moralidade e da religião. A antropologia, com isso, vira a ciência central do sistema, de modo que a melhora ininterrupta da vida do homem é a missão primordial de toda e qualquer filosofia. Ora, a centralidade da antropologia na obra final de Kant não anula a importância de toda a obra anterior, mas sim a subsume e a coloca para trabalhar em função da finalidade antropológica da filosofia, após 1793.

attraverso la coscienza morale.” Idem. 472 “Mein schon seit geraumer Zeit gemachter Plan der mir obliegenden Bearbeitung des Feldes der reinen Philosophie ging auf die Auflösung der drei Aufgaben: 1) Was kann ich wissen? (Metaphysik) 2) Was soll ich thun? (Moral) 3) Was darf ich hoffen? (Religion); welcher zuletzt die vierte folgen sollte: Was ist der Mensch? (Anthropologie; über die ich schon seit mehr als 20 Iahren jährlich ein Collegium gelesen habe). Mit beikommender Schrift: Religion innerhalb der Grenzen etc. habe die dritte Abtheilung meines Plans zu vollführen gesucht.” KANT, Br, AA XI, s 429. 261

Ora, a data inicial do projeto crítico pode ser estabelecida em 21/02/1772, quando Kant escreve a Markus Herz mostrando a intenção de fazer uma metafísica da natureza, uma metafísica dos costumes e uma crítica do gosto. Ora, saber o que queria fazer ali não significava que Kant tinha o conteúdo do projeto já construído. Ao longo das décadas de 1770 e 80 Kant organizou aquele projeto anunciado anos antes. Podemos traçar o mesmo paralelo aqui, ou seja, Kant estava construindo uma ciência antropológica que desse conta de responder a pergunta antropológica. Isto se faz verdadeiro, pois, após a data do lançamento da RL, 1793, Kant também publica a TP (1793), EAD (1794), ZeF (1795), VT (1796), VNAEF (1796), MS (1797), Vorrede zu Reinhold Bernhard Jachmanns Prüfung der Kantischen Religionsphilosophie (1798), SF (1798), Anth (1798), Log 1800), PhG (1801) e a Päd (1802). Todas essas publicações contêm assuntos antropológicos, na medida em que tentam explicar, por meio de seu saber específico, o que é homem e a sua condição de possibilidade de progredir para o melhor. O que nos interessa aqui também concerne ao que acontece intelectualmente com o autor no período que vai desde de sua aposentadoria em 1796 até a sua impossibilidade física ao trabalho em 1803. Neste período, Kant reorganiza suas notas de mais de 40 anos como professor, tratando de dá- las um aspecto sistemático dentro do seu pensamento. Ora, ele se aposentou de suas aulas na universidade para trabalhar em várias obras, e não apenas para se dedicar ao OP. O autor também, em vista da quantidade de trabalho a fazer, concedeu a seus amanuenses Theodor Rink e Gottlieb Jäsche a tarefa de organizar suas últimas notas de aula, a saber, a Log, a Päd e a PhG. Uma das obras, advinda de suas notas de aula é a Anth, que trata do homem pragmático em uma perspectiva crítica. Aqui Kant não aborda as condições de possibilidade da humanidade do homem, mas sim o que este, enquanto espécie, pode fazer de si mesmo, a despeito daquilo que a natureza e a história fez dele. Kant procurou ali expor que o homem, que pese sua diversidade, pode ter um caminho comum, sendo, assim, uma pista fundamental para o OP, na medida em que quando se refere ao Homem entre Deus e o Mundo, ele está expondo as condições de possibilidade do que molda a humanidade de modo geral, destrinchado, mormente, na Anth. Entretanto, talvez seja uma passagem da introdução da Log a mais importante para se compreender os rumos traçados em sua última filosofia, que, sem dúvida, está presente no OP.473 O conceito de filosofia cosmopolita para Kant é indissociável de sua função, isto é, a filosofia é, antes de ser transcendental ou crítica, cosmopolita como se pode confirmar tanto por meio da

473 “O campo (Feld) da filosofia, nesta significação cosmopolita (weltbürgerlich), pode reduzir-se às seguintes questões: 1- O que posso saber? 2- O que devo fazer? 3- O que me é permitido esperar? 4- O que é o homem? A Metafísica responde à primeira questão; a Moral, à segunda; a Religião, à terceira; e a Antropologia, à quarta. Mas, fundamentalmente, tudo poderia contar (rechnen) como Antropologia, pois as três primeiras questões remetem à última.” KANT, 2002b, p. 53. 262 constância do conceito em seu início crítico em 1781, quanto em 1800,474 constituindo, como já mostrado, o segundo nível de apresentação do sistema. O OP não está dissociado desta maneira de proceder metodologicamente na Log, visto que o Homem dos escritos póstumos também pode ser compreendido como aquilo em função do qual Deus e o Mundo existem. Por conta disso, para completar este último projeto, Kant precisava que o sistema não tivesse nenhum gap ou furo e, então, foi necessário começar o conteúdo desta sua póstuma obra final por meio da passagem da filosofia transcendental para a física, a qual não apenas trata das condições de possibilidade de conhecer fenômenos, mas sobretudo de um sistema do mundo material. No entanto, pode-se notar que há todo um conteúdo antropológico em volta disso, que justifica o esforço kantiano em fazer a passagem em vista deste objetivo último, tanto que no OP ele escreve: “eu, o mundo e o homem (cosmopolita) como pessoa (ser moral), como ser sensível (habitante do mundo), consciente de sua liberdade: o ser racional sensível no mundo.”475 O homem, com isso, é um ser pragmático e racional, responsável por organizar o sistema e ser o objeto, ao qual todo ele está direcionado. Esse tipo de organização não começa no OP, mas bem antes, após a publicação da RL e ganha um bom desenvolvimento ao longo dos últimos anos de reflexão do autor. Como se pode notar na passagem anterior de OP, o homem é o fim em si mesmo de um sistema autoalimentado, um sistema tal que está direcionado, ao mesmo tempo, ao homem enquanto espécie (humanidade em geral) e enquanto sujeitos racionais naturalmente livres (pessoas, seres morais), que necessitam tomar para si mesmos sua autoconstrução, que, em reflexo, constrói o homem em geral. Kant parte do homem pragmático e retorna a ele com um sistema de filosofia em que este pode se guiar para melhor viver sobre a terra. Por conta disso, a passagem da filosofia transcendental para a física começa com um passo anterior desenvolvido por Kant ao longo de sua reflexão filosófica crítica, a saber, a passagem da metafísica dogmática para a filosofia transcendental, que mais claramente poderia mostrar as condições de possibilidade para o funcionamento da ciência. O passo final, o qual o OP deveria dar, diz respeito à transição da filosofia transcendental para a física, esta última enquanto ciência em pleno funcionamento e contribuindo sem cessar para o progresso do conhecimento de mundo. Apenas dessa maneira, o homem poderia fazer ciência plenamente, sabendo exatamente a quem a ciência deve servir. A prova desta nossa afirmação pode ser encontrada na doutrina da autoposição, que, em nossa visão, parece ser a pista mais interessante do caminho que Kant queria seguir: O primeiro ato da faculdade da representação (facultas repraesentativa) é a representação de si mesmo (apperceptio), por meio da qual o sujeito faz-se objeto a 474 Cf. A 838-9 / B 866-7. E também Log, AA IX, s 23-4. 475 “Gott: die Welt: und der Mensch als (Cosmopolita) Person (moralischesWesen) sich seiner Freyheit bewuste Sinnenwesen (Weltbewohner) das vernünftige Sinnenwesen in der Welt.d” KANT, I. OP, AA XXI, Erstes Convolut, s 31. 263

si mesmo (apperceptio simplex); e sua representação é intuição (intuitus), não ainda conceito (conceptus): isto é, representação de um indivíduo (repraesentatio singularis), esta que ainda não é comum a muitos (nota, isto é, repraesentatio pluribus communis), isto é, uma representação geral válida, a qual deve ser encontrada em muitas [representações], em contraste à [representação] individual.476

Essa citação reflete, de forma determinada, o modo por meio do qual Kant queria fazer a passagem da filosofia transcendental para a física. Fazer-se objeto de si mesmo é o que inicia o processo de dar conta de si mesmo, enquanto humano que age no mundo; assim como dar-se conta também de que há um mundo que age sobre o indivíduo. Esse primeiro objeto é o homem pragmático, que sustenta a incessante reflexão acerca de Deus (liberdade) e do Mundo (natureza). Estas duas últimas instâncias compõem o universo, por meio do qual a filosofia deve ser a pauta reflexiva, a disciplina mais alta e mais importante. Isto posto, o correlato natural no sistema para esta autoposição é a liberdade, uma vez que o homem se diferencia das outras criaturas naturais devido ao fato de possuir todas as condições de agir moralmente. Por conta disso, o homem pragmático que se dá conta de si mesmo enquanto objeto físico em seu início, termina por especificar a si mesmo como espécie, a humana, que possui um universo filosófico capaz de melhorar as suas condições de vida. A doutrina da autoposição aparece em um momento de efervescência filosófica do até então estado prussiano; tal ideia de Kant parece sugerir uma resposta direta a Fichte. Ora, Fichte havia publicado em 1794-5 a Grundlage der gesammten Wissenschaftslehre, uma obra que tinha como pretensão dar conta de lançar um sistema de filosofia que propusesse, a partir de uma intuição intelectual de si mesmo, as condições de possibilidade a priori da experiência. Desse modo, um Eu originário seria a síntese primordial entre sujeito e objeto, uma vez que este Eu põe a si mesmo, coloca também o eu, sujeito pensante, e o não-eu, tudo que é objeto ao sujeito. Fichte pensava poder dar conta da problemática da incognoscibilidade da coisa-em-si, uma vez que esta intuição intelectual tudo põe e a ela nada escapa, por meio de uma dialética. Autoposicionar-se, com isso, para Kant, é um ato que mostra o início espaço-temporal do corpo físico do sujeito no mundo, é um ato primeiro que não surge espontaneamente do pensamento, mas sim da intuição que gera objeto para o pensar, apesar de apenas ser possível dar-se conta plenamente do corpo no pensamento. O corpo aqui é afetado pelas forças motrizes da natureza, de modo tal, que esta autoposição passa a ser bem mais uma área da sensibilidade que

476 “Der erste Act des Vorstellungsvermögens (facultas repraesentativa) ist die Vorstellung seiner selbst (apperceptio) wodurch das Subject sich selbst zum Objecte macht (apprehensio simplex) und seine Vorstellung ist Anschauung (intuitus) noch nicht Begriff (conceptus) d.i. Vorstellung des Einzelnen (repraesentatio singularis) noch nicht die welche vielen gemein ist (nota i.e. repraesentatio pluribus communis) gemeingültige Vorstellung die in Vielen anzutreffen ist im Gegensatz mit der einzelnen.” KANT, I. OP, AA XXII, Siebentens Convolut, s 43. 264 propriamente algo puramente intelectual como queria Fichte. Para além de mostrar seu posicionamento longe de Fichte, Kant queria congregar um reforço de seu pensamento enquanto sistema filosófico, que ganhou um viés antropológico sem perder a crítica. Fichte se fiou, sobretudo, quase que inteiramente em uma fundamentação simplesmente crítica, isto é, de preparação para o advir da ciência e da moral. Não é fortuito que o posicionamento fichteano tenha inspirado o romantismo, enquanto um pensamento de algo eternamente inacabado e por meio do qual se luta contra a sua incompletude congênita, figura do humano. Fichte apenas se fiou na base crítico-transcendental sem se dar conta do desenvolvimento progressivo do pensamento kantiano. Por outro lado, deve-se dar um desconto a Fichte, uma vez que tal desenvolvimento antropológico de Kant não era algo fácil de ser percebido. Isto é verdade, na medida em que Kant jamais abandonou seus pontos vista fundamentais da filosofia crítica, tanto que se nota na doutrina da autoposição de OP uma continuação da tarefa fundamental da filosofia, enquanto primeiro nível de apresentação do método, isto é: O primeiro pensamento, do qual o poder de representação parte, é a intuição de si mesmo e a categoria da unidade sintética da apercepção na aparência, isto é, a pura (não empírica) representação, a qual precede toda percepção, sob o princípio a priori: como são possíveis os juízos sintéticos a priori? Sua resposta é: eles estão identicamente contidos na unidade incondicionada do espaço e do tempo como intuições puras, cuja qualidade consiste no sujeito se colocando a si mesmo como dado (dabile); sua quantidade, no entanto, contém, no modo de composição, a intuição de um todo infinitamente infinito, enquanto ilimitado na progressão (cogitabile) e enquanto um todo pensável. - Subjetivamente - O que é pensado in indefinitum é aqui representado como dado in infinitum. Espaço e tempo são quantidades infinitas.477

Esta passagem prova que a doutrina da autoposição seria algo para além de uma mera polêmica com Fichte; ela é sobretudo, uma forma por meio da qual, progressivamente, um mero corpo existente dado, entende-se como representação que precede toda percepção. Ora, a tarefa da filosofia transcendental tem de dar conta deste aspecto e, por isso, não pode ser outra senão a de saber “como são possíveis os juízos sintéticos a priori?”. Esta ferramenta conceitual é, justamente, o veículo que liga as puras formas do pensamento aos objetos, cimentando uma relação semântica fundamental, sem a qual nada poderia ser objetivado cientificamente. Não se pode, entretanto, confundir a tarefa fundamental da filosofia com a finalidade a qual

477 “Der erste Gedanke von dem die Vorstellungskraft ausgeht ist die Anschauung seiner selbst und die categotie der synthetischen Einheit des Manigfaltigen in der Erscheinung d.i. der reinen (nicht empirischen) Vorstellung die vor aller Wahrnehmung vorher geht unter dem Princip a priori wie sind synthetische Sätze a priori moglich? Dessen Beantwortung ist: sie sind in der unbedingten Einheit des Raumes und der Zeit als reiner Anschauung identisch enthalten deren Qvalität darin besteht daß das Subjekt sich selbst als gegeben (dabile) setzt ihre Qvantitat aber daß der Art der Zusammensetzung als unbegrenzt im Fortschreiten (cogitabile) als ein denkbares Ganze die Anschauung eines Unendlich unendlichen gantzen enthält. — subjektiv Das in indefinitum gedachte wird hier als un infinitum gegeben Vorgestellt. Raum und Zeit sind unendliche Qvanta.” KANT, I. OP AA XXII, Siebensten Convolut, s 11. 265 esta tarefa está em função. Mais precisamente, se não se sabe como referir ao mundo, este será algo, completamente, indeterminado e desconhecido aos humanos; por conta disso, saber de que modo referir-se ao mundo é o primeiro passo, e talvez o mais fundamental, para mostrar ao humano como progredir incessantemente para o melhor e, por conseguinte, como resolver os seus próprios problemas. Este entrelaçamento entre a doutrina da autoposição e a semântica transcendental é o retrato daquilo que seria o OP, isto é, uma continuação da filosofia crítica com o acrescentar de novos posicionamentos que tornariam mais claros o filosofar e seu desígnio de como o homem pode progredir incessantemente em direção ao melhor. Esta tarefa da filosofia de saber como são possíveis os juízos sintéticos a priori é a prova mais clara da continuidade da base crítica, desde a KrV, mas acrescentada pela direção antropológica, vinda à tona nos anos de 1790. Isto é tanto verdade que: Deus e o mundo são ambos objetos da filosofia transcendental e (sujeito, predicado e cópula) é o homem pensado. O sujeito que as combina em uma proposição. Este [o sujeito] são relações lógicas em uma proposição, não a existência dos objetos que se encontram, senão meramente o formal das relações para trazer tais objetos à unidade sintética. Deus, o mundo e Eu, o homem, um ente mundano mesmo, que combina a ambos [Deus e mundo].478

A doutrina da autoposição é justamente a ponte entre Deus e o Mundo. Ao contrário do que entendia Fichte por doutrina da ciência, Kant queria um ponto de partida no mundo, que pudesse regular a ideia de homem e que também fosse regulado por ela. Kant, com isso, quer fazer uma ponte que não se resume a uma simples passagem da filosofia transcendental para física, mas, sobretudo, a um direcionamento concreto do humano em ato, por meio, pois, de princípios ideais os quais podem ser usados para guiar e melhorar a vida cotidiana. Pensamos que no OP não houve tempo para adequar tal modo de pensar, propriamente, a uma filosofia crítica já plenamente formada, restando um agregado de ideias antropológicas. Contudo, minimamente, tem-se um sistema de filosofia cuja base é a antropologia, visto que o princípio norteador aparece de forma cabal na pergunta antropológica contida na Log. Duas coisas são vitais aqui. Primeiro, tal questão que se pergunta sobre o estatuto do homem aparece no final da trajetória filosófica kantiana, aumentando a importância da pergunta e da temática antropológica, pois prova que Kant flexionou a direção de sua filosofia sem perder o conteúdo crítico anterior, ou seja, toda a

478 “Gott u. die Welt sind die beyde Objecte der Transc. Philos. und (Subject, Praed. u. copula) ist der denkende Mensch. Das Subject der sie in einem Satze verbindet. — Dieses sind logische Verhältnisse in einem Satze nicht die Existenz der Objecte betreffend sondern blos das Formale der Verhältnisse diese Objecte zur synthetischen Einheit zu bringen. Gott, die Welt, und Ich der Mensch ein Weltwesen selbst, beide verbindend.” KANT, I. OP, AA XXI, Erstes Convolut, s 37. 266 filosofia crítica passou a estar em função da antropologia. Segundo, a pergunta antropológica aparece em um tratado de lógica, o que significa que a base de todo e qualquer pensamento em sua retidão e racionalidade próprias devem estar em função do homem e sob os desígnios da disciplina antropológica. Portanto, apesar de a pergunta antropológica não constar no OP, pode-se cravar que nossa hipótese se prova, devido ao fato de que as obras que circundam o escrito aqui destacado, tratam de um conteúdo antropológico latente e procuram buscar responder a pergunta “o que é o homem?” Há, no entanto, uma característica que circunda o OP e, inclusive, o penetra de forma cabal, a saber, tal questão antropológica não pode ser respondida de forma definitiva, pois ao homem é impossível conhecer o sentido último, inclusive, de si mesmo, sob pena, caso ouse, de cair no dogmatismo da metafísica anterior.

Tal pergunta não pode ser respondida de forma absoluta, mas sim cada tempo deve dar um conteúdo a ela. O que a filosofia kantiana fornece é uma base científica e moral para que os homens, em seus tempos determinados, façam de si mesmos o melhor possível. O OP foi concebido, desse modo, para ser o episódio final dessa saga em busca do homem e sua progressiva melhora. Também é notório que Kant não encontrou um conceito amplo de natureza humana em que negros, índios e mulheres fossem parte efetiva e positiva de um sistema de propósitos cosmopolitas, isto é, o progresso humano em direção ao melhor teria de se dar à revelia destes; este problema não foi resolvido por Kant no OP, em nenhum momento. 267

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Kant transformou à filosofia em proprietária exclusiva da crítica, isto é, crítica e filosofia se confundem em Kant. Isto acarreta que no século XVIII a crítica submeteu todas as áreas do saber da época à sua jurisdição legítima, todas tiveram de prestar contas à crítica. A consequência disso é a falta de autonomia epistemológica e política do direito, da teologia, da medicina e da metafísica; para que suas afirmações tivessem validade no mundo precisavam da chancela da filosofia. Com isso, a filosofia estabeleceu que a crítica poderia inclusive dividir o tempo em passado (aquilo que se quer superar como, por exemplo, o estado absolutista) e o futuro (história do progresso incessante dos homens em direção ao melhor. Neste sentido, Kant foi o primeiro grande pensador a reconhecer na crítica o motor da regulação social mais eficiente da época. Se é próprio do iluminismo o vetor da crise que foi trazida ao seio do estado absolutista moderno, sua consecução pretendia criar um mundo novo (em um sentido de incessante definição). O ponto que vincula crise e crítica (Koselleck, 1999) é o advento de um novo modo de pensar que foi irresistível, inclusive, aos próprios componentes do estado absolutista. Uma constituição civil, a garantia da instrução pública e a garantia da propriedade privada simbolizam as novas regras morais que tomam conta da intelectualidade europeia. O pensamento de Kant é o ápice deste processo, uma vez que coincide com a ascensão burguesa, que, no caso da França ocorreu por meio de uma revolução. O mais interessante do movimento iluminista que assenta perfeitamente em Kant é a herança deixada pela velha ordem absolutista, a qual fora assimilada e colocada para trabalhar em vista dos valores da burguesia; falamos, precisamente, dos povos não europeus e das suas respectivas terras colonizadas. O sistema kantiano foi uma das criações desta nova ordem de pensamento de modo a preencher o poder com novas ideias, mas usando as velhas facetas que sobraram do antigo sistema. Assim, não é nenhuma surpresa os textos de Kant sobre os homens não europeus e o dever dos europeus de civilizar (colonizar) todos rincões do mundo. É neste ponto que Kant entende ser o homem o principal objeto de estudos da crítica (filosofia) e a antropologia a sua ciência correspondente. No entanto, o homem ideal kantiano, aquele que deve ser o motor de um mundo em progresso, tem rosto e cor da pele (branco) bem definidos. O racismo moderno também aparece como trunfo civilizador, uma vez que é diferenciado em Kant, a partir de Rousseau, que é necessário seguir uma divisão entre natureza e cultura, de maneira que quanto mais longe da natureza e mais culto (europeu) se é, são garantidas as condições de possibilidade de progresso humano. Obviamente que nem o racismo tampouco o colonialismo foram trazidos à tona por Kant, 268 mas ganham aqui um contorno sistemático fundamental. Ora, para sermos mais precisos, Macedônia, Roma, Mongólia e inclusive Aztecas foram impérios colonizadores, que existiram antes da modernidade. Contudo, na modernidade entra em cena um sistema econômico trazido pela mão da burguesia, o capitalismo, que recondiciona todos os sentidos anteriores de colonização. A aura e a prática escravagista e colonialista justificaram a civilização como ponto de escamoteamento da verdadeira chama moderna: economia capitalista. Por mais que Kant tenha poucas passagens sobre economia, ele foi o filósofo que pensou de forma mais consistente como a humanidade deveria se adequar à nova ordem de ideias políticas, o que acabou reverberando no domínio econômico e, principalmente, moral. A Antropologia formulada por Kant, assim, esteve em construção ao longo dos últimos dez anos de reflexão intelectual como uma ciência das condições de possibilidade pragmática da efetivação da liberdade no mundo. O homem é um objeto sui generis, na medida em que é um ser dotado de liberdade e, por conseguinte, não pode ser conhecido em termos kantianos. Restou a ele formular um sistema de propósitos cosmopolitas, que tinha como meta a consecução de uma constituição civil que deve regular a vida humana, principalmente, no que concerne a evitar guerras ofensivas. Fundamentar uma ciência antropológica foi um sinal dos tempos em que Kant vivia, mas colocá-la como ciência última foi o ponto de diferenciação do que ele estava fazendo em relação às outras antropologias que havia à época. Apesar de o continente americano ter sido posto no conhecimento europeu desde o século XVI, foi no XVIII que, de fato, este passou a figurar de maneira mais frequente entre as teorias sobre a humanidade (vide Rousseau). Este fato se deu por conta da entrada em cena da Grã-Bretanha como império colonial; esta começou a patrocinar expedições para mapear as potencialidades econômicas dos locais que seriam invadidos e saqueados. O benefício de Kant em tais expedições foi a coleta de informações para suas teorias antropológicas; aqui se deu seu ponto fraco. Houve, precisamente, no século XVIII uma crise de mundo, na medida em que os séculos anteriores mostraram que a humanidade europeia perdeu a centralidade no universo (descoberta de Copérnico), perdeu a centralidade de poder (Revolução Gloriosa na Grã-Bretanha, Independência dos EUA e Revolução Francesa) e se viu comparada a novas formas de humanidade que foram descobertas, do ponto de vista europeu, nos continentes até então desconhecidos (América e Oceania). De um ponto de vista histórico, a atual crise mundial resulta da história europeia. A história europeia se expandiu em história mundial e cumpriu-se nela, ao fazer com que o mundo inteiro ingressasse em um estado de crise permanente. Assim como o globo terrestre foi unificado pela primeira vez pela sociedade burguesa, a crise atual também se desenrola no horizonte de um auto-entendimento histórico- filosófico, predominantemente utópico. Este auto-entendimento é utópico porque 269

destina o homem moderno a estar em casa em toda parte e em parte alguma. A história transbordou as margens da tradição e submergiu todas as fronteiras. A tecnologia de comunicação sobre a superfície ilimitada do globo conduziu à onipresença de forças que submetem tudo a cada um e cada um a tudo. Ao mesmo tempo, além dos espaços e dos tempos históricos, explora-se o espaço planetário, ainda que seja apenas para fazer com que a humanidade vá pelos ares no processo em que ela mesma se empenhou.479

Ora, se transpusermos este entendimento sobre o século XVIII para a filosofia kantiana encontraremos uma série de semelhanças que não são mera coincidências. Primeiramente, para haver uma filosofia, de fato, influente em um mundo em constante transformação com uma série de novidades anuais, que levaram à consolidação das ciências da natureza e das matemáticas, era necessário constituí-la como a condição de possibilidade de se referir ao mundo. A filosofia transformou-se com Kant em condição de possibilidade para dar sentido a objetos. Esta estratégia o autorizou a reorganizar os saberes tradicionais da Europa, que se consolidaram na tradição acadêmica. Assim, fazer filosofia no século XVIII, e especificamente no caso de Kant, apenas podia suceder se, ao mesmo tempo, se pudesse trazer à filosofia para um campo de certeza incontornável. Este foi o nosso mote para mostrar que sem uma filosofia transcendental que fundamentasse o saber filosófico não se poderia tratar das condições pragmáticas de mundo. Deixemos claro que o projeto antropológico não estava em curso já no advento da KrV, em 1781, e tampouco tal filosofia foi feita inicialmente em vista da antropologia. No entanto, Kant tomou consciência que sem avançar em direção à vida cotidiana dos homens, de maneira a dar-lhes um saber o qual poderiam se guiar, não era possível haver filosofia de maneira plena. Este é o ponto de um sistema de filosofia cosmopolita de viés pragmático. O contraponto a este projeto último de filosofia não estava fora dele, isto é, a própria noção de natureza humana, da maneira como Kant construiu, foi decisiva para a incompletude de sua antropologia. O confronto entre o saber europeu em suas vivências políticas, científicas, artísticas, além de sua característica autocentrada, revelou um deficit decisivo para a definição de homem. Além da liberdade, e da consideração kantiana de uma gênese comum de todos os grupos (raças) humanos, Kant tinha sérias reservas para com os povos distantes que não vivam sob um sistema republicano; alguns desses, tais como indígenas americanos, eram considerados povos que vivam sob o estado de injustiça, sendo este caracterizado como a não consideração do direito (aos moldes da modernidade europeia) como ponto de proteção do corpo contra mortes violentas. Negros, índios e mulheres foram abordados por Kant como seres, em geral, incapazes de

479 KOSELLECK, R. Crítica e Crise (tradução de Luciana Villas-Boas Castelo-Branco). Rio de Janeiro: Contraponto, 1999. p. 9. 270 cosmopolitismo, por conta de suas culturas; e no caso das mulheres ele aponta uma injustificada incapacidade de defender-se perante um tribunal: juridicamente incapaz. A formulação de um sistema cosmopolita baseado em propósitos teria como resultado uma espécie de sociedade, que tais grupos não poderiam alcançar e, caso, por ventura, atingissem-no, seriam humanos por reflexo ao europeu. Este foi o principal ponto de inconsistência da antropologia de Kant que o impediu de encontrar um conceito amplo de natureza humana que satisfizesse a já erigida ciência antropológica. Isto posto, faz-se mister criticarmos também a nós mesmos, a fim de esclarecer os por quês de tal tese carregar as ideias que carrega e, principalmente, o por quê de não carregar o que muitos pensam que deveria se fazer presente. Primeiro, pensamos ser essencial inventariar de maneira crítica, seguindo nosso método de exposição e abordagem da filosofia kantiana, a KrV; a razão para tal é a, em nossa perspectiva, fundamental base que esta obra lega a toda filosofia posterior de Kant. Ela coloca um método em dois níveis de apresentação (semântico e doutrinário)e um sistema baseado no conceito de filosofia cosmopolita, que perpassa toda a obra kantiana de maneira tal que não poderíamos interpretar nenhuma obra posterior de maneira independente daquela, sem cair em um especismo (moral, teleológico, religioso, jurídico e etc.). Com isso, apesar da chatice congênita a uma abordagem como essa, ela é essencial para as nossas conclusões. Segundo, não inventariamos também a segunda e a terceira crítica por conta de que suas formulações, em um sentido amplo, se ancoram na KrV, principalmente, no que concerne ao método e ao sistema, a saber, ambas se referem a objetos por meio de juízos sintéticos a priori e têm como ponto de coerência lógica o serviço de seus conteúdos à humanidade, uma filosofia de sentido cosmopolita. Assim, concentramo-nos no método e no sistema que ali perpassam sem, para tal, ter que adentrá-las, o que, por conseguinte, carregaria muito de conteúdos, um tanto quanto, desnecessários à compreensão da tese. Terceiro, não nos concentramos em debater o que significa a antropologia de maneira ampla com outros autores, uma vez que nenhum deles enxerga a centralidade do projeto antropológico para a filosofia kantiana; os que enxergam a importância da antropologia de alguma forma (tais como Michel Foucault, Daniel Omar Perez, Holly Wilson e Patrick Frierson, apenas para citar alguns), não a compreendem como o principal e inacabado projeto de filosofia que Kant estava construindo até seus últimos suspiros de vida. Assim, também para não carregar a tese de discussões que tergiversam, de maneira relativa, às asserções que aqui fazemos, preferimos não entrar em contenda. Nossa intenção foi propor uma nova forma de ler Kant, uma outra perspectiva que, em nossa visão, o autor procurou até as últimas páginas escritas. O motivo para esta perspectiva se dá na procura de sermos o mais consequente possível com as próprias palavras de Kant, com suas 271 afirmações que passaram despercebidas ao longo da história de sua interpretação. Kant não é um filósofo formalista que nunca se preocupou em aplicar a sua filosofia. Pelo contrário, a própria ideia de lógica transcendental diz respeito às condições de possibilidade da aplicabilidade de toda e qualquer asserção, seja a priori ou mesmo a posteriori; fazer filosofia para Kant é fazer com que o mundo possa ser interpretado e mudado de acordo com a razão. Portanto, não abrir mão de pensar racionalmente não significa abrir mão de agir: Kant é um filósofo da ação. Temos plena noção, para terminar, da estranheza do que aqui fizemos. Cabe a nós, homens e mulheres atuais, trazer a exegese para um campo de ação compreensiva que deixe entrever o novo e que este possa ajudar a humanidade a viver melhor, assim como Kant pensou em sua filosofia, apesar de suas limitações e preconceitos. Filosofar é quebrar paradigmas e, para tal, temos que ser, por um lado consequentes (posto que estamos interpretando as ideias de um filósofo) e, por outro lado, ousados de maneira a fazer a sabedoria avançar e acumular conhecimentos que fiquem ao dispor de todos. 272

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APÊNDICE: Os Kantianos Ignoraram a Antropologia de Kant

Este apêndice se faz necessário devido ao fato de haver uma pergunta incontornável, e ainda não respondida de maneira exaustiva pelos kantianos, a saber: por que a fortuna crítica kantiana ignorou a letra de Kant sobre a antropologia como finalidade da sua filosofia? Não descuidando da relevância da problemática, gostaríamos de respondê-la a partir de uma apreciação básica, porém cirúrgica, do modo de visão que, em linhas gerais, dominou a interpretação kantiana após sua morte: em definição, a interpretação kantiana principal que se estabeleceu no século XIX e se convencionou chamar de neokantismo foi logicista, cognitivista e, pautadamente, centrada na epistemologia formal, legando ao século XX comentários analíticos preocupados bem mais com a fundamentação do kantismo, em vez de sua aplicação. Mesmo quando tratou-se da sua aplicação, mormente na ética, as interpretações não conseguiram abarcar o movimento de pensamento de Kant, na medida em que ainda ficaram presas às condições de possibilidade formais de ser ético na sociedade. Kant queria, em seu último pensamento, formular, e reformular, as relações teóricas em confronto com a maneira a qual mundo se apresentava; ele chamou tal confrontação de ciência antropológica, um saber que pode fazer a humanidade avançar na resolução dos seus problemas. A interpretação do neokantismo do século XIX, no entanto, enquanto combate ao idealismo, por um lado, e ao materialismo, por outro lado, pautou as interpretações kantianas que buscavam compreender o ponto central do sistema. Com isso, em nossa perspectiva, há um duplo movimento aqui, a saber, primeiro um legado de caráter analítico da filosofia do século XIX aos estudos kantianos e, segundo, o século XX incorporou a epistemologia como ponto nevrálgico da filosofia kantiana, ignorando a antropologia formulada por Kant de modo a, comumente, alegar que ela não faz parte no sistema. Os comentadores de Kant embarcaram em uma tese que fazia completo sentido em uma época de avanço das ciências, mas que em uma confrontação séria com a filosofia kantiana não se sustentava. Assim, no início neokantiano deste movimento, tanto a escola de Baden quanto, principalmente, a escola de Marburg tinham como seu foco e ponto de busca teórica o estabelecimento mais preciso do estatuto da ciência, por meio de uma epistemologia, a qual serviria tanto às recém, à época, identificadas ciências do espírito quanto, principalmente, às ciências da natureza. O sentido de epistemologia neste período se confunde com o de teoria do conhecimento, a qual também tem seu formalismo aplicado à ética, à história e à cultura, dentre outras áreas. As duas principais escolas neokantianas, a Escola de Marburg e a chamada Escola do Sudoeste (Escola de Baden ou Heidelberg) não eram simplesmente polos intelectuais ligados a uma espécie de reabilitação do kantismo em face da corrente hegeliana, do positivismo empírico ou da filosofia historicista da vida. Elas buscaram desenvolver, no que concerne à primeira, uma teoria do conhecimento 284

stricto sensu que correspondesse aos desenvolvimentos em matemática e física na virada do século, para a outra, fazer justiça às ciências do Espírito e, principalmente, à história, mas equipando as ciências morais com uma estrutura filosófica rigorosa, isto é, elaborando também uma teoria do conhecimento, certamente menos diretamente de Kuno Fisher e, sobretudo, de Rudolf Lotze, precisamente, em lógica.480

Este viés interpretativo pautou o kantismo, tornando-o paradigma de pensamento das principais linhas filosóficas contemporâneas tais como, por exemplo, a hermenêutica, a fenomenologia e a filosofia analítica, a qual, em relevo, contribuiu fortemente para uma visão logicista de Kant ao longo do século XX com seu protagonismo nos países anglófonos e até mesmo na Prússia/Alemanha. O neokantismo, enquanto movimento filosófico cujo o paradigma era o retorno aos textos de Kant, mostrou-se fecundo por atender as demandas filosóficas da segunda metade do século XIX e começo do XX. Primeiramente, em resenha sobre o livro de J. Alberto Coffa intitulado The semantic tradition from Kant to Carnap: to the Vienna station, Paul Rusnock e Ralf George, mostram que “até mesmo em Königsberg não houve nenhuma curso sobre Kant entre o outono de 1807 e o verão de 1865.”481 Em termos exatos, a data de 1865 diz respeito à publicação do livro de Otto Liebmann de nome Kant e o epígono. Entretanto, antes disso, em 1862, em uma aula inaugural concedida por Eduard Zeller, aparece o mote do neokantismo, a saber, o retorno a Kant. Zeller pontua tal retorno em seu Sur la signification et la tâche de la théorie de la connaissance como nos atesta Alexis Philonenko.482 Ora, o que aconteceu entre 1807 e 1862 a ponto de a filosofia kantiana ter sido secundarizada em sua própria cidade e posteriormente trazida de volta ao debate filosófico? O filósofo italiano Adrea Poma, especialista no movimento do neokantismo do século XIX, propõe a seguinte hipótese:

O neokantismo surgiu como uma tentativa de resposta e uma alternativa crítica tanto à metafísica idealista quanto ao materialismo naturalista. Certamente, a necessidade de um "retorno a Kant" não surgiu da convicção de que ele havia sido esquecido, mas, de certo modo, do ponto de vista oposto. A referência contínua a Kant foi a causa da distorção de seu pensamento autêntico por seus seguidores, que

480 “Les deux principales écoles néokantiennes, lécole de Marbourg et l'École dite du sud-ouest (école de Baden ou de Heidelberg) n'ont pas été simplement des pôles intellectuels attachés à une sorte de réhabilitation du kantisme face au courant hégelien, au positivisme empirique ou à la philosophie historiciste de la vie. Elles ont cherché à développer, pour la première, une théorie de la connaissance stricto sensu qui corresponde aux développements des mathématiques et de la physique au tournant du siècle, pour l'autre, à faire droit aux sciences de l'Esprit, et, principalement à l'histoire, mais en dotant les sciences morales d'une structure philosophique rigoureuse, c'est-à- dire en élaborant également une théorie de la connaissance, certes moins directement de Kuno Fisher et, sutout de Rudolf Lotze, en logique précisément.” LAUNAY, M. Néokantisme et Théorie de la Connaissance. Paris: Vrin, 2000. p 7. Tradução nossa. 481 “In Königsberg itself there was no course of lectures about him between autumn of 1807 and the summer of 1865.” RUSNOCK, P; GEORGE, R. The semantic tradition from Kant to Carnap: to the Vienna station. Philosophy and Phenomenological Research, Vol. LVI, No. 2, June 1996. p 8. Tradução nossa. 482 PHILONENKO, A. L'École de Marburg. Paris: Vrin: 1989. p 9. 285

sempre enfatizaram seus aspectos menos válidos (coisa-em-si), negligenciando cada vez mais sua contribuição verdadeiramente valiosa (o transcendental). Estou me referindo aqui à tese central do livro de Liebmann, Kant und die Epigonen. O autor, no entanto, estava apenas se juntando a um grupo maior de pensadores, que incluía Benecke, Weisse, Haym e Zeller, que haviam mostrado as mesmas intenções. A redescoberta do Kant "real" tinha um duplo significado: "o Kant real e histórico, o Kant essencial e significativo". A dupla natureza desse "retorno a Kant" mostra claramente que a necessidade de uma reconstrução histórica do Kant real não se limitava a uma espécie de neoescolasticismo kantiano, mas estava em busca de um ponto de referência sólido para a "reconstrução da filosofia". neste Kant real.483

Ora, este movimento que tem como ponto de reivindicação um retorno a Kant ocorre devido ao fato de que a filosofia pós-morte de Kant tomou um rumo, o qual não satisfazia as demandas interpretativas de mundo de muitos intelectuais do século XIX. Além disso, como atesta a supracitada referência de Poma, os pós-kantianos trouxeram para o centro do debate a problemática do conceito de coisa-em-si. O “verdadeiro” Kant, resgatado nas fileiras da segunda metade do XIX, teria de colocar as bases para a fundamentação transcendental em um mundo intelectual bombardeado pelo advento de vários saberes e várias ciências surgidas recentemente no século XIX. Podemos destacar, grosso modo, Hegel, Schelling, Hamman484 e Jacobi.485 como as principais influências da recepção de Kant no final do século XVIII e primeira metade do XIX. Enquanto Hamman faz uma dura crítica ao que ele chama de purismo da razão, identificando um gap na apreciação da história e da linguagem como fonte de todo e qualquer conceito, Jacobi, por sua vez, mostra uma aporia ou impasse existente no conceito de coisa-em-si, por meio do apêndice à sua obra chamado Sobre o idealismo transcendental; este é um conceito que sem o qual não é possível entrar na KrV, mas com ele não é possível sair dela. Posteriormente, em 1801, Jacobi lança a tese de que a filosofia kantiana reduzia a razão ao entendimento.486 Este modo de interpretação influenciou

483 “Neo- came into being as a tentative response and critical alternative both to idealist metaphysics and to naturalistic materialism. Certainly, the need for a "return to Kant" did not grow out of the conviction that he had been forgotten, but, in a way, from the very opposite view. Continual reference to Kant had been the cause of distortion of his authentic thought by his followers, who had always emphasized its less valid aspects (thing-in- itself), neglecting more and more his truly valuable contribution (the transcendental). I am here referring to the central thesis of the book by Liebmann, Kant und die Epigonen. The author, however, was only joining a larger group of thinkers, which included Benecke, Weisse, Haym and Zeller, who had shown the same intentions. The rediscovery of the "real" Kant had a twofold meaning: "the real, historical Kant, the essential, meaningful Kant." The twofold nature of this "return to Kant" clearly shows that the need for a historical reconstruction of the real Kant was not limited to a kind of Kantian neoscholasticism, but was in search of a sound point of reference for the "reconstruction of philosophy" in this real Kant.” POMA, A. The Critical Philosophy of Hermann Cohen (translated by John Denton). New York: State University of New York Press, 1997. p 2. Tradução nossa. 484 HAMMAN, J. G. Schriften zur Sprache. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1967. 485 JACOBI, F H. David Hume Über den Glauben, oder Idealismus und Realismus, Ein Gespräch. Hamburg: Meiner, 1998. Werke, vol. II. 486 JACOBI, F H. Über das Unternehmen des Kritizismus, die Vernunft zu Verstande zu bringen und der Philosophie überhaupt eine neue Absicht zu geben. Hamburg: Meiner, 1998. Werke, vol. III. 286 o que se convencionou a chamar de idealismo alemão, tendo Hegel como principal nome. O idealismo hegeliano se apresentava como uma filosofia muito incômoda ao modelo kantiano, vinculando-se a uma baixa apreciação de limites a priori claros, os quais deveriam, no mínimo, ser definidos à medida que se avançasse a investigação da experiência da consciência.487 A oposição ao idealismo hegeliano iniciou já durante a vida deste, contudo sem uma filiação kantiana muito bem definida e enraizada, tal como ocorrerá na segunda metade do século XIX. Um grande movimento que se contrapôs ao idealismo especulativo foi o materialismo do século XIX que possuía um viés, flagrantemente, epistemológico e foi colocado em prática, principalmente, por cientistas naturais, mas também por filósofos. Este materialismo deve ser considerado um dos pontos de necessidade de voltar a Kant e entender de onde veio toda a controvérsia acadêmica do século XIX.488 Um dos primeiros grandes motores para o retorno a Kant, além da entrada em cena das ciências naturais, foi a polêmica entre as ideias de Kuno Fisher e Friedrich Adolf Trendelenburg: “o desacordo foi levado a cabo nas seguintes obras de Trendelenburg: Logical Investigations (2nd ed., 1865), On a Gap in Kant’s Proof of the Exclusive Subjectivity of Space and Time (1867), e Fischer and His Kant (1869). Fischer mostrou sua opinião sobre Kant no System of and Metaphysics (1865), e nos quatro volumes da History of Modern Philosophy (1860–7) e respondeu diretamente a Trendelenburg no polêmico Anti-Trendelenburg (1870).”489 O ponto central, segundo Graham Bird, é a disputa acerca de um suposto gap no que concerne à subjetividade do espaço e do tempo na estética transcendental kantiana: “a crítica implica que uma inferência central na estética transcendental sobre o caráter do espaço e do tempo é uma falácia que prejudica não apenas a posição da estética, mas toda a crítica. Fischer, em contraposição, chamou tal estética de paradigma da precisão científica e do método, e sua resposta foi negar que houvesse tal lacuna, ou que Kant tivesse negligenciado a alternativa relevante.”490

487 Nunca é demais lembrar que Hegel morreu em 1836. 488 “What were forthcoming, however, were theories that were often crude and superficial, in their reliance on naive naturalistic objectivism and an illusory empirical method, taken over from scientific research. The Materialismusstreit controversy of 1850 through 1860 appeared to have come to an end with liberation from all metaphysical illusions and with the definitive establishment of materialistic dogma. Books such as Kohlerglaube und Wissenschaft (published in 1854 and reaching its sixth edition by 1856!) by Karl Vogt, and especially Kraft und Stoff (1855, twenty-first edition by 1904!) by Ludwig Büchner appeared to have opened up a new, more "scientific" conception of reality and man. Materialistic prejudice crossed the boundaries of specialization to take on the role of popular philosophy.” POMA, A. The Critical Philosophy of Hermann Cohen (translated by John Denton). New York: State University of New York Press, 1997. p 2. 489 “The disagreement was pursued in Trendelenburg’s Logical Investigations (2nd ed., 1865), On a Gap in Kant’s Proof of the Exclusive Subjectivity of Space and Time (1867), and Fischer and His Kant (1869). Fischer offered his accounts of Kant in the System of Logic and Metaphysics (1865), and a four-volume History of Modern Philosophy (1860–7) and responded directly to Trendelenburg in the polemical Anti-Trendelenburg (1870).” BIRD, G. The Neglected Alternative: Trendelenburg, Fischer, and Kant. In: BIRD, G. A Companion to Kant. Hong Kong: Blackwell, 2006. pg 493. Tradução nossa 490 “The criticism implies that a central inference in the Aesthetic about the character of space and time is a fallacy 287

A disputa, com isso, diz que se Trendelenburg estiver certo não há como provar que há objetividade uma vez que o espaço e o tempo seriam meramente subjetivos, o que implica um comprometimento de toda filosofia kantiana, que não poderia evoluir objetivamente de modo algum, senão por um forçado objetivismo não provado. “A posição de Fischer, em contrapartida, era que Trendelenburg não entendeu corretamente a posição de Kant e que Kant notou e abriu espaço para a, suposta, alternativa negligenciada. De acordo com Fischer, Kant argumentou bastante apropriadamente tanto sobre subjetividade quanto acerca da não objetividade, provendo uma compreensão adequada.”491 O neokantismo trouxe, com isso, um paradigma epistemológico, que apesar de não secundarizar, completamente, o homem, o método de fundamentação científica passou a ser mais importante do que propriamente saber como é possível a espécie evoluir para as melhores formas possíveis de vida. Isto quer dizer, mais precisamente, que o século XIX colocou como ponto central de interpretação da filosofia kantiana, a busca pelo aprofundamento do estabelecimento das bases da ciência, as quais deveriam estar para além (e fundamentando, ao mesmo tempo) do materialismo e do idealismo. O que se tem de fato é a tentativa de estabelecer o fundamento de todo e qualquer pensamento sob a crítica enquanto filosofia transcendental.

Movimento do Neokantismo

Segundo Eric Dufour, com isso, em Marburg há uma maneira própria de lidar com questões contemporâneas suas, nas quais Kant é um veículo de interpretação.492 O objetivo, com isso, é partir não de uma questão metafísica da possibilidade do conhecimento, mas de uma questão de fato, no que concerne a validade epistemológica do método. Por isso, a interrogação filosófica teria de ser lógica, em vez de psicológica. Isto ocorre em virtude da possibilidade de oposição ao idealismo hegeliano em que a lógica passa a ser o ponto alto da ciência, a ciência da ciência, da qual parte toda e qualquer interpretação. Oposição que também acontece frente ao psicologismo e ao naturalismo. Este movimento vem à tona ali, por meio de Hermann Cohen. No entanto, o retorno a Kant não foi meramente uma advertência contra os

which undermines not only the Aesthetic but the whole Critical position. Fischer, by contrast, called the Aesthetics a paradigm of scientific precision and method, and his response was to deny that there is any such gap, or that Kant had neglected the relevant alternative.” BIRD, G. The Neglected Alternative: Trendelenburg, Fischer, and Kant. In: BIRD, G. A Companion to Kant. Hong Kong: Blackwell, 2006. pg 487. Tradução nossa. 491 “Fischer’s position by contrast was that Trendelenburg had failed properly to understand Kant’s position and that Kant had noted and made room for the neglected alternative. According to Fischer Kant had argued quite properly from subjectivity to non objectivity provided that these terms were adequately understood.” BIRD, G. The Neglected Alternative: Trendelenburg, Fischer, and Kant. In: BIRD, G. A Companion to Kant. Hong Kong: Blackwell, 2006. pg 487. Tradução nossa. 492 DUFOUR, E. Hermann Cohen: Introduction au néokantisme de Marbourg. Paris: PUF, 2001. ps 8 – 9. 288

sistemas especulativos da primeira metade do século XIX, mas também, e talvez ainda mais (ou, pelo menos, mais imediatamente), uma rebelião do idealismo contra o obcecado objetivismo naturalista do materialismo, e uma tentativa de unir filosofia e ciência de um ponto de vista crítico, em oposição às teorias arbitrárias e superficiais do materialismo vulgar (Vulgiirmaterialismus). Os protagonistas da primeira fase do neokantismo, o chamado neokantismo fisiológico, foram os cientistas (Helmholtz) e os filósofos (Lange, Liebmann), que reconheceram que o verdadeiro arcabouço conceitual dentro do qual reagiria contra o objetivismo materialista e o empirismo foi a correspondência entre as teorias da Synnenphysiologie de Johannes Muller e a do a priori de Kant.493

Assim, Hermann Cohen lança um movimento de retorno a Kant como ponto de restabelecimento do criticismo como paradigma de pensamento494 e “um de seus primeiros livros, Kants Theorie der Erfahrung, cuja primeira edição foi publicada em 1871, dá a direção geral do que mais tarde permanecerá como uma das principais linhas de seu pensamento: a reinterpretação de Kant. No entanto, é significativo que este livro seja fundador, em certo sentido, do chamado de neokantismo.”495 Ora, como se pode notar, o mais provável marco fundacional do neokantismo de Marburg está localizado no ano de 1871. A função de Kant como paradigma de pensamento se vinculava à capacidade de Cohen de fundamentação a priori do pensamento, o que era conveniente em uma época que uma série de ciências empíricas e humanas se desvinculavam da filosofia, ganhando estatuto próprio. Falamos, mais precisamente, da biologia, da química, da psicologia, da antropologia e etc. Cohen “Kant encontrou a solução no retorno a Kant, que é a filosofia transcendental.”496 Por conta disso, em sua

493 “However, the "return to Kant" was not merely a warning against the speculative systems of the first half of the nineteenth century, but also, and perhaps even more (or at least more immediately), a rebellion of idealism against the dull naturalistic objectivism of materialism, and an attempt to bring together philosophy and science from a critical standpoint, as opposed to the arbitrary, superficial theorizings of "vulgar materialism" (Vulgiirmaterialismus). The protagonists of the first phase of Neo-Kantianism, so-called "physiological" Neo- Kantianism, were scientists (Helmholtz) and philosophers (Lange, Liebmann), who recognized that the real conceptual framework within which to react against materialistic objectivism and empiricism was the correspondence between the theories of Johannes Muller's Synnenphysiologie Kant's a priori.” POMA, A. The Critical Philosophy of Hermann Cohen (translated by John Denton). New York: State University of New York Press, 1997. ps 2 – 3. Tradução nossa. 494 “By 1870 the Hegelian school was indeed past its peak and neo-Kantianism began to unfold, initially in parallel to positivism and always differentiated from the philosophies of Schopenhauer, Herbart, and the materialists. The motivation to ‘return to Kant’ was considerably increased by Friedrich Albert Lange (1828-1875) who, in the widely read second edition of his Geschichte des Materialismus (1875) spoke of ‘a young school of Kantians in a narrower and wider sense of the word’. Among these he counted Otto Liebmann, Jürgen Bona Meyer, and Hermann Cohen. Lange admitted that Cohen’s book Kants Theorie der Erfahrung (1871) had inspired him to revise his presentation of the Kantian system.” HOLZHEY, H. Cohen and the Marburg school in context. In: MUNK, R. (Ed.). Hermann Cohen's Critical Idealism. Dordrecht: Spring, 2005. Tradução nossa. 495 “L'un de ses premiers ouvrages, La Théorie Kantienne de l'experiénce, dont la première édition fut publiée en 1871, donne l'orientation générale de ce qui, par la suite, restera l'un des axes recteurs de sa pensée: la réinterprétation de Kant. Il est cependant significatif que ce livre, fondateur, en un sens, de ce qui s'est appelé le néokantisme.” LAUNAY, M. Néokantisme et Théorie de la Connaissance. Paris: Vrin, 2000. p 13. Tradução nossa 496 “Found the solution in the return to Kant, that is transcendental philosophy.” POMA, A. The Critical Philosophy of Hermann Cohen (translated by John Denton). New York: State University of New York Press, 1997. p 4. Tradução nossa. 289

Kants Theorie der Erfahrung: O autor enfatiza, a partir do prefácio, que não se trata de, simplesmente, ler por ler Kant, mas sim de extrair algo dele para pensar melhor hoje o problema do conhecimento. Há um duplo desafio: por um lado, o histórico, isto é, o filológico, de saber o que Kant disse e pensou, exatamente, por outro lado, o desafio sistemático de saber de que maneira a crítica kantiana pode nos ajudar a filosofar depois de Kant. E ambos são inseparáveis. Se é verdade que nunca se pode ler e interpretar um texto de maneira neutra e imparcial, - "não se pode ler Kant sem revelar o mundo que se carrega na própria cabeça" (KTE, p xi) - os pressupostos segundo os quais se lê um texto devem encontrar sua confirmação e seu fundamento ao longo do movimento de debruçar-se na leitura do texto.497

Assim, os dois grandes pilares de reflexão do início propriamente conjuntural do neokantismo podem ser encontrados em, por um lado, um viés filológico e, por outro lado, em um viés sistemático. Cohen, não fortuitamente, seguiu a mesma sequência reflexiva de Kant a partir destes princípios. Com isso, também escreve, e reflete a partir de, uma Kants Begründung der Ethik e uma Kants Begründung der Ästhetik. Além destas, também encontramos Das Prinzip der Infinitesimal- Methode, Logik der reinen Erkenntnis, Ethik des reinen Willens, volumes I e II da Ästhetik des reinen Gefühls e Der Begriff der Religion im System der Philosophie. Ora, para interpretar Kant no século XIX não bastava, meramente, repeti-lo, mas, sobretudo, ultrapassá-lo naquilo que a demanda logicista e epistemológica daquele período requeria. O sistema de Cohen procurou ter a base conceitual de Kant em suas proposições críticas, mas com conceitos que vão além dele, tal como o de valor.498 Cohen está preocupado em fundamentar não apenas a sua ética, mas também a sua estética, por meio de uma estrutura determinante, que culmina em uma legalidade a priori.499 Ora, que pese todo o esforço do autor para fazer jus ao kantismo em sua exegese própria, ele não deixou de lado a crítica e, por meio dela, atualizou o pensamento kantiano,

497 “L'auteur souligne, dès la Préface, qu'il ne s'agit pas de lire Kant pour lire Kant, mais pour en tirer quelque chose afin de mieux penser, aujourd'hui, le problème de la connaissance. Il y a un double enjeu: d'une part celui historique, c'est-à-dire philologique de savoir ce qu'a exactement dit et pensé Kant, d'autre part l'enjeu systématique de savoir en quoi la critique kantienne peut nous aider à philosopher après Kant. Et tous deux sont inséparables. S'il est vrai qu'on ne peut jamais lire et interpréter un texte d'une manière neutre et impartiale - «on ne peut pas lire Kant sans dévoiler le monde qu'on porte dans sa propre tête» (KTE, p xi) -, les présupposés à partir desquels on lit un texte doivent trouver leur confirmation et leur fondation lorsqu'on s'attache à la lecture du texte.” KTE é a sigla que Dufour estabelece para Kants Théorie der Erfahrung de Cohen. DUFOUR, E. Hermann Cohen: Introduction au néokantisme de Marbourg. Paris: PUF, 2001. p 29. 498 “La disjonction entre l'homme comme être de la nature et l'être rationnel, calquée sur celle du connaître et du penser, ou sur celle des catégories et des idées, permettait à Cohen d'affirmer que quand bien même l'homme n'existerait pas – ni avec lui la psychologie et l'anthropologie – la vérité éthique cependant devrait être en rapport avec le vouloir pur (Kants Bengründung der Ethik, 162). Ainsi l'être rationnel doit affirmer son sens total dans l'exclusion du Dasein, l'être rationnel devient pour soi fin ultime. En même temps, comme être appartenant au monde supra-sensible, et non comprend en soi le Devoir-Etre comme connaissance de la valeur distinct de l'être du sensible." PHILONENKO, A. L'École de Marburg. Paris: Vrin: 1989. pg 38. 499 "On doit cependant s'attacher au vouloir pur, que investit l'être rationnel, comme principe, en l'on trouvera que le vouloir pur – l'être rationnel se posant comme fin ultime – est un concept analytique […] dans ce rapport analytique la forme se manifeste comme le rationnel, ou encore comme une structure déterminant une légalité a priori." PHILONENKO, A. L'École de Marburg. Paris: Vrin: 1989. pg 39. 290 mas, em sua reflexão da maturidade, pondo a psicologia (já nos moldes do século XIX) como ponto de coerência lógica do sistema; assim: Cohen explicitamente assume a tripartição kantiana da filosofia. No entanto, depois de ter fundado as três partes da filosofia, é necessário estabelecer a unidade que caracteriza o sistema como tal. Desde o início, com a escrita da lógica, é para a psicologia que retorna o papel de fundar a unidade do sistema. A psicologia, anunciada como a quarta parte do sistema, tem como objeto a "unidade da consciência" (LRE, p. 17). Ela determina a relação entre as três orientações da consciência (pensamento, vontade, sentimento) que constituem as fontes subjetivas desse sistema. 500

A psicologia, para Cohen, é capaz de unificar o sistema, posto que, em vez de partir de indivíduos determinados, inicia-se por meio de fatos culturais presentes em diferentes culturas, a totalidade deve fundamentar a unidade. Assim, obras de arte, a física e a matemática, a ciência do direito e etc., são fatos culturais capazes de ser interpretados do ponto de vista do desenvolvimento da humanidade em geral. A análise do desenvolvimento da consciência de um homem determinado deve estar ligada ao desenvolvimento da consciência da humanidade como um todo, apoiando-se num fato cultural com este viés específico, a saber, a história. Esta ideia de um desenvolvimento coletivo da consciência está ligada ao estabelecimento da psicologia como ciência no final do século XIX. Ora, para que pudesse colocar a psicologia como fundamento do sistema, Cohen usou o artifício das ciências baseadas em ganhos de outras, tal como, por exemplo, a matemática está para a lógica. Isto permitiu que ele desenvolvesse a psicologia como um análogo científico da ciência histórica. Cohen retomou um aspecto que esteve no centro do debate no início do movimento de retorno a Kant com Helmholz e Fries, 501 enquanto tendência de interpretar aquilo que era transcendental como propriedade inata. Também podemos interpretar que este trato do homem estabelecido por Cohen, não se preocupa com a aplicação pragmática (antropológica, por assim dizer) na vida cotidiana, mas, mormente, em sua fundamentação última de modo a não haver contestação sobre sua base. Por conta desse relevo psicologista é possível notar um desinteresse sobre a filosofia de Cohen, e mesmo sobre o neokantismo de modo geral após a primeira guerra mundial, no que concerne à relevância deste para o ambiente filosófico (o que não pode ser confundido com a interpretação

500 “Cohen reprend explicitement la tripartition kantienne de la philosophie. Cependant, après avoir fondé les trois parties de la philosophie, il faut établir l'unité qui seule caractérise le système comme tel. Dés le commencement, c'est-à-dire la rédaction de la logique, c'est à la psychologie que revient le rôle de fonder l'unité du système. La psychologie, annoncée comme quatrième partie du système, a pour objet l' (LRE, p 17). Elle détermine le rapport entre les trois orientations de la conscience (pensée, vouloir, sentiment) qui constituent les sources subjectives de ce système.” LRE é a sigla que Dufour estabelece para Logik der reinen Erkenntnis. DUFOUR, E. Hermann Cohen: Introduction au néokantisme de Marbourg. Paris: PUF, 2001. p 112. Tradução nossa. 501 Cf. LEARY, D. The Psychology of Jakob Friedrich Fries (1773-1843): Its Context, Nature, and Historical Significance. Storia E Critica Della Psicologia 3, no. 2 (1982): 217-48. 291 especificamente kantiana, cuja presença de bases neokantistas permanece inegável).502 Ora, a continuação da filosofia de Marburg não segue as ideias de Cohen, plenamente, no entanto não nega a sua Kants Theorie der Efahrung como ponto de partida. Com isso, assume os ganhos do sistema de reinterpretação kantiana de Cohen, mas escolhe um ponto nevrálgico do autor para se contrapor: o psicologismo. Em Paul Natorp isto fica muito claro, na medida em que ele atribui a luta contra o psicologismo como ponto fundador da escola de Marburg, ou seja, uma volta a Kant tem de significar um apelo a sua forma de resolução de problemas por meio da objetividade da lógica transcendental, contra o apelo psicologista do subjetivismo. Desse modo, a lógica transcendental: Longe de ser definida como uma disciplina meramente formal baseada em princípio único de não-contradição, ela deve, bem mais, ser entendida em seu sentido transcendental como um estudo da relação do conhecimento com o objeto, isto é, como uma declinação dos procedimentos mais universais que aplicamos quando procuramos conhecer um objeto qualquer; Natorp chega à sua questão principal: a fundação dessa lógica ou teoria do conhecimento válida deve se dar a partir do sujeito que julga (ato de conhecimento) ou do objeto julgado (conteúdo do que é conhecido)?503

O primeiro movimento de retorno a Kant é visto por Natorp como de linha psicologista. Autores como Helmholz, Zeller, Mach e Fries, os quais formularam que a psicologia seria um ótimo meio para combater as inconsistências e ilimitações do idealismo504 aparecem como uma forma de pensar sob um ponto de vista que propõe outra vez alguns limites. Assim, Natorp define o objeto de forma diferente dessa linha psicologista, a saber, aquele é investigado no seio da relação, e não como aquilo que é dado para que certa relação possa se exercer. O objeto é uma tarefa a ser incessantemente alcançada, e não um dado anterior a ser preenchido tal como o quer a atitude psicologista do primeiro movimento de retorno a Kant. Esta definição de objeto tem de valer para as três áreas da crítica desenvolvidas por Kant, vindo à tona, assim, uma ideia de objeto como algo que necessita de determinação. Natorp se apoia na KU, daí não haver estranheza em sua proposição de que a determinação do objeto é uma tarefa infinita; o

502 DUFOUR, E. Hermann Cohen: Introduction au néokantisme de Marbourg. Paris: PUF, 2001. p 20. 503 “Loin de devoir se définir comme discipline simplement formelle basée sur le seul principe de non-contradiction, doit bien plutôt se comprendre, en son sens transcendantal, comme étude de la relation de la connaissance à l'objet, c'est-à-dire comme déclinaison des procédures les plus universelles que nous mettons en œuvre lorsque nous cherchons à connaître un objet quelconque, Natorp en vient à sa question principale: la fondation de cette logique ou théorie de la connaissance valide, doit elle s'effectuer à partir du sujet qui juge (acte de connaissance) ou l'objet jugé (contenu de ce qui est connu)?” THOMAS-FOGIEL, I. Notice. In: NATORP, P. Fondation Objective et Fondation Subjective de la Connaissance. IN: Néokantismes et théorie de la connaissance. Paris: Le Cerf, 1998. p 111. Tradução nossa 504 “One aspect of this influence is of particular interest: in his reaction against idealism, and in his own « completion » of Kant, Fries laid the foundation for the development and acceptance of psychology as an independent science.” LEARY, D. The Psychology of Jakob Friedrich Fries (1773-1843): Its Context, Nature, and Historical Significance. Storia E Critica Della Psicologia 3, no. 2 (1982): 217-48. 292 conceito que Natorp se vincula é o de teleologia.505 A posição que Natorp estabelece para definir o objeto funciona como uma construção do conhecimento.506 Enquanto Natorp representa, dentro do movimento do neokantismo, uma volta e tentativa de melhor compreensão da ideia mesma de objeto, por meio do qual se poderia fazer ciência, Cassirer propõe pesquisar e desenvolver o conceito de símbolo como central para pensarmos todos os domínios por meio dos quais se desenvolvem a atividade espiritual do homem. Seguindo a revolução copernicana de Kant como ponto central e paradigma de pensamento, podemos estabelecer que ao autor da Filosofia das Formas Simbólicas também é ponto de partida que o Ser repousa sobre o Conhecer. Mais precisamente, a matéria do conhecimento, aquilo que é fornecido pela sensibilidade, não pode ser dissociada da forma do conhecer. Primeiramente, é necessário compreender que, para Cassirer, “por um lado, é necessário descrever as diferentes formas simbólicas em sua especificidade, mas, por outro lado, exibir a unidade de significado desse conceito de símbolo que possibilita precisamente fazer a ligação entre as diferentes espécies como um tipo comum.”507 O símbolo, como nos atesta Dufour, é entendido por Cassirer como aquilo capaz de aglutinar em um gênero comum uma infinidade de matérias. O símbolo organiza a interpretação e a objetividade dos objetos sob um ponto de vista comum. Segundo, Cassirer entende que “as ciências da natureza não possuem nenhuma autonomia verdadeira, porque se baseiam numa rede de sentidos, num tipo de conhecimento ou atividade espiritual do homem, as ciências da natureza não constituem mais doravante, senão apenas um domínio particular (e que é mais tarde) de simbolização.”508 Assim, o símbolo aparece como uma forma, a qual pode ser considerada, kantianamente, como uma lei ideal de organização da matéria sensível. Com isso, que pese a volumosa e diversa obra de Cassirer, mostraremos duas passagens que comprovam nosso ponto.

505 THOMAS-FOGIEL, I. Notice. In: NATORP, P. Fondation Objective et Fondation Subjective de la Connaissance. In: Néokantismes et théorie de la connaissance. Paris: Le Cerf, 1998. p 114. 506 “La fondation de la connaissance, atteinte par cette voie, doit absolument être dite objective et non subjective; elle honore l'exigence d'autonomie de la connaissance, car la fondation s'effectue à partir de la loi propre à la connaissance. Cette fondation diffère toto genere, et même s'oppose, à tout point de vue, / à la reconstruction du Subjectif originaire, en laquelle nous décelons le sens ultime de toute tentative de fondation psychologique de la connaissance. La fondation objective ne présuppose pas la fondation subjective, mais au contraire en constitue la condition indispensable. La justification de la loi de la connaissance réside dans la tendance constructive de la connaissance, dans la tendance à l'objectivation; elle cherche précisément les unités objectives ultimes.” NATORP, P. Fondation Objective et Fondation Subjective de la Connaissance. In: Néokantismes et théorie de la connaissance (traduit par Isabelle Thomas-Fogiel). Paris: Le Cerf, 1998. p 139. 507 “Il faut d'une part décrire les différentes formes symbolique dans leur spécificité, mais d'autre part exhiber l'unité de sens de ce concept de symbole qui permet précisément de faire le lien entre les différentes espèces comme genre commun.” DUFOUR, E. Notice. In: Néokantismes et théorie de la connaissance (traduit par Isabelle Thomas- Fogiel). Paris: Le Cerf, 1998. p 200. 508 “Les sciences de la nature ne possèdent aucune autonomie véritable, car elles reposent sur un réseau de sens, sur un type de connaissance ou d'activité spirituelle de l'homme, les sciences de la nature ne constituant plus désormais qu'un domaine particulier (et, qui plus est, tardif) de symbolisation.” DUFOUR, E. Notice. In: Néokantismes et théorie de la connaissance (traduit par Isabelle Thomas-Fogiel). Paris: Le Cerf, 1998. p 200. 293

Nesse ponto, então, toda a história da filosofia, independentemente de todas as controvérsias entre escolas e sistemas, parece infalivelmente seguir o mesmo curso. Pois é através deste ato de auto-afirmação - através desta confiança em si mesmo como o órgão verdadeiro para conhecer a realidade - que a filosofia como tal é constituída. A afirmação do adaequatio rei et intellectus permanece, nesse sentido, seu ponto de partida natural. E, no entanto, por outro lado, esse ato fundamental contém em si seu próprio oposto dialético. Quanto mais agudamente a filosofia procura determinar o seu objeto, mais o objeto, através dessa mesma determinação, se torna um problema para ela.509

Cassirer propõe, com isso, que o símbolo510 é a principal função do pensamento para organizar complexos conjuntos de objetos em relações perfeitamente verificáveis pelo pensamento, por meio de estruturas teóricas e modelos simbólicos. Neste sentido, as ciências naturais, estabelecidas em um domínio próprio por Dilthey, têm de ser vistas sob a determinação do símbolo, uma vez que as informações que a natureza nos apresenta devem ser mediadas por aquela instância simbólica da mesma maneira, pelo menos em seu início. Podemos encontrar o reforço e os meandros sobre o símbolo no conhecido debate de Davos entre o Cassirer e Heidegger. Mais precisamente, ambos tentam fazer Kant funcionar dentro de suas visões de mundo. Há de acrescentar que ambos, principalmente Cassirer, tratam da quarta pergunta: Ao tentar a fundamentação da Metafísica, Kant foi, por isso, impelido de modo a tornar o verdadeiro solo um abismo. Quando Kant diz: as três perguntas fundamentais se deixam reconduzir à quarta: “o que é o homem?”, então esta pergunta, em seu caráter de pergunta, tornou-se perguntável. Eu tentei mostrar que não é de modo nenhum autoevidente partir de um conceito de logos, mas que a pergunta da possibilidade da Metafísica requer uma metafísica do próprio Dasein enquanto possibilidade do fundamento de uma pergunta da Metafísica, de modo que a questão, “o que é o homem?”, não deve ser respondida tanto no sentido de um sistema antropológico, mas, isto sim, deve ser, primeiro, propriamente

509 “On this point, then, the whole history of philosophy, regardless of all controversies between schools and systems, seems unerringly to take the same course. For it is through this very act of self-affirmation—through this confidence in itself as the true organ for knowing reality—that philosophy as such is constituted. The assertion of the adaequatio rei et intellectus remains in this sense its natural point of departure. And yet, on the other hand, this fundamental act contains within it its own dialectical opposite. The more sharply philosophy seeks to determine its object, the more the object, through this very determination, becomes a problem for it.” CASSIRER, E. Philosophy of Symbolic Forms: Volume III. The Phenomenology of Knowledge (translated by Ralph Mannheim). New Haven / London: Yale University Press, 1957. p 3. 510 “The simplest and surest way to demonstrate the significance of the universal symbolic function for the formation of the theoretical consciousness would seem to be to turn to the highest and most abstract achievements of pure theory. For in them the connection stands out in full brightness and clarity. We find that all theoretical determination and all theoretical mastery of being require that thought, instead of turning directly to reality, must set up a system of signs and learn to make use of these signs as representatives of objects. Only to the degree to which this function of representation asserts itself, does being begin to become an ordered whole, a structure which can be clearly surveyed. The more fully we succeed in representing their content in this way, the more the particular reality and occurrence appear permeated by universal determinations. By following out these determinations and going on to represent each of them in turn symbolically, thought acquires an increasingly complete model of being and its general theoretical structure. Now there is no need, in order to be sure of this structure, to go back to the individual objects in their full concretion and sensuous reality. Instead of devoting itself to particular things and events, thought seeks and apprehends a totality of relations and connections; instead of material details, a world of laws opens up to it.” CASSIRER, E. Philosophy of Symbolic Forms: Volume III. The Phenomenology of Knowledge (translated by Ralph Mannheim). New Haven / London: Yale University Press, 1957. p 45. 294

clarificada com respeito à perspectiva na qual ela quer ser posta […] eu gostaria, assim, de, mais uma vez, colocar toda nossa discussão nos termos da Crítica da Razão Pura de Kant, e fixar, mais uma vez, a pergunta do que o homem é como a pergunta central. Ao mesmo tempo, porém, enquanto pergunta que não pomos em certo sentido ético isolado, mas de modo que, sobre a problemática, ambas as posições tornem-se claras, de maneira que a pergunta do homem, para o filósofo, seja apenas essencial segundo o modo com que o filósofo simplesmente abre mão de si mesmo, com que a pergunta não possa ser colocada antropocentricamente, mas, isto sim, que deva ser mostrado: pelo fato de que o homem é o essenciar-se que é transcendente, i. e., aberto ao Ente na totalidade e a si mesmo, e que, ao mesmo tempo, o homem, através desse caráter extrínseco, é posto na totalidade do Ente em geral – e que apenas assim a pergunta e a ideia de uma antropologia filosófica tem sentido.511

Ora, esta afirmação de Heidegger mostra sua tentativa de distanciamento da filosofia feita pelo neokantismo ao trazer para o centro do debate a significação da pergunta antropológica. Nota- se que Heidegger coloca o ponto de fundamentação da pergunta antropológica na dimensão metafísica, de modo que a existência, ontologicamente, seria o ponto primevo de toda e qualquer interpretação de mundo. É interessante notar que Heidegger se apega ao homem empírico, contudo trata a finitude deste como o fundamento kantiano do filosofar, coisa que não concordamos. Em contrapartida, o homem que Kant está exaustivamente a falar em sua última fase filosófica refere-se à totalidade da humanidade, a qual não se esgota no sujeito, mas também não pode prescindir dele. Esta tensa retroalimentação entre ambos desempenha um papel central na filosofia kantiana, uma vez que a cultura, por exemplo, é algo que advém da empiria humana, mas se concretiza no progresso. Heidegger, enfim, trata a pergunta antropológica sob uma ótica formal, ontológica, enquanto Kant está preocupado com a pragmática. Cassirer, por sua vez, distancia-se de Heidegger . Mas nós não podemos permanecer nesta relatividade, que colocaria o homem empírico no centro. E o que Heidegger disse por último foi muito importante. Também a posição dele não pode ser antropocêntrica, e se ela não o quer ser, eu pergunto onde reside, pois, o centro comum em nossa oposição. Que não pode estar no empírico, está claro. Devemos, precisamente na oposição, procurar novamente pelo centro comum […] Isto se revela repetidamente para mim no fenômeno originário da linguagem. Cada um fala sua linguagem; e é impensável que a linguagem de um seja transportada para a do outro. E, ainda assim, nos entendemos pelo meio da linguagem.512

Declínio do Neokantismo

511 CASSIRER, E.; HEIDEGGER, M. Disputa de Davos entre Ernst Cassirer e Martin Heidegger (tradução de André Perez). Cadernos de Filosofia Alemã | v. 22; n. 1 | p.172, 174. 512 CASSIRER, E.; HEIDEGGER, M. Disputa de Davos entre Ernst Cassirer e Martin Heidegger (tradução de André Perez). Cadernos de Filosofia Alemã | v. 22; n. 1 | p. 175. 295

O formalismo dos valores e da epistemologia permite apenas delimitar o lugar da filosofia, mas não mostra aos humanos como avançar em direção à resolução dos seus problemas e isto pode ser o grande motivo para o declínio do neokantismo no século XX; também, neste sentido, pode-se entender que a antropologia (como etnologia) e a antropologia filosófica, surgida no mesmo contexto do neokantismo e estabelecida quando do declínio deste, não se reivindicam como tendo ponto de início da reflexão em Kant, mas em Rousseau. Seguiremos aqui a hipótese de José Resende.513 Ora, a partir do começo da década de 20 do século XX houve um declínio exponencial do neokantismo na academia alemã até praticamente desaparecer no começo dos anos 30 e isso pode ser explicado por meio dos âmbitos sociocultural e político. Primeiro, no que diz respeito ao âmbito sociocultural, em 1918 acabou aquilo que à época parecia ter sido a maior catástrofe causada pelo ser humano a si mesmo, a saber, referimo-nos ao fim da primeira guerra mundial. Tal acontecimento encerrou um evento que causou a morte de 30 milhões de pessoas contadas entre civis e militares, além de subverter, completamente, as fronteiras da Europa, surgindo uma série de novos países com conflitos externos e internos não resolvidos. O fato que melhor resume isso é a derrota alemã na guerra, o que acarretou consequências diretas à academia. O tratado de Versalhes colocou a Alemanha em condição social degradante com uma inflação abissal em meio a fundação de uma nova república regida pela constituição promulgada na cidade de Weimar. A conhecida república de Weimar foi fundada por sociais-democratas, os quais alguns eram ligados ao neokantismo, entre estes Eduard Bernstein e Kurt Eisner. Ora, a vida na Alemanha tornou-se praticamente insustentável ao mesmo tempo que se via nas camadas da classe média uma casta de intelectuais que trabalhavam para o estado e que tinham, de algum modo, influência política na situação em que se encontrava o país. Esta elite intelectual alemã, desse modo, passou a negar a sua ifiliação à velha ordem acadêmica, de modo que no final da década de 1930 poucos ainda ousavam se dizer influenciados completamente pelo neokantismo. Segundo, no plano político, a radicalização da esquerda socialista e da direita viúva da monarquia, e das conquistas de Bismarck, eivada de um sentimento de nostalgia de um passado idealizado, ambas começaram a tomar para si simpatias e tentar resolver, violentamente, os problemas passados pelo povo Alemão. Dois casos clássicos são o levante espartaquista de Rosa Luxemburgo em 1919, resultando em seu assassinato, e o Putsch de Hitler em 1924, uma tentativa de golpe de estado frustrado, que levou a moderada prisão de Hitler. No entanto, a direita ganhou essa queda de braço e em 1933 Hitler ascendeu como chanceler alemão. Isto significou de modo pragmático em relação à academia que todos os aspectos desta

513 RESENDE, J. Em busca de uma teoria do sentido. São Paulo: EDUC, 2013. 296 teriam de ser regulado pelo estado, acarretando uma perseguição aos acadêmicos de origem judaica. Ora, muitos neokantianos que ainda se reivindicavam como tais eram judeus e foram obrigados a abandonar a Alemanha. Windelband morreu em 1915, mesma data que Emil Lask no fronte russo da primeira guerra mundial; contudo Herman Cohen, Jonas Cohn, Siegfrid Marck e Richard Hönigswald, por exemplo, morreram no exílio após emigrarem sem, no entanto, terem mantido uma atividade intelectual considerável. O único que emigrou e conseguiu manter tal atividade foi Cassirer, primeiro na Suécia e, posteriormente, nos Estados Unidos, passando inclusive a publicar em língua inglesa. As exceções para esta negação do neokantismo foram Heinrich Rickert e Bruno Bauch, que aderiram ao nazismo, não sem antes adaptar suas filosofias em serviço de valores espúrios. José Resende, portanto, defende que esta negação do neokantismo possibilitou a ascensão de correntes filosóficas distintas a partir das ideias postas pelo próprio neokantismo. Ou seja, a negação do neokantismo possibilitou surgir a fenomenologia com Husserl e Heidegger; este último também um dos precursores da hermenêutica com Dilthey, Gadamer e Rosenzweig; o positivismo lógico com Carnap e Schlick; a sociologia de Max Weber; O positivismo jurídico de Hans Kelsen; A filosofia da ciência de Koyré; e, principalmente, a antropologia filosófica de Dilthey e Max Scheler. Mas, todas essas filosofias possuem um tronco comum na lógica, na epistemologia e no formalismo do neokantismo.

A Antropologia / Etnologia / Etnografia e seu Desconhecimento de Kant

A etnografia/antropologia-cultural/etnologia que se consolidou como ciência na virada do século XIX para o XX não reivindica a antropologia em sentido pragmático de Kant, tampouco é visto como alguém de importância fundamental às bases dessa ciência. Nas nossas pesquisas acerca das características da antropologia nos seus primórdios não encontramos, espantosamente, muitos manuais ou obras que tratam da história dessa ciência. Uma exceção é George Stocking Jr.514 A nossa hipótese diz que a antropologia cultural/social, que se consolidou no final do século XIX, não reivindicou Kant como parte de suas fileiras por conta, primeiramente, do modo como este era interpretado pelo neokantismo naquele momento, por meio de uma filosofia dos valores bem formalista e, segundo, devido ao fato de a antropologia, principalmente, aquela feita por Franz Boas, tentar desvincular a etnografia do darwinismo social e de um racismo cultural, do qual Kant é um dos partícipes.

514 Em alguns e-mails trocados com o professor Dr. Mauro Almeida, do departamento de antropologia da UNICAMP (o qual agradecemos imensamente a gentileza), ele nos indicou tal autor preocupado com o resgate das bases desta ciência, com a sua delimitação e fundamentação. 297

Para provar tais assertivas devemos, inicialmente, entender, por meio de Stocking Jr., qual é o ponto de partida histórico da ciência antropológica. O autor nos aponta, por meio de seu ensaio Rousseau Redux,515 na direção de Rousseau e do filósofo da moral escocês Lord Kames, associando o nascimento da antropologia diretamente ao conceito de progresso que se estabeleceu na metade do século XVIII. Embora os primórdios da história intelectual nunca sejam tão simples, pode-se argumentar que o discurso da antropologia e a ideologia cultural do progresso são aproximadamente coevos. As genealogias da antropologia comumente encontram seus ancestrais apicais no mesmo período do meio do século XVIII, quando se diz que a ideia de progresso atinge uma articulação explícita. O segundo ensaio de Rousseau, “Sobre a origem da desigualdade humana”, foi ao mesmo tempo uma contribuição para o debate sobre o progresso e, na já citada décima nota de rodapé, um apelo à ciência empírica da humanidade (Rousseau 1755: 203-13). A mesma sobreposição discursiva pode ser encontrada entre os filósofos morais escoceses que às vezes são reivindicados como antepassados da tradição antropológica anglo- americana. Assim, os tópicos principais dos esboços da história do homem de Lord Kame incluíam “o progresso dos homens como indivíduos”, “O progresso dos homens na sociedade” e “O progresso das ciências”.516

Podemos notar que a noção de progresso da humanidade foi o problema central da antropologia do século XVIII, problema o qual era, eminentemente, filosófico. Stocking, com isso, traça que a antropologia estava se desenvolvendo em um ambiente que começou a levar, completamente, a sério, a ideia de desenvolvimento humano. Ora, para justificar a exploração de terras e a escravidão de homens, principalmente africanos, mas também ameríndios, foi necessário um discurso articulado de superioridade europeia em todos os níveis de sociabilidade, surgindo, com isso, a ideia de Europa (enquanto conjunto de valores) e a ideia de civilização como consecução da noção de Europa. Desse modo, “posto mais como problema do que como afirmação, essa tríade conceitual, o progresso da civilização europeia, foi uma das questões fundamentais do discurso antropológico.”517 O progresso, assim, foi sempre associado à Europa e suas ideias e práticas de vida como as verdadeiras ideias civilizadas.

515 STOCKING Jr., G. Rousseau Redux. In: STOCKING Jr., G. Delimiting Anthropology: Occasional Essays and Reflections. Madison: The University of Wisconsin Press, 2001. 516 “While beginnings in intellectual history are never so simple, it might be argued that the discourse of anthropology, and the cultural ideology of progress are approximately coeval. Genealogies of anthropology commonly find their apical ancestors in the same mid-eighteenth-century period when the idea of progress is said to fave achieved explicit articulation. Rousseau's second essay “On the origin of human inequality” was at one and the same time a contribution to the debate on progress and, in the often quoted tenth footnote, a call for an empirically based science of mankind (Rousseau 1755: 203-13). The same discursive overlap may be found among the Scottish moral philosophers who are sometimes claimed as forefathers of the Anglo-American anthropological tradition. Thus, the major topic headings of Lord Kame's Sketches of the history of Man included “the progress of men as individuals”, “The progress of men in society” and “The progress of the sciences”.” STOCKING Jr., G. Rousseau Redux. In: STOCKING Jr., G. Delimiting Anthropology: Occasional Essays and Reflections. Madison: The University of Wisconsin Press, 2001. p 265. 517 STOCKING Jr., G. Rousseau Redux. In: STOCKING Jr., G. Delimiting Anthropology: Occasional Essays and Reflections. Madison: The University of Wisconsin Press, 2001. p 267. 298

Ora, aqui ainda se segue a premissa de Rousseau de que o ser humano é bom por natureza, mas a sociedade o corrompe; a civilização como imposição social era uma ideia estranha para os povos autóctones, que não seguiam a tríade identificada por Eduardo Viveiro de Castro: lei, rei e mercado. Isto quer dizer que no século XVIII a maneira escalar de entender o homem ainda guardava entre os intelectuais certa curiosidade seguida por um discreto apreço pelas culturas autóctones, coisa que mudou completamente no século XIX, na medida em que vem à tona uma série de depreciações, as quais permitiam ver estes povos como degenerados, decorrendo isto, paradoxalmente, da experiência real da revolução francesa e sua reação em termos cristãos. No início do século XIX, o pensamento antropológico sobre o progresso da civilização europeia estava em um momento complicado devido a reação contra a Revolução Francesa, além da reafirmação das visões cristãs tradicionais do processo histórico mundial e, à medida que os europeus entraram em contato crescente e desalojaram violentamente as variedades da humanidade nos confins da terra, através da elaboração de explicações raciais biologicamente orientadas sobre a diferença cultural humana. Os povos estigmatizados como selvagens eram agora menos propensos a serem vistos como representantes da condição humana original e mais como produtos de degeneração cultural (e mesmo física) acompanhando a migração da humanidade para fora de Babel.518

Esta mudança de perspectiva estava sendo gestada desdo o século XVIII, mas ainda sob um ponto de vista da antropologia fisiológica. Aqui está talvez um dos principais motivos para a não reivindicação de Kant como ponto de apoio da antropologia. Kant estabelece e consolida uma forma de racismo cultural, com divisões claras entre culturas e uma ideia de progresso humano em que o homem europeu, alemão, precisamente, seria o ápice do destino que se pode alcançar. Isto significa, curiosamente, que Kant inverteu o processo que moldou a antropologia social de seu período. No entanto, o modelo kantiano foi visto como obsoleto por parte daqueles antropólogos que na metade do século XIX faziam uma antropologia racista baseada na biologia, que ganhou uma vitamina em seus preconceitos após o aparecimento do Darwinismo. Outro ponto a ser destacado é que a compilação e estabelecimento da obra de Kant surgiu apenas no final do século XIX, o que significa que suas lições de caráter antropológico não eram tão facilmente encontradas e, por conseguinte, tampouco discutidas. Ora Kant poderia ser melhor entendido se suas lições de antropologia ali fossem bem conhecidas. Em contrapartida, segundo

518 “In the early nineteenth century, anthropological thought about the progress of European civilization was complicated by the reaction against the French Revolution, by the reassertion of traditional Christian views of world historical process, and, as Europeans came into increasing contact with and violently dispossessed the varieties of humankind at the ends of the earth, by elaboration of biologically oriented racial explanations of human cultural difference. The peoples stigmatized as savages were now less likely to be seen as representatives of the original human condition and more as products of cultural (and even physical) degeneration accompanying the migration of mankind outward from Babel.” STOCKING Jr., G. Rousseau Redux. In: STOCKING Jr., G. Delimiting Anthropology: Occasional Essays and Reflections. Madison: The University of Wisconsin Press, 2001. p 268. 299

Stocking Jr., o trabalho de Franz Boas foi de encontro ao Darwinismo social e ao racismo em antropologia, contudo sem abdicar, da ideia de progresso, afirmando em sua A Mente do Homem Primitivo que cada povo e cada cultura contribuiu de algum modo para o progresso da humanidade, cabendo dá-los, contudo, uma melhor oportunidade para fazê-lo de uma forma melhor. Este modo de entender os povos autóctones possui uma certa semelhança com o que fez Kant em suas lições de antropologia e em sua Anth, entretanto a especialização e profissionalização do antropólogo neste período de Boas voltou grande parte de sua confiança intelectual ao trabalho de campo como o ponto mais confiável da atividade antropológica, cousa que Kant nunca experimentou. O que estamos a afirmar, precisamente, é que um dos fatores do esquecimento de Kant pela antropologia do século XIX não se deve ao fato dele não ter feito uma antropologia muito similar ao que fora até aqui mostrada, mas sim que, por um lado, o movimento de pensamento de Kant em antropologia foi anacrônico. Kant foi mais estudado por seu viés formalista, o que anuviou a sua finalidade pragmática, que, em um certo sentido, e anteriormente ao próprio Kant, Rousseau também tratara. Isto acarreta que Kant foi visto como um filósofo muito importante do ponto de vista cognitivo e moral, mas um neófito do ponto de vista cultural. Desse modo, a ciência antropológica preferiu, por grande influência de Boas, se filiar à Geografia do século XIX, tendo nos irmãos Alexander e Wilhelm von Humbolt sua principal fonte e a divisão entre ciências do espírito e ciências da natureza como principal fundo metodológico. Subjacente a essa dicotomia estava a tradicional separação alemã entre o Naturwissenschaten e o Geisteswissenschaten, ou, nas palavras do contemporâneo de Boas Hermann Paul, o eminente linguista histórico, a distinção entre as Gesetzeswissenschaften (as ciências legislativas) e as Geschichtswissenschaften (a histórica ciências). […] É evidente que isso é o que Boas tinha em mente em seus exemplos: o sociólogo francês Auguste Comte e o historiador britânico da civilização HT Buckle para o método físico, e o explorador alemão e historiador natural Alexander von Humboldt para o histórico ou depois a obra-prima de Humboldt, Kosmos - método "cosmográfico". Enquanto Buckle chamou nossa "atenção às leis que governam a história da humanidade", ele não "descreve os homens e suas ações como decorrentes de seu próprio caráter e dos eventos que influenciam suas vidas". Da mesma forma, o "sistema de ciências" de Comte subordinava os fenômenos individuais às leis deduzidas deles. A cosmografia, por outro lado, considerava "todo fenômeno digno de ser estudado por si mesmo"; "sua mera existência" lhe dava uma "total participação de nossa atenção" (1887a: 642). Ilustrando o método cosmográfico, Boas citou Goethe, que "expressou essa ideia com clareza admirável:" Parece-me que todo fenômeno, todo fato, em si mesmo, é o objeto realmente interessante ... uma única ação ou evento é interessante, não porque é explicável, mas porque é verdade "" (644).”519

519 “Underlying this dichotomy was the traditional German separation between the Naturwissenschaten and the Geisteswissenschaten, or, in the words of Boas' contemporary Hermann Paul, the eminent historical linguist, the distinction between the Gesetzeswissenschaften (the law-giving sciences) and the Geschichtswissenschaften (the historical sciences). […] That this is what Boas had in mind is evident in his examples: the French sociologist Auguste Comte and the British historian of civilization H. T. Buckle for the physical method, and the German 300

Em vista do que nos afirma Matti Bunzl, o conhecimento de Geografia por parte de Boas o conduziu a uma antropologia muito rica, fazendo, de fato, uma intersecção com outras disciplinas, mas sempre em função do conhecimento antropológico como centro nevrálgico da teoria. Com isso, Humbolt queria uma junção entre a filosofia da história de Herder, de caráter empírico, e a filosofia transcendental de Kant, a qual era massivamente interpretada, mesmo com Kant ainda vivo, por um viés formalista.520 Também há de se destacar que no século XX, quando os antropólogos enfrentam as origens de sua disciplina a atribuem a Rousseau, e não a Kant.521 Levi-Strauss atribui a Rousseau a origem da ciência em sua formatação, contudo Kant fez uma antropologia muito mais completa com um método crítico muito mais profundo em que o transcendental e o empírico, pelo menos no seu projeto antropológico, devem estar lado a lado, na medida em que o transcendental têm de se esforçar para formalizar o empírico; além disso, a antropologia kantiana é erigida dentro de um sistema completo e consciente de si, coisa que não ocorrera com Rousseau. Então, a antropologia/etnologia esqueceu Kant, o que acarreta que a hipótese de levar a sério a filosofia kantiana como uma antropologia soe aos ouvidos mais tradicionalistas como uma heresia.

A Massiva Interpretação Formalista de Kant Ignorou a Antropologia no Século XX

Com isso, à guisa de conclusão, faz-se mister mostrar que os intérpretes de Kant do século XX tiveram uma grande influência do neokantismo de viés analítico, de modo a interpretá-lo como um epistemólogo formalista, para o qual o mundo deve moldar-se de acordo com a filosofia

explorer and natural historian Alexander von Humboldt for the historical or after Humboldt's masterpiece Kosmos-"cosmographical" method. While Buckle called our "attention to the laws governing the history of mankind," he failed to "describe men and their actions as arising from their own character and the events influencing their lives." Similarly, Comte's "system of sciences" subordinated individual phenomena to the laws deduced from them. Cosmography, on the other hand, considered "every phenomenon as worthy of being studied for its own sake"; "its mere existence" entitled it to a "full share of our attention" (1887a : 642). Illustrating the cosmographical method, Boas quoted Goethe, who had "expressed this idea with admirable clearness: 'It seems to me that every phenomenon, every fact, itself is the really interesting object ... a single action or event is interesting, not because it is explainable, but because it is true'" (644).” BUNZL, M. FRANZ BOAS AND THE HUMBOLDTIAN TRADITION: From Volksgeist and Nationalcharakter to an Anthropological Concept of Culture. In: STOCKING Jr., G. Volksgeist as Method and Ethics. Essays on Boasian Ethnography and the German Anthropological Tradition. Madinson: Wisconsin Press, 1996. p 17. 520 BUNZL, M. FRANZ BOAS AND THE HUMBOLDTIAN TRADITION: From Volksgeist and Nationalcharakter to an Anthropological Concept of Culture. In: STOCKING Jr., G. Volksgeist as Method and Ethics. Essays on Boasian Ethnography and the German Anthropological Tradition. Madinson: Wisconsin Press, 1996. p 22. 521 “The Discours sur l'origine et les fondements de l'inegalite parmi les hommes is without doubt the first anthropological treatise […] In almost modern terms, Rousseau poses the central problem of anthropology, viz., the passage from nature to culture. More prudently than Bergson, he abstains from introducing the idea of instinct, which, belonging as it does to the order of nature, could not enable him to go beyond nature.” LEVI-STRAUSS, C. Totemism (translated by Rodney Needham). London: The Merlin Press, 1991. p 99. 301 transcendental. Max Scheler, por exemplo, nota que a história da filosofia alemã pós-kantiana está eivada de uma visão de mundo epistemologicista: “assim, a filosofia do último terço do século XIX dissolveu-se quase integralmente nas teorias do conhecimento e da experiência. Mas a filosofia não deve ser uma simples serva das ciências, assim como não deve sê-lo da fé religiosa.”522 O que podemos notar aqui vai ao encontro da hipótese do esquecimento da antropologia kantiana, na medida em corrobora o fato de a revolução copernicana ter colocado a filosofia como ponto alto e fundamental de todas as ciências particulares, além de Kant flexionar um projeto de filosofia transcendental em favor de uma antropologia pragmática. Podemos afirmar que há um projeto antropológico inacabado em Kant e, por conta disso, foi deixado de lado pelos seus intérpretes, tanto que a acusação de Scheler faz completo sentido ao olharmos para a maneira como se interpretou Kant no século XX, a saber, postulando a teoria do conhecimento como ciência principal, a qual todas as outras teriam de recair por ser o princípio transcendental fundamentador dos juízos e discursos. Com isso, faz-se mister provar tal afirmação por meio da interpretação do espírito geral da literatura acerca de Kant no século XX: A ideia de que a antropologia pragmática não representa mais do que uma rota sobressalente na produção kantiana parece ter influenciado a recepção da obra até os dias de hoje: desde o início do século XIX até o presente, poucos estudos dedicados a temas antropológicos podem ser contados na filosofia kantiana e, entre eles, são ainda menos aqueles que dedicam atenção específica à antropologia pragmática, ou àquela disciplina na qual Kant tem um curso de "mais de vinte anos" (a partir do inverno de 1772/1773), e cujos manuscritos das lições constituem a base do trabalho de 1798, um dos últimos publicados diretamente por Kant.523

A literatura kantiana produzida no século XX é vastíssima e, por conta disso, traçamos uma estratégia para analisar os vieses interpretativos sem necessitar de outra tese para tal. Mais precisamente, pensamos que a análise dos títulos e temas publicados na Kant Studien ao longo de sua história é um ótimo retrato do que foi a interpretação kantiana ao longo do século XX. Ora, a Kant Studien é a principal revista acerca da filosofia kantiana no mundo e existe desde 1896, estando ainda atualmente em atividade; a revista aqui em destaque concentra, em publicações diversas, a quase totalidade de intérpretes relevantes de Kant ao longo do século XX. Assim, podemos traçar a história da interpretação kantiana a partir da estatística da divisão do

522 SCHELER, M. Visão Filosófica do Mundo (tradução de Regina Winberg). São Paulo: Perspectiva, 1986. p 8. 523 “L’idea che l’antropologia pragmatica non rappresenti nulla più di una ruota di scorta nella produzione kantiana sembra aver influenzato la ricezione dell’opera sino ai nostri giorni: dai primi del Novecento ad oggi si possono contare ben pochi studi dedicati ai temi antropologici nella filosofia kantiana e, tra di essi, sono ancor meno quelli che dedicano un’attenzione specifica all’antropologia pragmatica, ovvero a quella disciplina sulla quale Kant tiene un corso per «più di vent’anni» (a partire dal semestre invernale 1772/1773), i cui manoscritti delle lezioni costituiscono la base dell’opera del 1798, una delle ultime pubblicata direttamente da Kant.” RAIMONDI, I. L'ANTROPOLOGIA PRAGMATICA KANTIANA: "«LEBENSWELT»", «PRASSI» O «AUTOCOSCIENZA STORICA»? NOTE SU ALCUNE INTERPRETAZIONI RECENTI DELL'ANTROPOLOGIA DI KANT. Studi Kantiani, Vol. 15 (2002), pp. 211-23. Tradução nossa. 302 número de publicações de 1896 a 2010, por meio de quatro grandes categorias, a saber, Formal, Antropologia Ampla (a fim de diferenciar, especificamente, da Antropologia Pragmática), Outros Temas Kantianos e Outros Assuntos. O Anexo no final desta tese no mostrará o quadro completo com todos as publicações e suas subdivisões; temos um total de 2494 publicações. A explicação metodológica para a divisão em quatro categorias diz respeito, mormente, à maneira como espelha os temas da tese que aqui queremos provar. A elaboração das categorias se deu à medida que as publicações iam se apresentando, de maneira que, inicialmente, apenas as categorias formal e ampla antropologia seriam utilizadas, mas houve a surpresa de que em alguns casos, haviam coisas relevantes que não se encaixavam em apenas categoria, dai surgiram as duas outras. Com o intuito de interpretar da melhor maneira possível o esquecimento da filosofia kantiana trouxemos cinco gráficos explicativos, mostrando o percentual do número de artigos em cada categoria e o percentual geral.524 Assim, a nossa metodologia se baseou na análise dos títulos dos artigos, uma vez que seria praticamente impossível ler todos os artigos de mais de 100 anos de história da revista aqui em destaque. Obviamente, houve alguns artigos que ou não pareciam se enquadrar em nenhuma categoria ou o título não era tão claro a ponto de, tranquilamente, encaixá-los em uma das categorias por nós, anteriormente, formuladas. Nestes casos, analisamos parte dos artigos para identificar a temática que melhor os encaixava. Também devemos esclarecer que não categorizamos todas as publicações da revista, uma vez que há vários necrológios, convites para eventos científicos e etc. Consideramos, no entanto, que as resenhas de livros são importantes, de modo a mostrar a discussão sobre temas da filosofia kantiana, que os estudiosos se dignaram a debater. Temos a plena noção de que podemos ter errado na qualificação de alguns artigos, mas, as revisões que fizemos nos garantem haver um alto nível de acerto. As escalas utilizadas diferem a fim de que alguns grupos mal apreciados possam ser melhores comparados.525 Com isso, os artigos em sentido Formal dizem respeito a temas que orbitam em torno das três críticas, ou seja, dividimos em Filosofia teórica (subdividido em Temas de filosofia teórica e Sistema e Método em sentido formal), Filosofia prática (subdivido em Temas em filosofia prática e em Sistema e método em filosofia prática) e Teleologia (subdivido em Temas estéticos, Conceito de fim e Sistema e método teleológico). Contudo, notamos que havia alguns artigos que se encaixavam

524Agradecemos a gentileza e, principalmente, a competência dos ensinamentos da pesquisadora da UNICAMP Ianca Almeida por gentilmente ter-nos presenteado com a feitura dos gráficos, explicado, didaticamente, como funciona e o que é a metodologia de interpretação de dados feita com pesquisa séria. 525 Assim a escala do quadro geral é de 100, a escala do quadro formal é 50, a da ampla antropologia é de 10 e a de outros temas kantiano de 2,5; também fizemos um gráfico sobre a pragmática a fim de mostrar o quadro conceitual de publicações dentro desta categoria específica usando a escala de 2,5; não geramos gráficos sobre a grande categoria de outros temas, uma vez que não concernem à filosofia kantiana diretamente. 303 em mais de uma categoria, de maneira que seria arbitrário colocá-los em uma das categorias especificadas pois haveria um deficit interpretativo. Optamos, com isso, em criar mais duas categorias, a saber, Híbridos a priori (que tratam de comparação de conceitos dentro da filosofia kantiana) e Filosofia comparada em sentido formal (que trata da interpretação entre Kant e outros autores ou temas).

Gráfico 2- Abordagem Formal 50,0 45,0 40,0 1- Filosofia Teórica 35,0 2- Filosofia Prática 30,0 3-Teleologia 4- Hibridos a priori 25,0 21,9 5- A filosofia comparada 20,0 em sentido Formal 15,0 12,76 10,0 5,86 5,0 2,91 3,95 0,0

Como podemos notar, 21,9% (484) das publicações em filosofia formal dizem respeito à filosofia teórica de Kant que perpassam, mormente, a KrV. Quanto à filosofia prática temos um número bem diminuto, o que, de fato, pode ser considerado um sintoma dos estudos kantianos, posto que a finalidade da filosofia, desde seu primeiro projeto, é a efetivação da liberdade no mundo. Poucos artigos trabalham com esta temática, que tem 5,86% (135) das publicações. Um número ainda menor é visto quando o assunto é a teleologia, que diz respeito à terceira crítica com 2,91% (67) publicações. As outras duas categorias também expõem assuntos que giram em torno das outras três temáticas totalizando 91 (2,91%) de híbridos a priori e 284 (12,76%) de filosofia comparada em sentido formal, mais precisamente entre Kant e outros autores ou temas fora da filosofia kantiana, mas tocam nela. Podemos interpretar estes números como uma grande preocupação de entender as condições de possibilidade da formalidade do mundo, em vez de sua aplicação como Kant apregoou depois de 1793 de maneira mais clara, apesar de já o ter feito ao longo do primeiro projeto também. A segunda grande categoria trata de Temas Antropológicos. A fim de tornar a interpretação dos artigos concernentes à nossa tese, consideramos um amplo leque de temas de conteúdo antropológico. Assim, consideramos a Pragmática (a qual subdividimos em Antropologia, Filosofia 304

Política, Direito, Filosofia da História, Religião, Educação, Aufklärung e Psicologia), Híbridos pragmáticos (envolvendo mais de uma categoria ou comparação de conceitos ou obras de Kant) e Filosofia comparada em sentido pragmático (envolvendo Kant e outros autores ou temas). A pragmática diz respeito à efetivação e o uso em sentido cosmopolita destas áreas, o que acarreta que inclusive o direito possa ser considerado dentro desta temática.

Gráfico 3- Antropologia Ampla 10,0 9,0 8,0 7,6 7,0 1-Pragmática 6,0 2- Híbridos e Pragmáticos 3- Filosofia Comparada em 5,0 Sentido Pragmático 4,0 3,0 2,0 0,69 1,0 0,39 0,0

A segunda grande categoria responde por apenas 201 publicações em um universo de mais de 2494 (voltaremos a isso ao analisarmos à totalidade das publicações). Em nossa perspectiva apenas a Anth não é suficiente para esgotar os temas antropológicos da filosofia kantiana, apesar de ser sua principal obra do período. A pragmática, em sentido amplo, que inclui várias áreas, contém 176 publicações (7,6%). No entanto, o que é estarrecedor aqui é o baixo número de publicações sobre a comparação das obras pragmáticas de Kant com outros autores e também temas pragmáticos entre si. Apesar 0,59% (16) e 0,39% (9), respectivamente, da totalidade dos artigos dizem respeito a isso. Apenas esse gráfico já seria suficiente para mostrarmos a baixa ou quase nula apreciação daquilo que Kant textualmente chama de finalidade de sua filosofia. 305

Gráfico 4- Outros Temas Kantianos 2,5 2,13 1- Recepção em Países 2- Recepção por Autores 2,0 3- Notas Biográficas 4- Traduções/ Cartas/ Ar- chives/ Nachlass Kantiano 1,5 1,48 1,5 1,39 5- Estabelecimento das 6- Pré-Criticos 1,35 Obras Akademie Ausgabe 7- Filosofia Comparada em 1,0 Sentido Formal e Prag- 0,82 mático 0,52 0,5

0,0

A terceira grande categoria chamamos de Outros Temas Kantianos, devido ao fato de os artigos que a compõem não assentarem nas duas outras categorias de modo tranquilo, sem tensão. Tal categoria, assim, é preenchida pela Recepção em Países, Recepção por Autores (ambos concernentes, obviamente, às obras de Kant), Notas Biográficas, Traduções/Cartas/Archives/Nachlass kantiano, Estabelecimento das Obras da Akademie Ausgabe, Pré-Críticos e Filosofia comparada em Sentido Formal e Pragmático (quando da intersecção das duas grandes categorias postas anteriormente). Destacam-se aqui as notas biográficas de Kant, ocupando um total de 2,13% (32) do número de publicações. A recepção da obra de Kant em países soma um total de 34 (1,5%) das publicações, já a recepção por autores (que diz respeito a autores que contam suas impressões sobre a recepção da filosofia kantiana) somam um total de 12 publicações (0,52%) do total. Traduções/Cartas/Archives/Nachlass kantiano devido ao fato de tratar de várias categorias ocupa um lugar privilegiado aqui com 2,13% (49) das publicações.

Gráfico 5- Pragmática 2,5 2,2 2 2,0 Antropologia Filosofia Política Direito 1,48 1,5 Filosofia da História Religião 1,22 Educação 1,0 0,91 Aufklärung Psicologia 0,52 0,5

0,09 0,13 0,0 306

É interessante o fato de que até 1997, apenas 22 artigos haviam sido publicados sobre a Antropologia pragmática; a publicação em 1997 das Vorlesungen über Anthropologie (AA, Vol. XXV) trouxe aos estudos antropológicos sobre Kant uma nova abordagem, uma vez que o material de pesquisas ampliou-se consideravelmente. Com isso, 28 publicações ocorreram de 1999 até 2010, o que totaliza 46% das publicações em apenas 11 anos. A função antropológica claramente ganhou relevo nos últimos 20 anos, tendo aumentado o número de publicações, mas com o adendo de que ainda podemos notar uma timidez e resistência ao tema por parte dos pesquisadores sênior da filosofia kantiana; apenas 2,2% (50) das publicações da história da Kant Studien foram sobre antropologia pragmática. Destaca-se também que a filosofia da religião kantiana, que mostra pela primeira vez que a satisfação da filosofia deve se dar em sua aplicação, que em 1793 pode ser provada como antropológica, possui apenas 2% da totalidade das publicações. Portanto, de 1896 a 2010 temos um total de 2494 artigos publicados, incluindo aqui também resenhas de livros sobre Kant, ensaios, discussões e etc. A divisão dentro das quatro grandes categorias é a seguinte: Em relação à primeira grande categoria, Formal, há um total de 991 artigos divididos nas categorias que a subdividem; em relação aos Temas Antropológicos há um total de 201 artigos; no que concerne aos Outros Temas Kantianos, contamos 211 artigos; finalmente no que concerne aos Outros Autores e Temas temos um total de 800 artigos. A quarta grande categoria trata de Outros Autores e Temas, que apesar de mostrarem artigos que tratam de autores da época de Kant ou de movimentos de pensamento relacionados com Kant, tais artigos não dizem respeito diretamente à filosofia kantiana, de maneira que preferimos tratá-los em uma categoria diferente e também não subdividimos em categorias próprias.

Grafico 1-Quadro Categorial da Kant Studien 100,0 90,0

80,0 #Formal 70,0 #Sobre Outros Autores e 60,0 Temas #Outros Temas Kantianos 50,0 47,4 # Antropologia 40,0 34,72 30,0 20,0 9,16 8,72 10,0 0,0 307

Assim, podemos notar que apenas 9,16% dos artigos publicados na Kant Studien dizem respeito a um dos oito temas antropológicos acima categorizados. É, deveras, salutar, este diminuto número, posto ser o tema com o maior número de subcategorias, justamente, para abarcar de maneira ampla aquilo que consideramos como temas antropológicos. Apenas a categoria concernente à temas em filosofia teórica possui mais que o dobro de artigos, 448, em relação a todos os temas antropológicos somados, o que pode ser considerado uma prova cabal para o esquecimento da antropologia por parte da fortuna crítica kantiana. Se nos atentarmos apenas a artigos concernentes à antropologia pragmática, como subcategoria dos temas pragmáticos, temos a completa dimensão da total ignorância do século XX sobre os anseios últimos de Kant. Mais precisamente, há um total nesta subcategoria de ínfimos 50 artigos em toda história da revista; tal quantidade é equivalente a 2,26% dos artigos publicados até 2010. Isso mesmo, tal quantidade de artigos prova, de maneira cabal, o total preconceito dos comentadores de Kant sobre tudo que é empírico, tudo que possui carne, osso, sangue e desejos. Temos que levar em conta que aqui não fizemos a classificação sobre os temas antropológicos que se enquadrariam em sentido formal, posto fazerem parte de um tipo de interpretação sobre as condições de possibilidade dos assuntos antropológicos. Portanto, a antropologia kantiana como projeto final de sua filosofia foi, além de esquecida, deliberadamente ignorada pela tradição de interpretação do pensamento de Kant. Esperamos que esta tese reouva o afã pelo entendimento da própria letra de Kant, que apesar de não ter cumprido completamente o que escrevera, perseverou até o último suspiro de vida para tentar entregar sua promessa e mostrar à humanidade como progredir, constantemente, em direção a melhor maneira possível de viver; Também não podemos esquecer o quão turvo é o conteúdo da humanidade proposta por Kant aos povos não europeus. Ser humano com Kant virou sinônimo epistemológico de europeu, masculino e branco; é necessário que denunciemos todos os conteúdo torpes e infames que carregaram o colonialismo idealmente. 308

ANEXO: QUADRO CATEGORIAL DA KANT STUDIEN (1896 – 2010)

#Formal: 1192 1 – Filosofia Teórica: 505 Temas de filosofia teórica: 484 -Stadler, August: § 1 der transzendentalen Aesthetik. Erster Absatz. Aus einem Konversatorium für Anfänger. In: KS 1, 1896/97. -Simmel, Georg: Ueber den Unterschied der Wahrnehmungs- und der Erfahrungsurteile. Ein Deutungsversuch. In: KS 1, 1896/97. -Sickenberger, O.: Kants Lehre von der Quantität des Urteils. In: KS 2, 1897/98. -Vaihinger, H[ans]: Die Kantmedaille mit dem schiefen Turm von Pisa. In: KS 2, 1897/98. -Bergmann, J.: Zur Lehre Kants von den logischen Grundsätzen. In: KS 2, 1897/98. -Maier, Heinrich: Die Bedeutung der Erkenntnistheorie Kants für die Philosophie der Gegenwart (I). In: KS 2, 1897/98. -Cutler, Anna Alice: The Aesthetical Factors in Kant's Theory of Knowledge. In: KS 2, 1897/98. -Maier, Heinrich: Die Bedeutung der Erkenntnistheorie Kants für die Philosophie der Gegenwart (II). In: KS 3, 1898/99. -Vaihinger, H[ans]: Üeber eine Entdeckung, nach der alle neuen Kommentare zu Kants Kr. d. r. V. und insbesondere mein eigener durch ein älteres Werk entbehrlich gemacht werden sollen. In: KS 3, 1898/99. -König, Edmund: Die Unterscheidung von reiner und angewandter Mathematik bei Kant. In: KS 3, 1898/99. -Sommerlad, Fritz: Mainländers Kantkritik. In: KS 3, 1898/99. -Wentscher, M.: War Kant Pessimist? (I) In: KS 4, 1900. -Wentscher, M.: War Kant Pessimist? (II) In: KS 4, 1900. -Wille, Emil: Conjecturen zu Kants Kritik der reinen Vernunft. In: KS 4, 1900. -Paulsen, Friedrich: Kants Verhältnis zur Metaphysik. In: KS 4, 1900. -Wille, Emil: Neue Konjekturen zu Kants Kritik der reinen Vernunft. In: KS 4, 1900. -Vaihinger, H[ans]: Siebzig textkritische Randglossen zur Analytik. In: KS 4, 1900. -Wilde, Emil: Über einige Textfehler in Kants Widerlegung des Idealismus. In: KS 5, 1901. -[o. N.]: Ultramontane Stimmen über Kant. In: KS 5, 1901. -Zwermann, Eduard: Die transcendentale Deduktion der Kategorien in Kants "Kritik der 309 reinen Vernunft". In: KS 5, 1901. -Vaihinger, H[ans]: Aus zwei Festschriften. Beiträge zum Verständnis der Analytik und der Dialektik in der Krit. d.r.V. In: KS 7, 1902. -Falckenberg, Richard: Kant’s Berufung nach Erlangen. In: KS 7, 1902. -Paulsen, Friedrich: Kant und die Metaphysik. Ein Versuch, den Leser zum Verstehen zu zwingen. In: KS 8, 1903. -Thomsen, Anton: Bemerkungen zur Kritik des Kantischen Begriffes des Dinges an sich. In: KS 8, 1903. -Kleinpeter, Hans: Kant und die naturwissenschaftliche Erkenntniskritik der Gegenwart. (Mach, Hertz, Stallo, Clifford.) In: KS 8, 1903. -Messer, A.: Die "Beziehung auf den Gegenstand" bei Kant. In: KS 8, 1903. -Reinecke, Wilhelm: Die Grundlagen der Geometrie nach Kant. In: KS 8. -Hauck, P.: Die Entstehung der Kantischen Urteilstafel. Ein Beitrag zur Geschichte der Logik. In: KS 11, 1906. -Höfler, Alois: Zu Kants Metaphysischen Anfangsgründen der Naturwissenschaft. In: KS 11, 1906. -Zahlfleisch, Joh[annes]: Zu Kants Krit. d. r. V. S. 651 (Kehrbach) im Zusammenhang des K.schen Systems. In: KS 11, 1906. -Cassirer, Ernst: Kant und die moderne Mathematik. (Mit Bezug auf Bertrand Russells und Louis Couturats Werke über die Prinzipien der Mathematik.) In: KS 12, 1907. -Medicus, Fritz: Kant und die gegenwärtige Aufgabe der Logik. In: KS 12, 1907. -Ewald, Oskar: Die Grenzen des Empirismus und des Rationalismus in Kants "Kritik der reinen Vernunft". In: KS 12, 1907. -Zschocke, Walter/Rickert, Heinrich: Über Kants Lehre vom Schematismus der reinen Vernunft. In: KS 12, 1907. -Bauch, Bruno: Erfahrung und Geometrie in ihrem erkenntnistheoretischen Verhältnis. In: KS 12, 1907. -Kuberka, Felix: Sinnlichkeit und Denken, ein Beitrag zur Kantischen Erkenntnistheorie. In: KS 12, 1907. -Baensch, Otto: Über historische Kausalität. In: KS 13, 1908. -Stadler, August: Die Frage als Prinzip des Erkennens und die "Einleitung" der Kritik der reinen Vernunft. In: KS 13, 1908. -Bubnoff, Nicolai von: Das Wesen und die Voraussetzungen der Induktion. In: 310

KS 13, 190. -Hönigswald, Richard: Zum Begriff der kritischen Erkenntnislehre. (Mit besonderer Rücksicht auf Goswin Uphues' "Kant und seine Vorgänger".) In: KS 13, 1908. -Losskij, N.: Thesen zur "Grundlegung des Intuitivismus". In: KS 13, 1908. -Marcus, Ernst/Wüst, Paul: "Das Erkenntnisproblem". In: KS 13, 1908. -Dwelshauvers, G.: La Synthèse mentale. In: KS 14, 1909. -Lapschin, Iwan: Denkgesetze und Erkenntnisformen. In: KS 14, 1909. -Heim, K.: Die Unterscheidung zwischen Erscheinungen und Funktionen als Grundlage für die Einteilung der Wissenschaften. In: KS 14, 1909. -Driesch, Hans: Die Kategorie "Individualität" im Rahmen der Kategorienlehre Kants. In: KS 16, 1911. -Menzel, Alfred: Die Stellung der Mathematik in Kants vorkritischer Philosophie. In: KS 16, 1911. -Verweyen, Johannes Maria: Die Idee des Unbedingten. In: KS 16, 1911. -Bauch, Bruno: Immanuel Kant und sein Verhältnis zur Naturwissenschaft. In: KS 17, 1912. -Kuntze, Friedrich: Kritischer Versuch über den Erkenntniswert des Analogiebegriffes. In: KS 18, 1913. -Spitzer, Hugo: Der unausgesprochene Kanon der Kantischen Erkenntnistheorie. In: KS 19, 1914. -Curtius, Ernst Robert: Das Schematismuskapitel in der Kritik der reinen Vernunft. Philologische Untersuchung. In: KS 19, 1914. -Bauch, Bruno: Idealismus und Realismus in der Sphäre des philosophischen Kritizismus. Ein Verständigungsversuch. In: KS 20, 1915. -Hartmann, N[icolai]: Logische und ontologische Wirklichkeit. In: KS 20, 1915. -Elsenhans, Theodor: Phänomenologie, Psychologie, Erkenntnistheorie. In: KS 20, 1915. -Verweyen, Johannes Maria: Wesen und Erscheinung. In: KS 20, 1915. -Messer, August: Zur Verständigung zwischen Idealismus und Realismus. In: KS 20, 1915. -Leisegang, Hans: Über die Behandlung des scholastischen Satzes: "Quodlibet ens est unum, verum, bonum seu perfectum", und seine Bedeutung in Kants Kritik der reinen Vernunft. In: KS 20, 1915. 311

-Driesch, Hans: Skizzen zur Kantauffassung und Kantkritik. In: KS 22, 1918. -Natorp, Paul: Bruno Bauchs "Immanuel Kant" und die Fortbildung des Systems des Kritischen Idealismus. In: KS 22, 1918. -Liebert, Artur: Das älteste Systemprogramm des deutschen Idealismus. In: KS 22, 1918. -Schlick, Moritz: Erscheinung und Wesen. In: KS 23, 1918/19. -Schneider, Gustav: Erkenntnistheoretischer Idealismus oder transzendentaler Realismus? In: KS 23, 1918/19. -Thaer, Clemens: Reine Anschauung und Idealität des Raumes. In: KS 24, 1919/20. -Marcus, Ernst: Erkenntnistheoretischer Idealismus oder transzendentaler Realismus? In: KS 24, 1919/20. -Staudinger, Franz: Zur Durchführung des Transzendentalbegriffs. In: KS 24, 1919/20. -Hartmann, Nicolai: Die Frage der Beweisbarkeit des Kausalgesetzes. In: KS 24, 1919/20. -Liebert, Arthur: Kants Geisteshaltung unter dem Gesichtspunkt der Antinomik. In: KS 25, 1920/21. -Schneider, Hermann: Zur Phänomenalität des Raumes. Kurze Mitteilung bei der Generalversammlung der Kantgesellschaft am 30.V.1920 in Halle. In: KS 25, 1920/21. -Winternitz, Josef: Kausalität, Relativität und Stetigkeit. In: KS 25, 1920/21. -Friedmann, Constanze: Psychologische Momente in der Ableitung des Apriori bei Kant. Versuch einer Versöhnung von Transzendentalismus und kritischem Psychologismus. In: KS 26, 1921. -Joël, Karl: Das logische Recht der kantischen Tafel der Urteile. In: KS 27, 1922. -Adickes, Erich: Zur Lehre von der Wärme von Fr. Bacon bis Kant. In: KS 27, 1922. -Kynast, Reinhard: Zum Gedankengang der Kritik der reinen Vernunft. In: KS 28, 1923. -Spindler, Josef: Das Problem des Schematismuskapitels der Kritik der reinen Vernunft. In: KS 28, 1923. -Scholz, Heinrich: Das Vermächtnis der Kantischen Lehre vom Raum und von der Zeit. In: KS 29, 1924, 21-69. -Adickes, Erich: Kant als Naturwissenschaftler. In: KS 29, 1924. -Heimsoeth, Heinz: Metaphysische Motive in der Ausbildung des kritischen 312

Idealismus. In: KS 29, 1924, 121-159. -Siegel, Carl: Kants Antinomienlehre im Lichte der Inauguraldissertation. In: KS 30, 1925. -Kynast, Reinhard: Zur Synthesis in der reinen Logik. In: KS 30, 1925. - Kaufmann, Felix: Staatslehre als theoretische Wissenschaft. In: KS 31, 1926. -Schlick, Moritz: Erleben, Erkennen, Metaphysik. In: KS 31, 1926. -Del-Negro, Walter: Wahrheit und Wirklichkeit. In: KS 31, 1926. -Sternberg, Kurt: Über die Unterscheidung von analytischen und synthetischen Urteilen. Ein Beitrag zur Lösung des Problems der Urteilsmodalität. In: KS 31, 1926. -Jordan, Hermann: Das Apriori bei Tier und Mensch. In: KS 31, 1926. -Misch, Georg: Die Idee der Lebensphilosophie in der Theorie der Geisteswissenschaften. In: KS 31, 1926. - Visser, H. L. A.: Zum Problem der nicht-rationalen Logik. In: KS 32, 1927. -Messer, August: Der Ausgangspunkt der Wirklichkeitserkenntnis. (Dingler und der kritische Realismus.) In: KS 32, 1927. -Bavink, B.: Raum, Zeit und Kausalität im System des kritischen Realismus. In: KS 32, 1927. -Selz, Otto: Die Umgestaltung der Grundanschauungen vom intellektuellen Geschehen. In: KS 32, 1927. -Kreis, Friedrich: Zur Philosophie der Sprache. In: KS 32, 1927. -Guttmann, Julius: Geisteswissenschaften und Naturwissenschaften. Untersuchungen zur Theorie und Einteilung der Realwissenschaften. In: KS 33, 1928. -Liebert, [Arthur]: Immanuel Kant in neue Form gebracht. In: KS 33, 1928. - Riezler, Kurt: Die physikalische Kausalität und der Wirklichkeitsbegriff. In: KS 33, 1928. -Rickert, Heinrich: Kennen und Erkennen. Kritische Bemerkungen zum theoretischen Intuitionismus. In: KS 39, 1934. -Krüger, Gerhard: Der Masstab der kantischen Kritik. In: KS 39, 1934. -Lehmann, Gerhard: Ganzheitsbegriff und Weltidee in Kants Opus postumum. In: KS 41, 1936. - May, Eduard: Der Gegenstand der Naturphilosophie. In: KS 42, 1942/43. -Hluèka, Franz: Naturphilosophie zu der Korpuskular – und der Kontinuitätstheoretischen Betrachtungsweise. In: KS 42, 1942/43. -Selling, Magnus: Kritische Betrachtungen. Die Überwindung der Aufklärung.In: KS 42, 1942/43. -Haering, Theodor: Der Gedanke des Sozialvertrags: Als Beispiel der Wandlungen eines Gedankens und des metaphysischen Sinnes derselben (zugleich als Beweis der Notwendigkeit einer 313 philosophischen Axiomatik). In: KS 43, 1943. -Stammler, Gerhard: Der Begriff als Erkenntnismittel und als Erkenntnisgegenstand. In: KS 43, 1943. -Petrovici, Ion: Die Methode der Analogie. In: KS 44, 1944. - Beck, Lewis White: Die Kantkritik von C. I. Lewis und der analytischen Schule. In: KS 45. -Frey, Gerhard: Phänomenologische und operationale Begründung der Naturwissenschaften. In: KS 45. 1953/54. -Grayeff, Felix: Interpretation und Logik. In: KS 45. 1953/54. -Hartmann, Robert S.: The Analytic, the Synthetic, and the Good: Kant and the Paradoxes of G. E. Moore (I). In: KS 45. 1953/54. -Hyppolite, J.: La Critique Hegelienne de la Réflexion Kantienne. In: KS 45. 1953/54. -Kanthack, Katharina: Erkenntnis als Formung bei Leibniz und Kant. In: KS 45, 1953/54. -Knittermeyer, Hinrich: Von der klassischen zur kritischen Transzendentalphilosophie. In: KS 45, 1953/54. -Lehmann, Gerhard: Erscheinungsstufung und Realitätsproblem in Kants Opus postumum. In: KS 45, 1953/54. -Martin, Gottfried: Neuzeit und Gegenwart in der Entwicklung des mathematischen Denkens. In: KS 45, 1953/54. -Hartman, Robert: The Analytic, the Synthetic, and the Good: Kant and the Paradoxes of G. E. Moore (II). In: KS 46, 1954/55. -Vleeschauwer, H. J. de: Un nouveau Style critique (Zu G. Martin, Immanuel Kant. Ontologie und Wissenschaftslehre). In: KS 46, 1954/55. -Heidemann, Ingeborg: Der Begriff der Spontaneität in der Kritik der reinen Vernunft. In: KS 47, 1955/56. -Beck, Lewis, White: Can Kant's synthetic Judgments be made analytic? In: KS 47, 1955/56. -Cousin, D. R.: Kant on the Self. In: KS 49, 1957/58. -Walsh, W. H.: Schematism. In: KS 49, 1957/58. -Wundt, Max: Kants Stellung im Wegestreit. In: KS 45, 1953/54. -Zantop, Hans: Über das Problem einer Selbstkritik der Vernunft. In: KS 45,1953/54. - Paton, H. J.: Formal and Transcendental Logic. In: KS 49, 1957/58. -Schrader, George: Kant's Theory of Concepts. In: KS 49, 1957/58. -Schoeps, Hans-Joachim: Beinahe, Kants Berufung nach Erlangen. In: KS 49, 1957/58. -Thyssen, Johannes: Das Problem der transzendentalen Subjektivität und die idealistischen Theorien. In: KS 50, 1958/59. 314

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-K. Westphal: Kant's Transcendental Proof of Realism. (D. Schulting). In: KS 100, 2009. -S. Grapotte: La conception kantienne de la réalité. (F. V. Tommasi). In: KS 100, 2009. -M. Wolff: Abhandlung über die Prinzipien der Logik. (A. Bühler). In: KS 100, 2009. -B. Milz: Der gesuchte Widerstreit. (B. Gerlach). In: KS 100, 2009. -R. Regvald: Kant und die Logik. (M. J. Vázquez Lobeiras). In: KS 100, 2009. -Peter Ospald, Bielefeld. Michael Friedmans Behandlung des Unterschiedes zwischen Arithmetik und Algebra bei Kant in Kant and the Exact Sciences. In: KS 101, 2010. -Alberto Vanzo, Padua. Kant on the Nominal Definition of Truth. In: KS 101, 2010. -Paulo Jesus, Lisboa. Le Je pense comme facteur de vérité: adéquation, cohérence et communauté sémantique. In: KS 101, 2010. -Toni Kannisto, Oslo. Three Problems in Westphal's Transcendental Proof of Realism. In: KS 101, 2010. -St. Heßbrüggen-Walter: Die Seele und ihre Vermögen. (F. Wunderlich). In: KS 101, 2010. -V. de Oliveira Farias: Kants Realismus und der Außenweltskeptizismus. (K. Wiegerling). In: KS 101, 2010. -L. Mechtenberg: Kants Neutralismus. (R. Hiltscher). In: KS 101, 2010. -H. Neumann: Die neue Seinsbestimmung in der reinen theoretischen Philosophie Kants: Das Sein als Position. (G. Motta). In: KS 101, 2010. -G. Chiurazzi: Modalität und Existenz. (A. Gentile). In: KS 101, 2010. -Rico Hauswald, Dresden. Umfangslogik und analytisches Urteil bei Kant. In: KS 101, 2010. -Michael Wolff, Bielefeld. Logische und grammatische Form in der Prädikatenlogik - Anmerkungen zu einem "Gedanken" Axel Bühlers. In: KS 101, 2010. -P. Rumore: L'ordine delle idee. (Cl. Schwaiger). In: KS 101, 2010. -I. Kant: Crítica de la razón pura. Übers. M. Caimi. (M. J. Vázquez Lobeiras). In: KS 101, 2010. -Yuichiro Yamane, Tokio. Eine Studie zum kritischen Begriff "a priori" als ein Sachverhalt, der "ursprünglich erworben" wird. In: KS 101, 2010. -Michael J. Olson, Villanova, PA. The Intuition of Simultaneity: Zugleichsein and the Constitution of Extensive Magnitudes. In: KS 101, 2010. -Erick LaRock, Rochester, Michigan. Cognition and Consciousness: Kantin Affinities with Contemporary Vision Research. In: KS 101, 2010. -Klaus Ruthenberg, Coburg. Das Kant'sche Echo in Paneths Philosophie der Chemie. In: KS 101, 2010. 331

Sistema e Método em sentido formal: 21 -Adickes, E[rich]: Die bewegenden Kräfte in Kants philosophischer Entwicklung und die beiden Pole seines Systems (I). In: KS 1, 1896/97. -Adickes, E[rich]: Die bewegenden Kräfte in Kants philosophischer Entwicklung und die beiden Pole seines Systems (II). In: KS 1, 1896/97. -Adickes, E[rich]: Die bewegenden Kräfte in Kants philosophischer Entwicklung und die beiden Pole seines Systems (III). In: KS 1, 1896/97. -Medicus, Fritz: Kant und Ranke. Eine Studie über die Anwendung der transscendentalen Methode auf die historischen Wissenschaften. In: KS 8, 1903. -Riehl, A.: Anfäänge des Kritizismus. - Methodologisches aus Kant. In: KS 9, 1904. -Driesch, Hans: Kant und das Ganze. In: KS 29, 1924. -Lachièze-Rey, Pierre: Réflexion sur la Methode Kantienne et sur son Utilisation Possible. In: KS 45, 1953/54. -Lehmann, Gerhard: Voraussetzungen und Grenzen systematischer Kantinterpretation. In: KS 49, 1957/58. -Genova, A. C.: Kant's Three Critiques: A Suggested Analytical Framework. In: KS 60, 1969. -Hartman, Robert S.: Kant's Science of Metaphysics and the Scientific Method. In: KS 63, 1972. -Kaulbach, Friedrich: Dialektik und Theorie der philosophischen Methode bei Kant. Zum Kant-Kommentar von H. Heimsoeth. In: KS 64, 1973. -Wichmann, Heinz: Metaphysik und Weltanschauung. Zu Paul Menzers philosophischem Ansatz. In: KS 89, 1998. -Milz, Bernhard: Zur Analytizität und Synthetizität der "Grundlegung". In: KS 89, 1998. -Architektonik und System in der Philosophie Kants. Hrsg. von H. F. Fulda und J. Stolzenberg. (N. Fischer). In: KS 96, 2005. -A. Hutter: Das Interesse der Vernunft. (St. Klingner). In: KS 99, 2008. -Peter Trawny, Wien. Das Ideal des Weisen. Zum Verhältnis von Philosophie und Philosoph bei Kant. In: KS 99, 2008. -Bryan Hall, New Albany, Indiana. Effecting a Transition: How to Fill the Gap in Kant's System of Critical Philosophy. In: KS 100, 2009. -Andree Hahmann, Göttingen. Die Reaktion der spekulativen Weltweisheit: Kant und die Kritik an den einfachen Substanzen. In: KS 100, 2009. -U. Santozki : Die Bedeutung antiker Theorien für die Genese und Systematik von Kants 332

Philosophie. (M. Sgarbi). In: KS 100, 2009. -N. F. Klimmek: Kants System der transzendentalen Ideen. (N. Fischer). In: KS 100, 2009. -I. Goy: Architektonik oder Die Kunst der Systeme. (St. Klingner). In: KS 101, 2010.

2 – Filosofia Prática: 135

Temas em Filosofia Prática: 133 -Schwarz, H.: Der Rationalismus und der Rigorismus in Kants Ethik. Eine kritisch- systematische Untersuchung (II). In: KS 2, 1897/98. -Menzer, Paul: Der Entwicklungsgang der Kantischen Ethik in den Jahren 1760 bis 1785 (I). In: KS 2, 1897/98. -Menzer, Paul: Der Entwicklungsgang der Kantischen Ethik in den Jahren 1760 bis 1785 (II). In: KS 3, 1898/99. -Döring, A.: Kants Lehre vom höchsten Gut. Eine Richtigstellung. In: KS 4, 1900. -Stange, Carl: Der Begriff der "hypothetischen Imperative" in der Ethik Kants. In: KS 4, 1900. -Adickes, Erich: Korrekturen und Konjekturen zu Kants ethischen Schriften. In: KS 5, 1901. -Soloweiczik, R.: Kants Bestimmung der Moralität. In: KS 5, 1901. -Gallinger, August: Zum Streit über das Grundproblem der Ethik in der neueren philophischen Litteratur. In: KS 6, 1901. -Wille, Emil: Konjekturen zu Kants Kritik der praktischen Vernunft. In: KS 8. -Renner, Hugo: Der Begriff der sittlichen Erfahrung (I). In: KS 10, 1905. -Behrend, F.: Der Begriff des reinen Wollens bei Kant. In: KS 11. -Romundt, Heinrich: Vorschlag zu einer Änderung des Textes von Kants Kritik der praktischen Vernunft. In: KS 13, 1908. -Ruge, Arnold: Begriff und Problem der Persönlichkeit (in Beziehung auf die Kantische Morallehre). In: KS 16, 1911. -Vorländer, Karl: Eine Neubegründung der Ethik auf Kantischer Grundlage (A. Görland). In: KS 23, 1918/19. -Anderson, Georg: Die "Materie" in Kants Tugendlehre und der Formalismus der kritischen Ethik. In: KS 26, 1921. -Schulze-Soelde, W.: Sittlichkeit und Selbstliebe. In: KS 30, 1925. -Diemer, Alwin: Zum Problem des Materialen in der Ethik Kants. In: KS 45. -Menzer, Paul: Das Freiheitsgefühl. In: KS 45, 1953/54. 333

-Axelos, Christos: Heroische Haltung und moralische Handlung. In: KS 46, 1954/55. -Beck, LewisWhite: Apodictic Imperatives. In: KS 49, 1957/58. -Silber, John R.: The Copernican Revolution in Ethics: The Good reexamined. In: KS 51, 1959/60. -Heidemann, Ingeborg: Das Problem der Allgemeingültigkeit in der Ethik. In: KS 52, 1960/61. -Beck, Lewis White: Das Faktum der Vernunft. In: KS 52, 1960/61. -Schrader, George A.: Ethik und mauvaise foi. In: KS 52, 1960/61. -Hall, Robert W.: Kant and ethical Formalism. In: KS 52, 1960/61. -Wassmer, Thomas A.: Responsibility and Pleasure in Kantian Morality. In: KS 52, 1960/61. -Dietrichson, Paul: What does Kant mean by 'Acting from Duty'? In: KS 53, 1961/62. -Dietrichson, Paul: When is a maxim fully universalizable? In: KS 55, 1964. -Murphy, Jeffrie G.: The Highest Good as Content for Kant's Ethical Formalism (Beck versus Silber). In: KS 56, 1965. -Silber, John R.: Der Schematismus der praktischen Vernunft. In: KS 56, 1965. -Kadowaki, Takuji: Das Faktum der reinen praktischen Vernunft. In: KS 56, 1965. -Heimsoeth, Heinz: Zum kosmotheologischen Ursprung der Kantischen Freiheitsantinomie. In: KS 57, 1966. -Heidemann, Ingeborg: Prinzip und Wirklichkeit in der Kantischen Ethik. In: KS 57, 1966. -Vleeschauwer, H. J. de: La Doctrine du Suicide dams l'Ethique de Kant. In: KS 57, 1966. -Saarnio, Uuno: Die logische Grundlage der formalen Ethik Immanual Kants. In: KS 57, 1966. - Kim, Chin-Tai: Kant's "Supreme Principle of Morality". In: KS 59, 1968. -King, J. Charles: Bradley's "Duty for Duty's Sake" and Kant's Ethik. In: KS 59, 1968. -Krausser, P.: Über eine unvermerkte Doppelrolle des Kategorischen Imperativs in Kants Grundlegung zur Metaphysik der Sitten. In: KS 59, 1968. -Laska, P: Kant on Moral Worth: A Reply to Murphy. In: KS 59, 1968. -Klein, Hans-Dieter: Formale und materiale Prinzipien in Kants Ethik. In: KS 60, 1969. -Düsing, Klaus: Das Problem des höchsten Gutes in Kants praktischer Philosophie. In: KS 62, 1971. -Zeldin, Mary-Barbara: The Summum Bonum, the Moral Law, and the Existence of God. In: KS 62, 1971. -Hill, Thomas E.: Kant on Imperfect Duty and Supererogation. In: KS 62, 1971. 334

- Hofmeister, Heimo E. M.: The Ethical Problem of the Lie in Kant. In: KS 63, 1972. - Gupta, R. K.: Kant's Problem of the Possibility of the Categorical Imperative. In: KS 64,1973. - MacBeath, A. Murray: Kant on Moral Feeling. In: KS 64, 1973. -Potter, Nelson Jr.: Paton on the Application of the Categorical Imperative. In: KS 64, 1973. -Röttges, Heinz: Kants Auflösung der Freiheitsantinomie. In: KS 65, 1974. -Beversluis, John: Kant on Moral Striving. In: KS 65, 1974. -Broadie, Alexander/Pybus, Elizabeth M.: Kant's Concept of Respect. In: KS 66, 1975. -Rollin, Bernard E.: "There is Only One Categorical Imperative". In: KS 67, 1976. -Shalgi, M: Universalized Maxims as Moral Laws. The Catigorical Imperative Revisited. In: KS 67, 1976. -Kroy, Moshe: A Partial Fomalization of Kant's Categorical Imperative. An Application of Deontic Logic to Classical Moral Philosophy. In: KS 67. -Genova, A. C.: Kant's Transcendental Deduction of the Moral Law. In: KS 69, 1978. -Harbison, Warren G.: The Good Will. In: KS 71, 1980. -Benton, Robert J.: Kant's Categories of Practical Reason as Such. In: KS 71, 1980. -Heyd, D: Beyond the Call of Duty in Kant's Ethics. In: KS 71, 1980. -Brülisauer, Bruno: Die Goldene Regel. Analyse einer dem Kategorischen Imperativ verwandten Grundnorm. In: KS 71, 1980. -Wimmer, Reiner: Die Doppelfunktion des Kategorischen Imperativs in Kants Ethik. In: KS 73, 1982. -Broadie, Alexander/Pybus, Elisabeth M.: Kant and Weakness of Will. In: KS 73, 1982. -Doore, Gary: Contradiction in the Will. In: KS 76, 1985. -Kuehn, Manfred: Kant's Transcendental Deduction of God's Existence as a Postulate of Pure Practical Reason. In: KS 76, 1985. -Watson, Stephen H.: Kant on Autonomy, the Ends of Humanity, and the Possibility of Morality. In: KS 77, 1986. -Harris, N. G. E.: Imperfect Duties and Conflicts of Will. In: KS 79, 1988. -Reath, Andrews: Kant's Theory of Moral Sensibility. Respect for the Moral Law and the Influence of Inclination. In: KS 80, 1989. -Stekeler-Weithofer, Pirmin: Willkür und Wille bei Kant. In: KS 81, 1990. -Sedgwick, Sally: On Lying and the Role of Content in Kant's Ethics. In: KS 82, 1991. -Körner, Stephan: On Kant's Conception of Science and the Critique of Practical Reason. In: KS 82, 1991. 335

-Hudson, Hud: Wille, Willkür, and the Imputability of Immoral Actions. In: KS 82, 1991. -Naknikian, George: Kant's Theory of Hypothetical Imperatives. In: KS 83, 1992. -Green, Michael K.: Kant and Moral Self-Deception. In: KS 83, 1992. -Harries, Nigel G. E.: Kantian Duties and Immoral Agents. In: KS 83, 1992. -Luków, Pawel: The Fact of Reason. Kant's Passage to Ordinary Moral Knowledge. In: KS 84, 1993. -Stratton-Lake, Philip: Formulating Categorical Imperatives. In: KS 84, 1993. -McCarty, Richard: Motivation and Moral Choice in Kant's Theory of Rational Agency. In: KS 85, 1994. -Wagner, Hans: Kants Konzept von hypothetischen Imperativen. In: KS 85, 1994. -Albrecht, Michael: Kants Maximenethik und ihre Begründung. In: KS 85, 1994. -Briese, Olaf: Ethik der Endlichkeit. Zum Verweisungscharakter des Erhabenen bei Kant. In: KS 87, 1996. -Engstrom, Stephen: Kant's Conception of Practical Wisdom. In: KS 88, 1997. -Anderson, Abraham: On the Practical Foundation of Kant's Response to Epistemic Skepticism. In: KS 89, 1998, 145-166. -Mariña, Jacqueline: Kant's Derivation of the Formula of the Categorical Imperative: How to Get it Right. In: KS 89, 1998. -Onof, Christian J.: A Framework for the Derivation and Reconstruction of the Categorical Imperative. In: KS 89, 1998. -Steinberger, Peter J.: The Standard View of the Categorical Imperative. In: KS 90, 1999. -Marcucci, Silvestro: "Moral Friendship" in Kant. In: KS 90, 1999. -Edwards, Jeffrey: Egoism and Formalism in the Development of Kant’s Moral Philosophy. In: KS 91, 2000. -Grondin, Jean: Zur Phänomenologie des moralischen ,Gesetzes‘. Das kontemplative Motiv der Erhebung in Kants praktischer Metaphysik. In: KS 91, 2000. -Herrera, Larry: Kant on the Moral Triebfeder. In: KS 91, 2000. -Lotter, Maria-Sibylla: Das individuelle Gesetz. Zu Simmels Kritik an der Lebensfremdheit der kantischen Moralphilosophie. In: KS 91, 2000. -I. Kant: Practical Philosophy. Transl. and ed. by Mary Gregor. (E. Watkins). In: KS 92, 2001. -Janine M. Grenberg, Northfield/Minnesota: Feeling, Desire and Interest in Kant’s Theory of Action. In: KS 92, 2001. -Hector Wittwer, Berlin: Über Kants Verbot der Selbsttötung. In: KS 92, 2001. 336

-Boniface Kaboré, Ottawa/Ontario: Le formalisme est un humanisme: retour sur les fondements de la morale kantienne. In: KS 92, 2001. -Roswitha Staege, Duisburg: Hypothetische Imperative. In: KS 93, 2002. - Volker Dieringer, Tübingen: Was erkennt die praktrische Vernunft? Zu Kants Begriff des Guten in der Kritik der praktischen Vernunft. In: KS 93, 2002. -Kai Haucke, Potsdam: Moralische Pflicht und die Frage nach dem gelingenden Leben. Überlegungen zu Kants Glücksbegriff. In: KS 93, 2002. -Cl. Schwaiger: Kategorische und andere Imperative (S. Weller). In: KS 93, 2002. -Arthur Melnick, Urbana: Kant's Formulations of the Categorical Imperative. In: KS 93, 2002. -A.W. Wood: Kant's Ethical Thought. (G. Geismann). In: KS 93, 2002. -Thomas Sören Hoffmann, Bonn: Gewissen als praktische Apperzeption. Zur Lehre vom Gewissen in Kants Ethik-Vorlesungen. In: KS 93, 2002. -Wulf Kellerwessel, Aachen: Die Begrenztheit von Krafts Kritik an Kants Ethik. In: KS 93, 2002. -Anne Margaret Baxley, Blacksburg: Autocracy and Autonomy. In: KS 94, 2003. -Elizabeth Rottenberg, Baltimore: The Legacy of the Future: Kant and the Ethical Question. In: KS 94, 2003. -S. Fleischhacker: A Third Concept of Liberty (P. Rossi). In: KS 94, 2003. -Lawrence Pasternack, Stillwater, OK: The Lawfulness of the Will and Timeless Agency. In: KS 94, 2003. -K. Ameriks: Kant and the Fate of Autonomy (R. Meerbote). In: KS 94, 2003. -Pawel Lukow, Warszawa: Maxims, Moral Responsiveness, and Judgment. In: KS 94, 2003. -Dirk Greimann, Santa Maria-RS, Brasilien: Ist Kants Ethik ontologisch unschuldig?. In: KS 95, 2004. -P. Baumanns: Kants Ethik (B. Gerlach). In: KS 95, 2004. -Ph. Stratton-Lake: Kant, Duty and Moral Worth (A. M. Baxley). In: KS 95, 2004. -D. Schönecker: Kant: Grundlegung III: die Deduktion des kategorischen Imperativs. (M. Quarfood). In: KS 95, 2004. -Claudia Graband, Berlin: Das Vermögen der Freiheit: Kants Kategorien der praktischen Vernunft. In: KS 96, 2005. -Freiheit, Gleichheit, Selbständigkeit. Hrsg. von Götz Landwehr. (M. Hernández Marcos). In: KS 96, 2005. -Heike Baranzke, Bonn: Tierethik, Tiernatur und Moralanthropologie im Kontext von § 17, Tugendlehre. In: KS 96, 2005. 337

-S. J. Kerstein: Kant's Search for the Supreme Principle of Morality. (D. Schönecker). In: KS 96, 2005. -B. Himmelmann: Kants Begriff des Glücks. (C. Schwaiger). In: KS 96, 2005. -U. Thiele: Repräsentation und Autonomieprinzip. (D. C. Henrich). In: KS 96, 2005. -Sven Bernecker, Manchester. Kant zur moralischen Selbsterkenntnis. In: KS 97, 2006. -Verena Mayer, München. Das Paradox des Regelfolgens in Kants Moralphilosophie. In: KS 97, 2006. -Konstantin Pollok, Marburg. "Wenn Vernunft volle Gewalt über das Begehrungsvermögen hätte" - Über die gemeinsame Wurzel der Kantischen Imperative. In: KS 98, 2007. -D. Schönecker/A. W. Wood: Kants "Grundlegung zur Metaphysik der Sitten". (A. Hütig). In: KS 98, 2007. -Georg Geismann, Berlin. Kant über Freiheit in spekulativer und praktischer Hinsicht. In: KS 98, 2007. -Christian F. R. Illies, Eindhoven. Orientierung durch Universalisierung: Der Kategorische Imperativ als Test für die Moralität von Maximen. In: KS 98, 2007. -Kelly Coble, Berea, OH. How Compatibilists Can Account for the Moral Motive: Autonomy and Metaphysical Internalism. In: KS 98, 2007. -K. Düsing: Subjektivität und Freiheit. (R. Hiltscher). In: KS 99, 2008. -H. Bielefeldt: Symbolic Representation in Kant's Practical Philosophy. (M. Schattenmann). In: KS 99, 2008. -L. Koch: Kants ethische Didaktik. In: KS 99, 2008. -Marc Zobrist, Zürich. Kants Lehre vom höchsten Gut und die Frage moralischer Motivation. In: KS 99, 2008. Chong-Fuk Lau, Hong Kong. Freedom, Spontaneity and the Noumenal Perspective. In: KS 99, 2008. -J. Timmermann: Sittengesetz und Freiheit. (H. Wittwer). In: KS 99, 2008. -M. Schwartz: Der Begriff der Maxime bei Kant. (D. Ferdori). In: KS 99, 2008. -W. Brinkmann: Praktische Notwendigkeit. Eine Formalisierung von Kants Kategorischem Imperativ. (C. Friebe). In: KS 100, 2009. -Christian Onof, London. Reconstructing the grounding of Kant's ethics: a critical assessment. In: KS 100, 2009. -T. Streichert: Von der Freiheit und ihrer Verkehrung. (Chr. Schilling). In: KS 101, 2010. -J. Bojanowski: Kants Theorie der Freiheit. (A. Hahmann). In: KS 101, 2010. -St. Bacin: Il senso dell'etica. (C. Schwaiger). In: KS 101, 2010. 338

-H. Panknin-Schappert: Innerer Sinn und moralisches Gefühl. (H. Puls). In: KS 101, 2010.

Sistema e Método em Filosofia Prática: 2 -Schwarz, H.: Der Rationalismus und der Rigorismus in Kants Ethik. Eine kritisch- systematische Untersuchung (I). In: KS 2, 1897/98. -B. Centi: Coscienza, etica e architettonica in Kant. (R. Pozzo). In: KS 97, 2006.

3 – Teleologia: 67

Temas Estéticos: 52 -Marschner, Franz: Kant's Bedeutung für die Musik-Ästhetik der Gegenwart (I). In: KS 6, 1901. -Marschner, Franz: Kant's Bedeutung für die Musik-Ästhetik der Gegenwart (II). In: KS 6, 1901. -Schubert-Soldern, Richard von: Die Grundfragen der Ästhetik unter kritischer Zugrundelegung von Kants Kritik der Urteilskraft (I). In: KS 13, 1908. -Schubert-Soldern, Richard von: Die Grundfragen der Ästhetik unter kritischer Zugrundelegung von Kants Kritik der Urteilskraft (II). In: KS 14, 1909. -Schubert-Soldern, Richard von: Die Grundfragen der Ästhetik unter kritischer Zugrundelegung von Kants Kritik der Urteilskraft (III). In: KS 15, 1910. -Utitz, Emil: Zur "Als-Ob-Theorie" in der Kunstphilosophie. In: KS 27. 1922. -Utitz, Emil: Über Grundbegriffe der Kunstwissenschaft. In: KS 34, 1929. -Kaminsky, Jack: Kant's Analysis of Aesthetics. In: KS 50, 1958/59. -Bauer-Drevermann, Ingrid: Der Begriff der Zufälligkeit in der Kritik der Urteilskraft. In: KS 56, 1965. -Sdun, Winfried: Zum Begriff des Spiels bei Kant und Schiller. In: KS 57, 1966. -Bayerer, Wolfgang G.: Bemerkungen zu einer vergessenen Reflexion Kants über das "Gefühl der Lust und Unlust". In: KS 59, 1968. -Raggio, Andrés R.: Einige Betrachtungen zum Begriff des Spiels. In: KS 61, 1970. -Wolandt, Gerd: Die ästhetische Autonomie. In: KS 63, 1972. -Schaper, Eva: Kant on Aesthetic Appraisals. In: KS 64, 1973. -Aquila, Richard E.: A New Look at Kant's Aesthetic Judgment. In: KS 70, 1979. 339

-Wohlfart, Günther: Ist der Raum eine Idee? Bemerkungen zur transzendentalen Ästhetik Kants. In: KS 71, 1980. -Kemal, Salim: The Importance of Artistic Beauty. In: KS 71, 1980. -Strube, Werner: Burkes und Kants Theorie des Schönen. In: KS 73, 1982. -Lüthe, Rudolf: Kants Lehre von den ästhetischen Ideen. In: KS 75, 1984. -MacMillan, Claude: Kant's Deduction of Pure Aesthetic Judgments. In: KS 76, 1985. -Crowther Paul: Fundamental Ontology and Transcendent Beauty: An Approach to Kant's Aesthetics. In: KS 76, 1985. -Müller, Ulrich: Objektivität und Fiktionalität. Einige Überlegungen zu Kants Kritik der ästhetischen Urteilskraft. In: KS 77, 1986. -Schott, Robin: Kant and the Objectification of Aesthetic Pleasure. In: KS 80, 1989. -Strub, Christian: Das Häßliche und die "Kritik der ästhetischen Urteilskraft". Überlegungen zu einer systematischen Lücke. In: KS 80, 1989. -Zanetti, Véronique: Die Antinomie der teleologischen Urteilskraft. In: KS 84, 1993. -Dumouchel, Daniel: La découverte de la faculté de juger réfléchissante. In: KS 85, 1994. -Gerwen, Rob van: Kant's Regulative Principle of Aesthetic Excellence: The Ideal Aesthetic Experience. In: KS 86, 1995. -Roy, Louis: Kant's Reflections on the Sublime and the Infinite. In: KS 88, 1997. -Gammon, Martin: Parerga and Pulchritudo adhaerens: A Reading of the Third Moment of the "Analytic of the Beautiful".In: KS 90, 1999. -Jean Kahn, Oeting: Une correction à apporter au texte d’une définition du beau dans la Critique de la faculté de juger. In: KS 92, 2001. -Michael Bek, Tübingen: Die Vermittlungsleistung der reflektierenden Urteilskraft. In: KS 92, 2001. -Dorit Barchana-Lorand, Haifa: The Kantian Beautiful, or, The Utterly Useless: Prolegomena to Any Future Aesthetics. In: KS 93, 2002. -Nick McAdoo, The Open University, Milton Keynes: Kant and the Problem of Dependent Beauty. In: KS 93, 2002. -G. Böhme: Kants "Kritik der Urteilskraft" in neuer Sicht (R. Wahsner). In: KS 94, 2003. -Kenneth F. Rogerson, North Miami, Florida Kant on Beauty and Morality. In: KS 95, 2004. -H. Nerheim: Zur kritischen Funktion ästhetischer Rationalität in Kants Kritik der Urteilskraft. (H. Panknin-Schappert). In: KS 95, 2004. -W. Wieland: Urteil und Gefühl.Kants Theorie dr Urteilskraft (R. Lüthe). In: KS 96, 2005. -A. Kern: Schöne Lust. Eine Theorie der ästhetischen Erfahrung nach Kant. (A. Hütig). In: 340

KS 96, 2005. -D. Burnham: An Introduction to Kant's Critique of Judgement. (St. Palmquist). In: KS 96, 2005. -Luigi Caranti, Roma: Logical Purposiveness and the Principle of Taste. In: KS 96, 2005. -Christian Helmut Wenzel, Taiwan: Spielen nach Kant die Kategorien schon bei der Wahrnehmung eine Rolle?: Peter Rohs und John McDowell. In: KS 96, 2005. -Randy Cagle, Moorhead, Minnesota: Becoming a Virtuous Agent: Kant and the Cultivation of Feelings and Emotions. In: KS 96, 2005. -Chr. H. Wenzel: Subjektive Allgemeinheit des Geschmacksurteils bei Kant. (R. Hiltscher). In: KS 96, 2005. -Suma Rajiva, Saratoga Springs. Is Hypothetical Reason a Precursor to Reflective Judgment?. In: KS 97, 2006. -H. E. Allison: Kant's Theory of Taste: A Reading of the Critique of Aesthetic Judgment. (K. Rogerson). In: KS 98, 2007. -G. Häfliger: Vom Gewicht des Schönen in Kants Theorie der Urteile. (W. Moskopp). In: KS 98, 2007. -H.-J. Pieper: Geschmacksurteil und ästhetische Einstellung. (M. Wetzel). In: KS 99, 2008. -Michael Rohlf, Washington, DC.The Transition from Nature to Freedom in Kant's Third Critique. In: KS 99, 2008. -G. Felten: Die Funktion des sensus communis in Kants Theorie des ästhetischen Urteils. (T. Kinnaman). In: KS 100, 2009. -Antoine Grandjean, Nantes. Téléologie juridique et téléologie historique chez Kant. In: KS 101, 2010. -R. Wilson: Subjective Universality in Kant's Aesthetics. (O. Cubo). In: KS 101, 2010. -A. Wachter: Das Spiel in der Ästhetik. (T. Klein). In: KS 101, 2010.

Conceito de Fim: 10 -Pfannkuche, A.: Der Zweckbegriff bei Kant. In: KS 5, 1901. -Frost, Walter: Kants Teleologie. In: KS 11, 1906. -Bommersheim, Paul: Der Begriff der organischen Selbstregulation in Kants Kritik der Urteilskraft. In: KS 23, 1918/19. -Reinke, Johannes: Leblos und lebendig. In: KS 31, 1926. -Bommersheim, Paul: Der vierfache Sinn der inneren Zweckmäßigkeit in Kants Philosophie des Organischen. In: KS 32, 1927. 341

-Bertalanffy, Ludwig von: Zum Problem einer theoretischen Biologie. In: KS 34, 1929. -Meyer, Justus: Kants Philosophie der Lebenserscheinungen. In: KS 36, 1931. -Schrader, George: The Status of Teleological Judgment in the Critical Philosophy. In: KS 45, 1953/54. -Tonelli, Giorgio: Von den verschiedenen Bedeutungen des Wortes Zweckmäßigkeit in der Kritik der Urteilskraft. In: KS 49, 1957/58. -Ingensiep, Hans Werner: Die biologischen Analogien und die erkenntnistheoretischen Alternativen in Kants Kritik der reinen Vernunft B §27. In: KS 85, 1994. -Jean Kahn, Œting. A propos d'une correction à apporter du texte d'une définition du beau dans la Critique de la faculté de juger. In: KS 100, 2009.

Sistema e método teleológico: 5 -Tumarkin, Anna: Zur transscendentalen Methode der Kantischen Ästhetik. In: KS 11. -Waterman, W. B.: Kant's Critique of Judgment. In: KS 12, 1907. - Spindler, Josef: Zur Frage der Interpretation einer der wichtigsten Stellen der "Kritik der Urteilskraft". In: KS 30, 1925. -Tuschling, Burkhard: System des transzendentalen Idealismus bei Kant? Offene Fragen der - und an die - Kritik der Urteilskraft. In: KS 86, 1995. -H. Hohenegger: Kant, filosofo dell'architettonica. Saggio sulla Critica della facoltà di giudizio. (R. Pozzo). In: KS 100, 2009.

4 – Híbridos a priori (envolvendo mais de uma categoria ou comparação de conceitos ou obras de Kant): 91 -Thilly, Frank: Kant and Teleological Ethics. In: KS 8, 1903. -Heman, Friedrich: Kants Platonismus und Theismus, dargestellt im Gegensatz zu seinem vermeintlichen Pantheismus. In: KS 8, 1903 -Wille, Emil: Konjekturen zu mehreren Schriften Kants. In: KS 8, 1903. -Reinecke, Wilhelm: Die Grundlagen der Geometrie nach Kant. In: KS 8, 1903. -Lütgert, W.: Hamann und Kant. In: KS 11, 1906. -Bauch, Bruno: Chamberlains "Kant". In: KS 11, 1906. -Höfler, Alois: Die unabhängigen Realitäten. In: KS 12, 1907. -Geissler, Kurt: Kants Antinomien und das Wesen des Unendlichen. In: KS 15, 342

1910. -Schmalenbach, Hermann: Individualität und Individualismus. In: KS 24, 1919/20. -Muthesius, Ehrenfried: Zur Dialektik der Einheit des Praktischen und Theoretischen. In: KS 28, 1923. -Hartmann, Nicolai: Diesseits von Idealismus und Realismus. Ein Beitrag zur Scheidung des Geschichtlichen und Übergeschichtlichen in der Kantischen Philosophie. In: KS 29, 1924. -Aall, Herman Harris: Das Gesetz des moralischen Kontrastes zwischen Gefühl und Vorstellung. In: KS 29, 1924. -Sztern, M.: Zur Frage der Vereinbarkeit von Willensunfreiheit und Verantwortlichkeit. In: KS 31, 1926. -Häberlin, Paul: Das ästhetische und das moralische Leben. In: KS 33. -Sternberg, Kurt: Aufklärung, Klassizismus und Romantik bei Kant. In: KS 36, 1931. -Heyse, Hans: Idee und Existenz in Kants Ethiko-Theologie. In: KS 40, 1935. -Nahm, Milton C.: "Sublimity" and the "Moral Law" in Kant's Philosophy. In: KS 48, 1956/57. -Schilling, Kurt: Der Platz für den Glauben. In: KS 51, 1959/60. -Cramer, Wolfgang: Aufgaben und Methoden einer Kategorienlehre. In: KS 52, 1960/61. -Rogers, Wiley Kim: On a comprehensive Principle in the Kantian Critiques. In: KS 52, 1960/61. -Reiner, Hans: Kants Beweis zur Widerlegung des Eudämonismus und das Apriori der Sittlichkeit. In: KS 54, 1963. -Guéroult, Martial: Vom Kanon der Kritik der reinen Vernunft zur Kritik der praktischen Vernunft. In: KS 54, 1963. -Kaulbach, Friedrich: Leibbewußtsein und Welterfahrung beim frühen und späten Kant. In: KS 54, 1963. -Vallenilla, Ernesto Mayz: Kants Begriff des Nichts und seine Beziehungen zu den Kategorien. In: KS 56, 1965. -Bird, G: Logik und Psychologie in der Transzendentalen Deduktion. In: KS 56. 1965. -Menzel, Ladislav: Das Problem der formalen Logik in der Kritik der reinen Vernunft. In: KS 56, 1965. -Moritz, Manfred: Pflicht und Moralität. Eine Antinomie in Kants Ethik. In: KS 56, 1965. -Körner, Stephan: Zur Kantischen Begründung der Mathematik und der Naturwissenschaften. In: KS 56, 1965. 343

-Hinske, Norbert: Kants Begriff der Antinomie und die Etappen seiner Ausarbeitung. In: KS 56, 1965. -Walsh, W. H.: Philosophy and Psychology in Kant's Critique. In: KS 57, 1966. -Beck, Lewis White: The Second Analogy and the Principle of Indeterminacy. In: KS 57. -Tonelli, Giorgio: Die Anfänge von Kants Kritik der Kausalbeziehungen und ihre Voraussetzungen im 18. Jahrhundert. In: KS 57, 1966. -Orth, E. W.: Kants Politikbegriff zwischen Existenzmetaphysik und kritischer Philosophie. In: KS 64, 1973. -Böhme, Gernot: Über Kants Unterscheidung von extensiven und intensiven Größen. In: KS 65, 1974. -Krausser, Peter: Zu einer systematischen Rekonstruktion der Erkenntnis- und Wissenschaftstheorie in Kants Kritik der reinen Vernunft. Teil VI: Zum Verhältnis von Kategorien, Schemata und Grundsätzen und der Rolle der Analogien-Kapitel in der sogenannten 'Deduktion'. In: KS 67, 1976. -Pippin, Robert B.: The Schematism and Empirical Concepts. In: KS 67, 1976. -Liebrucks, Bruno: Selbstbewußtsein und Selbsterkenntnis bei Kant. In: KS 67, 1976. -Ebert, Theodor: Kants kategorischer Imperativ und die Kriterien gebotener, verbotener und freigestellter Handlungen. In: KS 67, 1976. -Guyer, Paul D.: Formalism and the Theory of Expression in Kant's Aesthetics. In: KS 68, 1977. -Wagner, Hans: Zu Kants Auffassung bezüglich des Verhältnisses zwischen Formal- und Transzendentallogik. Kritik der reinen Vernunft A 75.64/B 82-88. In: KS 68, 1977. -Aquila, Richard E.: The Relationship between Pure and Empirical Intuition in Kant. In: KS 68, 1977. -Tonelli, Giorgio †: "Critique" and Related Terms Prior to Kant: A Historical Survey. In: KS 69, 1978. -Franzwa, Gregg E.: Space and the Schematism. In: KS 69, 1978. -Kalin, Martin G.: Idealism against Realism in Kant's Third Antinomy. In: KS 69, 1978. -Düsing, Klaus: Objektive und subjektive Zeit. Untersuchungen zu Kants Zeittheorie und zu ihrer modernen kritischen Rezeption. In: KS 71, 1980. -Oguah, B. E.: Transcendental Arguments and Mathematical Intuition in Kant. In: KS 71, 1980. -Rotenstreich, Nathan: Hypostasis and Fetishmaking. Kant's Concepts and their Transformations. In: KS 71, 1980. 344

-Lazaroff, Allan: The Kantian Sublime: Aesthetic Judgment and Religious Feeling. In: KS 71, 1980. -Laberge, Pierre: Du Passage de la Philosophie Morale Populaire à la Métaphysique des Moeurs. In: KS 71, 1980. -Robinson, Hoke: Anschauung und Mannigfaltiges in der Transzendentalen Deduktion. In: KS 72, 1981. -Holz, Harald: Vermittelte Unmittelbarkeit. Die Einheit von Prinzip und Anwendung in Kants praktischer Philosophie. In: KS 72, 1981. -Prauss, Gerold: Kants Problem der Einheit theoretischer und praktischer Vernunft. In: KS 72, 1981. - Robinson, Hoke: Incongruent Counterparts and the Refutation of Idealism. In: KS 72, 1981. -Lee, Kwang-Sae: Kant on Empirical Concepts, Empirical Laws and Scientific Theories. In: KS 72, 1981. -Zeldin, Mary-Barbara †: Formal Purposiveness and the Continuity of Kant's Argument in the Critique of Judgment. In: KS 74, 1983. -Kemal, Salim: Aesthetic Necessity, Culture and Epistemology. In: KS 74, 1983. -Duque, Félix: Teleologie und Leiblichkeit beim späten Kant. In: KS 75, 1984. -Gensler, Harry J.: Logic and the First Critique. In: KS 76, 1985. -O'Connor, Daniel: Good and Evil Disposition. In: KS 76, 1985. -Heckmann, Heinz-Dieter: Kant und die Ich-Metaphysik. Metakritische Überlegungen zum Paralogismen-Kapitel der Kritik der reinen Vernunft. In: KS 76, 1985. -Enskat, Rainer: Logische Funktionen und logische Fähigkeiten in der Kantischen Theorie der Urteilsfunktionen und in der Junktorenlogik. In: KS 77, 1986. -Krämling, Gerhard: Das höchste Gut als mögliche Welt. Zum Zusammenhang von Kulturphilosophie und systematischer Architektonik bei I. Kant. In: KS 77, 1986. -Nussbaum, Charles: Critical and Pre-Critical Phases in Kant's Philosophy of Logic. In: KS 83, 1992. -Schiemann, Gregor: Totalität oder Zweckmäßigkeit. Kants Ringen mit dem Mannigfaltigen der Erfahrung im Ausgang der Vernunftskritik. In: KS 83, 1992. -Oesterreich, Peter L.: Das Verhältnis von ästhetischer Theorie und Rhetorik in Kants Kritik der Urteilskraft. In: KS 83, 1992. -Mühlhölzer, Felix: Das Phänomen der inkongruenten Gegenstücke aus Kantischer und heutiger Sicht. In: KS 83, 1992. -Rusnock, Paul/George, R: A Last Shot at Kant and Incongruent Counterparts. In: KS 86, 345

1995. -Longuenesse, Béatrice: Kant et les jugements empiriques. Jugements de perception et jugements d'expérience. In: KS 86, 1995. -Blickmann, Claudia: Auf dem Wege zu einer Metaphysik der Freiheit: Kants Idee der Vollendung der Kopernikanischen Wende im Experiment der Vernunft mit sich selbst. In: KS 86, 1995. - Giordanetti, Piero: Das Verhältnis von Genie, Künstler und Wissenschaftler in der Kantischen Philosophie. In: KS 86, 1995. -Hutter, Axel: Die Spannung zwischen theoretischer und praktischer Vernunft - Schellings späte Anknüpfung an Kant. In: KS 86, 1995. -Yaffe, Gideon: Freedom, Natural Necessity and the Categorical Imperative. In: KS 86, 1995. -Leiber, Theodor: Kategorien, Schemata und empirische Begriffe: Kants Beitrag zur kognitiven Psychologie. In: KS 87, 1996. -Feger, Hans: Antimelancholische Kritik - Kants Theorie des Erhabenen und die Verengung des Vernunftgebrauchs zum unausbleiblichen Erfolg In: KS 87, 1996. -Forgie, J. William: Kant and Frege: Existence as a Second-Level Property. In: KS 91, 2000. -Rescher, Nicholas: Kant on the Limits and Prospects of Philosophy – Kant, Pragmatism, and the Metaphysics of Virtual Reality. In: KS 91, 2000. -N. Sherman: Making a Necessity of Virtue. Aristotle and Kant on Virtue. (H. F. Klemme). In: KS 92, 2001. -Mikhail Minakov, Kiev. Der Wahrheitsbegriff in Kants Philosophie und in der gegenwärtigen Epistemologie - Bericht über die Kant-Konferenz zu Kyjiw. In: KS 98, 2007. -U. H. Lehner: Kants Vorlesungskonzept auf dem Hintergrund der deutschen Schulphilosophie und -theologie. (R. Pozzo). In: KS 99, 2008. -P. R. Frierson: Freedom and Anthropology in Kant's Moral Philosophy. (B. Gerlach). In: KS 99, 2008. -B. Jensen: Was heißt sich orientieren? Von der Krise der Aufklärung zur Orientierung der Vernunft nach Kant. (A. Gentile). In: KS 100, 2009. -P. Giordanetti: Kant und die Musik. (R. Pozzo). In: KS 100, 2009. -D. Schönecker: Kants Begriff transzendentaler und praktischer Freiheit. (J. Bojanowski). In: KS 100, 2009. -A. B. Dickerson: Kant on Representation and Objectivity. (V. Mudroch). In: KS 100, 2009. -A. Ferrarin: Saggezza, immaginazione e giudizio pratico. (R. Pozzo). In: KS 100, 2009. -H. Birken-Bertsch: Subreption und Dialektik bei Kant. (B. Gerlach). In: KS 100, 2009. 346

-J. Kim: Substanz und Subjekt. (A. Hahmann). In: KS 100, 2009. -Susanne Herrmann-Sinai, Potsdam. Musik und Zeit bei Kant. In: KS 100, 2009. -Lara Ostaric, Colchester, Vermont. Works of Genius as a Sensible Exhibition of the Idea of the Highest Good. In: KS 101, 2010. -Kant: Rozprawa filozoficzna o religii i moralnosci. Philosophische Abhandlung über Religion und Moral. Przelozyl/übersetzt von Krzysztof Celestyn Mrongowiusz. (D. Pakalski). In: KS 101, 2010. -Jürgen Goldstein, Bonn. Die Höllenfahrt der Selbsterkenntnis und der Weg zur Vergötterung bei Hamann und Kant. In: KS 101, 2010. -Steve Naragon, North Manchester. "A Good, Honest Watchmaker": J. C. F. Schulz's Portrait of Kant from 1791. In: KS 101, 2010. -R. Wahsner: Der Widerstreit von Mechanismus und Organismus. (J. Rivera de Rosales). In: KS 101, 2010.

5 – Filosofia comparada em Sentido Formal (Kant e outros autores ou temas): 294 -Vorländer, K[arl]: Goethes Verhältnis zu Kant in seiner historischen Entwicklung (I). In: KS 1, 1896/97. -Vorländer, K[arl]: Goethes Verhältnis zu Kant in seiner historischen Entwicklung (II). In: KS 1, 1896/97. -Windelband, Wilhelm: Kuno Fischer und sein Kant. In: KS 2, 1897/98. -Höffding, Harald: Rousseaus Einfluss auf die definitive Form der Kantischen Ethik. In: KS 2, 1897/98. -Watson, John: The Cartesian Cogito ergo sum and Kant's Criticism of Rational Psychology. In: KS 2, 1897/98. -Vorländer, K[arl]: Goethes Verhältnis zu Kant in seiner historischenEntwicklung (III). In: KS 2, 1897/98. -Vorländer, K[arl]: Publikationen aus dem Goethe- und Schiller-Archiv und dem Goethe- National-Museum zu Weimar, Goethes Verhältnis zu Kant betreffend. In: KS 2, 1897/98. -Vorländer, Karl: Kant, Schiller, Goethe. Eine Apologie. In: KS 3, 1898/99. -Medicus, Fritz: Kants transscendentale Aesthetik und die nichteuklidische Geometrie. In: KS 3, 1898/99. -Vorländer, K[arl]: Neue Zeugnisse, Goethes Verhältnis zu Kant betreffend. In: KS 3, 1898/99. -Medicus, Fritz: Zwei Thomisten contra Kant. In: KS 3, 1898/99. 347

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-Riehl, A.: Helmholtz in seinem Verhältnis zu Kant. In: KS 9, 1904. -Bauch, Bruno: Luther und Kant. In: KS 9, 1904. -Windelband, W[ilhelm]: Schillers transscendentaler Idealismus. In: KS 10, 1905. -Klein, Tim: Kant und Schiller. In: KS 10, 1905. -Meinecke, Wilhelm: Die Bedeutung der Nicht-Euklidischen Geometrie in ihrem Verhältnis zu Kants Theorie der mathematischen Erkenntnis. In: KS 11. -Höfler, Alois: Ewalds kritische Untersuchung zu Kant und Avenarius. In: KS 14, 1909. -Buchenau, Artur: Über den Begriff des Unendlichen und der intelligiblen Ausdehnung bei Malebranche und die Beziehung des letzteren zum Kantischen Raumbegriff. In: KS 14, 1909. -Reinecke, W.: Kant und Fries. In: KS 15, 1910. -Dannenberg, Friedrich: Eine bisher unveröffentlichte Abhandlung Fichtes gegen das Unwesen der Kritik. Aus dem Nachlass herausgegeben und eingeleitet. In: KS 16, 1911. -Cassirer, Ernst: Aristoteles und Kant. In: KS 16, 1911. -Natorp, Paul: Kant und die Marburger Schule. In: KS 17, 1912. -Görland, Albert: Hermann Cohens systematische Arbeit im Dienste des kritischen Idealismus. In: KS 17, 1912. -Cassirer, E[rnst]: Hermann Cohen und die Erneuerung der Kantischen Philosophie. In: KS 17, 1912. -Marck, Siegfried: Platos Erkenntnislehre in ihren Beziehungen zur Kantischen. In: KS 18, 1913. -Pichler, Hans: Zur Entwicklung des Rationalismus von Descartes bis Kant. In: KS 18, 1913. -Schink, Willi: Kant und die stoische Ethik. In: KS 18, 1913. -Bauch, Bruno: Parallelstellen bei Hume und Kant. In: KS 19, 1914. -Rosenthal, Georg: Der Schönheitsbegriff bei Kant und Lessing. In: KS 20, 1915. -Timerding, H. E.: Kant und Euler. In: KS 23, 1918/19. -Vorländer, Karl: Goethe und Kant. In: KS 23, 1918/19. -Sternberg, Kurt: Wie ist kritische Philosophie überhaupt möglich? Betrachtungen über das gleichnamige Buch von Arthur Liebert. In: KS 24, 1919/20. - Anderson, Georg: Kants Metaphysik der Sitten - ihre Idee und ihr Verhältnis zur Ethik der 349

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-McPherson Philip: Circles in the Air. Pantomimics and the Transcendental Object = X. In: KS 87, 1996. -Booth, Edward: Kant's Critique of Newton. In: KS 87, 1996. -Schalow, Frank: Thinking at Cross Purposes with Kant: Reason, Finitude and Truth in the Cassirer - Heidegger Debate. In: KS 87, 1996. -Boi, Luciano: Les géométries non euclidiennes, le problème philosophique de l'espace et la conception transcendantale; Helmholtz et Kant, les néo-kantiens, Einstein, Poincaré et Mach. In: KS 87, 1996. -Rocca, Claudio La: Kant und die Methode der Philosophie – Zur Kant-Interpretation Massimo Barales. In: KS 87, 1996. -Perreijn, Willem: Kant, Smith and Locke: The Locksmith's Mending of Tradition. A Reaction to Mr. Fleischacker's Thesis. In: KS 88, 1997. -Benoist, Jocelyn: L'impensé de la représentation: De Leibniz à Kant. In: KS 89, 1998. -Trawny, Peter: Über das Verhältnis von Herz und Vernunft im Denken Kants und Hegels. Anmerkungen zu einer Metapher. In: KS 89, 1998. -Westphal, Kenneth R.: Buchdahl's "Phenomenological" View of Kant: A Critique. In: KS 89, 1998. -Fischer, Norbert: Zur Kritik der Vernunfterkenntnis bei Kant und Levinas. Die Idee des transzendentalen Ideals und das Problem der Totalität. In: KS 90. -Pardey, Ulrich: Über Kants 'Widerlegung des Mendelssohnschen Beweises der Beharrlichkeit der Seele'. In: KS 90, 1999. -Brandt, Reinhard: Immanuel Kant: "Über die Heilung des Körpers, soweit sie Sache der Philosophen ist." Und: Woran starb Moses Mendelssohn? In: KS 90, 1999. -Hermann Weidemann, Münster: Kants Kritik am Eudämonismus und die Platonische Ethik. In: KS 92, 2001. -J. Quitterer: Kant und die These vom Paradigmenwechsel. Eine Gegenüberstellung seiner Transzendentalphilosophie mit der Wissenschaftstheorie Thomas S. Kuhns (W. Malzkorn). In: KS 92, 2001. -P. L. Oesterreich: Das gelehrte Absolute. Metaphysik und Rhetorik bei Kant, Fichte und Schelling. (R. Pozzo). In: KS 92, 2001. -M. Bondeli: Der Kantianismus des jungen Hegel (Th. S. Hoffmann). In: KS 92, 2001. -Peter Thielke, Claremont, CA: Discursivity and Causalitiy: Maimon’s Challenge to the Second Analogy. In: KS 92, 2001. -J. Früchtl: Ästhetische Erfahrung und moralisches Urteil (N. Fischer). In: KS 93, 2002. 359

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#Pragmática: 201 1 – Antropologia Ampla: 176

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-Axinn, Sidney: Ambivalence: Kant's View of Human Nature. In: KS 72, 1981. -Korsgaard, Christine M.: Kant's Formula of Humanity. In: KS 77, 1986. -Funke, Gerhard: Gottfried Martins Kant: Der Mensch als Schöpfer der Erscheinungen. In: KS 78, 1987. -Wisser, Richard: Anthropologie: Disziplin der Philosophie oder Kriterium für Philosophie. In: KS 78, 1987. -Ritzel, Wolfgang: Kant über den Witz und Kants Witz. In: KS 82, 1991. -Williams, Howard: Morality or Prudence? In: KS 83, 1992. -Fritscher, Bernhard: Kant und Werner. Zum Problem einer Geschichte der Natur und zum Verhältnis von Philosophie und Geologie um 1800. In: KS 83, 1992. -Mendonça, W. P.: Die Person als Zweck an sich. In: KS 84, 1993. -Röttgers, Kurt: Kants Zigeuner. In: KS 88, 1997. -Wilson, Holly L.: Kant's Integration of Morality and Anthropology. In: KS 88, 1997. -Galvin, Richard F.: Slavery and Universalizability.In: KS 90, 1999. -Mosser, Kurt: Kant and Feminism. In: KS 90, 1999. -Charles, Sébastien: De l’utilisation critique d’un exemple monétaire en philosophie: Kant face à Buffier. In: KS 91, 2000. -Harbison, Warren: Self-Improvement, Beneficence, and the Law or Nature Formula. In: KS 91, 2000. -Fred L. Rush, Jr., Lawrence/Kansas: The Harmony of the Faculties. In: KS 92, 2001. -St. Dietzsch: Fort Denken mit Kant. Philosophische Versuche von diesseits und jenseits der Fakultät (Kl.-J. Grün). In: KS 92, 2001. -Olivier Dekens, Paris: L'homme kantien et le désir des idées. La culture et l'unité des questions de la philosophie. In: KS 93, 2002. -R. M. Schott [Hrsg.]: Feminist Interpretations of Immanuel Kant (F. Henriques). In: KS 93, 2002. -R. Brandt: Kritischer Kommentar zu Kants Anthropologie in pragmatischer Hinsicht (N. Hinske). In: KS 93, 2002. -I. Kant: Anthropologie in pragmatischer Hinsicht. Hrsg. von Reinhardt Brandt (H. PankninSchappert). In: KS 94, 2003. -Claudia M. Schmidt, Milwaukee/Wisconsin: The Anthropological Dimension of Kant's Metaphysics of Morals. In: KS 96, 2005. -C. La Rocca: Soggetto e mondo. (A. Gentile). In: KS 96, 2005. -Rolf Löchel, Marburg. Frauen sind ängstlich, Männer sollen mutig sein. 363

Geschlechterdifferenz und Emotionen bei Kant. In: KS 97, 2006. -Claudia Schmidt, Milwaukee, Wisconsin. Kant's Transcendental, Empirical, Pragmatic, and Moral Anthropology. In: KS 98, 2007. -F. Cheneval: Philosophie in weltbürgerlicher Bedeutung. (F. Dustdar). In: KS 98, 2007. -M. Mack: German Idealism and the Jew. (A. D. Köddermann). In: KS 99, 2008. -F. Marty: L'homme, habitant du monde. (Jean Ferrari). In: KS 99, 2008. -Chr. Böhr: Philosophie für die Welt. (M. Fabjancic). In: KS 99, 2008. -Werner Stark, Marburg. Das Manuskript Dönhoff - eine unverhoffte Quelle zu Kants Vorlesungen über Physische Geographie. In: KS 99, 2008. -D. Tafani: Virtù e felicità in Kant. (C. Schwaiger). In: KS 100, 2009. -Oliver Sensen, Tulane University. Kant's Conception of Human Dignity. In: KS 100, 2009. -Soo Bae Kim, Daejeon, Korea. The Formation of Kant's Casuistry and Method Problems of Applied Ethics. In: KS 100, 2009. -R. Brandt: Die Bestimmung des Menschen bei Kant. (J. Rivera de Rosales). In: KS 100, 2009. -R. Dean: The Value of Humanity in Kant's Moral Theory. (H. Wittwer). In: KS 100, 2009. -B. Longuenesse: Kant on the Human Standpoint. (S. Grapotte). In: KS 100, 2009. -Ph. J. Rossi: The Social Authority of Reason: Kant's Critique, Radical Evil, and the Destiny of Humankind. (St. Palmquist). In: KS 101, 2010. -G. di Giovanni: Freedom and Religion in Kant and His Immediate Successors: The Vocation of Humankind, 1774-1800. (St. Palmquist). In: KS 101, 2010. -R. Hanna: Kant, Science, and Human Nature. (R. Hiltscher). In: KS 101, 2010. -Matthew C. Altman, Ellensburg, WA. Kant on Sex and Marriage: The Implication for the Same-Sex Marriage Debate. In: KS 101, 2010.

Filosofia Política: 28 -Staudinger, F[ranz]: Kants Traktat: Zum ewigen Frieden. Ein Jubiläums-Epilog. In: KS 1, 1896/97. -Katzer, Ernst: Kant und der Krieg. In: KS 20, 1915. -Mulholland, Leslie A.: Kant on War and International Justice. In: KS 78, 1987. -Herb, Karlfriedrich/Ludwig, Bernd: Naturzustand, Eigentum und Staat. Immanuel Kants Relativierung des "Ideal des hobbes". In: KS 84, 1993. -Savadogo, Mahamadé: Kant et la politique. In: KS 90, 1999. -Kevin Thompson, Carbondale: Kant’s Transcendental Deduction of Political Authority. In: 364

KS 92, 2001. -R. R. Aramayo, J. Muguerza und C. Roldán (Hrsg.): La paz y el idealcosmopolita de la Ilustración. A propósito de Hacia la paz perpetua de Kant (J. Rivera de Rosales). In: KS 92, 2001. -V. Rohden [Hrsg.]: Kant e a Institução da Paz = Kant y la Institución de la Paz = Kant und die Stiftung des Friedens (D. Leserre). In: KS 92, 2001. -F. Nobbe: Kants Frage nach dem Menschen. Die Kritik der ästhetischen Urteilskraft als transzendentale Anthropologie (D. Thiel). In: KS 92, 2001. -K. Hutchings: Kant, Critique and Politics (G. Cavallar). In: KS 92, 2001. -H. Arendt: Das Urteilen. Texte zu Kants politischer Philosophie (G. Barthel). In: KS 92, 2001. -Peter Hoeres, Münster: Kants Friedensidee in der deutschen Kriegsphilosophie des Ersten Weltkrieges. In: KS 93, 2002. -L'année 1796. Sur la paix perpétuelle (R. Theis). In: KS 93, 2002. -Kyriaki Goudeli, Patras: Kant's Reflective Judgment: The Normalisation of Political Judgment. In: KS 94, 2003. -K. Flikschuh: Kant and modern political philosophy (M. Schattenmann). In: KS 94, 2003. -Pauline Kleingeld, Washington University, St. Louis: Kant's Cosmopolitan Patriotism. In: KS 94, 2003. -A. Kaufmann: Welfare in the Kantian State (S. Palmquist). In: KS 94, 2003. -A. Simari: Pace e Guerra nel pensiero di Kant (G. Geismann). In: KS 95, 2004. -Kant als politischer Schriftsteller. Hrsg. von T. Stammen (M. Hérnandez Marcos). In: KS 96, 2005. -V. M. Hackel: Kants Friedensschrift und das Völkerrecht. (M. Schattenmann). In: KS 97, 2006. -Reinhard Hesse, Freiburg i. Br. Über Kants vermeintlichen Wandel vom Friedensutopisten zum Kriegsapologeten. In: KS 98, 2007. -Farah Dustdar, Luxemburg. Die leitenden Prinzipien der Weltpolitik. Kants Auseinandersetzung mit den drei grundlegenden Friedensentwürfen. In: KS 98, 2007. -Michael Bösch, Paderborn. Globale Vernunft. Zum Kosmopolitismus der Kantischen Vernunftkritik. In: KS 98, 2007. -O. Budelacci: Kants Friedensprogramm. (M. Fabjancic). In: KS 99, 2008. -Ulrich Thiele, Heidelberg. Demokratischer Pazifismus. Aktuelle Interpretationen des ersten Definitivartikels der Kantischen Friedensschrift. In: KS 99, 2008. -Matthias Schöning, Konstanz. Bruno Bauchs kulturphilosophische Radikalisierung des 365

Kriegsnationalismus. Ein Bruchstück zum Verständnis der Ideenwende von 1916. In: KS 99, 2008. -Kant: To Perpetual Peace. Transl. Ted Humphrey. (R. Aschenberg). In: KS 99, 2008. -Chr. M. Korsgaard: The Constitution of Agency. (H. Pauer-Studer). In: KS 100, 2009. -M. Mori: La pace e la ragione. (G. Geismann). In: KS 100, 2009.

Direito: 34 -Ziegler, Theobald: Zu Kants Rechtslehre. In: KS 14, 1909. -Binder, Julius: Der Wissenschaftscharakter der Rechtswissenschaft. In: KS 25, 1920/21. - Sander, Fritz: Zur Methodik der Rechtswissenschaft. In: KS 28, 1923. - Kaufmann, Felix: Kant und die reine Rechtslehre. In: KS 29, 1924. -Emge, C. August: Das Eherecht Immanuel Kants. Ein Beitrag zur Geschichte der Rechtswissenschaft. In: KS 29, 1924. -Ledig, Gerhard: Der Begriff als Instrument der Rechtspflege. In: KS 32, 1927. -Swoboda, Ernst: Kant und das Zivilrecht. In: KS 43, 1943. -Paton, H. J.: An Alleged Right to Lie. In: KS 45, 1953/54. -Sauer, Wilhelm: Beiträge zur Wertphilosophie und Rechtssoziologie. Ein Bericht mit Kritik und Antikritik. In: KS 50, 1958/59. -Hancock, Roger: Kant and the Natural Right Theory. In: KS 52, 1960/61. -Oberer, Hariolf: Zur Frühgeschichte der Kantischen Rechtslehre. In: KS 64, 1973. -Blühdorn, Jürgen: "Kantianer" und Kant. Die Wende von der Rechtsmetaphysik zur "Wissenschaft" vom positiven Recht. In: KS 64, 1973. -Kaulbach, Friedrich: Der Herrschaftsanspruch der Vernunft in Recht und Moral bei Kant. In: KS 67, 1976. -Mautner, Thomas: Kant's Methaphysics of Morals: A Note on the Text. In: KS 72, 1981. -Oberer, Hariolf: Ist Kants Rechtslehre kritische Philosophie? Zu Werner Buschs Untersuchung der Kantischen Rechtsphilosophie. In: KS 74, 1983. -Enderlein, Wolfgang: Die Begründung der Strafe bei Kant. In: KS 76, 1985. -Pogge, Thomas W.: Kant's Theory of Justice. In: KS 79, 1988. -Fleischacker, Samuel: Kant's Theory of Punishment. In: KS 79, 1988. - Davis, Kevin R.: Kant's Different "Publics" and the Justice of Publicity. In: KS 83, 1992. -Baumann, Peter: Zwei Seiten der Kantischen Begründung von Eigentum und Staat. In: KS 85, 1994. -James, David N.: Suicide and Stoic Ethics in the Doctrine of Virtue. In: KS 90, 1999. 366

-Wit, Ernst-Jan C.: Kant and the Limits of Civil Obedience. In: KS 90, 1999. -Babic, Jovan: Die Pflicht nicht zu lügen – eine vollkommene, jedoch nicht auch juridische Pflicht. In: KS 91, 2000. -Gillroy, John Martin: Making Public Choices: Kant’s Justice From Autonomy As An Alternative To Rawls’s Justice As Fairness. In: KS 91, 2000. -V. Durán Casas: Die Pflichten gegen sich selbst in Kants "Metaphysik der Sitten" (G. Geismann). In: KS 92, 2001. -I. Kant: Metaphysical Elements of Justice. Hrsg. von John Ladd (G. Geismann). In: KS 94, 2003. Sarah Williams Holtman, Minneapolis, MN: Kantian Justice and Poverty Relief. In: KS 95, 2004. -B. Orend: War and International Justice. (M. Schattenmann). In: KS 95, 2004. -Georg Geismann, Heidelberg Kant und ein vermeintes Recht des Embryos. In: KS 95, 2004. -B. Malibabo: Kants Konzept einer kritischen Metaphysik der Sitten. (W. Moskopp). In: KS 96, 2005. -A. Maatsch: Selbstverfügung als intrapersonaler Rechtspflichtverstoß. (A. Riebel). In: KS 98, 2007. -F. Zotta: Immanuel Kant, Legitimität und Recht. (M. Fabjancic). In: KS 98, 2007. -Dietmar von der Pfordten, Göttingen. Kants Rechtsbegriff. In: KS 98, 2007. -Stefano Bacin, Pisa und Mainz/Dieter Schönecker, Siegen. Zwei Konjekturvorschläge zur Tugendlehre, § 9. In: KS 101, 2010. -Helga Varden, Urbana, Illinois. Kant's Non-Absolutist Conception of Political Legitimacy - How Public Right 'Concludes' Private Right in the "Doctrine of Right". In: KS 101, 2010. -Reinhard Brandt, Marburg. Zwei Konjekturvorschläge zur Tugendlehre, § 9. In: KS 101, 2010. -Hariolf Oberer, Bonn. Noch einmal zu Kants Rechtsbegründung. In: KS 101, 2010.

Filosofia da História: 21 -Vaihinger, H[ans]: Eine französische Kontroverse über Kants Ansicht vom Kriege. Auch ein Wort zur Friedenskonferenz. In: KS 4, 1900. -Medicus, Fritz: Zu Kants Philosophie der Geschichte. In: KS 4, 1900. -Medicus, Fritz: Kants Philosophie der Geschichte (I). In: KS 7, 1902. -Medicus, Fritz: Kants Philosophie der Geschichte (II). In: KS 7, 1902. -Münch, Fritz: Das Problem der Geschichtsphilosophie. Eine Einführung in den 367 systematischen Zusammenhang ihrer Probleme. In: KS 17, 1912. -Stenzel, Julius: Zum Problem der Philosophiegeschichte. Ein methodologischer Versuch. In: KS 26, 1921. -Troeltsch, Ernst: Die Logik des historischen Entwickelungsbegriffes. In: KS 27, 1922. - Ziehen, Theodor: Zum Begriff der Geschichtsphilosophie. In: KS 28, 1923. - Tillich, Paul: Ernst Troeltsch •. Versuch einer geistesgeschichtlichen Würdigung. In: KS 29, 1924. -Liebert, Arthur: Ernst Troeltsch •. "Der Historismus und seine Überwindung." In: KS 29, 1924. -Heß, Hans: Das romantische Bild der Philosophiegeschichte. In: KS 31, 1926. -Kuhn, Hel mut: Das Probem des Standpunkts und die geschichtliche Erkenntnis. In: KS 35, 1930. -Fackenheim, Emil L: Kant's Concept of History. In: KS 48, 1956/57. -Flach, Werner: Die Konditionalität des Geschichtlichen. In: KS 56, 1965. -Patzig, Günther: Die logischen Formen praktischer Sätze in Kants Ethik. In: KS 56, 1965. -Kaulbach, Friedrich: Welchen Nutzen gibt Kant der Geschichtsphilosophie? In: KS 66, 1975. -Riedel, Manfred: Historizismus und Kritizismus. Kants Streit mit G. Foster und J. G. Herder. In: KS 72, 1981. -Booth, William James: Reason and History: Kant's Other Copernican Revolution. In: KS 74, 1983. - Ludwig, Bernd: Will die Natur unwiderstehlich die Republik? Einige Reflexionen anläßlich einer rätselhaften Textpassage in Kants Friedensschrift. In: KS 88, 1997. -Reinhard Brandt: Antwort auf Bernd Ludwig: Will die Natur unwiderstehlich die Republik? In: KS 88, 1997. -P. Kolmer: Philosophiegeschichte als philosophisches Problem. (M. Wetzel). In: KS 93. 2002. -B. Kleinhans: Der "Philosoph" in der neueren Geschichte der Philosophie (H. G. v. Manz). In: KS 95. 2004. -Burkhard Liebsch, Bochum. Kritische Kulturphilosophie als restaurierte Geschichtsphilosophie?. In: KS 98. 2007.

Religião: 46 368

-Kügelgen, C. W. v.: Kant als Prediger und seine Stellung zur Homiletik. In: KS 1, 1896/97. -Lülmann, [o.N.]: Kants Anschauung vom Christentum. In: KS 3, 1898/99. -Waterman, Walter B.: Kant's Lectures on the Philosophical Theory of Religion.In: KS 3, 1898/99. -Waterman, Walter B.: The Ethics of Kant's Lectures on the Philosophical Theory of Religion. In: KS 3, 1898/99. -Paulsen, Friedrich: Kant der Philosoph des Protestantismus. In: KS 4, 1900. -Leclère, Albert: Le mouvement catholique kantien en France à l’heure présente. In: KS 7, 1902. -Sänger, Ernst: Kants Auffassung von der Bibel. In: KS 11, 1906. -Staeps, H.: Das Christusbild bei Kant. In: KS 12, 1907. -Fittbogen, Gottfried: Kants Lehre vom radikal Bösen. In: KS 12, 1907. -Sänger, E[rnst]: Neue Darstellung und Deutung der Lehre Kants vom Glauben. In: KS 12, 1907. -Bauch, Bruno: Kant in neuer ultramontan- und liberal-katholischer Beleuchtung. In: KS 13, 1908. -Katzer, Ernst: Kants Prinzipien der Bibelauslegung. In: KS 18, 1913. -Tillich, paul: Die Überwindung des Religionsbegriffs in der Religionsphilosophie. In: KS 27, 1922. - Stephan, Horst: Kant und die Religion. In: KS 29, 1924. - Bornhausen, Karl: Die Religion der Vernunft. In: KS 29, 1924. -Beth, Karl: Das Erlebnis in Religion und Magie. In: KS 30, 1925. -Wobbermin, [o. N.]: Religionsphilosophie als theologische Aufgabe. In: KS 33, 1928. -Glasenapp, Helmuth v[on]: Neue Werke über die Religion und Philosophie des Ostens. In: KS 33, 1928. -Kopper, Joachim: Kants Gotteslehre. In: KS 47, 1955/56. -Oedingen, Karlo: Über Gottesidee und Gottesglauben. In: KS 53, 1961/62. -Löwisch, Dieter-Jürgen: Kants gereinigter Theismus. In: KS 56, 1965. -Lichtigfeld, A: A Kantian Contribution to the Problem of Evil. In: KS 58, 1967. -Berg, Jan: Über den ontologischen Gottesbeweis. In: KS 62, 1971. -Oedingen, Karlo: Reflexionen über den Atheismus. In: KS 65, 1974. -Sessions, William Lad: Kant and Religious Belief. In: KS 71, 1980. -Ferreira, M. Jamie: Kant's Postulate: The Possibility or the Existence of God? In: KS 74, 1983. 369

-Cortina, Adela: Die Auflösung des religiösen Gottesbegriffs im Opus postumum Kants. In: KS 75, 1984. -Schulte, Christoph.: Zweckwidriges in der Erfahrung. Zur Genese des Mißlingens aller philosophischen Versuche in der Theodizee bei Kant. In: KS 82, 1991. -Davidovich, Adina: How to Read Religion within the Limits of Reason Alone. In: KS 85, 1994. -Schöndorf, Harald: Setzt Kants Philosophie die Existenz Gottes voraus? In: KS 86, 1995. -Freudiger, Jürg: Kants Schlußstein - Wie die Teleologie die Einheit der Vernunft stiftet. In: KS 87, 1996. -Kant: Religion within the boundaries of mere reason and other writings, transl. and ed. by Allen Wood, George Di Giovanni (G. Geismann). In: KS 92. 2001. -Johannes Brachtendorf, Tübingen: Kants Theodizee-Aufsatz - Die Bedingungen des Gelingens philosophischer Theodizee. In: KS 93. 2002. -Lara Denis, Atlanta: Kant's Criticism of Atheism. In: KS 94. 2003. -G. E. Michalson: Kant and the Problem of God (G. Geismann). In: KS 94. 2003. -St. R. Palmquist: Kant's Critical Religion (G. Geismann). In: KS 95. 2004. -S. Anderson-Gold: Unnecessary Evil (A. M. Baxley). In: KS 95. 2004. -David Sussman, Urbana/Illinois: Kantian Forgiveness. In: KS 96. 2005. -R. Mogk: Die Allgemeingültigkeitsbegründung des christlichen Glaubens. (P. Natterer). In: KS 96. 2005. -Matthew Caswell, Annapolis, Maryland. Kant's Conception of the Highest Good, the Gesinnung, and the Theory of Radical Evil. In: KS 97. 2006. -Pablo F. Muchnik, Loudonville/New York. On the alleged Vacuity of Kant's Concept of Evil. In: KS 97. 2006. -Attila Ataner, Toronto. Kant on Capital Punishment and Suicide. In: KS 97, 2006. -Peter Atterton, San Diego, California. A Duty to Be Charitable? A Rigoristic Reading of Kant. In: KS 98, 2007. -R. Croitoru: Datorii morale si datorii religioase în limitele kantiene ale ratiunii. (D. Kapantaïs). In: KS 99, 2009. -K. Appel: Kants Theodizeekritik. (F. V. Tommasi). In: KS 99, 2008. -M. Knutzen: Philosophischer Beweis von der Wahrheit der christlichen Religion. (R. Pozzo). In: KS 101, 2010.

Educação: 12 370

-Staudinger, F[ranz]: Kants Bedeutung für die Pädagogik der Gegenwart. In: KS 9, 1904. -Reinach, Adolf: Die obersten Regeln der Vernunftschlüsse bei Kant. In: KS 16, 1911. -Frischeisen-Köhler, Max: Philosophie und Pädagogik. In: KS 22, 1918. -Warda, Arthur: Der Streit um den "Streit der Fakultäten". In: KS 23, 1918/19. -Schöndörffer, Otto: Zur Entstehungsgeschichte des "Streits der Fakultäten". Eine Erwiderung. In: KS 24, 1919/20. -Litt, Theodor: Die Methodik des pädagogischen Denkens. In: KS 26, 1921. - Malter, Rudolf: Kantrezeption und Kantkritik in der Pädagogik der Gegenwart (zu: W. Ritzel, Die Vielheit der pädagogischen Theorien und die Einheit der Pädagogik). In: KS 61, 1970. -Ritzel, Wolfgang: Über den Wissenschaftscharakter der Pädagogik. In: KS 62, 1971. -Hufnagel, Erwin: Kants pädagogische Theorie. In: KS 79, 1988. -K. Nielandt: Die Relevanz der kantischen Ethik für das theoretische Selbstverständnis einer emanzipatorischen Pädagogik (E. Hufnagel). In: KS 92, 2001. -P. Kauder / W. Fischer: Kant über Pädagogik (R. Pozzo). In: KS 94, 2003.

Aufklärung: 2 -Beyerhaus, Gisbert: Kants 'Programm' der Aufklärung aus dem Jahre 1784. In: KS 26, 1921. -K. Deligiorgi: Kant and the Culture of Enlightenment. (R. Ziegler). In: KS 101, 2010.

Psicologia: 3 -Dessoir, Max: Kant und die Psychologie. In: KS 29, 1924. -Bryushinkin, Vladimir: Kant, Frege and the Problem of Psychologism. In: KS 90, 1999. -Bird, Graham H.: The Paralogismus and Kant’s Account of Psychology. In: KS 91, 2000.

2 – Híbridos pragmáticos (envolvendo mais de uma categoria ou comparação de conceitos ou obras de Kant): 16 -Troeltsch, E[rnst]: Das Historische in Kants Religionsphilosophie. Zugleich ein Beitrag zu den Untersuchungen über Kants Philosophie der Geschichte. In: KS 9, 1904. -Gerland, G.: Immanuel Kant, seine geographischen und anthropologischen 371

Arbeiten (I). In: KS 10, 1905. -Klein, Tim: Hamlet und der Melancholiker in "Kants Beobachtungen über das Gefühl des Schönen und Erhabenen". In: KS 10, 1905. -Gerland, G.: Immanuel Kant, seine geographischen und anthropologischen Arbeiten (II). In: KS 10, 1905. -Spranger, Eduard: W. v. Humboldt und Kant. In: KS 13, 1908. -Schmidt, Bernh. Adolf: Eine bisher unbekannte lateinische Rede Kants über Sinnestäuschung und poetische Fiktion. In: KS 16, 1911. -Heinemann, Fritz: Die Geschichte der Philosophie als Geschichte des Menschen. Betrachtungen über ihren Gegenstand, ihre Methode und Struktur. In: KS 31. -Schulze, Wilhelm A.: Die religiösen Gedanken in Kants "Ewigem Frieden". In: KS 50, 1958/59. -Kopper, Joachim: Von dem auf dingliche Art persönlichen Recht. In: KS 52, 1960/61. -Rockmore, Tom: Kant and Fichte's Theory of Man. In: KS 68, 1977. -Hinske, Norbert: Die Datierung der Reflexion 3716 und die generellen Datierungsprobleme des Kantischen Nachlasses. Erwiderung auf Josef Schmucker. In: KS 68, 1977. -Eberle, Hans-Jürgen: Kants Straftheorie in ihrer Bedeutung für die Entwicklung einer Theorie der Straffälligenpädagogik. In: KS 76, 1985. -Grcic, Joseph: Kant on Revolution and Economic Inequality. In: KS 77, 1986. -Selbach, Ralf: Eine bisher unbeachtete Quelle des "Streiks der Fakultäten". In: KS 82, 1991. -Stark, Werner: Der Marburger Streit um das Verhältnis der Philosophie Kants zur Religion. In: KS 87, 1996. -Sommer, Andreas Urs: Felix peccator? Kants geschichtsphilosophische Genesis-Exegese im "Muthmaßlichen Anfang der Menschengeschichte" und die Theologie der Aufklärungszeit. In: KS 88, 1997.

3 - Filosofia comparada em Sentido Pragmático (Kant e outros autores ou temas): 9 -Pinloche, A: Kant et Fichte et le probleme de l'éducation. In: KS 1, 1896/97. -Spranger, Eduard: W. v. Humboldt und Kant. In: KS 13, 1908. -Meyer, Eduard: Kant und die Kulturkrise der Gegenwart. In: KS 52, 1960/61. -Wagner, Hans: Kant gegen 'ein vermeintes Recht, aus Menschenliebe zu lügen'. In: KS 69, 1978. -Hwang, Philip Ho: An Examination of Mencius' Theory of Human Nature With Reference to 372

Kant. In: KS 74, 1983. -Kersting, Wolfgang: Ist Kants Rechtsphilosophie aporetisch? Zu Hans-Georg Deggaus Darstellung der Rechtslehre Kants. In: KS 77, 1986. -Schmitz, Heinz-Gerd: Moral oder Klugheit? Überlegungen zur Gestalt der Autonomie des Politischen im Denken Kant. In: KS 81, 1990. -Cavallar, Georg: Kants Weg von der Theodizee zur Anthropodizee und retour. Verspätete Kritik an Odo Marquard. In: KS 84, 1993. -Hans Reiss, Bristol: Ueber die Buchmacherey. Zwey Briefe an Herrn Friedrich Nikoley. Anmerkungen zum Text dieser Schrift in der Akademieausgabe - eine Vorarbeit für eine neue, verbesserte Edition. In: KS 96, 2005.

#Outros Temas Kantianos: 211 1 – Recepção em Países: 34 -Lutoslawski, W.: Kant in Spanien. In: KS 1, 1896/97. -Creighton, J. E.: The Philosophy of Kant in America. In: KS 2, 1897/98. -Wwedenskij, Alexander: Russische Litteratur über Kant aus den Jahren 1893-1895. In: KS 2, 1897/98. -Creighton, J. E.: American Current Literature on Kant. In: KS 3, 1898/99. -Van der Wyck, [o.N.]: Kant in Holland (I). In: KS 3, 1898/99. -Vannerus, Allen: Der Kantianismus in Schweden. In: KS 6, 1901. -Marshall, N. H.: Kant und der Neukantianismus in England. In: KS 7, 1902. -Creighton, J. E.: Kantian Literature in America since 1898. In: KS 7, 1902. -Brodnitz, Georg: Ein französischer Romancier über Kant. In: KS 7, 1902. -Van der Wyck, [o. N.]: Kant in Holland (II). In: KS 8. -Aall, A.: Zwei dänische Festgaben zum Kantjubiläum. In: KS 9, 1904. -Ascher, M.: Renouvier und der französische Kritizismus. In: KS 10. -Reinecke, W.: Eine französische Huldigung an Kant. In: KS 11. -Curtis, Mattoon Monroe: Das erste Auftauchen der Kantischen Philosophie in Amerika. In: KS 14, 1909. -Misch, Georg/Nohl, Herman: Das Handschriftenmaterial zur Geschichte der nachkantischen Philosophie in den deutschen und österreichischen Bibliotheken. Eine Organisationsfrage. In: KS 373

17, 1912. -Groenewegen, H. Y.: Der erste Kampf um Kant in Holland. In: KS 29, 1924. -Benrubi, J.: Kant und die gegenwärtige Kritik der Naturwissenschaften in Frankreich. In: KS 35, 1930. -Torbov, Zeko: Probleme der Übersetzung der Kritik der reinen Vernunft in fremde Sprachen, mit besonderer Berücksichtigung des Bulgarischen. In: KS 61, 1970. -Oizerman, T. I.: Die Erforschung der Philosophie I. Kants in der Sowjetunion. In: KS 65, 1974. -Andrzejewski, Boleslaw: Zum Kantianismus in Polen. Der Einfluß der Kantischen Lehre auf die Philosophie von W. M. Kozlowski. In: KS 69, 1978. -Saxena, Sushil Kumar: Kant, Aesthetical Theory and some Indian Art. In: KS 69, 1978. -Seebohm, Thomas M.: Sowjetrussische Veröffentlichungen zum Kant-Jahr 1974. In: KS 70, 1979. -Barale, Massimo: Kant heute in Italien. In: KS 72, 1981. -Fornet, Raúl: Anmerkungen zur Rezeptionsgeschichte Kants in Südamerika. In: KS 75, 1984. -Wielema, R. M.: Die erste niederländische Kant-Rezeption 1786-1850. In: KS 79, 1988. -Schuster-Stein, Paul: Kants Philosophie in Rumänien. In: KS 86, 1995. -Motroschilowa, Nelly: Kant in Rußland. Bemerkungen zur Kant-Rezeption und -Edition in Rußland anläßlich des Projektes einer deutsch-russischen Ausgabe ausgewählter Werke Immanuel Kants. In: KS 91, 2000. -Frank Haney, Potsdam: Pavel Florenskij und Kant – eine wichtige Seite der russischen Kant Rezeption. KS 92, 2001. -Kant in Armenien. In: KS 92, 2001. -Michael Dimitrakopoulos, Athen: Bericht zum Übersetzungsstand Kantischer Werke in Griechenland. In: KS 93, 2002. -Jong-Gook Kim, Seoul Kants Lügenverbot in sozialethischer Perspektive. In: KS 95, 2004. -Aktuelle Kant-Forschung in Japan (T. Sugasawa). In: KS 95, 2004. -Giuseppe Landolfi Petrone, Napoli Das Gesicht des Götzen. Die italienischen Übersetzungen Kants im 19. Jahrhundert. In: KS 95, 2004. -Ubirajara Rancan, Marília. Bemerkungen über die Kant-Forschung in Brasilien. In: KS 100, 2009. -Kant en España. (A.-C. Gutiérrez-Xivillé). In: KS 100, 2009.

2 – Recepção de Autores: 12 374

-Cohn, Jonas: Das Kantische Element in Goethes Weltanschauung. Schillers philosophischer Einfluss auf Goethe. In: KS 10, 1905. -Runze, Maximilian: Karl Rosenkranz' Verdienste um die Kantforschung. In: KS 10. -Huber, Georg: Graf von Benzel-Sternau und seine "Dichterischen Versuche über Gegenstände der kritischen Philosophie". In: KS 11. -Vleeschauwer, H. J. de: Etudes Kantiennes Contemporaines. In: KS 54, 1963. -Vleeschauwer, H. J. de: Entwurf einer Kant-Bibliographie. In: KS 57, 1966. -Ritzel, Wolfgang: Die Stellung des Opus Postumum in Kants Gesamtwerk (zu: G. Lehmann, Beiträge zur Geschichte und Interpretation der Philosophie Kants). In: KS 61, 1970. -Holmes, Robert L.: Kim on Kant's Supreme Principle of Morality. In: KS 61, 1970. -Heidemann, Ingeborg: Metaphysikgeschichte und Kantinterpretation im Werk Heinz Heimsoeths. In: KS 67, 1976. -Rohatyn, D. A.: Bennett on Kant. In: KS 69, 1978. -Fleischhauer, Ingeborg: Jakov Emmanuilovič Golosovker und sein Ort in der russisch- sowjetischen Kant-Interpretation. In: KS 70, 1979. -Alexei N. Krouglov, Moskau. Leo Nikolaevi? Tolstoj als Leser Kants. Zur Wirkungsgeschichte Kants in Russland. In: KS 99, 2008.

3 – Notas biográfica: 32 -Fromm, Emil: Das Kantbildnis der Gräfin Karoline Charlotte Amalia von Keyserling. Nebst Mitteilungen über Kants Beziehungen zum gräflich Keyserlingschen Hause. In: KS 2, 1897/98. -Vorländer, K[arl]: Villers' Bericht an Napoleon über die Kantische Philosophie. In: KS 3, 1898/99. -Fromm, Emil: Zur Vorgeschichte der Königlichen Kabinettsordre an Kant vom 1. Oktober 1794. In: KS 3, 1898/99. -Lubowski, Karl/Diestel, G.: Ein neues Kantbildnis. In: KS 3, 1898/99. -Lind, Paul von: Eine erfüllte Prophezeiung Kants. In: KS 3, 1898/99. -Lind, P[aul] v[on]: Das Kantbild des Fürsten von Pless. Mit Abbildung. In: KS 4, 1900. - Windelband, Wilhelm: Nach hundert Jahren. In: KS 9, 1904. - Bauch, Bruno: Die Persönlichkeit Kants. In: KS 9, 1904. -Kühnemann, Eugen: Herder und Kant an ihrem 100 jährigen Todestage. In: KS 9, 1904. -Paulsen, Fr[iedrich]: Zum hundertjährigen Todestage Kants. In: KS 9. -Heman, F[riedrich]: Immanuel Kants philosophisches Vermächtnis. Ein 375

Gedenkblatt zum hundertjährigen Todestag des Philosophen. In: KS 9. -Vaihinger, Hans: An die Freunde der kantischen Philosophie. Bericht über die Begründung einer "Kantgesellschaft" und die Errichtung einer "Kantstiftung" zum hundertjährigen Todestag des Philosophen. In: KS 9. -Renner, Hugo: Reden zur Feier der Wiederkehr von Kants 100. Todestage. In: KS 9, 1904. -Sitzler, [o. N.]/Vaihinger, H[ans]: Zur Blattversetzung in Kants Prolegomena. In: KS 9, 1904. -Vaihinger, H[ans]: Das Kantjubiläum im Jahre 1904. In: KS 10, 1905. -Jünemann, Franz: Kants Tod, seine letzten Worte und sein Begräbnis. Eine synoptische Studie. In: KS 10, 1905. -Reinecke, W.: Zur Erinnerung an Immanuel Kant. Abhandlungen aus Anlass der hundertsten Wiederkehr des Tages seines Todes, herausgegeben von der Universität Königsberg. In: KS 17, 1912. -Menzer, Paul: Kants Persönlichkeit. In: KS 29, 1924. -Demmler, Theodor: Emanuel Bardous Kantbüste vom Jahre 1798. In: KS 29, 1924. -Ehmer, Walter: Kants Abstammung. In: KS 30, 1925. -Goldstein, Ludwig: Kants Sommerfrische. In: KS 33, 1928. -Hildebrandt, Kurt: Über Kants Charakter. In: KS 49, 1957/58. -Ritzel, W: Wie ist eine Kant-Biographie überhaupt möglich? In: KS 62, 1971. -Ritzel, Wolfgang: "Kants Leben". Bemerkungen zum Neudruck der "kleinen" Kant- Biographie Karl Vorländers. In: KS 66, 1975. -Malter, Rudolf: Nachtrag zum Bericht über das Kantjubiläumsjahr. In: KS 70, 1979. -Malter, Rudolf: Kant im Keyserlingschen Haus. Erläuterungen zu einer Miniatur aus dem Jahre 1781 [82]. In: KS 72, 1981. -Klemmer, Heiner F.: Notiz zum 200. Jahrestag des Erscheinens von Kants Friedensschrift am 4. Oktober 1795. In: KS 86, 1995. -Schneiders, Werner: Ein vergessenes Kant-Porträt. In: KS 91, 2000. -R. Langton: Kantian Humility (A. Aportone). In: KS 93, 2002. -M. Kuehn: Kant. A Biography (J. J. Fehr). In: KS 94, 2003. -M. Geier: Kants Welt - Eine Biographie. (O. Budelacci). In: KS 98, 2007. -S. Dietzsch: Immanuel Kant - Eine Biografie. (S. Rinas). In: KS 98, 2007. -Heinrich Lange, Berlin. Die Porträts Immanuel Kants von und nach dem Berliner Maler Gottlieb Doebler. In: KS 100, 2009. 376

4 – Traduções/Cartas/Archives/Nachlass kantiano: 49 -Adickes, E[rich]: Lose Blätter aus Kants Nachlass. In: KS 1, 1896/97. -Kügelgen, C. W. v.: Kants Brief an die Kaiserin Elisabeth von Russland. In: KS 1, 1896/97. -Grunwald, M.: Ein Brief Fichtes über sein Verhältnis zur Kantischen Philosophie. In: KS 2, 1897/98. -Waterman, Walter B.: A New Letter of Kant's. In: KS 2, 1897/98. -Duncan, George M.: English Translations of Kant's Writings. In: KS 2, 1897/98. -Tocco, Di Felice: Dell' opera postuma di E. Kant sul passaggio dalla Metafisica della Natura alla Fisica (I). In: KS 2, 1897/98. -Tocco, Di Felice: Dell' opera postuma di E. Kant sul passaggio dalla Metafisica della Natura alla Fisica (II). In: KS 2, 1897/98. -Vaihinger, H[ans]: Erläuterung der Begriffe von möglich und unmöglich, wahrscheinlich, unwahrscheinlich und gewiss, von Glück und Unglück. Ein wiederaufgefundenes “Loses Blatt” von Kant. In: KS 7, 1902. -[O.N.]: Die Warda’schen Kantpublikationen. In: KS 7, 1902. -Sänger, Ernst: Die neue Kantausgabe: Kants Briefwechsel. In: KS 8, 1903. -Schmid, Friedrich Alfred: Kant im Spiegel seiner Briefe. In: KS 9. -Aster, Ernst von: Die Neue Kant-Ausgabe und ihr erster Band. In: KS 9. -Aster, E[rnst] v[on]: Der II. Band der Akademie-Ausgabe. In: KS 11, 1906. -Menzer, Paul: Die neu aufgefundenen Kantbriefe. In: KS 13, 1908. -Aster, E[rnst] v[on]: Kants handschriftlicher Nachlass. In: KS 21, 1917. -Monzel, A.: Kants Lehre vom inneren Sinn und der Zeitbegriff im Duisburg'schen Nachlaß. In: KS 25, 1920/21. -Aster, E[rnst] v[on]: Die 2. Auflage des Kantischen Briefwechsels. In: KS 29, 1924, 489-495. -Menzer, Paul: Neue Kantbriefe. In: KS 29, 1924. -Kowalowski, Arnold: Zwei neuaufgefundene Kantbriefe. In: KS 41, 1936. -Weyand, K./ Lehmann, G[erhard]: Ein Reinschriftfragment zu Kants "Streit der Fakultäten". In: KS 51, 1959/60. -Fabro, Cornelio: Eine unbekannte Schrift zum Atheismusstreit? In: KS 58, 1967. -Bayerer, Wolfgang G.: Ein verschollenes loses Blatt aus Kants Opus Postumum? In: KS 58, 1967. 377

-Bayerer, Wolfgang: "Schrecken und Forcht". Analyse eines zweifelhaften neuen Beitrages zur Kant-Epistolographie. In: KS 59, 1968. -Mecklenburg, G: Kants letzte Aufzeichnungen. In: KS 61, 1970. -Gulyga, A. W.: Ein unbekannter Brief Kants. In: KS 66, 1975. -Schmucker, Josef: Zur Datierung der Reflexion 3716. Das Versagen der Wortstatistik in der Frage der Datierung der frühen Kantischen Reflexionen zur Metaphysik, aufgewiesen an einem exemplarischen Fall. In: KS 67, 1976. - Baier, Horst: Philosophiegeschichtsschreibung ohne Quellen? Eine Bochumer -Forschungsstelle auf der Suche nach verschollenen und verstreuten Philosophienachlässen. In: KS 67, 1976. -Ruiz, Alain: Neues über Kant und Sieyès. Ein unbekannter Brief des Philosophen an Anton Ludwig Théremin (März 1796). In: KS 68, 1977. -Bayerer, Wolfgang G.: Das Autograph zur Kant-Reflexion Nr. 4678. In: KS 68, 1977. -Malter, Rudolf: Die letzte überlieferte Metaphysik-Vorlesung Kants. Zur Wiederauffindung der "Bemerkungen über Metaphysik nach Baumgarthen, aus dem Vortrage des HE Prof. Kant pro 1794/95". In: KS 68, 1977. -Bayerer, Wolfgang G.: Bemerkungen zu einem neuerdings näher bekannt gewordenen Losen Blatt aus Kants Opus Postumum. In: KS 72, 1981. -Lehmann, Gerhard: Kants Bemerkungen im Handexemplar der Kritik der praktischen Vernunft. In: KS 72, 1981. -Richter, Günter/Malter, Rudolf: Das Stammbuch C.H.B. 1802 (-12) mit einem Eintrag Immanuel Kants. Zwei Mitteilungen. In: KS 72, 1981. -Bourel, D: Une erreur de l'Akademie-Ausgabe. In: KS 75, 1984. -Fischer, Harald-Paul: Eine Antwort auf Kants Briefe vom 23. August 1749. In: KS 76, 1985. -Fischer, Harald-Paul: Kant an Euler. In: KS 76, 1985. -Baum, G/Bayerer, W. G./Malter R.: Ein neu aufgefundenes Reinschriftfragment Kants mit den Anfangstexten seines Entwurfs "Zum ewigen Frieden". In: KS 77, 1986. -Bayerer, Wolfgang G.: Hinweis auf eine Lücke im Text der Akademie-Ausgabe von Kants Bemerkungen zur Bouterwek-Rezension. In: KS 77, 1986. -Stark, Werner/Brandt, Reinhard: Das Marburger Kant-Archiv. In: KS 79, 1988. -Bayerer, Wolfgang G.: Das Königsberger Schlußblatt des Entwurfs "Zum Ewigen Frieden". Ein verschollenes Reinschriftfragment Kants, aus einem Faksimile mitgeteilt und im Zusammenhang mit der Friedensschrift und den bekannten Reinschriftfragmenten erläutert. In: KS 79, 1988. 378

-Kreimendahl, Lothar: Kants Kolleg über die Rationaltheologie. Fragmente einer bislang unbekannten Vorlesungsnachschrift. In: KS 79, 1988. -Baum, Günther: Kant in England. Ein neuer Brief: Kant an Friedrich August Nitsch. In: KS 82, 1991. -Werner Stark, Marburg: Zwei unbemerkte Kant-Blätter in Genf-Cologny: ein kurzer Vorbericht. In: KS 95, 2004. -Eckart Förster, Baltimore, MD: Zwei neu aufgefundene Lose Blätter zum Opus postumum. In: KS 95, 2004. -Valerio Rohden, Porto Alegre: Die handschriftlichen Korrekturen im Erlanger Originalexemplar der Kritik der praktischen Vernunft. In: KS 95, 2004. -Alison Laywine, Montréal. Canada: Kant's Metaphysical Reflections in the Duisburg Nachlaß. In: KS 97, 2006. -I. Kant: Bemerkungen: Note per un diario filosofico. (R. Pozzo). In: KS 97, 2006. -I. Kant: Metafísica Dohna. Trad. Mario Caimi. Introd. María Jesús Vázquez Lobeiras. (D. Leserre). In: KS 100, 2009.

5- Estabelecimento das Obras da Akademie Ausgabe: 34 -Vaihinger, H[ans]: Die Neue Kantausgabe: Kants Briefwechsel. In: KS 5, 1901. -[o. N.]: Die Neue Kantausgabe: Kants Briefwechsel. In: KS 6, 1901. Aster, Ernst von: Der IV. Band der Berliner Kant-Ausgabe. In: KS 10, 1905. -Aster, E[rnst] v[on]: Der III. Band der Kant-Ausgabe. In: KS 11, 1906. -Aster, E[rnst] v[on]: Der 7. Band der Berliner Kant-Ausgabe. In: KS 12, 1907. -Aster, E[rnst] v[on]: Band V und VI der Akademie-Ausgabe. In: KS 14, 1909. -Aster, E[rnst] v[on]: Der I. Band des handschriftlichen Nachlasses Kants. (Akademie- Ausgabe der Werke Kants Bd. XIV.) In: KS 17, 1912. -Aster, E[rnst] v[on]: Der VIII. und XV. Band der Berliner Kant-Ausgabe. In: KS 18, 1913. -Schneider, Hermann: Kants Opus postumum nach Erich Adickes. Kants Opus postumum, dargestellt und beurteilt. In: KS 26, 1921. -Aster, Ernst von: Kants Gesammelte Schriften. Herausgegeben von der Preußischen Akademie der Wissenschaften. I. Abt.: Werke. Band IX. Berlin und Leipzig 1923. In: KS 31, 1926. - Menzer, Paul: Die Kant-Ausgabe der Berliner Akademie der Wissenschaften. In: KS 49, 1957/58. -Heimsoeth, Heinz: Zur Akademieausgabe von Kants gesammelten Schriften. Abschluß und 379

Aufgaben. In: KS 49, 1957/58. -Rintelen, Fritz-Joachim von: Kant-Studien und Kant-Gesellschaft. In: KS 52, 1960/61. -Lehmann, Gerhard: Bericht über die Edition von Kants Vorlesungen. In: KS 56, 1965, 545- 554. -Martin, Gottfried: Der allgemeine Kantindex. In: KS 56, 1965. -Martin, Gottfried: Die mathematischen Vorlesungen Kants. In: KS 58, 1967. -Martin, Gottfried: Probleme und Methoden des Allgemeinen Kantindex. In: KS 60, 1969. -Freundlich R: Zum Allgemeinen Kantindex. In: KS 60, 1969. -Lenders, Winfried: Der allgemeine Kantindex. Vom Stellenindex zum Informationssystem. Zum Gedenken an Gottfried Martin. In: KS 73, 1982. -Kuehn, Manfred: Dating Kant's "Vorlesung über Philosophische Enzyklopädie". In: KS 74, 1983. -Oberhausen, Michael: Eine Blattversetzung in der "Logik Philippi". Zu einem Fehler in Bd. XXIV.1 der Akademie-Ausgabe von "Kant's gesammelten Schriften". In: KS 88, 1997. -Sturm, Thomas: Zustand und Zukunft der Akademie-Ausgabe von Immanuel Kants Gesammelten Schriften. Bericht zu einer Tagung der Deutschen Forschungsgemeinschaft (DFG) an der Philipps-Universität Marburg vom 1-4. Juli 1998. In: KS 90, 1999. -Ruffing, Margit: Kant-Bibliographie 1997. In: KS 90, 1999. -Ruffing, Margit: Kant-Bibliographie 1998. In: KS 91, 2000. -N. Hinske: Kant-Index, Bd. 6: Stellenindex und Konkordanz zur "Logik Pölitz". – H. P. Delfosse und M. Oberhausen: Kant-Index, Bd. 16: Stellenindex und Konkordanz zur "Kritik der praktischen Vernunft" (D. Thiel). In: KS 92, 2001. -Margit Ruffing, Mainz: Kant-Bibliographie 2000. In: KS 93, 2002. -N. Hinske: Kant-Index, Section 2, Bd. 15. Bearb. von Heinrich P. Delfosse (D. Schönecker). In: KS 94, 2003. -Mitgliederversammlung der Kant-Gesellschaft. In: KS 94, 2003. -M. Ruffing, Mainz: Kant-Bibliographie 2001. In: KS 94, 2003. -Kant e-Prints. In: KS 95, 2004. -Margit Ruffing, Mainz Kant-Bibliographie 2002. In: KS 95, 2004. -Neuwahl des Vorstandes der Kant-Gesellschaft. In: KS 95, 2004. -Wilfried Lenders, Bonn / Hans-Christian Schmitz, Frankfurt am Main. Die Elektronische Edition der Schriften Immanuel Kants. In: KS 98, 2007.

6- Pré-Críticos: 19 380

-Tonelli, Giorgio: Die Umwälzung von 1769 bei Kant. In: KS 54, 1963. -Henrich, Dieter: Über Kants früheste Ethik. Versuch einer Rekonstruktion. In: KS 54, 1963. -Schmucker, Josef: Die Gottesbeweise beim vorkritischen Kant. In: KS 54, 1963. -Schmucker, Josef: Die Gottesbeweise beim vorkritischen Kant. In: KS 54, 1963. -Beck, Lewis White: Lambert und Hume in Kants Entwicklung von 1769-1772. In: KS 60, 1969. -Raggio, Andrés R.: Eine Bemerkung zum Kantischen System der Modalitäten. In: KS 65, 1974. -Reuscher, John A.: A Clarification and Critique of Kant's Principiorum Cognitionis Metaphysicae Nova Dilucidatio. In: KS 68, 1977. -Sala Giovanni B.: Der "reale Verstandesgebrauch" in der Inauguraldissertation Kants von 1770. In: KS 69, 1978. -Nauen, Franz Gabriel: Kant as an Inadvertant Precursor of 18th Century Neo-spinozism. On Optimism (1759). In: KS 83, 1992. -David Walford, Lampeter: Kant’s 1768 Gegenden im Raume Essay. In: KS 92, 2001. -W. Ertl: David Hume und die Dissertation von 1770 (R. Wahsner). In: KS 94, 2003. -Sebastian Lalla, Berlin: Kants "Allgemeine Naturgeschichte und Theorie des Himmels" (1755). In: KS 94, 2003. -Eva J. Engel, Wolfenbüttel Mendelssohn contra Kant. Ein frühes Zeugnis der Auseinandersetzung mit Kants Lehre von Zeit und Raum in der Dissertation von 1770. In: KS 95, 2004. -Luigi Caranti, Rom The Problem of Idealism in Kant's Pre-critical Period. In: KS 95, 2004. -Gustavo Sarmiento, Caracas: On Kant's definition of the monad in the Monadologia physica of 1756. In: KS 96, 2005. -M. Schönfeld: The Philosophy of the Young Kant. (V. Mudroch). In: KS 97, 2006. -Reinhard Brandt, Marburg. Überlegungen zur Umbruchssituation 1765-1766 in Kants philosophischer Biographie. In: KS 99, 2008. -Hicham Stéphane Afeissa, Dijon. L'unité du monde et les voies de la causalité. Une étude des écrits et des cours de la période précritique de Kant. In: KS 100, 2009. -I. Kant : Dissertation de 1770. Trad. Pelletier. (R. Theis). In: KS 100, 2009.

7– Filosofia comparada em Sentido Formal e Pragmático: 31 -Vorländer, Karl: Kant und der Sozialismus. In: KS 4, 1900. 381

- Vorländer, Karl: Die neukantische Bewegung im Sozialismus. In: KS 7, 1902. -Ziegler, Theobald: Eine idealistische Theorie der Gesichtsvorstellung.In: KS 7, 1902. -Runze, Geo: Emerson und Kant. In: KS 9, 1904. -Staudinger, Franz: Der Gegenstand der Wahrnehmung. In: KS 10, 1905. -Rickert, Heinrich: Zwei Wege der Erkenntnistheorie. Transscendentalpsychologie und Transscendentallogik. In: KS 14, 1909. -Ehrenberg, Hans: Kants Kategorientafel und der systematische Begriff der Philosophie. In: KS 14, 1909. -Vaihinger, Hans: Die Philosophie des Als Ob und das Kantische System gegenüber einem Erneuerer des Atheismusstreites. In: KS 21, 1917. -Liebert, Artur: Zur Psychologie der Metaphysik. In: KS 21, 1917. -Bauch, Bruno: Praktische Philosophie und praktisches Leben. In: KS 21, 1917. -Kaufmann, J.: Das τριτος-ανθρωπος-Argument gegen die Eidos-Lehre. In: KS 25, 1920/21. -Baeumler, Alfred: Kritizismus und Kulturphilosophie. In: KS 25, 1920/21. -Herrigel, Hermann: Politik und Idealismus. In: KS 26, 1921. -Gurwitsch, Georg: Kant und Fichte als Rousseau-Interpreten. In: KS 27, 1922. -Kaulbach, Friedrich: Der Zusammenhang zwischen Naturphilosophie und Geschichtsphilosophie bei Kant. In: KS 56, 1965. -Pieper, Annemarie: Ethik als Verhältnis von Moralphilosophie und Anthropologie. Kants Entwurf einer Transzendentalpragmatik und ihre Transformation durch Apel. In: KS 69, 1978. - O'Neill, Onora: Transcendental Synthesis and Developmental Psychology. In: KS 75, 1984. -Smith, Steven G.: Worthiness to be Happy and Kant's Concept of the Highest Good. In: KS 75, 1984. -Veauthier. F. Werner: Das religiöse Apriori: Zur Ambivalenz von E. Troeltschs Analyse des Vernunftelements in der Religion. In: KS 78, 1987. -Struck, Peter: Ist Kants Rechtspostulat der praktischen Vernunft aporetisch? Ein Beitrag zur neuerlich ausgebrochenen Kontroverse um Kants Rechtsphilosophie. In: KS 78, 1987. -Rosales, Alberto: Zur teleologischen Grundlage der transzendentalen Deduktion der Kategorien. In: KS 80, 1989. -Palmquist, Stephen: Does Kant Reduce Religion to Morality? In: KS 83, 1992. -Miller, Paul Allen: Kant, Lentricchia and Aesthetic Education. In: KS 83, 1992. -Geismann, Georg: Der Berliner Antisemitismusstreit und die Abdankung der rechtlich- praktischen Vernunft. In: KS 84, 1993. 382

-Giovanni, George di: Hume, Jacobi, and Common Sense. An Episode in the Reception of Hume in Germany at the Time of Kant. In: KS 89, 1998. -Lindstedt, David: Kant: Progress in Universal History as a Postulate of Practical Reason. In: KS 90, 1999. -Einladung zum Symposion "Kants Metaphysik und Religionsphilosophie". KS 92, 2001. -Klaus Sachs-Hombach, Magdeburg: Kant und Fries. Erkenntnistheorie zwischen Psychologismus und Dogmatismus. In: KS 93, 2002. -Markus Arnold, Wien: Die harmonische Stimmung aufgeklärter Bürger. Zum Verhältnis von Politik und Ästhetik in Immanuel Kants Kritik der Urteilskraft. In: KS 93, 2002. -Manfred Gawlina, München Kant, ein Atheist? Ein Strawson-Schüler liest das Opus postumum. In: KS 95, 2004. -Daniel Cohnitz, Tartu, Estonia. Ørsteds "Gedankenexperiment": eine Kantianische Fundierung der Infinitesimalrechnung? Ein Beitrag zur Begriffsgeschichte von ‚Gedankenexperiment' und zur Mathematikgeschichte des frühen 19. Jahrhunderts. In: KS 99, 2008.

# Sobre outros autores e temas: 800

-Weinmann, Rudolf: Wundt über naiven und kritischen Realismus. In: KS 3, 1898/99. -Richter, Raoul: Ein ungedruckter Fichtebrief. In: KS 5, 1901. -Natorp, Paul: Zur Frage der logischen Methode. Mit Beziehung auf Edm. Husserls "Prolegomena zur reinen Logik". In: KS 6, 1901. -Petronievics, Branislav: Warum stellen wir uns die Zeit als eine gerade Linie vor? In: KS 7, 1902. - Staudinger, F: Cohens Logik der reinen Erkenntnis und die Logik der Wahrnehmung. In: KS 8, 1903. -Vorländer, Karl: Rudolf Stammlers Lehre vom richtigen Recht. In: KS 8. -Bauch, Bruno: Euckens philosophische Aufsätze. In: KS 10. -Eucken, Rudolf: Was können wir heute aus Schiller gewinnen? Einleitende Erwägungen. In: KS 10, 1905. -Bauch, Bruno: Schiller und die Idee der Freiheit. In: KS 10, 1905. -Schmid, Friedrich Alfred: Schiller als theoretischer Philosoph. In: KS 10, 1905. -Vaihinger, H[ans]: Zwei Quellenfunde zu Schillers philosophischer Entwickelung. In: KS 10, 1905. 383

-Runze, Maximilian: Karl Rosenkranz über Schiller. In: KS 10, 1905. -Schmid, Friedrich Alfred: Schillers letztes Bildnis. In: KS 10, 1905. -Vaihinger, H[ans]: Das Schillerporträt von Gerhard v. Kügelgen. In: KS 10. -Rubinstein, M.: Die logischen Grundlagen des Hegelschen Systems und das Ende der Geschichte. In: KS 11, 1906. -Sulze, E.: Neue Mitteilungen über Fichte's Atheismusprozess. In: KS 11, 1906. -Görland, A.: Natorps Einführung in den Idealismus durch Platos Ideenlehre. In: KS 11, 1906. -Ebstein, Erich/Jünemann, Franz: Ein unbekannter Brief I. Kants an Nicolovius. In: KS 11, 1906. -Eucken, R[udolf]: Ein neues Buch über Fichte. In: KS 11, 1906. -Messer, August: Die Philosophie im 'Beginn des zwanzigsten Jahrhunderts. In: KS 11, 1906. -Ewald, Oscar: Die deutsche Philosophie im Jahre 1906. In: KS 12, 1907. -Thomsen, Anton: Aus Hegels Frühzeit. In: KS 12, 1907. -Reinecke, W.: Kant und Fries. In: KS 12, 1907. -Bauch, Bruno: Eine neue Ausgabe der Werke Nietzsches. In: KS 12, 1907. -Trendelenburg, Adolf/Eucken, Rudolf: Zur Geschichte des Wortes Person. Nachgelassene Abhandlung. In: KS 13, 1908. -Ewald, Oscar: Die deutsche Philosophie im Jahre 1907. In: KS 13, 1908. -Messer, August: Heinrich Gomperz' Weltanschauungslehre. In: KS 13, 1908. -Marty, Anton: Untersuchungen zur Grundlegung der allgemeinen Grammatik und Sprachphilosophie. In: KS 13, 1908. -Bauch, Bruno: Zwei Gedenkschriften zu D. Fr. Strauss' hundertstem Geburtstage. In: KS 14, 1909. -Bubnoff, Nic[olai] v[on]: Der Dritte Internationale Kongress für Philosophie. In: KS 14, 1909. -Buchenau, Arthur: Neuere pädagogische Litteratur. In: KS 14, 1909. -Güttler, C.: Der Neukantianismus vor Gericht. In: KS 14, 1909. -Wüst, Paul: Zu Theodor Lipps' Neuausgabe seiner deutschen Bearbeitung von Humes Treatise of human nature. In: KS 14, 1909. -Ewald, Oscar: Die deutsche Philosophie im Jahre 1908. In: KS 14. -Marty, A.: Zwei akademische Reden von Carl Stumpf. In: KS 14, 1909. -Windelband, Wilhelm: Otto Liebmanns Philosophie. In: KS 15, 1910. 384

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-Seebohm, Thomas M.: Über die Möglichkeit konsequenzlogischer Kontrolle phänomenologischer Analysen. In: KS 63, 1972. -Eley, Lothar: Logik und Sprache. In: KS 63, 1972. -Kopper, Joachim: Gottfried Martin, geb. 19.6.1901, gest. 20.10.1972. In: KS 63, 1972. -Brandt, Reinhard: Zu Lockes Lehre vom Privateigentum. In: KS 63, 1972. -Beleval, Yvon: La doctrine de l'essence chez Hegel et chez Leibniz. In: KS 63, 1972. -Schischkoff, Georgi: Slawische Philosophie und Slawophile Ideologie. In: KS 63, 1972. -Kopper, Joachim: Der Idealismus steht doch auf den Füßen. Zur Erkenntnistheorie Joseph Moreaus. In: KS 63, 1972. -Tielsch, E: Die Wende vom antiken zum christlichen Glaubensbegriff. In: KS 64, 1973. -Röttgers, Kurt: Kritik zwischen System und Produktion: Lessing. In: KS 64, 1973. -Baum, Günther: K. L. Reinholds Elementarphilosophie und die Idee des transzendentalen Idealismus. In: KS 64, 1973. -Aquila, Richard E.: Predication and Hegel's Metaphysics. In: KS 64, 1973. -Rosen, Stanley: The Absence of Structure. In: KS 64, 1973. -Körner, S: Material Necessity. In: KS 64, 1973. -Schulte, Günther: Über die Weltlichkeit des Bewußtseins bei Hegel. In: KS 64, 1973. -Ebeling, Hans: Erhaltungssätze als Grundsätze einer Theorie der Subjektivität. In: KS 64, 1973. -Gethmann, Carl Friedrich: Methode als Nachkonstruktion und Dialektik (zu H. Radermacher, Fichtes Begriff der Absoluten). In: KS 64, 1973. -Willer, Jörg: Methodische Philosophie und konstruktive Logik. Bemerkungen zu den Begründungsentwürfen von Hugo Dingler und Paul Lorenzen. In: KS 64, 1973. -Pitt, Joseph C.: Comments on Rescher's "Noumenal Causality". In: KS 65, 1974. -Davis, John W.: Robert S. Hartman. 1910-1973. In: KS 65, 1974. -Martin, R. M.: On Disquotation and Intensionality. In: KS 65, 1974. -Detel, Wolfgang: Die Kritik an den Definitionen im zweiten Hauptteil der Platonischen Aretedialoge. In: KS 65, 1974. -Pentzopoulou-Valalas, Thérèse: Réflexions sur le fondement du rapport entre l'A priori et l'Eidos dans la phénoménologie de Husserl. In: KS 65. -Sapontzis, S. F.: Merleau-Ponty's Arguments for the Primacy of Perception. In: KS 65, 1974. -Kopper, Joachim: Zum Transzendentalismus Gerhard Funkes. In: KS 65, 1974. -Gethmann, Carl Friedrich: Zu Heideggers Wahrheitsbegriff. In: KS 65, 1974. -Steinbeck, Wolfram: Descartes' Erste Philosophie. Zu Wolfgang Röds Descartesbuch. In: KS 411

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