A Dupla Face Trovadoresca De Chico Buarque: O Eu Feminino E a Representação Da Mulher
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA CENTRO DE COMUNICAÇÃO E EXPRESSÃO CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LITERATURA A DUPLA FACE TROVADORESCA DE CHICO BUARQUE: O EU FEMININO E A REPRESENTAÇÃO DA MULHER Florianópolis 2005 UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA CENTRO DE COMUNICAÇÃO E EXPRESSÃO CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LITERATURA Dissertação apresentada para obtenção do título de Mestre em Literatura Brasileira, junto à Universidade Federal de Santa Catarina. Mestranda: Inês Valéria Szatkovski Orientadora: Prof. Dra. Odília Carreirão Ortiga FLORIANÓPOLIS 2005 1 A DUPLA FACE TROVADORESCA DE CHICO BUARQUE: O EU FEMININO E A REPRESENTAÇÃO DA MULHER (E “ecos e reverberações” da poesia medieval portuguesa em Chico Buarque) “E os que lêem o que escreve Na dor lida sentem bem Não as duas que ele teve Mas só a que eles não têm”. Fernando Pessoa 2 3 AGRADECIMENTOS À minha família pelo apoio constante; Aos amigos, pelo carinho; À Professora Odília, orientadora e amiga; À Professora Elba, amiga e incentivadora; Aos professores do Mestrado em Literatura Brasileira da UFSC. 4 RESUMO O trabalho enfoca parte do cancioneiro de Chico Buarque, poeta e compositor brasileiro. Busca-se, em sua poética, o desenho de uma dupla face trovadoresca, marcado pela voz feminina (eu poético) e pela representação da mulher (a construção de figuras femininas) por um eu masculino sob a temática do amor expressa nas relações amorosas. O material poético objeto da primeira leitura destaca o narrador lírico feminino e da segunda, a representação da mulher por um sujeito lírico masculino. Complementam-se, as duas leituras, com as leituras intertextuais centradas nos ecos e reverberações de traços estruturais e temáticos das cantigas de amor, além dos formais das cantigas de amigo do cancioneiro medieval português. A diretriz metodológica apóia-se em estudos do cancioneiro de Chico Buarque que consideram a letra da canção como um poema capaz de textualidade própria, passível de leitura independente da linha melódica, e em estudos teóricos que legitimam a partição de letra e música, quando consideram a letra como poesia. Grande parte dessa obra lírica comprova a presença fundamental de sentimentos mais freqüentemente interligados às dores do amor expressas em várias figuras do discurso amoroso da ausência, conforme foi demonstrado no decorrer das leituras. Encontram-se, em sua poética, detalhes, fragmentos da história de um relacionamento amoroso que se rompe. Só há uma história a ser contada, o desencontro amoroso, em suas pequenas variações, e reescrita por dois sujeitos líricos, o feminino e o masculino. Palavras-chave: Mulher, Cancioneiro de Chico Buarque, Representação, Cancioneiro, Cantigas de amigo, Cantigas de amor. 5 ABSTRACT This work focuses part of the ballad of Chico Buarque, poet and Brazilian composer. It searches, in its poetic, a drawing of a double face of his ballad, marked by feminine voice (self poetic) and representation of woman (the construction of feminine figures) to self masculine under the thematic of love expressed on loving relationship. The poetic material, object of first reading, detaches the lyric feminine narrator and, on second reading, representation of woman by a lyric masculine subject. Two readings are complemented with intertwine reading focused on echoes and reverberations of structural and thematic traces of songs of love, beyond the formal of songs of friends of medieval Portuguese folksinger. The methodological line is based on studies of ballad of Chico Buarque, which consider the composition of song as poem capable of own textual form, liable of independent reading of the melodic line, and theoretic studies that legitimize the participation of composition and music, when they consider composition as poesy. Great part of this lyric work confirms the fundamental presence of feelings more frequently intertwine on pain of love expressed in a lot of figures of love discourse of absence, as it was demonstrated on studies. In his poesies, they find details, fragments of history of loving relationship that breaks-up. It only has a history to be said: the dismiss love, in its small variations, and rewritten by two subjects, feminine and masculine. Word Keys: woman, ballads of Chico Buarque, representation, ballad, song of friends, song of love. 6 SUMÁRIO 1 DEFINIÇÃO DO PERCURSO: Intencionalidade, fundamentação teórica, modo de construir e desenho da trajetória.........................................................................7 2 IDENTIFICAÇÃO E LEITURA DE POEMAS/CANÇÕES DE CHICO BUARQUE.............................................................................................................23 2.1 A VOZ LÍRICA FEMININA: Ana de Amsterdam, Atrás da porta, Bárbara, Bem querer, Com açúcar com afeto, Olhos nos olhos, Sem açúcar, Tatuagem e Teresinha...............................................................................................................28 2.1.1 Vestígios das cantigas de amigo do medievalismo português ...................57 2.2 A REPRESENTAÇÃO DA MULHER: Aquela mulher, A Rita, Carolina, Cotidiano, Ela e sua janela, Geni e o Zepelim, Januária, Morena dos Olhos d’água e Mulheres de Atenas............................................................................................73 2.2.1 Vestígios das cantigas de amor do medievalismo português.....................102 3 À GUISA DE CODA: atando e questionando os resultados, e refletindo questões diversas................................................................................................120 4 BIBLIOGRAFIA 4.1 Do corpus.......................................................................................................137 4.2 Específica.......................................................................................................140 4.3 Geral..............................................................................................................145 7 1 DEFINIÇÃO DO PERCURSO: intencionalidade, fundamentação teórica, modo de construir e desenho da trajetória O interesse em estudar o cancioneiro de Chico Buarque de Hollanda, poeta e compositor brasileiro que marcou uma época de minha vida, surgiu quando pensei em um tema para a monografia do curso de especialização em Literatura Brasileira na Universidade Estadual de Ponta Grossa. Apresentei, na ocasião, o trabalho O eu lírico feminino e a representação da mulher em Chico Buarque, que tratava de sua poética, com enfoque especial na presença da voz feminina e na representação da mulher. Pelo prazer auferido em fazê-lo, resolvi dar continuidade à pesquisa ao me inscrever no programa de pós-graduação em Literatura na Universidade Federal de Santa Catarina. Após conversar com a professora doutora Odília Carreirão Ortiga, optei por desenvolver a mesma linha de pesquisa, a dupla face do poeta compositor, expandindo-a para relacionar esse duplicar poético com os correspondentes elementos de estrutura, forma e tema do trovadorismo das cantigas de amigo e de estrutura e tema das cantigas de amor do medievalismo português. Justificar as liberdades poéticas de considerar as letras das canções como poema, de estabelecer uma construção teórica capaz de legitimar tal posicionamento e, sobretudo, de referir-se a algumas letras da música popular brasileira contemporânea como portadoras de vestígios de elemento estrutural, formal e temático do cancioneiro medieval português constitui tarefas não fáceis, e a matéria das propostas não é pacífica. Algumas ponderações de caráter teórico devem ser aqui apresentadas para lidimar o trabalho desejado e prometido nesta dissertação. Essas ponderações configuram-se em duas ordens: a primeira diz respeito à circunstância de fazer a separação de letra e de música das canções, e a segunda, de buscar, no cancioneiro de Chico Buarque, a 8 comprovação de “ecos e reverberações”1, os vestígios, da poética trovadoresca medieval portuguesa. Para fundamentar tal diretriz metodológica, o trabalho apóia-se em estudos do cancioneiro de Chico Buarque, em especial naqueles que consideram a letra da canção como um poema capaz de textualidade própria e, de certa forma, passível de leitura independente da linha melódica, e em estudos teóricos que legitimam a partição de letra e música, quando consideram a letra como poesia. Essa partição é abordada por Paul Zumthor e Charles Perrone, no cenário internacional, e por Affonso Romano de Sant’Anna e Nelson Ascher, no cenário nacional. Charles Perrone considera que “a poesia da canção e a poesia destinada à leitura possuem origens históricas comuns e mantêm muitas afinidades”, mas admite, de um lado, o fato de as situações não serem “exatamente iguais”2 e, de outro, a possibilidade de uma letra “ser um belo poema mesmo tendo sido destinada a ser cantada”3. Para Paul Zumthor, poeta é aquele que compõe ou diz o texto, ou ainda que é capaz de “compor uma música sobre ele, cantá-lo ou acompanhá-lo com instrumentos”4. Daí a mão dupla de musicar um poema ou de separar a letra de seu contexto musical. Lembra-se a circunstância de a poesia sempre estar ligada à música, quando o poeta usava a lira “para cantar os seus versos”; porém, com o tempo, música e poesia separaram-se, cada uma adquirindo autonomia, “a música retendo elementos poéticos; a poesia conservando elementos musicais”5. Outro estudioso do assunto, Nelson Ascher, registra posturas diversas, pois de modo diferente dos franceses e dos americanos que não admitem considerar letra de música como poesia, e dos hispânicos que só consideram a composição musical de protesto como poesia, no Brasil