O Olhar Outro De Pierre Fatumbi Verger1
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Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação 41º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Joinville - SC – 2 a 8/09/2018 O olhar outro de Pierre Fatumbi Verger1 Catarina Amorim de Oliveira ANDRADE2 Julianna Nascimento TOREZANI3 Universidade Federal de Pernambuco, Recife, PE RESUMO O artigo aborda a trajetória do fotógrafo, etnógrafo e babalaô Pierre Fatumbi Verger, tratando especialmente sobre sua obra fotográfica que mostra a identidade e a diversidade cultural brasileira e africana através de mais de 60 mil negativos. O trabalho tem como objetivo investigar o olhar em direção ao Outro de Verger a partir de suas fotografias da África e do Brasil, especialmente Benin e Bahia. Para tal apreciação deste trabalho fotográfico será preciso trazer conceitos dos Estudos Culturais Ingleses, de pesquisadores sobre a obra do fotógrafo e de fotografia. A abordagem metodológica será através da pesquisa bibliográfica e documental, especialmente através da análise de imagens de forma iconográfica e iconológica. PALAVRAS-CHAVE: Cultura; Fotografia; Identidade; Outro; Pierre Fatumbi Verger. Considerações Iniciais Antes eu era fotógrafo. Nada de explicações. Nunca me interessaram explicações. O que eu queria era ver e gozar as belezas das coisas. Pierre Verger (1990) Ao escolher uma obra fotográfica tão ampla e tão instigante como a de Pierre Verger devemos observar que este fotógrafo tem uma trajetória de criação imagética relacionada a sua vivência de modo muito particular, visto que era um pesquisador e passou a ser adepto da religião do candomblé ao mesmo tempo que elaborava seus registros visuais. Sua grande coleção de imagens mostra os lugares e as pessoas numa composição estética que faz olhar o Outro, o que permite questionar tal produção, tendo como problematização, o desejo de Verger de não ser Outro (a partir dos seus relatos e 1 Trabalho apresentado no GP Fotografia, XVIII Encontro dos Grupos de Pesquisas em Comunicação, evento componente do 41º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação. 2 Doutora e Mestre em Comunicação pela Universidade Federal de Pernambuco (PPGCOM/UFPE). Bacharel em Comunicação Social/Jornalismo pela UFPE. Professora do Curso de Letras da UFPE. Professora da Especialização As Narrativas Contemporâneas da Fotografia e do Audiovisual da Universidade Católica de Pernambuco, e-mail: [email protected] 3Doutora em Comunicação da Universidade Federal de Pernambuco (PPGCOM/UFPE). Mestre em Cultura e Turismo e Bacharel em Comunicação Social pela Universidade Estadual de Santa Cruz, Ilhéus, Bahia. Professora do Curso de Fotografia da Universidade Católica de Pernambuco. Professora dos Cursos de Comunicação Social da Faculdade Guararapes. Sócia da Intercom, e-mail: [email protected] 1 Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação 41º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Joinville - SC – 2 a 8/09/2018 imagens) e de que modo esse desejo imprimiu em suas fotografias um diferente olhar sobre a alteridade. Por ser uma obra numerosa, além de abordar aspectos de sua vida e sua pesquisa, será feita uma escolha de seis cenas para uma análise específica, buscando descobrir as histórias que Verger contou e mostrou através das suas fotografias. O objetivo desta abordagem é investigar o olhar em direção ao Outro através da obra de Verger a partir de suas fotografias da África (Benin) e do Brasil (Bahia). Além disso, o trabalho também vai em busca pelo olhar não-eurocêntrico do fotógrafo. Em função das questões de cultura e identidade que podem ser observadas na obra de Verger a análise trará os conceitos dos Estudos Culturais Ingleses, especialmente as obras de Stuart Hall (2003a, 2003b); assim como também utilizaremos os estudiosos de Verger através, principalmente, das publicações de Diógenes Moura (2009) e Jérôme Souty (2011); para análise fotográfica serão abordadas as ideias de Annateresa Fabris (2004), Boris Kossoy (1999) e Susan Sontag (2004). Verger: fotógrafo, pesquisador e babalaô Mas teve uma vez que não me senti branco. Foi uma festa Geledé em plena floresta do atual Benin. Era uma noite escura, sem lua, e o pessoal bailava ao redor de certas árvores. Não tinha luz nenhuma, então conheci uma liberdade que não havia conhecido antes. Não era um branco entre os negros. A escuridão da floresta africana apagou a diferença. Pierre Verger (1990) Nascido em Paris no dia 4 de novembro de 1902, filho de uma abastada família de origem belga e alemã, Pierre Edouard Léopold Verger, após inúmeras viagens, chegou no Brasil, especificamente na Bahia em agosto de 1946 e a partir de então passou a dedicar sua vida ao estudo da forte e complexa relação existente entre a África e a Bahia, tendo em vista a questão da diversidade cultural e alteridade. Contemporâneo do famoso fotógrafo Henri Cartier Bresson, Verger traçou para si um outro caminho. Concentrou-se demasiadamente na expressão dos sujeitos e, de um certo modo, deixou à parte a forma estética da fotografia. Em suas obras, pode-se perceber um enquadramento incomum, cabeças e corpos cortados, fotos inclinadas, retratos de frente centralizados, vistas em contraplongé – embora não muito expressivas, permitem recortar melhor uma silhueta fazendo ressaltar, assim, o elemento mais caro ao fotógrafo: a figura humana. 2 Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação 41º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Joinville - SC – 2 a 8/09/2018 Graças a essa despreocupação com a forma, Verger alcançou em suas fotos um tom de descontração e naturalidade. Há com o “outro” (o fotografado) uma relação de cumplicidade que se pode perceber claramente ao observar as fotografias. Isso se deu também porque, tanto em terras africanas quanto nas brasileiras, Verger esteve com autoridades religiosas, conheceu locais sagrados, assistiu e participou de rituais, conviveu com os povos sem a intenção de entender, mas de compartilhar as mesmas preocupações e crenças, fazer as mesmas coisas sem saber o porquê nem como. Mas, com tudo isso criou uma estética própria de abordagem das situações que registrava. Desse modo, Verger realizou um extenso trabalho etnológico retratando o povo, seus costumes e, principalmente, as religiões afrobrasileiras. Seus trabalhos lhe valeram o título de Doutor em Etnologia pela Universidade de Paris (Sorbonne) e, também, o de Babalaô que indica ser filho de santo iniciado no Candomblé (especificamente adivinho e guardião do saber oral iorubá), visto que essa religião é o culto brasileiro aos orixás. Assumindo o nome de Pierre Fatumbi Verger como seu nome sagrado na religiosidade conferido, em 1953, na África. Assim, Verger recebeu de Xangô o título de Oju Oba, que significa “aquele que tem o olho do rei”, e de Fatumbi, como uma nova identidade cultural, que indica “nascido outra vez graças ao Ifá”. A partir das mais de vinte travessias do Atlântico (África-Brasil e Brasil-África), Pierre Fatumbi Verger percebe que, de um lado, existe a importância cultural e religiosa africana no Brasil e, de outro, a sobrevivência de uma história brasileira no Golfo do Benin. Com isso, o fotógrafo parte a viver e conviver nesses lugares, na procura contínua do encontro dessas fronteiras, de onde ficaria o ponto de equilíbrio entre o culturalmente aprendido e o inato. É um caminho de busca, de idas e vindas. Ao longo desse período, suas fotografias também se transformam, pois Verger passa de um simples flâneur do mundo a etnólogo – o que não proporciona em nenhum momento um caráter “frio” a suas imagens, uma vez que Verger já havia internalizado de forma compreensiva os fatos e processos dos dois povos, não era apenas um observador, mas vivenciou profundamente todas as situações que registrou em fotos e textos, como um grande legado do seu trabalho. Desse modo, ao estudar a obra de Pierre Verger vale relembrar a reflexão de Diógenes Moura (2009) quando afirma que: Muita coisa já foi escrita sobre Pierre Verger. Sabemos que ele foi um homem abastado na sua infância e juventude; que abandonou a burguesia francesa depois da morte da mãe, seu último parente vivo, para ferir os pés como 3 Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação 41º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Joinville - SC – 2 a 8/09/2018 aventureiro; sabemos que caminhou pela Córsega, depois de ter conseguido sua primeira Rolleiflex, transformando em peregrinação o que seria o seu começo como fotógrafo e o que viria a ser todo o percurso de sua vida. Sabemos que descobriu a Bahia em 1946, apaixonado pela literatura de Jorge Amado. Sabemos que a partir do encantamento pela arte e pela religiosidade baiana transformou-se num dos grandes pesquisadores do culto aos orixás e das questões que nos atormentam em relação à escravidão no Brasil. [...] O que não sabemos é o que Verger levou consigo, quando disse “sim”, aos 94 anos, na sua casa do alto do Corrupio, no dia 11 de fevereiro de 1996, uma morada modesta, pintada com as cores de Xangô, o dono de sua cabeça. Portanto, sabemos quase tudo. E não sabemos nada (MOURA, 2009, p. 7). Em 1988, criou a Fundação Pierre Verger, da qual era doador, mantenedor e presidente, transformando a própria casa num centro de pesquisa, cujo acervo contém cerca de 61 mil negativos das fotografias que fez durante sua vida, 30 livros e álbuns, artigos, documentários e gravações sonoras, reunindo 50 anos de viagens, estudos e obras, de 1946 até 1996 (data de sua morte). Seus estudos tratam das Culturas Iorubá e Fon do Oeste da África, das diásporas religiosas no Brasil (Candomblé da Bahia, Xangô do Recife e Culto da Casa das Minas de São Luís) e elementos religiosos no Caribe (Santeria em Cuba e Vodu no Haiti), que perpassa várias áreas do saber, que vai da fotografia, etnografia, etnologia, história até a botânica (especialmente a iorubá). Na análise do pesquisador sobre a vida e obra de Verger, Jérôme Souty aponta que: Verger exerceu tríplice função: humilde e incansável pesquisador de campo, mensageiro entre os dois continentes e “defensor” das tradições africanas e afro- brasileiras.