Ficções Do Eu Augusto Dos Anjos
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MARY JANE FERNANDES FRANCO Ficções do Eu Augusto dos Anjos 1 Dissertação apresentada ao Curso de Pós-Graduação em Letras - Literatura Brasileira e Teoria Literária - da Universidade Federal de Santa Catarina para obtenção do título de Mestre em Letras, área de concentração em Literatura Brasileira. Orientadora: Prof. Dr3. Tânia Regina Oliveira Ramos Florianópolis 2000 A Lina Correia Fernandes, pelo amor inquestionável. AGRADECIMENTOS À Tânia, pelo respeito, pela amizade e, sobretudo, pelo acolhimento do projeto inicial e subseqüente orientação que resultou neste trabalho; Aos familiares e amigos, pela compreensão e apoio permanentes; Ao Carlos e à Eliane, pelas descobertas literárias e por compartilharem seus livros e conhecimentos; Aos professores do curso, em especial à Simone e à Odília, pelas críticas e sugestões; À Elba e à Mirtes, pelo atendimento carinhoso e competente; Às bibliotecárias Eldinha (Biblioteca Rio-Grandense da cidade do Rio Grande) e Jane (FURG), pela paciente busca de material; A direção e aos colegas do Caie, por todo o incentivo; À Susana, pelo desafio dos (des)encontros; À Maria Helena, por ter chegado na hora certa; A Adriana, pela interlocução, principalmente nos momentos de crise; \ A Gigi, por todo o apoio recebido desde os tempos do “Apoio”; Ao pessoal da SMEC, especialmente à Maria Aparecida, pela disponibilidade em atender a solicitação de licença durante a realização deste trabalho; À CAPES, pela concessão de recursos materiais. RESUMO No conjunto da produção literária contemporânea, observa-se que a inclusão de personalidades e acontecimentos históricos (também do âmbito da história literária) no enredo de narrativas ficcionais tem se constituído em um terreno fértil para muitos autores. Entre as obras representativas dessa tendência, marcada pela constante oscilação dos limites e cruzamentos entre o discurso ficcional e os discursos narrativos extraliterários que o cercam, sobretudo o histórico e o biográfico, situa-se A última quimera (1995), de Ana Miranda. Nesse romance, a autora ficcionaliza, em tomo da figura histórica do poeta Augusto dos Anjos (1884-1914), determinados episódios sócio-político-culturais, localizados especialmente no Rio de Janeiro durante a fase de consolidação da República. O espaço ocupado pelo presente estudo tem como objetivo revisar alguns dos principais textos produzidos acerca do poeta Augusto dos Anjos, a fim de que se possa demonstrar como os acontecimentos de sua vida foram interpretados e representados, ao longo de aproximadamente noventa anos, pela crítica e historiografia literárias e também pela biografia tradicional. Após esse levantamento, pretende-se verificar, através da análise crítica do romance A última quimera, de que maneira Ana Miranda se apropria de certos eventos “reais” para compor sua narrativa ficcional e em que medida tal procedimento aproxima seu discurso daquele formulado pela História. ABSTRACT In the entirety of the contemporary literary production, we notice that the inclusion of historie personalities and events (also conceming the literary history) in the plot of fictional narratives has became fertile ground for many authors. Among the representative work of that tendency, characterized by the constant oseillation of the limits and crossings between the fictional discourse and the narrative extraliterary discourses that surround it, especially the historical and the biographical ones, is Ana Miranda’s A última quimera (1995). In this novel, the authoress fictionalizes, around the historie figure of the poet Augusto dos Anjos (1984-1914), some social, political and cultural episodes, specially in Rio de Janeiro, during the consolidation of the Republic period. The purpose of the present study is to review some of the main texts produced about the poet Augusto dos Anjos, aiming to demonstrate how the events of his life were interpreted and represerited, in the course of nearly ninety years, by the literary criticism and historiography and, also, by the traditional biography. Afler that, we intend to verify, through the criticai analysis of the novelA última quimera, in what way Ana Miranda gets possession of certain “real” events to compose her fictional narrative and how deeply does that procedure approach her discourse to the one formulated by History. SUMÁRIO Introdução ..... ............................................................................................................. 7 1. Os “anjos” de Augusto: o poeta pela ótica de seus contemporâneos ..........14 1.1 Uma aVenIDA de expectativas............................................................ .......... 15 1.2 O homem capturado na obra por Hermes Fontes e Antônio Torres...........18 1.3 A imagem de Augusto dos Anjos na memória de quatro amigos.............. 25 2. Historiografia literária: o lento processo de inclusão... .................................42 2.1 O Eu: um caso de recuperação e valorização............................................... 43 2.2 Nem o poeta, nem a obra................................................................................ 45 2.3 O reconhecimento duvidoso...........................................................................47 2.4 Menos o homem, mais a obra.........................................................................52 3. Relatos biográficos: duas vertentes ........................ ............................... .......... 65 3.1 Formas tradicionais de construção biográfica............................................. .66 3.2 O testemunho de Ademar Vidal ....................................................................69 3.3 A pesquisa bibliográfica de Raimundo Magalhães Júnior.......................... 83 4. A última quimera : Augusto dos Anjos ficcionalizado ....................................98 4.1 Metaficção historiográfica: uma proposta de leitura...................................99 4.2 O tempo (des)organizado........................................ ...............:................... 107 4.3 Autoridade suspeita.......................................................................................119 4.4 Textualidades recontextualizadas................................................................129 Conclusão................................................................................................................. 147 Bibliografia..............................................................................................................151 As mentiras são mais coerentes que a realidade, portanto, mais verossímeis. O que é a mentira, senão uma verdade na qual não acreditamos? A verdade, por outro lado, é algo tão precioso que devemos guardá-la num cofre como se fosse a nossa própria vida. A verdade é um segredo a latir como um cão no abismo de nossa alma, a verdade é uma pequena estrela a brilhar na escuridão da mentira. A verdade é um apostema, um lúgubre ciclone, uma fêmea alucinante. Ana Miranda, A última quimera, p.87 Introdução No ano do centésimo décimo aniversário de nascimento de Augusto dos Anjos e do octogésimo de sua morte, portanto em 1994, a Nova Aguilar reúne em um único volume, não só a produção em versos do poeta, mas também alguns documentos de teor biográfico, suas cartas, seus escritos em prosa e vários ensaios que compõem sua fortuna critica. Esse conjunto de textos, denominado Augusto dos Anjos: obra completa, resulta em 883 páginas perfeitamente “costuradas” e envoltas por uma grossa capa que traz estampada em letras douradas a assinatura do poeta, equiparando-o, desse modo, com as demais personalidades que compõem esta série de clássicos. Mas será lícito ver nesse empreendimento editorial cuidadoso a justa homenagem ao poeta? As palavras profetizadas pelo seu grande amigo, Raul Machado, em 1939: O futuro há de reivindicar-lhe os direitos de imortalidade e de glórial, já terão sido concretizadas? Haverá algo ainda a ser feito para que sejam quitadas velhas dívidas com o autor de “Psicologia de um vencido”? 1MACHADO, Raul. Augusto dos Anjos. In: BUENO, Alexei (org.). Augusto dos Anjos : obra completa. Rio de Janeiro : Nõva Aguilar, 1994. p. 111. 8 João Gabriel de Lima oferece uma pista interessante a este questionamento, pois, ao divulgar o lançamento da obra completa de Augusto dos Anjos, chama a atenção para a existência de uma lacuna a ser preenchida. Segundo o crítico, na ausência de uma grande biografia do poeta, reconstituir a vida de agruras de Augusto dos Anjos através de suas cartas é um dos principais focos de interesse de sua recém lançada Obra Completei2. E, logo a seguir, mencionando o trabalho do biógrafo profissional Raimundo Magalhães Júnior, em seuPoesia e vida de Augusto dos Anjos, reforça que esse texto, sem ser uma biografia, é o melhor relato biográfico sobre o poeta} Apesar de não explicitar o que considera “uma grande biografia”, Lima deixa claro que entende não só o texto de Magalhães Júnior, mas também dos biógrafos que o precederam4, como relatos biográficos. De um modo geral, pode-se dizer que esses trabalhos são orientados por três determinações peculiares ao gênero biográfico: em primeiro lugar, observa-se uma preocupação com o realismo documental, com base no registro de fontes passíveis de verificação; em segundo lugar, conforme demonstrado por Mikhail Bakhtin5, verifica-se que a matéria narrada é ordenada de forma cronologicamente linear, e em terceiro lugar, percebe-se, a partir das formulações de Phillipe Lejeune6, não uma identidade absoluta entre autor-narrador-personagem como a que singulariza a autobiografia, mas um outro pacto referencial