Cancioneiro da Serra d'Arga

Artur Coutinho ( Membro do Centro de Estudos Regionais - Viana do Castelo )

CANCIONEIRO DA SERRA D'ARGA

LITERATURA - FOLCLORE - HISTÓRIA - TOPONOMIA - ETNOGRAFIA - HUMORISMO NUMA RECOLHA DE QUADRAS POPULARES

ÍNDICE

Págs. Nota Explicativa à 2ª Edição ...... 5

Introdução ...... 7

Nota Explicativa ...... 13

Quadras Mítico - Religiosas ...... 19

Quadras de Saudade ...... 27

Cantigas ao Desafio ...... 35

Quadras de Queixume ...... 41

Quadras de Amor ...... 63

Quadras Diversas ...... 117

NOTA EXPLICATIVA À 2ª EDIÇÃO

Excedeu todas as previsões o impacto causado pelo " Cancioneiro da Serra d'Arga ", quando, pela primeira vez, saiu a lume. E é por esse motivo que, depois de esgotados todos os exemplares, logo nos primeiros meses, resolvi, agora, voltar de novo a público. Quando a obra chegou às mãos de muita gente, foi louvada a iniciativa por uns e contestada por outros, pelo facto das quadras não serem todas oriundas da Serra d'Arga. Assim, o carvalho, que é uma árvore mitológica por excelência entre os povos mais antigos da Europa, figura em quase todos os cancioneiros. Por exemplo, na paróquia galega de Luaña, há uma quadra referente ao carvalho (1) que se repete na mesma contextura na freguesia de Riba d'Âncora - Caminha e nas Argas e que certamente se repetirá noutras localidades mais ao norte ou mais ao sul. É verdade. No entanto, ninguém contestou ainda serem ou não populares. Na nota explicativa da 1ª edição, já se dizia que se tratava de uma recolha de quadras, naquela Serra. Pertence, agora, aos peritos fazer a distinção, mas uma coisa é certa - sejam ou não da Serra d'Arga, as gentes da " Montanha Sagrada " assumiram-nas e não deixarão, por isso, de fazer parte do seu repositório folclórico. É por ser um " livro diferente " e modesto, sem grandes atavios, mas muito valioso na tradição oral portuguesa que, mais uma vez, com os encargos que isso encerra, vai sair a lume.

ARTUR COUTINHO

19 . 11 . 81

(1) O Carvalho da Portela / Tem a folha revirada / Que la revirou o vento / Unha mañan de xiada. Cfr. " Luaña, mitos, costumes e crenças duma parroquia galega ", de Andrés Suárez. Ed. Galaxia, Vigo - 1979 - pág. 22. Em Riba d'âncora, é exactamente igual em todos os versos e, nas Argas, é igual no primeiro verso.

NOTA EXPLICATIVA À 3ª EDIÇÃO

Já lá vão 19 anos que foi reeditado "Cancioneiro da Serra D'Arga", ipsis verbis a primeira edição de 1980 com uma nota explicativa diferente. Muito depressa se esgotou a 2º edição! Em 1985 já escasseavam os exemplares disponíveis. As preocupações pastorais na Paróquia e na Diocese a par de outros projectos onde já me tinha envolvido em ordem à publicação de "A cidade de Viana no Presente e no Passado - da Bandeira à Abelheira", já em Segunda edição de 1998, e "Mosaicos da Serra D'Arga (1º edição de 1996), não são questões alheias à falta desta iniciativa tão necessária e preciosa, julgo eu sobretudo aos alunos das nossas escolas que pretendem agarrar a "área escola". Aí está a terceira edição. Esta não é "ipsis verbis", pois às 2500 quadras que se apresentam agora numeradas, foram juntas mais cerca de 200 e, no final, um índice remissivo, pode ajudar os leitores a encontrar aquilo que desejarem. Com esta edição surge mais uma oportunidade, um registo do que há de mais espontâneo na poesia e no folclore para cantar as esperanças, as ternuras, os ciúmes, os desdéns, as dores da saudade, os costumes, as devoções, as superstições, as agruras da vida, as flores, as plantas, as terras, os topónimos, os trabalhos, os animais, os santos, os "Manéis e as Marias", as horas, e os dias, as festas e as brincadeiras, as histórias e as tradições, os amores e as paixões... . Quase sempre é anónima esta musa, tão velha como a história da avozinha do tempo dos Celtas... A gente de Dem ou das Argas quando cantava, parecia subir os cumes dos montes da Serra e do alto da Costa do Carvalho, dos Cornos de Manes, do Alto dos Muros, ou do Penedo do Sino, do Alto da Coroa, do Alto dos Crastros desafiavam os vales até se enamorarem e casarem com eles... O Cancioneiro da Serra D'Arga aí está e as quadras que nele constam foram todas recolhidas na sua totalidade entre 1972 a 1978. Os bailes que em Dem ou nas três Argas se realizavam, nessa altura com frequência, nas chegadas e nas saídas dos jovens, por ocasião de casamentos, de festas religiosas ou profanas, ou qualquer outro motivo para juntar a juventude e passar tempo, cantando e dançando o folclore da região, já não se fazem assim com tanta criatividade. Um rescaldo da vida que foi deste folclore pode ainda ser vivido na festa de S. João D'Arga, coração da Serra, em 28 e 29 de Agosto de cada ano.

INTRODUÇÃO

O CANCIONEIRO DA SERRA D'ARGA, que ora sai a lume e para o qual me pediram algumas palavras à guisa de introdução, representa, além de um trabalho metódico e esforçado do seu autor, uma iniciativa muito válida na defesa e preservação do património cultural, expresso na tradição oral portuguesa. Hoje, fala-se muito de cultura popular, na necessidade imperiosa de a defender, nos abusos e atropelos cometidos contra ela, sobretudo nesta época dominada pela tecnologia e pouca gente possui dados concretos sobre o fenómeno cultural, quer nos antecedentes, quer nas suas implicações de ordem intelectual, moral, religiosa, económica e social. A cultura, de um modo geral, representa tudo aquilo que o homem produz de válido, como ser pensante. Neste conceito genérico encaixa-se perfeitamente toda a actividade humana desde os tempos mais recuados da pré-História até aos nossos dias, uma vez que exprima uma resposta eficaz ao desafio lançado ao homem pela natureza. Sempre que o homem, individual ou colectivamente considerado, põe o seu intelecto e a sua vontade em acção, quer no plano das necessidades, quer no plano dos desejos, torna-se um fabricante de cultura. O mandato do criador - possuí a terra e dominai-a - constitui o repto mais deslumbrante e mais trágico lançado ao homem. É que entre o mundo e o homem estabelece-se uma relação dialéctica que estimula o homem à satisfação das suas necessidades e dos seus desejos, etapa por etapa, sem nunca atingir a plenitude. O homem idealiza, trabalha, luta e sofre para concretizar os seus sonhos. E quando julga estar na posse do troféu, nova etapa o solicita. Deste modo, o homem constitui a mola fundamental do motor da história. Mas não só, pois « nas suas escolhas, o homem é condicionado pela sua condição de indivíduo, pelas relações que o ligam aos a outros indivíduos com os quais compartilha a sua vida e a natureza mais vasta que o circunda e dentro da qual está incluído ». ( Bernardo Bernardi, Introdução aos Estudos Etno-Antropológicos, pág. 19, 1979 ). Durante muito tempo, o conceito de cultura andou associado à soma de conhecimentos, de noções, de experiências e homem culto era todo aquele que dominasse bem qualquer assunto. Em contrapartida, o homem, que nada sabia, era considerado rude, ignorante, inculto. Era este o sentido clássico de cultura. A cultura, assim considerada, estabelecia barreiras sociais, económicas e, até, religiosas que, não poucas vezes, descambavam em reivindicações dolorosas. Até nos períodos áureos da civilização grega e romana, os maiores luminares da filosofia e das letras consideravam plebeus todos aqueles que não se dedicassem aos problemas da cultura. Achavam rebaixante para um homem culto exercer funções inferiores, como o comércio e o trabalho manual, reservadas a plebeus. Este conceito de cultura penetrou na mentalidade ocidental e, ainda hoje, não faltam homens cultos a defender esta concepção. Contudo, os tempos vão-se tornando mais permeáveis ao conceito antropológico de cultura. Foi Edward B. Taylor quem formulou, pela primeira vez, este novo conceito de cultura. Depois de estudar aturadamente as civilizações primitivas actuais, que muitos consideravam selvagens, e de verificar que estes povos, independentemente do grau de civilização ou do estrato social a que pertencem, possuem esquemas mentais, instituições próprias para responder ao desafio lançado pelo mundo, concluiu que cada povo tem a sua própria cultura que urge estudar e respeitar. E, assim, E. B. Tylor deu a primeira definição de cultura antropológica: « cultura é o complexo unitário que inclui o conhecimento, a crença, a arte, a moral, as leis e todas as outras capacidades e hábitos adquiridos pelo homem como membro da sociedade » ( Bernardo Bernardi, ob. cit, pág. 24 ). Nesta ordem de ideias, fácil nos é detectar o interesse manifestado pelos estudiosos em relação à cultura popular. Se é verdade que « nem só de pão vive o homem », também é verdade que « é inútil pregar a estômagos vazios ». E o prolóquio latino « primum vivere, deinde filosophare » têm plena actualidade. Isto quer dizer que uma definição de cultura implica a consideração de factores que tanto respeitam ao bem do corpo, como ao bem do espírito. B. Malinowsky diz que numa definição de cultura « entram os utensílios e os bens de consumo, as cartas orgânicas regulando os diversos grupos sociais, as ideias e as artes, as crenças e os costumes. Quer se encare uma cultura simples e primitiva, quer uma cultura complexa muito evoluída, necessário se torna deitar mão de um vasto aparelho, por um lado material, por outro, humano e por outro, ainda, espiritual que permita ao homem enfrentar os problemas concretos e precisos que se lhe põem. Os problemas são devidos ao facto de que o corpo humano é escravo de várias necessidades orgânicas e de que vive num meio que é ao mesmo tempo favorável porque lhe fornece as matérias-primas para transformar e desfavorável porque lhe fornece forças hostis » ( une Théorie Scientifique de La Culture, pág 35 - 36 ). J. Leite de Vasconcelos, ao tentar elaborar um programa de estudo da cultura popular portuguesa, diz-nos que além dos caracteres geográficos, fisiológicos, históricos, inclui « os costumes que se revelam de modo material, os quais ipso factu reflectem a vida intelectual e moral de quem os têm, a saber: artes plásticas (...) industriais e caseiras, tipos de povoações e de edificações, mobília, trajos e enfeites, comidas, utensílios, aprestos de caça, de pesca e de lavoura, etc. ; finalmente, incluirá o FOLKLORE ou as « Tradições Populares » , isto é, a superstição ( mitologia, religião, magia ) literatura ( contos, lendas, poesia épica, lírica, teatro, adágios ), actos e folganças ( festas, danças, música, jogos, etc.)» ( Opúsculos, vol. V, Etnologia, pág. 7, 1938 ). Numa visão clássica da cultura, o povo que, por diversos factores não tem acesso ao ensino é considerado inculto, ignorante, desprovido de conhecimentos filosóficos e científicos, orientando- se, apenas por formas empíricas de conhecimentos adquiridos no contacto diário com a natureza. Em contrapartida, as chamadas élites intelectuais, que romperam os fundilho nos bancos das escolas, são consideradas cultas, esquecendo-se que, muitas vezes, « mais vale um ano de tarimba que três de Coimbra ». Numa visão mais ampla da cultura, como acabamos de ver, o povo tem a sua própria cultura que se associa e funde quase sempre com a cultura elitista. « Iguala-se cultura a saber escolar, como se na prática quotidiana o homem comum não se instruísse, como se o seu saber fosse qualitativamente diferente do outro. Não há gente culta e gente inculta. A cultura é só uma, tudo o que aprendemos do nascer ao morrer, de nossa invenção ou alheia sentados nos bancos da escola ou da vida ». ( M. Viegas Guerreiro, Para a História da Literatura Popular Portuguesa, pág. 25, 1978 ).

* * *

Pondo de parte todos os elementos que J. Leite de Vasconcelos apontou para a elaboração de um programa de etnografia portuguesa, à excepção da literatura popular, especificamente a poesia lírica, expressa nos Cancioneiros, vamos tentar explicar, em poucas palavras, o que se entende por literatura oral e tradicional, seus autores e sua importância no contexto cultural português. Um texto popular tradicional pode ser oral ou escrito. Assim, há textos que nunca foram escritos, como acontece com a tradição oral que se transmite de pais para filhos, mantendo, quase sempre, o anonimato. Estes textos podem versar temas circunscritos a uma determinada área ou abranger temas mais amplos que se vão modificando e adaptando à medida que são recebidos e assimilados. Há, contudo, outros textos que primitivamente foram escritos, ou intencionalmente para o povo, ou o povo os assumiu como seus e os transmitiu de geração em geração. De qualquer maneira, o povo adoptou-os, assimilou-os, fazendo deles o seu património. Estes textos, ainda que escritos, sofrem transformações conforme os interesses e as motivações daqueles que os adoptam, o contexto geográfico, social e cultural que os rodeiam. É, por isso, que encontramos versões bastante diferenciadas do mesmo motivo em vários povos e culturas, sobretudo no que concerne aos textos mítico-religiosos, aos romances e autos populares, bem como à poesia lírica. Estes textos são objecto de especial interesse por parte dos estudiosos. Quanto aos textos orais, convém recolhê-los para evitar que se percam. Quanto aos escritos, há uma tentativa muito meritória de encontrar os textos originais, não para lhes restituir a forma e conteúdo primitivos, mas para verificar as rotas que seguiram na sua expansão e assimilação. Este interesse começou com o advento do romantismo em que escritores, historiadores, estudiosos da arte, etc., se voltaram para o passado, na ânsia de descobrir valores esquecidos, e para o povo, escrínio de virtudes e de cultura. Assim não acontecia antes, pois autores consagrados manifestaram, muitas vezes, desdém pela poesia popular. « Logo na primeira metade do século XIII, Martim Soares de quem se diz no Cancioneiro da Biblioteca Municipal que foi « de Riba Limia, em Portugal, e trobou melhor ca todolos que trobarom e asi foi julgado ant, ros trobadores » manifesta seu pouco apreço pela poesia do vulgo ao censurar em seu « confrade, porque os cantares deste interessam o público popular e não o público dos trovadores e das damas ». ( M. Viegas Guerreiro, ob. cit., pág. 26 ). No Renascimento, embora muitos dos artistas, escritores e filósofos saíssem do estrato superior do povo - a burguesia - e manifestassem uma certa simpatia por esta classe social tão desprotegida, não esconderam a sua ponta de desprezo pela arte popular. Sá de Miranda trata a literatura popular em tom despiciente e António Ferreira « repele a cega gente, de baixos intentos que não pode ascender ao paraíso clássico, onde põe toda a beleza, toda a verdade, toda a virtude ». O mesmo aconteceu com D. Francisco Manuel de Melo e Frei Luís de Sousa. Este último, na descrição da visita do Arcebispo D. Frei Bartolomeu dos Mártires às terras do Barroso refere a gente bravia de maneiras selvagens e agrestes que o receberam com gritos, danças, cantares e folias. « Pena é que não se tivessem registado tais cantares e glosas populares. Talvez tanta agressividade de matos se aspirasse o aroma de alguma flor silvestre » - escreve um célebre escritor. A partir do séc. XVIII, surgem cancioneiros onde se recolhem cantigas, romances populares, autos, etc. Autores, como João de Deus vão-se inspirar nos arroios cristalinos das montanhas, nas fainas da terra e do mar, no amor simples e agreste das serras, cantando ao som da viola, por entre queixumes e promessas... Teófilo Braga, Leite Vasconcelos e tantos outros dedicaram parte da sua vida a escutar estas endexas populares e a recolhê-las carinhosamente, como se se tratasse de acolher um amigo ou dar guarida a um filho, vindo de longínquas terras. Que interesse tem para a cultura este estudo da tradição oral popular? Deixo ao leitor uma página de M. Viegas Guerreiro, por quem nutro a maior admiração: « Se quiséssemos enunciar por ordem de importância os valores da literatura popular, poderíamos talvez estabelecer a seguinte seriação: estético, histórico, psicológico e filosófico. Buscam-na, para se distrair, pessoas de todas as idades e especialmente a infância e a juventude. E, como divertimento, vem a moralidade, o ensino da experiência, que nos vão modelando o carácter enriquecendo o saber. Os provérbios, por exemplo, não têm outra função. E os artistas aproveitam ainda mais: temas, formas, recursos expressivos, e nela têm, igualmente, fonte abundante de inspiração. (...) Quem tem ouvido contar contos, anedotas ou cantar ao povo, em lugar e tempo apropriados, há-de ter observado que narrador e ouvintes formam um tudo, que a peça movimenta, provocando emoção e reflexões, que ora se ficam em agitação interior, ora se exteriorizam por meio de gestos, exclamações, risos, comentários. Estamos, portanto, em face de um fragmento de vida, cujo conteúdo e forma se actualizam, são verdade presente, força dinamizadora, independentemente de os factos serem antigos ou modernos, verosímeis ou inverosímeis. Há constantes de comportamento que não mudam, que não podem mudar, por sua humana especificidade (...) Uma história, um provérbio, uma quadra são elementos culturais que, vivos dentro ou fora de nós, desempenham necessariamente uma função vital no complexo a que pertencem como diria Malinowski. Na cultura, como organismo vivo, nada está a mais ou sobra, tem cada fracção, pequena ou grande, um papel a desempenhar; (...) Para entender os fenómenos sociais, as instituições, havemos de ter esta certeza e a de que uma total compreensão do presente obriga também ao conhecimento do passado ». ( M. Viegas Guerreiro, ob. cit. págs. 31, 32 e 33 ).

LOURENÇO ALVES

NOTA EXPLICATIVA

Fiquei muito contente, quando fui nomeado pároco da Serra d'Arga, onde fiz a minha entrada em 1 de Outubro de 1972. A minha primeira experiência sacerdotal ia ser feita numa região rica de tradições, aí encontrei um campo mais vasto de acção. As cantigas populares de que me falavam, despertaram em mim aquele interesse habitual, como acontece a qualquer apaixonado por estes valores da nossa tradição oral e, assim, as fui recolhendo. Em 1978, intensifiquei essa recolha, valendo-me de um grupo de jovens muito sensibilizados por estes assuntos. Na impossibilidade de continuar a recolha, e tendo já uns milhares de quadras, resolvi compilar o que possuía, com a certeza de que este trabalho nunca se esgotará. Trata-se de uma colectânea de cantigas que, em tempos não muito remotos, eram na maioria adágios, provérbios, adivinhas, encantamentos, desejos, desafios em verso, etc., cantados na região da Serra d'Arga, tanto nos trabalhos do campo, como nas romarias, nos bailes ou nos domingos à tarde. Algumas destas quadras têm características medievais, não só pelo uso dum certo paralelismo ( Milho alto, milho alto / Milho alto, folha estreita / Milho alto, folha larga / Milho alto, sem pendão / À sombra do milho alto / Namorei uma sujeita / Namorei uma casada / Namorei teu coração. Ó que pinheiro tão alto / Com um fio de ouro na ponta / Com um fio de ouro no meio / Os teus olhos, menina / Já andam por minha conta / Ó que menina tão linda / Filha de um homem tão feio. Algum dia para te ver / Dava saltinhos na rua / Dava voltinhas no ar / Agora dou dinheiro / Para não ver a sombra tua / Para não te encontrar ), mas também pelos arcaísmos nelas usados e, quem sabe, representando conceitos milenários, rolados nas bocas das gentes, através da poesia. É um apontamento curioso para os estudiosos da cultura popular. Aqui fica um naco de filosofia e de arte populares que se vão acabando... Com o aparecimento da energia eléctrica que trouxe inúmeros benefícios à civilização, apareceram a rádio, a televisão e outros afins que vieram, em parte, contribuir para o esquecimento e o desinteresse do povo pela sua própria arte. Toda a gente tem abundância de novas criações, mesmo a nível de música, seu ritmo e sua letra, em casa, através dos meios de comunicação. O povo, hoje, tornou-se mais passivo. A máquina faz tudo, enquanto o homem se instala a observar e é óbvio que assim seja. Antigamente, havia mais tocadores de concertinas, de viola, de cavaquinho, etc. O povo tinha de encontrar as suas próprias distracções e as cantigas populares eram uma das suas principais predilecções, como o conto, as histórias e as lendas contadas nos serões à lareira. Agora não é necessário fazer-se alguma coisa nesse aspecto, porque tudo está feito e, todos os dias, surgem novidades artísticas. É a lei do menor esforço. Aqui fica este repositório de quadras populares, muitas delas conhecidas por pessoas de idade avançada, porque muitos jovens desconhecem esses valores antigos, para os preservar. Trata-se de um trabalho modesto, diga-se de passagem, com algumas lacunas, mas creio que muito prestável aos estudiosos da literatura, do folclore, da história, da toponímia e da etnografia em geral. Resolvi distribuir as quadras por temas, dispondo-as por ordem alfabética. Quanto aos temas ( religião, queixume, saudade, desafio e amor ) é sempre um problema difícil de resolver sem um certo saubjectivismo, para o qual gostaria de prevenir os leitores. Agradeço a todos os que me ajudaram, especialmente ao querido povo da Serra d'Arga, ao meu bom amigo e colega Dr. Lourenço Alves e ao Centro de Estudos Regionais, que tanto ânimo me deram para a publicação deste trabalho.

ARTUR COUTINHO

QUADRAS POPULARES

Recolha levada a efeito na Serra d'Arga, nas freguesias de Arga de Cima, Arga de Baixo, Arga de São João e Dem por ARTUR COUTINHO.

QUADRAS MÍTICO - RELIGIOSAS

Eis um rosário de encomendações. O leitor poderá verificar, através delas, as romarias preferidas pelo povo da região, as principais aspirações e até, muitas vezes, a malícia ou a inocência, a superstição com que se dirigiam aos Santos.

Ó meu rico S. João, Onde te foram pôr! No meio da Serra d'Arga Com sobreiros ao redor.

Há também quadras populares, de sabor religioso, que são autênticos ensinamentos. « A religião inspirou sempre os artistas » e, de facto, o tema - religião - seria, só por si, o bastante para um outro trabalho deste género.

______As quadras assinaladas com (*) encontram-se no « Cancioneiro de Viana do Castelo » do Ten. Cor. Afonso do Paço, publicado em 1928.

1 2 Abaixai-vos carabinas Amanhã é dia santo, Com as pontas para o chão, Dia de me eu assear; Deixai passar os pastores Para ver o meu amor Que vão para o S. João. No adro a passear.

3 4 Adeus que me vou embora Amanhã é dia santo, Senhora de Guadalupe; Dia do Anjo da Guarda; Que nesta terra não tenho Ó moças guardai o dia Quem comigo se ocupe. Que o anjo também vos guarda.

5 6 Adeus Senhora da Pena Amanhã é dia santo, Ladrilhada mal segura; É dia de vestir camisa; Quando passo por ela Eu não tenho quem ma dê, Não há pedra que não bula. Morreu-me a minha Luísa.

7 8 Adeus Senhora da Rocha Ao deitar e ao levantar Inda lá hei-de tornar; Sempre faço o Sinal da Cruz; Deixei lá meu lenço branco Para renegar o diabo, Dobrado no seu altar. Santo Nome de Jesus.

9 10 Agora no S. João Aquela menina é minha, É o tomar dos amores; Aqueles olhos são meus; Estão lindos os campos, Aquele corpo bem feito Toda a terra tem flores. Era o que eu pedia a Deus.

11 12 Agora que eu vou cantar, A Senhora da Bonança Agora começo eu; Tem o telhado todo de vidro; Nossa Senhora me ajude Foi no mar o marinheiro A mais S. Bento Lameu. Que se viu perdido.

13 14 Ai Jesus! Não sei que ouvi, A Senhora da Saúde Lá para o lado do nascente; Tem vinte e quatro janelas; Ouvi uma voz de um anjo Quem me dera ser o sol Que cantava lindamente. Que entrava por todas elas.

15 16 A lua veste de branco, As moças de Santo Aginha Esta noite vai casar; Todas têm um pensamento: Madrinha é Nossa Senhora Umas amigam-se com os padres, Padrinho é o luar. Outras vão para o convento.

17 18 Estão junto de uma roseira, Deus, quando estava na cruz, As nossas casinhas brancas Quase morto a acabar, A Virgem Nossa Senhora Deu uma palavra ao povo: Que é nossa padroeira. Eu morro para vos salvar.

19 20 A treze do mês de Junho Duas noites há no ano Santo António se demove; Que alegram o coração: S. João a vinte e quatro, É a noite de Natal S. Pedro a vinte e nove. E a noite de S. João.

21 22 Chamaste ao meu cabelo Eu esta noite sonhei, Canas reais de Viana; Queira Deus que assim fora; Eu também chamei ao teu Sonhei que estava no Céu, Laços de prender quem ama. Aos pés de Nossa Senhora.

23 24 Chamaste-me amor perfeito Eu hei-de ir à romaria Coisa que a terra não cria; Ao Senhor S. João d'Arga; Amor perfeito só Deus, A romaria é boa, Filho da Virgem Maria. Mas o caminho amarga.

25 26 Cheguei à cruz de te amar Eu venho da romaria Calvário do meu martírio; Do Senhor S. João d'Arga; Se vês que te não mereço A romaria é bonita, Não ignores meu sentido. Mas o caminho amarga.

27 28 Da minha janela rezo Fui ao S. João a Braga À Senhora da Bonança E vi tudo embandeirado; Que me traga o meu amor Tudo isto são bandeiras Daquela maldita França. Que S. João tem ganhado.

29 30 * De Lisboa me mandaram Hei-de deixar ao relento Um lencinho quase novo; Uma folha de figueira; Em cada ponta seu ai, Se S. João a orvalhar, No meio, Jesus, que eu morro! Hei-de encontrar quem me queira.

31 32 Depois de tanto sofrer, Hoje com o S. Pedro De viver apaixonada, Vos peço meu bom Jesus; Mas agora que me amas Que a todos tarde ou cedo Já vivo mais descansada. Não nos falteis com a luz.

33 34 Meu S. João quem pudera No altar de S. João Ir na rusga deslumbrada; Só ficaram nove rosas, Ver tua noite cair Três brancas, três amarelas, Nos braços da madrugada. Três encarnadas formosas.

35 36 Minha Senhora da Ajuda No lar onde há carinho Ajudai-me a mim primeiro; Reza-se depois da ceia Sou filho duma viúva, As orações a Deus Pai, Minha mãe não tem dinheiro. À luz de uma candeia.

37 38 Minha Senhora das Neves, Nossa Senhora da Guia, Ajudai o meu irmão; Guiai os homens casados; Anda por terras alheias Guiai também os solteiros, Com um martelinho na mão. Que andam mal encaminhados.

39 40 Minha Senhora da Serra, Nossa Senhora da Rocha, Minha Mãe Celestial, No lugar de Castanheira, Tenho o meu amor ausente É a nossa advogada, Livrai-o de todo o mal. Da mocidade solteira.

41 42 Minha Senhora das Neves Nossa Senhora das Dores Tem um filho serrador, Tem sete espadas ao peito; Para serrar a madeira Saudade tem sete letras, Para o altar do Senhor. Que sofre do mesmo jeito.

43 44 Não corteis a oliveira Nossa Senhora de Fátima Nem a ameaceis com o machado. Que tendes todo o poder; Que ela dá para alumiar Ajudai-me nesta hora A Jesus Cristo sagrado. Que eu vos hei-de agradecer.

45 46 Na sexta, por ti, amor, Nossa Senhora do Carmo No sábado, por ti, meu bem, Te valha a ti e a mim; No domingo, vou à missa Julguei-te com mais juízo Porque a Deus quero bem. Sem saber que eras assim.

47 48 No altar de S. João Nossa Senhora do Minho Nascem rosas amarelas, Aonde te foram pôr! S. João subiu ao Céu Ao alto da Serra d'Arga A pedir pelas donzelas. Com penedos ao redor.

49 50 Nossa Senhora faz meia Ó meu S. João Baptista, Com o fio da boa luz; A nossa capela cheira; O fio sai do novelo Cheira a cravos, cheira a rosas, As meias são para Jesus. À flor de laranjeira.

51 52 Nossa Senhora me disse. Ó meu Senhor S. João De cima do seu altar: A vossa capela cheira; Filhinha, faz por ser boa, Ela cheira ao lavado, Eu farei por te ajudar. É brio da lavadeira.

53 54 Nossa senhora me disse, Ó meu Senhor S. João, Lá de cima do altar; Casai-me que bem podeis. Rapariga tem juízo Já tenho teias de aranha, O povo deixa-o falar. Naquilo que bem sabeis.

55 56 O amar e querer bem Ó meu Senhor S. João, Está na Sagrada Escritura. Dai-me a mão pela janela; Quem ama a Deus, como deve, Eu venho tão cansadinha Tem a salvação segura. De subir a vossa serra.

57 58 Olha para o Calvário Ó meu Senhor S. João, E lá verás uma cruz; Onde foi aparecer! Lá verás crucificado No alto da Serra d'Arga, Nosso querido Jesus. Onde todos o vão ver.

59 60 Ó meu bom Jesus do Monte, O pouco que Deus nos deu, Vós que estais nessas alturas, Cabe numa mão fechada. Alumiai a minha alma, O pouco com Deus é muito, Não me deixeis às escuras. O muito sem Deus é nada.

61 62 Ó meu lindo S. João Ó que pinheiro tão alto! À porta tendes a dança. Com uma galha para o norte; Não se dá ponto sem nó, Eu hei-de pedir a Deus Nem se fala sem confiança. Que me dê boa sorte.

63 64 Ó meu rico S. João Ó Senhor S. João d'Arga, Onde te foram pôr! Donde vens todo molhadinho? No meio da Serra d'Arga Venho do alto da Serra Com sobreiros ao redor. De regar o cebolinho.

65 66 Ó Senhor S. João d'Arga, Santo António de Lisboa, Eu este ano lá hei-de ir, Espelho de Portugal, Ou casada ou solteira Ajudai-nos a vencer Ou criada de servir. Esta batalha real.

67 68 Ó Senhora da Saúde, Santo António leve António Senhora da Saúdinha... E o Santo me leve a mim, Que capela tão pequena Lá para o reino da glória Para tamanha rainha. Por muitos séculos sem fim.

69 70 Ó Virgem Nossa Senhora Santo António, Santo António, Que trazeis na mão que luz? Às moças estende a mão; Um raminho de arcipreste Corram moças, vão depressa, Para o Menino Jesus. Façam-lhe uma petição.

71 72 Quem me dera ir ao céu S. Gonçalo case as velhas, Àquela nova cidade... Santo António, as raparigas. Para poder passear Cantai moças ao Santinho No campo da liberdade. As vossas belas cantigas.

73 74 Quem me dera ir ao céu S. Gonçalo de Amarante Para ver o que lá havia; Feito de pau de azevinho; Quem me dera a mim ir ter Dai-me força nos meus braços, Aos pés da Virgem Maria. Como o porco no focinho.

75 76 Quem me dera, quem me dera, S. João adormeceu O que a minha alma deseja: Debaixo da laranjeira; As portas do Céu abertas, Caiu-lhe a flor em cima, Como estão as da Igreja. S. João que bem que cheira.

77 78 Quem quiser amar a Deus S. João à minha porta Não diga que não tem tempo; E eu não tenho que lhe dar. Pode andar nos seus trabalhos Dou-lhe um raminho de flores Com Jesus no pensamento. Para pôr no seu altar.

79 80 Santo Aginha já caiu, S. João era bom Santo; Castanheira está no chão S. Pedro ainda melhor; Viva o nosso lugar de Arga É o chaveiro do Céu Que sempre vai tendo mão. Tem as chaves do Senhor.

81 82 S. João era bom Santo Senhora da Agonia Se não fosse tão gaiato; Está muito agoniada. Ia com as moças à fonte Perdeu o seu pentinho d'ouro Levava três, trazia quatro. Com que se penteava.

83 84 S. João era bom Santo Senhora dos Aflitos Se não fosse tão velhaco. Bem aflita estou eu; Foi com as moças à fonte Tive agora por notícia Levou duas, trouxe quatro. Que o meu amor morreu.

85 86 S. João para ver as moças Senhora dos emigrantes Fez uma ponte de prata; Cá da nossa freguesia; As moças não foram lá, Foi onde ela apareceu S. João todo se mata. Terra de Santa Maria.

87 88 Se algum dia ouvires dizer Senhora Santa Luzia, Que uma vala me deu fim... Tenho olhos e não vejo; Vai a S. João e reza Vejo mar e vejo terra O Padre Nosso por mim. Não vejo quem eu desejo.

89 90 Se fores ao S. João Se ouvires tocar para a missa Vai de volta na Capela; Deixa tudo e vai a ela; Está lá uma roseirinha Quando vira a folha a Santos Trazei-me uma rosa dela. Desce Deus do Céu à terra.

91 Vai-te embora mês de Maio, Deixa vir Junho que é Verão; Deixa vir aquele dia, De Baptista S. João.

QUADRAS DE SAUDADE

« Quem canta, seu mal espanta », lá diz o rifão popular e muito bem.

As cantigas são saudades, Quem canta, saudades tem; Quem canta para esquecer É certo que lembra alguém.

A saudade mata e, por isso, é sempre bom que a esqueçamos. Como diz Camilo: « A poesia não tem presente: ou é esperança ou saudade ». Como factor importante na vida dos povos, ela é objecto de desabafos, é qualquer coisa que põe todas as faculdades do homem em acção, predispondo-o para a poesia. Aqui se vão mostrar quadras que são espelho, sobretudo, dos sentimentos de alguém pelo amor que se encontrava ausente.

92 93 A água do nosso rio Adeus chamam! Parto agora! Bate toda em cachão, Vou punir os males meus Assim batem as penas Ai! Adeus! Adeus para sempre Do meu triste coração. Filhos, pátria, esposa, adeus!

94 95 A carta que te mandei Adeus estação de Caminha, Foi escrita à candeia; Cercadinha de olivais; Com suspiros vai fechada, Adeus Rio de Janeiro, De saudades vai cheia. Sepultura dos meus ais.

96 97 Adeus, adeus minha terra, Adeus fonte do Loureiro, Mal de ti jamais direi; Onde mato minha sede; Dá o mundo muitas voltas, Foste lá deitar melaço, Não sei se cá voltarei! Mas não te caí na rede.

98 99 Adeus alma da minha alma, Adeus lugar do Cerquido, Amor do meu coração; Ficas naquela ladeira; Morrerei só para mostrar É terra muito famosa Quanto pode esta afeição. Da Laurinda cantadeira.

100 101 Adeus amor da minha alma, Adeus, meu amor, adeus, Adeus fraldas do Marão; Até quando há-de ser... Adeus belas orvalhadas Até daqui a cem anos, Da noite de S. João. Se nenhum de nós morrer.

102 103 Adeus amor dos meus sonhos Adeus, meu amor, adeus, De quem nunca me esqueci; Até quarta ou quinta-feira; Vem fazer-me companhia, Não posso estar sem te ver Não posso viver sem ti. Uma semana inteira.

104 105 Adeus amor que já foste, Adeus, meu amor, adeus, Adeus amor que já amei; Este adeus me custa a vida; Todos os sítios adoro Custa mais do que a morte Aonde contigo falei. Esta nossa despedida.

106 107 Adeus casa de meus pais, Adeus, meu querido amor, Adeus janela da eira; Querido do coração; Agora vou-me casar, Com certeza o nosso amor Adeus, ó vida solteira. É o amor da perdição.

108 109 Adeus, ó estradinha nova, Adeus Ponte de Lima, Adeus caminho de ferro, Adeus Largo de Camões; Adeus raparigas d'Arga, Foi onde se reuniram Que no coração vos levo. Os nossos dois corações.

110 111 Adeus, ó lugar da Gandra, Adeus povo de Parada, As costas te vou virando; Linda terra nomeei; As saídas são agora, Muitos procuram, não acham, As entradas não sei quando. Eu, sem procurar, achei.

112 113 Adeus, ó terra de Dem, Adeus que me vou embora, As costas te vou virando; Adeus que embora me vou; As saídas são agora, Tu já estás aborrecido, As entradas não sei quando. Mas eu para já não estou.

114 115 Adeus, ó triste saudade, *Adeus que me vou embora, Dos meus olhares dos teus; Adeus que me embora vou; Com minha voz magoada Vou embora porque eu quero, Três vezes: adeus, adeus. Que a mim ninguém me mandou

116 117 Adeus, ó Vila Real, Adeus que me vou embora. Esta te vou a dizer: Desta terra para outra; Não sei se lá terás fita, Os meus olhos deitam água Meu amor, p'ra me prender. Para regar a tua roupa.

118 119 Adeus, ó Vila Real, Adeus terra da minha alma, Manda-me de lá dizer: Por quem minha alma adora; Tenho lá o meu amor, Por quem o meu coração Se o tornarei a ver. Sempre suspirou e chora.

120 121 Adeus, ó Vila Real, Adeus torre do relógio, O luxo é que te asseia, Adeus aldeia querida; Ãdeus, ó rua Direita, Já que lá tens meu amor, onde o meu amor passeia. Toma lá a minha vida.

122 123 Adeus Ponte de Lima, A minha amarga saudade Adeus Largo de Camões; Não se pode imaginar; Adeus caneca de vinho, Há-de acompanhar-te sempre, Adeus prato de rojões. Mesmo nas águas do mar.

124 125 A palavra saudade, Da tua comprida carta Aquela que a inventou, Apenas ficou em mim, A primeira vez que a disse Meu amor, logo no princípio Com certeza que chorou. As saudades não têm fim.

126 127 A palavra saudade De martírios e saudades Toda a gente que a inspira, Um grande ramo apanhei; Ter saudades de quem esquece De martírios, porque sofro, E ter crença na mentira. De saudades, porque amei.

128 129 A saudade é uma flor *De saudades e martírios Que se dá em terra forte; Um lindo ramo apanhei; Amei-te com tanto gosto, De saudades, porque as sinto, Deixei-te com tanta morte. De martírios, porque amei.

130 131 As cantigas são saudades, Desde que vim dessa terra Quem canta saudades tem, Nunca mais tive alegria, Quem canta para esquecer, Somente por me faltar É certo que lembra alguém. Tua amável companhia.

132 133 As saudades quem pudera Despedida, despedida Enterrá-las ao nascer, Como fez a cotovia; Onde não houver saudades Despediu-se, cantando Não pode haver quem querer. Adeus, até outro dia.

134 135 Ausente de ti, amor, De suspiros e saudades Que alegria posso ter; Tenho um lindo vaso cheio; O tempo vai-se passando, O meu peito é o jardim, Viver sem ti, é morrer. O meu coração, recreio.

136 137 Ausente de ti não posso Distante de ver teu rosto Ter gosto, nem alegria; Só me nutro de pesar, Ando triste como a noite No regaço da saudade Sem a tua companhia. Vivo triste a suspirar.

138 139 Ausente de ti não vivo, Do vermelho encarnado Só tristeza me rodeia; Hei-de fazer um vestido; Minha vida é uma casa A mim ninguém me morreu, Às escuras sem candeia. guardo o luto a quem está vivo.

140 141 Do vermelho encarnado Não olheis para os meus olhos Mandei fazer um vestido; Meiguinhos, cheios de idade, A mim ninguém me morreu, É que podem aprender Guardo só por quem está vivo. A doença da saudade.

142 143 Eu bem te escondo, saudade, Nunca mais chego a ser Mas tu surges indiscreta, Nem o caldo da galinha, Com a luz, com a verdade, São saudades do meu amor Como o aroma da violeta. Que me têm posto na espinha.

144 145 Eu canto para espalhar, Ó águia, que vais voando Não é nenhuma loucura; Por esse mundo além, Vou cantando e vou pedindo, Leva-me ao céu, onde eu tenho Ao Senhor, muita ventura. A alma da minha mãe.

146 147 Eu hei-de mandar fazer, O dia que me deixares, Mas não sei se mo farão, Meu amor, por caridade, Um comboio de saudades, Leva no teu coração No teu peito uma estação. Um ramo de saudades.

148 149 Eu só queria agora estar O dizer adeus é triste, Onde está meu pensamento; Quem diz adeus, sempre chora; Desta terra para fora Não sei se te diga adeus, E de Dem para dentro. Se triste me vá embora.

150 151 Joaquim, rei dos amantes, Ó penas, não venhais juntas, António, rei dos rapazes; Vinde mais poucas a poucas; Quando de ti estou ausente, Vinde mais devagarinho, Sou um mar de saudades. Dai passagem umas às outras.

152 153 Manda-me daí dizer Os gomos da vinha choram O preço que o roxo tem, Lágrimas de cinco a duas: Que me quero vestir dele Também os meus olhos choram, Com saudades do meu bem. Amor, com saudades tuas.

154 155 Na minha cama sentada O vento vai espalhando Uma carta tua li; Folha a folha pelo chão; Beijando letra por letra, Só não espalha a saudade Chorando, adormeci. Que invade o meu coração.

156 157 Quem me dera agora estar Saudades quem as tiver Onde está meu coração, Perca-as logo ao nascer; Na freguesia de Dem, É a maior enfermidade Onde meus suspiros vão. Que no mundo pode haver.

158 159 Quem me dera agora estar Saudades são lágrimas Onde está meu pensamento... Que eu choro todos os dias, Freguesia de Dem para fora Recordando os tempos belos E Lisboa para dentro. Que junto de mim vivias.

160 161 Quem me dera agora ver Saudades, tanta saudade Quem me tanto lembrou... Que não te posso esquecer O meu lindo amorzinho Das tuas queridas letras Que tão longe dele estou. Que me trazem a sofrer.

162 163 Queria dar a despedida, Saudades tenho do tempo Queria-a dar e não posso; Que já por mim tem passado, Tenho i meu coração preso Saudades por ter perdido Com um fio d'ouro ao vosso. O meu bem idolatrado.

164 165 Saudade é folha caída, Saudades tuas são tantas Dessas que o vento murchou; Como areia tem o mar; Saudade, esperança perdida, Não têm conta, não têm fim, Do tempo que me roubou. Não se podem considerar.

166 167 Saudade, florinha triste, Se algum dia ouvires dizer Na campa de uma ilusão; Que eu nesta terra morri, Saudade, para que te abiste Foram grandes saudades Dentro do meu coração? De estar longe de ti.

168 169 Saudade, palavra triste, Se algum dia te disserem Não sei como a aprendi; Que se saudades morri... É oração que rezo Não te rias, meu amor, Quando estou longe de ti. Foi de saudades de ti.

170 171 Saudades, contas escuras, Se fores ao meu jardim, São todas Avé-Marias Dá lembranças ao meu bem. Do Rosário de amarguras Eu sempre tive saudades Que eu rezo todos os dias. De quem por mim não as tem.

172 173 Se vires cair, apanha Tenho tantas saudades Folhas verdes na varanda; Que as não posso contar; Apanha que são saudades Tantas como as estrelas Que o meu coração te manda. E areias há no mar.

CANTIGAS AO DESAFIO

As cantigas ao desafio eram vulgares em romarias, feiras, desfolhadas, serões, etc. Infelizmente, tudo tende a acabar. Este punhado de quadras recolhidas e que se apresenta aos leitores, embora desconexas ( ou fora do contexto ), são suficientes para que todo aquele que nunca as ouviu, faça uma ideia do seu conteúdo. Algumas mostram bem o ponto culminante da agressividade, atingindo, por vezes, a grosseria.

174 Desafio, desafio, Desafio duma cancela; A culpa tive-a eu Desafiar essa cadela.

Embora o desafio começasse, espontaneamente, entre dois amigos, sem o objectivo de se ofenderem, geralmente acabava mal, ficando alguém de «nariz torcido »...

175 176 Agora para terminar, Algum tempo p'ra te ver, Agora vos vou dizer, Abria sete janelas; Agarrai no rabo ao burro, Agora p'ra não te ver, Ide-o levar a beber. Não abro nenhuma delas.

177 178 Agora pergunto eu Algum tempo p'ra te ver, Já que vós não perguntais: Abria sete quintais; A minha saúde é boa, Agora p'ra não te ver, Vós da vossa, como estais? Fecho trinta ou ainda mais.

179 180 Agora respondo eu A mulher para ser boa, À flor que aqui cantou; Tem que ter pernas de pau, Estava para me ir embora, A barriga de manteiga, Mas agora já não vou. As mamas de bacalhau.

181 182 *Algum dia era eu A mulher para ser jeitosa, Em teu prato melhor sopa; Tem que ter a perna baixa, Agora sou um veneno A barriga redondinha, A ressalgar a tua boca. Para levar com o pau na caixa.

183 184 Algum dia, meu amor A mulher, para ser mulher, Meu regalo era ver-te; Deve ter oito amores; Agora tanto me rende Dois casados, dois solteiros, Ganhar-te como perder-te. Dois padres e dois doutores.

185 186 *Algum dia para te ver, Andam quatro raparigas Dava saltinhos na rua; P'ra roubar o meu rapaz; Agora dou dinheiro Eu ainda dava uma prenda Para não ver a sombra tua. Àquela que for capaz.

187 188 Algum dia por te ver As cantigas são patetas, Dava voltinhas no ar; Falinhas leva-as o vento; Agora já dou dinheiro Quem se fia em cantigas Para não te encontrar. Tem falta de entendimento.

189 190 Algum dia por te ver Ausentaste-te de mim, Saltava sete quintais; Cuidavas que eu chorava; Agora p'ra não te ver, Nunca chorei por amores Ainda salto outros mais. E de ti nada gostava.

191 192 Cuidas que és mais do que eu Dizes que gostas de mim, Por andares mais asseada; O teu gosto é só engano; Vai levar a roupa ao dono Tu cortas da minha vida Que a trazes emprestada. Como a tesoura no pano.

193 194 Deixa-me ir dormir contigo Dizes que te vais casar, Uma noite só, não é nada; Vou-te dar os parabéns. Eu entro pelo escuro Quero ver se agora perdes E saio de madrugada. Essa vaidade que tens.

195 196 De Lisboa me mandaram * Dizes que te vais embora Uma prenda num canudo; Já te podias ter ido; Uma velha descascada, Para te falar a verdade Um velho com casca e tudo. Já me tens aborrecido.

197 198 *De Lisboa me mandaram Diz-me lá o que quiseres; Um pratinho com bom molho; A mim nada me atrapalha; As costelas duma pulga, Desde sempre ouvi dizer O coração de um piolho. Que todo o burro quer palha.

199 200 Desafio, desafio, É preciso ter ideia Desafio da foucinha; Para cantar como tu cantas; A culpa tive-a eu Vais levar uma tareia Desafiar essa morrinha. Que nunca mais te levantas.

201 202 *Desafio, desafio, Erga-me o chapéu para cima, Desafio da navalha; Não mo traga à maromba. A culpa tive-a eu Que eu, por ser pequeqnina, Desafiar essa canalha. Você a mim não me zomba.

203 204 Desafio, desafio, És cantador afamado, Desafio duma cancela; Mesmo a cara to diz; A culpa tive-a eu Foste cantar ao inferno, Desafiar essa cadela. Nem o diabo te quis.

205 206 Deus nos livre da beata Essa é boa! Que lhe importa? De contas sempre na mão; Vá-se embora, por favor; Que tem na boca doçuras Meu pai não tarda aí, E só fel no coração. Eu não conheço o senhor.

207 208 Esta noite chove, chove Estes mocinhos de agora Uma chuva miudinha; Cuidam que são e não são; Se chover na tua cama Têm uma fala na boca Anda deitar-te à minha. Têm outra no coração.

209 210 Esta noite sonhei eu, Eu cantei esta cantiga Na outra sonhado tinha; Não foi para desafiar; Que estava na tua cama Foi para te responder Acordei, estava sozinha. Não foi para te maltratar.

211 212 Esta noite tive um sonho Eu hei-de cantar e rir, A outra sonhado tinha; Eu hei-de rir e cantar; Que estava na tua cama, A mim ninguém me morreu, Acordei, estava na minha. Não tenho por quem chorar.

213 214 Esta noite tive um sonho Eu já fui à tua casa Que te tinha dado beijos; Eu já vi o teu asseio; Acordei, estava sozinha Debaixo da tua cama Pus-me a matar percevejos. Tinhas o penico cheio.

215 216 Estas frases haviam de ir Eu não canto por cantar, Todas escritas a encarnado; Nem por ser a cantadeira; Mas não quero fazer isso, Eu só canto para arreliar Mando-te à m... declarado. Quem trago à minha beira.

217 218 Estas meninas de agora Eu não canto por cantar São algumas, não são todas; Nem por ser a cantorista; Usam sete pares de meias Eu só canto para arreliar Para fazerem as pernas gordas. O galo da maior crista.

219 220 Estas mocinhas d'agora Eu queria-me casar Todas é que têm que têm; Mas tenho medo à fome; Por fora tudo é renda Agora anda na moda Por dentro nem camisa têm. Da mulher manter o homem.

221 222 *Estes mocinhos d'agora Eu queria-te encontrar São franguinhos de vintém; Numa quelha sem saída; Prometem dez réis às almas; Que te queria perguntar A ver se a barba lhes vem. Que te importa a minha vida.

223 224 Há algum tempo p'ra te ver No dia do casamento Calcava as pedras da rua; No dia que eu me casar; Agora dava dinheiro Terei de dar muitos gestos P'ra não ver a sombra tua. Até a cama quebrar.

225 226 Há muito tempo que eu ando Ó alecrim de Castela, Meu amor para te deixar; Alfazema da Galiza Deixaste-me tu primeiro, Diga lá, ó menina, Botaste-te a adivinhar. Se quem ama, paga sisa.

227 228 Já dormi na tua cama Ó cantor afamado, Já Já o teu rosto beijei; Mesmo a cara to diz; Já gozei os teus carinhos Foste cantar ao inferno, E mais coisas que eu cá sei. Nem o diabo te quis.

229 230 *Já dormi na tua cama O carvalho da ribeira, Já tua boca beijei; A maqis outro caralhaz, Já logrei os teus carinhos Andaram a noite toda Agora descansarei. Para fazer um rapaz.

231 232 Levanta-me o chapéu p'ra cima, Ó Maria, que te eu disse? Não o tragas para o lado, Foi na apanha da azeitona, Que eu quero ver a meu gosto Tu por baixo e eu por cima, Se és solteiro ou casado. Foi a maior pouca vergonha.

233 234 Murmurai, murmuraderiras Ó menina, vem comigo Fartai-vos de murmurar. Para o meio daquela devesa; Quanto mais de mim falais Cinco minutos de alegria, Mais eu vos faço falar. Nove meses de tristeza.

235 236 No alto daquela serra Ó, menino, vai à m... Está um sobreiro na lama; Não o digas a ninguém Ainda ontem me disseram Para que ninguém saiba Que tu mijaste na cama. O gosto que a m... tem.

237 238 No bem-me-quer desfolhado O meu amor me deixou A minha sorte pedia; Por eu ter a fralda rota; Que por ti não era amada Anda cá filho da... Foi a sentença que lia. Ainda tenho uma de estopa.

239 240 Ó que pinheiro tão alto! Toda a moça que namora Com uma galha p'ra Galiza; Tem sempre que se lhe diga; É um regalo dormir, Ou porque se deixa apalpar, Com uma mulher sem camisa. Ou porque lhe cresce a barriga.

241 242 Os moços fazem promessas *Tudo quer casar, casar, Iludindo as raparigas; Todo o burro é casado; É por isso que sempre crescem, O manter mulher e filhos Dia p'ra dia as barrigas. É que torce a porca o rabo.

243 244 Ouve lá, ó cantador, Tu pensas que és mais do que eu Não sei como tu tanto falas; Lá dentro do teu quartel; Vou-te dar uma chupeta Se as pulgas fossem abelhas, Para ver se tu te calas. Colhias pipas de mel.

245 246 Ó vida da minha vida, Uma velha, muito velha, Õ vida de repiu piu; Mais velha que a minha avó, Já mandei o meu amor Tem calos na barriga Para a ...... De bater o pão de ló.

247 248 Õ vida da minha vida Vem aí a moda nova Ó vida do trimarães; Que mandou o regedor; Eu já vi um homem prenho É juntar os homens todos Parir vinte e cinco cães. E chamar o capador.

249 250 Por casar bem me eu casava Vives tão longe de mim O pior é depois; Que não me podes ouvir; Tenho medo que ponham Quando será o dia Cornos como os dos bois. De dar beijos a dormir?

251 252 Rapariga dá-te ao mundo, Vou fazer este pedido Não queiras morrer donzela, Reconheço as minhas faltas; Não queiras levar a honra Domingo, ao sair da missa, Lá para debaixo da terra. No adro te caiam as calças.

253 254 Se te perdes na má vida *Vou rogar-te uma praga Jamais te vou procurar; Deus queira que te ela caia. Embora a mulher perdida Domingo se fores à missa Não custe a encontrar. No adro te caia a saia.

QUADRAS DE QUEIXUME

Nas quadras que se seguem, cada uma delas representa uma queixa. O povo serve-se da poesia para se queixar da sua desventura. Muitas vezes, é ela que acusa o rapaz, outras, é ele que acusa a rapariga. A desilusão no amor é bem patente em quase todas.

255 Eu queria dar um ai Bem fundo no coração; Não para lembrar o amor, Mas a sua ingratidão.

256 267 A água do rio Lima A cantar ganhei dinheiro, Foge que desaparece; A dançar se me acabou; Quem dá falas a garotos Foi dinheiro tão mal ganho, Seu castigo merece. Água o deu, água o levou.

268 269 A água do rio Lima Acenaste-me com um lenço Foge que desaparece; Da sombrinha do loureiro, Quem eu quero, não me quer, Nunca julguei que o teu lenço Quem me quer, não o merece. Fosse meu alcoviteiro.

270 271 A azeitona miudinha Adeus que me vou embora, É tirada uma a uma; Adeus que embora me vou; Estes rapazes de agora Tu já estás aborrecido, Não têm vergonha nenhuma. Mas eu para já não estou.

272 273 Abaixo da Chão dez metros *Adeus que me vou embora, Ouvi falar a Raiz; Adeus que me embora vou; Não te gabes que me deixas, Vou embora porque eu quero, Que fui eu que te não quis. Que a mim ninguém me mandou

274 275 Abre-te, janela, abre, Adeus que me vou embora, Que te abres para bem; Daqui me vou retirar; Se te abres para penas, O cantor já fugiu Penas, meu coração tem. E só eu não posso cantar.

276 277 A cana verde do mar Adeus que me vou embora, Também tem a sua dor; Daqui me vou retirar; Eu também tenho a minha, Se fosses uma pombinha, Seja ela por quem for. Vir-me-ias a acompanhar.

278 279 A candeia que alumia Água clara da corrente, Tem mil cravos num borrão; Que vais tu a lamentar? Eu também tenho mil penas São lembranças da nascente Dentro do meu coração. Ou pressa de ir ter ao mar.

280 281 *A cantar ganhei dinheiro, Ah! Como sou infeliz A cantar se me acabou; Amar e não ser amado, O dinheiro mal ganhado Ser pelo anjo que adoro Água o deu, água o levou. Pouco a pouco desprezad. 282 283 Ai de mim que já não posso Algum dia era eu Com tantas penas amar-te; No teu prato a melhor sopa, Vejo tantas a querer-te, Agora já te aborrecem Eu resolvo-me a deixar-te. As falas da minha boca.

284 285 A igreja de Venade Algum tempo era eu Feita de pedra morena, Raminho de andar na mão, Dentro dela vai à missa Agora sou vassourinha Quem a mim me causa pena. De andar a varrer o chão.

286 287 Ainda hoje não comi Amar a quem me não ama, Senão lágrimas com pão; Não há fado mais tirano; São estes os bons almoços Conhecer o próprio erro, Que os meus amores me dão. Viver no mesmo engano.

288 289 Ai solidão, ai dão, ai dão, Amar, morrer, padecer, Cá p'ra mim, quer sim, quer não, Não pode ser tudo junto; Vem a morte, leva a gente, Quem morre, termina a vida, Quem não há-de ter paixão. Quem ama, padece muito.

290 291 A laranja de madura Amo e não sou amada, Caiu ao tanque de neve; Quero e não sou querida; O ladrão do meu amor Falo, e ninguém me responde, Sabe ler e não me escreve. Decerto não sou ouvida.

292 293 *Alegria dos meus olhos Amor, dizes que me amas, Eu não sei quem ma levou; Mas eu desconfio bem; Quando eu era tão alegre Não creio que de mim gostes, E agora tão triste sou. Porque amas mais alguém.

294 285 Alegria de uma quinta Amor, toma lá pinhões, É um ramo a acenar; Que eu venho agora da feira! A tristeza de uma mãe Para casar e sustentar-te É um filho militar. Mais me vale estar solteira.

286 287 Algum dia era eu, Amor, toma lá pinhões, Algum tempo eras tu; Que eu venho de Santarém! Agora nem tu, nem eu. Casar e ganhar para ti Agora nem eu, nem tu. Isso calhava-te bem. 288 289 Andei à roda do mar *Apartai-o, apartai-o, Com uma vela branca acesa; O cachinho da videira; Em todo o mar achei fundo, A mim também me apartaram Só em ti pouca firmeza. Meu amor da minha beira.

290 291 Ando triste como a noite, *As ondas do mar são brancas, Nada do mundo me alegra; No meio são amarelas; Como hei-de andar contente? Coitadinho de quem nasce Foi o meu amor para a guerra. Para ir morrer no meio delas.

292 293 *Anel de sete pedrinhas Chamaste ao meu cabelo Sai para fora do meu dedo; Dobadoira de dobar, Tu foste o causador Eu hei-de chamar ao teu De eu tomar amor tão cedo. Sarilho de ensarilhar.

294 295 Antes de te conhecer, Chamaste ao meu cabelo Nada de ti se me dava; Laços de ouro de engatar, Sem pensamentos dormia, Eu também chamo ao teu Sem cuidados acordava. Espelho de encantar.

296 297 Antigamente era eu Chamaste ao meu cabelo Raminho da tua mão; O ninho dos passarinhos, Agora sou vassourinha Eu chamo à tua boca De andar a varrer o chão. O cofre dos meus beijinhos.

298 299 *Antoninho pede, pede, Chamaste ao meu pai, pobre, Eu não tenho que te dar; Ao teu, rico afortunado; Dar-te-ei um cachinho de uvas, Mais vale o pobre alegre Se o meu pai as vindimar. Que o rico apaixonado.

300 301 Ao tempo que aqui não passo! Chamaste ao meu pai, sogro, Já o caminho tem ervilhas; À minha irmã, cunhada; Olha a falta que faziam Não lhes chames muitas vezes As tuas falas às minhas. Senão correm-te à paulada.

302 303 *Apartai, apartai Chamaste-me bexigoso, O vinho tinto, do branco, Não me interessa - são sinais. A mim também me apartam Nunca vi céu sem estrelas, De quem eu queria tanto. Nem altar sem castiçais. 304 305 *Chamaste-me cachorrinho, Chamaste-me pobrezinha, Eu não mordi a ninguém; Eu bem sei que pobre sou; E se ladro à tua porta Se chegar a ir pedir, É porque te quero bem. À tua casa não vou.

306 307 Chamaste-me cerejinha *Chamaste-me pouca roupa, Diante de tanta gente; Tu tens muita em teu proveito; Agora fica-me o nome, Também não tenho trabalho Cerejinha para sempre. À noite, quando me deito.

308 309 Chamaste-me feiticeira *Chamaste-me preta, preta, Da cor da raiz de um cravo; Eu isso bem o sei; Oxalá que eu o fosse, Também a azeitona preta Que te trazia tentado. Vai comer à mesa do rei.

310 311 Chamaste-me moreninha *Chamaste-me trigueirinha, Da cor do alvarelhão; Eu não me escandalizei; Sou moreninha do rosto, Trigueirinha é a pimenta Alvinha do coração. E vai à mesa do rei.

312 313 *Chamaste-me moreninha, Chamaste-me variada, Isto é do pó da eira; Mas eu nunca variei. Hás-de ver-me ao domingo Variaram os meus olhos, Como a rosa na roseira. Quando para os teus olhei.

314 315 Chamaste-me olhos de gato, Cheguei ao alto maior, Mimosas faces os tem; Onde quer que vós chegais, Eu não fui roubar olhos A riqueza vale muito, Aos gatinhos de ninguém. Mas a honra muito mais.

316 317 *Chamaste-me picadinha, Cheira-me aqui a tabaco, Sem eu ter as picadelas; Quem será o fumador? Também o céu tem estrelinhas, Palpita o meu coração Não é bonito sem elas. Que será o meu amor.

318 319 Chamaste-me pobrezinha, Deita-me daí a baixo A pobreza Deus amou; Um cravo branco à rua; Quem é rico come e bebe Adeus que me vou embora, Quem é pobre também passou. Sem uma lembrança tua.

320 321 Deitei um cravo de molho, Disseste-me que eu era pobre, No fundo ganhou raiz; Deus me dê divina graça; Não te gabes que me deixas Quem é rico come e bebe, Que fui eu quem te não quis. Quem é pobre também passa.

322 323 De manhã me levantei, Disseste-me que me não querias, Fui à ribeira à água; Meu barbas de peneireiro; Sobre a água derramei Eu também já não te quero, Lágrimas de tanta mágoa. Nem por grande dinheiro.

324 325 Depois de me ver no chão Disseste que me não querias, Eu fiquei preocupada; Eu também te não mereço; Desde esse dia em diante Eu bem sei que tu gastas Fui sempre uma desgraçada. Pano de mais alto preço.

326 327 Desde o dia que te vi, Dou-me bem com toda a gente, Que vi esses olhos teus Só não gosto é de ver: Que fugiam para mim Quem é só tanto como eu E se trocaram pelos meus. E menos de mim fazer.

328 329 Desde toda a minha vida Estas velhas solteironas Sempre fui envergonhada; Não há quem as faça crer Agora em certas línguas Que, se vão para Santo Hilário, Passo a ser desgraçada. Muito vão ter que sofrer.

330 331 Desgraçado bem-me-quer, Esta vida é de tormento, Onde tu foste nascer, Passo a vida a lamentar; Onde não haja bondade Não me sais do pensamento Não pode haver bem querer. Nem mesmo a trabalhar.

332 333 Desgraçado do loureiro *Estes mocinhos d'agora Que nasce ao pé do caminho; São poucos, mas são valentes; Todos passam e todos tiram Podem com a pia dos porcos Do loureiro um raminho. Atravessada nos dentes.

334 335 Deste-me um ramo de vida, Estes mocinhos de agora Fizeste de mim diabo; O que sabem é fumar; Deixa vir a Primavera Vão para o pé das raparigas, Que o ramo há-de ser pago. Não as sabem namorar.

336 337 *Estes rapazes d'agora, Eu cortei o pinheirinho, Estes que d'agora são, Eu cortei-o, está cortado; Trazem relógio no pulso, Eu deixei o meu amor, Não sabem que horas são. Eu deixei-o, está deixado.

338 339 Estou aqui à tua beira, Eu culpada, tu culpado, Como o ouro na balança; Venha a culpa para a mesa; Sem te lograr, meu amor, Eu culpada por ser firme, Meu coração não descansa. Tu pela pouca firmeza.

340 341 Estou triste por te ver triste, Eu daqui estou e vejo Choro por te ver chorar; A casa do meu amor; Ando triste neste mundo Mas não o vejo a ele, Por triste te ver andar. Louvado seja o Senhor!

342 343 Eu amei-te, foi verdade, Eu deitei ao mar corrente Deixei-te, tive razão, Uma rizena perdida. Porque vi que tu querias Uma fama sem proveito Falsear meu coração. Nunca é restituída.

344 345 Eu andei no cemitério Eu deitei-me a dormir Ao coveiro perguntando Ao pé de água corrente; Se tem sítio reservado A água me respondeu: Para quem morreu amando. Vai-te embora, ó demente.

346 347 Eu bem sei, há muito tempo, Eu deixei o meu amor, Que estás zangado comigo; Não foi por coisa alguma; Hei-de te partir as pernas, Foi por ele ser canalha, Quando passares no Cerquido. Querer amar a mais do que uma.

348 349 Eu bem sei que te disseram Eu de onde estou bem vejo Para não falares comigo: Olhos que me estais matando; Meu amor, faz a vontade Matai-me devagarinho, A quem te fez o pedido. Que eu quero morrer, chorando.

350 351 Eu corri o mar à roda Eu disse-te adeus a rir, Com uma vela branca acesa; Meu amor, para não chorar; Todo o mar achei firme, Depois de costas viradas Só em ti pouca firmeza. Fartei-me de suspirar.

352 353 Eu donde estou bem vejo Eu hei-de morrer cantando, Dois moinhos a moer; Já que a chorar nasci, Um anda, outro desanda, Que as paixões deste mundo Assim faz o bem querer. Não são todas para mim.

354 355 Eu era forte e valente, Eu ia por aqui abaixo Levadinho do diabo; A fiar na minha roca Agora já não posso Veio um passarinho pinto Com uma gata pelo rabo. E c... na massaroca.

356 357 Eu escrevia-te uma carta, Eu já vi a morte negra Se tu soubesses ler; A comer uma cacho de uvas, Para a dar a ler a outro, Vai-te embora, morte negra, Dava segredos a saber. Desamparo das viúvas.

358 359 Eu fiquei toda molhada *Eu jurei sobre uma cruz E parti a cantarinha Nunca mais para ti olhar; E com outros prejuízos Cumpri o meu juramento Ó que desgraça a minha! Porque ceguei a chorar.

360 361 Eu fui amada e querida *Eu mandei dizer ao sol Da raiz do coração; Que não tornasse a nascer; Agora já não o sou, À vista desses teus olhos Não sei porquê, nem porque não. Que vem o sol cá fazer?

362 363 Eu fui ao mar buscar lume, Eu menti e tu mentiste, Queimei-me numa faísca; Fomos os dois mentirosos; Namorei-me dos teus olhos Perdemos o nosso amor Logo na primeira vista. Por sermos tão caprichosos.

364 365 *Eu hei-de amar uma pedra, Eu não canto por cantar Deixar o teu coração; Nem por cantar o digo; Uma pedra não me deixa, Só canto para aliviar Tu deixas-me sem razão. Penas que trago comigo.

366 367 Eu hei-de ir àquele mar, Eu não consigo prender Chorando lhe hei-de pedir Ao menos o teu perfume; Que abrande as suas alturas Nada ficou dos momentos Para o meu amor cá vir. Que em nós se acendeu o lume.

368 369 Eu não posso compreender Eu pedi a morte a Deus, A água do rio Lima; Agora já estou doente; Dizem que vai p'ra baixo, Se morrer pouco me importa, Eu digo que vai p'ra cima. Eu não posso durar sempre.

370 371 Eu não quero o teu dinheiro Eu pedi a morte a Deus, Que tu me estás a dar; Ele disse que ma não dava; Antes quero a minha honra, Que pedisse salvação, Não me quero já matar. Que a morte certa estava.

372 373 Eu não sei que mal te fiz, *Eu perdi o meu lencinho Eu não sei que mal te faço; No terreiro a dançar Foges logo da janela, Minha mãe não me dá outro, Quando eu pela rua passo. Em cabelo hei-de andar.

374 375 *Eu não sei que tem o sol Eu quando nasci, chorei, Que não dá na minha rua; Que eu disse estou lembrada; Hei-de vestir-me de luto Da minha mãe me dizer: Que de branco anda a lua. Chora, filha desgraçada.

376 377 Eu não sou como o meu bem, Eu quando saí de casa, Nem o meu bem como a mim; Minha mãe me recomendou: O meu bem fala para todos, Que não falasse p'rós moços, Eu não posso ser assim. Eu nessa fita não vou.

378 379 Eu não sou quem tu procuras, Eu quando saio de casa, Tu não és quem eu desejo; Minha mãe me recomenda Mas para quê tantas loucuras, Que não me fie nos homens, Se tudo acaba num beijo? Que eles são fraca fazenda.

380 381 Eu nunca te dei motivo Eu queria cantar alto, Para de mim duvidares; Eu queria mas não posso; Meu amor, sou sempre firme, Tenho o meu coração preso Escusas de te queixares. Com fio d'ouro ao vosso.

382 383 Eu passei o mar a nado Eu queria dar um ai Com uma vela branca acesa; Bem fundo no coração; Em todo o mar achei fundo, Não para lembrar o amor, Só em ti pouca firmeza. Mas a sua ingratidão.

384 385 Eu quero bem ao meu bem, Fiz uma cova na areia O meu bem me quer a mim, Para enterrar minha mágoa; O meu bem quer bem a todos, Passou o mar todo por ela, Eu não posso ser assim. Não meou a cova de água.

386 387 Eu quero tanto bem Foste ao correr da água, E não hás-de querer; Meu amor, fizeste bem; Cabe na flor do tojo, Tu perdeste a amizade, Mas não a há-de encher. Eu vou perdê-la também.

388 389 Eu quero-te tanto bem Foste dizer ao meu pai Como folhas tem o vime; Que já me tinhas na mão; Tu dizes que te sou falsa, Vai-te embora, mentiroso, Cada vez te sou mais firme. Não te quero, rapaz, não.

390 391 Eu que sou, que fui sempre Foste dizer mal de mim Airoso, alegre e bonito, A quem me veio dizer; Doi-me ver retratado Ainda Deus te ponha a língua Mais horrendo que um cabrito. Como a tinta de escrever.

392 393 Eu sei ler e sei escrever, *Foste dizer mal de mim Contar e diminuir; A quem tudo me contou: Simpatia dos teus olhos Eu sempre gostei a gosto É que eu não sei dividir. De quem me desenganou.

394 395 Eu só em ti é que vejo *Foste dizer mal de mim Meu prazer, minha alegria; Já longe da minha terra; Vivo triste quando estou Ficaste por fragalheira, Sem a tua companhia. Eu fiquei sendo quem era.

396 397 Eu vesti-me e asseei-me, Foste dizer mal de mim, Não sei se asseada venho; Mal de mim ao meu amor; Venho-me ver aos teus olhos, Foi o mesmo que deitar Já que outro espelho não tenho. Água ao pé da flor.

398 399 *Fechei a porta à desgraça, Foste falar a meu pai Entrou-me pela janela. Que eu andava a namorar. Quem nasce para a má sorte O meu pai te respondeu Não pode fugir a ela. Que a inveja faz falar.

400 401 Fui à figueira aos figos, Igreja da minha terra Corri-a toda aos ramos. Feita de pedra morena, Fui ao Céu buscar amores, Dentro dela ouvem missa Que os da terra são enganos. Dois olhos que me dão pena.

402 403 Fui afogar saudades Igreja de Santo Anginha Ao poço das cabras vivas; Feita de pedra morena, Eu não posso suportar Dentro dela vai à missa Saudades tão altivas. Quem me a mim causa pena.

404 405 Fui à fonte beber água, Indo pela rua abaixo Bebi-a cheia de terra; Toda a folha me põe medo; Estava o meu amor em frente, Bem podia o meu amor Atirou-me com uma pedra. Tirar-me deste degredo.

406 407 *Fui ao Céu por uma linha, *Indo por aqui abaixo Desci por um cacho de uvas; Eu por aqui abaixo vou; Ninguém se acredite nos homens A mim ninguém me conhece, Que são falsos como Judas. Ninguém sabe quem eu sou.

408 409 Fui ao Céu por uma linha, Infeliz de quem viver Duma nuvem fiz encosto; Sem um amor conhecer; Dei um beijo numa estrela Pode dizer sem mentir Pensando que era teu rosto. Que existiu sem viver.

410 411 Hei-de cantar, hei-de rir, Ingrata, foste a causa Hei-de ser muito alegre; Do mundo falar de mim; Hei-de mandar a tristeza Também hei-de ser a causa Para o diabo que a leve. Do teu corpo ter mau fim.

412 413 Hei-de enfiar uma agulha Já aí vem o Manuel Com uma linha comprida; Muito cheio de paixão, Para coser as más línguas Por não desatar o nó cego Que falam da minha vida. Que trazia no calção.

414 415 Hei-de enfiar uma agulha Juntei-me ao pinheiro verde Numa linha bem comprida, Para ver se me consolava; Para coser as más línguas E, como o pinheiro é verde, Que têm com a minha vida. Ao ver-me chorar, chorava.

416 417 Manjericão miudinho Meu coração é mudo, Em cima do chafariz; Nem fala, nem aparece; Não digas que me não queres, Se o meu coração falasse, Que fui eu que te não quis. Diria por quem padece.

418 419 Meu amor, eu já não posso *Meu coração é o relógio, Suportar esta paixão Meu peito dá badaladas; Que trago enraizada Nos dias que te não vejo Dentro do meu coração. Trago as horas contadas.

420 421 Meu amor, já foste meu, Meu Deus, para que me legaste Ainda hás-de tornar a ser; Tão cruel, triste destino? Tanto dá a água na pedra Porque em vez de homem dócil, Que a faz abrandecer. Me fadaste homem ferino.

422 423 Meu amor na despedida Meu Senhor S. Gonçalo, Nem uma fala me deu; Casamenteiro das velhas; Deitou os olhos ao chão, Por que não casais as novas, Ficou a chorar a mais eu. Que mal vos fizeram elas?

424 425 Meu amor, não tenhas pena, Minha casa é no monte, Nem te ponhas a chorar; Meus vizinhos são penedos; As penas são para as aves Eu não tenho quem me acorde, Que passam o tempo a cantar. Pois aqui só há morcegos.

426 427 Meu amor, por me deixares, Minha maçã vermelhinha Não deixei de ser quem era. Tirada do arcipreste; Por morrer uma andorinha, Quem te amou tantos anos, Não acaba a Primavera. Alguma coisa merece.

428 429 Meu caixão, quando morrer, Minha mãe, onde está a Maria? Há-de ser só de flores; Maria foi passear. De sofrimento e saudades Os passeios de Maria Que tive dos meus amores. Só fazem a mãe chorar.

430 431 Meu coração bate, bate, *Minha mãe por me casar Bate dentro do meu peito; Prometeu-me quanto tinha, É como o balão no ar, Desde que me viu casada Só cai depois de desfeito. Deu-me um quarto de farinha.

432 433 Minha sogra, quando morreu, Não faças, pois, desgraças, Levou o diabo com ela; Que eu te juro, amor eterno; Deixou-me a chave da adega, A minha vida sem ti Mas o vinho bebeu-o ela. É um perfeito inferno.

434 435 Moram estrelas no céu, Não meças pela fieira Moram peixinhos no mar, Das ingratas, meu amor; Só tu não queres, amor, Se há mulheres inconstantes, No meu coração morar. Eu tenho diferente cor.

436 437 Muito custa a quem não pode Não me falas muito meigo, Subir mais este bocado; Experimenta o meu coração; Muito mais custa a quem sabe Se me chegas a vencer, Converter o namorado. É só num laço de união.

438 439 Muito sofre quem ama, Não me namoro dos anéis, Muito mais quem namora; Nem do relógio que trazes; Triste de quem não vê Namoro-me dos teus olhos, Seu amor a toda hora. É luxo das rapazes.

440 441 Na fonte lavei as faces Não olhes para mim, não olhes, Na noite de S. João; Que eu não sou o teu amor; Assim a água me levasse Eu não como a figueira As mágoas do coração. Que dá fruto sem flor.

442 443 *Namorei-me, namorei-me, Não olhes p´ra mim, não olhes, Não me soube namorar; Já tenho namorado; Namorei-me dum rapaz Minha mãe não me criou Que me não soube estimar. Para quem já é casado.

444 445 Não chores por me deixares, Não penses que o namorar Que o jardim mais rosas tem; É comer papas com bolo; Chora por não encontrares É puxar pela memória Quem te queira tanto bem. E dar cabo do miolo.

446 447 Não digas que a tua ausência Não posso, amor, não posso, É uma separação, Não posso ainda que queira; Pois andarás toda a vida Não posso tirar a rosa, Dentro do meu coração. Sem pôr a mão na roseira.

448 449 Não posso, amor, não posso, *Ó estrelinha do norte, Não posso ainda que queira; Espera por mim que eu já vou, Ter meu coração contente, Espera por mim, estrelinha, Sem estar à tua beira. Já que o amor não esperou.

450 451 Não te posso esquecer, O farpão é miulinho, Nem de noite, nem de dia; Lavra por cima da terra; Quando olho e te vejo, Trocaste-me a mim por outra, Até choro de alegria. Amor firme como eu era.

452 453 Na vossa boca sou tudo, Ó ladrão do pinheiral, Até me chamais ladrão; Que te hei-de mandar cortar; Sendo vós quem me « roubastes » Fostes tu o causador A paz do meu coração. Do meu amor me deixar.

454 455 No bem querer desfolhado Olha para a folha da vinha, A minha sorte senti, Como ela balanceia; Que por ti não era amada, Olha para o meu amor, Foi a sentença que eu li. Como ele me falseia.

456 457 O amar é muito bom, Olhos lindos tem António Quando há correspondência; Com pintinhas ao redor, Mas amar sem ser amado Feliz de quem os gozar, Faz perder a paciência. Triste de mim se o não for.

458 459 O amor que me juraste O livro do meu destino Teve pouca duração; Abri-o e li um momento, Mas deixou mágoas eternas Pois só continha, ai de mim!... No meu pobre coração. A palavra sofrimento.

460 461 Ó Brasil do meu pecado, Ó luar da meia-noite, Ó Brasil enganador, Alumia cá para baixo; Levaste e não trouxeste Eu perdi o meu amor, O meu primeiro amor. Às escuras não o acho.

462 463 Ó estrelinha da manhã, O meu amor, coitadinho, Ainda não me sentiste; Chora de noite e de dia; Anda para o meu coração, Ele chora de tristeza, Visto que está tão triste. Eu canto de alegria.

464 465 O meu amor, coitadinho, O meu amor me deixou, Chora de noite na cama; Coitadinho, tenho pena; Chora que já foi amado, Foi amar uma branquinha, Agora ninguém o ama. Deixou-me por ser morena.

466 467 *O meu amor, coitadinho, O meu amor me deixou De repente adoeceu; Por eu ter a saia rota; Faltaram-lhe os meus carinhos. Anda cá, meu amorzinho, Não pôde viver, morreu. Que eu em casa tenho outra.

468 469 O meu amor diz que vinha, Ó meu amor, não embarques, Diz que vinha e não veio; Nem pé ponhas no navio; O prometer e faltar Olha que as ondas do mar Sempre fica muito feio. Não são como as do rio.

470 471 O meu amor é de açúcar, Ó meu amor, não me deixes, Em água fria derrete; Que ainda não te deixei; Não é capaz de cumprir Se a folha da erva vira, As palavras que promete. Eu ainda não virei.

472 473 O meu amor é um cão, Ó meu amor, não me deixes, Quando passa por mim, ladra; Que eu ainda não te deixei; Vai-te embora, cachorrinho, Sou filha do verso vira, Que daqui não levas nada. Eu ainda me não virei.

474 475 O meu amor é um cão, Ó meu amor, não me mates, Quando passa por mim, ladra; Deixa-me assim sofrer, Vai-te embora, seu cachorro, Eu quero ir acabar Que eu de ti não quero nada. Onde tu fores morrer.

476 477 O meu amor é um cão, Ó meu amor não me troques Só me namora ao ladrar; Por nenhuma rapariga, Vai-te embora, ó meu cão, Que eu a ti não te troco Eu para cães não sei falar. Nunca nos dias da vida.

478 479 O meu amor é um torto, O meu amor tem cachinhos, Das pernas canejado, Eu também os queria ter; Do nariz é um ranhoso, O meu amor diz que morre, Dos olhos um remelado. Eu também queria morrer.

480 481 O meu coração leal O relógio de Viana O teu falso obdece; Era de papel e molhou-se; O meu leal não te lembra, O amor que eu te tinha O teu falso não me esquece. Era pouco e acabou-se.

482 483 Ó meu pobre coração, O sol anda lá no céu Tão pequenino nasceste, Tão contente atrás da lua; No meio de tanta dor, Também trago a minha alma Não sei como não morreste! De castigo atrás da tua.

484 485 O meu relógio não marca O sol é que alegra o dia As horas da minha vida, Pela manhã ao nascer; Parece que está parado Meu coração anda triste, Desde a nossa despedida. Só se alegra em te ver.

486 487 Ó minha pombinha branca, Os olhos do meu amor Õ meu pombo rolador; São lindos como os do rei; Para que te foste gabar Quem os namora sou eu, Do que não foste senhor? Quem os logrará, não sei.

488 489 Ó morte, que levaste Os rapazes de hoje em dia A melhor prenda que eu tinha; São falsos como o melão; Levaste-me a companhia, Tem de se partir um cento Agora ando sozinha. Para se encontrar um são.

490 491 O motivo porque peno, Os rapazes do meu tempo Bem tu deves supor, São de um jeito especial; É lembrar-me que não posso A quem lhe der muito gozo Alcançar o teu amor. Servem de cães ao portal.

492 493 Ó pinheiro tão alto, O tempo que te amei Que te hei-de mandar cortar! Mais valia estar doente; Tu foste o causador Foi tempo tão mal empregue, Do meu amor me deixar. Dado de tão boa mente.

494 495 Ó relógio de Caminha, O tempo que t'eu amei Vou pedir-te um favor: Eras tu que me dizias; Que me dês as horas certas Eu andava a fazer pouco P'ra falar ao meu amor. E tu não o percebias.

496 497 O tempo que t'eu amei Ó Viana do Castelo, Foi um modo de chalaça; Bota bandeira de luto; Eu a ti nunca te quis, Foi-se embora meu amor, Nem gente da tua raça. Tenho pena e choro muito.

498 499 O tempo que t'eu amei, Ó vida da minha vida, Melhor amasse a um burro; Eu a ti digo-te assim; Andava a cavalo nele, Também há dinheiro falso, Nunca eu perdia tudo. Como tu foste para mim.

500 501 O teu amor era falso, Ó vida da minha vida, Bem cedo o vi acabar; Eu não tenho vida, não; Foi fumo de labareda Eu como hei-de ter vida, Que já se desfez no ar. Se ela está na tua mão?

502 503 O teu cabelo na testa Ó vida da minha vida, Forma uma letra inglesa; Jesus Cristo verdadeiro; Esses teus olhos, amor, Pensei que eras um cantador, Não são falsos, com certeza. Afinal és um toureiro.

504 505 O teu limão a rodar Ó vida da minha vida, À tua porta parou; Ó vida da vida minha; O diacho do limão. Quem me dera ir contigo Parece que adivinhou. Aonde vais, prenda minha.

506 507 O teu olhar tem encantos, Ó vida da minha vida, Como os encantos da fada; Por hoje não canto mais; O teu amor dá-me a vida, Já me dói o céu da boca, Sem teu amor, não sou nada. A mais os dentes queixais.

508 509 O trevo das quatro folhas, Ó vida da minha vida, Quem o achar tem fortuna; Quem me dera o que te eu dei; Eu já fui quem o achei Quem me dera os meus carinhos E não tenho nenhuma. Que nunca mais os encontrei.

510 511 Ó triste segunda-feira, Palavras que se improvisem Da semana que há-de vir; Não saem da minha voz; Vai-se embora meu amor, Os olhos nem sempre dizem Quem o há-de ver sair. Tudo que passa por nós.

512 513 Papagaio, pena verde, Porque choras, andorinha, Empresta-me o teu vestido; Eu também sou teu irmão; O teu vestido são penas, Tu trazes penas nas asas, Eu também em penas vivo. Eu trago-as no coração.

514 515 *Papagaio, pena verde, Pouco tempo de namoro, Não venhas ao meu jardim; Também pouco de casados, Todas as penas se acabam, Terminam no divórcio Só as minhas não têm fim. Casamentos apressados.

516 517 Para te ir ver namorar Procuro a , Até comprei uns tamancos; Em parte alguma a vejo; Meu amor, vi-te com outra, E já não penso, acredita Já tenho cabelos brancos. Que posso tê-la num beijo.

518 519 Parece incrível, parece, Prometeste e faltaste, Mas é verdade, infelizmente, Não és amor de palavra; Que a gente só se esquece Se eu prometesse e faltasse, De quem se esquece da gente. Por minhas mãos me matava.

520 521 Passarinhos que cantais *Pus-me a chorar saudades, No campo da liberdade; Ao pé da água corrente; Vós cantareis e eu chora A água me respondeu: O amor com tanta saudade. Amores não duram sempre.

522 523 Passo noites sem dormir, Pus-me a chorar saudades, É terrível meu tormento; Ao pé da água que corre; Nem de noite, nem de dia A água me respondeu: Tu me sais do pensamento. Quem tem amores não dorme.

524 525 Pelo céu vai uma nuvem Pus-me a chorar saudades, Por baixo de uma cruz de prata; Ao pé de uma fonte fria; O tomar amores não custa, Choravam mais os meus olhos O deixá-los é que mata. Que água da fonte corria.

526 527 Por Deus, não digas adeus, Pus-me a chorar saudades, Quando sais de manhã cedo; No monte ao pé da carqueja; Diz até logo, por Deus, Uma voz me respondeu: Que eu do adeus tenho medo. Não chores por quem te deixa.

528 529 Quando eu disse adeus porto, Quem me dera a mim morrer, Das varandas do navio; Depois de morta ter vida; As lágrimas eram tantas, Para ver quem te lograva, Sem chover, enchia o rio. Minha prenda tão querida!

530 530 Quando eu era pequena, Quem me dera a mim ser lágrima Ainda antes de nascer; Para nos teus olhos nascer; Ainda mal abria os olhos, Deslizar nas tuas faces, Já morria por te ver. Na tua boca morrer.

531 532 Quando eu era pequenina, Quem me dera dar um ai Pouco depois de nascer; Tão alto, como comprido, Ainda nada entendia, Que chegasse e não passasse Já morria por te ver. Onde eu tenho o meu sentido.

533 534 Quando eu julguei que tinha Sapatinho a ranger Um amor como ninguém, Anda debaixo do pé; Agora é que eu reconheço, Amar a quem me não ama Como eu, qualquer o tem. Bastante trabalho é.

535 536 *Quando o rouxinol padece, Se a amizade se pesasse Uma ave tão pequena.... Com uma balança na mão... Que fará o meu coração Da minha parte pendia, No meio de tanta pena! Até poisava no chão.

537 538 Quantos ais, quantos suspiros, Se a amizade se pesasse Que se dão pela calada; Na balança da razão, Só o meu pobre coração A balança do meu lado Tudo sofre e não diz nada! Chegaria até ao chão.

539 540 Quem adora, é impossível, Se a morte fosse interesseira, Quem espera, pode ter; Ai, meu Deus, o que seria! Vivendo numa saudade O rico comprava a vida, Tem pena até morrer. Só o pobre é que morria.

541 542 Quem diz que mata a saudade Se esperança já não tenho, Não quer dizer o que sente; Para que hei-de eu viver... Porque ela, na verdade, Para andar sempre penando, Dá cabo de muita gente. Mais vale a pena morrer.

543 544 Se eu com lágrimas pudesse Se os beijinhos espigassem Trazer-te para a minha beira... Como espiga o alecrim... Eu diria aos meus olhos A cara das raparigas Que chorassem a vida inteira. Era um formoso jardim.

545 546 Se me amas, tu tens guerra, Se os suspiros navegassem, Se me deixas, tenho eu dor; Dava duzentos à hora, Vai tu vivendo em guerra Para irem bater no peito E não me deixes, amor. De quem me lembrei agora.

547 548 Sem motivo me deixaste, Se soubesse de verdade Talvez só por eu ser pobre; Que te não tornava a ver... Quantas perfídias sem conta Mandava vir da botica Em ti minha alma descobre. Remédio para morrer.

549 550 Se na vida sei cantar, Sou feliz e infeliz, Sempre na vida chorei; Olha, amor, as minhas queixas; Se ninguém me viu chorar, Sou feliz se tu me amas, Sempre a cantar enganei. Infeliz se tu me deixas.

551 552 Senta-te aqui, António, Subi ao penedinho, Eu numa pedra, tu noutra; Bocas de cravo falai-me; Aqui choraremos ambos, Se tendes outros amores, Que a nossa ventura é pouca. Com tempo desenganai-me.

553 554 Se o cantar aliviasse Subi ao penedinho, Penas ao meu coração... Ouvi cantar e chorei Fartava-me de cantar Pela minha mocidade E as penas dobradas são. Que tão novinha a deixei.

555 556 Se o mar sagrado fosse adro, Suspirando, dando um ai, No meio tivesse igreja, Anda o amor pela rua; Não há coração que logre Suspira por quem quiseres, Quanto o peito deseja. Que eu sou doutro, não sou tua.

557 558 Se o meu amor me morresse, Suspirei ao pôr da mesa, Eu não sei o que faria; Suspirei ao levantar; Iria buscá-lo ao Céu Suspiro sempre por ti, Para a minha companhia. Ando sempre a suspirar.

559 560 Tem uma sorte medonha, Tristezas têm-nas aos montes, Coração que não se inflama; Tristezas tem-nas o Céu, Nunca vive de saudade, Tristezas têm-nas as fontes, Isto só porque não ama. Tristezas tenho-as eu.

561 562 Tenho jurado esquecer-te *Trocaste-me a mim por outra, Quinhentas vezes seguras; Eu bem sei que me trocaste; Mas ao ver-te, amor, não posso Ainda hei-de perguntar Lembrar-me das minhas juras. Quanto na troca ganhaste.

563 564 Tenho uma pena no peito Trocaste-me a mim por outra, Que me leva à sepultura; Por outra mais bonitinha; meu amor ser baixo A minha saia tem roda, E eu não ser da mesma altura. A dela é travadinha.

565 566 Tenho uma pena no peito Troquei os meus olhos pretos Que me leva à sepultura; Pelos teus acastanhados; Ou eu hei-de morrer logo, Agora todos me chamam Ou a pena pouco dura. Amor dos olhos trocados.

567 568 Tenho visto rostos lindos, Tu pensas que és mais do que eu, Mas nenhum é como o teu; Não és menos, nem és mais. Se por ti eu fosse amado, Debaixo da terra fria Grande gosto era o meu. Todos somos iguais.

569 570 Teus cabelos me prenderam Vai-te, carta venturosa, E teus olhos me mataram; Responder, saber, falar; Teus lindos pés me fugiram, Estes olhos que te notaram Quando morto me deixaram. Estão cheios de chorar.

571 572 Teus olhos são roubadores, Vai-te embora, morte negra, Porque não vos confessais Que de ti tenho mil queixas; Dos delitos que fazeis, Quem hás-de levar, não levas, Dos corações que roubais? Quem hás-se deixar, não deixas.

573 574 Toda a vida trouxe e trago Vivo triste como a noite, Fita verde no chapéu; Pensativa e dando ais, Agora trago-a de luto, Em me lembrar que sou tua, Que quero ganhar o Céu. Nas falas das outras mais.

575 Um cachorro sem vergonha Bateu à minha janela. Ó grande cão sem vergonha, Eu não sou nenhuma cadela.

QUADRAS DE AMOR

A poesia é tão antiga como o homem. Em cada ser humano existe um poeta e não há nada na vida do homem que não escape aos sentimentos mais profundos da alma. O amor é, agora, o tema. Pela transcendência do assunto, « pelo fácil e pelo difícil » que o envolve, se compreende a seguinte quadra:

576 Quem me dera dar-te um beijo, Um beijo não custa a dar; São duas bocas unidas, Quatro lábios a beijar.

Noutros tempos, o beijo era tão sagrado que logo havia desordem ou compromisso de casamento, quando observado pelos pais. Hoje, está tão banalizado que deixou de ser expressão do que era, perdendo o significado sagrado que tinha em épocas mais distantes. A simplicidade e a imagem a que o povo recorria para transmitir os seus sentimentos ou exaltar alegrias ou paixões, são de uma beleza encantadora

577 Quando os passarinhos choram Numa árvore tão pequena, Que fará meu coração Cheio de tanta pena?

Nas quadras que se vão seguir pode verificar-se o que diz a filosofia popular a propósito do amor, da traição, do belo e do feio. Aqui está um retrato excelente do amor na sabedoria popular: umas vezes, demasiado pessimista; outras, cheio de lições de moral.

578 579 A água daquela serra Abaixo da Serra d'Arga Por copos de vidro desce; Onde fica minha aldeia, Nem a água mata a sede Na linda terra de Dem Nem o meu amor me esquece. Onde o meu amor passeia.

580 581 A água do ribeirinho Abre-te, janela d'oiro, Sobe ao Céu deita pavor; Tira-te tranca de vidro, Só há lágrimas na terra Resolve o teu coração Por donde anda meu amor. Que o meu está resolvido.

582 583 A água do Rio Lima Abre-te, janela d'oiro, Foge que desaparece; Vira-te, tranca de vidro; Nem a água apaga a sede Vem cá fora, meu amor, Nem o meu amor me esquece. Que quero falar contigo.

584 585 Abaixa-te Alto do Tapado, Abre-te, peito, e fala, Que eu quero ver Castanheira, Ó coração vem cá fora, Quero ver o meu amor Anda ver o teu amor Lá nos campos da Lapeira. Que chegou aqui agora.

586 587 Abaixa-te ó Serra d'Arga A carta que te escrevi Abaixa-te um nadinha; Já ta deitei na varanda; Quero ver o meu amor Só te peço, meu amor, No terreiro de Caminha. Que faças o que ela manda.

588 589 Abaixa-te ó Serra d'Arga Açucena c'o pé na água Que eu quero ver Areosa; Vai abrindo, vai cheirando; Quero ver o meu amor Assim és tu, meu amor, Na flor da malva rosa. Quando por mim vais passando.

590 591 Abaixa-te ó Serra d'Arga, Adeus que me vou embora, Que eu quero ver Santo Aginha; Por esse mundo sem fim; Quero ver o meu amor Só te peço, meu amor, No terreiro em Caminha. Que não te esqueças de mim.

592 593 Abaixa-te, Serra d'Arga À entrada desta terra Que quero ver S. Lourenço; Logo por ti perguntei; Quero ver o meu amor Não me deram novas tuas Para lhe acenar com o lenço. Com vergonha não chorei.

594 595 À entrada do Cerquido, Ai de mim que me roubaram, Dei um lenço a bordar; Roubaram-me o meu amor, Nunca chorei por amores, Não me roubaram dinheiro, Mas agora vou chorar. Roubaram-me uma flor.

596 597 A flor da amendoeira Ai Jesus! Valha-me Deus! É a primeira do ano; Não sei que Deus há-de ser, Também tu, meu amorzinho, Valha-me Deus nos teus braços És o primeiro que eu amo. Que eu neles quero morrer.

598 599 A flor nasce do tojo *Ainda agora aqui cheguei, O tojo nasce do chão; Deitei meus olhos e vi: O sangue nasce das veias, Meu amor nos braços de outra, O amor, do coração. Não sei como não morri.

600 601 A folha da oliveira Ainda depois de morrer, Deitada ao lume roje; Mesmo dentro do caixão, Quem tem o amor bonito Hei-de levar o teu nome Sempre julga que lhe foge. Gravado no coração.

602 603 A folha da vinha branca Ainda não é meia-noite, De noite mete terror; Nem tão pouco onze horas; Quem me assim queria bem, Ainda estou ao pé de ti Ainda me hoje tem amor. Meu amor, para que choras?

604 605 Agora é que eu vou cantar Ainda que meu pai me mate, À beira do tocador; Minha mãe me tire a pele; Vou cantar uma cantiga Minha palavra está dada, Ajuda-me, meu amor. Meu amor é o Manel.

606 607 Água clara do rio, *Ainda que meu pai me mate, Deixa passar a barrenta; Minha mãe me tire a vida; Amor que não seja firme Minha palavra está dada, Em meu coração não entra. Minha mão está prometida.

608 609 Ah! Já compreendo agora *Ainda que o lume se apague, Este amor tão natural; Na cinza fica o calor; Sim, são como dois irmãos, Ainda que o amor se ausente, O Brasil e Portugal. No coração fica a dor.

610 611 Ai que casinha tão alta, A laranja do pé d'ouro Feita de cal e areia; Deita raízes de prata; A menina que lá mora O tomar amores não custa, Já foi minha, mas deixei-a. O deixá-los, é que mata.

612 613 Ai quem não há-de ter paixão, Alecrim da minha horta Quem paixão não há-de ter; Quando reverdesce chora; Ai solidão, ai dão, ai dão, Sempre há-de haver quem se meta Serei firme até morrer. Na vida de quem namora.

614 615 Ai que pinheiro tão alto, A lenha verde faz fumo, Quem lhe há-de chegar às pinhas; A seca faz labareda; Há-de ser a menina nova Os olhos do meu amor Que se chama Mariquinhas. São dois fios de seda.

616 617 Aí vem o barco à vela, Alma, vida e coração Já lá vem sardinha boa; Tudo por ti eu darei; Aí vem o meu amorzinho, Foi uma jura que fiz Sentadinho na proa. Desde o dia em que te amei.

618 619 A laranja e a tangerina A lua vai amarela, Cabem dentro dum limão; Meu amor vamos lá ver; Também tu cabes, amor, Não há mal que chegue à lua Dentro do meu coração. Nem ao nosso bem querer.

620 621 *A laranja quando nasce, A lua vai de amarelo Logo nasce redondinha; Meu amor, vamo-la ver; Também tu, minha menina, Não há sol que chegue à lua Nasceste para seres minha. Nem ao nosso bem querer.

622 623 A laranja-tangerina A lua veio dizer-me Cabe dentro dum limão; Muito triste e despeitada; Também tu, meu amorzinho, Que tinha inveja do brilho Cabes no meu coração. Dos olhos da minha amada.

624 625 A laranja-tangerina Alumia-me, candeia, É doce e a casca amarga; Que eu quero ver a quem amo; É como o amor dos moços À porta do mercador Hoje pega, amanhã larga. Se faz o preço ao pano.

626 627 Amas o Nosso Senhor À minha porta vai água Que morreu por toda a gente; Ó meu amor, faz o rego; A mim não me tens amor Não há dor que mais doia Que te amo loucamente. Do que a dor de cotovelo.

628 629 *Amar e saber amar Amizade que eu tenho Amar e saber a quem; Só eu, mais ninguém sabe; Eu amo o meu amor Diz-me, se nesse teu peito, Não amo a mais ninguém. Este meu coração cabe.

630 631 A Maria tecedeira *Amor com amor se paga Tem um tear e não tece, Porque não pagas, amor? Ou ela está de amores Olha que Deus não perdoa Ou o tear lhe aborrece. A quem é mau pagador.

632 633 Amava-te eternamente Amor com amor se paga Se eterna pudesse ser; Tu podes pagar, amor; Mas, como não sou eterna, Olha que Deus não perdoa Amar-te-ei até morrer. A quem é mau pagador.

634 635 A menina sempre foge Amor de moça zelosa Quando se encontra comigo, É amor que não agrada; Apesar de lhe querer muito Faz lembrar festa de gato Seu amor não consigo. Que deixa a pele arranhada.

636 637 A minha bota me aperta Amor de tantos amores A meia me faz calor; Quem te há-de querer bem; Meu coração rebenta Quem tem um só, não ama, Se te não falo de amor. Que fará quem tantos tem?

638 639 A minha felicidade Amores ao pé da casa Está só no teu amor; Ninguém os queira tomar; Possuir a minha vida, São como os pintos no Inverno Perder-te, morro de dor. Não fazem senão piar.

640 641 A minha mãe mandou-me à erva, Amores ao pé da porta Eu disse que não sabia; Quem os lá pudera ter; Se fosse p'ra namorar, 'Inda que a boca não fale Algum jeito lhe daria. Os olhos gostam de ver.

642 643 Amor eu sou um segredo, Andam sete raparigas Tenho o coração escondido, A roubar o meu amor; Todos sabem quem eu sou Eu dava a melhor prenda Ninguém sabe o meu sentido. Àquela que capaz for.

644 645 Amor, fala-me verdade *À noite, quando me deito, Que eu nunca te menti; Rezo à Virgem Maria Bem sabes que eu neste mundo Para sonhar toda a noite Não posso viver sem ti. Com quem penso todo o dia.

646 647 *Amor, fazemos as pazes A nossa terra de Arga Como foi da outra vez; Tem calçadas a subir; Quem ama, sempre perdoa Quem em Arga toma amores Uma vez, duas ou três. Vai ao Céu e torna a vir.

648 649 Amor louco, amor vário, Antes que meu pai me mate, Amor das ervas do campo, Minha mãe me tire a vida, Já me a mim me admirava Minha palavra está dada, Do teu amor durar tanto. Minha mão foi prometida.

650 651 Amor nasce de virtude, António, lindo António, Baixou do Céu esta chama; Lindo amor tenho eu; Ou não existe um vivente Gosto muito do teu nome, Ou tudo que vive, ama. Não sei se gostas do meu.

652 653 Amor que já foste meu, Ao passar o ribeirinho Ainda hás-de tornar a ser; Onde a água sobe e desce, Se eu casar e viuvar Dei a mão ao meu amor, Tornarás a meu poder. Não queria que se soubesse.

654 655 Amo-te mais do que a Deus Aperta o meu coração ao teu Não sei se peco, se não; E a minha mão à tua; A Deus trago no sentido Agora podes jurar E a ti no coração. Toda a vida serei tua.

656 657 Anda lá para diante À porta do meu amor Não te atrases no caminho Nascem silvinhas no chão; Que quem vai para amar a outro Todos passam, vão-se embora, Não vai tão devagarinho. Só eu fico na prisão.

658 659 Aprendi para costureira, A semana tem seis dias, Mas já estou aborrecida; Eu ainda queria menos; Passa-me o amor à porta, O meu amor me disse ontem; Eu na costura metida. Para domingo falaremos.

660 661 A Primavera é alegre, As estrelas do Céu correm É alegre nas flores; Todas numa carreirinha; O sair da Primavera Assim correm os amores É o tomar dos amores. Da tua mão para a minha.

662 663 Aquela casinha branca *As estrelas do Céu correm É do senhor regedor; Todas numa carreirinha; Hei-de mandar-lhe dizer Também tu corres, amor, Que não prenda o meu amor. Da tua mão para a minha.

664 665 Aqui chegaram dois olhos, As estrelas miudinhas Por ora não digo quem; Fazem o Céu bem composto; Aqui chegaram dois olhos Se não querias ser para mim, A quem os meus querem bem. Não nascesses ao meu gosto.

666 667 Aqui donde estou bem vejo As estrelas miudinhas A casa do meu amor; Fazem o luar amarelo; Mas não o vejo a ele, A maior pena que tenho Valha-me Nosso Senhor. É de te não ver quando quero.

668 669 Aqui estou, aqui estarei, As estrelas uma a uma Aqui me hei-de deixar estar; Foram contadas por Deus; O amor que aqui me trouxe Na terra ficaram duas Aqui me há-de vir buscar. Que são esses olhos teus.

670 671 A ribeira, quando nasce, A silva por fora pica, No meio faz assuada; Por dentro tem seus enleios; Quem tem amores não dorme Eu já te tinha nas mãos, O sono da madrugada. Se não fossem os receios.

672 673 *A rosa, para ser bonita, As maçãs desse teu rosto Deve ser de Alexandria; São muito encarnadinhas; O amor, para ser leal, Se chegares a vendê-las, Há-de chamar-se Maria. Por todo o preço, são minhas.

674 675 *As meninas dos meus olhos Ausentaste-te de mim, Choram por outras meninas; Fizeste-me um favor; Choram por outras maiores, Já estava farta de ouvir Que as minhas são pequeninas. Repreensões de outros amores.

676 677 As mulheres, quando casam, Azeitona miudinha Mais lhes valia morrer Vai-se moer ao lagar; Do que aturar os homens Eu também sou miudinha, Toda a vida a padecer. Mas sou firme no amar.

678 679 As nódoas da roupa branca Certamente quero eu, Saem todas com sabão; Por este meio, dizer Só não há nada que tire Que te amo vagamente, As nódoas do coração. Sem ninguém poder saber.

680 681 À sombra da oliveira Chamaste-me toda tua, Não se pode murmurar; Eu toda tua não sou; Tem a folha miudinha, Também sou um bocadinho Não deixa entrar o ar. Da mãe que me criou.

682 683 As ondas do mar são verdes, Coitadinho de quem ama No mar tudo é verdura; Dois amores na mesma rua; No rosto do meu amor Passa por um, diz adeus, Pintou Deus a formosura. logo amua.

684 685 As ondas do mar são verdes, Coitadinho de quem ama, No meio são amarelas; Que tem muito que sofrer; Coitadinho do meu amor Perde a noite perde o dia, Que anda no meio delas. Tem por certo padecer.

686 687 As ondas do teu cabelo Coitadinho de quem ama, São loiras e perfumadas, Sem primeiro ser amado; São redes a que se prendem Fica com o tempo perdido, As almas apaixonadas. O coração magoado.

688 689 Atirei uma laranja Coitadinho de quem ama Por cima de Chaves fora; Seus amores além do rio; A laranja foi andando, Quer ir vê-los e não pode, O meu amor foi embora. Do coração faz navio.

690 691 Coitadinho de quem ama *Com pena peguei na pena, Seus amores em segredo; Com pena p'ra te escrever; Passa por eles na rua, A pena caiu-me ao chão Não lhes fala que tem medo. Com saudades de te ver.

692 693 Coitadinho de quem tem Com quatro letras apenas O seu amor em segredo; Se escreve a palavra amor; Passa por ele na rua, Menos duas do que amar-te Não lhe fala que tem medo. E mais uma do que a dor.

694 695 Coitadinho do meu pai Com uma pena de pavão Que o trago enganado; Fiz uma chave inglesa Pensa que eu estou solteiro Para abrir teu coração E já estou quase casado. Com toda a delicadeza.

696 697 Colarinho engomado, *Com uma pena dum pavão Meu amor é sempre assim; E sangue de cotovia Quem me dera a teu lado, Hei-de escrever uma carta Ou ter-te junto de mim. Ao meu amor d'algum dia.

698 699 Comigo serás feliz, Com um A se escreve amor, Não te hás-de arrepender; Com um R recordação; Para casar pouco nos falta, Eu vivo do teu amor O tempo passa a correr. E só para o teu coração.

700 701 Com isto não falo mais, Confessei ao Senhor Cura Amor do meu coração; Todo o nosso bem querer; Manda-me dizer se queres Por penitência me deu Aceitar a minha mão. De te amar até morrer.

702 703 Com mágoa peguei na pena, Confesso que tenho medo Com pena escrevi um S, Do teu amor aceitar; Com pena mandei dizer Custa muito rir um dia, Ao meu amor que viesse. Ao outro ter de chorar.

704 705 *Com pena peguei na pena, *Conheço tua firmeza, Com pena eu fiz um S, Sei o quanto me estimais; Com pena mandei dizer Eu contigo devo ser Ao meu amor que viesse. A mais feliz dos mortais.

706 707 Continua trovejando Coração que ama a dois Com estrondo de pedreira. Também pode amar a três, Eu continuo navegando Também pode amar a quatro, No lugar de Castanheira. Cada qual por sua vez.

708 709 Coração não vivas triste, Coração que tanto choras Vive alegre, se puderes; Deves estar magoado; Algum dia será teu Esta noite chorei tanto O que tu agora queres. Que até molhei o sobrado.

710 711 Coração por coração, Cortei o bico à rola Amor, não deixes o meu; O rabo ao papagaio; Olha que o meu coração Se o meu amor é vadio Nunca fez traição ao teu. Dai-lhe um tiro e matai-o.

712 713 *Coração por coração, Cortei o bico à rola Amor, não troques o meu; Que me comia o centeio; Olha que o meu coração Quem tem o amor bonito Sempre foi leal ao teu. Ri-se de quem o tem feio.

714 715 Coração que a dois ama Cortei o meu cabelo Dentro deles quer entrar; Cortei-o, está cortado; Por muito bem que lhes queira Eu deixei o meu amor Um deles pode deixar. Deixei-o, está deixado.

716 717 Coração que a dois ama Cortei um pinheiro Nunca merece aceitação; Está bem cortado; Merece ser desprezado Deixei o meu amor Até à quinta geração. Está bem deixado.

718 719 Coração que a dois ama Costumei tanto os meus olhos Que firmeza pode ter? A namorarem os teus; É coração de garoto Que de tanto confundidos Que de homem não pode ser. Já não sei quais são os meus.

720 721 *Coração que ama a dois Costureira, mãos de neve, Eu nele não tenho fé; Dá o ponto miudinho; Não quero amor partido Ainda espero romper Que o meu inteiro é. Dessas mãos um colarinho.

722 723 Costureira, mãos de neve, *Da minha janela à tua Que estás a costurar? É uma salto duma cobra; Um lencinho de três pontas Ainda penso de chamar Para o meu amor tragar. À tua mãe, minha sogra.

724 725 Cravo branco ama, ama, Da minha janela rezo O jardim adora, adora; À Senhora da Agonia Se te chegasse a lograr, Que me traga o meu amor Tristeze dae mim vai fora. Para a minha companhia.

726 727 Cravo, não ames a rosa, Da rocha nasce o musgo, Tu és mais lindo que ela; A rocha nasce do chão; As rosas pelos quintais O beijo nasce da boca, Os cravos pelas janelas. O amor do coração.

728 729 Cuidados me dão cuidados Debaixo da água há lodo, Eu sem cuidados nasci; Debaixo do lodo, chão; Eu nunca tive cuidados Debaixo duma amizade, Senão depois que te vi. Descobre-se uma paixão.

730 731 Dá-me a tua mão esquerda Debaixo da malva rosa Que te quero apertar; Está uma noiva a chorar; A direita não ma dês Não chores, noiva, não chores, Que tens mais a quem a dar. Que o amor vem-te buscar.

732 733 *Dá-me um beijo, dou-te dois, *Debaixo da oliveira Minha paga é dobrada; Não se pode namorar; É estilo de quem namora Tem a folha miudinha Não ficar a dever nada. Não deixa entrar o ar.

734 735 Da minha janela à tua De beijos não tenhas pressa, É uma bela medida; Faz ver ao teu namorado Do meu coração ao teu Que as casas se não começam É uma casa perdida. A fazer pelo telhado.

736 737 *Da minha janela à tua Decorre a vida apressada, É uma vara de medida; Vejo o norte em toda a parte; Do teu coração ao meu O morrer não custa nada É uma estrada de seguida. O que me custa é deixar-te.

738 739 Deitado na minha cama *Dei um nó na fita verde, Uma carta tua li; Outro na preto rigor; Chorando letra por letra Ainda espero dar outro Chorando, adormeci. Na tua mão, meu amor.

740 741 Deitaste-te ao correr do rio Dei um nó na fita verde, Meu amor, foste bem; Outro na verde rigor; Tu pediste-me amizade, Ainda espero dar outro Mas eu pedi-ta também. Na mão direita, ao meu amor.

742 743 Deita-te daí abaixo, De noite contigo sonho Cordão de ouro mal torcido; Acordo, penso em ti; Que me dá inclinação Esquecer-te não consigo De tomar amor contigo. Desde o dia em que te vi.

744 745 Deitei-me a dormir Desculpa, se foi um sonho Ao pé da água que corre; Que não passa de uma ilusão; A água me respondeu: Mas eu creio que te trago Quem tem amores, não dorme. Dentro do meu coração.

746 747 Deitei o cravo de molho, Desde o dia em que te vi Dentro dum copo de vidro; Fiquei-te querendo bem; Ainda que queira, não posso Os meus olhos já não podem Tirar de ti o sentido. Olhar para mais ninguém.

748 749 Deitei o papel ao vento, Desejo-te ver, amor, Por ser uma coisa leve; Trinta dias cada mês; O ladrão do meu amor Sete dias na semana, Sabe ler e não me escreve. Cada minuto uma vez.

750 751 Dei um Lenço ao Lourenço, *Desenrola o teu cabelo Sem a minha mãe saber; Não o tragas enrolado; Dá-me o lenço, ó Lourenço, Desengana o teu amor Que já lhe foram dizer. Não o tragas enganado.

752 753 Dei um nó na fita verde, Desgraçada borboleta Outro na amarelinha; Que subiu à luz tirana; Espero dar-te outro Subiu viva, desceu morta, Na tua mão e na minha. São delírios de quem ama.

754 755 De tanto pensar em ti Dizeres que gostas de mim, Trago a cabeça perdida; Isso não é um conforto; És a dureza dos meus sonhos, Para ter fogueira assim, Minha esperança querida. Mais vale ter lume morto.

756 757 Detrás daquele penedo Dizes que me queres bem, Não sei que vejo andar: Ainda hei-de experimentar; Ou é raposa ou lobo, Na noite de S. João Ou amor para me falar. Junco verde hei-de cortar.

758 759 De uma simples amizade, Dizes que me queres bem, Quantas vezes sem querer; Que eu perdoo a falsidade; Vai crescendo a simpatia Mentiras da tua boca Que de amar nos faz morrer. Valem uma grande verdade.

760 761 Dizem que o amor de estudante Dizes que tanto me amas Não dura mais que uma hora; Não sei se é verdade ou não; Mas o meu já é velhinho Serás cruel se me enganas E ainda não foi embora. Meu leal coração.

762 763 Dizem que o amor é cego, Do amor do teu coração Cegos são os olhos teus; Duvido constantemente; Ceguinhos porque não vêem Como duvido também O que lhes dizem os meus. Do riso de muita gente.

764 765 *Dizem que o amor é morte, Do lado de lá do rio Ó quem me dera morrer; Não chove, nem faz orvalho; Mais vale morrer de amores Amor que tens de ser meu Do que sem eles viver. Não me dês tanto trabalho.

766 767 Dizem que o preto é luto, Domingo, se Deus quiser, Oh! Que dito sem valor! Hei-de ir à missa do dia, Toda a capa de estudante Para ver o meu amor É preta e fala de amor. À porta da sacristia.

768 769 Dizem que o preto é triste, Domingo, se fores à missa, O preto é linda cor; Põe-te debaixo do coro; Com o preto é que eu escrevo Olha que o padre é malandro As cartas ao meu amor. Pode pedir-te namoro.

770 771 Domingo, se fores à missa, Ele chove, o rio cresce Põe-te em sítio que te eu veja; A minha barca não anda; Não faças andar meus olhos Não posso ver o meu amor Em balanço na igreja. Ele mora doutra banda.

772 773 Domingo, se fores à missa, Ele chove, o rio cresce, Põe-te por baixo do coro; Não se passa na ladeira; Enquanto o padre diz missa Coitadinho de quem tem Tu vens-me pedir namoro. Amores em Castanheira.

774 775 Dos nossos dois corações Ele chove, o rio cresce, Qual deles será mais firme? Não se passa na Lourinha; Eu, como o sol a buscar-te; Coitadinho de quem tem Tu, como a sombra a fugir-me. Amores em Santo Aginha.

776 777 Duma pena dum pavão Empresta-me o teu relógio, Fiz uma chave inglesa, Quero ver que horas são; Para abrir teu coração Para ver se tenho tempo Com toda a delicadeza. De entrar no teu coração.

778 779 E depois lá, meu amor, Enfeite lindo é junco Nós dois na fonte sozinhos; Com ervilhas ao redor; Matar-te-ei toda a fome Não há casados sem guerra, Que tu trazes de beijinhos. Nem solteiros sem amor.

780 781 E então eu fico triste Entrai moços, entrai moços, Sentindo no peito a dor; Dessa porta para dentro; Receando que desprezes Olhai se vedes na roda Quem te quer com tanto amor. Quem trazeis no pensamento.

782 783 Ele chove, ele chove, Entrai olhos, entrai olhos, Esta chuva donde vem? Por essas portas a dentro; Dos olhos do meu amor Ver se encontrais no grupo Ou do coração de alguém. Quem trazeis no pensamento.

784 785 Ele chove, ele chuvisca, Eras alegre, andas triste, Esta chuva de onde vem? Diz-me qual é a razão; Dos olhos do meu amor Se é por falta de amores, Ou do coração de alguém. Aqui tens meu coração.

786 787 Escrevi teu lindo nome *Esta noite sonhei eu Pus-me com ele na mão; Que me morreu o meu bem; Para me não esquecer Eu sonhei, pedi a Deus Gravei-o no coração. Que me levasse também.

788 789 Escrevi uma carta ao Sol Esta noite tive um sonho Que não tornasse a nascer; Até acordei a chorar, Vendo eu esses teus olhos Que tu passaste por mim Que vem o Sol cá fazer? E não me quiseste falar.

790 791 És meu bem, és meu amor, Esta noite tive um sonho És meu sonho encantador; Contigo, minha beleza; És o único a quem amo, Acordei, encontrei-me só, Só por ti eu sinto amor. Nos sonhos não há firmeza.

792 793 Esses teus cabelos loiros, Esta noite tive um sonho Esses teus olhos risonhos, Contigo, minha beleza: Esses teus lábios bem feitos Que te tinha nos meus braços Foram esses os meus sonhos. Com toda a delicadeza.

794 795 Esta carta foi escrita, Esta rua não tem nome à sombra da amorosa; Se não, tenho de lho pôr; Quem a recebe é um cravo Rua Nova da Avenida Quem a escreve uma rosa. Onde mora o meu amor.

796 797 Esta casa está forrada *Esta rua tem pedrinhas De madeira miudinha; Esta rua pedras tem; Pois dentro dela passeia Das pedras não quero nada Coisa que pode ser minha. Da rua quero alguém...

798 799 Esta chuva miudinha *Esta rua tem pedrinhas Eu não sei donde ela vem, Hei-de as mandar tirar; Ou vem da Serra d'Arga Não quero que se magoe Ou do coração d'alguém. O meu amor ao passar.

800 801 Esta noite sonhei contigo Estás mortinha por saber São sonhos encantadores; Qual é o meu namorado; Minha ideia só confia É um rapaz trigueirinho Que amei os meus amores. De chapéu apinhoado.

802 803 Esta terra não é minha É tal a minha cegueira Se eu quiser, minha será; Que não posso destrinçar; Se eu nela tomar amores, Se me cegou a fogueira Terra minha ficará. Se o fogo do teu olhar.

804 805 Estou aqui à tua beira É tão certo eu te amar Como o feixinho da lenha; Como o lenço branco ser; Estou à espera da resposta Quando te deixar de amar Que da tua mão venha. Há-de o lenço a cor perder.

806 807 Estou aqui à tua beira É tão lindo o teu olhar Estou no teu beiral; Que ás vezes fico pensando: Só te peço, meu amor, Que o mar, o céu e o luar, Que não me deixes ficar mal. Dentro dele estão morando.

808 809 Estou rouca, enrouquecida, Eu adoro Deus no Céu, Não foi de beber azedo; Os santos sobre o altar, Foi de falar ao amor O meu amor cá na terra, Logo de manhã cedo. Não tenho que mais amar.

810 811 *Estou triste por te ver triste Eu a mais o meu amor Choro por te ver chorar; O meu amor e mais eu Uma coisa me aflige Foi o par mais bonito De te não poder falar. Que Deus ao mundo deu.

812 813 Estrela da meia-noite Eu amar-te, foi um sonho Acorda, vem-me chamar; Foi uma variedade; Pois tu bem sabes a hora Foi enquanto não topei Que eu tenho de madrugar. Amor da minha vontade.

814 815 Estrelas nem só no céu, Eu amar-te, foi um sonho Pois na terra existem elas, Foi uma variedade; Por exemplo, os teus olhos Foi enquanto não achei Já são duas das mais belas. Amor à minha vontade.

816 817 Estrelinhas do céu brilhais Eu amei-te, meu amor, Brilha tu que eu já brilhei; Com intenções de te deixar; Na batalha dos amores Tu deixaste-me primeiro Tu perdeste e eu ganhei. Soubeste adivinhar.

818 819 Eu amo-te até à morte *Eu gosto da minha sogra Até depois de morrer; Por ser mãe do meu amor; Ainda debaixo da terra, Que criou para me dar Meu amor, se puder ser. Um anjinho do Senhor.

820 821 Eu amo-te loucamente, Eu hei-de amar a cereja, Imagem de formosura; É a primeira novidade, Teu coração inocente É o fruto mais bonito É modelo de ternura. Que aparece na cidade.

822 823 Eu amo-te tanto e tanto Eu hei-de amar a três nomes E podes ter a certeza; Que tenho de obrigação: O nosso amor é tão grande Manuel e a António Foi feito pela natureza. E a José, do coração.

824 825 Eu atei o sol à lua, Eu hei-de cantar e rir, As campainhas ao sino; Enquanto solteira for; Assim é o nosso amor Ó depois de casadinha Com correntes d'ouro fino. Tratarei do meu amor.

826 827 Eu chego aqui agora, *Eu hei-de casar com um rato Sem descanso nenhum ter; E o rato casar comigo; Passando montes e vales, Eu hei-de dormir na cama Meu amor, para te ver. E o rato no chão, varrido.

828 829 Eu cortei o amieiro, *Eu hei-de casar com um velho, Atravessei-o no rio; Hei-de fartar-me de rir; Para falar com meu amor Hei-de fazer a cama alta Não preciso de navio. Para o velho não subir.

830 831 Eu estou rouca, enrouquecida, Eu hei-de casar este ano, Não de beber azedo; Ou para o ano que vem; É de falar ao meu amor Tenho tudo arranjado, Logo pela manhã cedo. Só me falta ter com quem.

832 833 Eu estou rouca, enrouquecida, Eu hei-de casar este ano, Não é de beber vinagre; Para o ano faço a boda; É de falar aos amores Hei-de matar um mosquito Novinha, de pouca idade. Para comer a gente toda.

834 835 Eu hei-de casar este ano, Eu hei-de mandar dizer Que este ano casa tudo; À Senhora da Bonança Este ano casam os bons, Que traga o meu amor Para o ano fica o refugo. Daquela maldita França.

836 837 Eu hei-de casar para Covas, Eu hei-de mandar dizer Nem que seja para um degredo; À Senhora das Areias Terra de muitas ramadas, Que livre o meu amor Canta o cuco muito cedo. De todas as más ideias.

838 839 Eu hei-de ir ao teu jardim Eu hei-de subir ao alto, Tirar uma só flor; Que eu do alto vejo bem; Tirar um amor perfeito, Quero ver o meu amor, Mais um perfeito amor. Se ele fala para alguém.

840 841 Eu hei-de ir a Santa Justa, Eu hei-de subir ao alto De joelhos a rezar, Que eu do alto vejo tudo; Para livrar o meu amor Quero ver o meu amor Da vida de militar. Se me vai para o estudo.

842 843 Eu hei-de ir a S. João, *Eu hei-de te amar, amar De joelhos a rezar, Eu hei-de te amar bem cedo; Para livrar o meu amor Eu hei-de te amar um dia Da vida de militar. Que de noite tenho medo.

844 845 Eu hei-de ir à tua terra, Eu hei-de te amar, amar Qualquer dia, qualquer hora, Eu hei-de te querer, querer; Perguntar à tua mãe Eu hei-de te tirar de casa Se me quer a mim p'ra nora. Sem teu pai e mãe saber.

846 847 Eu hei-de ir buscar um cravo, Eu hei-de te amar, eu hei-de Meu amor, ao teu craveiro; Eu hei-de te amar, amar; Quando não te vir, amor, Hei-de te amar à semana Pego no cravo e cheiro. Que ao domingo tenho par.

848 849 Eu hei-de ir e hei-de vir Eu já namorei um moço Por a beirinha do mar, Em tempos que já lá vão; Hei-de pedir ao barqueiro Se me fiasse em cantigas Ervinhas de namorar. Morria de paixão.

850 851 Eu já te falei em sonhos *Eu queria ir embora Em sonhos te vou falar; Eu queria estar aqui, Os sonhos são os seguintes: Eu queria, meu amor, De contigo eu casar. Estar uma hora ao pé de ti.

852 853 Eu não queria, nem quero Eu queria ser eterna Teu lindo rosto deixar; Para tua amante ser; Quer na rua, quer em casa, Como eterna ser não posso, Sempre em ti estou a pensar. Hei-de amar-te até morrer.

854 855 Eu não sei o motivo Eu quero sapato alto Nem tão pouco a razão, Que se me enterre na areia; As palavras p'ra ti, amor, Eu quero amor da vida, Me saem do coração. Que não tenho cá na aldeia.

856 857 Eu não sei que simpatia Eu se à vida dou valor, Meus olhos contigo têm; Só para ver-te a desejo; Quando estão à tua beira Deixa a vida de ser vida, Não olham p'ra mais ninguém. Quando um dia te não vejo.

858 859 *Eu não sei que simpatia Eu sempre gostei de ti, Meus olhos contigo têm; Eu sempre hei-de gostar, Só me dá no coração, Até penso que nasci Amar-te e querer-te bem. Com o destino de te amar.

860 861 Eu penso e torno a pensar Eu só queria conseguir E o pensar não tem fim; O que ainda não consegui: Quem me dera adivinhar Ser a tua namorada, Se esse amor é para mim. Poder falar para ti.

862 863 Eu prendi o sol à lua, Eu subi ao altar-mor, As campainhas ao sino, Onde vós nunca chegais; O meu coração ao teu, Os bonitos valem muito, Com correntes de ouro fino. Mas a honra muito mais.

864 865 Eu queria estar aqui, Eu subi ao limoeiro, Eu queria-me ir embora; Cheguei ao meio caí; Eu só queria, meu amor, Quem quiser tomar amores Estar contigo meia hora. Suba que eu já desci.

866 867 *Eu tenho cinco coletes Fui à fonte beber água E todos bem trabalhados; Água para ti levei; Eu tenho cinco amores, Vem comigo, meu amor, Quatro andam enganados. Nunca mais te deixarei.

868 869 Eu tenho quatro coletes Fui à fonte do Loureiro, Todos quatro bem talhados; Também foi meu amorzinho; Eu tenho quatro amores Só a água, em me ver, Mas três trago-os enganados. Correu mais devagarinho.

870 871 Eu tomara cá domingo Fui ao jardim passear Para namorar um bocado; Com uma cesta no braço; Já vai com oito dias Encontrei o meu amor, Que não vejo o namorado. Ai Jesus! Aqui não passo.

872 873 Eu tomei amores novos Fui ao livro do meu destino, E com eles vou falando; Minha sina procurar; Quando passo pelos velhos, Só lá encontrei escrito Dá-me o riso, vou andando. Que nasci para te amar.

874 875 Eu vou tirar uma rosa *Fui ao mar buscar o lume, Sem pôr a mão na roseira; Queimei-me numa faísca; Hei-de amar-te, meu amor, Namorei-me dos teus olhos Mesmo que a tua mãe não queira. Logo na primeira vista.

876 877 *Foste dizer mal de mim Fui ao mar buscar o lume, Ao meu amor por desprezo; Queimei-me numa faísca; Deitas-te água no lume, Teus olhos me prenderam Cada vez está mais aceso. Logo na primeira vista.

878 879 Foste dizer mal de mim Fui ao Senhor da Pedra, Ao rapaz que me namora, Numa pedra me sentei; Se ele me queria bem Estava a pensar no amor, 'Inda mais me quer agora. Nem a esmola ao Santo dei.

880 881 Foste dizer ao meu pai Fui ao toucinho à horta, Que eu ando a namorar; Às couves à salgadeira, O meu pai te respondeu: Vai-te embora, rapaz, A inveja faz falar. Não te quero à minha beira.

882 883 Fui cantar à tua porta Há uma estrela no Céu Uma cantiga sentida; Para companheira da Lua; Tua mãe veio cá fora, Também eu ando na terra Mandou-me tratar da vida. Para ser companheira tua.

884 885 *Fui confessar-me e disse Hei-de amar a cerejinha Que não tinha amor nenhum; Em cima da cerejeira; O padre me respondeu Hei-de amar o meu amor Que arranjasse ao menos um. Nem que a mãe dele não queira.

886 886 Fui deitar-me a dormir Hei-de amar a luz do dia Ao pé da água que corre; Deixar a noite que é escura; Uma voz me respondeu: Hei-de amar quem eu quiser Quem tem amores, não dorme. Ainda não fiz escritura.

887 888 Fui deitar-me a dormir Hei-de amar-te à semana Entre os verdes pinheirais, Que à semana não tens quem; Para ver se me esquecias, Na falta dos outros amores Cada vez me lembras mais. Tens aqui quem te quer bem.

889 890 Fui eu que acendi o lume Hei-de amar-te tantos anos, Numa chaminé dourada; Como folhas tem um vime; Eu era quem tinha amores, Tu dizes que te sou falsa Reparti, fiquei sem nada. Cada vez te sou mais firme.

891 892 Gostava que me dissesses Hei-de cercar a Castanheira Se o teu coração lá tem Com sete varas de fita; Um bocadinho que seja À porta do meu amor Para caber mais alguém. Hei-de pôr a mais bonita.

893 894 Gosto de ti porque gosto, Hei-de cortar o jacinto Gosto de ti porque sim, Hei-de pô-lo a secar; Gosto de ti porque sei O amor que aqui me trouxe Que também gostas de mim. Aqui me há-de vir buscar.

895 896 Há três dias que não como Hei-de dar ao meu coração Há quatro que não almoço; Cinco pedras preciosas; Lembra-me o meu amor, Cada pedra cinco quinas, Vou para comer e não posso. Cada quina cinco rosas.

897 898 Hei-de-me ir sentar *Já lá vai pelo mar fora Ao cerco que tem a lua; Quem a mim tirava o chapéu; De lá te responderei: Deus o leve e Deus o traga, Descansa, amor, que sou tua. Como as estrelas do Céu.

899 900 Hei-de vestir-me de luto Já morri e fui enterrada De luto como uma amora; Debaixo de dois torrões; Vou despedir-me do meu amor Tornei a ressuscitar Terça-feira vai embora. Com as tuas orações.

901 902 Já fui ao mar de joelhos Janela sobre janela De joelhos fui ao fundo; Sobre pedra lavradia; Por causa do meu amor Agora já me trocas Irei ao cabo do mundo. Meu amor de algum dia.

903 904 Já fui mar, já fui navio, Já pedi aos Santos todos Já fui mesmo marinheiro; Agora peço a Deus já tive amores de graça Que me tire dos sentidos Agora nem por dinheiro. Amores que não são meus.

905 906 Já lá vai o sol abaixo Já tanto pedi a Deus, Fica a praia descoberta; Sem Deus me querer ouvir, Vai-se um amor, fica outro, Que te feche em meu peito Nunca vi fala mais certa. Com que não possas abrir.

907 908 *Já lá vai o sol abaixo Já te dei meu coração, Já lá vai a luz do dia; Coisa que dar não podia; Já lá vai o meu amor Já te dei a melhor prenda Com quem me eu divertia. Que no meu peito trazia.

909 910 Já lá vai pelo mar dentro Já te escrevi uma carta, Quem eu queria para mim, Já ta dei na varanda; O mar se faça em rosa Peço-te, amor da minha alma, O comboio em jardim. Que faças o que ela manda.

911 912 Já lá vai pelo mar dentro Já tenho papel e tinta, Quem no meu peito dormia; Caneta e mata-borrão Deus o leve, Deus o traga Para escrever ao meu amor Para a minha companhia. Que trago no coração.

913 914 Já te pudera ter dado *Lindos olhos têm as trutas, Um chapéu para o calor; Quem me dera assim os meus; Mas tornei a considerar Hei-de ir lavar os meus olhos Que to dê o teu amor. Onde as trutas lavam os seus.

915 916 Juntei meu amor ao teu, Lindos olhos tem a truta, Casámos, coisa espantosa; Quando olha de repente; Dos dois amores perfeitos Lindos amores tinha eu, Nasceu um botão de rosa. Se eles me durassem para sempre.

917 918 Laranjeira, pé d'ouro. Mais lindo nada existe Deita raízes de prata; Nada mais em tanta dor O tomar amores não custa, Do que os teus lábios sorrindo O deixá-los é que mata. Depois de um eterno amor.

919 920 Lá vai o rio fugindo, Mandaste-me amar a Deus Ai quem me dera agarrar; Sobre tudo quanto há; O amor é como o rio, Eu a Deus amo no Céu Foge, não torna a voltar. E a ti amo-te cá.

921 922 Lá vai uma, lá vão duas, Mandei fazer um barquinho Lá vão três pela primeira; Da casquinha de pinheiro, Lá vai o meu coração Para o meu amor embarcar Em busca de quem o queira. Para fora, para o estrangeiro.

923 924 Lindos olhos tem a cobra, Manjericão da janela, A cabeça afiadinha, Já meu peito foi seu vaso; Lindos amores tenho eu Tomaste novos amores No lugar de Santo Aginha. De mim não fizeste caso.

925 926 *Lindos olhos tem a cobra, *Manjericão da janela Quando olha de repente; Já te podes ir secando; Lindos amores tinha eu, Já morreu quem te regava Se eles me durassem sempre. E eu já me vou enfadando.

927 928 *Lindos olhos tem António, Manjericão do meu peito Santa Luzia, guardai-os; Enverdece sem se ver; Se não forem para mim, Quando estou à tua beira Santa Luzia, levai-os. Engordo sem o saber.

929 930 Mnjericão miudinho Menina de saia branca, Subiste ao mais alto preço; Redondinha panasqueira; Tu cuidas que muito vales Diga ao seu pai que a dote, Eu julgo que mais mereço. Que anda aqui quem a queira.

931 932 Manjerico da janela Menina do amarelo É regado ao meio-dia; Olhinhos da mesma cor; Que falas foram aquelas Diga ao seu pai que a case Que deste outro dia? Que eu serei o seu amor.

933 934 Manjerico ramalhudo *Menina do lenço preto, Tu que estás de sentinela; Diga-me quem lhe morreu; Vai dizer ao meu amor Se lhe morreu o paizinho, Que chegue aí à janela. Pela filha morro eu.

935 936 Manjerico redondinho Menina do rés-do-chão, O teu verde é de encantar; Não deixes a porta aberta; A donzela que é bonita Olha que o meu coração Sempre tem com quem casar. Nunca tem morada certa.

937 938 Manuel, cabelo louro, Menina, não te namores Penteado no caminho; Do homem que viuvou; Nunca tive amor tão novo, Uma fala, duas falas, Amor com tanto carinho. Mulher do homem ficou.

939 940 Manuel é lindo nome Menina que está à janela Que foi feito para amar; Olhando para quem passa Com esse retroz azul Tem olhinhos de cadela Neste lenço quero-o bordar. E vai comigo caça.

941 942 Mas assim vou perguntar-te, Menina que traz relógio Se este sonho é verdadeiro; Diga-me que horas são; Se eu serei atraiçoada Se ainda estou a tempo Pelo meu amor primeiro. De entrar em seu coração.

943 944 Menina de saia branca Menino, case comigo Lencinho da mesma cor; Não tenha medo à fome; Diga ao seu pai que a dote Meu pai tem uma quinta Que eu serei o seu amor. Que mantém quem não come.

945 946 Menino de fato preto, Meu amor de chapéu branco Olhinhos da mesma cor; Ninguém fale com ele; Diga ao seu pai que o case, Ela anda por minha conta Que eu serei o seu amor. E eu ando por conta dele.

947 948 Meu amor, anda ver-me Meu amor é tão lindo Às grades desta prisão; Ai Jesus! Agrada-me tanto! Vens ver-me e vais-te embora, Hei-de pôr um pé em Roma, Levas a minha paixão. Pedi-lo ao Padre Santo.

949 950 Meu amor, anda ver-me, Meu amor, fala baixinho Que eu não te vou procurar; Que alguém nos pode escutar; A água procura o rio Só tu o deves saber O rio procura o mar. Que nasci para te amar.

951 952 Meu amor, botão de oiro, Meu amor foi para Macau Jardim da minha varanda, Para as terras do Oriente; Caixinha dos meus segredos, Todos os dias ando triste Onde o meu coração anda. Nunca posso andar contente.

953 954 Meu amor conserva acesa *Meu amor, meu amorzinho, Essa chama de ternura; Até tudo te darei; Quantas vezes se despreza Dar-te-ei a luz dos meus olhos Quem mais tarde se procura. E sem ela ficarei.

955 956 Meu amor, dá-me licença Meu amor, meu amorzinho, Que eu quero dar um suspiro; Meu amorzinho do alto, Se é da tua vontade, Faltará o sol à lua, Se não, diz-me que eu retiro. Eu ao meu amor não falto.

957 958 Meu amor da minha alma Meu amor, meu amorzinho, Por quem minha alma adora, Meu amorzinho, meu bem, Por quem o meu coração Inteira-te da verdade, Tanto suspira e chora. Dá a razão a quem a tem.

959 960 Meu amor da minha alma, Meu amor, meu amorzinho, Vou dizer-te a verdade: Meu púcarinho de cheiro, Eu aceito o teu amor, Anda tudo à porfia, Mas não quero falsidade. Quem te logrará primeiro.

961 962 Meu amor, meu amorzinho, Meu amor, não vivas triste Minha maçã comeosa, Que a tristeza não faz bem; Tu és a flor mais linda Ainda não vi a tristeza, Que há na nação portuguesa. Dar de comer a ninguém.

963 964 Meu amor, namora graça Meu amor, para te amar, Não namores formosura; Sofro mágoas de amargura; Que a formosura sem graça O estar longe de ti É viver na noite escura. É como uma noite escura.

965 966 Meu amor, na nossa ausência Meu amor, para te ver Nunca deixes de escrever Corro serras e montanhas; Duas letras ao teu bem No dia que te não vejo Que por ti fica a sofrer. Oh que saudades tamanhas!

967 968 *Meu amor, não estejas triste, Meu amor, pega na pena, Não estejas apaixonado; Escreve que eu vou ditando; Que o lugar que tu pretendes Escreve que hás-de ser meu, 'Inda está ocupado. Não sei o dia, nem quando.

969 970 Meu amor, não faças caso Meu amor, pela tua vida Das cantigas que te canto; Pela alma do teu pai, Cantigas são elogios Queria entrar no teu peito Eu quero-te tanto e tanto. Quero ver o que lá vai.

971 972 Meu amor, não sei que sinto Meu amor, por tua ausência Depois que vi o teu rosto; Nunca deixes de escrever Ando sempre muito triste Uma cartinha ao teu bem Quase morto de desgosto. Que por ti fica a sofrer.

973 974 Meu amor, não vivas triste Meu amor, por tua vida, Nem andes apaixonado; Ou por alma do teu pai; O lugar que tu pretendes Deixa-me entrar no teu peito 'Inda está ocupado. Quero ver o que lá vai.

975 976 Meu amor, não vivas triste Meu amor, prende os teus olhos, Que a tristeza não é boa; Não os deixes cá chegar; Sendo ela natural, Quando presos me dão guerra, Dá cabo duma pessoa. Que será se os soltar.

977 978 *Meu amor, procura agrado Meu amor se foi embora Não procures formosura; Por esse mundo sem fim; Formosura sem agrado, O mar se torna em rosas É viver na noite escura. E o navio em jardim.

979 979 Meu amor, quando escreveres *Meu amor, se fores à missa, Escreve a carta sozinho; Põe-te em sítio que te veja; Não quero a carta escrita Não faças andar meus olhos Por mais de um rapazinho. Em balanço na igreja.

980 981 Meu amor, quando eu morrer Meu amor se fores à pesca, Já meu enterro não farão; Leva uma rede de linho; Já há tempo me enterrei Se eu cair na tua rede Dentro do teu coração. Serei o teu rico peixinho.

982 983 Meu amor, quando eu morrer Meu amor, se me deixares, Não metas a roupa à tinta; Eu farei uma das minhas; Eu morro e vou para o Céu, Vou-me deitar a afogar Tu ficas na tua quinta. Ao poleiro das galinhas.

984 985 Meu amor, quando fores Meu amor, se queres uvas, Leva-me na tua alminha; Traz-me cá o teu chapéu; Que eu sou como a borboleta, Que a ramada ainda tem Caibo na mão fechadinha. Para ti, anjo do Céu.

986 987 Meu amor, quando fores, Meu amor, se tu fores, Leva-me, podendo ser. Leva-me na tua alminha. Que eu quero ir acabar Que eu sou como a borboleta, Aonde tu fores morrer. Caibo na mão fechadinha.

988 989 Meu amor, quando morreres Meu amor, se tu quiseres Não mandes fazer caixão; Que a minha mão seja tua, Tens a sepultura aberta Perde tempo e rompe solas Dentro do meu coração. Se é de gosto, continua.

990 991 Meu amor, raminho de ouro, Meu amor, se tu quisesses, Jardim da minha varanda; Fazíamos um partido; Quem a mim há-de lograr Eu falar com quem quiser, Já no meu coração anda. Tu falares só comigo.

992 993 Meu amor, se tu soubesses Meu amor, vai p'ró Brasil, A dor do meu coração; Ainda que não ganhes dinheiro; Eu antes queria morrer A qualquer lado que chegues: Do que sofrer desta paixão. Viva o Senhor Brasileiro.

994 995 Meu amor, se vires cair Meu amor, vamos rezar A folhinha de hereira; De mãos erguidas a Deus; Olha que são saudades Tu reza pelos meus sonhos De eu não estar à tua beira. Eu rezarei pelos teus.

996 997 Meu amor, se vires cair Meu coração diz adeus Flores na tua varanda; Ao coração de quem gosta; Aceita que são saudades Adeus, meu amorzinho, Que meu coração te manda. Adeus até à tua resposta.

998 999 Meu amor, tu és a estrela Meu coração está fechado Que há-de guiar o meu ser; Fechado com duas chaves; Sem ti, meu querido anjo, Se quiseres entrar lá dentro, É-me impossível viver. Meu amor, também lá cabes.

1000 1001 Meu amor, tu és traidor, Meu coração é terra Companheiro da traição; Hei-de mandá-lo lavrar, Peço-te que não faças Para semear desejos Sofrer mais meu coração. Que tenho de te falar.

1002 1003 Meu amor, tu pede a Deus Meu coração é uma arma Que eu peço às almas santas Meu peito atirador; Que nos juntemos os dois Os teus olhos encantaram Já que as saudades são tantas. O meu coração, amor.

1004 1005 Meu amor, vai ao Brasil Meu coração é um cofre Ainda que não tragas dinheiro, Com vinte e quatro gavetas, Em qualquer lado que estejas: Onde eu meto as tuas cartas Viva o Senhor Brasileiro. Com tuas mimosas letras.

1006 1007 Meu amor, vai ao jardim Meu coração pede, pede Tira a flor que quiseres; Terra para um pomar; Só te peço que me deixes Meus olhos se obrigarão Raízes do bem-me queres. A dar agua para o regar.

1008 1009 Meu destino está marcado Na fina areia da praia Algum fim há-de levar, Fiz uma jurz a meu bem; Para saberes, meu amor, Enquanto ele for vivo Que nasci para te amar. Não amar mais ninguém.

1010 1011 Meu peito é uma sala Namorados, falai baixo Dentro tem gavetinhas, Que as paredes têm ouvidos; Onde guardo os meus segredos Porque segredos bonitos E mais as tuas falinhas. São os que são mais sabidos.

1012 1013 *Milho alto, milho alto Namorei-me do bonito, Milho alto, folha estreita; Do bonito sem fazenda; À sombra do milho alto Quando vou para comer, Namorei uma sujeita. O bonito não me lembra.

1014 1015 Milho alto, milho alto Não há cravo como o branco, Milho alto, folha larga Que até no cheirar é doce; À sombra do milho alto É como o amor primeiro Namorei uma casada. Que nunca acabado fosse.

1016 1017 Minha maçã vermelhinha Não há flor como o junquilho, Picada dos passarinhos; Nem cheiro mais singular; Quem namora às escondidas Nem coração mais perdido Leva abraços e beijinhos. Que este meu para te amar.

1018 1019 Minha mãe mandou-me à erva Não há sol como o de Agosto, Eu disse que não sabia; Nem luar como o de Janeiro; Se fosse para namorar Não há cravo como o branco, Outro jeito lhe daria. Nem amor como o primeiro.

1020 1021 Minha sogra tem-me raiva Não há sol como o de Maio, Por eu lhe namorar o filho; Nem luar como o de Janeiro; Se não quer que o namore Não há cravo como o regado, Traga-o preso com um atilho. Nem amor como o primeiro.

1022 1023 Nada quero deste mundo Não me atrevas a dizer-te A não ser o teu amor; Do nosso amor o encanto; O meu afecto é profundo Eu só quero que me digas, Só por ti, singela flor. Se é por me quereres tanto.

1024 1025 Não quero amor ferreiro * Nas letras entrelaçadas, Que é muito mau de lavar; Vai o meu nome e o teu; Quero amor marinheiro, Bendito seja o teu nome, Vem lavadinho do mar. Quando se enlaça com o meu.

1026 1027 Não quero amor pedreiro, Na vossa boca sou tudo Fica caro no lavar; Até me chamais ladrão; Quero amor marinheiro Sendo vós quem me roubastes Que vem lavado do mar. A paz do meu coração.

1028 1029 Não quero o amor pedreiro, Nem a rosa da roseira, Não é por o desprezar; Nem outra qualquer flor, Tenho medo que ele morra, Nem a Primavera inteira, De eu viuvinha ficar. Vale mais que o meu amor.

1030 1031 Não receies a mudança Nem no mundo há dois mundos Que possa haver em mim; Nem no céu há dois senhores, Pois o meu ardente amor Não há coração que ame Só pode a morte dar fim. Ao mesmo tempo dois amores.

1032 1033 *Não te amo por um dia, Nesta quadra pequenina, Nem por uma só semana; Quero deixar o sabor Amo-te para toda a vida, Do beijo, que ainda há pouco, Só se o coração me engana. Eu sonhei do meu amor.

1034 1035 Não te esqueças, meu amor, No alto daquela serra De quem tem tanto amor; Não chove, nem cai orvalho; Se tu hoje me deixasses, Amor que hás-de ser meu, Eu morreria de dor. Não me dês tanto trabalho.

1036 1037 Naquela serra nasce água, No lugar de Arga de Baixo Por copos de vidro desce; Um amor hei-de roubar; Nem a água apaga a sede, Ou na entrada ou na saída Nem o meu amor me esquece. Ou no meio do lugar.

1038 1039 Nasceu um cravo vermelho Nunca te esqueças de mim, Na noite de S. João; Sou eu quem te ama, amor; De vermelho pôs-se roxo Andas no meu pensamento Ao passar na tua mão. Para toda a parte que eu for.

1040 1041 Nunca vi o sol à noite, Ó amor, nunca te iludas, Nem estrelas ao meio-dia. Tem seu lado traiçoeiro; Nunca vi o meu amor Há, muitas vezes, um Judas Quantas vezes eu queria. Na pele de um bom cordeiro.

1042 1043 Ó amieiro do Rio, O amor, quando é excelência, Deixa passar os peixinhos; Serve só para matar; Quem namora às escondidas, O meu coração, em segredo, Quer abraços e beijinhos. Por vezes te quis amar.

1044 1045 O amor de um rapaz O amor que eu por ti sinto É um simples passatempo; É de firme e leal amante; O amor da rapariga Hei-de amar-te até à morte, É um grande sentimento. Se tu me fores constante.

1046 1047 O amor, deves sabê-lo, O amor que por ti sinto É um sonho delicado; Não o posso descrever; Mas é preciso senti-lo As palavras não dizem tudo Quando se está acordado. Quanto te quero dizer.

1048 1049 O amor é cego e vê O amor que tanto amei É maluco e tem juízo; Esqueceu meu pensamento; Não tem palavras, é mudo, Como o rio esquece as rosas Mas diz tudo que é preciso. Que retratou um momento.

1050 1051 O amor é fogo ardente, O amor que te consagro Por vezes mau de apagar. Mais forte não pode ser. Quando é puro, docemente, Ninguém te ama como eu Por vezes faz-me chorar. Que te amo até morrer.

1052 1053 *O amor e o dinheiro O anel de sete pedrinhas Não podem estar encobertos; Salta fora do meu dedo; O dinheiro faz barulho, Tu foste o causador O amor é inquieto. De eu tomar amor tão cedo.

1054 1055 O amor é uma sombra O anel que tu me deste Que naquele muro dá. Era de vidro, quebrou. Que sempre se faz maior, O amor, que nos ligava, Quanto mais longe se está. Era pouco e acabou.

1056 1057 *O anel que tu me deste Ó cravo roxo doirado No domingo do Senhor, Meu peito já foi teu vaso; Era-me largo no dedo, Tomaste novos amores, Apertado no amor. Já de mim não fazes caso.

1058 1059 O Castelo de Viana *Ó figueira, dá-me um figo, Deita fitas a voar; Ó silva, dá-me uma amora; Foi-me embora o meu amor Meu amor dá-me uma fala, Não tenho para quem falar. Que me quero ir embora.

1060 1061 O cemitério de Dem Oh morte! Oh negra morte! Tem violetas ao redor; Vem a meus dias dar fim, Ó terra, que vai levar Já que o amor a quem amo O corpo ao meu amor. Não se vira para mim.

1062 1063 O Céu prometeu à Lua O J quer dizer jardim, Um lencinho com mil cores; Onde se colhem flores; Quando o céu promete prendas Eu hei-de ser jardineiro Que fará quem tem amores. Do jardim dos teus amores.

1064 1065 Ó comboio de Caminha, Olha aquela trepadeira Comboio arrastador, Presa ao muro do jardim; Levaste e não trouxeste Quem me dera, meu amor, O meu verdadeiro amor. Poder-te prender assim.

1066 1067 O comboio de Caminha *Olha para a folha da vinha, Já o meu amor levou; Como ela faz balanço; Adeus, meu amor, adeus, Quem tem amores bonitos, Que eu contigo já não vou. Nunca pode ter descanso.

1068 1069 O cordão do meu colete Ó Lisboa, ó Lisboa, É de retroz vermelhinho; Ó campo da aviação, Coitadinho de quem tem Tenho lá o meu amor Amores em Vilarinho. A despachar o balcão.

1070 1071 *O cravo depois de seco Ó Lisboa, ó Lisboa, Significa amor perdido Ó Lisboa do pecado; Ainda que queira, não posso Tens lá o meu amor, Tirar de ti o sentido. Por dinheiro enganado.

1073 1074 Ó lugar da Castanheira, O meu amor com chieira Nem és vila, nem aldeia; Não assenta o pé no chão; És um lugar pequenino Assenta, meu bem, assenta, Onde meu amor passeia. Que a chieira não dá pão.

1075 1076 Ó lugar da Castanheira, Ó meu amor d'algum dia, Nem és vila, nem cidade; Esse dia já acbou; És aldeia pequenina Se me vires olhar p'ra ti, Onde brilha a mocidade. Foi jeito que me ficou.

1077 1078 Ó meu amor, adeus, adeus, Ó meu amor de algum dia, Até quarta ou quinta-feira; De algum dia, meu amor, Não posso estar sem te ver Se não fosses de algum dia, Uma semana inteira. Não tinha pena, nem dor.

1079 1080 O meu amor agastou-se, Ó meu amor d'algum dia, Foi às amoras ao mato; Podes dizer a verdade. Diz-me tu, meu amorzinho, Durante o tempo que t'amei, Se de amores já estás farto. Se me achaste falsidade?

1081 1082 O meu amor ainda ontem Ó meu amor d'algum dia, Pela vida me jurou Vem-me falar a verdade. Que se ía deitar ao mar, Diz-me cá nesse teu peito Se ele é tolo, eu não sou. Se este meu coração cabe.

1083 1084 Ó meu amor, anda, anda, O meu amor de brioso Que eu te quero ver andar; Foi à romaria a Coura; Quero ver o teu modinho Lá não havia giestas, mais o teu passear. Fizeram dele vassoura.

1085 1086 Ó meu amor, anda, anda, Ó meu amor de tão longe, Que por ti eu morro, eu morro; Chega-te aqui para o perto; Se não deres uma fala, Já me dói o coração Morro, acabo de todo. De te ver nesse deserto.

1087 1088 Ó meu amor, a quem deste Ó meu amor de tão longe, O meu lenço de pintinhas? Escreve-me uma cartinha; Diz-me com quem repartiste Se não tiveres papel, A amizade que me tinhas. Nas asas duma andorinha.

1089 1090 Ó meu amor de tão longe, Ó meu amor do Brasil, Não venhas passar a serra; Ó meu amor brasileiro, Eu te mandarei dizer Manda-me de lá dizer As novidades da terra. Como se ganha dinheiro.

1091 1092 Ó meu amor de tão longe, *Ó meu amor do Brasil, Passa o mar, vem-me ver. Passa o mar e vem-me ver; As cartas não valem nada As cartas não valem nada Para mim que não sei ler. Para mim que não sei ler.

1093 1094 Ó meu amor de tão longe, *O meu amor é António, Resolve-te e vem-me ver. E António se lhe chama; As cartas não valem nada Não é que o mundo cuida Para mim que não sei ler. Que o mundo também se engana.

1095 1096 O meu amor de vaidoso O meu amor é António, Não assenta o pé n'areia; Manuel também quer ser; Assenta, meu bem, assenta, Andam todos à porfia Não tenhas tanta chieira. Mas Manuel há-de vencer.

1097 1098 O meu amor de vaidoso O meu amor é baixinho, Não assenta o pé no chão; Eu alta também não sou. Assenta, meu bem, assenta, É o par mais jeitosinho Não dês passos em vão. Que Deus ao mundo deitou.

1099 1100 O meu amor de vaidoso O meu amor é «chôfér» Não assenta o pé no chão; Trabalha de gasolina; Assenta, meu bem, assenta, A camioneta é d'ouro Não tenhas opinião. As rodas de prata fina.

1101 1102 O meu amor diz que é ele O meu amor é de Prado, O rei da rapaziada; Da terra de muita lenha, Usa gravata vermelha Para trazer um feixinho, E camisa engomada. Quando na rambóia venha.

1103 1104 O meu amor diz que vinha O meu amor é Domingos, Diz que vinha, mas não veio; Dias santos há-de dar. Eu amanhã devo ter Domingos e dias santos Uma carta no correio. Todos eu hei-de guardar.

1105 1106 O meu amor é Domingos, *O meu amor é soldado Há-de dar dias santos; Eu não o pude livrar: Eu como hei-de apartar O servir rei é grandeza, Dominguinhos entre tantos? Meu amor, deixa-te estar.

1107 1108 O meu amor e de Prado, O meu amor está doente Da terra dos fidalguinhos, Numa cama de algodão; Andai com ele amuado, As melhoras que lhe dou Não mo ponhais em caquinhos. É da cama para o caixão.

1109 1110 O meu amor é estudante, O meu amor está doente Estudou na estudantaria, Numa casa de madeira; Por muito que ele estudasse, Nossa Senhora o melhore Não estudou o qu'eu sabia. Da cama p'rá minha beira.

1111 1112 O meu amor e o teu O meu amor é tão lindo, Andam naquela ribeira; Jesus! Que me agrada tanto, O meu anda à erva doce, Hei-de ir hoje a Roma O teu à erva cidreira. Pedi-lo ao Padre Santo.

1113 1114 O meu amor é padeiro, O meu amor é tão lindo Tem a cara enfarinhada; Que parece uma flor; Seus beijos sabem a pão, Tu serás a minha vida, Não quero comer mais nada. Eu serei o teu amor.

1115 1116 O meu amor eras tu, O meu amor é tão lindo Se não te fosses gabar. Toda a gente mo cobiça; Pela boca morre o peixe, Se o chegar a lograr, Quem te mandou ir falar? As almas têm uma missa.

1117 1118 O meu amor era torto, O meu amor é um anjo, Eu mandei-o escavacar; Eu por anjo o venero; Agora já tenho lenha Se o chegar a lograr, Para fazer o jantar. Nada mais do mundo quero.

1119 1120 O meu amor é soldado O meu amor é um anjo, Do primeiro batalhão; O teu é um passarinho; São os olhos mais bonitos O meu morre, vai p'ró céu, Que no regime estão. O teu choca, vai p'ró ninho.

1121 1122 O meu amor é um cravo O meu amor foi-se embora, Criado à luz do dia; Para Lisboa foi morar; É cravo, eu sou rosa Quem me dera ser pombinha Ele é Zé, eu sou Maria. Para o ir acompanhar.

1123 1124 *O meu amor é um cravo, O meu amor foi-se embora Eu bem o soube escolher; Pela barra de Caminha; O craveiro não tem outro, Já perdeu a lei à terra, Só se agora lhe nascer. A amizade a quem tinha.

1125 1126 O meu amor é um cravo, Ó meu amor jura, jura, É um cravo por abrir; Faz uma jura bem feita; Eu também sou uma rosa A jura que me hás-de dar Que o faço aqui vir. É na igreja a mão direita.

1127 1128 O meu amor é um cravo, O meu amor Manuel, Eu sou rosa para ele; Fala para outra Maria; Ele é do meu coração, Se ele não me trocasse, Eu sou do coração dele. Outra coisa seria.

1129 1130 O meu amor foi e disse O meu amor me deixou, Que eu por ele não chorasse, Eu vivo alegremente; Se lhe causasse penas, Mais vale estar sem amores, Ele morto, se ficasse. Do que triste para sempre.

1131 1132 O meu amor foi-se embora, O meu amor me deixou, Adeus me veio dizer; Pena não tenho nenhuma; Apertou-me a mão e disse: Deixou-me a tempo bastante Amor firme até morrer. De arranjar melhor fortuna.

1133 1134 O meu amor foi-se embora, *O meu amor me deixou, Julgando qu'eu morria; Pensando que eu chorava; Foi um e veio outro, Nunca foi o meu costume Fiquei com mais alegria. Chorar por quem me deixava.

1135 1136 O meu amor foi-se embora, O meu amor me deixou O comboio o levou; Por uma linha quebrar; Se foi...deixá-lo ir Se me deixou foi ao meu gosto, Que eu atrás dele não vou. Por outro mais me agradar.

1137 1138 O meu amor me disse, Ó meu amor, não me zeles Ai! me disse, minha alegria: Que eu para ti não hei-de ser; Se queria ir para Lisboa, Eu já tenho quem me zele Ai! em qualquer dia. Para os dias que hei-de viver.

1139 1140 O meu amor me disse ontem: Ó meu amor, não vás hoje No domingo falaremos Que amanhã também é dia; Domingo tarda três dias, Amanhã também eu vou, Eu ainda queria menos. Vais na minha companhia.

1141 1142 O meu amor me trocou Ó meu amor, nunca me deixes Por uma mais bonitinha; Que eu ainda te não deixei; A minha saia tem roda, Quando eu te deixar, amor, A dela é travadinha. Faz de conta que acabei.

1143 1144 Ó meu amor, meu amor, O meu amor ontem à tarde Jamais me faças sentir; Pela vida me jurou: Eu como sol de verdade, Que se ia deitar ao mar, Tu, como sombra a mentir. Eu atrás dele não vou.

1145 1146 Ó meu amor, meu amor, Ó meu amor, pede a Deus, Quem te deu a liberdade Que eu peço às almas santas, De entrares em meu peito, Que nos juntemos ambos, Sem fechadura, nem chave? Já que as saudades são tantas.

1147 1148 *O meu amor não é aquele, Ó meu amor, pede, pede O meu amor traz chapéu, Calça de linho no Verão; Tem o andar miudinho Eu também hei-de pedir, Como as estrelas do céu. Anel de oiro na mão.

1149 1150 O meu amor não é aquele O meu amor pede, pede Que eu no andar conheço, Mas eu não lhe queria dar, Tem o andar miudinho Tudo será para ele Como a folha do codesso. No dia que m'eu casar.

1151 1152 *O meu amor não é este, Ó meu amor, quem te disse O meu amor tem chapéu; Que eu te não queria bem? O meu amor ao pé deste Quem te disse, te mentiu, Parece um anjo do Céu. Que eu não quero mais ninguém.

1153 1154 Ó meu amor, quem to disse O meu amor vai e vem, Que eu a dormir suspirava? Na vinda vem por aqui; Quem to disse, não mentiu, Se eu aqui não estiver, Que eu por ti suspiros dava. Podes crer que já morri.

1155 1556 Ó meu amor, quem tu disse Ó meu amor, vais-te embora, Que eu morria por ti? A quem me deixas ficar? Eu nunca morri por amores Não te deixo a ninguém Que eu ainda estou aqui. Que eu se vou, hei-de voltar.

1157 1558 Ó meu amor, ramo d'oiro, Ó meu amor, vais-te embora, Jardim da minha varanda, Levas a minha alegria. Caixinha dos meus segredos, Nossa Senhora te ajude, Que no meu coração anda. Vá na tua companhia.

1159 1160 O meu amor se foi embora Deixas-ma ficar sozinha, Foi sem me dizer adeus; Não me dizes quando vens. Escuta que hás-de ouvir Ó meu amor, vais-te embora, No vapor suspiros meus. Não sei que coração tens.

1161 1162 Ó meu amor, se tu queres O meu amor vem aí A tua roupa lavada, Ai Jesus, agrada-me tanto! Vai pagar à lavadeira Foi mandado por Deus, Que eu não sou tua criada. Mais pela Espírito Santo.

1163 1164 Ó meu amor, se tu queres Ó meu amor, vem-me ver Que a minha alma seja tua, Que eu não te vou procurar, Perde o tempo e rompe as solas, A água procura o rio, Se é de gosto, continua. O rio procura o mar.

1165 1166 O meu amor só me fala Ó meu amor, vem ver Do que traz no pensamento; Castanheira que é tão lindo, Tudo será para ele Uma hora por semana No dia do casamento. Duas ou três ao domingo.

1167 1168 O meu amor tem peixinhos, Ó meu amor, vens do estrangeiro Eu também os queria ter; Aperta-me a minha mão; O meu amor diz que morre, Se não queres falar, não fales, Eu também queria morrer. Onde está o sim, estão o não.

1169 1170 O meu coração acaba O meu coração é terra, Porque sofre noite e dia, Hei-de mandá-lo lavrar Desde que me apaixonei Para semear amores Pela tua simpatia. Que se me estão a acabar.

1171 1172 O meu coração, amor, O meu coração é terra, Já não pode suspirar; Hei-de mandá-lo lavrar Com as outras saudades, Para semear desejos Vou morrendo devagar. Que tenho de te falar.

1173 1174 O meu coração é bruxo, O meu coração é teu, Aprendeu com o feiticeiro, E o teu de quem será? Adivinha muitas coisas, O meu morre pelo teu, Mas dizendo-lhas primeiro. E o teu por quem morrerá?

1175 1176 O meu coração é cofre, *O meu coração é vidro, Está cheio de gavetinhas; É vidro na tua mão; Vai-se abrindo com saudades, Se te queres vingar dele, Fechando com palavrinhas. Deixa-o cair ao chão.

1177 1178 O meu coração é mudo, O meu coração há muito Nem fala, nem aparece; Foi preso do teu olhar; Se o meu coração falasse, Não pode haver outro amor, Diria por quem padesse. Capaz de o cativar.

1179 1180 O meu coração e o teu O meu coração voando Juntinhos hei-de bordar; Dentro do teu foi cair; Se a linha for da feição Sentiu as asas quebradas Nunca mais se hão-de apartar. De lá não poder sair.

1181 1182 O meu coração é ouro, O meu lenço tem três pontas, É ouro do mais maciço; Não desbotes tua cor, As minhas falas são firmes, Que foi a primeira prenda As tuas vamos ver isso. Que me deu o meu amor.

1183 1184 O meu coração é pobre Ó meu lindo amorzinho, É pobre, não tem valor; A quem minha alma adora, Se ele não fosse tão pobre, Por quem o meu coração Não me deixavas, amor. Tanto suspira e chora.

1185 1186 Ó meu lindo amorzinho, Ó meu rico amorzinho, Ensina-me a tua arte, Ninguém te quer mais do que eu; Ensina-me a aborrecer-te Se tu és um reino de ouro, Que eu não sei senão amar-te. Do mesmo jardim sou eu.

1187 1186 Ó meu lindo amorzinho, Ó minha bela menina, Eu quero-te tanto bem, Eu sou como o pimentão. Tenho-te tanta amizade, Eu queimo mais numa hora, Enquanto outro não vem. Do que o sol em todo o Verão.

1187 1188 Ó meu lindo amorzinho, Ó minha cara de neve, Gosto de ti tanto, tanto, Com que lavas o teu rosto? Parece feitiçaria Com água de melancia Ou milagre d'algum santo. Colhida no mês de Agosto.

1189 1190 Ó meu lindo amorzinho, Ó minha fala brandinha, Meu púcarinho de cheiro, Não me deixes ficar mal; Somos tantas a querer-te, Diante de tanto povo, Quem te logrará primeiro? No meio deste arraial.

1191 1192 Ó meu lindo amorzinho, Ó minha mãe, deixe-me ir Meu regalo era ver-te; A S. Martinho à missa, Agora tanto me dá Que eu tenho lá dois olhinhos Ganhar-te como perder-te. Que me prendem sem justiça.

1193 1194 Ó meu lindo amorzinho, Ó minha mãe dos trabalhos, Ninguém te quer mais do que eu, Para quem trabalho eu? Tu amas a quem te logra, Trabalho, mato meu corpo, As penas sofro-as eu. Não tenho nada de meu.

1195 1196 Ó meu lindo amorzinho, Ó minha mãe, minha mãe, Ó quem te desse dois tiros Não me vê pôr em leilão; Com uma espingarda d'ouro Eu já dei o sim a alguém Carregada de suspiros. Que me quer o coração.

1197 1198 Ó meu lindo amorzinho, Ó minha mãe, venha ver Tenho horas de amargura; A cama do meu amor; Nos dias em que te não vejo Deitado na meia rasa, Ando como a noite escura. Coberto com o rasador.

1199 1200 Ó minha pomba branca, Ó moças, casai comigo Empresta-me o teu vestido, Que boa prenda levais; Ainda que seja de penas, Jogo cartas, bebo vinho, Eu de penas também vivo. Para melhor não encontrais.

1201 1202 *Ó minha pombinha branca, Ó moças da nossa terra, Meu pombinho rolador; Vinde todas à janela! Quando chegará a hora Vinde ver a nossa ronda De eu te chamar amor? Que se pode olhar para ela.

1203 1204 Ó minha pombinha branca, Ó moças, façam arquinho, No adro de S. João; Ó moças, façam arcada No meio de tanta pomba, Para passar o meu benzinho, Só me tu restas paixão. Para passar a minha amada.

1205 1206 Ó minha pombinha branca, O nosso olhar é espelho No adro de S. João; Do que sente o coração; Quando chegará a hora A boca pode mentir, De entrares no meu coração? O nosso olhar é que não.

1207 1208 Ó moças, amai o coxo, Ontem ía dizer-te Que o coxo também se ama; Que o nosso amor acabou; Só a graça que ele tem Ao chegar ao pé de ti, De ir aos saltinhos p'rá cama. Percebi que aumentou.

1209 1210 Ó moças, amai os moços O Padre, quando diz missa, Que eles bem baratos são; Abre o livro e diz: Oremos; É o cento a pataco Tu dizes que hei-de ser tua, E a dezasseis o quarteirão. Eu digo que ainda veremos.

1211 1212 *Ó moças, andai ligeiras, Ó passarinho voante, Vão pedir a Santo António Vou-te pedir um favor: Que as ponha em linha Se me levas nas tuas asas No livro do matrimónio. A cartinha do meu amor.

1213 1214 Ó moças, casai comigo Ó pedras do rio Coura, Que boa prenda levais; Ó jardim da castidade, Jogador e preguiçoso, Se me tens algum amor, Bêbado cada vez mais. Peço-te que nunca acabe.

1215 1216 Ó pinheiro, dá-me pinhas, O segredo do teu coração Ó pinheiro, dá-me pinhões; Quem me dera a mim saber; Quem tem amor, tem zelos, Alegrias e tristezas, Quem tem zelos, tem paixões. Todas a mim venham ter.

1217 1218 que eu tive O senhor dê tempo ao tempo, Foi uma carta fechada, Não seja tão apressado; Este que agora tenho Sou ainda muito nova É coisa mais delicada. Para já ter namorado.

1219 1220 O relógio de Caminha O sete estrelo caiu Está na torre e não dá horas; Lá na beirinha do tanque; Eu bem sei, meu amorzinho, Quem vem aqui por te ver, A santa que tu adoras. Já te tem amor bastante.

1221 1222 O rio que vai correndo, Os nossos dois corações De penedo em penedo; Juntinhos hei-de eu bordar; Rio, leva-me uma carta Se a linha for à feição, Ao meu amor em segredo. Nunca se vão separar.

1223 1224 Os amores que tu amas Os nossos dois corações São velhos que eu já deixei, Unidos à simpatia; Andas a apanhar os bagos Quando será essa hora, Da vinha que eu vindimei. Quando virá esse dia?

1225 1226 O sangue das minhas veias O sol anda e desanda, Já anda no teu coração; Dá voltinhas ao redor; Se os teus braços são cadeias, É como os rapazes solteiros Eu já me dou na prisão. Enquanto não têm amor.

1227 1228 Ó S. Martinho da Gandra, Os olhos do meu amor Terra, jardim de flores; São dois navios de guerra; No lugar de S. Martinho Quando vão pelo mar dentro, Tenho meus queridos amores. Deitam faíscas à terra.

1229 1230 Os cravos do meu jardim Os olhos do meu amor Caem para cima do muro; São duas azeitoninhas; Quem quiser amor, que arranje, Fechados são dois botões, Que eu já tenho o meu seguro. Abertos duas rosinhas.

1231 1232 Os olhos do meu amor Quando me lembras, amor, São duas continhas pretas; Vou à janela e digo: Fechados são dois botões, Onde estará a esta hora Abertos são violetas. Perdição do meu sentido?

1233 1234 O sol nasce inclinado Quando o sobreiro der baga, Às pedras do meu anel; O loureiro der cortiça, Eu também me inclino Hei-de amar-te, meu amor, Para os teus olhos, Manuel. Que agora tenho preguiça.

1235 1236 Os passaros quando nascem Quando os passarinhos choram Começam logo aos beijonhos; Numa arvore tão pequena, Assim são os namorados, Que fará meu coração Quando se encontram sozinhos. Cheio de tanta pena.

1237 1238 Por estar longe de ti Quando passares por mim, Não deixarei de te amar; Baixa a vista para me ver; Sabes bem que eu te adoro, Nós podemo-nos amar Escusas de duvidar. Mas escusam de saber.

1239 1240 Prometeram-me um prenda, Quando se acaba o amor, Se eu para ti não falasse; Acaba-se uma paixão; Eu logo lhe respondi: Muita gente assim fez Só se o mundo acabasse. Por causa da ilusão.

1241 1242 Prometeu o sol à lua, Quando se encontra o amor, As campainhas ao sino, Causa pena e dá gosto; O meu coração ao teu Sobressalta o coração Com correntes d'ouro fino. E sobem as cores ao rosto.

1243 1244 Prometeu o sol à lua, Quantas vezes pensando As estrelas ao luar, Nesta horrenda sociedade, O meu coração ao teu Eu me sinto já cansada Para nunca mais te deixar. Ralada pela saudade.

1245 1246 Quando eu, amor, contemplo Quanto mais de mim duvidas A luz do teu doce olhar, Mais dobro minhas razões; Minha alma diz-me em segredo Se eu tivesse, para ti eram, Que eu nasci para te amar. Duzentos mil corações.

1247 1248 Quem corre por gosto, não cansa, *Quem me dera amar um dia, Toda a vida ouvi dizer; Ter amor, ter afeição, Se eu pudesse, até voava Ser escravo, dar a vida Só para contigo ir ter. Por um terno coração.

1249 1250 Quem disse que o verde é feio Quem me dera cá o sábado Hei-de dizer-lhe que mente; O domingo mais ao pé... Não há cravo nem há rosa Para ver o meu amor Aonde o verde não entre. Que a vontade boa é.

1251 1252 *Quem diz que o amar custa Quem me dera dar-te um beijo, Bem certo que nunca amou; Um beijo não custa a dar; Eu amo e sou amada, São duas bocas unidas, Nunca amor me custou. Quatro lábios a beijar.

1253 1254 Quem diz que o azul é feio, Quem me dera dar um ai O azul é linda cor; Porque um ai alivia; Com o azul é que eu escrevo Em certas ocasiões, As cartas ao meu amor. Se não desse um ai, morria.

1255 1256 Quem está bem, deixe-se estar Quem me dera dar um ai Eu não posso estar melhor; Que chegasse aonde eu queria... Estou à beira de quem amo Para o meu amor dizer: Estou ao pé do meu amor. Este ai de onde viria?

1257 1258 Quem fala de mim, quem fala? Quem me dera dar um beijo Quem fala de mim, quem é? Na boca do meu amor; É a rodilha da cozinha São quatro lábio unidos, De limpar a chaminé. Dois corações em flor.

1259 1260 Quem me a mim ouvir cantar Quem me dera, dera, dera, Que dirá e tem razão? Quem me dera, dera, dar... Dirá que eu ando alegre, Abraços ao meu amor, Sabe Deus, meu coração. Beijinhos até fartar.

1261 1262 Quem me dera adivinhar Quem me dera que viesse Qual era a azinheira doce; O tempo das desfolhadas... Não lhe havia de deixar Para dar ao meu amor Um só ramo que fosse. Quatro castanhas assadas.

1263 1264 Quem me dera ser água Quem me dera subir ao alto Pelas fontes a correr... Que eu do alto vejo bem... Para teus lábios beijar Quero ver se o meu amor Quando lá fores beber! Está a falar com alguém.

1265 1266 Quem me dera ser água *Quem pintou o amor cego No teu peito navegar; Não o soube bem pintar, Para assim poder saber O amor nasce da vista Se és firme no amar. Quem não vê, não pode amar.

1267 1268 Quem me dera ser cigarro Quem quiser os limões verdes Na boca do fumador... Vai tirá-los ao limoeiro; Para andar sempre a beijar Quem quiser o amor firme A boca do meu amor! Dorme com ele primeiro.

1269 1270 Quem me dera ser a cruz Quem quiser que a água corra Que em teu peito tem abrigo; Dê um corte na levada; Bendita cruz, era a cruz Quem quiser o amor firme, De viver sempre contigo. Cale-se, não diga nada.

1271 1272 Quem me dera ser a lágrima Quem tem amor, diz que morre, Para dos teus olhos nascer; Ai quem me dera morrer; Roçar pela face abaixo Mais vale morrer de amor Na tua boca morrer. Do que sem ele viver.

1273 1274 Quem me dera ser a silva Quem tem amores, não dorme, Para no tempo dar amoras; Acho eu e creio bem; Quem me dera ser a Santa Ainda muito menos dorme, Do altar que tu adoras. Quem os quer e os não tem.

1275 1276 Quem me dera ser colete, Quem tem amores, não dorme, Quem ,e dera ser botão... Eu também assim fazia; Para andar apertadinha Mas eu, como não os tenho, Junto ao teu coração. Durmo de noite e de dia.

1277 1278 *Quem me dera ser o linho *Quem tem pinheiros, tem pinhas, Que vós na roca fiais; Quem tem pinhas, tem pinhões; Quem me dera tantos beijos Quem tem amores, tem zelos, Como vós no linho dais. Quem tem zelos, tem paixões.

1279 1280 Que não tenho coração Que triste segunda-feira, Dizes por aí, bem sei; Da semana que há-de vir; Como queres que eu tenha Vai-se o meu amor embora Uma coisa que te dei. Quem o há-de ver sair.

1281 1281 Querido coração, Relógio da nossa igreja, Eu vivo para te amar; Vou pedir-te um favor: A minha maior alegria Que marques as horas certas Era contigo casar. Para falar ao meu amor.

1282 1283 Quero bem à minha sogra Relógio da Sé de Braga, ~Porque é mãe do meu amor Bate as horas com rigor; Que criou para me dar Para eu contar os minutos A mais brilhante flor. Da ausência do meu amor.

1284 1285 Quero dar-te as despedidas Reparei na minha casa Quero dá-las e não posso; E no meu pobre coração; Tenho o meu coração preso Só me podereis vencer Por um fio d'ouro ao vosso. Num laço de união.

1286 1287 Quero muito ao cigarro Salsa verde requer gosto, 'Inda mais ao fumador; Eu gosto faço em ti; 'Inda mais à minha sogra Quando te eu deixar de amar, Por ser mãe do meu amor. Podes crer que já morri.

1288 1289 *Quero-te bem, meu amor, Se ainda em ti existe Mas não é demasiado; Aquela mesma paixão; Querer-te bem, é loucura, Vem, que ansioso te espera Querer-te mal, é pecado. Um ansioso coração.

1290 1291 Quero ver-te, meu amor, Se algum dia ouvires dizer Trinta dias cada mês, Que em Santa Aginha morri... Sete dias na semana, Olha que foi com desgosto, Cada minuto uma vez. Amor, por causa de ti.

1292 1293 Quero vestir-me de preto Se antes de ti morrer, Que de branco anda a lua; Vai-me à sepultura pôr Eu não sei que fiz ao sol Um goivo, uma saudade, Que não dá na minha rua. Lembranças do nosso amor.

1294 1295 Se as saudades matassem, Se o bem querer se pagasse, Eu já teria morrido; Quanto me estavas devendo. As saudades não matam, Não há dinheiro que pague Fazem moer o sentido. O bem que te eu estou querendo.

1296 1297 Se bem olhas os meus olhos Se o loureiro não tivesse Quando eu olho para os teus, No meio tanta ramada... Não sei como não entendes Da minha janela alta O que eu te digo nos meus. Via a casa da minha amada.

1298 1299 Se eu fosse uma medalha, Se o meu amor bem soubesse Ao teu peito andaria; Que eu aqui estava cantando, Dentro do teu coração Punha os pés a caminho As pancadas contaria. Por aí fora caminhando.

1300 1301 Se eu tivesse, não pedia *Se o meu amor fosse António, Coisa nenhuma a ninguém; Assim como é João, Mas, como não tenho, peço Mandava-o engarrafar Um amor a quem dois tem. Dentro do meu coração.

1302 1303 Sei um cento de cantigas Se o meu amor fosse António, E mais uma cesta cheia, Mandava-o engarrafar Para dizer ao meu amor Numa garrafinha d'oiro Ao jantar e mais à ceia. Para o sol não o queimar.

1304 1305 Sei um cento de cantigas *Se ouvires assobiar, Mais uma cesta cheia, Não penses que é caçador; P'ra cantar ao meu amor É a moda que agora anda Ao almoço e à ceia. De assobiar ao amor.

1306 1307 Se me amas, dá-me provas, Se ouvires tocar o sino, Quero amar teu lindo rosto; Não perguntes quem morreu; Tenho muito quem me queira, O sino toca para a missa, Mas só tu és ao meu gosto. Quem morre por ti sou eu.

1308 1309 Senta-te aqui, amor, Se queres que eu seja tua, Nesta cadeirinha nova, Manda ladrilhar o mar; Feita da raiz do cravo Depois do mar ladrilhado E das folhas duma rosa. Serei tua sem faltar.

1310 1311 Sete e sete msão catorze Sonhei que me enganavas Com mais sete vinte e um; Que tinhas outro amor; Tenho sete namorados Mas acordei sufocada, E não gosto de nenhum. Foi sonho enganador.

1312 1313 mortais Só tu és o meu encanto, Aprendi eu na doutrina; A minha doce ilusão; Agora já sei mais dois Por ti, anjo adorado, São os teus olhos, menina. Darei alma e coração.

1314 1315 Se tu me fosses leal, Só tu, meu lindo amor, Nas palavras que me dizes; Só tu tiveste a dita Os nossos dois corações De entrar no meu coração Um dia eram felizes. Numa sala tão bonita.

1316 1317 Se tu visses o que eu vi Sou escrava, bem o sabes, Na malinha do correio... Escrava do teu amor; A carta do meu amor Acorrentou-me o sorriso Que de tão longe veio. Do teu rosto encantador.

1318 1319 Se viesse um vento norte Sou meiga de natureza, Que levasse os estudantes... Sensível por condição; Ficava a cidade limpa Sei amar eternamente De amores e tratantes. A quem dei meu coração.

1320 1321 Se vires a tarde triste, Sou uma fita da moda Nublada a querer chover; Que na água perde a cor; Olha que são os meus olhos Eu agrado a todo o mundo Que choram por te não ver. Muito mais ao meu amor.

1322 1323 Se vires à tua porta Subir ao alto, custa, Dois pobrezinhos bater... Quem não pode subir, desce, Olha que são os meus olhos Quem tem um amor bonito Que fugiram para te ver. Julga que ainda mais merece.

1324 1325 Só contigo serei feliz Tenho a vista cansada Nos dias da minha vida; De olhar para a estrada nova Se isso não acontecer, Para ver se vejo vir Viverei triste, aborrecida. Meu amor por ela fora.

1326 1327 Tenho dentro do meu peito, Teu coração é que é Ao lado do coração, A causa de te querer bem; Duas palavras que dizem: O meu coração é teu, Amor da minha paixão. Não o dou a mais ninguém.

1328 1329 Tenho em amor em Viana, Teus olhos fazem chorar Outro em Ponte de Lima, E sofrer um coração, Outro em Arga de Baixo, Mas não podes arrancar Outro em Arga de Cima. Da minha alma esta paixão.

1330 1331 Tenho um amor em Viana, Toda a gente vejo vir; Tenho outro em Santo Tirso; Só o meu amor não vem; O de Viana é melhor, Ou o mataram a ele, Minha avó me conta isso. Ou ele matou alguém.

1332 1333 Tenho um amor que me ama, Toda a vida desejei Outro que me dá dinheiro, O meu amor Manuel; Outro que me desengana, Agora tenho-o na mão, É o mais firme e verdadeiro. Caiu-me a sopa no mel.

1334 1335 *Tenho um amor, tenho dois, Todas as aves em Maio Tenho três, não quero mais. Buscam o seu aposento; Para que quero mais amores, Eu sem buscar, achei Se me eles não são leais? Amores do meu contento.

1336 1337 Tenho uma pena em meu peito Todo aquele que não tem No meio atravessada; No peito chama ardente Se me o meu amor não tira... E o amor desconhece... Tenho vida amargurada. Vive sempre descontente.

1338 1339 Tenho uma pena no peito Toma lá este raminho, Dá-lhe o vento, voa bem; No meio leva goivos; tenho o meu amor ausente Diz-me lá, ó menino, Da freguesia de Dem. Quando estaremos noivos?

1340 1341 Tenho vinte e três amores, Toma lá este raminho, Contigo são vinte e quatro. No meio leva morangos; Ao chegar ao quarteirão, Diz-me lá, meu amor, Vendo-os todos a pataco. Quando falamos ambos.

1342 1343 Toma lá meu coração, Triste de quem der um ai Entrego-te fechadinho; Sem achar eco em ninguém; Só eu queria, meu amor, Felizes os que têm pai, Ter sempre o teu carinho. Mimosos os que têm mãe.

1344 1345 Toma lá meu coração Tua boca é um cravo, Fechadinho à chave está; Teus dentes são as folhinhas, Se tu não o quiseres abrir, As meninas dos teus olhos Ninguém mais o abrirá. São duas lembranças minhas.

1346 1347 Toma lá o meu coração Tu andas atrás de mim Porque sou eu quem to dou; Com braçadinhos de ramos; Hoje passei por teu pai Tu andas para me enganar, E nora me chamou. Mas eu não vou nos enganos.

1348 1349 Toma lá meu coração Tu beijaste-me primeiro Se o queres abrir, não sei; E eu beijei-te depois; Ainda hoje passei pela tua mãe Tu beijaste-me, eu beijei-te, Pois eu sogra lhe chamei. Empatamos dois a dois.

1350 1351 Tomara-te ver casado Tu também vês quanto te amo Para te dar meus parabéns, E adoro juntamente, Para ver se te acaba Decerto tu desconheces Essa vaidade que tens. A dor que meu peito sente.

1352 1353 Topei um ninho de melro Tu chamaste-me inconstante, Debaixo do teu balcão, Não pensaste o que disseste; As moças que vão à fonte De tanto te ter amado, Todas com o ninho me dão. É o pago que me deste.

1354 1355 Trazes o cordão ao peito, Tu dizes que eu que sou tua, Brinquinhos a dar, a dar, Em que papel se assinou... Olhinhos de querer bem, Eu sou rapariga nova, Olhinhos de namorar. Sabe Deus para quem eu sou.

1356 1357 Trazes um cravo ao peito, Tu dizes que te menti, É sinal de casamento; Verdade nunca falei; Tira o cravo e põe a rosa Se menti alguma vez, Que o casar ainda tem tempo. Desculpa que me enganei.

1358 1359 Tu dizes que vens de longe, Uma pena de pavão, Deves vir bem fatigado; Sangue de uma cotovia, Sinto que por minha causa Hei-de escrever uma carta Chegaste aqui cansado. Ao meu amor d'algum dia.

1360 1361 Tudo o que te prometi Uma silva me prendeu, Eu desejo realizar; Outra me deu a prisão, Eu só vivo para ti, Outra me deu o dinheiro Isso te posso afirmar. Para a minha liberação.

1362 1363 Tu me fizeste esquecer Um delírio tão tristonho Outro amor que já amei; Eu julgo que nunca vi: Ao ver-te a vez primeira, Se durmo, vejo-te em sonho, Meu amor, te consagrei. Se acordo, só penso em ti.

1364 1365 Tu não julgues por me rir Um dia te hei-de encontrar Que já me tinhas na mão; Numa quelha sem saída; Não sou eu tão rabaceira Eu te quero perguntar: Que apanhe a fruta do chão. Que te importa a minha vida?

1366 1367 Tu tens olhinhos pretos Um gesto ganha sentido, Como o retroz de coser; Quando disfarça o amor; Nascemos um para o outro, Um rosto, quando é fingido, Que lhe havemos de fazer? Fica por grande traidor.

1368 1369 Uma hora cada dia Vai, carta feliz, voando Porque mais não pode ser; Pelas asas do avião, Bem dabes que neste tempo Vai dizer ao meu amor Tenho muito que fazer. Que o quero do coração.

1370 1371 Um amor como eu tenho Vai-te, carta feliz, voando Julgo que ninguém o tem; Por essas terras sem fim, Fala-me nas marés vagas, Vai dizer ao meu amor Quando não há mais ninguém. Que se não esqueça de mim.

1372 1373 Uma noite, à meia-noite, Vai-te carta, vai-te carta, Ouvi um belo cantar; Responde e sabe falar; Eram os anjos do céu Já que eu não posso ir, E a sereia do mar. Vai carta no meu lugar.

1374 1375 Vai-te, carta venturosa, Venho aqui de tão longe, Que lindos olhos vais ver; Meu amor, p'ra te falar; Carta, põe-te de joelhos, Diz-me lá se sim ou não Quando te forem ler. Me arranjas um lugar.

1376 1377 *Vai-te carta voando Venho aqui de tão longe, Nas asas dum passarinho, Meu amor, só p'ra te ver, Vai levar ao meu amor Passando altos e baixos Um abraço e um beijinho. Em perigo de me perder.

1378 1379 Vai-te embora, meu amor, Venho aqui de tão longe Não digas que vais daqui; Sem descanso nenhum ter, Já tenho outra namorada, Rompendo montes e vales, Já não preciso de ti. Meu amor, para te ver.

1380 Viva Arga, Castanheira, Santo Aginha, Cabração, Nestas quatro freguesias Navega o meu coração.

QUADRAS DIVERSAS

Nesta secção, englobo todas as quadras que se não enquadravam com facilidade nos temas anteriores. Aqui o leitor tem a oportunidade de encontrar, encerrados em quatro versos, autênticos conceitos da vida: Que importa perder a vida / Em luta contra a «traição» / Se a razão mesmo vencida / Não deixa de ser razão ( A. Aleixo ). Eis um retrato da vida quotidiana do povo, transmitido pela poesia. A economia, o trabalho, o nascimento, o casamento, o falecimento, a educação, a religião, tudo faz parte da vida e da poesia. Trabalhos e canseiras, vitórias e derrotas, alegrias e tristezas, esperanças e planos são objecto de cantigas populares.

1381 1382 A água do nosso rio A carrasquinha do monte Nasce à beira da açucena; Adivinha a Primavera; Não faças pouco de mim, Eu só queria adivinhar Que não te merece pena. A tua ideia qual era.

1383 1384 A água do rio Lima A carta que te mandei Passa por debaixo da ponte; Foi escrita depois da ceia; Quem quiser a rosa alegre Uma notava, outra escrevia, Ponha-lhe o cravo defronte. Outra pegava na candeia.

1385 1386 A azeitona miudinha Aceita o meu coração, De madura escureceu; Não o dividas com ninguém; Não há falas como as tuas, Não queiras que mais que uma Nem coração como o meu. Chame sogra à tua mãe.

1387 1388 Abençoado jardim Adeus, que me vou embora Que lindas rosas criou; Para a semana que vem; Abençoadas as mãos Quem não me conhece, chora, Que do jardim as tirou. Que fará quem me quer bem.

1389 1390 Abranda rapaz, abranda, À entrada desta rua, Essa tua opinião; À saída desta terra, As pedras também abrandam Prometeram-me uma rosa, Aquelas que duras são. Não me vou daqui sem ela.

1391 1392 Abre-te, cana da Índia, À entrada desta rua Que te quero ver o meio; Dei um ai que nunca dera; Quantas vezes se não fala Recolheram-se as estrelas, Por causa de ter receio. Saíu-me o sol à janela.

1393 1394 A cantiga que se canta *A folha da oliveira Não se canta duas vezes; Deitada ao lume estala; A semana tem sete dias Assim é meu coração, E o ano tem doze meses. Quando para ti não fala.

1395 1396 A capa dos estudantes A folha da vinha branca, É um jardim de flores; De amarela quer cair; Toda cheia de remendos, Já me tiveste na mão, Cada um de várias cores. Não me deixasses fugir.

1397 1398 A folha da vinha branca, *Agora é que eu vou cantar, De noite relampedeja; Ajudai-me, raparigas; Dá-me o ar da tua graça, Agora é que eu vou saber Desse que a ti te sobeja. Quais são as minhas amigas.

1399 1400 A flor da vinha bole, Agora é que eu vou cantar Certo é que dá o vento; Na hora de Deus amem Ninguém ponha seu sentido, Quem na hora de Deus canta Onde não vê fundamento. Sempre lhe sucede bem.

1401 1402 A folha do castanheiro, Agora é que vou cantar De amarela cai no chão; Para aliviar a minha ideia; Muita menina se perde É um regalo cantar Pela sua presunção. Depois da barriga cheia.

1403 1404 A folha do castanheiro Agora é que eu vou entrar Tem biquinhos como a renda; Salinhas e corredores; Quem tem o amor bonito Já me esquecia de dar: Não pode ter melhor prenda. «Boas tardes, meus senhores».

1405 1406 A folha do sobreiro Agora já não se usa É esbicada como a renda; Ir pedir a filha ao pai; Quando chegar a casar, Entra-se pela porta dentro: Quero homem, não fazenda. «Meu sogro, esta cá vai».

1407 1408 A formosura em ti Agora mais que nunca É como a água no mar; Eu sinto bem o digo; Por muito que se lhe tire Tu vai sonhando com Deus, Nunca se pode acabar. Eu vou sonhando contigo.

1409 1410 A freguesia de Covas Agora, sim, já me lembra, Tem leirinhas ao correr; Mas eu não conhecia, É terra de muitas cabras, Deveras faz tanta diferença Muitos cornos há-de haver. Como a noite faz do dia.

1411 1412 Agarrei o negro melro Agora vai-te gabar Lá, debaixo do salgueiro; Que te dei um limão; Primeiro que o agarrasse Eu tirei-o do limoeiro, Andei um ano inteiro. Tu tiraste-mo da mão.

1413 1414 Agora vou terminar Ainda ontem me perguntaram Menino de perna alta; Que fiz à minha alegria: A gente não deve dar Mandei-a para Lisboa, Aquilo que lhe faz falta. Deve chegar qualquer dia.

1415 1416 Água leva o regadinho, Ainda te queria encontrar Vai regar a quinta ao norte, Numa quelha sem saída: Estes mocinhos de agora Que te queria perguntar Pedem a Deus boa sorte. Que te importa a minha vida.

1417 1418 Água que nasce e não corre Ajuda-me aqui, ajuda, Detrás da pedra faz lodo; Anda-me aqui ajudar; Tu sabes com quem eu falo, Uma roda só não anda, Não sabes por quem eu morro. Bem o podes considerar.

1419 1420 A guitarra quer que eu cante, A laranja de madura A prima quer que eu padeça; Caíu ao tanque da neve; O tocador da guitarra Mais vale a solteira triste Quer que eu, por ele, endoideça. Que a casada bem alegre.

1421 1422 À guitarra toda oca A laranja foi à fonte, Tiraram-lhe o coração, O limão foi atrás dela; Por isso o andar de louca A laranja trouxe água, A gemer de mão em mão. O limão o sumo dela.

1423 1424 Ai de mim, ai de você, Aldeia de Arga de Baixo, Ai de nós ambos os dois; É um encanto de vida; Ai de mim primeiramente, Tem um cravo na entrada, Ai de você ao depois. Uma rosa na saída.

1425 1426 Ai de mim que já não posso Aldeia de Arga de Baixo, Cantar como já cantei; Toda coberta de chita; Com a água do rio Tejo No meio da Serra d'Arga, Minhas vozes derramei. Não há terra mais bonita.

1427 1428 *Ainda agora divisei Alegra-te coração, Quem anda no terreiro; Que amanhã vamos embora; Anda o cravo, anda a rosa, Vamos para a nossa terra Anda o ramalhete inteiro. Dar alívio a quem chora.

1429 1430 Alegra-te, ó campo verde, À luz daquela candeia Aí vem a Primavera; Tratei eu o meu casamento; Aí vem o rouxinol Eu juro-te, candeiinha, Cantar à tua janela. Que hás-de ir ao meu juramento.

1430 1431 *Alegria se a tenho, À luz deste candeeiro Deu-ma Deus por natureza; Tratei o meu casamento; Não posso considerar Não te apagues, candeeiro, No meu coração tristeza. Que hás-de ir ao juramento.

1432 1433 Alegrias e tristezas A maçã da macieira É conforme a criatura; É doce e a tona amarga; Quantas vezes a pobreza É como o rapaz solteiro, É mais feliz que a fartura. Hoje pega, amanhã larga.

1434 1435 Algum dia nesta terra A maçã do arcipreste Tinha eu uma cadeira; Não apodrece nem cai; Agora já se acabou Amizade que eu te tinha Por causa da brincadeira. Era pouca, já lá vai.

1436 1437 Altas torres tem teu peito, A maçã que tu me deste Eu a todas tenho ido; Não a comi, nem a dei; Só ainda não pude ir Tenho-a na minha caixa, Às torres do teu sentido. Com ela te pagarei.

1438 1439 Alumia-me, candeia, A maçã vermelhinha, Que me quero ir deitar. Picada do rouxinol; Eu não sei da tua cama, Se não fosse picadinha, Como te hei-de alumiar? Era linda como o sol.

1440 1441 Alumia-me, ó candeia, A maçã vermelhinha, Que me quero ir deitar. Vermelhinha na macieira, Sem torcida, nem azeite, Vermelhinha de casada, Como te hei-de alumiar? Que faria de solteira.

1442 1443 À luz daquela candeia A minha mãe chamou-me Rosa, Assentei meu casamento; Eu sou filha da roseira; Não te apagues, luz acesa, Como me hei-de apartar Hás-de ir ao meu juramento. Da rosa que tão bem cheira?

1444 1445 A minha mãe mandou-me à fonte, A mulher por ser pequena, Eu quebrei-lhe a cantarinha; Ninguém tenha pena dela; Ó minha mãe, não me ralhe, Pequena é pedra do sal, A culpa não foi minha. Dá bom gosto à panela.

1446 1447 A minha mãe morreu ontem, A mulher que é mulher Enterrei-a no palheiro, Não tem medo de ninguém; Deixei-lhe um braço de fora Se não traz um pau com ela, Para tocar o pandeiro. Outra ferramenta tem.

1448 1449 À minha porta está lama, Anda aqui para o pé de mim, Menina, quem a faria? Anda aqui para a minha beira; Fê-la quem anda de noite, Eu muito gosto de ver Que eu só ando de dia. Os fatos à lavradeira.

1450 1451 À minha porta faz lama, Anda cá à minha beira, À tua faz um lameiro; Chega-te para o pé de mim; Tu nunca fales dos outros, Se as minhas falas são ásperas, Sem olhares para ti primeiro. Meu coração não é assim.

1452 1453 A minha terra é prudente, Anda cá, amor ausente, Uma vela muito antiga, Dar a mão à palmatória; Qu'o passado foi história Um amor ausente de outro Da sua gente tão amiga. Diz que vem ter à memória.

1454 1455 Amor de mãe quem tiver Anda cá, meu bem deixado, Deve guardá-lo no peito; Já te quero outra vez; Não há amor de mulher Não quero que a gente diga Que seja amor tão perfeito. Que eu te deixei de vez.

1456 1457 *A mulher é desgraçada, Anda cá, meu lindo bem, Até no apertar da saia; Não me deixes ficar só; Não há desgraça nenhuma Tu vais-te assim embora, Que aos pés da mulher não caia. Sem consciência nem dó?

1458 1459 A mulher enquanto nova Anda cá para meus braços, É a filha da loucura; Se tu vida queres ter; Depois de que vai para velha Os meu braços são saúde Nenhum diabo a atura. A quem está para morrer.

1460 1461 Anda cá que já te quero, Anda para a minha beira, Nunca tu me queiras bem; Anda para o pé de mim, Da fama sempre sou tua Se as minhas falas são ásperas, Por esses mundos além. Meu coração não é assim.

1462 1463 Anda cá se queres água, Anda um peixe no mar Os meus olhos te darão; Que se chama tubarão; É pouca, mas bem clara, Se ele não comesse gente, Nasce do meu coração. Dava-lhe o meu coração.

1464 1465 Anda comigo, Rosinha, Ando roto, esfarrapado, Deixa a mãe que te criou; Bem pudera andar vestido; Por muito que te ela dê, O ladrão do triste fado Não te dá o que t'eu dou. Veste as meias comigo.

1466 1467 Anda comigo, Rosinha, A nossa serra de Arga Deixa ficar a roseira; É uma serra de beleza; Esta noite vem a chuva, Tem em todo o seu redor Rosa molhada não cheira. Encantos da natureza.

1468 1469 Andai moços, entrai todos, A nossa terra de Dem No nosso serão gabado, Cheira muito a rosmaninho; Que entra o sol pela porta É a aldeia mais bonita E o luar pelo telhado. Que existe no nosso Minho.

1470 1471 Andais abaixo e acima, *Antoninho, ramo d'ouro, Nem atais, nem desatais; Não vás à fonte beber, Outros apanham peixinhos Está lá o ramo da morte, Nos laços que vós armais. Não te posso ver morrer.

1472 1473 Andais a dizer que neve, Antoninho, ramo d'ouro, Eu digo que já nevou; Fonte de toda a pureza; À porta do meu amor Nos dias que te não vejo A neve nunca coalhou. Sinrto em mim grande tristeza.

1474 1475 Andais sempre: À morte! À morte! Antoninho ramo verde, A morte que culpa tem? Não vás à fonte beber; A morte sem Deus querer Está lá o ramo da morte, Nunca fez mal a ninguém. Não te posso ver morrer.

1476 1477 António, botão d'ouro, A oliveira do adro Jardim da minha varanda; Tem a folha ao cai, cai; Caixinha dos meus segredos, Ó que menino tão lindo Onde o meu coração anda. Para genro de meu pai.

1478 1479 António de cabelo loiro, A oliveira que se queixa, Caixinha dos meus anéis; Queixa-se e tem razão; Se te queres casar comigo, Apanharam-lhe a azeitona Vai preparar os papéis. E a rama fica no chão.

1480 1481 António, lindo António, *Ao loureiro de castigo António, lindo rapaz, Deus lhe deu a baga preta; Tens os olhos pisqueirinhos, Se te prometer, não falto, Não sei se me enganarás. Pede a Deus que te prometa.

1482 1483 António, lindo António, Ao saltar o regueirinho Quem foi a tua madrinha, Pus o pé, molhei a meia; Quem foi a santa mulher Não casei na minha terra, Com os mesmos gostos que eu tinha? Fui casar à terra alheia.

1484 1485 António, ramo verde, A paz é muito abundante Não vás à fonte beber; A todo o homem da terra; Está lá o ramo da morte, O homem quer ir avante Não te posso ver morrer. E vai procurar a guerra.

1486 1487 Ao amor dum franganote A pedra branca polida Prefiro um homem feito; Que mói o trigo indiferente Com lenha verde é difícil É como a roda da vida Fazer fogueira de jeito. Que mói .

1488 1489 Ao lado da Serra d'Arga, A perdiz canta no monte, Onde fica a minha aldeia, Sem ter medo de ninguém; Na linda terra de Dem, Eu também canto sem medo, Onde o meu amor passeia. Não devo nada a ninguém.

1490 1491 A oliveira do adro A pobreza não é crime, Com certeza tem virtude; É crime ao dever faltar; Passei lá, estava doente É crime não ter coragem, E logo tive saúde. É crime não trabalhar.

1492 1493 A pomba leva no bico Aqui se aparta o caminho, Dois suspiros floridos; Aqui se aparta a feição, Dois corações separados Aqui se apartam os amores Que esperam ser unidos. Do meu lindo coração.

1494 1495 À porta da minha sogra Aqui tens meu coração, Estão dois cravos iguais; As chaves para o abrir; Do mais velho gosto muito, Não tenho mais que te dar, Di mais novo gosto mais. Nem tu mais que pedir.

1496 1497 À porta do cemitério Aqui tens meu coração, Está um letreiro de chumbo, Mata-o se queres, meu bem; Aonde vão acabar Mas vê que estás dentro dele, As vaidades deste mundo. Se o matas, morres também.

1498 1499 A Primavera ausentou-se, Aqui tens meu coração, Deixou as flores do campo; Se o queres matar, podes; Eu também me ausentei Mas tu andas dentro dele, De quem me queria tanto. Se o matas também morres.

1500 1501 Aquela mulher casada Arcipreste de madeixas Que tem com a minha vida? Foi causa que eu nunca vi; Já não se lembra do tempo Não te gabes que me deixas, Que ela era rapariga. Que eu nunca te pretendi.

1502 1503 Aquele menino pensa Arcipreste não se rega, Que não há outro no mundo; Que ele na frescura nasce; Não é o caldo tão gordo Amor firme não se muda Que não se lhe veja o fundo. Por mais martírios que passe.

1504 1505 *Aquele navio novo Arcipreste verde e triste, Jura que me há-de levar; Quando hás-de ser alegre? Eu juro que não hei-de ir Esse teu corpo bem feito, Passar as ondas do mar. Quando me há-de ser entregue?

1506 1507 Aqui me tendes, matai-me, A religião e a língua, Se a morte vos mereço; Os costumes e a cultura Quando não, aliviai-me Luz da civilização Duma pena que padeço. Que ainda hoje perdura.

1508 1509 A rocha do mar batida As cantigas ao desafio Não é mais firme do que eu; Comigo ninguém as canta; Escusas de ter receio, porque Eu tenho quem m'as ensine, Quem quer bem, nunca esqueceu. Meu amor é estudante.

1510 1511 A rolinha rola, rola A silva da minha casa Po cima da oliveira; Vai beber à cantareira; Viva lá, senhor Agostinho Que alegria o meu pai tem E mais a sua companheira. Por me ver sempre solteira.

1512 1513 *A rosa para ser rosa A silva nasce da silva, Deve ser de alexandria; A silva nasce do chão; A mulher para ser mulher O amor nasce da alma Deve chamar-se Maria. Da raiz do coração.

1514 1515 A rosa que tens ao peito, *A silva que a mim me prende Meu amor, quem ta deu? Da tua janela nasce; Deita-me essa rosa fora, Não me prendeu vez nenhuma Tua rosinha sou eu. Que eu dela não me vingasse.

1516 1517 Arregala-me esses olhos, A silva que me prende Por baixo dessas pestanas, Da tua janela nasce; Que eu quero ver ao meu gosto Nunca a silva me prendeu As luzes com que me enganas. Que eu dela me não livrasse.

1518 1519 *A salsa é para o gosto, As meninas do Tojal Eu também gosto de ti; São pequenas, mas valentes, Se eu não te procurar, Trazem as pias dos porcos Lembra-te que já morri. Atravessadas nos dentes.

1520 1521 A saltar o regueirinho, As moças da minha idade Água sobe e água desce; Usam meias de canelo; Dei a mão ao meu amor, Para não se ver o melhor, Não quis que ninguém soubesse. Saias pelo tornozelo.

1522 1523 A saltar o regueirinho, As moças da minha terra Ó priminho, dá-me a mão; São bonitas de verdade; Se não fosses meu primo, Já sabem tirar cantigas Ou ma darias ou não. Como poucas da cidade.

1524 1525 À sombra do ramadinho *As telhas do teu telhado Estão chovendo umas pingas; Deitam água sem chover; Todos bailam, todos cantam, Trocaste-me a mim por outra, Só eu estou torcendo linhas. Ainda te hás-de arrepender.

1526 1527 A sorte, nós bem sabemos, As tuas cartas eu tenho É tal qual uma mulher; Dentro duma saudade; Que quer, quando nós não queremos, Dentro de um cofre de mágoas E, quando queremos, não quer. Para toda a eternidade.

1528 1529 As penas dos passarinhos As tuas palavras são Não são iguais às da gente; Andorinhas a voar; Quem me dera ter as deles Entram no meu coração, E das minhas ver-me ausente. Mas lá não querem ficar.

1530 1531 As penas leva-as o vento, Até me custa contar-te Aquelas que leves são; O sonho que eu sonhei; Mas não há vento que leve Mas antes que me perguntes, As penas do meu coração. Sempre então te contarei.

1532 1533 As raparigas do campo Atira ladrão, atira, Ouvem-se ao longe cantar; À pomba que está na eira; É como o sino da aldeia Ó ladrão, que me mataste, Que até se ouvia no mar. Que era a minha companheira.

1534 1536 Asseei-me, penteei-me Atiraste ao meu peito O meu cabelo ó p'ra trás, A parte mais delicada; Com uma travessa de ouro A quem o meu peito atira Que me deu o meu rapaz. Pouco bem lhe quer ou nada.

1537 1538 As sete estrelas caíram Atiraste e mataste, Mesmo à beira do tanque; Coração d'alma perdida; Quem vem aqui para te ver, Agora põe-te a chorar Ainda te quer bastante. Que me querias dar a vida.

1539 1540 *As telhas do teu telhado, Atira-te daí a baixo, As pedrinhas do teu muro, Encosta-te à fortaleza; Essas o podem dizer Encosta-te ao ramo d'ouro, As vezes que te procuro. Que o de prata é baixeza.

1541 1542 Atirei com uma laranja A vida do marinheiro Por cima de Braga fora; É uma verdade pura; A laranja caiu dentro, Anda sempre navegando Adeus, Braga, vou-me embora. Por cima da sepultura.

1543 1544 Atirei com um limão verde A vida tem rosas e espinhos Por cima de Braga fora; E há beijos com tanto mel; Adeus, meu amor, adeus, As cantigas são tão bonitas Quarta-feira vou-me embora. Que enfeitam cravos de papel.

1545 1546 Atrás de ti, meu amor, Bebe muito pouco vinho, Meus olhos chorando vão; Rejeita sempre a aguardente; Como os soldados na guerra Quem deste líquido toma Atrás do seu capitão. Por força quer ser doente.

1547 1548 A tua boca é uma rosa, Bem perdeu o senhor cuco Os dentes são as folhinhas; Casar com a cotovia; As tuas faces mimosas Mas não quer o senhor cuco São duas lembranças minhas. Mulher que tanto assobia.

1549 1550 A tua imagem eu tenho Bons dias, ó camponesa, Gravada no coração; Formosura de tentar; O dia em que não te vejo, Por bondade me respondas: Eu estalo de paixão. Que fazes neste lugar?

1551 1552 À tua porta briosa Bons dias, ó padeirinha, Desejava eu morar; Não aumentes meus reveses; Queria ver o teu brio Conversa um pouco comigo, O que vinha ainda dar. Deixa esperar os fregueses.

1553 1554 À tua porta morri, Bota-me daí abaixo Trata de me enterrar; Um cravo branco à rua; Na tua mão tenho a vida, Que eu não me vou embora Se tu ma quiseres dar. Sem uma lembrança tua.

1555 1556 A vaidade é muito linda Bota-me daí a baixo P'ra quem a puder manter; Um molhinho de goivos; Quem julga que é mais, é menos, Este ano namoramos, Toda a vida ouvi dizer. Para o ano seremos noivos.

1557 1558 Cabelinho aos anéis Cantai, raparigas todas, Só o meu amor o tem; Guardai o que vosso é; Se o meu amor não tivesse, Às que não cantam, nem dançam Não o tinha mais ninguém. Também lhes escorrega o pé.

1559 1560 Cada vez que considero Cantai, raparigas todas, Desta minha pouca sorte, Mas não canteis muito baixo; Levanto as mãos a Deus Para cantar e dançar Cem vezes, pedindo a morte. Cá estão os de Arga de Baixo.

1561 1562 Cada vez que considero Canta-me uma cantiguinha, Esta minha infeliz sorte, Canta a quem as não sabe; Levanto as mãos para Deus Antes que teu pai não queira, Para Lhe pedir a morte. Menina, é da sua vontade.

1563 1564 Caia bem esta parede, Canta-me uma cantiguinha Dá-lhe mais uma demão; Dessas que o meu amor sabe; Toma cuidado, não caia As minhas estão na gaveta, Alguma pinga no chão. Perdi o posto à chave.

1565 1566 Candeia que não dá luz Canta, minha voz dum anjo, Não se põe na parede; Que eu por anjo te venero; O amor que não é firme Se te chegar a lograr, Não se faz firmeza nele. Nada mais no mundo quero.

1567 1568 Canta amor, que eu também canto, Canta, rapariga, canta, Já que outra vida não temos; Não te estejas a trigar; Anda a morte pelo mundo, O que tu não souberes, Cedo nos apartaremos. Eu estou aqui p'ra te ensinar.

1569 1570 Cantai, cantai raparigas, Canta, rapariga, canta, Que eu vos ajudarei; Não tenhas opinião; Se vos virdes afrontadas, Se tu cantas por dinheiro, Eu vos desafrontarei. Toma lá meio tostão.

1571 1572 Cantai, raparigas todas, Canta, rapariga, canta, Alegrai a vossa terra; Quero ouvir a tua voz; O tempo da mocidade Que a trazes guardadinha É como o da Primavera. Dentro da casca da noz.

1573 1574 Canta, rapazinho, canta, Canto bem e canto mal, Cantigas que a gente ouça; Canto de toda a maneira Se não sabes as cantigas, Tenho ouvido dizer Vai roer tojo à bouça. Que o cantar não vai à feira.

1575 1576 Cantaste-me uma cantiga, Cãozinho que ladra, ladra, Nela não estive atento; A gente deve sentir Deitei a mão ao chapéu Malandros, que andam de noite, Para não me fugir com o vento. Vão-se deitar a dormir.

1577 1578 Cantiga requer cantiga, Casei-me com uma velha Uns cantam bem, outros mal; Por causa da filharada; Para as tirar da memória, O diabo leve a velha, Como eu não há igual. Deu-me dez duma ninhada.

1579 1580 Cantigas ao desafio Casinhas avarandadas Comigo ninguém as cante; Só o meu amor as tem, Eu tenho quem m'as ensine, Hei-de mandá-las fazer O meu amor é estudante. Avarandadas também.

1581 1582 Cantigas quem quer as canta, Castanheira, minha terra, Uns cantam mal, outros bem; Rio d'abutres, meu lugar, Para as tirar da memória, E Arga é o desterro Como eu não há ninguém. Onde me eu hei-de enterrar.

1583 1584 Cantigas são cataratas, Castanheiro sem ouriços As falas leva-as o vento; Que castanhas pode dar? Quem se fia em cantigas E um pobre sem dinheiro Ou é tolo ou não tem intendimento. Que amores pode tomar?

1585 1586 Cantigas são desafios, Chamais à amoreira, triste, Já há tempo isso sei; Vós que tristeza lhe achais? Vós cantais o que quiserdes, Amoreira dá a sede Eu canto aquilo que sei. Com que vós vos saciais.

1587 1588 Cantigas são desafios, Chorai olhos, chorai olhos, Nem as quero, nem as sei; Lágrimas caem ao chão; Eu nunca fui à escola, Amanhã por esta hora Nem o tempo lá passei. Eu estarei aqui ou não.

1589 1590 Chora, José do Egipto, Como a mãe ama o filho Por seu pai que era Jacob; Com carinho e com ternura; Eu também choro e grito Assim eu ati te amo, Por me ver no mundo só. Inconstante criatura.

1591 1592 Cinco com quatro são nove, Como Arga e o Cerquido Meu amor, já sei contar; Já não há no mundo todo; Enganaste-me uma vez, Temos p'ra nossa defesa Não me tornas a enganar. A raposa e o lobo.

1593 1594 Coimbra, nova cidade *Como as aves do campo Onde se formam doutores, Eu me quero comparar; Onde se andam formando Andar cobertas de penas Os meu primeiros amores. E o seu regalo a cantar.

1595 1596 Coimbra sem estudantes Como és vil, humanidade, É um jardim sem flores, Não olhes para as aventuras; Uma guitarra sem cordas, As chagas da sociedade Um coração sem amores. Podes curar e não curas.

1597 1598 Coitadinho de quem tem Como quem vive nas trevas Meninos para embalar Privado da luz do dia; Quantas vezes a mãe canta Assim vive a minha alma, Com vontade de chorar. Sem a tua companhia.

1599 1600 *Coitadinho do mentiroso, *Como os passaros do campo Mente uma vez, mente sempre; Eu me quero camparar; Ainda que fale verdade, Andam vestidos de penas, Todos lhe dizem que mente. O seu alívio é cantar.

1601 1602 Coloquei o meu sentido Com três letrinhas apenas Numa pedrinha no mar; Se escreve o nome mãe; O meu sentido não se muda, É das letras mais pequenas Só se a pedra mudar. A maior que o mundo tem.

1603 1604 Com andorinhas do campo Coração ao pé da boca Eu me quero comparar; Faz o peito que regala; Andam cobertas de penas, Em certas ocasiões Seu alívio é cantar. Rebenta-se e não fala.

1605 1606 *Cravo roxo à janela Da banda de lá do rio É sinal de casamento; Tem meu pai um castanheiro; Menina, recolha o cravo, Dá castanhas em Agosto, De casar ainda tem tempo. Uvas brancas em Janeiro.

1607 1608 Cravo vermelho ao peito Dai-me vinho, dai-me vinho, É sinal de casamento; Água não posso beber; Tira o cravo, põe a rosa, A água cria salgueiros, Que o casar ainda tem tempo. Tenho medo de morrer.

1609 1610 Cuidado, menino, cuidado, *Da janela de meu pai Não esperes que as voltas te mudem; Via o quintal do meu sogro; Repara se estás enganado, Antes queria ver o filho Porque as aparências iludem. Do que aquele quintal todo.

1611 1612 Cuidas que não é pecado Dá-me água, dá-me água Enganar uma donzela, Pelo jarro de beber; Prometer-lhe casamento, Dá-me cá esses teus braços Depois não casar com ela. Que neles quero morrer.

1613 1614 Cuidavas por me ver rir Dá-me uma pinguinha d'água Que de paixão morreria; Das fontes desse teu peito, Vai-se um amor, fica outro, Que daquela donde eu venho Fico na mesma alegria. Nem as fontes águas deitam.

1615 1616 Cuidavas por me ver rir *Da minha janela à tua, Que já me tinhas na mão; Do meu coração ao teu, Eu não sou tão rabaceira Hei-de fazer um barquinho, Que apanho fruto do chão. O navegante ser eu.

1617 1618 Cuidavas que eu te queria *Da outra parte do rio Olhar o engano do mundo, Tem meu pai um castanheiro; Já deitei meu pensamento Dá uvas brancas em Agosto A outro poço mais fundo. E castanhas em Janeiro.

1619 1620 Da banda de lá do rio, Da rosa gosto do cheiro, Da outra banda de lá Da rosa gosto do pé; Tem meu pai um laranjal Gosto da folha do meio Que muitas laranjas dá. E só na rosa tenho fé.

1621 1622 Das mentiras que disseste Deita-te daí abaixo, Fiz um bonito colar; Laranja da laranjeira; É verdade, não quiseste Eu te apanharei nos braços O meu pescoço enfeitar. Ou no lenço da algibeira.

1623 1624 Davidinho treme, treme *Deitei o cravo de molho Como o junco da junqueira; Fechado, saíu-me aberto; Também eu lhe hei-de tremer É um regalo na vida Rosinhas à cabeceira. Enganar a quem é esperto.

1625 1626 De andar de roda da eira, Deitei o preto por luto, Já quase me dava o sono; O branco por bezerria; Dançai, raparigas todas, O verde por esperança Trabalhai para o mesmo dono. De te lograr algum dia.

1627 1628 *Debaixo da malva rosa Deitei um limão rolando, Está uma noiva a chorar; À tua porta parou; Não chores noiva, não chores, O diabo do limão Que é um regalo casar. Parece que adivinhou.

1629 1630 *Debaixoda pedra nasce Deitei um limão rolando, Água clara sem lodo; À tua porta parou; Todos ouvem meus suspiros, Quando o limão te quer bem, Ninguém sabe por quem morro. Que fará quem o deitou.

1631 1632 Debaixo da trovisqueira Deitei um limão rolando, Saíu a perdiz cantando; À tua porta parou; Deixemos falar quem fala, Se te quero bem ou mal, É mundo, vamos andando. O limão o demonstrou.

1633 1634 De encarnado veste a rosa, Dei um ai entre dois montes, De verde o manjericão, Responderam-me as montanhas; De branco veste a açucena, Meu amor, eu já não posso De luto meu coração. Sofrer ausências tamanhas.

1635 1636 Deita o teu chapéu ao rio Dei um ai entre dois montes, E faz dele embarcação; Respondeu-me uma montanha; Lá em baixo encontrarás Eu não posso consentir Pessoas da tua afeição. Ausência esta tamanha.

1637 1638 Dizeis que não pode ser Dizes que não pode ser Laranjeira a dar limões; Uma silva dar um cravo; Eu tenho no meu quintal Eu tenho aqui um ao peito Nabiças a dar feijões. Que foi de lá tirado.

1639 1640 *Dizeis que não pode ser Dizes que não tenho cama, Uma silva dar um cravo; Que dormia na terra fria; Aqui o trago ao meu peito Tenho cama, tenho roupa, Na mesma silva pregado. Só me falta a companhia.

1641 1642 Dizeis que não tenho renda Diz-me por onde tens andado, Para sustentar meu brio; Primavera das flores; Tenho renda, faço renda, Já te rezei pela alma, Ando com renda ao cutio. Lá o encontras quando fores.

1643 1644 Dizem bocas inocentes, Dói-me tanto a cabeça Muitos corações palpitantes Que me quer cair ao chão; Que os beijos mais ardentes Dai-me mais uma pinguinha São os beijos dos estudantes. Para ver se ela cai ou não.

1645 1646 Dizem que a morte é negra, Do meu peito fiz igreja, A morte que culpa tem? Do meu coração, altar; A morte sem Deus querer Dos teus olhos, oratório, Não leva de cá ninguém. Meu amor, para te adorar.

1647 1648 Dizem que é de justiça Donzela que está dormindo O dar o seu a seu dono; Em cima do travesseiro; Mas para que estragar as terras, Anda ver a triste sorte Quem as deixa ao abandono. Que tem um rapaz solteiro.

1649 1650 Dizem que não há flores, Do outro lado do rio Nem brancas, nem amarelas; Tem meu pai um castanheiro; Mas esta nossa freguesia Dá castanhas todo o ano, 'Inda tem um ramo delas. Uvas brancas em Janeiro.

1651 1652 Dizes que morres por mim, E a freguesia de Dem Eu isso não acredito; É pequena, mas tem graça; Quem morre não vive mais, Tem um chafariz no meio, Está no livro escrito. Dá de beber a quem passa.

1653 1654 É a guerra um martírio Em Trás-os-Montes alpestres Envolvido na maldade; Com os seus vales sombrios, É um imenso delírio Vi águas dos altos montes Que destrói a humanidade. Despenharem-se nos rios.

1655 1656 E depois dali para a frente Encantos e alegrias Agora vos vou dizer; São frutos da natureza; Não resisti a rasteira, Mas, por vezes, também há Todos ma queriam meter. Lágrimas e muita tristeza.

1656 1657 E de tudo quanto vi Encontrei o dá e toma Trouxe esta impressão afinal: Na rua do toma lá; Que não há terra tão linda Eu nunca vi dá, sem toma, Como o nosso Portugal. Nem toma, sem deita cá.

1658 1659 E mais ao sul, no Algarve, E no Douro verdejante Terra das amendoeiras, Com vinhedos e choupais, Vi os quentes, doces frutos Ouvi rouxinóis à noite Que prendem lá das figueiras. Cantar suspiros e ais.

1660 1661 É mais difícil achar Entre as mãos frias de neve Um verdadeiro carinho; Um raminho me hás-de pôr; Do que conseguir pescar Pôr-me-ás cravos e rosas, Um salmão no rio Minho. Esquecerás uma flor.

1662 1663 É meia-noite em ponto, E por isso a nossa terra Está por nascer o luar; Tem um encanto de um jardim; Nas faltas das cantadeiras Onde cresce o rosmaninho Estou eu aqui para te ajudar. E viceja o alecrim.

1664 1665 É mesmo agora que eu canto, É porque no meu quintal É mesmo agora que eu brinco, Pegadas de ladrão achei; É mesmo agora que eu estou Se comeu das minhas uvas, Na idade dos vinte e cinco. Isso agora é que eu não sei.

1666 1667 Em sonhos não há firmeza, Eras a luz dos meus olhos, Toda a vida ouvi dizer; Eras o ser do meu ser; São meus sonhos, fantasias, Eras a minha alegria, Que não deviam ser. Eras todo o meu prazer.

1668 1669 Escreveste o nome na água, Esta nossa freguesia Coisa que não se podia; Cheia de uma paz total, Mas o teu nome é tão lindo Onde há luz e verdade Que até na água se lia. E o amor fraternal.

1670 1671 Escrevia-te uma carta, Esta rua escura, escura, Se tu a soubesses ler; Não se vê nada por ela; Para dar a ler aos outros, Bem podias, meu amor, Tudo se vem a saber. Pôr candeias à janela.

1672 1673 Escrevi teu lindo nome Estes senhores que pedem Na branca areia do mar, Que lhes cante uma cantiga; Mas as ondas malcriadas Cantar-lhes-ei três ou quatro, Vieram logo apagar. Que querem, senhores, que eu diga?

1674 1675 Escrevi teu lindo nome Estou aqui à tua beira, Na branca areia do mar; Aqui à tua beirinha; veio uma onda, levou-o Estou ao pé da tua graça, E teu nome foi navegar. Ao pé da tua gracinha.

1676 1677 Escrevi o teu nome em água, Estou rouca, enrouquecida, Coisa que não se podia; Não me passa a rouquidão, Mas o teu nome é tão lindo Foi de cantar e bailar Que até na água se lia. Na noite de S. João.

1678 1679 Esta alegria que eu tenho Estudante, deixa os livros Deu-ma Deus por natureza; Esses grandes calhamaços; Que eu não posso consentir Que a ciência, hoje em dia, No meu coração tristeza. Está nas mãos e nos braços.

1680 1681 Estais mortos por chegar Eu andei no cemitério Ao meu coletinho branco; Da meia-noite para a uma, Ao colete chegareis, O meu dote respondeu; À forma não, por enquanto. Não tens planta nenhuma.

1682 1683 Esta noite choveu ouro, Eu armei uma gaiola Diamantes orvalhou; Em cima do teu telhado; Aí vem o sol divino Eu armei-a, desarmei-a, Enxugar quem se molhou. Tenho o melrinho caçado.

1684 1685 Eu ausente, tu ausente, Eu fiz um juramento Vivemos os dois assim; Que espero não o quebrar, Diz-me lá, ó meu amor, É conservar-me solteiro, Quando a ausência terá fim. Enquanto não me casar.

1686 1687 Eu bem sei que sabes, sabes, Eu fui nascida em Dem Eu bem sei que sabes bem, E também fui baptizada, Eu bem sei que sabes dar Eu cá tenho o meu amor A razão a quem a tem. E cá hei-de ser casada.

1688 1689 Eu bem sei que estás rindo Eu fui uma das que disse, Do meu alegre cantar; Encostada à solidão: Eu sou rapariga nova, Qual é a tola da mulher Só canto para não chorar. Que por homens tem paixão?

1690 1691 Eu bem sei que tu te rias, Eu gostava de poder Se eu caísse no chão; Dizer-te tudo o que sinto, Mas, se caíssemos juntos, Mas é melhor não dizer Que tal era o trambolhão! Para não pensares que minto.

1692 1693 Eu casei-me com uma velha Eu gostava de ser homem, Por ter medo à filharada; Só para poder ser soldado; Mas o diabo da velha Não me escapava uma moça, Trouxe sete duma ninhada. Quando andasse fardado..

1694 1695 *Eu casei-me por um ano Eu hei-de ir a Braga Para ver a vida que era; Comprar uma carapuça; O ano vai acabando, Quem tem raiva que enraiveça, Solteirinha, quem me dera. Quem tem catarro que tussa.

1696 1667 Eu conheço no moinho Eu hei-de ir ao céu em vida Quando ela pede grão; Para ver o que lá vai: Eu conheço nos teus olhos, Tantas mulheres sem marido, Se me queres bem ou não. Tantos filhinhos sem pai.

1668 1669 Eu cortei à minha saia, Eu hei-de ir ao teu jardim, Já de mim não falarão; Se achar a porta aberta; Não pensei que a minha saia A flor de Alexandria Causasse murmuração. Onde está, logo penetra.

1670 1671 Eu hei-de ir para o Brasil, É um regalo na vida Ainda que não ganhe dinheiro; À beira da água morar; A qualquer parte que chegue: Quem tem sede, vai beber, Viva o senhor brasileiro. Quem tem calma, vai nadar.

1672 1673 Eu hei-de mandar fazer, É um regalo na vida Ou ele já estará feito, Ter amores ao desdém; Um anel para o meu dedo Mostrar carinhos a todos, E um cravo para o teu peito. Não ter amor a ninguém.

1674 1675 Eu hei-de mandar fazer Eu passei no cemitério Uma chave ao serralheiro, Com a gravata encarnada; P'ra fechar teu coração Eu pensei que isto era um baile, Na gaveta do dinheiro. Afinal é uma tourada.

1676 1677 Eu hei-de mandar fazer Eu passei no cemitério Um parapeito de vidro Da meia-noite para a uma; Fechado de diamantes De lá me responderam: Para me fechar contigo. Não tens vergonha nenhuma.

1678 1679 Eu ia por aqui abaixo Eu pedi o leite à vaca, Com o meu machadinho às costas, A vaca pediu-me a erva; Todo o mundo me dizia Eu pedi a erva ao campo, Que eu ia cortar canhotas. O campo pediu-me a rega.

1680 1681 Eu ia visitar-te, Eu não sei o que é que ouvi Tropecei na calçada; Lá para os lados do nascente; Quando bati à janela, Uma voz de uma flor Já tu estavas deitada. Que cantava lindamente.

1682 1683 Eu já fui ao teu pombal, Eu não sei o que fazia, Eu já fui ao teu pombeiro; Se algum dia te encontrasse; Eu já comi dos teus frutos Talvez de tanta alegria, E não fui o primeiro. Em lugar de rir, chorasse.

1684 1685 Eu moro mesmo no adro, Eu não sei porque razão Mesmo detrás da igreja; Certos homens, a meu ver... Rezo as minhas orações Quanto mais pequenos são, Onde todo o mundo veja. Maiores querem parecer.

1686 1687 Eu não sei que quer Viana Eu sempre gostei de ouvir Que tanto chama por mim; Quem no mundo canta bem; Ou eu quero ver Viana, Quem não tem com que pagar, Ou Viana ver-me a mim. Pagará, cantando também.

1688 1689 Eu não sei que significa *Eu sou cravo, tu és rosa, O nevoeiro na serra; Qual de nós valerá mais? Significa lealdade, Tu és cravo dos jardins, Pouco vejo nesta terra. Eu sou rosa dos quintais.

1690 1691 Eu queria ir ao céu Eu sou livre como as aves Para ver o paraíso, E passo a vida a cantar; Para ver se lá encontro Coração que nasce livre Gente nova com juízo. Não se pode suportar.

1692 1693 Eu queria, meu amor, Eu sou o sol, tu és a sombra, Ter poder de adivinhar Qual de nós será mais firme? O que estão a ver teus olhos, Eu como sol a querer-te, Quando te vejo a pensar. Tu como sombra a fugir-me.

1694 1695 Eu queria, se morresse, Eu sou o sol, tu és a sombra, Tornar a ressuscitar Qual de nós será mais querido? Para vir do outro mundo, Sombra de Verão é regalo, Depois a este contar. Sol de Inverno é apetecido.

1696 1697 Eu sei que queres chegar Eu num dia fui à feira, Ao meu coletinho preto; Não sei como aquilo foi; Ao colete chegareis, Comprei uma vaca leiteira, À forma não vos prometo. Cheguei a casa era um boi.

1698 1699 Eu semeei no meu quintal Eu vim de tão longe, Uma semente de repolho, Somente para te ver; Nasceu-me um velho careca Queria dar-te duas falas, Com uma batata no olho. Diz-me lá, se pode ser.

1700 1701 Eu sempre disse e digo Eu vou-me daqui embora, E não me passa de ideia; Antes que me mande alguém; Nunca foi o meu costuma O muito tempo enfada, Gabar-me em terra alheia. O pouco parece bem.

1702 1703 Eu vou por aqui abaixo Fui à fonte dos amores, Como quem vai a nada; Vim pela dos namorados; Vou ver a minha «preirinha» Enchi o cântaro de rosas, Que nunca foi abanada. Fiz a rodilha de cravos.

1704 1705 Falai por eu usar calça, Fui ao céu por uma linha, Isso não é o bastante; De uma nuvem fiz encosto; A calça faz, para mim, Dei um beijo numa estrela, Toda a mulher elegante. Pensando que era teu rosto.

1706 1707 Faz calor que queima o mundo, Fui ao céu por uma linha À beira da água vai vento; E desci por um novelo; Muito enganado anda Não há coisa que mais custe Quem comigo perde tempo. Que a dor de cotovelo.

1708 1709 Faz-me pena esta Maria Fui ao jardim das flores, Que é muito boa pequena; Nenhuma pude arranjar; Mas é raríssimo o dia Apanhei as saudades, Que não lhe esqueça a pena. Meu amor, p’ra te mandar.

1710 1711 *Fechei na mão um sorriso *Fui ao jardim passear Da tua boca formosa; Para espalhar uma dor; Quando fui abrir a mão, Encontrei o teu retrato Tinha-o todo em cor-de-rosa. Na mais brilhante flor.

1712 1713 Fragalheira, monelheira, Fui ao mar buscar laranjas, Vizinha da minha porta; É fruta que o mar não tem; Mete-te na tua vida Venho toda molhadinha Que a minha pouco te importa. Das ondas que vão e vêm.

1714 1715 Fui à fonte de mil cravos Fui ao mar para ver peixes, E passei por a de mil rosas; Ao jardim para ver flores, Enchi o cântara de cravos À igreja para ver Santos, E fiz a rodilha de rosas. Aqui para ver amores.

1716 1717 *Fui à fonte dos amores, Fui ao rio para pescar, Regressei pela dos cuidados; Ao jardim para ver flores, Enchi o cântaro de rosas, À igreja para ver Santos, Fiz a rodilha de cravos. À aldeia para ver amores.

1718 1719 Fui confessar-me e disse: Gosto de quem canta bem, Cometi um grande pecado, Que é uma prenda bonita; Comi carne à Sexta-feira Não empobrece ninguém, Um franganito assado. Assim como não enrica.

1720 1721 Fui lavar ao Rio Minho, Gosto de quem canta bem, Escorregou-me o sabão; Que é uma prenda das boas; Abracei-me com as rosas, Não enriquece ninguém, Ficou-me o cheiro na mão. Mas dá valor às pessoas.

1722 1723 Fui nascida em Lisboa, Gosto muito de andar Fui baptizada em Braga, Passo a passo sempre à frente; Tirei licença no Porto, Quando dou passos atrás, Para em Arga ser casada. Não fico nada contente.

1724 1725 Fui rasgar as tuas cartas Gosto muito de passear Nos escuros pinheirais, Pelos campos e jardins; Para ver se me esquecias, Só não consigo espalhar Cada vez me lembro mais. Estas mágoas sem fim.

1726 1727 Fui roubar um limão verde Gosto muito dos teus olhos, Ao limoeiro do rei Muito mais gosto dos meus; Para te curar o fastio, Se não fossem os meus olhos, Se algum dia to causei. Não podia ver os teus.

1728 1729 Garganta, minha garganta, Gosto tanto da tristeza, Garganta, minha beleza; Sinto-me tão bem assim, Tu és a minha alegria, Que às vezes chego a Ter pena Quando eu tenho tristeza. De quem tem pena de mim.

1730 1731 Gargantinha tinha eu, Goza enquanto puderes, Se não estivesse tão rouca; Enquanto não te gozam a ti, Comi sardinha salgada, Que eu sempre te gozei Fez-me mal e era pouca. Desde o dia em que te vi.

1732 1733 Gostava de te dizer Há duas coisas no mundo Uma coisa que cá sei; Que eu não posso compreender: Mas quem cala, consente, Ser padre e ir para o inferno, Tu consentiste e eu calei. Ser doutor e também morrer.

1734 1735 Há muitas estrelas no céu, Hei-de tirar um limão Mas só uma ao pé da lua; Ao limoeiro do rei, Há muitas caras bonitas, Para te tirar o fastio, Mas nenhuma como a tua. Se fui eu que tu causei.

1736 1737 Há, na verdade, um assunto Herda-se toda a riqueza Que me ficou bem na ideia: E conquista-se o poder; O sujeito quando mata Mas amor e felicidade Entra logo na cadeia. Precisamos de os merecer.

1738 1739 Hei-de amar-te às avessas, Hoje aqui neste deserto Tu, mesmo assim, mo ensinas; Desgraça aonde me tem; Ó meu lindo amorzinho, Falo, ninguém me responde, Seguirei tuas doutrinas. Olho, não vejo ninguém.

1740 1741 Hei-de cantar, hei-de rir, Igreja de Arga de Baixo A tristeza não faz bem; Hei-de mandar-te varrer Ainda não vi a tristeza Com uma vassoura de prata Dar de comer a ninguém. Que de ouro não pode ser.

1742 1743 Hei-de casar-me para o ano Indo eu por aqui abaixo Que é o ano de muito milho; À procura dos amores, A sogra dá-me o moinho, Encontrei uma laranjeira Mais o paspalhão do filho. Carregada de flores.

1744 1745 Hei-de ir daqui embora, Indo eu por aqui abaixo, Sequer um ano ou dois; Às costas com o meu machado, Quero ver as chocalheiras Toda a gente me dizia O que dizem ó depois. Que eu era o meu pai pintado.

1746 1747 Hei-de perguntar um dia Indo pela rua abaixo, Ao vento o que diz às flores; Olhei para trás e vi Para saber se é só uma Um letreiro que dizia A linguagem dos amores. «Não hei-de ser para ti».

1748 1749 Hei-de plantar um pinheiro Já comi e já bebi, Na esquina do teu telhado; Já molhei minha garganta; Quando o pinheiro der pinhas, Eu sou como o rouxinol, Andarei ao teu mandado. Apenas bebe, logo canta.

1750 1751 Já comi uvas maduras Já não quero ser juiz Da videira mal podada Vou entregar os papéis, Da videira mal podada; Quero ser tabelião Mais vale um pobre alegre Desses teus olhos cruéis Que uma rica apaixonada.

1752 1753 Já fui canário do rei, Já não tenho coração, Já lhe fugi da gaiola; Já mo tiraram do peito, Agora sou pintassilgo No lugar dele ficou Destas mocinhas d’agora. O mais belo amor perfeito.

1754 1755 Já lá vai Abril e Maio, Janela de pau de pinho, Já lá vão estes dois meses, De pau de pinho janela, Já lá vai a liberdade Quem me dera estar ao lado Com que te falava às vezes. De quem está nela.

1756 1757 Já lá vai o sol abaixo Janela sobre janela, Deixai-o ir que eu não choro; Janela rente ao chão; Cá na terra ainda fica Tanta menina bonita, Outro sol que eu mais adoro. Nenhuma na minha mão.

1758 1759 Já lá vai o sol Já passei o mar a nado Metido numa «mação»; Nas ondas do teu cabelo, Já lá vai o brio todo Agora já não posso dizer Ás moças da Cabração. Que passei o mar sem medo.

1760 1761 Já lá vai pelo mar dentro Já por ti tive paixão, Quem Deus criou para mim, Já vivi apaixonada; Ainda que o mar se torne em rosas Agora já não a tenho, E o navio num jardim. Já vivo mais descansada.

1762 1763 Já me vejo no mar largo, Já puxei a giesta branca, Perdi as vistas da terra; Já lhe fiz a diligência; Já não vejo senão água, Ninguém deixe o sentido Mar e vento eu me leva. Onde outro faça assistência

1764 1765 Já não quero ser artista, Já te não vale chorar Já entreguei meus papéis; Lágrimas ao pé de mim; Quero ser tabelião Sabias que eu era homem, Desses teus olhos cruéis. Não te fiasses em mim.

1766 1767 Já tenho um vestido preto Josezinho, Carpinteiro, Para vestir na tua ausência, Faz-me um carro com três rodas! Tem colchetes de bondade Que eu quero ir a Lisboa E botões de paciência. Buscar o livro das modas.

1768 1769 Já te paguei por amor Julga-se o baixo, subido Muito mais do que devia; Por não conhecer quem é, Vê lá se fazes favor Os argueiros nos seus olhos De me dares a demasia. É coisa que ninguém vê.

1770 1771 Já te podia Ter dado Julgavas que por m’eu rir As chaves da minha vida; Que já me tinhas na mão; Mas tornei-me a considerar Olha que o meu rir engana, Que ainda era rapariga Não te quero, rapaz, não.

1772 1773 Já te quis, Já te não quero; Juraste aos altos céus Já te perdi a afeição, Que me nunca deixarias; Já te arrumei a um canto Agora já te não lembras Fora do meu coração. Das juras que então fazias.

1774 1775 Já tive um gosto na vida, Juventude é alegria Graças a Deus acabou; Que Deus ao mundo deitou; Vou andando e vou olhando, Também me sinto feliz, Feitio que me ficou. Que da juventude sou.

1776 1777 Joguei as cartas contigo, Lá na rua do Eirado Perdi o meu coração; Anda tudo de amarelo; Agora brincas comigo Chegando ao mês de Maio, Por teres os trunfos na mão. Nem farinha, nem farelo.

1778 1779 José é Pinheiro verde Lá vem o barco à vela, Que me dá sombra todo o Verão; Lá vem a andar de brio; Todas as sombra acabam, Lá vem a casa amarela, Só a tua, José, não. Que de longe mete fastio.

1780 1781 José, o teu nome é jóia, Lá vem o sol a nascer Teu nome, jóia, José, Por entre nuvens sombrias; Jóias trago-as em meu peito Quem diz que o sol é velho, E José do meu peito é. Se nasce todos os dias?

1782 1783 Lembram-me esses teus olhos Limão, verde limão, Essas faces tão coradas; Ó limão do recém nascido! Essa boca tão bonita Ó limão que fazes andar Que dá meiguinhas palavras Meu coração pensativo.

1784 1785 Lê-se um livro com carinho Limoeiro da calçada E, ao deixá-lo, a prisão passa; Já não torna a dar limões E ninguém segue o caminho Já lhe cortaram as guias Que a moral dos livros traça. Para prender os corações.

1786 1787 Leva-lhes esta última benção Limoeiro da calçada Que derradeira lhe dou; Já não torna a dar limões Vou partir! A sociedade Que lhe tiraram as folhas Vingada, nisto ficou. Para unir os corações.

1788 1789 Levantei-me, fui à fonte Limoeiro da calçada Ainda de madrugada; Que te hei-de dar um abano; Meteram-me uma rasteira Ou tu hás-de dar limões P’ra escorregar na calçada. Ou laranjas todo o ano.

1790 1791 Levantei-me um dia cedo Limoeiro da calçada, E fui passear para o campo, Vou-te roubar um limão Encontrei o teu nome Para tirar uma nódoa Gravado num lírio branco. Que tenho no coração.

1792 1793 Levar a cruz ao Calvário Lisboa, praça das armas, Nas altas ondas do mar Coimbra, dos estudantes, É o fundo do rosário O Porto, dos mercadores, Que a mulher reza no lar. Vila real, dos aviantes.

1794 1795 Liberdade, liberdade, Luar, linda e bela, Quem a tem chama-lhe sua; Desliza, à vela, um barquinho; Eu não tenho liberdade Enquanto à luz duma vela, De sair de noite à rua. A mãe vela o seu filhinho.

1796 1797 Liberdade, liberdade, Malmequeres, bem-me-queres Quem a tem chama-lhe sua; Tenho eu no meu jardim; Quem me dera, João Brandão, Bem-me-queres acabou, Ver-te no meio da rua. Malmequeres nunca têm fim.

1798 1799 Mandaste-me aqui vir, Manuel é pano fino Que aqui havias de estar, Que se vai comprar à feira; Eu vim e tu não viestes; Manuel é bonitinho, Aqui não hei-de voltar. Não faltará quem o queira.

1800 1801 Manda-te daí abaixo, Manuel, Manuelzinho, Cara de limão maduro; Meu rico lau das tendas; Eu te apanho nos braços, Se te quiserem falar, Ou no chão, que é mais seguro. Diz que andas de encomenda.

1802 1803 Mandei buscar um limão * Manuel, Manuelzinho, Ao limoeiro do rei, Tens nome do Senhor; Para te tirar o fastio, Manuel, se fores padre, Se fui eu que to causei Serias meu confessor.

1804 1805 Mandei fazer um relógio Manuel, tu és a neve, Das pernas dum caranguejo, Da neve se gera o frio, Para contar os minutos Também se pode gerar Das horas que te não vejo. Um limão para o fastio.

1806 1807 Mandei-te um ramalhete Maria da Piedade; De dois ais e um suspiro; Que piedade é a tua? Deu-lhe o vento, desfolhou-se, Mataste o teu marido, Não chegou ao seu retiro. Deixaste-o ficar na rua.

1808 1809 Manhã fresca de luar, Maria é moça nova, À sombra da bela aragem, Solteira e não tem juízo; Pus-me a contar as estrelas, Os passeios da Maria Vi no céu a tua imagem. Só podem dar prejuízo.

1810 1811 Manuel é nome santo, * Maria, minha Maria, Nunca me pode esquecer; Esta não é como as outras; É o meu maior tesouro, Umas são Marias várias, Eu por ele hei-de morrer. Outras são Marias loucas.

1812 1813 Manuel é pano fino Maria, minha Maria Que se merca no mercado; Maria, meu ai Jesus! Mercai, raparigas todas, O dia que te não vejo Desse pano entrançado. Nem a candeia dá luz.

1814 1815 Maria, minha Maria, Matei a sede com água Maria, minha beleza! A filhos de gente nobre; Hei-de pintar o teu nome Hoje escondem-se de mim Numa maça camoesa. E riem-se de eu ser pobre.

1816 1817 Maria, minha Maria, Meiga lua, se pudesses Negra vida te hei-de dar; Tudo o que vês escrever; Nem hei-de casar contigo, Sem verter pranto, ninguém Nem te hei-de deixar casar. Podia o teu livro ler.

1818 1819 Maria, minha Maria, Menina das laranjinhas, Olhos de cão desarmado; Quantas dá por um vintém? Se tu não me dizes nada; Dou uma a quem dá duas, Fico para sempre enjoado. Dou três a quem me quer bem.

1820 1821 Mariana diz quem tem Menina de entre as meninas, Sete saias de veludo; Eu não sei qual delas é; Rompe, rompe, Mariana, Mandou-me aqui não sei quem; Que o dinheiro paga tudo. Que vá lá, não sei onde é.

1822 1823 Marias da minha aldeia, Menina de olhos bonitos, Todas vós sabeis urdir Foge de quem tem feitiço, Dum certo linho uma teia, Que virtudes nas mulheres Onde todas vão cair. Como o vidro é quebradiço.

1824 1825 *Maria, tu és na terra Menina do amarelo, O que os anjos no céu são; Diga-me quanto custou Se tu morresses, Maria, Que me quero vestir dele, Morria o meu coração. Já que tanto me agradou.

1826 1827 *Mariquinhas, teu pai deu-te Meninas dos carrapichos, Bem te podia matar Do cabelo aos anéis, Por não teres o caldo feito Dorme com ele na cama E a loiça por lavar. Embrulhado em papéis.

1828 1829 Mar sagrado, mar sagrado, Menina não tenhas prosa, Quantas almas tens em ti; Tu não és menos, nem mais; Já tens a do meu amor, Debaixo da terra fria Já te vingaste de mim. Todos somos iguais.

1830 1831 Menina, prenda o seu melro Minha amora madurinha, Que me vem ao meu quintal; Diz-me quem te amadurou: Se lhe solto o meu canário, Foi o sol e ageada, O seu melro fica mal. O calor que me apanhou.

1832 1833 Menina, que estás a janela Minha gatinha parda, A comer pão com queijo; Que em Janeiro me fugiu; Faça da boca espingarda, Quem viu a minha gatinha? Atire para cá um beijo. Você sabe, você viu?

1834 1835 Meu coração está fechado, Minha laranjinha doce, A chave tem-na meu pai; Meu pessegueiro molar; Quem está cá fora, não entra, Não passeia nesta terra Quem está lá dentro, não sai. Quem a mim me há-de lograr.

1836 1837 Meu peito é uma sala Minha linda freguesia, Que fecha dois cadeados; Carreirinho das formigas, Por um lado fecha amores, Onde os rapazes se perdem Por outro penas e cuidados. Por causa das raparigas.

1838 1839 Meu peito é um relógio Minha maçã madurinha, Que de dentro tem gavetinhas, Navega, não vás ao fundo; Onde guardo meus segredos, Ainda que eu queira, não posso A mais as tuas falinhas. Tapar as bocas do mundo.

1840 1841 Meus senhores, não se admirem *Minha maçã vermelhinha De eu cantar e não saber; Picada do rouxinol; Eu sou rapariga nova, Se não fosses picadinha, Tenho tempo de aprender. Eras linda como o sol.

1842 1843 Meus senhores, não se admirem Minha maçã vermelhinha De eu cantar e ser casada; Picada dos passarinhos; Eu canto com alegria A quem destes os abraços De me ver bem empregada. Vai também dar os beijinhos.

1844 1845 Milho alto, milho alto, Minha maçã vermelhinha, Milho alto sem pendão; Quem dela comerá? À sombra do milho alto Quem falar para o meu amor Namorei teu coração. Nunca vergonha terá.

1846 1847 Minha maçã vermelhinha, *Minha mãe é minha amada Vermelhinha da macieira, Quando coze, faz um bolo; Vermelhinha de casada, Quando se zanga comigo, Que faria de solteira. Dá-me com a pá do forno.

1848 1849 *Minha mãe, case-me cedo, *Minha mãe mandou-me à fonte, Enquanto sou rapariga, Eu quebrei a cantarinha; Que o milho sachado tarde Minha mãe, não me bata, Nem dá folha, nem dá espiga. Que eu ainda sou pequenina.

1850 1851 *Minha mãe, case-me cedo, Minha mãe, minha mãezinha, Que eu já sei fiar na roca; Minha mãe, minha amada; Em quatro meses e meio Quem tem uma mãe, tem tudo Fiei uma maçaroca. Quem não tem mãe, não tem nada.

1852 1853 Minha mãe casou–me em Braga Minha mãe, minha mãezinha, Com uma mulher de feição; Não se pode ser mulher; Ela bonita não era, Ás bonitas põem-lhe fama, Pobre sim, honrada não. Ás feias ninguém as quer.

1854 1855 Minha mãe chama-me Rosa, Minha mãe, para m’eu casar Eu Rosa não quero ser; Prometeu-me três ovelhas, Baptizei-me por Maria, Uma manca, outra cega, Sou Maria até morrer. Outra mona sem orelhas.

1857 1858 Minha mãe chama-me Rosa, Minha mãe, por eu me casar, Eu Rosa não quero ser; Prometeu- me quanto tinha; Sou Maria, sou Maria, Agora que foram os votos Sou Maria até morrer. Deu-me um fole sem farinha.

1859 1860 Minha mãe chama-me Chasca, Minha mão na tua enleias, Minha avó Chasca Maria; Estão enleadas as duas, Eu também me chamo Chasca, Eu senti nas minhas veias Sou filha da Chascaria. Correr o sangue das tuas.

1861 1862 *Minha mãe, dê-me a chave; Minha sogra diz que tem Eu quero ir ao jardim; Uma prenda para me dar; Quero ir buscar um cravo A não ser o filho mais novo, Para eu dar ao Joaquim. Bem que a pode guardar.

1863 1864 Minha sogra diz que tem Muito me agradas, amor, Uma prenda para me dar; Pelo teu desembaraço; Se a prenda não é o filho, Eu nunca fiz ninguém Então pode-a guardar. Carinhos que te a ti faço.

1865 1866 Minha sogra morreu ontem, Muito queria ser a água Enterrei-a no palheiro Para duma fonte nascer; Deixei num braço de fora dava um beijo nos teus lábios, Para tocar o pandeiro. Quando lá fosses beber.

1867 1868 Minha sogra morreu ontem, Muito se engana quem cuida, Foi direitinha ao paraíso Quem cuida, se engana bem; Deixou-me uma manta velha, Segredinhos do meu peito Não posso chorar com o riso. Ainda não os disse a ninguém.

1869 1870 Minha sogra ralha, ralha, Muitos querem dois primos, Por eu com o filho falar O mesmo sangue os obriga! Ela ralha e tem razão, São dois corações sós, Que eles custam a criar. Não têm quem os contradiga.

1871 1872 Moro à beira do mar, Murmurai, murmuradeiras, Moro mesmo à beirinha; Murmurai ao vosso gosto; Da janela do meu quarto O inferno não foi feito Vejo a saltar a sardinha Para cadeiras de encosto.

1873 1874 Muito bem fica o sapato Murmurai, murrmuradeiras À porta do sapateiro; Vós não tendes que dizer; Muito bem fica uma moça Assim se vos ponha a língua Ao pé dum rapaz solteiro. Como a tinta de escrever.

1875 1876 Muito custa a quem não pode Na corola duma rosa, Subir a esta calçada; De beleza peregrina, Muito mais a quem não sabe Brilha uma gota formosa Converter a namorada. De água pura e cristalina.

1876 1877 Muito gostos dos Antónios, Na entrada desta rua, Muito mais dos Manuéis, Na primeira casa não Que os trago nos meus dedos Tenho eu lá uma rosa Retratados por anéis. Que ninguém lhe põe a mão.

1878 1879 Na entrada desta terra Não digas que me conheces, Há um portal encarnado, Lá por me veres a sorrir; Onde mora a minha sogra, Parece que não te lembras A mãe do meu namorado. Do que se chama mentir.

1880 1881 Na esquina do meu telhado Não é fineza nenhuma Pinheiro não hás-de pôr; A rosa em botão cheirar, Quando o pinheiro der pinhas Fineza é, depois da seca, Agradeço-te o favor. O mesmo cheiro deitar.

1882 1883 Na minha terra não há cravos, Não fales com tanto firmeza, Já secaram os craveiros; Mentiras não servem para mim; Os cravos da minha terra Se a gente não tem a certeza; São os rapazes solteiros. Não pode afirmar que sim.

1884 1885 Na minha terra se apanha *Não há dinheiro que pague O alecrim às mãos cheias; A filha do lavrador; Tanto custaram a Deus Anda ao sol e anda à chuva As bonitas; como as feias. E tem sempre a mesma cor.

1886 1887 Não canto por bem cantar, Não há dinheiro que pague Nem por Ter falta de amante; A filha do pescador; Canto só por dar gosto De noite vai para a sardinha, A quem me pede que cante. De dia vai para o amor.

1888 1889 Não creias em quem promete Não há machado que corte Com os lábios a sorrir; A raiz ao meu desejo; Já sabes que tenciona Não há coração que logre A promessa não cumprir. Dois olhos que eu daqui vejo. 1890 1891 Não creias, se te disserem Não há melhor bebida As penas terem bom fim; Do que um copo de bom vinho; Porque todas essas penas Não há cantiga mais linda Te deixaram com dó de mim. Que o nosso vira do Minho.

1892 1893 Não creio nas tuas juras, Não há nada como a morte Elas todas falsas são; Para acabar a presunção, Tua boca diz que sim, Com quatro metros de pano Teus olhos dizem que não. E quatro palmos de caixão.

1894 1895 Não há nada neste mundo Não me importa o que não vejo, Comparante à água fria; Só me importa o que se vê; Se ela não refrescasse; Eu nasci para ser livre, Neste mundo nada havia. A razão não sei porquê.

1896 1897 Não há palavra mais santa, Não me metas mais rasteiras, Nem mais terna de expressar Ó desprezo sem vergonha, Que o doce nome da mãe, Que eu agora vou à fonte O primeiro a murmurar. De sapatinhos de lona.

1898 1899 Não há que acreditar nos homens, *Não me ponha a mão na saia, Mesmo que estejam a dormir; Diga de longe o que quer; Por fora fecham os olhos, Não perde você que é homem, Por dentro estão-se a rir. Perco eu que sou mulher.

1900 1901 Não há que fiar nos homens, Não me ponhas a mão na cinta, Nem nas falas que eles dão; Não me ponhas a mão no peito; Juram muito com a boca, Atrás dessa já vem outra, Mas mentem muito com o coração. Assim se perde o respeito.

1902 1903 Não há quem possa entender Não me queres por ser pobre, Os caprichos da mulher; A pobreza Deus a amou; Não diz nada, se não gosta, Não me viro para ti, Diz sempre não, quando quer. Pobrezinha como sou.

1904 1905 Não há vida mais bonita Não me queres por ser pobre, Que a duma rapariga; Eu a ti por seres judeu; Andando bem asseada; Olha a diferença que faz Não tendo que se lhe diga. O teu sangue para o meu:

1906 1907 Não jures para que eu creia, Não olhes para mim, não olhes, Nem creias que eu me iludo; Que o jardim mais rosas tem; Jurara é escrever na areia, Olha que tu não encontras Vem a onda, apaga tudo. Quem te queira tanto bem.

1908 1909 *Não me atires com pedrinhas, Não passas de franganito, Que estão a lavar a loiça; Queres passar por ser leão; Atira-me com falinhas Ainda hás-de dormir Com que a minha mãe não oiça. Num ninho de qualquer cão.

1909 1910 Não pode o ar dispensar Não quero nada de nada, Quem a vida quer segura; Eu do nada, nada quero; É que o melhor p’ra saúde Não quero nada de ti, É bom ar e água pura. Porque de ti nada espero.

1911 1912 Não posso andar de noite, Não quero sapato alto, Nem de manhã muito cedo, Que se me enterra na areia; Que eu ando ameaçada Não quero amor da vila, De quem tenho pouco medo. Que os tenho cá na aldeia.

1913 1914 Não posso andar descalça, Não sabes o que sinto, Nem em cabelo no Verão; Quando te vejo passar; A areia pica nos pés, Na minha ideia nascia O sol no coração. Vontade te falar.

1915 1916 Não posso andar descalça Não se cortam as oliveiras Que me picam as areias; Nem se lhes põe o machado, Ainda tenho dinheiro Que é o que dá azeite Para sapatos e meias. Para alumiar o sagrado.

1917 1918 Não procurei aventuras, Não sei qual o motivo, Mas enfim sou venturosa Nem tão pouco a razão, Em ser por ti amada, Que um beijo dado na boca Eu me julgo bem ditosa. Se sente no coração.

1919 1920 Não queiras fingir-te alegre, Não sei se cante, se chore, Julgando que me enganas; Se me tudo cause pena; Eu sei ler a tua sina Se canto, tudo me esquece, Como das mãos das ciganas. Se choro, tudo me lembra.

1921 1922 Não queiras o que é demais, Não se me dá de quem fala, Limita-te à tua parte; Nem de quem me põe a fama; A água que mata a sede Eu sou como a oliveira Pode também afogar-te. Que sempre conserva a rama.

1923 1924 Não quero mal aos teus olhos, Não sou pedra que rebola, Pois deles não tenho queixa; Nem ladrilho mal assente; Bem sei que me querem ver, Onde ponho meu sentido Mas o dono é que não deixa. Fica firme para sempre.

1925 1926 *Não te encostes à barreira, Na rua do Eirado Que a barreira deita pó; Anda tudo de amarelo; Encosta-te ao meu peitinho, Chegando ao mês de Maio, Sou solteira, durmo só. Nem farinha, nem farelo.

1927 1928 *Não te encostes ao loureiro, Nas acidentes Beiras Que é verde, pode quebrar; Vi brilhar a branca neve; Encosta-te ao meu peito, Perto das Penhas Douradas, Que te pode acarinhar. Onde o ar é já mais leve.

1929 1930 Não te esquives, não me negues, Nas ondas do teu cabelo Esse amor, calmo prazer; Fui-me deitar a afogar, Dá-me a vida neste mundo, Para que saibas, meu amor, Sem amor não há viver. Que há ondas sem ser no mar.

1931 1932 Não te namores da erva Nas ondas do teu cabelo Por a veres florida; Fui-me deitar a nadar; Namora-te da raiz É para que saibes, amor, Donde ela vem descendida. Que eu nado sem ser no mar.

1933 1934 Não tenho pai, nem mãe, Nas ondas do teu cabelo Nem nesta terra parentes; Hei-de eu ir-me afogar Sou filha das tristes ervas, Para que o mundo saiba Neta das águas correntes. Que há ondas sem ser no mar.

1935 1936 Não terei lá harmonias Navalha, minha navalha, Das aves, das virações; Navalha da meia-lua, De natureza risonha Vai amar a quem quiseres, Nada verei nos sertões. Que eu por agora não sou tua.

1937 1938 Não terei o cacho de uvas Nem que eu fosse pobrezinho, Da videira nacional, Ficar de noite ao orvalho; Não contes os teus segredos Eu a ti nunca te quis, A quem não te é leal. Que és da raça do carvalho.

1939 1940 Não vou na tua cantiga, Nem tudo o que reluz é ouro, Mas tu não acreditarás, Nem prata o que parece; Tu tens outra rapariga, As falas dum lisonjeiro Eu não tenho outro rapaz. Encantam quem não conhece.

1941 1942 Nesta terra não há cravos, * No alto daquela serra Que secaram os craveiros; Está um sobreiro ao vento, Os cravos da nossa terra Muito enganado anda São os rapazes solteiros. Quem comigo perde o tempo.

1943 1944 Ninguém deve dizer mal, No alto daquela serra Agora reparo eu; Fugiu o pombo à pomba; Somos todos afinal, Na terra das cantadeiras Cada um para o que nasceu. Não tenho quem me responda.

1945 1946 No Alentejo vi as messes No alto daquela serra Ondeando como o mar; Não sei o que vi fugir; E muita casinha brancas, Não sei se é prata se é ouro, Como noivas a noivar. Se é espelho do meu vestir.

1947 1948 No alto daquela serra No alto da serra d`Arga Deixei lá o meu lenço Está um pinheiro ao vento; Atadinho pelas pontas; Bem enganadinho anda Cheio de bagadas dentro. Quem comigo perde o tempo.

1949 1950 No alto daquela serra No alto da serra d`Arga, Está uma noiva a chorar; Onde perdi o meu lenço Não chores, noiva, não chores, Atadinho pelas pontas, Que é um regalo casar. Cheio de lágrimas dentro.

1951 1952 No alto daquela serra No alto da serra d`Arga, Está um cruzeiro de vidro, Só ficaram nove rosas; Onde todos vão chorar Três brancas, três amarelas, Lágrimas de arrependido. Três encarnadas e formosas.

1953 1954 No alto daquela serra No alto do Cavalinho Está um moinho de vento; Deixei lá o meu lenço Muito enganado anda Atadinho pelas pontas, Quem comigo perde o tempo. Cheio de lágrimas dentro.

1955 1956 No alto daquela serra No céu alto há uma estrela Está um sobreiro ao vento; Que não pára com as demais; Menina que fala a todos Anda a ver por todo o mundo Não pretende casamento. Se há dois corações iguais.

1957 1958 No Domingo por mim passaste, Nós de cá e vós de lá, Fingiste-te distraído, As abelhas numa cesta; Não sei porque isso fazes, Nunca vencestes batalha Se não foi nada comigo. Para vencerdes esta.

1959 1960 No jardim há tantas flores, Nos dias tristes, sombrios, O cravo é que é o rei; Tão cheios dum mal secreto Há tantos moços bonitos Vejo sol, sinto alegria, E eu só contigo simpatizei. No mundo do nosso afecto.

1961 1962 No lugar de Castanheira No seu quintal andei eu Na primeira casa, não; E ramos de oiro descobri, Ofereceram-me pancada: E juro-lhe à fé de quem sou Saia cá o valentão. Que das suas uvas não comi.

1963 1964 No lugar de Varziela No telhado de S. Pedro Não se pode namorar; Está um lindo craveiro; De dia tudo são velhas, Dá-lhe o sol entre as folhas, De noite, cães a ladrar. Todo recende do cheiro.

1965 1966 No mar alto anda guerra; No tronco da árvore seca Eu bem oiço dar os tiros; Escrevi o nome teu; Eu bem oiço combater Ao escrever tão lindo nome Ao meus ais com os teus suspiros. O tronco reverdeceu.

1967 1968 No meio do mar há rosas, Numa quelha sem saída Eu bem lhes vejo os botões; Eu queria-te encontrar; Também vejo caras lindas; Se te devo alguma coisa, Mas não vejo corações. Já te podia pagar.

1969 1970 No meio do pinheiral Nunca vi figueira branca Uma rolinha colhi; Dar o fruto na raiz; Todos falam e murmuram, Nunca vi rapaz solteiro Ninguém olha para si. Cumprir aquilo que diz.

1971 1972 No nascer e no morrer O A é a primeira letra Todos somos iguais; Que se escreve no papel; Nas riquezas deste mundo Escrevi-te no meu sentido, Uns têm menos, outros mais. Minha pedrinha de mel.

1973 1974 Ó água do rio Lima, Ó Ana, três vezes Ana, Deixa passar a barrenta; Maria uma só vez; O amor que não é firme Mais vale uma só Maria No meu coração não entra. Do que as Anas todas três.

1975 1976 O alecrim de Viana O anel que tu me deste Com as folhas cobre o chão, Não o dei, nem o vendi, Também as tuas ausências Deitei-o da ponte abaixo, Cobrem o meu coração. Também te deitava a ti.

1977 1978 Ó alegria do mundo, O anel que tu me deste Diz-me onde tens andado; No Domingo da Trindade, Já corri mais de mil terras, Era-me largo no dedo; Não te tenho encontrado. Apertado na amizade.

1979 1980 Ó alta serra de neve, O anel que tu me deste Onde o penedo caiu; Tinha uma pedra a brilhar; Ninguém diga o que não sabe, Por muito que ela brilhe, Nem afirme o que não viu. Brilha mais o teu olhar.

1981 1982 Ó alto da Figueira Moura, Ó Arga, terra de encanto, Aonde o penedo caiu; que mistério é o teu... Ninguém diga o que não sabe, Chega a Ter saudades tuas Nem afirme o que não viu. Quem nunca em ti viveu.

1983 1984 Ó alto da Serra d’Arga, Ó Aveiro, ó Aveiro, Muito bem me podes querer; Que tens marinhas de sal, Tenho os meus pés em chaga Não há terra mais bonita De te subir e descer. No reino de Portugal.

1985 1986 Ó alto da Serra d’Arga, O barco Santa Maria Muito bem me podes querer; Roubado no alto mar; Trago as pernas cansadas Já tivemos alegria De te subir e descer. De Lisboa o ver chegar.

1987 1988 Ó Alto do Cavalinho, * O cantar é Dom dos anjos; Muito bem me podes querer; O bailar, das namoradas; Tenho os meus pés em chaga Alegria das solteiras, De te subir e descer. A tristeza das casadas.

1989 1990 O cantar é dos anjinhos, O casar é muito bom, O dançar, dos variados; Qualquer tolo é casado; É alegria dos solteiros Sustentar mulher e filhos A tristeza dos casados. É que a porca torce o rabo.

1991 1992 O cantar e o dançar O cemitério de Arga É a memória que Deus dá; Tem a porta de chumbo, Tenho ouvido dizer: Onde se vão acabar Quem não sabe, não vai lá. As vaidades deste mundo.

1993 1994 O cantar e o dançar Ó Cerquido, ó Cerquido, É uma vida estragada; Ó Cerquido lameirento, O cantar puxa o peito, Quem namora no Cerquido, O dançar logo enfada. Não diga que perde tempo.

1995 1996 O cantar é para os tristes; O cigarro diz que tira Quem o pode duvidar? As mágoas ao coração; Quantas vezes cantarei O cigarro bem se fuma, Com vontade de chorar. As mágoas ainda cá estão.

1997 1998 O carrasquinho do monte O coelho é zagaio, Adivinha Primavera; Dorme com os olhos abertos Anda cá, meu amorzinho, Eu durmo com os olhos fechados Que eu sou a que dantes era. E trago os meus amores certos.

1999 2000 O carvalho da Portela O coração compreende Tem duas landras no pé; Dos olhos toda a expressão, Alegrai-vos, raparigas, É que os olhos têm segredos Que o carvalho vosso . Guardados no coração.

2001 2002 O carvão que já foi brasa, Ó coração da baeta, Com pouco lume se acende; Daquela mais denegrida, Só eu queria adivinhar Olha a paga que tu deste Quem os teus olhos pretende. A quem por ti dava a vida.

2003 2004 O carvão que já foi lume, * Ó coração de pombinha, Com pouco lume se acende; Ó asas de Primavera; O amor que já foi d’alma Eu só queria adivinhar Com poucos rogos se rende. A tua ideia qual era.

2005 2006 *O coração e os olhos * O cravo tem vinte folhas, São dois amantes leais, A rosa tem vinte e uma; Quando o coração tem penas, O cravo anda em demanda Logo os olhos dão sinais. Por a rosa Ter mais uma.

2007 2008 O coração é um tanque, O cravo vermelho pega Cheio de água mete medo; No valado duma poça; Alegra-te, coração, Não há rapaz que mereça Vai regar o arvoredo. O coração duma moça.

2009 2010 O craveiro da minha sogra O cuco mordeu na poupa, Foi só um cravo que deu; Tirou-lhe as penas do rabo; Toda a gente tem inveja A poupa foi para a cadeia De o Ter colhido e E o cuco foi degradado.

2011 2012 *O cravo bateu na rosa, * O diabo leve os homens, A açucena vai jurar; Aqueles que bebem vinho; Ó que lindo juramento O diabo não leve o meu, Aquele jardim vai dar. Porque bebe poucochinho.

2013 2014 O cravo, depois de seco, O diabo leve os homens Anda a rastos pelo chão; Enfiados num cordão; A rosa ainda que seque O primeiro seja António, Tem a mesma estimação. José, Joaquim e João.

2015 2016 O cravo, depois de seco, * O diabo leve os homens Depois de seco mirrado Enfiados num cordel; Foi-se queixar ao jardim O primeiro seja o António; Que não o tinham regado. O segundo o Manuel.

2017 2018 O cravo, depois de seco, O diabo leve os homens, Foi-se entregar ao jardim; Menos três que eu vou dizer: A rosa lhe respondeu: Meu pai e meu padrinho, Tudo o que nasce, tem fim. Meu marido que vai ser.

2019 2020 O cravo desceu, desceu, O diabo leve os homens, Deu com uma folha no tanque; O primeiro seja o meu. Quem aqui vem p’ra me ver Não ganhando ele dinheiro, Já me tem amor bastante. Para que diabo o quero eu?

2021 2022 *O diabo leve os ratos, Ó José, ó cara linda, Quebre os dentes às formigas, Não saias de noite à rua. Que me roeram os meus livros, Que as estrelas nunca viram Onde eu estudava as cantigas. Cara linda como a tua.

2023 2024 O diabo tem sempre uma capa * Ó José, pinheiro verde, Que tapa o que mais lhe convém; Sombrinhas de todo oVerão; Mas esse maldito destapa, Todas as sombras acabam, Com mais uma capa que tem. Só a tua, José, não.

2025 2026 Ó estação de caminha, O ladrão do milho verde, Cercadinha de olivais; A manhã que ele trazia... Ó freguesia de Dem, Metia a água na cama Sepultura dos meus ais. P’ra beber durante o dia.

2027 2028 Ó estrelinha do norte, Ó Lanheses, ó Lanheses, De mim tende piedade, Ó Lanheses lameirento, Que me vejo sem namoros, Com os rapazes de Lanheses Na flor da minha idade. Eu não perco o meu tempo.

2029 2030 Ó freguesia de Dem, Olha a triste viuvinha Terra da minha alegria; Que na roda anda a chorar, Onde eu tenho e não nego É bem feito, é bem feito, Toda a minha simpatia. Ninguém a mandou casar.

2031 2032 O fumo sai da fogueira, Olha o diabo da velha, A água passa no rio; Olha o que lhe havia de dar As palavras saem da boca Para me chamar... De quem canta ao desafio. E rir-se do meu cantar.

2033 2034 O fumo da fiadeira Olha para mim a direito, Fia o linho bem fiado; Não estejas a recear, A educação sai do lar Eu conheço no teu rosto De quem não é mal educação. Que uma fala me queres dar.

2035 2036 Ó João, ó Joãozinho, Olha para mim a direito, Garrafinha de aguardente, Não olhes atravessado, Ficas logo coradinho, Eu quero ver ao meu gosto Quando passas pela gente. Essa boquinha de cravo.

2037 2038 Olha para mim a direito O limoeiro da calçada Não olhes atravessado, Agora já não dá limões; O lugar que tu pretendes Já lhe tiraram as folhas Ainda está desocupado. Para unir corações.

2039 2040 Olhos azuis são ciúmes, O lindo rapazinho Olhos pretos são ternura, À minha porta passou; Os olhos acastanhados Queria falar com ele, São os da minha loucura. Minha mãe não me deixou.

2041 2042 *Olhos azuis são ciúme, Oliveira, fonte seca, Os meus alhos azuis são. Está coberta de algodão; Tenho ciúmes nos olhos, Quem não quer que o mundo fale Firmeza no coração. Não lhe dê aceitação.

2043 2044 *Olhos brancos, olhos pretos, Oliveira miudinha, Olhos azuis, olhos verdes, Que azeitona pode dar Estas quatro cores de olhos Eu também sou pequenina, Em poucas caras os vejo. Mas sou firme no amar.

2045 2046 Olhos pretos, mar imenso, Oliveira pequenina, Que nunca mudais de cor, Não te julgues desprezada, São os dois em que eu penso, Por dares poucas azeitonas, Alívio da minha dor. É melhor pouco, do que nada.

2047 2048 Olhos pretos, olhos pretos, Oliveira pequenina Laços de prender quem ama; Que azeitonas podes dar? Se os meus olhos pretos fossem, darás poucas: mas que importa? Não os trazia à semana. Darás o que puderes dar.

2049 2050 O limão é fruta azeda O loureiro é pau verde Que se traz na mão por brio Que racha de nó em nó. Quem me dera ser limão, Minhas falas são para todos, Que te tirava o fastio. Meu coração p’ra ti só.

2051 2052 Ó limão, verde limão, O loureiro é pau verde Ó limão recém nascido; Que racha de nó em nó; Ó limão que fazes andar Sou filha de minha mãe Ó meu coração pensativo. E neta da minha avó.

2053 2054 Ó loureiro, foste tolo O lugar de Santo Aginha Nascer ao pé do caminho; É pequeno, mas tem graça; Todos passam, todos tiram Tem uma fonte no meio, Do loureiro um ramalhinho. Dá de beber a quem passa.

2055 2056 Ó loureiro, ó loureiro, O lugar de S. Lourenço, Deita para cá um ramo; Cercado de pinheirais, O meu amor é teimoso, Tem um castelo no meio, Dura-lhe a teima um ano. Onde batem os meus ais.

2057 2058 O lugar de Arga de Baixo Ó malmequer mentiroso, Cercado de pinheirais, Quem te ensinou a mentir; Onde eu tenho o meu amor, Tu dizes que me quer bem, Cada vez me lembra mais. Quem de mim anda a fugir.

2059 2060 O lugar de Arga de Baixo Ó mar alto, ó mar alto, É pequeno, mas tem graça; O mar alto sem Ter fundo, Tem um chafariz no meio, Mais vale andar no mar alto Dá de beber a quem passa. Do que nas bocas do mundo.

2061 2062 O lugar de Arga de Baixo Ó Margarida moleira, È um lugar encantador; Como se chama o teu nome Toda a gente que cá vive Chama-se batata assada, É gente de muito valor. Sem azeite, não se come

2062 2063 O lugar de Arga de Baixo Ó Maria, dá-mo, dá-mo, Não é vila, nem cidade, Que eu não te peço dinheiro É uma aldeia pequenina, Peço-te uma anhinha moura Onde brilha a mocidade. Para juntar ao meu carneiro.

2064 2065 Ó lugar de Castanheira, O mar pediu a Deus peixe, A terra do meu Manuel; O peixe pediu fundura, Todos os dias são cartas, O homem pediu ciência, Barato é o papel. A mulher, formosura.

2066 2067 Ó lugar de Castanheira, Ó mar, tu és um leão Terra da minha paixão, A todos tu queres comer; Tenho os beijos da minha mãe Não sei como os homens podem Gravados no coração. As tuas ondas vencer.

2068 2069 Ó menina, dá-me, dá-me, O muito falar faz sede, Uma vez não é pecado, A muita sede, secura, Uma brasinha de lume A muito sede, parede, Para acender o meu cigarro A muito parede, altura.

2070 2071 Ó menina, não te cases, O mundo fala de mim, Que casar é muito mau; O mundo quer que me eu tolha; Mais vale andar na rua Eu sou como a oliveira, A vender colheres de pau. Que sempre conserva a folha.

2072 2073 Ó menina, que está à janela, Ondas do mar, abrandai, Com o seu relógio à cinta, Que eu quero pilhar um peixe; Diga-me que horas são, Eu quero deixar o mundo, Por favor não minta. Antes que ele a mim me deixe.

2074 2075 + O meu amor afastou-se, Ondas do mar, deitai fora Pena não tenho nenhuma, O que trazeis a nadar; Ainda me deixou a tempo Uma fama sem proveito De arranjar melhor fortuna. Não se pode perdoar.

2076 2077 O meu nome vos ressalga Onde se mata um homem Vossa boca delicada, Pôr uma cruz é preceito; Mas toda essa arrogância Tu deves Ter, moreninha, Está para mim espalhada. Um cemitério no peito.

2078 2079 O meu pai é lavrador, O nevoeiro de serra No quinteiro deita canas; Significa amor perdido; Compra milho onze meses, Quantas almas se condenam Ainda mais quatro semanas. Por me ver falar contigo.

2080 2081 O meu peito é uma sala, O nosso lugar da Gandra, Onde passeia a açucena; Lugar de muitos valados, Amei-te com tanta gosto, Lugar das moças bonitas Deixei-te com tanta pena. E dos moços engraçados.

2082 2083 O meu peito é uma sala, O nosso lugar da Gandra Por dentro são duas gavetinhas Tem um jardim de roseiras; Para guardar os teus segredos, Um rancho de raparigas A mais as tuas falinhas. Vestidas à lavradeira.

2084 2085 Ó oliveira do adro, Ó que lindo chapéu preto Não assombres a igreja; Naquela cabeça vai! Que bem assombrado anda Ó que rapaz tão bonito Quem não logra o que deseja. Para genro do meu pai!

2086 2087 O padre da minha terra Ó que lindo luar vai Fez um sermão que jurou, Para apanhar a marcela Pela boa sorte das filhas, No campo de Santo António, Em como nunca pecou. Daquela mais amarela.

2088 2089 O padre, quando namora, Ó que lindo rapazinho Põe sempre a mão na coroa; À minha porta passou! Namora, padre, namora, Ele queria falar comigo, Que Deus tudo perdoa. Minha mãe não deixou.

2090 2091 O pão roubado, não presta, Ó que moça tão bonita Coitado de quem o come; Picada do rouxinol! Fica a boca a amargar, Se não fosses picadinha, Não chega a matar a fome. Eras linda como o sol.

2092 2093 O papel em que te escrevo Ó que mocinhos tão lindos Sai-me da palma da mão; Ó que linda mocidade! A tinta sai-me dos olhos, Criadinhos numa aldeia, A pena, do coração. Parecem duma cidade.

2094 2095 O perolino é torto, Ó que pinheiro tão alto A mulher é encurcuvada; Com umas pinhas tão verdinhas! Apartai, gente toda, Nunca vi rapaz tão novo Deixai passar a jangada. Com umas falas tão meiguinhas.

2096 2097 Ò que caneca tão linda! Ó que pinheiro tão alto Que água tão saborosa! Com um fio de ouro na ponta! Quem a encheu foi um cravo, Os teus olhos, menino, Quem a deu foi uma rosa. Já andam por minha conta.

2098 2099 Ó que desgraça tamanha! Ó que pinheiro tão alto O que havia de passar: Com um fio de ouro no meio! Ainda os filhos têm chupeta Ó que menina tão linda, E já os querem casar! Filha dum homem tão feio!

2100 2101 Ó pinheiro tão alto ó Rosa maravilhosa, Com um fio d’ouro na ponta! Do jardim mais excelente, Tu de mim não fazes caso, Não me posso rir para ti, Eu de ti não conta. Que me ralha a tua gente.

2102 2103 Ó que pinheiro tão alto! Ó rosa, não te desprendas, Ó que pinhas tão verdinhas! Deixa-te estar na roseira; Ó que amor tão verdadeiro! Enquanto estiver viçosa, Ó que falas tão meiguinhas! Não faltará quem te queira.

2104 2105 Ó que pinheiro tão alto! Ó rosa, nunca consintas Que lindo pau para colheres! Que o cravo te ponha a mão; As mentiras são dos homens, Uma rosa enxovalhada As verdades, das mulheres. Já não tem aceitação.

2106 2107 Ó que pinheiro tão alto! Ó rosa, quando morreres, Quem lhe há-de colher a rama1 Hás-de ir amortalhada É uma menina do Porto Na folha da mesma rosa, Que se chama Mariana. Na que for mais encarnada.

2108 2109 Ó que pinheiro tão alto! Ó Rosinha, anda comigo, Só com uma pinha no meio! Deixa ficar a roseira; Ó que menina tão linda! Esta noite vem a chuva, Filha dum homem tão feio. Rosa molhada não cheira.

2110 2111 O que trabalha pelo bem O salgueiro ao pé da água Merece um bom encosto, Deita a raiz p’ra onde quer; Uma cadeira de ouro, É como o rapaz solteiro; Uma moça a seu gosto. Enquanto não tem mulher.

2112 2113 O ribeiro de Arga de baixo Ó senhor José Maria, Passa por baixo da ponte. O seu nome é como o meu; Por causa das raparigas Você é José Maria, Muito calçado se rompe. Maria José sou eu.

2114 2115 O rio para os peixes Ó senhor juiz de Braga, E o mar para as areias; Ponha justiça na terra; O meu coração para o teu, Estão aqui dois olhos Se não mudarmos de ideias. Que me estão causando guerra.

2116 2117 Ó senhor juiz de paz, Os homens são como as cobras, Ponha justiça na terra; Quando largam a peçonha; Prenda-me aqueles dois olhinhos, Nem casados, nem solteiros, Que estão naquela janela. Nem viúvos, têm vergonha.

2118 2119 O sete estrelo caíu Os homens são como o lobo Numa rua, ficou coxo; Só lhes falta ter o rabo; O lírio com saudades Aparecem às donzelas Logo se vestiu de roxo. Na figura do diabo.

2120 2121 Os homens e as galinhas Os homens são como os gatos, São o bicho interesseiro; Eu no falar os entendo; As galinhas pelo milho, Dizem sempre que não querem Os homens pelo dinheiro. Por coisas que estão morrendo.

2122 2123 Os homens nunca deviam Os magalas são chalados; Iludir-se nas palavras; Não se aproveita um somente; É por isso que, às vezes, Eu já conheci um cabo Há mulheres desconfiados. Que dava cabo de gente.

2124 2125 Os homens por serem homens Os meus olhos, a chorar, Fiam-se na valentia; Fizeram covas no chão; Se a força lhes faltasse, Coisa que os teus não fizeram, Qual era a minha alegria. Nem nunca talvez farão.

2126 2127 Os homens, quando se juntam Os meus olhos, de chorarem, A falar da vida alheia.... Fizeram covas no chão; Começam na lua nova, Os teus não as fizeram, Acabam na lua cheia. Que és duro do coração.

2128 2129 Os homens são como a cobra Os meus olhos, de chorar, Quando perdem a peçonha; Já nenhuma graça têm; Andam atrás das mulheres Hei-de dizer aos meus olhos Cheios de maldade e ronha. Que não chorem por ninguém

2130 2131 Os homens são como a cobra Os meus olhos, pelos teus, O primeiro é o meu home; Choram lágrimas sem fim; Deitei-lhe o caldo na malga, Se me queres bem, amor, O maldito não mo come. Não te esqueças de mim.

2132 2133 Os olhos do meu amor O sol prometeu à lua São duas continhas pretas; E a lua ao luar; Eu bem os soube esconder Meu amor me prometeu No jardim das violetas. De nunca mais me deixar.

2134 2135 Os olhos do meu amor O sol prometeu à lua São pretos como o veludo; Uma fita de mil cores; Ainda espero te lograr Quando o sol promete prendas, Olhos, coração e tudo. Que fará quem tem amores?

2136 2137 Os olhos do meu amor O sol prometeu à lua São pretos, não têm maldade; Um lencinho com mil cores; Hei-de mandar fazer deles Quando o sol promete prendas, O painel da piedade. Que fará quem tem amores?

2138 2139 Os olhos pretos são falsos, O sol vai alto, não queima, Os russos são festeiros, assim mesmo faz calor; Os olhos acastanhados Empresta-me o teu chapéu, São os leais, verdadeiros. Antoninho, meu amor.

2140 2141 Os olhos querem os olhos, O sol vai para os baixinhos Os corações, os corações; Contar as penas que tem; Os meus olhos querem os teus Eu também contaria Em todas as ocasiões. As minhas, se tivesse a quem.

2142 2143 Os olhos requerem olhos, Os peixinhos pedem água, Os corações, corações; Os passarinhos, liberdade; Também as boas palavras E eu peço para ti Requerem boas acções. Uma grande felicidade.

2144 2145 O sol nasce para todos, Os pratos da cantareira Todos somos iguais; Todos fazem tlim,tlim; Tem menos valor somente, No reino da glória esteja Quem julga que vale mais. Quem te criou para mim.

2146 2147 O sol pensa que me engana, Os pratos da prateleira Mas eu sei andar a jeito; Estão sempre tlim, tlim; Quando nasce, estou na cama, No reino do céu esteja Quando se põe, já me deito. Quem te criou para mim.

2148 2149 Os primeiros amores Os teus são meu gosto, Mandei-os ao rosmaninho; Os teus braços, meu carinho; E estes que agora tenho o teu amor, minha sorte, Vão pelo mesmo caminho. O teu coração, meu caminho.

2150 2151 Os santos são adorados, Os vossos olhos são lindos, Os anjos também o são; O vosso rosto tão igual; Tu também tens um altar Não há nome mais bonito Aqui no meu coração. Que é o nosso Portugal.

2152 2153 Os sete estrelas caíram O tempo que te amei Numa beirinha do tanque; Foi sempre com falsidade; Quem te amou tantos anos Mas agora já eu tenho Ainda te quer amor bastante. Amor à minha vontade.

2154 2155 Os sinos da nossa igreja O tocador do harmónico Tocam ambos ao bambom; Alguma coisa merece: O pequeno toca o vira Uma maça vermelhinha E o grande toca o malhão. Tirada do arcipreste.

2156 2157 Os teus olhos negros, negros, O trevo diz que se atreve São duas Avé- Marias A prender quem está ausente; Do rosário misterioso Eu, sem Ter trevo, me atrevo Que rezo todos os dias. A prender-te para sempre.

2158 2159 Os teus olhos pestanudos O trevo diz que se atreve São a minha tentação; A roer a folha ao trigo; Pensava de ficar solteira, Eu também me atrevia Mas mudei de opinião. A tomar amor contigo.

2160 2161 Os teus olhos são azuis, O velho e mais a velha São como o alto mar; Foram ao Senhor do Monte; Quem me dera ser navio O velho bebia vinho, Para neles navegar. A velha, água da fonte.

2162 2163 Os teus olhos são bonitinhos, O velho e mais a velha Cheios de graças de Deus; Foram sachar os feijões; Deus queira que os teus olhos À velha caíu-lhe a saia, Venham cair sobre os meus. E ao velho os calções.

2164 2165 O velho e mais a velha Paga lá esta multa, Foram sachar os feijões; Paga e não leves a mal; Toparam a terra dura, Isto tudo é brincadeira, Viraram-se aos bofetões. Nesta altura de Carnaval.

2166 2167 Ó velho, ó velhinho, Para além daquele mar Do chapéu «arrebentado»; Há uma casa comprida Tens piolhos na cabeça, Com um letreiro que diz: Como o chavelhão do carro. Quem lá for, arrisca a vida.

2168 2169 Ó vida da minha vida, Para cantar, aqui estou eu, Adeus, adeus, regalar; Para dançar, o meu irmão; A água corre para o rio, Para tocar a concertina Do rio corre para o mar. Viva quem a tem mão.

2170 2171 Ó vida da minha vida, Para Domingo que vem Adeus, adeus, regalar; Hei-de ir à missa do dia Bota o peixinho ao rio, Já que tanto me gabaram Se o queres ver nadar. Essa tua freguesia.

2172 2173 Ó vida da minha vida, Para mim, agora que estás doente, A minha vida vai andando; Com dores nas costelas, Eu fiz a cama na folha, Diabo dê a sua ajuda O vento ma vai levando. E te ofereça umas violetas.

2174 2175 Ó vida da minha vida, Passarinho voa, voa, A minha vida vai boa; Caminho de S. Lourenço, Amanhã vou-me casar, Leva cartas ao meu bem Amanhã vou para Lisboa. Apertadinhas no bico.

2176 2177 Ó vida da minha vida, Passaste por mim, coraste Eu que melhor vida quero; Como lindo na imprensa; Estou na minha liberdade, Fala para quem quiseres, Vou e venho quando quero. Porque não me faz diferença.

2178 2179 Ó vida da minha vida, Passei pelo junco verde, O meu amor é João; Dei um nó e fui andando, É vermelhinho de cara, Não te quis e não te quero, Alegre de coração. Porque te andas gabando.

2180 2181 Passo os meus dias, pensando Pega lá na minha chave, O momento em que te vi; Abre aquele penedo; Adormeço, em ti pensando, Não olhes atravessado, Acordo, pensando em ti. Que eu nunca te tive medo.

2182 2183 Pede a Deus pelos teus filhos, Pelo céu vai uma nuvem Lá no meio do sertão, Que leva as armas do rei; Que Deus lhe dê melhor sorte Também leva um lencinho E melhor inclinação. Do tempo que eu te amei.

2184 2185 Pediste-me à minha mãe, Pelo céu vai uma nuvem Sem saber se queria eu; Que leva um relógio dentro, Minha mãe em tudo governa, É para contar os minutos Mas em mim governo eu. Do nosso afastamento.

2186 2189 Pediste uma laranja, Pelo céu vai uma nuvem Meu pai não tem laranjal; Todos dizem bem a vi; Se queres um beijo meu, Todos falam e murmuram, Vai à porta do quintal. Ninguém olha para si.

2190 2191 Pedreiro pica na pedra, Penas do meu coração Carpinteiro, na madeira, Ninguém as há-de saber; Cada qual no seu ofício, Eu as fiz, eu as causei, Eu também sou lavradeira. Eu as hei-de padecer.

2192 2193 Pedrinhas da minha mata, Penedos desta calçada, Hei-de-vos mandar picar Levantai-vos e dizei: Com biquinhos de alfinete, Quem vos passeia de noite? Para o meu amor passar. Que eu de dia bem o sei.

2194 2195 Pedrinhas da Serra d’Arga, Pensas que és mais do que eu Vinde todas a rolar, Enganaste o coração. P’ra fazer uma casinha Não, não és em formosura, Para o meu amor morar. Nem também em geração.

2196 2197 Pedrinhas desta calçada, Pensavas que eu te queria, Levantai-vos e dizei: Moncoso, vai-te assoar; Quem vos passará de noite? Coitado de um pai que cria Que eu de dia bem o sei. Uma filha p’ra te dar.

2198 2199 Percorri a Estremadura, Perguntaste donde eu era, Que lindas, férteis campinas, Qual a minha freguesia; Onde cresce o louro trigo Minha terra é em Dem E pastavam vacas turinas. Lugar de Santa Luzia.

2200 2201 Perguntas porque te quero, Perguntaste donde eu era, Não sei dar-te uma resposta; Que concelho é que eu tinha; Gosta-se às vezes d’ alguém, Minha terra é em Dem Sem saber porque se gosta. Meu concelho é Caminha.

2202 2203 Perguntaste como eu ando, Perguntaste donde eu era, Graças a Deus, ando bem; Que concelho é que eu tinha; Ando com os pés pelo chão, Sou de Arga de S. João, Com tu andas também. Meu concelho é Caminha.

2204 2205 Perguntaste como eu ando, Perguntei ao sol se viu, Graças à Virgem Maria, Ao luar, se conheceu, Mas agora estou melhor Às estrelas, se encontraram Com a tua companhia. Um amor que já foi meu.

2206 2207 Perguntaste de onde eu era, Perguntei a S. João Eu não te queria dizer; Qual era o maior pecado, Moro em Arga de Baixo, Uma voz me respondeu: Já o ficas a saber. Amar e não ser amado.

2208 2209 Perguntaste de onde eu era, Perguntei às caravelas Que concelho é que eu tinha; Onde nascia o luar; Minha terra é em Arga, Nos olhos dos marinheiros Meu concelho é Caminha. Que são mares a brilhar.

2210 2211 Perguntaste donde eu era, Perguntei a um letrado Deixa que eu já te digo; Qual era a pena mais viva; Minha terra é em Arga, Se era a ausência do amor, Dá passagem para o Cerquido se uma triste despedida.

2212 2213 Perguntaste donde eu era, Pesas as tuas palavras Isso mesmo é que eu quero; Como ouro na balança; Minha terra é Castanheira, Mas o verdadeiro amor Meu lugar é o Castelo. Quando quer, tudo alcança.

2214 2215 Pinheiro, dá-me uma pinha, Por me deixares, amor, Ò pinha, dá-me um pinhão; Não deixei de ser quem era; Meu amor, dá-me uma fala, Por morrer uma andorinha Que eu dou-te o meu coração Não acaba a Primavera.

2216 2217 Pinheiro, dá-me uma pinha, Portugal, terra tão linda, Ó silva, dá-me uma amora; Como tu não há igual; Meu amor, dá-me um beijo Ó terra dos meus avós, Que me quero ir embora. Salvé, lindo Portugal.

2218 2219 Pinheiro do pinheiral, Primavera das flores, Que te hei-de mandar cortar; Primavera florida; Tu foste o causador Eu tinha gosto viver Do meu amor me deixar. Os meus cem anos de vida.

2220 2221 Podes crer no que te digo, Primavera, Primavera, Neste meu prometimento; Primavera dos boieiros, Jurei-te um amor eterno, Coitadinhos dos pastores Não quebro meu juramento. Que dormem pelos chiqueiros.

2222 2223 Podes dizer, não me iludes, Prometeis um mundo novo Que o teu amor é sincero: Vós que estais no vosso império; Pois, nas mentiras que dizes Calai-vos que pode o povo Acredito, quando quero. Quer um mundo novo a sério.

2224 2225 Pões os teus olhos em brasa, Pus-me a contar ao contrário Quando algum noivado vês; As pedras duma coluna: Deixa lá casar quem casa, Nove, oito, sete, seis, Que ninguém nos tira a vez. Cinco, quatro, três, duas, uma.

2226 2227 Ponte de Lima é lima, Pus-me a contar as estrelas Viana é um limão; À esquina duma coluna; E boucinho é um ramo Nove, oito, sete, seis, Do verde manjericão. Cinco, quatro, três, duas, uma.

2228 2229 Por cima de que navios Pus-me a contar as estrelas Duas gaivotas irão Com a ponta da espada; Gritando a ventos opostos, Comecei à meia-noite, Sofrer sim, esquecer não. Acabei de madrugada.

2230 2231 Pus-me a contar as estrelas, Quando eu era sacristão, Contei duzentas e doze, Já fazia diabruras. Com mais duas no teu rosto Molhava o pão no azeite São duzentas e catorze. E punha os santos às escuras.

2232 2233 Pus-me a contar as estrelas, Quando eu era solteirinha, Só a do norte deixei; Usava fitas aos molhos; Por ser a mais bonitinha Agora já sou casada, Contigo a comparei. Trago lágrimas nos olhos

2234 2235 Pus-me a cortar e cortei, Quando eu era solteirinha O pescoço à cabaça; Usava fitas e laços; Meu pai é cantador, Agora que sou casada Eu saio à mesma raça. Uso os filhos nos braços.

2236 2237 Pus-me um dia a percorrer Quando eu quis, tu não quiseste Este lindo Portugal, Comigo tomar amores; Pois queria ver, sentir Agora queres, eu não quero, Seus encantos sem igual. Já tenho outros melhores.

2238 2239 Qual será o candeeiro Quando falavas comigo, Que irá iluminar as sete salas; Tua mãe que te dizia? Qual será o coração Que eras pano do alto preço, Que irá ouvir tuas falas? Eu que te não merecia.

2240 2241 Quando andares bem disposto, Quando for a tua casa, Antes do alvorecer, Hei-de dar-te um beijinho Vai à rua do sol posto Para nunca te esquecer Para ver o sol nascer. Que és o meu amorzinho.

2242 2243 Quando canto, canto raiva, Quando leres esta carta, É bem para quem me entende; vais ficar admirado; Agora anda a moda Mesmo que tu não quisesses, De comprar a quem me vende. Por mim foste enganado.

2244 2245 Quando estava à tua beira, Quando li a tua carta, Parecia-me estar no céu, Com ela tive alegria, Eu nunca no mundo vi Com ela passo na mão Um prazer igual ao teu. Uma hora cada dia.

2246 2247 Quando olhava os teus olhos, Quatro coisas quer o amo Dava-me vontade de chorar; Ao criado que o serve: Pois eu sei que te amo Deitar tarde, erguer cedo, E não sei se me estás a amar. Comer pouco, andar alegre.

2248 2249 Quando o mar deitar à praia Quatro coisas são precisas Uma açucena perdida! Para saber namorar: Uma fama sem proveito Olho fino e pé ligueiro, Nunca é mais restituída! Memória e saber falar.

2250 2251 Quando o sobreiro der baga, Quatro com cinco são nove, A cortiça for ao fundo, Agora já sei contar; Só então hão-de acabar Quem me enganou uma vez As más línguas deste mundo. Não me torna a enganar.

2252 2253 Quando o sol se esconde Quatro com cinco são nove, E o dia chega ao fim, Com mais nove são dezoito, Eu veja teus olhos castanhos Com mais seis são vinte e quatro, A olharem para mim. Com mais quatro são vinte e oito.

2254 2254 Quando ouço a tua voz, Quatro com cinco são nove, Eu sinto grande harmonia; Para doze faltam três; Desaparecem as trevas, Se algum dia te faltei, Ressurge claro o dia. Aqui me tens outra vez.

2255 2256 Quando te vi, ó ferreiro, Quatro flores em meu peito, Deu-me vontade de rir Todas quatro desmaiadas; Com a cara ensarralhada Cravo roxo, amor-perfeito, Com olhos a reluzir. Rosa branca e encarnada.

2257 2258 Quarenta metros de altura Que andas a fazer, espantalho Subiu a nossa amizade, De loureiro em loureiro Subiu e tornou a descer O espantalho quer casar Pela tua falsidade. E o espantalho está solteiro.

2259 2260 Quatro castanhas assadas Que importa perder a vida Quatro pingas de aguardente, Em luta contra a traição; Quatro beijos de uma moça Se a razão mesmo vencida Já põem um velho contente. Não deixa de ser razão?

2261 2262 Que lindo botão de rosa Quem me dera que viesse Que aquela roseira tem: O tempo que há-de vir... Debaixo ninguém lhe chega, O tempo das desfolhadas Acima não vai ninguém. Para me eu divertir.

2263 2264 Que lindo cabelo tens, Quem me dera uma lima Todo encaracolado; Para limar a garganta... Em cada cabeleirinho; Para cantar como a rola, Trazes um anjo pintado. Como a rola ninguém canta.

2265 2266 Quem dois ama ao mesmo tempo Quem me dera uma mãe Tem talento de mão cheia; Inda que uma silva fosse; Ainda que uma luz se apague Mesmo que a silva picasse, Nunca fica sem candeia. O nome de mãe é doce.

2267 2268 Quem fala de mim, quem fala? Quem namora os estudantes Quem fala de mim, quem é? Faz dois pecados mortais: Deve ser algum chinelo Tira-os a eles dos estudos, Que me não serve para o pé. Dão desgostos a seus pais.

2269 2270 Quem me dera adivinhar, Quem quiser comprar, eu vendo Mas não adivinho nada; Meu coraçaõ que é de prata; Um momento em cada dia Vai no Domingo à missa, P’ra viver descansada. Lá no adro se remata.

2271 2272 Quem me dera adivinhar, Quem quiser que a água corra, Um momento em cada dia, Faça-lhe o rego bem feito, Para ver teu coração Quem quiser ser respeitado, P?ra que lado pretendia. Tem de se dar ao respeito.

2273 2274 Quem me dera agora estar Quem se senta ao soalheiro Onde está meu coração... É quem não quer trabalhar; Lá no campo das saudades, Leva a tesoura na língua Onde os meus suspiros vão. Para dos outros cortar.

2275 2276 Quem me dera ir ao Porto, Quem sobe ao nosso Calvário, Ao porto de Matosinhos: Ainda que seja ao teu, Quem me dera ser caixeira Vendo tão belo cenário Da loja dos teus carinhos. Julga-se às portas do Céu.

2277 2278 Quem tem telhados de vidro Raparigas, cantai todas Não pode atirar pedradas Um pouquinho e bem Eu fui atirar às dos outros O muito cantar enfada, Eu achei as minhas quebradas. Um pouco parece bem.

2279 2280 Que passarinho é aquele Raparigas, cantai todas Que canta na oliveira... Vamos todas ao terreiro, É o galo do abade Vamos pequenas e grandes, Que fugiu à cozinheira. Toda a palha faz palheiro.

2281 2282 Que te importa a minha saia, Raparigas do meu tempo, Ou o balão que ela tem’ Guardai o que é vosso é Comprei-a com o meu dinheiro, Às que não cantam, nem dançam, Não devo dela a ninguém. Também lhes escorrega o pé.

2283 2284 Rapariga não te cases Raparigas do meu tempo, Com homens que viuvaram; Rapazes da minha idade, Não queiras aninhar pintos Casai-vos aos trinta anos, Que outras galinhas deixaram. Gozai bem a mocidade.

2285 2286 Rapariga não te cases Raparigas do meu tempo, Que é a desgraça de muita gente. Vede lá por onde andais; Os homens não pensam em nada, A honra é como o vidro, Só querem dormir no quente. Quebrando, não solda mais.

2287 2288 Rapariga não te cases Rapariga, tu és tola, Que o casar é sempre mau. O teu juízo «vareia»; Mais vale andar pelas ruas Deitaste água no lume, A vender colheres de pau. Aguardente na candeia.

2289 2290 Rapariga opiniosa, Rapariga, tu és tola, Guarda a tua opinião. Se choras por mim, és louca! Os rapazes são baratos, Eu vou por aqui abaixo, A dez reis o quarteirão. Largo uma, pego noutra.

2291 2292 Raparigas, cantai todas, Rapaz de sapato baixo; Rapazes, cantai com elas; Não entras no meu quinteiro; Aqui não há que dizer, O meu pai diz que não quer Nem dos rapazes, nem delas. Ter um genro brasileiro.

2293 2294 Rapazes, quando eu morrer Retirai-vos, mocidade, Levai-me devagarinho. Que o terreiro é estreito; À porta do cemitério Eu quero dar duas voltinhas, Descansai um bocadinho. Quero-as dar ao meu jeito.

2295 2296 Rapazes, quando eu morrer Rico filho, rica pomba, Não quero choros, nem gritos, Rica estrelinha do norte; Só quero à minha beira Estás a defender a Pátria, Garrafão de cinco litros. Deus te dê boa sorte!

2297 2298 Rapazes, não cases comigo, Rosa branca, não consintas Que a tua mãe quer riquezas; Que o cravo te ponha a mão. Se algum dia fores à França, Rosa branca enxovalhada Traz de lá uma francesa. Já não tem aceitação.

2299 2300 Rapaz, não te namores Rosa branca, toma a cor, Da bonita dançadeira, Não sejas desbotada; Namora-te com quem tenha Em frente das outras rosas O canastro defronte da eira. Rosa branca não és nada.

2301 2302 Rebento de Portugueses Rosa branca, tu não deixes De outros tempos, de outras eras, O cravo pôr-te a mão; A alma dos brasileiros A rosa enxovalhada É como a nossa, deveras. Perde toda a estimação.

2303 2304 Repara bem, ó Joana, Rosa cortada à roseira Que não precisei de ti; Depressa perde a formosura, Encontrei na chaminé Filha roubada a seus pais O fato que vês aqui. É rosa que pouco dura.

2305 2306 Resineiro engraçado, Rosa que estás na roseira, Engraçado no cantar; Fechadinha no botão; Eu hei-de ir à terra dele, Deixa-te estar fechadinha Se me lá quiser levar. Que lá te procurarão.

2307 2308 Respira sempre bom ar, Rouxinol de bico preto, Ar puro pelos pulmões; Deixa a baga no loureiro; Mas foge do ar encanado deixa dormir o meu amor Que conduz constipações. Que está no sono primeiro.

2309 2310 Rouxinol que tão bem cantas, Se algum dia te quis bem, Onde aprendestes a cantar? Esse tempo já passou; No cimo do pinheiro alto; Se ainda olho para ti, Ninguém pode lá chegar Foi jeito que me ficou.

2311 2312 Rua abaixo, rua acima, Se à minha porta está lama, Todo o mundo me quer bem À tua está um lameiro; Só a mãe do meu amor Quando falares de mim, Não sei que raiva me tem! Olha para ti primeiro.

2313 2314 Saberás o que eu sinto Se a perpétua cheirasse, Por estar longe de ti; Eras a mais linda flor, As mágoas sinto-as eu, Mas como a perpétua não cheira Sinto-as dentro de mim. Por isso não tem amor.

2315 2316 Sabes cantar e não cantas, Se chegar a casar, Deus te queira castigar. Há- de ser com um primo meu; Sabes cantigas bonitas, Se chegarmos a ralhar, Não mas queres ensinar. Primo, não é mais do que eu.

2317 2318 Salgueiro da minha porta, Se Domingo fores à missa, Deita raiz para onde quer; Põe-te em local que t’eu veja; É como os moços solteiros, Não faças andar meus olhos Enquanto não têm mulher. Em balanços na igreja.

2319 2320 Salgueiro de ao pé da água Se Domingo fores à missa, Dá-lhe o vento, cai-lhe a folha. Põe-te na igreja ao centro; Tens quem te queira bem, O padre vai dizer missa, Eu muito mais onde escolha. Nós, tratar o casamento.

2321 2322 Salgueiro pega de estaca, Se em ti eu vivo, chorando, Amieiro de raiz; É terrível meu sofrer; Fala lá como quiseres; Antes a morte eu prefiro Mas fui eu te não quis. Que ausente de ti viver.

2323 2323 Sapato branco, bicudo, Se entra o sol pela janela, Não entra no meu quinteiro; Corro a fechá-la com medo; Meu pai é lavrador, Não vá o sol, tagarela, Não quer genro cabaneiro. Revelar o meu segredo.

2324 2325 Se eu com lágrimas pudesse Se eu tivesse que dar, dava, Suspender a tua ida... Não tenho que dar, aceito Eu diria aos meus olhos Aceito cravos e rosas Que chorassem toda a vida. Do jardim desse teu peito.

2326 2327 Se eu entrasse no teu peito, Se fores ao mar pescar, Sabia o teu interior; Pesca-me uma laranjinha; Assim, como lá não entro, Na tua mão é azeda, Não sei se tens outro amor. Na minha é docinha.

2328 2329 Se eu fosse rapaz, não queria Se fores ao mar pescar, A prender para tocador; Pesca-me uma laranjinha; Andar agarrado às tábuas Ainda que seja azeda, A desprezar o seu amor. Da tua mão é docinha.

2330 2331 Se eu juntasse as minhas penas, Se fores ao meu jardim, Quando estás longe de mim... Tira a flor que quiseres; A vida seria apenas Só te peço que me deixes Um mar de penas sem fim. A flor do bem- me-queres.

2332 2333 Se eu soubesse namorar Se fossem pedras as lágrimas Como sei cantar cantigas, Que eu por ti tenho chorado, Eu fazia rir as pedras, Já se fazia uma ponte Quanto mais as raparigas. Por cima do mar salgado.

2334 2335 Se eu soubesse que morria, Segredos da minha vida Mandava fazer a cova Só à noite os sei contar; No lugar da Aldeia, Só ela me viu sorrir, À porta da minha sogra. Só ela me viu chorar.

2336 2337 Se eu tivesse dinheiro Segunda-feira te amo, Como sei cantar cantigas; Na terça te quero bem, Eu fazia rir as pedras, Na Quarta digo que morro, Quanto mais as raparigas. Na Quinta digo por quem.

2338 2339 Se eu tivesse que dar, dava, Se houvesse flores pretas, Como não tenho, aceito; Pretas da cor do carvão... Aceito cravos e rosas Eu mandava-as cultivas Do jardim desse teu peito. Dentro do teu coração.

2340 2341 Sei de um ninho de andorinha Semeei na minha horta No pessegueiro da horta. Os cacos duma caneca; Quando vou buscar as couves, Nasceu-me uma burra velha Andorinha, abre-me a porta. A tocar numa rabeca.

2342 2343 Sei dum ninho de andorinha Semeei, não apanhei No pessegueiro da horta. Erva cidreira na areia; Quando vou buscar as couves, Quem semeei, não apanha, Andorinha, fecha-me a porta. Que fará quem não semeia?

2344 2345 Sei que a tua indiferença é aparente Se me queres chamar, ama, Sei que o meu ciúme te tortura; Se não, regala-te bem; Eu sei que essa frieza não a sente O mundo é muito grande, Teu pobre coração que me procura. Não falta quem queira bem.

2346 2347 Sei um cento de cantigas, Se me quiseres falar, Mais uma canastrada; Vai à fonte, se puderes; Se as canto hoje todas, A água não vai contar Amanhã não canto nada Os braços que me deres.

2348 2349 Sei um cento de cantigas, Se me tivesse amor Mais uma taleigada; Se me tivesse carinho... Posso cantar toda a noite, Escrevia-te uma carta Mais toda a madrugada. Nas asas dum passarinho.

2350 2351 Se juras para que eu creia, Se me vires no mar perdida, Não creias que me iludo; Não me trates com desdém; Jurar é escrever na areia, Olha que Deus também castiga, Vem a onda, apaga tudo. Não diz quando, nem a quem.

2352 2353 Semear e não colher Se morrer o meu rival, É que atrasa o lavrador; Tenho o luto comprado; Eu também ando atrasada Uma saia cor-de-rosa Nas falas ao meu amor. E um avental encarnado.

2354 2355 Semeei e não colhi, Sempre gostei de cantar Pois bem pudera colher; Cantigas ao desafio; Semeei os teus carinhos, E nunca sequei a boca, Não me quiseram nascer. Nem fui beber água ao rio.

2356 2357 Se eu fosse a mulher Se passares pelo adro, Dar ao homem educação... No dia do meu enterro... Seriam mais ferozes Pede à terra que não gaste Que o tigre e o leão. As tranças do meu cabelo.

2358 2359 Se o bem querer fosse crime, Se pensas que és mais do que eu, Eu era das criminosas; Nem és menos, nem és mais; O bem querer não é crime, Debaixo da terra fria É raiva das invejosas. Todos somos iguais.

2360 2361 Se o bem querer se pesasse Se pretendes minha mão, Com a balança na mão, Vai pedi-la ao meu pai... Do meu dependia Se ele disser que está longe... Ir a balança ao chão. Ao longe também se vai.

2362 2363 Se o bem querer se pesasse Se quereis que eu cante a gota, Na balança da razão Dai-me vinho ou dinheiro; Da minha banda, menina, Esta minha gargantinha A balança ia ao chão. Não é forja de ferrreiro.

2364 2365 Se cantar desse dinheiro, Se queres comprar, eu vendo Até eu seria rico; Um amor que já foi meu; Mas como não dá nada, Era lindo como um cravo Pobre sou e pobre fico. Mas falso como um judeu.

2366 2367 Se o mar tivesse varandas Se quiseres que a água corra, Como tem embarcações... Deita pedras à levada. Ia-te ver ao Brasil Se quiseres o amor firme, Em certas ocasiões. Cala-te e não digas nada.

2368 2369 Se o teu novo amor, Ser pobre não é vergonha, Souber contas de somar... Nem razão para tristeza; Não lhe contes o passado, A pobreza Deus a amou Pois terá muito que contar. Com toda a delicadeza.

2370 2371 Se ouvires dizer que eu morro, Ser pobre não é vergonha, Não metes a roupa à tinta; Nem razão para tristeza; Eu morro e vou p’ro Céu, Quantos nos seus sentimentos Tu ficas na tua quinta. Têm a maior riqueza.

2372 2373 Sete estrelas vão altas, Se tu visses o que eu vi Mais alto vai o luar, No buraco da parede... Mais alto vai a aventura O sardão a mais a cobra Que Deus tem para nos dar. A dançar a cana verde.

2374 2375 Se tu me quiseres bem Se tu visses o que eu vi Como de boca o dizes... No cantinho da Galiza... Já podias Ter ganhado A mulher a bater no homem No meu coração raízes. Com a fralda da camisa.

2376 2378 Se tu partires um dia, Siga a rusga, siga a rusga, Sentar-me-ei à tua espera. Eu também lá quero ir, Tu irás sem alegria, Sou rapariguinha nova, Eu espero a Primavera. Tenho que me divertir.

2379 2380 Se tu soubesses, Maria, Siga a rusga, siga a rusga Não sabes, valha-me Deus! Siga a rusga, trema a terra; Quantas coisas te diria, Venha lá o que vier Se fosse um brinco dos teus. Nossa ronda não arreda.

2381 2382 Se tu visses o que eu vi, Silva verde, não me prendas, Ainda te havias de admirar, Olha que me não seguras; Um cadela com pintainhos, Eu tenho rebentado Uma galinha a ladrar. Outras cadeias mais duras.

2383 2384 Se tu visse o que eu vi Silva verde, não me prendas, Choravas o que eu chorei.... Olha que me não seguras; A cobra a deitar água Olha que eu tenho quebrado Como o chafariz do rei. Outras, algumas mais duras.

2385 2386 Se tu visse o que eu vi Silva verde, não me prendas, Lá no Rio de Janeiro, Que eu não tenho quem te corte; Um macaco a bater sola Não sejas tu, silva verde No nariz de um sapateiro. A causa da minha morte.

2387 2388 Se tu visse o que eu vi Só a flor do suspiro Na Rua de Guimarães, Tem para mim estimação; Um macaco sem orelhas Todas as rosas se vendem, A fazer a barba aos cães. Só os suspiros se dão.

2389 2390 Sonhei de noite e acordei, Sou fonte e morro de sede Vi o céu estrelado; Mistérios que a vida tem; As estrelas são sinais Passai-vos anos e vede, Com muito significado. Não mato a sede a ninguém.

2391 2392 Sou da Gandra, sou da Gandra; Sou pequena, pequenina, Sou da Gandra no cantar; Delgadinha como a cana; Para ver se sou ou não, Sou nfilha dum lavrador, Reparem no meu trajar. Nenhum garoto me engana.

2393 2394 Sou de Arga, sou de Arga, Sou pequena, pequenina, Sou de Arga natural. Sou mulher da minha casa. Quem não conhece Arga Se não chegar à masseira, Não conhece Portugal. Ponho-me em cima da rasa.

2395 2396 Sou de Arga, sou de Arga, Subi à amendoeira, Sou da Arga no cantar. Toda me enchi de flores; Para ver se sou ou não, Tão pequenina que eu era, Reparem no meu trajar. Tão pretendida de amores.

2397 2398 Sou de Dem, sou de Dem, Subi ao altar-mor Sou de Dem no cantar; A acender a vela ao trono; Quem não quer acreditar Nunca gostei de falar Vem ver aqui o meu trajar. Com amor que tenha dono.

2399 2400 Sou de Dem, sou de Dem, Subi ao céu e sentei-me, Sou de Dem no cantar; Duma nuvem fiz encosto; Sou da mesma freguesia, Dei um beijo numa estrela, Moro no mesmo lugar. Cuidando que era o teu rosto.

2401 2402 Sou do Minho, sou do Minho, Subi ao limoeiro, Do Minho sou natural; Cheguei ao meio e caí; A freguesia de Arga de Cima Quem quiser tomar amores É minha terra natal. Suba, que eu já desci.

2403 2404 Sou do Minho, sou do Minho, Subi ao limoeiro, Do Minho e quero ser; Cheguei ao meio e caí; Sou do Minho, meu amor, Se o limoeiro é morte, Sou do Minho até morrer. Ai Jesus, que já morri.

2405 2406 Subi ao limoeiro, Tendes pescoço de neve, Um limão verde cortei; Nele se pode escrever. Para te cortar o fastio, Pudera eu ser estudante Se fui eu que to causei. Que nele aprendera a ler.

2407 2408 Subi ao penedinho, Tenho à minha janela Ouvi cantar e parei; Alecrim às manadinhas; Ó que cantiga tão linda, Se eu soubesse quem tu eras, Quem a cantava não sei! Não ouvias falas minhas.

2409 2410 Subi ao teu coração, Tenho à minha janela Nunca tão alta me vi; Brilhantinas por abrir; Subi, estava lá outra, Quem por mim perdeu o sono, No mesmo instante desci. Agora pode dormir.

2411 2412 Subi um ramo verde, Tenho à minha janela Corri-o de nó em nó; O que tu não tens à tua; Minhas falas são p’ra todos, Tenho cravos e rosas Meu coração para ti só. Viradinhos para a rua.

2413 2414 Também lá na vossa rua Tenho à minha janela De tudo topo bastante! Um canivete dourado Mas, quando eu vou com o saco, Para partir as fatias Já vos lá topo diante. No dia do teu noivado.

2415 2416 Tanta silva, tanta silva, Tenho carta no correio, Tanta silva, tanta amora; Ai Jesus, de quem será? Tanta menina bonita Se é do António, não quero, E meu pai sem uma nora. Se é do José, vou lá já.

2417 2418 Teima, meu bem, teima, Tenho corrido mil terras, Quem teima, sempre vence; Ainda mais arraiais; Eu também hei-de teimar Tenho visto caras lindas A parte que me pertence, Como a tua, muito mais.

2419 2420 Tendes olhos, mercai olhos Tenho corrido mil terras, Ó que bela mercancia! Vila Nova de Cerveira; Mercai também os meus Vou-te dar os parabéns, Para a vossa companhia. Minha linda cantadeira.

2421 2422 Tenho corrido mil terras, Tenho dentro do meu peito Vila Nova, Vila Mou, Uma pena de andorinha; Tenho visto caras lindas, Tenho o meu amor ausente Só a tua me agradou. Lá na vila de Caminha.

2423 2424 Tenho dentro do meu peito Tenho dentro do meu peito Dezanove gavetinhas; Um copinho d’aguardente Para guardar tuas falas, Para dar ao meu amor Já que não guardas as minhas. Que está na cama doente.

2425 2426 Tenho dentro do meu peito Tenho dentro do meu peito Dois moinhos a moer; Chegadinho ao coração, Um anda outro desanda, Duas palavras que dizem: Assim faz o bem querer. Amar e deixar-te, não.

2427 2428 Tenho dentro do meu peito Tenho galos e galinhas, Duas escadas com flores: Também tenho uma perua; Por uma descem saudades, Tenho galado galinhas Por outra sobem amores. Com crista maior que a tua.

2429 2430 Tenho dentro do meu peito Tenho na minha janela Duas espinhas de peixe: Brilhantina aos molhos; Uma diz-me que te amo, Tenho à minha frente Outra diz-me que te deixe. A prisão dos meus olhos.

2431 2432 Tenho dentro do meu peito Tenho no meu quintal Laranja sobre limão; Dois pessegueiros a abrir; Para Ter de toda a fruta Ninguém sabe o meu intento, Falta-me o teu coração. Nem o que eu hei-de seguir.

2433 2434 Tenho dentro do meu peito Tenho o catarro num dedo, Uma laranja partida Constipação num braço; Para dar ao meu amor Tenho uma espinha no peito Que anda de beiça caída. Que me atravessa o cachaço.

2435 2436 Tenho dentro do meu peito Tenho ouro, tenho prata, Uma laranja partida; Também tenho algum cobre; Para dar ao meu amor Tenho de tudo bastante, Que lhe quero mais que a vida. Só de amores estou mais pobre.

2437 2438 Tenho ouvido dizer Tenho visto alguns olhos Ao lavrador da cidade: Que têm um grande defeito: Quem semeia em boa terra Olham para mim de lado, Colhe boa novidade. Não podem olhar a direito.

2439 2440 Tenho raiva à gente gorda, Tenho visto muita dama, Que o meu amor é magrinho. Muitas mais ainda verei; No domingo vi à missa, Tenho visto caras lindas, Parece-me um fidalguinho Só da tua me agradei.

2441 2442 Tenho tosse no cabelo, Tenho visto raparigas Dor de dentes no cachaço; Entristecendo seus rostos, Abanam-se as sobrancelhas, Somente pelos rapazes Não vejo nada de um braço. Lhes darem vários desgostos.

2443 2444 Tenho uma bola de vidro, Tens loureiro à porta, Se se aperta na mão, quebra Tens o balcão sombrio; Assim é você comigo, Quem tem sombra, tem regalo, Julga que o vento me leva. Quem tem regalo, tem brio.

2445 2446 Tenho uma casa no mar Tinha eu dezoito anos, Com vinte e cinco varandas; Na flor da minha idade; Hei-de subir à mais alta Ensinaram-me a mentir, Para ver onde tu andas. Nunca mais falei verdade.

2447 2448 Tenho uma casa no monte Tive um sonho esta noite Atrancada com sete trancas; Que muito me incomodou. Está um burrinho lá dentro Um sonho todo de luto Que rincha como tu cantas. Que seis vezes me acordou.

2449 2450 Tenho uma silva na casa Toda a água vai para o rio, Que bebe na cantareira; Toda vai parar ao mar; Tenho a minha mãe contente Todo o tonho namora, Por eu não ter quem me queira. Todo o tonho quer casar.

2451 2452 Tenho num nome gravado Toda a moça que é bonita Com a maior alegria Nunca havia de nascer; Na freguesia de Arga, É como a pera madura, Terra de Santa Maria. Todos a querem comer.

2453 2454 Toda a mulher que se casa Toma lá uma laranja, Grande castigo merece. Não digas que eu ta dei, Larga o pai e larga mãe Que en não tenho laranjeira, E vai com quem não conhece. Por tua causa a roubei.

2455 2456 Toda a vez que em ti penso, Trazes um cravo ao peito, Se uma estrela se apagasse; É sinal de casamento; Talvez que no céu imenso Tira o cravo e põe a rosa, Nem uma estrela brilhasse. Que o casar ainda tem tempo.

2457 2458 Toda a vida desejei Trepei ao pinheirinho, O que nunca pude alcançar: Trepei com os pés de ponta; Uma casa no Brasil Não me olhes com ciúme, Com as varandas para o mar. Não estou por tua conta.

2459 2460 Toda a vida fui pastor, Tu dizes que me namoras, Toda a vida guardei gado; Andas-te aí a gabar; Tenho corcunda nas costas O peixe morre pela boca, De me encostar ao cajado. E tu perdeste em falar.

2461 2462 Toda a vida fui pastor, Tudo é casar, casar, Toda a vida guardei gado; Eu também me casaria, Tenho uma nódoa no peito Se a vida casada fosse De me encostar ao cajado. Como a do primeiro dia.

2463 2464 Todas as ervas se secam Tudo o que é triste no mundo Nas resinas do Verão; Tomara que fosse meu; Tudo torna a renovar, Para ver se tudo junto Só a mocidade não. Era triste como eu.

2465 2466 Toma lá esta laranja, Tudo o que é verde, seca, Tira-lhe o que tem dentro; Lá no final do Verão; Da tona faz um barquinho, Tudo torna a renovar, Embarca teu pensamento. Só a mocidade, não.

2467 2468 Toma lá, que te dou eu, Tu és cravo, eu sou rosa, Do meu coração, falinhas, Qual de nós valerá mais? Já que te não posso dar Tu és cravo da janela, Dos meus olhos, as meninas. Eu sou rosa dos quintais.

2469 2470 Tu és sombra, eu sou o sol, Varejai, varejadores, Qual de nós é mais querido? Apanhai, apanhadeiras, Sombra do Verão é regalada, Apanhai bagos de ouro Sol do Inverno é apetecido. Que caem das oliveiras.

2471 2472 Tu não vais à procissão Vejo Vigo, vejo Vijo, Para rezar à Virgem Mãe; Também vejo Redondela! Vais, para aqueles que lá vão Vejo os campos da Galiza, Verem que tu vais também. Caminhos da minha terra.

2473 2474 Tu pensas que és mais que eu, Venha, venha vinho, Engana-te o coração, Venha mais meia canada Se o és em formosura, O dinheiro paga tudo, Não o és em geração. Não se fica a dever nada.

2475 2476 Tu pensas que és mais que eu Verde foi o meu nascimento Por andares asseada; E de luto me vesti, Vai levar a roupa ao dono Para dar a luz ao mundo Que a trazes emprestada. Mil tormentos padeci.

2478 2479 Uma silva me prendeu, Viana já foi Viana Outra soltar me queria. E agora é Vianinha; A silva que a mim prende Até agora foi do rei, É da nossa freguesia. Mas agora é da rainha.

2480 2481 Uma velha, muito velha, Viana por ser Viana, Fez um chuçador de pau Por ter o nome que tem... Chuça velha, chuça velha, Não há terra como a minha, Que o chuçador não é mau. Para amar e querer bem.

2482 2483 Uma velha, muito velha, Vila Praia, claro está, Mais velha que o meu chapéu, Não é nenhuma prisão; Falaram-lhe em casamento, Mas quem lá vai, fica lá, Ergueu as mãos para o céu Ou volta sem coração.

2484 2485 Vai-te embora, mês de Maio, Vinde moços, vinde todos, Deixa a flor da giesta; alegres do coração, Queria deixar, não posso, Trabalhar, depois dançar Não sei que cegueira é esta. Para este belo serão.

2486 2487 Vi o teu nome escrito Viva quem nos tem amor Na palma da tua mão; E nos quer auxiliar; Tão lindo que ele era, Viva o nosso professor Que me ficou no coração. E a nossa caixa escolar.

2488 2499 Virai, rapazes, virai Vós dizeis que não há rosas, As costas à terra fria; Nem brancas, nem amarelas! A terra é quem nos come, Ide ao lugar do Torno, Mas também é quem nos cria. Que lá há um ramo delas.

2500 2501 Viva Arga, viva Arga, Vós dizeis: Viva Covas, Terra de poucos valados. Não sei que graça lhe achais; Terra das moças bonitas Terrra do milho miúdo, E dos moços engraçados. Alimento dos pardais.

2502 2503 Viva a súcia, viva a súcia, Vós sois todos uns tratantes, Viva a súcia, trema o chão! Disso está o mundo cheio; Vivam todos aqueles Tanto velhos como novos, Que na nossa súcia vão. Um casado ou um solteiro.

2504 2505 Viva Dem, viva Dem, Vou cantar uma cantiga, Santo Aginha e Cabração. Com esta já lá vão duas; Nestas lindas freguesias Não me vou daqui embora, Navega meu coração. Sem ouvir uma das tuas.

2506 2507 Viva o lugar de Dem, Vou cantar uma cantiga, Terra das ameixoeiras, Não sei se a saberei; Por baixo tudo são bruxas, Quem a usa não é mestre, Por cima são feiticeiras. Que eu também assim serei.

2508 2509 Viva o lugar de Santo Aginha, Vou cantar uma cantiga, Terra de grandes olivais, Por agora não canto mais; Terra das moças bonitas Já me dói o céu da boca, E rapazes muito mais. A mais os dentes queixais.

2510 2511 Viva o norte, viva o norte Vou dar-lhe a despedida, Eu também do norte sou: Como deu o Maio à flor; A mocidade do norte Quem se despede, cantando, Sempre foi a que brilhou. Não leva pena, nem dor.

2512 2513 Vou-me por aqui abaixo, Vou perguntar ao coveiro Como quem não vai a nada, Que tempo leva a enterrar Abanar a pereirinha Esta homem tão maldito Que nunca foi abanada. Que se me anda a tentar.

2514 Vou-te dizer adeus, Que este adeus custa a vida; Custa-me mais do que a morte Esta nossa despedida.

APÊNDICE

Neste apêndice, o leitor poderá encontrar cerca de duas centenas de quadras inéditas, ou seja, que não foram publicadas em anteriores edições do "Cancioneiro da Serra D'Arga". É pequena e bem feitinha Comadre da minha mãe Senhora minha madrinha.

2519 2515 Não queiras saia de chita A Virgem Nossa Senhora Que te hão-de chamar senhora Fêz um milagre no monte Antes saia de estamenha O menino pediu água Que é traje de lavradora. Logo se abriu uma fonte 2520 2516 O homem em seus amores À uma hora nasci Veja bem as suas passadas, Às duas foi bptizaado Pois as mulheres são flores Às três estava de amores Que não merecem, ser pisadas Às quatro estava casado. 2521 2517 O f é a primeira letra Há na vida quatro coisas Que no peito escrevi; De que mais se aformoseia Se alguém padece no mundo Um palmo de terra, a enxada Sou eu por causa de ti. A mulherzinha, a candeia.

2518 Nossa Senhora da Lapa Já não há para o meu mal Remédio nesta botica.

2531 2522 A cereja vermelhinha Ó estação de Caminha O rouxinol a namora, Cercada de cravos brancos, Põe o pé no ramo verde Onde o meu amor passeia Assobia, vai-se embora. Domingos e dias-santos. 2532 2523 Aceita tantas lembranças Ó estação de Caminha Como areias tem o mar; Cercadinha de Olivais; Já que de ti estou longe, Ó cidade de Viana, Falas não tas posso dar. Sepultura dos meus ais. 2533 2524 A cana-verde no mar Ó Apóstolo S. Pedro, Deita raízes na areia; Tendes uma rosa no punho Sou vale a todo o mundo Que te puseram os Anjos Todo o mundo me falseia. No dia vinte e nove de Junho 2534 2525 A cana-verde no mar Ainda que agora cante Rebenta logo ao nascer; Também já hoje chorei; Assim rebentam os olhos Deitei lágrimas douradas A quem não me pode ver. Por um amor que deixei. 2535 2526 Meu a mor esta carta Ai Jesus que eu não posso Vai-a ler a um jardim Com tantas penas amar-te, Dá lá um beijo num cravo São tantos os pretendentes, Faz de conta que foi a mim. Estou resolvida a deixar-te. 2536 2527 De cada vez que me lembro Ai de mim que já não posso Que de ti me hei-de afastar Cantar, como já cantei; Enchem-se-me os olhos de água Bebi água dos teus olhos, Não fazem se não chorar. Minhas vozes derranquei. 2537 2528 Das lágrimas faço contas A cana verde do mar Em que rezo às escuras Está enterrada no lodo; Ó morte que tanto tardas Quem a fôr desenterrar, Ó vida que tanto duras. Ganha um cruzado novo. 2538 Da minha janela á tua Vai uma longa cadeia 2529 Toda cheia de suspiros A flor que tu me deste Toda de suspiros cheia. No meu peito deu entrada, Nunca via prenda tão linda, 2539 Nem coisa tão delicada. Minha mãe é minha amiga Quando coze faz-me um bolo 2530 Quando se zanga comigo Ai Jesus! Onde estou! Dá-me com a pá do forno. Minha terra onde fica!? 2540 As tuas palavras de amor, A noite só num olhar Dão-me forças para viver. Meu coração adivinha Deus fez as almas aos pares 2550 Fez a tua e fez a minha. Toda a vida desejei Ter um amor em Venade; 2541 Agora já o arranjei, O Sol alto vai doente Já me Deus fez a vontade. A Lua vai-o sangrar A estrelinha do norte 2551 Sustem a malga no ar. Sonho contigo acordada, Sonho contigo a dormir, 2542 Sonho com um grande amor Vai-te carta aventureira Que sempre nos há-de unir. Ao meu bem depressa acode; Via-lhe dar uma visita, 2552 Já que o meu coração não pode. Se tivesse que dar, dava, Não tenho que dar aceito; 2543 Aceito apenas mágoas Uma velha cozeu papas, E saudades do teu peito. O pote deitou-lhas fora; Há um ano que isso foi 2553 E ainda hoje a velha chora. Saudade é folha caída Que o vento lança na lama; 2544 É o pecado na vida Vi-te há tempos passeando Que se dá a quem se ama. De palhaço com chapéu ao lado; E se julgas que sou quem pensas, 2554 Também estás enganado. Se soubesses o quer sofro Até junto de mim virias. 2545 Para dar-te o meu amor Um astro veio à terra E tu... amor que farias? Ver os Santos de Belém; Também a luz dos teus olhos 2555 Veio até mim, também. Se eu falasse com Deus, Duas coisas lhe pedia: 2546 Uma era a salvação; Tenho o que Deus me deu, Outra, a tua companhia. Sem ti que valor terá? O meu coração é teu, 2556 E o teu de quem será. Viver, casar e amar Não é difícil papel 2547 Mais difícil é conservar Tão bonito e formoso A eterna lua-de-mel. Que te tornaste e és... Que as pedrinhas da calçada 2557 Até te beijam os pés. Agora te vou dizer Nossa vida era um mealheiro; 2548 Se fosse da tua vontade Tu fingiste que me amaste, Não estavas mais solteiro. Eu fingi que acreditei; Foste tu que me magoaste 2558 Ou fui eu que te enganei? Amor, não tenhas motivo Para de ti duvidar; 2549 Mas há sonhos de tal ordem Teus beijos sedosos e quentes Que não são de acreditar. Acabam com o meu sofrer; 2559 Tão formoso que te vi Cala-te não digas nada Que jurei ser teu amor Não recordes o passado Se fui feliz não o digas 2569 Deixa-me ser desgraçado Assim eu me dirijo Através deste papel, 2560 Peço-te que me respondas Terras de castanheira Se tens coração fiel. Com as leirinhas a descer No meio de tanta cabra 2570 Algum corninho há-de haver Com pena peguei na pena, Na pena para te escrever; 2561 A pena caíu-me ao chão Coitadinho de quem morre Com pena de te não ver. Se para o Paraíso não vai; Quem cá fica come e bebe 2571 E logo se lha paixão vai. Com amor te peço um beijo É o beijo do sucesso; 2562 Na margem esquerda está escrito O coração que me quer mal Aquilo que eu te peço. Arrancado visse-o eu Apresentadinho num prato 2572 A pedir perdão ao meu. Amor não sejas ingrato, Vai viver para a ingratidão; 2563 Deixa ficar em paz Santo Aginho está a cair O meu triste coração. Aldeia já está no chão Só o lado da Boucinha 2573 É que vai tendo mão. A cana-verde no mar Dá-lhe o vento faz balanço; 2564 O ladrão do meu amor Chorai olhos chorai olhos Nem na cama tem descanso. Que o chorar não é desprezo Que a Virgem também chorou 2574 Quando viu seu filho preso As cartas que tu me escreves São romances de amor, 2565 Rodeadas de tristeza, Viva Deus e Orbacém E também cheias de dor. S. Lourenço e Cabração Nestas quatro freguesias 2575 Navega o meu coração. A cana-verde no mar Dá-lhe o vento, rebaldeia; 2566 É como o moço solteiro As asas dos passarinhos Que toda a noite passeia. Foram feitas para voar; Os corações das pessoas 2576 Foram feitos para amar. À Sexta por ti amor, Ao Sábado por mais ninguém, 2567 Ao Domingo vou à missa. Às vezes tenho vontade Para ver quem quero bem. De perguntar ao senhor. Se o amor nasce do beijo 2577 Se o beijo nasce do amor. A ausência tem uma filha Que se chama saudade; 2568 Eu sustento mãe e filha, Ao passar à tua porta Bem contra a minha vontade. Vi teu rosto encantador, 2578 Pois morreu-me meu amor À Segunda-feira te amo Quero-lhe ir pedir perdão À Terça te quero bem, À Quarta darei suspiros, 2588 À Quinta direi por quem. Alegria com paixão Tudo por mim tem passado; 2579 Se muito me tenho rido A pensar em tudo isto Muito mais tenho chorado. Vou dizer-te duas palavras; Espero que elas fiquem 2589 No teu coração gravadas. Alegria não a tenho Sou um poço de paixão; 2580 Toda a tristeza tem fim As telhas do meu telhado Só a minha alma é que não. Deitam água sem chover; Assim é o meu coração 2590 Quando não te pode ver. Ai! Ó que rico lencinho Eu agora arranjei; 2581 Que me deu o meu amor, Andas sempre atrás de mim Com que sentido, não sei. Passas teu tempo assim; Mas nunca te compreendi 2591 Porque não gostas de mim. O J quer dizer já estou Meu amor neste teu jeito 2582 Estou presa nesses teus braços A flor da fava é branca, Com laços de amor perfeitos Cai no chão, faz-se amarela; Ninguém vai pedir a moça, 2592 Sem ter falado com ela. O F é ser-te fiel Bem fiel te tenho sido 2583 Adorada prenda minha As estrelas miúdinhas Perdição de meu Sentido Todas bordam um cordão, Para te prender amor, 2593 Junto ao meu coração O H quer dizer a Hora Que te comecei amar 2584 Ainda espero em Deus As saudades são lágrimas Meu amor de Lugar Que eu choro todos os dias, Recordando os tempos belos 2594 Enquanto para mim vivias. Não me digas mal dos Homens Que eu isso não quero querer 2585 Eu tomara os ver a todos Amar e ser amado Numa panela a ferver È um capricho do amor; Amar e ser desprezado 2595 È o mais perturbador. Quem me dera ser a pedra Que lavas a tua roupa 2586 Faria-te mil carinhos Abre-te campa sagrada Mas a minha sorte é pouca Que eu meu amor quero ver; Quero-lhe dar um abraço, 2596 Antes da terra o comer. Heide cantar heide rir Heide ser pantomineira 2587 Heide deitar palha aos moços Abre-te campa sagrada Enquanto estiver solteira Desaperta-te caixão; 2597 A vida é todo o momento Tenho um chapéu novo No coração de quem ama. Isto é que é coisa "chica" Não tem aba nem tem copa 2607 Falta-lhe deitar a fita. Aqui vai meu coração Repartido numa flor; 2598 Quem dá o seu coração Ainda ontem fui à feira É certo que tem amor. Lá comprei uma gravata Já ma vieram pedir 2608 Para "ensôga" de uma vaca As pedras também têm alma Se as pisam choram de dor; 2599 Mas antes chorar as pedras Também tenho um colarinho Que os olhos do meu amor. Que me custou um tostão Já me vieram pedir 2609 Para coleira dum cão. Ando triste, muito triste Mais triste não posso andar; 2600 Só tu meu amor podias Se não queres casar comigo, Esta tristeza libertar. Diz-me já que não queres; Se há muitos homens na terra, 2610 Também há muitas mulheres. À noite quando me deito, Na cama para descansar, 2601 O sono de mim se afasta Se tu queres, eu também quero, Em ti me ponho a pensar. Estamos os dois a querer; Vamos lá buscar o padre, 2611 Que nos venha receber. Comprei um cravo fechado E depois saíu-me aberto 2602 É um regalo na vida Também tenho um casaco Enganar a quem é esperto. Feito de novo modelo Não tem costas nem dianteira, 2613 Está roto no cotovelo. Anda cá meu bem não fujas, Eu não como gente viva 2603 Se não queres falar não fales Eu tenho um colete novo, Meu amor ninguém te obriga. Muito justinho ao peito, Remendo sobre remendo, 2614 Já não sei de que foi feito. Passas por mim e não falas Guardas respeito a alguém 2604 Podes passar e falar Também tenho uma camisa, Respeita quem te quer bem. Feita de pano de linho, Não tem mangas nem tem costas, 2615 Está rota no colarinho Oliveira que se queixa Que se queixa tem razão 2605 Apanharam-lhe azeitona Coitado do pai que cria A rama ficou no chão. Uma filha para a má sorte; Mais valia que ao nascer, 2616 O Senhor lhe desse a morte. Ó vida da minha vida Quem diz o contrário mente 2606 Quem diz mal do meu amor Cabelos soltos ao vento, Meu coração não consente. Pés de leve sobre a grama; 2617 Assenta meu bem, assenta Oliveira pequenina Não tenhas opinião. Que azeitona pode dar Eu também sou pequenina 2627 Mas sou firme no amar. Se passares pelo adro No dia do meu enterro 2618 Pede á terra que não gaste Segunda-feira te amo As tranças do meu cabelo. Na Terça te quero bem Na Quarta choro suspiros 2628 Na Quinta direi por quem. Sou cantadeira afamada Tiro cantigas do fundo 2619 Sou filha de Adão e Eva Eu hei-de pedir ao padre Lá dos pricípios do mundo. Que me dê um dia santo Para ver o meu amor 2629 Que o Domingo tarda tanto Sobreiro baixo e grosso Que no meio canta a cobra 2620 Quanto mais canta a cobra Tenho muitas meias novas Mais o nosso amor dobra. Só de pares tenho dez Quando as calço todas juntas 2630 Ficam-se-me a ver os pés. Á noite menina à noite À noite ao cantar o galo 2621 O teu pai é muito fino Tenho uns sapatos novos Mas nós vamos enganá-lo Destes da moda de agora Fui ontem para calçá-los 2631 Saíram-me os dedos p'ra fora. Amor e felicidades E os jovens corações 2622 Fazem criar as amizades Tenho umas calças novas E também as ambições. Comprei-as ontem na feira Já mas vieram pedir 2632 Para espantalho da figueira Aos pés da Virgem Maria Rezei, e tanto pedi 2623 Que tu me amasses tanto Agora queria saber Como eu te amo a ti. Uma tua opinião; Se me amas contrariado 2633 Ou se é do coração. Assim passo a vida triste Enquanto por aqui andar; 2624 De me ver de ti ausente Falai-me meu Deus, falai-me Sem te poder abraçar. De dentro dessa vidraça; Que vos quero perguntar 2634 Se a minha está em graça A folha do castanheiro Nem é longa, nem comprida; 2625 Nela se pode dizer O meu amor de brioso Amizade de uma amiga. Não leva chapéu á missa Leva contas de bogalhos 2635 Padres nossos de cortiça. Amo-te mais cada dia Longe de ti, que sou eu? 2626 Sou como a concha vazia O meu amor de brioso De quem o mar se esqueceu. Não assenta o pé no chão 2636 Se queres saber para onde, As águas claras regam, Prepara-te, anda comigo. Meu amor toda a verdura; A regar esses teus olhos, 2646 Meu amor de pouca aventura. Bem longe te procurei E bem perto te segui; 2637 Agora que te encontrei As rosas que te mandei, Nos teus braços me perdi. Mataram o meu desejo; Em troca do que te dei, 2647 Recebi de ti um beijo. Até a flor mais linda Algum dia murchará; 2638 Mas a nossa amizade, À porta do meu amor Nunca mais acabará. Nascem roseiras aos ventos; As brancas são saudades, 2648 As vermelhas sentimentos. Chamas ao meu cabelo Um ninho de passarinhos; 2639 Eu chamo á tua boca A colcha da minha cama A caixa dos meus beijinhos. Fui eu mesmo que a teci; Os beijos que te não dei 2649 Foi nela que os escondi. Cada vez que penso em ti, Nasce uma rosa a meu lado; 2640 De tanto pensar em ti, Ainda que visse um ventinho Já tenho um jardim formado. Que levasse os estudantes, Ficava Viana livre 2650 De garotos e tratantes. Chamaste-me tua vida, Em tua alma quero ser; 2641 A vida acaba com a morte Tenho uma camisola nova E a alma não pode morrer. Destas de ponto inglês 'steve um ano na figueira 2651 Vesti-a ontem outra vez. Coitadinho do meu peito Que deita sangue pisado; 2642 A culpa tive-a eu As lágrimas são a tinta, Que te amei demasiado. A caneta o sofrimento; Nunca pensei que tivesses 2652 Amor por tão pouco tempo. A freguesia de Dem Ao longe parece vila 2643 Tem um cravo na entrada A minha cara é branca, Uma rosa na saída. É branca, côr do papel; Quando me dás um beijo 2653 Parece que sabe a mel. Ã perdiz devora o monte À procura de bichinhos; 2644 Quem me dera devorar C'uma pena de pavão, Teus lábios só em beijinhos. E sangue da Cotovia Hei-de escrever uma carta 2654 Ao meu amor d'algum dia. A vida é uma estrada Que temos que atravessar, 2645 Com aqueles rapazinhos Adeus que me vou embora Que nos vieram buscar. Para onde não te digo; 2655 Só sei que fiquei cativa Apalpei o lado esquerdo Só estou bem ao pé de ti. Não sinto o coração; De repente me lembrei 2665 Que estava na tua mão. A espiga do trigo é verde, Não é como a da cevada; 2656 A minha amizade amor As pedras desta calçada Ao pé da tua dobrada. São de subir e descer; Alguns mocinhos de agora 2666 São de levar e trazer. Adeus meu doce encanto, Não tardes a responder 2657 A quem tanto te adora, Amor com amor se paga Tu não deixes mais sofrer. Não há verdade mais justa; Paga-me com lealdade, 2667 Meu amor, pouco te custa. Agora é que eu vou cantar Padre, Filho, Espírito Santo; 2658 Seja a primeira cantiga O amor do estudante Que neste auditório canto. É caldo verde amornado; À mais pequena fervura 2668 Fica o caldo entornado. O Senhor deitou ao mundo Três filhas ao jardim 2659 Uma delas já morreu O amor de uma viúva Tu não eras para mim. É como o comer sem sal; É como a fruta sombria 2669 Que nem sabe bem, nem mal. Meu amor cabelos louros Pelas costas ao comprido 2660 Heide-os mandar prender O amor nasce do dia Com um fio d'ouro batido. E morre no coração, Vive de correspondência 2670 E morre de ingratidão. Anda cá meu bem querido Eu te quero outra vez 2661 Não quero que o Mundo diga O amor é um presente Que eu já te deixei de vez. Que temos como nenhum; "Eu" e "Tu", sinceramente, 2671 Nós somos apenas um. Semeei trigo no monte Só me nasceu numa leira 2662 Quando nasceram os homens O amor é um pensamento Nasceu fraca a sementeira. E é de responsabilidade; O amor começa no baile 2672 E acaba na maternidade. O cantar á meia noite É um cantar excelente 2663 Acorda quem está a dormir O amor é igual ao lume Alegra quem está doente. E à chama que nos aquece; Amor traído é ciúme 2673 Que o homem nunca esquece. Fui cavar penas ao mar Ficaram brancas de neve 2664 Pois a maré ao baixar Ao ver o teu lindo rosto Disse-me adeus até breve. Eu não sei o que senti; 2674 Há-de ser o teu jantar Eu fui ao teu coração Há-de fazer um bom molho. Mais valia lá não ir A chave correu deu volta 2684 Não pode de lá sair. Lá vai o barco á vela Lá vai a sardinha boa 2675 Lá vai o meu amorzinho Dizes que eu não sei cantar Sentadinho na proa Eu bem sei como se canta Dá-se um jeitinho à boca 2685 Um romance na garganta. Adeus meu amor adeus Sombra da minha paixão. 2676 Quer de noite, quer de dia Quer no Douro quer no Minho Não me sais do coração. Quer no pátrio torrão Há-de ouvir-se o folgadinho 2686 Das noites de S. João. Tenho à minha janela O que tu não tens à tua 2677 Um vaso de mangerico Caí no mar e salvei-me Que dá cheiro a toda a rua. Nele não me pude afogar Afoguei-me nos teus olhos 2687 Mais profundos que o mar. O meu amor é um cravo Eu bem o soube escolher 2678 No craveiro não há outro Ai senhora do meu peito Só se lhe agora nascer. Triste coisa é querer bem Quanto mais a gente sofre 2688 Mais amor a gente tem. Toda a vida fui alegre Toda a vida o hei-de ser 2679 Se eu soubesse que não era Vale mais pouco e seguro Mais me valera morrer. Do que muito e incerto O pouco ninguém nos tira 2689 O muito nunca está certo. Ó luar da meia noite Ó luar da caridade 2680 Ó luar que me tens presa A vida que leva o vento Toda a mina liberdade. Na sua roda sem fim É como a vida que eu penso 2689 E foge sempre de mim. Não cortes a oliveira Nem lhe ponhas o machado 2681 Ilumina a noite inteira Como a rosa desfolhada A Jesus crucificado. Vai voando na corrente O meu pensamento 2690 Voa para ti constantemente. O meu coração é oiro É oiro tem gavetinhas 2682 Onde guardo os meus segredos Uma mulher com formusura Mais as tuas falinhas. Nunca havia de nascer É como a pêra madura 2691 Todos a querem comer. O pangaio anda anda De loureiro em loureiro 2683 O pangaio quer casar A costela de uma pulga O pangaio está solteiro. O coração de um piolho 2692 De amor é que não sei nada, Uma velha muito velha Ando agora a aprender. Mais velha que a saragoça Falaram-lhe em casamento 2702 A velha tornou-se moça. Anda cá ó meu amor Anda que te quero ver, 2693 Estou a rezar a Deus Ó moças casai comigo Para à tua beira morrer. Que eu tenho muito dinheiro O meu pai está no Brasil 2703 Sou filho de um brasileiro. O amor quando se encontra Mete susto, até dá gosto... 2694 Sobressalta o coração, Gravata vermelha é guerra Faz alegrar a côr ao rosto. Meu amor nesse teu peito Diz ao teu pai que te case 2704 Que eu para nora tenho jeito. Recebi a tua carta, Confesso que não gostei; 2695 Pois nela de volta vinha O reino nasceu para o trono O beijo que te mandei. Os peixinhos para o mar Também eu nasci no Mundo 2705 Somente para te amar. Rapaz tu nunca namores Com menina de camisola; 2696 Ela é de fora da terra Sou mais alta do que Deus Faz o frete e vai-se embora. Mais alta do que Deus eu Sou Eu sou mais alta em pecado 2706 Porque Deus nunca pecou. Se me souberes amar, Com lealdade e amor; 2697 Então tu poderás ser O papel com que eu te escrevo Do meu coração, Senhor. Sai-me da palma da mão A tinta sai dos olhos 2707 A pena do coração. Suspiros são desabafos Dos corações magoados, 2698 Corações que não suspiram, Ao fechar esta cartinha, São corações enamorados. Ao fechar meu coração, As saudades são tantas, 2708 Como as letras que aí vão. Se eu soubesse quem tu eras A mais quem vinhas a ser... 2699 Segredinhos de meu peito, Ai quem me dera ser lágrima Não os vinhas a saber. Para nos teus olhos nascer, Deslizar pela face abaixo 2709 E na tua boca morrer. Se a lama te salpica Vem da roda, não me rala; 2700 Na roda da gente rica Amar e saber amar Há mais lama e ninguém fala. São pontinhas delicadas; Os que amam não têm conta, 2710 Os que sabem são contados. Subi ao limoeiro Cinco folhas te tirei. 2701 Cinco sentidos que eu tinha Amar e saber amar Todos em ti empreguei. Tudo isso sei fazer; 2711 Com uma vassoura de prata Eu sou de Dem sou de Dem Que d'oiro não pode ser. Não nego a freguesia Em Gondar fui baptizado 2721 Naquela sagrada pia. A freguesia de Dem Hei-de-a mandar dourar 2712 De pedrinha em pedrinha Olha o tolo, olha o louco Para o meu amor passear. Pensa que eu o adoro Pensa que eu choro por ele 2722 Sabe Deus por quem eu choro. Ó oliveira do adro Ramo dela tem virtude 2713 Passei por ela doente O pandeiro que toca E agora logro saúde.. Não é meu é de Maria Fui-lhe pedir emprestado 2723 Para levar à romaria. É triste andar a penar É triste viver assim 2714 Mas o mais triste é gostar Dizeis que cante, que cante De quem não gosta de mim. O cantar também quer hora Cantei muito ontem à noite Não posso cantar agora.

2715 2724 Não tenho medo à Políca Ó que pinheiro tão alto Nem à Guarda-Fiscal, Com um fio d'oiro no meio Tenho medo ao juíz Tantas meninas tão lindas Que me chame ao tribunal. Filhas de um homem tão feio.

2716 2725 Não te rias de quem chora Coloquei o meu sentido Que é coisa que Deus ordena Numa pedrinha do mar Pode a roda desandar Meu sentido não se muda Caíres na mesma pena. Só se a pedra se mudar.

2717 2726 O amor da Mariana Nem meu pai nem minha mãe Era de papel e molhou-se Nem duzentos confessores Agora Marianinha Me tiram a liberdade O teu amor acabou-se. De eu falar aos meus amores.

2718 2727 Se eu morrer tu põe três cravos Tens os olhos pisqueirinhos Sobre a cruz do meu caixão A boca namoradissa Quero levar meu amor Quem tem olhos pisqueirinhos Sinal da tua paixão. Na casa tem a justiça.

2719 2728 Na porta de cemitério Manuel, Manuelsinho Tem uma placa de chumbo Manuel das pernas tortas Onde vão acabar Hás-de ser o meu cortiço As más línguas deste Mundo. De eu botar as massarocas.

2720 2729 A freguesia de Dem As ondas do mar são brancas Hei-de-a mandar varrer No meio são amarelas Eu não posso fazer carinhos 2739 A quem me faz caretas. A água vai para o rio Do rio vai para o mar 2730 Todo o charisco namora Os olhos do meu amor Todo o tonho quer casar. São dois navios de guerra Quando vão pelo mar fora 2740 Deitam faíscas para terra. O cantar é dos anjinhos Senhora da Conceição 2731 Eu quando canto alivio A cana-verde do mar Penas do meu coração. Dá-lhe o vento torce, torce, Assim fez o meu amor 2741 Quando de mim tomou posse. Tu és o sol eu sou a lua Qual de nós será mais firme 2732 Eu como o sol a pilhar-te O meu pai é Jesus Cristo Tu como a sombra a fugir-me. Meu padrinho é S. João Os anjos são os parentes Ò que linda geração.

2733 Carta feliz vai voando Nas asas de um rouxinol Vai visitar os olhos mais lindos Que cobre a rosa do sol.

2734 Quando eu passei e vi Em frente ao teu lugar Uma estrelinha brilhante Que me fez imaginar.

2735 Aqui nesta rua mora Quem cuida que arrasa o Mundo Não há local tão escuro Que se não veja o fundo.

2736 Não te empresto a minha saia Nem a roda que ela tem Foi paga com o meu dinheiro Não devo nada a ninguém.

2737 A freguesia de Dém Terra de muitos valados Terra das moças bonitas E dos moços alentados.

2738 Tu pensas que és mais do que eu Mais do que eu não o és Tomaras pôr a tua cara Onde ponho eu os pés.