1

Fazenda São João: Liberdade condicionada, testamento e trajetória dos ex- cativos1

Eliane Taffarel2 Renilda Vicenzi3

1. Introdução

Por muitos anos, a historiografia brasileira ficou silenciada sobre o período do pós- abolição. A História ensinada nas escolas encerrava com a assinatura da Lei Áurea, em 1888, pela Princesa Isabel. No entanto, esse tema começou a ser trabalhado ao longo do século XX, quando iniciam os estudos da história das comunidades quilombolas no pós-abolição. Ao mesmo tempo, quando falamos da escravidão, a percepção de muitas pessoas é de que ela esteve distante da realidade Catarinense, visto que na maior parte da literatura ele era invisível. No entanto, na região dos Campos de Lages, houve a presença de escravos, muito ligada à pecuária, às atividades agrícolas e domésticas. Os Campos de Lages fizeram parte do caminho das tropas que levavam o gado à , em São Paulo. Assim, a escravidão nessa região não se torna excepcional, pois faz parte da exploração colonial da mesma, desde o final do século XVIII. O pouco estudo da escravidão em sala de aula e a pouca divulgação dessa história faz com que muitos desconheçam que houve escravidão em e que hoje existem comunidades quilombolas4 em nosso estado. Diante disso, pesquisas nessa área servem, além de seu caráter acadêmico, para o conhecimento da sociedade em geral sobre o local onde vivem.

1 Artigo produzido com dados da pesquisa em andamento para Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) em História pela Universidade Federal da Fronteira Sul/UFFS. 2 Graduanda em História pela Universidade Federal da Fronteira Sul/UFFS – Campus Chapecó. E-mail: [email protected] 3 Professora Orientadora. Doutora em História. Docente do curso de História da UFFS – Campus Chapecó. E-mail: [email protected] 4 Entende-se por comunidade quilombola a nova definição proposta especialmente pós 1994, quando a Associação Brasileira de Antropologia (ABA) propôs um novo conceito para quilombo. Nesse sentido, de acordo com o Decreto 4. 887, promulgado em 20 de novembro de 2003, “consideram-se remanescentes das comunidades dos quilombos (...) grupos étnicos-raciais, segundo critérios de auto-atribuição, com trajetória histórica própria, dotados de relações territoriais específicas, com presunção de ancestralidade negra relacionada com a resistência à opressão histórica sofrida” (http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2003/d4887.htm).

2

Trabalhamos nesta pesquisa, o caso da Fazenda São João, onde em 1866 Matheus José de Souza e Oliveira concedeu alforria condicionada para seus escravos. Já em 1877, deixou em testamento, a terça parte de suas terras, a três libertos, sendo Damazia, Margarida e Joaquim e oito escravos: Domingos, Salvador, Manoel, Francisco, Geremias, Pedro, Jozepha e Innocência. Os descendentes dos legatários da terra vivem hoje na localidade conhecida como Invernada dos Negros, municípios de e . Nesse sentido, nossa pesquisa tem o objetivo de registrar a memória dessa comunidade que já foi objeto de estudos antropológicos, porém, consideramos importante conhecer os registros históricos acerca da mesma. Nosso estudo buscará, portanto, conhecer mais sobre quem eram os escravos libertos, registrando a trajetória dos descendentes de ex-cativos, os parâmetros de parentesco e quais as memórias do passado escravista ainda estão presentes. Para responder nossas questões de estudo utilizamos inicialmente duas fontes primárias a Carta de Alforria e o Testamento, além de informações presentes no Inventário que segue o Testamento. Ao mesmo tempo, a fim de construir a memória genealógica dos descendentes dos legatários, mapeamos as informações a partir de registros eclesiásticos5 (batismo, casamento e óbitos) e cartoriais6. Sobre o uso dessas fontes, Carlos Bacellar (2010) comenta que registros de batismo, casamento e óbito sempre foram essenciais para os genealogistas. No que se refere aos arquivos e à disponibilização dos mesmos, o historiador revela que igrejas de outras confissões também contam com documentação relevante. No entanto, o caso dos mórmons (Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias) e seu acervo microfilmado de registros vitais é bastante conhecido. Nosso acesso de forma digital aos arquivos deve-se a essa ação dos mórmons. Com as fontes disponíveis, há um trabalho de investigação necessário para o historiador. Bacellar (2010) afirma que a paciência é a arma básica do pesquisador em arquivos, seja para descobrir os documentos que deseja, seja para trabalhar na tarefa de cuidadosa leitura e transcrição das informações encontradas.

5 Fontes disponíveis no sítio https://familysearch.org. 6 Disponíveis no Primeiro Tabelionato de Notas e Protestos da Comarca de Lages, como a Carta de Alforria, e no sítio https://familysearch.org.

3

Bacellar salienta ainda que pesquisar em fontes, principalmente manuscritas, requer o empenho de aprender as técnicas de leitura paleográfica, que permitem o “decifrar” dos escritos.

As primeiras tentativas de leitura de um documento de arquivo deixarão claro que o pesquisador precisa se “moldar” a uma ortografia e a uma gramática diferenciadas. Mesmo documentos datilografados ou jornais têm escritura distinta, e com tais características devemos fazer a transcrição. Contudo, para o documento manuscrito é preciso, antes de tudo, acostumar-se com a caligrafia. Boas caligrafias convivem com outras, péssimas, e isso é pura questão de sorte. Todo pesquisador se deparou, alguma vez em sua vida, com caligrafias terríveis, que exigiram esforço concentrado para sua “tradução”. Obviamente não devemos escolher fontes pela sua maior ou menor facilidade de leitura. (BACELLAR, 2010, p. 55)

Para a análise das fontes cartoriais e eclesiásticas de nossa pesquisa, precisamos levar tudo isso em consideração. Tanto a paciência na busca das fontes, como na análise das mesmas. Afinal, no século XIX, todas eram manuscritas.

2. Liberdade condicionada na Fazenda São João/SC

Em 20 de janeiro de 1866, Matheus José de Souza e Oliveira e sua esposa Pureza Emília da Silva, na fazenda denominada São João, no distrito de Campos Novos, registraram a alforria de seus escravos em Escritura Pública, dando a eles uma liberdade condicionada. A carta foi escrita pelo Tabelião José Luiz Pereira, assinada pelo casal proprietários dos escravos e pelas testemunhas Delfino Prudêncio Machado Pereira e Joaquim Machado Pereira. O documento descreve o nome e a idade da escravaria de Matheus e Pureza. Sendo: Josepha, de nação, idade de trinta anos, mais ou menos, Margarida, de idade de cinco anos, mais ou menos, Antonio crioulo, idade de onze meses, Damazia, idade de um ano mais ou menos, Manoel, nove anos, mais ou menos, Domingos, vinte e cinco anos, mais ou menos, Salvador, vinte e cinco anos, mais ou menos, Inocência, quarenta anos, mais ou menos e Geremias de idade de sessenta anos7.

7 A Carta de Alforria está arquivada no Primeiro Tabelionato de Notas e Protestos da Comarca de Lages. Para a pesquisa, estamos com uma cópia da mesma.

4

De acordo com a carta, os escravos citados ficariam livres de ônus, hipoteca ou de qualquer outra obrigação. Segundo os senhores, a liberdade foi dada aos cativos devido a amizade com os mesmos e aos bons serviços que prestaram. No entanto, a liberdade era condicionada. Os escravos seriam libertos após a morte de ambos os senhores e deveriam continuar a prestar “bons serviços”, sendo que estes deveriam ser feitos com “gosto e contentamento”. A carta poderia, portanto, ser revogada por qualquer deles, caso os libertos prevaricassem ou tentassem contra a existência de seus senhores, por roubos furtos e falta de respeito aos senhores, ou mesmo má vontade em servi-los. Os proprietários citam ainda, que concediam a liberdade a qualquer crioulo filho das escravas mencionadas. O documento levanta diversos debates. Kátia Mattoso (2003) destaca que apesar de serem documentos legais de alforria, de liberdade, há uma ambiguidade. Muitas cartas de alforria contêm cláusulas restritivas, como as de tempo ou condições suspensivas. Nesses casos, o escravo passa a liberto, mas o uso dessa liberdade lhe é interditado. Ou seja, é uma liberdade sob condições. “Se, finalmente, o escravo consegue obter sua alforria total, eliminadas todas as restrições, todas as dissimulações, somente então ele se torna um cidadão ‘livre’” (MATTOSO, 2003, p.180). Levando em conta essas condições, a autora levanta o debate de até que ponto o escravo que recebe uma carta de alforria condicionada se torna livre. Diante desse contexto, a autora faz uma análise muito coerente, onde afirma que

Ser libertado não é, pois, ser livre imediatamente; só na segunda ou terceira geração o sonho de liberdade se completa. (...) O comportamento do liberto continua a ser o mesmo do seu irmão escravo; (...). Como o irmão escravo, o liberto deverá trabalhar e fazê-lo nos ofícios e serviços reservados aos grupos sociais inferiores. Sua conquista somente beneficiará aos seus descendentes, cidadãos à parte, que terão assimilado completamente o modelo branco. O liberto, este é obrigado a se contentar com um primeiro passo e com o respeito que sua libertação lhe dá na comunidade negra. (MATTOSO, 2003, p.206)

Entre as condições impostas nas cartas de alforria, Mattoso salienta que a mais comum estipula que o escravo somente será livre após a morte de seu senhor. E, em muitos casos, estabelece ainda que somente será livre após servir até a morte da viúva e filhos. Mas também

5 há cartas de alforria que estabelecem outras restrições e limitações, como o caso do pagamento de determinada quantia em espécie. Apesar de termos focado até aqui a carta de alforria, há ainda outras formas do escravo alcançar a liberdade, como o testamento. Ronaldo Vainfas (2001) destaca que neste documento, o testador deixava escritas as suas últimas vontades, geralmente quando em “perigo de vida”, o que talvez explique o motivo das alforrias através de testamentos tenderem a libertar mais escravos de forma gratuita do que as realizadas nas cartas. “Por outro lado, as condições para a liberdade, mesmo se gratuita, muitas vezes só admitiam a efetiva liberdade após a morte do testador, o que a tornava incerta” (VAINFAS, 2001, p.30). Esse é também o caso da Fazenda São João. Além da carta de alforria, Matheus José de Souza e Oliveira ratificou a alforria de alguns libertos, e deu liberdade a outros, em testamento datado de 1877. Neste documento, o senhor ainda deixou a terça parte de suas terras a três libertos e oito escravos. O Inventário, que iniciou logo após a morte de Matheus, destaca a liberdade de Margarida, Damázia e Joaquim e que por isso não mais faziam parte de seus bens. Também descreve que deixava não somente aos escravos que já havia dado liberdade, mas também aos que ainda estavam cativos, que ficariam livres após o último dele e Pureza Emília da Silva falecer, a terça parte de suas terras, em campos de terras lavradias dentro da “Envernada”. Os escravos cativos eram Domingos, Salvador, Manoel, Francisco, Geremias, Pedro, Josepha e Innocência e que estariam libertos após o falecimento de dona Pureza. Ou seja, após findar essa condição estabelecida na alforria e reforçada no testamento. Essa segunda forma legal de liberdade reforça nosso debate sobre a fragilidade da alforria condicionada. Além disso, nos permite levantar algumas hipóteses, como a de que a Carta pode ter sido esquecida ou ignorada pelos senhores, mas também de que os cativos não tiveram conhecimento da existência desse documento, ou ainda, de que tiveram conhecimento parcial. Mas acima de tudo, não se percebe através das fontes cartoriais e eclesiásticas uma mudança significativa na condição dos cativos da Fazenda São João. Outro apontamento referente ao Testamento, é que percebemos nele nomes que não estão presentes na Carta, como é o caso de Joaquim, Francisco e Pedro. Joaquim ainda aparece como liberto, enquanto os demais eram escravos. Nesses casos, não temos no

6

Testamento a informação da idade dos mesmos. Assim, o que podemos levantar como hipóteses é a compra posterior à Carta ou um nascimento após a Alforria em 1866. No entanto, é importante salientar que Joaquim aparece como liberto.

3. Trajetória

Entre os objetivos de nosso trabalho está conhecer mais sobre a história dos ex-cativos da Fazenda São João citados na carta de alforria e no testamento e ao mesmo tempo buscar constituir a trajetória dos descendentes de alguns deles. Analisando a Carta, as informações que temos sobre os ex-escravos são o ponto de partida para nossa busca em outras fontes como os documentos eclesiásticos e cartoriais8. Assim, partindo da provável idade dos escravos, iniciamos a busca inicialmente nos arquivos de Lages, já que nesse período São João de Campos Novos era freguesia9 daquele município. Os registros são da Paróquia Nossa Senhora dos Prazeres. A partir da emancipação do município de Campos Novos, é possível encontrar fontes e registros na Paróquia São João Batista e no Cartório de Registro Civil de Campos Novos. Foi possível encontrarmos algumas fontes importantes que nos permitem conhecer mais sobre os ex-cativos, como o registro de batismo de Margarida, que na Carta de Alforria aparece com idade de mais ou menos cinco anos. Margarida foi batizada10 em seis de agosto de 1861, com oito meses, sendo filha de Josepha escrava de Matheus José de Souza e Oliveira. Margarida é, portanto, filha de Josepha, também liberta em 1866. No batismo, percebemos ainda que é citado que Josepha é escrava de Matheus, mas não cita-se o pai de

8 Fontes cartoriais e eclesiásticas estão disponíveis no sítio https://familysearch.org. 9 Em 1852, Campos Novos foi considerado apenas um quarteirão, subordinado ao Distrito de . Dois anos depois, a Resolução Provincial nº 377, de 16 de junho de 1854, Campos Novos foi elevado à condição de Distrito de Lages e nele veio a criar a Freguesia de São João dos Campos Novos. A freguesia, surge na base da pirâmide política e jurídica da província e do município. Enquanto base de uma estrutura político-administrativa, atuava como condição elementar de ligação de seus habitantes livres com direitos civis e obrigações. 10 “Brasil, Santa Catarina, Registros da Igreja Católica, 1714-1977”, FamilySearch (https://familysearch.org/pal:/MM9.3.1/TH-1-9834-11917-4?cc=2177296 : acesso em 20 de outubro de 2015), Brasil, Santa Catarina, Registros da Igreja Católica, 1714-1977 > Brasil, Santa Catarina, Registros da Igreja Católica, 1714-1977 > Lages > Nossa Senhora dos Prazeres > Batismos 1858, Fev-1863, Ago > Imagem 115 de 194.

7

Margarida. Contudo, o fato de não citá-lo não significa que ele não existe. Certamente Margarida é filha de uma relação consensual de Josepha. Na sequência, temos outros documentos que nos revelam informações sobre os ex- cativos. As referidas fontes serão trabalhadas de forma mais detalhada neste artigo. Mas foi possível descobrir que Manuel e Damásia também são filhos de Josepha, assim como Margarida. Portanto, é possível perceber que há um núcleo familiar. Ao mesmo tempo, observamos ainda que Damasia é filha legítima de Domingos, que provavelmente seja também o pai de Margarida e Manoel, apesar de não constar nos registros encontrados.

A existência de famílias escravas tem aparecido de forma significativa nos estudos recentes sobre a escravidão e, especialmente quando tratamos de formas de resistência. Robert Slenes (2001) destaca que dados qualitativos sugerem que a constituição de famílias interessava aos escravos como parte de uma estratégia de sobrevivência dentro do cativeiro. “A ‘família cativa’, no entanto, não se reduzia a estratégias e projetos centrados em laços de parentesco” (SLENES, 2001, p.59). A existência de famílias escravas oficializadas era possível, pois o casamento entre cativos era previsto nas Constituições Primeiras. De acordo com Renilda Vicenzi (2015), o documento eclesiástico, em vigor desde 1707, estabelecia que os escravos poderiam se unir com pessoas cativas ou livres e que os senhores não poderiam impedir a união. “Ao permitir o casamento entre escravos, a igreja não alterava a condição de submissão deles ao seu senhor;

8 pelo contrário, afirmava que deveriam continuar servindo-os. Por outro lado, com a união, os cativos não deveriam ser vendidos separadamente” (VICENZI, 2015, p. 166). Voltando aos legatários, além do batismo de Margarida, encontramos posteriormente o registro de casamento dela com Domingos Fernandes. Esse registro11, de 1876 já é feito na Paróquia de São João de Campos Novos. Neste documento, podemos perceber que novamente não aparece o nome do pai de Margarida. Também percebemos que, mesmo sendo alforriada em 1866, Josepha continua aparecendo como escrava de Matheus José de Souza e Oliveira. Analisando as fontes é possível observar, ainda, que Margarida se casou com aproximadamente 15 anos de idade. Margarida faleceu aos 30 anos, no dia 21 de outubro de 1891, deixando cinco filhos. O registro de Óbito12 possibilita identificar que Margarida deixou cinco filhos, com as respectivas idades: Zacarias (16), Sebastião (11), João (10), Leopoldina (7) e Braulina (5). Sobre os demais libertos, encontramos informações de Damásia, na época da carta com mais ou menos um ano de idade, através de seu registro de casamento13, datado de 24 de outubro de 1878. Esse documento nos traz informações importantes a respeito dos libertos na Carta de Alforria de 1866. Primeiro, que Damasia é também filha de Josepha, assim como Margarida. Em segundo lugar, podemos analisar através deste registro de casamento, que Damasia é filha legítima de Domingos. Outra informação é que ao se casar em 1878, Damásia tinha aproximadamente 13 anos de idade.

11 “Brasil, Santa Catarina, Registros da Igreja Católica, 1714-1977”, FamilySearch (https://familysearch.org/pal:/MM9.3.1/TH-1-9834-81235-88?cc=2177296 : acesso em 3 de novembro de 2015), Brasil, Santa Catarina, Registros da Igreja Católica, 1714-1977 > Brasil, Santa Catarina, Registros da Igreja Católica, 1714-1977 > Campos Novos > São João Batista > Matrimônios 1876, Jan-1919, Dez > Imagem 4 de 316.

12 “Brasil, Santa Catarina, Registro Civil, 1850-1999” FamilySearch (https://familysearch.org/pal:/MM9.3.1/TH-267-12702- 123916-15?cc=2016197: acesso em 3 de novembro de 2015) , Brasil, Santa Catarina, Registro Civil, 1850-1999 > Brasil, Santa Catarina, Registro Civil, 1850-1999 > Campos Novos > Campos Novos > Óbitos 1889, Jan-1914, Fev > Imagem 15 de 204. “Brasil, Santa Catarina, Registro Civil, 1850-1999” FamilySearch (https://familysearch.org/pal:/MM9.3.1/TH-267-12702- 120632-30?cc=2016197 : acesso em 3 de novembro de 2015), Brasil, Santa Catarina, Registro Civil, 1850-1999 > Brasil, Santa Catarina, Registro Civil, 1850-1999 > Campos Novos > Campos Novos > Óbitos 1889, Jan-1914, Fev > Imagem 16 de 204. 13 “Brasil, Santa Catarina, Registros da Igreja Católica, 1714-1977”, FamilySearch (https://familysearch.org/pal:/MM9.3.1/TH-1-9834-81454-97?cc=2177296 : acesso em 3 de novembro de 2015), Brasil, Santa Catarina, Registros da Igreja Católica, 1714-1977 > Brasil, Santa Catarina, Registros da Igreja Católica, 1714-1977 > Campos Novos > São João Batista > Matrimônios 1876, Jan-1919, Dez > Imagem 12 de 316.

9

De acordo com o registro de óbito14 de Damásia, registrado em 15 de abril 1925, ela faleceu sem assistência médica e foi sepultada no Cemitério da Invernada dos Negros. O registro afirma que ela faleceu com 75 anos, mas não nos traz informações sobre quem eram os filhos de Damásia. Nesse caso, através do cruzamento de fontes eclesiásticas e cartoriais, foi possível descobrirmos alguns de seus filhos que se chamavam: Paulo Fernandes Caripuna; Cipriano Caripuna dos Santos; Veneranda Fernandes Caripuna; Oliveira Fernandes Caripuna; Arcídia (ou Hercília, os dois nomes aparecem sobre a mesma pessoa); Fernandes Carypuna; Eufrazio Fernandes Caripuna, Veneranda Fernandes Caripuna (são duas); Izidio Fernandes Caripuna; e João Garipuna. Outro legatário que conseguimos mais informações é de Manuel. Ele se casou com Ignacia de Meira Goés em 15 de fevereiro de 1879. O registro de casamento15 de Manuel nos mostra que ele é filho de Josepha, sendo, portanto, irmão de Margarida e Damasia. Ao mesmo tempo, considerando a idade de nove anos em 1866, é possível afirmar que Manuel se casou com cerca de 22 anos. Também chama a atenção os sobrenomes adotados pelos libertos, onde o Souza predomina. Houve a adoção do sobrenome dos senhores, prática comum no período escravista no Brasil. Nesse caso, o registro de casamento de Manuel fica ainda mais evidente quando visualizamos que o sobrenome de Josepha aparece como Matheus de Sousa. Este tema será tratado com maior ênfase no decorrer da nossa pesquisa, que está em andamento. No caso de Manuel, não encontramos seu registro de óbito, mas através do cruzamento de fontes sabemos que seu falecimento ocorreu em outubro de 1913. Entre seus filhos, encontramos registros de: Francisco Manoel de Souza; Sebastião Matheus de Souza; Maria Margarida de Souza; Cândido Manoel de Souza; Feliciana Maria de Souza; e João Manoel de Souza.

14 “Brasil, Santa Catarina, Registro Civil, 1850-1999," FamilySearch (https://familysearch.org/pal:/MM9.3.1/TH-267- 12702-121762-81?cc=2016197 : acesso em 21 de janeiro de 2016), Brasil, Santa Catarina, Registro Civil, 1850-1999 > Brasil, Santa Catarina, Registro Civil, 1850-1999 > Campos Novos > Campos Novos > Óbitos 1914, Abr-1928, Out > Imagem 240 de 319. 15 “Brasil, Santa Catarina, Registros da Igreja Católica, 1714-1977”, FamilySearch (https://familysearch.org/pal:/MM9.3.1/TH-1-9834-81038-93?cc=2177296 : acesso em 3 de novembro de 2015), Brasil, Santa Catarina, Registros da Igreja Católica, 1714-1977 > Brasil, Santa Catarina, Registros da Igreja Católica, 1714-1977 > Campos Novos > São João Batista > Matrimônios 1876, Jan-1919, Dez > Imagem 14 de 316.

10

As informações de Manuel fecham o que encontramos de dados dos legatários ligados à família de Josepha e Domingos. Além deles, pudemos conhecer mais sobre a trajetória de Francisco e de Salvador através de fontes que exploramos a partir de agora. Francisco não aparece na carta de alforria de 1866, mas está presente no testamento, em 1877. Sobre ele, encontramos seu registro de casamento16 com Maria Izabel do Espírito Santo, datado de 12 de outubro de 1878, e onde podemos constatar que assumiu, assim como os demais, o sobrenome Souza. Nesse registro, seu nome aparece como Francisco Matheus de Sousa. Além do sobrenome adotado por Francisco, outra informação que chama atenção é que ele é filho de Ritta, escrava de José Amorim. Ou seja, como Francisco não aparece na carta de alforria, só no testamento, a hipótese é de que ele tenha sido comprado durante esse período. Assim como de Manuel, não encontramos o registro de óbito de Francisco, mas através do casamento de sua filha, em 1896, pudemos descobrir que ele já havia falecido. Através de fontes eclesiásticas e cartoriais conseguimos localizar registros de alguns de seus filhos, entre eles: Maria Joana dos Santos; Manoel Francisco dos Santos e João Francisco dos Santos. Foi possível localizar, ainda, o registro de óbito17 de sua esposa, Maria Izabel do Espírito Santo, que ocorreu em 1913. Este registro chamou atenção por ter sido realizado por Domingos Fernandes da Silva, viúvo de Margarida. Domingos registra a morte de sua esposa, neste caso Maria Izabel, frisando que a mesma não deixou filhos com ele, Domingos Fernandes da Silva. Porém, também não cita os filhos que ela teve anteriormente com Francisco, legatário do testamento de Matheus José de Souza e Oliveira. Outro legatário que encontramos informações é Salvador Matheus de Sousa. Através do registro de óbito18, descobrimos que ele faleceu em 6 de novembro de 1909, aos oitenta

16 "Brasil, Santa Catarina, Registros da Igreja Católica, 1714-1977," FamilySearch (https://familysearch.org/pal:/MM9.3.1/TH-1-9834-81454-97?cc=2177296 : acesso em de janeiro de 2016), Brasil, Santa Catarina, Registros da Igreja Católica, 1714-1977 > Brasil, Santa Catarina, Registros da Igreja Católica, 1714-1977 > Campos Novos > São João Batista > Matrimônios 1876, Jan-1919, Dez > Imagem 12 de 316. 17 "Brasil, Santa Catarina, Registro Civil, 1850-1999," FamilySearch (https://familysearch.org/pal:/MM9.3.1/TH-267- 12702-123488-20?cc=2016197 : acesso em 21 de janeiro de 2016), Brasil, Santa Catarina, Registro Civil, 1850-1999 > Brasil, Santa Catarina, Registro Civil, 1850-1999 > Campos Novos > Campos Novos > Óbitos 1889, Jan-1914, Fev > Imagem 189 de 204. 18 “Brasil, Santa Catarina, Registro Civil, 1850-1999,” FamilySearch (https://familysearch.org/pal:/MM9.3.1/TH-267-12702- 122491-81?cc=2016197 : acesso em 11 de novembro de 2015), Brasil, Santa Catarina, Registro Civil, 1850-1999 > Brasil, Santa Catarina, Registro Civil, 1850-1999 > Campos Novos > Campos Novos > Óbitos 1889, Jan-1914, Fev > Imagem 127 de 204.

11 anos. Sobre o registro, podemos entender a trajetória de mais um dos legatários. Salvador morreu solteiro, no entanto, vivia em comunidade com os demais libertos. Prova disso é que quem registrou seu óbito foi Domingos Fernandes da Silva, viúvo de Margarida. Além disso, pela primeira vez localizamos um documento oficial onde a localidade é chamada de “Invernada dos Negros”, nome atual da comunidade. Nosso objetivo agora é seguir traçando a trajetória de alguns descendentes dos legatários. Isso contribuiu muito para que possamos compreender a história da formação da comunidade hoje conhecida e reconhecida como Comunidade Quilombola da Invernada dos Negros.

4. Considerações finais

Embora ainda inicial, nossa pesquisa tem buscado seguir seu objetivo principal que é analisar a história e a memória da comunidade Invernada dos Negros, situada em Campos Novos e Abdon Batista/SC. Assim, buscamos os objetivos de mapear os descendentes dos legatários; registrar a memória da ancestralidade escrava, da territorialidade e da resistência; e de analisar os parâmetros de parentesco e as memórias do passado escravista. Com as fontes disponíveis e selecionadas já é possível mapear a trajetória de alguns dos descendentes dos legatários, o que nos permitirá compreender ainda a constituição da comunidade hoje reconhecida como território quilombola. Aprofundaremos ainda alguns debates teóricos e fundamentaremos constatações. A história dos legatários, desde a alforria condicionada, passando pelo testamento e formação da comunidade, não está isolada de histórias de outras comunidades. Por isso, nosso estudo poderá contribuir para que possamos compreender todo esse contexto histórico, observando o pós-abolição na história de Santa Catarina. Além disso, percebemos que nossa pesquisa contribuirá para que a própria comunidade se conheça mais. Afinal, a grande maioria das fontes utilizadas nesta pesquisa não são de conhecimento dos integrantes da comunidade, por desconhecer a existência das mesmas, ou por nunca terem conseguido acesso à elas.

12

5. Referências

BACELLAR, Carlos. Uso e mau uso dos arquivos. In PINSKY, Carla Bassanezi (Org). Fontes Históricas. São Paulo: Contexto, 2010.

MATTOS, Hebe. Das cores do silêncio: os significados da liberdade no Sudeste escravista (Brasil, século XIX). Campinas/SP: Editora da Unicamp, 2013.

MATTOSO, Kátia de Queirós. Ser escravo no Brasil. São Paulo: Editora Brasiliense, 2003.

RIOS, Ana Lugão; MATTOS, Hebe. Memórias do Cativeiro. Família, trabalho e cidadania no pós-abolição. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005.

SLENES, Robert W. Na senzala, uma flor - Esperanças e recordações na formação da família escrava: Brasil Sudeste, século XIX. Campinas/SP: Editora da Unicamp, 2001.

VAINFAS, Ronaldo (org). Dicionário do Brasil colonial (1500-1808). Rio de Janeiro: Objetiva, 2001.

VICENZI, Renilda. Nos campos de cima da Serra: ser preto, pardo e branco na vila de Lages, 1776-1850. São Leopoldo/RS: Unisinos, 2015.