PONTO DE DEBATE

FUNDAÇÃO ROSA LUXEMBURGO outubro de 2017 | n.16 As veias abertas da Volta Grande do Xingu Análise dos impactos da mineradora Belo Sun sobre a região afetada por Belo Monte

POR MARCEL GOMES* Verena Glass Verena

CAPÍTULOS 1. INFRAESTRUTURA DA MINA E SEU ENTORNO...... 2 2. COMUNIDADES AFETADAS...... 8 3. ASPECTOS FUNDIÁRIOS...... 12 4. POVOS INDÍGENAS...... 16 5. EFEITOS SINÉRGICOS COM BELO MONTE NA VOLTA GRANDE...... 20 6. ASPECTOS ECONÔMICOS...... 24 7. CONCLUSÃO: O QUE PROMETE O FUTURO PARA A VOLTA GRANDE DO XINGU...... 26 1. INFRAESTRUTURA DA MINA E SEU ENTORNO 2 A bacia hidrográfica do rio Xingu, que A intervenção tanto da Justiça estadu- ganhou o noticiário mundial nos últimos al quanto da federal tem sido demandada, anos por causa da hidrelétrica de Belo Mon- respectivamente, pela Defensoria Pública te, construída ao norte do município de Al- do Estado do Pará (DPE) e o Ministério Públi- tamira, no Pará, tornou-se base de um outro co Federal (MPF), que apontam uma série de empreendimento com potencial de gerar riscos associados a Belo Sun. novos impactos sobre os povos, a floresta e Por um lado, comunidades de garim- as águas da região. peiros, ribeirinhos, posseiros e assentados Trata-se do Projeto Volta Grande, refe- da reforma agrária terão de ser realocadas rência a um dos trechos mais emblemáticos em outras terras. Por outro, temem-se os im- do rio, que prevê a criação da maior mina de pactos sociais e ambientais em duas terras ouro a céu aberto do país. Os investimentos indígenas (TI) existentes nas cercanias, as TIs anunciados, de R$ 1,22 bilhão, são da empre- Paquiçamba e Arara da Volta Grande do Xin- sa Belo Sun Mineração Ltda., subsidiária da gu, assim como sobre os demais indígenas canadense Belo Sun Mining Corp1. não aldeados que vivem na região. O empreendimento está sendo desen- Preocupa, ainda, quais novos impac- volvido desde 2012 no município de Senador tos pode trazer o primeiro projeto de mi- José Porfírio, limítrofe à Altamira e com 12 mil neração industrial na área de Volta Grande habitantes. A área onde se localiza a jazida já a um ecossistema já bastante alterado por foi adquirida e um acampamento, com 38 em- Belo Monte. pregados, serve de base operacional da nova A criação do lago da hidrelétrica no rio companhia. Em 12 anos de exploração, alme- Xingu, a montante do trecho da Volta Gran- ja-se extrair 73,7 toneladas de ouro do local. de, inundou ilhas que serviam de moradia A Secretaria de Estado de Meio ou base para pesca de ribeirinhos e indí- Ambiente e Sustentabilidade do Pará (Se- genas. A disponibilidade e a qualidade dos mas) emitiu a licença prévia (LP) em 2014 e peixes foram reduzidas, na avaliação de a licença de instalação (LI) em 2017, mas se- diversas lideranças sociais entrevistadas guidas decisões judiciais, que suspenderam para este estudo. Houve, assim, desarticu- a LI e paralisaram o projeto, têm atrasado os lação da vida comunitária e de seus meios planos dos investidores. de subsistência. Além disso, variações no volume 1 http://www.blogprojetovoltagrande.com.br/index/sobre de água liberada para a Volta Grande, ao Verena Glass Verena

Mina a céu aberto do projeto Grande Carajás. Esse tipo de mineração tem grande impacto

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3 Marcos Isensse e Sá

Ilhas do Xingu foram queimadas por Belo Monte para a supressão da vegetação sabor de decisões técnicas da Norte Energia, comprou áreas onde há décadas se o consórcio administrador de Belo Monte, desenvolvia a extração do ouro, de forma também afetam a pesca e a criação de pei- autônoma e em regime de partilha com os xes ornamentais, outro ganha-pão comum chamados “donos do garimpo” – aqueles entre ribeirinhos e indígenas. que tinham a posse da terra onde as minas Em outubro de 2016, o Conselho eram exploradas. Com isso, a atividade foi in- Nacional de Direitos Humanos (CNDH) en- terrompida em definitivo. viou representantes para avaliar denúncias Sem novas cavas, alguns garimpeiros recebidas sobre violações aos direitos dos têm reprocessado rejeitos antigos em busca moradores da região. Após a visita, o órgão de gramas de ouro. Outros partiram, em busca deu o alerta: a sobreposição de impactos de de trabalho. A Vila da Ressaca, outrora o cen- Belo Monte e Belo Sun poderia inviabilizar a tro econômico da Volta Grande, com linhas de continuidade da vida na Volta Grande2. transporte fluvial, mercado, posto de saúde e Imediatamente, o CNDH recomendou escola, hoje é sombra do que foi no passado. que Belo Sun suspendesse a aquisição de As transformações da vida no Xingu, terras na região da Volta Grande, por conta marcadas por Belo Monte e, agora, por Belo dos impactos sociais e econômicos gerados Sun, acumulam-se há muitos anos. por esse processo. Mais tarde, em fevereiro A bacia hidrográfica do rio, com área de 2017, o mesmo órgão defendeu que o aproximada de 509.000 km2, o equivalente governo do Pará suspendesse a licença de a 40% do Estado do Pará, desenvolve-se no instalação da empresa3 – o que foi negado. sentido sul-norte, com suas águas formado- Como observou o CNDH, mesmo sem ras nascendo na Chapada dos Parecis, no ainda operar, os impactos de Belo Sun são vi- Mato Grosso. Está limitada a oeste pela bacia síveis na Volta Grande. Dezenas de pequenos do rio Tapajós, e a leste, pela bacia dos rios produtores que viviam na região venderam Araguaia e Tocantins. o direito sobre suas terras para a empresa, e Alguns dos maiores impactos sobre foram embora. o ecossistema vêm das rodovias BR-153, A desarticulação da atividade ga- BR-158 e BR-230 (Transamazônica), que ser- rimpeira também é notável. A empresa vem para escoamento da produção agrope- cuária e madeireira das áreas exploradas em 2 http://www.mpf.mp.br/pa/sala-de-imprensa/noticias- municípios como São Félix do Xingu, Novo -pa/atingidos-por-belo-sun-e-belo-monte-preocupam- Repartimento e Novo Progresso4. -conselho-nacional-de-direitos-humanos

3 http://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2017-02/ 4 https://www.socioambiental.org/pt-br/blog/blog-do-xin- conselho-de-direitos-humanos-recomenda-que-%20PA- gu/de-olho-no-xingu-parte-i-historico-de-desmatamen- -suspenda-licenca-para-mina-de-ouro to-e-tendencias-atuais-parte-i

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Belo Monte transformou a Volta Grande do Xingu, alterando significativamente os modos de vida da população

A infraestrutura de transporte, ainda ambas com 220 metros de profundidade que degradada em vários trechos, incentiva aproximadamente. São nomes que reme- processos de depredação especulativa, ati- tem a duas antigas minas de ouro existen- vidade madeireira e mineral irregulares, ins- tes na área e exploradas por garimpeiros talação de grandes empresas de pecuária, e locais. Segundo a empresa, o projeto já de- conversão da floresta em soja. Há, ainda, os tém 20 outorgas de exploração, totalizan- efeitos gerados pelos projetos de reforma do 103,354 ha; além disso, vigoram ainda agrária, com a chegada de pequenos produ- quatro pedidos de lavra em uma área de tores voltados à produção de subsistência e 2.356 ha, 10 pedidos de concessão de di- ao comércio local. reitos minerários em 23.208 ha e mais oito É nesse contexto instável que se inse- pedido de exploração em áreas públicas re o Projeto Volta Grande, um novo foco de em mais 3.660 ha. pressão sobre o trecho médio da bacia do A terra e a rocha retiradas das cavas Xingu, já alterado por Belo Monte. Conforme serão ajustadas em duas pilhas dentro do as análises geológicas, o projeto foi dividido empreendimento, uma de até 195 me- em duas áreas, o bloco Norte e o Sul, ambas tros de altura e outra de até 210 metros. separadas por cerca de 10 km. O projeto também prevê a instalação de Neste primeiro momento, o foco ex- uma barragem de rejeitos, com capacida- ploratório recairá sobre o bloco Norte5. de ocupada de 35,43 milhões de metros O plano de Belo Sun prevê atividades de cúbicos ao final da operação. A barragem exploração de ouro ao menos por doze do Fundão6, em Mariana, que rompeu anos, mais dois para fechamento e outros em novembro de 2015 gerando o maior oito de monitoramento. acidente ambiental já registrado no país, Conforme descrição da própria com- comportava oficialmente 2,65 milhões de panhia, na área de operações será constru- metros cúbicos de areia, lama e detritos ída a chamada “cava a céu aberto”, uma vez de minério, mas vazaram do reservatório que o minério não se localiza em grande 55 milhões de rejeitos, segundo a Funda- profundidade. Esse método é o mesmo em- ção Estadual do Meio Ambiente de Minas pregado em projetos de exploração de ou- Gerais - FEAM7. tros minérios na região amazônica. O projeto de Belo Sun prevê duas 6 http://g1.globo.com/minas-gerais/noticia/2015/11/ cavas, chamadas Ouro Verde e Grota Seca, volume-vazado-em-mariana-equivale-13-da-capacidade- -da-guarapiranga.html

5 http://belosun.com/volta_grande/mineral_resources/ 7 http://www.em.com.br/app/noticia/gerais/2015/12/01/ e http://www.sedar.com/DisplayCompanyDocuments. interna_gerais,712952/barragem-tinha-20-vezes-o-volu- do?lang=EN&issuerNo=00006215 me-registrado.shtml

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Estruturas planejadas no Empreendimento de Belo Sun

5 Divulgação - Apresentação Corporativa Belo Sun Divulgação - Apresentação Corporativa

De acordo com nota técnica de Belo elementos poderiam ampliar a necessida- Sun de 20128, foram identificados nos es- de do uso de cianeto no processamento tudos ambientais do projeto alguns dos do ouro. riscos/perigos relacionados com a ope- O cianeto é insumo do processo de ração da barragem, tais como “extravasa- beneficiamento do ouro por lixiviação, mé- mento da barragem de rejeitos e diques todo mais comum utilizado pela indústria de contenção por aporte hídrico maior do setor no mundo10. Ele gera subprodu- do que a capacidade de suporte do siste- tos de alta toxicidade para seres humanos, ma; rompimento da barragem de rejeitos, fauna, flora e águas11, o que exige rigoro- e rompimento do rejeitoduto”. Segundo a so controle e monitoramento, inclusive nota técnica, “o perigo de rompimento da quando a operação da mina for encerrada. barragem de rejeitos foi definido como Em doze anos de operação, é possível esti- pouco provável, mas tendo consequências mar que 10.500 toneladas de cianeto sejam catastróficas” caso ocorra. empregadas nas operações do projeto12. Além da quantidade de rejeitos, le- Outro foco de polêmica é o uso de vanta-se a questão sobre quais materiais água nas diversas etapas de extração de contaminantes podem estar presentes ali. ouro por Belo Sun. Inicialmente, a empresa Em Paracatu, , lideranças e auto- pretendia captar água do próprio rio Xingu, ridades locais, além do MPF, mobilizaram-se mas a ideia foi abandonada. depois que obtiveram dados sobre a presen- Tentou-se evitar, assim, não só redu- ça de arsênio na água consumida na cidade, zir eventuais impactos sinérgicos entre Belo onde há exploração de ouro9. O arsênio está Sun e Belo Monte relacionados à disponi- presente naturalmente na terra e rochas da bilidade hídrica na Volta Grande, mas tam- região, e se dispersava com a operação de bém que o licenciamento ambiental tivesse processamento. automaticamente de ser feito pelo Instituto Estudos da Belo Sun apontam a pre- Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recusos sença de arsênio, antimônio, chumbo, cobre e enxofre nos materiais analisados na região, 10 https://www.ppgem.eng.ufmg.br/defesas/2172M.PDF mas, segundo a empresa, em concentrações “suficientemente baixas”. Além do potencial 11 http://www.geologo.com.br/MAINLINK.ASP?VAIPARA=- tiosulfato%20ou%20cianeta%C3%A7%C3%A3o contaminante para o ecossistema, esses 12 Esse cálculo foi feito considerando estimativa do biólogo 8 https://www2.mppa.mp.br/sistemas/gcsubsites/ Frederico Luiz Silva Caheté no artigo “A extração do ouro upload/41/Nota%20Tecnica%20PVG%281%29.pdf na Amazônia e suas implicações para o meio ambiente”, NAEA/UFPA, de 1995. Segundo ele, para cada tonelada 9 http://www.em.com.br/app/noticia/nacio- de minério processado, são utilizadas 250 gramas de nal/2017/02/17/interna_nacional,848271/exploracao- cianeto. A operação de Belo Sun prevê o processamento -de-ouro-causa-tensao-em-cidade-historica.shtml de 42 milhões de toneladas de minério por ano.

Fundação Rosa Luxemburgo 6 Naturais Renováveis (Ibama), uma vez que assusta os moradores da região. A deman- o Xingu é um rio federal13. De acordo com da de 473,1m3 por hora seria suficiente para nota técnica da Semas, as distâncias entre as abastecer uma cidade de 45 mil habitantes. estruturas da mina em relação ao rio são: Para reduzir as críticas, a Semas esta- beleceu como uma das condicionantes à • Pilha de estéril Ouro Verde, licença de instalação que a empresa realize, maior proximidade de 960 metros mensalmente, o monitoramento hidrológico • Pilha de estéril Grota Seca, no trecho do Xingu onde se encontra a mina. maior proximidade de 1,1 km A atuação do órgão estadual, porém, • Cava Ouro Verde, maior não tem sido suficiente para reduzir os te- proximidade de 120 metros mores de que uma tragédia possa ocorrer • Cava Grota Seca, maior no futuro. Representes de movimentos so- proximidade de 500 metros ciais e autoridades públicas alertam para • Barragem de rejeitos, os riscos de contaminação, rompimento da maior proximidade de 1,6 km barragem de rejeitos e até que as explosões • Lago de contenção leste, a serem realizadas na mina afetem a estrutu- maior proximidade de 2,5 km ra de Belo Monte. • Lago de contenção oeste, Até julho de 2017, os efeitos da licença maior proximidade de 2,3 km de instalação e os trabalhos de implantação • Aterro sanitário, maior do Projeto Volta Grande encontravam-se proximidade de 3,8 km suspensos por decisão do Tribunal Regio- • Planta de beneficiamento, nal Federal da 1º Região14 do mês de abril. maior proximidade de 2,2 km A empresa protocolou recurso, ainda não • Estação de tratamento de efluentes, apreciado até a finalização deste estudo maior proximidade de 3 km (outubro de 2017). O Tribunal considera que a compa- Sem a opção do uso da água do rio, nhia apresentou à Funai um estudo inapto, o projeto prevê agora a construção de dois com carência de dados coletados dentro das poços tubulares (um com vazão de 4,25 m3 áreas indígenas Juruna e Arara, e sem con- por hora, já outorgado, e outro de 6,25 m3 sulta prévia a essas comunidades. por hora, ainda sob avaliação da Semas), Uma outra decisão, da Justiça do Pará, para garantir o abastecimento na fase de im- também suspendia os efeitos da licença de plantação da mina. Essa água potável seria instalação, mas caiu em junho. Na ação cor- utilizada para consumo dos trabalhadores. respondente, a Defensoria Pública do Estado Haveria, ainda, a demanda de água do Pará (DPE) cobra que haja uma solução para serviço e uso geral, em até 48,5 m3 por para as comunidades deslocadas antes do hora. Nesse caso, o projeto prevê captação início das obras. superficial no rio Itatá, no igarapé Ressacão e A empresa, porém, alegou que só em um igarapé sem nome próximo à área da poderia dar andamento a seu plano de re- Grota Seca. Até julho de 2017, a Semas não alocação caso a licença estivesse válida – ar- havia concedido nenhuma dessas outorgas. gumento que acabou acatado pela Justiça Quando a operação começar, a ne- estadual15. cessidade de água saltará para 473,1m3 em Na próxima seção deste estudo, será média por hora, sendo 56% nova e 44% apresentado um retrato de algumas comu- proveniente de recirculação. Para atender nidades direta ou indiretamente afetadas a demanda, além de manter um dos poços pelo Projeto Volta Grande, em especial a Vila em funcionamento, serão construídos dois da Ressaca. O tema das comunidades indí- lagos de contenção: um com vazão máxima genas será exposto com mais detalhes na de 100 m3 e outro de 115m3 por hora, a se- quarta seção. rem abastecidos com água da chuva. Mesmo sem utilizar água do rio Xin- 14 http://www.mpf.mp.br/regiao1/sala-de-imprensa/noti- gu, a grande demanda hídrica do projeto cias-r1/trf1-suspende-licenca-de-instalacao-da-minera- dora-canadense-belo-sun-no-xingu

13 Um rio é considerado rio federal quando banha mais de 15 http://www.valor.com.br/empresas/5014238/belo- um estado brasileiro ou atravessa as fronteiras do país, e sun-tem-liberacao-de-1-das-suspensoes-de-licenca- sua gestão é responsabilidade do governo federal. em-projeto-no-pa

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O PROJETO VOLTA GRANDE* 7 O QUE É Primeiro projeto de mineração industrial aurífera a céu aberto da Volta Grande do Xingu LOCALIZAÇÃO Senador José Porfírio, vizinho à Altamira (PA) RESPONSÁVEL Belo Sun Mineração Ltda. Sediada em Altamira (PA). CNPJ 02.052.454/0001-31 Foi fundada em 1986 sob o nome de Verena e adquirida pela canadense Belo Sun Mining Corp. em 2010, quando teve o nome alterado. A Belo Sun Mining Corp. tem o capital aberto desde 1996 na Bolsa de Toronto, a maior bolsa de mineração do mundo. CONSULTORIA PARA Brandt Meio Ambiente Ltda. Sediada em (MG). CNPJ 71.061.162/0001-88 LICENCIAMENTO

PRAZOS Implantação: 2 anos; Operação: 12 anos (vida útil da CAVAS Duas cavas, chamadas Ouro Verde e Grota Seca, cada uma com mina); Fechamento: 2 anos; Monitoramento: 8 anos cerca de 220 metros de profundidade ESTRUTURAS A obra física do empreendimento se constituirá em: aterro sanitário; lagos de contenção de água leste e oeste; barragem de rejeitos; cavas Grota Seca e Ouro Verde; estação de tratamento de efluentes; pilhas de estéril Grota Seca e Ouro verde; planta de beneficiamento; subestação elétrica; alojamentos; vias internas de acesso; posto de abastecimento de combustível; estrutura de apoio; estação de tratamento de efluentes BARRAGEM Até 35,43 Mm3 PLANTA Uma planta, com capacidade de processar TÉCNICA DE Lixiviação com DE REJEITOS METALÚRGICA até 3,6 milhões de toneladas ao ano BENEFICIAMENTO cianeto de sódio

INVESTIMENTO FUNCIONÁRIOS NECESSÁRIOS FUNCIONÁRIOS NECESSÁRIOS JAZIDA DE OURO PARA INSTALAÇÃO PARA IMPLANTAÇÃO PARA OPERAÇÃO

Teor médio no mineral primário de 0,5 a 25 g/t e no R$ 1.223.847.940,00 1.100 trabalhadores Máx. de 526 trabalhadores secundário de 1,02 a 1,75 g/t.

EXPECTATIVA DE PAGAMENTO DEMANDA DE ÁGUA DEMANDA DE ÁGUA DE TRIBUTOS E ROYALTIES NA IMPLANTAÇÃO DO PROJETO PARA OPERAÇÃO DO PROJETO R$ 5 milhões por ano R$ 19 milhões por ano na fase de obras e R$ 5 milhões por ano durante a operação em Compensação Financeira pela Exploração Mineral 10,5 m3/h através 473,1 m3/h através de dois (CFEM); a Senador José Porfírio, de dois poços tubulares lagos de contenção e recirculação

PILHAS DE ESTÉRIL Duas pilhas: Ouro Verde, com até 195 metros de altura, e pilha Grota Seca, com até 210 metros

Pilha Pilha Ouro Edifício Edifício Grota Seca Verde Altino Arantes Brookfield 210 m 195 m em SP: Place, altura em m de altura de altura 161 m no Canadá: (49 andares) 227 m (53 andares)

*Dados obtidos no sumário executivo da licença de instalação do empreendimento (Processo 5340/2015), datado de outubro de 2016, e parecer técnico da Licença de Instalação da Semas de 02.02.2017

Fundação Rosa Luxemburgo 2. COMUNIDADES AFETADAS 8 O mapa de comunidades potencial- distância, onde a febre do ouro chegava mente afetadas pelo Projeto Volta Grande, ao fim no início dos anos oitenta, de ou- da empresa Belo Sun Mineração Ltda., é na- tros estados ou da região de abertura da turalmente tão amplo quanto a diversidade transamazônica. Além de receber o direito de habitantes registrada naquele trecho do sobre um lote de terra – onde antes, é impor- Xingu. tante esclarecer, habitavam famílias indíge- São indígenas aldeados ou não, agri- nas –, havia o interesse de explorar o mineral cultores, garimpeiros, ribeirinhos, pescadores na Volta Grande, tanto no solo quanto no e trabalhadores em geral – todos atentos aos leito dos rios. riscos e promessas do primeiro empreendi- As pessoas se dividiam entre o garim- mento de mineração industrial da região. po e a agricultura de subsistência, lembra O epicentro do Projeto Volta Grande João Neto Carvalho de Souza, de 42 anos, localiza-se em uma antiga área de reforma cuja família mantém um lote de 14 hectares agrária, sob responsabilidade do Instituto no PA Ressaca. Nacional de Colonização e Reforma Agrária “Eu mesmo trabalhava durante a se- (Incra). O chamado Projeto de Assentamen- mana no garimpo e, no final de semana, ia to Ressaca foi criado em 1982 numa área para a roça”, conta ele. total de 30.265 hectares, onde 481 famílias Parte dos moradores, em vez de viver foram assentadas16. nos lotes, decidiu se fixar em vilas próximas Muitas delas vieram do antigo garim- ao rio Xingu, entre as quais a Ressaca, Galo, po de Serra Pelada, a cerca de 650 km de Ilha da Fazenda, Grota Seca e Ouro Verde. Em uma área de estradas de terra precárias, 16 http://www.incra.gov.br/sites/default/files/uploads/ reforma-agraria/questao-agraria/reforma-agraria/proje- era por via fluvial que pessoas e mercadorias tos_criados-geral.pdf tinham de ser transportadas. Volta Grande do Xingu - Localização do Projeto Belo Sun EIA/RIMA Belo Monte, EIA/RIMA Belo Sun, IBGE, FUNAI - Realizado pelo Lab. de Geoprocessamento do ISA

As vilas de Ressaca, Ilha da Fazenda e Galo serão as três mais afetadas diretamente pela mineradora

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9 Verena Glass Verena

Garimpeiros tradicionais da comunidade da Ressaca em mina subterrânea, cujo impacto é menor

Nessas localidades, onde a presença para os padrões regionais – segundo Car- da população não indígena remonta a dé- valho de Souza, ao redor de quatro salários cada de 194017, desenvolveram-se peque- mínimos mensais, ou, nos valores correntes, nos comércios, escolas e serviços públicos, a R$ 3.748. ponto de a Vila da Ressaca tornar-se o cen- Ações de fiscalização de órgãos poli- tro econômico da Volta Grande. A circulação ciais e ambientais ocorriam eventualmente, monetária era garantida pela venda do ouro, em especial contra a exploração por barcas incentivando o comércio de produtos agrí- sobre o rio, sem, no entanto, alterar de modo colas, aves e peixes. significativo as condições de vida local. A atividade garimpeira, seja aquela A situação começou a mudar com a feita em solo, seja no leito do rio Xingu e escassez do ouro mais superficial, a partir afluentes, diferenciava-se de outras áreas da da década de 1990. E ganhou os contornos Amazônia, inclusive Serra Pelada, por ser de conflitivos atuais com a chegada, em 2010, menor escala e associativa, gerando menos da canadense Belo Sun Mining Corp., que passivos ao meio ambiente local. adquiriu a empresa brasileira Verena, assim A Cooperativa Mista dos Garimpeiros como o direito de explorar os lotes dos “do- da Ressaca, Galo, Ouro Verde e Ilha da Fa- nos do garimpo”. zenda (COOMGRIF), criada em 2006 na Vila Para colocar em pé o Projeto Volta da Ressaca, conseguiu regularizar apenas Grande, Belo Sun também passou a comprar parcialmente a atividade perante os órgãos lotes nas cercanias dos garimpos, mantidos oficiais, como o Departamento Nacional de por assentados rurais. No total, a área do Produção Mineral (DNPM). projeto ocupará cerca de 1400 hectares. Os chamados “donos do garimpo”, que Com o trabalho nas minas interrompi- mantinham, na realidade, a posse de trechos do, moradores foram embora. A Vila da Res- de terras afetadas pela reforma agrária, co- saca perdeu pujança econômica. Linhas de bravam uma porcentagem do ouro extraído voadeiras que ligavam o local a Altamira es- pelos garimpeiros, em regime chamado de tão suspensas. Às tardes, garimpeiros jogam “meia-praça”. conversa foram na frente de casa. O trabalho permitia aos garimpeiros a “Muitos perderam emprego, e quem retirada de ganhos relativamente elevados não tem maquinário para trabalhar nos re- jeitos está sem fazer nada ou vive de uma 17 http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/ relatoriopesquisa/150714_relatorio_xingu.pdf diária. Você trabalha o dia todo por duas ou

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“O garimpeiro é discriminado, mas

Frame extraído de vídeo Ruy Sposati extraído Frame ele é um extrativista” Pirulito

José Pereira Cunha, o Pirulito, garimpeiro da Ressaca: Estado privilegia empresas três gramas de ouro”, protesta José Pereira construída nova vila para os deslocados. Cunha, 53 anos, o Pirulito. O terreno está à margem da estrada de terra Maranhense da cidade de Mirador, Transassurini, localizada nos arredores, mas garimpeiro em Serra Pelada, chegou à re- a alguns quilômetros do rio Xingu, o que gião no início dos anos oitenta e tornou-se gera insatisfação. vice-presidente da cooperativa local. Se- “Minha intenção não é sair. Com a gundo ele, apesar do esforço para legalizar crise que o país está enfrentando, aqui nós a atividade aurífera, órgãos federais, como sabemos onde buscar macaxeira, um cacho o Departamento Nacional de Produção de banana, comprar peixe, se não tiver peixe Mineral (DNPM), sempre priorizaram a ope- vai pescar”, diz Josué Pereira de Souza, um ração industrial. garimpeiro de 58 anos que chegou à Vila da A controvérsia ficou ainda maior com Ressaca em 1983. a possibilidade de transferência dos mora- A situação dos moradores da Vila da dores da Vila da Ressaca para outro local, Ressaca, assim como de comunidades ins- devido à pequena distância do povoado em taladas próximas aos garimpos Grota Seca, relação à cava Grota Seca, uma das duas que Ouro Verde e Galo, chamou a atenção da integram o Projeto Volta Grande. Defensoria Pública do Estado do Pará (DPE), Instalados às margens do Xingu, por- que apresentou uma ação civil pública (ACP) tanto em área cedida pela União, os mora- à Vara Agrária de Altamira, vinculada à Jus- dores vivem o receio da mudança para uma tiça estadual18. O objetivo era suspender o região distante dali, ainda a ser negociada processo de licenciamento até que o futuro com a Belo Sun. Há dúvida generalizada das famílias estivesse definido. sobre a indenização a ser oferecida pela A DPE chegou a obter decisões favo- empresa. ráveis à suspensão tanto na vara de Alta- “Não podemos aceitar que uma em- mira quanto no Tribunal de Justiça do Pará presa estrangeira tome os direitos de uma (TJ-PA), em Belém. Entretanto, a última ma- terra que é nossa. A indenização que falam nifestação judicial, tomada em 22 de junho, é de R$ 10 mil, R$ 20 mil por família. O que derrubou o deferimento inicial da ação. vai ser de nós”, questiona o líder comunitário Exigiu-se, porém, que a empresa pres- Francisco Pereira dos Santos, 59 anos, o Piauí. te esclarecimentos mensais sobre o anda- Segundo a socióloga Juliana Maga- mento das negociações com os deslocados. lhães, gerente de desenvolvimento social E também retire placas espalhadas em tre- de Belo Sun, baseada em Altamira, a nego- chos do PA Ressaca que demarquem pro- ciação sobre indenizações só ocorrerá se a priedade e limitem o trânsito de pessoas. Justiça Federal restabelecer a licença de ins- “Determino que a requerida Belo Sun talação, atualmente suspensa. Mineração Ltda. comprove a retirada das Moradores, porém, afirmam que a 18 ACP nº nº0005149-44.2013.8.14.0005. O andamento empresa já sugeriu uma área onde seria processual pode ser consultado em www.tjpa.jus.br

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placas que restrinjam a livre circulação das indígenas não aldeadas que vivem há 30 11 populações rurais da Vila Ressaca, Galo e anos em um lote vizinho a Belo Sun. A ter- Ouro Verde, a fim de que a referida popula- ra, com boa incidência de madeira nativa ção tenha livre acesso aos recursos naturais e onde se planta lavoura de subsistência, para sua subsistência, bem como às estra- fica próxima à futura cava Ouro Verde e das, travessões e ramais, no prazo de trinta à barragem de resíduos, o que causa temor dias, igualmente sob pena de multa no valor ao grupo. de R$ 500.000,00” – anota a juíza Ana Priscila “Existem dois igarapés que vêm dali e da Cruz, da vara de Altamira. passam em nossa área. Estou, como se diz, A próxima seção, que trata dos aspec- ‘embaixo da aba do chapéu’. Somos todos in- tos fundiários do caso Belo Sun, apresentará dígenas e não temos interesse em sair daqui. mais detalhes sobre a disputa jurídica. Mas queremos receber informações. Não Antes, é preciso destacar que a insa- disseram o que vai impactar, como será essa tisfação com o Projeto Volta Grande por boa área de rejeitos, como ficarão nossa água e parte dos garimpeiros locais é compartilha- nossas plantações”, reclama Chiquinho. da por assentados da reforma agrária no Ele conta ter recebido a visita de re- PA Ressaca. presentantes de Belo Sun, que fizeram um Nos últimos anos, técnicos contrata- registro das famílias e do lote. Nada foi con- dos pela Belo Sun realizaram o cadastramen- firmado sobre a necessidade de remoção, to de lotes, famílias, benfeitorias e atividades mas, se isso ocorresse, foi prometida uma econômicas daqueles que poderiam ser afe- “terra igual”. tados pelo empreendimento. Alguns tive- O relato de Chiquinho demonstra que ram oferta pela terra e optaram por vender. há pouca margem de negociação. Um outro Outros permanecem na expectativa. agricultor que teve o lote cadastrado revela É avaliação corrente que a estratégia que o técnico da companhia alertou que “a da empresa passa, deliberadamente, por cau- Justiça resolveria o caso daqueles que não sar insegurança para “barganhar” pela terra. quisessem vender”. “Tem gente que diz que vendeu o A gerente de Belo Sun Juliana Ma- lote, mas não pode revelar o valor porque galhães contesta essas versões. Ela destaca a empresa ameaçou desfazer o negócio se que a companhia não precisa adquirir novos isso ocorresse”, afirma Taiane Ribeiro da Silva, lotes para viabilizar o projeto. Sua avaliação de 22 anos, que vive em um sítio a cerca de 1 é que há uma “memória de indenização” na km da futura mina. região, por conta do processo de construção Francisco de Souza Nunes Juruna, de Belo Monte. Isso levaria muitos morado- o Chiquinho, é o líder de quatro famílias res a ambicionarem a negociação. Verena Glass Verena

A comunidade garimpeira Vila da Ressaca sofre com fechamento de comércio e serviços

Fundação Rosa Luxemburgo 3. ASPECTOS FUNDIÁRIOS 12 A mineradora Belo Sun pretende implantar seu Projeto Volta Grande em uma área da gleba Itu- Verena Glass Verena na, onde há cinco projetos de reforma agrária ins- talados. O empreendimento ocuparia inicialmente um trecho de cerca de 1400 hectares do chamado PA Ressaca, criado em 1982, numa área total de 30.265 hectares. Nessas condições, a legalidade do projeto dependeria do pleno acompanhamento do órgão federal fundiário – no caso, o Incra. Por via admi- nistrativa, seria possível “desafetar” a área para a reforma agrária, “afetando-a”, em seguida, para a mi- neração. Não só as famílias teriam de ser indeniza- das, como o Incra receberia da empresa uma área similar, nas proximidades, para fazer um novo assen- tamento. Como de costume na Amazônia, arena de históricos conflitos fundiários, o andamento das ne- gociações entre Belo Sun, Incra, assentados e mora- dores da margem do Xingu, um bem da União, vem ocorrendo com denúncias de abuso, ineficiência governamental e batalhas judiciais. Desde que adquiriu a mineradora Verena, em 2010, Belo Sun tem comprado o direito de posse de assentados e posseiros na área do PA Ressa- ca, com vistas a permitir a instalação de sua estrutura exploratória. Famílias e benfeitorias passaram a ser cadastradas por técnicos da com- panhia, que compartilham informações sobre o projeto e a possibilidade de que uma proposta de aquisição possa ser feita no futuro. Assentados têm reclamado, porém, da inse- gurança trazida pela atuação da empresa. Há rela- tos que agricultores deixaram de fazer o plantio da roça em 2016, diante da perspectiva de que teriam de sair da área. Situações como essa podem gerar insegurança alimentar. Moradores do PA Ressaca também critica- ram o fato de a empresa ter colocado placas com seu logotipo em lotes já comprados por ela. A de- marcação restringiria a circulação de pessoas numa área em que o extrativismo é parte fundamental do modo de vida. A movimentação de Belo Sun para viabilizar seu empreendimento chamou atenção da Defenso- ria Pública do Estado do Pará (DPE), que decidiu agir para defender os direitos das comunidades locais. Em 2013, a DPE ajuizou uma ação civil pú- blica19 e uma ação cautelar20 contra a mineradora

Agricultor da Volta Grande, autossuficiente 19 ACP nº 0005149-44.2013.8.14.0005 em termos de sustento básico 20 Ação cautelar nº 0001062-06.2017.814.0005

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Município de Senador José Porfírio e as áreas já ocupadas por unidades federais

SENADOR JOSÉ PORFÍRIO 13

VITÓRIA DO XINGU

ALTAMIRA

ANAPU IBGE, 2013; Inpe/Proder, 2014; Semas-PA, Jairo Neves Semas-PA, 2014; Inpe/Proder, 2013; IBGE,

PACAJÁ

Sede Municipal Limite Municipal Hidrografia Assentamentos Terras Indígenas UCs Uso Sustentável

Belo Sun. O objetivo era evitar a retirada No documento, a defensoria enumera uma forçada de moradores da Vila Ressaca, Galo série de ilegalidades que teriam sido come- e Ouro Verde, após a compra do direito de tidas pela empresa e o órgão ambiental, ao posse dessas áreas pela empresa. conceder a licença prévia e de instalação, em De acordo com a defensora pública 2014 e 2017, respectivamente. Andreia Barreto21, a chegada da mineradora Destacam-se: agrava os conflitos em uma região que já so- fre com a falta de regularização fundiária e a) O processo de licenciamento a extração ilegal de madeira. Mesmo assim, da Semas “aceitou” que apenas a a Semas concedeu licença prévia à empresa, Vila da Ressaca será diretamente com previsão de 37 condicionantes a serem impactada por Belo Sun, excluindo cumpridas no prazo de 1.095 dias. outras comunidades, como Ilha da Em fevereiro de 2017, a DPE Fazenda e Itatá. Para a DPE, apresentou um novo requerimento relacio- também essas áreas “sofrerão (...) nado à ação cautelar contra Belo Sun, des- com detonações, fluxo popula- ta vez solicitando a suspensão do processo cional, risco de uso de cianeto, de licenciamento ambiental do projeto. tráfegos de pessoas atraídas pelo empreendimento, indefinição 21 http://www2.defensoria.pa.def.br/portal/noticia.aspx?- de circulação com a abertura e NOT_ID=2851 fechamento de estradas”.

Fundação Rosa Luxemburgo 14 b) A empresa não apresentou que nunca haviam sido apresentados pela estudos atualizados sobre as empresa, o que impediria “uma análise míni- comunidades que serão, em sua ma do processo”22. visão, impactadas indiretamente, O mesmo documento aponta que o como as dos projetos de assenta- Incra enumerou diversas questões não es- mento Itatá, Ituna, Assurini e Res- clarecidas, que representavam risco à segu- saca; além disso, excluiu qualquer rança e à saúde das famílias localizadas na consideração sobre os agricultores área de influência do projeto. que vivem no Projeto de Assenta- mento Estadual Napoleão Santos Entre elas destacam-se: e na gleba estadual Bacajaí. a) Mapa e memorial descritivo da c) Conforme legislação vigente, área de abrangência do projeto, Belo Sun deveria apresentar seu em formato “shape file”, especifi- projeto minerário em área regular cando e detalhando as áreas do em termos fundiários e Cadastro lago de rejeitos, pilhas de depósi- Ambiental Rural (CAR vigente), o tos, área de circulação, etc. que não é o caso das áreas em questão. b) Relação nominal e mapa descritivo dos ocupantes de imóveis rurais d) Descumprimento da condicionan- que possivelmente serão atingi- te 30 da licença prévia, que deter- dos pelo projeto de mineração e mina que a mineradora “apresente terão que ser remanejados e/ou status do processo de desafetação indenizados. junto ao Incra dos superficiários clientes da reforma agrária”. Mes- c) Documento de notificação dos mo tendo obtido a licença prévia superficiários das áreas que serão em 2014, apenas em dezembro de afetadas 2016 Belo Sun firmou um protoco- lo de intenções com o Incra. d) Levantamento das estradas exis- tentes no interior do Projeto Volta Como narrado na seção anterior, a Grande que serão interrompidas DPE chegou a obter decisões favoráveis à e/ou bloqueadas por ocasião da suspensão. Mas a última manifestação judi- instalação do mesmo, assim como cial, datada de 22 de junho de 2017 e toma- proposta de novo acesso. ra pela Vara Agrária de Altamira, derrubou a decisão anterior e exigiu que a empresa Ainda que resolva essas pontos, ou- demonstre mensalmente, com informes en- tras questões fundiárias envolvendo a gleba viados à Justiça, que está avançando no pro- Ituna, onde estão localizados o PA Ressaca cesso de negociação com os afetados. e o Projeto Volta Grande, prometem gerar A visão da empresa é que finalmente o mais polêmica. Isso porque a DPE afirma nó fundiário está sendo desenrolado, após a que tal gleba possui diversas áreas não ain- assinatura do acordo com o Incra. Fábio Mar- da discriminadas pelos órgãos fundiários, o tinelli, gerente jurídico da Belo Sun, ressalta que daria “margem a práticas de grilagem e que, para autorizar o empreendimento, o apropriações ilícitas de terra pública”. órgão solicitou uma área em condições simi- A defensoria ainda ressalta que parce- lares e igual ou maior à adquirida pela compa- las da gleba Ituna foram destinadas a famílias nhia, em um raio de até 100 km de distância. de baixa renda pela Secretaria de Patrimônio “Oferecemos algumas opções e o In- da União (SPU). Na Vila da Ressaca, parcela de cra está estudando. Quando der aval, nós 38,9 hectares da Ituna foi declarada como de compramos”, explica Martinelli. interesse público para fins de regularização Ao menos no início da negociação, fundiária de interesse social, beneficiando os técnicos do Incra não eram tão otimistas. Ofício do órgão, datado de 16 de dezembro 22 https://drive.google.com/file/d/0BymSev7h91aZZHFlUz- de 2016, revela a cobrança por documentos JMV1R1ajA/view

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Assentamentos Estaduais e Federais na Área de Influência de Belo Sun 15 Incra, Jairo Neves Incra,

176 famílias em 2015. Na comunidade do De acordo com a DPE, Belo Sun con- Galo, outra área de 15,7 hectares da mesma seguiu junto ao Departamento Nacional gleba foi declarada de interesse público para de Produção Mineral (DNPM) licenças de beneficiar 63 famílias de baixa renda. pesquisa dentro da área extrativista, sem Além desse conflito, a DPE ressalta fazer qualquer consulta a moradores locais. que o Cadastro Ambiental Rural nº 234711, No horizonte, estão projetos minerários fu- apresentado por Belo Sun para uma área de turos ou, na visão da defensoria, a própria 2.759,5 hectares, deve ser questionado judi- extensão da atual fase do Projeto Volta cialmente, na medida em que reúne terras Grande. cuja cessão e transferências de direitos de Relata a defensoria: uso e possessórios cabiam à União. “Essa inércia e a demora de onze anos Não bastasse essa questão, o litígio en- têm gerado insegurança jurídica nas posses tre Belo Sun e a DPE ganhou uma nova frente e/ou ocupações, colocando as famílias em com a apresentação de uma segunda ACP23, conflito com pessoas interessadas em de- em fevereiro de 2017, contra o Estado do marcar lotes de terra e em explorar ilegal- Pará e o Instituto de Terras do Pará (Iterpa), mente madeira em terras públicas”. distribuída para Vara Agrária de Altamira. O Iterpa informa que já foi realizada A peça cobra urgência na regulariza- a identificação da área pretendida pela co- ção fundiária de Projeto Estadual de Assen- munidade, assim como a arrecadação das tamento Agroextrativista (Peax) Napoleão terras públicas. Desde 2010, porém, o proce- Santos, onde vivem 268 famílias extrativis- dimento permanece na fase de demarcação tas. A regularização fundiária dessa parcela e vistoria. Estão pendentes, portanto, o li- de outra gleba localizada no município de cenciamento ambiental, o ato de criação do Senador José Porfírio, a Bacajaí, foi solicitada assentamento e a assinatura do contrato de em 2005, mas até hoje o Estado não finalizou concessão de direito real coletivo em favor o processo. da associação dos beneficiados. Mesmo sem o encerramento desse 23 ACP nº 0002333-50.2017.814.0005. Disponível em processo, a DPE pede que o DNPM cance- https://drive.google.com/file/d/0BymSev7h91aZOVd5TT- JvQVBHdDQ/view le as licenças de pesquisa minerária que

Fundação Rosa Luxemburgo 16 incidem sobre a área extrativista e bene- realocação de famílias, ou causa dano am- ficiam Belo Sun. O pedido cita a Conven- biental significativo, bem como quando há ção 169 da Organização Internacional do qualquer conflito de interesse”. Trabalho (OIT), que exige a realização de “A atividade minerária do Projeto Vol- consulta a populações tradicionais, firmada ta Grande no Peax é totalmente incompatí- pelo Brasil. vel com a garantia dos direitos territoriais Além disso, invoca a Portaria Conjun- das comunidades tradicionais agroextra- ta DNPM/Incra nº 01/2009, que “considera tivista, pois afeta diretamente o desenvol- incompatível a atividade minerária quando vimento do assentamento”, diz o texto da o empreendimento afeta diretamente o de- ACP, assinado pelos defensores Andreia senvolvimento do projeto de assentamento, Barreto, Ivo Câmara, Sérgio de Lima e total ou parcialmente, ou quando exige a Renan Rodrigues.

4. POVOS INDÍGENAS Uma das maiores polêmicas que en- econômica a pesca e criação de peixes orna- volvem o Projeto Volta Grande é seu po- mentais. tencial de afetar populações indígenas. Há O Instituto Socioambiental (ISA), comunidades não aldeadas que vivem ao bastante atuante na área, produziu um pa- lado de onde será instalado o empreendi- recer24 sobre os riscos do projeto de Belo mento e duas terras indígenas, a Paquiçam- Sun. Além da dificuldade de as comunida- ba e a Arara da Volta Grande do Xingu, a des se adaptarem à nova dinâmica do rio, poucos quilômetros de distância. efeito de Belo Monte, a organização alerta São comunidades que já sentem os para o potencial tóxico do cianeto, usado impactos da usina de Belo Monte, cuja bar- no processamento do ouro, bem como dos ragem reduziu a disponibilidade de água na materiais “quimicamente ativos” que serão Volta Grande. A TI Paquiçamba, por exem- alocados em duas pilhas de resíduos, às plo, é habitada pelos indígenas Juruna, margens do Xingu. famosos pela habilidade com canoagem e que têm como importante atividade 24 https://site-antigo.socioambiental.org/nsa/deta- lhe?id=3721 Verena Glass Verena

Povos indígenas tem direito à consulta prévia, defende MPF

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Plano de Pesquisa - Belo Sun Mining Corp. na Volta Grande do Xingu, 2017 17 Instituto Sócio-Ambiental Instituto

Principalmente as Terras Indígenas Paquiçamba, dos Juruna, e Arara da Volta Grande, dos Arara, estão na área de influência de Belo Sun Apesar de o processo de licenciamen- estaria amparada na “concepção da função to estar sendo conduzido por órgão estadual social da atividade minerária”. - a Semas -, a Funai emitiu em 2012 um ter- Os procuradores decidiram, então, ir mo de referência com um guia a ser seguido à Justiça contra o licenciamento. Ação Civil por Belo Sun para realização do estudo de Pública25 (ACP) foi ajuizada em 13 de novem- impacto indígena. Porém, mesmo sem o tra- bro de 2013. O MPF solicitou a suspensão balho concluído, a Semas não interrompeu o do licenciamento até a finalização do estu- processo de licenciamento. do de componente indígena, “ressalvada a Como argumento, o órgão se valia de participação dos indígenas, nos termos da uma controversa portaria interministerial Convenção 169 da [Organização Internacio- (419/2011) que prevê que impactos de em- nal do Trabalho] OIT”. A convenção, firmada preendimentos minerários devem ser obri- pelo Brasil, determina que qualquer medida gatoriamente considerados se estiverem que afete terras indígenas seja precedida de localizados até 10 km de distância de uma consulta aos afetados. terra indígena. “É absolutamente irresponsável a ati- Não há consenso quanto à distância tude do órgão licenciador, de impor ao licen- exata da mina da Belo Sun em relação à TI ciamento o ritmo do mercado em benefício Paquiçamba, a mais próxima. O ISA e os in- do empreendedor, vitimando de maneira dígenas cravam em 9,6 km, exigindo, por- quiçá irreversível povos indígenas na Volta tanto, o estudo de impacto. O licenciador Grande do Xingu, que terão de arcar com aponta 10,7 km. A Funai e Belo Sun regis- um risco que, por lei, deve ser evitado”, re- tram 12 km. gistraram os procuradores Thais Santi, Bruna Diante da dúvida, o Ministério Público Azevedo, Ubiratan Cazetta e Felício Pontes Federal (MPF) entrou no caso e recomen- Jr. “Dessa controvérsia, a única certeza que dou que a Semas não concedesse licença à resta é a necessidade da precaução”. mineradora. O órgão paraense respondeu, 25 http://www.mpf.mp.br/pa/sala-de-imprensa/noticias- porém, que não poderia “penalizar o em- -pa/mpf-entra-na-justica-para-suspender-imediatamen- preendedor” e que a licença para a Belo Sun te-licenciamento-da-belo-sun

Fundação Rosa Luxemburgo 18 Apenas dez dias depois, a Justiça 2014. Em sua decisão, o magistrado argu- Federal em Altamira (PA) condicionou o mentou contrariamente à Semas, que defen- licenciamento à elaboração prévia, pela mi- deu a validade da portaria 414/2011 e que neradora, do estudo de impacto indígena. o estudo de impacto sobre os indígenas po- Em decisão liminar26, o juiz Sérgio Wolney de deria ficar para fases posteriores do projeto. Oliveira Batista Guedes afirmou: “A referida portaria deve ser vista “A condução do licenciamento am- como parâmetro, e não como norma abso- biental do multicitado empreendimento luta, de sorte que, a depender das peculia- sem a necessária e prévia análise do com- ridades do caso, os limites nela fixados não ponente indígena, circunstância confirmada serão aplicáveis”. Para ele, no caso da Belo pelos elementos carreados para os presen- Sun, “a excepcionalidade restou devidamen- tes autos, demonstra grave violação à legis- te caracterizada, na medida em que a área lação ambiental e aos direitos indígenas”. encontra-se sob influência de outro empre- O magistrado ainda ressaltou que endimento de elevado porte e impacto am- Belo Sun, em sinergia com os efeitos de Belo biental e socioeconômico”. Monte, poderia causar “interferência direta Diante das derrotas judiciais, Belo Sun no mínimo existencial-ecológico das comu- tratou de preparar um estudo do compo- nidades indígenas”, com impactos negativos nente indígena. Contratou técnicos para vi- e irreversíveis para sua qualidade de vida e sitar comunidades e realizar entrevistas com patrimônio cultural. potenciais afetados, mas os resultados não A liminar do juiz Guedes foi confir- foram aprovados pela Funai. mada por sentença27 de seu colega Cláudio Em outubro de 2016, o órgão que Henrique Fonseca de Pina, já em junho de defende os interesses indígenas encami- nhou ofício à Semas comunicando que os 26 http://www.mpf.mp.br/pa/sala-de-imprensa/noticias- -pa/sentenca-anula-licenca-ambiental-para-o-projeto-be- estudos apresentados por Belo Sun foram lo-sun considerados inaptos. As críticas recaíram sobre a falta de participação da própria Fu- 27 http://www.mpf.mp.br/pa/sala-de-imprensa/noticias- -pa/sentenca-anula-licenca-ambiental-para-o-projeto-be- nai no diálogo com os indígenas, a opção lo-sun pelo contato direto da mineradora com Christian Russau

Cacique juruna da TI Paquiçamba com a relatora da (ONU para direitos indígenas, Victoria Tauli Corpuz

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19 Verena Glass Verena

Seu Nego, liderança da TI Arara da Volta Grande

as comunidades, a ausência de medidas judicial, não podendo ser tolerada pelo Po- mitigatórias contra os efeitos do empre- der Judiciário”, afirmou o desembargador. endimento e o receio sobre os impactos O caso aguarda decisão sobre recurso. trazidos por Belo Monte à própria reprodu- Em sua defesa, Belo Sun alega que, ao con- ção da vida na Volta Grande. trário do que afirmou a Funai sobre o estu- As restrições da Funai não impedi- do do componente indígena apresentado, ram a Semas de emitir a licença de insta- a companhia adotou “as melhores práticas” lação para Belo Sun, em fevereiro de 2017. e se pautou pelo termo de referência divul- Em comunicado, o órgão licenciador esta- gado pelo órgão federal. Além disso, afirma dual afirmou que solicitou à mineradora que o plano de trabalho foi aprovado pela a elaboração de estudo de componente Funai. O acesso a terras homologadas não indígena em até três anos, “apesar de os teria sido realizado justamente porque o ór- povos indígenas existentes estarem acima gão não concedeu autorização. do raio de 10 km de distancia do proje- Jaílson Juruna, vice-cacique na TI Pa- to, o que não tornaria exigível tal estudo quiçamba, confirma a visita dos técnicos de com fundamento na legislação que regula- Belo Sun. Ele reclama, porém, que os repre- menta a matéria”28. sentantes se limitaram a compartilhar infor- O MPF, então, decidiu levar o caso para mações sobre o projeto, e, ao saírem de lá, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região. Em “passaram a dizer que uma consulta havia abril de 2017, o desembargador federal Jirair sido feita”. Com apoio do ISA, a comunidade Meguerian confirmou que a Semas descum- está preparando um protocolo de consulta priu a ordem judicial para exigir de Belo Sun baseado na convenção 169 da OIT. o estudo do componente indígena – e sus- “Belo Monte trouxe muita desgraça, pendeu a licença de instalação. mas foi um aprendizado. Antes que eles tra- “Emissão de licença de instalação ao gam qualquer proposta, queremos falar com empreendimento Projeto Volta Grande de especialistas, conhecer outras mineradoras, Mineração contemplando condicionante ir ao Canadá se for necessário”, diz a lideran- com prazo de 1095 dias para tratativas, con- ça juruna. duções e execuções junto à Funai no que Ele afirma que a comunidade está pre- tange ao Estudo de Componente Indíge- ocupada com a quantidade de água no rio, os na é evidente descumprimento de decisão riscos da barragem de rejeitos e os novos mo- radores que serão atraídos pelo projeto. O ob- 28 https://www.semas.pa.gov.br/2017/02/02/projeto-volta- jetivo é evitar que se agravem os problemas -grande-recebe-licenca-de-instalacao/ ocorridos com a construção de Belo Monte.

Fundação Rosa Luxemburgo 20 “Quando nós chegamos a Brasília, o sustentou com cesta básica as pessoas, que plano de Belo Monte já estava pronto, e nós iam comer e dormir. Dava também maqui- só assinamos. Não sabíamos o impacto que nário, ferramentas. Muitos acharam que era iria causar. Passou a haver disputa entre as para sempre. Eu dizia que era preciso cuidar aldeias pelo dinheiro distribuído pela Nor- da roça. Hoje muitos ficaram sem nada, ven- te Energia . A quantidade de água hoje é deram motores e voadeiras. E voltaram para pouca, mas um dia aumentou rapidamente a roça”, diz ele. e levou nossos viveiros de peixes ornamen- Além do temor de que Belo Sun siga o tais. A quantidade de peixe e o peso deles mesmo caminho na relação com os indíge- também pioraram, porque a inundação nas, seu Nego destaca a importância do rio de ilhas e igarapés diminuiu a quantida- Xingu para sua comunidade, e como os im- de de alimento. Imagina viver tudo isso de pactos trazidos por Belo Monte repercutem novo”, afirma. no modo de vida local. Preocupações semelhantes são com- “Eu dizia que essa barragem não ia partilhadas pelo chefe da TI Arara da Volta prestar, e hoje nós bebemos essa água com Grande, Leôncio Ferreira do Nascimento, o tudo o que vem de lá. O rio não tem mais di- seu Nego. Aos 80 anos, ele critica as ações reção, ora está cheio, ora está seco. O pacu mitigatórias de Belo Monte, que incluíram o nesse período do ano melhorou, mas antes repasse de dinheiro para comunidades indí- não tinha gosto de nada. O curimatã segue genas da Volta Grande. bom, mas o tracajá só tinha osso. Agora me- “Quando os indígenas entenderam lhorou. São impactos que a Norte Energia que fazendo manifestação pegavam dinhei- trouxe. Nós não temos estrada aqui, depen- ro, começaram a fazer. A Norte Energia dava, demos do rio. Tudo a partir de Belo Sun vem e anotava tudo. Aqui eles fizeram casa de para a gente. Estamos na ‘boca da onça’ para branco, porque casa de índio era de palha e receber o que cai na água. Belo Sun nunca barro. Agora temos 25 casas, escola, posto de chegou nesta comunidade para falar conos- saúde, de alvenaria. Mas isso enfraqueceu as co. Tenho receio também das invasões, do comunidades indígenas. A empresa ajudou, garimpo, dos marginais”, admitiu.

5. EFEITOS SINÉRGICOS ENTRE BELO SUN E BELO MONTE Os impactos sociais e ambientais A atenção não recai apenas sobre a gerados pela obra e a operação da hidrelé- quantidade de água liberada para a Volta trica de Belo Monte têm incentivado discus- Grande, mas também sobre todos os efeitos sões sobre a capacidade de o ecossistema gerados pelas novas condições no ecossis- local receber um outro empreendimen- tema local. Quem vive no rio e do rio, como to de grande porte, como é o caso de ribeirinhos e indígenas, por exemplo, têm re- Belo Sun. clamado de alterações na incidência e quali- Os próprios órgãos ambientais têm dade de algumas espécies de peixes. dúvidas sobre quais serão as condições À montante da barragem, muitos per- ambientais da Volta Grande nos próximos deram moradia ou pontos de pesca, e tive- anos, diante da severa redução da vazão ram de ser deslocados para a cidade, após a do Xingu após a barragem. Calcula-se que, inundação de margens e ilhas fluviais. Dessa em um trecho de 100 km do rio, 80% maneira, tiveram afetadas também as condi- da água sejam desviadas para movimentar ções para sua subsistência. as turbinas. Tais impactos incentivaram uma im- Não à toa, o Ibama determinou que o portante articulação lançada recentemente, monitoramento sobre a Volta Grande preci- em dezembro de 2016, o Conselho Ribeiri- sa ser mantido pelo consórcio Norte Energia, nho. O movimento reúne principalmente que administra Belo Monte, e os próprios ór- moradores da região do Xingu que foram gãos ambientais por pelo menos seis anos removidos após a construção de Belo Mon- após 2019, quando a hidrelétrica deverá te. Reconhecido pelo Conselho Nacional de operar à plena capacidade. Direitos Humanos (CNDH) e o Ministério

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Público Federal (MPF)29, tornou-se um im- “Temos medo pelos materiais que 21 portante ator no diálogo com as autoridades vão usar na mineração. Nós queremos trans- públicas que atuam sobre a questão. parência dessa mineradora. Eles precisam Maria Francineide dos Santos Cabrei- sentar conosco e falar o que vai ser feito com ra, de 48 anos, é pescadora, ribeirinha e inte- os realocados”, cobra a ribeirinha. gra o conselho. Ela vivia em uma ilha na área Ao contrário de Cabreira, Otávio As- conhecida como Paratizão, que foi inundada sunção Cardoso já foi procurado por Belo com a formação do lago da usina. Hoje mora Sun. Aos 66 anos, ele é e um líder na cidade. Segundo ela, há “muitos pescado- comunitário de origem juruna da Ilha da res vivendo com necessidade, gente viven- Fazenda, comunidade da Volta Grande que do com ajuda de familiares, cuja renda não está localizada na área diretamente impacta- paga sequer o atravessador que emprestou da por Belo Sun – segundo o estudo de im- os materiais de pesca”. pacto ambiental apresentado pela empresa. “Quando a Norte Energia abre as Segundo ele, a vida no local piorou comportas, vem uma água suja que impe- depois da construção da hidrelétrica. A pes- de os ribeirinhos de pescar. Tem hora que caria não rende mais como antes, e os vivei- estamos no rio, a água sobe de repente e ros de peixe ornamental sofrem com o “sobe não sabemos mais como pegar o peixe. O e desce” do nível do rio, ao sabor das deci- pescado de cima da barragem está doente, sões técnicas do consórcio Norte Energia. o de baixo está podre. A área de cima do rio “Antes eu pegava curimatã, pacu. Hoje virou muito disputada, mas quem não pode é difícil conseguir um pacu de um quilo. pescar longe vive numa situação crítica em A fruta, que era alimento do peixe, agora Altamira”, conta ela. cai no seco. Eu também tenho viveiro com Cabreira diz que nunca teve contato peixe. Mas não sei mais se o rio vai encher com alguém de Belo Sun ou recebeu infor- ou esvaziar, é um sobe e desce terrível. Não mações detalhadas sobre o projeto, mas conheço mais o Xingu que nós conhece- teme pelo futuro do rio. mos”, critica o pescador. Técnicos de Belo Sun já visitaram a comunidade. Conforme Cardoso, explica-

NASA ram que a Ilha da Fazenda foi considerada área de impacto direto no projeto por conta de sua proximidade com a mina. Entretanto, como não sofrerá interferência das estrutu- ras da empresa, não haveria necessidade de deslocar moradores. Mesmo assim, Cardoso explica que a maioria das cerca de cinquenta famílias que vivem da Ilha da Fazenda deseja sair do local. O impulso viria não só da percepção de que o modo de vida na Volta Grande nunca mais será o mesmo, mas também no interesse em receber indenização de Belo Sun. “Moradores foram a uma reunião e pediram uma casa e mais R$ 200 mil. Eu não fui porque não concordo. Dizem que vão fazer uma nova vila para a comunidade da Ressaca, e pensam em ir para lá. E eu digo: qual emprego terão? Aqui são funcionários da prefeitura, pescam. E lá? Eu quero ficar, Imagem de satélite de Volta Grande do Xingu mostra aqui durmo com a porta aberta”, diz Cardo- a proximidade de Belo Sun com a usina de Belo Monte so. A empresa, porém, já deixou claro que não comprará outras terras nem indenizará outras famílias. 29 http://www.mpf.mp.br/pa/sala-de-imprensa/documen- Em 2015, o ISA publicou um inventá- tos/2017/relatorio-de-reconhecimento-social-ribeirinhos rio sobre os problemas relacionados à pesca

Fundação Rosa Luxemburgo 22 no Xingu gerados pole Belo Monte. O traba- Em audiência pública32 realizada em lho contradiz os estudos técnicos apresen- março de 2017, o professor Juarez Pezzu- tados pelo consórcio Norte Energia, que em ti, da Universidade Federal do Pará (UFPA), geral apontam para a inexistência de qual- apresentou um estudo sobre as condições quer problema. O trabalho, intitulado “Atlas de vida dos indígenas juruna que vivem na dos impactos da UHE Belo Monte sobre a pes- Volta Grande, comparando dados com os re- ca”30, faz uma importante consideração logo latórios de monitoramento da Norte Energia. no início: Pezzuti apontou que, ao contrário do que “Os pescadores tradicionais da área informava o consórcio, os indígenas sofriam afetada pela usina hidrelétrica (UHE) Belo com redução da pesca, danos à segurança Monte são unânimes em suas observações alimentar, desaparecimento de espécies e sobre as alterações negativas provocadas até escassez de água. pela instalação da usina, mas nunca foram Apenas em fevereiro de 2016, o Iba- ouvidos a sério, como conhecedores princi- ma admitiu fazer estudos complementa- pais de seu próprio território”, diz o texto. res sobre as condições da pesca no trecho Segundo análise31 do ISA a partir do do Xingu impactado pela hidrelétrica. relato de pescadores e ribeirinhos, a lumi- Também considerou solicitar aos admi- nosidade dos canteiros que funcionam nistradores de Belo Monte compensações 24 horas, a alteração na turbidez da água adicionais aos pescadores. O compromisso e as explosões de dinamite na obra elimi- foi assumido publicamente por Rodrigo naram áreas de pesca e mudaram a dinâ- Santos, da diretoria de licenciamento do mica pesqueira. Além disso, a dragagem órgão, em seminário sobre o tema promo- de ilhas para o fornecimento de areia para vido em Altamira. a obra e o desmatamento de ilhas e mar- A questão da água não é a única gens também destruíram centenas de pon- passível de efeitos sinérgicos e cumu- tos de pesca. lativos entre Belo Monte e Belo Sun. A Semas solicitou, quando a mineradora pre- parava seu estudo de impacto ambiental, 30 https://www.socioambiental.org/sites/blog.socioam- que essa análise fosse feita de maneira biental.org/files/nsa/arquivos/atlas-pesca-bm.pdf

31 https://www.socioambiental.org/pt-br/noticias-socioam- 32 http://www.mpf.mp.br/pa/sala-de-imprensa/noticias- bientais/cinco-anos-apos-inicio-da-instalacao-de-belo- -pa/moradores-do-xingu-mais-impactados-por-belo- -monte-ibama-reconhece-impactos-na-pesca -monte-vivem-na-incerteza-e-na-pobreza Verena Glass Verena

A pesca no Xingu está cada vez mais difícil e não garante o sustento dos moradores da região

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Às margens da TI Paquiçamba: Belo Monte já diminuiu a vazão do Xingu

abrangente, assim como fossem previstas f) Alterações na dinâmica ecológica ações mitigatórias. da comunidade aquática e fauna A consultoria contratada para prepa- associada rar tal documento, a Brandt Meio Ambiente, focou a análise nos meios físico, biótico e Meio Antrópico antrópico, com o objetivo de detalhar cada a) Geração de emprego e renda impacto e a relação com Belo Monte. Em nota técnica divulgada publicamente após b) Incremento no nível de emprego audiência pública, a mineradora enumera os e renda efeitos sinérgicos e cumulativos: c) Pressão habitacional d) Pressão sobre os equipamentos Meio físico e serviços públicos em função a) Alteração da dinâmica hídrica da contratação de trabalhadores superficial e redução da disponibi- externos e da atração de pessoas lidade do recurso hídrico em busca de empregos b) Assoreamento de cursos d’água e) Geração de expectativas c) Alteração da dinâmica hídrica f) Incremento do fluxo migratório superficial e redução da g) Diversificação das bases disponibilidade do recurso econômicas locais hídrico h) Alteração do perfil dos empregos pelo incremento no nível de for- Meio biótico malidade das relações trabalhistas a) Geração de conhecimento i) Incremento do fluxo migratório científico j) Impacto da alteração cultural nos b) Alterações na dinâmica ecológica municípios da área de estudo da comunidade aquática e fauna associada Como se pode notar, há impactos com conotação negativa e positiva relacio- c) Alteração da paisagem nados ao empreendimento. A empresa, por d) Alterações populacionais da fauna sua vez, admite a sinergia entre Belo Sun e e) Perda de habitats aquáticos Belo Monte:

Fundação Rosa Luxemburgo 24 “Percebe-se que há de fato sinergia A própria Norte Energia enviou à Se- entre os impactos previstos pelo Projeto da mas um ofício em que faz uma série de aler- Hidrelétrica de Belo Monte e o Projeto Volta tas sobre os riscos trazidos por Belo Sun. Grande. Essa sinergia observada se dá pelo O consórcio que gere Belo Monte lembra fato da amplitude dos impactos previstos no que o trecho onde a mineradora deseja se projeto de Belo Monte, que possui influên- instalar está localizado no interior da área de cia que englobam os impactos identificados influência direta (AID) do empreendimento. pela atuação do Projeto Volta Grande”.33 Por isso, cobra que sejam realizados No entanto, a empresa destaca que, estudos sobre risco à qualidade da água do para cada impacto previsto, serão prepara- Xingu, avaliação sísmica das explosões da dos programas e ações mitigadoras. É um mina sobre o barramento e impacto do au- discurso que não convence as organizações mento do fluxo de embarcações entre Alta- e autoridades que criticam o projeto. Téc- mira e a Vila da Ressaca. Requer, ainda, que o nicos do ISA afirmam que a mineradora se Ibama seja ouvido e as analises de impacto instalará em ambiente que vem sofrendo e às comunidades indígenas, finalizadas. continuará a sofrer modificações ambientais É dentro desse cenário que ganha for- diretas provocadas por Belo Monte. ça no Xingu a ideia de que nenhum outro “Neste contexto de transformação grande empreendimento deveria se instalar que sofre a Volta Grande do Xingu, é evi- na região da Volta Grande sem, antes, garan- dente a impossibilidade de realizar estudos tir que o ecossistema da região se estabilize. de impacto ambiental de forma adequada Para o MPF, é necessário que Ibama, e consistente para qualquer outra atividade o órgão licenciador de Belo Monte e o con- potencialmente poluidora na mesma região sórcio Norte Energia construam e apresen- de intervenção. Portanto, independente- tem o que chama de Plano de Vida para os mente da qualidade do EIA do projeto de moradores do trecho de vazão reduzida do mineração em análise, este não tem como rio Xingu. O tema foi discutido em audiên- realizar uma avaliação tecnicamente emba- cia pública realizada em março de 2017, sada a respeito dos impactos sobre o meio em Altamira. físico, biótico e socioeconômico da Volta A procuradora da República Thaís Grande do Xingu”, aponta um documento Santi, que atua no caso, diz que os ribeiri- do ISA que analisa o licenciamento ambien- nhos, “um grupo ainda invisível”, precisam tal de Belo Sun34. participar ativamente desse processo. No entanto, a formulação de um plano depen- deria de informações do monitoramento da 33 https://www2.mppa.mp.br/sistemas/gcsubsites/ upload/41/Nota%20Tecnica%20PVG(1).pdf Volta Grande por Ibama e Funai, que ainda está em andamento. Sem essa conclusão, ela 34 http://docplayer.com.br/18796599-Instituto-socioam- biental-analise-do-licenciamento-ambiental-do-projeto- defende que a instalação de Belo Sun não -volta-grande-da-belo-sun-mineracao.html deveria ocorrer.

6. ASPECTOS ECONÔMICOS Longe de ser um evento aleatório, formulação de políticas e o planejamento de a chegada de Belo Sun à Volta Grande do ações para o setor. O olhar no longo prazo Xingu, uma companhia de capital original- se justifica porque projetos em mineração mente canadense, conta com amplo supor- dependem de longa maturação. O parque te do governo do Pará, que lançou em 2014 mineral paraense é hoje o segundo maior do um plano para incentivar a mineração no país, depois de Minas Gerais. Estado. Atualmente, o governo paraense esti- O Plano Estadual de Mineração 2014- ma que haja pelo menos 20 novos projetos 203035 foi apresentado pela Secretaria de em implantação ou expansão no Estado, entre Indústria Comércio e Mineração do Pará eles Belo Sun. Até 2030, a exportação mineral (Seicom) com o objetivo de respaldar a poderá chegar a 300 milhões de toneladas. O maior projeto previsto é o S11D, da 35 http://sedeme.com.br/portal/download/pem-2030.pdf Vale, no município de Canaã dos Carajás.

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A mina de Carajás da Vale é o maior empreendimento minerário a céu aberto no Pará

Investimentos estimados de R$ 24 bilhões canadense, a Agnico Eagle Mines. A com- devem levar à criação da maior mina de fer- panhia, fundada em 1953 em Toronto, ro do mundo, com extração possível de 90 mantém o foco em ouro e possui ativida- milhões de toneladas. des minerárias no próprio Canadá, na Fin- O governo acredita que a parcela da lândia e no México. mineração no PIB do Estado pode saltar dos Um levantamento exclusivo sobre 26,5%, em 2011, para 35%, em 2030. O carro suas operações financeiras aponta a atuação chefe continuará sendo o minério de ferro, de seis instituições ou consultorias financei- voltado às exportações, seguido pelo cobre. ras nos processos de financiamento da Agni- Mas o ouro, por seu altíssimo valor, não deve co Eagle Mines: são eles Canaccord Genuity, ficar atrás. TD Securities, Bank of America, Merrill Lynch, O Projeto Volta Grande, da Belo National Bank of Canada, Scotiabank e Citi. Sun Mineradora Ltda., controlada pela A depender do desenrolar do Projeto Volta canadense Belo Sun Mining Corp.36, anuncia Grande e de seus impactos socioambientais, investimentos de R$ 1,22 bilhão no municí- tais companhias poderiam ser chamadas à pio de Senador José Porfírio. Em 12 anos de responsabilidade por seu papel na sustenta- atividade, almeja-se extrair 73,7 toneladas ção financeira de Belo Sun no Brasil. de ouro, que serão enviados por helicóptero Os cinco maiores investidores na Belo para os compradores. Sun Mining Corp. são elencados a seguir: Além do Projeto Volta Grande, que planeja ter duas cavas abertas, Belo Sun pos- Nome da instituição % das ações* sui licenças de pesquisa nos arredores, já Agnico Eagle Mines 19.14 autorizadas pelo Departamento Nacional de Sun Valley Gold 16.33 Pesquisa Mineral (DNPM). Também adquiriu direitos sobre outras duas jazidas de ouro no Sun Valley Gold Master Fund 10.44 país, uma no próprio Pará (“Patrocinio Gold RBC Global Asset Management 6.98 Project”) e outra em Goiás (“Rainbow Ale- xandrite Project”). 1832 Asset Management 6.46 O maior investidor na Belo Sun Mi- Fonte: quote.morningstar.ca * Em 27/07/2017 ning Corp. é outra empresa de mineração O relatório financeiro37 da companhia 36 A companhia controladora possui o capital aberto desde canadense referente a 2016 revela que os 1996 na Bolsa de Toronto, o maior centro global para ações de mineradoras. Nas 52 semanas anteriores a 27 de julho de 2017, o preço por ação de Belo Sun variou 37 http://www.belosun.com/_resources/financials/BSX_ entre 0,50 e 1,14 dólares canadenses MDA-Q4-ending-Dec-31-2016.pdf

Fundação Rosa Luxemburgo 26 dois maiores controladores conduziram a feito sobre a receita bruta, e não mais sobre o emissão de 22.680.000 ações da Belo Sun faturamento líquido. Mining Corp. na Bolsa de Toronto, a fim de O relatório financeiro da Belo Sun Mi- levantar novos investimentos. A operação ning Corp. também revela que foram gastos, atingiu 12 milhões de dólares canadenses. ao longo do ano, R$ 4,5 milhões na compra O documento financeiro ainda indica de direitos de posse de terra no Brasil. Ao que está em negociação com o governo do mencionar as metas da empresa para 2017, Pará descontos no pagamento de impostos, o documento deixa claro que o foco deve ser o que poderia elevar a renda dos investido- o desenvolvimento do Projeto Volta Grande, res – e, por outro lado, retirar recursos do or- em três aspectos: çamento público. De acordo com a Semas, o a) Montar a equipe no Brasil e avan- empreendimento gerará 60 milhões de reais çar com os estudos de engenharia em royalties de mineração em 12 anos, ou b) Aperfeiçoar o modelo de seja, R$ 5 milhões ao ano. Desse total, 65% financiamento do projeto (R$ 3,25 milhões/ano) serão destinados a Se- nador José Porfírio, município sede do em- c) Manter os estudos de pesquisa preendimento. Em impostos, Belo Sun vai ao sul e norte da atual jazida, de gerar cerca de R$ 130 milhões, em nível fede- modo a permitir a expansão das ral, estadual e municipal, durante o período atividades de instalação. Uma vez operando, serão R$ Um dos argumentos mais acionados 55 milhões ao ano, também para impostos pelos representantes de Belo Sun na de- nas três esferas. Vale lembrar que a análise foi fesa do projeto é a expectativa de geração feita antes da divulgação, pelo governo fede- de emprego e renda na região de Altamira. ral, de um novo marco para a mineração, que A realidade, no entanto, é que na fase de prevê um pagamento maior de royalties pe- produção da mina serão mantidos apenas las empresas38. Agora, o cálculo passaria a ser pouco mais de 500 postos de trabalho – dos quais muitos exigirão especialização -, o que 38 http://pesquisa.in.gov.br/imprensa/jsp/visualiza/index. jsp?data=26/07/2017&jornal=1&pagina=1&totalArqui- de longe não alivia o grave problema de de- vos=224 semprego na região.

7. CONCLUSÃO: O QUE PROMETE O FUTURO PARA A VOLTA GRANDE DO XINGU Em que pese a promessa de Belo Sun de trabalho e receitas para o Estado –, e que de que os impactos das atividades minerá- os impactos negativos serão monitorados e, rias sobre a Volta Grande do Xingu terão as- na medida do possível, mitigados, postos na pectos positivos – como geração de postos balança, os efeitos do projeto, pelos dados Todd Southgate Todd

Altamira, maior município da região e sede administrativa de Belo Monte, é hoje a cidade mais violenta do Brasil

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aqui apresentados, tendem a aprofundar se- metabolismo das plantas em função do 27 veramente os problemas ambientais, sociais, acúmulo de material particulado na face culturais e econômicos já causados por Belo superior das folhas; alterações na dinâmica Monte. ecológica da comunidade aquática e fauna De acordo com a nota técnica dos em- associada; alterações cumulativas no am- preendedores de novembro de 201239, os biente aquático por atividades que gerem impactos sinergéticos cumulativos de Belo efluentes ou alterem a vazão de rios; altera- Sun foram analisados nos estudos ambien- ção da paisagem em função do aumento das tais e encontram-se no EIA, Parte 6, Capítulo pilhas de estéril e pela retirada de madeira. 6. Ressalta-se que a análise contemplou to- O documento afirma ainda que das as etapas do projeto (planejamento, im- quaisquer atividades garimpeiras levam à plantação, operação e fechamento). contaminação (cianeto, mercúrio e rejeitos) Destaca-se nesta análise que, inde- e retirada de camadas do solo. De acordo pendente do grau de investimentos em me- com a empresa, o uso de cianeto nos ga- didas de mitigação, os efeitos negativos são rimpos artesanais deixará de ocorrer, mas, inevitáveis e graves. Nesse sentido, a empre- em relação à Belo Sun, por se tratar de um sa listou o aumento da frota de veículos, que empreendimento em escala industrial, “ob- multiplicará, de foram cumulativa, o número viamente que o consumo de cianeto pelo de casos de atropelamento da fauna na área Projeto Volta Grande será bem maior que de influência do empreendimento. Veículos o consumo atual da atividade garimpeira; usados nestas atividades deverão levar a no entanto, este consumo será feito em perda de espécimes; aumento do volume e ambiente industrial, de forma controlada e do impacto de material particulado (poeira e com monitoramento contínuo”, a cargo do outros) em suspensão; afugentamento e per- Ministério da Defesa. turbações da fauna pela geração de ruídos e Mas qual será o legado deste projeto supressão de fragmentos florestais; aumen- para a população da Volta Grande? No que to da pressão sobre os recursos naturais pela se refere às comunidades e municípios da atração de pessoas pelo empreendimento; área de influência, o empreendedor prevê perda acumulada de espécies da flora, al- que, assim como Belo Monte, Belo Sun de- terando a comunidade terrestre e levando verá atrair um grande número de pessoas a alterações na paisagem; alterações no em busca de emprego, o que causará forte pressão sobre os sistemas públicos de saú- 39 https://www2.mppa.mp.br/sistemas/gcsubsites/ de, educação, segurança pública e infraes- upload/41/Nota%20Tecnica%20PVG%281%29.pdf trutura urbana e de saneamento. Verena Glass Verena

Desmatamento na Volta Grande disparou depois de Belo Monte

Fundação Rosa Luxemburgo 28 Belo Sun afirma que a mineração tra- tada pela população local. Há desconfiança rá “novas relações de trabalho numa região generalizada. Antes de ser construída, Belo caracterizada pela agricultura e pecuária Monte também se constituía em base para de subsistência, pela extração ilegal de ma- o discurso de que uma se inicia- deira e garimpo, refletindo no imaginário ria. Hoje, nem peixes suficientes o rio Xingu coletivo da população como fator positivo, oferece mais. estimulando nos jovens da região o desejo por novas formas de relações trabalhistas”. GLOSSÁRIO - SIGLAS Contraditoriamente, porém, prevê logo em seguida que, quando terminar o saque do ACP Ação Civil Pública ouro depois de 12 anos, o prognóstico para CNDH Conselho Nacional de Direitos Humanos a região é de que “a desativação da mina Departamento Nacional de tende a aumentar a quantidade de ma- DNPM Produção Mineral deireiros e garimpeiros, a não ser que haja investimento do poder público gerando DPE Defensoria Pública do Estado do Pará novos empregos para a população”. ECI Estudo do Componente Indígena Levando-se em conta o legado da EIA Estudo de Impacto Ambiental construção da hidrelétrica de Belo Mon- te, pouca esperança há de que grandes Funai Fundação Nacional do Índio projetos venham a modificar positivamen- Ibama Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e te a economia e as condições de vida da dos Recursos Naturais Renováveis população da Volta Grande do Xingu. Se- Instituto Nacional de Colonização e gundo o Mapa do Emprego e Desemprego Incra Reforma Agrária do Departamento Intersindical de Estatís- ticas e Estudos Sócio-econômicos no Pará ISA Instituto Socioambiental (Dieese/PA) divulgado no início de 2017, MPF Ministério Público Federal Altamira, principal município da região, foi MP-PA Ministério Público do Estado do Pará o campeão do desemprego no Estado em 2016, efeito direto do término da obra de MXV Movimento Xingu Vivo Belo Monte. Some-se a isso a conclusão do Semas Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Atlas da Violência 2017 do Instituto de Pes- Sustentabilidade do Pará quisa Econômica Aplicada (Ipea), que colo- TI Terra Indígena ca a cidade como a mais violenta do país, a primeira entre os municípios com mais de TJ-PA Tribunal de Justiça do Pará 100 mil habitantes no quesito homicídios e mortes violentas40. A verdade é que a promessa de Belo *Marcel Gomes Sun, de que será um vetor de desenvolvi- É um dos coordenadores da Repórter Brasil (www. mento para a Volta Grande e a região de reporterbrasil.org.br). Esta pesquisa foi realizada sob Altamira, esbarra na dura realidade enfren- supervisão de Verena Glass e com a colaboração de Ana Laide Barbosa, André Campos, Anne-Domi- 40 http://g1.globo.com/pa/para/noticia/altamira-lidera- -ranking-de-cidades-mais-violentas-do-brasil-diz-ipea. nique Correa, João Neto Carvalho de Souza e Ruy ghtml Sposati.

PONTO DE DEBATE Diretor: Gerhard Dilger Fundação Rosa Luxemburgo Coordenação editorial: Verena Glass Edição n.16, outubro de 2017 Projeto gráfico: Fabiano Battaglia Tiragem: 500 exemplares ISSN 2447-3553 Rua Ferreira de Araújo, 36 Ponto de Debate é uma publicação edita- Todos os artigos são de responsabilidade ex- CEP 05428-000 São Paulo (SP) Brasil rosaluxspba.org da pela Fundação Rosa Luxemburgo com clusiva das pessoas que os assinam, não re- o apoio de fundos do Ministério Federal fletindo, necessariamente, a opinião da FRL. para a Cooperação Econômica da Alema- Esta obra possui a licença CreativeCom- nha (BMZ). Abre espaço para o debate de mons 3.0 BY-NC-ND (Atribução – Uso não temas sob a diretriz Bem Viver no Brasil e comercial – Não a obras derivadas). no Cone Sul: direitos humanos e da nature- za na perspectiva de transformação, justiça social e justiça ambiental.