O Filme “Os Rapazes Da Banda”: Um Estudo Sobre Homossexualidades E Masculinidades No Contexto Dos Anos 1970
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O FILME “OS RAPAZES DA BANDA”: UM ESTUDO SOBRE HOMOSSEXUALIDADES E MASCULINIDADES NO CONTEXTO DOS ANOS 1970 Carlos Frederico Bustamante Pontes1 Resumo: O objetivo geral do trabalho é refletir sobre e avaliar em que medida o cinema de temática de gênero e (homo)sexualidades, em particular nos anos de 1970, representou e também contribuiu para a constituição e afirmação do movimento homossexual, inicialmente, bem como para a posterior formação do movimento LGBT. Na pesquisa em questão, observei a importante influência que este cinema pode ter no caminho da desconstrução dos modelos hegemônicos de corporeidade, sexualidade e comportamento de gênero. Para tanto, realizei uma contextualização sócio-histórica e uma análise fílmica do longa-metragem estadunidense “Os Rapazes da Banda” (The Boys in the Band, 1970), que se originou de uma peça de teatro off-Broadway de 1968. Ao observar a contingência social em que o filme foi produzido e exibido, a relação desta com a análise do longa- metragem e o caráter crítico que o mesmo teve naquele período nos EUA e no Brasil, concluo o estudo avaliando que o cinema de temática LGBT pode ser um manancial importante de estudo enquanto elemento de prática social e favorecedor de processos de subjetivação. Palavras-chave: Cinema LGBT. Homossexualidades. Comportamento de gênero. Masculinidades. Introdução “Como um filme mudou a história do movimento LGBT” (COHEN, 2015, tradução minha)2. Este é o título de chamada da matéria da Revista Time, on line, publicada em 17 de maio de 2015, sobre os quarenta e cinco anos do lançamento, nos EUA, do longa-metragem The Boys in the Band (1970). Em português o filme tem como título “Os Rapazes da Banda” e estreou no Brasil também em 1970. A direção do filme é de William Friedkin3. O roteiro do longa-metragem “Os Rapazes da Banda” foi concebido a partir de uma peça de teatro off Broadway4 escrita por Mart Crowley e que estreou em Nova Iorque no dia 14 de abril de 1968. O espetáculo, dirigido por Robert Moore, teve como curiosidade o fato de que o mesmo elenco da montagem compôs também o casting do longa-metragem, sendo esta a única exigência dos produtores do filme (PERRONE, 2013). No Brasil, entre o final dos anos 1960 e início dos 70, a peça teve duas produções, uma menos conhecida, de Irismar Bustamante, cuja exibição foi comprometida pela censura da Ditadura Militar, e uma mais mencionada e produzida por John 1 Professor do Curso de Teatro da Universidade Federal de São João del-Rei/UFSJ e Doutorando do Programa de Pós- Graduação Interdisciplinar em Ciências Humanas/PPGICH, Florianópolis, Brasil. 2 How One Movie Changed LGBT History (COHEN, 2015). 3 Diretor estadunidense premiado, William Friedkin (1935-) completou 81 anos em 29 de agosto de 2016. O cineasta dirigiu filmes importantes e conhecidos, tais como “O Exorcista” (1973) e o polêmico “Parceiros da Noite” (Cruising, 1980), este último também de temática homossexual. 4 Espetáculos mais alternativos, realizados e apresentados fora do mainstrean da Broadway. 1 Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos), Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X Herbert e Eva Wilma. Esta segunda produção contou no elenco com atores consagrados, além do próprio Herbert, como Walmor Chagas, Raul Cortez, Antonio Pitanga, Denis Carvalho, Tony Ramos, Paulo Padilha, Benedito Corsi e Osmar Prado (LEKITSCH, 2011). O espetáculo estreou em São Paulo, no Teatro Cacilda Becker, e foi dirigido por Maurice Vaneau, com fotografias de Vânia Toledo (PERRONE, 2013). Por que um filme mudou a história do movimento LGBT? O lançamento do longa-metragem “The Boys in the Band”, em 17 de março de 1970, é um marco artístico e político importante, pois até dois anos antes de sua produção, Hollywood vivia sob a égide da “ideologia do silêncio” motivada pela “ideologia do desvio” (GUIMARÃES, 2004) da norma e dos bons costumes da família puritana e tradicional norte-americana. “Por décadas a homossexualidade não aparecia inteiramente nas telas. A partir de 1930, um Código criado pela Motion Picture Producions foi aplicado até 1968 proibindo o retrato da ‘perversão sexual’” (COHEN, 2015, tradução minha). Este Código, que ficou conhecido como o “Código Hays” por ter sido redigido pelo representante desta associação, um advogado e político republicano Willian H. Hays, vigorou durante trinta e oito anos e silenciou qualquer menção mais explícita sobre as questões homossexuais no cinema hollywoodiano. “Os Rapazes da Banda” é o primeiro filme de temática homossexual produzido depois do início da mudança desta rígida censura aos filmes. O Código, incorporado pelos estúdios de cinema dos EUA depois de alguns anos, foi forçado a ser implementado também por setores conservadores e religiosos, que ameaçaram um boicote aos filmes caso os produtores não seguissem à risca as regras de se cortar toda e qualquer cena que contivesse a insinuação mais ou menos explícita relacionada à temática homossexual (masculina e feminina), dentre outras temáticas (EPSTEIN, FRIEDMAN, 1996). O Código de Hays condenava nos filmes situações que envolvessem beijos de língua, cenas de sexo, sedução, estupro, aborto, prostituição, escravidão (de brancos), nudez, aborto, obscenidade e profanação. O termo homossexual, ainda que não citado, provavelmente se encaixava nesta última proibição (SILVEIRA, 2011). Assim, a produção e exibição do filme “Os Rapazes da Banda” inaugura um novo momento na cultura cinematográfica norte-americana (e não só nesta em função de sua abrangência de veiculação), que, ao integrar-se ao advento da liberação sexual entre os gays nos anos de 19705 e à 5 Ver o documentário Gay sex in the 70’s (2005) de Joseph Lovett. 2 Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos), Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X constituição e afirmação do movimento homossexual6, vão favorecer o início de uma perspectiva mais igualitária, no âmbito dos direitos civis reivindicados pelos movimentos sociais, que se fortalecerão com o tempo naquela sociedade influenciando outros países e inclusive o Brasil. A partir do final dos anos 60, o movimento gay buscava acabar com o sistema que marginaliza a homossexualidade. Os ativistas gays se articulavam com os movimentos de liberação dos direitos dos negros e das mulheres então atuantes, e este movimento americano se expandiu para o mundo e influenciou os grupos gays brasileiros (TREVISAN, 2007 apud SANTOS, 2008, p.21). No documentário “Celuloide Secreto” ou “O Outro Lado de Hollywood” (Celluloid Closet, 1996), realizado a partir da pesquisa do ativista gay Vito Russo7, o roteirista norte-americano Barry Sandler disse que, na época, quando viu “Os Rapazes da Banda” e embora não fosse ainda assumido, o que mais gostou foi ver que os gays estavam sendo mostrados com um grande sentido de camaradagem que ele nunca havia visto antes (EPSTEIN, FRIEDMAN, 1996). Este sentido de grupo relatado pelo roteirista se dá em função da situação apresentada pelo filme: o encontro de amigos que se reúnem para a comemoração do aniversário de um deles (contexto central da narrativa) e os desdobramentos relacionais que vão evoluir a partir deste encontro. O roteiro do longa-metragem, ao propor que os homossexuais (os personagens do filme e os atores sociais reais) saiam do silenciamento, da invisibilidade, do isolamento social e da solidão, apresenta-se como um arauto das questões homossexuais daquele país e momento histórico específico e as torna visíveis, possibilitando que aquela comunidade, até então excluída, observe-se através da obra e, consequentemente, autoconheça-se e reflita. A mediação deste autoconhecimento se dá pelos diálogos dos personagens uns com os outros ao longo da narrativa. Mesmo que as situações apresentadas se deem, como no caso de um filme, no âmbito da ficção, o/a espectador/a, no caso homossexual, tem a oportunidade de se identificar com os comportamentos e diálogos ali representados e, desta forma, ver-se na tela percebendo-se também como parte da sociedade que o exclui e invisibiliza. Isto permite a este/a um voltar-se para si de forma que, a partir deste momento, ele/a poderá caminhar rumo a uma contínua e crescente reflexão sobre os diferentes contextos vivenciados no filme e o consequente e necessário enfrentamento de tais situações de opressão em sua própria vida ao conscientizar-se das mesmas. 6 Minhas referências ao movimento homossexual se devem ao fato de que, inicialmente, a afirmação de tal movimento não incluía, em sua denominação, outras perspectivas político-identitárias relacionadas à orientação sexual e à identidade de gênero que vão se afirmar posteriormente dando origem ao movimento LGBT. 7 The Celluloid Closet: Homosexuality in the Movies (1987) 3 Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos), Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X Quando a personagem expressa a si mesma [como é no caso do filme analisado], a narrativa pode assumir diversas formas: diário íntimo, romance epistolar, memórias, monólogo interior. Cada um desses discursos procura presentificar a personagem, expondo sua interioridade de forma a diminuir a distância entre o escrito [o filmado] e o “vivido” (BRAIT, 1987, p. 61). “O filme ajuda a que a comunidade gay se torne culturalmente visível durante um momento em que estão se abrindo discussões sobre a homossexualidade que ainda era um tabu”, destaca Sascha Cohen (2015)8. Mesmo que a obra não proponha um ideário de integração harmonioso entre os personagens de uma comunidade em recém-processo de constituição e afirmação, os apontamentos duros que os personagens fazem uns para os outros sobre questões de sua afetividade e sexualidade, propõem uma autoanálise também do espectador/a, quer seja este/a homossexual ou não exclusivamente, ao se identificar com o representado ao longo da narrativa. A obra em análise Em “Os rapazes da banda”, o contexto de sentimentos negativos e autodepreciativos entre os personagens durante a narrativa é bastante explicitado com a chegada desestabilizadora de Alan (Peter White), um amigo supostamente hétero de faculdade do anfitrião Michael (Kenneth Nelson).