LOCALIDADES METANGULA {1} CHIROM {11} VILA CABRAL {2} PORT HERALD {12} METÓNIA {3} CH’INDIO {13} SALIMA {4} MURRAÇA {14} MANDlMBA {5} SENA {15} FORT JOHNSTON {6} DONANA/MUTARARA {16} NOVA FREIXO {7} {17} ENTRE-LAGOS {8} DONDO {18} ZOMBA {9} BEIRA {19} BLANTYRE {10}

CAMINHOS DE FERRO B.R. = BEIRA RAILWAY/CAMINHO DE FERRO DA BEIRA (Ao longo dos anos teve várias outras designações.) C.A.R. = CENTRAL AFRICA RAILWAY (Foi comprada, tal como a ponte do Zambeze, pelo governo de Portugal, em 1968.) C.F.N. = CAMINHO DE FERRO DE NACALA (Integrava-se no “Sistema Nor- te”, dos Caminhos de Ferro de Moçambique.) N.E./S.H.R. = NORTHERN EXTENSION (Extensão Norte da Railways.) S.H.R. = SHIRE HIGHLANDS RAILWAYS (Transformou-se depois: na Nyasaland Railways = Railways.) T.Z.R. = TRANS-ZAMBESIA RAILWAY (Nacionalizada pelo governo de Moçambique, em 1976.)

Fig. 1

8 Fig. 2

REPÚBLICA DE MOÇAMBIQUE

AS ALTERAÇÕES TOPONÍMICAS E OS Fig. 3 CABIMBOS DOS CORREIOS XXIII - METANGULA: UM TOPÓNIMO RICO DE TRADIÇÕES E DE HISTÓRIA OU COMO A HISTÓRIA POSTAL SE INTEGRA NA VERDADEIRA HISTÓRIA 1ª Parte

Jorge Luís P. Fernandes

BREVES NOTAS HISTÓRICO-GEOGRÁFICAS Corria o ano de 1868, da Era de Nosso Senhor Jesus Cris- to. Um ano como qualquer outro? Talvez para grande par- te da Humanidade... Mas, sem dúvida, um ano importante para as humildes populações das margens do rio Zambeze, em Moçambique, território ultramarino português. Foi 1868, na tradição oral dos povos negros, que se perpetua na memória dos tempos pela boca dos famosos contado- res de histórias, o ano do “vapori”; o ano em que o impo- nente rio africano registou uma grande cheia, a cheia do “vapori”. E chamou-se o ano do “vapori”; porque nesse tempo - coisa nunca vista - o famoso explorador David Livingstone (1813-1893), missionário protestante escocês, subiu os rios Zambeze e Chire num barco a vapor, o pri- meiro do género que apareceu por aquelas paragens; daí que o ano do “vapori” tenha ficado na memória dos po- vos, tal como aconteceu, por exemplo, com 1888 quando um cometa foi visto: o ano “Nyenyeza”, ou do cometa. Livingstone ia a caminho do Lago Niassa, que descobriu ou pelo menos assim o pensou e fez constar, com o apoio Fig. 4 e 4A das influentes Sociedades de Geografia.

9 Livingstone, na realidade um grande explorador, não “des- pada e controlada pelas autoridades portuguesas. cobriu” o Lago Niassa; nem sequer o “redescobriu”, como O poderoso régulo Mataca, que dominava enormes áreas alguns pretendem. O que fez, isso sim, foi divulgar a sua daquele sertão, foi sempre um feroz inimigo de Portugal e existência nos meios científicos ou não, interessados cul- diversas expedições foram organizadas para o bater - “pa- tural, política e economicamente nos mistérios e riquezas cificar”, era o eufemismo na altura usado -, nos fins do de África. O terceiro maior lago do Continente Negro e século XIX, princípios do seguinte; o que não aconteceu, um dos maiores do mundo, o lago Malawi, como hoje é aliás, sem que as forças portuguesas de ocupação sofres- designado, há séculos que era conhecido dos portugueses, sem alguns graves reveses. Nos primeiros anos do século andarilhos das sete partidas, como por todos os autores XX foram estabelecidos diversos postos militares, que tem sido reconhecido, pois é uma realidade histórica. Ve- garantiam a segurança das zonas ocupadas. Em Metangula, jamos apenas um exemplo, que transcrevemos com todo o a razão de ser deste nosso estudo, o posto militar estabele- sabor da época, do “Dicionário Corográfico da Província ceu-se em 1900. de Moçambique”, segundo uma informação colhida em Segundo uma descrição da época (1907), o forte foi 1889:- “Grande lago a N do distrito de Cabo Delgado e a construído numa península, formando um pequeno porto. NNE da vila de Tete da qual fica afastado 500 quilóme- O forte estava bem construído, em pedra e terra e era de- tros aproximadamente e de que Livingstone teve a preten- fendido com uma metralhadora; no centro havia algumas são de se julgar o primeiro explorador, quando já anteri- casas confortáveis, nomeadamente um edifício de pedra ormente os padres João dos Santos [Frade dominicano, para o secretário administrativo e o comandante; quatro missionário, escritor (N.c.1500 - M.1625); escreveu a nar- pequenas casas serviam de armazéns, paiol e prisão. rativa “Etiópia Oriental e Várias Histórias de Coisas No- táveis do Oriente” (Évora, 1609), notável obra de referên- Cedo se reconheceram as potencialidades do Lago e da cia, ainda hoje muito consultada, sobre cultura, religião, região e a conveniência de se estabelecer a sua ligação geografia, fauna e flora das terras que visitou.] e Manoel com o mar, através dos rios Chire e Zambeze e porto do Godinho [Possivelmente refere-se ao Padre Manuel Chinde. Como resultado do Ultimato da Inglaterra de 1890 Godinho (1630-1712), jesuíta, escritor e que foi missio- e consequente tratado anglo-luso de 1891, Portugal viu-se nário na Índia.], o capitão general Sebastião Xavier Botêlho obrigado a aceitar humilhantes condições. Foi cedida aos [Capitão-General de Moçambique (1768-1840), escreveu ingleses uma parte do território a ocidente do lago Niassa, “Memória Estatística sobre os Domínios Portugueses na que viria a integrar-se na Niassalândia, e que sempre esti- África Oriental” (1835).] o major Gamito [António Cân- vera sob a influência portuguesa. Por outro lado foram dido Pedroso Gamito (1860-1866), militar e explorador] também concedidas amplas facilidades de navegação nos e o Dr. Lacerda [cientista e explorador] haviam feito a sua rios Chire e Zambeze, acompanhadas de isenções de im- descrição, chamando-lhe Nhanja Muenzo Maravi e Nhanja postos e licenças aduaneiras. Neste sentido, foi criada a Grande. O próprio Livingstone quando ali foi, havia antes Concessão Britânica do Chinde. Falamos, é claro, desta recebido dele informação do capitão Cândido da Costa região de Moçambique, já que idênticas imposições fo- Cardoso. Modernamente tem sido visitado este lago por ram fixadas para outros pontos. diferentes viajantes estrangeiros, e pelo nosso explorador O decreto de 18/5/1892 aprova o “Regulamento Geral de Augusto Cardoso”. (Mais tarde, METANGULA viria a ter Navegação e de Trânsito de Mercadorias pelos Rios o nome deste militar e explorador.) Zambeze e Chire e Através dos Territórios Portugueses Não restam quaisquer dúvidas: com as suas inúmeras de- Situados Além da Foz do Chire e do Luenha” que, na prá- signações, em diversas épocas e nas várias línguas da re- tica, permitia a liberdade de navegação naqueles rios, li- gião, o lago NIANZA ou NYANZA (que significa “toalha gando a Niassalântia com o mar. Liberdade de circulação de água” e era o seu verdadeiro nome, segundo alguns de pessoas e bens!.. As mercadorias, vindas do exterior, historiadores, embora esta opinião seja discutível), pela eram baldeadas no porto da Beira, seguiam em navios sua vastidão e importância, sempre mereceu as atenções, costeiros até ao Chinde onde eram descarregadas na Con- desde há muitos séculos, de quantos por aquelas terras cessão Britânica, livres de impostos e formalidades adua- passaram. neiras; depois eram novamente embarcadas nos barcos flu- E não admira! Basta atentar no que, na sua frieza expres- viais da “The African Lakes Corporation” que subiam o siva, dizem os números: superfície – 30800Km2 ; compri- Zambeze, tocavam no Chindio e seguiam pelo Chire até mento – cerca de 576km; largura – varia entre 35 e 80Km; onde fosse possível a navegação. maior profundidade – 693m em Nkata Bay; altitude, em É evidente que estes arranjos viriam, necessariamente, a relação ao nível médio das águas do mar – 470m. ter reflexos na circulação das correspondências, proporci- Quando a Companhia do Niassa tomou posse daquelas onando à Filatelia um legado de excelente material de vastas terras, uma boa porção destas, junto à margem ori- História Postal, para regalo dos coleccionadores vindou- ental do Lago, estava em plena rebelião; aliás foi aquela ros. Assim, por o julgarmos do maior interesse, alargamos região de Moçambique a última a ser efectivamente ocu- um pouco o âmbito e alteramos as habituais característi-

10 cas desta nossa série de trabalhos, como adiante se verá; Durante o período de transição, antes da independência contudo, a nossa atenção não deixará de se centralizar no de Moçambique, de acordo com Decreto-Lei n.º6/75, de tema: as mudanças toponímicas METANGULA / 18/1/1975, foi alterada a divisão administrativa, de novo: AUGUSTO CARDOSO / METANGULA. os distritos passaram a designar-se províncias; os conce- A DIVISÃO ADMINISTRATIVA: – Ao longo dos anos, lhos passaram a distritos, desaparecendo, portanto, aque- a região do Niassa, administrativamente, sofreu várias al- les. Assim, o concelho de Lago, passou a distrito, com terações, tornando-se bastante difícil situar, no tempo e sede em Metangula. no espaço, toda uma complicada situação inerente às pro- Registe-se ainda que, no período colonial, Metangula foi víncias, distritos, circunscrições ou concelhos e localiza- criada pela Portaria n.º3497, de 24/8/1938, mas a povoa- ção de muitas povoações; até por que várias terras muda- ção era conhecida pelo menos desde os fins do século XIX, ram de nome e local e outras extinguiram-se ou perderam tendo ali sido instalado um posto militar provavelmente importância, por circunstâncias várias. Isto para não falar em 1900, como vimos antes; posto militar que, como tan- das diversas grafias utilizadas em cartas geográficas ou tas vezes aconteceu, deu origem à povoação, que viria a documentos, ao longo dos anos, como em separado ex- ser a sede da circunscrição do Lago, criada pela C.ª do planaremos. “Niassa” é um caso paradigmático. Niassa. Durante a vigência da Companhia do Niassa, que obteve o seu estatuto de Companhia privilegiada em 16/3/1893, HISTÓRIA POSTAL o território estava dividido em circunscrições e estas em AS VIAS DE TRANSPORTE POSTAL PARA O LAGO postos administrativos. A circunscrição do Lago, que mais NIASSA interessa para este artigo, tinha a sua sede em Metangula. Podemos considerar, nas primeiras décadas do século XX, Com a extinção da Companhia, o que aconteceu por força a existência de três rotas postais1 que serviam as regiões do Diploma Legislativo n.º182, de 14/9/1929, depois de limítrofes da parte do Lago Niassa sob a soberania portu- um completo fracasso económico e administrativo - a re- guesa: uma rota terrestre, a partir de Porto Amélia; outra, gião muito pouco progrediu, em termos de praticamente mista: fluvial, terrestre e através do Lago (que se todas as actividades económicas e sociais -, no território, convencionou chamar “Via Chinde”); e outra terrestre, agora sob administração directa do Estado, foram criados essencialmente ferroviária, também com passagem pelo dois distritos (igualmente divididos em circunscrições) - Lago Niassa, conhecida por “Via Beira”. Enquanto a pri- Cabo Delgado e Niassa. meira rota seguia inteiramente por território moçambicano O “Acto Colonial” trouxe novas e profundas alterações na (ver esquema, fig. 2), as outras duas faziam-se atravessan- divisão administrativa. A antiga Província Ultramarina, do também o Protectorado da Niassalândia2 agora Colónia de Moçambique foi dividida em províncias As vias fluviais, rios Zambeze e Chire, primeiro, e os ca- e estas em distritos, mantendo-se a divisão básica em con- minhos de ferro, depois, tiveram papel de grande impor- celhos e circunscrições e estas em postos. tância nas comunicações do mar com o interior, nesta re- Assim, a partir de 1/1/1935, o distrito do Niassa foi extin- gião de África. A Niassalândia dependia (e ainda depen- to, criando-se a província do Niassa, com os distritos de de, em parte)das comunicações com o mar, através de Cabo Delgado e Moçambique Neste esquema, por Porta- Moçambique, primeiro pelo porto do Chinde e depois pelo ria Ministerial n.º23, de 9/9/1945, foi criado, nesta pro- porto da Beira. Uma análise atenta do mapa que se mostra víncia, anos depois, o novo distrito de Vila Cabral, com na fig.1, conjugado com a “legenda explicativa” (fig.lA), sede na localidade, em franco progresso, do mesmo nome. mostra-nos claramente a situação geográfica do Lago Mas logo no ano seguinte (Decreto n.º 35733, de 4/7/1946), Niassa e ajudar-nos-à a interpretar facilmente, em termos este distrito passou a chamar-se distrito do Lago. de História Postal, os caminhos seguidos pela correspon- Nova e profunda alteração ocorreu com a “Lei Orgânica dência. do Ultramar Português”. Acabaram-se as Colónias (pelo São conhecidas as grandes vias fluviais mencionadas; mas menos oficialmente), que passaram a designar-se, como já o mesmo não podemos dizer dos caminhos de ferro. antes, Províncias Ultramarinas, necessariamente divididas Impõe-se, por isso, começar por analisar os seus percur- em distritos. É assim que, por força do Decreto n.º3985, sos e reter as datas em que os diversos troços foram aber- de 20/10/1954, o distrito de Lago, volta a designar-se dis- tos à circulação, para o que elaborámos (ou para melhor trito do Niassa. Mas apesar de estas alterações, a circuns- dizer, adaptámos) os já mencionados mapas ou esquemas crição do Lago, com sede em Metangula, manteve sem- e “legenda” respectiva (ver fig. 1, 2 e 3)3 pre o seu estatuto de circunscrição e mais tarde concelho. Assim, temos: E assim se manteve até à data da independência de * 1907 – SHIRE HIGHLANDS RAILWAYS (S.H.R): Moçambique. Só com a diferença de que, pela Portaria o primeiro troço desta linha foi aberto ao tráfego, entre n.º17320, de 21/12/1963, Metangula teve o seu nome al- BLANTYRE{10} e CHIROMO{11} . terado para Augusto Cardoso, revertendo após a indepen- * 1908 – S.H.R.: reconhecidas as dificuldades de dência do país ao antigo Metangula. navegabilidade no Rio Chire ou Shire, logo no ano se-

11 guinte foi construído novo troço de linha, entre CHIROMO{11} e PORT HERALD{12}. Estes dois tro- ços somaram 113 milhas, tendo sido considerada a data oficial da inauguração deste Caminho de ferro, na sua to- talidade, 29/3/1908. * 1915 – CENTRAL ÁFRICA RAILWAY (C.A.R.): agravando-se as dificuldades de navegação nos rios Zambeze e Chire, tornou-se necessário prolongar o S.H.R

para sul, tendo-se formado uma nova Companhia, a C.A.R., que começou a operar em 1915, com a maior parte do percurso em território de Moçambique; assim: troço PORT HERALD{12{ à FRONTEIRA (16 milhas); troço FRON- TEIRA a CHINDIO{13} (45 milhas). * 1922 – TRANS-ZAMBESIA RAILWAY (T.Z.R.): inaugurou-se este Caminho de ferro em 1/7/1922. Inteira- mente em território moçambicano, corria de MURRAÇA {14} ao DONDO{18}. Murraça situava-se na margem sul do Rio Zambeze em frente do Chindio (na margem norte, necessariamente), efectuando-se o transbordo de malas postais, passageiros e mercadorias por um sistema de “ferries”, que era difícil, moroso e dispendioso. Estava assim completa a ligação da Niassalândia com o mar, atra- vés do porto da Beira, trazendo a linha, também, apreciá- Fig. 5 e 5A veis benefícios para Moçambique, como é evidente. A li- gação do DONDO{18} com a BEIRA{19} fazia-se pela Beira Railway. É claro que, devido às dificuldades de transbordo Murraça- Chindio, não se considerava que o Caminho de Ferro tra- balhasse com a máxima eficiência e há muito que se pen- sava na ligação das duas margens do Zambeze com uma ponte. Mesmo assim, devido às más condições de operacionalidade do porto do CHINDE{17}, em progres- sivo assoreamento, a T.Z.R. foi um importante impulso para o melhoramento das comunicações na região, dadas as enormes potencialidades do porto da Beira. Estes fac- tos levaram ao abandono da Concessão Britânica do Chinde, o que ocorreu logo em 1923. * 1935 – PONTE SOBRE O RIO ZAMBEZE: aberta à circulação ferroviária em Julho, esta importante obra de engenharia, com os seus 3677,102m de comprimento, es- tabeleceu a ligação directa da Niassalândia com o mar. Construída entre SENA 15 e DONANA-MUTARARA 16, a ponte obrigou a algumas alterações nos traçados ferro- viários de aproximação, da T.Z.R. e C.A.R., conforme se pode ver na gravura 3. A T.Z.R., do Dondo a Sena, ficou a ter 291km de comprimento, integrando-se a ponte na C.A.R. *NYASALAND RAILWYS - NORTHERN EXTENSION4 : com a inauguração deste troço de linha, a norte, de BLANTYRE{10} a SALIMA{4}, , com tér- mino junto à margem ocidental do Lago Niassa ficou fi- Fig. 6 e 6A nalmente estabelecida a ligação directa do grande Lago com o mar, inteiramente por caminho de ferro. Em face das peças de História Postal pertinentes, quando seja possível a leitura dos respectivos carimbos de origem

12 e chegada e quando existam carimbos de trânsito; saben- construção da S.H.R (1908) e C.A.R. (1915), o trânsito do-se as datas em que começaram a operar os diferentes fazia-se utilizando os comboios nos percursos caminhos de ferro ou troços, é fácil estabelecer-se as vias CHINDIO{13} - PORT HERALD{12} - de transporte das correspondências. Estão incluídas neste BLANTYRE{10} (ou vice-versa, obviamente). caso as peças filatélicas de/para Lago/Metangula (e ou- Deste período são conhecidas cartas com vários carimbos tras localidades da margem portuguesa do Lago Niassa), de trânsito, documentando o percurso da melhor maneira aspecto que directamente diz respeito a estas notas. e constituindo, assim, interessantes peças de História Pos- tal. AS TRÊS ROTAS Nas fig. 4 - 4A reproduz-se uma carta (frente e verso) que, 1) A VIA TERRESTRE DE PORTO AMÉLIA5 AO embora não tenha carimbo de trânsito do CHINDE{17}, LAGO/METANGULA pode considerar-se que seguiu esta via, dado que a T.Z.R. Num excelente trabalho de John K. Cross, elaborado com (sempre considerada em relação com a “Via Beira”) só foi base em documentos oficiais, publicado em PORTO- inaugurada em 1922. INFO6 ,boletim da International Society for Portuguese Assim: Philately, podemos aprender que a viagem entre a Costa e LISBOA - 17/9/1921 (note-se o endereço: “Lago Niassa/ o Lago Niassa demorava, em Janeiro de 1913, 24 dias, Fort Johnston”); CHINDE{17} - em data que se desco- incluindo períodos de repouso; tempo que em 1917 esta- nhece, por falta do respectivo carimbo de trânsito, seguin- va já reduzido para 16 dias, agora sendo usado o sistema do a via fluvial até CHINDIO{13}; nesta localidade apa- de estafetas ou patamares7 , como na altura se dizia. Em nhou o comboio da C.A.R./S.H.R., chegando a 1913 os correios saíam de PORTO AMÉLIA duas vezes BLANTYRE{10}, término da linha nesta altura, onde foi por mês, nas tardes dos dias 14 e 29; de METANGULA{1} carimbada a 27/10/1921; seguiu depois a via terrestre por partiam nas manhãs dos dias 5 e 20. ZOMBA{9} (carimbo de 28/10/1921) e FORT Os correios cumpriam o percurso que pode ver-se na gra- JONHSTON{6} (carimbo de 31/10/1921); chegou a vura 2. O esquema que se mostra não foi feito à escala, LAGO/METANGULA{1} em 1/11/1921. mas está baseado em mapas (e documentos) de 1889, 1904 Conhecemos ainda uma interessante carta, a seguir des- e 1914. Por isso, pode não estar rigorosa mente correcto, crita, que seguiu também o percurso da carta anterior, mas especialmente devido às dificuldades conhecidas em rela- que está dirigida a METÓNIA3, com a mais valia de ter ção à localização de certas terras e leitura dos respectivos carimbo do CHINDE17: topónimos, com grafia antiga (Fig. 2): (?) – (FRANÇA) - 10/11/1921; carimbos de trânsito de CHINDE{17} - 18/ 12/1921, BLANTYRE{10} - 22/12/ 1913 1917 1931, ZOMBA{9} - 23/12/1921 e FORT JOHNSTON{6} Dias - 27/12/1921.Não tem carimbo de chegada a Porto Amélia - Ancuabe 2 1 METÓNIA{3}, sendo o seguinte o seu endereço: (?) [ile- Ancuabe - Mesa 2 1 gível] “Nyasa/Metónia/(Via Chinde)/Afrique Orentale Mesa - Montepuez 2 1 Portugaise”. De notar a importante indicação “Via Chinde”. Montepuez - Mualia 1 parte saliente-se ainda uma anotação com letra completamente Mualia - Mavala 1 parte diferente do remetente, certamente da autoria de qualquer Mavala - M’Salua8 2 1 funcionário: “Try Fort Johnston”, o mesmo que é dizer-se M’Salua - M’Tarica 7 6 “Tente Fort Johnston”. M’Tarica - Muembe 2 2 Antes do topónimo “Nyasa” encontra-se uma indicação Muembe - Metangula 4 4 que aqui mostramos em decalque

Havia ainda dois percursos complementares: o primeiro de Ancuabe para Pomune e Namecala e o segundo de Mualia para Maúa e Cuamba. Estes percursos estão tam- bém assinalados no esquema da fig.2. Parece-nos também um topónimo, mas não conseguimos Infelizmente não nos é possível mostrar uma carta inteira, identificá-lo ou decifrá-lo, apesar de a caligrafia ser de comprovadamente viajada neste percurso; supomos que boa qualidade. não existirão muitas. Referente ao percurso inverso, reproduzimos uma bela 2) AS CORRESPONDÊNCIAS “VIA CHINDE” carta (fig. 5 - 5A, frente e verso) que devemos à amabili- Antes da inauguração da T.Z.R. (1/7/1922), as correspon- dade de Altino da Silva Pinto,11 não obstante o seu cariz dências para a região do Lago Niassa eram encaminhadas filatélico é uma magnífica peça de História Postal, com os “Via Chinde”, seguindo a via fluvial do Zambeze e Chire10 seus nada menos do que seis carimbos de trânsito e chega- a via terrestre por ZOMBA{9} e FORT JOHNSTON{6}, da! O seu percurso não oferece, por esta razão, quaisquer subindo depois o Lago até METANGULA{1}. Com a dúvidas. Temos pois:

13 Reproduz-se ainda, nas gravuras 6 e 6A (frente e verso), uma magnífica carta de região do Lago13 dirigida a Lis- boa. É registada, com carimbo hexagonal de METÓNIA{3}, mas no seu remetente indica-se claramente MANDIMBA{5}, o que dá que pensar. Transcreve-se o encaminhamento desta carta e o endereço completo do remetente. METÓNIA{3} - 6/5/1929; FORT JOHNSTON{6} - 8/5/ 1929; ZOMBA{9} - (?)/5/1929; BEIRA{19} - 14/5/1929, carimbo de trânsito; LISBOA - 11/6/1929, carimbo de che- Fig. 7 gada; remetente: “Mandimba [sublinhado com dois tra- ços, como pode ver-se na gravura]/Via Beira - Fort Johnston/África Oriental”. LAGO/METANGULA{1} - 11/5/1908, carta registada Esta questão das cartas encaminhadas por com a etiqueta de registo de LAGO e carimbo circular MANDIMBA{5}, assim como o facto de a peça anterior- pouco legível, da Companhia do Niassa; carimbos de trân- mente analisada (conhecem-se outras nas mesmas condi- sito da Niassalândia: FORT JOHNSTON{6}- 13/5/1908 ções), ter remetente de Mandimba e carimbo de Metónia e ZOMBA{9} - 16/5/1908; CHINDE{17} 22/5/1908, ca- são coisas que nos oferecem muitas dúvidas e que, supo- rimbo da estação de correios da Concessão Britânica nho, necessitam de esclarecimentos. Contamos um dia (B.C.A. - British Central Africa); carimbo de trânsito por voltar ao assunto. LONDRES - 19/6/1908; carimbo de trânsito e chegada Para já, sobre este último aspecto, lembramos que a Or- aos Estados Unidos da América de CHICAGO E dem n.º 24, publicada no “Boletim dos Correios, Telégra- MILWAUKEE, ambos datados de 21/6/1908. fos e Telefones de Moçambique”, n.º 315/Fevereiro de 14 Torna-se claro que esta carta circulou por caminho de fer- 1930 , estabelecia, dadas as demoras que se verificavam ro de BLANTYRE{10} para PORT HERALD{12} (o úl- com o correio enviado “Via Porto Amélia” para a região timo troço do S.H.R., para sul, foi inaugurada em 29/3/ do Lago (circunscrições de Amaramba, Lago, Metarica e 1908); seguiu depois a via fluvial até ao CHINDE{17} e Metónia), mais exactamente para as localidades de Catur, daí por barco, “Via Londres”, para os Estados Unidos. Coboé, Cuamba, Litunde, Luconge, Macaloge, Mahua, 3) AS CORRESPONDÊNCIAS “VIA BEIRA” Mecanhelas, Mecula, Metangula, Metónia, Muembe e Com a inauguração da T.Z.R., em 1/7/1922 ficou Unango, a referida Ordem, dizíamos, estabelecia que as estabelecida a ligação da Niassalândia com o porto da correspondências deviam ser encaminha das “Via Beira- Beira. Uma simples olhadela ao mapa que se reproduz e Mandimba”. tendo em conta o constante assoreamento do Rio Chire e Na fig. 7 reproduz-se uma carta registada de 15 as péssimas condições do porto do Chinde, com a sua foz METANGULA{1}, datada de 17/1/1931, franquiada em constante mudança e verificando-se, de um modo ge- com selos de Moçambique, já que a Companhia do Niassa ral, um rápido assoreamento de todo o delta do Zambeze, tinha passado em 1929 para a administração directa do por tudo isto, dizíamos, é fácil de entender a mudança de Estado Português. É dirigida à Austria e tem carimbos de encaminhamento das correspondências da “Via Chinde”, trânsito de MANDIMBA{5} - 31/1/1931 e BEIRA{19} - para a “Via Beira”. 9/2/1931, mostrando-se assim de acordo com a Ordem Conhecem-se muitas cartas com origem nos correios de atrás referida. Certamente esta carta foi transportada entre LAGO, com especial incidência nos anos de 1925 a 1930. Blantyre e Beira pelo caminho de ferro (não vemos outra Vejamos dois exemplos: maneira), embora não apresente os habituais carimbos de 1) LAGO/METANGULA{1} - (?)/1926, carimbo hexa- trânsito dos correios de Zomba e Fort Johnston, como as gonal da Companhia do Niassa; FORT JOHSTON{6} - descritas anteriormente. Supomos que a explicação está 11/1/1926; ZOMBA{9} - 13/1/1926; LONDRES - 15/2/ no facto de as correspondências, de acordo com a Ordem 1926; não tem carimbo de trânsito da Beira, mas no reme- nº24, serem transportadas em mala fechada para tente pode ler-se “Lago-Metangula/Fort Johnson/Via MANDIMBA{5}, Aliás, John K. Cross, no artigo atrás London-P.E.Africa”. referido, mostra uma carta de MANDIMBA{5}, datada 2) A carta que se mostra na fig.1212 , saída de LAGO/ de 24/2/1932, dirigida para a Alemanha que, não obstante METANGULA{1}, com carimbo hexagonal datado de 1/ a indicação do remetente “Mandimba (Niassa)/ Via Beira 10/1928, é dirigida à Costa do Ouro; no verso tem carim- Fort Johnston”, apenas apresenta carimbo de transito da bo de trânsito de FORT J JOHNSTON{6}- 6/10/1928; e BEIRA{19} . de chegada com data de 22/11/1928. O remetente indica A importância de FORT JOHNSTON{6} no contexto das no seu endereço: “Lago-Metengula/Via Beira Port comunicações postais através do Lago Niassa, pode infe- Johnston/África Oriental Portugª” rir-se das informações contidas na “Estatística Geral dos Correios da Província de Moçambique” referente a 1906.

14 Neste documento diz-se que a primeira mala postal entre seus estudos de investigação. Metangula e Fort Johnston ocorreu em 4/1/1906 e que se 7. O termo “patamar” referia-se, antigamente, tanto ao sistema, despachavam malas destas localidades nos dias 1 e 15 de como às pessoas (correios). cada mês; por sua vez, Fort Johnston trocava malas sema- 8. Em vários mapas e livros antigos consultados, não encontrá- mos o topónimo MSULA, conforme a grafia do artigo de John nalmente com Zomba, utilizando-se correios a pé . O que K. Cross, mas sim M’SALUA ou MESSALUA (?), situado em também acontecia em relação a outras localidades, em ter- coordenadas que fazem sentido; por esta razão optámos pelo ritório moçambicano, para além de Metangula. “nosso” topónimo. As malas de Fort Johnston para Metangula, seguiam por 9. É obvio que as correspondências de ou para o exterior nor- barco. Mais tarde a “Nyasaland Railways/Malawi malmente vinham ou seguiam de barco, utilizando rotas que para Railways” passou a fazer a operação de um indispensável o nosso caso não interessam; o que aqui está em causa são as serviço de navegação no Lago (conhecido por “Lake vias de penetração/saída do país. 10. Os transportes fluviais eram efectuados por várias empresas, Service”), utilizando barcos de apreciável tonelagem; o com especial destaque para a “African Lakes Corporation”. “Ilala, p.e. era um navio-motor com mais de 600 tonela- 11. Aqui agradecemos publicamente a Altino da Silva Pinto a das. valiosa colaboração que prestou a este nosso trabalho, permitin- É fácil de compreender, por conseguinte, a razão por que do a reprodução de esta e outras peças filatélicas de interesse. existem tantas cartas de ou para a região do Lago Niassa, Realçamos o seu empenhamento e espirito de entre-ajuda de- com carimbos daquelas duas localidades da Niassalândia. monstrados, ao atender da melhor maneira as nossas solicita- Como nota final desta primeira parte do nosso trabalho, e ções. 12. Ver a gravura na 2ª parte deste artigo. à margem do assunto tratado, pois refere-se a época bas- 13. Colecção de Lobão Tello tante posterior, resta acrescentar que em Dezembro de 1969 14. Citado por J ohn K. Cross no já referido artigo, publicado completou-se o Caminho de Ferro de Nacala16 , com a inau- em PORTU-INFO guração do troço CATUR a VILA CABRAL{2}, ligando 15. Colecção de Altino da Silva Pinto. Nacala à região do Lago Niassa, num percurso de cerca 16. A construção deste caminho de ferro iniciou-se em 1913 e de 800km; atravessa, por isso, todo o país, de oriente para em 1930 a linha atingiu Nampula!... ocidente. Um ramal, com 78, concluído em 1970, a partir de NOVA FREIXO{7}, passando por ENTRE-LAGOS{8} (na fronteira), ligou esta importante linha ao sistema fer- roviário do Malávi (antes Niassalândia), ficando assim este para com duas ligações directas para o mar, através de Moçambique.

NOTAS 1. Rotas que serviam também o tráfego de passageiros e merca- dorias, como é evidente. 2. Actualmente Malawi ou Malávi. O Protectorado da Niassalândia constituis um território pobre e pouco desenvolvi- do, esquecido na imensidão do Império Britânico; antes da sua independência, em 1964, esteve ligado Rodésia, numa federa- ção que durou pouco. 3. No mapa e respectiva legenda os nomes das terras são sempre acompanhados, solidariariamente, de um número que se apre- senta entre chavetas (p.e. METANGULA{1}). Este sistema, em- bora pareça pouco ortodoxo, convenhamos, permite uma efici- ente e rápida percepção/ligação entre o topónimo e a sua locali- zação geográfica relativa. 4. Ao longo dos anos as designações dos Caminhos de ferro e sua estrutura. administrativa ou económica, sofreram alterações de ordem vária, não havendo interesse em aqui aprofundá-las, apesar de termos na nossa biblioteca elementos que permitiam fazê-lo; assim, geralmente, indicamos as suas designações à data da inauguração. 5. Actualmente PEMBA. 6. N.º 85, de Julho de 1987 e n° 86, de Outubro do mesmo ano. John K. Cross é um distinto estudioso da História Postal de Por- tugal e Colónias, devendo-se-lhe inúmeros trabalhos de grande valia, que muito têm contribuído para o conhecimento da Filate- lia Portuguesa no estrangeiro. Sempre pronto a prestar a sua colaboração, quando solicitada ou não, esperamos que John K.Cross continue a enriquecer a Filatelia Portuguesa com os

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