Sociologia Da Arte – GT 27 Título Do Trabalho "A História De Minhas Canções": O Processo De Criação Artística E De Construção De Memória Em Paulo César Pinheiro

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Sociologia Da Arte – GT 27 Título Do Trabalho XVII Congresso Brasileiro de Sociologia 20 a 23 de Julho de 2015, Porto Alegre (RS) Grupo de Trabalho: Sociologia da Arte – GT 27 Título do Trabalho "A história de minhas canções": o processo de criação artística e de construção de memória em Paulo César Pinheiro. Renan Prestes Muros Genésio UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE Programa de Pós-Graduação em Sociologia "A história de minhas canções": o processo de criação artística e de construção de memória em Paulo César Pinheiro. Renan Prestes Muros Genésio1 O trabalho que aqui disponho tem como objetivo a análise dos registros autobiográficos (acerca, estritamente das práticas referentes a criação/composição de canções) contidos no livro História de Minhas Canções2, de autoria de Paulo César Pinheiro (amplamente reconhecido no meio da música popular brasileira como notório compositor3). São ainda orientações preliminares de uma possível investigação que pretendo encaminhar, portanto, não tenho a intenção de apontar resultados ou fazer considerações definitivas. Porém são reflexões que estão colocadas dentro de um projeto de pesquisa maior, coordenado pela Professora Lígia Dabul, que tem como objetivo descrever e refletir sociologicamente sobre os processos por meio dos quais artistas criam suas obras, interessando-se, particularmente, acerca dos estados especiais de criação, que acompanhariam os chamados fluxos criativos, ou a inspiração, ou a revelação - situações eventuais que, para muitos destes, consistiriam como fundamental e característico da atividade artística4. Assim, ao focar o artista e os processos que suscitam e conduzem seus fluxos criativos, é possível compreendê-los também por meio de práticas tidas como não-artísticas. Ao me deter no discurso que o Paulo César Pinheiro produziu (e registrou por meio de um livro, dando forma e atualizando sua memória), busco assinalar que 1 Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Sociologia Universidade Federal Fluminense e Antropólogo do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária. 2 História das Minhas Canções/ Paulo César Pinheiro. - São Paulo: Leya, 2010. 3 O Dicionário Cravo Albin da Música Popular Brasileira Descreve Paulo César Pinheiro nos seguintes termos: “O Compositor Paulo César Pinheiro costuma se apresentar como filho de Nelson Cavaquinho. Não precisa nem do teste de DNA. As identidades estão evidentes, seja naquele tom de voz de quem canta apesar de tudo, seja no talento inigualável para o trato com as palavras. O dom de escrever letras magistrais, o mangueirense Nelson direcionou quase todo para um sentimento entre a melancolia e o ceticismo que beirou o folclore e rendeu canções memoráveis. Mesmo assumindo uma herança desse porte, o “filho” Paulo César pediu passagem e foi adiante. O resultado de tanto destemor aparece em versos espalhados por mais de mil letras com parceiros tão distintos quanto o silencioso Baden Powell e o iracundo Aldir Blanc. Pinheiro sem parar, mas o faz em sentido bem diverso do que costuma jorrar da linha de montagem da indústria fonográfica.” 4 Ver DABUL (ANO) existem uma série de práticas que são inerentes ao processo de criação e que poderiam ser tidas como acessórias. É assim que, por exemplo, em suas memórias, o consumo de álcool, a provocação de um outro artista ou a encomenda de um intérprete específico se apresentam como elementos fundamentais com os quais Paulo César Pinheiro teve que lidar para formular as suas músicas. Se analisamos então essas operações constitutivas da criação artística, em boa medida estudadas por Norbert Elias em Mozart. Sociologia de um gênio, podemos aventar o impacto que as relações amorosas, ou de amizade e concorrência, descritas por Paulo César Pinheiro em suas memórias, tiveram nos resultados de sua obra, itens conformadores de sua consciência artística. Ao elencar como fonte um livro de registros autobiográficos, busco interpretar a organização que o artista conferiu e sua memória, atualizando a estória que elabora sobre si a partir de uma posição de autoridade que a consagração pública lhe conferiu. Sobre O Poder da Criação e as estórias de Paulo César Pinheiro “(…)O estúdio era magnífico. Talvez o melhor de todos os que conheci na vida. Cabia, com folga, uma orquestra sinfônica lá dentro. O som era perfeito, basta ouvir os discos desse tempo, gravados ali. Uma placa de bronze na parede marcava a data e trazia os nomes da diretoria e a passagem do representante da Casa Real Britânica [a inauguração fora feita na presença do Príncipe Charles e a placa descrita registra o ocorrido]5. O diretor encarregado daquela ala, um polonês de nome Zoltan Merck, sujeito antipático, tratava aquele local de trabalho como se fosse seu quartinho de brinquedo. Não podia ver um vestígio de poeira que chamava, aos berros, o pessoal da limpeza. Pisava-se em ovos naquele ambiente. Perturbava por demais o bom andamento das produções, com sua presença indesejável, a cada meia hora. Nada entendia de música e só atrapalhava. Ninguém o suportava. Até que um dia, meu velho amigo, o Maestro Nelsinho, quebrou o protocolo. Uma cinza do seu cigarro caiu no chão da sala onde ficava a mesa do som. O gringo, irado, ensaiou uma bronca no maestro: - Você faz isso em casa? E Nelsinho, sem titubear, devolveu de bate pronto: - É claro que não, na minha casa tem um monte de cinzeiros espalhados por todo canto. Isso aqui não é o palácio da Rainha. A gente está no Brasil, e eu estou trabalhando. Me dá licença. 5 Nota minha. (…) Olhei pra-aquela placa e pensei: - Tudo isso vai se acabar um dia, desses nomes nela, ninguém vai ouvir mais falar, e o que vai ficar realmente é a música que está se gravando aqui dentro. Fiquei com a ideia na cabeça zoando. À noite, sentado no meu escritório, pensando ainda no fato, uma melodia me veio com letra e tudo: O corpo a morte leva A voz some na brisa A dor sobre pras trevas O nome a obra imortaliza A morte benze o espírito A brisa traz a música Que na vida é sempre o bem mais forte E ilumina a gente além da morte Era a primeira parte de um samba. Encontrei com joão e cantei. Ele, sem pestanejar, emendou a melodia da segunda, e eu terminei a letra: Vem a mim, ó música! Vem no ar Ouve de onde estás a minha súplica Que eu bem sei talvez não seja a única Vem a mim, ó música! Vem secar do povo as lágrimas Que todos já Sofrem demais E ajuda o mundo a sofrer em paz 'Súplica' foi um grande sucesso na voz do próprio João e lhe deu disco de ouro desse ano. Senti que aquele tema tinha mais caldo e o processo continuou. Uma outra melodia começou a me atormentar. Entendi rapidamente que era uma sequencia. E fiz música e letra: Não, ninguém faz samba só porque prefere Força nenhuma no mundo interfere Sobre o poder da criação Não, não precisa se estar nem feliz nem aflito Nem se refugiar em lugar mais bonito Em busca da inspiração Não, ela é uma luz que chega de repente Com a rapidez de uma estrela cadente E acende a mente e o coração Novamente mostrei ao João e ele emendou a segunda melódica. Fiz o resto da letra: É, faz pensar Que existe uma força maior que nos guia Que está no ar Vem no meio da noite ou no claro do dia Chega a nos angustiar E o poeta se deixa levar por essa magia E um verso vem vindo e vem vindo uma melodia E o povo começa a cantar!” (Páginas 57 a 62) Tomei a liberdade de transcrever essa passagem pois a partir dela já é possível assinalar argumentos a serem considerados ao longo do trabalho. Elenco a seguir formulações que permitem alguma articulação com pressupostos teóricos que serão assinalados. Fundamentalmente, o recorte escolhido apresenta o livro História de Minhas Canções e sua estrutura e estratégias narrativas. Usando uma linguagem coloquial e informal (de fato, contando história), o autor apresenta ao leitor prosas diversas que envolvem sessenta e uma das suas mais famosas canções, compartilhando detalhes de sua vida pessoal e de como esses perpassam sua produção musical. Uma observação desatenta pode considerar o livro despretensioso e entendê-lo como uma compilação de curiosidades. Entretanto, em uma tentativa recompor “história de vida” como narrativa organizada que tenha sentido em si mesma, entendo que seja considerável extrair significado do que o narrador propõe acerca de si (ROSENTHAL:2006), elencando assim formulações gerais que Paulo César Pinheiro elabora acerca de suas práticas criativas. Apontando nesse sentido, um traço que é marcante é a premissa de que o compositor elabora o produto artísticos quase que independentemente de sua vontade. Embora a “expertise”, a “prática” e um “certo talento quase que inato” sejam fatores a serem considerados, é talvez a “inspiração”, uma “força extraordinária”, que opera como eixo de condução para encaminhamento da música de excelência. O artista se coloca então como meio de expressão, caminho para a execução de algo que estava preconcebido. “Do poder da Criação Sou continuação E quero agradecer Foi ouvida a minha súplica Mensageiro sou da música O meu canto é uma missão Tem força de oração E eu cumpro o meu dever Aos que vivem a chorar Eu vivo pra cantar E canto pra viver!” (página 63) Os trechos de recortados são de três músicas diferentes, todas compostas por Paulo César Pinheiro em parceria com João Nogueira, são elas “Súplica”, “Poder da Criação” e “Minha Missão”. Nas palavras de pinheiro, essas três canções formam a “Trilogia do Alumbramento”. Essa palavra, “alumbramento”, em certo sentido assinala com mais ênfase a experiência criativa como algo “encantado” e “fora do corriqueiro”, um “fluxo” que se encaminha com mais ou menos controle do artista. Controle e descontrole da criação musical como parte do processo de composição Para ter um dimensionamento um pouco mais preciso da autoridade que o artista em questão tem para falar de si (e ainda deixar um pouco mais claro de onde ele fala) recorro a alguns trechos do perfil do compositor publicado na revista Roling Stone Brasil: “Carioca da gema, compositor precoce, genial letrista, escritor, poeta e dramaturgo.
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