UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE ARTES

GABRIEL BUENO LISBÔA

ZAPATA EM ALMERÍA: OS WESTERNS REVOLUCIONÁRIOS ITALIANOS

Campinas 2020

GABRIEL BUENO LISBÔA

ZAPATA EM ALMERÍA: OS WESTERNS REVOLUCIONÁRIOS ITALIANOS

Dissertação de Mestrado apresentada ao Instituto de Artes da Universidade Estadual de Campinas como parte dos requisitos exigidos para a obtenção do título de Mestre em Multimeios.

ORIENTADOR: IGNACIO DEL VALLE DÁVILA

ESTE TRABALHO CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA DISSERTAÇÃO DEFENDIDA PELO ALUNO GABRIEL BUENO LISBÔA, E ORIENTADO PELO PROF. DR. IGNACIO DEL VALLE DÁVILA.

Campinas 2020

Agência(s) de fomento e nº(s) de processo(s): CAPES 88882.435370/2019-01

BANCA EXAMINADORA DA DEFESA DE MESTRADO

GABRIEL BUENO LISBÔA

ORIENTADOR: IGNACIO DEL VALLE DÁVILA

MEMBROS DA BANCA: PROF. DR. IGNACIO DEL VALLE DÁVILA PROF. DR. EDUARDO VICTORIO MORETTIN PROF. DR. ALFREDO LUIZ PAES DE OLIVEIRA SUPPIA

Programa de Pós-Graduação em Multimeios do Instituto de Artes da Universidade Estadual de Campinas - Unicamp A ata de defesa com as respectivas assinaturas dos membros da comissão examinadora encontra-se no SIGA/Sistema de Fluxo de Dissertação/Tese e na Secretaria do Programa da Unidade.

DATA DA DEFESA: 20.10.2020

Dedico esse trabalho aos meus pais, Paulo e Cláudia Lisbôa pelo amor infinito. E à Bárbara Pajtak, meu eterno porto seguro.

AGRADECIMENTOS

Agradeço primeiramente ao meu orientador Ignacio Del Valle Dávila pela paciência e dedicação durante essa etapa tão significativa da minha vida acadêmica.

Aos professores Pedro Guimarães, Alfredo Suppia, Marcius Freire e Rodrigo de Godoi pelos ensinamentos nas disciplinas em que cursei, bem como pelos conselhos e revisões dos trabalhos que me formaram como pesquisador. E ao Instituto de Artes, o Programa de Multimeios e a Unicamp que me acolheram durante esses mais de dois anos.

A minha família e amigos que diariamente se mostram a estrutura pela qual nos sustentamos especialmente em momentos tão difíceis como os últimos anos.

O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES) – Código de Financiamento 001.

RESUMO

O Zapata foi um subgênero do ciclo dos spaghetti westerns, ambientado durante a Revolução Mexicana e que apresentava questões ideológicas a partir de conflitos entre sua dupla de protagonistas, invariavelmente um mexicano e um estrangeiro. As análises fílmicas de Uma Bala Para o General (Damiano Damiani, 1966) e Companheiros (Sergio Corbucci, 1970) servirão de exemplo para entender como os westerns Zapata conseguiram a partir de um gênero de sucesso na Europa naquele momento, criar pontes entre o México revolucionário de lutas por reformas estruturais e a Itália do Pós-Milagre Econômico. Estes filmes fizeram reverberar sua temática politizada entre cidadãos italianos, principalmente estudantes e trabalhadores das grandes cidades, mas também em um público majoritariamente rural dos cinemas do sul da Itália, numa época de alta efervescência política.

Palavras-chave: cinema de gênero; cinema italiano; Revolução Mexicana; história comparada; análise fílmica.

ABSTRACT

The Zapata Western was a subgenre of the spaghetti westerns cycle, set during the Mexican Revolution and presented ideological issues arising from conflicts between its pair of protagonists, invariably a Mexican and a foreigner. The film analysis of A Bullet for the General (Damiano Damiani, 1966) and Compañeros (Sergio Corbucci, 1970) will serve as an example to understand how the Zapata Westerns, through a successful genre in Europe at that time, created bridges between the revolutionary Mexico marked by struggles for structural reforms and the post-Economic Miracle Italy. These films made its politicized themes reverberate among Italian citizens, mainly students and workers from big cities, but also in a largely rural audience in theaters of southern Italy, at a time of high political effervescence.

Keywords: film genre; Italian cinema; Mexican Revolution; comparative history; film analysis.

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 01 – Walter e Silvana dançam jazz em meio às mondine em Arroz Amargo...... 20

Figura 02 – Cartaz italiano de Maciste Contra o Vampiro (1961)...... 24

Figura 03 – Cartaz americano de Maciste Contra o Vampiro (1961)...... 24

Figura 04 – Cartaz inglês de Os Violentos Vão Para o Inferno (1968)...... 25

Figura 05 – Cartaz francês de Os Violentos Vão Para o Inferno (1968)...... 25

Figura 06 – Cartaz iugoslavo de Os Violentos Vão Para o Inferno (1968)...... 25

Figura 07 – Programação dos circuitos de cinemas em Roma no jornal L’Unità em maio de 1966...... 27

Figura 08 – Django abandona o cemitério na última imagem do filme...... 29

Figura 09 – Cartaz de As Façanhas de Hércules (1958)...... 33

Figura 10 – Cartaz da versão de Hércules de 1983...... 33

Figura 11 – Cartaz de Aeroporto (1970)...... 36

Figura 12 – Cartaz de Aeroporto 77 (1977)...... 36

Figura 13 – O Marquês de Labordere (Cesar Romero), Bem Trane (Gary Cooper) e o bando de Joe Erin (Burt Lancaster) sob a mira dos juaristas em Vera Cruz (1954)...... 41

Figura 14 – Bill Dolworth (Burt Lancaster) é ameaçado por um bandido mexicano.....43

Figura 15 – Cartaz de O Tesouro dos Renegados (1962)...... 46

Figura 16 – Cartaz de Por um Punhado de Dólares (1964)...... 46

Figura 17 – Cena de Meu Nome é Ninguém (1973)...... 50

Figura 18 – Anúncio de Investigação Sobre um Cidadão Acima de Qualquer Suspeita (1970)...... 53

Figura 19 – Cena de O Dia da Desforra (1966)...... 55

Figura 20 – Soldado sul-vietnamita em Huế no Vietnã em 1968...... 56

Figura 21 – Cartaz de Uma Bala Para o General (1966)...... 64

Figura 22 – Cartaz de Companheiros (1970)...... 64

Figura 23 – Imagem de Uma Bala Para o General (1966)...... 66

Figura 24 – Imagem de Uma Bala Para o General (1966)...... 67

Figura 25 – Imagem de Uma Bala Para o General (1966)...... 68

Figura 26 – Imagem de Uma Bala Para o General (1966)...... 71

Figura 27 – Imagem de Uma Bala Para o General (1966)...... 72

Figura 28 – Imagem de Uma Bala Para o General (1966)...... 74

Figura 29 – Ocupação em uma fábrica da Fiat, 1968...... 80

Figura 30 – Manifestação em Verona, 1970...... 80

Figura 31 – Imagem de Uma Bala Para o General (1966)...... 81

Figura 32 – Imagem de Uma Bala Para o General (1966)...... 81

Figura 33 – Imagem de Uma Bala Para o General (1966)...... 81

Figura 34 – Imagem de Uma Bala Para o General (1966)...... 81

Figura 35 – Imagem de Uma Bala Para o General (1966)...... 84

Figura 36 – Imagem de Uma Bala Para o General (1966)...... 84

Figura 37 – Imagem de Uma Bala Para o General (1966)...... 84

Figura 38 – Passeata maoísta em Milão em 1970...... 91

Figura 39 – Folheto do Partido Comunista em 1968...... 91

Figura 40 – Vasco a esquerda, Lola ao centro e a imagem de San Bernardino à direita...... 95

Figura 41 – Manchete do jornal Corrieri Della Sera, 1969...... 96

Figura 42 – Imagem de Companheiros (1970)...... 98

Figura 43 – Imagem de Companheiros (1970)...... 98

Figura 44 – Imagem de Companheiros (1970)...... 100

Figura 45 – Imagem de Companheiros (1970)...... 101

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...... 12 1 GÊNEROS CINEMATOGRÁFICOS E O CINEMA POPULAR ITALIANO .. 18 1.1. O Fenômeno dos Filoni ...... 22 1.2 Recepção e Circuito Exibidor ...... 26 1.3 Evolução Genérica e Ciclos de Produção ...... 31 2 O GÊNERO WESTERN: POLÍTICAS DE FRONTEIRA E IMPERIALISMO 37 2.1 O Western Estadunidense ...... 37 2.2 O ...... 44 2.3 O Western Zapata ...... 49 3 PARÁBOLAS REVOLUCIONÁRIAS: ANÁLISES FÍLMICAS DE UMA BALA PARA O GENERAL (1966) E COMPANHEIROS (1970) ...... 62 3.1 Sinopse de Uma Bala Para o General ...... 62 3.2 A Revolução Mexicana e o Western Zapata ...... 63 3.3 Tomada de Consciência 1 – Subtexto Agrário ...... 68 3.4 Tomada de Consciência 2 – Subtexto Socioeconômico ...... 73 3.5 A Questão “Americana” e Iconoclasta ...... 79 3.6. Sinopse de Companheiros ...... 84 3.7 Mobilização e Ideologia ...... 85 3.8 O Sonho (Revolucionário) Acabou ...... 91 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS ...... 98 BIBLIOGRAFIA ...... 100 APÊNDICE A – Filmografia Principal ...... 105 APÊNDICE B – Filmografia Citada ...... 106 APÊNDICE C – Transcrição dos Diálogos ...... 112

12

INTRODUÇÃO

Sabe o que aconteceu com o western? Havia um pouco o sentimento de uma grande família. Houve um momento em que quase três quartos do cinema italiano estava em Almería, filmando westerns. Então, se criou um espirito de união e... Fizemos uma grande fogueira, entende? Ferdinando Baldi1

Em determinado momento do documentário Western, Italian Style de 1968, dirigido por Patrick Morin para a televisão norte-americana, somos transportados para um bar no centro de Roma que contrasta com o que seria esperado para um retrato da vida noturna italiana de fins da década de 1960. Os atendentes, usando chapéus e botas, servem cerveja em canecas sobre um balcão de madeira, tudo ao som ao vivo de uma dupla de música country. Em seguida nos é apresentado o fim de um casamento italiano igualmente incomum: um casamento à moda western. Estes exemplos, que fora de contexto poderiam ilustrar apenas uma afinidade com a cultura norte-americana, na verdade servem para ilustrar um fenômeno específico: a força do filme de faroeste italiano na cultura popular do país durante o período de metade dos anos 1960 até o início da década de 1970. É certo falar especificamente do filme de faroeste italiano porque o western estadunidense não obteve a mesma penetração, dado que “em 1965 um número de spaghetti westerns estavam ganhando um bilhão de liras só nos prima visione”, mas neste mesmo circuito “nenhum western de Hollywood jamais conseguiu mais de 0,5 bilhão” até a data do seminal artigo de Wagstaff sobre o spaghetti western, A Forkful of Westerns (WAGSTAFF, 1992, p. 246). Ou seja, o modo como este e outros filoni operavam dentro do mercado cinematográfico italiano contribuiu para que o cinema de gênero italiano, por mais de vinte anos, obtivesse uma vitalidade impressionante. Podemos compreender um gênero cinematográfico como um conjunto de elementos temáticos e estilísticos apropriados por produtores e diretores com uma determinada finalidade. Mas uma conceituação mais apropriada engloba também as maneiras como o público, crítica e estudiosos absorvem e reelaboram essa matriz formal e narrativa através de valores e funções próprios de sua sociedade (muitas vezes diferente daquela de origem do filme), criando um exercício dinâmico que revitaliza os gêneros através da história sendo que “nenhuma parte isolada desse processo é na verdade o gênero; ao invés disso o gênero está em algum lugar na circulação geral de significado constitutivo do processo” (ALTMAN, 1999, p.

1 Depoimento dado ao documentário The Spaghetti West (David Gregory, 2005). 13

84). Quando o western produzido na Itália começou a se tornar realmente popular, críticos elaboraram a alcunha spaghetti western para rebaixar a produção italiana no gênero (COX, 2009, p. 9). Hoje o termo sem o tom pejorativo acaba sendo usado como um sinônimo do filme de faroeste produzido na Itália ou como um subgênero do western, sobre o qual ficou associada uma série de convenções estilísticas2. Mas se um western for produzido e lançado hoje na Itália seria adequado chamá-lo de spaghetti western? Filmes como o japonês Sukiyaki Western Django (, 2007) e o sul-coreano Os Invencíveis (Jee-Woon Kim, 2008), cujo título em inglês é mais esclarecedor em sua referência, The Good, the Bad and the Weird, seriam também spaghetti westerns? O que gostaríamos apontar, é que mais do que uma designação de nacionalidade ou de estilo, o termo spaghetti western, está intimamente relacionado a uma série de ciclos de produção típicos do cinema popular italiano de meados do século passado. Da metade da década de 1950 até o início dos anos 1980 o cinema popular italiano seguia ciclos de produção chamados de filone. Nestes ciclos, um determinado gênero era explorado à exaustão em centenas de películas, como o épico (peplum), o thriller de investigação (giallo) e o policial (poliziottesco), até que um estilo cansasse o público e então, outro filone entrava em curso a partir de um sucesso de bilheteria (BONDANELLA, 2009, p. 178). Além de altamente rentáveis em seu mercado interno, os exemplares dos ciclos eram exportados para várias partes do mundo, principalmente aos Estados Unidos, Inglaterra e Japão, sem contar os países coprodutores como a Espanha, Alemanha e França. Além desse processo industrial robusto, a cinematografia italiana contava no mesmo período com o auge de seus mais famosos e respeitados cineastas. Os filmes tanto da ala mais artística e autoral como os de Federico Fellini, Michelangelo Antonioni e Luchino Visconti, como aqueles de teor mais político e social como os de Bernardo Bertolucci, Elio Petri, Francesco Rosi e Gillo Pontecorvo ganhavam prêmios e prestígio internacional. Durante a década de 1960 estes cineastas italianos elaboraram reflexões acerca das mudanças ocorridas com a modernização e secularização da Itália, principalmente a partir da industrialização do norte do país na década de 1950 impulsionada pelos Estados Unidos, que gerou tanto melhorias como graves desigualdades em sua sociedade. Filmes com teor díspar, de Luchino Visconti e Federico Fellini com Rocco e Seus Irmãos (1960) e A Doce Vida (1960) aos filmes populares como os spaghetti westerns

2 A maioria das práticas estilísticas que hoje são sinônimos dos spaghetti westerns está relacionada à obra de , como os “close-ups extremos, composições recessivas com profundidade, trompe l’oeil, ruídos naturais amplificados” (CARREIRO, 2014, p. 272), além das trilhas musicais de , que acompanharam todos os seus filmes. 14

Corre Homem, Corre (de Sergio Sollima) e Os Violentos Vão Para o Inferno (de Sergio Corbucci), ambos de 1968, abordavam a interferência estrangeira e problemas sociais. A diferença é que enquanto Fellini e Visconti refletiam sobre a alienação social e miragens capitalistas contemporâneas à sua sociedade, os filmes de Sollima e Corbucci usaram a fronteira entre o México e os Estados Unidos como espaço para parábolas sobre desigualdades, racismo e violência. Um exemplo disto está em Uma Bala Para o General, um de nossos objetos principais de pesquisa. El Chuncho, o protagonista do filme, é um personagem perdido entre desejos de acúmulo de capital representados pelo estadunidense Bill Tate e a insurreição violenta de seu irmão, Santo. No filme, a relação entre El Chuncho e Bill Tate serve tanto como uma metáfora para as relações entre Estados Unidos e México como para outras situações de exploração similares. Sobre o filme, Austin Fisher afirma:

Se por desígnio ou não, Damiani e seu roteirista Franco Solinas registram um momento cultural da identidade italiana: acerca do qual, paradigmas instantaneamente reconhecíveis do cinema norte-americano forneceram filtros prontos para o uso sobre as oposições políticas do período. (FISHER, 2013, p. 300).

O filme pode ilustrar a difícil relação do pós-guerra da Itália com os Estados Unidos e a forte influência deste na política econômica do país europeu, e isto aparecerá dentro do cinema popular italiano como dito anteriormente não de forma isolada em Uma Bala Para um General, mas principalmente no subgênero que ficou conhecido como western Zapata. O nome vem da ambientação dos filmes em meio à Revolução Mexicana, conflito iniciado em 1910 e que tem em Emiliano Zapata3 um dos principais representantes. Usamos o termo subgênero porque diferentemente do contexto mais amplo ao qual se insere (o spaghetti western, um ciclo de produção, e o western, um gênero), o western Zapata necessita da inclusão de certos elementos específicos, semânticos (o México e o contexto revolucionário) e sintáticos (a oposição entre o mexicano e o estrangeiro) usando a terminologia de Altman (1999), além da inclusão de temas e modelos do cinema político4, em igual relevância estrutural, assim como a comédia em Trinity é o Meu Nome (1970), por

3 Mesmo que o nome Zapata, usado para designar esta classe de filmes, seja mais simbólico do que político como veremos a seguir, cabe uma breve biografia do líder revolucionário. Zapata nasceu em San Miguel Anenecuilco, povoado do estado de Morelos (GARCIADIEGO, 2010, p. 267) e foi um tratador de cavalos até os seus trinta anos de idade, quando se dá o início da Revolução. Zapata tinha origem indígena e mesmo inserido na realidade camponesa, possuía a instrução primária e vestia a roupa típica de vaqueiro e chapéu enfeitado; seu pensamento político era “fruto da inspiração popular e rural. Posteriormente, derivou para uma posição mais radical e jacobina ou socializante, influenciado provavelmente por Antonio Díaz Soto y Gama” (BARBOSA, 2010, p. 781). Morreu em uma emboscada em abril de 1919 (GARCIADIEGO, 2010, p. 300). 4 Bondanella chama o cinema político italiano da década de 1960 e 1970 de filone (2009, p. 242). Como veremos no Tópico 2.3 deste trabalho, havia certa unidade de propósito e senso de conjunto nestes filmes, mas preferimos ater o termo filone apenas aos filmes comerciais. 15

exemplo, sendo o uso de elementos cômicos ou políticos não apenas pontuais ou parte do subtexto5. Através do levantamento feito a partir da análise bibliográfica e levando em consideração a ambientação fronteiriça e o contexto da Revolução Mexicana, alguns spaghetti westerns considerados westerns Zapata não foram selecionados para formar nosso corpus expandido de pesquisa pela menor expressividade, seja de fortuna crítica ou bilheteria, ou por possuírem a Revolução ou o México apenas como pano de fundo, sem o caráter dialético entre o estrangeiro e o mexicano. Podemos citar como exemplos: Réquiem Para Matar (Carlo Lizzani, 1967), Killer Kid (Leopoldo Savona, 1967), Exército de 5 Homens (Don Taylor e Italo Zingarelli, 1968), Um Trem para Durango (Mario Caiano, 1968), O Pistoleiro Esquecido (Ferdinando Baldi, 1969), Viva a Morte... Tua (Duccio Tessari, 1971), Que Faço no Meio de uma Revolução? (Sergio Corbucci, 1972). Alguns autores também incluem aqueles não italianos, resultantes de coproduções hispânico-americanas ou inglesas como Os Canhões de San Sebastian (Henri Verneuil, 1968), Uma Cidade Chamada Bastardo (Robert Parrish, 1971), A Quadrilha da Fronteira (Eugenio Martin, 1971), Pancho Villa (Eugenio Martin, 1972). Como estes não são spaghetti westerns, também foram desconsiderados já que um dos principais pontos de interesse desta pesquisa está justamente no contexto histórico italiano do período. Há ainda os dois primeiros westerns de Sergio Sollima, O Dia da Desforra (1966) e Quando os Brutos se Defrontam (1967), que geralmente são considerados westerns Zapata e de fato possuem uma discussão política acentuada representada pelo estrangeiro e o mexicano, mas não contêm um caráter revolucionário e a ambientação majoritariamente mexicana. O Dia da Desforra inicia-se no Texas e termina cruzando a fronteira. Há uma referência aos juaristas, mas o filme ainda não desenvolve de fato a temática revolucionária. No caso de Quando os Brutos se Defrontam, o filme é ambientado durante a Guerra Civil americana, e o protagonista, o professor de história Brad Fletcher, sai de Boston e vai para o Texas. Lá ele abandona seu racionalismo e vira um déspota ensandecido, enquanto que o bandido da história, Beauregard Bennet6, um fora da lei egoísta, percebe as consequências de suas ações, numa tomada de consciência mais humanista do que ideológica. Por estas razões

5 Segundo Neale um subgênero pode se dar através de tradições específicas ou grupamento entre dois gêneros, como a comédia romântica e o horror gótico (NEALE, 2000, p. 7). Estas questões serão exploradas de forma mais detalhada nos Capítulos 2 e 3 deste trabalho. 6 O cabelo e a camisa de couro com franjas parecem tentar remeter a uma origem indígena, mas não fica clara a nacionalidade ou origem de Beauregard no filme que em determinado momento diz que irá se “disfarçar de mexicano”. O nome Beauregard, que também aparece em Meu Nome Não é Ninguém, talvez seja uma referência ao engenheiro creole e general Confederado Pierre Gustav Toutant Beauregard. 16

estes dois filmes serão comentados brevemente durante o trabalho, mas não representariam o western Zapata de maneira mais básica e essencial. O corpus fílmico expandido selecionado para este projeto então se encerra em um grupo de seis filmes: Uma Bala Para o General (Quién Sabe, 1966) de Damiano Damiani; Corre Homem Corre (Corri uomo corri, 1968) de Sergio Sollima; Os Violentos Vão Para o Inferno (Il mercenario, 1968) e Companheiros (Vamos a matar, compañeros, 1970) de Sergio Corbucci; Tepepa (idem, 1969) de Giulio Petroni; e Quando Explode a Vingança (Giù la testa, 1971) de Sergio Leone. Dois deles serão foco de análise fílmica feita com maior profundidade no Capítulo 3: Uma Bala Para o General (1966) e Companheiros (1970). Estes filmes foram escolhidos como corpus de pesquisa porque servem para ilustrar o início e o fim do que se convencionou chamar de western Zapata pelos momentos de experimentação e saturação dos traços marcantes desse movimento informal. Antes de partir para a análise dos objetos fílmicos, porém, será necessário apresentar de modo resumido tanto o contexto político-social da Itália de fins da década de 1950 até início da década de 1970, bem como do México do início do século XX. Desta maneira o primeiro capítulo tem como objetivo explorar o fenômeno italiano dos filoni (plural de filone) relacionando as particularidades de seu contexto de produção, a cadeia vertical do circuito exibidor italiano e o seu significado cultural no período. Exploraremos também como o conceito de “evolução genérica” trabalhado por Thomas Schatz se mostra uma ferramenta útil para discutir este modelo em ciclos. O segundo capítulo discorrerá brevemente o sobre a formação e as características globais do gênero western, bem como a representação do México, da Revolução Mexicana e do mexicano em westerns americanos, principalmente naqueles conhecidos como westerns “contra insurgentes”. Em seguida apresentaremos o desdobramento italiano do gênero no ciclo conhecido como spaghetti western, num breve resumo fenômeno. Por fim apresentaremos o western Zapata, convencionado aqui como um subgênero político do western. O terceiro capítulo utilizará de ferramentas da análise fílmica e historiográfica para um estudo mais aprofundado de dois filmes chave do subgênero do western Zapata, Uma Bala Para o General e Companheiros, com o intuito de testar hipóteses levantadas pelo pesquisador e verificar momentos em que se evidenciam temas e paralelos a partir de dois contextos históricos tão distintos. Primeiramente traremos informações sobre a Revolução Mexicana, sendo esclarecidos seus antecedentes, os agentes desse processo e os resultados do período revolucionário no país. Da mesma maneira será realizada uma breve história do 17

período posterior ao Milagre Econômico Italiano até o momento de agitação político-social de fins dos anos 1960 e que teve como resultados greves, protestos e fechamentos de fábricas, recorrentes até meados da década de 1970. O intuito será analisar os westerns Zapata não apenas como metáforas globais a respeito de revoluções correntes no então Terceiro Mundo, como geralmente se dá pela crítica e alguns estudiosos, mas entender de maneira mais pontual como problemas relacionados à reforma agrária, por exemplo, para os camponeses mexicanos do período retratado nos westerns Zapata encontram paralelos à situação dos agricultores italianos coetâneos a esta produção. De maneira geral procuramos explorar as possibilidades e usos do cinema de gênero como documento histórico7 e como ferramenta de conscientização política.

7 Nossos objetos de pesquisa não serão trabalhados fundamentalmente a partir da noção partilhada por Rosenstone no que diz respeito ao filme histórico-dramático como um tipo de escrita histórica que modifica nossas visões do passado mesmo que sutilmente, mas da análise de sua contribuição “que reside exatamente no nível do argumento e da metáfora, especialmente quando há uma interação com o discurso histórico mais amplo” (ROSENSTONE, 2010, p. 23). Logo, não será nossa intenção central analisar como é dada a história mexicana no western italiano a partir de sua premissa história (ROSENSTONE, 2010, p. 32), mas, em especial, revelar o que pode ser depreendido do momento em que esses filmes foram feitos: “As películas de reconstituição histórica são importantes também pelo que dizem a respeito do seu presente, [...] e não propriamente pela representação do passado em si [...] É no presente que ‘se situa o verdadeiro real histórico destes filmes, e não na representação do passado (o vestuário ou fragmentos de diálogos autênticos colocados à parte)’” (MORETTIN, 2003, p. 31). 18

1. GÊNEROS CINEMATOGRÁFICOS E O CINEMA POPULAR ITALIANO

Enquanto preparava Barry Lyndon, à época um tipo de Era uma Vez na Inglaterra do Século XVIII, Kubrick me telefonou e disse: “Eu tenho todos os álbuns do Ennio Morricone. Você pode me explicar por que eu só pareço gostar da música que ele compôs para seus filmes?” Ao que eu respondi: “Não se preocupe. Eu não estimava muito Richard Strauss até ver 2001 – Uma Odisseia no Espaço”. Sergio Leone8.

A preocupação com o desenvolvimento de uma indústria cinematográfica italiana era visível no período fascista que perdurou de 1922 a 1943. Uma emergente cadeia de produção, bastante atuante desde o início do século, era incentivada a abastecer um circuito exibidor bastante considerável, mas também a competir internacionalmente, culminando em 1937 com a inauguração do complexo de estúdios Cinecittà pela Direzione Generale per la Cinematografia. A direção do Estado fomentava, portanto, o cinema de entretenimento e não somente um instrumento de propaganda direta: A cultura cinematográfica deste período também foi consolidada pela emulação e adaptação do estilo dos filmes de Hollywood que foram os mais populares na Itália durante a década de 1920. [...] Como parte das intervenções fascistas na indústria, a Direzione Generale per la Cinematografia foi instituída dentro do Ministério da Cultura Popular. Seu principal objetivo era fomentar as capacidades de fabricação nacional e de reputação internacional da indústria cinematográfica italiana (BAYMAN; RIGOLETTO, 2013 p. 2).

Delegações italianas a mando do governo visitaram “três modelos estrangeiros diferentes, examinados seriamente pelo que eles tinham para oferecer à Itália [...] a Mosfilm na União Soviética, a UFA na Alemanha e Hollywood nos Estados Unidos” (WAGSTAFF, 2013, p. 43). Havia certa liberdade na exibição de filmes estrangeiros e nas discussões acerca das motivações para a produção nacional, sendo que em 1937, o Centro Experimental de Cinematografia, uma escola para a capacitação dos profissionais do ramo, “passou a publicar o importante jornal Bianco e Nero (Branco e Preto), que provocava o debate sobre teorias do cinema e sua prática, incluindo teorias da União Soviética” (BONDANELLA, 2009, p. 22), inimiga ideológica do Estado fascista. É claro que este cinema, concentrado em produções de filmes históricos e adaptações literárias, não tinha interesse em retratar os problemas cotidianos do italiano, gerando uma insatisfação em diversos cineastas mais politizados. Conjuntura que seria a semente para a eclosão do cinema neorrealista perto do fim da Segunda Guerra Mundial. Um cinema urgente e direto; registro das ruínas da Guerra e seus

8 LEONE apud FRAYLING, 2005, p. 129. 19

efeitos no povo italiano. Um cinema caracterizado esteticamente pelas filmagens nas ruas, iluminação natural, câmeras em movimento e o uso de atores não profissionais em filmes como Roma, Cidade Aberta (Roberto Rossellini, 1945), Vítimas da Tormenta (Vitorio de Sica, 1946) e A Terra Treme (Luchino Visconti, 1948), etc. O impacto deste cinema foi sentido no mundo todo (FABRIS, 1996, p.47), sendo que exemplares dos cinemas novos dos anos 1960, como o Cinema Novo brasileiro, carregavam as marcas do cinema neorrealista em seu estilo e temática social (XAVIER, 2001, p. 14). Mas mesmo sendo uma das amostras mais influentes e representativas da história do cinema italiano9, os filmes neorrealistas representavam uma pequena fatia do que era feito no período, sendo que “dos 822 filmes produzidos na Itália entre 1945 e 1953, somente 90 podem ser descritos como neorrealistas no sentido mais amplo do termo” (LAWTON, 1979, p. 12) e poucos tinham números expressivos em relação a sua bilheteria. Já no fim da década de 1940, filmes como Sem Piedade (Alberto Lattuada, 1948) e Arroz Amargo (Giuseppe de Santis, 1949), mesclavam elementos da ambientação e estética neorrealista com modelos norte-americanos contemporâneos, como o filme noir e o filme de gângsteres (BONDANELLA, 2009, p. 104) (Figura 01). No filme de De Santis, um casal de ladrões de joias, Francesca (Doris Dowling) e Walter (Vittorio Gassman), ao fugir da polícia, acabam num trem com trabalhadoras rurais chamadas de mondine, transportadas para uma plantação de arroz. Francesca se envolve com um soldado idealista enquanto Walter usa uma ambiciosa mondine, Silvana (Silvana Mangano), em seu plano para roubar parte da produção da fazenda. Mesmo que exista o interesse no retrato das condições de trabalho das mondine e em se fazer uma crítica aos valores americanos, é evidente no trabalho de De Santis “a conciliação entre o conteúdo ideológico e admiração pelos filmes de gênero Hollywoodianos, à direção de John Ford, King Vidor e o estilo de atuação de Joan Crawford” (BONDANELLA, 2009, p. 107).

9 Uma das características do neorrealismo que mais impactou o cinema italiano, que até então experimentava com a gravação do som in loco, foi a ausência de som direto como uma norma até meados da década de 1980 (BONDANELLA, 1993, p. 48). Usada primeiramente como um meio de reduzir custos com laboratórios, a pós-sincronização do som diegético e das vozes, também tinha a intenção reduzir a um único idioma os vários dialetos locais (o italiano não era o primeiro idioma da maioria dos italianos até a década de 1950) além de línguas de falantes estrangeiros. Segundo Fleeger (2017, p 32), a pós-sincronização era tão recorrente, herança do Estado fascista que obrigava todo filme estrangeiro a ser dublado, que o custo com a técnica era baixíssimo. O italiano estava acostumado com a falta de ambiência e profundidade do som dublado, sendo que “os cineastas italianos foram capazes de criar uma relação única em que som e imagem não precisavam corresponder” (FLEEGER, 2017, p. 33). 20

Figura 1 - Walter e Silvana dançam jazz em meio às mondine em Arroz Amargo (1949)

Fonte: Imagem extraída do filme (ARROZ...,1949).

Cruzar determinadas “fronteiras” dentro de propostas de cinema sempre foi natural para diretores e roteiristas italianos, tanto no próprio conteúdo específico de um filme como na relação consideravelmente harmoniosa entre cineastas:

[...] a saúde sem precedentes da cultura cinematográfica do pós-guerra estava longe de se basear na oposição de cinema de arte e produtos de autor ao cinema de gênero comercial. Basta pensar nas raízes de Fellini na comédia, em Visconti no melodrama, no compartilhamento de equipes de produção de roteiristas, compositores, editores nos estúdios romanos de Cinecittà para conceber a relação entre o cinema popular e artístico como uma questão de produtividade mútua (BAYMAN; RIGOLETTO, 2013, p. 13).

O cinema popular contava com a ascensão do comediante Totò, que emplacava sempre um filme por ano entre os mais vistos no país, e cujas peripécias tragicômicas próximas do vagabundo Carlitos de Chaplin acabariam gerando o que ficou conhecido como neorrealismo rosa (BONDANELLA, 2009, p. 114) ao fazer humor com os infortúnios do italiano do pós-guerra. Este estilo ainda daria origem a popular série de Dino Risi e Luigi Comencini, Pão, Amor e... (iniciada em 1953 com Pão, Amor e Fantasia). Já no fim da década o diretor Mario Moniccelli, consolidaria com grande sucesso a commedia all’italiana, com Os Eterno Desconhecidos (1958), carregada de crítica social num viés mais ácido e grotesco (BONDANELLA, 2009, p. 181) do que o filme de humor americano da screwball comedy10, por exemplo.

10 Segundo Schatz “um tipo de comédia de tela popularizada durante o início do som em ritmo acelerado; comédias espirituosas de costumes explorando as fraquezas das classes altas da América” (SCHATZ, 1981, p. 150). 21

A influência americana no cinema italiano no pós-guerra foi além dos gêneros cinematográficos. Num primeiro momento durante a ocupação, as empresas americanas tentaram de todo modo frear o desenvolvimento da indústria doméstica através de medidas restritivas que geraram um dumping de produções estadunidenses no mercado italiano (GENNARI, 2009, p. 10). O governo italiano tentou reverter esse quadro de algumas maneiras. Uma delas foi um sistema de cotas de tela, adotado entre 1927 e 1945, revogado pelo almirante americano Ellery W. Stone, mas que voltou a ser imposto em 1946 (GENNARI, 2009, p. 9). Mas a partir da década de 1950, com a abertura, possiblidades de colaboração entre empresários dos dois lados do Atlântico, revela-se um novo cenário, sendo que Wagastaff (2013, p. 12) aponta que mais de 350 milhões de dólares foram gastos entre 1957 e 1967 na compra e produção de filmes italianos:

Para as empresas de produção americanas, havia benefícios claros em fazer filmes na Itália: baixos salários, aluguel barato de estúdio e benefícios fiscais para investir no exterior, especialmente quando a exportação de moeda forte da Europa era proibida. Ao fazer filmes na Itália, as produtoras americanas também poderiam investir seu dinheiro bloqueado em filmes que depois poderiam exportar de volta para os Estados Unidos e para outros mercados estrangeiros (GENNARI, 2009, p. 9). Além disso, a indústria do cinema italiano contava com uma série de subsídios do Estado para fomento das produtoras, majoritariamente pequenas, uma característica da forma de produção no país desde o início do século (WAGSTAFF, 1992, p. 250). Este modelo conseguiu não só apresentar números extremamente relevantes “produzindo mais de 200 filmes por ano, um total superado apenas pela Índia [...] e Japão” (FRAYLING, 1998, p. XXIII) no período entre o fim da década de 1960 e início da década de 1970, como superou em bilheteria a produção americana dentro do país:

Durante a primeira metade dos anos 1950, os filmes americanos ocupavam 60 por cento das receitas de bilheteria, enquanto que os italianos estavam reduzidos a 33 por cento. No meio dos anos 1970, as figuras tinham se alterado totalmente: somente 25 por cento iam para Hollywood, e os filmes italianos ficavam com 65 por cento. (SORLIN, 1996, p. 124). Uma das abordagens que colaboraram para essa significativa reversão de cenário foi a tendência de produções domésticas em explorar o sucesso de filmes estadunidenses (GENNARI 2009, p. 8) e que resultaria na explosão dos filoni que comentaremos a seguir. O italiano não somente estava acostumado e gostava do cinema do seu país, mas o próprio cinema era seu principal meio de comunicação e entretenimento: 22

Números do início de 1970 ilustram a força do mercado de cinema italiano em comparação com o Reino Unido. Em 1972, a população total da Itália foi de cerca de 54,8 milhões. Entradas de cinema para esse ano totalizaram 553,6 milhões, o que significa que em média, cada cidadão ia ao cinema dez vezes por ano! Compare isso com os números para o Reino Unido em 1972: a população era de aproximadamente 55,7 milhões, quase a mesma como a Itália; mas com bilhetes de cinema atingindo meros 156,6 milhões. (THROWER apud, KOVEN, 2006, p. 12). Christopher Frayling aponta que isto se deve em parte pelo fato de que o número de televisores na Itália ainda era pequeno na década de 1970, perto de outros países da Europa e Estados Unidos (FRAYLING, 1998, p. XXIII), mas a popularidade do cinema está relacionada não só com o número de aparelhos em si, mas com a função do cinema popular italiano que na maioria das vezes exercia um caráter socializante e casual próprio da televisão, um fenômeno comum em outros países, mas muito significativo na Itália como exemplificado pelos números apresentados e como veremos a seguir.

1.1. O Fenômeno dos Filoni

Outra característica importante do cinema comercial italiano foi o caráter cíclico e exploratório dos filoni. O termo filone traduz-se literalmente como linha, corrente, e tem origem no cinema (KOVEN, 2006, p. 5) com a expressão sullo stesso filone (à maneira de), para designar um filme realizado na mesma “linha” que outro, essencialmente de grande sucesso. Os filoni como ciclos de produção (mais ou menos) bem definidos têm origem com o fim da sensação conhecida como “Hollywood no Tibre” (BONDANELLA, 2009, p.161), quando produtores italianos decidiram aproveitar sets de produções americanas de épicos como Quo Vadis (1951) e Helena de Tróia (1956) para fazer filmes baratos de aventura de “sandálias e espadas”:

Até o final da década de 1950, o filme histórico-mitológico tinha sido um gênero de grande orçamento, de prestígio cultural, da Cabiria de Giovanni Pastrone de 1914 [...] ao Ulisses de Camerini (1954). Em 1957 aconteceu algo extraordinário e imprevisto. O diretor Pietro Francisci, em colaboração com o roteirista Ennio De Concini, inventou uma versão de As Argonáuticas para uma aventura episódica, usando um Mister Universo americano, Steve Reeves, como protagonista, destinado a um público popular. As Façanhas de Hércules (1957) foi um enorme sucesso, assim como a sua sequência, Hércules e a Rainha da Lídia (1958), particularmente no que é chamado de 'profundezas' do mercado doméstico, os cinemas na província das cidades e zonas rurais, e no sul da Itália. (WAGSTAFF, 2013, p. 43).

23

Com o sucesso de As Façanhas de Hércules, tanto na Itália como nos Estados Unidos11, dezenas de filmes foram produzidas neste filone que ficou conhecido como peplum12, tendo como foco os atos heroicos de personagens como o próprio Hércules, Sansão e Maciste13. Diferentemente do que sugere o título, o filme não foca nas façanhas famosas pelo mito Os Doze Trabalhos de Hércules, mesmo que haja menções a história, como a luta de Hércules com o leão de Nemeia. Depois de algumas demonstrações de força e coragem do protagonista, a trama principal de fato inicia-se com Hércules acompanhando Jasão em sua jornada para conseguir o Velo de Ouro e recuperar o trono usurpado pelo tio Pélias. Mais interessados nos arquétipos e ambientações para construir histórias de aventura, os pepla (plural de peplum) num primeiro momento parecem ser displicentes em relação à fidelidade histórica ou com o material mitológico de origem, mas na verdade isso não importava e revela o quão criativo e inusitado qualquer um destes filmes podia ser (HUGHES, 2011, p. 35). Basta ver os lançamentos de um único ano, 1961, para uma amostra da profusão de temas em aventuras misturando heróis gregos e o horror (Maciste Contra o Vampiro de Sergio Corbucci e Giacomo Gentilomo), filmes com temática viking (A Vingança dos Vikings de Mario Bava), mongol (Os Bravos Tártaros de Richard Torpe e Ferdinando Baldi) ou filmes de piratas (O Pirata Negro de Mario Costa). Estas produções de quadro largo em Techniscope, tecnologia que imitavam o Cinemascope da Fox, e de grandes cenários coloridos (BONDANELLA, 2009, p.162) de fato tinham um apelo mais infanto-juvenil.

11 A campanha publicitária de televisão paga pela companhia de distribuição do produtor Joseph E. Levine para a estreia do filme nos Estados Unidos, como aponta Hughers (2011, p. 3) foi umas das mais agressivas da época. O complemento Barnum of Baltimore: The Early Films of Joseph E. Levine revela que os pepla importados por Levine e os filmes japoneses sobre o monstro Godzilla, foram responsáveis pela penetração de filmes estrangeiros dentro do circuito popular americano, como os drive-ins, um pioneirismo vital para a exportação de outros filoni. 12 O filone foi batizado por críticos a partir do termo grego “peplos”, o nome do saiote usado pelos heróis dos filmes (HUGHES, 2011, p. 01). 13 Maciste foi um personagem criado por Gabriele d'Annunzio e interpretado por Bartolomeo Pagano em Cabiria (Giovanni Pastrone, 1914) para ser um herói similar a Hercules, cujos feitos renderiam mais de 25 filmes com Pagano no período silencioso (HUGHES, 2011, p. 13). Quando revivido durante o ciclo do peplum, seu nome foi traduzido para Hércules ou Golias em países como os Estados Unidos, sem familiaridade com o personagem. 24

Figuras 2 e 3 – Cartazes italiano e americano de Maciste Contra o Vampiro (1961)

Fonte: IMDb, [20-?]

Como os filoni não eram exclusivamente consecutivos, durante os anos 1960 haviam outras fórmulas populares voltadas para um público mais adulto como o horror gótico de As Três Máscaras do Terror (Mario Bava, 1963) e Dança Macabra (Sergio Corbucci e Antonio Margheriti, 1964), estilo revigorado por conta do sucesso das produções britânicas da Hammer Films e das adaptações literárias de Edgar Allan Poe por Roger Corman nos Estados Unidos. Havia também os filmes de espionagem, baseados no agente secreto James Bond como Nova York Chamando Super Dragon (Giorgio Ferroni, 1966) e Operação Irmão Caçula (Alberto De Martino, 1967); além é claro das comédias e do erótico14. Porém a grande sensação que suplantou os pepla, cuja fórmula se exaure em meados da década de 1960 até praticamente desaparecer, foi o western após o sucesso de Por um Punhado de Dólares (de Sergio Leone) em 1964. Como veremos no próximo capítulo, o gênero foi a maior sensação interna e internacionalmente entre todos os filoni italianos. A grande maioria dos westerns italianos tinha como foco uma fórmula mais livre e dinâmica em relação ao tratamento do mito do oeste americano, o que fazia destes filmes um grande sucesso não só em seu país natal, mas em várias partes do mundo:

Em 1946, nenhum filme italiano foi importado para o Reino Unido, mas, em 1960, o Reino Unido tornou-se um importante importador de filmes populares de fórmula italiana de aventura para o mercado de filmes B. A

14 Segundo Wagstaff “na segunda metade dos anos 1960 praticamente todos os filmes de gênero continham sexo (nudez feminina) exceto os westerns” (1992, p. 252). 25

América do Sul e o Oriente Médio também se tornaram importantes mercados de exportação, o que complica o quanto o cinema popular italiano era para os italianos. (BAYMAN; RIGOLETTO, 2013, p. 4). De fato uma das características mais singulares a respeito dos filoni em relação ao mercado externo, principalmente do western, era o fato de que grande parte destes filmes eram coproduções internacionais sendo que “em 1965, a Itália produziu 182 filmes - 75% dos quais eram coproduções - projetados para ampla distribuição subsidiada pelo Estado com pelo menos dois países participantes” (WAGSTAFF, 2013, 33). Havia, portanto, um interesse dos governos tanto italiano como espanhol, por exemplo, de promover parcerias e estimular sua própria produção nacional. Os filmes que firmassem esse tipo de acordo ganhavam mais facilidades de crédito e poderiam ser recompensados caso o filme fracassasse nas bilheterias. Foram firmadas a partir da norma Legge Corona parcerias com a Espanha em 1965 e em 1968 com a Alemanha, que se tornariam, junto com a França, os países mais próximos das produções do cinema popular italiano (WAGSTAFF, 1992, 249). Mas estas negociações podiam se tornar complicadas.

Figuras 4, 5 e 6 – Cartazes inglês, francês e da ex-Iugoslávia de Os Violentos Vão Para o Inferno (1968)

Fonte: IMDb, [20-?]. Muitas vezes, mais de três países estavam envolvidos já na fase do casting e da escrita do roteiro, pois todas as etapas do financiamento até a distribuição estavam comprometidas desde o acordo inicial (SORLIN, 1996, p. 124). Para evitar problemas e perdas financeiras, as produtoras envolvidas procuravam arriscar pouco, mesmo com a garantia de ajuda estatal em caso de bilheterias fracas, o que fez com que o spaghetti western, por ser uma aposta segura e por ser barato para produzir, permanecesse sendo exibido continuamente nos cinemas 26

italianos; de fato por muito mais tempo nos cinemas mais populares do que nos cinemas urbanos15. Para compreender essa discrepância vê-se necessário entender de que maneira o circuito exibidor italiano funcionava.

1.2 Recepção e Circuito Exibidor

Os melhores cinemas das grandes cidades, frequentados pelas classes média e alta, eram chamados de cinemas prima visione, isto é, as grandes estreias aconteciam inicialmente nestes cinemas, onde também eram exibidos os filmes de maior prestígio cultural, sendo que parte do seu público procurava um cinema mais artístico ou engajado. As cópias dos filmes eram então exibidas nos secconda visione, cinemas mais baratos ou de cidades menores, e em seguida nos cinemas de terza visione, cinemas de periferia e cinemas rurais (SORLIN, 1996, p. 120). Além dessa hierarquização, as cópias ainda passavam por um sistema de revezamento nos secconda e terza. Como o circuito exibidor italiano na época era gigantesco, produzir e distribuir várias cópias de um mesmo filme para os vários cinemas de uma mesma cidade encareceria muito o processo. De maneira que poucas cópias de determinado filme eram exibidas várias vezes ao dia num mesmo cinema e no dia seguinte acontecia o revezamento (WAGSTAFF, 1992, 250). Desta maneira a “vida útil” de um exemplar dos filoni demorava meses ou até anos para se esgotar dentro dos circuitos. Porém um western mais custoso como os de Leone e Corbucci dependia da bilheteria mais veloz dos cinemas prima para abater os altos custos de produção e pagar os vários investidores:

Os spaghetti westerns têm de ser divididos em dois tipos diferentes: por um lado, filmes direcionados primariamente para o público dos prima visione, urbano e de classe média (que então absorveria mais receitas nos seconda visione e terza visione) e, por outro lado, o filme barato, distribuído principalmente através dos terza visione (às vezes com um breve lançamento no seconda visione ou até mesmo alguns dias nos prima) (WAGSTAFF, 1992, 247) .

15 “O circuito dos prima visione era muito mais responsivo à moda do que os terza visione, e por volta de 1970, por exemplo, os spaghetti westerns eram menos proeminentes nos prima visione, mas apenas ligeiramente menos representados nos terza visione do que em 1965” (WAGSTAFF, 1992, 249). 27

Figura 7 – Programação dos circuitos de cinemas em Roma no jornal L’Unità em maio de 196616

Fonte: Archivio Uchita News, [20-?]

É preciso notar também que o preço de um ingresso num cinema de terza visone era consideravelmente mais barato que o ingresso dos prima, portanto, um valor semelhante arrecado em termos de bilheteria em ambos os cinemas representa na verdade muito mais ingressos vendidos num cinema popular. Sem ser uma exclusividade italiana, o cinema popular como evento não se caracterizava exclusivamente como o ato de consumo de um produto cultural17, mas como um programa casual para o trabalhador e para os jovens. A própria Igreja Católica para se aproximar da população num momento de secularização, contava com centenas de cineclubes promovidos por paróquias sendo uma atividade muito popular entre famílias e adolescentes18.

16 Programação dos circuitos de cinemas em Roma no jornal L’Unità em maio de 1966. Nota-se como havia somente dois canais de televisão no período, sob o monopólio da RAI, cuja programação não era contínua. 17 Ver a discussão teórica de Koven da recepção burguesa e introspectiva do cinema escuro e silencioso versus a participação ativa e catártica do público nos cinemas populares (2006, p. 24). 18 Ginsborg aponta que já em 1954 o movimento Azione Catollica administrava mais de quatro mil cinemas no país (1990, p. 169). 28

O público dos cinemas populares geralmente conversava durante a exibição, entrando e saindo da sala sem muito pudor, com uma atenção dispersa (EDMONSTONE, 2008, p. 92). O público estaria mais interessado nos momentos de ação, suspense ou de nudez, com as tramas servindo apenas como uma estrutura para o desfile das recompensas psicológicas, segundo Edmonstone (2008, p. 22), onde o prazer do espectador derivava de tomadas de espetáculo e não da sensação de empatia e identificação. A esta consideração, de um público desengajado emocionalmente, pode-se relacionar o fato de que a maioria dos filmes possuía não só um estilo facilmente reconhecível, mas seguiam um aspecto episódico, como aconteceria nos seriados de televisão:

Um dos requisitos essenciais das narrativas seriadas é que a história comece mais ou menos novamente na próxima semana. As implicações pós-modernistas dos spaghetti westerns - a negação do progresso, do fechamento da narrativa e da natureza paródica do gênero - são produtos quase não intencionais da necessidade comercial. (WAGSTAFF, 1992, 259). Um exemplo é o filme Django, do diretor Sergio Corbucci, de 1966, sobre uma cidade sitiada por maus elementos que recebe a visita de um homem arrastando um caixão e vestido todo de preto, o Django do título (interpretado por Franco Nero). Num esquema próximo, mas mais violento que Por Um Punhado de Dólares de Leone, Django também se torna um “servo de dois senhores” e revela que dentro do caixão carrega “a própria morte”, uma enorme metralhadora de uso militar. Após sua incursão violenta pelo povoado, o protagonista praticamente ressuscita ao fim de um embate num cemitério para, consequentemente, continuar sua jornada sem fim (Figura 08). Depois do sucesso do icônico personagem, foram lançados, com variações nos Estados Unidos e na Itália, quase 30 filmes com o nome Django no título19, sendo que apenas um, Django – A Volta do Vingador (1987), tem alguma relação com o filme de 1966 (sendo a principal delas o retorno de Franco Nero no papel principal).

19 Podemos incluir outros personagens com séries longevas como Ringo (iniciada em 1965 com Uma Pistola Para Ringo), Sartana (iniciada em 1968 com Se Encontrar Sartana, Reze pela sua Morte) e Sabata (iniciada em 1969 com Sabata, o Homem que Veio para Matar). 29

Figura 8 – Django abandona o cemitério na última imagem do filme

Fonte: imagem extraída do filme (DJANGO, 1966).

O uso do nome Django no título servia para garantir ao público determinada expectativa pragmática20, ou seja, a esperada fruição dos filmes em determinado contexto de recepção e não a recorrência de personagens e continuidade narrativa. Isto é, muitos westerns deixavam de elaborar seus personagens e arcos narrativos, não por incompetência, apenas não havia essa necessidade; o protagonista não poderia “evoluir dramaticamente”, não poderia largar as armas, casar e comprar um rancho, ou ainda, morrer de forma redentora21. Estes elementos, ou seja, a “serialidade”, as “tomadas de espetáculo” e a dispersão do público, podem levar alguns a acreditar que tanto o público como os cineastas que trabalhavam para suprir a demanda destes cinemas encaravam estes produtos de maneira homogênea22. Acontece que esta aproximação pode levar a alguns erros de compreensão do próprio funcionamento dos filoni que como ciclos de produção nasciam essencialmente pelo crescente interesse do público por um gênero específico a partir de um único filme ou um grupo de filmes que de alguma maneira subvertiam expectativas ou reelaboravam características genéricas no país. Seria, portanto, crucial o talento individual de alguns diretores, roteiristas,

20 Ver Altman (1999, p. 212). 21 Mesmo que mais incomuns ocorriam filmes pessimistas, por exemplo, que se encerravam com a morte do protagonista, como O Vingador Silencioso (1966) e Cemitério Sem Cruzes (1969), mas eram fracassos de bilheteria. 22 O estudioso Mikel J. Koven (2006) se aproxima desta homogeneização dos produtos exibidos nos cinemas populares ao resumir as atitudes e percepções do público a um tipo básico, sem examinar a recepção de filmes caso a caso, no que seria para ele um cinema vernacular, ou seja, de práticas especificas, como a dispersão e supervalorização dos estímulos como cenas de sexo e violência e sons estridentes e música repetidas (que serviriam para alertar o espectador para uma nova cena “importante”). 30

etc. para alcançar tal entusiasmo, representado principalmente pelos números de bilheteria23. De fato, a maioria dos spaghetti westerns, por exemplo, citados e revistos hoje em dia representa uma pequena porção do que foi o filone:

Cerca de 450 westerns spaghetti foram lançados na Itália entre 1964 e 1978 [...] Assim, os estudos do western spaghetti tendem a ser análises textuais (filmes individuais, identificados pelo título, diretor e ano de produção) e os filmes discutidos são tomados da mesma amostra de cerca de cinquenta filmes. (WAGSTAFF, 1992, 246).

Este grupo de cinquenta filmes seria tomado como exemplo por uma série de causas- efeitos, sendo a primeira delas a disponibilidade e a facilidade para obtenção de cópias em qualidade, que seria consequência direta da valorização destes trabalhos como obras individuais, de importância histórica e artística. Isto se dá, por sua vez, porque estes filmes foram precursores de determinadas correntes dentro do estilo ou tiveram altos orçamentos e ações de marketing justificadas pela expectativa de retorno financeiro ou prestígio cultural (FRIDLUND, 2006, p. 9). Para cada sucesso de Leone, Corbucci e Enzo Barboni, dez filmes semelhantes (de qualidades técnicas variadas) procuravam participar dos lucros e facilidades expostos nos tópicos deste capítulo em relação ao sistema de produção vigente. É recorrente o uso dos números de arrecadação nas bilheterias para quantificar o sucesso de exemplares do gênero, mas se torna realmente complicado avaliar qualitativamente a recepção destas obras pelo público. Para Fridlund (2006, p. 11) equiparar a bilheteria a um cânone do público deve ser evitado porque não leva em consideração o número exato de ingressos vendidos e as segmentações de uso dentro de uma mesma audiência não contemporânea. De qualquer maneira, acreditamos não ser exagero supor que o público da época encarava de forma distinta trabalhos como Três Homens em Conflito (1966) ou Os Violentos Vão Para o Inferno (1968) das dezenas de produtos similares de orçamentos visivelmente menores, atores desconhecidos e distribuição e publicidade limitada. Porém, é necessário salientar que essa estrutura realmente funcionou como uma zona de conforto e com isso no início dos anos 1970 o western estava visivelmente saturado e o humor, que era um elemento comum dentro do filone, agora ganhava tons de sátira e pastelão com os filmes de Terence Hill e Bud Spencer dirigidos por Barboni, como Trinity É o Meu Nome (1970) e Trinity Ainda É o Meu Nome (1971). Enormes sucessos de bilheteria que

23 Há um longo histórico sobre a questão do cinema genérico-autoral, da qual não vamos nos estender aqui, que tem como pontos significativos a valorização dos trabalhos de Alfred Hitchcock e Jerry Lewis, por exemplo, pela revista de crítica francesa Cahiers du Cinéma na década de 1950 e a discussão entre Pauline Kael e Andrew Sarris durante a década de 1960. Nossa intenção é apenas reiterar as possiblidades estéticas e temáticas relativas à função do diretor que opera no cinema de gênero, não sendo o “perfil” do filme (seu orçamento, proposta, etc) seu fator limitante ou consagrante. 31

miravam mais nas matinês para toda família do que o público essencialmente jovem e masculino de praxe para o gênero (BONDANELLA, 2009, p. 368). O que esperamos esclarecer foi a sensação de participação ativa do público na elaboração e recepção dos filoni, cuja característica cíclica e comutativa pode ser explorada teoricamente a partir de conceitos de Schatz e Altman.

1.3 Evolução Genérica e Ciclos de Produção

Em Hollywood Genres, Thomas Schatz elabora uma proposta segundo a qual os gêneros seguiriam naturalmente um padrão evolutivo por seu caráter essencialmente focado em fórmulas. Esta conceituação nos servirá não para analisar o gênero western, por exemplo, mas sim os filoni, como ciclos de produção. Schatz resumiria então a progressão de uma forma genérica, a partir do esquema proposto por Henri Focillon, da seguinte maneira:

[...] uma forma passa por um estágio experimental, durante o qual suas convenções são isoladas e estabelecidas; um estágio clássico, no qual as convenções atingem seu "equilíbrio" e são mutuamente compreendidas pelo artista e público; uma era de refinamento, durante a qual certos detalhes estilísticos embelezam a forma e, finalmente, uma fase barroca (ou "maneirista" ou "auto-reflexiva"), quando a forma e seus ornamentos são acentuados a ponto de se tornarem a "substância" ou "conteúdo" da obra (SCHATZ, 1981, p. 37).

Para o autor, portanto, um gênero passaria por certas etapas de desenvolvimento começando por aquela em que um padrão formal ainda não está totalmente estabelecido. Esta coerência textual que chamamos de gênero estaria totalmente definida na fase clássica, onde mais significativamente, segundo Schatz, há uma transparência formal, para que o filme consiga transmitir sua mensagem ideológica ou social com a mínima interferência possível, levando em consideração o caráter ritualístico dos gêneros que seriam uma resposta à coletividade hipoteticamente homogênea da qual se constitui o público no cinema (SCHATZ, 1981, p. 38). Posteriormente o gênero passaria por uma breve etapa de refinamento, para então, na fase barroca, se tornar mais opaco em relação às suas estruturas, fase na qual o público já está plenamente consciente e saturado das convenções e da iconografia dos gêneros, passando a ser trabalhadas pelo diretor de modo a serem evidenciadas. Schatz conclui que tais [...] características mais frequentemente associadas à arte narrativa - ambiguidade, complexidade temática, ironia, autoconsciência formal - raramente são evidentes em filmes produzidos mais cedo no desenvolvimento de um gênero (SCHATZ, 1981, p. 41).

32

A crítica a esta forma de avaliação acontece em Neale quando este chama atenção para westerns autoconscientes dos anos 1910 e 1920 e para gêneros que não passariam por uma fase de transparência formal ao notar que “novos gêneros da década de 1980, como o filme de espada e feitiçaria (e os novos gêneros dos anos 1970, como o filme sobre a guerra do Vietnã) são altamente autoconscientes” (NEALE, 2000, p. 200). É preciso salientar que encontraremos exceções a certos padrões em qualquer corpus utilizado numa análise, e que estes não devem inviabilizar a criação de categorias e padrões para facilitar seu estudo. Outra consideração está no fato que um espectador nos anos 1980 consome um cinema consideravelmente mais autoconsciente e alusivo quando comparado ao cinema da década de 1910. Observando nosso objeto de estudo, o cinema popular, é necessário clarificar estas alusões e citações. Os gêneros cinematográficos, como aponta Neale, trabalham com a lógica interna e estética acumulada de contos populares, da literatura e outras formas de arte (NEALE, 2001, p. 201). Por sua vez cinema de espada e feitiçaria dos anos 1980, do qual a Itália participou ativamente, realmente já nasce altamente reflexivo, inspirado em histórias em quadrinho e contos pulp como os de Robert E. Howard. Dentro do próprio “gênero” ocorriam variações para a manutenção do interesse do espectador a esse tipo de filme, diferenciando a aproximação mais sóbria de Excalibur (de John Boorman, 1981), do erótico de Deathstalker - O Guerreiro Invencível (de James Sbardellati, 1983) do anacronismo de Highlander - O Guerreiro Imortal (de Russell Mulcahy, 1986). Estas variações teriam mais a ver com uma tendência momentânea, a popularidade deste tipo de filme de fantasia na primeira metade da década de 1980, e não caracterizam a formação de um gênero em toda sua complexidade e recorrência. O que Neale coloca como variações menores dentro de um gênero (acreditamos ser mais frutífero colocar a “espada e feitiçaria” dos anos 1980 como pertencente ao gênero da fantasia ou aventura) talvez façam mais sentido dentro da noção de ciclo:

Diferenças rotineiras, variações "menores" e inovações não influentes também são importantes, porque elas sempre atualizam (e, portanto, esgotam) um conjunto particular de possibilidades genéricas, e se tanto sempre contribuem de alguma maneira para o corpus genérico, e para o repertório disponível de constituintes genéricos e expectativas genéricas. (NEALE, 2000, p. 205). Mesmo que funcionando dentro de um mesmo arcabouço genérico e com similaridades como a presença de fisiculturistas como protagonista, não há entre Hércules (Luigi Cozzi, 1983), e o As Façanhas de Hércules (Pietro Francisci, 1958), um movimento direto de continuidade ou descontinuidade em relação a um gênero. Os pepla e o filme de 33

espada e feitiçaria da década de 1980 são dois blocos distintos com uma dinâmica própria, sendo mais dependentes de outros gêneros ou subgêneros populares no período de sua produção (HUGHES, 2011, p. 287), como a aventura e o horror gótico no caso dos pepla, e dos filmes de zumbis24 e ficção cientifica25 no caso da espada e feitiçaria, do que de uma dinâmica de cânone (peplum) e anti-cânone (espada e feitiçaria) levando em consideração, obviamente, apenas a porção de filmes de espada e feitiçaria feitos na Itália.

Figuras 9 e 10 – Cartazes das versões italianas de Hércules de 1958 e de 1983

Fonte: IMDb, [20-?].

Neale apresenta como contraproposta à evolução genérica, a partir da ideia de Viktor Shklovsky, a disputa de elementos canônicos26 e não canônicos, cuja hibridização levaria formação de novos gêneros. O próprio autor já nota que traços de estágios definidos ainda são encontrados e que a noção de dominância é problemática quando aplicada a gêneros cinematográficos (NEALE, 2001, p. 201), dificuldade atenuada quando falamos de um corpus muito menor e mais bem definido dos ciclos. Como explicitado anteriormente nossa intenção não é elaborar na já ampla e complexa definição dos gêneros cinematográficos. Nosso interesse na evolução genérica de Schatz está na exploração do spaghetti western como filone em si, e não do western italiano como uma etapa do gênero western como um todo. O

24 Ver Ator, l'invincibile (Joe D’Amato, 1982) e Conquest (Lucio Fulci, 1983). 25 Ver Yor - O Caçador do Futuro (Antonio Margheriti, 1983) e o próprio Hércules de Luigi Cozzi. 26 A própria noção de cânone também pode ser problematizada. Se tomarmos como cânone do western certa porção mais icônica dos filmes do gênero produzidos nos Estados Unidos nas décadas de 1930 e 1940, até quando pode se dizer que um filme é anti-cânone? Os Imperdoáveis (, 1992) seria um filme revisionista mesmo que desde a década de 1950 a concepção do oeste americano já vem sendo exaustivamente marcada pela violência, racismo, cobiça e desolação? 34

spaghetti western, tendo como ponto de partida Por um Punhado de Dólares, já contém em sua concepção o pastiche e a citação, seja do western clássico em sua ambientação, da ópera com seus leitmotive, do filme de samurai em sua narrativa, etc. A experimentação destes elementos dará início a um ciclo esteticamente distinto em relação ao que já havia sido feito na Europa até então e ao western americano. Portanto, o spaghetti western já nasce com elementos de opacidade. Depois do biênio experimental de 64-65, de Uma Pistola Para Ringo e Por um Punhado de Dólares, Leone, Corbucci e seus companheiros já estão mais conscientes do novo repertório estético, em relação a montagem, enquadramentos, trilha musical, e o filone atinge sua maturidade em 1966 com Três Homens Conflito, Navajo Joe e Uma Bala Para o General. Entre 1967 e 1968 há o aperfeiçoamento e saturação sendo que esta passagem tão rápida entre as fases se dá por conta do número gigantesco de filmes produzidos por ano, o que acabou por esgotar rapidamente as possiblidades do estilo que de outra maneira seriam exploradas numa janela de tempo maior. Em 1969 Era Uma Vez no Oeste inauguraria a fase barroca do ciclo, altamente reflexiva e maneirista, seguida pelo viés paródico da série Trinity... e encerrada com Meu Nome Não é Ninguém (Tonino Valerii, 1973). A “pá de cal” para os filoni de maneira geral aconteceria em 1976 quando a “corte constitucional fez um julgamento que teve um efeito equivalente à desregulamentação da televisão, o que levou a criação de centenas de estações de televisão e transmissão por atacado de filmes” (WAGSTAFF, 1992, p. 251). O cinema popular italiano então viveria de orçamentos ainda menores, focado no mercado de nicho do home video e do exploitation numa escalada do gore e do sexo, com “mini ciclos” como os filmes de zumbis, canibais, gangues pós-apocalípticas e o já citado filme de espada e feitiçaria. O que gostaríamos de salientar com esse pequeno estudo é que o spaghetti western, como ciclo, em um curto período de tempo teria conhecido as fases propostas por Schatz de uma maneira muito mais clara e concisa do que seria possível fazer com o gênero western de maneira ampla. Podemos também aliar estes conceitos, de ciclos e evolução genérica, com outro método de análise. Em 1984, Rick Altman propôs ao estudo dos gêneros cinematográficos uma estratégia para a análise formal baseada na divisão dos elementos narrativos e temáticos entre aqueles pertencentes a uma categoria semântica e aqueles referentes a sintaxe do filme, sendo que “a aproximação semântica frisa os blocos construtivos dos gêneros, enquanto que a visão sintática privilegia as estruturas nos quais eles são arranjados” (ALTMAN, 1999, p. 219). Ou seja, elementos iconográficos como o chapéu, o cavalo e os revólveres, representam no western os componentes semânticos, enquanto que a relações entre civilização e “barbárie”, 35

tecnologia e natureza presentes no western representam a porção sintática do gênero27. O que Altman chama a seguir de gêneros sem sucesso poderiam ser mais bem entendidos como ciclos pertencentes a gêneros maiores: Os gêneros de Hollywood que se mostraram os mais duráveis são precisamente os que estabeleceram as mais coerentes sintaxes (o Western, o musical); aqueles que desapareceram mais rapidamente dependem inteiramente na recorrência de elementos semânticos, nunca desenvolvendo uma sintaxe estável (filmes de reportagem, catástrofe e de grandes golpes) (ALTMAN 1999, p. 225). Sem entrar na complexa questão do “desaparecimento” ou surgimento de um gênero, os filmes relacionados poderiam ser entendidos como pertencentes a um determinado ciclo. Tomemos como exemplo o filme de catástrofe referido por Altman, associado a um fenômeno da década de 1970, que teria início com Aeroporto (1970). Após o sucesso do filme, o ciclo, relacionado ao seu contexto de produção, tem início marcado por uma fase “experimental” (sendo que’ um ciclo dezenas de filmes não acontece sem um exemplar que o precede), atinge a etapa “clássica” com O Destino de Poseidon (1972), o aperfeiçoamento com Inferno na Torre (1974), e a etapa barroca marcada pela a mistura de desastre aéreo e subaquático de Aeroporto 77 (1977), tendo seu fim, como ciclo, decretado com a sátira Apertem os Cintos o Piloto Sumiu (1980). Figuras 11 e 12 – Cartazes de Aeroporto e de Aeroporto 7728

Fonte: IMDb, [20-?].

27 Altman elaboraria essa formula de análise com o acréscimo do elemento pragmático (ALTMAN 1999, p. 207), e também com a descrição de várias categorias e agentes exteriores que influenciariam na estrutura dos gêneros, admitidos como um complexo sistema cultural (ALTMAN, 1999, p. 26). 28 Os cartazes praticamente usam os mesmos elementos em destaque, o avião e o grande elenco. 36

Um gênero de fato, como diz Altman, terá em seu conteúdo sintático a possibilidade de infinitas variações a ponto de se renovar continuamente, na maioria das vezes com certo grupo praticamente estável de elementos semânticos. Já um ciclo depende mais da saturação do público e da criação de novas possibilidades semânticas do que sintáticas para a renovação do interesse em determinada fórmula. Um novo ciclo do filme de desastre aconteceria em meados dos anos 1990 mais por conta das novas possibilidades decorrentes do avanço da computação gráfica do que por uma utilização inédita dos elementos narrativos. Mantém-se o foco sintático da luta pela sobrevivência de um grupo de pessoas aliado, ora a elementos semânticos da sabotagem ou falhas em criações humanas como aviões (Turbulência, 1997), barcos (Titanic, 1997) e construções (Daylight, 1996), ora a elementos semânticos de desastres naturais (ou extraterrestres): vulcões (O Inferno de Dante, 1997), tornados (Twister, 1997) e meteoros (Armaggedon, 1998). No início dos anos 2000 novamente o ciclo teria seu fim pelo esgotamento da fórmula e dos elementos semânticos. A evolução e as variações dentro de um ciclo acontecem muitas vezes, portanto, quando elementos semânticos e sintáticos são reelaborados através da experimentação regida por interesses de mercado e resposta do público (ALTMAN 1999, p. 132). Mas também, vide o exemplo anterior, por elementos extra-fílmicos como as novas possibilidades de representação realista da destruição em larga escala, engendradas pelo avanço tecnológico das ferramentas à disposição dos cineastas. Tendo em vista o que foi apresentado a respeito das influências regidas pelo mercado e indústria cinematográfica italiana e a conceituação de gênero e ciclos, a seguir nos aprofundaremos nas especificidades do western, principalmente do filone retroativamente conhecido como spaghetti western.

37

2. O GÊNERO WESTERN: POLÍTICAS DE FRONTEIRA E IMPERIALISMO

O personagem de Cuchillo é um pirralho napolitano, um menino, um moleque, um peão. Um sub-peão. [...] E nesse caso específico, ele é o único num western que não sabe operar uma pistola. De fato, quando lhe oferecem uma pistola ele pede pela faca. A arma do sub- proletário. Eu não inventei esse personagem, nem Sergio Leone, naturalmente, nem os americanos. Sergio Sollima29

2.1 O Western Estadunidense

O gênero do western inicia segundo Altman (1999, p. 35) a partir da popularidade do uso do oeste americano de fins do século XIX como ambientação para histórias de crime e de viagens, principalmente o filme de ferrovia, como em O Grande Roubo do Trem (Edwin S. Porter, 1903). Mesmo o western sendo reconhecido como gênero em outras mídias, como a literatura, somente a partir de 1910 que no cinema ele passar a ter suas marcas características consolidadas levando “a produção repetida de filmes de gênero interpretada sistematicamente pelos espectadores [um ponto essencial para o autor] de acordo com padrões específicos do ‘Western’” (ALTMAN, 1999, p. 36). Portanto o western deixa de ser um adjetivo, acompanhando melodramas e filmes de crime, para se tornar um substantivo, uma classe específica de filmes, tendo como principal motivo sintático a relação dialética entre civilização e mundo selvagem (KITSES, 2007, p. 13). Um gênero relacionado com o mito da formação do Estado norte-americano estando nele contido:

[...] santificação da expansão territorial, justificação da desapropriação do outro pela sua barbarização, nostalgia alimentada por um passado largamente fabulado, exaltação do individualismo e do ‘do it yourself’, positivação da violência como principal solução para os problemas sociais e pessoais e assunção do progresso material e moral como telos (SOUSA, 2014, p. 13). Logo o western se tornaria altamente popular entre cineastas estadunidenses não apenas pelas possibilidades estilísticas relativas ao uso dos espaços abertos e iconografia marcante, mas também pela facilidade de criar parábolas imediatamente reconhecíveis para o espectador norte-americano. A elaboração de certa reciprocidade em sua construção levou muitos estudiosos a reforçarem as características rituais na produção e consumo do western e outros gêneros populares. Schatz resume este conceito a partir da ideia de Henry Nash Smith sobre os romances pulp:

29 Depoimento dado ao documentário The Spaghetti West (David Gregory, 2005). 38

Produzidas por representantes despersonalizados do público coletivo anônimo e funcionando para celebrar crenças e valores básicos, suas fórmulas podem ser consideradas não só como arte popular ou mesmo de elite, mas também como ritual cultural - como uma forma de expressão coletiva aparentemente obsoleta em uma era de tecnologia de massa e uma genuinamente “maioria silenciosa” (SCHATZ, 1981, p. 12).

Esta característica transcultural ganharia certa resistência crítica a partir de uma aproximação que revelaria as formas de exploração e reforço ideológico no cinema de gênero. A revisão iconoclasta aconteceria também dentro dos próprios filmes de forma mais evidente e recorrente a partir de meados da década de 1950, em oposição aquilo que podemos considerar como “período clássico” do western30, sendo que alguns críticos contemporâneos já chamavam atenção para este processo, como Bazin e Warshow, dando como exemplo Matar Ou Morrer (Fred Zinnemann, 1952) e Os Brutos Também Amam (George Stevens, 1953), filmes que trariam elementos exteriores ao arranjo tradicional do gênero (KITSES, 2007 p. 3). O western estadunidense passa então a explorar possiblidades estéticas não convencionais, mas também a subverter conceitos intrínsecos como o Destino Manifesto31 e a figura do caubói ou xerife e “o papel social e maquiagem psicológica destes heróis” (SCHATZ, 1981, p. 12). Estes filmes ganhariam a alcunha de superwesterns em sua tentativa de enriquecer e justificar sua existência, mas sem negar sua origem, a partir da autorreflexão genérica e exploração de problemas sociais e psicológicos relativos a expansão da fronteira americana (SOUSA, 2014, p. 66). O papel destes autointitulados agentes civilizatórios, que antes precisavam ter seus papeis advogados sem titubeações para que bem sucedidos, mesmo que à custa de genocídios32, passa a ser questionado. Começam a sair de moda os filmes de cavalaria e de peregrinos, como Sangue de Heróis (1948) e Legião Invencível (1949) de John Ford, A Amazona de Tucson (Wesley Ruggles, 1940) e O Anjo e o Malvado (James Edward Grant, 1947). Tornam-se recorrentes temas antes questionados de modo pontual, como por exemplo, Consciências Mortas, de William A. Wellman (1943) e sua crítica ao uso da violência como ferramenta civilizadora. Esta violência é praticamente um elemento vital do

30 Conceituação esta que pode ser problematizada como visto no tópico a respeito da evolução genérica. Usamos “período clássico” para o gênero western, como visto em Schatz (1981, p. 40) e Kitses (2007, p. 13), apenas para designar o intervalo entre as décadas de 1920 e 1950, período de sedimentação das convenções temáticas e estilísticas próprias do gênero. 31 Ideologia difundida entre pioneiros estadunidenses acerca da superioridade moral do povo branco que deveria livrar da barbárie e do paganismo o novo continente (HAYNES; MORRIS, 1997, p. 12). 32 A questão indígena e sua representação nos westerns estadunidenses será um dos pontos mais duramente criticados e debatidos durante o processo de revisão do gênero. Por conta do foco de nosso trabalho este tema aparecerá apenas marginalmente nas análises fílmicas já que no western italiano a presença de povos indígenas é raro quando comparado ao norte-americano. Algumas exceções com personagens indígenas, invariavelmente problemáticos, são: Joe, o Pistoleiro Implacável (1966), Django Vem Para Matar (1967), Franco e Ciccio sul sentiero di guerra (1969), Sabata, o Homem que Veio para Matar (1969), Al di là dell'odio (1972) e Valdez, o Mestiço (1973). 39

gênero dado o contexto histórico. Sua legitimidade mesmo debatida, salvo exceções como Consciências Mortas, nunca é abertamente condenada dentro do contexto hollywoodiano antes da década de 1960 (FISHER, 2009. P. 178). Em contrapartida, dentro do contexto vigente da Guerra Fria e das incursões norte-americanas na Coréia e posteriormente no Vietnã, uma parcela de westerns ganharia um caráter alegórico, chamados por Slotkin de westerns contra insurgentes (FISHER, 2010, PG. 186). Filmes como Vera Cruz (Robert Aldrich, 1954), Sete Homens e um Destino (John Sturges, 1960) e Os Profissionais (Richard Brooks, 1966) contam com profissionais da violência gringos33 que acabam cruzando a fronteira do México para ajudar pobres camponeses de uma ameaça conterrânea, deixando muitas vezes de lado a recompensa antes oferecida ou o tesouro cobiçado, pela satisfação pessoal redentora:

O motivo da regeneração através da violência - sempre apresentada como "uma parte essencial e necessária do processo através do qual a sociedade americana foi criada e através do qual os seus valores democráticos são defendidas e reforçadas" (SLOTKIN, 1992: 352) - oferece aqui uma racionalização para a emergência do país como superpotência, bastião da liberdade, e "xerife global". (FISHER, 2009, PG. 180). Vera Cruz ambienta seu enredo durante a Segunda Intervenção Francesa no México, de 1861 a 1867, com a tentativa da potência europeia de retomar a monarquia no país e retomar os interesses imperialistas e comerciais de Napoleão III. Portanto o filme se passa cerca de cinquenta anos antes da maioria dos filmes fronteiriços citados e analisados neste trabalho, o que de fato pode passar a impressão de um país envolto em uma revolução sem fim (DE FAZIO, 2016, p. 159) (Figura 13).

33 Usamos o termo aqui como apresentado nos filmes e com consciência do teor pejorativo que carrega, para designar o estrangeiro temporariamente em território mexicano, não migrante, e que assume um caráter de alteridade ou superioridade. 40

Figura 13 – O Marquês de Labordere (Cesar Romero), Bem Trane (Gary Cooper) e o bando de Joe Erin (Burt Lancaster) sob a mira dos juarista em Vera Cruz (1954).

Fonte: Imagem extraída do Filme (VERA..., 1954)

No filme, Ben Trane (Gary Cooper) é um ex-confederado que se alia ao bando de mercenários liderado por Joe Erin (Burt Lancaster), composto por vários rostos famosos pelo gênero: Ernest Borgnine, Jack Elam e Charles Bronson. O grupo aceita a missão de proteger um comboio que leva a condessa Duvarre (Denise Darcel) até a cidade de Vera Cruz. O que movimenta a trama do filme é a descoberta de uma grande quantia em ouro escondida no assoalho da carruagem que leva a condessa. Após recorrentes batalhas entre as tropas republicanas e dos interventores franceses, o conflito nuclear do filme se encerra com o duelo esperado entre Trane e Erin com a vitória do primeiro. Trane deixa o ouro para os juaristas após tomar contato e simpatizar com os ideais republicanos e nacionalistas dos mexicanos, mas, é preciso salientar, também pelo interesse romântico que nutre por Nina (Sara Montiel). Vera Cruz é um dos filmes mais influentes para o subgênero do western Zapata pelas contradições entre dois protagonistas, a caça ao tesouro em meio a Revolução, traições, ação constante, e por fim, pela tomada de consciência de um dos protagonistas, ou seja, sua mudança em relação a uma perspectiva ideológica em caráter de alteridade. Nesse primeiro momento o ponto de vista narrativo ainda será basicamente restrito ao estadunidense. Portanto, de maneira geral, a principal diferença entre o western norte-americano e o Zapata estará na apropriação ativa do ponto de vista do personagem mexicano no filme italiano, mesmo que a caracterização deste mexicano ainda possa ser caricata e imprecisa historicamente. O pesquisador do povo mexicano visto pelo cinema estrangeiro, Emilio Garcia Riera, critica a visão italiana:

41

No caso da Itália, nenhum antecedente histórico explicava a difamação: apenas um prurido imitativo desatualizado, e uma busca pelo pitoresco a qualquer preço, povoavam os spaghetti westerns de pesarosos mexicanos. Além disso, ficou claro que o cinema italiano não se importava com o mercado mexicano, e as razões econômicas que um dia moderaram o antimexicanismo de Hollywood não o inibiram (RIERA, 1987, p. 154). Veremos que os personagens mexicanos nos spaghetti westerns não se resumem ao pitoresco ou a simples difamação, mas o depoimento de Riera traz alguns questionamentos que devem ser levados em consideração ao se analisar os westerns estadunidenses e italianos. Primeiramente o que o autor chama de antecedente histórico é explicado por De Fazio, revelando o motivo para que na maioria dos filmes estadunidenses do western clássico como Tesouro de Sierra Madre (John Huston, 1948), O Bandido (Richard Fleischer, 1956) e Vera Cruz, o mexicano apareça oscilando entre o bandido despropositado e cruel e o pobre camponês ignorante:

Uma imagem negativa do México vem sendo formada nos Estados Unidos desde 1846, quando da guerra entre os dois países, momento em que os mexicanos se tornaram sinônimo de inimigo cruel, que combina os piores aspectos da lenda negra espanhola e dos índios selvagens. À guerra se seguiu a popularização da “novela de dez centavos”, nas quais era mostrado o triunfo do cowboy anglo-saxão sobre o índio selvagem, oposição que seria reforçada no surgimento do cinema, cuja nascente indústria se alimentaria do tema da conquista do Oeste. (DE FAZIO, 2016, p 154). Esta caracterização negativa sofreria uma pausa consciente entre 1932 e o fim da Segunda Guerra Mundial em 1945 com a política da Boa Vizinhança do presidente Roosevelt (DE FAZIO, 2016, p 154). O México e sua cultura ganham um verniz de exotismo e calor, com heróis de certa forma caricatos como Zorro e Cisco Kid, mas, segundo De Fazio, havia os filmes que revelavam de modo sincero as injustiças e problemas sofridos pelos mexicanos como O Fugitivo de Santa Marta (Joseph Losey, 1950), Por um Amor (John Sturges, 1950), Sem Pudor (William A. Wellman, 1952), A Fúria dos Justos (Mark Robson, 1955) e Assim Caminha a Humanidade (George Stevens, 1956) (DE FAZIO, 2016, p 161). É preciso notar que a seleção anterior da pesquisadora é composta exclusivamente de filmes fora do gênero western (à exceção do mais próximo ao gênero Assim Caminha a Humanidade), sendo que podemos inferir a partir disto que o mexicano “domesticado” dentro dos EUA teria, mesmo que de forma paternalista, direitos que não seriam dispensados ao seu compatriota ainda vivendo na “barbárie” do outro lado da fronteira. Viva Zapata! (Elia Kazan, 1952), ao abordar simpaticamente o líder revolucionário Emiliano Zapata, não passou incólume ao sentimento anticomunista do período, sendo que o filme foi lançado ainda em meio à polêmica envolvendo a delação de Kazan ao Comitê de Atividades Antiamericanas (DE FAZIO, 2016, 42

p 154). A ideia de latino-americanos com ideias e ações próprias, ou seja, fora do alcance daqueles nutridos acima do Rio Bravo, era algo a ser evitado. Só a partir de meados da década de 1960 que os filmes estadunidenses passaram a abordar recorrentemente o contexto revolucionário de 1910. Em Os Profissionais (Richard Brooks, 1966), quatro mercenários cruzam a fronteira mexicana para resgatar a noiva de um velho rancheiro J. W. Grant (Ralph Bellamy) supostamente raptada pelo temido revolucionário Jesus Raza (Jack Palance). Com o decorrer da jornada e depois de matar uma dúzia dos tipos mexicanos mais odiosos (Figura 14), os quatro gringos (Lee Marvin, Burt Lancaster, Robert Ryan e Woody Strode) começam a perceber o óbvio em doses propositadamente homeopáticas: Maria (Claudia Cardinale) na verdade foi separada de Jesus por Grant, o típico magnata que pede a lição recontada eternamente no cinema estadunidense: o dinheiro não pode comprar tudo.

Figura 14 – Bill Dolworth (Burt Lancaster) é ameaçado por um bandido mexicano

Fonte: Imagem extraída do filme (OS PROFISSIONAIS, 1966)

A simpatia dos “Profissionais” para com as personagens mexicanas, assim como dos “Setes Homens” em seus dois primeiros filmes, é levada especialmente pelo lado pessoal e romântico, portanto não ideológico. Ao fim de Sete Homens e um Destino, Chico (Horst Buchholz) acaba ficando na vila protegida pelos gringos do bandido Calvera (Eli Wallach) porque acaba se apaixonando por Petra (Rosenda Monteros). Na sequência A Volta dos Sete Homens (Burt Kennedy, 1966), outros sete homens são necessários dessa vez para resgatar Chico. Somente em A Revolta dos Sete Homens (Paul Wendkos, 1969) e A Fúria dos Sete Homens (George McCowan, 1972) há um caráter mais político na essência dos filmes, inserindo diretamente o contexto da Revolução Mexicana. Influência em grande medida da popularidade das incursões politizadas italianas no gênero, segundo Hughes (2004, p. 104), 43

que estavam chegando aos cinemas americanos no fim da década34. Acontece que progressivamente na série dos “Sete Homens”, e em outros filmes estadunidenses35, os camponeses mexicanos são mostrados como dignos de compaixão e suas ações revolucionárias, mesmo que inspirando ligeiramente nos gringos a ideia de liberdade e o direito à subsistência ligado a terra - tão ricas para o processo de formação de seu próprio país - carregam uma conotação romântica e paternalista. Levando também em consideração sua fatia mais politizada, grande parte do sucesso dos westerns italianos está no uso sarcástico e mordaz de elementos como a escalada da violência, o intervencionismo e o próprio processo revolucionário. Isto é, sem a necessidade de personagens palatáveis, pares românticos e lições de moral. É necessário reiterar, porém, que este foi um caminho de mão dupla, ou seja, os westerns americanos e italianos participavam de um constante processo de retroalimentação mesmo quando a intenção era refutar certas tendências. As boas bilheterias dos filmes de Leone provocaram “uma retomada na produção de westerns dentro dos Estados Unidos, permitindo que cineastas como Sam Peckinpah e Don Siegel realizassem novas produções do gênero” (CARREIRO, 2014, p. 53). Mas havia considerável atraso entre as datas de estreia nos dois lados do Atlântico. Por um Punhado de Doláres (1964) e Por um Punhado de Dólares (1965) os primeiros westerns de Leone só chegariam aos Estados Unidos em janeiro de 1967, assim como a parte final da “Trilogia dos Dólares”, Três Homens em Conflito (1966) mais tarde no mesmo ano (CARREIRO, 2014, p. 56), o que pode confundir algumas análises. Não seria incorreto dizer que, mesmo menosprezada pela crítica36 e despejada de forma tão rápida nos cinemas americanos, o impacto da obra de Leone e dos spaghetti westerns não foi pequeno.

34 Outros exemplos de westerns americanos ambientados no México revolucionário: Villa, O Caudilho (Buzz Kulik, 1968), 100 Rifles (Tom Gries, 1969) e Canhões para Córdoba (Paul Wendkos, 1970). 35 Em contrapartida Carlos Gaberscek cita em seu artigo alguns filmes mexicanos a retratar a Revolução Mexicana, produzidos no mesmo período: “Lucio Vázquez (1966); La Valentina (1965); Un dorado de Pancho Villa (1965); El centauro Pancho Villa (1967); as coproduções hispânico-mexicanas La guerillera de Villa (1967); La soldadera (1967); Valentín de la Sierra (1968); La marcha de Zacatecas (1969); La generala (1970); Emiliano Zapata (1970); Reed: México insurgente (1972)” (2008, p. 58). 36 Em relação à crítica especializada, Rodrigo Carreiro (2014) em seu trabalho faz uma extensa análise de fortuna crítica da filmografia de Sergio Leone e do spaghetti western de maneira geral. É evidente que a crítica não era favorável ao western produzido na Itália, mesmo elogiando as qualidades expressivas de Leone, o grande expoente do gênero na Itália, sendo que filmes menores ou menos significativos eram completamente menosprezados ou ignorados. 44

2.2 O Spaghetti Western

O filoni dos spaghetti westerns não foi uma tendência isolada ou inédita dentro da Europa na década de 1960. A necessidade, ou melhor, a oportunidade de ganhar dinheiro fazendo westerns acontece pelo interesse ainda contínuo do público europeu pelo gênero no cinema. Enquanto que Sete Homens e um Destino (1960) foi apenas um sucesso modesto em casa, na Europa conquistou um sucesso considerável (HUGHES, 2004, p. xii). Um dos motivos para esse fascínio pelo gênero neste momento foi que somente no início dos anos 1950 a Itália e outros países da Europa tiveram acesso a um grande número de filmes norte- americanos das décadas de 1930 e 1940, sendo que mais de 7500 rolos de filme chegaram à Itália com a ocupação americana (GENNARI, 2009, p. 10). Isto se deu pelas restrições impostas pela Guerra e pelas próprias leis protecionistas em relação a importação cultural, como as do fascismo italiano que proibiu oficialmente a entrada de filmes americanos de 1938 até 1945 (GENNARI, 2009, p. 8). Não bastasse esse grande influxo, havia um fascínio antigo por parte dos italianos pela América, sustentado pelas cartas dos mais de quatro milhões de imigrantes que se estabeleceram nos Estados Unidos entre 1880 e 1920 e até por intelectuais italianos, tomando a literatura americana como antidoto ao fascismo (GENNARI, 2009, p. 1). Este fascínio foi amplificado pelo cinema:

[...] enquanto a intelligentsia começava a despertar do sonho americano, a população em geral ficava cada vez mais fascinada por ele, principalmente por meio do cinema. Imagens da “Terra dos Sonhos” estavam se tornando familiares a todos, através da dublagem do inglês para o italiano, transformando o estrangeiro em uma figura amigável (GENNARI, 2009, p. 2).

Era necessário então suprir esta demanda abandonada pelo influxo americano já que o gênero estava em baixa no seu país de origem. Carreiro coloca três fatores para a diminuição do número de westerns nos Estados Unidos: O fim do truste entre exibidores e estúdios que acabou com os filmes B (sendo os westerns uma boa parcela) que abriam as sessões duplas nos cinemas; o aumento do custo de produção dos filmes após a Segunda Guerra e a ida deste conteúdo para a televisão (CARREIRO, 2014, p. 53). Várias séries televisivas do gênero western estrearam e fizeram grande sucesso na televisão norte-americana a partir da década de 195037. Os primeiros westerns europeus que fizeram sucesso a partir desta nova configuração do gênero no mundo foram os filmes sobre o chefe apache Winnetou, adaptações alemãs da

37 Vários atores que fizeram sucesso protagonizando spaghetti westerns vieram dos seriados televisivos como Clint Eastwood (Rawhide), Burt Reynolds (Gunsmoke) e Chuck Connors (The Rifeman). 45

obra do escritor Karl May. O primeiro filme foi O Tesouro dos Renegados (Harald Reinl, 1962) e mais dez filmes da série foram feitos até 1968 (HUGHES, 2004, p. xv). Mas o grande divisor de águas do western europeu foi o filme de estreia de Sergio Leone, Por um Punhado de Dólares.

Figura 15 e 16 – Cartazes de O Tesouro dos Renegados (1962) e Por um Punhado de Dólares (1964)38

Fonte: IMDb, [20-?]

Alguns westerns já estavam sendo produzidos e lançados na Itália, sem grande repercussão39, portanto o sucesso estrondoso do filme foi realmente uma surpresa, mas já havia por parte dos produtores a vontade emplacar o gênero. A filmografia de Leone acaba por se confundir com a própria história do filone tamanha é a influência e importância dos filmes do diretor: com o filme de 1964, estrelado por Clint Eastwood e Gian Maria Volonté, inicia-se de fato um ciclo de produções com a temática do velho oeste. Boa parte da popularidade do filme escrito e dirigido por Leone é creditada ao modo mais cínico e violento de lidar com o mito do Oeste a partir da releitura de – O Guarda Costas (1961) de , filme que por sua vez, segundo o diretor, tem influência da peça Veneziana do século XVIII de Carlo Goldoni, Arlecchino, Servo di due padroni (WAGSTAFF, 1992,

38 Note como o pôster de Por um Punhado de Dólares dá destaque aos alemães Wolfgang Lukschy e Marianne Koch, mas troca o nome de Gian Maria Volontè e Sergio Leone por pseudônimos, John Wells e Bob Robertson respectivamente, dado a falta de tradição da Itália no gênero; costume que durou poucos meses. 39 O próprio Por um Punhado de Dólares foi filmado concomitante a outro filme usando a mesma equipe e cenários, A Pistola Não Discute (Mario Caiano, 1964) (CARREIRO, 2014, p. 44). 46

260). Em Por um Punhado de Dólares, Eastwood interpreta o “Estranho Sem Nome40”, um caçador de recompensas que utiliza para usufruto próprio a rivalidade dos Baxter e Rojos, duas gangues rivais da cidade de San Miguel, “um local surrealista onde ninguém trabalha exceto o fazedor de caixões e o dono do saloon, já que matar se tornou a única forma de ganhar a vida nesse local” (BONDANELLA, 2009, p. 344). Essa configuração temática é muito presente na fase inicial do filone, como em Django (Sergio Corbucci, 1966) e Uma Pistola Para Ringo (Duccio Tessari,1965). Nos filmes de Leone, e na maioria dos spaghetti westerns, as figuras do vaqueiro e do xerife, tão representativas do western americano, são praticamente inexistentes. As cidades não são mais um refúgio civilizado rodeado por um mundo inóspito, característica da maioria dos westerns clássicos, mas sim o local onde propriamente é mais fácil ser morto. Nos spaghetti westerns, aquele que seria o herói da trama é movido pela ambição antes que a um ideal civilizatório e por essa razão a figura do caçador de recompensas ganha destaque. Os vilões, mais exagerados, são o combustível para que um personagem continue seu caminho cego em busca de vingança (BONDANELA, 2009, p. 342). De fato há uma subversão dos elementos do western clássico, um relaxamento da moralidade, mas por vezes, essa subversão não elaborava um viés ideológico contra a hipocrisia do western norte-americano, nascendo basicamente de uma necessidade para promover a ação, ou seja, “para ter um grande número de tiroteios em um enredo, os personagens tinham que continuar mudando de lado e traindo-se uns aos outros”. (WAGSTAFF, 1992, 257). Críticos como Pauline Kael apontavam o spaghetti western como o principal fator para o aumento da violência nos filmes americanos “despindo o western de seu cultural fardo de moralidade” (KAEL, 1974, p. 172). De fato, há nos cinemas de gênero europeu um relaxamento maior da censura e uma necessidade de apelo ao sexo e a violência para destacar seus filmes dos exemplares de maior orçamento e estrelas consagradas do cinema estadunidense. Mas antes dos spaghetti westerns o cinema norte-americano já caminhava nesta direção:

Em um ciclo de westerns anteriores, como O Preço de um Homem (1953), O Homem do Oeste (1958) e One-Eyed Jacks (1960), a violência era brutal, degradante e improvável em fornecer uma força para a redenção ou regeneração. Além disso, a erosão constante da validação tradicional de atos violentos no gênero, ocorrida na década de 1960, não pode ser separada das

40 O personagem é apelidado respectivamente de Joe, Manco e Blondie, em cada parte da “Trilogia dos Dólares” de Leone iniciada com Por um Punhado de Dólares e seguida Por Uns Dólares a Mais (1965) e Três Homens em Conflito (1966). 47

crises próprias dos EUA, que caracterizaram a era posterior da Guerra do Vietnã (FISHER, 2009, p. 181). Além do caráter impiedoso dos caçadores de recompensa (ou caçadores de tesouros) há o personagem em busca de vingança pessoal, o foco de filmes como Réquiem Para Matar (Carlo Lizzani, 1967). Alguns filmes misturam os temas, às vezes num mesmo personagem como em O Vingador Silêncio (Sergio Corbucci, 1968) ou como o traço principal para dois personagens distintos como A Morte Anda a Cavalo (Giulio Petroni, 1967). O segundo filme de Leone, Por Uns Dólares a Mais (1965), foi o responsável pela sedimentação destas temáticas e do popular protagonismo duplo nos spaghetti westerns. Em Por Uns Dólares a Mais, Eastwood retorna basicamente ao papel do pistoleiro do filme anterior e acaba por formar uma parceria involuntária com o engenhoso Coronel Mortirmer (). A relação de Eastwood e Van Cleef é mais próxima daquela de Gary Cooper e Burt Lancester em Vera Cruz do que a do próprio Lancaster com Lee Marvin em Os Profissionais. Ou seja, não há camaradagem e reminiscências de antigas glórias que mantém os dois personagens unidos41. Apenas a necessidade de uma aliança provisória para atingir certo objetivo, regada a muita desconfiança. Eastwood procura as recompensas pelas cabeças do bando de assaltantes de banco comando por Índio, Gian Maria Volonté de novo interpretando o vilão da trama. O bandido também é procurado Van Cleef, desejoso de vingança contra o estupro e consequente suicídio de sua irmã. Em 1966 Leone lança Três Homens em Conflito amplificando as relações conflituosas entre seus protagonistas - agora um trio: Blondie (Eastwood), Angel Eyes (Van Cleef) e Tuco (Eli Wallach) com o personagem de Van Cleef, funcionando marcadamente como antagonista, mas escrito de maneira menos superficial do que os vilões de Volonté dos filmes anteriores. Depois de várias desventuras, a jornada destes três homens colide na procura da tumba de um soldado onde estão enterrados duzentos mil dólares em ouro. Se em muitos spaghetti westerns havia certa liberdade em relação a elementos da cultura americana e fidelidade historiográfica, outros tinham uma relação mais estreita com elementos históricos42 sendo que Três Homens em Conflito carrega um contexto também bastante explorado nos westerns italianos, o da Guerra Civil. A maioria desses filmes trazia como protagonistas ex-

41 Pistoleiros do Entardecer (1962, Sam Peckinpah) faz uma mescla agridoce destas relações entre amor e ódio com os saudosos pistoleiros interpretados por Randolph Scott e Joel McCrea. 42 O peso desempenhado pelo contexto histórico não estava restrito ao western declaradamente político. Sergio Leone, conhecido por seu perfeccionismo, como exemplificado no documentário Desenterrando Sad Hill (2017), carregava sempre consigo o livro Gardner’s Photographic Sketch Book of the Civil War durante as filmagens de Três Homens em Conflito. Portanto a fidelidade com o passado era mais uma escolha (ou falta de escolha no caso de baixíssimos orçamentos) do diretor e roteirista em sua ambientação do oeste americano de fins do século XIX. 48

combatentes marcados pela violência, expondo cicatrizes físicas e psicológicas. No mesmo ano de 1966 estreia aquele que seria o fundador do subgênero dos westerns Zapata (GABERSCEK, 2008, p. 45), Uma Bala para o General, em que o contexto histórico escolhido é o da Revolução Mexicana, que como vimos não era incomum para os westerns de uma maneira geral. Sergio Leone também, mesmo que contra sua vontade, daria sua contribuição ao western revolucionário com Quando Explode a Vingança (1971), entrando no projeto com ele já em andamento, por pressão de Rod Steiger (BONDANELLA, 2009, p. 363). Depois de alguns anos com centenas de títulos despejados no mercado interno e no exterior, o filoni já dava sinais de desgaste no início da década de 1970. Após Era Uma Vez no Oeste (1968) em que Leone praticamente exaure todas as possibilidades do gênero, reforçando e sedimentando seus próprios artifícios de linguagem ao mesmo tempo em que faz diversas homenagens aos westerns estadunidenses (HUGHES, 2004, p. 242), resta aos spaghetti westerns, que já continham invariavelmente momentos de alívio cômico, extrapolarem a autocitação com comédias de fato que implodem características do estilo. Trinity é o Meu Nome (Enzo Barboni, 1970) tem como protagonista não mais o cavaleiro solitário taciturno e iconográfico, mas um maltrapilho carismático, Trinity (Terence Hill), que se arrasta por uma rede presa ao seu cavalo para dormir enquanto cruza o deserto. Para encerrar seu envolvimento no filone, Leone participaria das gravações, como diretor de segunda unidade43, de Meu Nome é Ninguém, (Tonino Valerii, 1973). No filme os dois protagonistas se diferenciam pela diferença entre gerações. Henry Fonda representa o western clássico enquanto que Terence Hill a nova roupagem do gênero, numa conversa amigável, mas melancólica (Figura 17). O filme marcaria o fim do spaghetti western como ciclo.

43 Segundo Cox, Leone na verdade teria dirigido quase dois terços do filme (2009, p. 301), o que explicaria o tom inconsistente do filme como um todo. 49

Figura 17 – Cena de Meu Nome é Ninguém (1973)

Fonte: Imagem extraída do filme (MEU NOME..., 1973)

O estudioso Bert Fridlund faz um extenso levantamento dos números do filone e marca os anos entre 1964 e 1973 como o auge do spaghetti western (2006, p. 7) em termos absolutos de produção e porcentagem em relação ao total de filmes produzidos no país44. A partir de 1973 não haveria nenhuma reinvenção significativa dos esquemas temáticos ou estilísticos no ciclo e outros filoni também já estavam em pleno auge (giallo) ou despontando em popularidade (poliziottesco). Como nossa análise tem como foco o funcionamento dos filmes dentro de um ciclo de produção preferimos então considerar os westerns lançados entre 1974 a 1978 como “westerns tardios”, filmes como Keoma (Enzo G. Castellari, 1976) e Mannaja (Sergio Martino, 1977).

2.3 O Western Zapata

Foi possível notar até agora que fazer dinheiro acabava sendo a necessidade primeira dos spaghetti westerns e que trabalhar no gênero era praticamente um requisito para que diretores italianos pudessem começar suas carreiras ou rodar suas ideias adaptando roteiros para a ambientação no velho oeste. De modo paralelo a popularidade de certos conceitos, invariavelmente ligados aos filmes de Leone ou indo além de conjuntos temáticos (como o subgênero do western Zapata), houve também uma parcela de spaghetti westerns que se destacam por em suas investidas experimentalistas. Em Django Vem Para Matar (Giulio Questi, 1967), a narrativa surrealista é escancarada e a ambientação é praticamente um Oeste

44 Em 1968, os Westerns representavam uma fatia de 29,6%, ou seja, um em cada três filmes produzidos na Itália naquele ano era um Western (FRIDLUND, 2006, p. 8). 50

amplificado em sua artificialidade. Trechos psicodélicos de flashbacks ou sonhos se somam a uma violência grotesca para dar ao filme um toque de horror gótico. Outros filmes como Matá-lo (Cesare Canevari, 1970) e O Justiceiro Cego (Ferdinando Baldi, 1971) também abusariam de arrojos estéticos em relação ao som e a imagem. A violência explicita de Django vem Para Matar e no próprio Django45 de 1966, inimaginável em filmes comerciais norte-americanos, levanta algumas questões. O cinema italiano como um todo era formada por produtos pertencentes a uma indústria muito fragmentada e não havia como nos estúdios hollywoodianos uma máquina de autocensura ou controle mais rígido sobre a produção. A recomendação etária era mais para delimitar o tipo de público ou mercado46 que o filme gostaria de atingir. Problemas de censura e banimento estavam mais relacionados ao tom político e contexto da violência do que com a representação gráfica e explícita da violência. Edmonstone chama atenção para da censura e destruição das cópias de O Ultimo Tango em Paris (Bernardo Bertolucci, 1972) e Salò, ou os 120 Dias de Sodoma (Pier Paolo Pasolini, 1975), considerados imorais, enquanto filmes como La bestia in calore (Luigi Batzella, 1977), e outros exemplares do sórdido movimento do nazisploitation - filmes apelativos contavam com um nicho muito pequeno - passavam sem grandes problemas pelo Ministério do Turismo e Performance Pública, com o poder de censurar e banir filmes desde 1962 (EDMONSTONE, 2008, p. 68). Ou seja, não era o conteúdo gráfico em si que era um problema aos censores, mas sim a imagem que o país poderia passar para o mundo em obras de diretores prestígio. Um debate recorrente no período. Como vimos no primeiro capítulo, a herança do cinema neorrealista italiano foi profunda na produção nacional tanto em termos do cinema popular - que com sucesso mesclava críticas sociais a filmes de comédias de tipos como no neorrealismo rosa - como nos filmes de autores que tinham pouco compromisso em se enquadrar em gêneros cinematográficos. A partir de meados da década de 1960 o cinema italiano ganhou aquilo que poderíamos chamar de um movimento mais coeso de filmes que escancaradamente discutiam e denunciavam problemas da sociedade italiana contemporânea. Mesmo com temas mais específicos, estes filmes tinham um apelo universal em suas críticas ao capitalismo, a corrupção estatal e a ganância. Ficou conhecido como cinema d’impegno civile ou cinema de

45 Manolo Bolognini, produtor de Django, comenta no documentário Spaghetti West (2005), que “esqueceu” em algumas cópias do filme em Turim (Norte), a cena em que uma orelha é decepada e depois comida pela vítima, que deveria ser retirada por sugestão dos censores. Com o sucesso do filme as críticas comentaram a cena, e cinemas do sul, como em Nápoles, Bari e Palermo que não tinham a cena reclamaram. 46 Segundo Wagstaff as cidades do interior e do Sul eram mais conservadoras do que as grandes cidades principalmente do Norte do país (1992, p. 252). 51

empenho civil47. Em As Mãos Sobre a Cidade (Francesco Rosi, 1963), Rod Steiger vive um empreiteiro que deve lidar com as consequências e disputas políticas da queda de um antigo prédio popular causada pela construção vizinha, às vésperas das eleições municipais. O tom antes quase documental do neorrealismo ganha ares de jornalismo investigativo. As cenas na câmara dos vereadores, por exemplo, têm menos uma função de registro passivo, procurando amplificar os debates e explorar a tensão de cenas que poderiam se restringir a função expositiva. Em A Batalha de Argel (Gillo Pontecorvo, 1966) acompanhamos as revoltas de libertação da Argélia, colônia francesa até 1962. Pontecorvo e o roteirista Franco Solinas, escolhem a cidade como protagonista e espaço de disputa. Esse movimento faria de Investigação Sobre um Cidadão Acima de Qualquer Suspeita (Elio Petri, 1970) o vencedor Oscar de Filme Estrangeiro e do Grande Prêmio do Festival de Cannes (PRUDENZI; RESEGOTTI, 2006, p. 207). Uma amostra de que o cinema político italiano era de fato popular e influente internacionalmente e representaria o ápice do thriller político no mundo, junto ao trabalho de diretores como John Frankenheimer, Costa-Gravas e Alan J. Pakula. Outros cineastas italianos como Gillo Pontecorvo, Marco Bellochio e Giulliano Montaldo ainda lançariam obras com certo fôlego até o início dos anos 1980 quando eram vigentes os Anos de Chumbo, num recrudescimento das forças repressoras do Estado italiano com a morte de Aldo Moro em 1978, e o cinema italiano de modo geral entraria numa grande crise (BONDANELLA, 2009, p. 179).

47 O termo se relaciona basicamente a como os italianos recorrentemente chamavam a arte política italiana das primeiras décadas da Guerra Fria, no cinema comumente relacionada a obras de Pasolini, Bertolucci, Petri, etc. (ANTONELLO, 2013, p. 244). Cinema de impegno civile traduz-se livremente como cinema de empenho civil, ou como sugere Bondanella, melhor compreendido como cinema engajado ou ativista (BONDANELLA, 2009, p. 242). 52

Figura 18 – Anúncio de Investigação Sobre um Cidadão Acima de Qualquer Suspeita (1970)48

Fonte: Giuseppe Rausa, 2015

Os spaghetti westerns voltados principalmente para o consumo nos cinemas populares teriam pouco a ver com este cinema politicamente engajado, mas uma breve sondagem nos nomes envolvidos em exemplares dos dois estilos evidencia momentos de intersecção: os westerns Zapata ‒ filmes marcados pelas tendências revolucionárias e de esquerda ‒ usavam como metáfora para problemas italianos a região fronteiriça entre o México e os Estados Unidos e o momento da Revolução Mexicana iniciada em 1910. Muitos destes filmes eram escritos e dirigidos por pessoas próximas ao Partido Comunista como Franco Solinas, Fernando Morandi e Sergio Sollima (CARREIRO, 2014, p. 53). É necessário salientar que os westerns Zapata, por mais que fizessem sucesso nos cinemas populares da Itália, eram produzidos para um público urbano, jovem e politizado: Em 1970, Companheiros (Vamos a matar, compañeros!, 1970), que arrecadou 1,5 bilhão de liras nas bilheterias, teria sido exibido no mesmo circuito prima visione de, O Conformista de Bernardo Bertolucci (Il conformista, 1970), que fez 0,5 bilhão de liras. Companheiros (um spaghetti westerns ao qual são atribuídas pretensões de 'compromisso' político) é em alguns aspectos mais semelhante ao O Conformista (quase universalmente reconhecido como um dos melhores filmes de sua época) do que dos spaghetti westerns dos terza visione. (WAGSTAFF, 1992, 249).

48 O anúncio traz a frase atribuída ao escritor Franz Kafka que encerra o filme: "Qualquer impressão que ele possa nos fazer, ele ainda é um servo da lei; isto é, ele pertence à lei e, como tal, está além do julgamento humano."; e na parte inferior um aviso para que o filme seja visto desde o início. 53

O subgênero do western Zapata procurou, portanto, dar novas ambições a seus protagonistas e subtextos regionais aos westerns produzidos na Itália. Caracteriza-se pelo uso de dois personagens distintos, um estrangeiro (um agente da lei ou mercenário) e um mexicano (um bandido, peão ou revolucionário), cujas realidades se chocam para produzir significado político num contexto fronteiriço. A construção de um movimento de revelação ou anagnorisis é outra característica narrativa dos westerns Zapata. Este elemento, trazido dos filmes políticos, diz respeito a conspirações e segredos que quando revelados causam no protagonista um momento de catarse (o espectador geralmente já está ciente das armadilhas que aguardam os personagens), ou mais sutilmente, como escolhemos chamar, uma “tomada de consciência”. Esta tomada de consciência se dá pela revelação de um complô ou traição. Sobre Uma Bala Para o General, Adela Franco aponta:

Assim, Solinas [roteirista do filme] liga a anagnorisis aristotélica a uma alegoria de descolonização. Mais especificamente, Solinas transfere a experiência da anagnorisis para o personagem mexicano, interrompendo a identificação convencional do público com a busca existencial das eras McCarthy e Vietnã (FRANCO, 2019, p. 118).

No filme, o protagonista Chuncho (Gian Maria Volonté) é um traficante de armas mexicano que acaba enganado por um assassino de aluguel estadunidense para que este possa descobrir o paradeiro de um general revolucionário. Chuncho é traído por alguém que confiava e por seus próprios desejos “americanistas”, o que o leva a matar o gringo. Mas em outros westerns Zapata esta mudança de perspectiva pode acontecer apenas no protagonista estrangeiro, em ambos, ou ainda, em nenhum (quando os desejos pessoais excluem ou se misturam à motivação política). O primeiro exemplo de uma tomada de consciência por parte do estrangeiro se dá em O Dia da Desforra. Jonathan Corbett (Lee Van Cleef) é um ex-xerife e candidato ao senado americano e percebe que está sendo usado por um magnata das ferrovias para perseguir um mexicano injustamente acusado de estupro e assassinato. Sem perder o olhar crítico, gostaríamos de chamar atenção ao filme, que possui uma estrutura que permite que diferentes tipos de demandas do público possam ser atendidas ao mesmo tempo, ou seja, camadas de significação e excitações o suficiente para agradar desde aquele que assiste a um filme pelos momentos de gratificação até os que procuram alguma mensagem política e social mesmo que simplista. Numa rápida análise não é estranho pensar em vietcongues e estadunidenses no duelo entre Cuchillo e Chet (Figura 19), o verdadeiro assassino estuprador em O Dia da Desforra, no qual o camponês usa uma faca para enfrentar 54

o gringo armado de rifle, considerando contexto então vigente da Guerra do Vietnã que se estendeu de por vinte anos. O exemplo de Fisher cabe a outros westerns Zapata:

Em vez de buscar erudição em O Dia da Desforra, devemos reconhecer e contextualizar as afinidades entre sua visão de mundo um tanto adolescente e a dos emergentes movimentos de protesto aos quais ele procurava se aproximar: movimentos caracterizados, eles próprios, por uma propensão a buscar símbolos facilmente reconhecíveis (FISHER, 2013, p. 302).

Figura 19 – Cena de O Dia da Desforra (1966)

Fonte: Imagem extraída do filme (O DIA..., 1966)

Sabemos que as equipes dos spaghetti westerns eram formadas por membros de vários países49, e para Franco, por causa de tal heterogeneidade cultural que beira a esquizofrenia, os filmes não podem deixar de enfatizar sua estrutura alegórica, onde o ‘gringo’ representa o imperialismo ocidental e o ‘mexicano’ simboliza o Terceiro Mundo ou qualquer grupo subalterno (FRANCO, 2019, p. 100). A maioria dos estudiosos que procuraram revelar e se aprofundar nas questões políticas dos westerns Zapata, trouxeram a luz o anti-imperialismo e a questão pós- colonialista em voga nos anos 1960, durante a independência de países como a Argélia (independência reconhecida em 1962), Jamaica (1962), Quênia (1963), Singapura (1965), Guiana (1966) e dos conflitos nas antigas colônias francesas, Vietnã (1945), Camboja (1953), Laos (1953) que conquistaram sua independência na década anterior, mas ainda vivam sob ocupação estrangeira. Um dos grandes ícones do pensamento pós-colonialista e grande influência para os cineastas políticos europeus foi o filósofo e ensaísta Frantz Fanon, nascido

49 Tomás Milián era cubano; Martine Beswick, jamaicana; José Torres, venezuelano; Lou Castel, nascido Ulv Quarzell, tem origem sueca, mas nasceu na Colômbia; Anthony Steffen, nascido Antônio Luiz de Teffé era brasileiro; George Hilton tem como nome de batismo Jorge Hill Acosta y Lara e nasceu no Uruguai. Isso para citar somente latino-americanos. 55

na Martinica, uma região administrativa de domínio francês. Para o estudioso, era necessário quebrar a identificação do subalterno com o pensamento colonialista a partir de uma libertação psicológica, esta somente possível se conquistada através da violência:

Quando alcançada durante uma guerra de libertação, a mobilização das massas introduz a noção de causa comum, destino nacional e história coletiva em todas as consciências. Consequentemente, a segunda fase, isto é, a construção da nação, é facilitada pela existência desta argamassa amassada com sangue e raiva (FANON, 2005, p. 51).

Essas questões se chocavam com uma linguagem nascida e formulada pela então principal potência do século XX, os Estados Unidos, portanto entendemos os westerns Zapata como discursos não de total subversão, mas de resistência dentro de códigos hegemônicos da cultura popular norte-americana.

Figura 20 – Soldado sul-vietnamita em Huế no Vietnã em 196850

Fonte: Spaghetti Western Database, [2020].

Os protagonistas dos spaghetti westerns, antes bem sucedidos pela astúcia ou destreza com o revólver, nos westerns Zapata andam invariavelmente em bando e usam de táticas de guerrilha como as emboscadas, assaltos e disfarces. Fisher resume as duas tendências:

É na capacidade inata do gênero como um fórum para o debate sobre a ética da violência, que surge o principal ponto de contato com essas comunidades contra-culturais; e nas teses pós-coloniais de Frantz Fanon a tradicional

50 Anúncio para o filme Tempo de Massacre (Lucio Fulci, 1966). 56

validação do western de assassinatos regenerativos e enobrecedores encontra um companheiro incongruente (FISHER, 2010, p. 183). Os cineastas italianos procuravam criticar o imperialismo e o capitalismo norte- americano (FISHER, 2009, 176), e também chamar atenção ao Terceiro Mundo e suas lutas por independência (tanto política como econômica) como apontam vários estudiosos, mas também, como tentaremos expor no capítulo seguinte, para problemas essencialmente italianos relacionados à justiça social e reforma agrária. É importante destacar que o western produzido na Itália não obteve num primeiro momento um respaldo positivo da crítica. Um western produzido por italianos, filmado nos desertos espanhóis de Almería e comentando a Revolução Mexicana obviamente levantava questões acerca de seu compromisso historiográfico. Mas o importante aqui não é pontuar erros e acertos em relação à fidelidade a fatos e documentos históricos, mas entender como esse texto era produzido a partir destas relações transnacionais, preferindo “não falar de cópias adequadas ou inadequadas de culturas vistas como originárias e normativas, mas sim de um processo interminável de transtextualidade recíproca” (STAM; SHOHAT, 2009, p. 473). Além de levar em consideração esta complexidade em sua formação multicultural e transnacional, o western Zapata, assim como todo filme que retrata o passado, necessita da avaliação crítica por parte do espectador já que um filme possui evidências de seu contexto de produção, sem deixar de ser uma criação artística particular como aponta Marcos Napolitano:

[...] as fontes audiovisuais e musicais são, como qualquer outro tipo de documento histórico, portadoras de uma tensão entre evidencia e representação. Em outras palavras, sem deixar de ser representação construída socialmente por um ator, por um grupo social ou por uma instituição qualquer, a fonte é uma evidencia de um processo ou de um evento ocorrido, cujo estabelecimento do dado bruto é apenas o começo de um processo de interpretação com muitas variáveis. (NAPOLITANO, 2005, p. 240).

Analisaremos, portanto, a representação da Revolução Mexicana e dos conflitos provenientes entre a intervenção estrangeira no país, principalmente estadunidense, a partir do ciclo dos spaghetti western, ou seja, como aliavam a discussão política com entretenimento dentro de um contexto histórico e de produção específicos. Filmes que não possuíam o objetivo primordial de contar em detalhes passagem históricas ou ilustrar biografias. Como veremos, a representação de figuras reais nas tramas, como Pancho Villa ou o próprio Emiliano Zapata, por exemplo, é praticamente inexistente no subgênero dos westerns Zapata, sendo somente citadas ou aludidas. 57

A maioria dos westerns Zapata tem como ponto de partida o ponto de vista do estrangeiro. Dentro do nosso corpus expandido de estudo, Uma Bala Para o General, Os Violentos Vão Para o Inferno, Tepepa e Companheiros iniciam sua narrativa com a chegada de um gringo ao México e apenas em Corre Homem, Corre e Quando Explode a Vingança é o mexicano que dá início a trama51. Há também uma mudança dessa subjetividade. Os primeiros filmes deste subgênero elencam o estadunidense como coprotagonistas, mas logo estes darão espaço para os europeus como fios condutores da narrativa no papel de mercenários e vendedores de armas deixando para os primeiros, o papel de vilões da trama. Uma breve análise dos filmes pertencentes ao nosso corpus expandido de análise pode deixar mais clara esta questão: - Uma Bala Para o General: Bill Tate não passa para o lado de seu companheiro de jornada e acaba morto pelo mesmo. - Corre Homem, Corre: temos Cuchilo de O Dia da Desforra novamente como protagonista em suas idas e vindas com a causa revolucionária ao tentar recuperar uma grande quantia em ouro escondida pelo intelectual revolucionário Ramirez (José Torres). Seu parceiro de jornada, o americano Cassidy (Donald O’Brien), é um ex-xerife, e também ex- combatente aparentemente desiludido, mas que se mostra ainda simpático à causa revolucionária durante o filme. Ao fim também abre mão do tesouro. Portanto não há mudança em relação à convicção de ambos. - Os Violentos Vão Para o Inferno: Paco (Tony Musante) se rebela contra as condições onde trabalha e justifica sua revolta em termos pessoais: não quer morrer como seu pai. Mas logo começa a entender o peso de seu papel como opositor aos que controlam seu país. Já Kowalski (Franco Nero) como bom mercenário, não se deixar levar por motivações não pecuniárias e se separa de Paco mesmo após salvar sua vida. - Tepepa: O personagem que mais claramente tem o papel de vilão do filme, o Coronel Cascorro, interpretado pelo americano Orson Welles, é mexicano. E o estrangeiro do filme, o doutor Henry Price (John Steiner), é um médico inglês que tem como propósito a vingança, ou seja, matar Tepepa pelo estupro de sua noiva. Durante o filme o doutor simpatiza com Tepepa e a causa dos camponeses mexicanos, mas sucumbe ao desejo de matar o líder revolucionário.

51 Se considerarmos O Dia da Desforra, Quando os Brutos se Defrontam e Queimada (Gillo Pontecorvo, 1969), que não é um western Zapata, mas possui estrutura sintática muitíssimo similar, seriam somados mais três filmes em que o estrangeiro dá inicio a trama. 58

- Companheiros: Yodlaf Peterson (Franco Nero), neste quase remake feito pelo próprio Corbucci, parece que vai terminar como o mercenário de Os Violentos Vão Para o Inferno, mas sua “conversão” acontece praticamente nos últimos segundos da trama. Vasco (Tomás Milián), engraxate acidentalmente tornado capitão, acaba convencido pela guerrilheira Lola e pelo professor Xantos a se entregar a causa revolucionária. - O niilista Quando Explode a Vingança tem como foco a aparente tomada de consciência do mexicano Juan (Rod Steiger) e seu ódio contra os federalistas, mas esta se trata em suma de uma vingança pessoal pela morte de seus filhos. O estrangeiro, o irlandês John H. Mallory (James Coburn) tem também um caminho mais pessoal, tendo sua história contada por flashbacks, procura redenção após ter assassinado seu melhor amigo por ele ter lhe dedurado para a polícia.

Podemos então resumir esta análise com o seguinte quadro:

Quadro 1 – Mudança de Perspectiva

“Tomada de Consciência” Ação no Protagonista Filmes Uma Bala Para o General, Os Violentos Vão Apenas o mexicano Para o Inferno. Apenas o estrangeiro Tepepa (com um final ambíguo). O mexicano e o estrangeiro Companheiros Quando Explode a Vingança, Corre Homem Nenhum dos dois: Corre.

Fonte: autor.

Mesmo que o western italiano enalteça o protagonismo mexicano em suas narrativas, os estrangeiros ainda têm uma perspectiva privilegiada em relação ao ponto de vista da história (principalmente pelo uso de flashbacks e narração em voz over). Pode-se entender que esta escolha se dá para aproximar o espectador a quem se destinam estes filmes, majoritariamente europeu e norte-americano, a uma ambientação e contexto possivelmente desconhecido por ele. Embora exista a temática terceiro-mundista é possível sugerir que esta se daria mais para gerar comentários numa classe média engajada politicamente, do que para despertar uma consciência revolucionária numa população em situação de vulnerabilidade ou exploração. Não há uma abordagem de baixo para cima, como formulou Ferro (2010, p. 186), ou seja, a partir das massas, já que o discurso é formado a partir de uma estrutura comercial dominante mesmo que se procure subverter ideologias institucionalizadas. Trata-se então de uma questão de como e por quem o conteúdo político dos filoni era realmente absorvido e se o 59

público partilhava das tomadas de consciência dos personagens. Para Fisher, mesmo que institucionalizado esse discurso tem seu valor pelo próprio imediatismo:

O pressuposto levantado [...] é que se um filme foi alterado por suas condições industriais além de certo ponto e é, portanto, não tão coerente com uma interpretação de uma visão ideológica, este se torna menos “político”. No entanto, pode-se argumentar exatamente o oposto: as manchas deixadas pelos processos comerciais e comuns de produção podem nos dizer muito mais sobre como o discurso político estava sendo disseminado, filtrado e recebido no momento da produção (FISHER, 2013, 301). Pela tradição essencialmente erudita da crítica italiana, este tipo de leitura só veio se tornar comum com o avanço da “revisão crítica baseada nos cultural studies britânicos e a crescente fusão entre a antropologia e os estudos midiáticos” (SOUSA, 2014, 149). Spinazzola distingue as obras do cinema popular como:

aquelas a serem consumidas exclusivamente pelas classes baixas; [enquanto que] o cinema de massa destina-se a unificar o público, burguês e proletário, e, portanto, parece ter um valor interclasse. (SPINAZZOLA, 1985, p. 345). É claro que há aí um problema ideológico, principalmente no termo exclusivamente, onde aparentemente a condição social impediria que determinada classe social consumisse ou aproveitasse um produto pensado previamente para um determinado público outro. Já a ideia de valor interclasse é interessante porque como vimos os filoni faziam sucesso (às vezes com produtos diferentes é verdade) dentro de toda cadeia vertical do mercado exibidor italiano. Spinazolla separa também o cinema entre aquele feito sobre o povo, de caráter realista e por isso verdadeiramente de mobilização social e aquele para o povo, o filme de escapismo e espetáculo (BAYMAN; RIGOLETTO, 2013, p. 8). A oposição a este tipo de crítica que ignorava qualquer possibilidade de discussão política num cinema não realista viria com os escritos do jornal L’Unitá (BAYMAN; RIGOLETTO, 2013, p. 9). Logo haveria um pensamento mais progressista, de teor gramsciano, que valorizava o poder de atração do cinema popular:

Gramsci argumenta que os intelectuais italianos tradicionalmente descartam a cultura consumida pelo povo como primitiva e ingênua. Gramsci pede uma nova geração de intelectuais capazes de produzir cultura para o povo, mas seguindo apenas um verdadeiro processo de identificação de suas necessidades. Para Gramsci, essa cultura deve ser permeada não apenas pelo sentimento popular, mas deve ser propícia ao fortalecimento de um sentimento de pertencimento nacional entre as pessoas. (BAYMAN; RIGOLETTO, 2013, p. 8). Podemos exemplificar com a obra dos roteiristas Cesare Zavattini e Franco Solinas. Zavattini foi o porta-voz mais explícito do cinema neorrealista, prezando por um cinema de 60

“histórias mínimas”, de caráter acidental e pela duração real do tempo, com um mínimo cortes ou montagem (BAZIN, 1991, p. 276). Mesmo com essa precaução com elementos ligados a uma “essência do real”, os filmes de Zavanttini com o diretor Vittorio de Sica, como Ladrões de Bicicleta (1947) e Umberto D (1951) continha uma trama especificamente trabalhada para arrancar lágrimas da plateia, mais abertamente conscientes do que as de Rossellini, de que a realidade filmada é produto de um artificio cinematográfico (BONDANELLA, 2009, p. 85). Zavattini ainda em parceria com De Sica faria comédias populares de Milagre em Milão (1951) a Ontem, Hoje e Amanhã (1963) sem nunca perder o teor crítico e social. Franco Solinas como vimos se revezava durante as décadas de 1960 e 1970 na escrita de obras contundentemente políticas dirigidas por nomes Costa-Gravas e Francesco Rosi e os westerns de Sergio Corbucci e Sergio Sollima. É claro que havia um juízo de valor entre as obras, e fica aberta a discussão se a participação no cinema de gênero de Solinas, no período ligado ao Partido Comunista Italiano, acontecia num primeiro momento a contragosto já que os westerns dominavam a produção italiana na época ou se pela convicção das possiblidades gramscianas do cinema popular:

Apesar de toda a postura de liderança do Partido Comunista Italiano na Guerra Fria, a relação desta subcultura com as importações culturais americanas estava longe de ser diretamente antagônica. As vibrantes mitologias da cultura americana exerceram considerável apelo entre os jovens em particular, e o cinema foi um ator-chave nesse fenômeno. Em 1954, por exemplo, Giuseppe Turroni entrevistou um membro do PCI de 23 anos que admitiu preferir filmes de aventura e westerns ao neorrealismo defendido por seu partido, que era "muito intelectual e difícil" (FISHER, 2010, p. 195).

O que é inegável é que Solinas destilava com liberdade e habilidade sua aderência aos princípios de Frantz Fanon nos westerns Zapata escritos por ele (FISHER, 2009, p. 176). A exploração sofrida pelos mexicanos nas fronteiras com os Estados Unidos não seria diferente dos abusos que os italianos passavam nas terras onde trabalhavam e viviam. Com intuito de levar ao público o sentimento de que era necessário pôr um fim àquilo mesmo que violentamente, o filme despertaria esse sentimento identificação e catarse:

[...] há sempre um sentimento de solidariedade com os oprimidos: sentimos certa comunhão com a menina oprimida ou miserável, porque nos sentimos tão oprimidos ou miseráveis como ela é. […] O homem comum do povo, que todos os dias se submete às injustiças dos poderosos, identifica-se com o caráter do oprimido, que se torna seu próprio vingador implacável. (FERRETI apud WAGSTAFF, 2013, p. 38). 61

Esta citação do crítico Gian Carlo Ferretti para a revista L’Unità de dezembro de 1955 está relacionada à identificação do público popular com o cinema de melodrama e aventura de meados da década de 1950, mas podemos dizer que também se adequa aos westerns. Nos filmes neorrealistas de De Sica e Rosselini o desfecho para o oprimido é amargo e melancólico, alertando para o resultado desastroso do governo fascista e clamando por novas políticas públicas. Nos westerns Zapata o tom é esperançoso e utópico e a união através da revolução armada não é só uma possibilidade, mas uma necessidade. É visível, portanto, que os diretores e roteiristas aproveitaram da então popularidade do gênero western para discutir problemas coetâneos mesmo que às vezes de modo confuso e opaco. Benet resume o pensamento que guiou nossas análises:

[...] filmes não devem ser entendidos como um mero reflexo ou interpretação de uma situação histórica, mas como documentos de onde se condensam simbolicamente as contradições e as tensões de um momento histórico através de uma visão. Entramos, portanto, em domínios subjetivos que se expressam no nível do texto, ou melhor, do contexto (BENET, 2004, p. 291).

Para Fisher essa qualidade é própria também ao cinema popular, reiterando o pensamento de Benet, ao comentar que “as políticas de uma época vem à tona inadvertidamente através de confusões e contradições nos filmes, assim como através de obras de arte finamente trabalhadas” (FISHER, 2013, p. 300). As análises fílmicas a seguir de Uma Bala Para o General e Companheiros não abandonarão as questões mais gerais relativas ao pós-colonialismo e ao anti-imperialismo, foco de Fisher, por exemplo, mas nosso objetivo como já enunciado será o de traçar paralelos entre os contextos vigentes da Itália coetânea com temas que emergem dos filmes em sua exploração da história e política mexicana.

62

3. PARÁBOLAS REVOLUCIONÁRIAS: ANÁLISES FÍLMICAS DE UMA BALA PARA O GENERAL (1966) E COMPANHEIROS (1970)

Eram filmes sobre a Revolução Mexicana que, afinal, não era uma revolução política, sempre foi uma revolução popular. Foi talvez a primeira grande revolta do mundo moderno, a Revolução Mexicana, mas não a vejo com um andamento político, mas a vejo como uma poderosa rebelião popular contra a opressão. Sergio Corbucci52

Figuras 21 e 22 – Cartazes italianos de Uma Bala Para o General (1966) e Companheiros (1970)

Fonte: IMDb, [20-?]

3.1 Sinopse de Uma Bala Para o General

Uma Bala Para o General tem como trama a trajetória de Bill Tate (Lou Castel), um assassino de aluguel, contratado pelo governo mexicano para matar o general do título chamado Elias (Jaime Fernández), um líder revolucionário cuja localização é desconhecida. Após uma emboscada a um trem pelo traficante de armas conhecido pela alcunha de El Chuncho (Gian Maria Volonté), Tate pede para entrar em seu bando se passando por um procurado da justiça. Depois de uma série de assaltos a quartéis militares junto de seu irmão

52 Depoimento em vídeo (ASCINEMA, 2019). 63

Santo (Klaus Kinski) e o resto do grupo, Chuncho consegue um número suficiente de armas para ir até Elias e vendê-las. Mas antes de voltar ao acampamento revolucionário, o bandido53 faz uma parada no pequeno vilarejo de San Miguel para desgosto d’El Niño, apelido que Tate recebe de Chuncho. Em San Miguel, o bando de Chuncho é recepcionado pelos camponeses da região que promoveram um regime popular após se rebelarem contra Don Felipe, o dono da hacienda da região. O povoado espera a reação das tropas federais enviadas para sublimar a revolta. Chuncho e Santo decidem ficar, mas Tate, com a ajuda de Adelita (Martine Beswick), convence o resto do bando a retomar a jornada até Elias. Quando Chuncho descobre que uma metralhadora foi levada pelos companheiros, ele parte para recuperá-la com a promessa de que irá voltar. Quando Chuncho reencontra Tate e os outros, eles são atacados. Com todos seus comparsas mortos, o bandido decide ir até Elias acompanhado do americano. Ao chegar ao posto de Elias, o general confronta Chuncho por ter abandonado o povo de San Miguel. Santo, que sobreviveu ao ataque, se prontifica a executar o irmão por covardia. Com um rifle de longa distância, Tate mata Santo, salvando Chuncho. Em seguida mata o General Elias e foge. Chuncho reencontra Tate hospedado num hotel que seria o ponto de encontro dos dois, caso se separassem. Pronto para matar o americano e vingar Elias, ele é surpreendido com metade da recompensa pelo contrato. Tate e Chuncho aproveitam de alguns luxos proporcionados pelos cem mil pesos em ouro. Prestes a embarcar para os Estados Unidos, Chuncho enfim percebe o modo como Tate trata seus conterrâneos e se incomoda com o que ele mesmo se tornou. Antes de subir no trem o mexicano dispara na barriga de Tate, que pergunta a razão para aquele ato repentino ao que Chuncho responde: “Quién Sabe?”. O corpo de mercenário é levado pelo trem. Chuncho foge deixando sua parte do ouro nas mãos de um engraxate com o grito de ordem: “Não compre pão, compre dinamite!”.

3.2 A Revolução Mexicana e o Western Zapata

Consideramos o filme de 1966 de Damiano Damiani, Uma Bala Para o General, como o texto fundador do subgênero conhecido por western Zapata. Com roteiro de Franco Solinas e Salvatore Laurani, o filme sedimenta uma estrutura narrativa particular a partir do fértil terreno para filmes políticos na Itália e da corrente popularidade do gênero western. O

53 Usamos aqui o termo bandido como usado no filme em espanhol, com seu caráter mais próximo ao banditismo social explorado por Eric Hobsbawm (2015). 64

filme abre com uma cena de fuzilamento em uma estação de trem (Figura 23). Quatro homens serão executados contra a parede sendo que um deles apresenta a razão para o ato: morrem por Terra e Liberdade. Ele então grita “Viva México!”. Os soldados disparam. Um rápido zoom-in fecha no rosto de uma das muitas testemunhas da cena, um homem de pele muito branca, olhos claros, vestindo um conjunto elegante de terno e chapéu cinza (Figura 24). O movimento brusco de câmera que deveria potencializar sua reação encontra a passividade do homem que aparentemente é um estrangeiro no país. O revolucionário mais exaltado, ainda vivo, desafia os militares para que lhe matem de uma vez. Depois do tiro que cala o sobrevivente, voltamos para o rosto do estrangeiro ainda olhando de modo casual para a cena. Parece não compadecer com a resiliência do homem, que finalmente sucumbe à execução.

Figura 23 – Imagem de Uma Bala Para o General (1966)

Fonte: Imagem extraída do filme (UMA BALA..., 1966)

Figura 24 – Imagem de Uma Bala Para o General (1966)

Fonte: Imagem extraída do filme (UMA BALA..., 1966)

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Tanto na versão em inglês como em italiano, uma voz over de um subnarrador extradigético54 apresenta ao público o cenário e o contexto do filme. Segue a transcrição da versão em inglês (UMA BALA..., 1966, tradução nossa)55:

De 1910 a 1920 o México foi arrasado por lutas internas. Durante toda a década, o vasto território foi devastado por bandos de bandidos saqueadores. Cenas desse tipo eram comuns enquanto as várias facções tentavam dominar as outras e trazer ordem ao caos.

Todas as fases da revolução são resumidas ao clima de instabilidade e ação de “facções” pelo controle do país, além da distinção nula entre os “bandos de bandidos” que devastaram o território mexicano. A versão em italiano não é mais elogiosa, mas distingue a verdadeira oposição do primeiro momento da revolução (UMA BALA..., 1966, tradução nossa):

Um milhão de mortos, este foi o trágico resultado da sangrenta Revolução Mexicana. De uma parte os generais do exército do governo a serviço dos conservadores, da outra uma massa desordenada de peões à ordem de generais improvisados. Este tipo de exposição será abandonado em produções posteriores. Mesmo que a fidelidade histórica acerca do desenrolar factual da Revolução Mexicana não seja central para os cineastas, a ambientação e autenticidade iconográfica57 são evidentes em vários filmes do subgênero. Logo no travelling que abre o filme é possível ler a inscrição no muro: “Viva Carranza El Pacificador!” (Figura 25). O que estabeleceria a história entre os anos de 1915 e 1916, período em que o país teve como governante Venustiano Carranza (GABERSCEK, 2008, p. 46), que procurou por fim às dissidências entre os revolucionários. As facções apontadas anteriormente pela narração são um reflexo de um povo e sociedade, de fato, muito fragmentados.

54 Adotamos a nomenclatura proposta por Gaudreault e Jost (2009, p. 67), considerando o narrador primeiro, o grande imagista, ou seja, o cineasta organizador das imagens e sons. O subnarradores são aqueles que narram verbalmente a história, sendo estes intradigéticos, personagens explícitos do mundo ficcional, ou extradiegéticos, parte da construção implícita do filme. 55 As transcrições dos diálogos nos idiomas originais estão presentes no Apêndice C deste trabalho. 57 Rosenstone elabora esta questão apontando que num filme, diferentemente de um texto escrito, um chapéu tem de ser especificado, fruto da escolha dos profissionais envolvidos na produção, mas alerta: “aceitar esse tipo de generalização significa envolver uma “leitura” específica das imagens na tela que não é literal, mas que aceita o detalhe específico como símbolo que tem um significado mais amplo” (2010, p. 69). Essa materialidade produzida pela representação é importante para o autor porque produz “efeitos de realidade”, menosprezados por Barthes como “meras anotações” na história escrita (ROSENSTONE, 2010, p. 34). 66

Figura 25 – Imagem de Uma Bala Para o General (1966)

Fonte: Imagem extraída do filme (UMA BALA..., 1966)

O Estado do México e uma noção de nacionalidade mexicana demoraram a se estruturar tanto internacionalmente como em seu próprio povo. Depois de guerras de independência com a Espanha e territoriais com os Estados Unidos, principalmente, o México ainda sofreria em 1862, depois da formulação de sua primeira constituição republicana, a invasão de tropas francesas que procuraram reestabelecer a monarquia. O povo, excetuando as classes mais ricas do Norte do país, viviam em comunidades praticamente autônomas, os pueblos, tendo pouco contato com questões de diplomacia internacional. Mesmo depois da Restauração da República e com o governo do presidente eleito Benito Juárez, houve esforços para que as elites latifundiárias continuassem a governar o México e reestruturar o país de acordo com sua vontade:

Contra a democracia pesava a indiferença das elites e da grande massa da população, que pouco usufruía dela. Apenas uma minoria conhecia e queria a Constituição de 1857 [menos conservadora]. Contra a pacificação conspiravam três costumes; a ambição política dos militares, o modo de vida de quem dependia da guerra e da bandidagem, e a pretensão de autonomia das tribos e comunidades locais. Ou seja, existia no México uma tradição da violência difícil de resolver. (BARBOSA, 2010, p. 30) Posteriormente e durante quase 35 anos, o mexicano viveu sob o domínio da figura autoritária de Porfirio Díaz. Eleito presidente em 1876, depois de liderar movimentos contra o então presidente Benito Juárez, o general e caudilho Díaz governou o México até 1911, manipulando o sistema republicano para manter-se presidente, até a consolidação da revolta armada contra sua figura. O governo de Díaz foi marcado por certo sucesso inicial ao organizar um Estado fragmentado e expandir sua economia com a industrialização e exportação. Ações que aconteceram ao custo exploração do povo mexicano: 67

Seu governo foi responsável pela colonização de terras baldias, melhorou as comunicações e os transportes, realizou mais obras públicas e as cidades foram objetos de reformas urbanísticas. Em paralelo, setores importantes da sociedade, como a população trabalhadora e os camponeses, foram reprimidos em nome do progresso. (BARBOSA, 2010, p. 33). Qualquer movimento de oposição à sua figura era fortemente reprimido e tensões para que houvesse de fato uma renovação no poder era crescente. O governo porfirista não conseguia mais atender as demandas econômicas da classe média, muito menos das classes populares e a insatisfação atingiu o auge com uma grande crise em 1907 (BARBOSA, 2010, p. 55). Havia pressão também internacionalmente de países europeus contrários à relação quase que unilateral de comércio (e dependência) com os Estados Unidos, principalmente depois da descoberta de petróleo no México (GARCIADIEGO; FICKER, 2010, p. 261). Depois de simular uma saída do poder em 1908, Díaz não só volta a se recandidatar nas eleições de 1910 como manda prender Francisco Madero, seu principal opositor político, que acaba exilado nos Estados Unidos. Fora de seu país, Madero lança o Plano de San Luís de Potosí que conclama o povo para que este lute pela a deposição de Diaz. Logo o movimento alcançará um caráter social ainda mais profundo, sendo que para a transição da “oposição eleitoral à rebelião, os participantes e os cenários precisavam mudar: o movimento das classes médias urbanas se transformava em um com bases rurais populares” (GARCIADIEGO; FICKER, 2010, p. 266). Depois que os aliados de Madero conquistam o poder após a chamada de novas eleições, este tenta apaziguar os revoltosos, mas a proporção de vários grupos heterogêneos espalhados pelo país que lutaram contra os federales de Díaz tornou a situação incontrolável (situação que o próprio Madero e seus aliados já viam com insegurança). Dois movimentos se destacam: havia o grupo liderado por Emiliano Zapata na região Central e Sul e ao norte o contingente do general Francisco “Pancho” Villa. A luta continuava agora contra a estrutura econômica e social, exigindo a reforma agrária e melhores condições para o trabalhador rural:

O contingente zapatista foi o primeiro a passar da luta política para a luta social, de caráter agrário. Os camponeses do estado de Morelos e outras entidades vizinhas como Guerrero, México e Puebla que lutaram contra Diaz durante o primeiro semestre de 1911 não aceitaram o desarmamento acordado entre os líderes maderistas e as autoridades porfiristas, desarmamento a ser imposto pelo presidente interino Francisco León de la Barra. Eles alegaram que antes era preciso devolvê-los a terra que havia sido usurpada pelos proprietários locais em conluio com as autoridades porfiristas. (GARCIADIEGO; FICKER, 2010, p. 273).

O conflito social se estenderia até 1920 com várias sucessões presidenciais procurando satisfazer os anseios revolucionários sem prejudicar os interesses das elites regionais. A 68

constituição elaborada em 1917 promoveu revolta tanto por parte dos proprietários nacionais como internacionais ao considerar toda terra e subsolo propriedades da nação, concedida ao usufruto da população (BARBOSA, 2010, p. 91). Medidas como estas e de direitos trabalhistas ainda demorariam algum tempo para serem postas em prática, mas condicionaram a situação do México pós-Revolução.

3.3 Tomada de Consciência 1 – Subtexto Agrário

Por mais que Uma Bala Para o General tenha como premissa narrativa (MCKEE, 2006, p. 116) a jornada de Tate58 para assassinar Elias, o verdadeiro protagonista é El Chuncho. O nome do personagem advém dos índios chunchos que durante a colonização hispânica eram parte das tribos mais rebeldes ou “não submissas”, um termo usado pelos os incas, para indicar os povos nômades a oeste do seu território (DAVIES, 1995, p. 85-87). No filme Tate evolui pouco dramaticamente e passa praticamente incólume às questões morais apresentadas. Ao fim divide sua recompensa mais por um código de conduta da profissão do que por verdadeiro respeito pelo mexicano. Já Chuncho passa por duas “tomadas de consciência” que exemplificam o que seria a ideia governante do filme59, ou seja, “a forma mais pura do significado de uma estória, o como e por que das mudanças, a visão de vida que os membros do público levam para dentro de suas vidas” (MCKEE, 2006, p. 118): num mundo capitalista a exploração prevalece porque é impossível ter muito sem tirar algo de alguém. A primeira destas tomadas de consciência acontece quando El Chuncho chega ao acampamento de Elias para vender-lhe o carregamento das armas que acumulou durante o primeiro terço do filme. Ele é então convidado para uma conversa com Elias. O bandido sobe ao posto de comando montado sobre uma plataforma e lá encontra auxiliares, oficiais e combatentes; homens e mulheres. Com um sorriso largo no rosto após receber seu pagamento, Chuncho é interpelado por Elias: ao abandonar São Miguel e desertar seus amigos, o bandido selou o destino de todos seus habitantes e ganhou cinco mil pesos com isso. Durante o diálogo Chuncho muda de semblante visivelmente. Da admiração e felicidade perante o General, o homem passa a se mostrar não envergonhado ou com medo, mas profundamente revoltado

58 Preferimos chamar o personagem por seu nome de batismo, Bill Tate, e não pelo apelido, Niño, usado correntemente durante o filme para ressaltar sua origem estadunidense, mais importante do que a referência à idade ou aparência do ator/personagem para nossa análise. 59 Usamos os termos empregados por Robert Mckee porque nossa análise mais do que uma exploração dos engendramentos estilísticos e narrativos do diretor, se baseia nas motivações e escolhas temáticas proposta pelo roteiro através do diálogo e arcos dos personagens durante a história. 69

consigo mesmo. Após Elias revelar o valor da venda das armas, Damiano enquadra em close, os tipos que presenciam a cena. Rostos mexicanos, abatidos e consternados. Ele é levado então pelo irmão para ser executado, mas é salvo por Tate que acerta um tiro nas costas de Santo. Chuncho suja suas mãos com o sangue do irmão e corre de volta até a base de Elias, após ouvir os gritos do povo. Arrastando-se por uma parede branca, agora manchada por suas mãos sujas de sangue, Chuncho, em primeiro plano, vê os homens de Elias na plataforma suspensa, olhando para o assoalho (Figura 26). O bandido é cúmplice do assassinato do homem que tanto admirava e ainda carrega a culpa pela morte dos companheiros de San Miguel. Em seguida, uma mão revela uma bala de ouro em primeiro plano (Figura 27), sobrepondo os olhares abalados do povo que olha para cima. Chuncho, Judas involuntário, reconhece a bala. Figura 26 – Imagem de Uma Bala Para o General (1966)

Fonte: Imagem extraída do filme (UMA BALA..., 1966)

Figura 27 – Imagem de Uma Bala Para o General (1966)

Fonte: Imagem extraída do filme (UMA BALA..., 1966) 70

Não foi uma motivação social que resulta nesta primeira tomada de consciência, mas a revolta por ter sido usado e consequentemente ter traído todos que amava: Santo, seu irmão por parte de mãe, Elias e o povo de San Miguel. Esse sentimento catártico do personagem reforça a ideia de uma distância ideológica, presente em sua postura indiferente durante o cerco à propriedade de Don Felipe, momento mais abertamente reformista do filme. No início do segundo ato do filme os camponeses de San Miguel entram na sede da hacienda do latifundiário junto ao bando de Chuncho. Enquanto os bandidos sentam-se a mesa, bebem e comem, os camponeses esperam à porta. Liderados por Raimundo, (José Manuel Martín) estes pedem a presença de Don Felipe (Andrea Checchi) à Rosario (Carla Gravina) que esconde o marido, oferecendo dinheiro. Raimundo concorda que já pediram antes por dinheiro, o que Don Felipe respondeu com balas de assassinos de aluguel. Rosario continua com o tom paternalista:

ROSARIO: O que querem então de nós? RAIMUNDO: Terras, senhora. ROSARIO: Muito bem. Veremos o que pode ser feito quanto às terras. RAIMUNDO: Esqueça, senhora. Elas já nos pertencem. ROSARIO: Bandidos! CHUNCHO: Sabe, senhora? ROSARIO: Sim? CHUNCHO: O fato é que... Estas pessoas querem matar seu marido. ROSARIO: Por quê? Por que querem matá-lo? O que foi que ele fez? Por que não me diz, em vez dos outros? CHUNCHO: Por que os outros não têm costume de conversar. São como bebês, têm medo de falar. [Don Felipe entra] DON FELIPE: Não discuta com eles. Não vai nos adiantar nada. É inútil. Então, Raimundo, decidiu me matar? Por quê? Há uma razão? É só por que sou um homem rico? RAIMUNDO: Não, senhor, é porque somos pobres. E fez de tudo para que continuássemos assim. (UMA BALA..., 1966, tradução nossa) A cena evidencia a relação entre os tipos sociais num contexto de disputa, no caso à reação ao monopólio da violência, antes representado por Don Felipe e à desigualdade social. Enquanto que o bando de Chuncho senta-se à mesa posta apenas “perturbando” o status quo da burguesia, os camponeses esperam de pé para matar Don Felipe (Figura 28). Raimundo quer desestabilizar a ordem vigente. Só se sentará à mesa depois que o homem for morto.

71

Figura 28 – Imagem de Uma Bala Para o General (1966)

Fonte: imagem extraída do filme (UMA BALA..., 1966)

A questão da alusão nos westerns Zapata acerca das correntes revoluções em países do Terceiro Mundo foi amplamente explorada por estudiosos do estilo, mas gostaríamos de chamar atenção primeiramente às intersecções entre as condições do camponês mexicano do início do século XX e aquela dos camponeses do Sul da Itália que até a década de 1960 pouco havia se modificado em relação ao mesmo período retratado nesses filmes. A situação agrária do México e do trabalhador camponês, como vimos, foi o principal ponto de tensão da Revolução Mexicana. O movimento iniciado pelo anseio por participação política e pela retomada das liberdades individuais, promovida pelos Constitucionalistas como Venustiano Carranza e Álvaro Obregon, deu lugar a uma revolução de caráter realmente social e reformista. Havia insatisfação e enfrentamento no campo desde o período colonial e pouco foi feito para melhorar as condições de exploração dos que vivam da terra. Durante o período do Porfiriato, especificamente, é possível dividir as formas de práticas e propriedades agrícolas em certas estruturas básicas. As regiões centrais e do sul eram basicamente formadas por haciendas, grandes propriedades baseadas em uma monocultura voltada para exportação como o café e o sisal, responsáveis por um “confortável superávit da balança comercial em cerca de 25 milhões de pesos anuais” (BARBOSA, 2010, p. 57). Ao norte além da maior concentração de indústrias (como a têxtil e de armamentos) e territórios de exploração de minérios, eram comuns propriedades menores de rancheiros, arrendatários e de pequenos proprietários. E por último havia, principalmente ao sul, os pueblos indígenas: terras comunais de subsistência que acabavam sendo expropriadas pelo governo para a construção de estradas de ferro, explorações de minérios ou aglutinadas em haciendas já que os pueblos representariam um atraso na economia mexicana: 72

Como os intelectuais do regime, os fazendeiros gostavam de "Ordem e Progresso"; mas para o povo seu progresso significava expropriação, proletarização e até seu desaparecimento do mapa de Morelos [estado mexicano]. Não foi apenas uma deterioração no padrão de vida, mas uma mudança socioeconômica e cultural, à medida que os camponeses independentes se tornaram trabalhadores e operários, suas aldeias perderam autonomia e a "economia moral" do camponês rendeu à lógica rival da hacienda comercial. (KNIGHT, 2010, p. 480). Dentro desta lógica, o trabalhador do campo se dividia basicamente entre o chamado peonato livre e os peones acasillados. Estes últimos estavam “presos” à terra em que trabalhavam e moravam. Recebiam vales por seu trabalho que deveriam ser trocados nas tiendas de raya, que também eram controladas pelos latifundiários, pelo mínimo necessário para a subsistência. Estima-se que em 1905, “60% da população do país estava à margem da economia monetária” (KNIGHT, 2010, p. 475). A outra parcela de trabalhadores, os peones livres, e que foi se tornando cada vez maior, não tinha uma situação muito melhor do que os acasillados já que tinha que procurar trabalho constantemente, migrando para o Norte e para os Estados Unidos nas temporadas em que a oferta de trabalho era maior. A população rural, portanto, não só não aproveitaria do boom econômico pelo qual o país atravessava, mas era explorada para atingir objetivos econômicos que favoreciam elites agrárias e empresas estrangeiras, principalmente estadunidenses. De maneira semelhante, a situação do camponês italiano após a Segunda Guerra era baseada numa estrutura semifeudal que atravessava séculos e basicamente também dividia os trabalhadores em dois grupos. Os mezzadri, mais comuns na região central e mais fértil da Itália, moravam por gerações nas propriedades onde trabalhavam e dividiam, com o proprietário das terras, os gastos e ganhos com o terreno:

O sistema tinha muitas outras características distintas: as famílias de parceria não viviam em vilarejos, mas em fazendas, nas suas terras; seus contratos eram anuais, mas na prática eram geralmente renovados por muitos anos, sem dificuldade; o senhorio não era uma figura distante, mas se interessava ativamente pelo funcionamento de suas fazendas; a relação entre ele e o meeiro era direta e paternalista (GINSBORG, 1990, p. 23).

Os trabalhadores rurais deste tipo de sistema possuíam certa mobilidade social e uma condição melhor, se comparada com os peones acassillados mexicanos, quando conseguiam trabalhar em uma porção de terra própria ou criar animais e eram invejados pelos trabalhadores de contratos diários, chamados na Itália de jurnaturu. O solo na porção Sul da Itália era pobre e montanhoso o que dificultava a produção durante todo o ano e os terrenos eram divididos em grandes porções chamados latifondos. Os melhores terrenos e mais bem preparados pertenciam latifundiários que contratavam os jurnaturu todos os dias pela manhã 73

para tarefas específicas (GINSBORG, 1990, p. 30). Mas a maioria alugava pedaços de terra dispersos em diferentes regiões e trabalhavam nestes terrenos ruins, geralmente de difícil acesso. A falta de assistência do Estado e a desigualdade social fez com que o sul do país ficasse “associado com banditismo social, entendido como uma forma primitiva de rebelião social ou como a amálgama nociva de negócios ilegais e poder político” (FRANCO, 2019, p. 98). Tem-se assim que não faltavam tensões no contexto do trabalhador rural italiano. Sendo que grande parte do público dos westerns se localizava nas regiões interioranas da Itália, entendemos que parte do alerta e crítica às desigualdades dos westerns Zapata se dirigiam a condição dos próprios italianos e não somente aos contextos do Terceiro Mundo. Outro paralelo se dá em relação ao momento particular do Milagre Econômico Italiano e as decorrentes relações entre o Sul e Norte da Itália (México e Estados Unidos), considerando a segunda tomada de consciência de Chuncho.

3.4 Tomada de Consciência 2 – Subtexto Socioeconômico

Antes de chegar ao acampamento de Elias, Chuncho cuidou de Tate por alguns dias após este manifestar os sintomas da malária. Acampados em um casebre abandonado, Chuncho acende o fogo para Tate que está deitado, coberto e tremendo. O americano pede para que Chuncho pegue em sua valise um vidro com quinino. Chuncho vai até outro cômodo e começa a tirar vários objetos da valise despreocupadamente: olha seu reflexo num pequeno espelho, passa colônia no corpo e encontra um estojo com a bala dourada. Além de justificar o momento em que Chuncho percebe que foi traído por Tate, pelo plano da bala dourada retirada da nuca de Elias, esta cena deixa ainda mais clara a inaptidão de ambos de nutrir para com o outro um sentimento de amizade verdadeira e altruísta. Vasculhar a valise desperta mais a preocupação de Chuncho do que socorrer prontamente o colega. Ainda durante o cerco a hacienda de Don Felipe, Chuncho mata sem titubear um de seus companheiros, quando vê que este está prestes a ferir o estrangeiro. Tate e Chuncho se encaram por vários segundos, olhos vidrados um no outro, num tom praticamente passional60. Mas o bandido não estaria de

60 Alguns autores como Hughes (2004, p. 98) e Cox (2009, p.119) salientam a questão homoerótica da cena sugerindo que haveria de fato um interesse romântico ou sexual entre os dois. O caso é que o spaghetti western apresentava invariavelmente uma visão negativa do tema quando mais explícito. Em filmes como Django Vem Para Matar e Réquiem Para Matar, por exemplo, uma homossexualidade mais evidente é relacionada ao sadismo dos personagens. Há ainda, segundo Fridlund, a linha comum também em westerns 74

fato apaixonado pela pessoa de Tate, mas sim com a ideia de ter um amigo “americano”, ou de ele mesmo “ser americano” um dia. Desde o encontro de ambos, Chuncho justifica sempre que pode a presença de Tate para o bando. E no fim do filme, quando o mexicano aceita se mudar para os Estados Unidos é confirmado este desejo inconsciente do personagem. Até sua segunda tomada de consciência, quando Chuncho irá matar o companheiro, como já sabemos. Fisher resume esta conclusão irônica (o “quem sabe?” que acompanha os disparos) relacionando a trama ao próprio tecido formador do western Zapata e suas contradições:

O significado pretendido - de que a desarticulação ideológica do subalterno não impede (impossibilita) um despertar político expresso apenas pela violência - é um claro aceno aos princípios centrais de Frantz Fanon, tão reverenciado por Franco Solinas e glorificado por seções da esquerda radical da Europa. [...] A crise e a indecisão de Chuncho nos oferecem um símbolo para as próprias tensões internas do filme, entre um fascínio pelos códigos do cinema americano, por um lado, e um desconforto com as ideologias correspondentes desses códigos, por outro (FISHER, 2010, p. 199).

Tate representaria também então o próprio western como gênero cinematográfico, anteriormente uma exclusividade ianque, pedindo a incongruente identificação terceiro- mundista. Levamos em consideração para tanto as relações de identificação de Baudry: “A ‘realidade’ imitada pelo cinema é assim antes de tudo, a de um ‘eu’. [...] a imagem refletida não é a do próprio corpo, mas o de um mundo já dado como significado” (BAUDRY, 1975, p. 45), significados dominados por aqueles que detêm os meios de produção (e também distribuição e exibição). O próprio Damiani rejeitou em entrevistas que seu filme fosse chamado de western para afastar o filme das implicações do gênero e proximidade com a cultura estadunidense:

Uma Bala Para o General não é um western [...] O western pertence à cultura protestante61 norte-americana [...] Uma Bala Para o General é um filme sobre a revolução mexicana, ambientado na revolução mexicana, e, portanto, é claramente um filme político e não poderia ser diferente (DAMIANI apud FISHER, 2010, p. 185).

Além desta questão é evidente o encantamento com as possiblidades da vida capitalista nortista representadas pelo “americano” Tate que teriam seduzido Chuncho. E de certa forma o mesmo aconteceu durante a década de 1950 e 1960 na Itália. Como vimos no tópico anterior, a situação daqueles que vivam no Sul da Itália era muito precária e resultava

americanos, do homem afeminado, geralmente vindo do leste, que ao ter de enfrentar a brutalidade da fronteira “renasce” ou se torna um trágico fora-da-lei (FRIDLUND, 2006, p. 183). 61 Adiantando brevemente a discussão, o uso da iconografia e temática católica é uma das evidentes diferenças entre o spaghetti western, principalmente dos westerns Zapata, e o western estadunidense como veremos no tópico 3.7. 75

em constantes emigrações para América e outros países da Europa. Esta condição foi em parte amenizada por uma pequena reforma agrária62 durante o Miracolo Economico (“milagre econômico”), fenômeno que trouxe melhorias significativas nas condições de vida dos italianos, mas também gerou grandes desigualdades. O “Milagre Econômico Italiano” foi um período de modernização e industrialização da Itália, com seu auge na segunda metade da década de 1950, contando com incentivo e empréstimos de capital estadunidense e uma economia de caráter liberal na qual o Estado manteve juros baixos e assegurou que a taxação favorecesse o investimento na indústria (DUGGAN, 2016, p. 292). A participação da Itália no Mercado Comum Europeu também favoreceu a exportação de bens de consumo. Várias cidades de grande porte do Norte da Itália, entre elas Milão e Turim, receberam indústrias como a de eletrodomésticos e a automobilística, dentre as quais mais notavelmente a Fiat. Isso gerou um grande demanda por mão de obra operária e enormes contingentes de trabalhadores do Sul do país migravam para o Norte em busca de trabalho até se estabilizarem e posteriormente conseguir trazer toda sua família. Enquanto isso, os trabalhadores mandavam remessas de dinheiro para seus paesi (“cidades natais”). Até a década de 1950 “apenas 7% das casas italianas tinha água potável, eletricidade e um banheiro interno” (DUGGAN, 2016, p. 290). Após o “Milagre” o padrão de vida de uma maneira geral melhorou consideravelmente: Para milhões de italianos, o "milagre" ofereceu uma transformação material que só pode ser chamada de uma libertação profunda. Pela primeira vez, a maioria da população tinha a possibilidade de viver decentemente, de estar aquecida e bem vestida, de comer boa comida e de criar seus filhos sem medo de serem malformados ou desnutridos. (GINSBORG, 1990, p. 30).

Um dos aspectos negativos do fenômeno foi sua restrição as regiões do Norte e Centrais sendo que o Sul ficou praticamente abandonada. Essa tradição de desigualdade remonta à primeira industrialização nortista de fins do século XIX quando o Sul já se torna para os próprios italianos a “‘África’ e terra vergine, um reservatório de resíduos feudais, preguiça e miséria por um lado e camponeses pitorescos, tradições rústicas e exotismo por outro” (MOE, 2002, p. 3). A segunda industrialização na região foi também mínima e ineficiente e as questões agrícolas pareciam insolúveis, sem a criação de condições para que o trabalhador não precisasse abandonar seu paese para poder sobreviver. O Estado, ausente, não fornecia serviços públicos de qualidade:

62 Mesmo atingindo 120 mil famílias durante a década de 1950, a grande parte dos terrenos distribuídos era de má qualidade e logo seriam abandonados. Havia uma dificuldade real em se achar faixas de terra economicamente viáveis para os pequenos agricultores no Sul, mas a pressão política não era pequena por parte dos ricos proprietários visando dificultar o processo de desapropriação (DUGGAN, 2016, p. 286). 76

[...] o boom nas indústrias de consumo não foi acompanhado por um desenvolvimento semelhante dos serviços públicos. Muitas vezes, a condição das escolas, dos hospitais, do transporte público e da habitação divergia do mundo glamoroso e elegante dos carros esportivos, da alta- costura e dos aperitivos retratados em filmes, como em A Doce Vida, de Fellini (1959) (DUGGAN, 2016, p. 292). O “Milagre” na verdade só foi possível a partir da exploração de mão-de-obra barata. Os trabalhadores que vinham do Sul da península, na maioria das vezes, nunca haviam saído mais do que alguns quilômetros de suas vilas, e tinham pouca intimidade com o italiano, preferindo dialetos locais, o que contribuía para os abusos de patrões inescrupulosos. A década de 1960 seria marcada por greves e protestos que culminaram em 1969 no Autunno Caldo (“Outono Quente”) marcado pela ocupação por dois dias da Fiat Mirafiori (GINSBORG, 1990, p. 222).

Figura 29 – Ocupação em fábrica da Fiat, em 196863

Fonte: Partito dei Carc, [20-?]

As jornadas de trabalho eram desregulamentadas e os operários viviam em péssimas condições de habitação em cidades desorganizadas e sem seguridade social. O planejamento urbano era inexiste e as grandes cidades italianas eram marcadas pela gentrificação, com construções que favoreciam empreiteiras controladas pelo crime organizado. A situação foi piorando com o avançar da década e com aumento da densidade populacional:

Nas favelas de Palermo e Nápoles, nos bairros de Roma e nos subalternos arredores de Milão e Turim, centenas de milhares de famílias continuavam a viver em péssimas condições [...] Até o final da década de 1960, esta seção da população italiana foi estimada em 4 milhões de uma população total de 54 milhões. Para eles, o "milagre econômico" poderia significar uma televisão, mas pouco mais que isso. (GINSBORG, 1990, p. 239).

63 Tradução: “Conselho de trabalhadores” 77

Figura 30 – Manifestação em Verona, 197064

Fonte: Dall’archivio fotográfico CGIL Verona, [20-?]

Todos esses problemas transformaram visões cinematográficas que ora flertavam ora satirizavam o “Milagre”, como nas commedias all’italianas, em uma visão mais ácida e crítica acerca dos reais benefícios do fenômeno. Se a modernização e a “americanização” da sociedade forneciam alguns luxos e privilégios de uma vida capitalista e secular, também escancarava os problemas não resolvidos em vários estratos da sociedade. O italiano de classe média guiava sua Lambreta, seduzido pelas possibilidades de ascensão social, ao mesmo tempo em que via compatriotas miseráveis, socados em casacos surrados, caminhando pelo rigoroso inverno de Milão. Voltando ao início do último ato de Uma Bala Para o General, depois de matar Elias e fugir, Tate reencontra Chuncho no saguão do Hotel Morelos. Um ponto de encontro proposto pelo americano depois que Chuncho salvou sua vida, caso se separassem. O mexicano está pronto para matá-lo, mas Tate lhe surpreende com metade da recompensa pelo assassinato de Elias (Figuras 31 e 32). Ou dois se acertam, com Tate justificando e explicando suas ações desde o momento em que eles se conheceram.

64 Tradução: “Basta com a emigração. Aos sulistas o trabalho em suas terras”. 78

Figuras 31, 32, 33 e 34 – Imagens de Uma Bala Para o General (1966)

Fonte: imagens extraídas do filme (UMA BALA..., 1966)

Como num conto de Cinderela, Chuncho aceita o dinheiro do assassino e passa então pelo barbeiro e alfaiate; vive os luxos da vida burguesa que sempre sonhou e está pronto para partir com Tate para a “América” (Figura 33). Já na estação de trem, Chuncho vê o amigo passando na frente de seus conterrâneos de modo grosseiro como no início do filme. Da mesma maneira como Damiani usou o zoom para fechar no rosto impassível de Tate perante a execução que abre o filme, o diretor fecha a câmera no bandido com um travelling frontal. Mas sua consternação é clara (Figura 34). O mexicano tem alma. Mesmo que ele não consiga explicar em palavras o que sente, repetindo “Quem sabe?”, ao justificar os tiros na barriga do gringo, fica claro que Chuncho entendeu a lógica capitalista de Tate: se para que eu ganhe algo é necessário que outros percam, então que seja65. Se para ganhar sua recompensa, Elias tinha que perder a vida, paciência. Se para Don Felipe comprar um carro era necessário explorar os camponeses e tirar-lhes a dignidade ou a vida, paciência. Até Chuncho, que para conseguir as armas e revendê-las tinha de matar dezenas de pessoas, que mesmo federales, eram seus compatriotas. Ele pode agora não saber mais o que quer, mas sabe o que não quer. Para alguns cineastas politizados e de esquerda à época dos westerns Zapata era hora de pôr um fim na constante influência estadunidense interessada num “porfiriato italiano” representado pelo partido da Democracia Cristã.

65 O desenvolvimento e atual situação econômica dos países europeus e dos EUA deu-se, sem sombra de dúvida, em vista da submissão dos países coloniais ao sistema mercantilista regido pela exportação de minerais e monocultura e importação de alimentos (muitas vezes antes nativos da própria região) e de produtos manufaturados: “Da plantação colonial, subordinada às necessidades estrangeiras e, em muitos casos, com financiamento estrangeiro, provém em linha reta o latifúndio de nossos dias. Este é um dos gargalos de garrafa que estrangulam o desenvolvimento da América Latina e um dos primordiais fatores para a marginalização e da pobreza das massas latino-americanas” (GALEANO, 2009, p. 92). 79

3.5 A Questão “Americana” e Iconoclasta

Havia uma forte influência dos Estados Unidos sobre a Itália, tanto no âmbito cultural como político, desde o fim da Segunda Guerra Mundial. A ocupação de tropas dos países Aliados na península itálica teve início em 1943 e se estendeu até 1947. O período de 1943 a 1945 foi marcado pela luta dos Aliados, ao lado de forças do Comitê de Libertação Nacional e do Comitê Nacional de Libertação do Norte da Itália (GINSBURG, 1990, p. 16), em territórios que ainda permaneciam sobre influência fascista. Mesmo que com receio das intervenções com as quais principalmente Inglaterra e Estados Unidos prontamente iriam acorrer assim que o confronto acabasse, os partigiani, grupos formados em sua grande maioria por simpatizantes ou membros de partidos de esquerda, como o Partido Comunista Italiano, tinham pouco a fazer a não ser aceitar e negociar com os Aliados a situação do pós- guerra da Itália (GINSBURG, 1990, p. 69), que até então fazia parte da coalizão inimiga. Com a vitória do partido da Democracia Cristã (DC) assumindo a maioria das cadeiras disponíveis nas eleições gerais de 1948, os Estados Unidos, que desde 1944 já participava da economia do país com um sistema de crédito e suprimentos, inicia de fato uma série de programas econômicos que dariam origem ao “Milagre Econômico” da década de 1950. Partido responsável pela aplicação do Milagre Econômico Italiano, o DC permaneceu no poder initerruptamente, com primeiros-ministros eleitos sob sua legenda, de 1945 até 1981. Partidos de oposição como o PSI (Partido Socialista Italiano) e posteriormente o PCI (Partido Comunista Italiano) se aliariam estrategicamente ao DC durante esse período para manter sua participação política e autonomia, com medo que partidos de esquerda fossem banidos como no fascismo e nas ditaduras contemporâneas. Esse compromesso66 gerou insatisfação em boa parte das militâncias de esquerda das quais muitos cineastas, mesmo aqueles pertencentes ao cinema popular, faziam parte. Uma Bala Para o General tem duas cenas que se relacionam, amarrando as questões relativas à presença do estrangeiro no país. Depois da execução que abre o filme, os personagens enquadrados que assistiam a execução voltam a caminhar e realizar seus afazeres, banalizando a violência da cena. Tate então entra numa estação de trem e ao som de reclamações, passa na frente daqueles que esperam na fila e compra um bilhete até o ponto

66 Esta estratégia de Palmiro Togliatti (líder do PCI de 1926 até sua morte 1964) e corrente desde o pós-guerra, ganhou nome de fato em outubro de 1973: [Enrico] Berlinguer [então líder do PCI] propôs um “compromisso histórico” entre os três principais partidos, o PCI, o PSI e o DC [...] Entretanto, o compromisso histórico teve seu preço. Ele deu novo apoio ao PCI entre a classe média, mas deixou perplexos muitos dos eleitores tradicionais do partido, mais inseguros do que nunca sobre real significado da via italiana para o socialismo.” (DUGGAN, 2016, p. 312). 80

final do próximo trem. Um menino com um sombreiro de palha (Antoñito Ruiz) cutuca o braço de Tate e pergunta se o estrangeiro é um americano e, sem resposta, retoma: “Senhor, você gosta do México?” ao que Tate responde que “Não muito” (Figura 35). Tate sai da estação e tem fim este prólogo com o início da música tema e dos créditos iniciais. Aparentemente banal este diálogo do garoto com o assassino de aluguel assinala o segundo elemento característico dos westerns Zapata: a intrusão de um elemento estrangeiro e mercenário, num primeiro momento pragmático e insensível, e a posterior mudança de postura (ou não) deste para com as questões nacionais após vivenciá-las.

Figura 35 – Imagem de Uma Bala Para o General (1966)

Fonte: imagem extraída do filme (UMA BALA..., 1966)

Figura 36 – Imagem de Uma Bala Para o General (1966)

Fonte: imagem extraída do filme (UMA BALA..., 1966)

81

Figura 37 – Imagem de Uma Bala Para o General (1966)

Fonte: imagem extraída do filme (UMA BALA..., 1966)

Como sabemos Uma Bala Para uma General foi escrito por Salvatore Laurani, com colaboração de Franco Solinas. Este elemento, a partir do qual são levantadas questões indenitárias e nacionalistas em A Batalha de Argel (1966), por exemplo, é um tema recorrente na obra de Solinas, aparecendo em outros dois filmes escritos por ele, Queimada (Gillo Pontecorvo, 1969) e Tepepa, este último com uma cena similar do menino e sua pergunta. Em Uma Bala Para o General, Tate reencontra o menino da estação quando finalmente chega ao posto do general Elias. O garoto veste a mesma camisa branca da cena da estação, mas sobre ela, as duas cartucheiras cruzadas típicas da historiofotia67 do revolucionário mexicano. Ele carrega um rifle que casualmente coloca sobre os ombros enquanto conversa com o estrangeiro. Tate está sujo e visivelmente abatido, sem seu terno e com um sombreiro na cabeça (Figuras 36 e 37). O diálogo inicia com o garoto surpreendendo Tate cutucando lhe o ombro com um rifle:

MENINO: Agora você gosta do México? TATE: Ainda não. MENINO: O que você faz aqui? Por que não volta para seu país? TATE: Eu vendo armas aqui. É um ganha-pão. MENINO: Eu nunca venderia armas para pessoas que eu não gosto. TATE: É porque você não é um profissional. Você deveria aprender com o Senhor Elias. Nunca faz perguntas. Só compra armas e paga. (UMA BALA..., 1966) Tate coloca então seu sombreiro na cabeça do garoto e sai cavalgando. Tepepa tem como protagonista o revolucionário homônimo, um antigo companheiro de Madero e que

67 Segundo Rosenstone a partir do artigo de Hayden White: “a representação da história e do nosso pensamento a seu respeito em imagens visuais e discurso fílmico” (2010, p. 44), ou seja, a (tentativa de) representação ou tradução de relatos históricos em imagem ou “escrita fílmica”. Já segundo Ferro, a legitimidade ou inteligibilidade dos fenômenos históricos a partir destas escolhas estaria ligada ao grau de sua autonomia, em relação às “forças ideológicas e instituições estabelecidas” e contribuição estética (2010, p. 184). 82

agora luta pelas reformas que deveriam ter sido conduzidas com a queda de Porfírio Diaz. No filme, os diálogos em dois momentos acontecem da seguinte forma: em determinado momento, o gringo do filme, o Doutor Henry Price (John Steiner), é preso. Na cadeia é indagado por um garoto, Paquito (Luciano Casamonica) se ele gosta do México. Ao que este responde prontamente que não. No desfecho do filme, Henry, para vingar sua noiva, mata Tepepa às escondidas enquanto tratava o líder revolucionário de um ferimento à bala. Desconfiado, Paquito, que também se tornou um membro do bando revolucionário, segue Henry, deixando o povo, que carrega o corpo de Tepepa. Ouve-se um tiro. Os membros do bando correm na direção do disparo. O garoto matou Henry. Ao ver a cena, um deles pergunta o porquê à Paquito. O garoto responde que o doutor não gostava do México. Aparentemente subserviente, a pergunta inicial em ambos os filmes parece pedir conforto através da afeição ao país, marcado pelo subdesenvolvimento e recorrente violência. Em Uma Bala Para o General o retorno ao diálogo do início se “fecha” para escancarar as intenções incorrigíveis do americano e apresentar sua visão deturpada do General Elias, tentando aproximar sua figura da dele. Em Tepepa a morte de Henry por Paquito escancara o propósito dos westerns Zapata em evidente contraste com o tom paternalista da série contra insurgente dos “Sete Homens”68. A Revolta dos Sete Homens, por exemplo, termina com líder dos gringos dando uma espada de madeira a um garotinho, que então diz que seu nome é Zapata69 (FRIDLUND, 2006, p. 190). O desfecho de Tepepa é mais eufórico na defesa dos símbolos, necessários para despertar reconhecimento e empatia no povo. Solinas perdoa seu protagonista homônimo pelo estupro confessado em meio à revolução quando Paquito mata o Doutor Henry porque "ele não gostava do México", podendo ser interpretado como "ele não gostava (do México) de Tepepa”, importando mais o que Tepepa representa. Em Queimada (1969) Solinas retoma este conceito, mas o símbolo do filme, José Dolores, não precisa ser desculpado. O filme de Gillo Pontecorvo tem um esquema narrativo muito próximo dos westerns Zapata, mas é muito mais desolador em sua representação gráfica do massacre das populações locais, com um compromisso denunciativo maior. O filme conta a história de sublimação liderada por José Dolores (Evaristo Márquez) de uma ilha fictícia do Caribe contra o domínio inglês. O rebelde foi treinado há dez anos por William Walker70 (Marlon Brando) a mando dos próprios ingleses, para independência do país contra os portugueses. No

68 Comentamos essa terminologia cunhada por Richard Slotkin no tópico 2.1. 69 Outro paralelo interessante em relação a Tepepa e Uma Bala Para o General,se dá quando Paquito decide comprar munição e dinamite com o dinheiro recebido por seu pai para entregar Tepepa, ecoando o ouro de Judas de Chuncho e sua ordem ao engraxate que encerra o filme. 70 Uma apropriação interessante do personagem histórico se dá no anacrônico Walker (Alex Cox, 1987). 83

fim do filme ambos morrem. Dolores é executado como mártir e Walker é morto ao tentar sair do país, como Bill Tate, por um carregador de bagagens antes de partir do país. A maioria dos westerns Zapata não escolhe líderes revolucionários confessados como protagonistas, preferindo os pobres e sagazes camponeses ou bandidos. Parte disso se deve à influência da commedia dell’arte e do romance picaresco dos países mediterrâneos “especialmente da comédia italiana, espanhola e portuguesa, onde o protagonista era frequentemente um vigarista de baixa condição social que vivia de expedientes71” (CARREGA, 2019, p. 6) e que se tornou uma marca do faroeste realizado na Itália. Outra razão pode ser exemplificada em outro filme com Marlon Brando: Viva Zapata! (Elia Kazan, 1952), escrito por John Steinberg. O filme, que apresenta a trajetória de Zapata de criador de cavalos à mártir da Revolução, seria menos uma influência e mais um contra exemplo para os westerns Zapata; mais ácidos e pouco românticos ao abordar seus atores revolucionários. O filme de Kazan apresenta seu protagonista, Emiliano Zapata (Marlon Brando), numa cena em que vários camponeses se apresentam ao presidente Porfirio Diaz para reclamar um cerceamento ilegal de suas terras. Quando Zapata confronta Dias ele circula o nome do camponês numa lista, revelando a intolerância perante a oposição do elemento subversivo. No início do terceiro ato do filme, encontramos Zapata, agora um general vitorioso, na mesa antes ocupada por Diaz. À sua frente está Fernando Aguirre (Joseph Wiseman), um personagem fictício, tomando providências do governo provisório. O auxiliar de Aguirre anuncia seu próximo compromisso, uma reunião com uma delegação de camponeses de Morelos (território de Zapata). Emiliano prontamente levanta-se. Os camponeses, envergonhados, demoram a se manifestar, até que um deles revela a querela: o irmão de Zapata, Eufemio (Anthony Quinn), invadiu a hacienda compartilhada por eles, doada pelo próprio Emiliano, e os expulsou. Zapata diz que quando tiver tempo irá averiguar. Então, um dos homens, antes escondido entre seus amigos, se faz ouvir em tom de enfrentamento. Segue-se a discussão esperada entre Hernandez (Henry Silva) e Zapata. O general corre para a sua mesa, pega da mão de Aguirre um registro dos reclamantes e com um lápis começa a circular o nome do elemento contestador. No momento em que o lápis encosta no papel já se ouve na trilha musical as notas de tensão que evidenciam ao público a ironia do destino72. É preciso legar ao povo a responsabilidade da vitória sobre uma revolução. Quando Zapata, posteriormente, fala a Hernandez e seus colegas que não importa que ele morra já que será o ideal e não homem que os levará a vitória. Quando o revolucionário morre, Kazan

71 Expedientes como sinônimo de estratagema ou artimanha. 72 McKee chama a técnica de Pista e Recompensa (MCKEE, 2006, p. 227). 84

enquadra seu corpo sobre um poço fechado por onde se escorre água, representando o espírito de Zapata que se espalha sobre a terra. As ideias revolucionárias continuarão a suprir a sede do povo por liberdade.

3.6. Sinopse de Companheiros

Companheiros inicia com um flashfoward do duelo entre seus dois protagonistas, o mexicano Vasco (Tomas Milian) e o sueco Yodlaf Peterson (Franco Nero). Yodlaf, em voz over, narra o ponto de partida da história dos homens que culminará neste momento. Vasco é apresentado como um engraxate tornado tenente após matar um capitão do exército federal de Porfírio Diaz, imediatamente antes de um ataque do grupo revolucionário liderado pelo general Mongo. A primeira missão do involuntário oficial Vasco é tomar a cidade de San Bernardino dos xantistas, uma facção rival. É nesta cidade que desembarca Yodlaf com um vagão cheio de explosivos e armas à venda. Em San Bernardino, Mongo revela que sua real intenção é abrir o cofre do banco da cidade. Yodlaf, preso por Vasco, lhe diz que o cofre é impenetrável. O único que sabe a combinação é o professor Xantos (Francisco Rey), líder dos xantistas, que está preso em Yuma nos Estados Unidos. Vasco e Yodlaf partem então para resgatar o professor. Durante a travessia da fronteira os dois reencontram Lola (Iris Berben), antes apresentada como pertencente ao grupo dos xantistas. Um novo encontro apresenta o americano John (Jack Palance), um caricato mercenário de mão postiça e gavião adestrado, com quem Yodlaf tem uma antiga rixa. Por último conhecemos Xantos, preso em Yuma, enquanto este recebe uma oferta de barões do petróleo: em troca da concessão para explorar o mineral no México o grupo ofereceria os recursos necessários para, enfim, derrubar Diaz. Com a negativa de Xantos, os petroleiros decidem pagar John para aniquilar o líder revolucionário e por fim à revolução na região. Vasco e Yodlaf após uma série de percalços e desavenças acabam por resgatar Xantos duas vezes (uma em Yuma e outra de John) e voltar ao México. Ao ser reunido com o grupo de jovens que se dizem xantistas, Xantos repreende-os pelo uso da violência para atingir o propósito da libertação nacional. John se alia a Mongo e chantageia Xantos, que caso não se entregue, terá 20 colegas revolucionários executados. O professor aceita, mas acaba salvo por Vasco e Yodlaf. Mongo é executado pelos xantistas. O misterioso cofre finalmente é aberto pelo professor e em seu interior há apenas ramos de oliveira e trigo, uma foice e um livro. A maior riqueza do mexicano é a terra. Consternado, 85

Yodlaf decide roubar da igreja da cidade, a imagem de São Bernardino, adornada de pedras preciosas. Enfim, retornamos a cena que abre o filme: o duelo entre Yodlaf e Vasco, sendo que o último quer, portanto, impedir que o sueco leve a estátua religiosa. Emboscados pelos homens de John, os dois viram suas armas para os mercenários. Xantos é morto por John e este acaba despedaçado junto do vagão de Yodlaf, que detona os explosivos. O sueco decide partir deixando o grupo de Vasco e Lola após ouvir a notícia que tropas federais se aproximam para retomar San Bernardino. Na última cena do filme, Yodlaf avista o monumental agrupamento do exército de Díaz. Yodlaf retorna cavalgando de rifle em punhos. Com um sorriso no rosto ele grita: “Vamos a matar, companheiros!”.

3.7 Mobilização e Ideologia

Se considerarmos Uma Bala Para o General a cartilha para o que se tornou o western Zapata, Companheiros, filme de 1970 de Sergio Corbucci, seria um desfecho agridoce para as tendências que o movimento apresentou em seus exemplares. Se no filme de Damiani as reflexões políticas estão intermeadas em momentos dramáticos, em Companheiros elas são evidenciadas na figura do Professor Xantos, através de quem um discurso ideológico pode ser formalizado. Quando aparece pela primeira vez no filme, o professor comenta o poder das peças mais fracas num tabuleiro de xadrez de derrubar as mais fortes. Em seguida expulsa empresários estrangeiros que o ajudariam na revolução, caso ele se comprometesse com um acordo para exploração de petróleo no país, reiterando o tom anti-imperialista comum aos westerns Zapata. A figura do mexicano, Vasco, que toma consciência de sua responsabilidade para com os rumos de seu país permanece, mas desta vez seu parceiro é um europeu e não um ianque. O estadunidense ainda está presente, de anti-herói individualista passa para o plano do puro antagonismo no sádico John. Companheiros, lançado em dezembro de 1970, não é tímido em ação coletiva, mas há um contraponto. O ano de 1966 parece longínquo. Suas utopias revolucionárias, como veremos, encontraram com a realidade da violência política tornada cotidiana nas ruas da Itália. Houve durante toda a década de 1960 um claro movimento à centro-esquerda por parte do governo italiano. Uma das motivações foi a necessidade do DC de não se alienar do novo eleitor proletário ou pequeno-burguês que surgiu com a nova industrialização. A outra foi uma tentativa de isolar politicamente o PCI, com os democratas cristãos unindo-se ao partido dos socialistas (GINSBORG, 1990, p. 263). Mesmo com uma parcela menor do eleitorado, o PSI poderia trazer políticos e eleitores de esquerda que almejavam uma participação política 86

maior ou um aprofundamento de pequenas reformas já andamento, já que o caráter passivo do PCI não levava a crer que alguma revolução iria acontecer. O ano de 1956 foi de um duro golpe no Partido Comunista Italiano. Togliatti procurou defender a invasão da União Soviética à Hungria e a praticamente ignorar as graves denúncias feitas por Nikita Kruschev contra Stálin (DUGGAN, 2016, p. 294). Isso levou a um envelhecimento do PCI que já não angariava novos afiliados como na década de 1940, já que nas universidades o movimento estudantil que começava a tomar um corpo expressivo era profundamente antiautoritário. Às críticas ao “socialismo real” soviético73 somavam-se a profunda insatisfação com a crescente alienação capitalista que tomava conta da Itália e o apoio à descolonização de países africanos, asiáticos e sul-americanos. O movimento dos estudantes teve início com as reformas no sistema educacional no início da década74, e nos anos de 1967 e 1968 encontrou seu auge em mobilização política. Os estudantes sabiam que seu papel numa possível revolução era diminuto e que era necessário que o ato fosse conduzido pelas forças trabalhistas (em geral controladas por um sindicato condescendente). Saíram então das universidades e foram para frente das fábricas (GINSBORG, 1990, p. 309).

73 Termo adotado por Eric Hbosbawn a partir da terminologia soviética para discutir o funcionamento do sistema socialista “realmente existente” durante o século XX nos países de sistema político centralizado comandado por partido único, operando numa economia centralmente planejada e de ideologia marxista-leninista (HOBSBAWN, 1995, p. 365). 74 Mesmo que a qualidade do ensino não fosse substancialmente alterada, os termos quantitativos revelam que a necessidade básica era a possiblidade de acesso a informação: “As bases materiais da explosão de protestos nas universidades italianas encontram-se nas reformas educacionais da década de 1960. Com a introdução, em 1962, do ensino médio obrigatório até os quatorze anos, o número de estudantes quase duplicou entre 1959 e 1969” (GINSBORG, 1990, 298). 87

Figuras 38 e 39 – Passeata Maoísta em Milão em 1970 e folheto do Partido Comunista em 196875

Fonte: Spazio70, [2020]

A partir de 1968, o país passa por um processo de fermentação política dentro dos principais setores da indústria italiana e o que se viu foi uma organização trabalhista de invasões a fábricas e protestos no famoso Autunno Caldo, o “Outono Quente” de 1969, (PRUDANZI; REZEGOTTI, 2006, p. 134), resultado do acúmulo de tensões advindas, por exemplo, da precarização das moradias, exploração trabalhista e xenofobia (como visto no item 3.4). O resultado dessas ações foi a assinatura de um contrato nacional no final de 1969 e salários dobrados entre os anos de 1969 e 1973 (DUGGAN, 2016, p. 300). Mas de uma maneira geral, a ideologia cotidiana para boa parte dos italianos foi praticamente oposta à de 68:

No resto do país, especialmente no ‘interior industrializado’ da Terceira Itália, uma figura bem diferente emerge: o envolvimento de empresas familiares, um conflito menos direto entre o capital e o trabalho, de um trabalho que era mais regional em suas origens (GINSBORG, 1990, p. 341).

Com a modernização do país há um acréscimo do individualismo e de núcleos familiares menores e mais unidos; famílias cujas vidas haviam sido recém-transformados e que ainda almejavam a possibilidade de ascensão social.

75 Tradução: “Trabalhador. O que os estudantes querem? Eles querem que a escola não seja apenas para os filhos dos chefes. Eles querem que seu filho também vá para a faculdade. É por isso que eles lutam contra o autoritarismo e a discriminação de classe. Trabalhadores e estudantes unidos por uma escola democrática e por uma nova sociedade. É por isso que os comunistas estão com os estudantes”. 88

Tanto na versão americana como italiana, Companheiros abre com um flashfoward do duelo entre Vasco e Yodlaf, mas a versão em inglês corta do duelo para a chegada do gringo à estação de trem. Toda a cena de Vasco como engraxate e depois tornado tenente por Mongo é suprimida. Ou seja, Vasco aparece na versão em inglês já como um oficial sádico de Mongo e seu papel como guerrilheiro acidental se perde. Desde o princípio seria alguém interessado no dinheiro, ou seja, mais próximo dos mercenários dos westerns Zapata e mais distante do Cuchillo dos filmes de Sollima, o pícaro metido em confusões. O arco do sueco Yodlaf se mantém. Inicia interessado na metade do valor que estaria no cofre, mas logo simpatiza com o professor. Outras alterações feitas entre as dublagens em italiano e em inglês exemplificam como o filme conversa com seu contexto de produção. Lola e mais dois companheiros xantistas surpreendem Yodlaf em seu quarto, logo no início do filme. Sabendo que o sueco é um traficante de armas, eles pedem ajuda para o homem apelando para sua consciência, mas sem sucesso. Segue a transcrição traduzida da versão em italiano:

GUERRILHEIRO 1: Você pode não vender armas ao Mongo. Ele é um bandido. YODLAF: É por isso que paga bem. LOLA: Você é como todos os estrangeiros, desprezíveis e sem coração. YODLAF: Não vamos exagerar. Para mim é tudo uma questão de preço. Se fizerem uma oferta melhor, as armas são suas. GUERRILHEIRO 2: Nós somos majoritariamente estudantes. E estamos lutando para defender os pobres. Nós não somos ricos. YODLAF: Para mim estudante e bandido são o mesmo. (COMPANHEIROS, 1970, tradução nossa).

Segue a transcrição traduzida da versão em inglês:

GUERRILHEIRO 2: Não venda armas ao Mongo. Ele é um bandido. YODLAF: É por isso que paga bem. LOLA: Você é realmente um homem desprezível e asqueroso. YODLAF: Eu não diria isso. É uma questão de negócios. Preço. Se fizerem uma oferta melhor, as armas são suas. GUERRILHEIRO 1: Mas nós não temos dinheiro. Já é difícil continuar lutando quanto mais comprar armas. YODLAF: Bom, tudo é possível. (COMPANHEIRO, 1970, tradução nossa). O diálogo em inglês voltado ao público internacional suprime o xingamento aos estrangeiros, mas a principal omissão diz respeito à questão estudantil. O intuito talvez fosse amenizar as provocações na versão em inglês. O cinema estadunidense de maneira geral prefere deixar claro que qualquer mensagem política não deve se destacar da narrativa principal76. Talvez um dos motivos para que Os Violentos Vão Para o Inferno tenha sido mais

76 Nas décadas de consolidação da linguagem cinematográfica o cinema alemão e soviético privilegiava movimentos de classe, grupos e sujeitos históricos como protagonistas, enquanto que os Estados Unidos, no 89

bem sucedido nas bilheterias internacionalmente que Companheiros77, cujo título original já escancara um tom político mais agressivo. Em outro momento, Vasco, Yodlaf e Xantos estão acampados durante a viagem de retorno a San Bernardino e o momento dá novamente espaço para a discussão política. Vasco ameaça Xantos ao defender o general Mongo. Segue a transcrição traduzida da versão em italiano78:

VASCO: Você não conhece o Mongo. Todos sabem o que ele quer. Primeiro, os camponeses ficam com as terras que cultivam. Segundo, os trabalhadores serão donos das fábricas onde trabalham. E todas as riquezas do México serão divididas entre os pobres. E todos como você, os que sabem ler e escrever, serão queimados com os seus livros, acredite em mim! (COMPANHEIROS, 1970, tradução nossa) Mesmo havendo uma disputa entre constitucionalistas/intelectuais e reformistas/camponeses, durante a segunda e mais social fase da Revolução80, a fala de Vasco faz mais sentido como referência à Revolução Cultural iniciada em 1966 e comandada por Mao Tsé-Tung, quando houve a hostilização de professores e fechamento de universidades. Uma provocação ao maoísmo – ligado a Mongo pela farda vermelha – sendo Xantos um representante de uma esquerda libertária ligada à desobediência civil de Henry Thoreau. Neste momento de intenso debate e disputa, as inspirações pertinentes às revoltas sociais, em parte bem sucedidas em sua tarefa de conscientizar parcelas vulneráveis do povo italiano, deram-se a partir de contextos marxistas, mas também encontram o respaldo com o catolicismo italiano. Essa união aparentemente insólita encontrou espaço até entre os mais jovens:

Essas novas iniciativas, tanto católicas quanto marxistas, não eram de forma alguma simétricas em sua influência sobre os estudantes. Elas também não estavam de acordo entre elas. Mas, juntas, forneceram parte de um cenário ideológico em que os valores da solidariedade, da ação coletiva e da luta

mesmo período, já consolidavam o personagem como motriz de identificação emocional e psicológica: “[...] Kracauer - como outros emigrantes freudiano-marxistas dos Estados Unidos, como Erich Fromm - considerou a ênfase no conflito psicológico e emocional nos próprios produtos culturais de massa como um deslocamento tipicamente burguês e pequeno-burguês dos problemas e ansiedades políticas e sociais” (ELSAESSER, 1984, p. 60). 77 Domesticamente ocorreu o oposto, Companheiros obteve mais de 1,400,000 liras em bilheteria e Os Violentos Vão Para o Inferno chegou à 1,100,000 liras (FRIDLUND, 2006, p. 263). 78 A versão em inglês no trecho destacado é muito similar, mas numa fala anterior Vasco troca o interesse de Mongo na pessoa de Xantos (versão em inglês) para o cofre (versão italiana), dizendo que Mongo quer colocar o professor num tribunal, o que faz pouco sentido para trama e para o personagem. 80 Com o regime do General Huerta, tornou-se evidente uma divisão entre os movimentos de rebelião: no Nordeste e Noroeste do país, intelectuais como Carranza e Obregón (que depois viriam a se desentender), desejam retomar a ordem no país a partir de uma Constituição burguesa, enquanto que os destacamentos de Villa e Zapata continuariam a lutar por reformas estruturais. Somava-se a isso a “visão preconceituosa que os nortistas tinham do exército sulista, considerado por aqueles com uma forte carga colonial e indígena, ‘com o cheiro do México velho’. Afinal, o norte era laico, empreendedor, branco, rancheiro e comedor de trigo, enquanto os sulistas eram predominantemente mestiços, camponeses e comedores de milho” (BARBOSA, 2010, p. 73). 90

contra a injustiça social eram contrários ao individualismo e ao consumismo do "neocapitalismo" (GINSBORG, 1990, p. 301). A presença da igreja católica é uma das marcas mais características81 do western mediterrâneo (CARREGA, 2019, p. 10) onde a temática e a iconografia, cruzes, santos e padres, revelam uma herança cultural comum entre México e Itália. Em Companheiros, após a abertura do cofre, Yodlaf parte para uma última tentativa de lucro financeiro em sua jornada. Ao mesmo tempo, o agora unido casal Lola e Vasco, se encontra na igreja de San Bernardino e decide se casar (Figura 40). Mas sem um padre. Algo de pouca importância perto do santo São Bernardino, segundo o guerrilheiro de boina. A fé, mais que a própria instituição, é o que importa (num sentimento antiautoritário próprio do período).

Figura 40 – Vasco a esquerda, Lola ao centro e a imagem de San Bernardino à direita

Fonte: Imagem extraída do filme (COMPANHEIROS, 1970).

Yodlaf, então, rouba a imagem do padroeiro que dá nome à cidade. Até o imoral Mongo anteriormente diz que mexicano nenhum teria coragem de tocá-la. No desfecho do filme a imagem é usada então para disparar o mecanismo de segurança de Yodlaf, que destruiria o vagão com suas armas caso alguém tentasse abri-lo. Como na parábola do jovem rico a quem Jesus aconselha que abandone todos seus bens materiais para entrar nos reinos dos céus, Yodlaf renuncia suas posses para salvar seus amigos do anticristo: anteriormente é revelado que John foi tirado de uma cruz em Cuba por um corvo, que comeu sua mão para libertá-lo do prego que lhe mantinha preso. Se em Vasco há o símbolo (a boina) de Che Guevara, assassinado em 1967 para virar um símbolo para as revoluções do Terceiro Mundo, a simbologia religiosa aparece também para ressaltar os valores do sacrifício pessoal. Uma

81 Exemplos mais evidentes abundam: além de Santo em Uma Bala Para o General e Juan em Réquiem Para Matar, podemos ir do reencontro de Tuco e seu irmão em Três Homens em Conflito, até a pancadaria no monastério que encerra Trinity Ainda é o Meu Nome, passando pelo próprio título original de O Pistoleiro Esquecido: Il pistolero dell'Ave Maria, (Ferdinado Baldi, 1969). 91

espécie de pessimismo romântico. Nos últimos minutos do filme, após se despedir de Vasco e Lola, Yodlaf vê o regimento do exército federal que se aproxima para sublimar os xantistas. O número de soldados é tão esmagador, a injustiça do combate tão grande, que o sorriso no rosto de Yodlaf que retorna para Vasco, brandindo seu rifle e gritando “Vamos a matar, compañero” pode significar que somente através de atos assim que se pode entrar para a História.

3.8 O Sonho (Revolucionário) Acabou

A clara mobilização de setores combativos da esquerda italiana e a orientação de centro-esquerda nas bases do governo eram vistas por setores conservadores como a ameaça mais concreta desde as eleições de 1948. As forças reacionárias não assistiram de braços cruzados o aumento da participação política dos socialistas e as mobilizações trabalhistas. Um exemplo claro foi o ataque à bomba realizado em dezembro de 1969 por neofascistas na Piazza Fontana em Milão:

Evidências que a polícia decidiu ignorar apontaram não para os anarquistas, mas para um grupo neofascista sediado no Veneto e liderado por Franco Freda e Giovanni Ventura [...] Ventura estava em contato próximo com Guido Gianettini, um coronel do SID, o serviço secreto italiano (GINSBORG, 1990, 333).

Ou seja, o Estado não só se mostrava cada vez mais ineficiente e corrupto, afundado em uma burocracia da troca de favores e escândalos de desvio e superfaturamento relacionados a modelos de urbanização irregular (DUGGAN, 2016, p. 298), como era conivente aos atos de violência que deveria combater. 92

Figura 41 – Manchete do jornal Corrieri Della Sera, 196982

Fonte: Corrieri Della Sera, 13 de dezembro de 1969

Consequentemente, grupos extremistas passariam a usar com frequência durante a década de 1970 o terrorismo e o sequestro como arma de intimidação política. À esquerda, grupos políticos e publicações como Potere Operaio, Lotta Continua e Il Manifesto, que por vezes não conseguiam atingir um público maior pela linguagem por vezes difícil e abstrata, tornavam evidentes suas reivindicações nas ruas. Nascem grupos como os Brigate Rosse, criado em 1970, o mais famoso grupo clandestino, notório pelo sequestro e assassinato do ex- primeiro ministro Aldo Moro em 1978 (FISHER, 2014, p. 168). Igualmente, a distância do PCI para células como a Autonomia Operaia deu espaço para que violência se exacerbasse:

A violência foi, antes, aceita como inevitável e justificável, e entrou quase inquestionável nos valores e ações do movimento. A justa violência dos revolucionários - de Mao, de Che e dos vietnamitas - se opunha à dos capitalistas. 'O poder sai do cano de uma arma'; Violência em troca de violência '; Guerra não, ação de guerrilha sim ': estes estavam entre os slogans mais populares da época (GINSBORG, 1990, p. 306). A própria música tema de Companheiros, “Vamos a matar, compañeros” transpôs os limites da ficção e era entoada por manifestantes ao entrar em confronto com a polícia83. Mas a radicalização também surge como resposta ao neofascismo. Durante o filme espectador

82 Tradução: “Horrendo Massacre em Milão - Treze mortos e noventa feridos” 83 Bondanella ainda aponta que Morricone, compositor da trilha de Companheiros, criou este chamado a violência política a partir de um motivo musical religioso de um canto gregoriano (BONDANELLA, 2009, 362). 93

acaba interpelado com paralelos com o mundo contemporâneo. O cofre que seria o grande catalisador da trama é colocado em segundo plano, sendo que o próprio Professor acaba se tornando o fio condutor de Companheiros. Uma busca pela razão. O filme apresenta suas reflexões de modo mais expositivo, porque necessita ser mais claro e direto. É necessário escolher entre Martin Luther King e Malcom X. Entre o Compromesso Historico e os Brigate Rosse. O exemplo se dá num diálogo entre professor Xantos e seus seguidores (com a presença de Yodlaf, Vasco e Lola) (Figuras 42 e 43):

Figura 42 – Imagem de Companheiros (1970)

Fonte: Imagem extraída do filme (COMPANHEIROS, 1970)

Figura 43 – Imagem de Companheiros (1970)

Fonte: Imagem extraída do filme (COMPANHEIROS, 1970)

Segue a transcrição traduzida da versão em italiano84:

XANTOS: Aqueles soldados que mataram para salvar-me eram seres humanos. E matar um ser humano, mesmo que seja nosso inimigo, é um crime. Não foi isso o que eu sempre lhes ensinei? Respondam!

84 A versão em inglês não possui diferenças substanciais limitando-se a mudanças para a sincronia labial. 94

COMBATENTE 1: O que deveríamos ter feito? Deixar que te fuzilassem? XANTOS: As ideias que eu sustento não tem medo da morte. Nem precisam de rifles para triunfar. Rapazes, nunca se esqueçam deste princípio. Se o ideal por que lutam é justo... Podem ganhar sem violência. COMBATENTE 1: Mas os outros estão armados! COMBATENTE 2: E quando tiverem matado a todos, também os nossos ideais, professor, estarão mortos. COMBATENTE 3: E a nossa revolução nunca triunfará! XANTOS: Olhem! Rifles, pistolas, facas, munições! Que diferença tem vocês deles! Entre aqueles que combatemos. COMBATENTE 1: Para nossa luta palavras não servem mais, professor! Temos que responder à violência com violência! Pensar de outra maneira é covardia! [Xantos dá um tapa no jovem] XANTOS: Desculpe-me. Parece que me tornei velho demais. E vocês são todos muito jovens. Até pode ser... Que o seu modo de pensar seja mais atual que o meu. Mas a minha consciência acha tudo isto revoltante. (COMPANHEIROS, 1970)

Há uma tentativa, portanto, de comentar a diferença entre gerações, refletir sobre a violência, sobre as formas de atuação e significados de uma revolução. Como se o próprio subgênero também comentasse a si mesmo. O número de mortos na primeira meia hora de Uma Bala Para o General é altíssimo sendo que não surpreenderia se chegasse a uma centena. É claro que a maioria dos westerns Zapata na verdade, assim como os spaghetti westerns de maneira geral, não economiza na contagem de corpos. É praticamente uma obrigação contratual que Franco Nero em certo momento dos westerns que participa, despache homens aos montes com uma metralhadora. Mas o sadismo do personagem de Santo, que tranca militares numa vala para morrerem devagar em Uma Bala Para o General, é encontrado na figura dos vilões John e Mongo em Companheiros. O caminho de Vasco também revela a crítica de Corbucci à institucionalização da revolução. Como vimos, na versão italiana, Vasco começa como um engraxate e a primeira coisa que lhe acontece ao entrar involuntariamente para a luta armada é ganhar de Mongo um título de oficial. Ao se tornar um capitão o título lhe sobe à cabeça (inclusive ostentando na boina um emblema militar). Na sequência seguinte ele é mostrado num jogo sádico com os xantistas, fazendo-os de apoio para alvos (Figura 44). Ao fim do filme, Xantos pede aos estudantes que não lhe sigam, quando decide se entregar à Mongo, que o ameaça dizendo que irá executar vinte jovens em seu poder.

95

Figura 44 – Imagem de Companheiros (1970)

Fonte: imagem extraída do filme (COMPANHEIROS, 1970)

Seus seguidores aceitam, dando suas palavras de honra. Já nutrindo certa admiração pelo professor, Vasco decide segui-lo (às escondidas) dizendo que “não tem honra” (a honra em palavras). A câmera então se desloca para enquadrar seus dois revólveres jogados no chão (Figura 45). Vasco irá resgatá-lo não como combatente, mas como um simples camponês armado com uma machete, num retorno as figuras de Cuchillo e tantos heróis dos westerns Zapatas, como Paco em Os Violentos Vão Para o Inferno e o próprio Zapata no filme de Kazan, que morre como um criador de cavalos.

Figura 45 – Imagem de Companheiros (1970)

Fonte: imagem extraída do filme (COMPANHEIROS, 1970)

O jovem que em êxtase saiu do cinema a mando de Chuncho pronto para comprar dinamite agora é levado a encarar alguns resultados de suas ações no caótico plano da realidade. O tom assumido pelo filme é diferente também do proposto por Sergio Leone, neste momento posterior do western Zapata, em Quando Explode a Vingança (1971). O pessimismo romântico dá lugar ao niilismo. No filme o bandido interpretado por Rod Steiger, 96

Juan, “sequestra” o mercenário irlandês, John Mallory (James Coburn), para que esse exploda um cofre com a nitroglicerina que tem em seu poder. Até que é enganado pelo gringo e o banco saqueado por seu bando na verdade é usado como prisão política. Juan se torna herói revolucionário, mas recusa a todo o momento o papel de representante do povo e em determinado momento diz ao ex-membro do IRA86 interpretado por Coburn:

JUAN: Eu sei o que eu falo quando falo de uma revolução. Gente que lê os livros procura aqueles que não leem livros, os pobres, e dizem: Temos que fazer uma mudança. Então os pobres têm que fazer essa mudança. E os que leem os livros sentam em mesas lustrosas e eles falam, falam, falam e eles comem, comem e comem. Mas o que acontece com os pobres? Eles estão mortos! (COMPANHEIROS, 1970) A própria frase de Mao Tsé-Tung, sobre a como a revolução não se faz com sutilezas (“festas literárias, desenhos ou bordados”), mas através da violência e que abre Quando Explode Vingança ganha um caráter irônico. Enquanto que a maioria dos westerns Zapata procura reunir diversos argumentos de que é necessário pôr um fim a qualquer custo à exploração econômica vigente, do Terceiro Mundo aos recônditos agrários italianos, o filme de Leone procura fazer um balanço da vida daqueles que morrem pelas armas e que acabariam como simples peças de um “jogo”. As esperanças dos jovens no início da década de uma mudança estrutural e radical na sociedade encontram um ambiente inóspito. Concomitantemente à repressão e violência política, o crime organizado passou a atuar de modo mais vigoroso nas grandes cidades com redes de extorsão e intimidação para conseguir contratos públicos e a exclusividade na “proteção” de comerciantes. No Sul, onde a possibilidade de agitação política era praticamente nula, o foco da atuação da máfia passou do campo para o meio urbano onde os criminosos passaram a atuar mais perto dos políticos:

O silêncio antes da lei (omertà), a vendeta, a hostilidade ao Estado, a honra, a intimidação e a retribuição de favores formavam um coquetel ideológico poderoso, que era tão útil e atraente para os desempregados das favelas de Palermo (ou Nápoles), na década de 1970, quanto para seus antepassados camponeses (DUGGAN, 2016, p. 317). Histórias do crime organizado eram exploradas na mídia em seções conhecidas como cronaca nera, páginas policiais constantemente traduzidas para a tela do cinema (HUGHES, 2011, p.181), principalmente no poliziottesco, que, convenientemente, como ciclo inicia-se com a própria década de 1970, acompanhando o sucesso do cinema policial estadunidense no

86 O antigo Exército Republicano Irlandês tinha como intenção a manutenção de uma Irlanda única, fora do controle da coroa Britânica e foi formado em 1919, ou seja, após o período de governo do General Huerta (1913-1914) apresentado no filme; mas a visão de Leone sobre a Irlanda “é mais sobre os filmes de John Ford, O Delator e Depois do Vendaval do que sobre história” (FRAYLING, 2005, p. 99). 97

país. Portanto, podemos inferir que uma sensação de medo e paranoia pairava sobre os italianos nos anos 1970, das grandes metrópoles aos pequenos vilarejos do interior. Quando esta rápida ascensão da violência cotidiana, seja ideológica ou criminosa, se torna próxima demais do cidadão italiano, o oeste americano fabular ou revolucionário, parece perder sua relevância (BONDANELLA, 2009, p. 24).

98

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este trabalho teve como propósito entender e explorar a recorrência de temas relacionados à Revolução Mexicana no contexto da grande popularidade do gênero western na Itália, em filmes produzidos a partir da segunda metade da década de 1960. Os chamados westerns Zapata. Os dois primeiros capítulos forneceram as bases para entender os momentos de admiração e desilusão dos italianos com a cultura norte-americana após a Segunda Guerra, bem como as particularidades da indústria cinematográfica italiana que favoreceram a produção em série de filmes que se mostrassem pouco dispendiosos e com um retorno financeiro significativo, como aconteceu com os westerns. A popularidade do gênero e sua penetração em diferentes estratos sociais, para o bem ou para mal, ofereceu aos cineastas italianos politizados um trabalho aparentemente paradoxal. Se para “fazer cinema” era preciso fazer westerns, o western Zapata nasce da união da estética e narrativa de um gênero tão representativo do cinema norte-americano, reconhecido por seus mecanismos de dominação ideológica, com o intuito de criticar a exploração e a intervenção político-econômica de países imperialistas, especialmente a estadunidense. E a fórmula se viu bem sucedida e repetida algumas vezes. Foi observado que entre as diferenças do western norte-americano para o italiano, quando ambos procuraram retratar de alguma maneira o México revolucionário, estava a tendência do primeiro grupo de elevar o papel do personagem estadunidense a um agente benevolente em sua interferência, e ainda que houvesse um sentimento de desilusão, os protagonistas encontrariam a redenção com atos de sacrifício pessoal. Já o segundo grupo trouxe questões sociais mais pungentes, advogando a revolução, com diretores e roteiristas procurando justificar a violência abundante nos westerns italianos como um expurgo necessário para o fim da submissão cultural de povos e grupos explorados, seja por elites agrárias ou por nações imperialistas. Durante a pesquisa que resultou no Capítulo 3, verificou- se como era esperado a preocupação dos cineastas italianos em relação a independência de antigas colônias e a insurreição de trabalhadores e camponeses, dado o envolvimento dos cineastas com partidos de esquerda e a grande mobilização política na Itália de vários setores da sociedade. Dos protestos organizados por estudantes contra a Guerra do Vietnã a greves e ocupações em fábricas. Mas um estudo mais localizado entre os dois contextos históricos distintos relacionados ao western Zapata, ou seja, o período e cenário da representação histórica e aquele da produção dos próprios filmes, revelou pontos de encontro mais específicos. Estes pontos puderam ser examinados a partir da análise fílmica dos objetos 99

escolhidos. O paralelo entre a situação servil ainda recorrente nos campos do Sul da Itália e a situação camponesa do México revolucionário, evidencia-se, por exemplo, na cena do cerco a hacienda de Don Felipo em Uma Bala Para o General. Os embates ideológicos entre as reivindicações mais urgentes de Emiliano Zapata e as direções moderadas representadas por Francisco Madero durante a Revolução Mexicana, podem se relacionar ao conflito entre as lideranças progressistas, preocupadas com a manutenção da presença dos partidos de esquerda no governo, e as mobilizações propostas por estudantes e grupos radicais na Itália pós-68; embate apresentado em Companheiros, entre Xantos e seus discípulos. Portanto, assinaladas as similaridades, procuramos aprofundar a pesquisa através da comparação entre duas sociedades em momentos distintos do tempo histórico. Ressaltar períodos de modernização e industrialização e as desigualdades e prejuízos provenientes destes processos para entender o que aproximaria dentro do western Zapata, o México Revolucionário e a Itália da década de 1960 para construção de mitos87 facilmente assimiláveis pelo público. Tanto a modernização porfirista como o Miracolo Economico não foram acompanhadas de reformas estruturais para produzir uma sociedade mais justa. A resposta revolucionária invejada pelos cineastas do western Zapata reverberou na sociedade italiana, mas não da maneira como imaginavam. A década de 1970 na Itália, em relação a sua política interna, seria infelizmente, uma das mais turbulentas de sua história, com a instauração das Estratégias de Tensão88 e o início dos Anni di Piombo (ou Anos de Chumbo). Então, no início dos anos 1970, novamente o cinema popular italiano apropria-se de uma estética popular no cinema norte-americano do período, o cinema policial, para criar a sua versão, o poliziottesco, que se encarregaria de provocar no público uma violenta descarga catártica, através da qual apresentava sua anagnórise: ritos de revelação do agenciamento do Estado com o crime organizado e os atos de terrorismo que deveria combater. Mas como dizem, questa è tutta un'altra storia...

87 Hogg condensa uma definição que condiz com a função aqui explorada: “os mitos fornecem 'uma lente que pode ser usada para ver a identidade humana em seu contexto social e cultural' e trabalham para 'transmitir valores e expectativas' de maneira que sejam significativas e/ou úteis para comunidades específicas em momentos específicos de suas vidas em sua evolução contínua” (HOGG, 2013, p. 88). 88 Conjunto de atos criminosos incentivados por células do Estado para promover o caos, cuja solução seria um governo mais reacionário e autoritário. (FISHER, 2013, p. 302). 100

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105

APÊNDICE A – Filmografia Principal

COMPANHEIROS (Vamos a matar compañeros). Direção de Sergio Corbucci. Argumento de Sergio Corbucci. Roteiro de Dino Maiuri, Massimo De Rita, Fritz Ebert e Sergio Corbucci. Itália / Espanha / Alemanha Ocidental: Antonio Morelli - Tritone Filmindustria Roma S.r.I.(Roma), Atlantida Film S.A. (Madrid) & Terra Filmkunst GmbH (Berlim), 1970.

CORRE Homem, Corre (Corri uomo corri). Direção de Sergio Sollima. Argumento de de Sergio Sollima. Roteiro de de Sergio Sollima e Pompeo de Angelis. Itália/França: Alvaro Mancori e Anna Maria Chretien, 1968.

OS VIOLENTOS Vão Para o Inferno (Il mercenario). Direção de Sergio Corbucci. Argumento de Franco Solinas e Giorgio Arlorio. Roteiro e diálogos de Luciano Vicenzoni com a colaboração de Sergio Spina, Adriano Bolzoni e Sergio Corbucci. Itália/Espanha: Alberto Grimaldi - PEA Produzioni Europee Associate (Roma) e Pro Films 21 (Madrid), 1968.

QUANDO Explode a Vingança (Giù la testa). Direção de Sergio Leone. Argumento e Roteiro de Sergio Leone & Sergio Donati e Luciano Vincenzoni. Itália / Espanha / Estados Unidos: Fulvio Morsella - Rafran Cinematografica & Euro International Film, 1971.

TEPEPA (Tepepa). Direção de Giulio Petroni. Argumento e Roteiro de Ivan Della Mea e Franco Solinas. Itália/Espanha: Alfredo Cuomo e Nicolo Pomilia - Filmamerica SIAP (Roma) e P.E.F.SA. (Madrid), 1969.

UMA BALA Para o General (Quién Sabe?). Direção de Damiano Damiani. Argumento e Roteiro de Salvatore Laurani. Adaptação e Diálogo de Franco Solinas. Itália: Bianco Manini – M.C.M, 1966.

106

APÊNDICE B – Filmografia Citada

100 RIFLES (idem). Direção de Tom Gries. EUA,1969.

A AMAZONA de Tucson (Arizona). Direção de Wesley Ruggles. EUA, 1940.

A BATALHA de Argel (La Battaglia di Algeri). Direção de Gillo Pontecorvo. Itália, 1966.

A DOCE Vida (La Dolce Vita). Direção de Federico Fellini. Itália, 1960.

A FACE Oculta (One-Eyed Jacks). Direção de Marlon Brando. EUA, 1960.

A FÚRIA dos Sete Homens (The Magnificent Seven Ride!). Direção de Paul Wendkos. EUA, 1972.

A MORTE Anda a Cavalo (Da uomo a uomo). Direção de Giulio Petroni. Itália:, 1967.

A QUADRILHA da Fronteira (El hombre de Río Malo). Direção de Eugenio Martin. Espanha, 1971.

A REVOLTA dos Sete Homens (Guns of the Magnificent Seven). Direção de Paul Wendkos. EUA, 1969.

A TERRA Treme (La terra trema). Direção de Luchino Visconti. Itália, 1948.

A VINGANÇA dos Vikings (Gli invasori). Direção de Mario Bava. Itália/França, 1961.

A VOLTA dos Sete Homens (Return of the Seven). Direção de Burt Kennedy. EUA, 1966.

AEROPORTO 77 (Airport '77). Direção de Jerry Jameson. EUA, 1977.

AEROPORTO (Airport). Direção de George Seaton. EUA, 1970.

APERTEM os Cintos o Piloto Sumiu (Airplane). Direção de Jim Abrahams, David Zucker & Jerry Zucker. EUA, 1980.

ARMAGEDDON (idem). Direção de Michael Bay. EUA, 1998.

ARROZ Amargo (Riso amaro). Direção de Giuseppe de Santis. Itália, 1949.

AS FAÇANHAS de Hércules (Le fatiche di Ercole). Direção de Pietro Francisci. Itália, 1957.

AS MÃOS Sobre a Cidade (Le mani sulla città). Direção de Francesco Rosi. Itália, 1963.

AS TRÊS Máscaras do Terror (I tre volti della paura). Direção de Mario Bava. Itália, 1963.

ATOR, l'invincibile. Direção de Joe D’Amato. Itália, 1982.

BARNUM of Baltimore: The Early Films of Joseph E. Levine. Direção de Daniel Griffith.EUA, 2015. 107

BOUNTY Killer, o Pistoleiro Mercenário (El precio de um hombre). Direção de Eugenio Martin. Itália/Espanha, 1967.

CABIRIA (idem). Direção de Giovanni Pastrone. Itália, 1914.

CANHÕES para Córdoba (Cannon for Cordoba). Direção de Paul Wendkos. EUA, 1970.

CONFISSÕES de um Comissário de Polícia ao Procurador da República (Confessione di Um Comissario di Polizia Al Procuratore Della Repubblica). Direção de Damiano Damiani. Itália, 1971.

CONQUEST. Direção de Lucio Fulci. Itália, 1983.

CONSCIÊNCIAS Mortas (The Ox-bow Incident). Direção de William Wellman. Estados Unidos, 1943.

DANÇA Macabra (Danza macabra). Direção de Sergio Corbucci e Antonio Margheriti. Itália/França, 1964.

DAYLIGHT (idem). Direção de Rob Coehn. EUA, 1996.

DEATHSTALKER - O Guerreiro Invencível (Deathstalker). Direção de James Sbardellati. EUA, 1983.

DESENTERRANDO Sad Hill (Sad Hill Unearthed). Direção de Guillermo de Oliveira. Espanha, 2017.

DIAS de Ira. (I giorni dell’ira). Direção de Tonino Valerii. Itália, 1967.

PERSEGUIDOR Implacável (Dirty Harry). Direção de Don Siegel. Estados Unidos, 1971.

DJANGO (idem). Direção de Sergio Corbucci. Itália/Espanha, 1966.

DJANGO – A VOLTA do Vingador (Django 2 – Il Grande Ritorno). Direção de Nello Rossati. Itália, 1987.

DJANGO VEM Para Matar (Se sei vivo spara). Direção de Giulio Questi. Itália/Espanha, 1967.

DJANGO, O BASTARDO (Django Il bastardo). Direção de Sergio Garrone. Itália, 1969.

EL TOPO. Direção de Alejandro Jodorowski. México, 1970.

ERA UMA Vez no Oeste (C'era una volta il West). Direção de Sergio Leon. Itália/USA,1968.

EXCALIBUR, a Espada do Poder (Excalibur). Direção de John Boorman. EUA, 1981.

EXÉRCITO de 5 Homens (Un esercito di 5 uomini). Direção de Don Taylo e Italo Zingarelli. Itália, 1968.

GREASER’S Palace. Direção de Robert Downey. EUA, 1972. 108

HELENA de Tróia (Helen of Troy). Direção de Robert Wise. EUA, 1956.

HÉRCULES E A RAINHA da Lídia (Ercole e la regina di Lidia). Direção de Pietro Francisci. Itália, 1958.

HÉRCULES (Hercules). Direção de Luigi Cozzi. Itália/EUA, 1983.

HIGHLANDER - O Guerreiro Imortal (Higlander). Direção de Russel Mulcahy. Reino Unido, 1986.

INFERNO na Torre (The Towering Inferno). Direção de John Guillermin. EUA, 1974.

INVESTIGAÇÃO Sobre um Cidadão Acima de Qualquer Suspeita (Indagine su un cittadino al di sopra di ogni sospetto). Direção de Elio Petri. Itália, 1970.

JOE, o Pistoleiro Implacável (Navajo Joe). Direção de Sergio Corbucci. Itália, 1966.

KEOMA (idem). Direção de Enzo G. Castelari. Itália, 1976.

KILLER Kid. Direção de Leopoldo Savoba, Itália, 1967.

LEGIÃO Invencível(She Wore a Yellow Ribbon). Direção de John Ford. EUA, 1949.

MACISTE Contra o Vampiro (Maciste contro il vampiro). Direção de Sergio Corbucci e Giacomo Gentilomo. Itália, 1961.

MANNAJA - Um Homem Chamado Blade / Vingança Cega (Mannaja). Direção de Sergio Martino. Itália, 1977.

MATÁ-LO (¡Mátalo!). Direção de Cesare Canevari. Espanha/Itália, 1970.

MATAR Ou Morrer (High Noon). Direção de Fred Zinnermann. EUA, 1952.

MEU NOME é Ninguém (Il mio nome è Nessuno). Direção de Tonino Valerii. Itália/Alemanha/França, 1973.

MEU ÓDIO Será Sua Herança (The Wild Bunch). Direção de Sam Peckinpah. Estados Unidos,1969.

NOVA YORK Chamando Super Dragon (New York chiama Superdrago). Direção de Giorgio Ferroni. Itália/França/Alemanha Ocidental, 1966.

O ANJO e o Malvado (Angel and the Badman). Direção de James Edward Grant. EUA, 1947.

O BANDIDO (Bandido!). Direção de Richard Fleischer. EUA/México, 1956.

O CONFORMISTA (Il conformista). Direção de Bernardo Bertolucci. Itália/França/Alemanha Ocidental, 1970.

O DESTINO de Poseidon (The Poseidon Adventure). Direção de Ronald Neame. EUA,1972.

O DIA da Desforra (La Resa dei Conti). Direção: Sergio Sollima. Itália, 1966. 109

O GRANDE Roubo do Trem (The Great Train Robbery). Direção de Edwin S. Porter. EUA, 1903.

O HOMEM do Oeste (Man of the West). Direção de Anthony Mann. EUA,1958.

O INFERNO de Dante (Dante's Peak). Direção de Roger Donaldson. EUA, 1997.

O JUSTICEIRO Cego (Blindman). Direção de Ferdinando Baldi. Itália/USA, 1971.

O PIRATA NEGRO (Gordon, il pirata nero). Direção de Mario Costa. Itália, 1961.

O PREÇO de um Homem (The Naked Spur). Direção de Anthony Mann. EUA, 1953.

O TESOURO dos Renegados (Der Schatz im Silbersee). Direção de Harald Reinl. Alemanha Ocidental/França/Iugoslávia, 1962.

O VINGADOR Silencioso (Il Grande Silenzio). Direção de Sergio Corbucci. Itália/França/Alemanha,1968.

ONDE COMEÇA o Inferno (Rio Bravo). Direção de Howard Hawks. EUA, 1959.

OPERAÇÃO FRANÇA (French Connection). Direção de William Friedkin. EUA, 1971.

OPERAÇÃO IRMÃO Caçula. Direção de Alberto De Martino. Itália, 1967.

OS BRAVOS Tártaros. Direção de Richard Torpe e Ferdinando Baldi. Itália, 1961.

OS BRUTOS Também Amam (Shane). Direção de George Stevens. Estados Unidos, 1953.

OS CANHÕES de San Sebastian (La bataille de San Sebastian).Direção de Henri Verneuil. França/Itália/México, 1968.

OS ETERNOS Desconhecidos (I Soliti Ignoti). Direção de Mario Monicelli. Itália,1958.

OS INVENCÍVEIS (Joheunnom, nabbeunnom, isanghannom). Direção de Kim Jee-Woon. Coréia do Sul, 2008.

OS PROFISSIONAIS (The Professionals). Direção de Richard Brooks. EUA, 1966.

PAISÀ (Idem). Direção de Roberto Rossellini. Itália, 1946.

PAIXÃO dos Fortes (My Darling Clementine). Direção de John Ford. Estados Unidos, 1946.

PANCHO Villa. Direção de Eugenio Martin. Espanha/Reino Unido/EUA, 1972.

PÃO, Amor e Fantasia (Pane Amore i Fantasia). Direção de Luigi Comencini. Itália, 1953.

PISTOLEIROS do Entardecer. Direção de Sam Peckinpah. EUA, 1962.

POR UM PUNHADO de Dólares (Per um Pugno di Dollari). Direção de Sergio Leone. Itália/Espanha/Alemanha Ocidental, 1964. 110

POR UNS DÓLARES a Mais (Per Qualche Dollaro in Più). Direção de Sergio Leone. Itália/Espanha/Alemanha Ocidental,1965.

QUANDO os Brutos se Defrontam (Faccia a Faccia). Direção de Sergio Sollima. Itália /Espanha, 1967.

QUE FAÇO no Meio de uma Revolução? (Che c'entriamo noi con la rivoluzione?). Direção de Sergio Corbucci. Itália/Espanha, 1972.

QUEIMADA (Queimada). Direção de Gillo Potencorvo. Itália/França, 1969.

QUO VADIS (Idem). Direção de Mervyn LeRoy. EUA, 1951.

RÉQUIEM Para Matar (Requiescant). Direção de Carlo Lizzani. Itália/Mônaco/Alemanha Ocidental, 1967.

RIO Vermelho (Red River). Direção de Howard Hawks. EUA, 1948.

ROMA, Cidade Aberta (Roma, Città Aperta). Direção de Roberto Rossellini. Itália, 1945.

SABATA, o Homem que Veio para Matar (Ehi amico... c'è Sabata. Hai chiuso!). Direção de Gianfranco Parolini. Itália, 1969.

SANGUE de Heróis(Fort Apache). Direção de John Ford. EUA, 1948.

SE ENCONTRAR Sartana, Reze pela sua Morte (Se incontri Sartana prega per la tua morte). Direção de Gianfranco Parolini. Itália/Alemanha, 1968.

SEM PIEDADE (Senza pietà). Direção de Alberto Lattuada. Itália,1948.

SETE Homens e um Destino (The Magnificent Seven). Direção de: John Sturges. Estados Unidos, 1960.

SUKIYAKI Western Django (Idem). Direção de Takash Miike. Japão, 2007.

TESOURO de Sierra Madre. Direção de John Huston. EUA, 1948.

THE SPAGHETTI West. Direção de David Gregory. EUA, 2005.

TITANIC (idem). Direção de James Cameron. EUA,1997.

TRÊS Homens em Conflito (Il Buono, il Brutto, il Cattivo). Direção de Sergio Leone. Itália /Espanha/ Alemanha Ocidental, 1966.

TRINITY AINDA É o Meu Nome (Continuavano a chiamarlo Trinità). Direção de Enzo Barboni. Itália, 1971.

TRINITY É o Meu Nome (Lo chiamavano Trinità...). Direção de Enzo Barboni. Itália, 1970.

TURBULÊNCIA (Turbulence). Direção de Roberto Butler. EUA, 1997.

TWISTER (idem). Direção de Jan de Bont. EUA, 1996. 111

ULYSSES (Ulisse). Direção de Mario Camerini. Itália/França/EUA, 1954.

UM TREM para Durango (Un treno per Durango). Direção de Mario Caiano. Itália/Espanha, 1968.

UMA CIDADE Chamada Bastardo (A Town Called Bastard). Direção de Robert Parrish. Reino Unido/Espanha, 1971.

UMA PISTOLA Para Ringo (Una pistola per Ringo). Direção de Duccio Tessari. Itália/Espanha, 1965.

VERA Cruz (idem). Direção de Robert Aldrich. EUA, 1954.

VILLA, O Caudilho (Villa Rides). Direção de Buzz Kulik. EUA, 1968.

VÍTIMAS da Tormenta (Sciuscià). Direção de Vitorio de Sica. Itália, 1946.

VIVA A MORTE... Tua (¡Viva la muerte... tua!). Direção de Duccio Tessari. Itália, 1971.

VIVA ZAPATA! (idem). Direção de Elia Kazan. EUA, 1952.

WESTERN, Italian Style. Direção de Patrick Morin. EUA, 1968.

YOJIMBO (Yôjinbô). Direção de Akira Kurosawa. Japão, 1961.

YOR - O Caçador do Futuro (Il mondo di Yor). Direção de Antonio Margheriti. Itália, 1983.

112

APÊNDICE C – Transcrição dos Diálogos

Transcrição 01 de Uma Bala Para o General

Versão em inglês: “From 1910 to 1920 Mexico was torn by internal strife. During the entire decade de vast territory was devastated by bands of marauding bandits. Scenes of this kind were commonplace as the various factions tried to dominate the others and bring order out of chaos”. Versão em italiano: “Un milione di morti. Questo il tragico consuntivo della sanguinosa revoluzione messicana. De una parte il generali del ezercito governativo a defesa dela conservazione, dall'altra una massa disordenada di peoni a ordine delle generali improvisati.”.

Transcrição 02 de Uma Bala Para o General

Versão em inglês ROSARIO: What’s that you want from us? RAIMUNDO: Lands, señora. ROSARIO: Well. We’ll see what can be done about the land. RAIMUNDO: Forget it, señora. It already belongs to us. ROSARIO: You bandits! CHUNCHO: You see señora… ROSARIO: Yes? CHUNCHO: The fact is this... that this people want to kill your husband. ROSARIO: What for? Why do they want to kill him? Why do they? What did he done to your men? And you do you tell me, not the others? CHUNCHO: Because the others aren’t in the habit of speaking out. They are like babies, afraid to talk. DON FELIPE: Don’t argue with them, Rosario. It won’t do us any good. It’s useless. And so Raimundo you then decided to murder me. Why? Is there a reason? Is only because I’m a rich man? RAIMUNDO: No señor. It’s because we’re poor men. And you’ve done all that you can to keep us that way

Transcrição 03 de Uma Bala Para o General 113

Versão em inglês MENINO: Now do you like Mexico? TATE: I still don’t. MENINO: What are you doing here? Why don’t you return to your own country? TATE: I sell arms here. It’s a living. MENINO: I’d never sell arms to people I didn’t like. TATE: That’s because you are not a professional. You should learn from señor Elias. He never asks questions. He just buys the guns and pays.

Transcrição 01 de Companheiros

Versão em italiano GUERRILHEIRO 1:. YODLAF:. LOLA: Você é como todos os estrangeiros, desprezíveis e sem coração. YODLAF: Não vamos exagerar. Para mim, é tudo uma questão de preço. Se fizerem uma oferta melhor, as armas são suas. GUERRILHEIRO 2: Nós somos majoritariamente estudantes. E estamos lutando para defender os pobres. Nós não somos ricos. YODLAF: Para mim estudante e bandido são o mesmo.

Versão em inglês GUERRILHEIRO 2: Don’t sell weapons to that man Mongo. He’s a bandit. YODLAF: That’s way he pays well. LOLA: You are really a contemptable and despicable man. YODLAF: I wouldn’t say so. It’s just a question of business. Price. If you make me an offer better than his than the arms are yours. GUERRILHEIRO 1: But we have no money. It’s hard enough just to keep on struggling. Let alone buy guns. YODLAF: Well, everything is possible.

Transcrição 02 de Companheiros

Versão em italiano:

VASCO: Però non conosci Mongo. Lo sanno tutti chi cosa voglie. La campagna avrá chi la coltiva. Le fabbriche apparterranno agli operai che vi lavorano. E tutta la ricchezza del 114

Messico verano divise tra i poveri. E tutti capoccione come te, quelli che sanno leggere e scrivere, saranno bruciati con il loro libri, te lo dico io!

Transcrição 03 de Companheiros

Versão em italiano: XANTOS: Quei soldati che hanno ucciso per salvarmi erano esseri umani. E uccidere un essere umano, anche se è nostro nemico, è un delito. Non è questo che hanno sempre insegnato? Rispondete! COMBATENTE 1: Che avremmo dovuto fare? Lasciare che ti fucilacero? XANTOS: La idee che io sustengo non ha paura della morte. Non ha bisogno di fucili per trionfare. Ragazzi, non dimenticate mai questo principio. Lotando per un giusto ideale. Se può vincere senza violenza. COMBATENTE 1: Però gli altri sono armati! COMBATENTE 2: E quando hanno ucciso tutti, anche i nostri ideali, Professore, saranno morti. COMBATENTE 3: E cosi la nostra rivoluzione non trionferà mai! XANTOS: Guardate! Fucili, pistole, coltelli, munizioni! Che differenza cerca, voi i loro! Tra quelli che combattiamo. COMBATENTE 1: Per la nostra luta le parole non ci servono più, professore! Alla violenza bisogna rispondere con la violenza! Pensare diversamente è da vigliacchi! [Xantos dá um tapa no jovem] XANTOS: Perdona-me. Evidentemente sono troppo vecchio. E voi siete troppo giovani. Buon che darsi, che il vostro modo di pensare si ha piu havato al il tempo che viviamo. Ma ripulsa la mia conscienza di uommo..