Escola de Comunicações e Artes - Universidade de São Paulo - 23 a 26 de agosto de 2011

Eixo Temático Quadrinhos e Cultura

DOS GAGS ÀS BATALHAS INTERPLANETÁRIAS: UMA ANÁLISE DA EVOLUÇÃO DO ROTEIRO E TRAÇO DE AKIRA TORIYAMA DE DR SLUMP A

Fábio Garcia

Graduando em Letras, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP

Resumo O artigo faz um breve histórico sobre as obras em mangá produzidas por Akira Toriyama, tendo em vista a importância deste autor como difusor dos quadrinhos japoneses e que os popularizou em diversos países do mundo, como por exemplo, o Brasil. Mostra, então, um padrão em sua obra e nota-se a evolução do autor ao enveredar por gêneros que não possuía familiaridade, neste caso o gênero de quadrinhos de batalhas destinadas a garotos (shonen mangá). O estudo foi feito com base em entrevistas e declarações dadas pelo próprio Akira Toriyama, relatos de pessoas que trabalharam com o autor, informações oficiais divulgadas por editoras, assim como textos de estudiosos da área dos quadrinhos japoneses.

Palavras-Chave: Mangá; Quadrinhos; Japão; Akira Toriyama; Dragon Ball.

Abstract The article presents a brief history of in the works produced by Akira Toriyama, in view of the importance of the author as a promoter of Japanese comics and the diffusion in several countries, like Brazil. A pattern in his work is defined and the evolution of the author in the genres they had no familiarity, in this case the comic genre of battles aimed at boys (shonen manga), is noted. The study was based on interviews and statements by Akira Toriyama himself, reports of people who worked with the author, official information disseminated by publishers, as well as papers from scholars in the field of Japanese comics.

Keywords: Manga; Comic Books; Japan; Akira Toriyama; Dragon Ball.

INTRODUÇÃO

O nome Akira Toriyama pode não ser familiar a todos os leitores de quadrinhos, mas com quase toda certeza eles já ouviram falar de um guerreiro de cabelo espetado e rabo de macaco chamado Son Goku, o protagonista de

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Dragon Ball. A importância de Dragon Ball no mundo dos quadrinhos é imensa, ainda mais se considerarmos que ele foi um dos primeiros mangás publicados nos países que hoje estão invadidos pela cultura japonesa. Aqui mesmo no Brasil Dragon Ball foi o primeiro mangá a ser lançado com leitura invertida em 2000 pela Editora Conrad.

Mas é um equivoco observar Akira Toriyama apenas pelo seu trabalho em Dragon Ball quando ele tem uma história no mundo dos quadrinhos japoneses que poucos têm conhecimento. É de se espantar que muitos se assombrem ao descobrir que a especialidade do autor é o quadrinho humorístico, chamado no Japão de Gag Mangá, e não o quadrinho de ação para jovens. Com este trabalho, há o desejo de mostrar seus trabalhos mais relevantes e como eles influenciaram a cultura dos mangás, seja no Japão como no mundo.

ORIGEM E PRIMEIROS TRABALHOS

Nascido em 1955, no município de Aichi, no Japão, Akira Toriyama sempre teve uma infância bem lúdica e cheia de brincadeiras, tendo sempre o gosto pelo desenho. Segundo o próprio autor relatou em sua coletânea de obras curtas (Marusaku), ele vivia desenhando carros e animais pelos cantos das folhas, mas a vocação para o desenho surgiu quando ele viu no cinema o longa-metragem animado 101 Dálmatas, da Disney. A vontade de fazer mangás veio com a descoberta desse tipo de narrativa na casa de uma amiga, e o autor começou a se dedicar à arte dos quadrinhos japoneses quando abandonou o emprego por não gostar de rotinas de escritório.

Toriyama participou de diversos concursos de mangá, até que teve seu talento descoberto por Torishima, um promissor editor da Editora Shueisha, casa da mundialmente conhecida revista Shonen Jump, a mais famosa e vendida antologia japonesa. Torishima incentivou Toriyama a continuar desenhando, a fim de se aperfeiçoar, o que gerou o mangá Awawa World em

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1977 e que nunca chegou a ser publicado. Originalmente produzido para participar de um concurso de novos talentos na revista Monthly Young Jump, Awawa World traz um pouco do humor característico do autor, que envolve piadas ao estilo pastelão, referências à cultura pop (como Star Wars) e piadas escatológicas. Vale ressaltar que são comuns aos mangás humorísticos japoneses, chamados de gag mangá, essa tradição de piadas que envolvem flatulências e pênis, e isso é presente inclusive em antigas gravuras orientais (GRAVETT, 2006).

Seu primeiro trabalho a ser publicado efetivamente foi Wonder Island, publicado na revista Shonen Jump em 1978. Era a história de um homem que queria fugir da ilha título, pois havia caído nela num acidente, então ele precisa lidar com os seres excêntricos que lá habitam. O autor relata, quando essa sua história foi publicada em sua coletânea de trabalhos curtos, que ligou para o editor Torishima e perguntou sobre como havia sido a recepção ao seu trabalho, e a resposta do editor foi que havia sido o menos votado, considerado o pior da revista. Toriyama insistiu no material até que conseguiu publicar, em 1979, Wonder Island 2 que, tirando o título, não tem muita relação em questão de história com seu primeiro mangá publicado. Wonder Island 2 é quando o autor começa suas piadas de metalinguagem com o próprio trabalho de ser autor de mangá, pois temos os personagens sabendo que estão numa história em quadrinhos e comentam até que a história avança sem motivos para economizar o número de páginas. Mesmo com uma clara evolução, o mangá ainda teve uma repercussão péssima na Shonen Jump.

Durante um ano inteiro Akira Toriyama teve seus trabalhos rejeitados, algo aproximadamente de 500 páginas de mangá. O Editor Torishima pediu para que o autor fizesse uma história usando uma personagem feminina, e assim surgiu Tomato – A Policial Gatinha. A história, talvez por ser com uma garota bonita como protagonista, teve uma boa repercussão quando foi publicada ainda em 1979, e isso incentivou o autor a insistir em personagens

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femininos, o que acabou o levando a criar a sua primeira personagem de sucesso: a robô criança Arale da série Dr Slump.

ARALE E DOUTOR SLUMP

Poucos dados são encontrados a respeito da origem de Dr Slump, principalmente porque o foco dos livros é sempre o maior sucesso do autor, que viria a ser Dragon Ball. O que se sabe, que é o que o autor diz em entrevistas e em suas mensagens em edições encadernadas dos mangás, é que ele criou uma história sobre um cientista que criava uma invenção a cada capítulo. Na história piloto, a invenção era uma pequena robô com super poderes e que carecia um pouco de noção, e seu editor aprovou a idéia para uma série, mas falou que queria que o personagem principal fosse a robô, e não o cientista. Assim, em 1980, nasceu Dr Slump nas páginas da revista Shonen Jump, sua primeira série semanal.

Cabe aqui uma pequena explicação sobre o funcionamento da revista. Trata-se de uma antologia semanal em que dezenas de séries têm um capítulo de 20 páginas publicado, e todas são devidamente votadas pelo público e ranqueadas com o intuito de ter a popularidade medida. A revista é impressa em papel jornal reciclado, e as séries de maior popularidade costumam ganhar um capítulo completamente em cores em papel especial. As tiragens da revista são astronômicas e impressionantes sendo que, segundo Ueda e Morales (2006), a revista registrou vendas de quatro milhões de exemplares em uma edição de uma semana de dezembro de 1984, vendas de 6,5 milhões de exemplares com a edição do dia 20 de Dezembro de 1994 e, durante 2003, vendia uma média de 3,4 milhões de exemplares

Dr Slump é uma continuação do tipo de mangá humorístico que Toriyama havia feito até então, sem muitas novidades. Somados ao humor pastelão, às piadas envolvendo metalinguagem e certo humor negro pontual, podemos dizer que um dos grandes destaques dessa série é a galeria de

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personagens excêntricos. A começar pela dupla de protagonistas, temos a robô Arale que, embora tenha uma aparência de uma menina de dez anos de idade, possui uma força suficiente para rachar a Terra num único soco (fato que aconteceu diversas vezes durante a série). Nos primeiros rascunhos, como Toriyama relata em seu livro “Mangaka – Lições de Akira Toriyama”, ela era uma personagem simples que foi sendo construída quando se colocava acessórios nela, como um boné com asas, um suspensório e um par de óculos que, segundo o autor, traziam uma comicidade à personagem (afinal, era uma robô míope). Ele viria a se arrepender posteriormente de ter incluído os óculos por serem difíceis de desenhar, mas mensagens de crianças que diziam ter perdido a vergonha de usar óculos por causa da Arale o incentivou a continuar com o acessório. A única mudança que a personagem sofreu com o avanço dos volumes foi em sua estatura. Com o tempo a personagem, que começou com um corpo de adolescente, foi encolhendo até ficar com um corpo semelhante a uma menina de nove, dez anos de idade porque, segundo o autor, ela fica muito mais expressiva quando desenhada nesse tamanho diminuto. Curiosamente, ninguém na Vila Pinguim, local onde acontece a história de Dr Slump, sabe ou percebeu que Arale é um robô.

Servindo como escada para a protagonista e dando o nome para a série, o doutor Sembe Norimaki é o cientista tarado que cria invenções quase mágicas. Seu grande objetivo na vida é se casar com a professora Midori, que dá aula na escolinha da Vila Pinguim. Constantemente ele cria alguma invenção para tentar ajudá-lo, sem muito sucesso, a se aproximar da professora.

A essa galeria de personagens podemos ainda incluir o Supaaman, uma clara paródia ao Superman e que não tem o menor senso de justiça ou altruísmo; Akane, a amiga rebelde sem causa de Arale; e, por fim, o Doutor Mashirito, que é uma piada do próprio autor com seu editor (observando a construção silábica japonesa do nome do personagem, MA-SHI-RI-TO, percebemos que é o nome do editor, TO-RI-SHI-MA, escrito de trás pra frente),

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é o cientista rival do Doutor Sembe e que deseja destruí-lo e a Arale. Todos esses personagens transformavam Dr Slump em algo parecido com uma comédia de situações, em que não há uma grande história por trás, apenas fatos pontuais que não precisam ser todos lidos para entender o andamento da história.

O sucesso de Dr Slump foi algo sem precedentes na carreira de Toriyama, e a série conquistou principalmente o público infantil. Os óculos e os suspensórios da personagem acabaram virando moda no Japão, como o próprio autor relatou em um volume encadernado da série, assim como suas frases. A contribuição lingüística da Arale para o Japão é algo muito interessante, tendo ela incluído suas frases características no dia a dia dos japoneses. Sua principal frase era o cumprimento “Ncha!” (lê-se /ɪntʃa/), que nada mais é que a palavra “Konninchiwa” que sofreu um processo morfológico de redução (algo parecido com o processo morfológico da palavra em português “vossa mercê” que atualmente é “você”), que derivou também uma palavra de despedida, a “Byecha” (lê-se /baɪtʃa/) que é um neologismo formado com o fim da palavra “Ncha” com o acréscimo da palavra americana “Bye”. O motivo, segundo o autor, para os personagens terem essas frases características e repeti-las com muita freqüência para colocar personalidade e criar um detalhe que os leitores percebam.

A série também investiu muito em citações e referências à cultura pop japonesa, como explica Nagado:

A série é cheia de referências à cultura pop, mesclando citações sobre quadrinhos, heróis televisivos, monstros e afins. Fãs de Ultraman, Godzilla e Gamera irão se deliciar com o amontoado de homenagens e citações que permeiam as histórias. Logo no começo da série, Arale, sabendo ser um robô, pergunta se vai poder lançar mísseis da barriga, numa referência

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ao herói Goldar, do antigo seriado Vingadores do Espaço. (...) Identificar as múltiplas referências é um passatempo à parte, sem que isso interrompa a fluidez das histórias. (NAGADO, 2007: p.33)

Dr Slump rendeu dezoito volumes encadernados no Japão, duas séries animadas (uma que estreou durante a publicação do mangá e uma que estreou em 1998) e onze filmes para o cinema. Como ele mesmo revela nos volumes encadernados de Dr Slump, ele é um grande preguiçoso e não agüentaria outra série longa como a que o consagrou. Seu editor, ao saber que Toriyama era fã de filmes de kung-fu, sugere que ele faça uma história nesse universo (que foi abordado na sua história curta Dragon Boy, de 1983), sendo assim que surge Dragon Ball.

DRAGON BALL – O GRANDE SUCESSO

A origem do nome dessa série é explicada pelo próprio Toriyama ao dizer que “Dragão” é a palavra mais clichê nos filmes de Kung-Fu, todos inspirados pelo filme Operação Dragão. Para ambientar a história do kung-fu, Toriyama buscou inspiração na história chinesa conhecida como Jornada ao Oeste, em que um macaco chamado Sun Wukong (Son Goku para os japoneses) passa por uma viagem que transforma seu caráter arteiro em um herói de verdade. Dessa história, Toriyama pegou a idéia de uma nuvem voadora, do bastão que é a arma do personagem e da idéia da jornada. Ao invés de usar um macaco, Toriyama criou um personagem simples que possuía um rabo de macaco. “o Goku nasceu de uma vontade que eu tinha de produzir um personagem principal com o rosto mais comum que eu pudesse imaginar” (TORIYAMA, 2003: p.95).

Basicamente, Dragon Ball conta a história de Son Goku, um garoto órfão de 12 anos detentor de uma força acima do normal, ele é encontrado por Bulma, uma garota de 14 anos e ambos saem numa jornada em busca das

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sete esferas do dragão, que podem realizar qualquer desejo, enfrentando os desafios que aparecem.

Neste começo da história ainda vemos muito do humor presente em Dr Slump, assim como as referências à cultura pop (a personagem Chichi, que viria a ser a futura esposa de Goku, usa um capacete igual ao do Ultraseven) e piadas com escatologia. As poucas lutas incluídas na história ainda não eram o bastante para passar ao leitor a impressão de ser um mangá de ação para garotos, e não uma série de comédia. Só se pode dizer que Dragon Ball passou a ser um mangá de ação quando foi introduzido o conceito do Torneio de Artes Marciais, que é um torneio onde os mais fortes do mundo competem por um prêmio em dinheiro. Nessa fase, Dragon Ball segue a estrutura das histórias de Shonen Mangá (mangá para meninos) do personagem que enfrenta os desafios com determinação e honestidade, mesmo sabendo que algumas vezes ele pode vir a perder dignamente, sendo que isso acorre porque os mangás desse gênero costumam promover valores positivos (GRAVETT, 2006).

Depois de diversos arcos, todos focados em batalhas com pitadas de humor, podemos considerar que a história de Piccolo como sua primeira grande saga, com um roteiro interligado ao mesmo problema e que trouxe mudanças significativas na estrutura da série como, por exemplo, a morte de seu melhor amigo e de seu mestre pelas mãos do demônio Piccolo, o mal em pessoa. Essa saga trouxe um roteiro mais denso que teve uma extensão inesperada pelos leitores: com a derrota de Piccolo, Goku vai treinar com Deus em pessoa e volta adulto para a Terra para derrotar o filho de Piccolo em um torneio de artes marciais, sagrando-se, finalmente, campeão da competição.

O roteiro de Dragon Ball traz umas passagens interessantes. Toriyama diz que

Eu estou sempre tentando surpreender o leitor. Se eu ouço o meu editor dizendo que recebeu muitas

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cartas de leitores que apostaram na vitória de Goku no torneio, faço questão de fazê-lo perder. Essa é uma mania que eu tenho. (....) O enredo é a única coisa que eu deixava rolar para ver no que dava. Por exemplo, eu sabia direitinho como o Vegeta agiria em certas ocasiões, apesar de não ter anotado nada disso. (TORIYAMA, 2005: p. 95,98) Um bom resumo da estrutura narrativa da fase de Dragon Ball em que temos o Goku adulto, chamado na série animada de , pode ser:

Em Dragon Ball Z, um Goku adulto, agora com esposa e filho, descobre que é um saiyajin, membro de uma raça alienígena destrutiva. Os treinos e as batalhas são constantes quando Goku se posiciona contra eles para proteger seu planeta adotivo.(GRAVETT, 2006: p.75)

Vale lembrar que, ao contrário da nomeação dada por Paul Gravett no excerto anterior, o nome Dragon Ball Z é apenas usado na animação e na publicação do mangá em países como o Brasil, como forma de atrelar o produto ao que era exibido na televisão. No mangá não existe essa divisão de fases, que na TV foram chamadas de Dragon Ball, Dragon Ball Z e Dragon Ball GT, sendo a última exclusiva para a televisão (NAGADO, 2007).

Com o Goku adulto e as lutas conseguindo uma aceitação pública visível em 1987, Dragon Ball conseguiu superar o clássico mangá Hokuto no Ken em questão de popularidade, seguindo em primeiro lugar até o seu término, no ano de 1994.

Após a derrota de Freeza e de Goku ter se sagrado o mais poderoso do universo, o mangá não poderia ser encerrado, infelizmente para o autor, por causa do sucesso da série, que gerou até mesmo algumas cláusulas curiosas em seu contrato, como a proibição de viajar de avião com medo de uma

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inesperada queda. Assim, o mangá continuou e veio a Saga do Cell, que trouxe muito mais lutas e muito mais seriedade para o mangá. É nessa saga que percebemos que Toriyama tenta retirar Goku do posto de protagonista e promover seu filho, Gohan. Dada à simplicidade de Goku, entende-se que é difícil sustentar a história por muito tempo com um tipo de protagonista como esse, por isso a necessidade de renovação. Renovação inclusive que era esperada pela equipe de produção do desenho animado, segundo relato da Enciclopédia Dragon Ball Z, que ao invés de colocar a letra Z ao final do nome para indicar uma nova série, pensou em colocar o nome “Dragon Ball – A Grande Aventura de Son Gohan”. Ao final da saga, Goku morre e o inimigo é derrotado por seu filho Gohan.

Com o fim da Saga do Cell e pressionado para continuar a história, Toriyama subverte a própria seriedade que ele próprio instaurou na história e cria a Saga de Buu, resgatando grande parte do humor que fora perdido nas fases anteriores. Gohan é alçado ao posto de protagonista agora que seu pai está no mundo dos mortos, mas a falta de Goku é tanta nos leitores que Toriyama acaba resgatando o personagem. Surge uma nova ameaça no mundo chamada Majin Buu e cabe aos heróis enfrentá-la, pois o inimigo é a encarnação de todo o mal. O personagem criado para ser o antagonista dessa saga, Majin Buu, é bem diferente dos ameaçadores vilões que Akira Toriyama criara em fases anteriores, pois ele é rechonchudo, cor de rosa e usa uma roupa com inspiração árabe. Seu golpe, e método de assassinato em massa preferido, é transformar as pessoas do mundo em doces, como chocolates ou balas, e devorá-las, mostrando um claro processo de subversão da seriedade anteriormente presente. Uma da estratégia de combate dos protagonistas foi a Dança da Fusão, uma patética coreografia ritmada e espelhada de dois guerreiros que geraria uma fusão entre os participantes catalisando seus poderes. Ainda nessa saga há uma banalização das mortes e uma mudança constante das regras que regem o universo criado pelo autor com uma óbvia intenção de terminar o mangá mais rápido o possível sem fazê-lo pensar muito.

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Ao final da saga, Majin Buu integra o lado dos protagonistas e Goku abandona todo mundo para treinar um promissor garoto que será o seu sucessor.

Dragon Ball durou por dez anos na revista semanal Shonen Jump, sendo atualmente o segundo mangá mais vendido no Japão, tendo perdido o posto de primeiro em 2009 para o mangá One Piece, também publicado na mesma revista. É uma das poucas histórias em quadrinhos do mundo em que vemos um personagem que começa com doze anos e encerra a história com ele sendo avô aos cinqüenta anos. Mesmo mostrando os personagens se casando e tendo filhos, o romance nunca apareceu muito nos mangás de Toriyama. Tanto em Dragon Ball quanto em Dr Slump, os personagens casam inesperadamente e subitamente, e não há uma troca de afeto e carícias depois de casados. Toriyama explica essa falta de romantismo no volume 16 de Dr Slump, alegando que ele só incluiu esses casais em suas histórias por pedido de seu editor, o Torishima. E durante esses dez anos de publicação, o traço do autor modificou-se consideravelmente. Sobre isso, o autor revela que

No desenho animado, eu vi que o traço é mais quadrado. Talvez seja uma mania do animador, mas eu percebi que quando os personagens eram movimentados, o traçado mais quadrado dava um ar mais duro, combinando com as cenas de batalha. Depois disso, comecei a imitar esse traçado no mangá também. Isso deu mais sensação de movimento no desenho e também agilizou o processo de produção. É que durante a publicação da série, eu fazia de tudo para diminuir o meu trabalho de desenhar. Depois que comecei a imitar os métodos de produção dos acetatos, como pintar as sombras separadas, o meu trabalho ficou bem mais fácil.(...) O que sustenta um bom mangá é uma boa história, por isso não preciso ficar tão encanado com o desenho. (TORIYAMA, 2005: p.91,98)

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Dragon Ball ganhou uma série animada em 1986, que retratou fielmente os acontecimentos do mangá e acrescentando algumas histórias extras para que a série animada não alcançasse a história do mangá semanal. A série animada Dragon Ball, retratando a infância de Goku, teve 153 episódios; Dragon Ball Z, com Goku adulto lutando contra alienígenas, teve 291 episódios e, por fim, Dragon Ball GT, que não teve correspondente em mangá, teve 64 episódios. Curiosamente, o horário televisivo ocupado pela animação era o horário em que era exibido Dr Slump e, após Dragon Ball, a emissora colocou no ar um remake da primeira série semanal de Toriyama. Com isso, o horário semanal foi ocupado por séries do Toriyama por impressionantes dezoito anos e seis meses.

Pode-se considerar, sem sombra de dúvida, que Dragon Ball é a série japonesa mais conhecida no mundo, e que seu mangá é o mais vendido do mundo. O sucesso no Brasil pode-se ver pelos números, pois a primeira edição da fase Z vendeu cerca de 100 mil cópias no mercado brasileiro.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como se pôde observar, Akira Toriyama é um artista ímpar e que inovou nos mangás japoneses com seus mangás, criando clichês e inspirando autores posteriores como, por exemplo, Masashi Kishimoto (de Naruto) e Eiichiro Oda (de One Piece). Sua obra em quadrinhos é riquíssima embora esteja sempre ou baseada no humor ou baseada na ação. E também é um exemplo de autor que soube modificar o gênero em que trabalha visando o público, e mesmo assim conseguir ser exitoso em sua empreitada. Tanto que, atualmente, é o autor por trás do segundo mangá mais vendido no Japão em todos os tempos.

BIBLIOGRAFIA

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GRAVETT, Paul. Mangá – Como o Japão Reinventou os Quadrinhos. São Paulo: Conrad Editora do Brasil. 2006.

FONSECA, J. ; SIQUEIRA, R. ; GARCIA, Fábio. O Guia Completo da Saga Dragon Ball. Mundo Estranho Especial, São Paulo: Editora Abril.

GARCIA, Fábio. “O melhor humor da década de 80”. In: Neo Tokyo, São Paulo: Editora Escala, p. 66 - 70.

KAMI SAMA EXPLORER, http://www.kamisama.com.br

NAGADO, Alexandre. Almanaque da Cultura Pop Japonesa. São Paulo: Via Lettera. 2007.

TORIYAMA, Akira. Dr Slump Vol 16, 17, 18. EUA: Viz Media. 2009.

TORIYAMA, Akira. Enciclopédia Dragonball Z: a lenda de Goku; São Paulo: Conrad Editora do Brasil 2005 .

TORIYAMA, Akira; SAKUMA, Akira. Mangaka – Lições de Akira Toriyama. São Paulo: Conrad Editora do Brasil, 2002.

TORIYAMA, Akira. Marusaku Vol. 1, 2 e 3. São Paulo: Conrad Editora do Brasil, 2006- 2007.

UEDA, Nancy Naomi; MORALES, Leiko Matsubara. “A presença da mídia na socialização contemporânea dos jovens: o caso do animê como convite ao estudo da língua japonesa” in Estudos Japoneses nº 26. São Paulo: Editora da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, 2006.