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URBANISMO PELO AVESSO: PRÁTICAS URBANÍSTICAS, INCLUSÃO SOCIAL E AUTONOMIA EM CARIOCAS

Alunas: Pamella Lopes de Almeida Silva e Thalia Pinto de Almeida¹ Orientadora: Prof. Dra. Rachel Coutinho Marques da Silva

Introdução Este relatório visa apresentar os resultados das pesquisas realizadas no período de 08/2019 a 08/2020 no âmbito do grupo de pesquisa coordenado pela Prof. Dra. Rachel Coutinho Marques da Silva, nossa orientadora. A pesquisa visa entender as práticas urbanísticas e a participação comunitária decorrente de projetos urbanos em assentamentos informais e tem como foco a participação comunitária que foi implementada no âmbito do PAC-Urbanização de Assentamentos Precários (PAC-UAP). No ano de 2007, durante o segundo governo Lula, foi lançado o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) para todo o Brasil. Uma de suas diferentes frentes de ação foi o PAC-Urbanização de Assentamentos Precários, um programa que colocou recursos financeiros significativos para a urbanização das favelas, além de adotar também programas sociais importantes, não se limitando apenas às melhorias no espaço público ou de vias. Dessa forma, o PAC-UAP evitou ao máximo as remoções, inserindo vários programas sociais, equipamentos públicos e infraestrutura básica. Tinha como objetivo fornecer infraestrutura urbana básica, respeitando o morador das favelas e suas raízes afetivas. O plano previa investimentos nas seguintes áreas de atuação: PAC Cidade Melhor, PAC Comunidade Cidadã, PAC Minha Casa, Minha Vida, PAC Água e Luz para Todos, PAC Transportes e PAC Energia, em que futuramente se acrescentou ao projeto a construção de Unidades Básicas de Saúde, creches, pré-escolas e postos de polícia comunitária. Apesar de toda política de desenvolvimento urbano e social, o PAC demonstrou ser um programa complexo que necessitaria de um horizonte de tempo maior, razão pela qual algumas ações previstas não puderam ser implementadas. De toda a forma, o PAC trouxe muitas inovações, e uma dela foi a obrigatoriedade da participação comunitária. Um grande esforço com um significativo aporte de recursos financeiros foi feito para viabilizar a participação comunitária, por meio do Canteiro Social, também conhecido como Trabalho Social ou PAC Social. No entanto, apesar das boas intenções e das regras estabelecidas para fomentar a participação, muitos problemas ocorreram que não permitiram a efetiva participação da população.

¹ Vale mencionar que, a respeito da distribuição de tarefas, grande parte foi feita conjuntamente em grupo de pesquisa, sendo algumas tarefas realizadas individualmente pelas bolsistas Pamella Lopes/ Thalia Almeida e Tatiana Veloso. Contudo, o relatório é uma conclusão dos estudos realizados em grupo. Ver detalhamento das tarefas específicas na seção Metodologia.

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Há que se ressaltar aqui, que a participação ficou a cargo de técnicos do Estado ou do Município, com a participação de profissionais das firmas contratadas, que não foram devidamente capacitados para o trabalho com a comunidade, principalmente os profissionais terceirizados. Logo, durante a pesquisa buscamos entender a relação das equipes de capacitação, das organizações não-governamentais e de residentes locais, a fim de avaliar os impactos pós-PAC nas favelas objeto do nosso estudo, e também verificar se a participação estimulada pelo processo do PAC-Social resultou em aumento dos níveis de participação e ativismo comunitário. Em janeiro de 2020, foi lançado pelo Governo do Estado do o programa Comunidade Cidade. Este engloba projetos que serão realizados em diferentes favelas no estado, sendo a Rocinha a primeira a receber as obras. Há a previsão de 2 bilhões de reais em investimentos na Rocinha, sendo 1 bilhão na área de saneamento e 1 bilhão na área de infraestrutura. São 5 os eixos principais de atuação: saneamento, mobilidade, habitação, resíduos sólidos e equipamentos públicos. Ao contrário do PAC-UAP, o Comunidade Cidade não apresenta participação comunitária institucionalizada, o que gerou apreensão entre os moradores. Outro fato ocorrido no ano de 2020 e que será objeto de análise da pesquisa é o impacto da pandemia de Covid-19 nas favelas. O objetivo é mostrar o impacto da pandemia nas favelas e as medidas que estão sendo tomadas por parte dos próprios moradores para dar suporte uns aos outros através de ONGs e redes solidárias de ação social. O objetivo geral da pesquisa é analisar as políticas públicas e as práticas urbanísticas em favelas na cidade do Rio de Janeiro que receberam recursos do PAC-UAP, observando os níveis de participação comunitária antes e depois do PAC e aferindo as dimensões de inclusão, justiça social e autonomia. No caso da Rocinha, analisamos, além dos impactos do PAC-UAP, a visão dos moradores frente ao novo projeto anunciado, o Comunidade Cidade. Somado a isso, verificamos as consequências e as medidas que estão sendo tomadas nas favelas frente à pandemia de Covid-19.

Áreas de estudo A pesquisa engloba três favelas no Rio de Janeiro que receberam recursos e obras do PAC-UAP (PAC Urbanização de Assentamentos Precários): Rocinha, Cantagalo/Pavão- Pavãozinho e Babilônia/Chapéu . Além de terem recebido importantes obras públicas por meio do PAC-UAP, tiveram também Unidades de Polícia Pacificadora nelas instaladas, e possuem um histórico de ações comunitárias seja por meio de ONGs, coletivos, ou por meio de Associações de Moradores.

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Rocinha

Figura 1: Mapa da Rocinha. Elaborado por João Brum Rodrigues, 2020.

Dados Estatísticos:

Área (m²): 838.648 (IPP, 2018) População: 69.156 (IBGE, 2010) Número de Domicílios: 25.135 (IBGE, 2010)

Obras do PAC: O projeto, iniciado em 23/07/2007, foi realizado em duas etapas, ambas as quais foram paralisadas antes da conclusão. A primeira etapa, com 73,63% das obras concluídas, teve o custo de 122,02 milhões de reais, enquanto a segunda, com 44% das obras concluídas, de 156,78 milhões. (Ministério das Cidades, 2019). As principais obras realizadas foram: construção de equipamentos públicos, como o Complexo Esportivo, a UPA e a Biblioteca Parque; alargamento e pavimentação da Rua 4 (antes um beco); construção de 144 unidades habitacionais, destinadas a famílias que tiveram suas casas desapropriadas para as obras ou retiradas de áreas de risco.

Obras do Comunidade Cidade (previsão): Na área de saneamento, está previsto um investimento de 1 bilhão de reais pela CEDAE, direcionados para a construção de novas adutoras, redes de água, coletores tronco, redes de esgotamento sanitário, drenagem e pavimentação com abertura de vias carroçáveis. Há a promessa da universalização do acesso à água na Rocinha.

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As propostas na área de mobilidade incluem a abertura de 3.836m de novas vias carroçáveis, além de 2.871m de vias de pedestres e da recuperação de 6.408m de vias existentes. Há também a proposta de melhorias de becos e escadarias no sub bairro de Vila Cruzado. A Via Ápia, principal eixo comercial da Rocinha, se tornaria um boulevard aberto apenas para pedestres após as obras. O projeto prevê a remoção de aproximadamente 7400 famílias (em torno de 20 a 30000 pessoas), somando as remoções de moradores de áreas de risco (em trechos dos sub bairros Dionéia, Cachopa, Laboriaux, Vila Cruzado, Faz Depressa, Capado, Terreirão e Macega) e as realocações decorrentes das obras. As 5000 famílias removidas de áreas de risco não receberão unidades habitacionais, apenas uma indenização da benfeitoria. Proprietários de estabelecimentos comerciais também receberão a indenização da benfeitoria, e inquilinos receberão auxílio habitacional por 3 meses. Segundo o projeto, serão construídos 18 edifícios de habitação de interesse social (HIS), de até 10 pavimentos, para realocar o segundo grupo, que equivale a 2400 famílias. Esses edifícios serão construídos em terrenos em diferentes localidades na Rocinha e nos seus limites com São Conrado e Gávea. Em 10 deles, haverá também comércio no térreo, somando um total de 341 unidades comerciais.

Na área de resíduos sólidos, são propostos novas centrais de recebimento de lixo, instalação de contêineres e a construção de um polo de reciclagem no limite entre a Rocinha e São Conrado. Quanto a equipamentos públicos, são propostos um centro comercial (Comercial Boiadeiro), um centro de cidadania, uma escola técnica FAETEC, uma unidade escolar voltada para o ensino médio e um centro de imagem e diagnóstico, além da reforma de 12 creches já existentes.

Pavão-Pavãozinho/Cantagalo

Mapa mostrando Pavão-Pavãozinho e Cantagalo. Fonte: SABREN.

Dados estatísticos:

Área (m²): 65.098 (IPP, 2018) População: 5.567 (IBGE, 2010)

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Número de Domicílios: 1.840 (IBGE, 2010)

Obras do PAC:

O projeto, iniciado em 09/12/2007, foi realizado em duas etapas, sendo a primeira concluída em 30/04/2015, custando 39,73 milhões de reais e a segunda paralisada por motivos técnicos, já tendo custado 35,99 milhões de reais. Apenas 40% das obras da segunda etapa foram executadas. (Ministério das Cidades, 2019). As principais obras realizadas foram, na primeira etapa: construção de 120 unidades habitacionais, destinadas a famílias que tiveram suas casas desapropriadas para as obras ou retiradas de áreas de risco; implantação de rede de esgotamento sanitário, rede de água potável, rede de drenagem pluvial e uma galeria de drenagem da Rua Sá Ferreira; pavimentação de becos, vielas e escadarias; construção de escadarias em áreas de difícil acesso e do Beco do Amor Perfeito, ligando a Rua Saint Roman à área do Casarão, para melhorar o acesso. A segunda etapa previa a construção de mais 104 unidades habitacionais, o alargamento de vias (R. Custódio de Mesquita e Av. Pavão e ligação da Av. Pavão à Rua Saint Roman); a recuperação da Estrada do Cantagalo; a construção de equipamentos comunitários (quadra poliesportiva e Largo do ); além de obras complementares de infraestrutura.

Babilônia/Chapéu Mangueira

Mapa mostrando Babilônia e Chapéu Mangueira. Fonte: http://trilhatranscarioca.com.br/unidades-de-conservacao/. Acesso em: 21/06/2019

Dados estatísticos:

Área (m²): 118.326 (IPP, 2018)

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População: 3.739 (IBGE, 2010) Número de Domicílios: 777 (IBGE, 2010)

Obras do PAC: O projeto, cujas obras começaram em 2011, foi realizado em uma única etapa, como parte do PAC2. (FERNANDES, 2011) As principais obras realizadas foram: construção de dois conjuntos habitacionais com 26 unidades habitacionais no total, destinadas a moradores de áreas de risco que tiveram suas casas removidas e receberam aluguel social até a finalização das obras; alargamento das vias de acesso para as comunidades, permitindo um melhor acesso para os veículos de serviço, como os tratores da Comlurb para a limpeza das ruas e vielas; reforma de largos e praças.

Resultados e Discussões

■ Rocinha

No gráfico abaixo pode-se perceber que, dentre as ONGs fundadas antes de 2007 (ano de início do PAC na Rocinha), predominam as ligadas à educação, capacitação e formação. Nessa categoria encontram-se as creches comunitárias, fundadas por moradores nas décadas de 1970 e 1980 em sua maioria. Também são numerosas as ONGs de origem externa à comunidade que atuam na educação de crianças e adolescentes. Verifica-se a presença, nesse período, de ONGs de caráter assistencialista. Dentre as iniciativas fundadas após o PAC (Figura 2), verifica-se o predomínio das mídias comunitárias, seguidas das relacionadas à arte e cultura. É importante ressaltar que as mídias comunitárias desempenham frequentemente um papel que vai além da circulação de informações úteis à comunidade e notícias. O Rocinha.ORG, por exemplo, realizou um programa que oferecia ingressos gratuitos para cinema e teatro aos moradores, facilitando o seu acesso a esses equipamentos culturais. Verifica-se, também, o surgimento de coletivos de cunho político no período que se sucedeu ao PAC. Identificamos 4 grupos de moradores com essa característica. O coletivo Rocinha Resiste, por exemplo, promove debates sobre questões latentes na Rocinha e promoveu mobilizações de resposta a crises emergenciais como as fortes chuvas de fevereiro e abril de 2019, que resultaram em deslizamentos e mortes no bairro, e, recentemente, a pandemia do Covid-19 e a ameaça que ele apresenta aos moradores de favelas.

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Predominam as ONGs e coletivos com atuação relacionada a atividades de educação, capacitação e formação. Dentre estas, pode-se destacar ONGs que oferecem aulas de reforço escolar e as creches comunitárias, lideradas por moradoras locais. Essas creches, muitas das quais fundadas nas décadas de 1970 e 1980, têm grande importância simbólica na Rocinha por significarem, para muitas mulheres, a possibilidade de trabalharem fora de casa, deixando seus filhos aos cuidados das creches. Muito numerosas também são as iniciativas ligadas à arte e cultura, assim como as mídias comunitárias (cada uma dessas categorias compõe 22% das iniciativas levantadas na pesquisa). A Rocinha apresenta um histórico de coletivos que promovem transformações através da arte e da cultura. Desde 1992, a companhia teatral Roça Caça Cultura é responsável pela realização da Via Sacra da Rocinha, espetáculo anual que é Patrimônio Cultural Imaterial do Rio de Janeiro. O Museu Sankofa Memória e História da Rocinha, fundado em 2008, já realizou exposições interativas em espaços públicos da e coletas de histórias dos moradores. Em 2017, inaugurou o site Memória Rocinha, em parceria com o Instituto Moreira Salles, com material digitalizado composto por parte do acervo do instituto e de informações coletadas pelos moradores. O grupo artístico Igreja do Reino da Arte, fundado em 2017 pelo artista plástico e morador da Rocinha Maxwell Alexandre, realiza exposições itinerantes pela cidade e incentiva a ingressão de moradores em carreiras artísticas, além de promover o contato de moradores da Rocinha com o meio artístico, que, segundo o artista, sempre foi de difícil acesso por pessoas de baixa renda. Maxwell Alexandre têm recebido grande destaque nacional e internacional, com exposições no Museu de Arte do Rio e no Museu de Arte Contemporânea de Lyon. Outro coletivo, o Movimento de Arte Favelada, fundado em 2018, promove encontros artísticos públicos no anfiteatro da Rocinha, com apresentações de poesia, música, teatro e audiovisual. A forte presença de mídias comunitárias também é característica da Rocinha. Um dos primeiros veículos de comunicação na comunidade foi o Jornal Tagarela, na década de 1980. A Rocinha tem sua própria operadora de TV a Cabo, a TV Roc, que dá a base técnica do canal comunitário de mesmo nome. A operadora foi fundada em 1997. A associação de

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Departamento de Arquitetura e Urbanismo mídia comunitária TV Tagarela, fundada por estudantes em 1998, já realizou mais de 30 curtas documentários, e realiza mostras de filmes em espaços públicos da Rocinha, definindo-se como “TV Comunitária de Rua”. Dentre os muitos jornais e mídias comunitárias, destaca-se o Fala Roça, fundado em 2012, com veiculação impressa e uma plataforma virtual, que funciona de maneira colaborativa. O Jornal Fala Rocinha tem participado ao combate contra o Covid-19 na favela por meio de campanhas de conscientização. Após a análise temática, foi realizada uma análise segundo gênero das lideranças das iniciativas levantadas, também com a observação de mudanças na configuração entre as fundadas antes e as fundadas após o início do PAC na Rocinha.

ONGs, Coletivos e Mídias Comunitárias na Rocinha

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Nota-se uma grande diferença na configuração temática das iniciativas lideradas por mulheres entre as fundadas antes e depois do PAC. Enquanto antes do PAC não haviam mídias comunitárias lideradas exclusivamente por mulheres, segundo o levantamento feito na pesquisa, estas são as mais numerosas entre as fundadas após o PAC. As que surgem depois do PAC dividem-se apenas entre mídias comunitárias e as ligadas à arte e cultura, enquanto as fundadas antes do PAC tinham temáticas mais diversificadas, com predomínio das ligadas à educação. Abaixo gráficos sobre liderança feminina.

ONGs, Coletivos e Mídias Comunitárias na Rocinha

No geral, verifica-se que as iniciativas lideradas por homens são mais numerosas na Rocinha, constituindo 40% das que foram levantadas nessa pesquisa. Tomando o início do PAC na Rocinha como marco temporal, verifica-se que a porcentagem de iniciativas lideradas por grupos mistos e horizontais aumentou em relação às iniciativas fundadas antes do PAC. A porcentagem das lideradas por mulheres, no entanto, é menor nas iniciativas pós-PAC. Em seguida, foi feita uma análise temática das iniciativas, divididas nas categorias de liderança acima. Abaixo gráficos sobre liderança masculina.

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ONGs, Coletivos e Mídias Comunitárias na Rocinha

Ao analisar as iniciativas que apresentam lideranças masculinas, verifica-se que abrangem temáticas variadas, mas com predomínio das artístico-culturais e ligadas ao esporte. Entre as fundadas após o PAC, predominam as artístico-culturais, seguidas das mídias comunitárias. Antes do PAC eram mais numerosas as ligadas ao esporte. Abaixo gráficos sobre liderança por grupos mistos.

ONGs, Coletivos e Mídias Comunitárias na Rocinha

Dentre as ONGs e coletivos liderados por grupos mistos, as categorias predominantes são os coletivos de ação política e as mídias comunitárias, sendo que os primeiros surgiram principalmente depois do PAC (antes do PAC predominavam as mídias comunitárias).

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Identificamos 4 grupos de moradores com essa característica. O coletivo Rocinha Resiste, por exemplo, promove debates sobre questões latentes na Rocinha e promoveu mobilizações de resposta a crises emergenciais como as fortes chuvas de fevereiro e abril de 2019, que resultaram em deslizamentos e mortes no bairro, e, recentemente, a pandemia do Covid-19 e a ameaça que ele apresenta aos moradores de favelas.

Participação comunitária e a percepção dos moradores

Desde o PAC Social, a participação comunitária e o ativismo político aumentaram na Rocinha, como podemos observar pela seção anterior. Dentre as principais preocupações dos moradores, encontra-se as remoções, o saneamento, e os riscos decorrentes de chuvas quando ocorrem deslizamentos e desabamentos. Outras preocupações são as de ordem sanitária e de saúde, principalmente em relação à tuberculose, surto recente de sarampo, e dengue. Nosso grupo de pesquisa começou a participar do coletivo Rocinha sem Fronteiras no segundo semestre de 2019. Este coletivo fundado em 2006 é bem ativo e reúne participantes de outros coletivos ou ONGs e lideranças comunitárias importantes, além de moradores bem antigos na Rocinha. Dentre os participantes encontram-se moradores de diferentes faixas etárias e escolaridade. Suas reuniões acontecem uma vez por mês, com uma pauta direcionada para algum assunto do momento, e a reunião é registrada em atas. Desde setembro de 2019, o coletivo tem como pauta de suas reuniões o projeto Comunidade Cidade, anunciado pelo governador do estado em agosto do mesmo ano, porém lançado oficialmente apenas em janeiro de 2020. Acompanhamos e participamos dessas reuniões até fevereiro de 2020. Nesses encontros, ficou evidente a desconfiança com que muitos moradores encaram o projeto, o qual foi caracterizado como “obscuro” devido à falta de acesso a informações concretas sobre ele, especialmente quanto às remoções anunciadas. Até a divulgação do caderno de apresentação em janeiro de 2020, não era possível o acesso ao projeto. Foram realizadas algumas apresentações em algumas localidades na Rocinha, mas não foram amplamente divulgadas e não eram abertas ao debate. Uma moradora expressou a sua preocupação com a seguinte fala: “O que se espera é um rolo compressor”. Ao criticar a falta de participação comunitária no projeto, muitos moradores compararam o Comunidade Cidade ao PAC-UAP, afirmando que no PAC “Bem ou mal tinha espaço para discutir” e que “Se no passado, quando tinha participação, já era difícil, imagina agora que não se consegue nem o projeto.” A questão que mais preocupou os moradores foi a previsão de remoção de 7400 famílias na Rocinha, e a falta de informações sobre quais seriam as casas demolidas e o que aconteceria com essas pessoas. Alguns moradores que não costumavam frequentar as reuniões do RsF apareceram assustados para saber mais informações. As principais dúvidas levantadas foram: quais seriam as famílias removidas, para onde seriam realocadas, como seria o processo de indenização e como acontece a indenização quando o morador é inquilino, e não proprietário do imóvel. Desde o final de janeiro de 2020, já se sabe que as 5.000 famílias removidas de áreas de risco não serão realocadas, receberão apenas uma indenização da benfeitoria do imóvel. Ainda não se sabe quais serão essas famílias. Alguns moradores também questionaram se essas famílias iriam pressionar o mercado imobiliário

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Departamento de Arquitetura e Urbanismo da Rocinha. É importante destacar, também, que a preocupação com a segurança das pessoas vivendo em áreas de risco foi levantada nas reuniões. O medo de que ocorram novas tragédias, como as relativas às chuvas de fevereiro e abril de 2019, ficou evidente nos debates. E também igualmente centro das preocupações dos moradores é a previsão de construção, de 18 edifícios de habitação de interesse social (HIS) de até 10 pavimentos, para realocar o segundo grupo, que equivale a 2400 famílias. Esses edifícios serão construídos em terrenos em diferentes localidades na Rocinha e nos seus limites com São Conrado e Gávea. Em 10 deles, haverá também comércio no térreo, somando um total de 341 unidades comerciais. O Residencial Emoções, localizado no limite entre a Rocinha e São Conrado, será o maior conjunto, com 344 unidades habitacionais, 13 unidades de loja e 95 vagas de estacionamento. Levantou-se a questão de que esses edifícios poderiam adensar a Rocinha de uma forma que ela não suporta. Também ficou evidente o receio dos altos custos de condomínio e manutenção nos novos prédios, considerando que estes exigiriam elevadores. Um dos participantes expressou sua preocupação com uma possível “remoção branca”, pois para a viabilização desses edifícios, seria necessário o aumento do gabarito permitido na Rocinha, o que contribuiria para uma especulação imobiliária e um processo de gentrificação. Esse receio fica evidente nas seguintes falas de moradores: “Vão tirar as pessoas que têm menos recursos e deixar as que têm mais” e “Daqui a pouco empresários compram 10 barracos e começam a construir prédios”. Por outro lado, ficou claro nas nossas entrevistas que os moradores querem melhorias para o bairro, principalmente saneamento. A falta de saneamento básico foi citada como o principal problema da Rocinha hoje, e foram feitas críticas a projetos anteriores que não realizaram estas obras. As críticas feitas ao Comunidade Cidade demonstram que os moradores não concordam as propostas. Como apontou um morador: “O que queremos não é que não tenha obras, e sim que estas estejam de acordo com o que a comunidade precisa.” Outra questão levantada foi: como fazer as melhorias necessárias com o mínimo de impacto. Além disso, alguns moradores veem o projeto com desconfiança por não acreditarem mais em promessas de gestores públicos. E por fim, questionou-se as intenções do Governo do Estado com esse projeto: “Parece que o governo quer usar a Rocinha como vitrine enquanto faz barbaridades em outras favelas.” Frente a todas essas questões, muitos moradores mostraram um anseio por ações concretas, como por exemplo: elaborar uma comissão para buscar na Lei de Transparência o projeto; retomar comissões de moradores; criar uma cartilha para divulgação do projeto aos moradores; apresentar contraproposta ao plano; e, reivindicar participação no projeto. A falta de acesso às informações sobre o projeto foram bastante discutidas, e a queixa sobre a participação de mais moradores nas reuniões do RsF, apesar de seu extenso trabalho de divulgação. Uma moradora, ao falar sobre a dificuldade de articulação entre os moradores, afirmou que: “A Rocinha tem várias bolhas e as bolhas não se misturam”. A partir de uma análise da atuação do coletivo RsF, concluímos que a atuação do coletivo RsF tem um caráter político, pois visa promover debates sobre os problemas da Rocinha, procurando incluir mais pessoas nas discussões, questionando projetos para a Rocinha e discutindo ações frente às situações. As reuniões são abertas, e membros de

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Departamento de Arquitetura e Urbanismo outros coletivos da Rocinha participam regularmente, demonstrando uma articulação entre esses grupos. Em abril de 2020, nosso grupo de pesquisa submeteu um artigo sobre esse tema para o VI ENANPARQ, a ser realizado em março de 2021. No artigo, com título “Participação Comunitária e Projeto Urbano em Favelas: A Realidade e a Percepção Dos Moradores na Favela da Rocinha, Rio de Janeiro”, abordamos o tema da percepção dos moradores da Rocinha frente ao projeto Comunidade Cidade e também apresentamos o resultado da pesquisa e análise das mudanças na dinâmica de participação comunitária após o PAC- Social.

■ Pavão-Pavãozinho-Cantagalo

ONGs, Coletivos e Mídias Comunitárias no Pavão-Pavãozinho-Cantagalo

De todas as ONGs, coletivos e mídias comunitárias levantadas pela pesquisa no complexo Pavão-Pavãozinho-Cantagalo, trinta por cento têm sua atuação ligada a arte e cultura. A ONG Afroreggae, cujo núcleo no local inaugurou em 1996, já promoveu diversas oficinas e projetos ligados a atividades artísticas e culturais, tendo originado diversos grupos artísticos, musicais, teatrais, de dança e de circo. Este último, o Afro Circo, originou-se e ensaia até hoje no espaço da ONG no Cantagalo. Ocasionalmente, são realizados eventos nesse espaço, como o “Favela Mulher: Feminismo, Cultura Negra e Favelada”, em 2017. Outra ONG de grande importância é o Museu de Favela (MUF), um ecomuseu fundado em 2007 que atua promove o turismo cultural, visitas guiadas com guias locais treinados pelo MUF, tanto para o circuito Casas Tela, pintadas pelo artista local Acme, que contam a história dos primeiros moradores, quanto para trilhas ecológicas. Mais recentemente, nota-se o surgimento de novos coletivos artístico-culturais, com destaque para o Ninho de Águias e o Teatre-se, ambos criados em 2013. O primeiro, fundado pelo artista visual e grafiteiro Acme, morador do Pavão-Pavãozinho, tem atuado em diferentes projetos, entre eles o de recuperação de uma praça na localidade do

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Caranguejo, no Pavão-Pavãozinho, e a fundação de uma biblioteca comunitária na mesma. O projeto de revitalização da praça foi pensado em conjunto com os moradores. Percebe-se a importância de ONGs tradicionais que promovem atividades culturais e capacitação, assim como de uma ONG fundada por moradores, que promove, além de atividades culturais, a valorização da memória local e do território. É interessante como os fatores acima citados se repetem, de maneira muito semelhante, na Rocinha. O Museu Sankofa, assim como o Museu de Favela, no Cantagalo, coleta relatos dos moradores para constituir um acervo da memória local, e realiza exposições em espaços públicos da favela. Recentemente, o artista Maxwell Alexandre, morador da Rocinha, fundou o coletivo artístico “Igreja Reino da Arte”, que promove exposições itinerantes e incentiva a iniciação de moradores em carreiras artísticas, além de promover o contato de moradores da Rocinha com o meio artístico, que, segundo o artista, sempre foi de difícil acesso por pessoas de baixa renda. Uma particularidade do Pavão-Pavãozinho-Cantagalo, em relação às outras favelas estudadas, é a forte presença de ONGs e coletivos ligados a empreendedorismo, os quais surgiram principalmente a partir de 2013. Em 1995, foi criada a cooperativa de costureiras Corte e Arte, fundada por 12 mulheres. Tem como objetivo capacitar mulheres desempregadas ou que querem ingressar no ramo da costura para obterem independência econômica. A partir de 2013, desenvolveu, em parceria com a Asplande e a cooperativa Arteiras (de mulheres do Borel), projetos de formação, articulação em rede e assessoria a mulheres empreendedoras, além do Prêmio Dandara, entregue a pessoas ou entidades que contribuem para a valorização e luta das mulheres (este apenas em parceria com a ONG Asplande). Em 2017, foi criado no Cantagalo o Favela Hub, polo de inovação social da ONG Viva Rio que funciona como incubadora de negócios e espaço de coworking. Em 2018, a própria ONG Viva Rio transferiu sua sede para o CIEP João Goulart, onde funciona o Favela Hub. No mesmo ano, foi criado o Canal da Convergência, incubado no local, uma plataforma em rede com o objetivo de potencializar empreendimentos de impacto, conectando-os entre si e a facilitadores e parceiros. Nota-se, nesse processo, uma recorrência da seguinte situação: coletivos independentes, fundados por moradores ou não, ganhando força e realizando projetos em parceria e com o apoio de ONGs mais estruturadas, como o Viva Rio, com o Favela Hub, e a Asplande, no caso da cooperativa Corte e Arte.

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ONGs, Coletivos e Mídias Comunitárias no Pavão-Pavãozinho-Cantagalo

No PPC (Pavão-Pavãozinho-Cantagalo), a proporção de lideranças femininas e masculinas nas ONGs e coletivos é quase a mesma, sendo que, entre as surgidas após o PAC, as lideradas por mulheres são maioria, antes do PAC eram minoria. Também se nota o surgimento das ONGs e coletivos lideradas por grupos mistos, que não existiam, entre os que levantamos na pesquisa, antes do PAC. Abaixo gráficos sobre liderança feminina.

ONGs, Coletivos e Mídias Comunitárias no Pavão-Pavãozinho-Cantagalo

Nas lideradas por mulheres, predominam as ligadas à arte e cultura. Após o PAC, estas compõem 50%, seguidas pelas ligadas a empreendedorismo. Antes do PAC, a distribuição temática era mais equilibrada, mas com predomínio das assistencialistas. Abaixo gráficos sobre liderança masculina.

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ONGs, Coletivos e Mídias Comunitárias no Pavão-Pavãozinho-Cantagalo

Nas de liderança masculina, predominam as ligadas ao esporte, especialmente entre as fundadas antes do PAC. Após o PAC, há uma distribuição equilibrada entre as categorias temáticas que definimos. Quanto às lideradas por grupos mistos, todas as quais foram fundadas após o PAC, a maior parte é da área de arte e cultura, seguidas pelas ligadas a empreendedorismo.

■ Babilônia-Chapéu-Mangueira

ONGs, Coletivos e Mídias Comunitárias na Babilônia-Chapéu-Mangueira

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Na Babilônia-Chapéu-Mangueira1, há uma especificidade expressa na forte atuação de iniciativas comunitárias ligadas ao meio ambiente. Essa temática começa a ganhar força no local com a atuação da CoopBabilônia, uma cooperativa de reflorestamento fundada por moradores em 1997 que já conseguiu parcerias com o Shopping Rio Sul e com a Prefeitura. Nos anos 2000, o turismo aumentou na Babilônia, que ganhou visibilidade na mídia com os filmes Tropa de Elite e Babilônia 2000 e recebeu a UPP em 2009. Outra iniciativa com temática ambiental é a Revolusolar, que tem como objetivo incentivar o uso de painéis solares em favelas, como fonte alternativa de energia. Na Babilônia, seus principais beneficiários são bares, restaurantes e hostels. Fica evidente, portanto, que o turismo desempenhou um papel no surgimento de iniciativas ligadas ao meio ambiente no local. Além disso, a articulação entre as iniciativas e funções e capacitação e educação pode se mostrar frutífera, como no caso da Escolinha da Tia Percília, ONG comunitária de atuação forte no local, faz também um trabalho de educação ambiental, iniciado por uma professora que também é socia- fundadora da Coop-Babilônia e guia de ecoturismo.

ONGs, Coletivos e Mídias Comunitárias na Babilônia-Chapéu-Mangueira

Na Babilônia-Chapéu-Mangueira, a maior parte das iniciativas levantadas é liderada por mulheres, seguidas pelos grupos mistos. Assim como no Pavão-Pavãozinho-Cantagalo, as lideradas por grupos mistos surgiram apenas após o PAC. Antes do PAC, 80% das iniciativas que levantamos era liderada por mulheres. Abaixo gráficos sobre liderança feminina.

1 Vale mencionar que, no caso dessa localidade, foi encontrado um número consideravelmente menor de iniciativas do que nas duas outras favelas estudadas, então grandes contrastes nos seus gráficos representam, muitas vezes, números absolutos próximos.

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ONGs, Coletivos e Mídias Comunitárias na Babilônia-Chapéu-Mangueira

Nas iniciativas com lideranças femininas, nota-se o surgimento de mais iniciativas assistencialistas após o PAC, enquanto antes predominavam as ligadas à educação. Abaixo gráficos sobre liderança masculina.

ONGs, Coletivos e Mídias Comunitárias na Babilônia-Chapéu-Mangueira

Nas iniciativas com lideranças masculinas, nota-se que todas fundadas após o PAC têm temáticas ambientais, sendo antes divididas entre iniciativas educacionais e artístico- culturais. Abaixo gráficos sobre lideranças por grupos mistos.

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ONGs, Coletivos e Mídias Comunitárias na Babilônia-Chapéu-Mangueira

Entre as iniciativas lideradas por grupos mistos, apenas uma foi fundada após o PAC e apresenta caráter político, enquanto antes predominavam as com temáticas ambientais.

Metodologia

Foi feita a coleta de dados primários sobre as ONGs e iniciativas comunitárias nas três favelas, através de pesquisas em sites das próprias iniciativas e suas redes sociais. Esses foram complementados por dados secundários, através de matérias em jornais (comunitários ou não) e teses e artigos sobre o tema. Em uma fase inicial da pesquisa, foram construídas tabelas no programa Access, incluindo, sempre que possível, os seguintes dados sobre as ONGs e iniciativas levantadas: nome; temática; quantidade de pessoas atendidas; público alvo; ano de fundação; endereço; responsável/ grupo coordenador; se fundada ou não por moradores; apoio/ patrocínio; tipo; se a atuação é interna ou externa à comunidade; se está em atividade ou desativada; além de um texto descrevendo sua atuação. Os dados coletados serão georreferenciados e inseridos no aplicativo Qgis.

Na fase atual da pesquisa, além da atualização das tabelas com novas iniciativas, foram incluídos dados sobre a composição das lideranças dessas iniciativas segundo gênero. Dessa forma, houve a classificação destas segundo três categorias: lideradas por mulheres, lideradas por homens e lideradas por grupos mistos.

Tomando como marco temporal o início do PAC-UAP em 2007, foram produzidos, para cada favela, gráficos revelando a composição das ONGs, coletivos e mídias comunitárias segundo diferentes categorias de análise: temática predominante e gênero das lideranças. Para cada categoria, foram produzidos três gráficos: um referente ao total de iniciativas, outro referente às iniciativas fundadas antes do PAC e um terceiro referente às fundadas após o PAC. Além disso, para cada categoria de lideranças segundo gênero (femininas, masculinas e grupos mistos), foi feita também a análise segundo as temáticas predominantes.

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De 09/2019 a 02/2020, o grupo de pesquisa acompanhou as reuniões do coletivo Rocinha sem Fronteiras (RsF), fundado em 2006. Suas reuniões acontecem uma vez por mês, com uma pauta direcionada para algum assunto do momento. Para cada reunião, fizemos o registro, transcrição e documentação das discussões do coletivo, construindo um material de grande importância para a nossa pesquisa.

Devido à pandemia do Covid-19, as atividades da pesquisa ficaram restritas ao meio virtual, o que impossibilitou novas reuniões do coletivo RsF, a realização de entrevistas com moradores e a realização do workshop que havíamos planejado para o primeiro semestre de 2020. Quanto à distribuição de tarefas entre as duas bolsistas, grande parte do trabalho foi feito em conjunto, mas houve divisões em alguns momentos. Na fase inicial, o levantamento das ONGs no Pavão-Pavãozinho-Cantagalo foi feito pela bolsista Tatiana Veloso, enquanto na Babilônia-Chapéu Mangueira foi pela bolsista Pamella Lopes. O levantamento na Rocinha foi feito em conjunto, assim como a produção dos gráficos e análise dos resultados. A participação nas reuniões do coletivo Rocinha Sem Fronteiras envolveu todo o grupo de pesquisa, assim como o registro e transcrição das discussões e análise do material. Na fase mais recente da pesquisa, em que voltamos nosso foco para a pandemia, seus impactos e as redes solidárias de ação social, a pesquisa das iniciativas foi feito em conjunto no geral, sendo que a bolsista Thalia Almeida teve maior participação na elaboração dos gráficos e a bolsista Tatiana Veloso atuou mais no levantamento de informações nas redes sociais. Quanto à análise dos resultados e conclusões, a bolsista Thalia Almeida atuou mais no levantamento bibliográfico, levantamento de dados e análise dos impactos da pandemia nas favelas, enquanto a bolsista Tatiana Veloso atuou mais na análise das redes solidárias de ação social nas favelas. Importante ressaltar que, apesar de existirem momentos em que cada bolsista foca mais em determinada atividade, todas as etapas tiveram a participação de ambas as bolsistas.

Pandemia do Covid-19 e impactos na Rocinha

Com a chegada do novo Corona-vírus na vida dos moradores de favelas, o seu dia a dia tornou-se cada vez difícil, visto a situação de vulnerabilidade que já enfrentavam antes da pandemia. Os impactos se refletem em questões econômicas, educacionais, higiênicas e serviços de saúde pública. Com o objetivo de minimizar os reflexos do covid-19, a Rocinha conta com a ajuda de ações sociais que muitas vezes são organizadas pelos próprios moradores.

Economicamente, segundo um novo estudo do instituto de pesquisa Data Favela, uma parceria entre a Central Única das Favelas (CUFA) e o Instituto Locomotiva, quatro em cada cinco famílias de favelas, cerca de 80%, em todo o país vivem com menos da metade da renda que recebiam antes da pandemia (Data Favela, 2020). Muitos dos poucos moradores que ainda conseguiram manter seu emprego acabam tendo que enfrentam o medo de sair para as ruas, visto que acabam encarando um risco para a saúde em busca da sua única fonte de renda. Uma pesquisa realizada pelo Data Favela afirma que 47% dos moradores das favelas são autônomos e apenas 19% possuem carteira assinada, sendo que a pandemia já causou a diminuição de renda em pelo menos 7 em cada 10 famílias. A

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Departamento de Arquitetura e Urbanismo pesquisa também aponta que se essas famílias perderem a renda, 72% não conseguiram manter o mesmo padrão de vida por algum tempo (Data Favela, 2020).

Outro ponto enfrentado é a questão educacional. Com o fechamento das escolas nem todos conseguem ter acesso a um ensino online e isso é mais agravado nas favelas. A educação pública já sofre com problemas cotidianos: falta de professores, material, estrutura mínima etc. A pandemia nesse caso só agravou ainda mais a situação dos estudantes. A possibilidade de aulas online não é uma opção para todos os alunos, visto que muitos não têm acesso a um computador, internet e um ambiente adequado de aprendizagem.

Em busca de mitigar os reflexos da pandemia, muitas ONGs e redes solidárias de ação social vindas da própria favelas buscam ajudar os moradores por meio de distribuições de cestas básicas, produtos de higiene, máscaras e campanhas de conscientização sobre a área médica. Alguns projetos foram criados depois do início da pandemia, como por exemplo a Morro pela Arte Viva e a Favela Ação que trabalham com a coleta de alimentos, água, kits de higiene e material de limpeza. Muitos outros projetos que já existiam na Rocinha abraçaram a causa e buscaram ajudar os moradores com o necessário para o dia a dia. A exemplo, temos a ONGs Rocinha Resiste, fundada em 2018, que hoje trabalha com campanhas de conscientização, coletas de alimentos e itens básicos de higiene e limpeza para os moradores. Nas redes sociais foram criadas hashtag para levantar informações, dados e opiniões para ajudar a população, como #COVISD19NasFavelas e #CoronaNasPeriferias. Objetivo é levar o máximo de informação sobre medidas de prevenção contra o Corona vírus para os moradores.

Conclusões

Foi possível perceber que, apesar de o PAC Social ter tido um formato institucionalizado e “engessado” da participação comunitária, este mecanismo incentivou um aumento do ativismo político e o aparecimento de novas ONGs e coletivos com uma ação política mais efetiva. O caráter político dos coletivos foi mais observado na Rocinha. A partir do acompanhamento do coletivo RsF e da análise das temáticas tratadas por outros coletivos, ficou evidente que alguns temas têm maior poder de mobilização e de ação política na comunidade. O medo das remoções é talvez o maior catalisador de ações. Sendo assim, a realidade do cotidiano de risco e vulnerabilidade dos moradores alimenta a participação, e na percepção geral e que pauta os anseios dos moradores é a segurança de ter seu lugar de moradia preservado e condições de habitabilidade e infraestrutura adequadas. As constantes ameaças de remoções e riscos a que estão expostos a população, pautam a participação comunitária na Rocinha. Desta forma, mesmo com as limitações decorrentes do formato de participação proposto pelo PAC Social, verifica-se um aumento da confiança nas instituições e um início de urbanismo participativo, no qual a tomada de decisões não se dá de cima para baixo, e onde inicia-se o diálogo necessário e saudável entre técnicos, gestores públicos e moradores. Quanto às lideranças de ONGs, coletivos e mídias comunitárias nas três favelas abordadas pelo trabalho, observam-se grandes diferenças. Na Rocinha, as lideranças

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Departamento de Arquitetura e Urbanismo masculinas são as mais numerosas, mas observa-se um aumento da participação de iniciativas lideradas por grupos mistos horizontais após o PAC-Social. No Pavão- Pavãozinho-Cantagalo, essa parcela aumenta após o PAC, assim como a de grupos mistos. Na Babilônia-Chapéu-Mangueira, as iniciativas lideradas por mulheres são as mais numerosas, chegando a compor 80% das fundadas após o PAC. As lideranças por grupos mistos também têm um papel forte, e as lideranças masculinas são a minoria. As temáticas predominantes variam muito de acordo com as especificidades do local. Na Rocinha predominam as iniciativas ligadas à educação, formação e capacitação, seguidas das ligadas à arte e cultura e das mídias comunitárias. Observa-se a presença de ONGs ou grupos antigos e amplamente reconhecidos – Roça Caça Cultura na Rocinha e Afroreggae no Cantagalo, ambos fundados na década de 1990 – seguidos pela fundação de museus comunitários logo após o início do PAC-Social – Museu Sankofa na Rocinha, em 2008 e Museu de Favela no Cantagalo, em 2007 – e, mais recentemente, iniciativas fundadas por artistas de grande reconhecimento, nascidos e moradores do local – Igreja Reino da Arte, ou A Noiva na Rocinha e Ninho das Águias no Pavão-Pavãozinho. No Pavão-Pavãozinho-Cantagalo, destaca-se a atuação de iniciativas ligadas ao empreendedorismo, um tema pouco encontrado nas outras favelas estudadas. Em 1995 foi fundada a cooperativa Corte e Arte, composta por mulheres costureiras, mas o tema ganhou força, principalmente, na década de 2010, com a realização de projetos pela própria cooperativa em articulação com outras cooperativas e ONGs externas e com a implementação do Favela Hub, um polo de inovação social e incubadora de pequenos negócios criada pela ONG Viva Rio, que, em seguida, realocou sua sede para o Cantagalo. Uma das iniciativas incubadas no Favela Hub é o Canal de Convergência, uma plataforma em rede com o objetivo de potencializar empreendimentos de impacto, conectando-os entre si e a facilitadores e parceiros. Nota-se, nesse processo, uma recorrência da seguinte situação: coletivos independentes, fundados por moradores ou não, ganhando força e realizando projetos em parceria e com o apoio de ONGs mais estruturadas, como o Viva Rio, com o Favela Hub, e a Asplande, no caso da cooperativa Corte e Arte. Já na Babilônia-Chapéu-Mangueira, nota-se o papel do turismo no surgimento de iniciativas ligadas ao meio ambiente no local. Além disso, a articulação entre as iniciativas e funções e capacitação e educação pode se mostrar frutíferas, como no caso da Escolinha da Tia Percília, ONG comunitária de atuação forte no local, faz também um trabalho de educação ambiental, iniciado por uma professora que também é socia-fundadora da Coop- Babilônia e guia de ecoturismo.

Com relação ao impacto da pandemia do Covid-19, a situação de muitos moradores que já se encontravam em vulnerabilidade se agravou ainda mais. As favelas que já sofriam com problemas de moradia, saneamento básico e segurança, acabam por enfrentar novos problemas: dificuldade de acesso à renda básica (auxílio emergencial), desinformação sobre o vírus e falta de testes no Sistema Público de Saúde que acaba por mascarar o real número de óbitos causados pelo Covid-19. O que é possível constar é que ações de redes solidárias têm ajudado a minimizar os impactos da pandemia na vida da população que mora em favelas. Grande parte dessas ações surgiu a partir dos próprios moradores, o que é um

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Departamento de Arquitetura e Urbanismo caráter positivo herdado do PAC Social a partir desse engajamento político e social por meio das ONGs que aumentaram em número.

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