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LIGAÇÕES PERIGOSAS – NOTAS SOBRE A FORMA ESPACIAL E O CONTEÚDO SOCIAL NA ANÁLISE DAS TAXAS DE CONTAMINAÇÃO DE COVID-19 EM BAIRROS DA CIDADE DO

P. M. Maya-Monteiro, F. U. Marino, W. B. Rufino

RESUMO

Este trabalho investiga os vínculos entre a propagação da COVID-19 e a forma urbana e o conteúdo social dos bairros cariocas. Uma breve análise espacial de bairros que apresentam números distintos de casos expõe que dados como densidade urbana, renda e escolaridade não permitem, até o momento, que se infira de maneira direta quais seriam as taxas de propagação do vírus. Identificamos assim outros fatores que parecem induzir alguns bairros a maiores taxas de contaminação do que outros, o que se faz notável quando se avalia bairros com características sociodemográficas similares. Como resultado, este trabalho problematiza e expõe contradições acerca da relação entre espaço construído e avanço epidêmico na cidade do Rio de Janeiro, a partir da análise do seu espaço urbano e de outras variáveis.

1 INTRODUÇÃO

Este trabalho realiza uma investigação sobre a propagação da COVID-19 no município do Rio de Janeiro nos três primeiros meses da pandemia decretada pela Organização Mundial de Saúde em 11 de março de 2020, problematizando a associação entre espaço e contágio no contexto de sete bairros da cidade do Rio de Janeiro.

Note-se que, ao fim de maio, o Estado do Rio de Janeiro apresentava cerca de um décimo dos casos no país, 53.388 dos 524.849 casos (MS, 2019) e um dos piores índices de óbitos no Brasil, de 31,0 / 100 mil hab.; e que a capital fluminense, uma das cidades mais atingidas do Brasil, concentrava 60% dos casos do estado. Uma situação que hoje se mantém, com o Estado na segunda posição no ranking, com 96,1 óbitos a cada 100 mil habitantes.

Inicialmente, houve uma associação entre as grandes metrópoles e maior incidência de casos de covid- 19, ou seja, o que dava a inferir que devia haver uma priorização da dispersão urbana como solução para a pandemia. O vírus não apenas surgiu em uma grande metrópole chinesa, mas também se expandiu pelas conexões globais das metrópoles mundiais, receptoras dos primeiros casos, e com impressionantes números absolutos de contágio. Sabe-se que altíssimas densidades urbanas efetivamente podem acarretar problemas epidemiológicos, sendo que esta foi uma das observações que no século XIX gerou as primeiras reformas urbanas sanitaristas. Porém, o saneamento urbano não está entre as desvantagens das maiores densidades, a diminuição dos custos aponta o contrário (ACIOLY; DAVIDSON, 1998).

O esforço empreendido até o momento visa problematizar a relação entre densidade, forma urbana e grau de contaminação. Nossa breve análise dos dados epidemiológicos disponíveis examina as correlações entre estas dimensões no primeiro trimestre pandêmico. Para isso, também identificamos fatores que preponderam na contenção e na disseminação do contágio.

Note-se que trabalho está focado no período inicial da pandemia no Brasil; aqui nos atemos a esboçar uma metodologia de enfoque deste recorte temporal, reconstituir o cenário que aí se descortinavam, e

apresentar as análises então empreendidas, para depois contrastá-las com o presente, em uma leitura conjuntural mais ampla dos rumos da pandemia e sua relação com a leitura urbana proposta.

2 METODOLOGIA

O método de análise espacial empregado neste artigo é o analítico-dedutivo, e os dados sociodemográficos e também eleitorais são correlacionados aos números de casos da COVID-19 através de correlação de Pearson. Utiliza-se também como metodologia uma abordagem qualitativa acerca da leitura do ambiente construído, da morfologia urbana dos bairros e dos usos e apropriações dos espaços públicos durante a pandemia.

Verificamos como determinados fatores limitam o contágio, como as medidas tomadas no início da pandemia e a adesão à quarentena. Para identificá-los no recorte espacial, efetuamos abordagens qualitativas sobre o ambiente construído e também sobre as vivências no cotidiano dos espaços públicos antes e durante a pandemia. A isto, agregamos os dados quantitativos das últimas eleições locais e nacionais nestes lugares, como indicadores da adesão da população aos discursos do Poder Executivo, que pregam o rompimento do isolamento social em prol da manutenção das atividades econômicas.

CENÁRIO GLOBAL E LOCAL NO RECORTE TEMPORAL

O cenário de março a maio de 2020 é de incertezas, duvidas e expectavas diversas, e momento de inúmeras predições epidemiológicas e prognósticos médicos quanto aos sintomas e impactos da doença, quanto à sua velocidade de propagação e taxas de mortalidade. Para o poder público, é o momento de escolhas, e as decorrentes tomadas de decisão que impactariam nas vidas, e nos recursos públicos.

A pandemia de coronavírus se origina na cidade chinesa de Wuhan, uma grande metrópole chinesa de 11 milhões de habitantes1. Segundo a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), sua região metropolitana abrange 19 milhões de habitantes, com uma densidade urbana de aproximadamente 79 habitantes por hectare2, o que a performa como altamente densa. Em comparação, Madri na Espanha apresenta 62 habitantes por hectare, enquanto São Paulo apresenta 93 habitantes por hectare.

Wuhan é um importante hub de transportes da região metropolitana, e assim, no começo da pandemia, vários estereótipos urbanos e sociais foram apresentados nas referencias àquela cidade - reforçando um imaginário ocidental repleto de inferências e preconcepções sobre a cultura e os hábitos sanitários do país superpopuloso; isto por si só explicaria as condições para a intensidade e velocidade das mortes nos primeiros meses. Até fevereiro, este discurso predomina, e se estende à toda Ásia. Mas este argumento, na verdade, se esvanece em poucos meses, com a gestão pública e a disciplina reduzindo drasticamente os níveis de contaminação e a mortalidade do vírus na maior parte dos países asiáticos. Esse quadro é drasticamente diferente no Ocidente.

Em Nova Iorque, cidade cosmopolita e densa que concentra pouco mais de 8 milhões de habitantes, o argumento da densidade também pareceu renascer. Nos primeiros meses da pandemia, os problemas de saúde pública naquela cidade transformaram Nova York no foco americano da doença. Rapidamente jornais locais começaram a investigar as relações entre as altas densidades urbanas e a propagação do vírus. O conselho de planejamento habitacional de Nova York publicou um relatório,

1 Informações obtidas em http://english.wh.gov.cn/WO_1/NaG_1/. Acesso em 02 de Set. 2020. 2 Informações obtidas em http://atlasofurbanexpansion.org/cities/view/Wuhan_Hubei. Acesso em 16 de Ago 2020.

em maio de 2020, identificando as falácias na correlação entre densidade e contágio do vírus, num extenso relatório que compara cidades similares com taxas de contágio bastante diferentes3.

Assim, a um primeiro momento as maiores densidades urbanas parecem ser um fator diretamente proporcional à velocidade do contágio social. Porém, logo vários estudos verificaram que não há correlação direta, nem para o caso chinês4 quanto para o caso americano.

No Brasil, pelas condições fisiogeográficas, a direção do contágio inicial é mais do que evidente: as viagens internacionais, predominantemente aéreas, trariam o vírus. Portanto, os primeiros contaminados pertencem às classes de renda mais alta, mais expostas a contatos e viagens internacionais. Soma-se a isto a ausência de controle efetivo nos desembarques, fator determinante para a entrada efetiva do vírus, especialmente após a crise européia iniciada na Itália, quando fica evidente a relevância do isolamento social. Além disto, descobriu-se que as cepas iniciais do vírus que passam a circular no Brasil eram oriundas tanto da Itália quanto da Alemanha e dos Estados Unidos5.

Porém, em um país onde a desigualdade social e de acesso a bens e serviços é enorme, o contágio dos demais é quase imediato. A partir desse ponto, as relações sociais e urbanas no Brasil tornam-se expostas pela pandemia. Emblemático, uma das a primeiras vítimas do coronavírus registrada no Estado do Rio de Janeiro é de uma empregada doméstica6. Moradora do município de Miguel Pereira, em idade para estar aposentada (idosa) e com comorbidades (hipertensa e diabética) contraiu o vírus em bairro de alta renda, no Alto , após contato com patroa vinda de viagem recente da Itália. Apesar das recomendações das autoridades sanitárias do Estado do Rio de Janeiro em relação ao isolamento social, a contaminação se deu pela continuidade na prestação do serviço, o que abriu um grande debate sobre o modus operandi da sociedade e suas relações com as cidades brasileiras.

Como bem expressa Boaventura de Souza Santos, em livro em março de 2020, que trata da pedagogia do vírus, a pandemia evidencia que as conjunturas sociais e políticas em que se instala.

ANÁLISE URBANA

O município do Rio de Janeiro possui cerca de 6,4 milhões de habitantes, segundo pesquisa do IBGE. O território do município é dividido em 4 Áreas de Planejamento, 33 Regiões Administrativas e em 162 Bairros. Destes bairros, sugere-se neste artigo a análise de sete bairros distintos, distribuídos em três Áreas de Planejamento (AP2, AP4 e AP5) e situados em três zonas da cidade (Norte, Zona Sul e Oeste), a saber: Barra da , , Campo Grande, Copacabana, , e Tijuca. A escolha especifica destes bairros se deveu à situação singular de cada um destes na cidade, e principalmente no mapa epidemiológico do primeiro trimestre, não apenas pelo número de casos, mas pelas correlações que pretendíamos traçar. Aqui inserimos breves, porém relevantes descrições para este estudo.

Barra da Tijuca

A é um bairro de áreas planas à beira mar, com um sistema lagunar de grandes dimensões, em sua maior parte ocupado apenas a partir dos anos 70 pelo Plano de Lucio Costa, e se originando dos preceitos do Movimento Moderno, com amplos espaços e edificações dispersas, ao modo dos subúrbios americanos. Vem a ser dominado por grandes estruturas fundiárias que resultam

3 Relatório do Citizens Housing Planning Council, publicado no mês de maio de 2020, disponível em https://chpcny.org/density-and-covid-19/. Acesso em 6 de julho de 2020. 4 Informação obtida no site do banco mundial, disponível em https://blogs.worldbank.org/sustainablecities/urban-density- not-enemy-coronavirus-fight-evidence-china. Acesso em 06 de julho de 2020. 5 Informações obtidas na reportagem https://canaltech.com.br/saude/pesquisadores-encontram-tres-cepas-principais-do- coronavirus-no-br-166701/. Acesso em 24 de junho de 2020. 6 Informações obtidas na reportagem https://noticias.uol.com.br/saude/ultimas-noticias/redacao/2020/03/19/primeira- vitima-do-rj-era-domestica-e-pegou-coronavirus-da-patroa.htm. Acesso em 24 de junho de 2020.

na sua ocupação por condomínios horizontais e verticais de baixa densidade, e centros comerciais de grande porte (shoppings centers) e condomínios de comércio e serviços. Localizado na AP4, na Zona Oeste do município do Rio de Janeiro, o bairro compõe a Região Administrativa de mesmo nome. O censo do IBGE de 2010 revelou que a Barra da Tijuca, à época, era o bairro de maior incremento populacional do Rio de Janeiro, tendência que hoje se espraiou por bairros contíguos devido ao processo de especulação imobiliária em curso. Possui área territorial (2018) de 4.815,06 ha, um total de 51.167 domicílios (IBGE, 2010), população 300.823 (IBGE, 2010) e densidade demográfica no valor de 38 hab/ha. Ainda hoje, menos da metade da área territorial do bairro, 43%, não é urbanizada. Segundo o sítio eletrônico WikiRio (2020), o bairro é classificado com índice de Desenvolvimento Humano (IDH) no valor de 0,959, e ocupa a 6ª posição no Índice de Desenvolvimento Social – 0,795.

Botafogo

Um dos bairros da primeira expansão da área central da cidade, cresce como área de chácaras da nobreza e burguesia do século XIX, contando com os primeiros serviços de infraestrutura urbana da cidade, e na direção de acesso aos bairros em que vão se instalar as classes de maior renda, a Zona Sul da cidade. Faz parte de uma zona ampliada do Centro da cidade, concentrando fluxos de acesso cotidiano de trabalhadores em comércio e serviços, e uma rede de equipamentos de saúde públicos e privados relevante. Vem sofrendo desde as últimas décadas do século XX um processo de verticalização e adensamento intensos. Soma-se a isto a sua fisiogeografia e posição na cidade como bairro de passagem, e o bairro sofre de tráfego lento e engarrafado. Localizado na Região Administrativa de mesmo nome, conta com uma população total de 82.890 habitantes. Botafogo ocupa uma faixa estreita, de cerca de 5 km², entre morros, a Baía de Guanabara e o bairro do Humaitá, junto à Lagoa Rodrigo de Freitas. Com cerca de 78% da sua área territorial (479,90 ha) urbanizada, o bairro possui densidade populacional de 203 hab/ha e cerca de 35.254 domicílios. De acordo com o Data Rio, o Índice de Desenvolvimento Humano do bairro é de 0,952, considerado alto, e índice de Desenvolvimento Social de 0,743, ocupando a 16ª posição no município.

Campo Grande

É um dos bairros mais antigos da cidade, de origem rural, foi território-suporte do plantio de cana-de- açúcar e criação de gado no século XVIII, e da citricultura e no início do século XX. Passou gradativamente a ser ocupado após a construção de linha férrea. Campo Grande trata-se atualmente de um território em que se verifica uma importante dinâmica econômica, caracterizando-o como uma centralidade com expressivo volume de atividades dos setores secundário e terciário, operando intensas trocas com os demais bairros do município do Rio de Janeiro e com os demais municípios de sua região metropolitana. O bairro de Campo Grande, na Região Administrativa de mesmo nome, está localizado na Zona Oeste do município, na Área de Planejamento 5, e é considerado o bairro mais populoso do país; nele residem 328.370 habitantes (IBGE, 2010). Possui uma área total de 10.444,51 ha, dos quais 48% são urbanizados. Conta com um número total de 105.193 domicílios e possui uma densidade de 42 hab/ha. Os principais acessos ao bairro e suas conexões se dão pela Avenida Brasil (via expressa) e pelo Ramal Santa Cruz da Supervia-Concessionária de Transportes Ferroviários S/A. O transporte público de passageiros também ocorre em grande volume através de modais veiculares, contando com os serviços do Terminal Rodoviário de Campo Grande e com seis estações do sistema BRT-Rio (Bus Rapid Transit).

Copacabana

Copacabana, bairro a beira mar, de altas densidades construída e populacional, foi inicialmente apartado das áreas da ocupação inicial da cidade por morros, passa a ser ocupado como bairro

balneário a partir de fins do século XIX, com a abertura do primeiro túnel de conexão a Botafogo, sucedido anos 20 por outro. Representou um primeiro momento no país de descoberta do mar das classes mais abastadas, e se tornou bairro conhecido internacionalmente, de visitantes famosos especialmente nos anos cinquenta, Desconfigurado por sucessivas ondas de verticalização e adensamento construtivo, o bairro perdeu a quase totalidade de seus palacetes. É majoritariamente residencial, mas abriga dezenas de estabelecimentos comerciais como bares e restaurantes, além de hotéis, serviços e lojas diversas, e hoje concentra o maior número de idosos por metro quadrado da cidade. Possui 4,1 Km² de área entre a orla Atlântica e os morros que cercam o bairro. Na Zona Sul da cidade, integrando a Região Administrativa de mesmo nome, o bairro possui uma população de cerca de 146.392 habitantes, densidade populacional de 438 hab/ha e 66. 250 domicílios em uma área territorial de 410,09 ha, sendo que 67% dessa área é urbana. A densidade populacional do bairro é considerada uma das mais altas em todo o mundo, possuindo cerca de 35.858 habitantes por quilômetro quadrado em 2000. Copacabana é bairro de classe média e classe média alta, e apresenta alto índice de desenvolvimento humano (IDH) – 0,956, além de elevador índice de desenvolvimento humano – 0,753, ocupando a 14ª posição de IDS no município.

Laranjeiras

Vale ocupado por classe de maior renda desde o século XVII, ao longo do Rio Carioca, concentrou edificações relevantes da cidade. Dois dos antigos palacetes hoje abrigam a sede do Governo do Estado e a residência oficial do Governador. Integra a Região Administrativa de Botafogo, na Zona Sul. É considerado um bairro de classe média alta, com IDH alto, 0,957, e IDS de 0,779, ocupando a 10ª posição entre todos os bairros da cidade. Com cerca de 63% da área territorial urbanizada, Laranjeiras possui 18.865 domicílios e a terceira maior densidade populacional da zona sul, com cerca de 243 hab/ha. Com dois túneis que integram relevantes vias expressas entre as Zonas Norte e Sul da cidade, sofre com o trânsito de passagem.

Rocinha

Localizada entre os bairros da Gávea e São Conrado, de alto IDH, a Rocinha é uma das maiores do país. É também o bairro com a maior densidade demográfica da cidade do Rio de Janeiro, com 1.524 habitantes por hectare. O bairro, na Zona Sul do município, corresponde à Região Administrativa de mesmo nome, e segundo o Censo 2010 e o Data Rio, possuía então 69.161 habitantes. Pelo Censo das , realizado pelo governo do Estado do Rio de Janeiro, são mais de 100 mil habitantes na Rocinha, o que eleva ainda mais a densidade populacional do bairro. O bairro ocupa a 151ª posição no ranking de desenvolvimento social – 0, 458, como também um dos mais baixos Índice de Desenvolvimento Humano – 0,732, sendo classificado como médio IDH. Ocupado incialmente na primeira metade do século XX, nas décadas de 1960 e 1970 sofre grande expansão e crescimento populacional da comunidade, relacionada a maior oferta de empregos na região. Com cerca de 143,72 ha área territorial, 59% desse total é urbanizada e conta com mais de 23.399 domicílios. Bairro de fácil acesso aos seus limites, mas de topografia que dificulta os percursos internos de pedestres e veículos, desde 2016 tem estação de metrô junto ao seu acesso principal.

Tijuca

Tijuca é um dos bairros mais antigos da cidade, ocupado no século XVII por fazendas de cana-de açúcar dos jesuítas, e posteriormente subdivida em chácaras. Como zona de expansão do Centro, foi ao longo do século XX, sendo gradativamente adensado e verticalizado. É o quinto bairro mais populoso da cidade. Concentra cerca de 167.853 mil habitantes e apresenta densidade demográfica de 16.880 por quilômetro quadrado. O bairro está localizado na Zona Norte do município e faz parte da

Região Administrativa de mesmo nome. Possui 62.544 domicílios, que se estendem por uma área territorial de cerca de 1.006,56 ha, a qual 63% é urbanizada. Considerado um bairro de classe média-baixa, o bairro é classificado como tendo um alto Índice de Desenvolvimento Humano – 0,926; ocupa a 18ª posição no índice geral de desenvolvimento social do município com um índice de – 0,729; e possui mais de 10% da população em favelas. Com elevada densidade populacional, 277 hab/ha, é também um bairro de passagem, e conta com três estações de metrô, intenso tráfego de veículos e inúmeras linhas de ónibus.

Mais do que tudo, a escolha denota alguns aspectos identificados que os correlacionam diretamente: • Barra da Tijuca e Campo Grande, na Zona Oeste, têm baixíssimas densidades e grande número de casos. E isto se dá apesar das diferenças extremas na forma e conteúdo - Campo Grande tem 50% de população em favelas, e a Barra, 6%, segundo a Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro (2010), o que revela profundas distinções de renda, acesso a serviços e equipamentos públicos. Note-se também que os dois bairros comportam-se de maneira semelhante na última eleição para presidente da república: 74% dos eleitores da Barra da Tijuca e 75% dos eleitores de Campo Grande votaram no atual presidente. • Botafogo e Laranjeiras, bairros contíguos localizados na zona sul da cidade, de dimensões distintas, mas com grande parte das condições urbanas e sociais bem similares, apresentaram percentuais diversos. • Tijuca e Botafogo têm centralidades de fluxos e atividades de comércio e serviços similares relevantes suas regiões administrativas, e já se observa uma tendência de aproximação que se confirmará nos meses subsequentes a esta análise. O dado eleitoral é bem próximo- 58% dos eleitores da Tijuca votaram no presidente, enquanto foram 55% em Botafogo. • Copacabana e Rocinha, bairros bem distintos, têm densidades elevadas, emblemáticas para qualquer estudo sobre densidade urbana, e já iniciavam então tendências bem diversas de contágio. • Além disto, nos dois bairros de menor IDS, Campo Grande e Rocinha, as condições de contagio, densidade e situação urbana eram bem diversas.

CORRELAÇÃO DE DADOS

Traçamos correlações de dados para investigar como dimensões distintas da cidade impactariam nas dinâmicas de propagação do vírus. Aplicamos, para duas datas distintas nos meses de abril e maio, a correlação de Pearson, e dados da Prefeitura da cidade do Rio de Janeiro, majoritariamente oriundo do censo de 2010. Esse intervalo de 1 mês nos permitiu vislumbrar algumas tendências, ainda que bastante preliminares, no entendimento do quadro pandêmico carioca.

A correlação de Pearson estabelece um valor entre -1 (correlação negativa total) até 1 (correlação positiva total). Quando se observam números próximos de zero, não há correlação. Para elucidação, veja o quadro abaixo:

Fig. 1 Quadro conceitual da correlação de Pearson

Tabela 1 Correlação entre a densidade bruta dos bairros e a quantidade de casos confirmados em 26 de abril de 2020

Densidade Bruta Casos/100 mil hab BAIRROS (hab/ ha ) (26/04/2020) Barra da 28,23 180 Tijuca Botafogo 172,72 155

Campo 31,44 43 Grande Copacabana 356,98 158

Laranjeiras 182,69 105,37

Rocinha 482,58 78

Tijuca 162,74 103

r= -0,067

Tabela 2 Correlação entre a densidade bruta dos bairros e a quantidade de casos confirmados em 26 de maio de 2020

Densidade Bruta Casos/100 mil hab BAIRROS (hab/ ha ) (26/05/2020) Barra da 28,23 604 Tijuca Botafogo 172,72 605

Campo 31,44 277 Grande Copacabana 356,98 693

Laranjeiras 182,69 515

Rocinha 482,58 219

Tijuca 162,74 451

r= -0,1725

Esta análise quantitativa dos bairros não permite dizer que há qualquer correlação entre densidade e numero de casos, nos dois recortes temporais analisados. Em relação ao Índice de Desenvolvimento Social (IDS), observou-se que:

Tabela 3 Correlação entre o Índice de Desenvolvimento Social (IDS) e a quantidade de casos confirmados em 26 de abril de 2020

Casos/100 mil hab BAIRROS IDS (26/04/2020) Barra da Tijuca 0,77 180 Botafogo 0,733 155 Campo Grande 0,572 43 Copacabana 0,731 158 Laranjeiras 0,75 105,37 Rocinha 0,533 78 Tijuca 0,706 103 r= 0,813

Tabela 4 Correlação entre o Índice de Desenvolvimento Social (IDS) e a quantidade de casos confirmados em 02 de maio de 2020

Casos/100 mil hab BAIRROS IDS (26/05/2020) Barra da Tijuca 0,77 604 Botafogo 0,733 605 Campo Grande 0,572 277 Copacabana 0,731 693 Laranjeiras 0,75 515 Rocinha 0,533 219 Tijuca 0,706 451 r= 0,9154

Há uma forte correlação positiva entre o IDS e o número de casos, e neste intervalo de um mês isso se fortalece. Como a correlação é positiva, isso mostra que quanto maior o IDS, maior o número de casos. Dessa forma podemos inferir que: A amostra é muito pequena, e não abrange um número suficiente de bairros com IDS baixo (podemos fazer isso pra toda a cidade) (1); A propagação do covid19 é mais forte nos bairros de maior IDS, o que reflete os efeitos iniciais de entrada do vírus, o que já se evidencia que esse panorama mudaria nos meses subsequentes (2)

O dado cultural mensurável e quantificável por bairro, no primeiro trimestre, é a adesão política. Não há divulgação de dados de isolamento social de bairros, apenas disputas de discurso entre o Estado do RJ, que insere algumas medidas para a quarentena, e o Governo central, que de um modo geral a desqualifica. Assim, outro ponto observado através de correlação foi o percentual de eleitores do atual presidente Jair Bolsonaro, principal opositor às medidas de isolamento social. Este aspecto poderia indicar a princípio a presença de eleitores que tendessem a se comportar como o presidente da república e não respeitar as medidas sanitárias e de isolamento social, necessárias para conter o vírus.

Tabela 5 Correlação entre eleitores de Jair Bolsonaro no segundo turno das eleições para presidente de 2018 e a quantidade de casos confirmados em 26 de abril de 2020

% votos em Jair Casos/100 mil hab BAIRROS Bolsonaro (26/04/2020) Barra da 0,74 180 Tijuca Botafogo 0,55 155

Campo 0,75 43 Grande Copacabana 0,61 158

Laranjeiras 0,49 105,37

Rocinha 0,5 78

Tijuca 0,58 103

r= 0,054

Tabela 6 Correlação entre eleitores de Jair Bolsonaro no segundo turno das eleições para presidente de 2018 e a quantidade de casos confirmados em 26 de maio de 2020

% votos em Jair Casos/100 mil hab BAIRROS Bolsonaro (26/05/2020) Barra da 0,74 604 Tijuca Botafogo 0,55 605

Campo 0,75 277 Grande Copacabana 0,61 693

Laranjeiras 0,49 515

Rocinha 0,5 219

Tijuca 0,58 451

r= 0,027

A partir desta análise, não se observou correlação entre o percentual de eleitores de Jair Bolsonaro e o número de casos nos bairros analisados. Isso especialmente porque Campo Grande tem um percentual alto de eleitores e número de confirmados relativamente baixo, e Laranjeiras e Rocinha tem um percentual baixo de eleitores, mas o número de casos não é tão baixo assim. Mas lembremos do marco temporal, e da situação urbana destes bairros. O único bairro em que o discurso do Governo seria menor aceito, Laranjeiras, tem alto IDH, e é parte da Zona Sul, onde ocorre a maior parte dos primeiros casos da cidade. Também na Zona Sul, a Rocinha se situa na Zona Sul, junto ao bairro de São Conrado, de IDH elevadíssimo. Na favela, que ainda luta contra os casos de tuberculose em uma de suas comunidades, há também mais trabalhadores informais que não podem se colocar em quarentena sem ajuda do Estado.

Mas passemos a uma inferência relevante, visível ao fim do trimestre; que trata do aumento de casos, feitas as devidas ponderações pelo total da população.

Tabela 7 Aumento percentual do número de casos confirmados por cem mil habitantes no período de um mês ( de 26 de abril a 26 de maio de 2020)

BAIRROS CASOS CASOS Aumento

confirmados/ confirmados/ percentual de 100 mil hab 100 mil hab CASOS / (26/04/2020) (26/05/2020) 100 mil hab (26/04 a 26/05/2020) Barra da 180 604 70% Tijuca Botafogo 155 605 74%

Campo 43 277 85% Grande Copacabana 158 693 77%

Laranjeiras 105 515 80%

Rocinha 78 219 64%

Tijuca 103 451 77%

Já se nota em Campo Grande, coincidentemente o maior bairro do país, pouco denso e distante aproximadamente 50 quilômetros do centro da cidade, é considerada uma das zonas iniciais de contágio, com rápido crescimento do contágio. O fator eleitoral pode ter explicado este crescimento, e também o translado cotidiano dos trabalhadores ao Centro. A imprensa faz seguidas matérias sobre as reações sociais dos moradores do bairro A tendência de crescimento da pandemia no bairro de Campo Grande e em outros bairros periféricos contíguos desta área da Zona Oeste é maior do que a maioria dos demais bairros da cidade, e se manteria meses seguintes.

Estes dados se tornam mais emblemáticos quando se nota ainda que Campo Grande, diante de números de casos e óbitos absolutos muito elevados ao fim de abril, teve suas áreas centrais fechadas pela Prefeitura no inicio do mês de maio7. O bairro ocupa a 2ª posição entre os bairros em número de casos, atrás somente de Copacabana. E, mesmo considerando-se a sua grande população, e abordando o número de casos pro 100mil, ocupa posição de destaque, em sexto lugar. Ou seja, talvez sem o lockdown efetuado esta razão elevada do aumento do número de casos identificada no último mês poderia ser ainda mais aumentada.

Em relação aos óbitos, o aumento de Campo Grande em relação aos demais também é maior. Sabe-se que há um percentual maior de óbitos para os habitantes de menor renda. Mas some-se a isto as relativas desproporção do acesso aos principais equipamentos públicos de saúde parta os casos extremos da doença. Assim, Campo Grande, se mantém na 2ª posição em número de óbitos, novamente atrás de Copacabana. E, mesmo considerando-se a sua grande população, e abordando o número de casos pro 100 mil, também ocupa o sexto lugar posição de destaque. A isto se soma o fato de que em maio, a cidade entra em colapso na sáude, situação já revertida que majorou o número de óbitos por falta de leitos de UTI8

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como resultado, este trabalho busca compreender como tendências sobre a relação entre espaço construído, viés político e avanço epidêmico na cidade do Rio de Janeiro se correlacionam. Estas são dependentes de fatores sociais, culturais e políticos que se interligam aos modos de morar e à estrutura da cidade, mas antes de tudo, às visões do mundo comum que são diversas ou mesmo divergentes. Nelas se reitera que não há relação direta entre densidade e grau de contaminação

7 Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/saude/noticia/2020-05/crivella-promove-lockdown-parcial-em-mais-um- bairro-do-rio. Acesso em 16 de Ago 2020. 8 Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/saude/noticia/2020-05/taxa-de-ocupacao-de-leitos-de-uti-para-covid-19- no-rio-e-de-91. Acesso em 16 de Ago 2020.

Por um lado, Em que pesem todas as possíveis subnotificações no país, seguidas vezes tratadas por especialistas em epidemiologia, o estudo temporal tem demonstrado coerência e continuidade das tendências primeiramente encontradas. Houve alguma estabilização do número de contágios com o isolamento social aumentado neste primeiro trimestre, mas a gradativa abertura de estabelecimentos comerciais e áreas de lazer da cidade, somadas a total supressão dos controles de fluxos e acessos aos espaços públicos só tem causado o aumento dos dados.

Por outro lado, as eventuais distorções no número de óbitos, que, por exemplo, inicialmente desconsideravam os efeitos cardiovasculares do vírus – ou alegadamente, o aumentariam com a inclusão de óbitos de indivíduos com sintomas respiratórios; o que, aliás, levou a Prefeitura a suprimir três semanas de dados no mês seguinte a esta análise, em junho de 2020, e a reestruturar o modo de inserção dos dados sobre óbitos.

Aqui não se abordou diretamente o fator de mobilidade dos moradores, relevante para o contágio em áreas metropolitanas, nem se tratou quantitativamente a presença de grandes fluxos de trabalhadores no setor de serviços nos bairros com maior número percentual de casos. Além do fato de que as dinâmicas urbanas mencionadas neste artigo podem propiciar ou não o contágio, verifica-se também que a adesão à prevenção, a solidariedade e a compreensão da conjuntura pandêmica depende, antes de tudo, das visões de mundo, uma vez que “o tempo político e mediático condiciona o modo como a sociedade contemporânea se apercebe dos riscos que corre” (SOUZA, 2020, p. 22).

A estratégia de comparação entre bairros adotada nos permitiu esboçar as bases para a pesquisa continuada e também para lançar luz às relações possíveis entre fatores de contágio e dinâmica urbana, especialmente em cidades singulares como o Rio de Janeiro.

REFERÊNCIAS:

ACIOLY, Claudio e DAVIDSON Forbes, Densidade Urbana. Um Instrumento de Planejamento e gestão urbana, Mauad, 1998. CAMINHA, J.L. Botafogo e a sua evolução urbana: um retrospecto. In: 14to. Encuentro de Geógrafos de América Latina, 2013, Lima. Anales del XIV Encuentro de Geógrafos de América Latina - Perú 2013. Lima: Unión Geográfica Internacional ? Perú, 2013. v. 1. CARRILHO, P. FOLHA DE S.PAULO. Extremos de Copacabana transformam bairro em microcosmo carioca. Disponível em: < https://www1.folha.uol.com.br/folha/turismo/noticias/ult338u550330.shtml#:~:text=Sua%20densidad e%20populacional%20%C3%A9%20uma,balne%C3%A1rio%20tropical%20e%20metr%C3%B3pole %20ca%C3%B3tica.>.Acessado em: 7 de setembro de 2020. INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Censo Brasileiro de 2010. Rio de Janeiro: IBGE, 2010. O GLOBO. Rocinha: maior favela do país. Disponível em: < https://oglobo.globo.com/rio/rocinha- maior-favela-do-pais-21834104>. Acessado em: 7 de setembro de 2020. SEBRAE. Painel regional: Rio de Janeiro e bairros / Observatório. Sebrae/RJ. -- Rio de Janeiro: SEBRAE/RJ, 2015 SANTOS, Boaventura de Sousa, A cruel pedagogia do virus.Coimbra: Edições Almedina, 2020.