Por Um Jornalismo Televisivo De Alto Nível: As Definições De Qualidade Na Crítica Especializada Em Duas Décadas (1970/1980)
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1 Por um jornalismo televisivo de alto nível: as definições de qualidade na crítica especializada em duas décadas (1970/1980). Igor Sacramento Doutorando em Comunicação e Cultura (ECO/UFRJ) [email protected] Resumo Neste trabalho, comparo dois momentos distintos da história do jornalismo televisivo no Brasil. Na primeira parte, centrando-me nos anos 1970, analiso textos produzidos pela crítica televisiva dos periódicos de maior circulação no país à época – os jornais O Globo, Jornal do Brasil e Folha de S. Paulo e as revistas Veja e Amiga TV –, apontando para os interesses colocados em disputa na definição de determinados critérios para a aferição da qualidade do jornalismo televisivo em tempo da implantação do noticiário em rede nacional. Em seguida, detenho-me a críticas da década de 1980, quando, como contraponto à supremacia do “padrão global” de jornalismo, o SBT lança O Povo na TV. Por fim, discuto as rupturas e as continuidades nas definições do jornalismo televisivo de qualidade naquelas décadas e posiciono-me em relação àqueles debates sobre “TV de qualidade”. Palavras-chave jornalismo; televisão; qualidade; história; crítica. Nota introdutória Desenvolvo aqui questões observadas durante a realização da minha dissertação de mestrado. Para analisar a participação de cineastas de esquerda em dois programas jornalísticos da TV Globo, Globo-Shell Especial e Globo Repórter, na década de 1970, considerei os múltiplos conflitos, pressões e determinações que permitiram e constituíram tal envolvimento. Entre eles, estava a consagração de um modelo de “jornalismo de qualidade” em detrimento da “televisão do grotesco”. Para notar tais mudanças, estudei a produção dos programas no terreno das apropriações deles por parte das memórias dos seus 2 realizadores e de textos da imprensa que se dedicaram à crítica televisiva, dando, assim, voz não somente aos produtores, mas também aos receptores (SACRAMENTO, 2008). Destarte, agora, meu esforço se concentrará na análise das lutas pela identificação de um conjunto de preceitos como garantia da qualidade jornalística na televisão brasileira em relação a críticas de programas que foram exibidos entre os anos 1970 e 1980. É assim, porque, ao contrário de tomar a imprensa como índice da verdade dos fatos, entendo-a como produtora de verdades, ou seja, como co-autora da história e não como mera reprodutora dela (RIBEIRO, 2005). Nesse sentido, não se pretenderá naturalizar um conceito de qualidade televisiva a partir da consideração dos textos, mas historicizar as disputas ideológicas que possibilitaram determinadas percepções do que era e do que não era concebido como adequado para a mídia eletrônica. E para o grotesco aquele abraço No Brasil, a televisão se popularizou no momento em que os programas de maior sucesso eram comandados por Chacrinha, Dercy Gonçalves, Hebe Camargo, Flávio Cavalcanti, Jacinto Figueiras Júnior, Raul Longras e Sílvio Santos, sem mencionar as novelas. Na década de 1960 e no início da de 1970, tal programação era identificada com o grotesco escatológico, pois abusava da indistinção entre o cômico, o caricatural e o monstruoso (SODRÉ, 1978: 38). Entretanto, ao passo em que as emissoras do país passaram a contar com o desenvolvimento tecno-industrial ditado pelo regime militiar para se expandirem como empresas e para aumentarem seus mercados consumidores, elas sofreram a cobrança de terem de criar uma nova imagem para o homem brasileiro no tempo da implementação da emissão televisiva em rede nacional. Não mais seria apropriada a representação da espontaneidade popular. A TV deveria se guiar, então, pelo reforço da cultura moral conservadora hegemônica, consolidando a imagem idílica de uma sociedade brasileira baseada em valores cristãos, afeitos à família, civilizados e modernos em detrimento do “baixo nível” que a havia dominado (KEHL, 1986; MIRA, 1995: 30-52; MARCELINO, 2004; ORTIZ, 2001: 113-148; PAIVA e SODRÉ, 2002: 103-152; WANDERLEY, 2005). Nos primeiros anos da década de 1970, são sensíveis as mudanças na programação das emissoras, especialmente na TV Globo. A emissora diminuiu consideravelmente a 3 produção de programas de auditório identificados como disseminadores do “mundo cão” e atacados por isso pela crítica jornalística, por literatos, por representantes do governo e de instituições ligadas à preservação da moral e dos bons costumes (FREIRE FILHO, 2004; 2005) para investir nos jornalísticos que estavam sendo legitimados por diferentes instâncias na promoção de um certo tipo de brasilidade (SACRAMENTO, 2008: 71-107).1 Além da novidade da notícia nacional, o jornalismo de televisão estava se desenvolvendo um conjunto de técnicas e utilizando novas tecnologias que permitissem uma diferenciação em relação a outras mídias – o rádio, notadamente – e seus formatos de apelo popular. O Jornal Nacional foi um produto que simbolizou a mudança de perfil da TV Globo diante do recrudescimento do autoritarismo do regime militar. Criado para concorrer com o Repórter Esso, na época na TV Tupi, em pouco mais de um ano, o telejornal já havia sido um dos fatores que provocaram o fim do concorrente.2 Em oposição ao outro, o novo jornalístico passou a legitimar como uma das principais maneiras de unir o povo brasileiro e mostrar a ele “o que o país vivia” (BARBOSA e RIBEIRO, 2005: 211-213). A partir do dia primeiro de setembro de 1969, de segunda a sábado, o Jornal Nacional passou a ocupar o horário das 20 horas. O primeiro programa televisivo em rede nacional, dois anos depois de ter estreado, já era considerado como proprietário do prestígio suficiente para integrar vanguarda do telejornalismo brasileiro e para superar, em termos de audiência, os programas de apelo popularesco que estariam contaminando a televisão brasileira. Por tudo isso, como concluiu o crítico do Jornal do Brasil Valério de Andrade, o Jornal Nacional estava cumprindo a sua missão de informar e integrar o Brasil pela notícia (ANDRADE, 24/09/1971: 06). Investindo em sofisticados recursos no telejornal, a TV Globo era consagrada por permitir a manipulação da tecnologia que garantia a transmissão de sua programação para quase todo território nacional. O Jornal Nacional, marco desse pioneirismo, tornou-se o modelo da linguagem mais adequada para resumir os principais acontecimentos do país e 1 Na primeira metade daquela década, por exemplo, surgiram o Jornal Hoje (1971), Globo-Shell Especial (1971), o Globinho (1972), Jornal Internacional (1972), Globo Repórter (1973) e Fantástico (1973). Estes dois últimos foram marcos simbólicos do “novo tempo” da programação da emissora. Na segunda metade daquela década, estrearam ainda Amanhã, Bom Dia São Paulo, Jornal da Globo, Jornal das Sete e Painel. 2 A bem da verdade, se relermos o trabalho de Simões (1986), em que é descrita, sucintamente, a história da TV Tupi, percebemos que o fim do jornalístico refletiu a excessiva improvisação, a falta de gerenciamento e a crescente corrupção que dominou o Condomínio de Emissoras e Diários Associados, além da retirada do patrocínio da Esso. 4 do mundo para serem satisfatoriamente consumidos pelos telespectadores brasileiros nos apenas 25 minutos de sua exibição (O Globo, 23/9/1979: 05). Entretanto, essa crença não era unânime. Num texto para a Folha de S. Paulo, Maria Helena Dutra notou que o Jornal Nacional havia se especializado, entre os anos 1976 e 1977, na exibição de “nascimentos de porquinhos” e de “enterros de cachorros” para o seu noticiário internacional e nacional, não sendo capaz de informar o seu público da real situação da época, com a Guerra Fria e com a ditadura militar no Brasil. A partir de 1978, para ela, passou a haver mais informação e bem menos embromação, tornando-o, assim, um programa melhor e que procurava se beneficiar com o processo de abertura política. Assim, o telejornal havia deixado de somente a anunciar dentro de um minuto as notícias políticas, mas passou a apresentá-las em “edições perfeitas” que causavam certo espanto por se tratar de um programa da TV Globo. Enquanto as outras emissoras transmitiam desenhos, circo, filmes e outras frivolidades, o canal 4 do Rio de Janeiro colocou no ar a comunicação de Petrônio Portella, presidindo o Colégio Eleitoral brasileiro, de que já tínhamos Presidente e a promessa do General Figueiredo de que seu governo seria, enfim, o começo de uma efetiva transição democrática (DUTRA, 01/10/1978: 16). Observando outros aspectos, Artur da Távola, para Amiga TV, escreveu que o telejornal não teria conseguido superar por completo o modelo radiofônico da década de 1950 de linguagem pomposa e empolada que inspirou o Repórter Esso, com o locutor anunciando reportagens. Mesmo num registro coloquial, o Jornal Nacional, com Cid Moreira e Sérgio Chapelin, não tinha conseguido superar a tradição de tornar os locutores os astros da notícia (TÁVOLA, 20/11/1972: 07; 18/12/1974: 12). Na sua vez, Paulo Maia, do Jornal do Brasil, não apenas destacou aquela aproximação entre as práticas jornalísticas desempenhadas por aquelas duas mídias. Como considerou, o radiojornalismo dos anos 1970 estava mais próximo de um jornalismo objetivo, em que o importante é o fato, a notícia, e não as bochechas coloridas dos galãs de voz grave que lêem, compenetrados, textos ocos. Essa deturpação era marcada pela ausência de investimento no trabalho da imagem e na elaboração de textos apropriados para um meio de comunicação audiovisual que deveria extrapolar os estímulos sonoros no público e não se limitar a eles, cuja função 5 era do rádio. Para o crítico, porém, o Globo Repórter se sobressai nessa pasmaceira por fazer telejornalismo propriamente dito (MAIA, 10/9/1976: 08). A série Globo-Shell Especial, percussora do programa Globo Repórter, estreou em 14 de novembro de 1971 com a promessa de produzir de produzir quinze documentários brasileiros sobre o Brasil para serem exibidos em duas temporadas. Quando do lançamento do primeiro filme, Verdade sobre a Transamazônica, O Globo destacou a vontade de a emissora carioca em mostrar o Brasil como ele realmente era e todo o esforço que estava sendo feito pelos governos militares para transformá-lo e festejou: Sem precisar sair de casa, você vai ver essa terra grande e generosa, num filme de cinqüenta minutos.