MASARYKOVA UNIVERZITA

FILOSOFICKÁ FAKULTA ÚSTAV ROMÁNSKÝCH JAZYKŮ A LITERATUR

Bakalářská diplomová práce

BRNO 2010 Adriana Hrutková

FILOSOFICKÁ FAKULTA MASARYKOVY UNIVERZITY

ÚSTAV ROMANSKÝCH JAZYKŮ A LITERATUR

Portugalský jazyk a litaratura

AS ORGANIZAÇÕES FEMININAS DO

Bakalářská diplomová práce

Adriana Hrutková

Brno 2010 Vedoucí práce: Mgr. Maria de Fátima Néry-Plch

Čestné prohlášení

Čestně prohlašuji, že jsem bakalářskou diplomovou práci vypracovala samostatně s využitím uvedených pramenů a literatury.

V Brně dne 1.května 2010

Adriana Hrutková

Na tomto místě bych chtěla poděkovat vedoucí své bakalářské diplomové práce, Mgr. Fátimě Néry-Plch za připomínky, cenné rady , trpělivost a čas, který mi věnovala. ÍNDICE:

1. INTRODUÇÃO...... 6 2. O RETRATO DA MULHER DURANTE O SALAZARISMO...... 7

2.1. A mulher no Estado Novo...... 7 2.2. A Família: o núcleo da sociedade…………………………………………..9 2.3. O trabalho feminino ………………………………………………………….12 2.4. O voto feminine……………………………………………………………….14 2.5. Crimes femininos …………………………………………………………….15

3. AS ORGANIZAÇÕES FEMININAS DO ESTADO NOVO...... 17

3.1. A reforma do sistema educativo…………………….……………………...17 3.2. A criação das organizações estatais……………………………………....17 3.3. As influências externas……………………………………………………...19

4. A OBRA DAS MÃES PARA A EDUCAÇÃO NACIONAL...... 21

4.1. A História da OMEN e as dirigentes principais..………………………..…21 4.2. Os objectivos iniciais da OMEN…………………………………………….23 4.3. A Actuação da OMEN….………………………………………………..…..24 4.3.1. A viragem da OMEN para o meio rural………………………….....26

5. A MOCIDADE PORTUGUESA FEMININA...... 28

5.1. Criação da MPF e os objectivos principais…………………………….....28 5.2. Actividades da Mocidade Portuguesa Feminina………………………....30 5.2.1. Actuação no meio escolar…………………………………………..30 5.2.2. Propaganda nacional, mobilização e enquadramento das...... 32 jovens 5.2.3. As publicações da MPF e transmissão de valores e...... 35 comportamentos 5.3. Epílogo………………………………………………………………………..37

6. A CONCLUSÃO…………………………………………………………………..39 7.BIBLIOGRAFIA……………………………………………………………...... 40

1.INTRODUÇÃO

O trabalho de baharelato será dedicado às organizações femininas do Estado Novo. Escolhemos este tema por considerarmos o período do Estado Novo como uma das épocas mais interessantes da história de . O presente trabalho tem como objectivo aproximar a situação da mulher durante o Salazarismo , através da caracterização da política do Estado Novo com o objectivo de criar uma mulher “nova“, e educar as jovens enquadrando-as em organizações femininas. Podemos dividir o trabalho em quatro capítulos principais. No primeiro capítulo descreveremos o retrato da mulher no Estado Novo , acercamos brevemente a ideologia de Salazar e nos subcapítulos falaremos sobre a família que representava o núcleo da sociedade, onde a mulher deveria desempenhar o seu papel principal , veremos a opinião de Salazar para o trabalho feminino e a evolução do trabalho das mulheres ao longo do Estado Novo. Nos últimos dois subcapítulos mencionaremos por que razão permitiu Salazar o sufrágio às mulheres e referimos o que era considerado crime feminino. No segundo capítulo falaremos sobre a criação das duas organizações femininas estatais- a Obra das Mães para a Educação Nacional (OMEN) e Mocidade Portuguesa Feminina (MPF), criadas com o objectivo de enquadrar e reeducar as mães e educar as raparigas, veremos os seus antecendentes e influências dos países estrangeiros. No terceiro capítulo orientar-nos-emos para a Obra das Mães para a Educação Nacional, mencionando os objectivos principais, os dirigentes e o campo da sua actuação durante a sua longa existência. O último capítulo será dedicado à Mocidade Portuguesa Feminina, aos seus objectivos, à actuação no meio escolar como fora dele, no último caso mencionaremos as publicações da MPF, que tiveram uma grande importância para transmissão dos valores e comportamentos.

6

2. O RETRATO DA MULHER DURANTE O SALAZARISMO

2.1. A mulher no Estado Novo

Para acercar resumidamente a ideologia do Estado Novo1 podemos mencionar um lema que caracteriza este regime: “Deus, Pátria, Família“2 António de Oliveira Salazar recusava o individualismo e a sociedade moderna liberal, propagou os valores tradicionais, a vida no campo e a família como o fundamento da sociedade portuguesa. A política educativa de Salazar baseou-se no catolicismo e no nacionalismo, através da reeducação intentou criar o “homem novo“. No regime de Salazar as leis relativas aos direitos da mulher, à sua situação na sociedade, na família e no trabalho basearam-se na Constituição de 1933. Durante a época do Estado Novo, continuou a vigorar o Código Civil napoleónico de 1867, conhecido como o Código de Seabra. Este Código discriminava a mulher em razão do sexo e regulou a situação da mulher no seio familiar. Segundo o Código de Seabra “a mulher casada devia residir no domicílio do marido, prestar-lhe obediência e acompanhá-lo por todo o lado, excepto para o estrangeiro.“3 Os direitos da mulher casada foram submetidos ao marido, a mulher não podia viajar para fora do país, nem administrar os bens do casal (excepto se o marido estivesse ausente), e não podia trabalhar sem autorização do marido.

1 Estado Novo (1933-1974) - o regime político autoritário e corporativista, chamado também salazarismo, según o seu fundador e líder António de Oliveira Salazar, governou até 1968, foi substituido pelo Marcello Cetano(1968-1974). 2 Medina João, História de Portugal, Amadora, Edita Ediclube, 2004 3 Pimental, Irene Flunser, História das Organizações Femininas do Estado Novo, Lisboa, Temas e Debates, 2001, p.33

7

No regime antecedente da I República foram atenuadas algumas normas que subjugavam as mulheres casadas aos maridos e foram anuladas certas diferenciações jurídicas consoante o sexo. Embora o Código tenha sofrido certas mudanças benéficas para as mulheres, os traços discricionários do texto de 1867 voltaram em força com o Código do Processo Civil de 1939.4 O Código reintroduziu o poder ao cônjuge possibilitando-lhe requisitar a “entrega“ e “depósito“ judicial da sua mulher. Assim, o homem podia em caso de saída da sua esposa da casa familiar, requerer judicialmente que ela fosse compulsivamente “depositada “ em casa. Em 1967 entrou em vigor o novo Código Civil, que anulou “a entrega e o depósito judicial da mulher casada“, mas continuando a prevalecer a autoridade masculina.5 Durante o período do governo de Marcello Caetano uma lei de 1968 estableceu a igualdade de direitos políticos do homem e da mulher. Em 1969 a lei permitiu que a mulher casada pudesse ultrapassar as fronteiras sem licença do marido e foi introduzida a norma “para trabalho igual, salário igual.“6

4 Pimental , Irene Flunser, História das Organizações Femininas do Estado Novo, Lisboa, Temas e Debates, 2001 5 http://www.caminhosdamemoria.wordpress.com/2008/07/07/a-situacao-das-mulheres- no-seculo-xx-em-portugal-1/ 6 http://www.mulheres-ps20.ipp.pt/Hist_mulheres_em_portugal.htm

8

2.2. A Família: o núcleo da sociedade

Salazar não via as mulheres e os homens como indivíduos mas como membros da família, o núcleo primário do Estado Novo. Nesta citação Salazar explica a importância da família: “A mulher casada, como o homem casado, é uma coluna da família, base indispensável de uma obra de reconstrução moral. Aí nasce o homem, aí se educam as gerações...Quando a família se desfaz, desfaz-se a casa, desfaz-se o lar...Esta é a origem necessária da vida, fonte de riquezas morais, estímulo dos esforços do homem na luta pelo pão de cada día.“7 A Constituição de 1933 estabeleceu o princípio da igualdade entre cidadãos, mas só formalmente. Embora Salazar tivesse negado o privilégio do sexo, na prática não tinha grande validade. O regime do Estado Novo atribuiu papéis diferentes aos homens e às mulheres. Partindo das ideias tradicionais do catolicismo onde a mulher se situa do lado da natureza e o homem do lado da cultura. Salazar defendia a ideologia fundada na diferença natural dos sexos segundo a qual a natureza decidiu que a mulher e o homem não dispoem da mesma força física. A Igreja Católica repetia esta opinião nas encíclicas Rerum Novarum (1891) e Quadragesimo anno (1931), que a natureza determinou as mulheres a serem mães e ficarem em casa com os filhos.8 “Em nome de um factor biológico - a natureza e de um factor ideológico - o bem da família, as mulheres seriam discriminadas.“ 9

7 Pimental , Irene Flunser, História das Organizações Femininas do Estado Novo, Lisboa, Temas e Debates, 2001, p 26-27 8 http://www.penelope.ics.ul.pt/indices/penelope_17/17_07_CovaPinto.pdf 9http://www.caminhosdamemoria.wordpress.com/2008/07/07/a-situacao-das-mulheres- no-seculo-xx-em-portugal-1/

9

As mulheres tinham que desempenhar vários papéis no seio da família: esposa e mãe, dona-de-casa e garante da moral. A missão da mulher era ocupar-se do lar , fazer tarefas domésticas, educar os filhos (mas não tinha os mesmos direitos como o marido, a palavra principal tinha sempre o pai) e, sobretudo, criar um ambiente harmónico no interior do lar. O corpo feminino é representado como um corpo santo, as mulheres tinham de estar disponíveis e devotar a sua existência aos outros. A mulher não podia olhar sobre si própria, devia aprender a abnegação, a paciência e a entrega. No regime ditatorial as mulheres não deviam alargar as fronteiras físicas (tinham de estar só no espaço da casa) nem atravessar as fronteiras sociais. Foi proibido que a mulher casada obtivesse uma qualificação profissional superior ou que se tornasse economicamente independente do seu marido. O corpo masculino representa simbolicamente a força do Estado , serve ao Estado Novo como elemento de revigoramento do poder . O homem é autoridade e a cabeça da família e é ele que deve lutar pela vida no exterior. A autoridade masculina prevalecia, o marido como “chefe da família“ decidia em todos os actos da vida conjugal comum.10 A família, considerada como o núcleo da sociedade portuguesa assegurava o bom funcionamento da sociedade e “representava a fonte da conservação e do desenvolvimento da raça.“11 O Estado Novo foi obrigado a garantir a defesa da família, devia ser protegida de tudo e contra todos. Salazar insistiu nas famílias evidenciadas: “a constituição da família assenta no casamento e na filiação legítima“12

10 Pimental , Irene Flunser, História das Organizações Femininas do Estado Novo, Lisboa, Temas e Debates, 2001 11 http://www.penelope.ics.ul.pt/indices/penelope_17/17_07_CovaPinto.pdf 12 ibidem

10

Quanto ao divórcio, as leis do Divórcio e da Família de 1910 autorizavam o divórcio e estabeleceram a igualdade entre os cônjuges respeitando os motivos da separação e os direitos sobre os filhos.13 Esta lei teve como consequência um aumento dos processos de divórcio, sobretudo nas grandes cidades como Lisboa ou . A lei vigorou ainda trinta anos, até 1940. Salazar aboliu esta lei, aquando da celebração da Concordata entre a Santa Sé e o Estado Português.14 Os cônjuges deixaram de gozar dos mesmos direitos nos fundamentos para a separação, por exemplo o homem podia pedir o divórcio no caso de adultério da mulher, mas ela só no caso de “adultério do marido com escândalo público ou completo desamparo da mulher.“15 O matrimónio tornou-se indissolúvel para todos os casados pela Igreja Católica, que era a larguíssima maioria. Os casados catolicamente deixaram de se poder separar e, consequentemente, de se casar de novo, depois de separados. Esta situação vigorou até 1974 e originou muitas situações de ligações maritais não legalizadas e um aumento dos filhos ilegítimos.16

13 http://caminhosdamemoria.wordpress.com/2008/07/07/a-situacao-das-mulheres-no- seculo-xx-em-portugal-1/ 14 http://www.penelope.ics.ul.pt/indices/penelope_17/17_07_CovaPinto.pdf 15 Pimental , Irene Flunser, História das Organizações Femininas do Estado Novo, Lisboa, Temas e Debates, 2001, p 34 16 http://caminhosdamemoria.wordpress.com/2008/07/07/a-situacao-das-mulheres-no- seculo-xx-em-portugal-1/

11

2.3. O trabalho feminino

Salazar não acordava que a mulher casada trabalhasse, segundo ele, o trabalho arredava a mulher da família. A intenção principal do Estado Novo era retornar a mulher ao lar através da valorização das tarefas femininas e do papel de mãe e esposa. “O ditador reconhecia a importância da função feminina na família. A maternidade e o trabalho doméstico eram consideradas funções de utilidade social, não as considerava como algo inferior. Mas na realidade a esfera de actuação da mulher era limitada, inelegível e efectivamente desvalorizada. “17 Nesta citação podemos ver claramente a opinião de Salazar quanto ao trabalho das mulheres: “Quem diz família diz lar, quem diz lar diz atmosfera moral e economia própria – economia mista de consumo e de produção. O trabalho da mulher fora do lar desagrega este, separa membros da família, torna-os um pouco estranhos uns aos outros. Desaparece a vida em comum, sofre a obra educativa das crianças, diminui o número destas, e com o mau ou impossível funcionamento da economia doméstica, no arranjo da casa, no preparo da alimentação e do vestuário, verifica-se uma perda importante, raro materialmente compensada pelo salário recebido.“ 18 Apesar da ideologia do regresso ao lar, as mulheres entraram no mercado de trabalho. Em 1933 foi criado o Estatuto do Trabalho Nacional que decretou que o trabalho feminino seria regulado por “disposições especiais conforme as exigências da moral, da defesa física, da maternidade, da vida doméstica, da educação e do bem social“ 19

17 http://campussocial.ulusofona.pt/pdf/recensoes.pdf 18 Pimental, Irene Flunser, História das Organizações Femininas do Estado Novo, Lisboa, Temas e Debates, 2001 p28 19 http://caminhosdamemoria.wordpress.com/2008/07/15/a-situacao-das-mulheres-no- seculo-xx-em-portugal-2/

12

Havia grande contraste entre as mulheres do campo e da cidade. Da elite urbana recrutavam-se , as militantes das organizações femininas e feministas. Durante o Estado Novo uma grande parte da população activa trabalhava no sector primário, assim, a maioria das mulheres vivia no campo, trabalhando no sector primário, sobretudo na agricultura. Outras trabalhavam na indústria de têxtil, tabaco e vestuário, no entanto a sua ocupação em trabalho nocturno nas fábricas e nas indústrias tóxicas era prohibido. 20 Segundo as estatísticas oficiais podemos ver uma evolução do trabalho feminino. Nos anos quarenta só 15,321 por cento da população activa era do sexo feminino. Em 1950 essa percentagem elevou-se para 22,7 por cento. A partir dos anos sessenta o número das mulheres activas subiu bastante devido à emigração da mão-de-obra masculina e à participação dos homens na guerra colonial. Desde então aumentou a feminização na agricultura e em determinados ramos da indústria. Também nesta década começou a expansão do sector terciário. O número das mulheres empregadas neste sector era 33,922 por cento na indústria 26,2 23por cento e na agricultura 24,2 24porcento.25 Falando sobre o trabalho seria importante mencionar o analfabetismo que caracterizou Portugal naquela altura. No começo do Estado Novo, 69,926 por cento das mulheres eram analfabetas e 52,827 por cento dos homens. Nos anos sessenta a situação melhorou, passando para 36,728 por cento mulheres analfabetas e 24,929 por cento dos homens.30

20 Pimental , Irene Flunser, História das Organizações Femininas do Estado Novo, Lisboa, Temas e Debates, 2001 21 em: Pimental , Irene Flunser, História das Organizações Femininas do Estado Novo, Lisboa, Temas e Debates, 2001 p49 22 em: http://www.penelope.ics.ul.pt/indices/penelope_17/17_07_CovaPinto.pdf 23 em: http://www.penelope.ics.ul.pt/indices/penelope_17/17_07_CovaPinto.pdf 24 em: http://www.penelope.ics.ul.pt/indices/penelope_17/17_07_CovaPinto.pdf 25 http://www.penelope.ics.ul.pt/indices/penelope_17/17_07_CovaPinto.pdf 26 em: Pimental , Irene Flunser, História das Organizações Femininas do Estado Novo, Lisboa, Temas e Debates, 2001 p81 27 em:ibidem p81 28 em:ibidem p81 29 em:ibidem p 81 30 Pimental , Irene Flunser, História das Organizações Femininas do Estado Novo, Lisboa, Temas e Debates, 2001 p81

13

Durante o Salazarismo as mulheres foram discriminadas nas profissões. Foi-lhes proibido o acesso à carreira diplomática, a magistratura, não podiam aceder na administração local ou nos ministérios. Além do impedimento do trabalho em vários sectores, havia também restrições impostas a certas profissões (por exemplo as professoras primárias não podiam casar com quem queriam, tinham que solicitar a permissão ao Ministério da Educação para se casarem, ou as enfermeiras dos Hospitais Civis, as hospedeiras de ar dos Transportes Aéreos Portugueses não podiam contrair matrimónio.31 Em 1967, o Novo Código Civil decidiu que a mulher já não necessitava “do consentimento do marido para exercer profissões liberais ou funções públicas, nem para publicar ou fazer representar as suas obras ou dispor de propriedade intelectual“.32

2.4. O voto feminino

As mulheres lutavam pelo voto desde a implantação do regime republicano. Na I República, em 1911 foi concedido, sem especificação do sexo, o sufrágio às pessoas que tivessem mais de 21 anos que soubessem escrever, ler e aos chefes de família. A lei de 1913 introduziu essa especificação que só os homens tinham o direito de voto, nem as viúvas chefes de famílias podiam eleger. Em 1931, a Ditadura Nacional33 decretou que “as mulheres, chefes de família viúvas, divorciadas ou separadas judicialmente e as mulheres casadas cujo marido está no estrangeiro podiam pertencer às juntas de freguesia“.34

31 Pimental , Irene Flunser, História das Organizações Femininas do Estado Novo, Lisboa, Temas e Debates, 2001 32 ibidem p.42 33 Ditadura Nacional- o regime surgido do golpe militar de 1926 34 Pimental , Irene Flunser, História das Organizações Femininas do Estado Novo, Lisboa, Temas e Debates, 2001 p.30

14

Em 1934, a nova lei possibilitou “o sufrágio feminino e a elegibilidade para a Câmara Corporativa e para a Assembleia Nacional às mulheres com mais de 21 ano, às solteiras com rendimento próprio, às chefes de família e às casadas com diploma secundário.“35 Assim, naquele ano foram eleitas as três primeiras deputadas à Assembleia Nacional – Maria Guardiola, Domitília de Carvalho e Cândida Parreira36. É curioso, mas o Estado Novo foi o primeiro regime português que permitiu o sufrágio e a elegibilidade às mulheres. Como explica a deputada Cândida Parreira: “Salazar concedeu o sufrágio não por considerá-lo um direito, mas porque percebeu a importância das mulheres nos campos da assistência, educação e defesa da família“.37 Especificou que “o voto feminino não tinha sido conquistado pelas mulheres mas decretado pelo Chefe“.38

2.5. Crimes femininos

No período do Estado Novo eram considerados crimes femininos a prostituição, o aborto e o adultério. A prostituição, inicialmente regulada por via administrativa e não por lei, era tolerada, a não ser em casos de menores.

35 Pimental , Irene Flunser, História das Organizações Femininas do Estado Novo, Lisboa, Temas e Debates, 2001 p.30 36 As deputadas na Assembleia Nacional dedicaram-se aos temas da educação, família, assistência e serviço social. Intervieram sobre as organizações femininas, a reforma educativa, a esolaridade obrigatória e sobre a introdução de aulas de puericultura nos liceus femininos. 37 Pimental , Irene Flunser, História das Organizações Femininas do Estado Novo, Lisboa, Temas e Debates, 2001 p.32 38 ibidem p.32

15

As mulheres de vários sectores, sobretudo as da OMEN (a Obra das Mães para a Educação Nacional) com a dirigente Maria Luísa Vanzeller39 reivindicaram a proibição da prostituição de menores, passndo assim a cometer crime só a mulher que se prostituia antes dos 21 anos. Em 1962, “a prostituição foi finalmente proibida pelo Decreto-Lei n.º 44579, que impôs o encerramento das casas toleradas e multas às prostitutas sujeitando-as a um ano de prisão. “40 A prática do aborto no Estado Novo era proibida, sendo penalizado pelo Código Penal com pena de prisão maior celular de dois a oito anos. A pena era aplicada tanto à mulher que abortava voluntáriamente como ao médico que o realizava.

39 Maria Luísa Vanzeller, a deputada na Assembleia Nacional, debruçou-se sobre saúde pública, protecção à infância e maternidade, e sobre assistência e serviço social, também lutava contra prostituição e aborto. 40 Pimental , Irene Flunser, História das Organizações Femininas do Estado Novo, Lisboa, Temas e Debates, 2001 p.37

16

3. AS ORGANIZAÇÕES FEMININAS DO ESTADO NOVO

3.1. A reforma do sistema educativo

Em 1936 António Carneiro Pacheco, o ministro da Educação Nacional, começou realizar a reforma do sistema educativo. Neste período o regime já estava estava institucionalizado e sofria o processo de “fascização“. A reforma do sistema educativo consistia na reorganização do ensino primário integrando „a educação religiosa, nacionalista, cívica, estética e física num sistema de educação“.41 A reforma possibilitou a Salazar o control ideológico dos professores, livros escolares e ordenou a decoração das aulas com motivos cristianos e da propaganda nacional. No quadro da reforma educativa se iniciou a separação dos sexos nos liceus.42 A finalidade da reforma da escola e da criação das organizações oficiais era “moldar“ as crianças na idade dúctil que é a juventude e criar o “homem novo“ segundo a ideologia salazarista.

3.2. A criação das organizações estatais

No âmbito da reforma nacionalista e católica do sistema educativo foram estabelecidas na segunda metade dos anos trinta as organizações femininas oficiais. Nas vésperas da fundação das organizações governamentais existiam unos movimentos e associações femininas.

41 Pimental , Irene Flunser, História das Organizações Femininas do Estado Novo, Lisboa, Temas e Debates, 2001 p.123 42 http://www.penelope.ics.ul.pt/indices/penelope_17/17_07_CovaPinto.pdf

17

Em 1932 foi criada a organização fascista, dirigida por Rolão Preto o movimento nacional-sindicalista (MNS) com uma secção feminina. O movimento não atingiu um grande alcance e Salazar acabaria por o extinguir em 1934. A partir de 1934 surgiam as associações femininas católicas organizadas pela Acção Católica Portuguesa (ACP), criada pelo Episcopado Pio XI. A Igreja actuava no campo educativo e assistencial, no seio da família e dos jovens. Em 1934 surgiram as duas grandes organizações fimininas a Juventude Católica Feminina (JCF), subdividida em organizações para a juventude universitária, escolar, agrária e operária. A Liga de Acção Católica Feminina (LACF), subdivida em sectores socio-profissionais, organizava as mulheres casadas.43 O número das filiadas na ACP manteve-se muito forte ao longo do regime salazarista. Em 1960 as mulheres representavam 76 por cento dos membros das organizações da ACP.44 Mas estas organizacões católicas não serviam os interesses estatais, o regime precisava de uma organização integrada nos valores do Estado e não só nos valores da Igreja. Em 1936 o ministro da Educação Nacional António Carneiro Pacheco decidiu criar as organizações oficiais juvenis dirigidas por comissários elegidos pelo ministério da Educação Nacional com o objectivo de “estimular o desenvolvimento integral da capacidade física da juventude, a formação do carácter e a devoção à Pátria no sentimento da ordem, no gosto da disciplina e no culto do dever militar“.45 Neste ano foi criada a organização estatal de juventude a Mocidade Portuguesa (MP) e a Legião Portugesa (LP).

43 Pimental , Irene Flunser, História das Organizações Femininas do Estado Novo, Lisboa, Temas e Debates, 2001 44 http://www.penelope.ics.ul.pt/indices/penelope_17/17_07_CovaPinto.pdf 45 Medina João, História de Portugal, Amadora, Edita Ediclube, 2004.

18

Quanto às mulheres o objecto principal da política educativa foi “reeducar as mulheres adultas e educar as crianças e as jovens enquadrando-as em organizações estatais“.46 Com este objectivo António Carneiro Pacheco criou, em 1936 a Obra das Mães para a Educação Nacional (OMEN) e, um ano mais tarde, a Mocidade Portuguesa Feminina (MPF). Mesmo que existissem no Estado Novo outros movimentos femininos como o Movimento Nacional Feminino47 ou a Secção Auxiliar Feminina da Cruz Vermelha Portuguesa, essas não foram directamente criadas para reeducar as mulheres e enquadrar as crianças . O nosso trabalhho centrar-se-á em especiar sobre os objectivos e função das duas organizações citadas OMEN e MPF.

3.3. As influências externas

No período em que foram criadas as organizações femininas do Estado Novo- a OMEN e a MPF, na Alemanha e na Itália já existiam as organizações estatais enquadrando a juventude e as mulheres, que inspiravam o Estado Novo, nomeadamente a António Carneiro Pacheco. Ele visitou em 1936 a Itália e a Alemanha para se informar de como funcionavam as associações escolares e as respectivas obras de educaçõo e de assistência. Na Itállia fascista foi fundada em 1925 a Opera Nazionale per la Maternità ed Infanzia (ONMI) para a protecção da maternidade e da infância oferecendo a assistência pública, cursos de higiene e puericultura.

46 Pimental , Irene Flunser, História das Organizações Femininas do Estado Novo, Lisboa, Temas e Debates, 2001 p.9 47 O Movimento Nacional Feminino- foi uma organização de mulheres, criada em 1961 com o objectivo de dar apoio moral e material aos militares portugueses na guerra colonial em Angola, estendendo-se a Moçambique e à Guiné-Bissau

19

Na Alemanha nacional-socialista foi criada a primeira organização das mulheres em 1931 a Nazionalsozialistische Frauenschaft (NSF) e em 1935 a NSF reunia a elite das mulheres nazis num movimento de massas- a Deutsches Frauenwerk (DFW). A juventude feminina foi enquadrada no movimento Bund Deutscher Mädel (BDM) que, em 1930, foi inserido na Hiltlerjugend (HJ) que se tornou uma organização estatal obrigatória de todos os jovens alemães dos 10 aos 18 anos. Mais tarde, quando acabou a guerra civil na vizinha Espanha, em 1939, com a vitória de Franco, as organizações femininas portuguesas foram influenciadas sobretudo pela Sección Feminina de la Falange Española Tradicionalista. A Mocidade Portuguesa Feminina teve muitas semelhanças com a organização juvenil Frente de Juventudes (FJ) criada em 1940 em Espanha.48

48 Pimental , Irene Flunser, História das Organizações Femininas do Estado Novo, Lisboa, Temas e Debates, 2001

20

4. A OBRA DAS MÃES PARA A EDUCAÇÃO NACIONAL

4.1. A História da OMEN e as dirigentes principais

Como já foi dito a primeira organização estatal de mulheres a OMEN foi oficialmente criada em 15 de Agosto de 1936. Neste ano foram apresentados os principais objectivos e foram designadas as primeiras dirigentes da OMEN, que eram mulheres aristocratas, da elite social de Lisboa, devotadas ao salazarismo. Foi estabelecida a junta central49 da organização com a presidente de honra Maria do Carmo Carmona (até 1945) , e a presidente efectiva Laura Diogo da Silva de Melo (condessa de Monte Real) 50. Como principal dirigente da OMEN e vice-presidente da junta central foi nomeada Isabel d´Albignac Bandeira de Melo (condessa de Rilvas).51 Além da condessa de Rilvas faziam parte da direcção executiva inicial as vice-presidentes da direcção Maria Baptista dos Santos Guardiola, Fernanda de Almeida d`Orey, Maria Joana Mendes Leal e Maria Luísa Vanzeller ( futuras dirigentes da Mocidade Portuguesa Feminina). Uma das características da OMEN é que as suas dirigentes continuaram ser as mesmas ao longo do funcionamento da organização, até 1974. Entre elas podemos mencionar a Maria Amélia Costa Leite ou Maria Guardiola.

49 A função da junta central era coordenar,dirigir e controlar o movimento da organização 50 Condessa de Monte Real foi substituida nos anos cinquenta por Maria Amélia Costa Leite 51 Isabel d´Albignac Bandeira de Melo (1871-1945)- nasceu em França, casou-se com o presidente da Sociedade de Geografia em Lisboa, Simão Bandeira de Melo (conde de Rilvas). Condessa de Rilvas dedicou-se em Portugal a obras de assistência infantil no Instituto Médico-Pedagógico Condessa de Rilvas. Influenciou muito a fase inicial da OMEN, impôs à organização um carácter educativo implantando os cursos de puericultura, da assistência familiar e as iniciativas da OMEN como as Semanas da Mãe ou os Prémios às Famílias Numerosas.

21 Ao lado das vice-presidentes foram nomeadas vogais da OMEN mulheres que exerciam a profissão no sector de assistência e na educação. Entre elas haviam professoras do ensino primário e secundário, assistentes sociais, algumas médicas e advogadas, quase todas solteiras. Depois de a condessa de Rilvas ter apresentado as primeieras medidas práticas, em 28 de Junho de 1938 na conferência de imprensa, a OMEN começou a sua actividade. Em 1939 foram criadas as comissões distritais em Lisboa, Porto, Braga, Beja, , Évora e Viseu, nos anos cinquenta também em Aveiro, Funchal e Ponta Delgada com os centros sociais e de educação familiar rural.52 A mesma OMEN partilhou a sua longa existência, segundo as suas actividades, em três etapas. Na primeira fase, entre 1938 e 1945, a organização iniciou a sua implantação e dedicou-se à educação e à assistência, através dos primeiros centros sociais e educativos. O segundo período entre 1946 e 1958 , é caracterizado pela viragem da OMEN para a educação familiar rural, actuação no meio rural predominou sobre o meio urbano. Último período da OMEN , entre 1959 e 1971, “dedicado à formação de quadros de educação familiar e caracterizado como sendo de procura da colaboração com uma sociedade em franca evolução e resolução, tanto no âmbito familiar como social“.53 A OMEN acabou a sua actividade com a queda do regime salazarista, em 1974, sendo dissolvida em 1975 . Os núcleos da OMEN existentes54 foram entregues ao Ministério da Educação e da Investigação Científica e ao Ministério dos Assuntos Sociais.55

52 Pimental , Irene Flunser, História das Organizações Femininas do Estado Novo, Lisboa, Temas e Debates, 2001 53 http://www.caminhosdamemoria.wordpress.com/2009/02/19/a-obra-das-maes-e-a- caridadezinha 54 centros de educação pós escolar, centros de estudo, cantinas, dois jardins infantis, clubes de tempos livres, centros de assistência infantil 55 Pimental , Irene Flunser, História das Organizações Femininas do Estado Novo, Lisboa, Temas e Debates, 2001

22

4.2. Os objectivos iniciais da OMEN

A OMEN surgiu com a intenção de “estimular a acção educativa da Família, assegurar a cooperação entre esta e a Escola e preparar melhor as gerações femininas para os seus futuros deveres maternais, domésticos e sociais“.56 Mencionamos os objectivos principais da OMEN, baseados na política salazarista: 1. A missão da OMEN era reeducar as mães, retorná-las para a sua “função natural“ no lar, estimulando as actividades caseiras e propagando as boas tradições portuguesas, a vida no campo e amor à Pária e Família. 2. Prestar às mães portuguesas informações fundamentais de puericultura e de higiene para diminuir a mortalidade infantil. 3. Promover a educação física, assegurar a educação infantil e “dispensar aos filhos dos pobres a assistência necessária para que possam cumprir a obrigação de frequentar a escola, designadamente pela instituição de cantinas e distribuição de uniformes e de livros.“57 4. Propagar a maternidade, como a missão mais importante da mulher , através da realização das Semanas da Mãe e apoiando as famílias numerosas 5. Criar e dirigir a secção feminina da Mocidade Portuguesa

Mas, o facto é, que na realidade foi um pouco diferente, a organização não conseguiu grandes êxitos. Apesar de que a intenção

56 http://www.caminhosdamemoria.wordpress.com/2009/02/19/a-obra-das-maes-e-a- caridadezinha 57 Pimental , Irene Flunser, História das Organizações Femininas do Estado Novo, Lisboa, Temas e Debates, 2001 p.124

23

ideológica do Estado Novo, ao criar a OMEN, “tenha sido a reeducação das mulheres e a transformação das mentalidades, não conseguiu mais do que atingir algumas delas em escassos cursos domésticos, em sessões de propaganda e em iniciativas de caridade sem quaisquer efeitos mobilizadores.“58 E quanto ao objectivo inicial da organização de “congregar todas as mulheres portuguesas, no apoio político ao regime, apenas se assistiu à tentativa de as mobilizar exclusivamente para a maternidade prolífica e para tarefas meramente femininas.“59 Mas, embora não fossem cumpridos os objectivos inicias da OMEN, não deixava de ter um importante papel na veiculação da ideologia salazarista e da religião católica entre as mulheres portuguesas.

4.3. A Actuação da OMEN

Uma característica importante da organização é que a filiação na OMEN nunca foi obrigatória, sino voluntária, ao contrário da Mocidade Portuguesa Feminina que tentava enquadrar obrigatóriamente as massas das mulheres. Haviam dois tipos de filiadas na OMEN : “as mães portuguesas ou de sangue português no gozo do pátrio poder, consideradas sócias efectivas“60 e as mulheres emancipadas sem filhos que tiveram vontade de “colaborar na obra e educação da juventude e as instituições de carácter educativo, consideradas sócias auxiliares.“61 Quanto à definição das actividades da organização, foi sempre um tema discutido. A mesma OMEN junto com Carneiro Pacheco considerava ter um carácter educativo, pelo contrário, as personalidades

58 Pimental , Irene Flunser, História das Organizações Femininas do Estado Novo, Lisboa, Temas e Debates, 2001 p.132 59 http://www.caminhosdamemoria.wordpress.com/2009/02/19/a-obra-das-maes-e-a- caridadezinha 60 Pimental , Irene Flunser, História das Organizações Femininas do Estado Novo, Lisboa, Temas e Debates, 2001 p.124 61 ibidem p.124

24

no seio do regime e o Ministério do Interior eram de opinião que deveria ter uma função assistencial. Maria Guardiola esclareceu que “a organização desempenhava a sua missão educativa através dos seus quatro sectores de actuação: acção social, acção maternal, cantinas escolares e famílias numerosas.“62 A acção social consistia na criação dos primeiros centros sociais e educativos63 para as mulheres nos meios urbanos e rurais, e também se desenvolvia nos lactários, postos de puericultura e nas creches. Os centros ofereceram às mulheres a assistência, consultas médicas e uma escola de ensino familiar e doméstico para que exercessem bem o papel de mãe, esposa e educadora dos filhos. Mais tarde, nos anos cinquenta, Centro Social passou a chamar-se Centro de Educação Familiar. Com a acção maternal entendia-se o auxílio nas maternidades, a assistência ao parto domicílio e também a educação das mães mostrando-lhes a grandeza da maternidade e a grande importância da família. As cantinas escolares foram criadas não só para que alimentassem os alunos das famílias com salários baixos, mas representavam também o meio, onde a OMEN podia educar e moralizar os alunos. As cantinas ofereceram-lhes um ambiente acolhedor onde os estudantes tiveram que cumprir os hábitos de higiene. A secção Famílias Numerosas nasceu para proteger e distribuir os prémios às famílias numerosas. Como referia a Condessa de Rilvas não se trataou de uma função material , mas antes uma função moral e social. Apesar de a OMEN ter distribuído prémios anualmente na Semana da Mãe, o objectivo principal era exaltar, assim, a família e a maternidade e estimular as mães para terem mais filhos. A OMEN pretendia que as mulheres compreendessem que dar a vida a um ser e educá-lo era a mais alta das funções sociais.

62 Pimental , Irene Flunser, História das Organizações Femininas do Estado Novo, Lisboa, Temas e Debates, 2001 p.150 63 Os primeiros centros foram criados em Lisboa(1938) e em Cascais(1940)

25

Os prémios eram atribuídus só a famílias “cujos pais fossem casados pela Igreja Católica, tivessem no mínimo cinco filhos menores legítimos e baptizados e um porte moral exemplar.“64 Depois deste controlo social a família podia obter os prémios, mas só uma vez na vida e era exigido pela OMEN que as famílias informassem “em que aplicaram o dinheiro do prémio, porque uma uma família verdadeiramente digna de ser premiada seria incapaz de gastar em luxos e outras inutilidades o dinheiro.“65

4.3.1. A viragem da OMEN para o meio rural

Nos anos cinquenta, como já mencionamos, o campo da actuação da OMEN foi o meio rural. Nesse período a OMEN tinha sido transformada de organização estatal numa mera associação, actuando no campo da educação familiar rural. “A viragem da OMEN para o meio rural ocorreu, porém, num período em que Portugal tinha deixado de ser“essencialmente agrícola“ para ser “essencialmente industrial“.“66 Esta viragem da OMEN foi causada pela preocupação com êxodo rural, e com o esbatimento do carácter agrícola do país devido à industrialização. A OMEN explicou que “não podia, num país predominantemente agrícola como o nosso, deixar de cooperar com o sector rural“67, por esta razão criava nos campos os centros de educação familiar (sobretudo nos distritos de Braga e Portalegre) . Nestes centros a OMEN dedicava-se a uma acção educativa (oferecia cursos de aprendizagem artesanal e agrícola, técnicas agrárias modernas, higiene rural, moral e religião ou

64 Pimental , Irene Flunser, História das Organizações Femininas do Estado Novo, Lisboa, Temas e Debates, 2001 p.155 65 ibidem p.156 66 http://www.caminhosdamemoria.wordpress.com/2009/02/19/a-obra-das-maes-e-a- caridadezinha 67 Pimental , Irene Flunser, História das Organizações Femininas do Estado Novo, Lisboa, Temas e Debates, 2001 p.160

26

economía doméstica), familiar (com carácter assistencial às mães) e social (apoio alimentar às crianças).68 A expansão da OMEN nos meios rurais, nos anos sessenta, teve como consequência o carecimento de jovens profissionais e de raparigas que se preocupassem dos centros. Assim a OMEN decidiu criar a sua própria Escola de Agentes de Educação Familiar Rural, em Braga, chamada Escola de D.Luís de Castro, inaugurada em 1958. A escola destinava-se a raparigas com mais de 17 anos. O programa dos cursos incluía aulas de agricultura, religião, zootécnica, moral e um estágio nos centros. A escola foi criada com a intenção de “preparar a juventude feminina para exercer uma função específica no meio rural e apreciar as virtudes e os trabalhos familiares.“69, pretendia tornar atraente a vida rural. Na última fase da existência da OMEN (1968-1975), de “agonia irreversível“, a organização vivia os tempos de letargia dedicando se à preparação de quadros na Escola de D. Luís de Castro e à formação duma escassa população feminina rural.

68 Pimental , Irene Flunser, História das Organizações Femininas do Estado Novo, Lisboa, Temas e Debates, 2001 69 ibidem p.170

27

5. A MOCIDADE PORTUGUESA FEMININA

5.1. Criação da MPF e os objectivos principais

Segundo a ideia do Estado Novo, que deviam ser separadas as esferas de actuação conforme os sexos, foi atribuíodo à OMEN formar a parte feminina da Organização Nacional da Mocidade Portuguesa. A pesar de a MP e a MPF terem sido organizações “irmãs“, tinham cada uma objectos diferentes: “enquanto a MP adestra na sua instrução pré- militar defensores para a Pátria e prepara com sua educação política e social colaboradoresa ctivos dos homens do Estado, a MPF habilita-se para prestar a sua colaboração dento do lar, da família que o seu amor, o seu trabalho e o seu espírito cristão tornarão a base sólida do Estado Novo.“70 A Mocidade Portuguesa Feminina foi criada em Dezembro de 1937, sob a tutela de Ministério Nacional da Educação, mas desde o seu início ficou independente da Mocidade Portuguesa, autónoma com uma direcção própria feminina. A direcção das actividades da organização cabia a um Comissariado Nacional, composto por uma Comisária Nacional, duas Comissárias Nacionais Adjuntas e por Secretárias-Gerais. As principais dirigentes da MPF foram as três primeiras Comissárias Nacionais, Maria Guardiola (1937-1968) 71, Maria Luísa Vanzeller (1937- 1945) e Maria Fernanda d`Orey (1937-1969) .72

70 http://www.penelope.ics.ul.pt/indices/penelope_19_20/19-20_09_IPimentel.pdf 71 Maria Guardiola, professora de matemática, representava a mulher mais importante no campo político no regime salazarista, considerada a mais pragmática dirigente, era responsável pelo funcionamentoe pela actuação da organização segundo os seus objectivos. Pertenceu também à junta central da OMEN, entre 1936-1974, e foi também reitora do Liceo de Maria Amália Vaz de Carvalho e do Liceu da Rainha Dona Leonor. 72 Medina João, História de Portugal, Amadora, Edita Ediclube, 2004

28

O objectivo principal da Mocidade Feminina era formar uma mulher “nova“, isso significava formar das jovens, futuras mães e esposas obedientes, capazes de dirigir o seu governo doméstico, mulheres cristãs, de corpo e espírito sãos, com carácter forte, prontas a servir o Estado e a “colaborar“ e “cooperar“ com os homens. A MPF propunha- se estimular nas raparigas portuguesas “a formação de carácter, o desenvolvimento da capacidade física, a cultura do espírito e a devoção ao serviço social no amor de Deus, da Pátria e de Família.“73 No seguinte capítulo veremos algumas das actividades da organização, com as quais tentou conseguir os seus objectivos. O alvo principal da MPF foram as raparigas da classe social média e alta, tentando formar delas uma elite feminina. A MPF foi uma organização obrigatória para todas as raparigas, de sete até catorze anos, estudantes ou não, e para as alunas do primeiro ciclo dos liceus. As filiadas eream divididas e chamadas segundo a idade: as lusitas (dos 7 aos 10 anos), as infantas (dos 10 aos 14 anos), as vanguardistas (dos 14 aos 17 anos) e as lusas (dos 17 aos 25 anos), que, apartir dos os 21 anos, foram integrados voluntariamente no Corpo de Serviço Social para colaborar em acções de defesa civil do território.74 Embora a MPF se considerasse uma organização apolítca, que se limitava a formar as jovens para o lar e certas profissões femininas, em vez de as mobilizar, a organização “não deixou de ser uma organização política e ideológica, transmitiu uma ideologia única, difundiu a noção de que a mulher tinha uma missão exclusiva e pretendeu moldar as jovens no sentido de as adaptar ao serviço do Estado Novo e da Igreja Católica, na esfera feminina “75

73 http://neh.no.sapo.pt/documentos/os_movimentos_femininos_em_portugal.htm 74 Pimental , Irene Flunser, História das Organizações Femininas do Estado Novo, Lisboa, Temas e Debates, 2001 75 http://www.penelope.ics.ul.pt/indices/penelope_19_20/19-20_09_IPimentel.pdf

29

5.2. Actividades da Mocidade Portuguesa Feminina

5.2.1. Actuação no meio escolar

Como já vimos , o plano da Mocidade Feminina era a educação e formação moral e nacionalista da juventude feminina, assim o campo principal da actuação da organização era o meio escolar. Para enquadrar e formar as alunas a MPF criou os primeiros centros liceais (Liceu de Dona Filipa de Lencastre, de Lisboa, Liceu da Rainha Dona Leonor, de Lisboa, Liceu da Infanta Dona Maria, de Coimbra e Liceu da Rainha Santa Isabel, do Porto). 76 Ao longo dos anos quarenta a organização criou também centros escolares, mas não conseguiu a maior parte das escolas primárias, assim, podemos dizer que a MPF foi, ao longo dos anos, essencialmente uma organização urbana e liceal. 77 A partir de 1947 as actividades da organização foram implantadas no programa escolar do ensino primário, secundário e liceal, mas sob a direcção e control da MPF. Entre as actividades, que as alunas tiveram que frequentar obrigatoriamente pertenceram a Formação Moral e Nacionalista, a Educação Física, o Canto Coral. A Formação Moral e Nacionalista era a actividade mais importante, com seguintes objectivos: - “dar a conhecer o passado de Portugal, a riqueza do património lusitano, latino e cristão com a ideia de ressurgimento da nação“78 - “preparar as gerações futuras para amarem a pátria até ao sacrifício“79 - chamar a Salazar “o restaurador“ e realizador do “renascimento“ de Portugal,

76 76 Pimental , Irene Flunser, História das Organizações Femininas do Estado Novo, Lisboa, Temas e Debates, 2001 77 http://www.penelope.ics.ul.pt/indices/penelope_19_20/19-20_09_IPimentel.pdf 78 Pimental , Irene Flunser, História das Organizações Femininas do Estado Novo, Lisboa, Temas e Debates, 2001 p.300 79 ibidem p.300

30

- exaltar os valores femininos históricos e glorificação das virtudes através da construção das heroínas femininas educativas ( Ao lado da celestial Virgem Maria, foram padroeiras da organização Dona Filipa de Lencastre, a mãe que entregou os filhos à Pátria e Dona Leonor, uma servidora social) - “transmitir os princípios morais e patrióticos que enformam o “equilibrado“ nacionalismo do Estado Novo, distinto tanto do comunismo como do nacional-soocialismo.“80

A MPF tentou através da Formação Moral e Nacionalista “nacionalizar as raparigas para criar uma “mulher nova“ , cristã e portuguesa, cujo lugar na sociedade orgânica salazarista seria a família, base do renascimento e da grandeza de Portugal.“81 Segundo a reforma educativa de Carneiro Pacheco, a Mocidade desenvolvia a Educação Física, diferente segundo os sexos, para que a população portuguesa tornasse físicamente vigorosa e resistente, fortalecendo assim a sua saúde. No ensino primário foram ministrados pela Mocidade Portuguesa Feminina Danças Rítmicas, Jogos e Ginástica, no ensino secundário e nos liceus, Desportos (como voleibol, ténis, basquetebol, atletismo ou natação), Danças Regionais e Campismo. Nos anos cinquenta a MPF organizou os primeiros campeonatos nacionais desportivos e as filiadas começaram também a participar, nesse período,com a Mocidade Portuguesa em exibições de ginástica e de danças regionais. A MPF defendia a prática do desporto feminino “sem exibicionismo e em consonância com as regras de prudência e da sã moralidade.“82 O facto é que os desportos tornaram-se uma actividade mais popular e procurada por raparigas e através delas a organização tornou-se mais atractiva.

80 Pimental , Irene Flunser, História das Organizações Femininas do Estado Novo, Lisboa, Temas e Debates, 2001 p.300 81 ibidem p.300 82 ibidem p.307

31

Carneiro Pacheco deu também grande importância ao Canto Coral, porque segundo ele “servia o objectivo de orfeanizar a nação inteira, transmitindo aos jovens o espírito de grupo, próprio do corporativismo anti-individualista, e ao mesmo tempo servindo propósitos coreográficos nacionalistas e militaristas, através de execução de hinos em marchas.“83

Além das actividades escolares obrigatórias a organização feminina ministrou as actividades voluntárias como a Educação Feminina (incluia puericultura, culinária, corte e costura, enfermagem...) , Conhecimento da Terra (folclore, paisagem, costumes..) e Iniciação Artística (artes plásticas, fotografia, arte de representar) .

5.2.2. Propaganda nacional, mobilização e enquadramento das jovens

A MPF não se ocupou só com a formação intelectual e física das filiadas, mas dedicou se também à formação social e caritativa. Ao lado das actividades no meio escolar a MPF teve também o intento de mobilizar as raparigas para campanhas, manifestações políticas de apoio ao Estado Novo e para as iniciativas periódicas, assistenciais e religiosas .84 “Sob a cúpula da religião católica que tudo enformava, pretendia-se formar, por um lado, uma elite feminina com a vocação de educar e servir socialmente, e criar, na “massa“ , o conceito da missão da mulher.“85 “A “nova“ mulher seria cristã, “moralmente sã“, “portuguesa“ e ao serviço do Estado Novo no espaço próprio que lhe era reservado.“86

83 Pimental , Irene Flunser, História das Organizações Femininas do Estado Novo, Lisboa, Temas e Debates, 2001 p.309 84 Pimental , Irene Flunser, História das Organizações Femininas do Estado Novo, Lisboa, Temas e Debates, 2001 85 cit. http://www.penelope.ics.ul.pt/indices/penelope_19_20/19-20_09_IPimentel.pdf 86 Pimental , Irene Flunser, História das Organizações Femininas do Estado Novo, Lisboa, Temas e Debates, 2001 p.310

32

Para mobilizar as filiadas organizava Salões de Educação Estética e serviços sociais como as exposições de berços e enxovais nas Semanas da Mãe (em colaboração com a OMEN), as Embaixadas da Alegria e da Bondade e os Folares da Páscoa, com a intenção de levá-las ao lar, à maternidade e à caridade. A Semana da Mãe teve objectivo de “lembrar a importância e a grandeza da missão maternal, prestando-lhe homenagem condigna, despertar nas raparigas o sentimento de gratidão e devoção pelas suas mães e o desejo de serem, no futuro, as continuadoras da admirável tradição das mães portuguesas.“87 As iniciativas como as Embaixadas de Alegria e Folares de Páscoa (no Natal e na Páscoa), consistiam na visita das filiadas aos hospitais, creches, orfanatos e asilos, para lhes trazer um pouco de carinho e alegria. A MPF esclareceu que estes serviços sociais não só tinham um objectivo assistencial, mas também educativo, dando a conhecer às filiadas a dor, a impotência e a pobreza do próximo.88 As iniciativas culturais da MPF, como os Salões de Educação Estética (exposições nacionais ou regionais de trabalhos confeccionados pelas jovens.) e jogos florais literários (para encontrar futuras colaboradoras), estimulavam as raparigas para a descoberta de disposições e talentos, nos campos tradicionais femininos.89

Como as medidas de enquadrar as jovens, a Mocidade também introduziu, além dos hinos, a saudação romana e o uniforme. Embora fosse atraente o uso dos uniformes para algumas filiadas, também geraram contradições. A uniformização foi recusada pelos que se temiam da “militarização“ das filiadas e pelas raparigas de classes sociais mais

87 Pimental , Irene Flunser, História das Organizações Femininas do Estado Novo, Lisboa, Temas e Debates, 2001 p.316 88 Pimental , Irene Flunser, História das Organizações Femininas do Estado Novo, Lisboa, Temas e Debates, 2001 89 http://www.penelope.ics.ul.pt/indices/penelope_19_20/19-20_09_IPimentel.pdf

33 altas, mas Maria Guardiola defendeu o uso dos uniformes, porque, representava a forma como “igualizar“ (ocultando, assim, a origem social das filiadas) e “hierarquizar“ as jovens no seio da organização. O uso da uniforme nunca foi generalizado, por razões familiares (muitos pais eram contra a uniformização das suas filhas) e económicas.90

Com o propósito de propaganda nacional e controlo, a organização dedicou-se também aos serviços assistenciais, de carácter educativo, com a finalidade de atracção e das fiiadas. Como o maior exemplo do serviço assistencial, podemos mencionar os campos de férias, organizados pela MPF91. As férias foram um período que dava muitas preocupações à organização, porque as filiadas ficavam três meses sem o seu controlo, “só“ entre as famílias e os amigos, sujeitas a possiveis influências “perniciosas“.92 Assim, os campos de férias representavam “o instrumento com o qual a organização contou para manter a sua influência nos três meses de Verão e inculcar,nesse período, os seus princípios ideológicos e religiosos“93 Além das colónias de férias, a MPF gerenciou também as cantinas dos liceus femininos e distribuiu bolsas de estudo às alunas provenientes das famílias numerosas e com bom porte moral e político. A Mocidade ocupava-se também da literatura lida pelas raparigas e dos filmes que as filiadas viam e aconselhava uma “boa“ literatura e “bom“ cinema. Controlava rigorosamente os livros e os filmes, recusando as influências estrangeiras, sobretudo o cinema americano, propagando só o cinema espanhol ou português, sem ideias desmoralizantes. A “boa“ literatura divulgada pela MPF incluía a literatura portuguesa (entre os escritores que aconselhados contavam-se por

90 http://www.penelope.ics.ul.pt/indices/penelope_19_20/19-20_09_IPimentel.pdf 91 A MPF organizou, entre 1939 e 1963, 78 campos de férias, com a presença de dez mil filiadas, entre os os quais se contavam colónias para filiadas pobres, campos de formação para universitárias e de estágio para graduadas. Foram organizados entre 1 de Agosto e 30 de Setembro, uma estada durou vinte dias.

92 Pimental , Irene Flunser, História das Organizações Femininas do Estado Novo, Lisboa, Temas e Debates, 2001 93 ibidem p.330

34 exemplo Gil Vicente, Júlio Dinis, cancioneiros e poemas religiosos e nacionalistas de Correia de Oliveira, Maria Teresa Andrade dos Santos,

Ester de Lemos...nos anos sessenta foi incluído também O Principezinho e o Diário de Anne Frank) .94

5.2.3. As publicações da MPF e transmissão de valores e comportamentos

Ao lado das actividades da organização, no meio escolar ou fora dele, que serviram para “inculcar a ideologia nacionalista e cristã no seio das raparigas portuguesas assim como para enquadrá-las, mobilizá-las e adaptá-las ao regime, as publicações da MPF foram, sem dúvida, os principais meios de transmissão de valores e comportamentos entre as jovens que as liam.“95 A partir de Maio de 1939 organização começou publicar o Boletim da MPF (1939-1947), com o carácter elitista e conteúdo ideológico, dirigiu-se às filiadas frequentadoras dos liceus provenientes das classes sociais mais altas, entre as quais tentou formar uma elite feminina. A partit de 1947 o Boletim da MPF foi suplantado pela revista Menina e Moça (1947-1974), destinada a todas as raparigas, com um sumário menos ideológico do que o Boletim da MPF. A revista Menina e Moça introduziu à ideologia nas rúbricas de Cinema, Modas, História da música, Desportos, Culinária ou Leituras, e difundiu assim determinados valores morais e comportamentos induzidos nestas rúbricas. Para as filiadas mais novas foi editada a revista chamada Lusitas (1943- 1957), aparecendo, em 1957, sob o nome de Fagulha (1957-1974).96 Através estas publicações de “massas“ , a organização “tentou completar,

94 Pimental , Irene Flunser, História das Organizações Femininas do Estado Novo, Lisboa, Temas e Debates, 2001 95 Pimental , Irene Flunser, História das Organizações Femininas do Estado Novo, Lisboa, Temas e Debates, 2001 p.335 96 Pimental , Irene Flunser, História das Organizações Femininas do Estado Novo, Lisboa, Temas e Debates, 2001

35

senão mesmo substituir, o papel educativo da família, prestando colaboração à Igreja na defesa dos valores desta e pretendeu criar uma “rapariga nova“, que nunca deixou, porém, de ser “tradicional“ .“97 Os artigos do Boletim da MPF e da Menina e Moça tiveram uma função educativa, dedicando-se maioritariamente à transmissão de valores e comportamentos, com a intenção de educar a jovem como uma boa esposa e dona de casa. Lutavam contra o“modernismo“, o“snobismo“, o “feminismo“ e o “egoísmo“ das jovens, levando-as à austeridade humildade e à caridade com os mais pobres. Os artigos mostravam exemplos como as raparigas deviam ser e como se comportar. Apelavam às leitoras que fossem verdadeiras, rectas, amáveis, honestas, com bons princípios, elegantes (com o vestuário modesto e austero )., ordenadas, e “novas“ (porque ser “novo“ significa ser bom, puro e forte). Davam às raparigas os mais variados conselhos sobre comportamentos: “cabia-lhes irradiar bondade e praticar a caridade e saber comportar-se nas variadas situações. Entre as qualidades que as leitoras deviam possuir e os defeitos a combater contavam-se, no primeiro caso, a simplicidade, a elegância, a boa educação e a cultura, e, no segundo caso, a má língua, a vaidade, o desleixo, a cólera, a curiosidade, a indolência e a arrogância.“98 Outro tema importante dos artigos eram as férias, que como já vimos, presentavam um período difícil para a MPF, transmitiam inúmeros conselhos como se deviam comportar e como preencher o tempo de férias (servir de exemplo nas aldeias, cumprir a moral nas praias, ajudar a mãe e as criadas, descansar, rezar, ler, conhecer Portugal, pensar na pátria e não perder noites a dançar).99

97 http://www.penelope.ics.ul.pt/indices/penelope_19_20/19-20_09_IPimentel.pdf 98 Pimental , Irene Flunser, História das Organizações Femininas do Estado Novo, Lisboa, Temas e Debates, 2001 p.345 99 Pimental , Irene Flunser, História das Organizações Femininas do Estado Novo, Lisboa, Temas e Debates, 2001

36 A MPF também se preocupou nos artigos com as relações familiares e com os jovens do outro sexo. Nas páginas de Menina e Moça era transmitido o modelo da “boa filha“ que era aquela que “preferia um serão em casa com a família, ajudava a mãe nos afazeres domésticos, lhe confiava tudo, conhecia as suas preocupações, não proclamava a sua independência, fazia companhia à avó, não “implicava“ com os irmãos e consultava sempre com os pais, porque a sua opinião nem sempre é parcial e antiquada“100 Quanto às relações com os jovens, a rapariga devia ser prudente, ter cuidado com os jovens que não queriam casar, porque o casamento representava um acto sério, “para toda a vida“, com o fim de ter filhos . Ao longo dos anos foram constantemente repetidos estes conselhos nas publicações da MPF para manter a sua “boa“ influência evitando as influências nefastas.

5.3. Epílogo

A partir dos anos cinquenta a organização começou a perder a sua influência, por causa da modernização da população, começaram a surgir críticas em alguns sectores do regime e sobretudo da Escola. Assim, em Abril de1956 foi realizado o II Congresso da Mocidade Portuguesa, onde foram discutidos as relações entre as Mocidades e a Escola e o regime de obrigatoriedade. As Mocidades foram condenadas do carácter compulsivo, a MPF devia remodelar o plano das actividades, que se tornaram voluntárias a partir do 2.º ciclo do ensino secundário. A partir de então, “ a MPF tentou acompanhar o sinal dos tempos, promovendo “exibições e competições“ desportivas, além de encontros de “formação moral e social“, mas não teve sucesso.“101

100 Pimental , Irene Flunser, História das Organizações Femininas do Estado Novo, Lisboa, Temas e Debates, 2001 p.351 101 http://www.penelope.ics.ul.pt/indices/penelope_19_20/19-20_09_IPimentel.pdf

37

Em 1966, o ministro da Educação Nacional, Inocêncio Galvão Teles acabou definitivamente com a possibilidade de as Mocidades interferirem no seio da escola.102 O ministro Telles promulgou um decreto que “remeteu progressivamente as actividades circum-escolares (ACE) e a acção social escolar para o âmbito da Escola e atribuiu às MP meras funções de estímulo, coordenação e orientação das ACE.“103 Isto representou a derrota do projecto estatal “totalizante“ de enquadramento de toda a juventude e o triunfo da escola, que foi desde agora única responsável pela educação dos jovens nos establecimentos de ensino.104 Em 1971 as Mocidades foram transformadas em “associações nacionais de juventude abertas à adesão voluntária“105 Depois da queda do Estado Novo, em 1974, a Mocidade Portuguesa Feminina e a Mocidade Portuguesa foram extintas.

102 Pimental , Irene Flunser, História das Organizações Femininas do Estado Novo, Lisboa, Temas e Debates, 2001 103 http://www.penelope.ics.ul.pt/indices/penelope_19_20/19-20_09_IPimentel.pdf 104 Pimental , Irene Flunser, História das Organizações Femininas do Estado Novo, Lisboa, Temas e Debates, 2001 105 http://www.penelope.ics.ul.pt/indices/penelope_19_20/19-20_09_IPimentel.pdf

38

6. A CONCLUSÃO

No fim do presente estudo tentaremos resumir o seu conteúdo mencionando os momentos mais importantes. Depois de acabado este trabalho podemos ver que a situação da mulher na época do Estado Novo foi bastante diferente da vida contemporânea e não foi nada fácil. Na primeira parte, dedicada à política salazarista específica relativamente às mulheres, pudemos ver o papel principal da mulher como mãe e educadora, com os direitos submetidos ao marido,. Também vimos a grande importância que deu Salazar à família- o núcleo da sociedade, considerando a maternidade e o trabalho doméstico funções de utilidade social. O Estado Novo não remeteu aparentemente todas as mulheres para o lar. Apesar de Salazar não ver de bem grado o trabalho feminino, não o conseguia eliminar, porque, como mencionamos, as mulheres entraram no mercado do trabalho. Na segunda parte do trabalho aprendemos sobre as organizações femininas, vimos as diferenças da Obra das Mães para a Educação Nacional e da Mocidade Portuguesa Feminina criadas com a intenção de reeducar as mães e educar integralmente as raparigas . Apesar de que as organizações se esforçassem na sua actuação e sobrevivessem até o fim do Salazarismo, não teriam atingido os seus objectivos principais, de enquadrar toda a juventude, e todas as mulheres ou de transformar as mentalidades e criar uma mulher nova. Estes eram os objectivos inatingíveis, porque somos pessoas com pensamento próprio e nenhuma organização estatal pode manipular toda uma nação. Apesar de tudo cada pressão provoca uma oposição como também nesta época surgiram os movimentos de oposição ao regime do Estado Novo, mas isso seria outro tema do estudo.

39

7. BIBLIOGRAFIA

Pimental, Irene Flunser, História das Organizações Femininas do Estado Novo, Lisboa, Temas e Debates, 2001

Medina João, História de Portugal, Amadora, Edita Ediclube, 2004

Jan Klíma, Dějiny Portugalska, Nakladatelství Lidové noviny, 1996

Fontes electrónicos:

http://www.penelope.ics.ul.pt/indices/penelope_19_20/19- 20_09_IPimentel.pdf

http://www.penelope.ics.ul.pt/indices/penelope_17/17_07_CovaPinto.pdf

http://www.caminhosdamemoria.wordpress.com/2009/02/19/a-obra-das- maes-e-a-caridadezinha

http://caminhosdamemoria.wordpress.com/2008/07/07/a-situacao-das- mulheres-no-seculo-xx-em-portugal-1/

http://neh.no.sapo.pt/documentos/os_movimentos_femininos_em_portuga l.htm

http://campussocial.ulusofona.pt/pdf/recensoes.pdf

http://www.mulheres-ps20.ipp.pt/Hist_mulheres_em_portugal.htm

http://pt.wikipedia.org/wiki/Salazarismo

40

41