As Exposições De Segall, Malfatti E Goeldi No Início Do Modernismo Brasileiro
Total Page:16
File Type:pdf, Size:1020Kb
17° Encontro Nacional da Associação Nacional de Pesquisadores em Artes Plásticas Panorama da Pesquisa em Artes Visuais – 19 a 23 de agosto de 2008 – Florianópolis Um outro moderno? As exposições de Segall, Malfatti e Goeldi no início do modernismo brasileiro Profa. Dra. Vera Beatriz Siqueira (UERJ) Resumo: Desde 2002 venho desenvolvendo o projeto “Estilo e instituição”, no qual analisei as estratégias e os efeitos da institucionalização da arte moderna e contemporânea no Brasil, a partir do estudo de artistas significativos para a modernidade estética no país. A partir de 2008, a idéia central do projeto é pensar no significado de certos eventos artísticos e culturais, bastante variados no tempo, de forma a, a partir desses estudos parciais, entre dúvidas e lacunas, ir formando uma história não linear, sem teleologia ou finalismo. Entre os fatos que elegi, e que gostaria de apresentar nesta comunicação, encontra- se a trinca de exposições de Lasar Segall em 1913, Anita Malfatti em 1917 e Goeldi em 1921, todos artistas de formação expressionista, com repercussões críticas polêmicas ou negativas no quadro do incipiente modernismo brasileiro. Analisar a significação histórica e cultural deste fato é objetivo central de minha pesquisa. Palavras-chave: Exposições de arte; expressionismo no Brasil; arte moderna brasileira Since 2002 is being developed the project "Style and institution", in which I analyzed the strategies and the effects of the institutionalization of the modern art and contemporary in Brazil, studying the cases of significant artists for the modernity esthetics in the country. From 2008, the central idea of the project is to think of the meaning of certain cultural and artistic events varied in the time, from which partial studies, between doubts and gaps, is intended to be formed a new history, without teleology or finalism. Between the facts elected, finds-itself the expositions of Lasar Segall in 1913, Anita Malfatti in 1917 and Goeldi in 1921, artists of expressionist formation, with critical polemic or negative critical reception in the incipient Brazilian modernism. To analyze the cultural and historical significance of this fact is the central objective of my research. Key-words: Art exhibitions; expressionism in Brazil; Brazilian modern art Desde 2002 venho desenvolvendo, no âmbito do Instituto de Artes da UERJ o projeto “Estilo e instituição: arte e cultura contemporânea no Brasil”, cujo objetivo geral é analisar as estratégias e os efeitos da institucionalização da arte moderna e contemporânea no Brasil. O tema da relação entre arte e institucionalização se apresenta, no quadro atual dos estudos sobre arte, de forma contraditória. De um lado, associa-se à investigação da notória precariedade de nosso sistema cultural, herdeiro de um passado colonial, cujo atraso frente à modernidade internacional vem sendo sobejamente estudado 15 17° Encontro Nacional da Associação Nacional de Pesquisadores em Artes Plásticas Panorama da Pesquisa em Artes Visuais – 19 a 23 de agosto de 2008 – Florianópolis por nossa historiografia da arte. Por outro lado, podemos perceber ligações entre a tal precariedade institucional e a carência de análises materiais das linguagens de nossos artistas modernos e contemporâneos. Parece-me claro que, esta precariedade teve, em alguns de nossos artistas, um sentido francamente positivo e liberatório. Como afirmou o crítico Paulo Sérgio Duarte, a “modernidade mal acabada” – ou seja: “o contraste entre a riqueza da obra e sua débil institucionalização” – acabou por gerar uma relação “não-edipiana” entre a contemporaneidade artística e seu passado moderno, dispensando o confronto institucional com a arte moderna e, nesse sentido, diferenciando-se da produção internacional corrente, marcada pela dissolução da arte na cultura e pelo domínio das narrativas.i Essa diferença, que nada carrega das preocupações nacionalistas do antigo discurso modernista, deveria estimular uma reflexão histórica e crítica peculiar, que desse conta dos nexos particulares entre o processo estético e os demais processos de construção e transformação do real contemporâneo. Porém, o que vemos, ao contrário, é uma tendência crítica que procura aproximar a arte contemporânea brasileira às vertentes internacionais, cujo resultado é o inverso do que pretendia: no lugar de situar a arte brasileira no contexto internacional, submete-a a esquemas que lhe são exteriores ou estranhos, perdendo de vista a possibilidade concreta de sua compreensão histórica ou crítica. No artigo “Um azar histórico”, Rodrigo Naves aponta para esse problema. Analisa privilegiadamente os casos dos artistas Hélio Oiticica e Lygia Clark, transformados em estrelas de nossa contemporaneidade, especialmente a partir da sua incorporação pela crítica internacional. Para Naves, a vertente crítica internacional tende a valorizá-los naquilo que ambos “antecipariam”, ainda que de forma intuitiva, as vanguardas internacionais, sobretudo no que se refere à participação do espectador nas obras de arte, rompendo os tradicionais limites da experiência estética. Esse tipo de raciocínio teria incentivado uma compreensão histórica da arte brasileira bastante complicada: ao privilegiar as produções modernas que desembocam na arte contemporânea (entendida como oposta ou radicalmente diversa da arte moderna), perde de vista a própria liberdade e frescor que marcou a produção de artistas como HO ou Lygia Clark, para inseri-los numa história da arte linear e finalista.ii Isso sem falar em todas as demais produções modernas ou 16 17° Encontro Nacional da Associação Nacional de Pesquisadores em Artes Plásticas Panorama da Pesquisa em Artes Visuais – 19 a 23 de agosto de 2008 – Florianópolis contemporâneas desvalorizadas por não se inscreverem nessa vertente atual da proximidade entre arte e vida. Nesse sentido, o presente projeto objetiva pensar no significado de certos eventos artísticos e culturais, bastante variados no tempo, de forma a, a partir desses estudos parciais, entre dúvidas e lacunas, ir formando uma história não linear, sem teleologia ou finalismo. Elegi, a princípio, os seguintes fatos a serem analisados em sua significação artística, histórica e cultural: 1. a permanência no Brasil, por alguns anos, do artista francês Nicolas Antoine Taunay, pintor reconhecido na Academia francesa, e seus embates com a nascente Academia de Belas Artes; 2. a trinca de exposições de Lasar Segall em 1913, Anita Malfatti em 1917 e Goeldi em 1921, todos três artistas de formação expressionista, com repercussões críticas polêmicas ou negativas no quadro do incipiente modernismo brasileiro. Esse par de fatos desiguais e desconexos deverá possibilitar investigar momentos centrais no processo de institucionalização da arte brasileira, com especial destaque para o diálogo entre produção, crítica e instituições artísticas. *** Para a presente comunicação, escolhi falar desse segundo fato cultural a ser investigado: o conjunto de exposições de artistas de formação expressionista e toda a polêmica crítica que geraram. Não creio, na realidade, que alguma dessas mostras tenha sido um fato de destaque em sua época. Hoje em dia, o interesse histórico converteu a exposição de Anita Malfatti em acontecimento notório. Mas à época, o que vemos é um interesse razoavelmente limitado de pessoas envolvidas no restrito universo das artes brasileiras. Talvez a própria eleição futura da Semana de Arte Moderna – outro fato cercado por um interesse bastante restrito em termos culturais – tenha diminuído ainda mais a sua relevância. Mas o que me parece central compreender historicamente é a recepção crítica dessa vertente expressiva da arte e a condenação desses artistas (que chega a se transformar numa opção poética) ao isolamento cultural. Significa, portanto, dialogar diretamente com os critérios de ajuizamento estético de nosso modernismo, percebendo o lugar específico que concedem à produção de caráter expressionista. 17 17° Encontro Nacional da Associação Nacional de Pesquisadores em Artes Plásticas Panorama da Pesquisa em Artes Visuais – 19 a 23 de agosto de 2008 – Florianópolis Comecemos, então, pela mostra de Lasar Segall, realizada em 1913 em São Paulo e Campinas. O artista morava nessa época em Dresden, convivendo com artistas expressionistas como George Groz, Otto Dix e Schmidt-Rotluff. Lá, mantinha-se com razoável conforto. O próprio Segall relata: “minha situação, muito melhorada por vendas assaz freqüentes dos meus trabalhos, já me permitia por aqueles tempos o luxo de um pequeno ateliê próprio, no qual me entregava a minhas experiências mais íntimas na arte”.iii Segundo o pintor, um desejo de viagens o levou a visitar a Holanda e o Brasil, onde já morava sua irmã Luba. Na capital paulista, instala-se na casa de Berta Klabin, através de quem conhece o senador Freitas Valle, que propõe a realização de uma mostra dos trabalhos que havia trazido consigo da Europa. Assim, inaugura em 1º de março de 1913 a sua mostra individual numa sala da Rua S. Bento. Em junho do mesmo ano, a exposição é aberta no Centro de Ciências, Letras e Artes de Campinas. Como chama a atenção a pesquisadora Vera d’Horta, esses poucos salões de exposição “eram ocupados de maneira mais ou menos indiscriminada, por pintores estreantes, jovenzinhas de talento duvidoso mas de famílias preeminentes, pintores de fatura acadêmica com certa bagagem cultural, bolsistas que voltaram da Europa, artistas acadêmicos de fama no Velho Mundo em visita ao Brasil”, o que fazia das exposições mais acontecimentos sociais do que artísticos.iv