Nº 319 Fevereiro de 2016 Órgão Oficial do Corecon-RJ e Sindecon-RJ

Integração da América Latina Gustavo Rojas de Cerqueira César, Nildo Ouriques, Luiz Carlos Delorme Prado e Igor Fuser atualizam e aprofundam o debate sobre a integração econômica dos países da América Latina

FPO analisa a situação da previdência dos servidores do Rio; resumo do trabalho primeiro colocado no Prêmio de Monografia Economista Celso Furtado 2 Editorial Sumário

Integração da América Latina Integração da América Latina ...... 3 A ainda claudicante integração econômica da América Latina, que Gustavo Rojas de Cerqueira César apresenta di culdades adicionais neste momento de crise e guinadas A integração regional no século XXI conservadoras em alguns países da região, é o tema desta edição. Gustavo Rojas de Cerqueira César, da Universidade de Belgrano, na , a rma em artigo que este é o momento adequado para pen- Entrevista: Nildo Ouriques ...... 6 sar os uxos econômicos intrarregionais na América do Sul a partir de “A integração latino-americana foi comandada uma nova perspectiva, que permita explorar as possibilidades de redução pela expansão das multinacionais” dos custos de produção e gerar o dinamismo necessário para elevar e di- versi car a presença de suas economias no mercado internacional e nas cadeias globais de valor. Integração da América Latina ...... 8 Nildo Ouriques, da UFSC, lamenta em entrevista que muita gente Luiz Carlos Delorme Prado suponha que a Avenida Paulista e o coração burguês do Brasil, que é São O fracasso da Rodada de Doha e as armadilhas Paulo, possam levar adiante o desenvolvimento prescindindo da integra- ção latino-americana. Ele diz ainda que a integração obtida até o mo- dos acordos plurilaterais mento foi comandada pela expansão das multinacionais. Luiz Carlos Delorme Prado, do IE/UFRJ, a rma no seu artigo que Integração da América Latina ...... 10 é um equívoco submeter-se à estratégia de acordos plurilaterais amplos Igor Fuser com cláusulas que não interessam aos países em desenvolvimento. A me- lhor alternativa para o Brasil é tentar reformar o Mercosul e continuar Integração: faltou combinar com a burguesia usando-o como plataforma para aumentar nosso poder de barganha nas negociações com outras regiões e países. Fórum Popular do Orçamento ...... 12 Igor Fuser, da Universidade Federal do ABC, pergunta no seu arti- A providência da Previdência go: como levar adiante a emancipação da América Latina se os principais atores aos quais foi entregue essa grandiosa tarefa – a burguesia de cada um dos nossos países – têm como interesse essencial a manutenção dos Monografia ...... 15 atuais laços de dependência? Daniel Ribera Vainfas O artigo do FPO desconstrói a percepção de que há uma crise na previdência pública brasileira e analisa a situação especí ca da previdên- O Mercado Enraizado cia dos servidores do município do Rio de Janeiro. A partir desta edição, iniciamos a publicação dos resumos dos tex- O Corecon-RJ apóia e divulga o programa Faixa Livre, apresentado por Paulo Pas- tos vencedores do 25º Prêmio de Monogra a Economista Celso Furtado sarinho, de segunda à sexta-feira, das 9h às 10h30, na Rádio Livre, AM, do Rio, 1440 com o trabalho de Daniel Ribera Vainfas, primeiro colocado no certame. khz ou na internet: www.programafaixalivre.org.br ou www.radiolivream.com.br

Órgão Oficial do CORECON - RJ Presidente: José Antonio Lutterbach Soares. Vice-presidente: Sidney Pascoutto da Rocha. Con- E SINDECON - RJ selheiros Efetivos: 1º TERÇO: (2014-2016) Arthur Câmara Cardozo, Gisele Mello Senra Rodrigues Issn 1519-7387 - 2º TERÇO: (2015-2017) Antônio dos Santos Magalhães, Gilberto Caputo Santos, Jorge de Olivei- ra Camargo - 3º TERÇO: (2016-2018) Carlos Henrique Tibiriçá Miranda, Sidney Pascoutto Rocha, Conselho Editorial: Carlos Henrique Tibiriçá Miranda, José Ricardo de Moraes Lopes, Sidney Pas- José Antônio Lutterbach Soares. Conselheiros Suplentes: 1º TERÇO: (2014-2016) Andréa Bas- coutto da Rocha, Gilberto Caputo Santos, Marcelo Pereira Fernandes, Gisele Rodrigues, João Paulo tos da Silva Guimarães, Regina Lúcia Gadioli dos Santos, Marcelo Pereira Fernandes - 2º TERÇO: de Almeida Magalhães, Sergio Carvalho C. da Motta, Paulo Mibielli Gonzaga. Jornalista Respon- (2015-2017) André Luiz Rodrigues Osório, Flavia Vinhaes Santos, Miguel Antônio Pinho Bruno - 3º sável: Mar celo Cajueiro. Edição: Diagrama Comunicações Ltda-ME (CNPJ: 74.155.763/0001-48; TERÇO: (2016-2018) Arthur Cesar Vasconcelos Koblitz, José Ricardo de Moraes Lopes, Sergio tel.: 21 2232-3866). Projeto Gráfico e diagramação: Rossana Henriques (rossana.henriques@ Carvalho Cunha da Motta. gmail.com). Ilustração: Aliedo. Revisão: Bruna Gama. Fotolito e Impressão: Edigráfica. Tira- gem: 13.000 exemplares. Periodicidade: Mensal. Correio eletrônico: [email protected] SINDECON - SINDICATO DOS ECONOMISTAS DO ESTADO DO RJ Av. Treze de Maio, 23 – salas 1607 a 1609 – Rio de Janeiro – RJ – Cep 20031-000. Tel.: (21)2262- As matérias assinadas por colaboradores não refletem, necessariamente, a posição das entidades. 2535 Telefax: (21)2533-7891 e 2533-2192. Correio eletrônico: [email protected] É permitida a reprodução total ou parcial dos artigos desta edição, desde que citada a fonte. Mandato – 2014/2017 CORECON - CONSELHO REGIONAL DE ECONOMIA/RJ Coordenação de Assuntos Institucionais: Sidney Pascoutto da Rocha (Coordenador Geral), Av. Rio Branco, 109 – 19º andar – Rio de Janeiro – RJ – Centro – Cep 20040-906 Antonio Melki Júnior, Jose Ricardo de Moraes Lopes e Wellington Leonardo da Silva Telefax: (21) 2103-0178 – Fax: (21) 2103-0106 Coordenação de Relações Sindicais: João Manoel Gonçalves Barbosa, Carlos Henrique Tibi- Correio eletrônico: [email protected] riçá Miranda, César Homero Fernandes Lopes, Gilberto Caputo Santos. Internet: http://www.corecon-rj.org.br Coordenação de Divulgação Administração e Finanças: Gilberto Alcântara da Cruz, José Antonio Lutterbach, José Jannotti Viegas e André Luiz Silva de Souza. Conselho Fiscal: Regina Lúcia Gadioli dos Santos, Luciano Amaral Pereira e Jorge de Oliveira Camargo www.corecon-rj.org.br Jornal dos Economistas / Fevereiro 2016 Integração da América Latina 3

A integração regional no século XXI

Gustavo Rojas de Cerqueira César* 10% das exportações intrarregio- A integração nais da América Latina foram de sul-americana s uxos de comércio atra- bens intermediários. Essa partici- vessam profundas transfor- pação é inferior àquela de outras Apesar da redução das perspec- mações.O A diminuição das barrei- regiões, tais como a Associação tivas de crescimento mundial, os ras tarifárias e o desenvolvimento das Nações do Sudeste Asiático+3 países da Ásia em desenvolvimen- de novas tecnologias ampliaram o (ASEAN+3), 30%; o Acordo de to, movidos pelo avanço da urbani- horizonte das atividades econômi- Livre Comércio da América do zação e elevação da renda, seguirão cas passíveis de intercâmbio entre Norte (NAFTA), 19%; e a União respondendo por mais da metade países. A fragmentação do proces- Europeia (UE), 16%3. A América do crescimento mundial nos pró- so produtivo e a dispersão interna- Latina (AL) continua a ser mar- ximos anos, sustentando um volu- cional de tarefas vêm construindo cada pela heterogeneidade: 2/3 me crescente de demanda por com- um sistema sem fronteiras, organi- das exportações de bens interme- modities, que será acompanhado de zado em cadeias sequenciais e/ou diários da região destinam-se aos gradual mudança de per l, rumo a redes complexas, as cadeias globais EUA, enquanto o comércio regio- produtos mais elaborados. de valor (CGV). nal segue concentrado no inter- As economias sul-americanas As CGV são coordenadas por câmbio de bens industriais nais. seguem apresentando uma elevada empresas transnacionais, que in- O peso e a dinâmica das transa- heterogeneidade de seu potencial comercial. Seu valor encontra-se termedeiam 80% do comércio ções baseadas nas CGV ainda não econômico relativo, sofrendo cres- no estabelecimento de acumu- mundial1. Cerca de 60% do co- se encontram devidamente reeti- cente concorrência de bens indus- lação de origem. Seus membros mércio global já é composto pe- dos nas regras do sistema multila- triais nais provenientes de extra- são países caracterizados pela bai- lo intercâmbio de bens e servi- teral de comércio. Os acordos se- zona. Apesar do longo histórico de xa resistência à abertura comer- ços intermediários, insumos que guem operando primordialmente iniciativas integracionistas, a con- cial: apresentam tarifa de nação se incorporam em diversas eta- com base em uma lógica tradicio- junção de esforços para melhorar a mais favorecida média de 6,6%, pas dos processos produtivos de nal, prevendo reconhecimento bi- competitividade em terceiros mer- em contraste com o Mercosul, bens e serviços. Os serviços, in- lateral de origem. Os modestos re- cados nunca foi devidamente tra- cuja média é de 12%. Antes mes- tensivos em mão de obra e co- sultados alcançados na Rodada tada como base para a sustenta- mo da criação do bloco, os quatro nhecimento, constituem o prin- Uruguai, em disciplinas como ser- bilidade dos acordos regionais. A países já haviam celebrado bilate- cipal insumo utilizado por essas viços, investimentos e propriedade preocupação com a promoção de ralmente tratados de livre comér- cadeias, respondendo por 55% intelectual, evidenciam a di culda- complementaridades produtivas cio (TLC) com EUA, UE, Japão e do valor agregado às exportações de de multilateralizar esses temas. destacou-se por sua ausência. diversos países da ASEAN. mundiais2. Tem sido acelerada a Nesse contexto, tem sido pro- O surgimento da Aliança do Para o México, maior economia migração do per l do comércio movida uma agenda menos am- Pací co (AP) e a necessidade de re- da AP, o bloco serve como platafor- internacional de interindustrial biciosa na OMC, porém, com formas no modelo de crescimento ma de produção e exportação a ter- para intraindustrial intensivo em novas dinâmicas de negociação. das principais economias do Mer- ceiros mercados, apoiado em TLCs serviços, diluindo os limites entre Por um lado, o acordo de facili- cosul, excessivamente dependente com a AL e potências extra-regio- comércio de bens, serviços e in- tação do comércio engloba todos do dinamismo do mercado inter- nais. O agrupamento também é vestimento estrangeiro direto. os países membros, mas contem- no, deveriam chamar atenção pa- instrumental para uma maior “lati- Mais do que dotadas de caráter pla prazos de implementação di- ra a agenda regional pendente de no-americanização” da política ex- global, as CGV vêm sendo organi- ferenciados e oferta de assistência “integração profunda”, as possi- terior mexicana. Desde o ingresso zadas em uma estrutura centro-ra- técnica para países em desenvol- bilidades de complementaridades da China na OMC, o México vem dial em torno de um centro regio- vimento. Por outro lado, o acor- produtivas e a necessidade de uma perdendo, gradativamente, partici- nal. O comércio intrarregional de do plurilateral de tecnologia da maior concertação no relaciona- pação no mercado americano, e os bens intermediários é um indica- informação mostra-se rigoroso mento com os EUA e a China. americanos, no mercado mexica- dor do nível de fragmentação dos em suas obrigações, mas exível O Acordo Marco da AP agrega no, “derretendo” o NAFTA4. Des- processos produtivos. Em 2011, em sua composição. pouco em termos de liberalização de 2008, a AL vem sendo o desti- www.corecon-rj.org.br Jornal dos Economistas / Fevereiro 2016 4 Integração da América Latina

no mais dinâmico das exportações necessariamente às delimitações persistir falta de coordenação en- nentes regionais, particularmen- mexicanas5. O maior potencial de dos esquemas de integração re- tre os Ministérios do Planejamen- te em cadeias produtivas em ple- ampliação na região encontra-se no gional, mas à proximidade dos to e da Fazenda da região no mo- no desenvolvimento onde a região Brasil e na Argentina, países com os parques industriais8. Assim, na mento em que estes investimentos possui claras vantagens naturais, quais ainda não possui TLCs. medida em que são reduzidos os estão chamados a desempenhar como biotecnologia, fármacos e Na América do Sul, Brasil e Ar- custos de transporte, deve-se es- importante papel contracíclico. energias renováveis. gentina possuem os maiores par- perar uma maior desconcentra- Uma maior priorização das obras Por sua vez, os acordos de co- ques industriais. As relações in- ção dos parques produtivos rumo transnacionais da Agenda de Im- mércio automotivo, que responde traindustriais de maior peso para o a diferentes centros setoriais espe- plementação Consensuada (US$ por quase a metade do comércio comércio regional de bens interme- cializados e maior produtividade. 9 bilhões) entre os desembol- intra-Mercosul, ainda se dão no diários na América Latina encon- A ampliação dos investimentos sos previstos pelos organismos - formato bilateral. Urge a imple- tram-se entre Brasil e Argentina: os na integração da infraestrutura nanceiros regionais, o fomento de mentação de um regime automo- dois países, entretanto, pouco avan- gera novas capacidades produti- maior utilização de moedas regio- tivo regional que, gradualmente, çaram na revisão da tarifa externa vas e aquece a demanda de bens nais no capital dessas instituições seja estendido aos demais países comum (TEC) como instrumento industriais e de capital. e melhor coordenação na articula- da região. A retomada dos esfor- de coordenação de política indus- ção das possibilidades de coopera- ços voltados à promoção de uma trial. A estrutura tarifária brasileira, Possíveis caminhos ção nanceira com a China seriam maior simpli cação, homogenei- reetida, em grande medida, na es- iniciativas dinamizadoras. zação e acumulação do regime de trutura da TEC, apresenta elevada A integração logística é um No plano estrito das negocia- origem, bem como o estudo de dispersão do grau de proteção efeti- ponto crítico para as cadeias pro- ções comerciais, são claros os de- eventuais regimes de origem dife- va dos setores industriais, sem cor- dutivas regionais. Os custos de sa os. O término dos cronogra- renciados setorialmente, poderia respondência com sua atual estru- transporte entre Mercosul e AP mas de desgravação dos acordos ser mais bem explorada. tura produtiva, impondo aos bens são largamente superiores aos ta- entre o Mercosul e os países andi- Merece atenção o inédito avan- intermediários tarifas superiores as rifários9. O fomento de corredo- nos, previsto para 2019, evidencia ço do Brasil para além das tarifas de dos bens industriais nais, redu- res regionais de transporte uvial o reduzido espaço ainda existente bens, iniciado por meio de uma sé- zindo potenciais ganhos de produ- e aéreo alteraria rapidamente o pa- para a continuidade do avanço das rie de Acordos de Cooperação e Fa- tividade6. Trata-se de um dos ree- norama. Uma série de baixos in- negociações tarifárias e a urgente cilitação de Investimentos com pa- xos da especialização horizontal que vestimentos, como a substituição necessidade do estabelecimento de íses da AP e africanos. Há grandes norteou historicamente nosso pro- dos atuais acordos bilaterais aére- normativas regionais sobre homo- expectativas de que acordo similar cesso de industrialização. Por sua os por tratados de “céus abertos” logação e reconhecimento de nor- possa ser anunciado no âmbito do vez, a negociação da liberalização e a simples sinalização da Hidro- mas técnicas, investimentos, servi- Mercosul. A assinatura de acordos regional do setor de serviços, fun- via Paraguai-Paraná, poderiam re- ços e compras governamentais. de investimentos constitui a prin- damental para o desenvolvimento duzir o tempo gasto pela metade. Poucos setores, porém impor- cipal medida para a expansão dos das CGV, mais consolidou barrei- Torna-se necessário acompa- tantes, ainda seguiriam desfrutan- investimentos brasileiros na Amé- ras do que as levantou. nhar estes movimentos com maior do de signi cativa proteção tarifá- rica do Sul, muito à frente do - Assim, o Brasil ingressou nas liberalização dos serviços logísti- ria, como automotivo, metalurgia nanciamento do BNDES11. A ên- CGV pela “porta dos fundos”: nos- cos e articulação com a agenda de e têxteis. A liberalização desses se- fase dos acordos na promoção de sas exportações possuem, em mé- implementação do Acordo de Fa- tores, que concentram grande par- investimentos e cooperação, me- dia, 10% de insumos importados, cilitação do Comércio, fortemen- te do comércio intraindustrial re- diante diálogo entre o setor públi- enquanto nossas importações estão te vinculada com temas penden- gional, deve ser induzida por meio co e privado, deve ser articulada compostas por 25% de insumos tes extremamente importantes da do aprofundamento da integração para identi cação de oportunida- importados. Partes, componentes e agenda do Mercosul, como a im- produtiva. A identi cação dos se- des de investimento que promo- bens de capital representam apenas plementação do Código Aduanei- tores energético e químico como vam spillovers regionais. 11% das exportações sul-america- ro e do programa de eliminação da os de maior potencial de com- O Brasil é o segundo destino nas destinadas aos EUA e UE, en- dupla cobrança da TEC. Os tra- plementariedade produtiva entre dos investimentos mexicanos no quanto que o peso desses itens nas balhos do Grupo de Alto Nível o Brasil e os demais países da re- mundo, enquanto os investimen- importações regionais provenientes Brasil - Uruguai constituem bom gião reforça a importância da con- tos chilenos no Mercosul respon- desses parceiros alcança 49%7. exemplo a ser multilateralizado. clusão do Tratado Energético da dem pela metade de seu estoque Os uxos regionais de comér- Não há dúvidas de que houve UNASUL10. Os esforços devem mundial. Desde 2008, o inves- cio intraindustrial de bens inter- avanços importantes com o Cosi- ser estendidos à conformação de timento das empresas brasileiras mediários na AL não respondem plan/Unasul. Entretanto, parece políticas industriais com compo- na AL, tradicionalmente concen- www.corecon-rj.org.br Jornal dos Economistas / Fevereiro 2016 Integração da América Latina 5

trado na Argentina, vem apresen- dora tanto do Mercosul como da co e Atlântico, unindo Ociden- 5 Velázquez Flores, Rafael, e Guadalupe tando maior dinamismo rumo à AP no tabuleiro asiático. Igualmen- te e Oriente, determinará nosso González. “La política exterior de México AP12. Seria natural promover en- te, a Índia é o país dos BRICS com “Acordo do Século XXI”. hacia América Latina 2012-2018.” La polí- tica exterior de México 2018 (2012): 21-29. contros empresarias conjuntos en- o qual o Brasil apresenta os maio- 6 Moreira, Mauricio Mesquita. “’s tre ambos os blocos. res níveis de complementaridade * É pesquisador do Centro de Análise e Di- Trade Policy: Old and New Issues.” (2009). O Pací co é uma condição, comercial em bens intermediários, fusão da Economia Paraguaia (Cadep) e 7 Castilho, Marta. “Comércio internacional não uma opção, para a AP. An- de capital e commodities13. A am- professor da Universidade de Belgrano (Ar- e integração produtiva: uma análise dos u- gentina). Foi assessor econômico da embai- tes mesmo da Parceria Transpací - pliação dos itens e inclusão de ser- xos comerciais dos países da ALADI.” (2012). xada do Brasil em Buenos Aires e consultor 8 CEPAL, Informe. “Panorama de la in- co (TPP), o já possuía aces- viços em mega regional envolvendo da Flacso e é mestre em Relações Econômi- serción internacional de América Latina y so ao mercado de todos os demais Mercosul, SACU e Índia fortalece- cas Internacionais pela Flacso / Universitat el Caribe. Lenta poscrisis, meganegocia- membros. Ao mesmo tempo, tan- ria um novo caminho à China. de Barcelona. E-mail: [email protected] ciones comerciales y cadenas de valor: el to a Colômbia como o México, os Este é o momento adequado espacio de acción regional.” (2013): 83. dois países da AP com parque in- para pensar os uxos econômi- 1 UNCTAD, Geneva. “World invest- 9 Mesquita Moreira, Mauricio, et al. dustrial mais diversi cado, ainda cos intrarregionais na América do ment report.” (2013). “Muy lejos para exportar: Los costos in- ternos de transporte y las disparidades en não assinaram TLCs com a China. Sul a partir de uma nova perspec- 2 Elms, Deborah K., e Patrick Low, eds. Global value chains in a changing world. las exportaciones regionales en América Isso aponta para a necessidade tiva, que permita explorar as pos- Geneva: World Trade Organization, 2013. Latina y el Caribe.” (2013). de uma maior coordenação inter- sibilidades de redução dos custos 3 CEPAL, Informe. “Panorama de la in- 10 Baumann, Renato. “Complementarida- -blocos. O avanço das negociações de produção e gerar o dinamis- serción internacional de América Latina y de produtiva na América do Sul.” (2015). para um amplo acordo entre Mé- mo necessário para elevar e di- el Caribe 2010-2011: la región en la déca- 11 Confederação Nacional da indústria (CNI). Interesses da indústria na América do xico e Brasil, arranjo que apresenta versi car a presença de suas eco- da de las economías emergentes” (2011). 4 Dussel Peters, Enrique, e Kevin P. Gal- Sul: comércio e investimentos. CNI, 2015. o maior potencial para o comércio nomias no mercado internacional lagher. “NAFTA’s uninvited guest: China 12 Idem intraindustrial na AL, fortaleceria e nas CGV. Nossa capacidade de and the disintegration of North American 13 Meacham, Carl. “Brazil´s Economic Iden- conjuntamente a posição negocia- construir uma Aliança entre Pací- trade.” CEPAL Review (2013). tity: motivations and expectations” (2014). www.corecon-rj.org.br Jornal dos Economistas / Fevereiro 2016 6 Entrevista: Nildo Ouriques

“A integração latino-americana foi comandada pela expansão das multinacionais”

Um dos principais especialistas no tema da integra- ção econômica dos países da América Latina, Nildo Ouriques é professor do Departamento de Econo- mia e Relações Internacionais da Universidade Fe- deral de Santa Catarina e presidente do Instituto de Estudos Latino-Americanos (IELA-UFSC).

P: Como você caracteriza a inte- tino-americana foi comandada pela gração das economias dos países expansão das multinacionais. Para latino-americanos hoje? Ela é sa- dar um exemplo: no caso do Mer- tisfatória? cosul, nos últimos anos, dentre os R: Não, é completamente insatis- quinze maiores exportadores brasi- fatória por várias razões. A primei- leiros para a Argentina, treze eram ra é que, em termos de integração, multinacionais. A décima quar- nós sofremos uma grande derrota ta empresa era a Petrobras e a déci- boa reputação entre nós, inclusive ses latino-americanos com os quais em 1994, quando o México assi- ma quinta era a Odebrecht. A inte- entre os economistas progressistas? nós dividimos fronteiras. nou um tratado de livre comércio gração latino-americana, que é uma Porque há a ideia obviamente fal- Só para te dar um exemplo: é com o Canadá e os Estados Uni- arma de emancipação dos Estados sa de que o Brasil poderia, sozinho, impossível nós pensarmos uma al- dos e envolveu mais adiante, atra- contra a globalização capitalista, - buscar um caminho de desenvolvi- ternativa para o desenvolvimento vés do CAFTA, numa mesma mo- cou limitada mento. Os europeus zeram a Co- da Amazônia se não zermos um dalidade de integração com países O terceiro aspecto foi a dimi- munidade Econômica Europeia. acordo com os demais países. A imperialistas, toda a América Cen- nuição do ímpeto transformador da Os asiáticos zeram uma esfera Amazônia não é só brasileira, tem tral e República Dominicana. Is- revolução democrática bolivariana de prosperidade e estão lá, se ar- uma parte venezuelana, uma parte so tirou da órbita latino-americana na . As alternativas que o ticulando. Os EUA tomaram um peruana; ela tem que ser incorpo- países importantíssimos e duas re- então presidente Chavez assinalava, monte de iniciativas para debili- rada em um projeto que necessa- giões: a América do Norte e Amé- como a criação de empresas gran- tar a América Latina e fortalecer riamente leva a um acordo com os rica Central. Restou como alterna- -nacionais, uma maior integração uma “área vital” para o desenvol- países vizinhos. tiva de integração a evolução do entre os países latino-americanos, vimento capitalista estadunidense. Uma integração supõe, em Mercosul. E, de fato, a entrada da investimentos em ciência e tecnolo- Só aqui no Brasil, a integração la- primeiro lugar, a ruptura com Venezuela e a possibilidade de en- gia, etc., nunca foram levadas a sé- tino-americana não vitalizou, por- o imperialismo estaduniden- trada de Equador e Bolívia, que é rio pelos governos brasileiros, sejam que no fundo, muita gente su- se. Isso pode soar doutriná- sempre presente, assinalou que o eles tucanos ou petistas. O “petuca- põe que a Avenida Paulista e o rio, mas enquanto as multina- Mercosul podia ser a primeira ini- nismo” aqui continuou comandan- coração burguês do Brasil, que é cionais estiverem comandando ciativa depois de 1825 de uma efe- do as ações e matou no nervo uma São Paulo, podem levar adiante o desenvolvimento capitalis- tiva integração latino-americana. possibilidade de integração que, pa- o desenvolvimento prescindin- ta brasileiro, cada vez mais in- O grande problema foi, e esse é ra nós, teria sido fundamental. do da integração latino-ameri- ternacionalizado em tudo, no o segundo aspecto, que essa integra- cana. A história tem demons- consumo, no cotidiano, na pro- ção latino-americana sofreu o im- P: Qual o modelo que você de- trado cabalmente que essa visão dução, cadeia de valor etc., a in- pacto primeiro da onda neoliberal e fende e qual a maneira de supe- não corresponde aos fatos. O tegração latino-americana vai depois de um desenvolvimentismo rar esses obstáculos? Brasil não pode pensar uma trans- seguir apenas sendo um mero pobretão, sem dentes para morder, R: Por que a ideia de integração formação interna se não tiver um corredor para a exportação de de tal maneira que a integração la- latino-americana nunca gozou de projeto que alcance os demais paí- produtos estrangeiros. www.corecon-rj.org.br Jornal dos Economistas / Fevereiro 2016 Entrevista: Nildo Ouriques 7

P: Muitos economistas defen- minante aumenta e o poder do a expansão industrial. No caso me- todos esses países sucumbiram. A dem acordos internacionais com dependente diminui. E todas as xicano, ao lado da expansão comer- Inglaterra jamais entrou e Alema- a União Europeia e os EUA e os razões que levavam a fazer um cial, tem a dependência tecnológica e nha e França estão disputando o grandes acordos, como a rodada acordo, supostamente em nome a devastada da indústria. O grau de resultado do espólio. Mas foi uma de Doha. Por que você acha que da modernização da economia, dependência se aprofundou, a auto- integração baseada nos monopó- a integração com a América Lati- acabam aprofundando a baixa nomia se reduziu quase a zero. O ar- lios e na força do Estado alemão, na e não com países desenvolvi- produtividade e internacionali- gumento simplista daqueles que de- que é um estado protoimperialista. dos seria o melhor caminho pa- zação do mercado interno e cau- fendem a integração com os países ra o Brasil? sam fuga de empregos, depen- desenvolvidos, como esse embaixa- P: A recente vitória de um governo R: Basta observar os resultados dência tecnológica e cientí ca e dor Barbosa, esses centros que estão conservador na Argentina e as di- concretos obtidos pelo NAFTA, migração em massa. Eis a razão a toda hora sendo festejados pela mí- culdades que Maduro está tendo o tratado de livre comércio entre pela qual o México nunca é dis- dia brasileira, se prende apenas a um na Venezuela podem representar EUA, Canadá e México. O Méxi- cutido na imprensa brasileira. dado muito pobre, que é o volume de um fator contra essa integração? co foi varrido do mapa da indús- Eu agregaria mais um exemplo: comércio exterior. Ora, é patético que R: Sim, é um obstáculo importan- tria. É um país que virou um apên- o Peru e a Colômbia, que zeram isso seja colocado como um critério te, mas eles não decidem, porque os dice, um Porto Rico grande. Tudo acordos e tratados de livre comércio de êxito. Essa gente não está discu- governos contam, mas as classes so- na economia mexicana depende com os EUA. O que está ocorrendo tindo efetivamente qual foi o resulta- ciais contam mais ainda. O gover- do que ocorre nos EUA. na Colômbia e no Peru, com a mes- do desse volume de comércio naquilo no do presidente Mauricio Ma- Há uma devastação no campo ma velocidade que ocorreu no Mé- que é fundamental, que são as forças cri vai ser ultraconservador, mas mexicano. O país que deu ao mun- xico, é uma superinternacionaliza- produtivas. O comércio está desen- vai enfrentar um movimento social do a cultura do milho tem que im- ção da agricultura, uma devastação volvendo ou atro ando as forças com grande tradição de luta, e isso portar o produto dos EUA. A agri- industrial que está devolvendo os produtivas? Isso nem é um argu- não vai ser um domingo no parque. cultura mexicana virou uma fonte dois para o século XIX, e uma de- mento de Marx, é um argumento Vai ser uma luta de mega dimensão, de êxodo rural – são milhões de pendência completa – militar, eco- de List. Esse é um argumento de em que nós vamos ver que o mun- trabalhadores que saem do campo nômica e cultural – dos EUA. 1840. No caso de Peru, Colômbia do não acaba quando um governo e vão para os EUA – e passou a im- e México, o comércio está atro an- de natureza mais ou menos popu- portar produtos que eram produ- P: A imprensa brasileira cita o do as forças produtivas. E é isso lar como o de Cristina Kirchner de- zidos com grande qualidade e sem caso do México e faz compara- que eles querem para o Brasil. saparece. Não é o m da história, a transgenia, que favorece as mul- ções com o Brasil, no sentido como alguns querem fazer crer. O tinacionais estadunidenses. que o Brasil está atravessando P: Que modelo de integração vo- movimento operário e campo- Houve uma devastação no cam- uma grande recessão, e alegam cê defende para a América Lati- nês e as classes médias politiza- po da economia, da indústria e da que um dos nossos problemas na? Incluiria uma moeda única? das na Argentina, especialmente agricultura, e uma internacionaliza- é que nos isolamos comercial- R: Podem até chegar a isso, mas o em Buenos Aires, vão esquentar ção do comércio: as grandes redes mente, não temos tratados, que que um processo de integração tem a chapa para o Presidente Ma- de supermercados e atacadistas do o México estaria em melhor situ- que ter é um projeto produtivo ba- cri, que vai ter grande di culda- México são todas empresas multi- ação justamente porque teria es- seado na indústria, que aproveite to- de em tocar esse projeto liberal. nacionais. Há um grau de desnacio- sa integração. das as potencialidades de cada país e O caso da Venezuela é de outra nalização sem precedentes. Nós sa- R: A abertura do comércio mexica- desenvolva a ciência e tecnologia. Se natureza. Tem um governo boliva- bemos a razão pela qual o México no para exportações foi feita na ba- não tiver isso, não tem condição de riano, mas a revolução democrá- não é discutido no Brasil: nos EUA, se da indústria maquiadora. Tudo pensar em integração comercial, de tica bolivariana perdeu suas ener- o establishment chega a dizer que se é produzido nos EUA e vai mon- infraestrutura, de moeda etc. gias. Há retrocessos no aspecto da trata de um Estado falido, incapaz tar o produto na área da fronteira Depois disso, com muito mais corrupção, da política industrial e de assegurar funções mínimas em (do lado do México) para depois facilidade, podemos discutir as- comercial e na atuação do Partido termos de segurança, o que para exportar para os EUA. Gastam no pectos de integração monetária Socialista Uni cado da Venezuela, eles signi ca o controle da força de país hospede, no caso o México, que nem sequer na Europa foram que precisa retomar o rumo. trabalho migratória. apenas 4% do volume produzido, resolvidos. Porque lá tudo foi feito Do jeito que está a integração la- Quando nós observamos o com salários baixíssimos. com base no marco alemão, e nós tino-americana, qualquer coisa que resultado concreto da integração Política comercial exitosa, ao con- vimos que, em função disso, todas aconteça na Venezuela ou Argenti- de um país dependente e subde- trário do exemplo do México, Co- as promessas de certa igualdade na na não interrompe a hegemonia das senvolvido e um país rico, con- lômbia e Peru, é a chinesa, porque integração foram por água abaixo. multinacionais, e é isso que não po- cluímos que o poder do país do- por trás da expansão comercial tem Espanha, Itália, Grécia, Irlanda – demos nunca perder de vista. www.corecon-rj.org.br Jornal dos Economistas / Fevereiro 2016 8 Integração da América Latina

O fracasso da Rodada de Doha e as armadilhas dos acordos plurilaterais

Luiz Carlos Delorme Prado* ros aceitem condições que bene- O artigo de Martin Khor no ciam, principalmente, grandes livro citado (A Summary of Pu- o anoitecer de 2015, na se- empresas transnacionais. Algu- blic Concerns on Investment Tre- mana anterior ao Natal, mi- mas dessas cláusulas restringem, aties and Investor-State Dispute nistrosN de 160 países reuniram-se, algumas vezes de forma escanda- Settlement) discute esses tribu- em Nairóbi, para a 10ª Conferên- losa, a capacidade desses países nais. O trabalho apresenta evi- cia Ministerial da OMC. Na De- de realizar políticas públicas em dência de que muitas decisões claração Ministerial que encerrou áreas tão relevantes como inova- arbitrais são pouco equilibradas, o evento, no meio da linguagem ção, meio ambiente, propriedade com forte viés a favor do inte- barroca do jargão diplomático, o intelectual e outras. resse dos investidores, impondo parágrafo 30 enterrou de nitiva- Um exemplo recente desse ti- custos desproporcionais aos paí- mente a Rodada de Doha. po de tratado regional (ou acor- ses em desenvolvimento. O au- A linguagem é enigmática. do plurilateral no jargão dos tor mostra, ainda, preocupação O texto a rma que “nós reconhe- especialistas de comércio inter- com o fato de que um pequeno cemos que muitos Membros rea- nacional) é o Acordo de Parce- número de rmas jurídicas tem o rmam a Agenda de Desenvolvi- ria Transpací co ou TPP (Trans- monopólio da posição de juízes mento de Doha (ADD)”, (...) “e paci c Partnership Agreement), arbitrais. Em muitos casos, os rea rmam seu total compromisso que envolve um grupo de paí- árbitros pertencem a escritórios em concluir a ADD nessas bases. ses das Américas, Ásia e Ocea- que têm interesses con itantes Outros membros não rea rmam nia1. Esse acordo tem um grande com o bem-estar dos países em os mandatos de Doha, e acreditam número de cláusulas (cerca de 30 desenvolvimento, sendo que fre- que novas abordagens são necessá- capítulos) e seu maior impacto quentemente essas empresas têm rias para alcançar um resultado não é sobre comércio, mas sobre contratos relevantes com grandes signi cativo nas negociações mul- temas como proteção ao inves- investidores internacionais. tilaterais.” (...) timento, compras governamen- O artigo de Frederico Labo- O mesmo documento indica tais, propriedade intelectual, re- pa (Crisis, Emergency Measures preocupação com a importância gulação econômica etc2. and the Failure of ISDS System: crescente dos Acordos Regionais Recentemente, o South-Cen-  e Case of Argentina) analisou as de Comércio (ARC): “nós reafir- tre, uma organização intergover- consequências para a Argentina mamos a necessidade de garantir namental que realiza pesquisas de ter assinado um grande núme- que os ARC sejam complementa- em negociações de comércio e ro desses acordos, quando o pa- res e não substitutos do sistema de investimento internacional, pu- ís enfrentou enormes di culdades comércio multilateral” (Declara- blicou um livro que analisa, em na esfera econômica e política. ção Ministerial de Nairóbi, Pa- detalhes, os riscos e custos das A crise econômica da Argen- rágrafo 28). cláusulas de proteção de investi- tina em 2001/2002 levou a uma O fato é que os países que mento3. Entre as cláusulas mais dramática queda de renda per tradicionalmente dominaram as controversas estão as que esta- capita e a uma taxa de desem- negociações multilaterais de co- belecem o direito do investidor prego superior a 20%. A crise, mércio e, em especial, os EUA, internacional de recorrer à so- originalmente econômica, tor- têm preferido o expediente dos lução de controvérsia através de nou-se uma crise política, com acordos regionais, onde fazem um tribunal arbitral internacio- uma sucessão de cinco presiden- poucas (se alguma) concessão re- nal que se sobrepõe aos sistemas tes em dez dias. Essa grave situa- levante e exigem que seus parcei- legais nacionais. ção obrigou o país a tomar várias www.corecon-rj.org.br Jornal dos Economistas / Fevereiro 2016 Integração da América Latina 9

medidas de curto prazo, mudar mados criaram uma opinião di- sa perspectiva, não vejo vantagens tratégia de acordos plurilaterais leis e alterar marcos legais pa- fusa, mas in uente, que o Brasil para o Brasil em assinar tratados amplos, que enfraquecem essa ra lidar com a crise. A Argenti- deveria correr para recuperar o como o TPP. Nossa principal pos- via tradicional de negociação e na, a partir de 1991, iniciou um tempo perdido nas relações eco- sibilidade de ganhos é, ainda, usar apontam para acordos com cláu- programa de rápida desregula- nômicas internacionais, assinan- o Mercosul e outros acordos re- sulas que não interessam aos pa- mentação e liberalização. Du- do todos os acordos de comércio gionais como base para avançar íses em desenvolvimento. O que rante aquela década, concluiu que surgissem, tão rápido e com em negociações plurilaterais on- nos resta, apesar das di culda- cerca de 58 tratados bilaterais as menores exigências possíveis. de os interesses brasileiros possam des do presente, é aprofundar de investimento. Com base nes- A realidade, contudo, é ou- ser defendidos. os acordos regionais que mais ses tratados, em 2001/2002 fo- tra: raramente vê-se tão neces- Apesar dos problemas, região se aproximam de nossos interes- ram iniciadas 50 disputas inves- sário que o país demonstre cau- é destino. Nossa melhor opor- ses. Por isso, a melhor alternati- tidor-Estado encaminhadas para tela, capacidade de avaliação e tunidade é enfrentar as enormes va para o Brasil é tentar reformar o International Centre for Settle- pragmatismo. O cenário inter- di culdades (econômicas, ins- o Mercosul no que for necessá- ment of Investment Disputes (IC- nacional não tem criado, nos úl- titucionais e políticas) da inte- rio, aprofundá-lo onde for pos- SID). Dessas, 27 tratavam ex- timos anos, muitas oportunida- gração regional sul-americana, sível, ampliá-lo quando houver clusivamente de prejuízos que des econômicas. Ao contrário, ganhando autonomia para nego- oportunidade e continuar usan- teriam sido gerados às empre- estamos atravessando um mo- ciação bilateral com outros paí- do-o como plataforma para au- sas transnacionais pelas medi- mento de ameaças e riscos a pa- ses, quando for o caso. Há um mentar nosso poder de barganha das econômicas tomadas, em ca- íses como o Brasil. enorme potencial não explorado nas negociações com outras regi- ráter de emergência, nesses dois Para deixar claro muita po- de integração de cadeias produ- ões e com outros países. anos. O custo econômico des- sição: não tenho dúvidas, como tivas regionais. Há oportunida- sas ações tem sido muito eleva- mostra a teoria econômica, de des de investimentos (e de redu- * É professor do IE/UFRJ. do no país – segundo Labopa, que o comércio, na maior parte ção de custos) com integração da se todos os pedidos de indeni- dos casos, é um jogo de soma po- infraestrutura regional. 1 Participam do acordo: Austrália, Bru- zação forem concedidos, o im- sitiva. É minha opinião que é de- Apesar das di culdades imen- nei, Canadá, Chile, Estados Unidos, Ja- pacto total supera 80 bilhões de sejável para o Brasil, dadas certas sas do momento, a experiência pão, Malásia, México, Nova Zelândia, Pe- dólares. Na prática, as empresas condições, ampliar sua corrente brasileira de integração no Mer- ru, Singapura e Vietnam. Observem que não participam do acordo: China, Coreia, transnacionais, com possibilida- de comércio e continuar a atrair cosul está longe de ter sido um Índia e Colômbia. 4 de de recorrer a tribunais arbi- investimentos diretos . Conside- fracasso. A literatura empírica 2 O texto completo do acordo está dispo- trais, têm maior capacidade de ro, também, que a política brasi- nessa área é sempre controver- nível no sítio do US Trade Representative proteger-se contra alteração de leira de comércio exterior, assim sa, mas há muitos estudos com (ver ustr.gov/tpp/#text). políticas públicas nos países que como nossas políticas indus- fundamentos teóricos sólidos e 3 South Centre, Investment Treaties: Views and Experiences from Developing Countries, assinam tratados de investimen- triais, está precisando de extensa com vasta base de dados que in- Geneve, Switzerland tos do que suas empresas domés- revisão. Mas nas relações econô- dicam que esse bloco gerou ga- 4 Segundo a UNCTAD (World Investi- ticas ou sua população. micas internacionais o caminho nhos importantes para seus in- ment Report 2015), o Brasil cou em 7º O que a experiência da Ar- que mais nos bene ciaria, ou se- tegrantes5. Talvez, afastando-se lugar como destino de investimentos di- gentina ensina é que o impas- ja, o avanço da Rodada de Doha a névoa das di culdades do cur- retos internacionais em 2013 e 2014. Depois da China é o maior destino des- se nas negociações multilaterais e a consolidação das negociações to prazo, possamos ainda recons- ses investimentos entre os países em de- não implica que devemos cor- multilaterais, está, no momento, truir as condições para ampliar senvolvimento. Portanto, o problema do rer para assinar acordos bilaterais bloqueado. Portanto, a alternati- nossa negociação comercial e Brasil não é atrair mais investimentos, mas ou plurilaterais de comércio e/ va que temos é tentar encontrar para rmar acordos com outros manter esse  uxo no futuro. ou investimento sem cautela. No espaços na diplomacia econômi- grandes parceiros comerciais, co- 5 Em especial, estudos de modelos de gra- vidade têm apontado potencial de ganhos entanto, vive-se um momento ca bilateral e plurilateral. mo, por exemplo, a União Eu- na integração regional. De forma simpli- de estagnação e imobilismo no No entanto, as oportunidades ropeia, a partir da nossa base no cada, a ideia é que o volume de expor- Mercosul. Além disso, a América para ampliar essas relações são, no Mercosul. tações entre par de países é função de seu do Sul vive uma situação de for- curto prazo, limitadas. Nessas cir- Na medida em que os paí- PIB, do tamanho das populações e de sua te desaceleração econômica, com cunstâncias é necessário negociar ses ricos têm abandonado as ne- distância geográ ca. Para uma aplicação, ver Garcia e outros,  e Gravity Model o m do boom das commodities e cada caso, de forma objetiva, con- gociações multilaterais, por não Analysis: an application on MERCOSUR com o cenário desastroso da eco- siderando os ganhos, os custos e mais servirem a seus interesses, trade, Journal of Economic Policy Re- nomia brasileira. Esses fatos so- os riscos de cada situação. Nes- é um equívoco submeter-se à es- form, vol 16, n.4, 2013. www.corecon-rj.org.br Jornal dos Economistas / Fevereiro 2016 10 Integração da América Latina

Integração: faltou combinar com a burguesia

Igor Fuser* ção do modelo oligárquico, neoli- a União Europeia e outras potên- beral e pró-imperialista. cias econômicas. projeto de integração re- Brasil, Argentina e Venezuela Essa retórica esconde que o gional da América Latina se uniram, em 2005, para sepultar principal obstáculo ao acordo que viveO seu momento mais difícil. o projeto estadunidense da Área vem sendo negociado há anos pe- Entende-se, aqui, integração não de Livre Comércio das Américas lo Mercosul com a UE é o prote- como simples liberalização dos (Alca), optando por uma integra- cionismo agrícola dos europeus. uxos de comércio e de capitais, ção regional voltada para a supe- Ignora também o impressionan- e sim como a construção de um ração do papel subalterno das na- te desempenho do comércio exte- espaço de autonomia geopolíti- ções latino-americanas perante a rior brasileiro no cenário regional ca e de articulação de políticas hegemonia dos Estados Unidos. sul-americano. Em 2002, o Brasil públicas para o desenvolvimento Agora, vivenciam a ascensão de exportava US$ 4,1 bilhões para o econômico e social. É esse o sen- atores políticos abertamente con- Mercosul. Em 2013, já com a Ve- tido adotado por grande parte trários aos objetivos e concepções nezuela no bloco, as nossas expor- dos governos latino-americanos que vinham norteando a integra- tações saltaram para US$ 29,53 bi- desde o início da década passa- ção regional. lhões -- um crescimento de 617%, da, marcada por iniciativas co- Diante do ainda incerto futu- num período em que as exporta- mo a Unasul, a Celac, a Alba e a ro político da América do Sul, é ções mundiais cresceram 183%. cas totalmente divergentes. En- ampliação do Mercosul. prematuro falar em “ m do ciclo Em outro plano de avaliação, quanto um grupo de países for- O impulso de convergên- progressista”. Mas estamos, sem vale a pena ressaltar o papel da Al- talecia o papel do Estado nas cia regional que se expressa nes- dúvida, atravessando um período ba, uma iniciativa desprezada pelas decisões econômicas e priorizava se conjunto de siglas perdeu força de “mudança dos ventos” em que análises convencionais. Esse proje- a melhoria das condições sociais, nos anos recentes e exibe na atua- o avanço da direita é acompanha- to, hoje paralisado pela crise vene- outro grupo mantinha o neolibe- lidade sinais claros de retrocesso, do, no âmbito econômico, pela zuelana, garantiu a sobrevivência ralismo e a aposta nos acordos de associados a mudanças no cenário inversão do ciclo de altos preços de pequenas nações caribenhas em livre comércio. econômico global e à ascensão de das commodities agrícolas e mi- um período de preços altos do pe- Mas o problema vai muito forças políticas neoliberais nos pa- nerais que, na década anterior, tróleo e viabilizou a Missão Mila- além da divisão do espaço regio- íses mais relevantes para o proces- viabilizaram a conquista de uma gre, em que centenas de milhares nal em um eixo esquerda/direita. so integracionista. inédita autonomia em política de pessoas pobres, abandonadas O fundamental é que os governos O Brasil reduziu seu protago- externa e, no plano doméstico, a pelos serviços de saúde privatiza- progressistas foram incapazes de nismo regional a partir da crise aplicação de amplos projetos so- dos, puderam fazer cirurgias gra- superar a inserção econômica su- econômica e do impasse político ciais em benefício das maiorias tuitas nos olhos, graças aos médi- balterna, com base no rentismo que tem como centro a tentativa desfavorecidas. cos cubanos. mineral e petroleiro e no agrone- de afastamento da presidenta Dil- A avaliação das conquistas e dos Muito mais poderia ser men- gócio exportador. Daí resulta que ma Rousse. Na Argentina, a elei- limites do projeto integracionista cionado sobre os avanços da inte- grande parte da renda gerada pe- ção de um presidente direitista, faz parte desse cenário de disputa gração, como a construção de ro- los produtos primários (inclusi- Mauricio Macri, encerra um ci- política. Em cada país, as viúvas da dovias e de gasodutos binacionais, ve da parte que foi recuperada so- clo em que a busca da integração Alca utilizam o controle oligopóli- dando os primeiros passos para a beranamente pela nacionalização foi uma prioridade do Estado, sob co da mídia para vender a ideia do superação das barreiras físicas en- dos recursos estratégicos) vai parar o kirchnerismo. Na Venezuela, a “fracasso” da integração. No Brasil, tre nossos países. Mas é importan- nas mãos do setor privado. Esses ampla vitória da oposição conser- está em curso uma intensa campa- te realçar também os limites estru- empresários canalizam o dinhei- vadora nas eleições legislativas de nha em favor do rebaixamento do turais do projeto integracionista ro para uma atividade econômica dezembro de 2015, num cenário Mercosul, que deixaria de ser uma – as contradições e dilemas que importadora ociosa e especulativa, de crise econômica que o próprio união aduaneira a m de permitir já se faziam presentes muito antes em que as divisas obtidas através presidente Nicolás Maduro de- que os países do bloco possam ne- das atuais reviravoltas. da exportação se externalizam sem niu como “catastró ca”, põe na gociar livre e separadamente acor- A meta da integração sempre gerar qualquer retorno para o de- ordem do dia o risco de restaura- dos de livre comércio com os EUA, conviveu com orientações políti- senvolvimento. www.corecon-rj.org.br Jornal dos Economistas / Fevereiro 2016 Integração da América Latina 11

A busca da autonomia regio- do mundo e montá-las nos países dos ganhos das exportações para Um pequeno detalhe ilustra nal ocorre nos marcos do capita- do Cone Sul por preços inferiores os mercados regionais, utiliza to- a gravidade desse paradoxo. No lismo dependente, numa situação à média internacional a produzi- dos os seus recursos de poder pa- Brasil, “locomotiva” da integra- em que as classes dominantes de -las na nossa região. ra sabotar o aprofundamento des- ção, o porta-voz mais visível dos cada país preservam sua capacida- O império da soja, os privilé- sa mesma integração? chamados “mercocéticos”, defen- de de tomar decisões econômicas gios concedidos à mineração a céu Desde o início, convive-se sores do rebaixamento do Merco- estratégicas. Conforme indaga o aberto (cujo preço se viu agora no com um paradoxo. De um lado, sul e da adesão à globalização ne- economista argentino Julio Gam- Brasil com a tragédia de Maria- governos neodesenvolvimentistas oliberal, é o ex-diplomata Rubens bina, “quem decidiu que os países na) e o papel periférico da indús- conscientes dos problemas da pri- Barbosa, presidente do Conselho do Mercosul sejam em conjunto tria regional nas cadeias produti- marização da economia e da ne- Superior de Comércio Exterior da o principal produtor e fornecedor vas globais, tudo isso corresponde cessidade da mudança do modelo Federação das Indústrias do Es- mundial de soja? É o resultado de às opções das classes dominantes produtivo, com foco na elevação tado de São Paulo (Fiesp). Não uma decisão plani cada sobera- locais, cujos interesses bloqueiam do valor agregado e no avanço tec- é um latifundiário, não é um tí- namente ou produto da estraté- o projeto original de uma inte- nológico. Do outro lado, empre- pico representante da “burguesia gia de um punhado de empresas gração regional autônoma, vol- sários das nanças, indústria, co- compradora” das nações periféri- transnacionais da alimentação e tada para a emancipação. Não é mércio e agricultura eis à sua cas, e sim um intelectual orgâni- da biotecnologia que manejam o de se estranhar, portanto, a relu- vocação histórica de súditos do co de um empresariado com raízes pacote tecnológico do atual mo- tância do Brasil em assumir o pa- imperialismo. Como levar adiante históricas na produção industrial. delo produtivo?” Da mesma for- pel de liderança indispensável para a emancipação da América Latina Hoje o que restou de uma burgue- ma, segundo a argumentação de tornar realidade os principais pro- se os principais atores aos quais foi sia mais ou menos “nacional” ou Gambina, o grosso do intercâm- jetos integradores, como o Banco entregue essa grandiosa tarefa – a “interna” prefere vender suas em- bio de bens dentro do Mercosul do Sul. Como avançar na autono- burguesia de cada um dos nossos presas e se conformar com o papel se constitui de produtos da in- mia do nosso continente se a bur- países – têm como interesse essen- de sócio menor das transnacionais dústria automotriz, que prefere guesia brasileira, ao mesmo tem- cial a manutenção dos atuais laços a trilhar um caminho alternativo importar peças de outras partes po em que se apropria com gosto de dependência? em dissonância com as diretrizes de Washington. O projeto integracionista, nesses moldes, lembra a lendária anedota em que o técnico da sele- ção brasileira de futebol na Copa do Mundo de 1958, Vicente Fe- ola, apresentou aos jogadores, lo- go antes de um jogo com a União Soviética, uma tática que, segun- do ele, levaria o time a uma vi- tória tranquila. Em determinado instante, Mané Garrincha teria argumentado: “Tudo isso é fácil. Mas o senhor já combinou com os russos?” Esse é o drama da in- tegração regional. Faltou combi- nar com a burguesia.

* É professor de Relações Internacionais na Universidade Federal do ABC, em São Bernardo do Campo (SP), e autor de Pe- tróleo e Poder – O envolvimento militar dos Estados Unidos no Golfo Pérsico (Ed. Unesp, 2008), Energia e Relações Interna- cionais (Saraiva, 2013) e As Razões da Bo- lívia – Dinheiro e poder no con ito com a Petrobras pelo controle do gás natural (Ed. UFABC, 2015) www.corecon-rj.org.br Jornal dos Economistas / Fevereiro 2016 12 Fórum Popular do Orçamento

A providência da Previdência

A primeira condição para modi car a realidade consiste em conhecê-la. Eduardo Galeano

questão previdenciária, em quase todo o planeta, está em discussão.A E o “problema”, já iden- ti cado pelo bom senso, decorre do aumento da longevidade do ser humano. Estranho, pois desde os primórdios a humanidade mobi- lizou os maiores esforços pelo re- tardamento da morte. E, quan- do conseguimos nos aproximar do mito da imortalidade, os eco- nomistas hegemônicos vaticinam: por insu ciência nanceira, é im- possível sustentar o crescimento interesses explícitos ou não dessa pela incapacidade do “mercado” Seguridade Social não é mais iso- do número de aposentados! As- organização multilateral? em oferecer, com competência, os lado e, por conseguinte, não mais sim, o decorrente de um desejo A presente matéria expõe os bens e serviços mais importantes ca demonstrado o seu incessante biológico foi transformado num dados entre os exercícios de 2004 para os consumidores, ou melhor, superávit. Assim sendo, a discus- dos alvos preferidos do pensamen- a 2014 para saber se o sistema seres humanos – saúde, aposenta- são ca restrita à previdência, ig- to liberal-conservador. previdenciário é um problema doria satisfatória (previdência) e norando-se o sistema da segurida- O Brasil, seguidor dessa toa- econômico. amparo no desemprego (assistên- de social. da, promove constantes alterações Todos os valores foram corri- cia social). A partir dessa consi- nas regras previdenciárias, seja em gidos pelo IPC-A para dezembro deração, se justi ca que os gastos O desmonte da nível federal, estadual ou munici- de 2015. públicos correspondentes sejam previdência por pal Sempre num só sentido: a di- isolados e tratados de forma sepa- repartição minuição, restrição ou supressão de O Orçamento rada dos outros gastos (PIKET- direitos sociais coletivos. De fato, a da Seguridade TY, 2015, p.183). Porém, no Bra- Desta forma, esforços são rea- contínua implantação de uma re- Social sumiu? sil, uma vertente muito explorada lizados para paulatinamente mu- forma previdenciária tupiniquim é pela mídia ignora essa diferencia- dar a natureza dos sistemas previ- reexo desse pensamento hegemô- Se o problema da previdência ção sacramentada na Constitui- denciários existentes pelo mundo. nico, não importando a matiz po- para os conservadores é o volume ção de 1988 ao instituir o Orça- A previdência é antes de tudo um lítica do governante de plantão. E, dos seus gastos, a solução é reduzi- mento da Seguridade Social, parte direito que deve ser reconhecido de novo, propostas de redução de -lo, logo, a discussão sobre: idade fundamental do nosso sistema de e garantido pelo Estado. Há duas gastos com benefícios previdenciá- para aposentadoria, paridade, in- proteção social, um dos maiores formas de se nanciar um sistema rios estão em pauta como “parte da tegralidade, contribuição dos ina- avanços da conquista da cidadania previdenciário: repartição ou capi- solução” para a crise econômica e o tivos, redução das pensões etc. ca- (GENTIL, 2016). talização. No mecanismo de repar- dé cit das contas públicas. mua o real motivo, o tamanho do Efetivamente, a seguridade so- tição, a geração ativa atual transfe- E como esse debate está no corte, pois está em jogo a disputa cial compreende um conjunto de re os recursos para o sustento da município do Rio de Janeiro? Por por alocação dos recursos públicos. ações dos Poderes Públicos e da geração inativa correspondente; a que o Banco Mundial, em 2011, Por outro lado, pensadores sociedade, destinada a assegurar base para esse contrato social é o condiciona um empréstimo, den- contra hegemônicos, como Deni- os direitos relativos à saúde, à pre- princípio de solidariedade interge- tre outras exigências, a uma mu- se Gentil1 e omas Piketty2, de- vidência e à assistência social. racional. Já no mecanismo de ca- dança na lei do sistema previden- fendem a necessidade do fortale- Infelizmente, desde meados da pitalização, a geração ativa atual ciário municipal? Quais são os cimento da previdência pública década passada o Orçamento da acumula recursos ao longo de sua www.corecon-rj.org.br Jornal dos Economistas / Fevereiro 2016 13

TABELA 1: Dados Previdenciários X Receita Tributária (2004-2014) Em R$ Mil

Despesas com Ina- Contribuições dos Ser- Rend. Apl. Finan- Receitas Tributá- Ano tivos vidores ceiras rias vida laboral que são capitalizados – ou seja, recebem rendimentos 2004 1.861.511 915.364 247.034 5.120.283 do capital como juros e dividen- 2005 2.243.075 894.507 288.516 5.331.694 dos – na expectativa de que, no 2006 2.385.997 925.233 278.330 5.573.579 futuro, tal esforço resulte em uma 2007 2.433.414 995.475 243.909 6.018.702 renda satisfatória para sua aposen- 2008 2.686.674 1.076.451 257.230 7.287.983 tadoria. A princípio o sistema por 2009 2.815.994 1.077.563 179.174 7.667.569 capitalização parece mais seguro, 2.980.679 1.135.042 170.677 8.292.295 mas não passa de uma ilusão, pois 2010 está sujeito a todos os riscos ine- 2011 3.069.648 1.225.237 174.162 9.018.357 rentes ao mercado nanceiro. Por 2012 3.196.685 1.293.503 114.410 9.655.930 outro lado, o regime de reparti- 2013 3.315.075 1.341.732 50.645 10.102.086 ção possui a garantia do governo, 2014 3.269.009 1.456.527 68.878 10.397.680 que para pagar as aposentadorias irá utilizar recursos da arrecada- Fonte: Prestação de Contas 2004 - 2014; Relatório TCMRJ 2004-2014. ção corrente – os quais, indepen- dentemente de sua fonte, têm sua -lo. Ou seja, criam-se fundos co- co estará todo nas mãos desses fu- origem no processo produtivo re- letivos para construir um estoque turos aposentados, enquanto mais alizado pelos trabalhadores ativos. patrimonial gerador de rendimen- uma fonte de ganho é aberta para Ao contrário do que tentam nos tos a m de suplementar os recur- bancos e outros administradores convencer, tais recursos não pre- sos para pagamento dos benefícios da riqueza nanceira. Todo o las- cisam se limitar às contribuições previdenciários. Depois, tais fun- tro inicial de solidariedade inter- sobre a folha de pagamentos. Esta dos começam a apresentar proble- geracional e redistribuição de ren- não é a única opção legítima, ou- mas, tanto por uma gestão ine - da é apagado. Mais uma vitória do tras fontes de arrecadação podem ciente ou fraudulenta como pelo individualismo liberal. ser utilizadas também, trata-se de próprio risco inerente a aplicações No município do Rio de Janei- uma escolha política. nanceiras. Alardeia-se que não ro a transformação homeopática Ocorre com a previdência dos haverá como pagar os aposentados da natureza do sistema foi acelera- servidores municipais um padrão no futuro devido ao fraco desem- da em 2011 por exigência do Ban- à semelhança de outras tentati- penho do fundo, ignorando que co Mundial. A seguir a estrutura vas de desconstrução da ideia da essas aposentadorias são um direi- e os dados do sistema municipal. previdência como um direito. Há to e que originalmente a base de uma diferença entre o que é arre- seu nanciamento é a arrecadação A Previdência carioca cadado como contribuição sobre a pública corrente. A cartada nal é folha de pagamentos e o que é gas- demonstrar a inviabilidade econô- O Instituto de Previdência e to com o pagamento de aposenta- mica de se construir qualquer sis- Assistência do Município do Rio dorias e pensões, e imediatamente tema previdenciário coletivo, de- de Janeiro (Previ-Rio) foi cria- tal situação é rotulada como “dé - vendo os trabalhadores contribuir do em 1987 com o intuito de ga- cit”, mesmo que nada na lei de - para seus fundos de previdência rantir aos servidores o amparo da na que tal contribuição é a única de forma individualizada para no previdência social. O regime pre- fonte de arrecadação que deve ser futuro cada um receber o que sua videnciário, inicialmente baseado utilizada para o custeio dos bene- conta individual capitalizada pu- no mecanismo de repartição, ti- fícios previdenciários. Em segui- der lhe oferecer de acordo com o nha como principal fonte de recei- da, por conta do pretenso dé cit, seu desempenho. ta as contribuições dos servidores. ou mesmo pelo medo de que ele De um direito, a previdência O Poder Público Municipal (PPM) surja no futuro, criam-se mecanis- passa a ser apenas mais um produ- não contribuía para o sistema, mas mos de capitalização para custeá- to do mercado nanceiro, cujo ris- custeava o pagamento dos inativos, www.corecon-rj.org.br Jornal dos Economistas / Fevereiro 2016

www.corecon-rj.org.br Jornal dos Economistas / Fevereiro 2016 Fevereiro / Economistas dos Jornal

Esta matéria contou com a colaboração das economistas Fernanda Nader Garavini e Thaís Barbosa Mothé. Barbosa Thaís e Garavini Nader Fernanda economistas das colaboração a com contou matéria Esta

Coordenação: Econ. Luiz Mario Behnken, Econ. Talita Araújo e Est. Pâmela Matos. Assistentes: Est. Ana Krishna Peixoto, Est. Bernardo Isidio e Est. Camila Bockhorny. Camila Est. e Isidio Bernardo Est. Peixoto, Krishna Ana Est. Assistentes: Matos. Pâmela Est. e Araújo Talita Econ. Behnken, Mario Luiz Econ. Coordenação:

FÓRUM POPULAR DO ORÇAMENTO – RJ (2103-0121) RJ – ORÇAMENTO DO POPULAR FÓRUM

- con das pagamento de falta por 27.502/2006, em conito com com conito em 27.502/2006,

Siglo Veintiuno Editores, 2015. Editores, Veintiuno Siglo

tra no valor de R$ 215 milhões, milhões, 215 R$ de valor no tra ano, foi publicado o Decreto nº nº Decreto o publicado foi ano,

. Buenos Aires: Aires: Buenos . Desigualdades Las de Economia La Thomas. PIKETTY,

- ou e inativos, de pagamentos para te devido. Porém, no mesmo mesmo no Porém, devido. te . 11 de Janeiro de 2016. de Janeiro de 11 . UFRJ da Jornal Denise. GENTIL,

Referências: R$ 1 bilhão, por falta de repasses repasses de falta por bilhão, 1 R$ - montan o FUNPREVI ao sou

do Tesouro com o FUNPREVI de de FUNPREVI o com Tesouro do - repas Tesouro o 2006, Em

tas (TCMRJ) apurou uma dívida dívida uma apurou (TCMRJ) tas gamento dos inativos pelo Fundo. Fundo. pelo inativos dos gamento

- Con de Tribunal o 2010 Em con-rj.org.br/o-forum. - pa pelo responsabilização de cio pelo FUNPREVI. pelo

possibilitando a utilização desses recursos recursos desses utilização a possibilitando e repasses do Tesouro (tabela 1). (tabela Tesouro do repasses e http://www.core- acesse: Ensino, - iní de data a questionou PPM O

- im logo, (FCA), Ambiental Conservação

mais dependente das contribuições contribuições das dependente mais inativos nos gastos da Saúde e do do e Saúde da gastos nos inativos da Constitucional nº 20/1998. 20/1998. nº Constitucional da

transferidos integralmente ao Fundo de de Fundo ao integralmente transferidos

ria, o que torna o fundo cada vez vez cada fundo o torna que o ria, coerência da contabilidade com com contabilidade da coerência - Emen da quanto 3.344/2001 nº

cursos referentes aos royalties, devem ser ser devem royalties, aos referentes cursos

- previdenciá receita na nanceiras - in da além aluguéis, dos PREVI pretação “criativa” tanto da Lei Lei da tanto “criativa” pretação - re os todos que determina 111/2011

peso dos rendimentos de aplicações aplicações de rendimentos dos peso - Previ-Rio/FUN o com Prefeitura - inter uma por Fundo ao deveria 4 Entretanto a Lei Complementar nº nº Complementar Lei a Entretanto 4

de juros básica (SELIC) do país em 2009. em país do (SELIC) básica juros de vem se mantendo com a queda do do queda a com mantendo se vem os servidores, a inadimplência da da inadimplência a servidores, os PPM não repassou o total que que total o repassou não PPM

3 Soma-se a esse processo a queda na taxa taxa na queda a processo esse a Soma-se 3

cesso de descapitalização do Fundo Fundo do descapitalização de cesso so no Orçamento, a dívida com com dívida a Orçamento, no so No ano de 2004 e 2005, o o 2005, e 2004 de ano No

e desigualdade. e

- pro Esse . - pe o como tais carioca, vidência tes ao grupo 1. grupo ao tes aplicações nanceiras aplicações

releitura da relação entre desenvolvimento desenvolvimento entre relação da releitura 3

- pre a sobre detalhes mais Para - pertencen inativos servidores de tiva, de 30% nos rendimentos em em rendimentos nos 30% de tiva, , obra de 2013 que fez uma uma fez que 2013 de obra , no século XXI século no

. repassar ao Fundo o total da folha folha da total o Fundo ao repassar do de 01/01/2015 a 31/12/2059 a 01/01/2015 de do - signi ca mais ainda queda, uma 2 Economista francês, autor de de autor francês, Economista 2 O Capital Capital O

4

. nanceira do período 1990-2005 período do nanceira 3. O Tesouro ca responsável por por responsável ca Tesouro O 3. - perío no petróleo, do Royalties 4. 0,5% na receita previdenciária e e previdenciária receita na 0,5%

- análise brasileira: Social Seguridade zembro de 2001. de zembro Previ-Rio; em 2009, houve uma redução de de redução uma houve 2009, em

com a tese tese a com Política scal e falsa crise da da crise falsa e scal Política

- de de 31 até aposentadoria a reito mos concedidos e a conceder pelo pelo conceder a e concedidos mos comprometeu a receita do Fundo; Fundo; do receita a comprometeu

Doutora em Economia pela UFRJ UFRJ pela Economia em Doutora 1

- di adquiriram não que ativos res - emprésti e imobiliários mentos nanceiro. Essa descapitalização descapitalização Essa nanceiro.

- servido pelos formado 2: Grupo - nancia de 01/01/2017, de tir quência o seu respectivo retorno retorno respectivo seu o quência

na cidadania. na de 2001 e servidores inativos. servidores e 2001 de - par a amortizações, de Parcelas 3. - conse em reduzindo-se timentos,

de repartição induz a um avanço avanço um a induz repartição de aposentadoria até 31 de dezembro dezembro de 31 até aposentadoria vestimentos do Previ-Rio; do vestimentos - inves de resgate ao recorrer sário

sustentação. Já o sistema solidário solidário sistema o Já sustentação. res ativos que adquiriram direito a a direito adquiriram que ativos res - in de carteira da imóveis dos VI - neces foi despesas novas as com

- autos de di culdade própria sua - servido pelos formado 1: Grupo - FUNPRE o para Transferência 2. lização do Fundo, pois para arcar arcar para pois Fundo, do lização

agrava o problema nanceiro por por nanceiro problema o agrava 2. Divisão em dois grupos: dois em Divisão 2. ração dos servidores ativos; servidores dos ração - descapita uma a levou que pesas,

necessidade de cálculos atuariais) e e atuariais) cálculos de necessidade em 22%; 22%; em - remune da 35% 2045), (até anos - des das aumento um houve 2001,

reitos, aumenta a burocracia (pela (pela burocracia a aumenta reitos, o PPM também passa a contribuir contribuir a passa também PPM o patronal suplementar durante 35 35 durante suplementar patronal pelas aposentadorias entre 1998 e e 1998 entre aposentadorias pelas

- di reduz liberal-conservador to dor de 11% sobre a remuneração, remuneração, a sobre 11% de dor 1. O Tesouro pagará Contribuição Contribuição pagará Tesouro O 1. PREVI agora responsável também também responsável agora PREVI

- pensamen pelo proposta saída a - servi do contribuição da Além 1. de recursos para o Fundo: o para recursos de - FUN o com 2007, de partir A

aparecem as di culdades. En m, En m, di culdades. as aparecem ram as seguintes alterações: seguintes as ram estabelecendo as seguintes fontes fontes seguintes as estabelecendo teu a dívida do FUNPREVI. do dívida a teu

repartição para capitalização é que que é capitalização para repartição - ocorre nanciamento, de forma um novo Plano de Capitalização e e Capitalização de Plano novo um - aba que Tesouro, do menor passe

mação da natureza do sistema de de sistema do natureza da mação videnciários. Além da mudança na na mudança da Além videnciários. lhões, fossem perdoadas, trazendo trazendo perdoadas, fossem lhões, - re um a devido vez, primeira pela

bém revelam que com a transfor a com que revelam bém - para cobertura dos benefícios pre benefícios dos cobertura para - PREVI, que somavam R$ 1,6 bi 1,6 R$ somavam que PREVI, - sultado previdenciário de citário de citário previdenciário sultado

é o problema. Mas os dados tam dados os Mas problema. o é - do e por constituir reservas técnicas técnicas reservas constituir por e do souro e do Previ-Rio com o FUN o com Previ-Rio do e souro - do, que em 2007 apresentou re apresentou 2007 em que do, -

x 46% –, logo, a previdência não não previdência a logo, –, 46% x sável por gerir os recursos do Fun do recursos os gerir por sável - - Te do dívidas as que determinando - Fun o para desastrosas sequências

inativos – entre 2005-2014, 95% 95% 2005-2014, entre – inativos - respon como ca Previ-Rio O ção. pio a publicar a Lei nº 5.300/2011, 5.300/2011, nº Lei a publicar a pio - con trouxe decreto O Tesouro. o

ria cresce mais que a despesa com com despesa a que mais cresce ria que passa a operar por capitaliza por operar a passa que - Banco Mundial) levou o Municí o levou Mundial) Banco - 388 milhões do FUNPREVI com com FUNPREVI do milhões 388

- tributá arrecadação A 1988. em e muda-se a natureza do sistema, sistema, do natureza a muda-se e A situação (e o acordo com o o com acordo o (e situação A 2006), gerando uma dívida de R$ R$ de dívida uma gerando 2006),

ma concebido pelo pacto rmado rmado pacto pelo concebido ma ro (FUNPREVI) pela Lei nº 3.344 3.344 nº Lei pela (FUNPREVI) ro quitados até 2003. 2003. até quitados ça teve efeitos retroativos (1998 a a (1998 retroativos efeitos teve ça

cebe-se que não há crise no siste no crise há não que cebe-se - cia do Município do Rio de Janei de Rio do Município do cia - 334 milhões, e deveriam ter sido sido ter deveriam e milhões, 334 - mudan Essa 15/12/1998. desde

previdenciária com os dados per dados os com previdenciária - - Previdên de Especial Fundo o do FUNPREVI, que somavam R$ R$ somavam que FUNPREVI, sentadorias dos servidores inativos inativos servidores dos sentadorias

tações e movimentos na questão questão na movimentos e tações - cria é 2001 de dezembro Em tos dos créditos do Previ-Rio ao ao Previ-Rio do créditos dos tos casse com o pagamento das apo das pagamento o com casse -

Ao confrontarmos as interpre as confrontarmos Ao - sões, auxílios e demais serviços. demais e auxílios sões, rados também os não pagamen não os também rados - minando que o FUNPREVI ar FUNPREVI o que minando -

bilizava pelo pagamento das pen das pagamento pelo bilizava - e CMRJ. Além disso, foram apu foram disso, Além CMRJ. e - - deter Constitucional, Emenda

Considerações finais Considerações enquanto a autarquia se responsa se autarquia a enquanto - tribuições patronais do TCMRJ TCMRJ do patronais tribuições a citada lei, mas baseando-se na na baseando-se mas lei, citada a

Fórum Popular do Orçamento do Popular Fórum 14 Monografi a 15

O JE inicia a publicação de resumos dos textos vencedores do 25º Prêmio de Monografi a Economista Celso Furtado. O trabalho de conclusão de curso de Daniel Ribera Vainfas, graduado pela UFRJ, foi o primeiro colocado no concurso.

O Mercado Enraizado

Daniel Ribera Vainfas* oferta-demanda-preço; o merca- escassez e a racionalidade instru- do, sustentado pela racionalidade mental) seriam, também, univer- m resumo satisfatório da econômica e pelo axioma da es- salmente válidas. monogra a, que se encaixe cassez, era o Santo Graal da nos- Polanyi lança as bases da con- aU contento neste espaço, necessita sa ciência. cepção substantiva da economia, de um esforço de regresso que si- Havia, entretanto, a pergun- uma visão na qual a economia se tue a leitura para antes da primei- ta: mas seria o mercado, de fa- de ne como a reprodução mate- ra página escrita. É nesse tempo to, o ordenador universal que rial de uma sociedade, podendo anterior que se encontram, com se propunha? Landes insinuava tomar uma forma mercantil ou clareza cientí ca, as duas pontas uma resposta, mas foi Polanyi (e não. O mercado perde seu atribu- cruciais do processo cientí co: sua antropologia econômica) que to universal e converte-se em ca- dúvida e hipótese. a trouxe: não, o mercado, nesse so particular. Uma pequena re exão, perdi- sentido, era um ídolo de barro. A consequência lógica de uma da nas in nitas páginas de Prome- No combate de seu tempo visão substantiva é a necessidade teu desacorrentado (obra de David contra o liberalismo econômico, um novo ordenador para as práti- Landes, autor de peso, porém des- que engendrara a crise de 1929 e cas econômicas de sociedades não conectado da antropologia econô- o fascismo subsequente, Polanyi mercantis; se não é o mecanismo mica, espaço intelectual no qual a buscou duas linhas fundamentais oferta-demanda-preço que deter- monogra a se desenvolveu), lida de argumentação. Por um lado, mina a reprodução material, en- ainda no primeiro período da gra- debruçou-se sobre a história in- tão o que é? duação, semearia uma dúvida que glesa e identi cou o capitalismo A resposta trazida pela antro- germinaria na forma desse traba- como uma novidade histórica, ge- pologia econômica é o conceito lho de conclusão de curso. ográ ca e temporalmente datada, de enraizamento: todas as práti- Landes, discorrendo sobre surgida na Inglaterra do século cas econômicas de uma sociedade a Revolução Industrial, alerta- XIX. Por outro, buscou nos regis- não mercantil estariam enraizadas va que o grande símbolo do su- tros antropológicos as evidências na cultura, seriam as relações cul- cesso britânico, o empreendedor de que sociedades distintas orga- turais que determinariam as regras que construiria sua fortuna à re- nizavam sua vida econômica por da produção e da distribuição. velia de qualquer dano social que mecanismos não mercantis. Polanyi é categórico ao a rmar ela pudesse causar, era visto pe- A rmar a condição históri- que a sociedade pré-industrial in- los franceses não como um he- ca do capitalismo, aqui entendi- glesa era dotada de uma economia rói, mas como um monstro, um do como a organização mercantil enraizada. O cerne da vida ma- devorador de homens. da sociedade, signi cava a cons- terial eram os vínculos culturais, Esse alerta chocava-se com trução de uma nova de nição com pouca ou nenhuma interfe- a leitura dos manuais de econo- de economia. A visão tradicio- rência do mercado. A mudança mia, que postulavam uma racio- nal, ortodoxa, formalista, a rma- começa a surgir quando o libera- nalidade econômica à prova do va que a economia sempre teria lismo econômico ganha fôlego e tempo e do espaço. A economia uma forma mercadológica, isto é, tenta apartar a esfera produtiva da era, nas páginas desses manuais, o mecanismo de oferta-demanda- esfera social, conferindo autono- uma ciência que estabelecia leis -preço seria universalmente váli- mia mercantil à vida econômica. universais, que ordenava o mun- do, porque suas condições lógicas Apesar da interpretação cor- do a partir de um mecanismo de (fundamentalmente o axioma da reta de que existe uma diferença www.corecon-rj.org.br Jornal dos Economistas / Fevereiro 2016 16 Monografi a

profunda entre o mundo antes e ção de Polanyi, interpretando seu a rmação com um argumento ba- ca ou um pedaço de frango; mui- depois da Revolução Industrial, conceito de enraizamento de ma- seado nas análises de Sahlins. to embora não haja qualquer dife- Polanyi oferece uma explicação neira mais geral. Nesse sentido, Suponhamos que algum em- rença biológica signi cativa entre frágil para a causa dessa mudança, Marshall Sahlins se mostra um preendedor brasileiro decida lan- eles que torne o cachorro mais hu- explicando o surgimento do capi- apoio valioso. çar-se no mercado de carnes, não mano e familiar (fazendo com que talismo como uma consequência A leitura mais imediata da obra pelas vias tradicionais, mas inovan- seu consumo seja revoltante) ou de pressões competitivas geradas de Polanyi nos leva a organizar a do e vendendo carne de cachorro. que torne a galinha ou a vaca ani- pela introdução das máquinas no economia a partir de duas catego- Não é distante da realidade imagi- mais-objetos (naturalizando, des- processo produtivo. sa forma, o consumo). Tal explicação possui um pro- É nas incoerências culturais blema sério, como aponta Ellen que ca claro como um elemento Wood,:as pressões competitivas social condiciona a estrutura dos geradas pelo uso de máquinas só mercados; basta pensar em como fazem sentido em um mundo que a inserção internacional de diver- já seja capitalista, ou seja, Polanyi sos países seria completamente di- pressupõe o que deseja explicar, ferente se a norma cultural fosse o postulando um argumento circu- consumo de carne canina em lu- lar para a transição industrial. gar da carne bovina. O mecanis- O que é interessante aqui é mo oferta-demanda-preço sai da que essa di culdade argumenta- sua posição de organizador uni- tiva não desquali ca a construção versal e assume um papel comple- geral polanyiana; ao contrário, a tamente subordinado a laços cul- teoria de Wood para a transição, turais que o antecedem. o imperativo de mercado que sur- Finalmente, é com essa con- ge no campo inglês e condiciona tribuição de Sahlins que podemos a reprodução das populações (tan- fechar o ciclo. O mercado não po- to campesinas quanto aristocráti- de ser posto como um ordenador cas) ao acesso ao mercado, reforça universal, porque nem é universal o argumento da novidade históri- no sentido de existir desde sempre ca e pode ser usada em harmonia e para sempre em todos os lugares, com a proposta de Polanyi. haja vista os inúmeros casos de so- O maior problema que pode- ciedades não mercantis levantados mos levantar contra a teoria do por Polanyi (inclusive a Inglater- enraizamento econômico é a pos- ra pré-século XIX); nem é univer- sibilidade entreaberta de que a sal no sentido de organizar a vi- economia pós-industrial não se- da econômica de uma sociedade ja enraizada. Fred Block nos aler- mercantil, posto que, mesmo ne- ta, argumentando que essa seria la, são os laços culturais que deter- uma interpretação equivocada da rias analíticas dicotômicas, o en- nar uma grande comoção popu- minam a forma como o mercado proposta de Polanyi, posto que a raizamento cultural e a economia lar contra o dito empreendedor; se expressa. O que a antropolo- impossibilidade de uma econo- mercantil. A dicotomia fundamen- o consumo da carne canina é cul- gia econômica parece nos mostrar mia desenraizada estaria enfatiza- tal reside na autonomia do merca- turalmente tão aberrante que seria é que, se existe algum ordenador da em A grande transformação, de do frente às demais instituições so- quase impossível que o empresário universal para a vida econômica, modo que a economia mercantil, ciais, conferindo, portanto, um tivesse algum sucesso nanceiro. para a nossa reprodução material, autônoma da esfera social, rapida- caráter desenraizado ao mercado. Entretanto, as mesmas hipoté- esse ordenador é a cultura. mente deve implodir, restauran- Entretanto, a antropologia ticas pessoas que, hipoteticamen- do alguma forma de enraizamen- econômica revela que o elemen- te, se insurgiram contra o vende- * É graduado em Economia pela to econômico. to cultural condiciona mesmo as dor de carne de cão não veriam UFRJ e cursa Economia Política Mas, talvez mais interessan- práticas mercantis contemporâne- problema algum em consumir Internacional na UFRJ. te seja expandirmos a argumenta- as. Vale a pena, aqui, ilustrar essa um hambúrguer de carne de va- Orientador: Daniel Barreiros www.corecon-rj.org.br Jornal dos Economistas / Fevereiro 2016