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15 set 2017 O Globo GISELLE OUCHANA RAFAEL GALDO [email protected] Turismo em baixa nas favelas Agência diz que movimento na caiu 40%; Alemão já não tem mais passeios

Era um universo novo que pulsava diante do olhar do grupo de turistas americanos, na última segunda- feira à tarde. Descendo o Largo do Boiadeiro, na Rocinha, tudo chamava a atenção: o vaivém das motos, o emaranhado de fios nos “gatos” da rede elétrica, as construções improvisadas e até os manequins com roupas e cabelos coloridos na calçada. “It’s a city!” (É uma cidade!), constatava uma turista, sem parar de fazer fotos. Em meio a tanta agitação, os moradores nem se surpreendem mais com a presença dos estrangeiros. Mas, desde que a violência voltou a se impor, os passeios turísticos em favelas vêm perdendo clientela. Em lugares conflagrados, como o Complexo do Alemão, os visitantes praticamente desapareceram. Condição que jogou na incerteza uma rede de pequenos negócios, de restaurantes a hostels, que começava a prosperar com o turismo nas comunidades pacificadas.

FOTOS DE GABRIEL DE PAIVA Vida real. Turista americana fotografa uma moradora da Rocinha cheia de bolsas numa das ruas da durante excursão: policiais armados de fuzis chamaram a atenção dos estrangeiros, mas nenhum deles fez perguntas sobre o tráfico

— O Consulado dos Estados Unidos recomendou que não entrássemos em favelas de forma alguma, nem com um guia. Mas resolvi ver de perto — disse uma das turistas que atravessou a Rocinha na segunda-feira. A americana foi à favela num dia atípico. Numa das lajes perto da Estrada da Gávea, ocorria a gravação de uma novela. Quem conhece o dia a dia do lugar percebia que havia mais policiamento que o normal. E foi o tamanho dos fuzis carregados pelos PMs que assustou a turista, que não viu, mas sabia da presença do tráfico por perto. — É seguro para uma mãe ou uma avó andar com suas crianças na rua? — questionou. Ela e seus dez companheiros de passeio, todos em excursão pela América do Sul, percorreram um circuito panorâmico na Rocinha, quase todo concentrado na Estrada da Gávea, onde há tráfego de ônibus, táxis e mototáxis. O tour fez paradas em pontos estratégicos: uma feira de artesanato, uma laje com vista do morro, o Largo do Boiadeiro, uma escolinha infantil e a passarela de Oscar Niemeyer, em frente à Vila Olímpica. As entranhas dos becos de uma favela, no entanto, os americanos conheceram em outra comunidade, a Vila Canoas, em São Conrado, menor e praticamente alheia à violência. http://oglobodigital.oglobo.globo.com/epaper/viewer.aspx?token=1f8caf06d200927000023 1/2 15/09/2017 Infoglobo - O Globo - 15 set 2017 - Turismo em baixa nas favelas Dono da operadora Favela Tour, contratada pelo grupo, Marcelo Armstrong afirma que os objetivos do roteiro são apresentar a realidade socioeconômica da favela e desmistificar a visão de grande parte dos estrangeiros: muitos chegam com a ideia de que as comunidades seriam mais pobres do que, de fato, são. Com 25 anos de experiência e um dos pioneiros no mercado, o empresário diz que o cenário atual é o de maior queda neste ramo do turismo no Rio. Em relação ao período de auge, pouco antes da Olimpíada, ele calcula uma redução de 40% no número de turistas. — A violência é o principal motivo, mas não é o único. As notícias do Brasil no exterior, seja sobre a política, seja sobre a economia, prejudicam muito. Além disso, o Rio não soube aproveitar a exposição de imagem que teve durante os Jogos de 2016. E também não vejo ações das autoridades que possam contribuir para mudar esse quadro — disse Armstrong. Em geral, os passeios em favelas custam de R$ 80 a R$ 200 por pessoa, dependendo do pacote. Assim como na Rocinha, no , em , também diminuiu a quantidade de pessoas dispostas a pagar por esse turismo. Primeira a passar pelo processo de pacificação, em 2008, a favela mundialmente conhecida pela gravação de um clipe do cantor Michael Jackson tinha sido uma das primeiras a abrir suas portas aos visitantes. Mas a crise da segurança pública também se alastrou por lá e atingiu em cheio os empreendedores locais. Até o ano passado, cada grupo atendido pelo Favela Santa Marta Tour era formado por pelo menos dez pessoas. Atualmente, não chega à metade. — Essa época, por exemplo, é período de férias na Europa. Esperávamos muito mais gente. Esta semana, por exemplo, só guiei duas pessoas por dia — afirma Thiago Firmino, morador e guia. — Este ano não houve “alta temporada”. As notícias de violência circulam muito rapidamente, e as pessoas temem a visita. MUITAS PERGUNTAS, NENHUMA SOBRE O TRÁFICO No grupo de segunda-feira na Rocinha, os turistas relatavam conhecer essa violência carioca pelo noticiário e pelo cinema. Durante o passeio, perguntaram de quem era a propriedade das terras, sobre como o lixo era recolhido, como a água chegava ao topo do morro, se havia saneamento básico. Uma das turistas ficou impressionada com o mar de antenas de TV por satélite ao ver a favela do alto. Até sobre gentrificação, eles conversaram com o guia. O tema “tráfico”, no entanto, passou ao largo. — Conheci aqui uma realidade dura, mas de pessoas que trabalham e levam suas vidas. Eu tentei me comunicar com as pessoas, através do olhar. E elas me correspondiam, sem parecerem embaraçadas. Estavam sorrindo. Isso me surpreendeu muito — afirmou uma das turistas, Davida French. Perto dali, o Vidigal é um dos poucos lugares que parecem passar ainda imunes à crise. A famosa Trilha Dois Irmãos, que sobe a comunidade até o topo do Irmão Maior, tem saídas diárias de manhã e à tarde. O público é 90% de brasileiros. E nem mesmo no dia em que um PM da UPP foi morto na comunidade, em julho, os passeios pela trilha foram cancelados. — O passeio aconteceu a semana inteira. Apenas dois turistas preferiram adiar a programação — afirma Ana Lima, guia local, que espera um público ainda maior no período do Rock in Rio, assim como aconteceu na Copa e na Olimpíada. Em outras favelas, a situação é mais grave. Não há mais turismo no Morro dos Prazeres, em Santa Teresa, e no Complexo do Alemão. O Prazeres Tour desativou o serviço em novembro de 2015, dois meses após cancelar um passeio devido a tiroteios. No Alemão, os guias locais desistiram do trabalho pouco antes da Copa de 2014. Mais de dez mil turistas visitaram a região em 2012 e 2013, período em que a novela “Salve, Jorge", da TV Globo, era gravada no local. — Recebemos muitos estrangeiros, mas, com a novela, milhares de brasileiros quiseram conhecer o complexo. Esse foi o período que as visitações explodiram — afirma Mariluce Mariá, que trabalhou como guia na época. Além de os turistas terem sumido, a retirada das favelas dos mapas entregues pela Riotur aos visitantes, conforme noticiou O GLOBO na segunda-feira, é apontada como um fator que contribui para a míngua do ramo. No Dona Marta, os guias dizem se sentir excluídos. — É uma atitude bizarra e incompreensível. A cartilha valoriza mais o nosso trabalho e atrai os turistas, mas resolveram nos excluir — criticou Thiago Firmino. A Riotur afirmou ainda que apoia as atividades turísticas nas comunidades. E divulgou que um quiosque de atendimento ao turista vai ser instalado até o fim deste ano na Rocinha.

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