A Colonização Guarani Nas Planícies Do Taquari, Rio Grande Do Sul, Brasil* the Guarani Colonization on the Plains of Taquari, Rio Grande Do Sul, Brazil
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A colonização Guarani nas Planícies do Taquari, Rio Grande do Sul, Brasil* The Guarani colonization on the Plains of Taquari, Rio Grande do Sul, Brazil Marcos Rogério Kreutz** Paula Dresch dos Santos*** Neli Galarce Machado**** Luis Fernando Laroque***** Resumo: No período pré-colonial, os atuais estados do sul do Brasil foram colonizados por diversas etnias, entre elas, a Guarani. Esses grupos, com uma orientação agrícola e com uma dinâmica de des- locamentos, optaram por se instalar inicialmente nas férteis várzeas ao longo dos rios e arroios de maior porte. Com o passar do tempo, deslocaram-se para territórios mais afastados desses cursos d’água ou então para as porções mais altas dos vales dos rios. O objetivo * A temática e os sítios arqueo- lógicos estudados neste artigo do presente estudo é formular um panorama de deslocamentos e compõem o projeto de pesqui- colonização de grupos Guarani em um território específi co drenado sa “Arqueologia, História Am- pela Bacia Hidrográfi ca do Rio Taquari no Rio Grande do Sul, em biental e Etno-história do RS” um período antigo, anterior à colonização europeia. A metodologia que tem auxílios da CAPES, utilizada foi a revisão bibliográfi ca que trata do tema, migrações e CNPq e PROPEX UNIVATES. deslocamento s Guarani, bem como a análise de datações realizadas ** Doutorando no Programa de Pós Graduação em Ambiente e em sítios arqueológicos. Como resultado, espera-se formular hipó- Desenvolvimento da Univates. teses para esses deslocamentos na área foco do estudo. E-mail: [email protected] Palavras-chave: deslocamentos; Guarani; áreas favoráveis. *** Bolsista do CNPq. Graduan- da em História na UNIVATES. E- Abstract: In the pre-colonial period, the current states of southern mail: [email protected] Brazil were colonized by various ethnic groups, among them the **** Doutora em Arqueologia. Guarani. These groups, with an agricultural orientation and a dyna- Professora e Pesquisadora do mic shifts, chose to settle in the fertile fl oodplains initially along the Programa de Pós Graduação rivers and larger streams. Over time, traveled to more remote areas em Ambiente e Desenvolvi- mento da UNIVATES, Lajeado, of these watercourses or so to the highest portions of the river valleys. Rio Grande do Sul. Coordena- The purpose of this study is to formulate an overview of displacement dora do Setor de Arqueologia. and colonization of Guarani groups in a specifi c territory drained by E-mail: [email protected] Basin Taquari River in Rio Grande do Sul. The methodology used ***** Doutor em História. was a literature review that approaches this issue, migration and Professor e Pesquisador do displacement Guarani, and the dating of research carried out under Programa de Pós-Graduação em Ambiente e Desenvolvi- archaeological sites. As a result expected to formulate hypotheses for mento da UNIVATES, Lajeado, these shifts in the territory focus of the study. Rio Grande do Sul. E-mail: Key words: shifts; Guarani; favorable areas. [email protected] Tellus, ano 14, n. 27, p. 33-66, jul./dez. 2014 Campo Grande, MS 1 Introdução A partir de fi nais do século XVII, viajantes, cronistas, historiadores, arqueólogos, antropólogos narram a expansão e o deslocamento dos povos Guarani pré-contato e pós-contato com os colonizadores vindos do Velho Continente. Estima-se que esses grupos ingressaram no atual estado do Rio Grande do Sul, cerca de 2.000 anos A.P., iniciando a colonização na infl exão do rio Uruguai, na direção oeste para leste (ROGGE, 2004). Todos os ambientes que correspondem à atual região sul foram ocupados, de forma sistemática ou de forma ocasional, inicialmente por grupos caçadores e coletores. Por volta de 2.500 anos atrás, a “paisagem cultural” da região Sul começa a ser alterada, com a ocupação por populações ceramistas e horticultoras (NOELLI, 1999/2000). Dentre estas, os portadores da Tradição Tupi-guarani são as mais conhecidas em termos arqueológicos, etnográfi cos, históricos e linguísticos (RODRIGUES, 1986; NOELLI, 1993; SILVA, 2000; MELLO, 2006). Assim, nesse contexto de movimentação da população Guarani, per- tencente à Tradição Arqueológica Tupi-guarani, um território específi co do Estado do Rio Grande do Sul, o qual está inserido na Bacia Hidrográfi ca do Rio Taquari, conhecida como Vale do Taquari, foi colonizado por essa etnia. Quanto à época, o grupo deve ter ocupado o referido território, no início da Era Cristã ou um pouco mais tarde, conforme demonstram as datações obtidas por meio das técnicas de C14 e Termoluminiscência. Estima-se que esses grupos permaneceram por um período considerável, tendo sofrido uma grande pressão em virtude da chegada dos europeus. DesSe modo, o objetivo do presente artigo é traçar um panorama de deslocamentos e colonização de grupos Guarani pelo território foco do estudo. Nas últimas décadas, pesquisadores (BROCHADO, 1984; RIBEIRO, 1991; NOELLI, 1993; SOARES, 1996; ROGGE, 2004; KLAMT, 2005; SCHMITZ, 2006; MACHADO et al., 2008; SANTI, 2009) têm se debruçado no assunto for- mulando hipóteses para deslocamentos e colonização Guarani para o Estado do Rio Grande do Sul. Sendo assim, esses estudos, aliados à análise de sítios arqueológicos no Vale do Taquari permitem identifi car, hipoteticamente, deslocamentos e áreas de colonização Guarani para a região. 34 Marcos R. KREUTZ; Paula D. SANTOS; Neli G. MACHADO; Luis F. LAROQUE. A colonização Guarani nas Planícies do Taquari, Rio Grande do Sul, Brasil 2 A expansão Guarani Quando algum indivíduo de uma determinada área vai para outra, que pode ser habitada ou não, com o intuito de habitar ou explorar dá-se o nome de colonização. Nesse processo de colonização ocorre a infl uência ou transferência cultural dos colonizadores para com os colonizados e vice-versa. O colonialismo, segundo Azevedo (1999, p. 109), “[...] signifi ca o domínio ins- titucionalizado de uma potência ou Estado sobre outros povos, via de regra, localizados em regiões longínquas”. O Guarani era um povo colonizador. Na fl oresta abriam clareiras para suas aldeias e para as roças, com espaços defi nidos para a sua subsistência e vida social. Abriam caminhos entre as aldeias e as diversas áreas de ativida- des econômicas, locais para rituais e cemitérios e entre as aldeias vizinhas ou distantes (NOELLI, 2004; ZUSE, 2009). Assim, a Arqueologia passou a destacar a forma pela qual os grupos Guarani dominavam o espaço, bem como a relatar os sítios arqueológicos que estão relacionados entre si, com o meio ambiente e quais os processos culturais embasam essa organização no espaço (MILHEIRA, 2008). Entende-se que existe uma diferença entre expansão e migração. Para expansão, compactua-se com a afi rmação de Brochado (1989), na qual con- sidera que os deslocamentos humanos ocorridos na pré-história não foram exatamente migrações, pois os territórios de origem desses povos não fi caram vazios, mas continuaram crescendo demografi camente obrigando, de tempos em tempos, a saída de novos indivíduos. Para Conte (2004), a migração não se constitui em apenas um desloca- mento de pessoas pelo planeta, mas também em transformação na sociedade. Ocorrem por várias razões, podendo representar uma mudança radical, não só no aspecto físico, mas também na vida dos indivíduos. A migração de uma sociedade ou de um indivíduo é o processo que resulta na saída defi nitiva de um determinado espaço, região ou país, de forma voluntária ou compulsória, na busca de outros locais em outros limites (GAR- LET; ASSIS, 2009). As migrações podem ser vistas como fruto de motivações múltiplas, entre elas, econômicas, políticas ou religiosas. A presença Guarani abrangia, antes da chegada do europeu no século XVI, um extenso território na atual confi guração do Brasil. Nesse panorama, incluem-se os estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, São Paulo e Mato Grosso do Sul, além de partes de países vizinhos. Porém, segundo Monteiro (1992), não ocupavam o território de forma homogênea ou exclusiva. Tellus, ano 14, n. 27, jul./dez. 2014 35 Da mesma forma que grupos construtores de sambaquis privilegia- vam para sua instalação áreas próximas a mangues e de formações fl orestais (SCHEEL-YBERT, 2001), no processo de expansão para diversas regiões do Brasil, os Guarani escolhiam áreas ecológicas eleitas de forma culturalmente orientada (CICCARONE, 2011). Segundo Mello (2006, p 23), a partir dessas “[...] movimentações se ori- ginaram sociedades distintas que se expandiram territorial e linguisticamente em consecutivos processos migratórios”. Os Guarani tinham uma estreita ligação com o ambiente. Segundo Ri- beiro e Fáccio (2009, p. 96), O grupo Guarani possui uma forte relação com o espaço e seu meio eco- lógico, haja vista que notoriamente buscaram uma adaptação ecológica compatível com seu modo de vida, já formado e desenvolvido na região amazônica, buscando os lugares de vegetação de bosque subtropical chuvoso. As razões que levaram grupos Guarani a empreenderem a expansão, ou ainda, o movimento migratório, proporcionaram inúmeros estudos. Desde o século XIX, teorias foram criadas para tentar explicar esses deslocamentos. Entre as teorias pesquisadas e publicadas, Noelli (1993) apresenta o trabalho de Branislava Susnik (1975). A autora utiliza combinações e com- parações de fontes etnográfi cas, etno-históricas e as datas arqueológicas disponíveis na época, propondo fatores que levaram indígenas a promover esses movimentos. Dessa maneira, a expansão territorial se daria por razões simbólicas e socioeconômicas (MILHEIRA, 2008). Entre elas, conforme Noelli (1993, p. 54), temos: a) crescimento demográfi co e subsequente divisão de aldeias; b) busca de novas terras para o desenvolvimento do plantio; c) guerra e fuga; d) divisões geradas por diferenças pessoais dentro do sistema de parentesco; e) pelo esgotamento das terras ocupadas. Lathrap (1975) afi rma que a expansão poderia estar vinculada ao desen- volvimento da agricultura, produzida ao longo das férteis terras de várzeas às margens do rio Amazonas. Produzindo mais, possibilitou o aumento da densidade demográfi ca, assim, para o autor, torna-se um indicativo para os deslocamentos na região do Amazonas, e também para fora dela.