<<

Oralidade, alfabetização e leitura: enfrentando diferenças e complexidades na escola pública*

Claudemir Belintane Universidade de São Paulo

Resumo

Apresenta-se o relato de uma pesquisa, na área de ensino da leitura e da escrita, realizada em duas séries de primeiros anos do ensino fundamental, em uma escola pública da cidade de São Paulo. A partir de diagnósticos baseados na cultura oral de alunos que apresentavam dificuldades de aprendizagem de leitura mesmo após três ou quatro anos de escolarização, procurou-se criar, ministrar e monitorar um programa de ensino baseado na transição entre cultura oral e cultura escrita. Trata-se de uma pesquisa de natureza qualitativa, cuja preocupação é lidar com a heterogeneidade da sala de aula em seu processo e em sua complexidade. O viés teórico é multidisciplinar, incluindo áreas de pesquisas sujeitas às influências da linguística, da psicanálise e da educação e, ainda, dos estudos de pesquisadores da área que se convencionou chamar “equação oralidade-escrita” (Havelock,1995). Os resultados trazem dados, relatos de intervenções e reflexões que podem subsidiar programas de ensino para a faixa etária estudada e questiona ainda o foco excessivo que as metodologias construtivistas põem sobre o ato de escrever ou sobre a própria escrita. Propõe uma nova perspectiva de enlaçamento entre a cultura oral dos alunos e letramento escolar, assumindo uma ambiência de oralidade, alfabetização e leitura que inclui o suporte eletrônico e uma organização mais coletiva do trabalho escolar nas séries iniciais, sobretudo na articulação (“dobradiça”) entre o ensino infantil e o fundamental I.

Palavras-chave

Oralidade — Alfabetização — Leitura — Novos suportes — Infantil. Correspondência: Claudemir Belintane Faculdade de Educação-USP Av. da Universidade, 308 Bloco A 05508-040 – São Paulo – SP E-mail: [email protected]

* Agradece-se à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) o financiamento desta pesquisa.

Educação e Pesquisa, São Paulo, v.36, n.3, p. 685-703, set./dez. 2010 685 Orality, and : dealing with differences and complexities in the public school*

Claudemir Belintane Universidade de São Paulo

Abstract

The text reports on a research in the field of the teaching of reading and carried out with two first year classes of fundamental education at a public school in the city of São Paulo. Starting from diagnostics based on the oral of the pupils that displayed learning difficulties in reading even after three or four years of schooling, we sought to create, administer, and monitor a teaching program based on the transition between oral culture and written culture. It is a research of qualitative nature, whose concern is to deal with the heterogeneity of the classroom in its process and in its complexity. The theoretical framework is multidisciplinary, including areas of study under the purview of , psychoanalysis, and education and, also, of the work of researchers of the field conventionally denominated “oral-literate equation” (Havelock, 1995). The results bring data, reports of interventions, and reflections that can help to structure teaching programs for the age group studied here, whilst questioning the excessive focus that constructivist methodologies place upon the act of writing or on writing itself. It puts forward a new perspective of the intertwining between pupils’ oral culture and school literacy, assuming an ambience of orality, literacy, and reading that includes electronic media and a more collective organization of the school work in the first series, particularly in the articulation (“hinge”) between early childhood education and the first grade.

Keywords

Orality – Literacy – Reading – New supports – Early childhood. Contact: Claudemir Belintane Faculdade de Educação-USP Av. da Universidade, 308 Bloco A 05508-040 – São Paulo – SP E-mail: [email protected]

* The support of the Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) is acknowledged.

686 Educação e Pesquisa, São Paulo, v.36, n.3, p. 685-703, set./dez. 2010 Este artigo relata e discute dados, eventos expectativas comuns em relação aos seus re- e estratégias de uma pesquisa realizada em uma sultados, ou seja, a alfabetização dos alunos escola pública estadual da Zona Oeste da cida- envolvidos, o que caracteriza uma pesquisa de de de São Paulo, no período de abril de 2007 natureza complexa, que se de um lado poderia a dezembro de 2009, financiada pela Fapesp, se aproximar das vertentes qualitativas – por cujo objetivo era analisar as possibilidades de exemplo, o “estudo de caso” (Ludke; André, se implementar um programa de ensino de lin- 1986) –, de outro, pode se aproximar, sobretudo guagem nas séries iniciais, concebido a partir se considerada a posição subjetiva da equipe e de diagnósticos mais precisos das condições de sua formação, de um tipo de “envolvimento” e oralidade e letramento dos alunos e das pre- “escuta” com origem na psicanálise, mas tam- disposições gerais do ensino a que estes alunos bém atravessada pela linguística e outras áreas estavam concretamente submetidos (incluindo a (Ginzburg, 1989; Lemos, 1998). ação da escola, dos professores e das influências O reconhecimento explícito desse envol- dos programas governamentais vigentes)1. vimento e de seus efeitos e equívocos permitiu A pesquisa se processou em duas fases: ao pesquisador e sua equipe manter certo rigor na primeira, procurou-se diagnosticar 43 alunos quando se considerava o envolvimento dos apontados pelos professores e pela coordenado- participantes, sobretudo a filtragem e a rela- ra da escola como alunos “pré-silábicos” ou “si- tivização de seus relatos orais ou escritos, e lábicos”, ou seja, alunos que, com três ou quatro ainda preservar certa prontidão para recolher anos de escolarização, ainda não reuniam as manifestações aparentemente sem importância condições básicas para o domínio da leitura e (nonsenses, repetições, enunciações inusitadas), da escrita – tais alunos ajudariam a compor o que poderiam conter significantes ou indícios percentual nacional de aproximadamente 20% reveladores (Ginzburg, 1989) que se originavam dos alunos de quarta-série que ficariam abaixo tanto nos atendimentos individuais como nas da pontuação mínima das escalas de avaliação, interações mais coletivas. ou seja, comporiam aquele percentual cuja pon- Reconhece-se aqui que situar a pesquisa tuação ficaria entre 120 e 150 pontos na escala e a análise dos dados entre essas perspectivas do SAEB (Brasil, 2007)2. de diferentes ciências (psicanálise, linguística, Na segunda fase, a pesquisa acompa- análise do discurso) constitui uma metodologia nhou duas turmas de primeiras séries do en- arriscada e complexa. Por outro lado, trabalhar sino fundamental I (6 a 7 anos), ministrando, com uma perspectiva muito estrita, ou ainda, juntamente com seus dois professores, um pro- demasiadamente filiada a esta ou aquela linha grama de oralidade, leitura e escrita embasado teórica, também não é uma solução interessante nos resultados obtidos na primeira fase. Neste diante da complexidade do ensino contempo- artigo, relatam-se os eventos mais amplos da râneo. Procurou-se, então, um paradigma mais pesquisa e revelam-se as conclusões mais gerais aberto, mais predisposto a ajustar ou mesmo obtidas nas duas fases. As reflexões pontuais, reconhecer os limites de seus conceitos em que abrem perspectivas para novas pesquisas, função dos dados que emergiam. Na busca de serão abordadas em outros textos e em parceria singularidades, os pesquisadores se depararam com os outros participantes do projeto. com a necessidade de emprestar e reconceituar Antes de descrever o processo de cada procedimentos e técnicas de vários campos, fase, convém evidenciar algumas reflexões sobre entre eles certos ajustes entre a concepção de a natureza desta pesquisa. O pesquisador e sua equipe (pós-graduandos, estagiários e professo- 1. Programa “Ler e Escrever” (São Paulo, 2008). res bolsistas) mantiveram intenso envolvimento 2. O Saeb – Sistema Nacional de Avaliação Básica utiliza uma escala de 0 a 500 pontos, e a pontuação média recomendada para a quarta série é de com os sujeitos da pesquisa e compartilharam 200 pontos (Brasil, 2008/2009).

Educação e Pesquisa, São Paulo, v.36, n.3, p. 685-703, set./dez. 2010 687 pesquisa qualitativa, mais próxima talvez do perdessem em uma pluralidade de informações, “estudo de caso” e da “escuta psicanalítica”. optou-se por uma entrevista semiestruturada, Para entender melhor essa necessidade, é preciso durante a qual o pesquisador poderia parafra- considerar que as intervenções da pesquisa se sear ou mesmo explicar e exemplificar as per- desdobraram em dois eixos: (1) diagnósticos guntas aos alunos de acordo com a necessidade. mais objetivos, realizados a partir de um roteiro O roteiro tinha a função de unificar as enquetes de entrevista semiestruturado; (2) escuta singu- e evitar derivas e extrapolações. Os dados obti- lar de cada aluno que sinalizava diferenças e dos eram repassados, um a um, em uma sessão de cada professor envolvido, bem como coleta de supervisão mantida pelo coordenador do das impressões dos pesquisadores registradas em projeto – em síntese, a técnica consistia em seus diários de campo. A seguir, apresentam-se sobrepor duas escutas: o entrevistador escuta os dois eixos. o aluno durante a entrevista; o coordenador escuta o entrevistador, cotejando dois registros Pesquisa a partir das entrevistas, (a comunicação oral na sessão e o relato escrito) intervenções e resultados e ainda consultando outros documentos, filmes e gravações. Já os dados mais evidentes conti- Na primeira fase do projeto, o grupo dos no relato escrito receberam um tratamento tinha como missão diagnosticar 43 crianças quantitativo e ajudaram a escolher o grupo dos apontadas pela escola como alunos que, após alunos que passariam por acompanhamento três ou quatro anos de escolarização (idade en- individual, já que a equipe não poderia acom- tre 9 e 13 anos), ainda não dominavam comple- panhar detalhadamente os 43 alunos. tamente o princípio alfabético (na terminologia A Tabela 1 apresenta um quadro quanti- usada pela escola e pela rede da qual a escola tativo dos dados obtidos e, logo a seguir, as são faz parte, esses alunos seriam pré-silábicos ou dadas as justificativas da escolha dos itens diag- silábico-alfabéticos). Como se pretendia um nosticados e alguns comentários de natureza diagnóstico que levasse em conta as singulari- mais qualitativa, obtidos nas sessões de escuta. dades de cada criança entrevistada e, ao mesmo Os itens de 1 a 4 diagnosticaram elemen- tempo, reconhecia-se o risco de que os dados se tos fundamentais da própria identificação da

688 Claudemir BELINTANE. Oralidade, alfabetização e leitura: enfrentando diferenças e complexidades... criança. Pelos dados da Tabela 1, nota-se que alunos que ainda não dominavam o alfabeto esses elementos básicos da cidadania ainda re- apresentavam dificuldades nessas atividades. presentam um problema considerável para essas Quanto ao item 8 – que consistia em crianças. A data de nascimento, por exemplo, apenas nomear objetos a partir de imagens, ainda é uma dificuldade para mais de 70% – com o qual se procurava aferir se havia casos normalmente, o entrevistador utilizava outras de afasias severas, observava-se se o aluno no- expressões mais típicas da fala e da infân- meava diretamente a imagem ou se recorreria cia para traduzir o termo data de nascimento: ao contexto, como, por exemplo, “de cortar” “quando é seu aniversário?”, “Quando você faz por “tesoura” ou “faca”, informação que poderia aniversário?”, mesmo assim as respostas eram apontar para um possível “distúrbio de simi- incompletas, forneciam, em geral, somente o laridade” (Jakobson, 1995) –, verificou-se que dia ou o mês. O nome completo dos familiares quase todos os alunos nomeavam bem; somente chegava a ser uma descoberta para alguns alu- dois apresentaram problemas parciais nessa ha- nos, pois ficavam surpresos ao saber que seu bilidade, mas não o suficiente para caracterizar sobrenome coincidia com o de seu pai ou avô. claramente esse tipo de afasia. A partir desses dados, já se pode concluir que Com os itens de 9 a 13, aferiam-se as a solicitação dessas informações se reveste de habilidades no manejo das unidades significan- duas origens: uma oriunda da fala cotidiana tes da palavra, sobretudo a destacabilidade e a familiar (“quando é seu aniversário?”, “que dia reversibilidade silábicas. Os alunos mostraram você nasceu?”, “quem são seus pais?”, “onde mais dificuldades ainda do que nos itens ante- você mora?” etc.), outra embasada na formali- riores. A reversibilidade silábica oral, item 11 dade da escrita burocrática (data de nascimento, (inversão silábica de dissílabos), por exemplo, filiação, endereço etc., como poderia figurar, para os meninos, constituiu uma dificuldade por exemplo, em um formulário de emprego ou quase intransponível e atingiu 100% dos entre- mesmo no prontuário escolar) – aqui já se evi- vistados, embora, mais tarde, nos atendimentos, denciam indícios de um confronto entre escrita se tenha constatado que muitos deles, com um e oralidade que poderia dificultar o acesso des- pouco de ensino, aprendiam a estratégia da ses alunos às exigências mínimas de cidadania. inversão com relativa facilidade. Também no Esse indício foi confirmado em outra pesquisa item 13, leitura de rébus, quase todos os alunos da equipe do coordenador, realizada com alunos mostraram muitas dificuldades; no entanto, tal mais velhos de uma favela da Zona Oeste de como em relação ao item 11, com um pouco de São Paulo3, em que se constatou que jovens de ensino, a maioria dominou o processo. 14, 15 e 16 anos não conseguiam compreender Comparando-se esses dados, já se pode um formulário simples de solicitação de em- evidenciar uma correlação entre os itens 5, 6 e 7 prego, não compreendiam itens como data de (intertextualidade e manejo de textos completos) nascimento, filiação, RG, CPF – os sobrenomes e os itens de 9 a 13 (unidades silábicas), ou seja, dos pais constituíam quase sempre um grande essa comparação reforça a hipótese da pesquisa: problema; alguns alunos chegavam a citar al- crianças que conhecem pouco os textos comple- cunhas familiares: Zumbi, Pezão, Baiano. Este tos da tradição oral e seus manejos também não tópico constituiu um eixo temático curricular dominam bem as unidades silábicas, e, como intitulado “nomeação”, como se verá adiante. se verá na fase II, quanto mais complicado for Os itens 5, 6 e 7 tinham como objeti- o caso, mais coerente se torna essa correlação. vo pesquisar a memória oral do aluno e suas Situando esse diagnóstico no panorama habilidades narrativas e intertextuais. Nessas geral das concepções educacionais e linguísti- atividades, obtivemos fortes indícios sobre a cas, pode-se dizer que seus itens reúnem habi- hipótese inicial do projeto: por volta de 70% dos 3. Ainda não publicada.

Educação e Pesquisa, São Paulo, v.36, n.3, p. 685-703, set./dez. 2010 689 690 Claudemir BELINTANE. Oralidade, alfabetização e leitura: enfrentando diferenças e complexidades... lidades orais que recobrem um escopo que vai O que se procurou constatar durante a pesquisa do nível textual, com suas relações intertextuais foi a maior ou menor presença de textos de – posição defendida com rigor pelas metodo- origem oral (narrativas, parlendas, cantigas e logias construtivistas e sociointeracionistas, e outras) tanto na memória das crianças como no também pelos documentos oficiais dos sistemas programa escolar. No caso do programa escolar, de ensino –, aos níveis menores (fonema, sílaba, a equipe procurava constatar se, nas aulas, o palavra) – posição defendida pelas metodologias texto oral era aproveitado em sua dinâmica tradicionais e pelos defensores do método fôni- corporal e linguageira, que, segundo Belintane co em alfabetização (Brasil, 2003). No entanto, (2008), constituem estratégias indispensáveis o balizamento teórico deste diagnóstico não se na preparação das bases da alfabetização e da reduz a um meio-termo entre essa polarização leitura. Em outras palavras, perguntava-se como teórico-metodológica, a ênfase, por exemplo, a oralidade, definida como um conjunto de nos elementos menores encontra suas justifi- gêneros de origem oral destinados à ficção e à cativas teóricas na história da escrita, como é diversão, estaria implicada nas condições gerais o caso, por exemplo, da adoção do rébus como de letramento da criança e na sistematização do um dos elementos para diagnósticos, já que este ensino regular da leitura e da escrita. figurou como uma espécie de dobradiça entre as escritas ideográficas e alfabéticas (Gelb, 1952) Após as intervenções, o que se e nos estudos que contrapõem diacronicamente constatou? a oralidade à escrita, a que Havelock (1995) chamou de “equação oralidade-cultura escrita” Após esses diagnósticos, o grupo procu- (p. 17). Já a hipótese de que é necessário re- rou ministrar duas aulas semanais de reforço correr aos níveis menores decorre também de para uma parte desses alunos (seis meninas e estudos anteriores (Belintane, 2008), em que 10 meninos). Os atendimentos eram individua- se constatou que alunos submetidos quase que lizados ou em pequenos grupos, sempre tendo exclusivamente à fala cotidiana (ao uso do como referência o diagnóstico inicial. Veja-se a imperativo, a diálogos apressados montados a relação entre diagnóstico inicial e desempenho partir de frases curtas e fragmentos nos quais final após um semestre letivo de intervenção os elementos contextuais possuíam um peso (agosto a novembro de 2007) na Tabela 2: excessivo) e pouco expostos às narrativas e aos ludismos linguísticos tenderiam a assumir palavras e orações como blocos indivisíveis ([tir´sudaí”] – para “tire isso daí”, [pegalá] para “pegue lá”) e a estranhar as segmentações, cortes e perdas exigidas pela escrita alfabética. Quando se toca no tema da linguagem oral da criança pobre, aciona-se de imediato a Como se pode ver na Tabela 3, não há ne- polêmica da mãe inadequada e das teorias do nhum caso de aluno que, tendo apresentado um déficit linguístico, e as polêmicas sintetizadas repertório oral interessante (sinal +) no diagnóstico por Soares (1989) e tematizadas na coletânea inicial, não tenha experimentado algum avanço organizada por Patto (1997), que envolvem lin- em leitura na situação final. Os dois casos mais guagem e pobreza. No caso deste projeto, o que complexos, que ficaram estagnados mesmo a par- está em jogo não é a constatação de um código tir dos atendimentos, apresentaram uma situação restrito que se evidenciaria na fala de crianças inicial bem comprometedora (sinal -) em termos da periferia por oposição ao código elaborado de domínio dos itens do diagnóstico e eram jus- das classes mais favorecidas (Bernstein, 1997). tamente os dois que se atrapalhavam na simples

Educação e Pesquisa, São Paulo, v.36, n.3, p. 685-703, set./dez. 2010 691 nomeação de imagens. Esses dois alunos eram uma por atividades literárias, tais como contação de menina (EV, linha 1), cujo atendimento não foi história, declamação, jogos lúdicos e conversas possível continuar em razão de suas resistências, sobre os heróis das narrativas, sobre os modos e um menino (RD, linha 10) que é atendido há de brincar e jogar com palavras. Se na clínica dois anos, cujo progresso se deu somente após um a interação do paciente é inteiramente aberta, ano de atendimento. RD seria um dos casos mais motivada por situações vividas, imaginadas ou complexos da escola pública, mas sua permanência mesmo sonhadas e ainda pontuadas pela escan- no atendimento permitiu avanços consideráveis: são do analista, nos atendimentos da pesquisa, na data em que encerramos a segunda fase da esperava-se o aluno com um arcabouço textual pesquisa, o aluno lia com certa fluência. cheio de ambiguidades e de possibilidades de Reforça-se aqui, então, a seguinte hipó- pontuações subjetivas. Na maioria das vezes, o tese: alunos em cujas memórias não se detec- disparador de uma cadeia significante era um tam, com facilidade, manejos intertextuais e texto lúdico-literário ou um elemento de uma habilidades linguageiras e narrativas tendem a narrativa, como se pode observar nestes dois experimentar problemas sérios durante a esco- casos, um da primeira fase e outro da segunda: larização da leitura e da escrita. O projeto efetivou mais uma fase, du- • VG (criança de 11 anos, com quatro anos de rante a qual se procurou subsidiar duas séries escolarização, veio o atendimento com muitas iniciais do ensino fundamental I, sustentando dificuldades, ainda sem dominar o princípio um programa de ensino baseado nos diagnós- alfabético e com uma renitência à flor da pele). ticos, ou seja, cada item da Tabela 1 abriu um Engajou-se nos atendimentos a partir da valori- tópico curricular. Ao longo do ano, procurou-se zação de um significativo indício obtido quan- observar também a “dinâmica de renitência” do, ao parafrasear a parlenda “Hoje é domingo”, dos alunos que tenderiam a terminar o ano sem retomou em tom de gracejo o trecho “a gente é o domínio completo do alfabeto e da leitura. fraco/cai no buraco/o buraco é fundo/acabou- Denomina-se aqui “dinâmica de renitência” se o mundo” e acrescentou: “eu caí no buraco o modo como o aluno resiste às estratégias quando era pequeno”. Como viu que a pesqui- escolares, tanto as que visam o ensino da lei- sadora valorizou sua fala, continuou: “Minha tura e da escrita como as que têm por objeti- mãe diz que eu não aprendo a ler porque caí no vo envolvê-lo em atividades performáticas do buraco e o fogão caiu na minha cabeça”. A pes- campo da oralidade. quisadora valorizou a associação entre “não ler” e “cair no buraco” e juntos refizeram a parlenda Busca de um modelo singular de citando comicamente a situação de VG cair no atendimento buraco. Essa delicada escuta de sua situação o levou a gostar mais dos textos usados em aula A escuta de alunos em situação escolar e das brincadeiras com palavras. Pouco tempo tal como foi exercida nesta pesquisa difere subs- depois, VG foi se engajando muito bem nos tancialmente da escuta psicanalítica. Se para a atendimentos e, pouco a pouco, escapando da psicanálise a escuta, como já apontava Freud incômoda posição que a fala materna o pôs; no (1988)4, centra-se na “atenção flutuante”, na final, afirmava que iria mostrar pra sua mãe silenciosa espera de um lapso, de um ato falho que ele sabia ler, que a história de “cair no bu- ou mesmo nos jogos significantes presentes nos raco” não era verdadeira. relatos dos sonhos, nesta pesquisa também se • MT (7 anos, ex-criança de rua). Experimentou valorizavam significantes como indícios que um avanço a partir de dois personagens: “O emergiam na relação, mas a partir de uma 4. Volume XII – “Recomendações aos médicos que exercem a psicanálise” situação de ensino semiestruturada, mediada (p. 125-133).

692 Claudemir BELINTANE. Oralidade, alfabetização e leitura: enfrentando diferenças e complexidades... Pequeno Polegar”, dos contos de Perrault, e “O modelo de atendimento que, apesar de basear-se Saci”, personagem do folclore brasileiro, reto- na escuta psicanalítica, também se estrutura no mado oralmente e por meio de leitura do livro manejo linguístico-literário de textos da cultura O Saci de Monteiro Lobato. Segundo o relato de oral infantil – por exemplo, no caso I, uma par- uma das pesquisadoras, o menino questionava a lenda e a aceitação de um nonsense permitiram ao própria natureza da ficção, parecia demonstrar aluno uma aproximação maior com as propostas certo estranhamento diante de histórias, quase de ensino; no caso II, é uma narrativa com seu sempre procurava pontuar a contação introdu- universo ficcional mítico que favorece essa aber- zindo outras possibilidades de ação em vez de tura. A partir dessa ambiência ficcional repleta de aceitar passivamente a progressão da história ambiguidades, torna-se mais fácil a emergência de como fazem as crianças que aceitam bem a fic- uma subjetividade predisposta a um confronto en- ção – um exemplo: no momento em que Pole- tre uma corporalidade excessiva (correr e brincar gar e seus irmãos são abandonados na floresta, sem muitas regras) e as posturas de contenção que o pequeno MT, aflito, interrompia e apontava a escrita põe em jogo (sentar-se, fixar a atenção). outra solução: “eles podem correr atrás dos pais Nesse ponto é que a situação começa a se apro- e voltar, seguir a trilha deles”. Aos poucos, foi ximar de uma dinâmica transferencial a partir da assimilando a narrativa, aceitando sua pro- qual os valores podem ser reequilibrados. Do mes- gressão e se identificando com esse minúscu- mo modo que na psicanálise, em que o paciente lo personagem que, com sua astúcia, vence o invariavelmente apresenta uma teoria para o seu imenso Ogro e reconduz seus irmãos à casa. sintoma e acaba incluindo o analista como parte Quanto ao Saci, pequeno ser, privado de uma dessa teoria e do próprio sintoma (Nasio, 1993), das pernas, mas cheio de astúcia e de poderes, no atendimento o pesquisador se depara com deu ao menino possibilidades de bons engaja- explicações próximas às duas relatadas. mentos no atendimento. Esses movimentos de O mesmo ocorre com a concepção que sua subjetividade funcionaram como pontos de o aluno apresenta sobre seu modo de ler ou giro de sua renitência: MT tinha dificuldades de de enfrentar as letras e textos. Por exemplo, se portar como aluno; como vivia na rua, não ocorriam muitas verbalizações como estas: “é tinha sequer noção dos modos de se portar em preciso ler bem devagar pra não errar”, “eu só uma sala de aula ou mesmo do próprio manejo sei escrever, não sei ler”, “isso não é aula porque dos materiais escolares. Ao identificar-se com o não tem nada pra copiar”, “vou escrever do meu Polegar e o Saci, suas relações com a contação jeito”, “não vou ler nada”. Da conjunção desses de história, com a leitura em voz alta e com dois tipos de explicação, é possível detectar as próprias letras mudaram o suficiente para alguns posicionamentos subjetivos diante da que grandes avanços acontecessem. Em ape- escrita: (1) “de conformismo com justificativa nas três meses, MT dominava bem o alfabeto, familiar”, (2) “de excessiva precaução diante da experimentando algumas dificuldades apenas possibilidade de erro”, (3) “de displicência”; (4) com as sílabas complexas (em geral, dígrafos) e “de compensação” (diz saber outra coisa, por sustentando uma posição subjetiva de leitor em exemplo escrever, copiar), (5) “de renitência”; formação, mostrando grande interesse por livros (6) “de infantilização”. Essa lista pode ser aber- de história, pela obra de Monteiro Lobato, pelo ta, e o número dessas posições não precisa ser espaço da biblioteca, pelas brincadeiras e jogos fixado, o importante é incluir, na escuta, essa baseados nas narrativas especialmente criadas prontidão, a ideia de que essa explicação (a pelo projeto para as salas de aula. teoria sobre o sintoma/fracasso) acabará apa- recendo e precisará ser ressignificada. A partir desses e de outros casos vividos É interessante reforçar que o conceito no projeto, começou a ser possível delinear um de sujeito que norteia esta pesquisa não é o

Educação e Pesquisa, São Paulo, v.36, n.3, p. 685-703, set./dez. 2010 693 mesmo que o sustentado pelos construtivistas A fase II do projeto: algumas ou sociointeracionistas, o sujeito ativo que conclusões possíveis muda de fases, que constrói a escrita a partir de suas tentativas e erros, mas sim um sujeito A primeira constatação importante se excêntrico, que se posiciona em relação ao refere às condições de entrada da criança neste discurso do Outro (Lacan, 1998) e que emerge ciclo. Não há, pelo menos nesta escola, uma na linguagem de forma evanescente, entre pa- preocupação explícita em conhecer melhor essa lavras, entre frases, entre textos. Por exemplo, criança e suas condições de oralidade e letra- MT, quando iniciou o atendimento, apresentava mento (o que ela traz de seu meio e da educação uma posição de renitência, mas ao encantar-se infantil). A equipe procurou conhecer as pastas com as histórias do Pequeno Polegar e do Saci dos alunos oriundas das escolas de educação e com sua atendente (que era a fonte dessas infantil, mas como não há ainda uma prática histórias), ganhou certa fluidez e aceitou se re- que sistematize essa transição, os materiais das posicionar diante das letras e das atividades de crianças só foram entregues pelos pais um mês leitura e escrita. No entanto, a equipe sabia que após o início das aulas – o ideal teria sido ini- sua posição oscilaria, ou seja, partia da ideia de ciar o ano a partir da avaliação desse material. que essa predisposição que se parece com um Após a análise das pastas recebidas, foi sujeito ativo poderá se eclipsar e exigir novas possível detectar que boa parte das atividades estratégias da pessoa que o atende. Outro fato ministradas às crianças visava diretamente o interessante que parece corroborar a hipótese domínio dos números e letras. Em apenas uma dessa evanescência subjetiva é o fato de MT das escolas infantis se detectou uma preocu- e de outros alunos atendidos não transferirem pação mais sistemática com os textos de ori- diretamente para a sala de aula os conheci- gem oral, mas mesmo assim, pelo que se pôde mentos adquiridos nos atendimentos; para que analisar, os textos eram instrumentalizados isso acontecesse, ainda que parcialmente, fo- por objetivos ligados ao domínio da escrita. ram necessárias estratégias específicas como, O envolvimento da equipe com os alunos ao por exemplo, transferir para a sala de aula um longo do ano confirmou essa suspeita inicial: conteúdo que o aluno dominou no atendimento, as crianças possuíam um repertório pequeno e ou ainda o atendente ministrar algumas aulas pouco diversificado de gêneros orais da infân- junto com o professor da sala e reconhecer cia, ou seja, na educação infantil não tiveram explicitamente a mudança de posição do aluno. oportunidades de lidar suficientemente com O modelo de escuta que aqui se buscou, e textos de origem oral de modo que estes de fato que ainda se busca, se baseia na linguagem e tem a constituíssem um lastro de memória textual. oralidade e a literatura como ferramentas. Diferen- Baseada nessas constatações, a equipe temente de outras escutas, seu objetivo é bem ex- procurou, juntamente com os professores da plícito: mudar o posicionamento subjetivo do aluno escola, ministrar um programa que pudesse em relação à escrita e à oralidade. Escutar, portanto, articular uma rede de textos orais; ou seja, a é uma atividade cuja ética e técnica precisam ser preocupação era garantir que um certo número redefinidas especificamente para este campo, pois de textos fosse se estabilizando na memória, ficou muito claro na pesquisa que, desde as séries como matrizes narrativas ou fontes de habi- iniciais, é preciso valorizar as sutis verbalizações ou lidades linguageiras com as quais e entre as atitudes dos alunos, para reposicioná-los diante de quais pudesse emergir uma subjetividade mais uma oralidade mais linguageira, mais propensa à condizente com as exigências da leitura e da função poética, ou seja, rica o suficiente para dar escrita. Conforme já foi dito, se na memória consistência às escansões do alfabeto e à lógica do aluno há um enredamento de textos que se textual da leitura e da escrita. associam quer por temas comuns, quer por seus

694 Claudemir BELINTANE. Oralidade, alfabetização e leitura: enfrentando diferenças e complexidades... elementos formais, o efeito dessa rede deverá semelhanças; (5) organização de coletâneas. se dar também no campo da escrita. Se o aluno Alguns exemplos poderão ilustrar o processo: sabe ouvir, contar e relacionar histórias (inter- textualidade temática), se tem textos lúdico- • Adivinhas: Como os alunos haviam recebi- poéticos na memória e aprendeu a identificar do o material escolar do governo e, segundo os elementos estéticos de cada gênero oral os professores da sala, esse momento era de (paralelismos, aliterações, assonâncias, rimas grande euforia, a equipe resolveu apresen- e outras iterações), muito provavelmente sua tar algumas adivinhas cujas respostas eram leitura e seu manejo da escrita se tornarão mais exatamente os materiais que eles tinham em dinâmicos e significativos. mãos (exemplo: “nasce grande e morre pe- A equipe procurou mobilizar os professores queno” – resposta: o lápis). O trabalho foi um das duas turmas para que entendessem bem os sucesso e finalizou com um livro de adivi- princípios que norteavam a perspectiva de tra- nhas. No retorno do segundo semestre, o co- balho e para que inserissem em seus programas ordenador do projeto constatou que os alunos itens propostos pelo projeto. No entanto, essas se recordavam facilmente do nome de todos inserções não puderam ser feitas sem levar em os materiais, de suas adivinhas e de outras já consideração o programa curricular do Projeto abordadas no primeiro. “Ler e Escrever”. A partir das hipóteses do Projeto, • Contos europeus e brasileiros: Como as algumas estratégias nortearam essas inserções: crianças traziam na memória apenas alguns contos europeus, os mais abordados pela mí- 1. Diagnóstico oral coletivo – iniciou-se o pro- dia, a equipe tinha como missão ampliar ra- cesso por um diagnóstico coletivo, ou seja, por pidamente esse repertório e, de preferência, meio de conversas com a sala, procurava-se enredar uma intertextualidade introduzindo mapear o universo temático e formal dos tex- inclusive diversos contos brasileiros. Foram tos orais que as crianças traziam na memória. narrados e entrelaçados, logo no início, os 2. Atividades performáticas – nas atividades seguintes contos: “João e o pé de feijão”, performáticas coletivas, um pesquisador ob- “João e Maria” e “O Pequeno Polegar”, além servava a reação dos alunos que apresenta- de abrir também um repertório de contos bra- vam indícios de pouco repertório ou mesmo sileiros: “A árvore de Tamorumu”, “O macaco pouca prática em atividades orais coletivas. Simão”, “O macaco e o pé de milho”, “A his- Em cada sala, foi possível notar, desde o iní- tória da coca”, “A árvore da montanha”, “A cio, que oito ou nove alunos apresentavam velha a fiar” e outras. Após as performances e participações não favoráveis à atividade: as conversas, os alunos conheciam os contos evasão completa, participação exagerada e nos livros ou, quando fosse o caso, em filmes. indisciplina. Esses alunos eram entrevistados Somente após o domínio dessas matrizes é e atendidos isoladamente, e, sempre que pos- que se começou a trabalhar trechos, palavras, sível, procurava-se recuperar a atividade ou frases e imagens como motivadores dinâmi- conversar sobre ela. Nas aulas subsequentes, cos para o uso da escrita. dedicava-se especial atenção ao engajamento desses alunos. Memória entre textos, imagens e 3. Percurso para atividades orais – as ativi- suportes dades seguiam o seguinte percurso: (1) per- formance, (2) conversa sobre a atividade, (3) No diagnóstico da fase I, o rébus apare- levantamento de brincadeira ou história seme- ceu com um grande problema para os alunos lhante na memória dos alunos, (4) pesquisa em que não dominavam a escrita mesmo após três casa e/ou em livros com o objetivo de buscar ou quatro anos de escolarização. No programa,

Educação e Pesquisa, São Paulo, v.36, n.3, p. 685-703, set./dez. 2010 695 ele foi assumido como uma estratégia especial, narrativas. O recurso do rébus é praticamente pois, além de ser tomado como uma dobradiça combatido pelos construtivistas e sociointera- entre a imagem e a escrita, também funcionou cionistas, por ser compreendido como pedagogia como um forte elemento de diagnóstico. O uso das partes menores da palavra, silabação, letra do rébus é um passo qualitativo que permite etc.. No entanto, na pesquisa, ele se mostrou diagnósticos que vão além das fases ou níveis eficaz e indispensável, sobretudo para os alunos de Ferreiro y Teberosky (1989), pois a passa- que apresentam dificuldades para compreender gem da imagem para a sílaba exige “cortes” e a sílaba como um algoritmo. “perdas” cujos sentidos vão além do domínio O cinema também foi utilizado: as duas consciente da escrita. A seguir, um exemplo animações de Michel Ocelot, Kiriku e a feiticeira das implicações que a leitura dos rébus propõe: e Kiriku e os animais selvagens, foram projeta- das mais de uma vez. Muitas cenas foram isola- GAlo TOmate das para que as narrativas fossem reconstituídas de uma forma bastante completa. As narrativas cinematográficas também eram reutilizadas em joguinhos de computador produzidos especial- mente para o projeto. Em primeiro lugar, o sujeito tem que se “descolar” da imagem do galo (sair da “preg- A nomeação nância imaginária”) e ler a figura apenas como GA, cortando o LO. Logo após, deve fazer o Outro ponto igualmente importante foi mesmo com a segunda imagem. O sujeito terá a expansão do tema “nomeação”, cujo objeti- que aceitar os ajustes entre os dois fragmentos vo era não apenas ampliar o vocabulário, mas para encontrar aí a palavra GATO. Na monta- também pôr a criança diante de dois fenôme- gem da palavra, há também uma ultrapassagem nos: (1) a relação entre termos mais genéricos da “pregnância sonora”, pois o sujeito tem que (hiperonímia: árvores, animais, passarinhos) e se descentrar da silabação e assumir o sentido. nomes populares mais específicos (ipê, raposa, Como as atividades do projeto sempre procura- tié-sangue), chamando a atenção para o modo vam um enredamento de níveis (sílaba, palavra, de nomeação (“Por que este passarinho se cha- texto), o gato redescoberto, assim como outras ma “quero-quero?”, “E este aqui, por que se palavras, permitiam redescobrir uma parlenda chama “coruja buraqueira?”), enfim para os escondida (as palavras gato, mato, fogo, água, efeitos de criação de sentidos (onomatopeias, boi, trigo, galinha, ovo, padre e missa formavam efeitos metafóricos e metonímicos); (2) a relação a parlenda “Cadê o toucinho daqui?”). A brin- significante, evidenciando nomes estranhos, cadeira era denominada “descubra a parlenda”. com efeitos sonoros curiosos, por exemplo, O rébus também era a base de vários “murucututu” (um tipo de coruja), “jaratataca” jogos elaborados pela equipe no suporte eletrô- (um tipo de gambá), “xexéu” (um pássaro) – nico, nos quais o aluno redescobria, além das tais palavras permitiam que algumas crianças parlendas, outras brincadeiras orais e as narra- percebessem as repetições de vogais e conso- tivas que já traziam na memória. Além dessa antes, o que permitia acrescentar ao processo a leitura do rébus, também se praticava a leitura dimensão do poético, de um efeito significante de ilustrações dos livros; por exemplo, liam-se que vai além da relação direta entre significante episódios do “Pequeno Polegar” nas gravuras e significado (as consoantes bilabiais [m], [t] e de Gustave Doré, as quais serviam como apoio o tepe alveolar do [r], associados à repetição mnemônico, sobretudo para as crianças que do [u], que é também vogal fechada, introduz ainda não tinham prática na reconstrução de novos sentidos para essa coruja, cujo canto e

696 Claudemir BELINTANE. Oralidade, alfabetização e leitura: enfrentando diferenças e complexidades... mistério parecem ressonar em seu próprio nome; por exemplo, alternar “leitura em voz alta” o mesmo acontece com a “jaratataca”, que se com “contação de história” ou, ainda, estimular abre em seus estalidos e saltos).Constatamos que atividades que agreguem corpo em movimento, os onomatopaicos e a remotivação signica po- ritmo e voz. Os argumentos, em geral, são os dem ter um papel fundamental na alfabetização. seguintes: “não consigo memorizar histórias e Como se pode observar, a pesquisa insistiu textos”, “os alunos são muito indisciplinados e na formação de uma base textual na memó- tudo se transforma em bagunça”, “o programa ria, tomando sempre como ponto de partida a é muito longo, não posso perder tempo com oralidade performática, o corpo como suporte, brincadeiras” e outros. Essas habilidades deve- mas sempre explorando paralelamente outras riam ser compreendidas como indispensáveis linguagens e suportes (escrita, gravuras, cartazes, para o exercício da profissão e ser exigidas em livros, computador e cinema). Ficou claro para concursos públicos e no próprio trabalho. a equipe que, desse enredamento, são obtidos efeitos muito positivos na dinâmica das salas: as Acompanhamentos paralelos constantes redescobertas dos textos, das palavras, das imagens, resultaram em uma ambiência edu- A pesquisa deixa claro, em seus resulta- cacional rica, diversificada e interativa. dos, que as salas de aula já são heterogêneas desde o início, ou seja, haverá descompassos Alternância: contar, ler; ler e contar nos níveis de aprendizagem desde o bimestre inicial. Se se quiser, portanto, assumir de fato Outra estratégia importante utilizada pelo uma política de alfabetização e leitura, será grupo foi a alternância entre as modalidades necessário manter um trabalho de equipe que de narrativa. A contação de história entrava extrapole o modelo vigente (um professor para sempre em primeiro plano, pois era a principal cada sala com trinta ou mais alunos). Como, en- responsável pelo lastro de memória narrativa. A tre os construtivistas brasileiros, disseminou-se leitura vinha em seguida e, por fim, o comen- a ideia de que a criança tem até dois anos para tário, as trocas de opiniões; exemplo: o saci, se alfabetizar, todas as sobras da 1ª. série vão como personagem do folclore, foi apresentado para a segunda sem o menor constrangimento. por meio de conversa e de contação de história, O que não se percebe é que, desde o bimestre depois por meio do livro O saci, de Lobato, cuja inicial, o aluno que não assimila o ritmo das narrativa era parafraseada e, ao mesmo tempo, atividades de domínio do código já se põe como lida em voz alta. O ponto mais alto dessa ati- subjetividade renitente, como aquele que não vidade era atingido quando o professor, diante consegue aprender a ler e que, por esse mesmo de um momento mais catártico, interrompia a motivo, se isola também das brincadeiras orais leitura e deixava o trechinho final por conta e de outras atividades coletivas. dos alunos, que se esforçavam e se lançavam O projeto realizou a experiência de diag- à leitura em duplas ou em pequenos grupos. nosticar e acompanhar esses alunos em suas Cabe aqui uma importante observação quan- singularidades, procurando detectar seus mo- to à formação de professores: levando-se em vimentos de aproximação e de afastamento conta essa pesquisa e os cursos de formação em relação ao universo da leitura e da escrita. de professores dado nas redes públicas pela A equipe acompanhou os alunos que, desde o equipe do coordenador do projeto, pode-se início, destoavam da turma. A síntese desse concluir que boa parte dos professores não se resultado segue na Tabela 4. sente responsabilizada quando diz não saber Esses acompanhamentos foram realiza- contar história ou mesmo realizar outras ati- dos com supervisão semanal do coordenador vidades performáticas com as crianças, como, do projeto. A intenção era buscar um modelo

Educação e Pesquisa, São Paulo, v.36, n.3, p. 685-703, set./dez. 2010 697 698 Claudemir BELINTANE. Oralidade, alfabetização e leitura: enfrentando diferenças e complexidades... de trabalho em equipe que pudesse acompanhar do seu envolvimento com a escrita e com a todos os tipos de dificuldades dos alunos desde própria relação educativa (posicionamento os primeiros dias de aula. Esses atendimentos subjetivo). Como se observou nas duas fases permitiram algumas conclusões: da pesquisa, a renitência do aluno diante da escrita é progressiva, torna-se cada vez mais 1ª Assiduidade é fundamental. Boa parte dos complexa ao longo dos anos; portanto, não alunos que entram em defasagem de nível, é conveniente esperar até o terceiro ano de apesar da oferta de acompanhamento para- escolarização, como faz o programa PIC da lelo, entra em razão de sua baixa frequência. rede municipal de educação (São Paulo, 2006), Durante os atendimentos, era comum um alu- para inserir classes de recuperação. O que aqui no experimentar avanços tanto na expansão se preconiza é diferente do que a Secretaria de sua memória oral como no domínio do al- Municipal de São Paulo almeja com o TOF fabeto, mas sofrer igual retrocesso após uma (Toda Força ao Primeiro Ano), cujo modelo, ausência prolongada. Uma das pesquisadoras assumido também pela Rede Estadual de São direcionou sua pesquisa às famílias, tentando Paulo, prevê “junto a cada professor do 1º. ano compreender o porquê desse aparente deslei- um auxiliar – aluno pesquisador – estudante xo em relação à escola. Apesar de o trabalho de Pedagogia e Letras” (São Paulo, 2006, p. 5) ainda não estar concluído, a pesquisadora e um programa de formação que se esmera em encontrou um conjunto complexo de motivos, se definir como construtivista, cujo foco é a que vão desde dificuldades familiares (por escrita em detrimento da oralidade (Belintane, exemplo, conflitos parentais) a outras ligadas 2008), da leitura (Bajard, 1992) e de outras ao trabalho da família (saem cedo de casa, a dimensões da linguagem (Borges, 2006; Bosco, criança fica sozinha e decide por si) ou mes- 2002). Como se observou na pesquisa, a exces- mo a moradia e transporte. siva submissão ao construtivismo no cotidiano 2ª Um trabalho em equipe (“a dobradiça”). A escolar redunda em dois problemas graves: (1) responsabilidade pelas séries iniciais deve ser numa técnica única de diagnóstico, centrada atribuída a uma equipe composta por educa- na escrita, por meio da qual se classificam os dores da educação infantil e das duas séries alunos; (2) numa forte ideologização contra o iniciais – poder-se-ia usar a imagem de uma uso de famílias silábicas e de outras técnicas dobradiça como metáfora para a articulação que utilizam os elementos menores da língua entre a educação infantil e início do ensino e da escrita5. O que a pesquisa constata é que fundamental I – o currículo tem que ser ar- o isolamento do professor com sua classe, as- ticulado, a continuidade do programa tem sociado a esse sistema classificatório de diag- que ser garantida, não se pode compreender nóstico centrado na escrita, deixa de lado as a 1ª. série do fundamental como marco zero. questões mais candentes de uma sala de aula Cada turma de 1ª. série poderia ficar sob a concreta, que, em geral, requer uma escuta responsabilidade de uma dupla de professores, mais detalhada de sua heterogeneidade e estra- sendo um deles mais especializado em conhe- tégias mais contextualizadas e diversificadas. cimentos linguísticos e mais predisposto a uma 3ª Deslocar o foco do escrito para o oral. O formação contínua em torno de estudos que projeto partiu de uma oralidade que dinamiza favoreçam a compreensão das singularida- a memória, a expressão corporal e as habi- des, ou seja, teria disponibilidade para diag- 5. Na escola da pesquisa, o manual doado pelo Programa Nacional do Livro nosticar e atender alunos em agrupamentos Didático (PNLD) fora proibido, os professores não podiam utilizá-los em sala ou em sessões individuais, de acordo com as de aula sob a justificativa de que se tratava de uma cartilha tradicional. A obra foi analisada pela equipe, que constatou não se tratar de cartilha, mas sim necessidades. Esse manejo se daria a partir de de um manual com fundamentos construtivistas, mas que agrega algumas diagnósticos tanto da oralidade do aluno como poucas atividades com famílias silábicas.

Educação e Pesquisa, São Paulo, v.36, n.3, p. 685-703, set./dez. 2010 699 lidades linguageiras, que deverão favorecer da oralidade e dos livros, permitiu vislumbrar uma entrada na escrita que, ao mesmo tempo, possibilidades de se introduzir o computador para prevê o domínio completo das dificuldades do os alunos das séries iniciais, mas sem as rupturas código e a expansão de matrizes que deverão imaginárias com o universo da oralidade e do subsidiar o fluxo significativo da leitura. A livro. Todos os alunos das duas séries, no início do experiência deu certo nas atividades coleti- ano, entendiam o computador apenas como uma vas, nos atendimentos individuais e mesmo oportunidade para “joguinhos”, mas, quando se com os casos mais complexos. depararam com os personagens e situações vistas nos contos, nos livros e nos filmes, percebiam que Conclusão geral estavam aprendendo a ler e, ao mesmo tempo, redescobrindo temas e personagens que já estavam A aplicação do programa nas duas sa- em suas memórias. las de aula seguiu uma dinâmica interessante, Utilizando um programa6 que permite co- embora não tenha gozado de exclusividade, já mandos simples (“arraste e solte”, “liga pontos”, que os professores tinham que cumprir também “imagem-som”), a equipe criou joguinhos de o programa do projeto “Ler e Escrever”, o que oralidade e alfabetização7 que permitiam diver- obrigava os pesquisadores a estabelecer uma tidas brincadeiras com os textos orais vistos em convergência entre os dois programas. Quanto aos sala e, ao mesmo tempo, propiciavam o uso de suportes, também se procurou manter trajetórias recursos multimídia (som, imagem, imagem em convergentes, desde o suporte corpo (memória, movimento, texto, hipertexto e recursividade). performance) até o suporte eletrônico, passando Apesar de o programa planejado não ter pelo gráfico, mas sempre abrindo possibilidades sido aplicado com exclusividade nas duas salas, para outras linguagens. Criou-se uma ambiência os resultados foram interessantes e promissores. de imersão e submersão de subjetividades, ou seja, O Gráfico 1 representa uma avaliação das seis facultaram-se as condições linguageiras básicas classes de 1ª série da escola, realizada em 13 de para movimentos subjetivos entre os diversos gê- julho de 2009, pela própria escola, a pedido da neros, meios, suportes e linguagens. A introdução 6. O projeto trabalhou com um programa de fácil manuseio, o Visual Class, do suporte eletrônico, da forma como foi feito, de autoria de Celso Tatizana. com atividades ricamente contextualizadas a partir 7. Os joguinhos foram concebidos pela equipe e programados por Alcebíades Diniz, bolsista do projeto.

700 Claudemir BELINTANE. Oralidade, alfabetização e leitura: enfrentando diferenças e complexidades... Secretaria da Educação. Nota-se que as duas séries • Identificação de trechos de histórias (pa- acompanhadas pela pesquisa (B e E) apresentam rafraseados) a partir de suas ilustrações –por as melhores performances, mesmo levando-se em exemplo, a imagem do Pequeno Polegar ti- conta apenas a classificação construtivista: rando as botas do Ogro ou do Macaco Simão Nos diálogos avaliativos com os alunos, comendo suas bananas deveriam ser coladas, realizados já nas últimas semanas de aula, em que como se fossem figurinhas, nos espaços que se retomavam narrativas, jogos, brincadeiras, leitu- continham suas respectivas legendas. ras e personagens, era possível notar com clareza duas salas dinâmicas, animadas, predispostas a O resultado geral da avaliação está apresen- continuar o trabalho – na linguagem do projeto, tado na Tabela 5. “duas ambiências propícias à formação de leitores”. Se o monitoramento das turmas tivesse No entanto, apesar de todas as dificuldades para sido mais completo, com uma boa transição entre se avaliar habilidades de leitura, a equipe resolveu educação infantil e ensino fundamental e uma aplicar, na primeira semana de dezembro, uma aplicação exclusiva do programa preconizado, avaliação final cujo objetivo era detectar mais possivelmente os resultados teriam sido ainda precisamente o nível de leitura das duas salas. O melhores. O que fica claro é que o foco das pes- instrumento trazia as seguintes atividades: quisas e das ações pedagógicas deve se centrar mais nas singularidades pessoais e culturais da • Correlação entre imagem e palavra (a ima- criança brasileira. A transição da oralidade para gem de uma bananeira, por exemplo, deveria a escrita implica manejos didáticos mais con- ser associada à sua forma escrita correta, pos- textualizados e precisos, com o monitoramento ta aleatoriamente entre quatro outras formas constante das defasagens de níveis desde o início com segmentos quase homógrafos: barateira, do primeiro ano do ensino fundamental. banheira, pananeira, baladeira, bananeira); A articulação entre pesquisa acadêmica • Nomeação de personagens conhecidos por meio e ensino público pode avançar muito se houver de rébus, no computador ou no suporte gráfico; um desprendimento maior de pesquisadores • Leitura e compreensão de textos conheci- e educadores em relação às metodologias ou dos – escolher a alternativa correta, lendo-a mesmo às teorias que enrijecem seus modos de com autonomia; lidar com a complexa realidade brasileira.

Educação e Pesquisa, São Paulo, v.36, n.3, p. 685-703, set./dez. 2010 701 Referências bibliográficas

BELINTANE, C. Vozes da escrita: entre crianças e menestréis. Estilos da clínica, São Paulo, v. 1, n. 1, p. 36-51, 2008.

_____. Leitura e alfabetização no Brasil: uma busca para além da polarização. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 32, n. 2, p. 261-277, maio/ago. 2006.

BAJARD, E. Afinal, onde está a leitura?Cadernos de Pesquisa, São Paulo, n. 83, p. 29-41, 1992.

BERNSTEIN, B. Estrutura social, linguagem e aprendizagem. In: PATTO, M. H. S. Introdução à psicologia escolar. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1997. p. 145-169.

BORGES, S. O quebra-cabeça da escrita: a alfabetização depois de Lacan. Goiânia: UCG, 2006.

BOSCO, Z. R. No jogo dos significantes: a infância da letra. Campinas: Pontes, 2002.

BRASIL. Ministério da Educação. Plano de Desenvolvimento da Educação. Prova Brasil: Ensino Fundamental: matrizes de referência, tópicos e descritores. Brasília: MEC, SEB, INEP, 2008/2009.

BRASIL. Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep/MEC). Notícias da Prova Brasil e Saeb 2007. Disponível em: . Acesso em: ago. 2010.

BRASIL. Relatório Final do Grupo de Trabalho Alfabetização Infantil: os novos caminhos. Seminário “O Poder Legislativo e a Alfabetização Infantil: novos caminhos”. Comissão de Cultura e Educação da Câmara dos Deputados, 2003. Disponível em: . Acesso em: 15 set. 2003.

FERREIRA, E.; TEBEROSKY, A. Los sistemas de escritura en el desarrollo del niño. 11. ed. México: Siglo Ventiuno, 1989.

FREUD, S. Obras Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1988.

GELB, J. I. Historia de la escritura. Versión española de Alberto Adell. Madrid-Espanha: Alianza, 1952.

GINZBURG, C. Sinais: raízes de um paradigma indiciário. In: GINSBURG, C. Mitos, emblemas e sinais: morfologia e história. Tradução Federico Carotti. São Paulo: Companhia das Letras, 1989. p. 143-179.

HAVELOCK, E. A equação oralidade-cultura escrita: uma fórmula para a mente moderna. In: OLSON, D. R.; TORRANCY, N. Cultura escrita e oralidade. Tradução Valter Lellis Siqueira. São Paulo: Ática, 1995. p. 17-34.

JAKOBSON, R. Dois aspectos da linguagem e dois tipos de afasia. In: ______. Lingüística e comunicação. Tradução Izidora Blikstein e José Paulo Paes. São Paulo: Cultrix, 1995. p. 34-62.

LACAN, J. A instância da letra no inconsciente. In: ______. Escritos. Tradução Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998. p. 496-533

LEMOS, C. Sobre a aquisição da escrita: algumas questões. In: ROJO, R. (Org.). Alfabetização e letramento. São Paulo: Mercado de Letras, 1998. p. 13-53.

LUDKE, M.; ANDRÉ, M. E. D. Pesquisa em educação: abordagens qualitativas. São Paulo: EPU, 1986.

NASIO, J. Cinco lições sobre a teoria de Jacques Lacan. Tradução Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1993.

PATTO, M. H. S. (Org.). Introdução à psicologia escolar. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1997.

SÃO PAULO. Secretaria Municipal da Educação. Projeto “Toda força ao 1º ano”: guia para planejamento ao professor alfabetizador – orientações para o planejamento e avaliação do trabalho com o 1º ano do Ensino Fundamental. São Paulo: SME/DOT, 2006.

702 Claudemir BELINTANE. Oralidade, alfabetização e leitura: enfrentando diferenças e complexidades... SÃO PAULO. Secretaria Municipal da Educação. Ler e escrever: guia de planejamento e orientações didáticas; professor alfabetizador 1a série. São Paulo: FDE, 2008.

SOARES, M. Linguagem e escola: uma perspectiva social. São Paulo: Ática, 1989.

Recebido em 06.03.2010 Aprovado em 22.06.2010

Claudemir Belintane é professor de Metodologia do Ensino de Língua Portuguesa da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo.

Educação e Pesquisa, São Paulo, v.36, n.3, p. 685-703, set./dez. 2010 703